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Diego Pautasso
Diego Pautasso
A CHINA NA TRANSIÇÃO DO SISTEMA MUNDIAL:
A CHINA NA TRANSIÇÃO DO SISTEMA MUNDIAL:
SUAS
SUAS
RELAÇÕES
RELAÇÕES
COM
COM
EUA
EUA
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Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.
Área de Concentração: Política Internacional
Orientador: Prof. Marco Aurélio Chaves Cepik
Porto Alegre
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS
2006
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Dissertação defendida e aprovada, em 08 de dezembro de 2006, pela banca examinadora
constituída pelos professores:
_____________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Gilberto Fagundes Vizentini (PPGCP/UFRGS)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi (PPGCP/UFRGS)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Aldomar Rückert (PPGGeo/UFRGS)
2
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, primeiramente, ao prof. Marco Cepik, meu grande
mestre orientador da dissertação que, além de todo apoio fornecido, contribuiu com o
rigor teórico na pesquisa acadêmica. Não poderia me esquecer das pessoas que
contribuíram na minha formação acadêmica: o prof. Álvaro Heidrich, orientador de
iniciação científica da graduação em Geografia (UFRGS), que me ensinou as primeiras
noções em ciência, e o prof. Paulo Vizentini, com quem obtive parte importante da minha
formação e que continua a servir de referência como pesquisador na área de política
internacional. Sou muito grato ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política desta
Universidade.
Não poderia me esquecer do meu orientador de prática de ensino, prof.
Antônio Castrogiovanni, que me transmitiu o profissionalismo e a dedicação à educação,
e aos meus alunos do CMPA e do Clube de Cultura, sempre dispostos a discutir,
suscitando-me novas reflexões.
Agradeço também ao Elias Jabbour, companheiro que me deu apoio na
dissertação e que me inspira nos estudos sobre desenvolvimento nacional e socialismo na
periferia do sistema mundial, especialmente sobre a experiência chinesa, e ao José
Miguel Martins, colega com quem debati a ascensão da China e o rearranjo de forças na
região.
Por fim, agradeço ao William Papi, amigo com o qual sempre pude contar,
compartilhando minhas inquietações teóricas e políticas; à minha namorada, Andréa
Milán, que esteve comigo ao longo da minha formação na graduação e no mestrado,
dando todo incentivo e apoio; e à minha família, meu pai Mauro, minha mãe Vera e meu
irmão Giovanni, que me deram todo o suporte necessário para que eu chegasse até aqui.
3
EPÍGRAFE
À imagem das sociedades ocidentais, a maioria dos
intelectuais já não consegue enxergar claramente no
espelho do futuro. Parece que se deixaram invadir
pelo desassossego, intimidados pelo choque das
novas tecnologias, perturbados pela mundialização
da economia, preocupados pela degradação do meio
ambiente, desconfiados em relação às grandes
instituições estatais (parlamento, justiça, polícia,
escola, medicina, mídia) e, enfim, consideravelmente
desmoralizados por uma corrupção proliferante
que está gangrenando tudo [...] O horizonte da esperança
parece ter recuado a tal ponto que raros são os
intelectuais que percebem o nascimento de novos
sonhos coletivos
Ramonet, Ignacio. Geopolítica do Caos. 1998
4
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... p. 10
1 - O DESENVOLVIMENTO CHINÊS: AS BASES DO PODER ........................................................ p. 15
1.1 Da incorporação subordinada à reconstrução nacional .......................................... p. 16
1.2 A reorientação e desafios do desenvolvimento: subindo a escada? ....................... p. 22
1.3 A inserção chinesa e a “asianização” da Ásia ........................................................ p. 37
2 - A CHINA E OS EUA: ENTRE A COOPERAÇÃO E O CONFLITO ........................................... p. 46
2.1 Do isolamento diplomático à aliança sino-americana ............................................ p. 47
2.2 A projeção chinesa e os desafios geoestratégicos com os EUA ............................. p. 52
3 - A CHINA E A ÍNDIA: REORIENTAÇÃO DAS RELAÇÕES BILATERAIS ..................................... p. 65
3.1 Os conflitos da Guerra Fria .................................................................................... p. 66
3.2 A reaproximação e a redefinição das alianças ....................................................... p. 73
4 - A DINÂMICA TRIANGULAR: REORDENAMENTO DE PODER E CENÁRIOS ............................... p. 82
4.1 O reordenamento mundial e o papel da China-Ásia-Pacífico ................................ p. 83
4.2 Alguns cenários possíveis ...................................................................................... p. 94
4.2.1 A troca das alianças ............................................................................................. p. 95
4.2.2 O triângulo estratégico e o isolamento dos EUA .............................................. p. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. p. 109
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... p. 117
5
ÍNDICE DE TABELAS, MAPAS E ESQUEMAS
Tabela 1 – Relação IED/PIB na China ........................................................................ p. 20
Tabela 2 – Crescimento econômico das províncias do interior chinês (2000-2003) .. p. 24
Tabela 3 – Taxa de crescimento real do salário médio na China ................................ p. 25
Tabela 4 – Evolução do PIB per capita na China ........................................................ p. 26
Tabela 5 – Relação Poupança/PIB nominal na China (%) .......................................... p. 28
Tabela 6 – Competitividade chinesa no comércio internacional ................................. p. 29
Tabela 7 – Mercado dos EUA para o comércio exterior da China .............................. p. 50
Tabela 8 – Comércio da China com os EUA (em US$ bilhões) .................................. p. 51
Tabela 9 – Dados comparativos da China e da Índia em 2005 .................................... p. 75
Tabela 10 – Desempenho macroeconômico chinês I .................................................. p. 79
Tabela 11Desempenho macroeconômico chinês II ................................................. p. 80
Tabela 12 – Comércio sino-indiano ............................................................................ p. 97
Esquema 1 – Cenário da Guerra Fria .......................................................................... p. 65
Esquema 2 – Cenário 1: A troca das alianças ............................................................. p. 90
Esquema 3 – Cenário 2: O triângulo estratégico e o isolamento dos EUA ................ p. 96
Mapa 1 – Províncias da China e áreas territoriais em disputa .................................... p. 24
Mapa 2 – Exportações mundiais para a China ............................................................ p. 35
Mapa 3 – Importações mundiais da China .................................................................. p. 35
Mapa 4 – Conflitos na Ásia Meridional ..................................................................... p. 63
Gráfico 1 – Balança comercial da China com o mundo e a ASEAN .......................... p. 34
Gráfico 2 – Origem das importações chinesas de manufaturados .............................. p. 36
6
LISTA DE ABREVIAÇÕES
APEC – Cooperação Econômica da
Ásia-Pacífico (Asia-Pacific Economic
Cooperation)
ASEAN Associação das Nações do
Sudeste Asiático (Association of
Southeast Asia Nations)
BID Banco Interamericano de
Desenvolvimento
BJP – Bharatiya Janata Party
CBERS Satélite Sino-Brasileiro de
Recursos Terrestres (Chinese-Brazilian
Earth Resources Satellite)
CONTRASBAT Batlhão da Ásia
Central (The Central Asian Battalion)
FMI – Fundo Monetário Internacional
FOCAC Fórum de Cooperação Sino-
Africano
IBAS – Índia, Brasil e África do Sul
IED – Investimento Externo Direto
NEP Nova Política Econômica
(Novaya Ekonomiceskaya Politika)
OCS Organização para Cooperação de
Shangai
OMC Organização Mundial do
Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do
Atlântico Norte
OTASE Organização do Tratado do
Sudeste Asiático
PCC – Partido Comunista da China
RCT Revolução Científico-
Tecnológica
SAARC Associação para Cooperação
Regional do SuL da Ásia (South Asian
Association for Regional Cooperation)
TNP Tratado de Não Proliferação de
Armas Nucleares
URSS União da Repúblicas Socialistas
Soviéticas
ZEE – Zona Econômica Especial
ZPE Zona de Processamento de
Exportação
7
RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir a ascensão internacional da China e suas
relações com a Índia e os EUA. O argumento central é o de que a China está se tornando
o centro gravitacional da Ásia-Pacífico, região que está assumindo a dianteira na
Revolução Industrial, e, por sua vez, do processo de transição em curso no sistema
mundial. A ascensão da China é parte de um longo ciclo de incorporação do país ao
moderno sistema mundial, que inicialmente se processou de forma subordinada, por
intermédio das Guerras do Ópio, mas vem assumindo notável importância após a
Revolução e as Reformas. Com as Reformas a China vai criando as condições objetivas,
internas e internacionais, para transformar-se em um Estado-pivô, catalisando as
dinâmicas regionais da Ásia-Pacífico e projetando-se globalmente. Assim, a aproximação
da China com os EUA, nos anos 1970, transforma-se no núcleo do rearranjo de poder
mundial. Nesse rearranjo de poder tanto regional quanto global, a Índia tem crescente
relevância, pois pode influenciar decisivamente a ascensão da China e da Ásia-Pací fico,
assim como a recolocação dos EUA no sistema mundial. Por isso, a dinâmica triangular
China, EUA e Índia contém parte importante das respostas relativas aos novos pólos
emergentes no espaço mundial e ao grau de conflitividade que esta transição pode
produzir.
Palavras-Chave: China, EUA e Índia; transição no sistema mundial; Ásia-
Pacífico; pólos de poder emergentes; hegemonia dos EUA.
8
ABSTRACT
The purpose of this work is to discuss the international ascension of China
and its relationship with India and USA.The main argument of this text is that China has
becoming the gravitational center of Pacific-Asia, region wich is assuming the front in
the third industrial revolution and, considering this, also the transition process in
operation in the worldwide system that in a early moment was processed by China in a
subordinate form (as seen through Opiun War), but wich has assuming a remarkable
importance after the revolution and the reforms. By these reforms, China creates the
objective condition, inside the country and internationaly, to transform itself in a Pivot
State, catalysing the regional dynamics of Asia-Pacific and projecting itself in the globe.
Then, the aproximation between China and USA, in the 1970s, has increasing its
significance, cause it may influence in a decisive way the rising of China and the Asia-
Pacific, beside of the replacement of USA in the worldwide sistem. The triangular
dinamics of China, USA and India contains an important part of the answers relative to
the new rising poles in the worldwide system and to the level of conflict wich this
transition might produce.
Key-words: China, USA and India; transition in the worldwide system; Asia-
Pacific; rising poles of power; hegemony of USA.
9
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é discutir a ascensão internacional da China e suas
relações com a Índia e com os EUA. O argumento central é o de que a China está se
tornando o centro gravitacional da Ásia-Pacífico, região que está assumindo a dianteira
na Revolução Industrial. Com isso, torna-se cada vez mais um país estratégico na
transição em curso no sistema mundial. A ascensão chinesa tem sido (e será)
condicionada pela reação da nação hegemônica, os EUA, bem como pela redefinição do
papel da Índia na região.
Para compreender a ascensão da China é importante analisar, ainda que de
forma breve, a revolução liderada por Mao Tsé-Tung em 1949. Esse movimento
revolucionário de caráter nacional-popular interrompe a incorporação subordinada do
país ao nascente moderno sistema mundial, possibilitada pelas Guerras do Ópio. As
primeiras décadas da experiência socialista são marcadas pelos desafios da reconstrução
nacional e da manutenção da integridade territorial. Entretanto, os conflitos sino-
soviéticos aprofundam as dificuldades, culminando num período de percalços internos e
de isolamento diplomático.
