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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A MULHER ANUNCIADA:
Um estudo das representações do feminino na propaganda
brasileira e norte-americana
Beatriz Alves Velho
2007
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ii
A MULHER ANUNCIADA:
Um estudo das representações do feminino na propaganda
brasileira e norte-americana
Beatriz Alves Velho
Tese de Doutorado apresentada ao
Instituto Coppead de Administração,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em
Administração.
Orientador: Everardo Pereira Guimarães Rocha
Rio de Janeiro
Julho/2007
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iii
A MULHER ANUNCIADA:
UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA
PROPAGANDA BRASILEIRA E NORTE-AMERICANA
Beatriz Alves Velho
Orientador: Everardo Pereira Guimarães Rocha
Tese de Doutorado submetida ao Instituto COPPEAD de Administração, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Administração.
Aprovada por:
___________________________
Presidente, Prof. Everardo Pereira Guimarães Rocha
COPPEAD/UFRJ
___________________________
Prof.ª Letícia Moreira Casotti
COPPEAD/UFRJ
___________________________
Prof.ª Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca
FACC/UFRJ
___________________________
Prof.ª Carla Fernanda Pereira Barros
ESPM
___________________________
Prof. Leonel Azevedo de Aguiar
PUC-RIO
iv
Velho, Beatriz Alves
A mulher anunciada: um estudo das representações do
feminino na propaganda brasileira e norte-americana
/
Beatriz
Alves Velho. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2007.
xii, 207 f.: il.
Orientador: Everardo Pereira Guimarães Rocha
Tese (Doutorado em Administração) UFRJ/ COPPEAD/
Programa de Pós-graduação em Administração, 2007.
Referências bibliográficas: f. 165-174.
1. Marketing. 2. Negócios Internacionais. 3. Publicidade. 4.
A
ntropologia do Consumo. I. Velho, Beatriz Alves. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pós
Graduação e Pesquisa em Administração. III.
A
mulhe
r
anunciada: um estudo das representações do feminino na
propaganda brasileira e norte-americana
v
Ao meu anjo sapeca Gabriel
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Everardo Rocha, orientador e amigo fundamental ao
longo do meu Mestrado e Doutorado.
À Professora Angela da Rocha, pelas conversas iniciais que ajudaram em
muito na maturação da idéia desta tese.
Aos membros de minha banca de projeto, Professora Letícia Casotti,
Professora Ana Carolina Pimentel e Professor Leonel Aguiar, pelos comentários
essenciais para a transformação de tal projeto numa tese de Doutorado. E à
Professora Carla Barros, que juntou-se ao grupo para a banca de defesa da tese
propriamente dita.
A todos os demais professores da casa com quem tive contato e com quem
pude aprender para a carreira e para a vida, em especial à memória do professor
Hemais, sempre tão amável. E aos gentis e dedicados funcionários do Coppead,
sempre muito prestativos.
A todas as informantes, brasileiras e norte-americanas, que generosamente
cederam seu tempo para fornecerem importantes relatos. Em especial, às
professoras e demais funcionárias da Escola Americana do Rio de Janeiro, por me
abrirem sua “casa”.
A minha família e amigos, que mais do que nunca nesse período foram muito
importantes para mim. Em especial, a meu pai Otávio e a meu tio Gilberto pelos
empréstimos de inúmeros livros, a minha mãe Maria Lucia pelo incentivo infinito, à
Tetê pelo apoio, ao Bernardo por surgir na minha vida e ao meu filho Gabriel por ser
a minha fonte inesgotável de felicidade.
vii
RESUMO
A MULHER ANUNCIADA:
UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA
PROPAGANDA BRASILEIRA E NORTE-AMERICANA
Beatriz Alves Velho
Orientador: Everardo Rocha
Resumo da tese de Doutorado submetida ao Instituto COPPEAD de Administração,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Administração.
A presente tese investigou as diferenças envolvidas na percepção de anúncios de
revistas femininas por mulheres de duas culturas distintas, a brasileira e a norte-
americana. Para tal, foram realizadas entrevistas em profundidade com mulheres
das duas nacionalidades e que tamm tenham tido contato relevante com a outra
cultura. Desse modo, buscou-se identificar em seus discursos percepções acerca do
que seria local e do que pode ser global nos anúncios publicitários que as têm como
público-alvo. Os resultados apontam que em geral não é possível veicular o mesmo
anúncio nos Estados Unidos e no Brasil, pois a outra cultura pode se chocar ou não
aceitar bem determinados aspectos que são senso comum no país de origem da
propaganda. No entanto, há algumas propagandas que são bem aceitas tanto por
brasileiras quanto por norte-americanas.
Palavras-chave: negócios internacionais, antropologia do consumo, mulher,
publicidade, Brasil, Estados Unidos.
Rio de Janeiro
Julho/2007
viii
ABSTRACT
THE ADVERTISED WOMAN: A STUDY OF THE REPRESENTATIONS
OF THE FEMINE IN BRAZILIAN AND NORTH AMERICAN PUBLICITY
Beatriz Alves Velho
Chairman: Everardo Rocha
Abstract of thesis presented to COPPEAD/UFRJ as partial fulfillment for the degree
of Doctor of Science (D Sc.) in Business Administration.
In this thesis, issues that have to do with symbolism regarding the acceptance of
advertisements published in women's magazines on the part of women belonging to
two distinct cultures (Brazilian and North American) are discussed. With this objective
in mind, in-depth interviews with women of the two nationalities that have had a
significant contact with the other culture were carried out. In this manner, an attempt
to identify in their discourses perceptions regarding what is local and what is global in
the publicity ads that have them as their target was carried out. Results suggest that
in general the same advertisement cannot circulate in both countries, since the other
culture be shocked or not accept certain features that are considered common sense
in the country where the publicity originated. However identical publicity may be
acceptable for both Brazilian and North American women in some cases.
Key-words: international business, consumer anthropology, woman, advertising,
Brazil, United States.
Rio de Janeiro
July/2007
ix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:
Total dos anúncios coletados ........................................................... 88
Gráfico 2:
Classificação quanto ao serviço/produto anunciado nos anúncios de
revistas brasileiras ........................................................................................... 115
Gráfico 3:
Classificação quanto ao serviço/produto anunciado nos anúncios de
revistas norte-americanas ................................................................................ 116
Gráfico 4:
Classificação quanto ao tipo de mulher representada nos anúncios de
revistas brasileiras ........................................................................................... 118
Gráfico 5:
Classificação quanto ao tipo de mulher representada nos anúncios de
revistas norte-americanas ................................................................................ 119
x
LISTA DE QUADROS
Quadro 1:
Categoria de produtos e papel do sexo ........................................... 61
Quadro 2:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à retratação do papel da mulher nos anúncios ...................................... 71
Quadro 3:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à imagem da empresa ........................................................................... 72
Quadro 4:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à intenção de compra ............................................................................ 72
Quadro 5:
Gênero representado com mais freqüência conforme a categoria de
produto e país .................................................................................................... 76
Quadro 6:
Categorias de produto e elementos humanos nos anúncios ........... 82
Quadro 7:
Resultado da compilação das revistas .......................................... 113
Quadro 8:
Culturas monocrônicas e policrônicas ........................................... 144
Quadro 9:
Como reconhecer a orientação em relação ao tempo ................... 145
Quadro 10:
Como reconhecer as diferenças [entre culturas neutras e afetivas]
.......................................................................................................................... 148
Quadro 11:
Como reconhecer as diferenças [entre culturas universalistas e
particularistas] .................................................................................................. 149
Quadro 12:
Como reconhecer as diferenças
[entre culturas específicas e
difusas] ............................................................................................................. 154
Quadro 13:
Principais diferenças relatadas pelas informantes entre anúncios
brasileiros e norte-americanos ......................................................................... 156
xi
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
................................................................................................1
2
REVISÃO DE LITERATURA
.........................................................................7
2.1
A QUESTÃO DA CULTURA
.......................................................................9
2.1.1
Conceito de cultura
...................................................................................9
2.1.2
O impacto da cultura em Negócios Internacionais
............................12
2.1.2.1
O estudo de Hall
..........................................................................14
2.1.2.2
O estudo de Hofstede
.................................................................16
2.1.2.3
O estudo de Trompenaars
..........................................................18
2.1.2.4
Outros estudos
............................................................................21
2.1.3
Cultura norte-americana X Cultura brasileira
.....................................24
2.1.3.1
A escolha dos EUA como o “outro” país
....................................25
2.1.3.2
A origem das diferenças
.............................................................27
2.1.3.3
Cidadania, mulher, a casa e a rua
.............................................31
2.1.4
Global X Local
..........................................................................................34
2.1.4.1
O global e o local em Administração de Empresas
...................38
2.2
O PAPEL DA MULHER
.............................................................................42
2.2.1
Observações sobre a identidade feminina
..........................................42
2.2.2
Alguns aspectos históricos sobre a mulher
.......................................45
2.2.3
As visões de Foucault e Bauman
.........................................................51
2.3
A SOCIEDADE DE CONSUMO E A PUBLICIDADE
..............................54
2.3.1
Comunicação de Massa
.........................................................................54
2.3.2
Publicidade voltada ao público feminino
............................................60
2.3.2.1
Estudos internacionais
................................................................60
2.3.2.2
Estudos no Brasil
.........................................................................78
3
METODOLOGIA
...........................................................................................84
3.1
TIPO DE PESQUISA E PERGUNTA DE PESQUISA
.............................84
3.2
COLETA E CLASSIFICAÇÃO DOS DADOS
...........................................85
3.2.1
As revistas selecionadas
.......................................................................86
3.2.2
A classificação dos dados
.....................................................................88
xii
3.2.3
Os anúncios selecionados
.....................................................................93
3.3
A SELEÇÃO DAS INFORMANTES E AS ENTREVISTAS
.....................95
3.4
BUSCA DOS DADOS
..............................................................................103
3.4.1
O método etnográfico
...........................................................................103
3.4.2
Estudos de Administração inspirados na etnografia
......................107
4
DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS
...........................................................113
4.1
DESCRIÇÃO DOS ANÚNCIOS
..............................................................113
4.2
DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
........................................................120
4.2.1
Percepção da diferença entre Brasil e Estados Unidos
..................120
4.2.2
A mídia e sua influência sobre a vida das informantes
..................128
4.2.3
Diferenças entre os anúncios brasileiros e os anúncios norte-
americanos
...........................................................................................................130
5
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
.................................................142
5.1
A NOÇÃO DO TEMPO
............................................................................143
5.2
AFETIVIDADE E CONTATO FÍSICO
.....................................................147
5.3
ALTO CONTEXTO X BAIXO CONTEXTO
............................................151
5.4
O GLOBAL E O LOCAL NOS ANÚNCIOS
............................................155
6
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS PARA PESQUISAS FUTURAS
....159
BIBLIOGRAFIA
.....................................................................................................165
APÊNDICE
.............................................................................................................176
ANEXOS
................................................................................................................177
1 INTRODUÇÃO
A cultura é como uma lente através da qual o homemo
mundo.
(Ruth Benedict)
Os historiadores e arqueólogos um dia descobrirão que os
anúncios de nosso tempo constituem os mais ricos e fiéis reflexos
diários que uma sociedade pode conceber.
(Marshall McLuhan)
Essa tese busca compreender se diferenças culturais podem ser
percebidas por mulheres brasileiras e norte-americanas na publicidade de
revistas brasileiras e norte-americanas dirigidas ao público feminino, assim como
também identificar os principais pontos envolvidos nessa diferenciação, o que
sugere uma dificuldade na padronização global das peças publicitárias. Mais
especificamente, aqui são comparadas as propagandas voltadas para o público
feminino de duas culturas distintas, a brasileira e a norte-americana.
Desta forma, uma das questões importantes nesse estudo é a relação
existente entre o global e o local. Se, por um lado, a propaganda pode ser
considerada um reflexo da sociedade que a produz, por outro, o fenômeno da
globalização e internacionalização das empresas pode estar estimulando uma
homogeneização das imagens e linguagens utilizadas. Um estudo comparativo
entre duas culturas distintas foi o caminho encontrado para observar com mais
detalhe essa possível influência na propaganda e, conseqüentemente, nos
Negócios Internacionais. Esse debate se acha dentro de uma discussão mais
ampla, que envolve a questão do imaginário coletivo, da cultura e do consumo.
Portanto, como complemento, uma discussão acerca do imaginário que
2
envolve a questão do consumo e da comunicação do marketing em culturas
distintas é realizada, buscando entender quem é essa mulher “de dentro dos
anúncios
1
” norte-americanos e “de dentro dos anúncios” brasileiros e como ela
se relaciona com seu público-alvo.
Assim, a presente tese envolve necessariamente questões de três temas:
a mulher, a questão das influências entre culturas e a relação entre mídia e
cultura. No entanto, por serem temas extensos e importantes, o aprofundamento
em cada um deles deverá se limitar ao necessário para a compreensão da
investigação aqui proposta. Ou seja, não se pretende de forma alguma se
esgotar as discussões acerca do papel da mulher, do cross-culture e da
influência da cultura na comunicação de massa.
O objetivo geral do estudo é compreender se existe um padrão global bem
aceito para os anúncios publicitários voltados para as mulheres ou se a
publicidade precisa se adaptar às peculiaridades de cada cultura. Como base
para esse trabalho, procura-se perceber a publicidade tal como retratada nos
anúncios das principais revistas femininas de cada um desses mercados e
percebida por informantes selecionadas. Assim, entrevistas com um potencial
público-alvo destas revistas e dos produtos contidos em seus anúncios também
foram utilizadas, a fim de se observar como essa comunicação é recepcionada
por uma amostra de consumidoras brasileiras e outra de consumidoras norte-
americanas e como os anúncios formulados por uma cultura são vistos pela
outra cultura.
1
Expressão cunhada pelo antropólogo Everardo Rocha (1995 e 1995a), ao acreditar que
dentro das narrativas midiáticas é possível vislumbrar uma verdadeira cultura – semelhante
à nossa em muitos aspectos e distinta em outros.
3
Assim, a pergunta de pesquisa da presente tese é a seguinte:
- Mulheres brasileiras e norte-americanas percebem diferenças culturais em
anúncios de revistas dirigidas ao público feminino dos dois países de origem,
Brasil e Estados Unidos?
A fim de chegar ao objetivo geral deste trabalho, acima mencionado, faz-
se necessário atingir alguns objetivos específicos ou intermediários. O primeiro
deles seria conseguir identificar o que já foi escrito sobre temas correlatos e
estudos semelhantes já elaborados, a fim de se partir de uma base teórica
consistente. A seguir, com o intuito de se recolher material para a pesquisa, faz-
se necessário compilar e classificar os anúncios de revistas da amostra
selecionada a fim de verificar suas principais características. Finalmente, através
da realização de entrevistas, o objetivo foi interpretar o discurso das informantes
a fim de perceber como estas identificam as questões relacionadas à
publicidade voltada para a mulher no Brasil e nos Estados Unidos, fazendo para
tal uso de instrumentos do método etnográfico, através da realização de uma
pesquisa qualitativa e entrevistas em profundidade.
Como contribuição à prática, o estudo interessa tanto às empresas que
vendem produtos destinados ao público feminino como àqueles responsáveis
diretamente pela elaboração desses anúncios, ao contribuir para a compreensão
de como essa comunicação vem se dando e permitindo observar perspectivas
de novas abordagens. Assim, foi apresentada no presente trabalho uma amostra
selecionada de como os anúncios voltados ao público feminino vêm se
configurando e como eles vêm sendo interpretados pelas mulheres pertencentes
a seu mercado consumidor potencial.
Especialmente no campo de Negócios Internacionais, essa pesquisa se
4
faz importante, pois também contribuirá para o entendimento sobre como se
a comunicação em um dos principais mercados estrangeiros que são os Estados
Unidos. Desta forma, pode ajudar na definição do “tom” que deverá ser dado à
comunicação com as mulheres desta outra cultura. Segundo Wiles, Wiles e
Tjernlund (2005), dada a escassez de trabalhos na área, para os estrategistas
de publicidade internacional cada novo trabalho é de enorme importância. Desse
modo, trata-se de um estudo relevante a esse campo do saber, ao discutir
diferenças e semelhanças entre dois mercados consumidores, sinalizando novas
perspectivas de ação e captação de novos clientes. Estudos como esse são
importantes para ajudar a prospectar e gerenciar mercados além do mercado
doméstico, o que traz consigo o desafio de lidar com culturas distintas daquela
do país de origem.
Por sua vez, a relevância teórica da pesquisa está no fato de que esta
representa uma contribuição ao estudo de Negócios Internacionais, do
Marketing, da pesquisa das dimensões culturais e da Comunicação, visto que a
pesquisa bibliográfica realizada e os resultados daí advindos podem interessar a
todos estes distintos campos de reflexão. Como será exposto adiante, onde são
revistos alguns estudos com objetivos semelhantes e outros que utilizaram
instrumentos da etnografia como o presente trabalho (itens 2.1.2 e 3.4.1.1),
pesquisas como esta podem agregar muito tanto à teoria quanto à prática da
Administração de Empresas.
Portanto, pode-se constatar que o presente estudo é importante
principalmente sob dois aspectos. Primeiramente, porque, como destacou há
algum tempo Schmidt (1981), o Brasil carecia, e ainda carece, de estudos nessa
linha, que procuram avaliar o papel da propaganda e dos valores culturais da
5
sociedade. Desse modo, esse trabalho vem a somar-se ao estudo de outros
pesquisadores – alguns deles à frente citados – no sentido de formar uma
massa de conhecimento e experimentação que possa fortalecer a base teórica
sob o tema no Brasil. Um segundo aspecto é o fato de que as conclusões daqui
retiradas podem vir a colaborar para a tomada de decisões práticas no âmbito
das empresas e agências de publicidade.
A motivação inicial para a elaboração desta tese surgiu ainda na época da
elaboração de minha dissertação de Mestrado no COPPEAD
.
Nesta pesquisa,
procurei identificar como os conceitos de moda eram intermediados pela
comunicação de massa, mais especificamente, pelo merchandising direto ou
implícito nas telenovelas brasileiras (VELHO, 2000). Tal fenômeno acabava
sendo direcionado mais às mulheres e daí foi despertado o interesse em estudar
mais a fundo o papel destas como intermediadoras e receptoras do fenômeno
da comunicação de massa. Ao me especializar em Negócios Internacionais
durante o Doutorado, veio a idéia de melhor entender as representações desta
mulher num contexto que extrapolasse e ao mesmo tempo fosse comparado
com o universo brasileiro. Vale dizer também que o estudo, durante o Mestrado
e Doutorado, dos trabalhos de Rocha (1995a e 1995b) foram fundamentais para
o direcionamento que tanto a dissertação quanto a presente tese tomaram. O
tema aqui tratado, portanto, pareceu-me interessante e relevante, ao envolver
questões distintas e complexas como o papel da mulher, o papel da cultura na
mídia e nos Negócios Internacionais. Daí surgiram minhas motivações para o
aprofundamento do estudo acerca da mulher nos anúncios publicitários de
culturas distintas.
A seguir é apresentado um roteiro dos capítulos da tese. Após essa
6
introdução, parte-se para a revisão de literatura, que formou a base teórica para
o desenvolvimento da pesquisa. Neste capítulo são abordadas questões
essenciais para a compreensão do estudo, com a profundidade que se achou
necessária para os objetivos do presente trabalho. Primeiramente, a questão da
cultura é tratada, revendo-se algumas de suas principais conceituações, a
cultura em Negócios Internacionais, uma comparação entre a cultura do Brasil e
dos Estados Unidos e a discussão entre global e local. Depois, uma revisão de
literatura acerca do papel da mulher na sociedade é revisto e por fim é tratada a
questão da comunicação de massa. O capítulo seguinte trata dos aspectos
metodológicos da pesquisa, onde é exposto o tipo de pesquisa e descrita a
seleção e tratamento dos dados. O capítulo 4 descreve os resultados obtidos
nos dois níveis envolvidos, o da pesquisa nas publicações brasileiras e
estrangeiras selecionadas e o das entrevistas com as informantes brasileiras e
norte-americanas. Por sua vez, o capítulo 5 parte para a interpretação efetiva
desses resultados encontrados. Por fim, são elaboradas conclusões sobre o
estudo realizado e sugestões para pesquisas correlatas.
7
2 REVISÃO DE LITERATURA
O objetivo deste capítulo é identificar uma série de autores que tratam
sobre os temas importantes que se entrecruzam no objetivo do trabalho. Vale
ressaltar que o objetivo não será esgotar a discussão, o que seria por demais
extenso dada a complexidade das questões envolvidas, mas sim o de revisitar
alguns estudos importantes que tratam de questões correlatas. A seguir está um
breve roteiro deste capítulo.
Primeiramente, o conceito de cultura é discutido, pois é preciso entender
bem sobre que fator estamos analisando as possíveis diferenças na abordagem
dos anúncios que venham a surgir no trabalho de campo. E, como já exposto,
este fator seria o cultural, daí a importância de identificar seu significado.
Em seguida, alguns trabalhos na área de Negócios Internacionais
considerados inspiradores para a realização desta tese são apresentados, mais
particularmente estudos que tratam do impacto da questão da cultura na gestão
das empresas e mercados.
Na seqüência, após a justificativa da escolha dos Estados Unidos da
América como o país a ser contraposto ao Brasil nesta pesquisa, será realizada
uma comparação entre a cultura norte-americana e a brasileira. Essa
compreensão das diferenças é importante, pois no trabalho de campo foram
diferenças e semelhanças também o que se buscou ao examinar os dois grupos
de anúncios e ao entrevistar informantes das duas nacionalidades.
Posteriormente, é realizada uma discussão acerca da tensão entre o que
é local e o que é global. Nessa parte, são expostos pensamentos de importantes
teóricos que trataram do assunto, bem como se busca perceber como a área de
8
Negócios Internacionais vem tratando tal questão, inclusive em trabalhos que
tratam da publicidade especificamente, discutindo-se o dilema entre a
padronização e a adequação conforme a cultura a ser exposta à mensagem.
Em seguida, a identidade feminina é discutida, a fim de auxiliar na
compreensão da imagem que os anúncios voltados ao público feminino buscam
espelhar. São mencionados diversos ensaios e estudos que procuram identificar
os papéis da mulher, inclusive alguns de cunho feminista, para depois ser
exposta à tese de Foucault (1977), a qual Bauman (1998) deu prosseguimento,
e que faz uso de uma argumentação mais ampla a fim de explicar o papel da
mulher ao longo dos tempos.
Por último, uma revisão bibliográfica é realizada acerca da indústria
cultural – na qual se inserem os anúncios publicitários como um de seus
principais componentes – e, mais especificamente, ao final são revisitados
alguns estudos já realizados que tratam de temas semelhantes ao tema desta
tese, qual seja, analisar a imagem da mulher de “dentro dos anúncios”. É
importante frisar que nesta tese os termos indústria cultural, comunicação de
massa, produções midiáticas e cultura de massa, em que pesem suas possíveis
diferenças, serão termos usados como equivalentes. No dicionário (HOUAISS E
VILLAR, 2001), indústria cultural significa a “divulgação massificadora por meio
da qual a mídia, funcionando como sistema mercantil e industrial, impõe formas
universalizantes de comportamento e consumo. Por extensão, cultura de
massa.”, o que respalda essa intercambialidade, acrescentando-se aí mais um
termo – produções midiáticas. Mas há a ciência de que, assim como citado mais
à frente para o termo indústria cultural, cada termo teve sua origem com distintos
propósitos, mas julgou-se estar esse escopo de análise fora dos objetivos de
9
uma tese de Administração e, portanto, aqui será considerado apenas o sentido
mais comum.
2.1 A QUESTÃO DA CULTURA
Dentro deste tópico serão tratadas uma série de questões que têm em
comum o fato de se relacionarem com o tema mais amplo que é a cultura. Inicia-se
por buscar uma conceituação para tal termo, o que é essencial para o estudo aqui
desenvolvido. A seguir, parte-se para o estudo da cultura no campo dos Negócios
Internacionais, sendo revistos estudos importantes, destacando-se entre eles o de
Hall (1969 e 1976), o de Hofstede (1997) e o de Trompenaars (1994).
A seguir, são revistos estudos que tratam de caracterizar e comparar as
culturas norte-americana e brasileira, buscando-se em sua origem e
desenvolvimento a explicação de suas diferenças e influências mútuas ou
unilaterais. Por último, é realizada uma discussão entre a tensão entre o global e o
local nas culturas nacionais, em tempos de acelerada globalização.
2.1.1 Conceito de cultura
Nessa tese procura-se identificar se as mulheres entrevistadas percebem
o anúncio como diferente conforme o país da publicação. Ou seja, o objetivo é
explorar se há diferenças culturais nessas abordagens e percepções.
Assim, antes de tudo, é importante entender o que seriam diferenças
culturais e, portanto, o que é cultura e sua importância.
10
Laraia (2002) relata que desde a Antigüidade a humanidade tinha
preocupação com a diversidade de formas de comportamento dentre os
diferentes povos. No entanto, as tentativas de explicar essas diferenças quase
sempre atribuíam sua causa à diversidade dos ambientes físicos. Mas este
antropólogo aponta que nem o determinismo geográfico e nem o biológico são
capazes de explicar as diferenças entre os homens, inclusive porque podemos
perceber ser comum existir grande diversidade cultural em um mesmo ambiente
natural.
Segundo Laraia, o comportamento dos indivíduos depende de um
aprendizado, de um processo denominado endoculturação. Desse modo, uma
criança do sexo masculino e outra do sexo feminino não se comportariam de
modo distinto em função de seus hormônios e sim por uma educação
diferenciada, que é estabelecida pela cultura:
A espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente
através do dismorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de
comportamento existentes entre pessoas de sexos diferentes
sejam determinadas biologicamente. A antropologia tem
demonstrado que muitas atividades atribuídas às mulheres em
uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra. A
verificação de qualquer sistema de divisão sexual do trabalho
mostra que ele é determinado culturalmente e não em fuão de
uma racionalidade biológica. O transporte de água para a aldeia é
uma atividade feminina no Xingu (como nas favelas cariocas).
Carregar cerca de vinte litros de água sobre a cabeça implica, na
verdade, um esforço físico considerável, muito maior do que o
necessário para o manejo de um arco, arma de uso exclusivo dos
homens. Até muito pouco tempo, a carreira diplomática, o quadro
de funcionários do Banco do Brasil, entre outros exemplos, eram
atividades exclusivamente masculinas. O exército de Israel
demonstrou que sua eficiência bélica continua intacta, mesmo
depois da maciça admissão de mulheres soldados. (p. 19)
A primeira definição de cultura formulada do ponto de vista antropológico
11
é de Edward Tylor (1871), que definiu cultura como sendo todo o
comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de transmissão genética.
Ademais, Tylor procurou demonstrar que a cultura deve ser objeto de estudo
sistemático, por ser um fenômeno que possui causas e regularidades, o que
possibilita um estudo objetivo e uma análise passível à elaboração de leis sobre
o que chamou de processo cultural.
Para Lévi-Strauss (2002), a cultura surge no momento em que o homem
convenciona a primeira norma, que teria sido a proibição do incesto, padrão de
comportamento comum a todas as sociedades humanas. Já para Leslie White
(1970), a passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro
do homem foi capaz de gerar símbolos, o que desencadearia a formação da
cultura:
Toda cultura depende de símbolos. É o exercício da faculdade de
simbolizão que cria a cultura e o uso de símbolos que torna
possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e
o homem seria apenas animal, não um ser humano. (...) O
comportamento humano é o comportamento simbólico. Uma
criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é
introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos
que é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participão
dele, é o símbolo. (p. 180)
Geertz (1978), por sua vez, fornece uma definição de cultura
amplamente aceita nos dias de hoje:
O conceito de cultura que eu defendo (...) é essencialmente
semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,
assumo a cultura como sendo essas teias e a sua alise,
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.
(...) Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade
12
sem reduzir a sua particularidade. (p. 15 e 24)
Tal definição de Geertz será aqui tomada como base. Portanto, a seguir
procura-se entender o impacto da cultura em Negócios Internacionais para,
posteriormente, compreender duas destas “teias de significados”, quais sejam, a
cultura norte-americana e a cultura brasileira.
Vale uma ressalva antes de se prosseguir, que diz respeito à consciência
de que essa discussão acerca de cultura é certamente muito mais ampla que o
que se expôs nessas páginas. No entanto, parece adequada para os fins desse
trabalho.
2.1.2 O impacto da cultura em Negócios Internacionais
O assunto desta tese se relaciona aos temas que vêm sendo estudados
pelo NuPIn – Núcleo de Pesquisa em Internacionalização de Empresas -, do
Instituto COPPEAD de Administração/UFRJ. Segundo informações do site
2
deste núcleo, o projeto conta com a colaboração de pesquisadores de diversos
campos do saber, como Administração, Negócios Internacionais, Sociologia,
Antropologia e Ciência Política, com o objetivo de consolidar as discussões
sobre o fenômeno da internacionalização das empresas, estudando
especialmente casos que envolvam o Brasil:
Para lidar com um tema tão amplo e, ao mesmo tempo, tão cheio
de detalhes, o NuPIn desenvolve as suas pesquisas e análises a
partir de metodologias diferenciadas. O fenômeno da
internacionalização das empresas brasileiras é abordado através
2
URL: http://www.nupin.coppead.ufrj.br/, visitado em 3 de fevereiro de 2007.
13
de pesquisas quantitativas, pesquisas qualitativas, estudos de
caso, etnografias e coleta de dados em fontes secundárias.
Juntamente com esta diversidade de metodologias, o NuPIn
também procura utilizar diferentes óticas acadêmicas em seus
estudos. Neste sentido, disciplinas como a Antropologia, o
Comércio Internacional, a Sociologia, o Marketing Internacional, a
Ciência Política, entre outras, fazem parte do "pano-de-fundo
intelectual" onde o NuPIn busca elementos para analisar o
processo de internacionalização das empresas brasileiras. (texto
no site do NuPIn, visitado em 3 de fevereiro de 2007)
Assim, como entende e acolhe o COPPEAD, a questão da cultura norteia
muitos dos aspectos que envolvem o estudo de Negócios Internacionais, sendo
uma variável não menos importante que a economia, a política e a tecnologia ao
se tomar decisões em Negócios Internacionais. Desse modo, ainda segundo
esse núcleo, especialmente com o crescente movimento de globalização da
economia, é cada vez mais importante entender o impacto dos aspectos
culturais ao vislumbrar novos mercados no exterior, ao abrir filiais no estrangeiro
e ao ter que lidar com trabalhadores de outras nações, ao se projetar o
lançamento de um produto em mercado internacional etc. O sucesso de uma
empresa que ambiciona o mercado internacional estaria diretamente relacionado
a sua capacidade de compreender e saber tomar as medidas adequadas a cada
cultura presente nos mercados que almeja.
No caso específico de que trata essa tese de Negócios Internacionais, o
fator cultural é primordial, pois é seu impacto que se deseja analisar na
comunicação de produtos e serviços para as mulheres de dois países distintos.
Ou seja, na presente pesquisa procura-se identificar até que ponto o fato de
pertencer a uma cultura ou a outra torna um anúncio diferente.
Portanto, na área de Negócios Internacionais em particular, a cultura teria
grande importância, exercendo forte influência nos gostos, hábitos e
preferências das pessoas. Com isso, a empresa que deseja ser bem-sucedida
14
na conquista do novo mercado precisará ajustar sua estratégia de propaganda,
projeto de produto, distribuição, preço etc.
A seguir são citados alguns estudos importantes que já foram realizados
na área de Negócios Internacionais e que trazem à tona o tema cultural.
2.1.2.1 O estudo de Hall
Hall (1969) realizou um estudo pioneiro, estabelecendo cinco “linguagens /
estrutura de significados silenciosas
3
” que seriam componentes da cultura de
uma nação: propriedade, acordos, amizade, tempo e espaço. Para cada cultura,
estes fatores teriam um significado diferente e a compreensão desses
significados seria essencial para se estabelecer uma interação satisfatória para
ambos os lados. Cada um desses aspectos seria, portanto, segundo o autor,
focos da origem de potenciais choques culturais.
Somente a título de exemplo do pensamento de Hall, quanto à amizade,
enquanto culturas como a brasileira são bastante expansivas e “abrem suas
casas” aos amigos, culturas como a norte-americana são mais reservadas,
criando barreiras maiores a fim de proteger sua privacidade. Quanto à noção de
tempo, algumas sociedades – de orientação monocrônica - necessitam delimitar
claramente o tempo para cada coisa, enquanto em outras – de orientação
policrônica - a duração dos eventos é mais flexível, podendo inclusive ocorrer
eventos paralelamente uns aos outros.
Em outro importante estudo, Hall (1976) conclui que as culturas se
dividem em culturas de alto contexto e culturas de baixo contexto. Nas culturas
3
Tradução nossa.
15
de alto contexto, como o Japão e o Brasil, haveria um intenso intercâmbio de
informações, e assim no momento de ocorrência de um fato específico não
haveria necessidade de muita explicitação, dada a existência prévia desta
contínua interação. Nessas culturas, as palavras, portanto, têm menos
importância do que o contexto. Por outro lado, nas culturas de baixo contexto,
como nos Estados Unidos, Escandinávia e Alemanha, as informações precisam
estar todas explicitadas durante a comunicação concreta. O relacionamento
pessoal e as conversas informais do dia-a-dia seriam assim mais valorizados
nas culturas de alto contexto, pois as informações aí estão mais no receptor e no
ambiente do que na mensagem em si.
Assim, segundo Hall, profissionais pertencentes a culturas de baixo
contexto requerem regras explicitadas e claras, sentindo-se inseguros na
ausência delas. Já os profissionais de culturas de alto contexto desprezariam na
maior parte do tempo o uso de manuais e regras detalhadas, considerando-os
pouco úteis e redundantes. Portanto, na interação entre culturas, a consciência
desta diferença pode ser de grande utilidade a fim de minimizar os potenciais
conflitos.
Desse modo, Hall inaugurou uma perspectiva importante para a área de
Negócios Internacionais, que foi posteriormente desenvolvida por diversos
autores, como veremos a seguir. Nessa linha, a cultura é valorizada como um
dos principais fatores a serem considerados ao se prospectar e realizar negócios
com outras culturas.
16
2.1.2.2 O estudo de Hofstede
Um estudo posterior e relevante na área e que considera a cultura como
ponto-chave é o de Hofstede (1997), que define a cultura como sendo um
“software mental”, isto é, a cultura como uma programação coletiva da mente,
que irá realizar as distinções entre um membro de uma cultura do de outra.
Hofstede elaborou um trabalho no ambiente empresarial, na IBM, a fim de
identificar diferenças entre os funcionários de suas diferentes filiais conforme o
país em que estavam instaladas. Para tal, aplicou 72.215 questionários dentre
66 países. Das informações assim obtidas, foi capaz de realizar uma
classificação com base em cinco dimensões culturais, que observou distinguirem
os membros de determinada cultura.
A primeira destas dimensões é a “distância do poder”, que representa a
expectativa que os membros com menos poder dentro das instituições de um
país têm a respeito da distribuição deste poder. A conclusão de Hofstede foi que
indivíduos pertencentes a culturas classificadas como tendo alta distância ao
poder possuiriam menos problemas com hierarquias de poder, discriminação e
na tolerância de desigualdades. Já a segunda dimensão cultural apontada por
Hofstede diz respeito à ”aversão à incerteza”, analisando até que ponto os
membros de uma cultura se sentem ameaçados pelas situações que envolvem
incerteza ou desconhecimento do que está por vir. Em culturas com alta taxa de
aversão, as pessoas dariam preferência a regras claras e a situações explícitas
e havendo baixa aversão à incerteza, as pessoas conseguiriam aceitá-la sem
ansiedades, sendo tolerantes a regras pouco explícitas. Por sua vez, a
dimensão “individualismo X coletivismo” se refere ao fato de que nas culturas
17
onde os vínculos entre os indivíduos são frouxos, predomina o individualismo,
onde cada qual deve cuidar de si próprio. Já em culturas coletivistas, as pessoas
seriam fortemente integradas e leais a grupos coesos que em troca lhes
oferecem proteção.
Como quarto aspecto, Hofstede aponta a questão da “masculinidade X
feminilidade”, classificando como sociedades mais masculinas aquelas onde é
mais visível a agressividade, a ambição e a independência. As femininas, por
sua vez, valorizariam os cuidados com a alimentação, educação e qualidade de
vida. Por último, viria a dimensão que trata do “longo-prazo X curto-prazo”, que
se refere à maneira pela qual as pessoas encaram o futuro e se apegam ao
presente. Culturas orientadas para o curto prazo seriam mais tradicionalistas
enquanto às voltadas para o longo prazo seriam mais econômicas e
perseverantes.
Voltando à quarta dimensão, “masculinidade X feminilidade”, cabe aqui
um aprofundamento desta, já que estamos tratando de questões que guardam
semelhança com a abordada por Hofstede. Nas sociedades masculinas,
observa-se grandes diferenças entre o tratamento dos sexos, enquanto nas
sociedades mais femininas a diferenciação sexual é minimizada. Dentre as
sociedades femininas, que valorizam mais a qualidade de vida do que a
ascensão profissional, estão a Suécia, a Noruega e a Holanda. Já dentre as
sociedades masculinas, onde o trabalho representa o fator mais importante na
vida de uma pessoa, pode-se destacar o Japão, a Áustria e a Venezuela,
segundo estudo de Hofstede. Assim, enquanto nas sociedades femininas se
procuraria trabalhar para viver, nas masculinas se buscaria o contrário, viver
para o trabalho.
18
Os antecedentes desta diferenciação são incertos para o pesquisador,
mas este especula que poderiam ser devido ao tempo em que cada país viveu
sem haver diferenciação clara entre os sexos. Na Escandinávia e na Holanda,
por exemplo, a industrialização, a concentração no comércio e a tentativa de
resolver tudo por meios pacíficos, segundo o autor, têm prevalecido ao longo
dos dois últimos séculos. Ao contrário, o fato de terem sido centros de ex-
grandes impérios, como Áustria, Japão e Espanha, poderia ter alguma relação
com o maior grau de masculinidade em alguns países.
Retomando os aspectos gerais do estudo acima comentado, Hofstede
então realizou um agrupamento dos países em clusters, de acordo com sua
posição relativa a cada uma das cinco dimensões acima explicadas. Assim,
seria viabilizada uma comparação entre as culturas e a identificação de quais
seriam mais “próximas” conforme cada um desses valores. Posteriormente, Hilal
(2002) replicou o método de Hofstede ao estudar uma empresa brasileira com
filiais em outros países.
2.1.2.3 O estudo de Trompenaars
Por sua vez, Trompenaars (1994), realizou uma pesquisa com 15.000
empregados de empresas diversas de 50 países a fim de identificar os
diferentes estilos de gestão conforme a cultura de origem. Este autor identifica o
que chamou de sete dimensões fundamentais da cultura, sendo que as cinco
que serão mencionadas primeiramente dizem respeito ao relacionamento com
as pessoas.
A primeira destas dimensões é a que trata da questão “universalistas X
19
particularistas”, sendo a cultura particularista semelhante ao que Da Matta
(1987) trata como cultura relacional, onde, como o próprio nome diz, a relação e
a amizade fazem a diferença. Já na cultura universalista, as regras devem ser
aplicadas indistintamente a qualquer um. A segunda dimensão, por sua vez,
“individualistas X coletivistas”, mostra que nas culturas individualistas a
prioridade é o indivíduo e já nas culturas coletivistas é o interesse do grupo que
prevalece.
O terceiro aspecto abordado por Trompenaars divide as culturas entre
“neutras” e “emocionais”. No primeiro tipo de cultura as interações entre as
pessoas são objetivas e imparciais, já no segundo é aceitável a expressão de
emoções, mesmo nos negócios. Em quarto lugar, a classificação seria entre
culturas “específicas” e “difusas”, sendo que nas culturas específicas deve-se ir
direto ao ponto e todos devem ser tratados sob os mesmos princípios. Já nas
difusas, há contato real e pessoal, abordando-se uma série de outros assuntos
paralelos e moralidade pode diferir conforme a pessoa e o contexto.
Finalmente, em quinto lugar, são diferenciadas as culturas mais
“orientadas à atribuição” das mais “orientadas à conquista”. Nas culturas que
valorizam a atribuição, o status é conferido pelo nascimento, parentesco, sexo,
idade, bem como por suas conexões pessoais e mesmo sua formação
acadêmica. Por outro lado, na cultura voltada para a conquista, o que são
considerados são os feitos recentes e o histórico da pessoa, como exemplifica
do seguinte modo:
Numa cultura voltada à conquista, a primeira pergunta
provavelmente será: “O que você estudou?”, ao passo que, numa
cultura mais voltada à atribuição, a pergunta provavelmente será:
“Onde você estudou?”. As pessoas voltadas à atribuição só lhe
20
perguntarão o quê estudou se a universidade for fraca ou se não
a conhecerem, e isso servirá para que você salve as aparências.
(TROMPENAARS, 1994, p. 10);
Para Trompenaars, a sexta dimensão cultural estaria relacionada à noção
de tempo, sendo a divisão entre “cultura orientada para o presente”, “cultura
orientada para o passado” e “cultura orientada para o futuro” Em algumas
culturas, o que é mais relevante são os feitos passados, já para outras, é o que
a pessoa é no presente e ainda para outras o que é importante são os planos
para o futuro, conforme os exemplos do autor:
Com respeito ao tempo, o Sonho Norte-Americano é o Pesadelo
Francês. Os norte-americanos geralmente começam do zero e o
que importa é o seu desempenho atual e seu plano de “conquista
no futuro. Para os franceses, isso tem ar de nouveau riche; eles
preferem ancien pauvre. Têm uma enorme consideração pelo
passado e concentram-se relativamente menos no presente e no
futuro do que os norte-americanos. Em certas culturas como a
americana, sueca e holandesa, o tempo é visto como
transcorrendo numa linha reta, uma seqüência de eventos
díspares. Outras culturas vêem o tempo mais como um círculo em
movimento, o passado e o presente juntos com as possibilidades
futuras. Isso cria diferenças consideráveis no planejamento,
estratégia, investimento e posões sobre desenvolvimento
interno oposto à aquisição de talentos. (TROMPENAARS, 1994,
p. 10-11);
Finalmente, a última dimensão de Trompenaars se refere à atitude em
relação ao ambiente. Assim, nas culturas ditas “internas”, o centro é a própria
pessoa, já nas culturas “externas”, o ambiente é determinante. Nas palavras do
próprio pesquisador:
Uma diferença cultural importante também pode ser encontrada
na atitude em relão ao ambiente. Algumas culturas acham que
o ponto focal que afeta suas vidas e as origens do vício e da
virtude residem na pessoa. Neste caso, as modificações e valores
vêm de dentro. Outras culturas vêem o mundo como mais forte do
que os indivíduos. Consideram a natureza como algo a ser temido
21
ou imitado. (TROMPENAARS, 1994, p. 11)
No primeiro caso, a cultura seria considerada “interna” e no segundo,
“externa”.
Portanto, Trompenaars procura demonstrar com isso que não há forma
melhor ou pior de gerenciamento, mas sim que eles diferem conforme a cultura
e é preciso que os gestores estejam sensibilizados para essas diferenças, a fim
de serem bem-sucedidos no ambiente internacional.
2.1.2.4 Outros estudos
Griffin e Pustay (1999) destacam seis elementos componentes da cultura
de um país, que devem ser analisados para a conquista do mercado: idioma,
religião, comunicação, estrutura social, atitudes e valores. Para tais autores, a
interação desses fatores é que formaria a cultura que deve ser considerada em
Negócios Internacionais.
Um estudo exploratório de Graham (1985) procurou identificar a influência
da cultura nos processos de negociação através da comparação entre três
países: Brasil, Estados Unidos e Japão. Para tal, foram gravadas cenas de
negociação entre compradores e vendedores dos três países e assim puderam
ser observadas distinções nos comportamentos verbais e não-verbais, que
geraram hipóteses de diferenças a serem testadas em trabalhos futuros,
segundo coloca o autor da pesquisa. Em trabalho anterior (Graham, 1983), o
mesmo pesquisador já havia realizado essa análise, mas através de
questionários, o que depois considerou limitador e portanto implementou esse
novo estudo fazendo uso de métodos observacionais.
22
Como principais resultados desse estudo exploratório, Graham observou
alguns aspectos interessantes. Tanto japoneses quanto norte-americanos
fizeram uso de táticas de persuasão agressivas, sendo que no caso do Japão
estas pareciam ser usadas somente pelos compradores e nos estágios finais da
negociação. Outra observação foi a de que os japoneses usam a palavra “não”
com menos freqüência e tendem a usar mais o silêncio como estratégia. Os
norte-americanos, por sua vez, fizeram mais concessões iniciais que os
japoneses. Já os brasileiros falavam e se tocavam mais durante a negociação e
seus executivos se comprometeram menos e deram mais comandos.
O estudo de Graham sugere que o processo de barganha dos norte-
americanos e o dos japoneses são muito diferentes do brasileiro e, assim, os
dois primeiros poderiam ter dificuldade em lidar com homens de negócio do
Brasil. Para o pesquisador, do ponto de vista norte-americano, o estilo de
barganha brasileiro pode ser descrito como muito agressivo e mesmo rude.
No Brasil, Leite, Schmidt e Figueiredo (1983) realizaram um estudo com
171 executivos de topo do setor manufatureiro a fim de analisar o papel dos
executivos na decisão de exportar, com o foco no aspecto da percepção cultural
desses indivíduos. A pesquisa procurava avaliar até que ponto a idéia desses
gestores sobre o que é mais familiar e o que lhes é mais estranho em relação a
sua própria cultura impactaria sobre a sua decisão de exportar ou não para
determinado país:
Tendo em vista que o conhecimento das diferenças culturais
entre países é fator relevante na formulão de estratégia de
atuação empresarial e no planejamento do marketing mix para o
mercado externo, parece óbvio supor que a afinidade cultural que
o executivo de topo de exportão sinta em relão a
determinado país afete sua decisão de exportar para esse país.
23
Parece igualmente lógico pensar que tal processo se dê, o
apenas em fuão de variáveis psicológicas e sociológicas, mas
também, em função de variáveis antropológicas, a partir de
atitudes do executivo face a tros culturais de países
estrangeiros. (p. 5)
Assim, segundo esses autores, as empresas na predominância das vezes
acabam preferindo investir primeiramente nos países cuja cultura guarda mais
semelhanças com a de seu país de origem ou, em outras palavras, em países
com menor “distância cultural”
4
. A Argentina, por exemplo, costuma
primeiramente se expandir para países mais “próximos culturalmente”, como
Uruguai, Chile e Paraguai. Com essa atitude, vão gradualmente aprendendo a
se adaptar a novas culturas. Adicionalmente, deve haver monitoramento
constante para que atividades etnocêntricas não sejam adotadas, o que para a
cultura do “outro” pode significar um desrespeito e, conseqüentemente, menor
abertura à empresa estrangeira entrante.
Como já mencionado, também no Brasil, Hilal (2002) procurou mapear
valores e práticas de uma multinacional brasileira com base no modelo que
Hofstede (1997) desenvolveu em seu estudo da IBM, reforçando mais uma vez a
importância do fator cultural no comportamento organizacional das empresas.
Fonseca (1997), por sua vez, realizou um estudo etnográfico em uma
subsidiária brasileira de uma multinacional inglesa a fim de detectar diferenças
conforme a cultura nos sistemas de planejamento e controle. Mais
especificamente, esta autora usou como base uma das dimensões de Hofstede
(1997), a “fuga à incerteza”, procurando em sua pesquisa contrapor teoria e
prática e identificar limites no poder de influência da gerência sobre os membros
4
Termo recorrente na literatura de Negócios Internacionais, que identifica o quão similar
pode ser uma cultura da outra, como é exposto no estudo de Leite, Schmidt e Figueiredo
(1983).
24
da organização.
Em suma, a cultura é sem dúvida um dos fatores mais importantes a
serem considerados em Negócios Internacionais. A globalização dos gostos e
hábitos nunca deverá ser completa, já que sempre esbarrará em aspectos
culturais, que, portanto, não podem ser desprezados. E a publicidade,
representando a comunicação com o público-alvo, é peça-chave nessa batalha,
ao menos para determinados tipos de produtos, que não toleram mensagens
internacionalizadas.
Assim, alguns autores, como os acima citados, procuraram estabelecer
componentes da cultura, a fim de torná-la mais compreensível aos olhos dos
gestores estrangeiros. Pode haver discordância quanto aos termos e sua
abrangência, mas as tentativas são válidas a fim de se apresentar algo de mais
fácil compreensão em relação a um assunto tão complexo e importante para os
Negócios Internacionais, que é a cultura. Mais à frente, quando forem revistos
trabalhos que tratam da questão da publicidade voltada para a mulher (item
2.3.2), mais alguns estudos nessa linha serão revistos, estudos esses que
tratam especificamente das diferenças culturais na relação da mulher com a
propaganda.
2.1.3 Cultura norte-americana X Cultura brasileira
De acordo com Benedict (1972), a cultura é como uma lente pela qual o
homem vê o mundo ao seu redor. Desse modo, como homens de cada cultura
fazem uso de diferentes “lentes”, estes enxergariam o mundo de formas
distintas.
25
Num momento em que as auto-representações das identidades nacionais
vêem-se desafiadas por fenômenos como a globalização, é importante voltar a
esse tema, mais especificamente à origem e às diferenças entre a cultura
brasileira e a norte-americana, que aqui nos interessam. Esse ponto é essencial
também para entender o rumo que esse trabalho tomará, ao exatamente tentar
buscar na pesquisa de campo vesgios destas diferenças culturais, conforme
refletidos nos anúncios de revistas femininas de ambos os países e na opinião
das informantes de ambas as nacionalidades.
2.1.3.1 A escolha dos EUA como o “outro” país
Nesse ponto, cabe justificar o porquê da escolha dos Estados Unidos
como cultura de contraposição ao Brasil no presente estudo.
Um primeiro ponto vem do fato de que é inegável a influência da cultura
norte-americana sobre o resto do mundo em geral e sobre o Brasil em particular,
como relata Kupstas (1997):
A influência americana comou a atingir o mundo inteiro devido
aos produtos da indústria cultural (cinematográfica, fonográfica,
publicitária etc...). O rádio, a TV, as revistas, os quadrinhos e o
cinema também contribuíram muito para que o inglês se
pretendesse uma língua universal. Hoje em dia é esta a língua
dominante nos setores de grandes negócios e nas principais
indústrias. Cerca de 65% das informações relacionadas a todos
os meios de comunicação do mundo são dominadas pelos norte-
americanos. Os EUA também dominam o mercado de consumo.
Percebemos isso em bebidas, cigarros, griffes
,
"manias" e outros
elementos do tipo: Coca-Cola, Mc Donald's, jeans, camisetas,
tênis, fast-food, goma de mascar, rock e filmes de ação, que se
tornaram símbolo da cultura mundial com a mensagem “Made in
USA”. (p. 93)
26
No que diz respeito à influência da cultura dos EUA sobre a brasileira, é
notável, como coloca Lippi (2000), a inserção do american way of life no
cotidiano brasileiro, o que teve início de forma mais intensiva durante a Segunda
Guerra Mundial, a fim de controlar a penetração fascista na região. A visita de
Walt Disney ao Brasil em 1941 foi um marco representativo desse período. Ao
fim da guerra, os EUA emergiram como a grande potência mundial, enquanto ao
Brasil coube apenas um papel de coadjuvante (LIPPI, 2000).
Desse modo, julgou-se que uma pesquisa que buscasse identificar
peculiaridades culturais na propaganda de um país – no caso o Brasil - que sofre
a influência do outro - os Estados Unidos -, sob vários aspectos, seria bastante
cabível. Assim, tal pesquisa procura evidências de que, mesmo sob essa grande
influência, ainda possa haver aspectos locais no modo de se anunciar para
determinada nacionalidade.
Um segundo ponto importante como justificativa para a escolha dos
Estados Unidos, advém do campo econômico. Segundo informações da CNI –
Confederação Nacional das Indústrias
5
-, a posição dos Estados Unidos como o
principal mercado consumidor do mundo e principal parceiro econômico
individual do Brasil bem como a dimensão do mercado norte-americano
demandam um trabalho contínuo na definição de estratégias que possam
contribuir para o aumento constante dos fluxos de comércio entre os dois
países, o que passa pela necessidade de se realizar uma campanha de
marketing eficaz para aquele mercado, o que inclui saber como abordar o
5
Dados obtidos através do site da CNI em 22 de fevereiro de 2007, através da URL:
http://www.cni.org.br/.
27
consumidor nos anúncios publicitários.
Assim, por conta dos dois fatores acima explicados, considerou-se
bastante interessante a opção pelos Estados Unidos da América.
2.1.3.2 A origem das diferenças
Lippi (2000) realizou um importante trabalho comparativo entre as duas
culturas. A hipótese básica desta pesquisadora é que “(...) nesses dois países, a
geografia teria fornecido o mais forte embasamento para a construção dos
modelos de identidade nacional que tiveram maior êxito.” (p. 11). Mas essa
geografia não seria importante por si só e sim seria uma geografia advinda da
natureza e historicizada de forma particular.
No caso do Brasil, Lippi resgata a grande tradição que vislumbra no
espaço, na natureza concebida metageograficamente, a identidade social
formada nos trópicos. Recupera uma série de pensamentos que refletem essa
consciência do espaço e a intenção de dominá-lo se articulando com o intuito de
formar um projeto de nação: o espanto de Caminha, a desconfiança dos
jesuítas, a exaltação romântica na época do Império, os trabalhos de Taunay,
Afonso Celso, Rondon, o regionalismo literário concomitante com o modernismo,
a obra de Vianna Moog e a historiografia sobre os bandeirantes paulistas.
Do lado norte-americano também se encontraria essa mesma corrente
territorialista, com o programa da democracia agrária de Jefferson – exigindo
constante incorporação de novos territórios para se concretizar. Lippi (2000)
expõe a relação entre o mito espacial da fronteira – formalizado por Turner,
Roosevelt - e a crença da excepcionalidade dos Estados Unidos, a
28
materialização de uma república democrática sem os constrangimentos do
espaço europeu. O estudo inevitavelmente analisa também a visão protestante –
de Thoreau e Cole – como alternativa divina para um destino único dos Estados
Unidos, como a idealização de um “jardim” a fim de resgatar a noção da
existência de um paraíso na Terra. Desse modo, as noções de fronteira, do
oeste e do protestantismo serviriam como pilar da auto-projeção dos EUA como
um espaço onde se formaria uma nação excepcional:
[...] a força do excepcionalismo é muito forte e permanece como
ideologia nacional. Sua persisncia advém de sua capacidade
em reconciliar o papel dos Estados Unidos no mundo com uma
auto-imagem altamente favorável. Esta ideologia – presente na
literatura, nas religiões, nos discursos políticos, na origem das
ciências sociais – produziu um isolamento dos Estados Unidos da
complexidade das experiências culturais e históricas vivenciadas
por outros povos.”(LIPPI, p. 34)
Portanto, a grande diferença do nascimento do Brasil do dos Estados
Unidos estaria, segundo autores como Moog (1969), na formação territorial,
mais que na social. Pois aquela determinou essa. Os Estados Unidos foram
crescendo, ao mesmo tempo em que povoavam e ocupavam economicamente
os territórios comprados da França, da Espanha, tomados dos índios ou
conquistados do México. Por outro lado, no Brasil, os bandeirantes paulistas e
os canoeiros do Pará marcaram extremos longínquos que o Tratado de Madrid
de 1750, valendo-se do direito da posse, muito inteligentemente, cercou como
uma grande fazenda vazia.
Moog questiona: “Porque os EUA chegaram à vanguarda dos países e o
Brasil por sua vez possui um futuro tão incerto?”. A fim de obter uma resposta,
em sua obra o autor procura comparar as duas nações, partindo do pressuposto
de que os Estados Unidos advêm dos pioneiros e o Brasil é fruto das ações dos
29
bandeirantes. Ambos seriam figuras históricas e também verdadeiros tipos
culturais pertencentes ao universo de símbolo das duas culturas. Enquanto o
pioneiro haveria renegado seu passado europeu e buscado crescer na América,
o bandeirante é nostálgico e aceita ser governado pelo passado e/ou destruir o
que vê pela frente. Não por isso o autor enxerga a cultura norte-americana como
superior, vislumbrando nos EUA uma série de desajustes e neuroses. Ao
mesmo tempo, Moog descarta as explicações raciais que atribuem o
desenvolvimento dos EUA a uma superioridade anglo-saxã e também ignora
possíveis danos decorrentes do processo de miscigenação das raças.
Enquanto os EUA, segundo Lippi (2000), são considerados como o fruto
do encontro do homem europeu com o espaço fronteiriço, realizando aí os
desígnios divinos, o Brasil é considerado o encontro de raças via miscigenação.
E o caráter desses dois povos advém destas duas experiências distintas de
fundação. A despeito de suas semelhanças, onde se destaca o imenso território,
o uso da mão-de-obra escrava e a vinda em massa de imigrantes, as diferenças
entre Brasil e EUA seriam notáveis:
Nos anos 20, Triso de Athayde – ou Alceu Amoroso Lima –
exprimia a distância entre as duas culturas dizendo que lá
predominavam a grande empresa e a pequena família, ao passo
que no Brasil seriam dominantes a grande família e a pequena
empresa. Daquele tempo até os dias de hoje, tivemos
aproximões e distanciamentos sucessivos. Nestes tempos de
globalização, a cultura norte-americana presente no mundo do
cinema, da música pop e das televies a cabo exerce uma
atração irresisvel, criando uma similaridade de valores
principalmente para os mais jovens. Mas a diferença entre os dois
países expressa no nível de desenvolvimento e de riqueza
também parece crescer. Igualmente distintos são os índices
referentes ao padrão de vida social, incluindo-se aí a igualdade
expressa na cidadania. (LIPPI, p. 9)
De acordo com Feuerbach (1830, in DA MATTA, 1987), esse
30
individualismo exacerbado está relacionado ao protestantismo e ao rompimento
de uma concepção de comunidade, onde as relações eram mais básicas que os
indivíduos nelas envolvidos. Não haveria aí mais mediações, sendo direta a fala
do homem com Deus.
Souza (1999), ao escolher os Estados Unidos como seu contraponto,
também se justifica com base nos aspectos acima mencionados:
A escolha dos Estados Unidos [como nosso contraponto cultural
por excelência] e não da França ou da Alemanha, deve-se ao fato
de que a formação concreta da sociedade americana se
aproxima, como nenhuma outra, da realizão concreta do tipo
abstrato de racionalismo ocidental no sentido weberiano. Daí seu
enorme interesse para o mundo inteiro, e não apenas paras.
Os Estados Unidos são a nação por excelência do protestantismo
ascético, onde este pode se desenvolver livre de outras
influências, quase que enquanto um tipo puro. (p. 42)
Para Lippi (2000), a presença dos Estados Unidos no Brasil foi
relativamente pequena se comparada com a exercida em outros países, como o
México. Durante a Inconfidência Mineira em 1789, no entanto, já se percebe
uma primeira referência ao modelo norte-americano, com seus ideais de
independência sendo notáveis nos ideais de independência dos revoltosos.
A mesma autora é também incrédula sobre a dominação cultural absoluta
do Brasil pelos Estados Unidos, acreditando:
[...] ser muito difícil o transplante tout court do novo modelo de
construção de identidades do mundo norte-americano para o
brasileiro. Ainda que a cultura e a sociedade brasileira estejam
passando por enormes transformações, ainda que a identidade
nacional seja hoje menos homogênea do que foi no passado,
assumindo um perfil muito mais pluralista e sem optar por um
único padrão, mesmo assim, cremos que o paradigma
assimilacionista, que valoriza a mestiçagem e a conseqüente
personalizão das relões sociais, continua muito forte e
sobrevive às dificuldades concretas de implantação dos valores
abstratos e universalistas, que estão contidos na luta pelo
31
estabelecimento da cidadania. (p.188).
Desse modo, embora seja inegável a influência norte-americana sobre
o Brasil, aspectos das cultura brasileira, tais quais os que serão mencionados
a seguir, permanecem fortes até os dias de hoje, o que demonstra a força do
“local”.
2.1.3.3 Cidadania, mulher, a casa e a rua
Quanto à questão da cidadania, Da Matta (1987), reconhece ser
necessária uma análise sobre essa noção - cujo pilar é o indivíduo – numa
sociedade relacional como a brasileira. Nos EUA, o papel social de indivíduo (e
de cidadão) é uma identidade social de caráter nivelador e igualitário. No caso
do Brasil, no entanto, essa noção de cidadania sofre uma espécie de desvio,
para cima e para baixo, o que dificulta essa função universalista e niveladora.
Isso se explica por terem passado Brasil e Estados Unidos, conforme já
anteriormente mencionado, por fatores históricos diferentes.
No Brasil, ainda segundo Da Matta, na mesma obra acima citada, o
individualismo passou a ter um sentido negativo, através de uma reação às leis
de um Estado colonizador centralizador e hierárquico. Já nos EUA, procurou-se
dar ao individualismo um sentido positivo, criando-se leis com o objetivo de
homogeneizar os sistemas locais. Desse modo, no Brasil o que vale é a relação,
sendo a sociedade brasileira heterogênea, desigual, relacional e inclusiva. Já
para a sociedade norte-americana, o que conta é o indivíduo, sendo ela
homogênea, igualitária, individualista e exclusiva. Ou seja, no Brasil, a unidade
32
básica não é o indivíduo/cidadão, como o é nos Estados Unidos, e sim as
relações, as pessoas, as famílias, os grupos de parentes e de amigos. Por outro
lado, parecendo até meio contraditório, o Brasil é considerado menos
segregacionista racialmente do que os EUA. Ou, pelo menos, esse preconceito
ocorreria de forma mais velada.
Nos EUA, respeito à ordem, livre concorrência, possibilidade de tudo
controlar, privacidade e propriedade são conceitos que norteiam a vida
americana e seu cotidiano. Alguns exemplos desse cotidiano demonstram essas
diferenças na organização social. Como lembra Da Matta (1987), nos Estados
Unidos as localizações são dadas de modo mais impessoal, quantificado e
individualizado: norte, sul, Quinta Avenida, Rua 42 etc. Já no Brasil (e em
Portugal), até os locais são dotados de pessoalidades, de familiaridades: Rua
dos Pescadores, Rua da Quitanda, Beco de Joaquim Advogado etc.
Constatação semelhante teve a autora desta tese, ao chegar pela primeira vez
aos EUA, se admirando com a quantidade de “excuse me” que ouviu. De início,
pensou como era educado aquele povo. Depois notou ser sim uma questão de
propriedade, de espaço. É como se dissessem: “Estou passando. Por favor, faça
espaço e não me toque. Se eu te tocar, certamente ouvirá um ´I´m sorry`.”. Já no
Brasil não se nota tanta preocupação com o toque e com o contato pessoal.
Para Lippi (2000), nos EUA as pessoas estão cada vez mais com medo de que
seus atos possam ser mal interpretados ou possam levar a processos. “A única
forma de se defender é ficar cada vez mais fechado em si mesmo, no seu grupo
familiar mais restrito e/ou ter seguros contra tudo”. (p. 191)
Em outro trabalho, Da Matta (2005), compilou uma série de artigos que
em seu conjunto representam uma interessante comparação entre a cultura
33
norte-americana e a brasileira, sob diversos aspectos, incluindo o consumismo
desenfreado dos norte-americanos, o cinema, a música, o terrorismo, a questão
da pessoa versus o indivíduo, religião, dentre outras. Numa passagem que
particularmente interessa aqui, o antropólogo, que morou alguns anos nos
Estados Unidos, nos fala sobre a diferença do papel da mulher no Brasil e nos
Estados Unidos:
[...] no Brasil, as mulheres são cercadas de uma ambigüidade
tradicional que convive com valores modernos. Se a mulher é
menos encorajada e muito mais criticada a se individualizar da
casa e do domínio da família (do pai, dos irmãos e do marido), ela
ainda é valorizada como virgem e, acima de tudo como mãe. [...]
a sociedade brasileira valoriza mais os papéis de pai e dee do
que os de marido e mulher. Nos Estados Unidos, entretanto,
ocorre o justo oposto. (p. 349)
Segundo o autor, numa cultura individualista como a dos Estados Unidos,
haveria menos espaço para tensões duais como a da casa e da rua, que
norteiam as imagens representativas da mulher na sociedade brasileira:
Se entre nós, brasileiros, existe uma verdade na casa, outra na
rua e uma terceira no outro mundo, aqui [nos EUA] tudo tende a
ser englobado pela verdade exclusiva que nasce com o
individualismo na sua vertente mais radicalmente liberal,
capitalista e igualitária. O drama social mostra como o sistema
liberal engendra um claro dualismo maniqueísta (norte/sul;
leste/oeste; republicano/democrata; preto/branco; anglo saxão
protestante/outros; homem/mulher; verdade/mentira); ao passo
que o nosso sistema minado por um esqueleto hierárquico
engendra sempre uma posição intermediária, onde luzem pelo
menos três verdades. Assim, a nossa história tem sido uma
narrativa onde a verdade que nasce das relações pessoais
atrapalha a verdade que nasce do universalismo teórico que deve
governar as instituições públicas. Nos Estados Unidos, ao
contrário, a história se passa como um conflito frontal entre
posições bem marcadas, de tal sorte que dele sai somente uma
verdade única, dominante e exclusiva. (2005, p. 350-1)
Como se vê, portanto, há diferenças claras entre as duas culturas. A
34
seguir, é realizada uma discussão entre o que é global e o que é local, que é
importante para a identificação nos anúncios publicitários do que é específico de
cada cultura – que percebemos neste item como consideravelmente diferentes -,
e o que faz parte de uma linguagem tomada como universal.
2.1.4 Global X Local
Como será visto, a narrativa midiática é um espaço privilegiado para se
observar a tensão entre o global e o local. Como esta questão é importante para
este trabalho, onde procura-se identificar o quanto a cultura local influencia os
anúncios publicitários de determinados países e por outro lado o quanto tais
anúncios se encontram “globalizados”, a seguir é realizada uma discussão sobre
o assunto, que o sociólogo Roland Robertson divulgou - pois segundo o próprio
autor quem primeiro usaram o termo foram economistas japoneses, ao tratarem
de questões de marketing
6
- como “glocalização”, para substituir o conceito de
globalização cultural.
Mais importante que o processo de globalização em si é a observação da
ocorrência de uma simultaneidade e mesmo conexão entre o local e o global. O
global, segundo Robertson (1995), seria o que vem imbuído de uma linguagem
universalizante e o local o que é encontrado como especificidade de cada
cultura.
A glocalização seria então uma mundialização do local e uma localização
do mundo. Local e global não são portanto excludentes e sim complementares.
6
o termo diz respeito especificamente à necessidade de vender em mercados
estrangeiros, mas elaborando adaptações ao gosto dos mercados locais.
35
Para Robertson, a glocalização representa a co-presença de tendências
universalizantes e particularizantes, pois a globalização representa justamente o
encontro de culturas locais.