É nesse contexto que a China realiza uma inserção geopolítica de grande
envergadura, pela aproximação estratégica com os EUA. E foi essa inserção que
possibilitou a reorientação das políticas de desenvolvimento, a partir das reformas
desencadeadas pelas Quatro Modernizações de Deng Xiaoping. Com efeito, a China vai
criando as condições objetivas, internas e internacionais, para transformar-se em um
Estado-pivô. Quer dizer, em um Estado com importância geopolítica e com crescente
capacidade de catalisar as dinâmicas regionais, no caso da Ásia-Pacífico, projetando-se
globalmente e condicionando os fluxos geoeconômicos, a correlação de forças, os
10
alinhamentos diplomáticos e a estabilidade do sistema mundial
1
. A China é, pois, o
núcleo geográfico da Ásia-Pacífico
2
, uma ampla região que incluí o Extremo Oriente
(China, Mongólia, Coréia do Sul, Coréia do Norte, Japão e Taiwan) e o Sudeste da Ásia
(Indonésia, Malásia, Cingapura, Filipinas, Vietnã, Laos, Camboja e Tailândia), estando
circundada pela Ásia Setentrional (Rússia), Central (Cazaquistão, Uzbequistão,
Turcomenistão, Tadjiquistão, Quirguistão) e Meridional (Paquistão, Índia, Nepal, Butão,
Bangladesh, Mianma e Sri Lanka).
As relações entre China e EUA, sobretudo após a aproximação realizada nos
anos 1970, foram decisivas não só na evolução da política externa desses países, mas
também na reordenação de forças proporcionadas pela erosão da Guerra Fria. A aliança
sino-americana marcou uma aproximação que destoava da polarização da Guerra Fria,
produzindo uma nova geometria do poder mundial e condicionando seu esgotamento. O
fim da Guerra Fria, contudo, abriu um período de transição no sistema mundial, impondo
desafios geoestratégicos a esta aliança. Nessa região, os EUA têm tido crescentes
dificuldades para manter sua hegemonia, em grande medida devido à ascensão chinesa na
Ásia-Pacífico.
Os EUA, somente após a Segunda Guerra Mundial, conquistaram a condição
de potência hegemônica, isto é, de um poder dominante e consentido, com capacidade de
apresentar-se como portador de um interesse geral (e de ser percebido assim)
3
,
conformando os traços gerais do sistema mundial (organizações internacionais,
1
KENNEDY, P. Pivotal States and U.S. Strategy. In: American Foreign Policy. Annual Editions: 1998, p.
56-58. Entende-se por Estado-pivô aquele cuja dinâmica afeta a estabilidade regional e internacional,
devido à grande população, à importante posição geográfica e ao potencial econômico, amparando-nos na
noção de Halford Mackinder.
2
Este conceito de Ásia-Pacífico não incluiu as nações não-asiáticas do Pacífico: EUA, Canadá, Nova
Zelândia, Austrália e países da América Latina.
3
ARRIGHI, G.; SILVER, B. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Rio de Janeiro:
Contraponto; Ed. UFRJ: 2001, p. 35-36.
11
articulações diplomáticas, paradigmas de acumulação econômica, etc.). Era o ponto alto
de um período de acumulação de forças que se estendeu do final do século XVIII até
meados do século XX, passando pela conquista da independência, pela conformação do
espaço nacional e pela projeção regional de poder. Contudo, a partir dos anos 1970, a
reestruturação da economia capitalista e a emergência de novos pólos de poder
desencadearam um longo ciclo de reorganizações de forças no sistema mundial que,
aliás, se aceleraria drasticamente após o fim da Guerra Fria.
Especialmente depois do fim da Guerra Fria, a ascensão internacional chinesa
tem-se situado cada vez mais no seio desta longa transição. A modernização interna da
China tem evoluído em compasso com a liderança do país no processo de “asianização” e
na formação da Organização para Cooperação de Shangai (OCS), formada em 2001. Isto
é, a China assenta sua base regional de poder e fortalece seus vínculos diplomáticos, tanto
para leste, com Coréia do Sul, Japão e os países da Associação das Nações do Sudeste
Asiático (ASEAN), quanto para oeste, com a Rússia e com os países da Ásia Central.
Nesse rearranjo de poder regional e mundial, a Índia vai assumindo crescente
relevância. Se durante a Guerra Fria a Índia encontrava na URSS um contrapeso à aliança
entre China e EUA, o novo quadro Pós-Guerra Fria tem produzido redefinição nas
alianças e nas relações diplomáticas. De um lado, os contenciosos nas relações sino-
americanas têm empurrado a China para uma aproximação estratégica com a Rússia,
evidenciada na formação da OCS e na densidade das relações bilaterais. De outro,
enquanto os EUA têm buscado na Índia o contrapeso à ascendência chinesa na Eurásia e
no Pacífico, os dirigentes chineses têm respondido com o aprofundamento das relações
com a Índia, buscando dissuadir a percepção de ameaça mútua.
12
É, pois, na dinâmica triangular entre China, EUA e Índia que se encontra
parte importante da “charada” acerca da emergência da China e da Ásia-Pacífico no
sistema mundial, bem como das formas que pode assumir a transição em curso.
Contribuí, da mesma forma, para o debate em torno do desgaste e/ou reafirmação da
hegemonia dos EUA com o fim da Guerra Fria, já que a Eurásia vai assumindo a
condição de pivô da história mundial.
Se o término da Guerra Fria for o “início do fim” da hegemonia dos EUA,
três grandes problemáticas se abrem na política internacional contemporânea: quais serão
os novos pólos emergentes no sistema mundial; qual a posição que os EUA irão assumir
na nova ordem mundial e qual o grau de conflitividade que esta transição pode produzir.
De qualquer forma, parece que a China e, em menor medida, a Índia se configuram como
um destes pólos de poder, contribuindo para a diluição relativa do poder dos EUA. Nesse
sentido, os EUA têm encontrado no hegemonismo
4
uma resposta desesperada à perda de
poder relativo, expresso no recrudescimento das ações de força e de coerção, muitas
vezes unilaterais, como forma de conter os pólos desafiantes e a erosão do consentimento
que sua liderança alcançava mundialmente.
Portanto, o tema proposto pelo trabalho é de suma importância, não somente
pelo caráter insipiente das pesquisas nessa área no Brasil, mas também pelas distorções
produzidas por enfoques com fins instrumentais, seja pela rejeição a priori à recriação de
desafios e experiências políticas, seja pelas visões permeadas por etnocentrismos e/ou por
interesses de propaganda ideológica.
4
O conceito de hegemonismo equivale, nesse sentido, à noção de “dominação sem hegemonia”, isto é, que
requer o uso recorrente da força e coerção para manter o status de poder conforme ARRIGHI, G.;
SILVER, B. 2001, op. cit. p. 35-36.
13
A experiência chinesa envolve tanto, diretamente, um quinto da população
mundial quanto o reordenamento de forças em escala mundial. A inserção internacional
da China e suas opções políticas, por sua vez, não podem ser desconsideradas: em vez de
aceitar o subdesenvolvimento, retira amplas parcelas da população da pobreza; em vez de
destruir a economia estatal e coletiva, busca reestruturá-la de modo a ampliar sua
eficiência internacional (mesmo em contexto adverso); em lugar de subordinar-se ao às
livres forças de mercado, mantém um Estado forte com capacidade de planejar,
promovendo o desenvolvimento de regiões atrasadas; em vez de fazer guerras de
pilhagem, alcança a modernização de forma mais cooperativa; em lugar de aceitar
passivamente o hegemonismo dos EUA, constrói alianças com países da periferia. É com
esta experiência, permeada por profundas contradições e conflitos, que reclama pesquisas
que pretendemos contribuir.
14
1 - O DESENVOLVIMENTO CHINÊS: AS BASES DO PODER
A rápida ascensão internacional da China tem-se dado por intermédio de uma
dialética entre desenvolvimento interno e projeção internacional. A análise, portanto, do
desenvolvimento chinês é fundamental para entender as bases do poder que sustentam e
permitem uma sólida e influente atuação da China no mundo contemporâneo. Para isso é
fundamental retomar a reorientação das políticas de Estado na China no final dos anos
1970.
Se a revolução nacional e popular (1949), com seu conteúdo anticolonial e
antifeudal, liderada por Mao Tsé-tung assentou as bases da reconstrução nacional, o salto
desenvolvimentista liderado por Deng Xiaoping proporcionou à China um inédito ciclo
de modernização a partir dos anos 1970. De um lado, a revolução na China fez com que o
país retomasse, mesmo que de forma lenta, complexa e ainda incompleta, sua condição de
grande ator da política internacional, interrompendo mais de um século de subordinação
internacional e de desorganização interna. De outro lado, a inserção internacional no
contexto das políticas de modernização fazem da China atualmente o pólo do processo de
“asianização” da Ásia.
Consolidando a modernização interna, o país tem assentado as bases de
poder regional, o que lhe permite influir decisivamente no cenário internacional. A
acelerada superação do atraso na China cria um mercado de dimensões continentais com
capacidade de deslocar as posições de poder dos EUA na Ásia-Pacífico. Isso quer dizer
que a transformação interna na China no bojo de sua modernização pode coincidir com a
transição no sistema mundial, produzindo reordenamento de forças e potenciais conflitos.
15
1.1 Da incorporação subordinada à reconstrução nacional
Nossa nação não será mais sujeita ao insulto e à
humilhação. Andamos de corpo erguido [...]
A era em que o povo chinês era considerado
fora da civilização terminou.
Mao Tsé-tung
O Grande Império Chinês rompe seu padrão milenar de isolamento absoluto
ou relativo pela incorporação subordinada ao moderno sistema mundial em formação. Em
1820 representava 30% do Produto Mundial Bruto, enquanto a Inglaterra, potência
industrial reconhecida como rainha dos mares e oficina do mundo, equivalia a pouco
mais de 5%
5
. Mas, a dominação ocidental na Ásia, que se baseou maciçamente na
coerção, e não no consentimento
6
, fez com que a Grã-Bretanha expulsasse a China do
comando da economia da Ásia-Pacífico. Isso revelava que noções westphalianas,
“baseadas na soberania e igualdade entre os Estados, seriam, na melhor das hipóteses,
apenas para aplicação no cenário europeu”
7
.
Contudo, foram as Guerras do Ópio de 1839-42 e de 1856-58, por meio da
imposição do “moderno narcotráfico capitalista”
8
, que colocaram a China numa singular
condição de subordinação internacional. As “conseqüências do comércio do ópio eram
tão perniciosas para a China quanto eram benéficas para a Grã-Bretanha”
9
e para a
5
MADDISON, A. La economía mundial - 1820-1992. Análisis y estadísticas. In: Perspectivas OCDE.
Paris: 1997, p. 36. Este autor aponta os EUA possuidor de menos de 2% do Produto Mundial Bruto naquele
contexto.
6
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. p. 228.
7
PINTO, P. A China e o Sudeste Asiático. Porto Alegre: UFRGS, 2000, p. 59.
8
SUKUP, V. A China frente à globalização: desafios e oportunidades. In: Revista Brasileira de Política
Internacional. vol. 45, 2, 2002, p. 85. Através da exportação do ópio da Índia, os ingleses pagavam as
importações de chá, seda, porcelana e outros bens.
9
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. p. 240.
16
burguesia comerciante de Shangai que depois da revolução de 1949 iria se refugiar em
Taiwan.
Em nome da igualdade diplomática, a Grã-Bretanha impunha tratados
desiguais, como o Tratado de Nanquim, em 1842, e o Tratado de Tianjin, em 1858,
viabilizando sua dominação na Ásia. O resultado foi a sistemática pilhagem por oito
potências imperialistas e as agressões japonesas que, a partir de 1931, deixaram cerca de
21 milhões de vítimas, entre mortos, feridos e incapacitados
10
.
Além disso, a subordinação chinesa, com a ascensão britânica na região,
produziu uma profunda desorganização no país, impulsionando instabilidades e conflitos
internos. A sublevação dos Tai Pings (1850-64), o movimento dos boxers (1900) e a
proclamação da República (1911) marcaram um ciclo de resistência e violência. Enquanto
na China o contato com o Ocidente produziu a desestruturação do Império e da
sociedade, no Japão, produziu a dissolução do sistema feudal e a rápida modernização da
Era Meiji (1868).