Segundo essa linha de pensamento, enquanto as empresas procuram
adaptar seus produtos às realidades locais, a glocalização significaria
justamente um fenômeno oposto, que seria o fato das pessoas locais
selecionarem e alterarem fatores advindos de uma série de possibilidades
globais, o que desencadeia um processo de envolvimento democrático e criativo
entre o global e o local.
Para Robertson e White (2003), a globalização só pode ocorrer havendo
uma ampla divulgação de idéias e modelos que se tornem adaptáveis a
circunstâncias particulares. E os autores reconhecem ser a indústria cultural um
dos espaços onde melhor se observa essa tensão entre o global e o local.
Para Featherstone (1995), é impossível admitir a homogeneização da
cultura mundial, o que não nega a existência de um movimento global, admitindo
que é possível sim, observar a aparição de uma “terceira cultura”:
[Sou] contra aqueles que gostariam de demonstrar que a
tendência no plano global é de integração e homogeneização
cultural – por exemplo, essas noções de capitalismo
multinacional, americanizão, imperialismo da mídia e cultura de
consumo que partem do princípio de que as diferenças locais
estão sendo suprimidas por forças universalistas. Porém, se
aceitarmos que sempre haverá interpretões divergentes,
ambigüidades e a resistência das tradições étnicas populares
contra essas forças, será que, em decorrência, devemos
abandonar totalmente o conceito de cultura global? Os intensos
fluxos internacionais de dinheiro, bens, pessoas, imagens e
informação têm dado origem às ´terceiras culturas` transnacionais
e mediadoras entre as várias culturas nacionais.; são exemplos
os mercados financeiros globais, o direito internacional e as
rias agências e instituões internacionais. (p. 202)
36
Featherstone reconhece ainda o espaço de uma cultura global da
seguinte forma:
É possível, no entanto, falar de uma cultura global em outro
sentido: o processo de compressão global pelo qual o mundo
torna-se unido à medida que é visto como um único lugar
[conforme também aponta Robertson] [...] Assim, o processo de
globalização conduz à aceitação da visão de que o mundo é um
espaço singular, que representa uma forma capaz de criar e
sustentar várias imagens do que o mundo é, ou deveria ser.
Dessa perspectiva, uma cultura global não aponta para uma
homogeneidade ou uma cultura comum; mas é possível
argumentar que o fortalecimento da noção de que todos
compartilhamos o mesmo pequeno planeta e estamos envolvidos
diariamente numa série de contatos culturais com outros amplia o
leque de definições conflitantes do mundo com as quais somos
postos em contato. Essa aproximão de culturas nacionais
concorrentes, envolvidas em disputas pelo prestígio cultural
global, é uma possibilidade de cultura global. (p. 202)
Finalmente, quanto à questão de uma mídia globalmente padronizada e
unificada, Featherstone pondera:
Muitas vezes se supõe que a cultura de consumo em escala
global é paralela à expansão do poder dos Estados Unidos sobre
a ordem econômica mundial [...]. A cultura de consumo, nesse
caso, é tomada como algo destinado a se tornar uma cultura
universal, que destrói a cultura nacional própria de cada país.
Ora, os estudos sobre o efeito da receão enfatizam a
importância das diferenças nacionais para a interpretação e
decodificação das mensagens. Com efeito, as mensagens
embutidas nos programas de televio somente têm sentido para
aqueles que foram socializados nosdigos, de modo que as
pessoas de nacionalidades e classes sociais diferentes assistirão
aos programas de televisão de popularidade internacional por
meio de códigos inadequados. É possível argumentar ainda que a
tenncia a que nos referimos, no âmbito da cultura de consumo,
para produzir uma sobrecarga de informações e signos, também
atua contra qualquer crença de caráter global, universal, coerente
e integrada no plano do conteúdo. Porém, o predomínio das
imagens “do outro”, de nações diferentes, previamente
desconhecidas ou designadas apenas por meio de estereótipos
estreitos, pode realmente contribuir para incluir na agenda o outro
e a noção de uma condição global. (p. 175)
37
Assim, Featherstone admite a existência de um espaço para o intercâmbio
entre as culturas e a existência de uma cultura global, mas sem negar a força
das culturas locais.
Já de acordo com Canclini (1996), até meados do século passado era fácil
distinguir o próprio do alheio. Em termos de consumo, os produtos e a mídia
eram mais acessíveis se nacionais, além de serem os produtos nacionais mais
baratos, o que ia de encontro a uma racionalidade econômica. Consumir marcas
estrangeiras era um recurso de status ou busca por mais qualidade. No entanto,
segundo esse autor, essa “oposição esquemática” entre o local e o estrangeiro
não faz mais sentido nos dias de hoje:
Acendo a minha televisão japonesa e o que vejo é um filme-
mundo, produzido em Hollywood, dirigido por um cineasta
polonês com assistentes franceses, atores e atrizes de dez
nacionalidades e cenas filmadas nos quatro países que o
financiaram. [...] Os objetos perdem a relão de fidelidade com
os territórios originários. A cultura é um processo de montagem
multinacional, uma articulão flexível de partes, uma colagem de
traços que qualquer cidadão de qualquer país, religião e ideologia
pode ler e utilizar. (p. 16-7)
Dessa forma, para Canclini, fica difícil saber o que é próprio: “A
distribuição global dos bens e da informação permite que o consumo dos países
centrais e periféricos se aproximem.” (p. 29). E quanto à identificação entre as
pessoas, a noção de pertencimento passaria a ser mais devido à formação de
comunidades internacionais de consumidores com gostos semelhantes do que
devido a lealdades nacionais.
Uma campanha publicitária, ainda pelo pensamento de Canclini, poderia
facilmente ser lida de modo semelhante por distintas culturas nacionais: “Sem
deixar de estar inscritos na memória nacional, os consumidores populares são
38
capazes de ler citações de um imaginário multilocalizado que a televisão e a
publicidade reúnem.” (p. 63).
Bauman (1999), por fim, sintetiza a sua impressão destes aspectos, onde
as pessoas transitam entre o global e o local a toda hora:
Muitos mudam de lugar [...] Mas a maioria está em movimento
mesmo se fisicamente parada – quando, como é hábito, estamos
grudados na poltrona e passando na tela os canais de TV via
satélite ou a cabo, saltando para dentro e para fora de espaços
estrangeiros com uma velocidade muito superior à dos jatos
supersônicos e foguetes interplanetários, sem ficar em lugar
algum tempo suficiente para ser mais do que visitantes, para nos
sentirmos em casa. No mundo que habitamos, a distância não
parece importar muito. Às vezes parece que só existe para ser
anulada, como se o espaço não bastasse de um convite contínuo
a ser desrespeitado, refutado, negado. O espaço deixou de ser
um obstáculo – basta uma fração de segundo para conquistá-lo.
(p. 85)
Assim, após a exposição das opiniões dos teóricos acima mencionados, a
seguir é realizada uma revisão de literatura mais específica, focada no campo da
Administração de Empresas, mas igualmente discutindo as tensões entre o
global e o local.
2.1.4.1 O global e o local em Administração de Empresas
Na literatura de Administração também muito se discute sobre os limites
entre o global e o local, sobre quanto a empresa que entra em um mercado
estrangeiro procura se adaptar à cultura local ou não, procurando equilibrar duas
necessidades contraditórias, que é ao mesmo tempo obter uma racionalização
global que gere vantagem competitiva e fazer frente às demandas específicas
do mercado local. Doz, Bartlett e Prahalad (1981) enxergam nisso o maior
39
desafio que as companhias multinacionais têm que enfrentar.
Segundo Onkvisit e Shaw (1999), a idéia de que a propaganda poderia
ser padronizada globalmente foi introduzida por Elinder (1965), que acreditava
que as diferenças nos gostos de consumo seriam menores e superficiais.
Theodore Levitt (1983) defendia que as empresas deveriam ignorar as
diferenças regionais e nacionais e oferecer produtos padronizados a todas as
culturas. Segundo este teórico, se tais produtos tivessem preços baixos, alta
qualidade e confiabilidade, isso seria suficiente para todo o mundo os aceitar
igualmente, inclusive suas propagandas igualmente padronizadas.
Onkvisit e Shaw (1999), discutindo mais especificamente se as
propagandas podem ser padronizadas para o mundo todo, concluem que pelo
menos em países “mais similares” isso é possível, ressaltando a crescente
internacionalização de hábitos e valores. No entanto, ponderam que isso não é
possível ao se lidar com qualquer mercado consumidor do mundo.
Os esquemas sugerido por Hill (1997) e Day (1990) procuram ilustrar as
diferentes estratégias que as multinacionais podem adotar ao entrar num
mercado global, que vão da customização total para atender às demandas
específicas até a padronização absoluta, a fim de obter economias de escala
globais. Segundo Hill (1997), a empresa pode optar por quatro diferentes
caminhos ao se internacionalizar, conforme sua postura em relação à tensão
entre o local e o global. Uma primeira opção é a empresa se tornar uma
empresa “transnacional”, realizando customizações conforme o mercado e
fazendo uso de economias de escala. Alternativamente, a empresa pode se
tornar “global”, não realizando customizações conforme o mercado e fazendo
uso de economias de escala. Uma terceira configuração é a que Hill chama de
40
alternativa “multi-doméstica”, realizando customizações conforme o mercado e
não fazendo uso de economias de escala. Por fim, a empresa pode ser
“multinacional”, não realizando customizações conforme o mercado e não
fazendo uso de economias de escala.
Day (1990), por sua vez, elabora um modelo de caráter mais prescritivo,
destacando quatro elementos estratégicos que devem ser levados em
consideração quando da decisão da estratégia a ser seguida pela empresa na
conquista de um novo mercado. Conforme a decisão, um maior ou menor nível
de padronização deverá ser implementado, sendo importante destacar que um
elemento pode ser padronizado e o outro não.
O primeiro elemento estratégico considerado é a “orientação estratégica”,
que inclui: posicionamento, marca, planejamento, estratégia competitiva e
gestão financeira e controle. O “marketing” é o segundo e engloba questões de
desenvolvimento, promoção, padrões de qualidade, definição de oferta e
relacionamento com clientes. “Operações e tecnologia” seria o terceiro
elemento, incluindo aspectos de sistemas, processos e layout de ponto de
venda. Por último, os “recursos humanos” são citados, devendo ser observados
o treinamento, a remuneração e o planejamento de carreira.
Walters e Toyne (1989), por sua vez, procuram estudar a questão das
adaptações e padronizações nos mercados estrangeiros, avaliando opções de
estratégia e políticas facilitadoras da maximização da possibilidade de
uniformizar os produtos, o que facilitaria ganhos de escala. Os autores chegam à
conclusão de que, à medida que os novos mercados convergem, as chances de
sucesso da padronização aumentam. No entanto, observam que em muitos
países ainda há barreiras a essa padronização, o que significa que para certas
41
empresas ainda é relevante a implementação de modificações no produto e a
formulação de estratégias locais. Assim, o desenvolvimento de fábricas de alta
tecnologia, que consigam implementar adaptações rápidas e econômicas no
produto, continuaria a ser importante. E conseguindo tais “fábricas do futuro” ser
eficientes, a preferência pela padronização pode acabar diminuindo por parte
dos produtores.
Langhoff (1997), também da área de Negócios Internacionais, mais
especificamente da escola de Uppsala, avalia a influência das diferenças
culturais no processo de internacionalização da firma, identificando que
diferentes estratégias precisam ser adotadas pelas firmas conforme o mercado
que almejam. Quanto mais diferenças culturais possuir, provavelmente maior
será a necessidade de abrir mão da padronização do produto, realizando
adaptações que melhor atendam a esse mercado.
Finalmente, Rocha e Rocha (1993) realizaram um estudo comparativo
entre anúncios de seguros brasileiros e norte-americanos, onde comprovaram
haver diferenças na abordagem dos anúncios conforme seu país de origem, o
que seria determinado pela distinção cultural entre Estados Unidos e Brasil. Os
autores optaram por anúncios de seguro por acreditarem estar sua aquisição
carregada de valores relacionados à forma como cada cultura interpreta a morte,
sua preocupação com o futuro, noção do tempo etc.
A fim de evitarem que sua pesquisa acabasse se tornando etnocêntrica,
Rocha e Rocha optaram por expor os anúncios selecionados – nos EUA da
revista Time e no Brasil da revista Veja - a um grupo de brasileiros e outro de
norte-americanos a fim de que eles próprios identificassem os principais valores
e mensagens que viam nas peças publicitárias. A partir destas considerações,
42
os pesquisadores partiram para uma análise mais aprofundada dos anúncios,
encontrando importantes diferenças entre os anúncios conforme sua
nacionalidade.
Deste modo, durante a pesquisa de campo da presente tese, procurou-se
identificar o quanto de local e o quanto de global há nas peças publicitárias
observadas, direcionadas ao público feminino de dois países distintos, os
Estados Unidos e o Brasil. Tentou-se perceber se aí também essa tensão que
reflete as limitações de se impor uma única cultura universalizante se
demonstra. Ao entrevistar informantes de ambas as nacionalidades, a pesquisa
vai mais fundo, ao identificar como o discurso dos distintos países é recebido,
absorvido e interpretado pelo público-alvo potencial daqueles produtos.
2.2 O PAPEL DA MULHER
Essa parte da revisão de literatura trata de alguns aspectos relevantes
sobre a mulher. O conceito de identidade feminina é assim buscado e a seguir
são buscadas algumas concepções que envolvem a evolução histórica do papel
da mulher da sociedade. Por fim, a tese de Foucault (1977) e de Bauman (1998)
sobre o papel da mulher é destacada, por se considerar importante para o
escopo deste trabalho expor essa vertente.
2.2.1 Observações sobre a identidade feminina
Antes de se buscar compreender a evolução do papel da mulher na
sociedade, julgou-se importante uma reflexão acerca do conceito de identidade
43
feminina, que é exatamente o que se visa (ou pelo menos dever-se-ia visar)
compreender e retratar nas peças publicitárias voltadas para a mulher em cada
período histórico.
Muitos autores - dentre eles Mead (1971), Pravaz (1981), Bassanezi
(1996), Mackay e Covell (1997) e Rocha (2001) - concordam que o conceito de
identidade é importante de ser compreendido para se entender quem é a mulher
contemporânea, de quem os anúncios que serão aqui analisados tratam e
buscam retratar. Além disso, conforme reforçam Rocha e Christensen (1999),
para o Marketing a diferenciação em função do sexo é muito importante, em
especial devido ao fato de que, predominantemente, o comportamento de
compra das pessoas é ditado por seus papéis reais ou desejados.
Rocha (2001) investiga a idéia de que a identidade “deve supor a
singularidade específica de cada cultura e, de outro lado, a presença do
fenômeno em múltiplas culturas” (p.24). Para tal, a identidade estaria no ponto
de interseção entre classificação e valor:
Classificão é o lugar na estrutura a ser necessariamente
preenchido para que o mundo se torne coerente e inteligível aos
atores. [...] Mas, por outro lado, o lugar de cada unidade no
sistema de classificação não é vazio, pois a própria integrão do
sistema instaura os significados diferenciados. Ao instaurar a
diferea, a classificação pura, se assim se pode dizer, não
existe, ela se reveste de valor. Dessa maneira, a classificação
indica uma posição específica e o valor é o significado daquela
posição na estrutura. [...]. Neste sentido, classificação e valor são
formas de lidar criativamente com o particular e o universal
contido nas identidades sociais. (ROCHA, 2001, p.24).
Desta forma, Rocha realiza no trabalho mencionado uma investigação
destas idéias, analisando como as imagens publicitárias que observa, ao mesmo
tempo em que classificam, expõem valores que caracterizam a identidade
44
feminina.
Como pondera Koss (2000), a primeira das identidades e a considerada
primordial é a identidade de gênero – masculina ou feminina -, o que
involuntariamente já gera uma expectativa de características e comportamentos
condizentes com o fato do indivíduo ser homem ou mulher.
O senso comum, como é refletido na definição encontrada no dicionário
Aurélio (FERREIRA, 2004) define mulher como um ser humano do sexo
feminino, que é capacitado para conceber e parir outros seres humanos, sendo
dotada das chamadas qualidades e sentimentos femininos, como carinho,
compreensão, dedicação ao lar e à família, intuição. Mas os conceitos masculino
e feminino - que carregam em si uma série de conotações – parecem necessitar
de uma revisão.
Simone de Beauvoir (1949) já questionava o que representava a fêmea no
mundo animal e que espécie de fêmea se realiza na mulher. A autora concede,
portanto, um papel de destaque ao fator biológico na construção da identidade
feminina. Para ela, o fato da mulher ser oprimida representaria assim uma
universalidade ao se falar de identidade feminina. E tal opressão seria absoluta,
arbitrária, acidental (e por isso mesmo passível de transformação), ao contrário
da opressão aos negros e aos judeus, por exemplo, que seria devido a fatores
históricos.
Para Koss (2000), o modelo biológico é reproduzido na história onde ser
mulher é exercer a maternidade enquanto ser homem é se opor a esse modelo.
Sempre que esse modelo foi contrariado teria sido à custa de muita luta social e
cultural:
45
Feminino e masculino o uma polaridade desequilibrada.
Direitos iguais para os homens nunca foram inspirão para uma
marcha de protesto ou uma greve de fome. Em nenhum país do
mundo os homens são considerados legalmente incapazes, como
ocorreu com as mulheres derias nões européias até o
culo XX e ainda ocorre em vários países. [...] nenhum país deu
o direito de voto primeiro às mulheres para depois concedê-los
aos homens. Ninguém jamais pensou que homens fosse o
segundo sexo. (SONNTAG apud KOSS, 2000, p. 209)
Após expostas algumas divagações sobre a identidade feminina, parte-se
a seguir para a exposição de alguns autores que destacam aspectos históricos
importantes acerca da mulher.
2.2.2 Alguns aspectos históricos sobre a mulher
De acordo com Bardwick (1981), o papel social da mulher foi moldado
pela imagem idealizada da mulher como esposa e mãe, como um “símbolo de
ternura”. Já Foucault (1977), como será aprofundado no item 2.2.3, indica que
toda forma de subjetivação e sexualidade é reprimida em prol da manutenção da
família burguesa. E Capra (1986) continua:
[...] o poder do patriarcado tem sido extremamente difícil de
entender, por ser totalmente preponderante. Tem influenciado
nossas idéias mais sicas acerca da natureza humana e de
nossa relação com o universo, [...] cujas doutrinas eram tão
universalmente aceitas que pareciam constituir leis naturais, [...]
apresentadas. (p. 27)
Bourdieu (1999) acredita ser a diferença entre os sexos fruto da ordem
política, social, jurídica, cultural, dentre outros aspectos. A oposição
homem/mulher estaria inserida em um sistema maior e arbitrário de
46
classificações dicotômicas, de onde se originariam as diferenças entre os sexos.
Para o autor, a diferença biológica entre os corpos serviria como uma
justificativa natural das diferenças socialmente definidas dentro desse sistema
de dicotomias. Bourdieu acredita ainda que a distinção de papéis dotadas para
cada sexo e suas mudanças ao longo do tempo seriam resultado de interesses
de instituições como o Estado, a Igreja e a família, encarregadas de manter esse
sistema de oposição entre os sexos.
A historiadora Rosalind Miles (1990), procurando narrar a História sob a
perspectiva da mulher, atenta para o fato de que desde o terceiro milênio antes
de Cristo até pelo menos o século XIX, a história vem sendo documentada pelo
ponto de vista masculino, tendo as ações desses homens, portanto, como ponto
central desse registro. As mulheres apenas seriam mencionadas marginalmente,
estando suas vidas concentradas na casa e no universo da família. Esse fato
nos remete à tese do antropólogo Roberto Da Matta (1987), quando diz ser o
espaço da casa e sua respectiva linguagem – baseada na família e nas relações
pessoais – predominante entre as camadas dominadas e inferiorizadas. Assim,
a mulher estaria ocupando o mundo privado.
Na Idade Média surge o “amor cortês”, que para Koss teria sido o grande
precursor do amor romântico da modernidade, o que representa uma nova
dinâmica nas relações entre os sexos. Ou seja, aos homens cabia o dever de
sustentar a casa e a família com autoridade e responsabilidade, além de atuar
na esfera pública, da política e do mercado. E as mulheres ficavam com o
universo da casa, do mundo doméstico e privado, o que reforça a tese de Da
Matta.
Ainda mais recentemente, a idéia de amor cortês parecia em alguma
47
medida persistir. A fim de analisar a concepção que a sociedade brasileira
moderna tem sobre o masculino e o feminino, Bassanezi (1996) fez um estudo
das revistas femininas veiculadas de 1945 a 1964, que revelou que ainda na
década de 60 a imagem da mulher era basicamente a de “rainha do lar”, por
natureza dedicada ao casamento e à maternidade.
Segundo Koss, esta propaganda em massa, que colocava a mulher como
romântica, sonhadora, doce, sensível e passiva, foi um instrumento de controle
muito eficiente, reforçando a necessidade de doação, sacrifício e fidelidade por
parte do sexo feminino. E a autora vai além:
A assimilação dos valores culturais, atribuídos ao feminino e ao
masculino, levou os homens a se desconectarem do corpo e de
seus sentimentos, que foram então relegados ao inconsciente e,
por decorrência, às mulheres. (p. 215)
A entrada definitiva da mulher no mercado de trabalho, isto é, no domínio
público, se deu no final do século XX. Isso porque, segundo Muraro e Boff
(2002), com a Segunda Revolução Industrial tornou-se necessária mais mão-de-
obra, já que o sistema competitivo vinha fazendo mais “máquinas que machos”
(p. 13). E, no início do século XXI, a mão-de-obra feminina já respondia por
cerca de metade da força de trabalho, o que deveria findar o ciclo patriarcal. É
difícil na atualidade encontrar mulheres, dentre as mais jovens, que nunca
trabalharam, o que vai contra o tradicionalismo patriarcal. Segundo Segalen
(1986), isso retira a mulher do domínio exclusivo da casa, ao mesmo tempo em
que obriga o homem a rever seu papel e valores.
Entretanto, embora grandes mudanças já tenham ocorrido, Koss lembra
que os antigos valores de outrora “certamente ainda têm a sua força no
48
imaginário e nas crenças que determinam nossas expectativas e julgamentos a
respeito do que seja a ´natureza` feminina e o papel da mulher, e as qualidades
complementares que atribuímos ao masculino e ao papel do homem...” (p. 171).
Mead (1971), por sua vez, indica um modelo alternativo à realidade atual,
sendo necessário um equilíbrio entre os sexos a fim de que se desenvolvam
civilizações que façam uso pleno dos dotes humanos, tirando proveito das
especificidades inerentes a homens e mulheres, sejam geneticamente obtidas
ou socialmente adquiridas.
Pravaz (1981) realizou uma pesquisa com mulheres de três diferentes
países a fim de pensar sobre como essas idéias que parecem submersas à
cultura impactam na formação da identidade feminina. O estudo identificou a
personalidade feminina sob três estilos - doméstica, sensual e combativa –
relacionando-os com seus respectivos objetos significantes - o filho, o corpo e o
trabalho. A conclusão de Pravaz foi que, independente do estilo de mulher, esta
se qualifica dentro das características político-culturais e econômico-culturais,
sendo as características que a mulher adquire uma resposta às tarefas a ela
impostas. Ou seja, as habilidades e qualidades requeridas pelas funções
desempenhadas seriam, de acordo com a ideologia e seus valores dominantes
em cada período social e histórico, podendo haver combinações entre os estilos,
como a mãe que trabalha fora ou a combativa sedutora. Tais combinações
oriundas de fragmentos possibilitam a sobrevivência da mulher “no pedaço do
reino que lhe propõe ao mesmo tempo a salvação e o enclausuramento, os
direitos e os deveres” (p. 55). As três opções genéricas propostas por Pravaz
levariam a organizações diferentes da identidade feminina a partir de uma
mesma gama de alternativas e proibições.
49
De acordo com Gilberto Freyre (1997), “a mulher moderna, tanto quanto o
homem moderno, tem que conviver com formas modernizadas de relações do
viver doméstico ou privado com o público, da casa com a rua, da família com a
comunidade” (p.22). É essa “ética dúplice”, termo criado pelo sociólogo Max
Weber e reformulado para estudar a sociedade brasileira pelo antropólogo
Roberto da Matta, com que a mulher cada vez mais se depara.
Assim, para Freyre (1997), enquanto em casa a mulher deve agir como
pessoa – num mundo relacional onde o que é importa é a família e as relações
sociais -, na rua ela deve se tornar indivíduo - capaz de lidar como os modos de
produção, classes sociais, leis e burocracia.
Portanto, à mulher retratada nos termos do senso comum, anteriormente
mencionada nas palavras do dicionário Aurélio, e que demonstrou ser uma
definição altamente ideológica, devem ser incorporados outros aspectos que são
exigidos da mulher moderna. Esta, de acordo com Pravaz (1981), além da
cordial dona-de-casa, mãe e esposa, deve ser competitiva, informada,
ambiciosa, vencedora. Por outro lado, embora cada vez mais a mulher dos dias
de hoje tenha conquistado seu espaço no campo público – na “rua” – nossa
cultura está longe de retirá-la do universo privado da “casa”. Desta forma, ainda
cabe a mulher a gerência da casa e da família, embora também a ela caiba
conquistar seu espaço no mercado de trabalho.
O antropólogo Lévi-Strauss (1994) conta que viu um índio bororo quase
morrendo de fome por não ter uma mulher que lhe cozinhasse a comida. É
irônico perceber que, em muitas sociedades atuais, há muitas semelhanças
como esse caso, inclusive nas sociedades avançadas, onde as mulheres não só
trabalham fora como dentro de casa, cumprindo uma dupla jornada de trabalho
50
que nunca existiu para o sexo masculino.
Há ainda a questão do culto à beleza: a mulher também deve perseguir os
ideais de beleza e moda vigentes, estando de preferência sempre bonita, magra
e bem vestida. Como conclui Goldenberg (2004), atualmente há uma verdadeira
obsessão da mulher pelo corpo, o que ela crê ser resultado de uma cultura que
dá um valor excessivo à forma física, aparência e juventude, o que se reflete no
perfil dos anúncios encontrados nessa pesquisa, que predominantemente
divulgam produtos de saúde e beleza, como veremos à frente. Para Lipovetsky
(2000), a mulher libertou-se das antigas formas de dominação, mas agora
tornou-se escrava dos padrões estéticos. Ou seja, a mulher deseja seguir
determinados padrões de beleza vigentes e para tal estão muitas vezes
dispostas a fazer sacrifícios físicos e financeiros com o objetivo de se sentirem
mais belas.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, a mulher de hoje encontra-se
fortemente engajada na produção. No Brasil, segundo o IBGE – Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
7
-, dentre 21.990 milhões de pessoas que
compunham a População Economicamente Ativa
em 2005
,
45% eram do sexo
feminino
,
percentual esse que vem crescendo anualmente. Frente a esse novo
cenário que vem cada vez mais se solidificando, é natural que novas
possibilidades emirjam na busca existencial da mulher, o que também acaba por
expor uma série de conflitos antes adormecidos. A consolidação da mulher no
mercado de trabalho acaba por conflitar com questões domésticas, alterando
comportamentos e valores.
7
Dados obtidos através do site do IBGE. URL: http://www.ibge.gov.br/. Visitado em 20 de
novembro de 2006.
51
Para grande parte das mulheres, a maternidade é parte essencial do “ser
mulher” e, assim, quando optam por não ser mães levam um certo tempo para
reorganizar sua identidade. Segundo Safer (1987), muitas mulheres hoje em dia
colocam carreira e outros relacionamentos no mesmo patamar da maternidade.
E Bardwick (1981) acrescenta:
[...] a preferência feminina por uma carreira e remunerão no fim
do mês contribuiu para desvalorizar as funções de esposa e mãe,
enquanto aumentava a importância do sucesso profissional como
recurso crucial para a obteão do auto-respeito. Isso é uma
inversão de valores. (p. 41).
Segundo Lindnet (2004), enquanto nas décadas de 60 e 70 as mulheres
começaram a buscar mais espaço e na década de 80 procuraram se equiparar
ao homem em tudo – até no modo de vestir e na postura –, na década de 90
uma nova fase nessa revolução se iniciou. Ao invés de buscar as semelhanças,
as mulheres passaram a dar valor às diferenças. Ou seja, não se buscava mais
a equiparação ao homem, mas sim uma redefinição de valores e estratégias.
2.2.3 As visões de Foucault e Bauman
Muitos dos autores citados acima, pelo que foi visto, apontam a imagem
da mulher como oprimida em relação ao homem. No entanto, há também uma
outra corrente, a que aponta que os papéis de homens e mulheres ao longo do
tempo fazem parte de um processo de mudança social no poder. Como
precursor desta linha está Foucault (1977), que, ao tratar mais especificamente
da questão da sexualidade, acaba por nortear a questão do papel dos gêneros:
52
O objetivo da presente investigação é (...) mostrar de que modo
se articulam dispositivos de poder diretamente ao corpo a corpo,
a funções, a processos fisiológicos, sensões, prazeres; longe
do corpo ter de ser apagado, trata-se de fazê-lo aparecer numa
análises em que o biológico e o histórico não constituam
seqüência, como no evolucionismo dos antigos sociólogos, mas
se liguem de acordo com uma complexidade crescente à medida
em que se desenvolvam as tecnologias modernas de poder que
tomam por alvo a vida. Não uma história das mentalidades,
portanto, que só leve em conta os corpos pela maneira como
foram percebidos ou receberam sentido e valor; mas “história dos
corpos e da maneira como se investiu sobre o que neles há de
mais material, de mais vivo. (p. 142)
O que Foucault defende, Bauman (1998) posteriormente veio a chamar de
“primeira revolução sexual”:
Foucault falou da ´utilizão` do sexo como um apoio da
hierarquia do poder; às vezes, ele recorreu a uma metáfora
militar, falando do “desenvolvimento” de várias noções
construídas no curso do discurso médico-pedagógico, nas etapas
sucessivas da articulação dos modernos poderes panópticos. O
sexo foi desenvolvido na construção de numerosos segmentos da
estrutura social moderna. Seu papel, no entanto, foi
particularmente grande na edificação das famílias modernas,
essas extensões capilares que alcaam mais longe, e que tudo
penetram, do sistema de poder panóptico, total. As células da
família eram reconhecidamente diminutas e não particularmente
profícuas, mas decisivas para o sucesso global do
empreendimento como um todo, sendo as únicas instituições que
conduziam a pressão combinada do sistema panóptico até cada
simples membro da sociedade. (Especialmente aqueles
indivíduos que escapavam à pua disciplinadora das duas mais
poderosas das instituições panópticas – a fábrica e o exército.) (p.
182)
E Bauman (1998), dando continuidade a essa linha de pensamento,
sugere que hoje estaríamos passando pelo que chamou de “segunda revolução
sexual”:
Essa segunda revolução consiste, aproximadamente, no
desmantelamento de tudo o que a primeira revolução [...]
construiu. Testemunhamos hoje uma gradual, mas
aparentemente inexorável, desintegrão (ou, ao menos,
53
considerável enfraquecimento) do outrora sacrossanto e
imperturbável “ninho familiar”. O correlato cultural desse processo
é o descascar do envolvimento romântico do amor erótico e que
lhe desnuda a substância sexual. Permitam-nos observar, porém,
que ao contrário das crenças populares incutidas à medida que
essa mudança é apresentada e discutida, tal transformão
indubitavelmente profunda não é, de modo algum, equivalente à
“emancipação sexual” - à libertação da atividade sexual das
respectivas funções sociais que constrangiam, com resultados
muitas vezes nocivos, o impulso libidinal. Ela pressagia, em vez
disso, uma sucessiva “redisposão” do sexo a serviço de um
novo padrão de integrão social e reprodão. Como antes, o
sexo “tem uma função”; como antes, é “instrumental”; só a função
mudou, assim como a natureza do processo em que o sexo
“redispostodesempenha seu papel instrumental. (p. 183)
Ou seja, (Foucault e) Bauman não acredita(m) em opressões e revoluções
feministas e sim num movimento com objetivos e influências maiores:
Como na era da primeira revolão sexual, as transformões
atuais não são uma aventura histórica que acontece só ao sexo,
mas parte integrante de uma mudança social muito mais ampla e
completa. Se há 200 anos profundas mudanças nos padrões
sexuais associaram-se à construção do sistema panóptico de
integração e controle social, hoje, mudanças igualmente
profundas acompanham a dissimulão desse sistema: um
processo de desregulamentação e privatizão do controle, da
organização do espaço e dos problemas de identidade.
(BAUMAN, 1998, p. 183)
A questão é que, tendo como base a linha de raciocínio de Foucault e
Bauman ou a linha que acredita em opressões e revoluções da mulher, de
qualquer forma é fato que o papel da mulher vem se modificando na sociedade.
E é essa mulher, que precisa tanto dar conta desses novos papéis quanto
redefinir o modo de lidar com os antigos, que será aqui revista. Primeiramente
procurando ver como ela é retratada nos anúncios e depois procurando ouvir o
que as mulheres do “mundo real” tem a dizer sobre esses pretensos reflexos de
54
si. E vai-se além, ao tentar identificar diferenças culturais nessas percepções, ao
consultar-se tanto anúncios quanto mulheres “de carne e osso” brasileiras e
estrangeiras.
A fim de atingir esses fins, considerou-se relevante também compreender
a indústria cultura e, mais especificamente, o universo da publicidade voltada
para a mulher - lócus das relações de troca entre imagens de mulher e mulheres
do mundo real –, o que é feito a seguir.
2.3 A SOCIEDADE DE CONSUMO E A PUBLICIDADE
Nesta parte do trabalho passa-se a tratar do fenômeno da comunicação de
massa, onde estão inseridas as revistas femininas. Serão abordadas algumas das
principais correntes que tratam da indústria cultural e, a seguir, parte-se para um
tópico mais específico, sobre trabalhos que discorrem sobre a publicidade voltada
para o público feminino. Uma série de estudos, tanto internacionais quanto
nacionais, são aí revistos, procurando-se conhecer melhor algumas de suas
metodologias e resultados.
2.3.1 Comunicação de Massa
Uma vez que o foco do estudo são os anúncios publicitários femininos e
esses se encontram inseridos no contexto da comunicação de massa e de suas
representações, é importante uma discussão prévia sobre a indústria cultural.
Esta representa o conjunto de meios de comunicação em grande escala, de
produções materiais e simbólicas da cultura moderna e é um dos temas centrais
55
dos estudos sobre essa cultura e sobre marketing.
Para Adorno e Horkheimer (1985), que cunharam o termo indústria
cultural em 1947, esta se qualifica como o órgão de concretização de uma
pressão pela identidade que já se observava no mito, na forma de um eterno
que mantém-se na verdade sempre igual. Para eles, a indústria cultural seria
assim uma reprodutora da pseudo-individuação dos integrantes da massa.
Outros autores importantes sobre o tema que se pode destacar são
Umberto Eco (1993), Jean Baudrillard (2005) e Edgard Morin (1969). A seguir é
realizado um mapeamento das principais idéias desses autores sobre a indústria
cultural e a sociedade de consumo, com maior ênfase na publicidade.
Adorno (1985) – integrante da escola de Frankfurt - utiliza o termo
indústria cultural, pois para ele comunicação de massa seria um termo
inadequado, pois indica que ela não surge das massas e sim é dirigida a elas,
representando uma integração deliberada a partir do alto. O autor também alerta
que, na arte da indústria cultural, a serialização e imitação se destacam. A
ideologia, e não as massas, seria o parâmetro para as produções desta
indústria, conseguindo unir “arte inferior” com “arte superior” num mesmo
âmbito, realizando uma depravação da alta cultura e concomitantemente uma
espiritualização forçada da diversão, a fim de atender à lógica da arte com o
objetivo de gerar lucro.
De acordo com Adorno (1985), a indústria cultural surge por imposição do
sistema capitalista, que dela precisava para continuar obtendo lucros. Foi
formado um enorme público consumidor potencial com a migração do campo
para as cidades e com o crescimento destas pela industrialização. Um público,
portanto, heterogêneo que precisava se integrar num mercado consumidor
56
único, o que foi possível com a indústria cultural e sua produção de bens pop,
estabelecimento de mídia difusora de uma média entre gostos e necessidades.
Desta forma, fazendo uso dos veículos de massa – nos quais as revistas e seus
anúncios estão inseridos, a indústria cultural encontra seu canal de difusão e
integração de valores, costumes, gostos, hábitos, imagens e ideologias.
Deste modo, a construção de uma imagem contaria com a indústria
cultural para refletir seus significados. Assim, segundo esse raciocínio, se uma
mulher resolve passar a impressão de uma executiva de sucesso, nos veículos
de massa veria o que pode ser consumido para revesti-la desta imagem, como
tailleurs de grife, celulares e palm tops, sapatos altos, maquiagem, um carro
elegante e assim por diante.
Segundo a lógica marxista, que influenciava a Escola de Frankfurt, o
capital foi além da produção material, extrapolando para a área da produção
cultural, alcançando assim a superestrutura, tomando também a própria
produção da cultura a forma de mercadoria
8
. A arte, admitida por Morin (1969)
como “cultura do culto” ou “alta cultura”, para a escola de Frankfurt não existiria,
pois um diferente nível de fruição seria necessário.
Os produtos seriam apresentados ao mercado consumidor como únicos e
especiais através da grande máquina da publicidade. Únicos e especiais como
quem os consome deve se sentir. Para Adorno, o indivíduo seria uma ilusão,
restando a ele ser consumidor, identificado e classificado de acordo com o que
consome.
Eco (1993) chamou o grupo no qual Adorno se insere de “apocalípticos”,
confrontando seus argumentos com o de outro grupo, que chamou de
8
Adorno, 1985.
57
“integrados”, a fim de chegar num discurso coerente e neutro sobre a indústria
cultural. Esse segundo grupo, ao contrário do primeiro, teria uma visão favorável
da comunicação de massa, acreditando colaborar esta para a difusão da cultura
para o povo. A conclusão de Eco, ao final desta análise, é a de que a indústria
cultural em si não é negativa, não é um problema. O problema é sim quem a
controla.
Morin (1969) usa o termo “industrialização do espírito” para caracterizar a
segunda industrialização que ocorreu no século XX, quando surgem as mídias
de massa, que não eram dirigidas a nenhum público específico e que eram
dotadas de características que ficavam na média do gosto do público, a fim de
atingir um grande contingente. Desta forma, pela primeira vez, culturas distintas
de diversos pontos do globo passam a ter acesso a um mesmo conteúdo
simbólico. Tal conteúdo foi capaz de gerar uma uniformidade em hábitos e
gostos em proporções inéditas:
A cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de
símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida
imaginária, um sistema de projões e identificações específicas.
Ela se acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à
cultura religiosa, e entra em concorrência com estas culturas. (p.
17).
Desta forma, Morin indica que a indústria cultural é baseada na
contraditória dinâmica entre invenção e padronização. Dá e encerra espaço para
se criar. Formata-se para o público, chegando a adaptar o público a si própria.
Morin (1969) crê que a indústria cultural não é exclusiva do sistema
capitalista. A diferença seria que enquanto em regimes capitalistas o objetivo
maior seria o lucro, no socialismo seria o controle político e ideológico das
58
massas. E o público de ambos seria o homem médio, representativo de uma
tendência à universalidade, cujo artigo dos mais cobiçados seria o lazer. A
felicidade viraria sinônimo de consumir conforto, lazer, viagens, bens etc.
Baudrillard (2005) concorda e vai além, revelando ser esse tipo de felicidade o
equivalente à “salvação”, advindo de um mito de igualdade vigentes nas culturas
modernas, segundo o qual todo indivíduo deve buscar a felicidade – que nesse
caso é idealmente mensurável -, tendo direito a ela. Para ele, o consumo é uma
relação não só com os objetos, mas também com a coletividade, formando a
base de todo nosso sistema cultural. Os bens deixam de valer por sua utilidade
e passam a valer pelo seu lugar na lógica de significação social.
O Consumo constitui um mito. Isto é, revela-se como palavra da
sociedade contemporânea sobre si mesma; é a maneira como a
nossa sociedade se fala. De certa maneira, a única realidade
objetiva do consumo é a idéia do consumo, a configurão
reflexiva e discursiva, indefinidamente retomada pelo discurso
quotidiano e pelo discurso intelectual, que acabou por adquirir a
força de sentido comum. A nossa sociedade pensa-se e fala-se
como sociedade de consumo. Pelo menos, na medida em que
consome, consome-se enquanto sociedade de consumo em idéia.
A publicidade é o hino triunfal desta idéia. (BAUDRILLARD, 2005,
p. 208)
Assim, Baudrillard (2005), como Marshall McLuhan (1971), também crê
que o meio é a mensagem. As mensagens publicitárias não seriam meramente
as imagens e palavras transmitidas, mas sim um meio de difundir novos modos
de relações sociais, mudanças na estrutura tradicional da família e do grupo.
Baudrillard acredita que a publicidade serve mais à ideologia do sistema do que
aos varejistas, dando um exemplo da época de guerra, onde campanhas
publicitárias de produtos impossibilitados de serem comercializados continuaram
sendo veiculadas. Vende-se todo o conjunto de imagens presentes e, mais do
59
que isso, vende-se uma proposta de personalidade para o consumidor. McLuhan
(1971), por sua vez, acreditava que o valor da mídia para se entender a cultura é
menosprezado pelos historiadores, sendo esta um dos reflexos mais fiéis de
uma sociedade.
Finalmente, Rocha (1995) indica que a comunicação de massa em geral e
a publicidade em particular, ao realizar a conversão das mensagens da
produção para o consumo, funciona como um operador totêmico, que na
Antropologia seria responsável pela conversão das mensagens entre natureza e
cultura. Desse modo, a esfera da produção passa a ser acrescida de um código,
que fornecerá sentido aos consumidores. Tal código, que proveria a produção
com conteúdo, nome, representações e significados, seria fornecido pela
publicidade:
O que ela [a publicidade] faz é classificar produtos conjugando-os
com “situações sociais”, “relacionamentos, “lugares”, “estados de
espírito”, “animais”, “paisagens” ou “naturezas”. Todos estes
elementos configuram tipos de pessoas, grupos sociais, desejos
(e que mais extensões alcançar o sistema publicitário) no afã de
exercer o poder regulador do seu discurso e de sua função
classificadora. Dessa maneira, seu papel de “operador totêmico”
quer fazer ver a sociedade segundo uma certa ótica. Para fazer
crer na “verdade” da classificação de objetos e pessoas, o
sistema publicitário é constrangido a apresentar uma visão de
mundo particular. No intuito e pela necessidade de ser um
discurso sobre o mundo, a publicidade ritualiza situações comuns.
Separa e junta determinados quadros que, nesta incessante
colagem, se transformam de cotidianos em rituais. Assim, a
transubstancião das relações concretas de vida dos atores
sociais em “dramas” é um dos mecanismos de ritualização
utilizados pela publicidade. Tal como no ritual, o que acontece é o
destaque de aspectos particulares da realidade, tornar certos
elementos mais presente, incisivos e vivos do que outros. (p.
147)
Após essa exposição de idéias acerca da indústria cultural, parte-se a
seguir para uma discussão mais específica, qual seja, a questão sobre como a
60
mulher vem sendo retratada no meio publicitário, segundo uma série de estudos
abaixo explorados.
2.3.2 Publicidade voltada ao público feminino
Estudos tanto internacionais Mackay e Covell (1997), Courtney e
Lockeretz (1971), Lindner (2004), dentre outros – quanto no Brasil - como o de
Schmidt (1981) e de o Rocha (2001) - já foram realizados no sentido de buscar
identificar os estereótipos femininos contidos nos anúncios veiculados na mídia,
alguns deles inclusive também realizando comparações entre diferentes países
(FARRAGHER, 2000 e BERGIEL, 2000). Abaixo segue, portanto, o resumo de
alguns desses estudos, onde se buscou referências para a escolha de critérios
metodológicos para o presente estudo.
2.3.2.1 Estudos internacionais
Courtney e Lockeretz (1971) realizaram um estudo exploratório dos
anúncios da mídia impressa a fim de detectar a retratação nestes anúncios de
estereótipos femininos, especialmente através da comparação entre homens e
mulheres mostrados em atividades de trabalho e não laboriais. Sete revistas
direcionadas a ambos os sexos foram analisadas, sendo selecionado um
exemplar de cada revista publicado durante uma mesma semana de 1970. A
amostra reuniu 729 anúncios, que foram classificados segundo o tipo de produto
anunciado, o número de pessoas adultas de cada sexo retratada e sua
ocupação ou atividade evidenciada pelo anúncio.
61
Como resultado, o estudo mostrou que a imagem da mulher nos anúncios
não acompanhou a evolução no mundo real. Enquanto naquele período a força
de trabalho feminina correspondia a 33% do total, nos anúncios a proporção de
mulheres no total de pessoas com postura de trabalho ficou em cerca de um
terço disso. Em relação às pessoas, conforme o sexo, serem mostradas
trabalhando ou não, 90% dos anúncios com mulheres as mostravam em
situações não relacionadas a trabalho e para os homens esse percentual caía
para 37%.
Quanto ao produto anunciado e ao sexo predominante em seus anúncios,
a situação ficou como no quadro a seguir:
Quadro 1
9
:
Categoria de produtos e papel do sexo
Categoria de produto
Gênero mais
freqüente
10
Anúncios com homens /
anúncios com
11
mulheres
Material de limpeza mulher 0,00
Alimentos mulher 0,45
Produtos de beleza mulher 0,6
Remédios mulher 0,66
Móveis homem 0,71
Roupas mulher 0,76
Eletrodomésticos mulher 0,86
Caridade - 1,00
Viagem homem 1,3
9
Tradução nossa.
10
Baseado no número de adultos mostrados.
11
Baseado no número de peças publicitárias.
62
Carros homem 1,37
Bebidas alcoólicas homem 1,63
Cigarros homem 1,90
Bancos homem 2,11
Produtos industriais homem 2,17
Entretenimento e mídia homem 2,33
Anúncios institucionais homem 2,50
O estudo detectou que a mulher nos anúncios ainda reflete uma série de
estereótipos, não condizentes com a realidade da época em que o estudo foi
realizado. Desse modo, nos anúncios, o lugar da mulher parece ser ainda quase
que exclusivamente em casa e os homens ainda a vêem como basicamente um
objeto sexual. Além disso, a mulher retratada nas mensagens publicitárias não
parece tomar decisões importantes ou fazer coisas relevantes, mostrando-se
dependente e carente de proteção masculina. Portanto, os autores alertam ser
necessária uma revisão dos conceitos por parte dos publicitários, a fim de tornar
sua propaganda mais genuína e eficaz.
Wagner e Banos (1973) realizaram, 20 meses após a pesquisa de
Courtney e Lockeretz, uma análise com base nesse primeiro estudo a fim de
avaliar se havia ocorrido mudanças. Utilizando-se dos mesmo critérios para
classificação dos anúncios, concluíram ter havido um aumento no número de
mulheres mostradas como trabalhadoras, mas, por outro lado, não detectaram
mudança significativa na freqüência de mulheres retratadas como
independentes em decisões de compra de maior valor e importância, como
carros e investimentos.
63
Por sua vez, Belkaoui e Belkaoui (1976), baseados nos dois trabalhos
acima citados (COURTNEY e LOCKERETZ, 1971 e WAGNER e BANOS, 1973),
implementaram uma análise de conteúdo da imagem da mulher nos anúncios
publicitários impressos, a fim de constatar se houve uma mudança em sua
abordagem, de acordo com as mudanças no mundo real ao longo do tempo.
Para tal, selecionaram anúncios de 1958, a fim de contrapô-los aos achados das
duas pesquisas anteriormente mencionadas, datadas de 1970 e 1972. O ano de
1958 foi escolhido por anteceder em dez anos a efervescência dos movimentos
feministas e os anos de 1970 e 1972 por serem posteriores a tal fato, além da
existência dos estudos anteriormente elaborados. Desta forma, os autores
desejavam observar se os movimentos feministas refletiram sobre a maneira de
se retratar a mulher nos anúncios.
Para tal, Belkaoui e Belkaoui selecionaram exemplares de oito revistas e
jornais norte-americanos de interesse geral do ano de 1958, o que totalizou 268
peças publicitárias. Tais peças foram selecionadas dentre todas as observadas
sob o seguinte critério: o papel da mulher e do homem deveria estar claro. Cada
anúncio foi classificado pelo número e sexo dos adultos contidos nele, a
profissão ou atividade que essas pessoas praticavam e a categoria de produtos
anunciada. Com base nos dados assim tabulados, os autores realizaram uma
análise estatística, concluindo que a mulher dos anúncios de 1958 foi retratada
de acordo com os estereótipos vigentes na época, predominando a mulher que
não trabalha fora, a mulher que trabalha fora mas em posições e com salários
inferiores aos dos homens, a mulher como objeto decorativo e, finalmente, a
mulher com poder de decisão de compra limitado. Quanto aos produtos, a
mulher aparece mais associada a produtos domésticos e de beleza e os homens
64
a produtos de alto valor (carros, produtos industriais, educação, seguro e crédito,
dentre outros).
Em comparação com os estudos que usaram dados de 1970 e 1972, a
conclusão foi a de que muitos dos estereótipos prevalecentes nos anúncios em
1958 permaneceram fortes na década de 1970, independentemente do advento
dos movimentos feministas e do fato da mulher estar ocupando novos espaços e
funções no mundo real.
Sexton e Haberman (1974) realizaram um estudo cujo objetivo era o de
mensurar a extensão do uso de estereótipos femininos nos anúncios de revista.
Para tal, elaboraram algumas hipóteses acerca da freqüente retratação de
mulheres em situações onde era possível identificá-las em posição inferior e
acerca da mudança do papel da mulher nos anúncios ao longo do tempo,
aumentando o número de vezes em que passa a ser retratada em situações de
trabalho.
Como critério metodológico, Sexton e Haberman desenvolveram um
sistema de pontuação dos elementos encontrados nos anúncios, chegando-se a
doze dimensões para análise. As cinco primeiras era quantitativas enquanto as
outras procuravam medir a diferença na postura da mulher nos anúncios ao
longo das décadas de 1950, 1960 e 1970. A fim de minimizar o grau de
ambigüidade destas dimensões mais subjetivas, estas foram confirmadas
através de um teste com homens e mulheres. Cinco revistas de grande
circulação da época foram então pesquisadas, sendo coletados exemplares das
três décadas estudadas. Foram então analisados anúncios classificados em seis
grupos conforme o tipo de produto anunciado, independentes de serem feitos
para um ou outro sexo, ou ambos.
65
Como resultado, em algumas categorias de produto, foi de fato observada
uma evolução no papel da mulher ao longo das décadas, como no caso das
peças publicitárias de companhias aéreas, que cada vez mais colocava a mulher
em postura de trabalho. Já no caso de produtos como automóveis e cigarros a
situação ficou praticamente a mesma. Como resultado global, apenas 16% dos
anúncios mostraram a mulher em situações não tradicionais (entenda-se por
situação tradicional o papel de dona de casa, mãe ou acompanhante social). Os
resultados, segundo esses pesquisadores, corroboraram portanto as
reclamações das feministas da época, que notavam ser o papel da mulher nas
propagandas “muito pobre”.
Lysonsky (1985) foi em busca de estereótipos femininos nos anúncios de
revistas britânicas, realizando uma comparação entre os anos de 1976 e 1982-3
em quinze revistas. Seus resultados indicaram alguns temas mais recorrentes
na propaganda onde as mulheres apareciam. Em 50% dos anúncios
selecionados as mulheres eram retratadas como preocupadas com a aparência
física, em 17% como objeto sexual e em 10% como dona de casa.
Uma tendência a uma sutil mudança no papel da mulher retratado na
propaganda foi no entanto notado no sentido de que a mulher parecia ser mais
retratada com o passar do tempo como preocupada com a aparência física do
que como dona de casa.
Um estudo de Hogg et al. (1999) procurou avaliar como as britânicas
reagiam às imagens da mulher veiculadas nas propaganda de revistas de moda.
Foi concluído que as mulheres faziam uso de uma série de estratégias ao
consumirem tais imagens idealizadas, o que variava conforme o objetivo do
processo de comparação social, sendo também discutidas as implicações desse
66
processo para as estratégias de comunicação de marketing. Ademais, os
autores perceberam que a exposição a essas imagens idealizadas da
propaganda aumentavam os padrões de exigência quanto ao que seria
necessário para tornar uma mulher atrativa, assim como reduziam a satisfação
das mulheres com sua própria aparência.
Já Venkatesan e Losco (1975) compararam as imagens da mulher
retratadas em anúncios de revistas entre 1959 e 1971, concluindo que os papéis
mais retratados eram os seguintes: mulher como objeto sexual, mulher bela
fisicamente e mulher como dependente do homem.
Observaram, contudo que, ao longo do período observado, o número de
anúncios observados com mulheres retratadas como objeto sexual diminuiu
mais do que diminuiu o número de anúncios com mulheres do terceiro tipo
enumerado, ou seja, donas de casa.
Wortzel e Frisbie (1974), procurando dar prosseguimento à linha estudos
de Courtney e Lockeretz (1971) e de Wagner e Banos (1973) e a fim de estudar
a eficácia da publicidade feminina, selecionaram 100 jovens mulheres como
informantes a fim de identificar quais as imagens retratando as mulheres nos
anúncios publicitários que elas preferiam. Tais informantes deveriam combinar
imagens de produtos com imagens de mulheres, como que criando seus
próprios anúncios conforme julgassem mais adequado. As imagens das
mulheres dividiam-se em cinco diferentes papéis: neutro, família, carreira, objeto
sexual e objeto da moda. Na segunda parte do teste, deveriam dizer se
concordavam com uma série de afirmações feministas e outras contra a
emancipação das mulheres, a fim de identificar a importância das questões
ideológicas. Com os resultados destas duas etapas, puderam concluir que a
67
preferência por determinada imagem se relacionava mais com a função do
produto anunciado do que com questões ideológicas. Para os produtos de uso
pessoal, entretanto, foi observado que papéis menos tradicionais foram
preferidos.
Lundstrom e Scigliampaglia (1977), alguns anos depois, realizaram uma
pesquisa similar à de Wortzel e Frisbie (1974). Procuraram detectar se a
percepção das imagens das mulheres (e dos homens) retratadas nos anúncios
influenciava na compra dos produtos neles anunciados. Para tal, enviaram pelo
correio um questionário a 800 pessoas, entre homens e mulheres. Tal
questionário continha 17 afirmações sobre os papéis de homens e mulheres nos
anúncios e a impressão sobre as empresas anunciantes que utilizavam
estereótipos dos sexos, com as quais os informantes deveriam concordar ou
discordar. Mais mulheres do que homens responderam o questionário, o que
para os autores pode ser um indicativo do maior interesse das mulheres por
esse assunto. Os resultados da pesquisa indicaram que a percepção da imagem
do sexo feminino nos anúncios por parte das mulheres questionadas não surtiria
efeito sobre as decisões de compra destas.
Goffman (1977 e 1979), a fim de analisar o feminino nos anúncios
publicitários, identificou as seguintes formas como as mulheres são retratadas
nos anúncios, sendo que todas em relação subalterna ao homem: a mulher mais
baixa em estatura que o homem, o homem ensinando a mulher, a mulher
pensativa enquanto o homem a encara nos olhos e a mulher desamparada.
Portanto, Goffman identifica que a imagem da mulher surge muitas vezes de
uma contraposição em relação à imagem masculina.
A pesquisadora Mota-Ribeiro (2002) realizou um estudo em Portugal,
68
buscando identificar a imagem da mulher passada pelos anúncios publicitários
das revistas femininas daquele país, fixando-se especialmente na recorrente
questão da erotização do corpo feminino. A análise foi feita com base em 109
peças publicitárias, recolhidas durante um mês em nove revistas femininas. De
acordo com a autora, cada anúncio foi analisado através do preenchimento de
um formulário com vários itens
12
, sendo a partir daí agrupados. A conclusão do
estudo é a de que o modelo recorrente da mulher que aparece na publicidade
está ligado quase sempre ao corpo feminino, tendo o erotismo em destaque.
Martínez (2005), por sua vez, buscou detectar contradições sociais
através da imagem da mulher na publicidade impressa espanhola. Assim,
identificou peças que espelhavam as contradições da identidade feminina. Por
exemplo, foram identificadas peças onde a mulher era exposta como
dominadora ao passo que em outras como dominada, numas “mulher-objeto”
(passiva) e noutras “mulher-sujeito” (ativa), numas dona de casa e noutras
mulher trabalhadora, numas submissa e noutras independente, numas jovem e
noutras madura, numas fria e noutras sensível, numas racional e noutras
emocional, numas inconseqüente e noutras responsável, numas despudorada e
noutras recatada, numas “anjo” e noutras “demônio”, numas mãe e noutras
amante e, finalmente, numas vítima e noutras heroína.
Desse modo, concluiu serem de fato os meios de comunicação um
espelho da sociedade e suas contradições derivadas das transformações do
papel da mulher na sociedade, o que deveria ir se definindo conforme a
consolidação dos novos valores e das demandas sociais.
Um outro estudo espanhol, de Conde e Pérez (200-), também buscou
12
Tais itens não são no entanto explicitados.
69
identificar os estereótipos femininos presentes na comunicação de massa, mas
tomando como objetos de análise os anúncios de TV. Para tal, foram
selecionados 204 anúncios entre 1957 e 1999 e 1287 anúncios de 2001, a fim
de se observar a evolução de tais estereótipos. Como resultado, notaram uma
pequena mas consistente evolução na representação da mulher, que estaria
sendo cada vez menos retratada como exclusivamente dona de casa e objeto
sexual.
Hwang (2002), por sua vez, se fixou apenas em anúncios impressos de
filmes de 1963 e de 1993, a fim de detectar se houve mudança no papel da
mulher nesse tipo específico de peça publicitária, pouco explorada. Foram
selecionados anúncios apenas que continham imagens de pessoas, do Jornal
Los Angeles Times. As categorias de análise foram: freqüência de
representação (número de homens e mulheres presentes no anúncio), “ranking
funcional” (pessoa como líder, seguidor ou igual), violência e agressão
(agressor,tima ou igual), postura de subordinação e tratamento de homens e
mulheres como objetos sexuais. Além disso, faixa etária e raça foram incluídas.
Daí foram realizadas análise quantitativas, sendo elaboradas diversas
comparações entre os sexos e entre as mulheres dos dois diferentes períodos.
As principais conclusões desse trabalho de Hwang foram que a mulher
apareceu menos em 1993 do que em 1963, enquanto que os homens
aumentaram sua freqüência de aparições, sendo também estes que aparecem
mais vezes com postura de líderes, tendo essa tendência diminuído muito pouco
entre os dois anos avaliados. O estudo detectou que as mulheres também
continuavam aparecendo em postura de subordinação em relação ao homem,
como objeto sexual e em idade média inferior à masculina.
70
Finalmente, Lindner (2004) realiza uma pesquisa com anúncios de
revistas entre 1955 e 2004 e conclui que a predominância dos anúncios
apresenta estereótipos de mulher e que, embora na vida real a mulher tenha
realizado várias conquistas, no mundo dos anúncios poucas modificações
ocorreram com sua imagem ao longo desses 50 anos analisados.
Quanto aos estudos internacionais que comparam a publicidade feminina
entre países, é importante destacar contudo que, segundo Wiles, Wiles e
Tjernlund (2005), a predominância dos estudos concentram-se em apenas um
país, em geral os Estados Unidos e, portanto, a literatura de estudos cross-
cultural nesse ramo não são muito numerosos, carecendo de novos esforços de
pesquisa. Pode-se citar os de Bergiel (2000), de Farragher (2000), de Gilly
(1988) e de Wiles, Wiles e Tjernlund (1995), dentre outros que serão vistos a
seguir.
No primeiro estudo citado, Bergiel implementa uma análise estatística da
percepção de mulheres francesas e norte-americanas acerca da imagem
feminina nos anúncios. Foram entrevistadas 100 estudantes francesas e 100
norte-americanas, que deveriam opinar sobre uma série de afirmativas através
de uma escala de Likert de 7 pontos, sendo 7 correspondente a “concordo
fortemente” e 1 a “discordo fortemente”. Os resultados estão a seguir
13
:
13
Tradução nossa.
71
Quadro 2:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à retratação do papel da mulher nos anúncios
Atitudes quanto ao papel da mulher nos
anúncios
Francesas
Norte-
americanas
1. Os anúncios que vejo mostram mulheres como
elas realmente são.
2,27 3,95
2. Os anúncios sugerem que as mulheres são
fundamentalmente dependentes do homem.
3,23 4,11
3. Os anúncios que vejo refletem com acurácia a
mulher na predominância de suas atividades
diárias.
2,53 4,08
4. Os anúncios sugerem que as mulheres tomam
decisões importantes.
3,22 3,82
5. Os anúncios sugerem que as mulheres não
fazem coisas importantes.
3,97 4,27
6. Os anúncios sugerem que o lugar da mulher é
em casa.
4,14 4,25
7. Hoje sou mais sensível à imagem da mulher
nos anúncios do que eu costumava ser.
3,53 3,79
8. Eu acho a imagem da mulher no anúncio
ofensiva.
3,78 4,16
9. Em geral, acredito que a imagem da mulher no
anúncio está mudando para melhor.
4,25 3,83
72
Quadro 3:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à imagem da empresa
Efeito sobre a imagem da empresa Francesas
Norte-
americanas
10. Empresas que expõem imagens ofensivas da
mulher em seus anúncios tendem mais a
discriminar contra as mulheres e outros minorias
quanto a promoção e estímulo em relação a outras
empresas do mesmo ramo.
3,58 3,98
11. Acredito que o modo como as mulheres são
expostas nos anúncios reflete a atitude da empresa
quanto ao papel da mulher na sociedade.
3,99 4,26
Quadro 4:
Exame das atitudes de estudantes francesas e norte-americanas
quanto à intenção de compra
Efeitos sobre a intenção de compra Francesas Norte-
americanas
12. Se um novo produto é introduzido com
anúncios que julgo ofensivos, eu posso mesmo
assim comprá-lo se ele me oferece benefícios que
me atraem.
4,67 3,72
73
13. Se um novo produto ou serviço que eu uso
adota uma campanha que julgo ofensiva, eu paro
de usá-lo.
2,59 3,97
14. Mesmo que eu veja um anúncio de um produto
que eu julgo ofensivo, eu continuaria comprando
outros produtos que eu uso da mesma empresa.
4,96 3,74
Como resultado da pesquisa, tanto francesas quanto norte-americanas
acreditavam que as imagens estereotipadas da mulher persistem nos anúncios,
sendo que as francesas tinham a impressão mais forte de que os anúncios não
refletem a mulher no mundo real.
Por sua vez, Smerelda (2000) realizou uma análise quantitativa
comparando anúncios (de TV) franceses, dinamarqueses, britânicos,
australianos e italianos, a fim de identificar a intensidade da existência de
estereótipos de gênero nos diferentes países. Embora os números indiquem
tendências gerais em vários critérios observados nos anúncios de cada
nacionalidade, algumas particularidades culturais foram visíveis.
Com o mesmo propósito de Smerelda (2000), fazendo uso de análise de
conteúdo, Farragher realizou um estudo na Grã-Bretanha e na Nova Zelândia,
também analisando comerciais de TV. Os atributos da personagem principal de
cada anúncio (205 britânicos e 146 neo-zelandeses) foram classificados em
doze categorias: forma de apresentação, faixa etária, base de credibilidade,
papel, locação, argumento, tipo de benefício, tipo de produto, preço do produto,
background, humor e comentário final. O resultado na Grã-Bretanha, também
74
baseado em estudos de épocas anteriores, demonstrou que a retratação de
estereótipos sexuais vem diminuindo ao longo da última década. Já na Nova
Zelândia, os estereótipos sexuais ainda se mostram mais rígidos em relação aos
britânicos, ao contrário do que era esperado.
Gilly (1988), por sua vez, procurou estudar os estereótipos femininos
comparando Estados Unidos, México e Austrália a fim de detectar
peculiaridades culturais nessas representações. Para tal, foram gravados
comerciais de televisão dos três países veiculados entre 1984 e 1985,
totalizando 617 anúncios. Nos três países foi notado que a mulher costuma
aparecer sempre como mais jovem do que o homem e que esta mulher em geral
aparece se relacionando com outras pessoas enquanto que o homem é
mostrado em posturas mais independentes. Ademais, os Estados Unidos e o
México demonstraram mais diferenças entre os papéis retratados de homens e
mulheres. Já a Austrália foi a que apresentou a menor diferença de sexos
conforme o produto anunciado. Nos anúncios mexicanos as mulheres pareciam
mais vezes frustradas do que os homens e nos anúncios norte-americanos as
mulheres apareciam mais em ambiente doméstico do que os homens.
Outras conclusões interessantes também em todos os países estudados
por Gilly foram as de que as mulheres apareciam mais vezes em anúncios
masculinos do que o contrário, os homens apareciam mais vezes em situações
de trabalho do que as mulheres e com mais conhecimento sobre certos produtos
do que as representantes do sexo feminino.
Por fim, o estudo de Wiles, Wiles e Tjernlund (1995) procurou realizar uma
análise comparativa do papel dos gêneros retratados nos anúncios em três
países: Holanda, Suécia e Estados Unidos. Segundo os autores, um assunto
75
importante quando se fala em publicidade cross-cultural é a discussão se se
deve ou não padronizar o anúncio de uma marca. A fim de tomar uma decisão
acerca desta questão, deveria ser examinado o quão similar é uma cultura de
outra, segundo esses pesquisadores. Sendo as culturas similares, mantém-se o
padrão do país de origem, sendo distintas, a opção mais sensata seria a
adaptação do anúncio aos padrões locais. Como uma das maiores diferenças
entre as culturas seria a noção quanto ao papel do homem e da mulher, Wiles,
Wiles e Tjernlund consideraram importante esse estudo quanto às diferenças
nas representações dos gêneros na publicidade, nesse estudo tomando como
referência três culturas distintas, onde, apesar das conquistas da mulher terem
sido grandes nos últimos tempos, continuariam apresentando evidências de
conflito e confusão acerca dos papéis desta na sociedade. Para tal, optaram por
estudar revistas, considerando que estas são provedoras de imagens
duradouras e de alta qualidade e de forte impacto visual por parte dos modelos
em suas peças publicitárias. Foram selecionadas revistas de interesse geral e
específico norte-americanas, suecas e holandesas do início da década de 90, e
foi notado que o padrão de distribuição dos anúncios em cada revista era similar
para cada categoria de revista independente de seu país de origem.