Ainda assim, o legado cultural do império chinês formou “uma fonte de
inspiração para grandes figuras do Iluminismo”
11
. Afinal, era mais fácil para muitos
pensadores se identificarem com a administração laica, e seus cargos preenchidos por
concursos públicos (mandarins), do que com o clero, e seu pressuposto do dogma, e/ou
com a aristocracia nobiliária, e seu princípio obscurantista do privilégio fundando no
berço e no sangue
12
. Por isso, mesmo com uma inserção subordinada ao nascente sistema
mundial, a China, como nação milenar, organizada politicamente e próspera
10
LIMA, H.; PEREIRA, D.; CABRAL, S. China - 50 anos de República Popular. São Paulo: Anita
Garibaldi, 1999, p. 84.
11
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. 235.
12
LOSURDO, D. Liberalismo. Entre a civilização e a barbárie. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006b, p. 68-
69.
17
economicamente, legou à modernidade capitalista ocidental fundamentos essenciais ao
seu desenvolvimento, tais como: a estrutura burocrática, a ascensão meritocrática às
funções de Estado, educação progressiva, entre outros.
O ciclo de resistência e violência pelo qual passou a China culminou na “mais
longa guerra civil do nosso século”, iniciada em 1927 e se estendendo por mais 22 anos
13
.
Durante este período ocorreu inclusive o que se chama de holocausto esquecido”, em
1937, quando da invasão japonesa. A política japonesa dos três tudos (saqueia tudo, mata
tudo, queima tudo) na invasão da China foi o episódio mais sangrento da Segunda Guerra
Mundial, pois produziu mais mortes do que em Dresden, Hiroshima ou Nagasaki
14
. Foi a
guerra contra o imperialismo japonês que proporcionou ao PCC o forte poder de atração
sobre todas as forças de resistência nacional (inclusive burguesia e intelectualidade) e a
experiência para que o projeto de reconstrução da China tivesse caráter moderno,
nacional e social
15
.
Somente após mais de um século de subordinação internacional e
instabilidades internas, a China interrompe esse ciclo político, com a revolução liderada
por Mao Tsé-tung em 1949 e tendo os camponeses como principal força insurrecional
16
.
Quer dizer,
a China chega a um desses raros momentos em que uma civilização se renova
destruindo-se, sacrificando algumas das estruturas que lhe eram até então essenciais.
13
SCHILLING, V. A Revolução da China: Colonialismo, Maoismo e Revisionismo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1984, p. 9.
14
LOSURDO, D. Fuga da História? Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 164.
15
AMIN, S. Os desafios da mundialização. Aparecida: Idéias e Letras, 2006, p. 206.
16
SKOCPOL, T. Estados e revoluções sociais.Análise comparativa de França, Rússia e China. Lisboa:
Presença, 1979, p. 251.
18
Para a China, a crise é ainda mais extraordinária, porque as estruturas questionadas
eram milenares
17
.
A revolução chinesa tinha, acima de tudo, conteúdo anticolonial e antifeudal,
visando à reconstrução nacional. Durante mais de um século, o atraso semifeudal na
China possibilitou a interferência e o saque por parte das potências capitalistas, tornando
mais grave o subdesenvolvimento. O socialismo na China foi produto do nexo entre
emancipação nacional e emancipação social, refletindo a concepção de Mao de que havia
“unidade entre internacionalismo e patriotismo”
18
. A independência nacional era condição
para a resolução dos problemas domésticos; quer dizer, o PCC assimilou a noção de que a
luta antiimperialista era o estágio supremo da luta de classes e, por isso, conseguiu
realizar a aliança com o anticomunista Kuomitang, de Chiang Kaishek, sem comprometer
seus objetivos estratégicos.
O padrão de conflitividade na Ásia-Pacífico, do final do século XIX até a
primeira metade do século XX, se inseria no amplo reordenamento do poder
internacional e regional. No início do século XX, o Japão foi ocupando a condição de
preponderância frente à Inglaterra naquela região. A competição intensificada dos 31
anos de conflitos mundiais (1914-45) resultou no fracasso do imperialismo do Japão e na
adoção, por parte dos EUA, da China como base de poder regional. Em função disso, a
China foi alçada à condição de membro permanente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas (ONU), quando da sua fundação, em 1946.
17
BRAUDEL, F. O Extremo Oriente. In: Gramática das Civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.
201.
18
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 137-157.
19
A mudança de poder político na China, a Guerra da Coréia e as instabilidades
na Península Indochinesa fizeram com que os EUA redefinissem sua política externa para
a região. Dessa forma, Taiwan foi inserida no Conselho de Segurança no lugar da China
enquanto o Japão foi definido como base de poder regional dos EUA, a partir de uma
ampla reconstrução nacional.
Assim, a Ásia-Pacífico passava a fazer parte da fronteira quente da Guerra
Fria, mostrando a pujança das revoluções socialistas impulsionadas por conflitos de
libertação nacional. Se a forte luta política e geopolítica contribuiu para a promoção do
desenvolvimento na Ásia-Pacífico, na América Latina, a completa hegemonia dos EUA
contribuiu para projetar visões maniqueístas acerca da ameaça comunista e do necessário
alinhamento com os EUA, que atuaram na implementação de regimes antagônicos aos
proferidos princípios do mundo livre.
Os conflitos da Guerra Fria, sobretudo a Guerra da Coréia, instituíram
instituído o sistema regional de poder da Ásia-Pacífico centrado nos EUA, excluindo
significativamente a China do intercâmbio comercial e diplomático com a parte não-
socialista da região, por intermédio de bloqueios e ameaças de guerra respaldadas por
forças militares norte-americanas
19
.
Dessa forma, a China buscava a reconstrução nacional via cooperação com a
URSS e com o campo socialista que se formara após a Segunda Guerra Mundial. O Pacto
Militar sino-soviético de 1950, entre Stálin e Mao
20
, e a cooperação econô mica e
tecnológica evidenciavam a aliança. Os primeiros Planos Quinqüenais (1952-57 e 1957-
62) na China, apesar dos percalços, restituem a soberania, unificam o país e lançam as
19
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. 275.
20
CEPIK, M.; MARTINS, J. Política Internacional. Belo Horizonte: Newton Paiva, 2004, p. 43.
20
condições para a formação de uma sociedade moderna, por meio do desenvolvimento de
uma indústria de base, bem como para a resolução do problema camponês.
Mas o 20º Congresso do Partido Comunista da URSS (1956) inicia a reversão
da aliança sino-soviética. O alinhamento subalterno à URSS começou a ser percebido
pelos dirigentes chineses como o caminho que não “levaria ao restabelecimento da
unidade nacional e ao fim do período de humilhação nacional”
21
. O amadurecimento
destas disputas políticas no início da década de 1960 faz com que a URSS retire seus
especialistas enviados à China, abandonando os projetos ainda inacabados e cobrando
pelos empréstimos. O contencioso diplomático e a posterior ruptura sino-soviética
conduziu a conflitos de fronteira na Manchúria, que se somam aos conflitos de fronteira
com a Índia, em 1962.
Com isso, a China aprofundou o isolamento diplomático, com efeitos trágicos
sobre o comércio exterior
22
e a segurança nacional. Nem mesmo o domínio da bomba
atômica (1964) reduziu a forte sensação de insegurança, aprofundada pelo apoio soviético
à Índia no conflito sino-indiano; pela invasão da Hungria, em 1956, e pela Doutrina
Brejnev (1969), que justificava a intervenção na Tchecoslováquia, em 1968, devido à
limitada soberania dos países socialistas frente à URSS.
As posturas hegemonistas da URSS, que haviam sido caracterizadas como
imperialistas no IX Congresso do PCC
23
, bem como a memória muito viva da história
recente de subordinação, condicionaram a reorientação da inserção internacional da
China. No primeiro momento, a China rompeu suas relações com a URSS, ficando em
21
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 56.
22
MADDISON apud MEDEIROS, C. China: entre os séculos XX e XXI. In: Fiori, J. (Org.) Estados e
moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 384. O autor afirma que o volume das
exportações caiu em 1970 a um quinto do que era em 1959, enquanto que as importações dos países
comunistas caíram de 66% do total em 1959 para 17% em 1970.
23
REIS FILHO, D. A construção do socialismo na China. Brasiliense: São Paulo, 1981, p. 110.
21
situação de isolamento diplomático e avançando nas conturbadas políticas internas do
Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural, assim como na diplomacia de forte cunho
ideológico da Teoria dos Três Mundos
24
. No segundo momento, a China projetou uma
inserção internacional através de uma aliança com os EUA, a qual, por sua vez, iria
influenciar de forma significativa a Guerra Fria nos anos de 1970.
1.2 A reorientação e os desafios do desenvolvimento: subindo a escada?
Quando a China despertar, o mundo se comoverá
Napoleão Bonaparte
A projeção internacional da China, especialmente a superação do isolamento
diplomático e da insegurança nacional, será condicionada pelo desenvolvimento interno.
Frente aos insucessos da Revolução Cultural, o governo chinês irá reorientar as políticas
de desenvolvimento. A fusão do Estado revolucionário com o Estado desenvolvimentista
25
se dá via “uma espécie de gigantesca e prolongada NEP” (Nova Política Econômica) que
recolocou na modernização, e não na luta de classes, o núcleo da superação do atraso e
do isolamento diplomático chinês
26
. Essa ruptura foi o ponto alto de um abandono
progressivo do modelo soviético que se processou desde a década de 1950, quando o
governo chinês passou a dar maior flexibilidade às normas de planejamento, adequando a
coordenação dos recursos locais e regionais aos objetivos nacionais gerais
27
.
24
A Teoria dos Três Mundos visava a apresentar-se como alternativa ao hegemonismo dos EUA e da
URSS em suas respectivas áreas de influência.
25
CASTELLS, M. Fim do Milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 353.
26
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 67. Aliás, o autor demonstra ao longo da obra que o imperativo de
desenvolvimento das forças produtivas já havia sido destacado por pensadores como Marx e Engels, bem
como por Lênin e mesmo Mao Tsé-tung.
27
SKOCPOL, T. 1979, op. cit. p. 286.
22
No final da década de 1970, o governo chinês percebe sua inimiga, a URSS,
agonizando, ao mesmo tempo em que a região do Pacífico asiático ensaiava uma
modernização acelerada
28
. Como a China já havia superado os principais problemas de
reconstrução nacional ligados à consolidação do regime e à segurança, mas ainda
apresentava uma economia débil numa conjuntura internacional adversa, a preocupação
do governo chinês voltou-se para o desenvolvimento nacional, de modo a fazer o país
uma potência de projeção mundial. Apesar de ainda débil, a economia chinesa possuía
razoável base para uma arrancada industrial, já que o período de 1957-75 havia registrado
crescimento de 5,3% do PIB, bem acima dos 2% evidenciados no resto do Terceiro
Mundo
29
. Nos anos 80-90, enquanto na América Latina e África aceitava-se de forma
acrítica a globalização da agenda liberalizante, na Ásia-Pacífico o que se viu foi a
globalização do Estado, isto é, a forte estruturação e mobilização do aparelho estatal para
impulsionar o desenvolvimento nacional.
A inserção internacional da China, efetivada por uma aliança com os EUA, no
início da década de 1970, combinou-se com uma reorientação das políticas domésticas de
desenvolvimento. Após uma tumultuada disputa interna nos anos 1970, na 13ª Seção
Plenária do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC), em dezembro de
1978, emerge a liderança de Deng Xiaoping. Ele lança a política das Quatro
Modernizações (agricultura, indústria, ciência e tecnologia e forças armadas), inspirada
no projeto de Zhou En-lai.
Havia ficado claro o atraso da China que, em 1978, com cerca de 900 milhões
de habitantes, tinha um nível de desenvolvimento comparável ao da URSS em 1938
30
. A
28
CASTELLS, M. 1999, op. cit. p. 352.
29
AMIN, S. 2006, op. cit. p. 208.
30
JABBOUR, E. 2006, China: infra-estrutura e crescimento econômico. São Paulo: Anita Garibaldi p. 214.
23
crise do petróleo havia golpeado as economias capitalistas, enquanto se agravavam os
problemas nos países socialistas, demonstrados pelo baixo crescimento do PIB e da
produtividade do trabalho. No caso da China, somava-se o isolamento internacional e a
instabilidade interna acentuados pela Revolução Cultural. Os desafios aos dirigentes
chineses se mostravam grandiosos: superar o atraso nas difíceis condições territoriais e
demográficas; criar, por isso, condições de financiamento e de acesso à tecnologia;
experimentar a superação destes problemas em formações periféricas e numa correlação
de forças internacionais desfavorável.
Na política das Quatro Modernizações, a primeira medida estava voltada para
os camponeses
31
e visava e recompor a base social do PCC, evitando futuras fissuras no
pacto de poder que produziu a revolução, bem como a ampliação da produção agrícola
para as cidades um enorme desafio de alimentar mais de 20% da população mundial
com cerca de 6% das terras agricultáveis do mundo. A segunda visava a modernizar a
estrutura industrial, dotando-a de melhor gestão dos recursos (humanos
32
e materiais),
bem como de mais eficientes técnicas de produção. Isto se articulava à terceira medida,
que estava vinculada ao incentivo à ciência e à tecnologia, e à quarta medida, que visava a
prover as forças armadas de um razoável poder defensivo e dissuasório.
As Quatro Modernizações de Deng Xiaoping eram o núcleo do salto
desenvolvimentista e da retomada da estabilidade interna. Deng entendia que não poderia
haver “socialismo com pauperismo”, já que “socialismo significa eliminação da miséria”
31
A descoletivização do campo se deu através das cotas de responsabilidade, ou seja, o governo garantia
uma parcela da produção a baixo custo para as cidades e liberava o excedente para o comércio. Está nessa
política parte importante da recomposição da base política do PCC e do insucesso da contra-revolução de
1989 na Praça de Tiananmen (Paz celestial). Aliás, historicamente, as revoltas camponesas têm derrubado
as burocracias quando estas se tornam ineptas afinal, o mandato é delegado pelos céus mas é revogável
pelo povo.
32
Para ilustrar a debilidades dos recursos humanos na China, podemos utilizar o seguinte dado oferecido
por SPENCE (1995, p. 642): no final dos anos 1970 apenas 0,87% da força de trabalho chinesa tinha
diploma universitário!
24
e desenvolvimento das forças produtivas
33
. No plano interno, o atraso seria superado pelas
Zonas Econômicas Especiais (ZEE) atuando como ferramentas de política econômica e
de desenvolvimento. As ZEE’s implantadas nos anos 1980, inspiradas nas Zonas de
Processamento de Exportações sul-coreanas, tinham como objetivo captar Investimentos
Externos Diretos (IED’s), sob a forma de joint ventures entre empresas estatais chinesa e
empresas estrangeiras. Este era o mecanismo de financiamento do modelo
desenvolvimenstista chinês, já que a forma de financiar via pilhagem da periferia (típica
de potências imperialistas) e via trocas desiguais entre agricultura e indústria (típica do
modelo soviético) estava descartada.
Até 1991 os IED’s na China estavam abaixo de 1% do PIB
34
, apesar das
políticas de captação de investimentos. Após esse período, os IED’s cresceram
consideravelmente sua participação na economia chinesa, aprofundando sua
internacionalização. Contudo, apesar do crescimento em números absolutos dos IED’s,
chegando a mais de 60 bilhões em 2004, a relação destes com o PIB tem diminuído de
forma sensível. Se em 1991 os IED’s alcançam somente o montante de 1,1% do PIB, em
1994 chegam ao pico de 6,2%, quando, então, começam a regredir para a casa dos 3%.
Isso revela que a propalada vulnerabilidade chinesa em relação aos IED’s não é tão
significativa (Tabela 1).
Tabela 1: Relação IED/PIB na China
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993
0,2% 0,4% 0,5% 0,6% 0,7% 0,8% 0,8% 0,9% 1,1% 2,3% 4,6%
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
6,2% 5,1% 4,9% 4,9% 4,6% 3,9% 3,6% 3,8% 3,9% 3,3% 3,6%
Fonte: China Statistical Yearbook - www.stats.gov.cn
33
XIAOPING, D. apud LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 155.
34
MEDEIROS, C. 1999, op. cit. p. 388.
25
O mais importante é que os IED’s absorvidos por meio das ZEE’s estão em
um enquadramento institucional que resulta na modernização do parque industrial e na
captação e transferência de tecnologia. Ou seja, entre 1998-2002 apenas 4% dos IED’s na
China foram para fusões e aquisições, enquanto o restante gerou novas capacidades
produtivas (diferindo de países que adotaram a agenda liberalizante, em que mais da
metade dos IED’s foram para fusões e aquisições). As ZEE’s, além do desenvolvimento
das forças produtivas, proporcionaram, através das exportações, o fortalecimento das
reservas cambiais e da capacidade de investimento do Estado. Com efeito, as ZEE’s
ensejaram estabilidade social e a reunificação do país, pois obedeciam também a uma
lógica geopolítica
35
: das quatro primeiras lançadas em 1982, três delas estavam voltadas
às áreas de soberania ameaçada (Shenzen fazendo fronteira com Hong Kong; Zhuhai com
Macau; e Xiamen voltada para Taiwan) e Shantou voltada às colônias chinesas no Sudeste
Asiático.
Dessa maneira, a China passa a receber investimentos dos chineses
ultramarinos e dos capitais japoneses sobreacumulados. Os chineses ultramarinos foram
assumindo a condição de força motora do desenvolvimento na Ásia-Pacífico,
especialmente no Sudeste Asiático. Ao mesmo tempo que possuem vínculos étnicos com
a população da China, têm vínculos internacionais por intermédio de suas redes de
negócios. É bom destacar que os chineses ultramarinos compõem quase a totalidade da
população de Hong Kong e Taiwan; três quartos da população de Cingapura; e a parte
mais rica da população da Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas
36
.
35
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 220.
36
PINTO, P. 2000, op. cit. p. 40-5.
26
Nesse contexto, os capitais japoneses passaram a expandir-se
transnacionalmente para obter vantagens na competição internacional, tendo em vista o
encarecimento da mão-de-obra e dos outros insumos. Dessa forma, criou-se, a partir do
sistema de subcontratação e transplante da ponta de menor valor agregado do sistema
produtivo japonês, um impulso desenvolvimentista na região
37
. A pressão exercida pelos
EUA para que o iene japonês fosse valorizado (1985), visando a reduzir os déficits
comerciais norte-americanos, acabou por acentuar os investimentos japoneses feitos nos
Tigres Asiáticos (Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul) e na própria China.
Duas décadas após o desencadeamento das reformas de modernização na
China, o país constrói bases para uma outra etapa de desenvolvimento. Se as reformas
iniciadas por Deng Xiaoping possibilitaram uma terceira revolução, a crise financeira
asiática em 1997 faz com que a China crie as condições objetivas para uma quarta
revolução, baseada na formação de uma economia continental plenamente sintonizada
com a 3ª Revolução Industrial
38
.
A China, diferente de outros países da região, foi poupada da crise financeira
devido às grandes reservas cambiais e ao absoluto controle das contas de capitais,
crescendo 8,8% em 1997 e 7,8% em 1998. A política econômica, que já mobilizava
câmbio, créditos e juros para fomentar a internalização de tecnologias, adensamento
produtivo e aumento do mercado interno, com a crise passou a redefinir algumas linhas
de atuação visando a reduzir vulnerabilidades internas e externas.
37
ARRIGHI, G. A ascensão do Leste Asiático. In: A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1998,
p. 110 e 114.
38
OLIVEIRA, A. O salto qualitativo de uma economia continental. In: Política Externa. vol. 11, 4,
2003, p. 5. A “primeira revolução” esteve associada à proclamação da República (1911) e a “segunda
revolução” com a Revolução Chinesa (1949) de Mao, que a assenta as bases da reconstrução nacional.
27
O governo chinês reagiu à crise orientando as políticas estatais para
volumosos gastos públicos em infra-estrutura com a intenção de criar um mercado
interno em condições de proteger o país de efeitos relacionados ao fechamento e/ou
instabilidade dos mercados externos. Nesse sentido, o governo da China vislumbrava uma
política econômica voltada para a utilização da capacidade produtiva instalada (setor
ocioso) para, através de um sistema estatal de intermediação financeira capaz de fornecer
capitais a juros baixos, promover o setor de infra-estrutura (setor estrangulado). Essa
política econômica está em consonância com a idéia da dialética da capacidade ociosa
de Ignácio Rangel
39
.
É nesse contexto que se enquadra o projeto Grande Desenvolvimento do
Oeste, lançado em 1999. Entre 1999 e 2004 foram investidos US$ 500 bilhões de dólares
no oeste do país em mais de 50 mil pequenas, médias e grandes obras de infra-estrutura.
Para ilustrar algumas das obras mais importantes, podemos citar: as usinas hidroelétricas
de Ertan e Três Gargantas; a ferrovia de 1.125 km ligando Lhasa (Tibet) a Golmut
(Qinghai); o gasoduto oeste-leste, de 4.221 km, ligando Lunnan, no Xinjiang, a Shangai,
entre outros
40
. No mesmo caminho, a atrasada municipalidade autônoma de Chongqing,
no curso médio do Yang Tsé, três vezes maior do que a Bélgica, tem recebido vultosos
investimentos para transformar-se na Chicago da China numa referência ao papel de
entroncamento ferroviário e mercado redistribuidor da produção agrícola das novas áreas,
desempenhado por Chicago na continentalização da economia americana.
41
39
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 171-178. Segundo Jabbour, Ignácio Rangel foi o maior economista
brasileiro do século XX, fornecendo lhe, através desta dialética, o fio de Ariadne teórico para o
entendimento do grande salto chinês pós-1997.
40
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 207. É bom salientar que 80% do trajeto da ferrovia estão a uma altitude
média de 4.000 m e 50% sob “permafrost” (gelo permanente e ar rarefeito).
41
OLIVEIRA, A. Formação de uma economia regional no Leste Asiático. Cadernos Geográficos.
Florianópolis: Imprensa Departamento de Geociências/UFSC, 2006, p. 29.
28
O desenvolvimento do oeste da China tem sido importante para resolver
importantes impasses, tais como: diminuir as desigualdades regionais e mesmo sociais;
estabilizar áreas de soberania ameaçadas (Tibet e Xinjiang); gerar um novo ciclo de
desenvolvimento; formar uma sólida economia continental com moderna infra-estrutura;
bem como suprir o litoral chinês de petróleo, gás natural e energia elétrica abundantes
no interior do país. O acúmulo de capital no litoral, promovido pelas exportações, permite
carrear recursos para as áreas interioranas mais atrasadas da China. É dessa forma que as
desigualdades regionais têm sido combatidas, o que permite significativo crescimento de
regiões do interior do país e a superação parcial de adversidades naturais, expressas nos
desertos de Takla Makan e de Gobi e no planalto do Tibet (Mapa 1) (Tabela 2).
Mapa 1: Províncias da China e áreas territoriais em disputa
Fonte: Ferreira, M. Atlas geográfico espaço mundial. São Paulo: Moderna, 2003, p. 71.
29
Tabela 2: Crescimento econômico das províncias do interior chinês (2000-2003)
Mongólia Sichuan Yunnan Tibet Gansu Qinghai Xinjiang
53,8% 36% 26,2% 57,1% 32,7% 46,8% 37,5%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.cebc.org.br
Esses investimentos estatais em infra-estrutura de transporte e de energia,
visam a responder à liberação de mão-de-obra tanto no campo quanto na cidade. No
campo a mão-de-obra excedente está relacionada à entrada da China na Organização
Mundial do Comércio (OMC), em 2001, o que implicou a progressiva eliminação dos
subsídios à agricultura e das tarifas alfandegárias, nas cidades está relacionada à
reestruturações das formas de gestão e organização da produção das estatais.