Para classificar os anúncios encontrados nas revistas dos três países,
Wiles, Wiles e Tjernlund usaram o modelo já citado de Courtney e Lockeretz
(1971). Assim como nesse estudo, o estudo de Wiles, Wiles e Tjernlund
observou um número maior de homens retratados em posição de trabalho,
independentemente do país. Nas três culturas, o homem se mostrava em
posições não relacionadas a trabalho em 60% das vezes, enquanto as mulheres
eram retratadas em 90% de suas aparições fora de situações de trabalho. Em
76
relação ao produto anunciado e ao sexo predominante em seus anúncios,
chegou-se ao quadro a seguir
14
:
Quadro 5:
Gênero representado com mais freqüência conforme a categoria de
produto e país
15
Categoria de produto EUA
Suécia
Holanda
Material de limpeza
Mulher
(1,7)
Mulher
(3,0)
Igual
(1,0)
Alimentos
Igual
(1,0)
Homem
(0,7)
Mulher
(1,5)
Produtos de beleza
mulher
(5,2)
Mulher
(2,6)
Mulher
(3,4)
Remédios
Mulher
(2,0)
Mulher
2,0)
Igual
(1,0)
Móveis
Igual
(1,0)
Mulher
(2,0)
Igual
(1,0)
Roupas
Mulher
(1,5)
Mulher
(1,2)
Mulher
(1,6)
Eletrodomésticos
Mulher
(2,0)
Homem
(0,7)
Homem
(0,4)
Caridade
Igual
(1,0)
Igual (1,0) Nenhum
(0,0)
Viagem
Homem
(0,4)
Homem
(0,9)
homem
(0,8)
Carros
Homem
(0,3)
Mulher
(1,2)
homem
(0,2)
14
Tradução nossa.
15
Os números entre parênteses representam o número de mulheres retratadas em
comparação com o de homens, conforme a categoria de produto.
77
Bebidas alcoólicas
Homem
(0,6)
nenhum
16
(0,0)
homem
(0,3)
Cigarros
Homem
(0,5)
nenhum
17
(0,0)
Homem
(0,6)
Serviços financeiros
Homem
(0,5)
Homem
(0,7)
Homem
(0,2)
Produtos industriais
Homem
(0,5)
Homem
0,5)
Homem
(0,2)
Entretenimento
Homem
(0,4)
Homem
(0,7)
Mulher
(1,7)
Anúncios institucionais /
serviço público
Homem
(0,5)
Igual
(1,0)
Homem
(0,5)
Fonte: Wiles, Wiles e Tjernlund (1995), p. 45.
Como conclusão do estudo, Wiles, Wiles e Tjernlund sugerem que há de
fato estereótipos e diferenças culturais nos anúncios. Como exemplos, em
relação aos estereótipos, foi visto que os homens aparecem, nos três países,
mais ligados ao trabalho do que as mulheres. Independente dos avanços no
mundo real, tendo como base o trabalho de Courtney e Lockeretz (1971), tal
conclusão se mantém a mesma, embora duas décadas tenham se passado
entre um estudo e outro, e ultrapassa a barreira de um país. Em outro exemplo,
foi notado também que nos anúncios suecos e holandeses os homens
apareciam mais vezes na posição de altos executivos que nos Estados Unidos e
que nos anúncios suecos aparecia mais vezes o papel da família evocado que
nos anúncios dos outros dois países. Em suma, o estudo pôde detectar
diferenças, embora sutis, entre os anúncios dos três países em questão, além
16
Proibido nos anúncios suecos.
17
Idem.
78
de sugerir que o índice de masculinidade proposto por Hofstede (1997) pode
ajudar na identificação da melhor abordagem para cada cultura.
2.3.2.2 Estudos no Brasil
No Brasil, um trabalho de Rocha e Petterle (2006) analisa a imagem
bastante recorrente nos anúncios da mulher como sensual, “femme fatale”, o
que se relaciona com representações do imaginário contemporâneo. Nessa
pesquisa, foram selecionados diversos anúncios de perfume nas principais
revistas femininas de circulação nacional
18
durante um ano e desses anúncios
um deles foi selecionado para ser mostrado às informantes, por se demonstrar
significativamente representativo, recorrente e eficiente. Tais informantes eram
todas mulheres, com idade entre 23 e 27 anos. A partir do depoimento destas
mulheres, os autores mostram que os anúncios servem como legitimadores de
determinadas posturas sociais dominantes no universo feminino contemporâneo,
o que, no caso do anúncio analisado, é especialmente a sedução e o desejo de
conquista sexual.
Em outra pesquisa de Rocha (2001), foram selecionados anúncios de
página inteira durante o segundo semestre de 1980 das revistas Nova, Cláudia,
Playboy, IstoÉ e Veja. Tais anúncios foram agrupados em 21 classes de acordo
com o tipo de produto ou serviço anunciado, sendo os critérios de classificação
os mesmos utilizados pelo meio publicitário em seus concursos e premiações.
Daí foram selecionadas duas classes: “cosméticos e toalete” e “vestuários e
têxteis”, por serem essas categorias onde a representação do feminino seria
18
As mesmas do presente estudo: Marie Claire, Nova e Cláudia.
79
naturalmente mais recorrente.
Assim, através da análise desses anúncios, Rocha percebe alguns
aspectos importantes acerca da retratação da mulher na propaganda. Primeiro,
sua imagem existe em contraposição à do homem e à de menina. Segundo, o
corpo, como já mencionado em estudos anteriormente discutidos, é elemento
recorrente, muitas vezes sendo “desmembrado” em partes conforme o interesse
do anunciante. Por último, Rocha observa um “silêncio” na mulher dos anúncios,
sendo o produto o responsável pelas escolhas, desejos e necessidades.
Rocha então, através desse exame exaustivo de anúncios de revistas de
grande veiculação, realizou um estudo de onde conclui que a mulher é aí
transformada em um corpo silencioso e fragmentado. De acordo com o autor, a
construção da identidade da mulher na publicidade seria realizada com o
objetivo de contrapô-la à identidade masculina e também à identidade de
menina, o que seria feito através de um revestimento das peças publicitárias
com um sistema de valores diferenciado. Desse modo, a mulher deve estar num
ponto subalterno ao do homem, distinto do da menina e muitas vezes próximo
ao de um objeto inanimado. O mais essencial valor desse sistema seria
considerar a mulher como um indivíduo, um ser humano autêntico (p. 30): “Nos
anúncios publicitários é necessário fazer um encaixe sólido entre consumo e
individualidade para que a compra seja percebida pelo consumidor como ato de
escolha, exercício da vontade e do livre controle.
Rocha observa que o corpo é tomado como bem e valor fundamental ao
se traduzir o indivíduo mulher e tal corpo costuma vir fragmentado em partes –
boca, cabelos, olhos, pernas etc., cada um sendo o centro das atenções em
determinado anúncio, de acordo com o produto a ser anunciado. Tais partes
80
necessitam de embelezamento, tratamento, um realce para melhorar a
caracterização da mulher enquanto indivíduo:
Assim, como o indivíduo na imagem da mulher nos anúncios foi
desfeito pela ausência da substância, também a matéria – o
termo que resta – se desfaz pela ausência da unidade entre as
partes. E então a mulher do anúncio silencia, pois a fala é própria
da singularidade, é expressão do interior. Sobra da imagem da
mulher um corpo, ou melhor, pedaços, restos, fragmentos que,
sem alternativa, delegam a palavra aos produtos. Finalmente a
mulher que habita o mundodentro dos anúncios” deixa que os
produtos assumam seu devido lugar como donos de escolhas,
desejos e necessidades. Eles falam por ela e, na representação
publicitária, a mulher deve, com certeza, manter-se em sincio.
(p. 38).
Outro aspecto notável na comunicação publicitária voltada para a mulher é
o que demonstra a preocupação dos publicitários em comunicar produtos para o
lar à mulher moderna - que trabalha fora e deseja praticidade - sem fazer com
que ela se sinta vítima de alguma sorte de preconceito ou machismo. Esses
produtos, ao contrário, devem ser demonstrados como grandes salvadores,
como produtos mágicos que a libertará definitivamente do estigma de “escrava
do lar”. Aqui então, esses produtos precisam ser mais mágicos que nunca,
magia essa que realmente norteia, com maior ou menos intensidade, todos os
produtos veiculados na mídia atual, conforme aponta Rocha (1995a).
Finalmente, no estudo que mais inspirou o presente trabalho dentre os
mencionados, Schmidt (1981) realizou um estudo a fim de identificar
estereótipos femininos na propaganda brasileira, tendo como horizonte de tempo
o período entre 1975 e 1981. Desse modo, tinha como objetivo contribuir para o
estudo da propaganda como campo de reflexão sobre os valores culturais de
uma sociedade, que julgava especialmente carente no Brasil. Foram
selecionadas sete revistas – de interesse geral e exclusivamente femininas - e
81
os anúncios publicitários contidos nela em períodos de duas semanas de 1975 e
de 1981 foram, numa primeira etapa, classificados e numerados de acordo com
os elementos visuais neles presentes, sendo os anúncios que continham
pessoas onde era possível definir o sexo selecionados e novamente numerados
e classificados a fim de se realizar uma análise de conteúdo. Na segunda etapa,
foram analisados os papéis que as pessoas desempenhavam no anúncio. A
tabela decorrente desta avaliação é na página seguinte reproduzida:
82
Quadro 6:
Categorias de produto e elementos humanos nos anúncios
Produtos de
interesse
doméstico
Produtos de
moda e
estética
Produtos de
lazer
Outros Total
Apenas
mulheres
5233 132
Apenas
homens
118212
Mulher e/ou
homem e
criaa
21-14
Casal1071220
Grupo - - - 1 1
Apenas
mulheres
5393 754
Apenas
homens
-211518
Mulher e/ou
homem e
criaa
1--12
Casal 2 8 - 1 11
Grupo152311
Categoria de
Produto
Composição dos Elementos Humanos nos Anúncios (em valores absolutos)
19751981
Fonte: Adaptado de Schmidt (1981), p. 10
83
Schmidt realizou uma análise dos textos contidos nos anúncios. Como
conclusão, foi observada uma evolução nos papéis femininos, que segundo a
autora teria acompanhado a própria evolução da mulher na sociedade urbana. A
autora atenta, no entanto, que, apesar de ter evoluído, o papel da mulher ainda
muitas vezes se configura como decorativo. Ao fim, Schmidt alerta sobre a
necessidade de se estudar mais o assunto:
Este trabalho não pretendeu esgotar o tema dos estereótipos
femininos na propaganda. Acreditamos, porém, que estudos
desta natureza constituem indicadores importantes, alertando
agências e anunciantes para o fato de que a mulher assume
novos papéis na sociedade moderna, papéis estes que não estão
sendo adequadamente representados na propaganda. Tais
segmentos de mercado assumem importância crescente, e
ignorá-los nada mais é do que uma forma de miopia em
Marketing. (p. 18)
Portanto, essa mensagem de Schmidt procura ser aqui parcialmente
atendido, uma vez que o presente trabalho visa contribuir para o aumento de
estudos na mencionada linha de estudos. Sendo assim, após a realização da
revisão da literatura que trata de assuntos correlatos, a seguir é discutida a
metodologia que foi empregada para a concretização de tal pesquisa.
84
3 METODOLOGIA
Neste capítulo são expostos os aspectos metodológicos envolvidos no
presente estudo, a fim de que se possa melhor compreender os resultados
obtidos, a serem expostos no capítulo 4 e interpretados no capítulo 5.
3.1 TIPO DE PESQUISA E PERGUNTA DE PESQUISA
A pesquisa é qualitativa e fez uso das entrevistas em profundidade como
principal instrumento de coleta de informações. Adicionalmente, a fim de
colaborar para um melhor entendimento dos dados, foi realizada a
representação gráfica para que a quantificação das diferentes classificações
ficasse mais clara, o que é retratado posteriormente na seção de resultados
preliminares, no item 4.1, que trata especificamente dos resultados obtidos com
a análise dos anúncios.
A pergunta de pesquisa da tese é a seguinte: “Mulheres brasileiras e
norte-americanas percebem diferenças culturais em anúncios de revistas
dirigidas ao público feminino dos dois países de origem, Brasil e Estados
Unidos?”. E para responder tal pergunta as seguintes perguntas intermediárias
se fazem presentes:
Como a mulher é retratada nos anúncios brasileiros?
Como a mulher é retratada nos anúncios norte-americanos?
As brasileiras percebem diferenças entre os anúncios publicitários
dos dois países?
85
As norte-americanas percebem diferenças entre os anúncios
publicitários dos dois países?
Com essas perguntas de pesquisa – que serão discutidas no capítulo 6,
das conclusões da pesquisa - e fazendo uso de determinada metodologia a
seguir exposta, essa pesquisa procura representar uma contribuição na linha de
estudos cross-culture de Negócios Internacionais, ao fazer uso de instrumentos
da etnografia para procurar identificar no discurso das informantes como elas
percebem, ou não, diferenças culturais na publicidade voltada ao público
feminino de cada país, o que é importante para se determinar a abordagem a
ser utilizada ao se promover um produto conforme o país.
3.2 COLETA E CLASSIFICAÇÃO DOS DADOS
Foram selecionadas as três revistas femininas que vêm se mantendo nas
primeiras posições em termos de maior circulação nos Estados Unidos
19
Cosmopolitan, Glamour e Self – e as três de maior circulação no Brasil
20
Cláudia, Nova e Marie Claire. Colecionando-as durante um ano, entre 2004 e
2005
21
, pude ter um total de 36 exemplares representativos de cada país, que
serviram como base representativa para a busca da publicidade impressa que
busca retratar os perfis de consumo e a imagem da mulher moderna nesses dois
países.
19
Fonte: ABC (Audit Bureau of Circulations).
20
Fonte: IVC (Instituto Verificador de Circulão).
21
Não foi possível iniciar a coleção de todas as revistas num mesmo mês, especialmente
porque as assinaturas das revistas norte-americanas eram menos previveis de se saber
quando chegaria o primeiro exemplar. Mas todas foram coletadas entre os anos de 2004 e
2005.
86
A opção pela mídia impressa, mais especificamente, pelas revistas
femininas, deveu-se ao fato de que o público-alvo de tais revistas costuma ser
mais selecionado. Nas palavras de Sampaio (1999):
As revistas [...] têm como principal característica a extrema
seletividade do público consumidor, uma vez que existem
centenas de títulos voltados para os mais diversos segmentos da
população. A penetração da revista na população urbana do País
esna faixa de 55% dos homens e 61% das mulheres, chegando
a 92% entre a Classe A e 76% na Classe B. [...] A identificão do
leitor com a revista que lê é muito grande, já que as pessoas só
compram as revistas que tratam de assuntos de seu interesse
específico. [...] Os anúncios em revistas oferecem, então, o
benefício do direcionamento preciso para muitos segmentos de
consumidores, do clima adequado para tratar de assuntos
específicos, da possibilidade do uso da cor, do espaço para
abordagens mais detalhadas e, pelo modo como se consomem
as revistas, de diversos impactos para cada anúncio publicado.
(p. 91)
Assim, optou-se, pelos motivos acima expostos, pela coleta nas revistas
femininas, o que é a seguir melhor especificado.
3.2.1 As revistas selecionadas
Cabe aqui traçar um perfil das revistas selecionadas no Brasil e nos
Estados Unidos, que procuram representar a feminilidade e a mulher
contemporânea. E são, de fato, revistas voltadas para a mulher, a exemplo dos
dados acerca do perfil dos leitores de Nova e Cláudia, divulgado no site destas
revistas. Segundo essas informações, 85% dos leitores de Nova e 87% dos de
Cláudia são do sexo feminino.
A revista Nova possui a seguinte proposta:
87
NOVA incentiva e orienta a mulher na busca pela realizão
pessoal e profissional. Estimula a ousadia e a coragem para
enfrentar os desafios, a busca pelo prazer sem culpa e a
construção da auto-estima e da autoconfiança. (disponível em
http://nova.abril.com.br. Acesso em: 2 de fevereiro de 2006)
Já a revista Cláudia se vende da seguinte forma:
CLAUDIA é a revista que está ao lado da mulher para todos os
seus desafios: dia-a-dia, família, carreira, beleza, moda,
qualidade de vida. CLAUDIA é para a mulher de hoje, que olha o
mundo, se reconhece e expressa essa atitude diante da vida.
Tem a maior variedade de assuntos relevantes para a mulher
moderna. (disponível em http://claudia.abril.com.br/. Acesso em: 2
de fevereiro de 2006)
A terceira revista brasileira, a Marie Claire, possui uma proposta também
semelhante às outras duas, orientando a mulher moderna em questões
domésticas e profissionais. Pode-se dizer que a revista Cláudia traz mais
reportagens que falam de filhos e casa do que as outras duas, sendo o restante
do conteúdo bastante similar.
No que tange às revistas norte-americanas, percebe-se serem de fato as
propostas e o perfil dos leitores bastante semelhantes a de suas similares
brasileiras. A Cosmopolitan (correspondente à Nova no Brasil) também possui
83% de mulheres em seu total de leitores, tendo percentuais parecidos entre
mulheres que trabalham fora o dia todo, apenas meio-expediente e as que não
trabalham, segundo dados do site da revista.
Na Glamour, também segundo dados de seu site, o percentual de
mulheres leitoras é ainda maior, de 93%. Essa revista se vende como a revista
mais influente dos EUA, contendo reportagens sobre moda, beleza, saúde e
outros assuntos que interessem à mulher em geral.
88
Finalmente, a revista Self possui praticamente 100% de leitoras do sexo
feminino, sendo a terceira revista feminina mais lida nos Estados Unidos,
dedicando-se a assuntos de beleza, saúde, comportamento e moda.
22
3.2.2 A classificação dos dados
A observação de cada anúncio das 72 revistas analisadas – 36 de cada
país é relatada a seguir. Observamos um contingente muito maior de anúncios
nas publicações norte-americanas. Foram 8892 anúncios enquanto que as
revistas femininas brasileiras continham um total de 2628 anúncios.
Representando graficamente, esta diferença fica ainda mais notável:
Gráfico 1:
Total dos anúncios coletados
Total de anúncios
2628
8892
Brasil EUA
22
Esses dados sobre as revistas foram extraídos de seus respectivos sites no dia 10 de
fevereiro de 2006, quais sejam: http://www.cosmopolitan.com/, http://us.glamour.com/ e
http://www.self.com/.
89
Cada anúncio recebeu qualificação em duas categorias distintas, quais
sejam: quanto ao produto ou serviço anunciado e quanto ao tipo de mulher
representada, levando em consideração a característica mais marcante. Essas
duas categorias foram consideradas essenciais de serem identificadas, a fim de
se perceber quais produtos são mais presentes nas revistas direcionadas à
mulher de cada país e qual o perfil da mulher retratada nesses anúncios.
No que tange ao produto ou serviço anunciado, para o propósito desse
estudo, o critério geral de classificação foi baseado em Rocha (1995). Nesse
estudo, Rocha procurou estudar os anúncios publicitários a partir das idéias de
ritual e mito da Antropologia Social, procurando identificar como a sociedade, a
natureza e a cultura são interpretadas na publicidade, que se mostra volumosa e
relativamente constante em seus contdos e propósitos. Para classificar os
tipos de anúncios conforme o produto ou serviço anunciado, Rocha usou o
mesmo sistema de classificação dos comerciais brasileiros do Festival Brasileiro
do Filme Publicitário, patrocinado pela Associação Brasileira de Propaganda
(ABP). Na época da pesquisa de Rocha, essa classificação possuía 21
categorias. Atualizando-se esse dado, em 2007 foram encontradas 27
categorias de serviços ou produtos que a ABP utiliza atualmente em suas
premiações
23
.
No entanto, como o presente estudo guarda especificidades em seus
objetivos, algumas adaptações foram feitas. Assim, pareceu desnecessário abrir
as 27 categorias, sendo algumas categorias agrupadas conforme seu foco e
algumas omitidas por não terem sido encontradas nos exemplares pesquisados,
certamente por não terem nos leitores delas seu público-alvo. Ademais, por se
23
Informações obtidas em 4 de abril de 2006 no site da ABP (http://www.abp.com.br/).
90
tratarem exclusivamente de revistas femininas, considerou-se mais importante
agrupar alguns produtos sob a definição “produtos para os filhos ou marido” do
que defini-los em sua exatidão, o mesmo se dando para anúncios que, embora
estejam em revistas femininas, também costumem ser anunciados ao outro
sexo.
Schmidt (1981) também realiza uma classificação semelhante à que aqui
será utilizada, agrupando os produtos em: produtos de interesse doméstico,
produtos de moda e estética, produtos de lazer e outros (nesse último inclusos
cigarros, bebidas, veículos, higiene, produtos de escritório e propaganda
institucional). No presente estudo, contudo, achou-se importante agrupar de
modo um pouco diferente as categorias de produtos, a fim de diferenciar, por
exemplo, quais produtos anunciados seriam na verdade para uso do marido ou
dos filhos.
Em outros estudos, como o de Courtney e Lockeretz (1971), percebe-se
que a classificação do tipo de produto anunciado surgiu naturalmente, conforme
foram aparecendo produtos em determinada categoria bem definida. Portanto,
no presente estudo, as categorias que não apareceram foram simplesmente
omitidas do quadro classificatório.
Assim, para fins desta pesquisa, as seguintes alternativas foram
delimitadas:
a. produto de saúde e beleza: aí se incluem perfumes,
maquiagem, xampus, sabonetes, dentre outros;
b. produto para o lar: alimentos, eletrodomésticos, produtos de
limpeza, cama, mesa e banho, dentre outros;
c. produto para os filhos ou marido: papinhas, fraldas, roupas
91
masculinas, dentre outros;
d. produtos para ambos os sexos: carros, eletrônicos, banco,
produtos esportivos, bebidas, planos de saúde, viagens,
entretenimento, cigarro (no caso americano);
e. vestuário, relógio e jóias.
Na classificação quanto ao tipo de mulher representada na propaganda, a
caractestica mais marcante foi selecionada. Em casos em que duas ou mais
caractesticas mostravam-se igualmente fortes, todas elas foram marcadas.
Assim, um anúncio pôde ser relacionado em mais de uma categoria quando foi o
caso.
Observou-se no item 2.3.2 que a classificação básica recorrente nos
estudos costuma ser entre a mulher dona de casa, a trabalhadora e a objeto
sexual. Aqui, no entanto, trabalha-se com uma classificação mais ampla, por se
julgar mais adequada e pelo fato de outras imagens de mulher, além dessas,
terem aparecido com freqüência relevante. Nota-se diferença, por exemplo,
entre um anúncio que destaca a beleza da mulher e outro que destaca a sua
sensualidade, como se pode ver pelos anúncios selecionados no anexo A. Da
mesma maneira, a própria mulher dona de casa é retratada de duas formas que
merecem ser diferenciadas na classificação para os fins desse trabalho: a
prática e moderna (que provavelmente até trabalha fora também) e a dona de
casa retratada da forma mais tradicional. Por esses motivos, embora inspirada
na classificação de Schmidt (1981), a do presente trabalho ficou um pouco mais
ampla do que a que esta pesquisadora implementou na época, classificação
essa que possuía as seguintes classificações de papéis exercidos pela mulher
92
no anúncio: familiar, decorativo, esportivo, objeto sexual, profissional e neutro.
Outro motivo pelo qual a classificação não foi exatamente igual a de Schmidt é
que foram encontrados novos papéis que à época da pesquisa anterior não
pareciam ter sido detectados nos anúncios, como o da mulher masculinizada.
Um outro motivo ainda foi o de que, nessa parte de sua análise, Schmidt estava
considerando apenas anúncios que possuíssem imagens femininas explícitas e
no caso da presente tese foram considerados todos os anúncios encontrados
nas revistas femininas coletadas.
As categorias foram então as seguintes:
a. mulher independente, moderna e/ou que trabalha fora;
b. dona-de-casa sem que fosse destacado a praticidade do produto
anunciado e, portanto, não caracterizando uma dona-de-casa
necessariamente moderna e em busca de soluções mais rápidas e
práticas;
c. dona-de-casa moderna;
d. mulher sensual;
e. mulher bela, jovem e/ou “em forma”;
f. mãe;
g. namorada, esposa ou romântica;
h. na moda, elegante;
i. esportiva;
j. (imagem) masculinizada.;
k. não se aplica: propagandas com homens, crianças, animais,
imagens ou com uma mulher sem característica marcante.
É de se supor que uma dose de subjetivismo pode estar presente nessa
93
classificação, assim como pode ter ocorrido em outros estudos que realizaram
classificações semelhantes
24
e que não se basearam totalmente em algum
modelo pré-existente. A fim de tentar minimizar esse subjetivismo, um pré-teste
foi realizado. Esse pré-teste consistiu em selecionar um anúncio de cada uma
das onze categorias (segundo julgamento da autora desta tese) e mostrá-lo a 20
pessoas, independente de serem homens ou mulheres, juntamente com uma
lista das categorias, mas sem associá-las a nenhum anúncio específico, ficando
esse trabalho a cargo desses indivíduos. O resultado foi que todos os
colaboradores os classificaram do mesmo modo que a pesquisadora o fez, o
que pôde reduzir essa carga de subjetivismo.
Para que seja possível compreender melhor tais classificações, estão
expostas no anexo A um exemplo de anúncio norte-americano e um de anúncio
brasileiro de cada possibilidade de qualificação em cada uma das duas
classificações. Tais exemplos correspondem aos anúncios selecionados por
uma dupla de criação como os mais criativos a partir de três anúncios pré-
selecionados pela pesquisadora, como explicado a seguir.
3.2.3 Os anúncios selecionados
Finalmente, após agrupar os anúncios em torno das duas classificações
necessárias para os objetivos da pesquisa, foi necessário selecionar, de um
universo de 11520 anúncios – já descontados aí os que apareceram mais de
uma vez – quais seriam mostrados às informantes. Quanto a essa necessidade
24
Nenhum estudo encontrado mencionou essa consciência e a forma de reduzir o
subjetivismo, o que de qualquer modo procuramos fazer aqui.
94
de escolha, Rocha (1995) discorre:
A questão da escolha dos ancios é difícil. Nela existe, de forma
irredutível, uma margem, maior que a desejada, de arbitrariedade.
Apenas, como guia, um único princípio de orientação. É a idéia de
que a publicidade forma um sistema onde cada um de seus
anúncios, como elementos internos componentes desse sistema,
reproduz sua lógica mais geral. Mas, mesmo por aí, uma análise
seria tanto melhor quanto maior o rendimento destemito de
referência”. Quanto mais suscitar as questões e indagações que
pouco a pouco colocam em jogo outros elementos dos sistema
mais interesse teria.” (p. 75)
No entanto, Rocha admite serem todos os anúncios relevantes:
Em todo caso, os diversos anúncios têm como característica
comum o fato de que, do ponto de vista das representões que
manipulam, eles são transformações uns dos outros. Todos, na
verdade, reproduzem, cada um à sua maneira, um mesmo
conjunto de temas que apontam para a idealização da vida a
partir do consumo de um produto. Nesse sentido, cada anúncio
vai trabalhar um recorte da realidade de forma a sacralizá-lo,
separando-o do fluxo dos acontecimentos e colando o produto
anunciado ao momento eleito como sagrado. Pode-se pensar,
então, que qualquer anúncio serviria como ´mito de referência`,
pois cada anúncio está para um conjunto de anúncios como as
variões musicais estão para um tema. (p. 76)
Portanto, aqui foi seguida a sugestão exposta em Rocha (1995). Após
uma pré-seleção de três anúncios por cada classificação de cada uma das duas
categorias, estes foram mostrados a uma dupla de criação (um redator e um
diretor de arte) de uma conceituada agência de publicidade carioca. Esses dois
profissionais selecionaram então os anúncios que consideraram mais
expressivos de cada três e foram estes que foram mostrados às informantes e
que estão contidos no anexo A.
Assim, como acredita Lévi-Strauss (2002), a classificação deve ser feita
dentro de seus limites possíveis, mas não deve deixar de ser realizada por haver
95
um pré-julgamento que aponte suas limitações. Além disso, como aponta Mary
Douglas (2004), todo sistema classificatório tem que lidar com anomalias e
ambigüidades. A saída que se buscou para minimizá-las aqui foi, na medida do
possível, buscar referências em estudos anteriores, conforme mencionado.
Como medida posterior, as entrevistas de alguma forma serviram também como
testes de validação. Uma classificação que havia sido realizada de início pela
autora quando da elaboração do projeto desta tese, por exemplo, teve que ser
removida, visto que os depoimentos das informantes contradiziam essa
classificação. No mais, os demais critérios se mostraram consistentes.
3.3 A SELEÇÃO DAS INFORMANTES E AS ENTREVISTAS
A fim de responder à pergunta de pesquisa da tese - “ Mulheres brasileiras
e norte-americanas percebem diferenças culturais em anúncios de revistas
dirigidas ao público feminino dos dois países de origem, Brasil e Estados
Unidos?” –, uma análise dos anúncios foi feita com base nos depoimentos de
um grupo de potenciais consumidoras das revistas femininas selecionadas, bem
como dos produtos cujos anúncios estão inseridos nessas revistas. Como a
pesquisa envolve dois países e busca identificar diferenças culturais nos
discursos e percepções, as entrevistas foram realizadas com dois grupos
distintos. Desse modo, os anúncios selecionados segundo os critérios
mencionados no item anterior – expostos no Anexo A - foram mostrados a um
grupo de mulheres brasileiras e outro de norte-americanas, cada um formado
por 10 componentes - cujo perfil condiz com o de leitoras das revistas
selecionadas (classe AB, entre 20 e 39 anos de idade, trabalha fora, segundo
96
dados da Ipsos Marplan
25
veiculados em junho de 2006 no site da Editora
Abril
26
), a fim de ouvir delas sua percepção a respeito desses anúncios. Esses
dados demográficos são bastante similares aos dados das leitoras norte-
americanas, veiculados nos sites das revistas norte-americanas selecionadas no
mesmo período e portanto foram adotados como critério único na seleção das
informantes.
Todas as mulheres brasileiras entrevistadas passaram pela experiência de
morar nos Estados Unidos por no mínimo um ano e meio. No caso das norte-
americanas, o fato de terem morado no outro país (Brasil) ocorreu naturalmente,
já que, a fim de viabilizar a entrevista, todas as informantes moravam no Rio de
Janeiro. O critério foi se essa experiência de moradia no Brasil já seria de no
mínimo um ano e meio e que além disso tivesse vivido parte da vida adulta nos
EUA, para que as informantes pudessem ter tido de fato a vivência nos dois
países e assim pudessem falar com mais propriedade sobre as diferenças entre
as duas culturas e eventualmente entre os anúncios conforme a nacionalidade.
As brasileiras foram encontradas através de contatos da rede pessoal da
autora, sendo o critério básico estarem dentro das características já
mencionadas do público-alvo das revistas e ao mesmo tempo terem
experimentado uma vivência considerável nos Estados Unidos, de pelo menos
um ano de estada. Uma descrição sucinta de seus perfis está a seguir, sendo
destacadas as características que pareceram mais marcantes durante a
entrevista:
25
Referência de pesquisas de mídia.
26
URL: http://publicidade.abril.com.br/. Visitado em 3 de março de 2006. Essa editora é
responsável pela veiculação das revistas Cláudia e Nova.
97
Informantes brasileiras
Informante 1: 35 anos de idade, professora de Psicologia e História na Escola
Americana, casada pela segunda vez (nos EUA foi casada com um norte-
americano), um filho pequeno, moradora de Copacabana, morou 10 anos nos
EUA, sendo que a mãe e a irmã continuam morando lá.
Informante 2: 27 anos de idade, advogada, solteira, moradora da Gávea,
freqüentadora assídua da Lapa, orientada para a carreira, morou 3 anos nos
EUA.
Informante 3: 29 anos de idade, publicitária, está noiva, moradora do Leblon,
desempregada e buscando uma colocação melhor no mercado, freqüentadora
assídua da praia de seu bairro, morou 2 anos nos EUA.
Informante 4: 26 anos de idade, engenheira de produção, solteira, trabalha no
mercado financeiro, de família rica, mora com os país num apartamento de
frente para o mar na Barra da Tijuca, morou 4 anos nos EUA.
Informante 5
: 30 anos de idade, economista, divorciada e namorando, 3 filhos,
funcionária pública, professora de inglês nas horas vagas, moradora de
Laranjeiras, morou 2 anos nos EUA.
Informante 6
: 23 anos de idade, produtora cultural, solteira, moradora de
Ipanema, muito interessada no que está na última moda, morou 1 ano e meio
nos EUA.
Informante 7: 21 anos de idade, estudante de Administração de Empresas,
solteira, faz paralelamente um curso de Cinema, mora com os pais e os dois
irmãos menores em Ipanema, ficou 1 ano e meio nos EUA.
98
Informante 8: 38 anos de idade, bióloga, casada, mora em Copacabana com o
marido e a filha pequena, seu grande hobby é fotografia, morou 5 anos nos EUA
Informante 9: 30 anos de idade, dentista, mora há 6 anos nos EUA (entrevistada
em visita à família no Brasil), casada com um argentino, viaja muito para a
Europa.
Informante 10: 37 anos de idade, divorciada, mora com os filhos e a mãe no
Jardim Botânico, muito envolvida em atividades sociais e voluntárias, cientista
política, morou 11 anos nos EUA.
No caso das entrevistadas norte-americanas, por serem de acesso mais
restrito, foram procuradas em locais onde elas poderiam ser mais facilmente
encontradas, como no Consulado Norte-Americano, na Escola Americana do Rio
de Janeiro e no Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), sendo que oito das dez
informantes acabaram sendo da Escola Americana, por se mostrar um grupo
mais homogêneo e disponível, à exceção de dois contatos, um conseguido no
IBEU e outro através de rede de relacionamentos pessoal. O contato inicial com
todas foi feito por email (encontrados nos sites das instituições, à exceção do
contato pessoal), tendo-se prosseguido com a marcação das entrevistas com
aquelas que possuíam de fato as características desejadas (idade, classe social
etc.) e que se mostravam interessadas e dispostas a contribuir para a tese. Seis
delas preferiram fazer a entrevista em inglês, por não se sentirem totalmente
confortáveis com o idioma português.
O fato de ter entrevistado muitas pessoas pertencentes a uma mesma
comunidade foi bastante proveitoso, pois a Escola Americana do Rio de Janeiro
é de fato um local bastante peculiar. Dentro dela a pessoa chega a acreditar que
99
está nos Estados Unidos, dentro de um típico colégio ou high school norte-
americana. O idioma falado pelos corredores é quase sempre o inglês. Ao se
deparar com um grupo de alunos falando em português, o professor ou
professora geralmente o repreende.
Segundo informações obtidas no site da escola, esta foi fundada em 1937.
Situada inicialmente em Ipanema e depois no Leblon, acabou se transferindo
para um grande espaço na Estrada da Gávea e com isso hoje vive uma
contradição. Se por um lado seu público-alvo é a alta sociedade carioca, por
outro lado enfrenta cada vez mais o fato de a Rocinha, maior favela da América
Latina, ter avançado e hoje se encontrar de frente para a Escola. Circulando
pelos corredores dos andares de seus prédios, a visão é a favela, o que assusta
pais e alunos, em tempos de balas perdidas e aumento cada vez maior da
violência na cidade, o que fez a escola perder vários alunos. Ao mesmo tempo,
os alunos, sob orientação dos professores, realizam trabalhos comunitários para
os moradores da Rocinha. Segundo depoimento de uma professora, antes tais
trabalhos eram realizados no próprio morro, mas com o aumento da violência, a
comunidade é que passou a ir à escola em horários alternativos. Algumas
atividades desenvolvidas são a conscientização das mulheres quanto à
importância do aleitamento materno e dos métodos anticoncepcionais e o
convite para crianças da favela brincarem com os alunos, o que segundo a
professora é bem recebido e proveitoso para ambos os lados envolvidos.
De qualquer modo, a escola continua sendo uma escola de elite e um
verdadeiro “pedacinho dos EUA” em território brasileiro. E suas professoras e
administradoras mulheres predominantemente pertencentes ao grupo que se
buscava entrevistar, com vivência significativa em ambos os países e dentro da
100
faixa etária e demais características do público-alvo estudado, como podemos
ver abaixo pelas informações sobre as informantes selecionadas
27
:
Informantes norte-americanas
Informante 1: 38 anos de idade, professora de Literatura Americana, já mora há
7 anos no Brasil, veio dos EUA porque o marido foi transferido, moradora de
Ipanema, costuma se sociabilizar mais com a colônia norte-americana do que
com brasileiros.
Informante 2: 35 anos de idade, coordenadora da pré-escola, morando há 10
anos no Brasil, moradora da Gávea, casada com um brasileiro, tem 2 filhos
adolescentes e vive mais para o trabalho e a família.
Informante 3: 29 anos de idade, professora de inglês como segunda língua para
o primário, há 3 anos no Brasil, encantada com a cultura brasileira, casada com
um brasileiro, tem um bebê e mora em Ipanema.
Informante 4
: 37 anos de idade, coordenadora de desenvolvimento, há 21 anos
no Brasil, mora com a filha no Leblon, tem um namorado brasileiro com quem
viaja muito pelo Brasil.
Informante 5
: 39 anos de idade, coordenadora de serviços comunitários, há 10
anos no Brasil, mora em Ipanema com o marido norte-americano aposentado e
viaja semestralmente aos EUA para ver os filhos que fazem faculdade lá.
Informante 6: 31 anos de idade, professora de matemática, há 2 anos no Brasil,
moradora de Botafogo, diz que vai ficar apenas até o final do ano e depois
27
As oito primeiras informantes são funcionárias da EARJ, a penúltima do IBEU e a última
era conhecida da autora.
101
buscará novas possibilidades em outros países, não procura se envolver muito
com a cultura local.
Informante 7: 33 anos de idade, assistente para o ingresso a faculdades norte-
americanas, há 3 anos no Brasil, namora um francês com quem mora em Santa
Teresa, apaixonada por samba.
Informante 8: 33 anos de idade, professora de artes, solteira, há 1 ano e meio no
Brasil, moradora da Lagoa, grande entusiasta do Brasil, seu hobby é andar de
cavalo no Jóquei.
Informante 9: 25 anos, professora de inglês, há 2 anos no Brasil, muito
interessada em moda, solteira, mora no Jardim Botânico.
Informante 10: 22 anos, estudante de Economia, há 8 anos no Brasil, mora em
São Conrado com os pais que vieram a trabalho e resolveram ficar, deseja ser
diplomata e adora consumir produtos eletrônicos e sapatos.
Vale mencionar que se observou, de modo geral, uma diferença nos
motivos que fizeram as brasileiras irem para os Estados Unidos dos motivos da
vinda das norte-americanas para o Brasil. Predominantemente, as brasileiras
pareciam ter tido um espírito mais aventureiro, indo para os Estados Unidos em
busca de novas oportunidades, uma vida nova, melhores condições de vida,
mas muitas vezes sem terem a certeza do que encontrariam pela frente. Já as
norte-americanas que para cá vieram pareciam ter uma situação de maior
segurança desde sua chegada, seja vindo com o marido que havia sido
transferido, seja tendo vindo já com o trabalho garantido.
A fim de obter os dados necessários para responder às perguntas de
pesquisa, a opção foi pela formulação de entrevistas abertas com as informantes
102
selecionadas. Sempre com a permissão dos entrevistados, houve gravação dos
depoimentos, o que possibilitou uma análise mais minuciosa.
As entrevistas com as professoras da Escola Americana ocorreram todas
na própria escola. A escola tem uma estrutura diferente da predominância das
escolas locais, pois cada professor tem a sua sala de aula, onde também possui
sua mesa, estantes de livros e computador para trabalhar. Assim, as entrevistas
foram realizadas nessas salas particulares, fora do horário de aula, embora
algumas vezes um ou outro aluno entrasse para tirar alguma dúvida ou entregar
algum trabalho ou mesmo estivesse presente na sala realizando prova ou
trabalho. Já as entrevistas com as demais norte-americanas e com todas as
brasileiras foram realizadas ou na casa das próprias informantes ou na casa da
pesquisadora.
Todas as informantes foram bastante gentis e muitas se sentiram
prestigiadas em ter tal oportunidade, o que fica visível na fala de uma delas, uma
professora da Escola Americana – ao ser interrompida por uma ligação interna:
“Agora não posso atender. Estou dando uma entrevista para uma tese de
doutorado.”.
Quanto à duração de cada entrevista, pode-se dizer que foram muito
variáveis, independente da nacionalidade da pessoa. O papel da pesquisadora
foi principalmente deixar as informantes à vontade, inclusive quanto ao tempo
que desejavam estar naquela situação, sendo apenas o requisito cobrir todos os
temas básicos que deveriam ser abordados, temas esses que serão abordados
a partir do próximo parágrafo. Assim, algumas entrevistas ultrapassaram duas
horas de duração, enquanto outras levaram apenas cerca de 20 minutos. O mais
comum, no entanto, foi durarem cerca de 40 minutos.
103
Portanto, as entrevistas foram abertas e dividiram-se em três vertentes de
temas: a abordagem inicial foi falar sobre seus países de origem e o país onde
vivem ou viveram (Brasil e Estados Unidos), buscando perceber como elas
enxergavam (se é que enxergavam) diferenças entre as duas vivências culturais.
O segundo ponto foi falar sobre propaganda, revistas femininas e mídia em geral
e como elas se viam inseridas nesse contexto. Finalmente, os anúncios
selecionados nas revistas femininas de ambos os países foram mostrados, sem
que a classificação feita previamente fosse mostrada a fim de não influenciá-las.
Chegando a essa parte, busquei em seus comentários perceber como a
entrevistada enxergava esse anúncio, a mulher retratada nesse anúncio e se a
sentia como um espelho seu ou se ainda se sentia influenciada por esta mulher
de “dentro dos anúncios”, além de buscar vislumbrar se estas percebiam
diferenças nos anúncios se brasileiros ou norte-americanos. O roteiro que serviu
como guia à entrevistadora encontra-se no anexo A. A fim de viabilizar essa
abordagem, foram usados elementos típicos da etnografia, o que será explorado
a seguir.
3.4 BUSCA DOS DADOS
3.4.1 O método etnográfico
Os anúncios publicitários fazem parte da Indústria Cultural e, portanto, seu
discurso está inserido na cultura. Como, de acordo com Geertz (1978, p. 22), “a
cultura é pública porque o significado o é”, devemos ir em busca desse
significado, ou seja, do que os anúncios presentes nas revistas femininas dos
dois países selecionados representam para seu público-alvo e o que portanto
104
revelam sobre a imagem da mulher retratada nesse meio de comunicação.
A publicidade pode ser considerada um “mito moderno” (Rocha, 1995a).
De fato, segundo Rocha (p. 29):
A publicidade, enquanto um sistema de idéias permanentemente
posto para circular dentro da ordem social, é um caminho para o
entendimento de modelos de relões, comportamentos e da
expressão ideológica dessa sociedade.
Por isso, a proposta é analisar a imagem feminina refletida nos anúncios
publicitários como um discurso mítico – muitas vezes sintetizado em imagens
apenas. E um mito, para ser compreendido, precisa ser interpretado e narrado
através do discurso dos “nativos”, conforme ressalta Lévi-Strauss (1987).
A fim de se chegar a esses objetivos, portanto, fez-se uso de aspectos do
método etnográfico, o que possibilitou a análise simbólica dos anúncios e das
entrevistas, conforme podemos apreender pela definição do método etnográfico:
A etnografia é um método – e talvez mais que isto – dotado de
grande tradição na Antropologia e cujo desejo é realizar a
descrição dos significados que um determinado grupo atribui à
sua experiência de vida. O método tem características específicas
com implicações teóricas e práticas importantes: ênfase na
explorão da natureza de um fenômeno social particular;
entrevistas em profundidade; observão participante; análise do
discurso de informantes; investigação em detalhe; perspectiva
microscópica; e interpretação de significados e práticas sociais tal
como expressas pela palavra dos informantes. Estas
características marcam um estilo de leitura etnográfica do
fenômeno cultural, que se tornaram, na tradição antropológica,
mais do que simples uso e combinão de técnicas, implicando
em uma postura que, numa palavra, está comprometida com a
relativização e com a exposição do ponto de vista nativo sobre
sua própria realidade simbólica. Acima de tudo – e talvez esteja aí
a transformão teórica mais radical que o método produziu – o
que marca a etnografia é investigar por dentro a realidade de um
grupo, sendo que o conhecimento é gerado a partir do ponto de
vista do outro. Esse esforço interpretativo implica quebrar a razão
etnocêntrica e assumir um compromisso de compreender o outro
105
nos seus próprios termos e não nos nossos – este é o projeto
etnográfico; seu poder e sua fragilidade. (BARROS E ROCHA,
2001, p. 11-2)
Vergara (1997), de uma forma mais sucinta, define o método etnográfico
como abaixo:
Etnográfico é o método que, apropriado da Antropologia, exige do
pesquisador contato direto e prolongado com seu objeto de
estudo. Vale-se, predominantemente, da observação participante
e da entrevista não estruturada para obter dados sobre pessoas,
espaços, interões, símbolos e tudo o mais que interessar a sua
investigão. Embora parta de algum referencial teórico, o
pesquisador não é a ele escravizado. Confronta teoria e prática o
tempo todo e vai reconstruindo a teoria. (p. 14)
O método etnográfico surgiu no início do século XX na Antropologia,
contrapondo-se ao evolucionismo, que predominara nos estudos antropológicos
precedentes. A partir daí, o trabalho de campo passou a ser bastante usado
pelos antropólogos.
Malinowski (1978) foi o primeiro antropólogo a elaborar uma teoria da
pesquisa etnográfica, baseado em sua convivência com os nativos das ilhas
Trobriand do Pacífico, no período da Primeira Guerra Mundial. Segundo este
estudioso, o etnógrafo nunca deve perder de vista o objetivo final de sua
pesquisa:
Em breves palavras, esse objetivo é o de apreender o ponto de
vista dos nativos, seu relacionamento com a vida, sua visão de
seu mundo. É nossa tarefa estudar o homem e devemos,
portanto, estudar tudo aquilo que mais intimamente lhe diz
respeito, ou seja, o domínio que a vida exerce sobre ele. Cada
cultura possui seus próprios valores; as pessoas têm suas
próprias ambições, seguem a seus próprios impulsos, desejam
diferentes formas de felicidade. (...) Estudar as instituições,
costumes, desejos e sentimentos subjetivos pelos quais ele vive,
e sem o intuito de compreender o que é, para ele, a essência da
106
felicidade, é, em minha opinião, perder a maior recompensa que
se possa esperar do estudo do homem. (p. 33-4)
Assim, num primeiro momento a etnografia foi aplicada basicamente no
estudo das sociedades ditas primitivas. De acordo com Barros e Rocha (2001),
com a Escola de Chicago – formada por antropólogos como Park, Redfield,
Mead, Foote-Whyte, dentre outros - passou-se a utilizar a etnografia para
estudos em contextos urbanos, nas metrópoles crescentemente mais complexas
e maiores. Na década de 50, Foot-Whyte, ainda segundo Barros e Rocha,
introduz a idéia de observação participante, ao procurar vivenciar o cotidiano de
um grupo de ítalo-americanos de Boston como um deles.
Uma vez aberta a trilha para o estudo de grupos urbanos e seus
respectivos sistemas culturais, a etnografia propiciou,
irreversivelmente, a ampliação do seu espaço de prática. Na
cidade, um sem fim de grupos e uma multiplicidade de temas
para serem explorados. Entre eles, o consumo. (BARROS E
ROCHA, 2001, p. 12)
O método etnográfico passou a ser usado então na pesquisa de
sociedades modernas, inclusive no campo da Administração em geral e do
Comportamento do Consumidor em particular. Como exemplo, Velho (1973)
aplicou a etnografia no meio urbano num estudo sobre moradores de um prédio
de Copacabana. Por sua vez, Rocha (1995) traça um paralelo entre a sociedade
do “outro” e a sociedade de “dentro” da Indústria Cultural através da realização
de uma etnografia. E Velho (2000) fez uso do método etnográfico para analisar
pronta-entreguistas de um shopping de Copacabana a fim de identificar como
esses enxergavam a influência das telenovelas na moda brasileira. A seguir são
mencionados alguns estudos de inspiração etnográfica no campo da
Administração.
107
3.4.2 Estudos de Administração inspirados na etnografia
Diversos outros estudos podem ser mencionados no campo da
Administração em geral e do Marketing e Negócios Internacionais em particular.
De acordo com Barros e Rocha (2001):
Ao realizar esses estudos que se autodefiniam etnográficos, os
pesquisadores fizeram também duas outras coisas muito
importantes. De um lado, acabaram em geral afastando algumas
das características requeridas na tradição antropológica,
sobretudo o tempo de convivência com seus nativos. Por outro
lado, acabaram também ampliando as possibilidades de
aplicação da etnografia em situações mais voltadas para os
interesses do mercado de pesquisas em comportamento do
consumidor. (p. 12)
Barros e Rocha (2001) apontam no entanto que nem todos os estudos
que se intitulam etnográficos o são verdadeiramente, criticando estudos que são
na verdade essencialmente quantitativistas e outros que só apontam “falhas” na
etnografia, sem compreender que a etnografia é essencialmente microscópica e
interpretativa. Consideram válidos no entanto muitos outros trabalhos:
Existe nestes trabalhos um desejo de respeitar o discurso do
informante como forma de captar a ideologia do grupo, suas
representões e práticas de consumo. Alguma coisa do espírito
da tradição etnográfica foi preservada e, possivelmente, há mais
ganho que perda na conta final. (p. 14)
Dentre os estudos de etnografia aplicada à Administração que envolvem
culturas nacionais podemos citar o de Chang e Holt (1996) - que procurou,
usando elementos da etnografia, compreender a forma de relacionamento dos
executivos de Taiwan entre si e com seus clientes – e o de Ahrens (1997) – que
108
realizou um estudo etnográfico de contadores de cervejarias em duas culturas, a
alemã e britânica, a fim de avaliar como esses profissionais se relacionam com
as outras áreas conforme seu país de origem.
Outros estudos realizaram etnografias de organizações, como o de
Browning, Ziaja e France (1992), que utilizaram essetodo para avaliar como
uma empresa de computação qualificada como pós-moderna se comportava ao
concorrer a um prêmio de qualidade do governo dos Estados Unidos, possuidor
de caractesticas modernas. Holliday e Letherby (1993), por sua vez, se
inspiraram no método etnográfico para estudar três empresas familiares da Grã-
Bretanha, identificando os significados das referências de seus membros como
uma família. Já Brown (1998) privilegia o discurso narrativo a fim de interpretar a
implementação de uma tecnologia de informação, avaliando como os
trabalhadores fornecem sentido a esse evento a fim de legitimar suas ações e
ao mesmo tempo proteger seus interesses próprios.
Pode-se citar também diversas pesquisas etnográficas que envolvem
questões de marketing, principalmente questões relacionadas ao
comportamento do consumidor. McGrath (1989) desenvolveu um trabalho
pioneiro nesse campo, procurando identificar uma lógica nas escolhas de
presentes de Natal numa loja varejista. Eastman e Land (1997) utilizaram a
observação participativa e outros elementos da etnografia para compreender
qual o significado para os clientes de bares temáticos especializados em
esportes nos Estados Unidos de assistir a eventos esportivos nesses locais.
Uma análise dos significados de consumo no dia de Ação de Graças
norte-americano foi realizada por Wallendorf e Arnould (1991), também fazendo
uso de instrumentos oriundos da etnografia. Peñaloza (1994) fez igualmente uso
109
de tais recursos para avaliar o processo de aculturação do consumo de
imigrantes mexicanos no sul da Califórnia, grupo esse que segundo o autor
representa um importante micro-segmento para o mercado norte-americano.
Também estudando o processo de aculturação através do consumo por
imigrantes, só que desta vez haitianos no Centro-Oeste dos Estados Unidos,
Oswald (1999) fez igualmente uso de recursos etnográficos.
Por sua vez, Schouten (1991) teve como objeto de estudo o consumo de
cirurgia plástica, identificando-o como um ritual de reconstrução da identidade. O
mesmo autor, juntamente com McAlexander (1995) procurou estudar
subculturas de consumo através da realização de um trabalho de campo que
durou três anos com um grupo de usuários de motos Harley-Davidson e teve
como resultado a análise de sua estrutura social, seus valores e
comportamentos simbólicos. Também com o mesmo objetivo, Kozinets (2001)
procurou realizar um estudo etnográfico de outra subcultura de consumo, os
auto-intitulados trekkies, que são fãs ardorosos da série de ficção científica
“Jornada nas Estrelas”.
Como concluem Elliot e Janken-Elliot (2003), o uso da etnografia pode
trazer muitos incrementos ao campo do Comportamento do Consumidor. Pelo
fato da pesquisa etnográfica geralmente envolver a necessidade de um tempo
maior de exposição aos objetos de estudo, pode também ajudar no
entendimento da diferença entre as atitudes manifestadas e os comportamentos
na prática.
Quanto a estudos que utilizam a etnografia na Administração no Brasil,
Barros e Rocha (2001, p.18-9) relatam:
110
No Brasil os estudos etnográficos de grupos de consumidores são
recentes. Estes estudos começaram a surgir da parceria entre o
Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ e o Departamento
de Comunicação Social da PUC-Rio, com o projeto de pesquisa
O processo de internacionalizão da empresa brasileira, que
vem sendo desenvolvido com o apoio do PRONEX II. Um dos
subprojetos que eso sendo realizados, no âmbito desta temática
maior, trata da questão da Distância cultural, estudando algumas
das formas pelas quais a dimensão simbólica da cultura
atravessa os espaços da empresa, dos negócios e do consumo.
(...) Trata-se de um esforço de pesquisa em antropologia do
consumo, visando estudar as dimensões culturais presentes nas
práticas de consumo de diferentes grupos sociais de camadas
dias urbanas. O foco dos estudos está no conhecimento das
imagens e representações, do universo simbólico enfim, com o
qual estes grupos, por força de suas experncias de consumo,
constroem um sistema de classificações que define identidades,
cria fronteiras e estabelece duas diferenças frente aos demais
grupos com os quais convivem no espaço urbano.
O primeiro deste grupo de estudos teria sido desenvolvido por Carvalho
(1997), ao procurar identificar em sua dissertação a “teia de significados” do
consumo de objetos decorativos por quatro jovens casais recém-casados e sem
filhos da classe média carioca. Como metodologia, a opção foi pela
interpretação do discurso dos informantes, coletado através de entrevistas não-
estruturadas, permitindo-se o livre discurso a partir de perguntas de referência.
Tais entrevistas foram realizadas nas casas dos casais, a fim de facilitar a
identificar mais facilmente a que objetos decorativos se referiam, sendo também
possível a observação in loco por parte do pesquisador. Durante a análise dos
resultados, dois temas puderam ser observados com mais freqüência na
interpretação dos significados dos objetos decorativos: o individualismo e o
hedonismo.
Kubota (1999) também realizou estudo na mesma linha, estudando um
grupo de pessoas da terceira idade de classe média-alta do Rio de Janeiro e
chegando à seguinte conclusão geral:
111
Através da análise do discurso dos informantes, pudemos
observar como a cultura exerce uma importância fundamental em
diversos aspectos do consumo. As transformões que ocorrem
em nossa sociedade refletem-se em todos os aspectos da vida de
um indiduo, inclusive com sua relão com o universo do
consumo. (p. 131)
Bellia (2000), por sua vez, foi em busca dos significados das relações de
consumo dos chamados emergentes da Barra da Tijuca, identificando terem
esses criado um estilo próprio, além de serem bastante leais a lojas e marcas.
Enquanto isso, Ballvé (2000) desenvolvia um estudo com elementos
etnográficos a fim de entender como funcionam os consumidores-mirins, mais
especificamente crianças de uma escola particular da Zona Sul do Rio de
Janeiro. Nessa pesquisa, esteve em evidência a questão da insaciabilidade, a
busca constante pela novidade, o que parece permear o consumo moderno.
Já Blajberg (2001) procurou compreender como se dava a lógica do
consumo em um grupo de judeus considerados bem-sucedidos na cidade do Rio
de Janeiro. Tal grupo se demonstrou preocupado com a segurança das famílias,
bastante prudentes e consumidores também de produtos relacionados a sua
etnia. Pode-se citar um outro exemplo ainda desta linha de estudos, que
visavam entender os significados do consumo de um grupo de vestibulandos
pertencentes à elite de uma importante cidade mineira. Aí foi percebida uma
competição através da aquisição de bens, bem como a utilização desses bens
para reforçarem sua posição social.
Por fim, vale relembrar aqui o que ensina Geertz (1978, p. 31) sobre a
etnografia possuir três pontos básicos: “(...) ela é interpretativa, o que ela
interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação consiste em salvar o
112
´dito` num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas
pesquisáveis.”. Vale frisar que há a ciência de que a etnografia é muito mais
complexa na Antropologia, mas aqui será realizada uma extensão de sentido a
fim de poder estudar a Publicidade fazendo uso de alguns de seus instrumentais
que são viáveis nesse caso, quais sejam: entrevista não estruturada e em
profundidade, observação do discurso simbólico, perspectiva microscópica e
relativizadora.
113
4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo são relatados os resultados da pesquisa, tanto da compilação
dos anúncios das revistas quanto dos relatos das informantes. Vale mencionar que a
interpretação dos principais resultados será feita no capítulo 5, sendo realizada no
presente capítulo basicamente a descrição pura dos resultados.
4.1 DESCRIÇÃO DOS ANÚNCIOS
Os resultados da compilação realizada de um total de 11.520 anúncios,
segundo a classificação anteriormente explicada no item 3.2.2, estão expostos
nos gráficos nas páginas a seguir. O quadro que deu origem aos gráficos
encontra-se a seguir:
Quadro 7: Resultado da compilação das revistas
Quanto ao produto / serviço anunciado
Revistas
brasileiras
Revistas
americanas
produto de saúde e beleza 1368 4788
produto para o lar 396 540
produto para os filhos ou marido 180 0
produto para ambos os sexos 1008 1512
vestuário, relógios e jóias 576 1980
114
Quanto ao tipo de mulher representada
Revistas
brasileiras
Revistas
americanas
independente/moderna/trabalha fora 216 468
dona-de-casa sem menção à praticidade 72 0
dona-de-casa moderna 36 36
sensual 216 504
bela e/ou jovem e/ou em forma 900 3600
mãe 216 144
romântica/esposa/namorada 216 432
na moda 576 1764
esportiva 0 216
masculinizada 72 0
não se aplica 1116 2196
Observação: Na segunda classificação, um mesmo anúncio pôde receber mais de uma
classificação em uma mesma categoria. Por exemplo, um anúncio pode retratar o lado mãe e
esposa ao mesmo tempo e na mesma intensidade.
A elaboração dos gráficos teve como objetivo uma melhor visualização da
configuração dos resultados encontrados:
115
Gráfico 2:
Classificação quanto ao serviço/produto anunciado nos anúncios de
revistas brasileiras
Quanto ao produto/serviço anunciado - BRASIL
39%
11%
5%
29%
16%
produto de saúde e beleza
produto para o lar (alimentos, eletrodomésticos, produtos de limpeza, cama, mesa e banho)
produto para os filhos ou marido
produto para ambos os sexos (carro, eletrônicos, bebidas, banco, produtos esportivos, bebidas,
planos de saúde, viagens, entretenimento, cigarro EUA etc.)
vestuário, relógios e jóias
116
Gráfico 3:
Classificação quanto ao serviço/produto anunciado nos anúncios de
revistas norte-americanas
Quanto ao produto/serviço anunciado - EUA
55%
6%
0%
17%
22%
produto de saúde e beleza
produto para o lar (alimentos, eletrodomésticos, produtos de limpeza, cama, mesa e banho)
produto para os filhos ou marido
produto para ambos os sexos (carro, eletrônicos, bebidas, banco, produtos esportivos, bebidas,
planos de sde, viagens, entretenimento, cigarro EUA etc.)
vestuário, relógios e jóias
117
Percebe-se, observando os gráficos sobre o tipo de produto anunciado,
que em ambos os países grande parte dos anúncios é de produtos de saúde e
beleza, especialmente maquiagem e cremes anti-rugas. De fato, como afirma
Del Priore (2000), a busca maior das consumidoras mulheres da atualidade é
pela beleza, saúde e juventude: “ as mulheres não querem mais envelhecer” (p.
13).
Nas revistas dos Estados Unidos não foi encontrado nenhum anúncio de
produtos para os filhos e marido e o percentual de produtos para o lar nesse
país é menor que no Brasil, onde a mulher ainda parece se identificar mais
fortemente com seu lado dona de casa.
Nas publicações observadas dos Estados Unidos observa-se também um
menor espaço para produtos destinados a ambos os sexos, o que parece revelar
uma maior segmentação do mercado publicitário nesse país.
118
Gráfico 4:
Classificação quanto ao tipo de mulher representada nos anúncios de
revistas brasileiras
Quanto ao tipo de mulher representada - BRASIL
6%
2%
1%
6%
25%
6%
6%
16%
0%
2%
30%
independente/moderna/trabalha fora
dona-de-casa sem menção à praticidade
dona-de-casa moderna
sensual
bela e/ou jovem e/ou em forma
mãe
romântica/esposa/namorada
na moda
esportiva
masculinizada
não se aplica (propaganda com homens ou crianças, mulher sem característica em
evidência, sem pessoas etc.)
119
Gráfico 5:
Classificação quanto ao tipo de mulher representada nos anúncios de
revistas norte-americanas
Quanto ao tipo de mulher representada - EUA
5%
0%
0%
5%
39%
2%
5%
19%
2%
0%
23%
independente/moderna/trabalha fora
dona-de-casa sem menção à praticidade
dona-de-casa moderna
sensual
bela e/ou jovem e/ou em forma
mãe
romântica/esposa/namorada
na moda
esportiva
masculinizada
não se aplica (propaganda com homens ou crianças, mulher sem característica em evidência,
sem pessoas etc.)
120
Quanto ao tipo de mulher representada, nota-se nos gráficos acima que a
tendência é semelhante na dominância dos aspectos em ambos os países. Na
predominância das peças publicitárias é ressaltada a beleza e a juventude,
seguido da mulher antenada com a moda, estando antes desse segundo lugar
uma considerável parcela de anúncios onde a imagem da mulher não está
diretamente retratada, não havendo aí modelos do sexo feminino. A mulher
independente e que trabalha fora apareceu retratada com freqüência baixa e
similar em ambos os países.
4.2 DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Foi entrevistado um universo de 10 informantes de cada nacionalidade em
questão, totalizando vinte mulheres, cujo perfil está exposto no item 3.3. As
entrevistas com as norte-americanas, por preferências delas, foram todas
realizadas em inglês e assim os trechos de depoimentos delas foram aqui
traduzidos pela autora.
4.2.1 Percepção da diferença entre Brasil e Estados Unidos
Conforme roteiro de entrevista exposto no apêndice A, a primeira questão
colocada foi sobre a percepção da diferença entre o viver no Brasil e o viver nos
Estados Unidos, sobre as diferenças culturais que mais as impactaram. Cabe
ressaltar que o objetivo aqui, como num estudo etnográfico, não é julgar o que é
certo ou errado, concordar ou discordar. É sim o de registrar um discurso de
informantes “nativos”, seu modo de pensar, independente de juízo de valor.
121
A seguir estão trechos dos depoimentos das informantes norte-
americanas. Várias idéias contidas num depoimento foram também observadas
em outras e abaixo foram agrupados trechos que representam as noções mais
recorrentes.
Quando questionadas sobre a diferença entre Brasil e Estados Unidos,
muitas das informantes começaram narrando a sua primeira impressão, o seu
primeiro contato a partir de uma perspectiva pessoal, o que é refletido nos
trechos abaixo:
A primeira vez que vim ao Brasil foi a turismo. Nessa época eu ia
para muitos resorts no mundo todo e a impreso que me deu foi
que era simplesmente outro ps pobre. Com belas praias,
comida deliciosa e desvalorização da moeda, do que nós turistas
tirávamos proveito
28
. A falta de segurança também mexeu
comigo. Hoje, conhecendo mais a fundo, para mim o Brasil é o
país mais rico do mundo, só que não há educão para a
população e os recursoso são explorados.
Informante 1, norte-americana
Quando vim morar aqui acho que as pessoas me exploravam por
eu ser estrangeira. Um pintor foi à minha casa e me cobrou um
preço absurdo. Eu disse: “Deixa que eu mesma faço!”
Informante 9, norte-americana
Outros depoimentos na mesma linha foram coletados, como os a seguir:
“Já tinha vindo antes a turismo, então quando vim morar já estava mais
familiarizada com o que encontraria.”, “Já estive em muitos países, morei em
outros países, assim isso me ajudou a me adaptar mais rápido.” e “A pobreza
em geral me chocou. Ver crianças na rua me chocou. Nos EUA são só adultos.”.
28
Por acaso, um anúncio encontrado numa das revistas norte-americanas pesquisadas,
reflete essa imagem de parso tropical, de “mais um resort que muitos estrangeiro têm do
país. Este anúncio se encontra no Anexo B dessa tese, na p. 207.
122
Assim, os aspectos que mais causaram estranhamento às norte-
americanas num primeiro momento foram a falta de segurança e a pobreza.
Vale a pena também destacar a questão do “faça você mesmo”, dominante na
cultura norte-americana, tendo causado espanto em algumas das entrevistadas
a tendência de se contratar o serviço de terceiros para coisas que poderiam ser
feitas pela própria pessoa.
A diferença da percepção e aproveitamento do tempo nos dois países
também foi recorrente, sendo que algumas preferiam o estilo norte-americano e
outras se encantaram com o estilo que consideraram pico do Brasil:
Muitas diferenças nos dois países. Aqui, você vive cada minuto, lá
você trabalha para viver cada momento. Eu não tenho o mesmo
conforto que eu tinha lá, mas aqui eu tenho uma “quantidade de
vida”.
Informante 1, norte-americana
A noção do tempo... aqui uma criança vai brincar com seu filho e
acaba ficando pro fim de semana. Lá a gente combina a hora de
chegar e de ir embora. (...) As pessoas aqui passam horas
conversando. Eu não agüento isso.
Informante 2, norte-americana
Assim, os depoimentos na linha do primeiro acima citado, ou seja, que
consideravam a perspectiva sobre o tempo no Brasil mais interessante,
ressaltavam que o brasileiro não se prende tanto à exatidão e pontualidade na
combinação de horários e valoriza mais as atividades de lazer. Já os
depoimentos observados semelhantes ao segundo depoimento, demonstravam
a dificuldade de adaptação do norte-americano a esse aspecto da cultura
brasileira, preferindo algo mais preciso e delimitado.
A amabilidade do brasileiro e o fato de no Brasil as pessoas serem mais
123
abertas e emotivas também foi muito citado, conforme retratado nos
depoimentos a seguir:
Lá as pessoas nãoo tão abertas. Conversamos com pessoas,
brigamos, vivemos de forma mais emocional no Brasil. Acho que
os americanos não têm dificuldade em se adaptar aqui, porque é
uma cultura muito aberta e amigável. A única dificuldade para
mim foi o idioma mesmo.
Informante 10, norte-americana
Uma coisa que foi impactante mas positiva foi o carinho, o afeto
do brasileiro em geral. E americano é um pouco frio, né? Não tem
muito contato físico. Achei bonito meu namorado andando de
o dada com o pai. Acho que em geral os brasileiros se tocam
mais e eu me adaptei a isso. Tanto que levo isso para a minha
família no Texas quando vou visitá-los. As pessoas aquio mais
amáveis.
Informante 4, norte-americana
Uma diferença que vejo, já que tive um beaqui, é que aqui os
brasileiros são muito mais ligados à família. É muito bom ter tido
um filho aqui. Aqui sempre que saio todo mundo sorri, fala “que
bonitinho, que fofinho. Lá não é assim, as pessoas não se
importam assim.