A conformação de economia continental suprida de avançadas forças
produtivas, com um pujante mercado interno, tem dependido da elevação do padrão de
vida da população, evidenciado pelo crescimento real do salário médio e pela evolução do
PIB/per capita. No pior momento, entre 1995-97, o crescimento real do salário foi
próximo a 3% ao ano, enquanto que, após 1998, a taxa tem alcançado a impressionante
média de mais de 13% ao ano (Tabela 3).
Tabela 3: Taxa de crescimento real do salário médio na China
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
5,6% 8,9% 8,5% 8,4% 3,5% 4,2% 1,3%
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
16,5% 13,3% 11,9% 15,2% 15,2% 11,7% 10,7%
Fonte: China Statisticl Yearbook - www.stats.gov.cn
O resultado se expressa na evolução do PIB per capita chinês que, no contexto
das reformas, em 1979, era de US$ 50,42, chegando, em 2003, a mais de US$ 1.100. Este
30
é um crescimento de quase 22 vezes em apenas duas décadas e meia (Tabela 4), o que
explica em grande medida a retirada de cerca de 400 milhões de pessoas da pobreza.
Assim, apesar de apresentar salário nominal relativamente baixo, a população chinesa
tem salário real razoável, devido ao baixo custo de vida, e em rápida progressão. Aliás, o
que é ilustrativo nos dados estatísticos chineses construídos em PPP (poder de paridade
de compra).
Tabela 4: Evolução do PIB per capita na China
1980 55,42 1988 163,85 1996 674,24
1981 59,13 1989 182,83 1997 732,04
1982 63,48 1990 197,58 1998 762,76
1983 70,13 1991 227,21 1999 792,14
1984 83,68 1992 276,54 2000 856,80
1985 103,14 1993 355,38 2001 925,20
1986 115,60 1994 474,37 2002 993,23
1987 133,49 1995 586,94 2003 1.100,48
Fonte: China Statisticl Yearbook - www.stats.gov.cn
Apesar do processo de modernização não ocorrer homogeneamente no
território nacional, a evolução no âmbito social e territorial tem sido notável. Assim, o
desenvolvimento da China assume conotações geoestratégicas, na medida em que garante
as bases de poder para o país enfrentar, em um novo patamar, os desafios ligados à
segurança nacional num contexto de reorganizações de forças no cenário internacional.
Nesse sentido, há relativo consenso acerca do acelerado desenvolvimento da
China com suas políticas de modernização. Entretanto, o debate se torna mais complexo e
contraditório quando se refere à solidez e à capacidade do país superar os desafios que
vão surgindo ao longo deste processo. Cabe, portanto, buscar nas referências históricas e
31
comparadas o auxilio na avaliação da novidade” de tal processo, bem como na de seus
êxitos e desafios.
As nações que obtiveram sucesso no seu processo de desenvolvimento usaram
ativamente políticas industriais, comerciais e tecnológicas (ICT). Não há novidade em
subsidiar insumos de produtos voltados à exportação; realizar grandes obras de infra-
estrutura; financiar o acesso à tecnologia estrangeira (via capacitação de cientistas no
exterior, espionagem ou não-reconhecimento de patentes); investir em ciência, tecnologia
e educação; criar mecanismos institucionais para facilitar a parceria público-privada
(joint ventures, acordos para cartelização, concessão do direito de monopólio); entre
outras políticas
42
.
O núcleo dessas políticas foi adotado pelos países de industrialização pioneira
(Reino Unido e EUA), de industrialização tardia (Alemanha e Japão) e pelos novos países
industrializados (Brasil e Coréia do Sul). Se analisarmos as experiências de
desenvolvimento da Ásia-Pacífico (Japão, anos 50-70; os Tigres Asiáticos, nos 70-90; e a
China, pós-80), as semelhanças são mais nítidas. Quer dizer, a arrancada industrial
baseou-se em conquista de mercados externos, com moeda desvalorizada, e grande
poupança interna (pela compressão relativa do consumo) viabilizando novos
investimentos. Em todos os casos, o mercado dos EUA foi fundamental para produzir a
acumulação e para impulsionar o desenvolvimento doméstico.
No caso da experiência chinesa, a poupança doméstica não tem baixado da
casa dos 30%, alcançando a partir de 1993 índices próximos ou superiores a 40% (Tabela
5). Assim, ela permite ao governo utilizar o crédito abundante, com juros baixos, como
42
CHANG, H. Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo:
Unesp, 2004, p. 35-7. Essa obra discute, caso a caso, exaustivamente, as políticas usadas pelos países que
lograram êxito no seu desenvolvimento.
32
um importante mecanismo não-ortodoxo de desenvolvimento. Além da poupança
doméstica, os superávits comerciais obtidos principalmente no comércio com os EUA
permitem à China realizar novos investimentos, criar sólidas reservas internacionais e
assumir déficits nas relações comerciais com países periféricos, ampliando sua projeção
internacional.
Tabela 5: Relação Poupança/PIB nominal na China (%)
1984 35,10 1991 38,00 1998 41,00
1985 34,00 1992 37,50 1999 39,50
1986 35,30 1993 41,40 2000 38,20
1987 36,80 1994 42,50 2001 40,00
1988 35,90 1995 41,10 2002 43,00
1989 35,10 1996 40,50 2003 46,10
1990 37,80 1997 42,30 2004 49,70
Fonte: China Statisticl Yearbook - www.stats.gov.cn
O desenvolvimentismo chinês não está, portanto, a “inventar a roda”. O que
surpreende é a velocidade com que a China tem passado, no cenário de crise sistêmica do
final do século XX, de uma fase quantitativa para outra qualitativa de desenvolvimento.
Ou seja, apesar do difícil ponto de partida dos anos 1970, a China tem melhorado
rapidamente o conteúdo das suas exportações pela dinamização do seu parque produtivo.
A evolução do comércio exterior da China fornece-nos subsídios para
entender a inserção internacional do país. Se, em 1985, os produtos de alta intensidade
tecnológica (INTEC) representavam apenas 2,6% da pauta de exportação chinesa, em
2000, a taxa já alcançava 22,4%. Os produtos primários representavam 35% das
exportações chinesas passando em 2000 para apenas 4,7%. Em 1985, a China tinha uma
participação no comércio mundial de 0,4% em bens de alta INTEC e 2,4% em produtos
33
primários, enquanto que em 2000 os bens de alta INTEC somaram 6% e os produtos
primários 2,3% (Tabela 6).
Tabela 6: Competitividade chinesa no comércio internacional
Produto 1985 1990 1995 2000
I - Participação no comércio internacional 1,6 2,8 4,8 6,1
1. produtos primários 2,4 2,6 2,5 2,3
2. manufaturas baseadas em recursos naturais 1,1 1,3 2,1 2,7
3. manufaturas sem base em recursos naturais 1,5 3,4 6,1 7,8
Baixa INTEC 4,5 9,1 15,5 18,7
Média INTEC 0,4 1,4 2,6 3,6
Alta INTEC 0,4 1,4 3,6 6,0
4. outros 0,7 0,7 1,4 1,8
II - Composição da pauta chinesa 100 100 100 100
1. produtos primários 35,0 14,6 7,0 4,7
2. manufaturas baseadas em recursos naturais 13,6 8,2 7,4 6,9
3. manufaturas sem base em recursos naturais 50,0 76,2 84,6 87,1
Baixa INTEC 39,7 53,6 53,5 47,6
Média INTEC 7,7 15,4 16,9 17,3
Alta INTEC 2,6 7,3 14,2 22,4
4. outros 1,4 0,8 1,0 1,1
Fonte: Boletim NEIT (UNICAMP) apud JABBOUR, E. 2006, p. 219
Nesse sentido, ao governo chinês tem-se apresentado a difícil tarefa de
aprofundar a modernização do país sem produzir uma desnacionalização que acarrete
vulnerabilidades internas e/ou externas. Ou seja, é preciso captar os investimentos
estrangeiros e, ao mesmo tempo, manter a capacidade estatal de planejar a economia, de
modo a não transferir para o exterior a gestão do parque produtivo, tampouco colocar em
dificuldade as contas externas.
No plano institucional, algumas das críticas com relação à evolução da China
também não estão levando em conta as experiências históricas. As instituições de bem-
estar social (como legislações trabalhistas ou previdenciárias), as instituições financeiras,
as instituições políticas, a burocracia e o judiciário mais transparentes surgiram em
34
conseqüência do desenvolvimento, e não como causa. Essas instituições são atualmente
recomendadas aos países em desenvolvimento como parte do pacote de “boa
governança”, que inclui o abandono das políticas de ICT, num claro intuito de “chutar a
escada”
43
.
No entanto, inegavelmente há elementos novos nesse processo de
modernização, especialmente três. Primeiro, pode-se destacar a centralidade do poder
estatal na direção do desenvolvimento, sob o controle do PCC, o que tem garantido uma
capacidade de resistência às pressões externas. Segundo, as dimensões geográficas e
geopolíticas da China, isto é, trata-se, como veremos mais adiante, de um país com
capacidade de desequilibrar o reordenamento mundial (diferente, pois, de um novo país
industrializado como a Coréia do Sul). Por fim, sua ascensão pacífica que,
diferentemente de outras potências emergentes, não está a recorrer à pilhagem de
riquezas, invasões, colonizações ou guerras de agressão em grande escala
44
. Cabe
destacar que, apesar de ter tido condições no passado de adotar políticas expansionistas,
somente assumiu tais formas quando dinastias não-chinesas (mongóis e manchus)
governaram o Império. Entretanto, a noção de ascensão pacífica não se confunde com a
de pacifismo. Ao contrário, é uma noção realista que reconhece que o governo não
vacilaria caso o país fosse objeto de violação de soberania ou de agressão externa. Mas,
mais importante, à China não interessa mudar profundamente o sistema internacional
porque está logrando notável êxito no desenvolvimento, ao contrário dos países que estão
se sentindo desafiados e em posição de desvantagem relativa.
43
CHANG, H. 2004, op. cit. p. 123-215.
44
BIJIAN, Z. China’s “Peaceful Rise” to Great-Power Status. In: Foreing Affairs, set/out, 5, vol. 85,
2005. Ao longo do artigo o autor aponta os elemento que fundamentam a tese da “ascensão pacífica” e as
contradições que o país tem de enfrentar.
35
Apesar do exitoso desenvolvimento da China, seus próprios dirigentes
reconhecem inúmeros desafios e contradições: o aumento do PIB e o progresso social; o
desenvolvimento tecnológico e o aumento das oportunidades de emprego; a contenção do
desenvolvimento nas regiões costeiras e a aceleração no interior do país; o fortalecimento
da urbanização e o cuidado com as áreas agrícolas; a diminuição das diferenças entre
ricos e pobres e a manutenção da vitalidade e eficiência econômicas; a atração de mais
investimentos estrangeiros e a ampliação dos mercados domésticos e solidificação da
independência nacional; a abertura da competição de mercado com a proteção da
população em desvantagem
45
.
A China ainda continua enfrentando outros importantes desafios. A política
do filho único deve proporcionar rápida transição demográfica, produzindo efeitos sobre
a população economicamente ativa (PEA) e o sistema previdenciário, bem como
desequilíbrios de gênero. O suprimento energético é de grande escala, já que a China
tornou-se o 2º maior importador mundial de petróleo (2006) e, por conseqüência, depara-
se com a grande ascendência política dos EUA nesse campo. A rápida modernização do
país ainda traz problemas ligados ao meio ambiente, já que implica grandes
transformaçõ es para proporcionar bem-estar a toda população. O fato é que cada desafio
superado impõe novos problemas a serem resolvidos, e, nesse sentido, o governo chinês
tem demonstrado grande aptidão. De qualquer maneira, os processos de modernização
45
BIJIAN, Z. 2005. op. cit.
36
sempre
46
produzem novos desafios, sendo permeados por profundas transformações e
conflitos de toda ordem.