Informante 3, norte-americana
Adicionalmente aos depoimentos que expressam as peculiaridades de
cada cultura nesse aspecto da abertura das pessoas, uma informante relata que
“aqui as pessoas são mais alegres, é tudo mais informal” e outra relata sua
percepção de que “nos EUA gostou, gostou, não gostou você fala.” Segundo
esta segunda informante, no Brasil as pessoas às vezes mentem para não
magoar.
Outro aspecto que foi bastante citado foi a diferença na relação com o
corpo e a nudez. Alguns depoimentos de informantes que espontaneamente
mencionaram este aspecto, algumas vezes demonstrando verdadeira
124
perplexidade com o modo brasileiro de tratar esses temas, estão abaixo:
Vim de uma cultura que dava mais valor pro cerebral e onde o
emocional e a aparência não eram importantes. Aqui é todo
mundo de biquíni na praia. Isso foi o que mais me incomodou.
Informante 2, norte-americana
Nesse depoimento acima a informante mostrou-se bastante crítica,
discordando da postura dos brasileiros, que valorizariam mais o corpo do que a
inteligência, o que não ocorreria no seu país. Já os depoimentos abaixo adotam
uma postura neutra, apenas constatando uma percepção sua de diferença entre
as duas culturas:
A nudez aqui é muito mais liberada. Lá pode ter, mas é tudo mais
escondido. Essas revistas de mulher pelada, por exemplo, não
ficam assim tão expostas nas bancas de jornal de lá. Ficam num
cantinho, escondidinhas.
Informante 3, norte-americana
O modo de vestir. Acho lá mais padronizado. Aqui as pessoas
expõem mais o corpo. Aqui todos vão à praia sem vergonha de
seu corpo.
Informante 6, norte-americana
Finalmente, um aspecto bastante específico foi categoricamente reforçado
pela informante que forneceu o seguinte relato:
Fiquei grávida duas vezes no Brasil e mostrar a barriga aqui é
comum e me choca muito ahoje. Lá nos EUA isso seria um
escândalo. Culturalmente não se faria isso na rua, pois é uma
coisa muito particular.
Informante 5, norte-americana
125
Preconceitos também foram percebidos por duas informantes de modo
mais intenso no Brasil. Uma delas considera que no Brasil há mais preconceito
racial, enquanto outra realiza a seguinte consideração:
O machismo é maior aqui também. O homem pode, a mulhero
pode. A mãe do meu namorado era uma pianista de alto nível e
não tocou mais nem uma nota em público depois que casou.
Achei isso chocante.
Informante 4, norte-americana
Portanto, pelos depoimentos todos que foram acima transcritos, as
informantes norte-americanas pareceram interpretar o que seriam diferenças
culturais como questões que as impactassem diretamente em seu universo
pessoal. Algumas pareceram ter adotado o Brasil e estarem encantadas com a
cultura local. Outras ainda se mostram chocadas com alguns aspectos para elas
diferentes. O mais freqüente, no entanto, foi a observação de uma posição
neutra, o que é sintetizado no seguinte depoimento: “Não é melhor nem pior, é
simplesmente diferente.
No que tange às brasileiras, seguem abaixo trechos de suas percepções
sobre as diferenças que encontraram ao irem morar para os EUA. Um aspecto
recorrente foi o fato de que para elas a cultura norte-americana não lhes ser tão
estranha, já que a influência desta no Brasil seria muito maior e assim, de modo
geral, a adaptação das brasileiras pareceu mais fácil do que a das norte-
americanas:
tinha ido à Disney duas vezes, uma vez à Nova York, sem
contar o curso de inglês no IBEU, o nosso contato permanente
com a música e o cinema americano. Então posso dizer que me
senti em casa quando fui morar lá.
Informante 4, brasileira
126
Morei lá por 10 anos e acho que sabendo o idioma já facilita
muito. Havendo interesse pela cultura local é mais fácil entender
os comportamentos, embora claro que haja coisas das coisas do
Brasil. Uma vez que você vai entrando na cultura e começa a
entender, aí as coisas começam a fazer mais sentido.
Informante 1, brasileira
As informantes brasileiras não deixaram de mencionar, contudo, o
estranhamento em relação a uma diversidade de aspectos em relação à cultura
do “outro”:
Só comecei a gostar dos programas de TV americanos, por
exemplo, uns 3 anos depois de estar lá. Não me era familiar. E
que saudades eu tinha de uma feijoada de verdade!
Informante 10, brasileira
O americano é centrado em torno de seu umbigo. No noticiário só
passam notícias locais. A visão deles do Brasil é totalmente
deturpada.
Informante 9, brasileira
A questão da afabilidade e do fato dos brasileiros serem mais abertos,
também abordada pelas informantes norte-americanas, é aqui confirmada
espontaneamente pelas informantes brasileiras, que tiveram a experiência
inversa:
As pessoas têm medo de ser tocadas por estranhos. Tudo lá
parece que é assédio sexual. Nas universidades, por exemplo, no
primeiro dia de aula você já recebe um manualzinho sobre
assédio sexual.
Informante 3, brasileira
127
A gente sempre se choca com a frieza das pessoas. Eu sou uma
pessoa muito comunicativa, meus amigos aqui são amigos até
hoje e são muitos. E lá não. Fiz duas amigas americanas em 10
anos.
Informante 1, brasileira
Por fim, a percepção da diferença na qualidade de vida entre os dois
países mostrou que mais da metade das informantes preferia a vida no Brasil:
Lá você não vive com o conforto e os pequenos luxos que
qualquer classe média pode usufruir no Brasil. Paga-se mais de
dois mil dólares por um apartamento do tamanho de um ovo em
Manhatan e faxineira então nem pensar pois cobram por hora e
os olhos da cara.
Informante 5, brasileira
Comprei um móvel e chegando em casa tive que me virar para
montar. Aqui a gente tá acostumado com serviços, já lá é tudo
“faça você mesmo”. Prefiro aqui. Não quero perder meu tempo
com essas coisas.
Informante 9, brasileira
Lá você trabalha, casa, trabalha mais, gasta dinheiro com
besteira... e aí? Então acabei abrindo mão de meu passaporte
americano. Achava que a mudança de vida seria muito maior.
Concluí que em termos de qualidade de vida estava perdendo.
Informante 1, brasileira
Através dos depoimentos acima, pode-se perceber portanto que as
diferenças entre a cultura brasileira e a cultura norte-americana são percebidas
e portanto não podem ser desprezadas. Apesar de cada vez mais as pessoas
parecerem estar mais adaptáveis a novas realidades, possivelmente dado o
crescente nível de exposição a outras culturas com a crescente globalização, há
peculiaridades das culturas locais que se fazem presentes e importantes para os
“nativos” daquela cultura, ao mesmo tempo que estranhas aos “estrangeiros”.
128
Após o relato do panorama geral, que foi o primeiro ponto do roteiro de
entrevista, a seguir parte-se para um assunto mais específico que interessa ao
tema desta pesquisa, buscando-se identificar como a influência da mídia na vida
das pessoas se dá, segundo a percepção delas próprias.
4.2.2 A mídia e sua influência sobre a vida das informantes
Os depoimentos das norte-americanas sobre como se sentiam
influenciadas pela mídia se dividiram basicamente em dois grupos: as que
negavam a influência da mídia e, mais particularmente, das revistas femininas
sobre si e as que admitiam tal influência. A seguir trechos de depoimentos do
primeiro grupo mencionado, todos não admitindo uma influência da mídia sobre
suas decisões de compra:
Lia muitas revistas, hoje não, só quando vou a consultórios
médicos. Não sou em geral uma pessoa muito influenciada.
Compro as revistas mais para ver os artigos.
Informante 7, norte-americana
Eu leio pouco revistas, mais no salão. Não me sinto muito
influenciada não. Não sou uma compradora de revistas, mas
gosto de ler. Acho que se usa muito a mulher pra vender coisas
que não são direcionadas à mulher. E muitas celebridades
usadas para vender coisas que não têm nada a ver com as
pessoas.
Informante 8, norte-americana
Não sinto muita necessidade de comprar coisas. Quando quero
alguma coisa vou no site que compara produtos e lojas e vejo
qual o mais barato. Xampu, por exemplo, olho o que tem no
produto, compro um e experimento.
Informante 2, norte-americana
129
Abaixo, por sua vez, estão os depoimentos das informantes que se acham
de alguma forma influenciadas pela mídia em geral e/ou pelas revistas femininas
e seus anúncios em particular:
Os anúncios me chamam atenção, mas em geral não compro por
causa do anúncio. Para produtos de beleza, por exemplo, sou
muito fiel a uma marca americana que eu uso. Mas dependendo
de como está sendo anunciado, eu me sinto influenciada sim.
Informante 5, norte-americana
Quanto à moda, algumas vezes me influencio pelos anúncios sim.
Mas tanto nos EUA quanto no Brasil os produtos de moda
anunciados são muito caros. No Brasil, se eu gosto do estilo da
roupa eu posso ir à loja para checar, como as roupas da Eclectic,
que é uma loja que gosto muito.
Informante 6, norte-americana
Eu tenho o hábito de ler revistas femininas sim, principalmente no
salão de beleza. Eu não assino, mas leio quando tenho
oportunidade e presto atenção nos anúncios. Os anúncios me
influenciam indiretamente. Fico interessada por um estilo, não
necessariamente pela loja especificamente anunciante, por
exemplo.
Informante 3, norte-americana
As brasileiras entrevistadas, por sua vez, mostraram-se mais interessadas
pelas revistas femininas do que as informantes dos Estados Unidos e admitiram
o poder que os anúncios tinham sobre elas:
Lia muitas revistas femininas americanas. Gostava muito da
parte de decoração, artesanato. Lia muito tamm a
Cosmopolitan quando estava nos Estados Unidos, que é “irmã”
da Nova daqui, da qual também gosto muito. A propaganda me
influencia de múltiplas formas, tanto quando eu morava nos EUA
quanto aqui no Brasil.
Informante 1, brasileira
130
Eu me influencio pelos anúncios sim. Nos EUA então eles têm
aquela propaganda maciça da qual você não consegue escapar.
Depois muitas vezes você fica pensando para que comprou
aquilo, mas na hora não resiste. Mas na hora que vê o anúncio
você fica pensando como viveu até hoje sem aquele produto.
Você começa a achar que tudo é necessário.
Informante 7, brasileira
Quando era adolescente comprava muita revista. Nova então era
todo mês... acho queria brincar de ser adulta. Fazia todos aqueles
testes, sabe? Agora dificilmente compro, mas a gente acaba
sempre lendo uma no consulrio médico, no salão, por aí, né?
é interessante... na hora nem parece que aquilo me influencia
tanto, mas quando vou às compras sinto que ter visto tal produto
anunciado teve uma influência muitas vezes enorme sobre mim.
Assim, é verdade, muitas vezes compro um produto por ter visto
anunciado, principalmente quando o anúncio é bem feito.
Informante 5, brasileira
Assim, pode-se dizer que muitas informantes relutaram em admitir uma
influência direta da mídia em suas vidas, embora acabassem refletindo acerca
de certa dose de atração pelo que é exposto nas revistas femininas, mesmo que
de uma forma indireta. A grande parte também afirmou não comprar as revistas,
embora acabassem lendo exemplares em locais públicos, como salões de
beleza e consultórios médicos, onde costumam ficar à disposição como
passatempo. No item a seguir, outro ponto-chave da pesquisa é abordado,
explorando as diferenças culturais percebidas pelas informantes.
4.2.3 Diferenças entre os anúncios brasileiros e os anúncios norte-
americanos
Os anúncios foram mostrados aleatoriamente às informantes, sendo a
única - e inevitável, dada a diferença no idioma - divisão feita a entre anúncios
da nacionalidade da entrevistada e da outra nacionalidade. Primeiro foram
131
mostrados os anúncios selecionados
29
do país de origem da informante e
perguntado se ela se sentia retratada naquelas peças. A seguir, os anúncios
selecionados do outro país eram mostrados e era questionado se elas
percebiam diferenças na abordagem de acordo com a nacionalidade do anúncio.
Depois foi deixado em aberto para que elas comentassem o que mais
desejassem sobre aquelas peças publicitárias.
Os comentários das informantes norte-americanas foram diversificados.
Enquanto algumas consideravam terem os anúncios uma linguagem universal,
sem qualquer influência da cultura, outras notavam claramente a diferença na
abordagem dos anúncios segundo o país. E houve ainda um terceiro grupo que
admitiu a possibilidade dos dois fenômenos – global e local - coexistirem.
No primeiro grupo mencionado – que destacou uma linguagem
universalizante nos anúncios - situam-se os seguintes comentários:
O da Dove
30
poderia ser usado em qualquer lugar do mundo.
anúncios que são internacionais, como de perfumes e jóias.
Informante 9, norte-americana
Nos anúncios do Brasil eu vejo referências à família e a
vizinhança que não acho que acontecem na realidade. Por
exemplo, é raro ver na cidade uma pessoa que viva em casa e
que se relacione tanto com a família. Aqui é mais apartamento.
Fora isso não vejo nada, para mim usa tudo a mesma linguagem.
Informante 5, norte-americana
Acho que eles são idênticos, realmente parecidos. Não consigo
ver diferença.
Informante 2, norte-americana
29
Os anúncios selecionados pelos publicitários, como já mencionado, estão todos no Anexo
A dessa tese (p. 178-206).
30
Referindo-se aí à campanha de fato mundial da Dove que ressaltava a beleza da mulher
comum, no Anexo A exposto num anúncio brasileiro, na p. 179.
132
Já do grupo que percebia diferenças culturais nos anúncios pode-se
destacar os depoimentos abaixo. Em alguns deles foi recorrente a menção à
questão da etnicidade:
Não há preocupação com etnicidade na propaganda brasileira.
Na dos EUA há. Lá o politicamente correto está sempre presente.
Aqui as mulheres sempre são loiras no ancio, sempre.
Normalmente aqui você não vê pessoas negras nas
propagandas. Lá é mais comum. Anúncios com negros
aparentando serem de classe média não “colaria” aqui.
Informante 4, norte-americana
Acho que os anúncios nos EUA são segmentados por etnicidade,
poder econômico e pela imagem que as pessoas fazem de si
mesmas. Aqui
31
não há esse espaço para segmentar.
Informante 5, norte-americana
O anúncio da lavadora Brastemp
32
também foi citado diversas vezes,
sendo sempre dito que ele não poderia ser veiculado nos EUA, pois a atitude de
ócio da mulher mascando o chiclete seria reprovada naquele país:
Esse da lavadora, a mulher norte-americana não ía usar o tempo
que ganhou fazendo bola de chiclete. A pessoa deveria estar
usando esse tempo de modo mais útil.
Informante 6, norte-americana
Outra questão bastante explorada foi a questão do uso do corpo nos
anúncios, como se pode ver a seguir:
31
As entrevistadas fizeram muito uso do “aqui” e “lá”. Como as entrevistas foram todas
realizadas no Brasil, quando falam “aqui” estão sempre se referindo ao Brasil e “lá” aos
Estados Unidos.
32
Anúncio brasileiro da lavadora Brastemp mostrado no Anexo A, na p. 191.
133
No Brasilpropagandas mais sensuais. Vejo mais mulheres
com corpão aqui para vender os produtos. Às vezes você nem
sabe qual é o produto. Já lá muitas vezes aparece só o produto.
Informante 3, norte-americana
Vi uma propaganda de amamentão mostrando o peito. Nos
EUA não mostraria. Essa moça desse anúncio
33
o es usando
sutiã. Isso nos Estados Unidos seria escandaloso.
Informante 2, norte-americana
Uma questão igualmente recorrente entre as norte-americanas foi a
observação de que nos EUA os anúncios costumam fornecer muita informação
sobre o que o produto ou serviço proporciona, quais são seus atributos. Já no
Brasil isso seria secundário, o que incomoda a essas informantes, acostumadas
com outra linguagem e informação:
Esse
34
vejo que é brasileiro porque eles praticamente não estão
mostrando o produto. Tá ali, pequenininho, num cantinho.
Algumas vezes não consigo nem entender o que está sendo
anunciado nos anúncios brasileiros. A gente percebe a diferença
sim.
Informante 1, norte-americana
Nós norte-americanas não precisamos da modelo. Queremos ver
e saber do produto. Eu odeio quando aqui no Brasil não
informão no anúncio. Eu quero informão, saber o que estou
comprando.
Informante 5, norte-americana
33
Referindo-se ao anúncio brasileiro, reproduzido no anexo A, da loja de roupas Gregory, na
p. 186.
34
Referindo-se ao anúncio do xampu Seda, reproduzido no Anexo A, na p. 199.
134
O anúncio americano dá mais informação sobre o produto, o
produto está em primeiro plano. No Brasil é importante ter uma
modelo. Os produtos lá se vendem por si só. No Brasil é
importante o visual geral. No Brasil, às vezes tem que descobrir o
que que é.
Informante 7, norte-americana
No Brasil haveria menos coisas escritas. Porque a americana é
mais de ler instrões, comprar. Aqui são mais poucas palavras,
senão a mulher não vai ler. No Brasil tem que ter uma modelo
bonita. O produto aqui fica menor no anúncio.
Informante 9, norte-americana
Já algumas informantes julgaram que os anúncios diferem também em
sua forma, em seu layout, como no seguinte depoimento: “Algumas vezes o
design difere. A gente identifica mais um tipo de layout com um país ou outro.”
(Informante 1, norte-americana).
Por fim, também ocorreram depoimentos aparentemente mais intuitivos,
na conclusão geral com base em suas experiências e percepções pessoais bem
como na observação dos anúncios apresentados. As informantes diziam
simplesmente sentir que os anúncios brasileiros e norte-americanos eram
diferentes, sem conseguir elaborar mais tal constatação.
Antes de prosseguir com os depoimentos das brasileiras, é interessante
destacar os principais aspectos diferenciais que apareceram de modo recorrente
nos depoimentos das norte-americanas. Muitas delas falaram que no Brasil os
anúncios são mais sensuais e expõem mais o corpo da mulher, o que
corresponde também aos comentários sobre as diferenças que percebiam entre
as duas culturas (item 4.2.1). Isso apareceu sistematicamente e pareceu
realmente incomodá-las.
Outro ponto que algumas norte-americanas notaram foi que os anúncios
135
dos EUA possuem muito mais informações sobre o produto – o que elas
valorizam, ao passo que os anúncios brasileiros em geral não contêm essas
informações, sendo basicamente constituídos de imagens e frases curtas – o
que as confunde muitas vezes. As norte-americanas alegam que querem o
máximo de informação sobre o produto. No caso de um creme para o rosto, por
exemplo, querem saber para que exatamente serve, o que contém, quais são as
contra-indicações, efeitos colaterais etc.
Outros aspectos destacados foram as diferenças de layout, utilizão de
cores, disposição e tamanho de objetos e letras. Parecia claro para algumas,
antes mesmo de identificar em qual idioma estava escrito, que simplesmente
pelo layout era possível adivinhar a nacionalidade de peça de acordo com
aspectos visuais como a utilização de certas cores e a disposição textual.
Também foi bastante comentada a questão étnica, visto que a
preocupação com o politicamente correto em relação a esse aspecto é maior
nos EUA. Atentaram muito para o fato de que nos EUA é preciso sempre haver
uma parcela de pessoas de outras etnicidades (latinos, asiáticos e
principalmente negros) nas peças publicitárias.
Por fim, do grupo que percebeu a existência do local e do global
convivendo lado a lado destacam-se os seguintes depoimentos:
Alguns anúncios brasileiros aqui poderiam ser de qualquer lugar
da Arica Latina, mas para serem veiculados nos EUA as
pessoas deveriam ter mais cara de norte-americanas. O layout
em geral é diferente, mas a idéia do anúncio pode ser a mesma.
Informante 1, norte-americana
Se for uma coisa muito padronizada o anunciante pode usar a
136
mesma linguagem nos dois países sim. (...) Engraçado, esse
35
tem cara de americano mas é brasileiro.”
Informante 10, norte-americana
Partindo agora para a observação dos depoimentos das brasileiras,
também não houve uma unicidade nos discursos. Até a mesma informante
muitas vezes enxergava ao mesmo tempo a questão da universalização dos
anúncios e mais à frente admitia peculiaridades conforme o país.
Dentre os trechos de depoimentos que apontavam para uma linguagem
global na publicidade destacam-se os seguintes:
Alguns anúncios são iguais às vezes, lá e aqui. Já vi aqui
anúncios que claramente eu sei que são anúncios de lá
traduzidos, como alguns para tinta de cabelo. Acho que há uma
certa massificão em termos globais sim. Realmente muitas
propagandas são muito parecidas. Vendem bem sendo apenas
meras traduções.
Informante 6, brasileira
Este ancio é brasileiro? Parece um anúncio da Vogue de lá,
né? Eu acho que tanto aqui quanto lá a mulher é sempre
retratada como uma mulher independente, que trabalha, que
conta de tudo. No geral acho que é uma linguagem universal.
Informante 1, brasileira
Também acho que a publicidade tanto aqui no Brasil quanto nos
Estados Unidos explora muito a imagem da mulher, inclusive para
produtos que não necessariamente o para ela. Aí acho que
ainda é mais num sentido de mulher-objeto, né?
Informante 2, brasileira
Já dentre os comentários que refletem a percepção da necessidade de
diferenciação conforme o país de veiculação do anúncio estão os abaixo
35
Referindo-se ao anúncio brasileiro da loja Gregory, reproduzido no Anexo A, na p. 186.
137
transcritos. Em alguns deles as informantes alegam que a mulher brasileira
ainda é mais retratada pelo seu lado dona de casa tradicional, o que já não
ocorre mais nos Estados Unidos:
Anúncios de limpeza então lá têm que ir sempre para a
praticidade. Aqui não vejo isso necessariamente. Muitos exaltam
a família.
Informante 1, brasileira
Nos EUA há mercado e, portanto, propaganda para produtos para
os quais aqui não haveria demanda, como para uma massa de
torta que já vem pronta. Aqui isso seria uma afronta às donas de
casa. Fui procurar a tal massa no supermercado aqui quando
voltei, depois de dez anos morando e fiquei chocada que não
se vendia isso aqui. Lá é “fa você mesmo, mas faça rápido”.
Informante 5, brasileira
Também entre as brasileiras falou-se sobre o fato de que a mulher norte-
americana quer mais informação do que a brasileira, que daria preferência a um
anúncio mais artístico:
As americanas querem saber o que o produto faz. Não
necessariamente tem que ter uma modelo do lado. Acho que é
um consumidor mais consciente também.
Informante 4, brasileira
Esses anúncios dos EUA são muito cansativos. Veja esse aqui
36
,
um “porre”. Anúncio é para impressionar, para impactar. Se eu
quiser saber detalhes vou ler na bula depois. Os anúncios
brasileiros em geralo muito mais bonitos, quase obras de arte.
Não é de se admirar que a publicidade brasileira esteja entre as
melhores do mundo.os norte-americanos acho meio
cafoninhas.
Informante 1, brasileira
36
Referindo-se ao anúncio norte-americano de um spray bronzeador da Sally Hansen,
exposto no anexo A, na p. 196.
138
Outro tema que já havia sido comentado em outros momentos da
entrevista, conforme mencionado, voltou nessa parte. É a questão do corpo e da
sensualidade, que seriam mais explorados nos anúncios brasileiros:
O corpo da mulher norte-americana é todo magrelinha... Já aqui
as curvas são mais valorizadas. Lá as formas estão comando a
fazer sucesso agora.a nudez ou posições e roupas sedutoras
não são bem-vindas. Eles são muito falsos moralistas. Não é
lenda não. Aqui a propaganda é mais quente, mais sensual.
Informante 7, brasileira
Eu acho também que a propaganda brasileira é mais ousada em
certas coisas, como o contato físico. Esse anúncio do beijo para
xampu
37
seria difícil de ver lá, ainda mais para anunciar um
produto que não precisaria desse apelo para elas. Podia até usar
o cabelo, mas sem o beijo. Uma vez, por exemplo, eu estava
fazendo um curso lá e um cara me chamou para ser modelo de
cabelo. Ou seja, só o meu cabelo apareceria nas campanhas que
eu fizesse. Lá a segmentação chega a esse ponto. Eles têm
modelos só de mãos, de pés, de cabelo... Então a gente quer ver
o conjunto, enquanto eles querem ver onde o produto age.
Informante 10, brasileira
Novamente também o anúncio brasileiro da lavadora Brastemp
38
foi
citado, parecendo realmente representar esse um anúncio carregado de fatores
culturais, não podendo ser veiculado nos EUA, segundo os depoimentos já
vistos acrescidos de alguns ouvidos nessa parte da entrevista, como o trecho
abaixo:
Essa da Brastemp com a moça mascando chiclete não estaria
porque lá ela estaria usando o tempo para coisa “mais útil”. Aqui a
gente pode ver isso como um ócio criativo.
Informante 1, brasileira
37
Anúncio brasileiro do Seda, exposto no Anexo A, na p. 199.
38
Anúncio de lavadora Brastemp, contido no Anexo A, na p. 191.
139
Por outro lado, o anúncio do diamante Platinum mostrou-se tipicamente
norte-americano segundo alguns depoimentos, assim como o da Pop-Secret
39
:
algumas propagandas específicas de determinadas culturas,
como o anel de diamantes de noivado
40
. Aqui não se usa isso,
portanto não haveria motivo para sua veiculão no Brasil.
Informante 2, brasileira
Essa americana da pipoca
41
mostra a mulher que embora
trabalhe muito nunca perde o jeito de mulher. Americano tem
muito disso. Da mulher sempre se espera a coisa do afago. Se
você não sorri, você tá mal humorada e mal amada. Um festival
de elucubrações sobre sua vida pessoal. Já o homem não. Não
precisa sorrir.
Informante 8, brasileira
Houve ainda alguns depoimentos que mostravam que a diferença dos
anúncios encontrados pode se dever algumas vezes ao fato de haver distinto
grau de segmentação de mercado no Brasil e nos EUA:
Agora lá, eu via um mercado bem mais segmentado. Tem um
grupo de revistas que é para aquela mulher que está em casa,
que não tem ajuda nenhuma e nem como bancar nada, então ela
tem que usar o tempo dela da melhor forma possível, as coisas
devem ser práticas, as revistas devem vir com muitos cupons
para ela economizar nas compras, tem um monte de dicas de
como limpar isso rápido, fazer isso fácil. E tem as revistas de
moda e beleza. Lá você não acha numa Marie Claire um anúncio
de papinha. A mulher que compra essa revista ela pode até ser
mãe, mas ela não tá pensando nisso naquele momento da
compra. Aqui você vê. Lá tem muito mais tipos de revistas... mil
revistas sobre assuntos bem mais específicos. Lá tem muito mais
anúncios também.
Informante 1, brasileira
39
Ambos os anúncios estão reproduzidos no anexo A, na p. 200 e p. 189, respectivamente.
40
Anúncio norte-americano da Platinum, exposto no Anexo A, na p. 200.
41
Anúncio norte-americano da pipoca Pop-Secret, contido no Anexo A, na p. 189.
140
A propaganda lá é mais segmentada, assim você não vai achar
uma variedade tão grande de classificões no mesmo tipo de
revista. Aqui você já vê uma diversidade maior na mesma revista.
Até porque aqui as revistas podem não ser tão financeiramente
acessíveis como são lá e assim os anunciantes preferem veicular
numa revista de maior circulação logo para serem mais vistos
(mesmo porque em geral a verba deles também é menor). E se o
anunciante aqui anunciar numa revista específica ele não vai
deixar de querer anunciar na grande também se puder. Lá nos
EUA tem mercado pra tudo.
Informante 3, brasileira
Portanto, o que se pode vislumbrar desses depoimentos é uma
convivência do global com o local na propaganda dos dois países, o que será
explorado no capítulo 5. Praticamente todas as informantes, sejam brasileiras
sejam norte-americanas, em algum momento de suas entrevistas admitiram
haver muitos fatores globalizados. Muitos anúncios poderiam ser veiculados em
ambos os países sem chocar a outra cultura, bastando a tradução do idioma. Os
produtos de beleza da L´Oréal foram várias vezes citados como exemplos de
produtos que são anunciados da mesma forma no Brasil e nos EUA, algumas
vezes com mera tradução e outras vezes fazendo uso de personalidades mais
conhecidas do público brasileiro, mas com o mesmo recurso lingüístico e visual.
As informantes brasileiras se mostraram em geral um pouco mais abertas a
aceitar o padrão norte-americano do que as norte-americanas a aceitar o padrão
brasileiro, o que é natural, visto que as brasileiras já estão mais acostumadas à
influência dos EUA em diversos aspectos de sua vida, como no entretenimento e
consumo de diversos produtos e tendências importadas daquele país.
A necessidade de adaptação conforme a cultura, por outro lado, também
foi admitida. Como visto acima, tanto norte-americanas quanto brasileiras
destacaram a questão das diferenças na abordagem da etnicidade, do corpo, do
lazer e do trabalho, na quantidade de informação e no layout do anúncio.
141
Portanto, segundo as informantes, para certos tipos de anúncios a
padronização é admitida, já para outros, que anunciem determinado produto ou
façam uso de determinados modelos, padrões gráficos e visuais, a adaptação é
essencial para sua melhor aceitação em outra cultura.
Assim, nessa parte do trabalho, o objetivo foi expor o que se obteve de
mais significativo com os depoimentos das informantes, o que acabou por se
configurar em alguns temas dominantes. No capítulo a seguir procura-se
interpretar tais resultados observados.
142
5 INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
O objetivo deste capítulo é interpretar os resultados observados na coleta
dos anúncios e no discurso das informantes, cujos principais pontos foram
relatados no capítulo anterior. Para tal, será feito uso da inspiração etnográfica,
que propõe evitar ao máximo possível preconceitos etnocêntricos ao se
interpretar os discursos e os anúncios das duas culturas. Ou seja, nesse caso
específico, sendo a autora desta tese de nacionalidade brasileira, procurará um
tom neutro a fim de compreender os significados da cultura alheia da mesma
forma que a sua própria. Além disso, a literatura e os autores comentados no
capítulo 2 serão utilizados como apoio nessa interpretação dos resultados da
pesquisa realizada. Vale mencionar que, embora o objetivo geral de obras de
autores como Hall (1969 e 1976) e Trompenaars (1994) já tenha sido explicado
no capítulo 2, julgou-se mais cabível expor alguns outros resultados mais
pontuais de suas pesquisas neste presente capítulo, a fim de melhor compará-
los aos resultados obtidos na pesquisa de campo.
O capítulo se subdivide nos principais temas e aspectos que surgiram
durante as entrevistas abertas, bem como da observação dos anúncios. Será
analisado aqui o que pareceu mais importar às informantes acerca do tema mais
amplo a elas apresentado. O quadro 13, exposto ao final desse capítulo, traz de
forma sintética as principais conclusões da pesquisa no que tange às diferenças
entre as culturas brasileira e norte-americana de acordo com os resultados dos
anúncios e das entrevistas.
143
5.1 A NOÇÃO DO TEMPO
Tanto nos depoimentos das informantes norte-americanas quanto nos
depoimentos das informantes brasileiras, foi muito citada a questão do tempo
como uma das grandes diferenças.
As norte-americanas mostraram-se mais rigorosas em relação à
pontualidade, cumprimento de compromissos e aproveitamento do tempo. A
impressão geral destas informantes foi de que nos Estados Unidos as pessoas
são muito mais focadas no trabalho e já no Brasil o tempo para o lazer e
conversas é mais valorizado e preservado. Durante a marcação da própria
entrevista, grande parte das entrevistadas norte-americanas desejou saber
antes quanto esta duraria, ao mesmo tempo em que ao longo da entrevista
mostraram-se atentas ao relógio, mas também focadas no compromisso
presente.
Já as brasileiras não demonstraram a mesma preocupação com a
duração da entrevista, mas compartilhavam da mesma percepção das norte-
americanas de que, nas palavras de uma delas, “aqui [Brasil], trabalha-se para
viver; lá [Estados Unidos], vive-se para trabalhar.” (Informante 1, brasileira).
De fato, de acordo com Hall (1969), cada cultura é dotada de um
significado diferente para o tempo (uma das estruturas de significado silenciosas
mencionadas no item 2.1.2.1). Este autor divide as culturas em policrônicas e
monocrônicas. Nas culturas cuja visão do tempo é policrônica, como a brasileira,
várias atividades poderiam ser desempenhadas ao mesmo tempo e o tempo
estaria subordinado a relações pessoais. Assim, no caso das entrevistas,
embora pareça normal para um brasileiro que leva o filho na casa de um
144
coleguinha que não seja determinada uma hora exata para voltar, isso causou
desconforto à informante norte-americana, conforme relato. Já no caso de
culturas com características mais monocrônicas, como a norte-americana, cada
coisa deve ser realizada a seu tempo, sem se misturarem, e os horários devem
ser respeitados.
A tabela a seguir, extraída de Victor (1992), explica melhor essa divisão
classificatória das culturas em relação ao tempo formulada por Hall, que se
considerou importante de ser reproduzida nessa parte do trabalho a fim de
melhor compará-la com os resultados obtidos na pesquisa de campo quanto a
essa questão do tempo em diferentes culturas:
Quadro 8: Culturas monocrônicas e policrônicas
Cultura monocrônica Cultura policrônica
Relações interpessoais
As relões pessoais ficam
subordinadas aos
compromisos presentes
Os compromisos
presentes ficam
subordinados às relões
pessoais
Coordenação das
atividades
Os compromisos
coordenam as atividades e
a marcação de horários é
rígida.
As relões pessoais
coordenam as atividades e
a marcação de horários é
flexível.
Execução de tarefas
Uma tarefa de cada vez. Muitas tarefas podem ser
realizadas
simultaneamente.