1.3 A inserção chinesa e a “asianização” da Ásia
A inserção internacional da China foi (e tem sido) condição para a realização
dos objetivos centrais de solidificação da segurança nacional, eliminação do isolamento
diplomático e projeção da modernização, definidas na década de 1970. O estreitamento
das relações diplomáticas com os EUA se constituiu, nesse sentido, na melhor
oportunidade para a consecução deste objetivo. A exitosa modernização tem feito da
China o núcleo do processo de “asianização”
47
da Ásia. Isto se traduz na projeção
internacional da China, por intermédio de uma sólida base regional, bem como no
deslocamento progressivo das posições de poder dos EUA.
No contexto dos anos 70, a Ásia-Pacífico ascende à condição de centro
dinâmico dos processos de acumulação de capital em escala mundial, justamente, quando
os “esforços de desenvolvimento desmoronaram em todas as outras partes do mundo”
48
.
O dinamismo econômico da região permitia aos EUA solidificar uma esfera de influência
na fronteira quente da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, os EUA construíam uma aliança
46
VIZENTINI, P. Geopolítica e conflitos contemporâneos. Porto Alegre: Leitura XXI, v. 2, 2004, p. 51-2.
Esta passagem ilustra isto: “a afirmação das religiões reformadas e dos Estados europeus nos séculos XVI
e XVII foi acompanhada de matanças e violências, a Revolução Inglesa (que implantou um regime liberal-
parlamentar) necessitou do terror de Cromwell e a independência dos EUA conheceu a expulsão (e o
confisco dos bens) dos pró-ingleses para o Canadá, o extermínio dos povos indígenas e os horrores da
guerra civil de 1861-65. O surgimento da igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução Francesa
dependeu do “Grande Medo” desencadeado pelos camponeses, do terror jacobino, do esmagamento dos
revoltosos da Vendéia e da repressão interna e pilhagem externa protagonizadas por Napoleão Bonaparte,
enquanto a unificação alemã protagonizada por Bismarck foi obtida a “ferro e sangue” (sobretudo de
alemães), segundo expressão do próprio chanceler prussiano. Os impérios coloniais europeus foram
construídos por meio da conquista violenta de dezenas de povos, que causou milhões de mortes e o
extermínio de alguns deles.
47
FUNABASHI, Y.. A asianização da Ásia. In: Política Externa, volume 2, n°4, 1994. O autor utiliza-se do
conceito de “asianização” para referir-se à dinâmica regional cada vez mais endógena.
48
ARRIGHI, G. 1998, op. cit. p. 93 e 96.
37
com a China, visando a alterar o equilíbrio de poder no sistema internacional pelo
acercamento da URSS. Com isso, a China realizou uma manobra diplomática imediata
com vistas a aproveitar a “brecha” que se abria no sistema internacional sabendo,
contudo, “diferenciar entre o permanente e o tático”
49
.
Ao mesmo tempo que superava o isolamento diplomático, a China
aproveitava o dinamismo da região, drenando os recursos dos chineses ultramarinos, que
“acumulam riqueza desproporcional a seus contingentes populacionais” na região da
Ásia-Pacífico
50
. Com efeito, o governo chinês asseguraria, assim, seus dois objetivos
principais em matéria segurança nacional: a modernização do Estado e a defesa contra as
ameaças à soberania
51
. Aproximava-se, assim, da questão fundamental: a sua projeção de
poder internacional por meio da ampla modernização lançada por Deng Xiaoping.
A incorporação da China e dos Novos Tigres ao dinamismo das relações do
Japão com os Tigres Asiáticos tem conformado um processo de asianização” da Ásia.
No final dos anos 80, os Tigres Asiáticos já superavam os EUA como investidores em
países da ASEAN. Em 1991, a Ásia já havia superado os EUA como a maior destinação
de exportações japonesas
52
. De 1995 a 2005, o comércio exterior da China com a ASEAN
passou de US$ 20 bilhões, para US$ 130 bilhões
53
, absorvendo déficits planejados da
ordem de US$ 20 bilhões.
Além disso, a China atrai metade do comércio regional e 60% dos
investimentos, sendo o maior importador de bens de Taiwan e Coréia do Sul e, incluindo
49
KISSINGER, H. Diplomacia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p. 867.
50
PINTO, P. 2000, op. cit. p. 45,
51
ALLEN, K. Chinas Foreign Military relations with Asia-Pacific. In: Jornal of Contemporany China.
10(29), 2001, p. 648-50. Com relação à soberania, o autor destaca a questão de áreas como Taiwan, Hong
Kong, Macau, Tibet, Xinjiang, o Mar do Sul da China e Ilhas de Diaoyu/Senkaku, além da presença das
forças norte-americanas na Coréia do Sul e Japão e o fornecimento de recursos estratégicos como o
petróleo.
52
ARRIGHI, G. 1998, op. cit. p. 100-1.
53
The Economist, 19 de novembro de 2005, p. 24.
38
Hong Kong, o maior mercado para as exportações de Japão, Cingapura, Malásia e
Filipinas. Enquanto absorve déficits no comércio de bens com a Ásia, mantém enormes
superávits com os EUA e com a União Européia
54
. Um exemplo disto é a balança
comercial da China com o mundo e com a ASEAN (Gráfico 1).
Gráfico 1: Balança comercial da China com o mundo e a ASEAN
Fonte: L'Atlas du Monde Diplomatique (Hors-Série), 2006, Paris, p. 163.
O comércio exterior da China com o mundo (importações/exportações) e a
origem das importações de seus manufaturados é revelador do processo de “asianização”
(Mapa 2 e 3). O percentual das relações bilaterais entre China e o entorno da Ásia dá a
dimensão da importância que a dinâmica regional já assumiu. Mas o mais importante é
que tanto este processo de “asianização” está em franca ascensão quanto a China cada vez
mais se torna seu centro gravitacional.
54
AHN, B. The rise of China and the future of east asian integration. In: Asia-Pacific Review. vol. 11, n° 2,
2004, p. 20-22.
39
Mapa 2: Exportações mundiais para a China
Fonte: L'Atlas du Monde Diplomatique (Hors-Série), 2006, Paris, p. 162.
Mapa 3: Importações mundiais da China
Fonte: L'Atlas du Monde Diplomatique (Hors-Série), 2006, Paris, p. 162.
40
Em 1997, cerca de 20% dos manufaturados importados pela China eram
oriundos dos EUA, em 2003 estas proporções caíram para apenas 11%. Já com relação
aos novos países industrializados da Ásia, a China importava menos de 15% dos
manufaturados desta região em 1997, passando em 2003 para 29% (Gráfico 2).
Gráfico 2: Origem das importações chinesas de manufaturados
Fonte: L'Atlas du Monde Diplomatique (Hors-Série), 2006, Paris, p. 163.
Quer dizer, a China está se tornando o Estado-pivô do desenvolvimento na
Ásia-Pacífico. Para isto tem deslocado progressivamente as posições de poder dos EUA
consolidadas no pós-guerra, bem como a proeminência econômica alcançada pelo Japão
nos anos 1980, quando este se transformou no maior PIB do mundo. Se o Japão foi a
mola propulsora na formação dos Tigres Asiáticos e no desenvolvimento regional, na
virada do século a China passa a assumir esta liderança. Ou seja, esse rearranjo de poder
produz, de um lado, dinâmicos processos de integração e interdependência e, de outro,
articulação de alianças militares e desafios no campo da segurança regional e
internacional.
41
É bom lembrar que dois dos Tigres Asiáticos, são chineses (Hong Kong e
Taiwan) e outro tem três quartos da população chinesa (Cingapura)
55
. Isto favorece a
ascendência política e cultural da China sobre a região e também sobre os fluxos
econômicos, tanto comerciais quanto financeiros. Ao dinamismo econômico, somam-se
esforços para impulsionar a integração política da região
56
.
Apesar das pretensões dos EUA de manterem a ascendência sobre a região,
esta vai assumindo dinâmica própria. Se a criação do Foro para a Cooperação Econômica
da Ásia-Pacífico (APEC), em 1989, reflete os objetivos dos EUA, a China não tem
aceitado ser um parceiro menor na região
57
. O processo de “asianização” e emergência da
China tem produzido desafios relacionados ao papel do Japão.
De um lado, China e Japão aparecem juntos em processos de integração
regional, como evidencia a formação da ASEAN+3, em 1997. Com a inoperância da
APEC, este mecanismo de integração ganhou impulso com a crise asiática, que fora
percebida como a nociva ascendência dos EUA sobre a região, especialmente via FMI.
Por outro lado, as rivalidades entre China e Japão bloqueiam os esforços para o
aprofundamento dos mecanismos de integração regional, sobretudo em função dos
ressentimentos decorrentes da invasão da China pelo Japão imperialista durante a
Segunda Guerra Mundial.
Estas disputas sino-japonesas revelam uma acomodação de forças no Extremo
Oriente, associadas à forte penetração dos EUA na região. Enquanto a China incrementa
sua capacidade de projeção de poder, o Japão se encontra diante de uma recessão desde o
final dos anos 1980, sem ter definido claramente suas opções de projeção internacional e
55
SUKUP, V. A China frente à globalização: desafios e oportunidades. In: Revista Brasileira de Política
Internacional. vol. 45, nº 2, 2002, p. 89.
56
Sobre os blocos asiáticos, ver OLIVEIRA, 2002, p. 114-18.
57
PINTO, P. 2000, op. cit. p. 48-9.
42
alinhamentos polí tico, demonstrando baixa autonomia diplomática. Já para os EUA, as
dificuldades para se manter como potência dominante na região se tornam cada vez mais
evidentes, tendo em vista a integração regional (asianização) e a projeção da China como
Estado-pivô. Além disso, o fim da Guerra Fria fez desaparecer o fosso que separava a
Indochina da ASEAN, incrementando as relações entre os atores regionais
58
.
A projeção do Estado-pivô chinês se fez sentir na crise asiática, que na
essência era uma crise global, quando o país ganhou importantes pontos diplomáticos por
toda a região, já que acudiu financeiramente as economias vitimadas. A decisão política
de não desvalorizar o yuan, mesmo prejudicando seu desempenho econômico
59
,
demonstrou a flexibilidade da política externa chinesa e sua capacidade de absorver os
impactos de instabilidades internacionais em benefício regional. Além do mais, os
dirigentes chineses, que têm reagido à tentativa de enquadramento do FMI, apontaram a
influência indireta dos EUA como responsável pela crise.
A crise financeira serviu, também, de alerta aos dirigentes chineses que
responderam a ela valorizando o mercado doméstico, através de uma política econômica
que visava a formação de uma economia continental. Ao mesmo tempo em que a
formação desta economia continental reduz sua vulnerabilidade externa, aumenta seu
peso no cenário internacional. A crise financeira fortaleceu, portanto, as bases de poder
do Estado-pivô chinês em várias dimensões: serviu para reduzir a dependência externa da
economia; para ampliar sua projeção diplomática na região; e para fortalecer seu peso
internacional enquanto economia mais pujante.
58
VIZENTINI, P.; RODRIGUES, G. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Porto Alegre: Novo Século,
2000, p. 100.
59
OLIVEIRA, H. Os blocos asiáticos e o relacionamento Brasil-Ásia. In: São Paulo em perspectiva. 16(1),
2000, p. 87.
43
Apesar de as tensões na Coréia do Norte e em Taiwan poderem transformar-se
em conflito, a tendência predominante na região tem sido de crescimento da
interdependência e da cooperação entre atores estatais e não-estatais, com a China sendo
o núcleo deste processo
60
. Mesmo a península indochinesa, que havia sido uma área de
profundos conflitos na Guerra Fria, está se estabilizando e se associando à dinâmica
regional. Inclusive o Vietnã incorporou-se à ASEAN em 1995, após normalizar suas
relações diplomáticas com a China (1991), país com o qual havia tido sérios conflitos de
fronteira em 1979, e depois à OMC (2006). É bom destacar, contudo, que existem
indefinições fronteiriças com a ilha Senkaku/Diaoyu
61
entre Japão e China; com as ilhas
Parecel entre China e Vietnã; e com as ilhas Spratley entre China e Filipinas.