Folgas e tempo pessoal Folgas e tempo pessoal
são sacrossantos, não
sendo interrompidos para
atender a nada,
independente de haver
relações pessoais
envolvidas.
Folgas e tempo pessoal
estão subordinados a
relações pessoais.
Estrutura temporal
O tempo é inflexível e
tangível.
O tempo é flexível e fluido.
145
Separação entre tempo
para trabalho e para
compromisos pessoais
O tempo para o trabalho é
rigorosamente separado
do tempo para
compromissos pessoais.
O tempo para o trabalho
não é rigorosamente
separado do tempo para
compromissos pessoais.
Percepção
organizacional
As atividades são isoladas
da organização como um
todo; tarefas mensuradas
pela produção por período
de tempo (atividade por
hora ou minuto).
As atividades são
integradas na organização
como um todo; tarefas
mensuradas como parte
da totalidade dos objetivos
da organização.
Fonte: Victor (1992), p. 234.
Tal conceituação de Hall aproxima-se da de Trompenaars (1994) para a
classificação das culturas quanto a sua orientação em relação ao tempo.
Embora já se tenha discutido esse autor e seus estudos acerca das diferenças
culturais no item 2.1.2.3, considerou-se importante também deixar a explicitação
dessa tabela para esse momento, onde podemos compará-la com o quadro de
Hall e também com os resultados da pesquisa prática:
Quadro 9:
Como reconhecer a orientação em relação ao tempo
Seqüencial Sincrônica
1. Executa apenas uma tarefa de
cada vez.
1. Executa mais de uma atividade ao
mesmo tempo.
2. O tempo é dimensionável e
mensurável.
2. Os compromissos são aproximados e
sujeitos ao “tempo dedicado” a outros
assuntos significativos.
3. Mantém os compromissos de
forma rígida; programa com
antecedência e não se atrasa.
3. Os cronogramas geralmente são
subordinados às relações.
146
4. As relações geralmente são
subordinadas ao cronograma.
4. Forte preferência para seguir o que
ditam as relações.
5. Forte preferência por seguir os
planos iniciais.
-
Fonte: Trompenaars (1994), p. 127.
Portanto, é possível perceber pela descrição das tabelas e pelos
depoimentos das informantes que o Brasil parece se aproximar mais do que Hall
(1969) chamou de “cultura policrônica” e possuir uma orientação em relação ao
tempo sincrônica, conforme a classificação de Trompenaars (1994). Os Estados
Unidos, pelo mesmo raciocínio, seriam uma “cultura monocrônica” e dotada de
uma orientação em relação ao tempo seqüencial.
Foi interessante constatar no trabalho de campo a ocorrência desses
fenômenos já narrados pela literatura, o que representou uma evidência acerca
das diferenças culturais, nesse caso sob o aspecto do tempo, aspecto esse que
norteia nossas relações e pensamentos sobre o mundo e as pessoas a nosso
redor. Mais especificamente em relação aos anúncios, nas menções ao anúncio
da Brastemp constante do anexo A, por exemplo, percebe-se como o fator
tempo é específico e causa estranhamento na outra cultura conforme o modo
como é tratado. Tanto as norte-americanas quanto as brasileiras que conheciam
a cultura norte-americana, comentaram que num anúncio dos EUA a mulher do
anúncio não deveria estar nessa posição ociosa de mascar um chiclete, mas sim
estar usando o tempo poupado com a lavadora realizando algo mais “útil e
produtivo”.
Assim, percebe-se como um fator cultural, no caso o tempo, pode influir
147
na compreensão e absorção do anúncio pela mulher de uma cultura diferente. O
que, no caso do anúncio da Brastemp, para a mulher brasileira, representa o
ideal de uma lavadora, que permite momentos de relaxamento ao invés de
trabalho com as roupas, para uma mulher norte-americana pode representar
uma verdadeira afronta a seus ideais, segundo os quais essa mulher, tendo
poupado tempo com a ajuda da lavadora, já deveria estar se dedicando à outra
atividade mais produtiva. Portanto, o mesmo anúncio que numa cultura pode
ser bem aceito e ser responsável pelo aumento das vendas de determinado
produto ou serviço, que em outra cultura pode causar enorme estranhamento e
assim não atingir seus objetivos de promoção do bem ou serviço em questão.
A seguir outro aspecto encontrado como diferente nas duas culturas
através da observação das culturas e dos depoimentos é abordado.
5.2 AFETIVIDADE E CONTATO FÍSICO
Foi reconhecido, tanto pelas informantes brasileiras quanto pelas norte-
americanas, que as relações pessoais e profissionais no Brasil são mais abertas
e íntimas que nos Estados Unidos. O contato físico e a afetividade também
foram considerados bem maiores no Brasil por ambos os grupos.
Algumas norte-americanas se assustaram com essa maior intimidade,
assim como algumas brasileiras se chocaram com o que chamaram de “frieza
do norte-americano”. Consideravam certos assuntos e atitudes uma verdadeira
invasão de privacidade por parte das pessoas. Outro grupo de norte-
americanas, no entanto, aprendeu a se adaptar e passou até a tentar levar um
pouco desta maior afetividade para seus parentes nos Estados Unidos.
148
De fato, segundo Da Matta (1987), a privacidade é um dos pilares a serem
respeitados pela sociedade norte-americana. Por outro lado, o mesmo autor
aponta a cultura brasileira como altamente relacional, onde a amizade, a relação
contam mais que tudo. Trompenaars (1994), cujo objetivo do estudo já foi revisto
no item 2.1.2.3, por sua vez, identifica fatores ligados a essa questão da
afetividade e do contato físico em duas de suas classificações, nos quadros a
seguir explicitadas:
Quadro 10: Como reconhecer as diferenças
[entre culturas neutras e afetivas]
Neutra Afetiva
1. Não revelam o que estão pensando
ou sentindo.
1. Revela pensamentos e
sentimentos verbalmente e não-
verbalmente.
2. Podem (sem querer) revelar tensão
no rosto e postura.
2. Transparência e expressividade
liberam as tensões.
3. As emoções muitas vezes reprimidas
ocasionalmente explodem.
3. As emoções fluem facilmente,
efusivamente, veementemente e sem
inibição.
4. A conduta fria e tranqüila é admirada.
4. Manifestações acalorada, vitais e
animadas são admiradas.
5. Contato físico, gestos ou expressões
faciais fortes são muitas vezes
considerados tabus.
5. Toques, gestos e expressões
faciais fortes são comuns.
6. As frases são muitas vezes expressas
de forma monótona.
6. As frases são declamadas fluente
e dramaticamente.
Fonte: Trompenaars, 1994, p. 72.
149
Neste primeiro quadro, já se percebe similaridades aos resultados
encontrados nas entrevistas e anúncios. As brasileiras estão acostumadas e se
sentem mais confortáveis com manifestações públicas de carinho, sendo
portanto essas mais freqüentes na publicidade brasileira. Já nos EUA, essas
manifestações seriam mais veladas, o povo norte-americano seria considerado
mais “frio”. Contrapondo o quadro com os resultados da pesquisa, portanto, a
cultura norte-americana seria mais neutra e a brasileira mais afetiva. Um outro
aspecto que envolve as questão das relações também foi identificada por
Trompenaars, o que é sintetizado no quadro abaixo:
Quadro 11: Como reconhecer as diferenças
[entre culturas universalistas e
particularistas]
Universalista Particularista
1. Concentra-se mais nas regras do
que nos relacionamentos.
1. Concentra-se mais nos
relacionamentos do que nas regras.
2. Os contratos legais são
prontamente redigidos.
2. Os contratos legais são prontamente
modificados.
3. Uma pessoa de confiança é aquela
que honra sua palavra ou contrato.
3. Uma pessoa de confiança é aquela
que honra a reciprocidade em
mudanças.
4. Há apenas uma verdade ou
realidade – aquela que foi acordada.
4. Há várias perspectivas de realidade
relativas a cada participante.
5. Trato é trato. 5. Os relacionamentos evoluem.
Fonte: Trompenaars, 1994, p. 46.
150
De acordo com essa classificação de Trompenaars, aliada aos
depoimentos das brasileiras e norte-americanas, pressupõe-se que a cultura
norte-americana seja e universalista que a cultura brasileira, que seria mais
particularista. No Brasil, uma maior importância seria dada às relações, que
serviriam como fator de flexibilização dos acordos. Já nos Estados Unidos, os
contratos e combinações seriam mais inflexíveis.
Hall (1969), como visto no item 2.1.2.1, identifica o modo pelo qual a
amizade é expressa como um dos componentes “silenciosos” que compõem a
cultura. Para o autor, cada cultura necessitaria de um determinado espaço entre
as pessoas e o que se identifica nas entrevistas é que as norte-americanas
parecem precisar de um espaço maior que as brasileiras. Em muitas culturas,
uma pessoa é valorizada não pelos bens materiais que tem, mas pela sua rede
de relacionamentos. Segundo o autor, nessas culturas as amizades são mais
afetivas e duradoras. Nos Estados Unidos, por outro lado, Hall percebe que os
laços de amizade são bastante transitórios. Finalmente, o já citado estudo de
Graham (1985) sugere que os executivos
42
brasileiros falam e se tocam mais
durante as negociações de trabalho.
Dessa forma, no que tange à afetividade e o contato físico, Brasil e
Estados Unidos parecem diferir bastante em suas posturas. As informantes
puderam comentar, inclusive através da observação dos anúncios selecionados,
que os anúncios brasileiros refletem o aspecto mais aberto e afetuoso da cultura
brasileira, o queera comentado na literatura.
Durante o próprio processo da entrevista, bem como por observações
42
No caso do estudo o foco eram executivos brasileiros, norte-americanos e japoneses.
151
prévias da autora dessa tese, ficou visível a diferença na postura e nos limites
que as diferenças culturas impõem às relações e ao grau de abertura de suas
vidas que deve ser dado. Nas entrevistas, por exemplo, o tempo médio das
entrevistas das brasileiras foi de cerca de 1 hora, enquanto que os das norte-
americanas foi de meia hora. As norte-americanas desejam em geral ir direto ao
ponto, enquanto que muitas vezes com as brasileiras acabava-se por travar uma
verdadeira conversa entre amigas (embora fosse o primeiro encontro), com
muitos aspectos que as norte-americanas poderiam considerar de cunho
particular sendo revelados. O próprio fato de no Brasil a forma de cumprimento
mais difundida serem os beijinhos (um, dois ou três conforme a região) e de nos
Estados Unidos a preferência ser pelo aperto de mão já reflete também muito
desse aspecto das relações e do contato físico.
A seguir, são comentadas as evidências que se obteve nessa pesquisa
acerca da questão do alto e baixo contexto, formulada por Hall (1976).
5.3 ALTO CONTEXTO X BAIXO CONTEXTO
Através das entrevistas foi percebida diferença na preferência por tipo de
anúncios no que diz respeito ao volume de informações que deveriam neles
estar contidas. Enquanto as norte-americanas desejavam que todas as
informações relevantes sobre o produto estivessem expostas na peça
publicitária, as brasileiras davam mais preferência a anúncios bonitos,
ocasionalmente com personalidades famosas e que dissessem em poucas
palavras a mensagem principal que queriam passar.
152
Muitas informantes norte-americanas assumiram que, ao selecionarem um
produto para comprar nas prateleiras, costumam inclusive ler rótulos. Mostram-
se também mais interessadas, no pós-compra, na leitura de instruções de como
usar e bulas de remédio em sua integralidade. As mesmas notam como em
anúncios brasileiros o produto às vezes nem aparece, ou está limitado a um
pequeno espaço. Isso as incomoda. Elas querem ver a embalagem, o produto e
muitas informações sobre suas características e benefícios prometidos.
Adicionalmente, as norte-americanas não conseguem entender porque a
publicidade brasileira usa tantas modelos e personalidades famosas para vender
o produto, quando o que importa para elas é entender o que é esse produto,
para que serve e quais são os resultados esperados.
Por sua vez, as brasileiras consideraram muitos dos anúncios norte-
americanos como cansativos, com muitas palavras e pouca emoção. As
informantes desta nacionalidade vêem o anúncio de revista quase que como
uma obra de arte, devendo este portanto ser belo e mexer com as emoções.
Havendo uma personalidade famosa, melhor ainda, pois em geral nela
enxergam um padrão de beleza e estilo a ser seguido, o que só vem a reforçar a
positividade do anúncio.
Estas observações possuem correspondência com o pensamento de Hall
(1976) e do que chamou de culturas de alto contexto e culturas de baixo
contexto, conforme já visto no item 2.1.2.1. Tal conceituação é bastante
utilizada, inclusive no que diz respeito à comunicação de massa, o que é o caso
do presente estudo.
Relembrando, Hall realiza essa classificação se referindo ao modo como a
informação é transmitida, comunicada. Segundo ele, toda a “transação
153
informacional” pode ser conceituada como de alto, baixo e ainda de médio
contexto:
Transões de alto contexto são dotadas de informões pré-
programadas que estão no receptor e no contexto e assim
apenas o mínimo de informão é transmitida na mensagem em
si. Transações de baixo contexto são o contrário. A maior parte
das informões precisam estar contidas na mensagem
transmitida a fim de preencher a lacuna perdida no contexto.
(Hall, 1976, p.101
43
)
Assim, embora Hall reconheça não ser esse o único fator que diferencia
um tipo de comunicação de outro, a questão do alto ou baixo contexto parece
representar um importante papel nas dificuldades que uma pessoa de uma
cultura pode ter em assimilar e se satisfazer com uma peça de comunicação
elaborada por uma pessoa de outra cultura, conforme reforçaram posteriormente
estudos sobre publicidade como os de Biswas, Olsen e Carlet (1992), de Lin
(1993), de Mueller (1987) e de Al-Olayan e Karande (2000). Tais estudos
buscaram comprovar que a quantidade de informação veiculada na publicidade
de culturas de alto contexto é menor que em culturas de baixo contexto.
Conceituação complementar realizou Trompenaars (1994), ao dividir as
culturas em específicas e difusas, conforme visto no item 2.1.2.3. Enquanto nas
culturas específicas o objetivo é se falar apenas sobre o que interessa, nas
culturas difusas assuntos paralelos poderiam ser abordados. No quadro a
seguir, Trompenaars (1994, p. 91) expõe as principais diferenças entre culturas
difusas e específicas:
43
Tradução nossa.
154
Quadro 12:
Como reconhecer as diferenças
[entre culturas específicas e
difusas]
Especificidade Difusão
1. Direto ao ponto, objetivo no
trato.
1. Indireto, usa de rodeios e adota
formas aparentemente “sem objetivo”
de tratar.
2. Preciso, direto e transparente.
2. Evasivo, diplomático, ambíguo, até
mesmo opaco.
3. Princípios e moral coerente são
independentes da pessoa com a
qual se trata.
3. Moralidade altamente
circunstanciada, dependendo da
pessoa e do contexto encontrado.
Assim, segundo essas classificações, agregadas dos discursos coletados
nas entrevistas, pode-se dizer que os Estados Unidos seriam uma cultura de
baixo contexto e específica, enquanto que o Brasil seria do grupo das culturas
de alto contexto e difusa, de acordo com a classificação de Hall (1976) e de
Trompenaars (1994), respectivamente.
De fato, no Brasil o contexto é importante, o histórico dos acontecimentos
e das relações funcionam como importantes elementos no momento do
encontro, da transação. Já nos EUA, é importante que cada mensagem seja
bastante clara e precisa, explicitando todos os detalhes e possibilidades. É como
se os norte-americanos fossem daquelas pessoas que lêem toda a bula do
remédio que consomem, enquanto que o brasileiro prefere acreditar na
indicação de seu médico (ou amigo) de confiança.
155
O último item desse capítulo, que vem a seguir, trata de sintetizar a
questão-chave dessa tese, que é o objetivo de detectar o quão global ou local se
demonstra a comunicação midiática. Mais especificamente, busca-se entender
se há uma globalização significativa na publicidade ou se fatores locais ainda
devem ser levados em conta.
5.4 O GLOBAL E O LOCAL NOS ANÚNCIOS
Todas as informantes, independente da nacionalidade, reconheceram que
para alguns produtos a abordagem poderia ser universal, mas em outros casos
os aspectos locais não poderiam ser desprezados. Assim, haveria uma dose de
massificação na comunicação global, mas essa não se mostraria e nem poderia
ser absoluta, sob o risco dos anúncios não serem bem aceitos.
As principais diferenças observadas tanto nos anúncios mostrados às
informantes quanto em suas observações cotidianas relatadas se encontram
organizadas no quadro a seguir
44
:
44
Embora essa tabela seja descritiva, considerou-se importante deixá-la para esse capítulo,
pois representa importante fonte de referência dos principais resultados obtidos com essa
pesquisa, a serem aqui interpretados.
156
Quadro 13:
Principais diferenças relatadas pelas informantes entre anúncios
brasileiros e norte-americanos
Brasil EUA
Mais sensualidade e exposição
do corpo
Menos sensualidade e exposição do corpo
Menor preocupação em expor
as diversas etnias
Maior preocupação em expor as diversas etnias
Mais posturas de ócio e lazer Mais posturas ativas e ligadas ao trabalho
Produto com menor destaque Produto com grande destaque
Menos informões sobre o
produto explicitadas
Mais informações sobre o produto explicitadas
Layout específico da cultura Layout específico da cultura
Mais uso de modelos e
personalidades famosas
Mais anúncios sem uso de modelos ou
personalidades famosas, expondo apenas o produto
Dona de casa tradicional ainda
aparece
Mulher sempre buscando praticidade no lar
Família mais valorizada
Família aparecendo menos e sendo menos
mencionada
Anúncio como obra de arte Anúncio como peça informativa
Fonte:Elaborado pela autora.
Desta forma, a análise dos discursos das informantes de ambas as
nacionalidades caminhou naturalmente para uma série de temas que foram
espontaneamente mencionados por ambas as culturas, sendo expostos seus
diferentes pontos de vista sobre tais assuntos, conforme exposto no quadro 13.
O primeiro tema diferencial foi a questão do corpo e da nudez. A percepção
unânime, tanto entre brasileiras quanto entre norte-americanas, foi de que nos
157
anúncios brasileiros há menos pudor na exposição do corpo e da sensualidade
da mulher, enquanto que nos EUA os anúncios se mostrariam, em geral,
comparativamente mais recatados. Um segundo ponto de estranhamento entre
as culturas que pôde ser detectado através dos anúncios observados foi o fato
de que nos Estados Unidos parece haver um auto-policiamento constante a fim
de se verificar se todas as etnias estão sendo abordadas, possuindo portanto
um tom mais politicamente correto, o que não parece ser uma preocupação na
publicidade brasileira, onde os brancos estampariam a predominância dos
anúncios.
Como terceiro tema detectado encontra-se o fato de que o trabalho seria
mais exaltado nas peças publicitárias dos Estados Unidos, enquanto que no
Brasil a preferência seria em se retratar situações ligadas ao lazer e ao ócio.
Outras questões críticas percebidas foram as envolvendo o fato de que os
anúncios brasileiros valorizam mais a imagem do modelo, a arte do anúncio, do
que as palavras, as informações sobre o produto, o que já não agradaria ao
consumidor norte-americano. O layout geral do anúncio também seria variável
conforme a cultura, segundo a percepção das entrevistadas.
A postura da dona de casa tradicional também parece ser melhor aceita
na publicidade brasileira, segundo as informantes, enquanto que a praticidade
seria mais freqüentemente ressaltada nos anúncios dos Estados Unidos. A
família também aparentemente mereceria mais espaço nas peças publicitárias
brasileiras. Finalmente, um último tema percebido pelas informantes desta
pesquisa foi o de que o anúncio brasileiro é visto mais como uma verdadeira
obra de arte, enquanto que o intuito do anúncio dos Estados Unidos seria o de
ser uma peça informativa, quase que com um intuito jornalístico de informar.
158
Portanto, por todos esses resultados acima sintetizados, considerou-se
importante deixar esse quadro para o final pois nele é possível visualizar que as
informantes (bem como algumas evidências dos anúncios coletados) não
admitem uma padronização total dos anúncios a nível global, ao mesmo tempo
em que se sentem confortáveis com diversos anúncios produzidos na outra
cultura. Portanto, o global e o local estariam ambos presentes na publicidade
que retrata a mulher em cada país.
Desse modo, a empresa ou publicitário interessados em vender produtos
para outra cultura devem estar atentos a essa questão. Ou seja, em alguns
casos anúncios produzidos em outras culturas são bem aceitos, quando não se
chocarem com valores específicos e distintos da cultura onde a peça publicitária
será veiculada. Já apresentando conceitos conflitantes, há que se adaptar para
uma peça que não choque a cultura e que ao mesmo tempo seja atrativa para
esta.
No capítulo a seguir as conclusões acerca dos resultados obtidos e suas
interpretações são realizadas e posteriormente são feitas sugestões para
pesquisas futuras em campo correlatos.
159
6 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS PARA PESQUISAS FUTURAS
A partir de um trabalho de revisão de literatura que tratasse de temas
correlatos à questão do papel da mulher na publicidade e suas diferenças
conforme a cultura, seguido de um trabalho de pesquisa de campo, o presente
estudo procurou responder à seguinte questão:
“Os anúncios publicitários voltados para o público feminino seguem um
padrão global ou guiam-se por especificidades de cada cultura, no caso
específico do Brasil e Estados Unidos?
Para obter resposta a tal questão foram elaboradas perguntas
intermediárias que são desenvolvidas a seguir: “Como a mulher é retratada nos
anúncios brasileiros?” E “Como a mulher é retratada nos anúncios norte-
americanos?”. A fim de responder às duas questões de pesquisa acima,
realizou-se uma coleta de dados em revistas norte-americanas e brasileiras
durante um ano, sendo realizada em cima dos anúncios assim obtidos uma
classificação a fim de melhor compreender o perfil dos anúncios voltados para o
público feminino em ambos os países. Desse modo, foi realizada uma
classificação de todos os anúncios encontrados nas seis revistas femininas de
maior circulação no Brasil e nos Estados Unidos colecionadas por um ano – três
brasileiras e três norte-americanas.
Como resultado desta parte do estudo, o padrão dos anúncios mostrou-se
semelhante nas revistas de ambos os países, sendo perceptível apenas que no
Brasil era mais comum haver anúncios voltados também para os filhos, para o
160
marido, para ambos os sexos e produtos para o lar, o que poderia revelar uma
maior segmentação do mercado nos EUA, onde tais anúncios poderiam estar
sendo veiculados em revistas mais direcionadas a tais interesses. Quanto ao
tipo de mulher representada, os percentuais foram parecidos para as duas
culturas, sendo em ambos a mulher mais freqüentemente retratada aquela que
refletisse padrões de beleza, juventude e moda.
A última questão intermediária foi a seguinte: “Brasileiras e norte-
americanas se identificam igualmente com os anúncios publicitários dos dois
países ou percebem diferenças?”. Para responder a essa outra pergunta de
pesquisa, o agrupamento de anúncios mencionado acima serviu como base
para se implementar a pesquisa de campo em si, que correspondeu a
entrevistas em profundidade com representantes do público-alvo desses
anúncios nos dois países em análise, Brasil e Estados Unidos. Na coleta e
interpretação dos discursos foram utilizados instrumentos da etnografia.
Com esses resultados em mãos, foi possível obter importantes insights
acerca da questão, observando-se que nem o global e nem o local prevalecem,
devendo ser harmonizados no discurso publicitário a fim de se obter um melhor
resultado e se atingir cada cultura da forma mais abrangente possível.
Ao final desse estudo, após a realização do trabalho de revisão
bibliográfica, da coleta e classificação dos anúncios e da realização e análise
das entrevistas, é possível chegar a algumas conclusões importantes, que
respondem à pergunta de pesquisa explicitada no início desse capítulo.
Procurou-se entender aqui quais seriam os valores e conceitos presentes na
mente de mulheres de nacionalidade brasileira e norte-americana ao serem
expostas a anúncios publicitários voltados para o público feminino tanto de sua
161
cultura quanto da cultura alheia, no caso, Brasil e Estados Unidos. Assim, foi
detectada uma necessidade de convivência entre o global e o local. Para os tópicos
mais conflitantes, como os enumerados no quadro 13, seria interessante uma maior
customização conforme a cultura a ser exposta ao anúncio, ao passo que em outros
casos é admitida uma uniformidade no discurso e apresentação da peça publicitária,
independente do país de origem.
A noção de glocalização de Robertson (1995) pode ser percebida nos
resultados desta pesquisa. O global pode estar presente em muitos anúncios,
mas as especificidades culturais não podem ser desprezadas. E se a empresa
anunciante não faz esse movimento, esse acaba sendo feito pelos próprios
“locais”, que interpretam o discurso do anúncio conforme sua cultura. Assim, o
global parece implementar-se, de uma forma ou de outra, levando em
consideração os parâmetros locais, o que configura justamente o que Robertson
chamou de glocalização. Desse modo, conforme indica esse pesquisador
juntamente com White (ROBERTSON e WHITE, 2003), de fato a indústria
cultural se mostra um dos espaços onde melhor se observa essa tensão entre o
global e o local.
Os resultados desse trabalho também condizem com a tese de
Featherstone (1995), que não nega a ocorrência de uma cultura global –
refletida especialmente em alguns anúncios que as informantes de ambas as
nacionalidades admitiram ser bem aceitos em ambos os países, citando
recorrentemente como exemplo as peças publicitárias da L’Óréal - , mas sem
desprezar a força que possuem as culturas locais, que exigem adaptações em
muitas peças publicitárias.
Por outro lado, os diversos comentários que demonstraram haver uma
162
unidade em muitos dos anúncios e em seu tipo e freqüência - esses dois últimos
dados obtidos através da classificação anterior às entrevistas -, independente do
país de origem, e o fato de que, quando mostrados certos anúncios, a
informante não sabia determinar de que nacionalidade seriam não fosse a
diferença no idioma, condizem com o pensamento de Canclini (1996) e de
Bauman (1999), que percebem em diversos aspectos uma tendência à
globalização do discurso publicitário.
Ou seja, os anúncios coletados antevêem uma globalização, se
observarmos suas semelhanças de configuração através dos gráficos expostos
no item 4.1, durante a análise gráfica. Já quando se partiu para a análise
qualitativa, nas entrevistas ficou destacada predominantemente a importância de
se lidar com as diferenças locais. Portanto, a mídia pode tentar fazer um
discurso global, mas a interpretação varia conforme a cultura, sendo cada
anúncio negociado na esfera social.
Vale frisar que há a consciência de que esse é um estudo exploratório,
não tendo como objetivo generalizar os resultados daqui advindos. Por outro
lado, tais resultados podem servir como um incentivo para pesquisas futuras e
complementares que possam vir a complementar e confirmar tais conclusões.
Conforme colocam Wiles, Wiles e Tjernlund (2005), mesmo que nesses estudos
que avaliam as diferenças culturais entre os anúncios que são direcionados à
mulher possam vir a ser detectadas apenas diferenças sutis entre os países,
estes esforços de pesquisa são muito importantes para os estrategistas de
publicidade internacional. Dada a escassez de pesquisas na área, todo avanço é
um grande passo, sempre muito bem-vindo.
Como recomendação de pesquisas complementares a essa, pode-se
163
propor a elaboração do mesmo estudo, com o uso da mesma metodologia, para
o estudo de anúncios publicitários voltados para o público masculino. Outra
importante derivação desse estudo seria estudar e confrontar outras culturas.
Desta forma, como o objetivo seria falar de cultura de um modo geral e
investigar a existência de um movimento global, quanto mais países fizerem
parte desta amostra, mais as conclusões poderão ser consolidadas e validadas.
O estudo de outras mídias, como anúncios de TV, de jornal, de cinema,
outdoors etc. também teriam seu valor, a fim de se detectar se aí também as
conclusões são semelhantes. Adicionalmente, podem ser realizados estudos na
mesma linha fazendo-se uso de outros métodos, numa linha mais quantitativa do
que qualitativa, por exemplo. Desse modo, podem ser utilizados questionários
para se obter informações de um número maior de pessoas. A partir daí, pode-
se fazer uso de meios estatísticos para se traçar tendências. Ou,
alternativamente, também pode ser feita uma análise de conteúdo dos anúncios.
Um estudo na mesma linha também pode focar apenas em um tipo de
anúncio conforme o produto ou conforme o tipo de mulher retratada, de acordo
com as classificações aqui realizadas ou classificações advindas de algum outro
estudo anterior. Finalmente, pode ser implementada uma análise que
acompanhe os anúncios ao longo do tempo, sendo mostradas tais peças
publicitárias de diferentes anos às informantes a fim de identificar como
perceberam as mudanças.
Certamente há outras possibilidades de estudos semelhantes que aqui
não foram citados. Conforme exposto, esse campo é carente de estudos e,
portanto, as possibilidades são inúmeras.
Por fim, como recomendação para empresas e agências de publicidade,
164
através desta pesquisa exploratória conclui-se que os casos devem ser
analisados um por um antes de se optar por uma estratégia universal ou
específica ao se desejar lançar uma campanha publicitária para vários países.
De fato, em certos casos, como aqui foram citadas pelas informantes as
campanhas da Dove e da L’Oréal contemporâneas ao período desse estudo (e
mesmo um pouco anteriores, segundo sua lembrança), as campanhas globais
parecem bem aceitas, já em outros inúmeros casos como os citados, há que se
fazer adaptações para que o anúncio, e conseqüentemente o produto em
questão, seja bem absorvido pelo mercado consumidor de cada cultura.
As agências de publicidade, ao criarem os anúncios, e as empresas, ao
aprovarem tais campanhas, devem ter em mente as especificidades culturais
que possam ser se algum modo atingidas pela veiculação da propaganda. Como
foi visto, se isso for bem trabalhado, pode causar um impacto altamente positivo
nos consumidores. Já se tais especificidades não forem levadas em
consideração, as campanhas podem causar choque ou mesmo repulsa pelo
anúncio ou pelo próprio produto.
E assim essa pesquisa é finalizada, com a certeza de ser esse um
trabalho exploratório, em um campo de pesquisa que ainda tem muito a ser
explorado. A importância de mais trabalhos nessa linha parece ter ficado ainda
mais evidente ao final desse trabalho, onde foi sugerido haver sim diferenças na
recepção dos anúncios conforme a cultura de origem das pessoas. Por outro
lado, ficou evidente também o quanto sobre uma cultura podem revelar os seus
anúncios, que podem de fato vir a ser reflexos de toda uma sociedade e dos
valores que carrega.
165
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176
APÊNDICE
Roteiro geral das entrevistas
Nome:
Idade:
Profissão:
Indagar sobre se percebe diferenças entre viver no Brasil e nos EUA e
quais são elas.
Debater a questão da mídia e seus anúncios e se a entrevistada se sente
influenciada por estes.
Mostrar os anúncios selecionados do país de origem da informante e
perguntar se ela se sente retratada naquelas peças.
Mostrar os anúncios selecionados do outro país e questionar se elas
percebem diferenças na abordagem de acordo com a nacionalidade do
anúncio.
177
ANEXOS
178
ANEXO A - Exemplos de anúncios conforme classificação
Nas páginas seguintes é dado um exemplo de anúncio encontrado em
cada cultura para determinada classificação. Obviamente que o exemplo dado
em uma das duas classificações também sofreu outra qualificação na outra, mas
eles serão aqui usados para estressar cada qual um tipo de qualificação, a fim
de melhorar a compreensão da análise dos dados.
Foi considerada importante a exposição de tais peças publicitárias a fim
de tornar mais tangível o trabalho de observação e classificação dos anúncios
brasileiros e norte-americanos da amostra coletada. Além disso, considerou-se
importante poder visualizar os anúncios, especialmente os que foram
especificamente citados pelas informantes no momento das entrevistas.
179
1. Quanto ao produto ou serviço anunciado
a. produto de saúde e beleza: aí se incluem perfumes, maquiagem,
produtos emagrecedores, xampus, sabonetes, dentre outros:
Brasil:
180
EUA:
181
b. produto para o lar: alimentos, eletrodomésticos, produtos de limpeza,
cama, mesa e banho, dentre outros:
Brasil:
182
EUA:
183
c. produto para os filhos ou marido:
Brasil:
EUA:
Nenhum registro encontrado.
184
d. produto para ambos os sexos: carro, eletrônicos, bebidas, banco,
produtos esportivos, bebidas, planos de saúde, viagens,
entretenimento, cigarro (no caso americano):
Brasil:
185
EUA:
186
e. vestuário, relógio e jóias:
Brasil:
187
EUA:
188
2. Quanto ao tipo de mulher representada, levando em consideração a
característica mais marcante
a. mulher independente, moderna e/ou que trabalha fora:
Brasil:
189
EUA:
190
b. dona-de-casa sem que fosse destacado a praticidade do produto anunciado
e, portanto, não caracterizando uma dona-de-casa necessariamente
moderna e em busca de soluções mais rápidas e práticas:
Brasil:
EUA:
Nenhum registro encontrado.
191
c. dona-de-casa moderna:
Brasil:
192
EUA:
193
d. mulher sensual:
Brasil:
194
EUA:
195
e. mulher bela, jovem e/ou em forma:
Brasil:
196
EUA:
197
f. mãe:
Brasil:
198
EUA:
199
g. namorada, esposa ou romântica:
Brasil:
200
EUA:
201
h. na moda:
Brasil:
202
EUA:
203
i. esportiva:
Brasil:
Nenhum registro encontrado.
EUA:
204
j. masculinizada:
Brasil:
EUA:
Nenhum registro encontrado.
205
k. não se aplica: propagandas com homens, crianças, animais, imagens ou com
uma mulher sem característica marcante:
Brasil:
206
EUA:
207
ANEXO B – Imagem do Brasil em anúncio norte-americano
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