Entretanto, os países da Ásia-Pacífico percebem as ameaças que podem minar
sua segurança regional. Há o entendimento difundido de que “a desestabilização de
qualquer vizinho pode resultar na sua própria desestabilização”, numa espécie de
instabilidade mútua assegurada
62
. Mas existem importantes forças contraditórias
relacionadas à reorganização de forças na região, aos novos alinhamentos diplomáticos,
às pretensões de potências extra-regionais e aos interesses de cada país na busca pelo
desenvolvimento e pela maior autonomia na inserção externa. Esta reorganização de
forças guarda, por isso, potenciais conflitos ligados à recolocação de países em declínio
relativo (EUA e Japão), de países em ascensão (China e Índia), de países que visam a
recompor sua projeção (Rússia) e de países de importância regional que buscam manter
algum protagonismo (Paquistão, Coréia do Sul, Vietnã, etc.).
60
SHAMBAUGH, D. China Engages Asia. In: International Secutirity. vol. 29, nº 3, 2005, p. 65.
61
Senkaku é o nome dado pelos japoneses e Diaoyu é o nome dado pelos chineses.
62
RADTKE, K. Leste Asiático em busca da segurança geopolítica (energética). In: VIZENTINI;
WIESEBRON. Neohegemonia americana ou multipolaridade? Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. 42.
44
Portanto, a China está criando as condições para que a Ásia-Pacífico torne-se
sua base de poder regional, como os EUA haviam feito no final do século XIX e primeira
metade do séuclo XX porém sem o recurso à força. O conceito de “asianização”, que
antes se referia principalmente ao Extremo Oriente, passou a estender-se para o Sudeste
da Ásia, e atualmente volta-se também para oeste, com a formação da OCS. Nesse
sentido, há a possibilidade de se conformar o conceito de eurasianização da Ásia, tão
importante para a China, União Européia e Rússia, quando arriscado para as pretensões
hegemônicas dos EUA.
45
2 - A CHINA E OS EUA: ENTRE A COOPERAÇÃO E O CONFLITO
As relações sino-americanas têm sido marcadas por uma significativa
oscilação entre aproximação e distanciamento ao longo da segunda metade do século
XX. Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA escolhem a China como sua base de poder
regional na Ásia-Pacífico. Contudo, a revolução chinesa leva a uma reestruturação da
política externa dos EUA para a região. O Japão torna-se base do poder norte-americano
nessa área, que vai assumindo a condição de “fronteira quente” da Guerra Fria, enquanto
a China se aproxima da URSS para viabilizar a reconstrução nacional.
Os conflitos sino-soviéticos criam uma oportunidade singular para a
reaproximação entre os EUA e a China no início da década de 1970. Esta aliança
contribuiu muito, de um lado, para que os EUA reagissem ao desgaste de sua hegemonia
e, de outro, para que a China encontrasse um espaço para sua projeção internacional.
Como toda aliança pressupõe pontos de convergência e de divergência, o fim da Guerra
Fria começou a dar mostra de esgotamento dos pontos de convergência, sobretudo por
parte dos interesses da política externa dos EUA.
Embora a aproximação sino-americana tenha produzido profunda
interdependência, os ganhos têm sido diferenciados, impulsionando as divergências. São
contradições de fundo que se gestam e que estão no cerne do processo de transição
atravessado pelo sistema mundial. A evolução das relações entre EUA e China guarda
respostas, tanto acerca do êxito da ascensão chinesa quanto sobre o papel dos EUA neste
processo de multipolarização e de redefinição da correlação de forças em escala global.
46
2.1 Do isolamento diplomático à aliança sino-americana
O término da Segunda Guerra Mundial coincidiu com a estruturação da pax
americana e com o desafio representado pela URSS ao sistema mundial capitalista. A
conformação do arranjo institucional da Guerra Fria expressava a evidente hegemonia dos
EUA no plano econômico. A manutenção desta condição se traduzia nas políticas de
contenção da URSS por meio do acercamento geopolítico. O cerco militar incluía
intimidações militares que utilizavam de bases de mísseis balísticos portadores de ogivas
nucleares e aviões militares sobrevoando com regularidade a China.
Os EUA se alçaram à condição de potência também na Ásia-Pacífico após a
Segunda Guerra Mundial. Com a derrota japonesa após as duas Guerras Mundiais, país
que havia deslocado a Grã-Bretanha do comando da região, os EUA assumem a
hegemonia regional. Com isso, alçam a China como base de poder regional, situando-a
como um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, formado
em 1946. Assim, a China, de potencial geopolítico e tradição histórica de grande poder, se
tornava um contrapeso asiático à URSS e à expansão do socialismo.
Contudo, o resultado de décadas de instabilidade interna na China coincidiu
com a irrupção do país como um estado de regime socialista e a interrupção da sua
inserção internacional subordinada. A revolução na China, a Guerra da Coréia e as
instabilidades na Península Indochinesa fizeram com que os EUA instituissem Taiwan
como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e o Japão como base de
poder regional.
Nesse contexto, os norte-americanos estruturam uma complexa rede de
alianças objetivando conter o socialismo na Ásia-Pacífico. Inicialmente, firmam relações
47
bilaterais, estreitando laços de segurança com o Japão, em 1951, bem como com a Coréia
do Sul e Taiwan, em 1954. Neste mesmo ano, é formada uma aliança mais ambiciosa, a
OTASE (Organização do Tratado do Sudeste Asiático, 1954), reunindo países da OTAN,
Reino Unido e França, além do Japão, Filipinas, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia e
Paquistão. Diante do recrudescimento dos conflitos na fronteira quente da Guerra Fria,
desencadeada pelos EUA, a China buscou aproximar-se da URSS, visando à reconstrução
nacional.
Na verdade, “a contenção [do socialismo] foi o guia e o referencial central
para a política externa norte-americana”, já tendo sido definida desde o discurso de Harry
Truman (1947), ganhando sua “elaboração mais bem-acabada na publicação do artigo do
Sr. X
63
. George Kennan, diplomata do Departamento de Estado dos EUA, que logo
depois revelaria sua identidade, lançou as bases do que viria a ser a política do cordão
sanitário. Tomava por referências, aliás, as bases geopolíticas e estratégicas da teoria de
Spykman, segundo a qual quem controlasse o rimland (as fímbrias marítimas que
contornam a Eurásia) controlaria o heartland mackinderiano, isto é, a URSS e a Europa
Oriental
64
.
Nos anos 1970, o governo dos EUA passou a rever sua política externa para
reverter o cenário adverso que se conformava. O cenário adverso explicitava-se pela
derrota norte-americana no Vietnã, a forte expansão do bloco socialista, a crescente
competição euro-japonesa (após a reconstrução do pós-guerra), a projeção do Terceiro
Mundo (Grupos dos 77), bem como a crise de superacumulação associada ao
63
PECEQUILO, C. A política externa dos EUA. Porto Alegre, UFRGS, 2003, p. 143-45. Na verdade, o
desembarque na Normandia (6/jun/1944) e as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki (6-9/ago/1945)
representavam a contenção do socialismo (e do Exército Vermelho) muito mais do que a derrota das forças
alemãs e japonesas.
64
MELLO, L. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999, p. 130-131.
48
esgotamento do paradigma fordista-keynesiano. A ampliação dos atores internacionais
gerou uma nova pressão nos organismos internacionais, com crescente politização das
negociações. Para o governo dos EUA, a reversão deste cenário passava, entre outras
coisas, por uma aproximação estratégica com a China.
Com isso, a China aproveitou uma “brecha” deixada pela conjuntura
internacional de polaridade da Guerra Fria, na qual as relações de poder se inclinavam em
favor da URSS, para resolver seus problemas relacionados ao isolamento diplomático, à
desorganização interna do país e às ameaças à segurança nacional.
Em 1969, com relativa rapidez, as conversações entre China e EUA foram
reiniciadas, inaugurando uma reaproximação diplomática. O grande êxito chinês de voltar
a fazer parte do Conselho de Segurança da ONU é alcançado em 1971, deslocando
Taiwan de sua posição política e diplomática internacional. Em 1972, Nixon visita a
China e lança o Comunicado de Xangai, estabelecendo relações diplomáticas um ano
depois. Em 1979, a troca de embaixadas simbolizava formalmente a retomada das
relações diplomáticas e o reconhecimento de “uma só China”
65
. Além disso, a China
obteve dos EUA o tratamento de Nação Mais Favorecida e foi classificada como “nação
em desenvolvimento”, o que resultou na redução das tarifas norte-americanas sobre os
têxteis e vestuários chineses para a metade dos valores iniciais
66
.
Com essa aliança, a China criava condições concretas para a resolução de
importantes problemas nacionais. No plano econômico, o país impulsionava a
modernização por intermédio da inserção no crescente dinamismo que assumia o pólo de
acumulação da Ásia-Pacífico, da atração dos recursos dos chineses ultramarinos e da
65
PECEQUILO, C. 2003, op. cit. p. 194.
66
MEDEIROS, C. 1999, op. cit. p. 393.
49
retomada dos empréstimos internacionais pelo ingresso no Banco Mundial e no FMI
(1980).
Já no plano político-diplomático, o país alcançava um reconhecimento
notável, pela política de “uma só China”, ao mesmo tempo que isolava Taiwan. Era,
concomitantemente, uma reação ao isolamento decorrente dos conflitos sino-soviéticos,
bem como ao “congelamento” do poder mundial subjacente à détente e à coexistência
pacífica arquitetada pela URSS e pelos EUA. A China, pois, transformava-se em
importante pólo de poder nas relações internacionais.
Além disso, a China dirimia seu problema de segurança decorrente da ameaça
da URSS, manifesto nos conflitos junto ao rio Ussuri, na Doutrina Brejnev (1969)
67
e no
acercamento diplomátco-militar; de hegemonia dos EUA na Ásia-Pacífico, com a forte
presença no Japão, Coréia do Sul, Taiwan; de ameaça separatista no interior do país,
especialmente no Tibet e Xinjiang; de instabilidade decorrente da crise econômica
expressa na fome generalizada; de presença colonial em Hong Kong e Macau, entre
outros. Esses objetivos ficaram claros em 1980, no Discurso para os Dez Mil Militantes,
quando Deng Xiaoping situou as tarefas estratégicas da China na luta contra o
hegemonismo, no recuperação de Taiwan ao espaço nacional e na aceleração da
reconstrução econômica.
Já no caso dos norte-americanos, a política externa para a China tinha sentido
geopolítico de conformar uma Diplomacia Triangular
68
, visando a reafirmar a hegemonia
desgastada. A recomposição da geometria do poder mundial em favor dos EUA visava a
responder a dois movimentos. De um lado, evitar a perda da dianteira econômica para
europeus e japoneses no contexto da profunda reestruturação pela qual passava a
67
KISSINGER, H. 1997, op. cit. p. 860 e ss.
68
KISSINGER, H. 1997, op. cit. p. 837.
50
economia capitalista (toyostismo, nova Divisão Internacional do Trabalho e Revolução
Tecno-Científica) impulsionada pela crise do paradigma fordista-keynesiano. De outro,
evitar o avanço geopolítico da URSS, devido às revoluções de perfil nacional e socialista
na periferia do sistema mundial nos anos 1970.
A aliança com a China, por isso, era decisiva para que os EUA reduzissem a
proeminência do poder político soviético, explorando e intensificando as fissuras do
bloco socialista. Com efeito, os EUA reduziam os custos da derrota para o Vietnã, além
do que limitavam o avanço econômico japonês na Ásia-Pacífico. Fatores estes
profundamente vinculados a problemas internos, tais como: o surgimento dos déficits
gêmeos (comerciais e orçamentários), o colapso do sistema de Bretton Woods, etc.
A aliança sino-americana fez com que a URSS tomasse uma posição mais
ativa na instrumentalização das revoluções e levantes antiimperialistas de base popular-
nacional na periferia. Em vez de um retorno de Brejnev a um internacionalismo
revolucionário, expressava “uma resposta geopolítica defensiva de Moscou ao
crescimento do eixo Washington-Pequin”
69
. Enquanto isso, a China adotava uma política
externa anti-soviética para evitar o acercamento diplomático-militar realizado pela URSS.
Além dos tradicionais aliados, a URSS firmou um Tratado de Amizade e
Cooperação Soviético-Vietnamita (1978), denunciado por Deng Xiaoping
70
, bem como
aprofundou a aproximação com a Índia, com quem já possuía o Tratado Indo-Soviético de
Amizade (1971). O cerco da URSS à China se completava: no leste, com a Coréia do
Norte; no norte, com a Mongólia; no oeste, com os países soviéticos da Ásia Central,
além do Afeganistão; e ao sul-sudeste, Índia e Vietnã. Dessa forma, para a China a saída
69
DAVIS, M. O imperialismo nuclear e dissuasão extensiva. In: THOMPSON, Edward et alli.
Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 81.
70
SPENCE, J. Em busca da China moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 613.
51
era dotar sua política externa de maior pragmatismo, intensificando as relações com os
EUA e com históricos rivais - como o Japão com o Tratado de Paz e Amizade Sino-
Japonês (1978).
Sendo assim, a resposta ao isolamento foi o apoio aos rebeldes islâmicos no
Afeganistão, contra os socialistas apoiados pela URSS, ao Khmer Vermelho de Pol Pot no
Camboja, contra os vietnamitas e ao Paquistão contra a Índia. Com isso, a diplomacia
chinesa começou a apresentar fortes incongruências, em certas circunstâncias apoiando
governos como o de Pinochet no Chile e de Mobuto no Zaire, em outras reagindo, no
Terceiro Mundo, ao hegemonismo da URSS que financiava revoluções, intervindo em
assuntos domésticos.
2.2 A projeção chinesa e os desafios geoestratégicos com os EUA
Na análise dos problemas internacionais, estamos
sempre convencidos de que a contradição mais forte
está entre os países imperialistas que lutam entre si
pelo controle das colônias. Eles usam as contradições que
possuem conosco para ocultar as existentes entre eles.
Mao Tsé-tung
O fim da Guerra Fria fez com que vários “muros asiáticos ruíssem,
especialmente pela normalização das relações sino-soviéticas
71
. A reconfiguração de
poder na Ásia-Pacífico é um dos elementos centrais na conformação do sistema mundial
em transição. Daí a crescente preocupação dos EUA com a forma como a China tem-se
71
VIZENTINI, P.; RODRIGUES, G. 2000, op. cit. p. 100.
52
tornado o núcleo da região, aumentando sua capacidade de projeção internacional e
deslocando as posições de poder norte-americanas.
Com o fim da Guerra Fria, os norte-americanos começaram a perceber o
sucesso do desenvolvimentismo chinês como a afirmação de um indesejável poder
regional”. Assim, características políticas e institucionais da China, inteiramente
desconsideradas no contexto da Guerra Fria, passaram a pautar “ainda que
contraditoriamente, o comportamento americano”
72
.
Em 1989 a visita de Gorbachov foi o estopim para os acontecimentos da Praça
da Paz Celestial, que continham forças vinculadas à acelerada modernização do país, às
divisões e lutas no interior do PCC e aos grupos apoiados por agentes externos. A
repressão do governo chinês e as mortes que se seguiram forneceram aos EUA o pretexto
para a alteração de sua política para a China – diante de um cenário no qual desaparecia a
outra superpotência desafiante, a URSS.
E essa alteração de comportamento logo se explicitou: em 1992 os EUA
venderam 150 F-16 para Taiwan, rompendo unilateralmente o Comunicado de Xangai; em
1993 vetaram a intenção da China de sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e o seu ingresso
na OMC; em 1996 enviaram dois porta-aviões para o estreito de Taiwan, de forma a
monitorar os exercícios militares chineses; a partir dos anos 1990 a renovação anual do
tratamento de Nação Mais Favorecida tem se constituído numa questão crescentemente
delicada. Além disso, os EUA passaram a boicotar os pedidos de empréstimos chineses
tanto no BID quando no Banco Mundial
73
, bem como bombardearam intencionalmente a
embaixada chinesa em Belgrado no final dos anos 1990 .
72
MEDEIROS, C. 1999, op. cit. p. 394; 396.
73
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 54.
53
A questão de Taiwan se transformou num importante ponto de dissenso entre
EUA e China. Enquanto o governo dos EUA passou a alimentar esperanças de
independência em Taiwan, inclusive com cooperação militar, os chineses agitam
objetivando incorporá-la definitivamente ao espaço nacional. A China busca estreitar os
laços econômicos com Taiwan, aumentando a dependência do mercado chinês, ao mesmo
tempo que enfraquece a posição internacional da ilha, isolando-a diplomaticamente.
Entretanto, em março de 2005, o Parlamento chinês aprovou uma lei que autorizava o uso
de meios não-pacíficos contra a ilha caso seus líderes optassem pela independência. O
objetivo era dissuadir as pretensões dos grupos políticos que insistiam numa posição
independentista, mostrando que este não seria um futuro formoso para a ilha
74
. De
qualquer forma, o interesse pragmático no mercado chinês e a desconfiança das alianças
que sustentariam um esforço de guerra contra a China parecem ser mais importantes na
avaliação dos possíveis cenários de conflito no Estreito de Taiwan.
Apesar dos inúmeros atritos diplomáticos, as relações econômicas sino-
americanas revelam uma profunda interdependência, numa relação de soma positiva que,
no entanto, produzem ganhos diferenciados. A evolução desta intrincada
interdependência sino-americana pode influenciar decisivamente o rearranjo de poder
regional e global e, por sua vez, o novo ordenamento mundial em conformação.
Se é verdade que a China depende do mercado e dos investimentos norte-
americanos, é verdade também que os EUA dependem do influxo de capital chinês, tanto
na compra de títulos do Tesouro como na relevância do dinâmico espaço chinês de
acumulação. No médio e longo prazo, essa interdependência tende a enfraquecer a
74
Ver PINTO, P. Taiwan um futuro formoso para a ilha? Porto Alegre: UFRGS, 2005 e DORNELLES
JÚNIOR, A. A questão de Taiwan. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Relações
Internacionais/UFRGS, 2006.
54
capacidade produtiva e as contas externas dos EUA, ao mesmo tempo que permite à
China não só barganhar politicamente com a posse dos títulos norte-americanos como
aprofundar sua modernização produtiva.
Além disso, a China tem buscado fugir à dependência dos EUA tanto em
relação aos investimentos quanto em relação aos mercados. Os investimentos dos EUA
sempre foram minoritários em relação à preponderância dos investimentos da Ásia
(dominando os dos chineses ultramarinos), e o mercado norte-americano tem perdido
expressão frente à crescente importância dos mercados asiáticos, e mesmo doméstico,
para a China. Em 1998 o mercado dos EUA teve sua maior importância no comércio
exterior chinês, alcançando 26,39%, decaindo posteriormente para 20,04% em 2004. Já o
mercado da Ásia, que ocupava 56,63% do comércio exterior chinês, teve ligeiro aumento,
chegando a 57,58%. Quanto aos IED’s, em 2004 a participação dos EUA ficou em 6,5%,
enquanto os IED’s oriundos da Ásia chegaram à cifra de mais de 62% (Tabela 7).
Tabela 7: Mercado dos EUA para o comércio exterior da China
1995 20,43% 2000 24,52%
1996 21,90% 2001 23,83%
1997 23,18% 2002 23,72%
1998 26,39% 2003 21,24%
1999 26,31% 2004 20,04%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de China Statistical Yearbook
O debatido problema do declínio relativo do poder norte-americano,
entretanto, refere-se a inúmeros outros elementos. Mas é, talvez, na análise da
interdependência China-EUA que tenhamos elementos para uma avaliação prospectiva,
isto é, de longo prazo. Quer dizer, o entendimento da dinâmica das relações sino-
55
americanas pode tornar mais claro o papel dessas nações no reordenamento de poder em
escala mundial.
O mercado dos EUA auxiliou o restabelecimento das relações diplomáticas
com a China nos anos 1970. Com o fim da Guerra Fria, a projeção internacional da China
começou a preocupar a diplomacia dos EUA. Em 1990, o déficit comercial dos EUA com
a China era de US$ 10,4 bilhões, passando a ser de US$ 201,6 bilhões em 2005. Em uma
década e meia, o déficit comercial dos EUA com a China cresceu mais de 1.900%,
acumulando a impressionante cifra de US$ 1,095 trilhões. Se a China obtém a maior
parte de seu gigantesco superávit comercial com os EUA, é com este superávit que o
governo chinês conquista apoio na periferia, ao assumir déficits comercias, ao mesmo
tempo em que aumenta sua capacidade de investimentos na economia nacional (Tabela
8).
Tabela 8: Comércio da China com os EUA (em US$ bilhões)
Ano Importações
chinesas
Exportações
chinesas
Total % de
crescimento
Saldo
1990 - - - - 10,4
1991 - - - - 12,7
1992 - - - - 13,3
1993 - - - - 22,8
1994 - - - - 29,5
1995 11,8 45,6 57,4 19,3 33,8
1996 12,0 51,5 63,5 10,6 39,5
1997 12,8 62,6 75,4 18,7 49,8
1998 14,3 71,2 85,5 13,4 56,9
1999 13,1 81,8 94,9 11,0 68,7
2000 16,3 100,0 116,3 22,6 83,7
2001 19,2 102,3 121,5 4,5 83,1
2002 22,1 125,2 147,3 21,2 103,1
2003 28,4 152,4 180,8 22,7 124,0
2004 34,7 196,7 231,4 28,0 162,0
2005 41,8 243,5 285,3 23,3 201,7
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.uschina.org e www.cebc.org.br
56
Por isso, os EUA têm pressionado a China no sentido de rever sua política
cambial, da mesma forma que o Japão foi pressionado na metade dos anos 80
75
. Os
déficits comerciais dos EUA, todavia, referem-se mais à dificuldade de os norte-
americanos assumirem a dianteira da Revolução Científico-Tecnológica (RCT) do que
propriamente um problema cambial ou aduaneiro. Se considerarmos ainda os déficits
orçamentários, bem como a poupança doméstica negativa, temos problemas de fundo sem
os quais os EUA não conseguirão enfrentar, de forma estrutural, o desgaste de sua
hegemonia.
Desde os anos de 1970, a RCT está no centro de uma ampla reestruturação da
economia capitalista visando a responder ao esgotamento do modelo fordista-keynesiano
que perdurou na Era do Ouro
76
. A reestruturação da economia capitalista tem-se
desdobrado em três frentes fundamentais: a tecnológica, com a RCT nos campos de
biotecnologia, robótica, informática e novos materiais
77
; a territorial, com uma nova
Divisão Internacional do Trabalho, redefinindo os fluxos internacionais de capitais; e a
organizacional, com as novas formas de produção just in time ligada ao toyotismo. O
colapso do sistema de Bretton Wood (1971), com o fim da paradade dólar-ouro, e os
Choques Petrolíferos (1973-79), com as bruscas elevações nos preços do petróleo, foram
decisivos no impulso à reestruturação da economia capitalista.
A reestruturação geoeconômica do capitalismo expressa-se na forma pela qual
os EUA tentam adequar-se à RCT. Desde 2002, os EUA são deficitários no comércio de
75
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 38.
76
HOBSBAWM, E. Era dos Extremos.São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 223-390. O autor se
refere ao período que vai do final da Segunda Guerra Mundial até os anos 1970 como Era do Ouro, isto é,
de notável desenvolvimento da economia capitalista e de expansão do Estado de Bem-Estar Social.
77
Os novos materiais estão ligados ao desenvolvimento de ramos da ciência como química fina, física
nuclear, biologia molecular, entre outros, que revolucionam os padrões produtivos.
57
bens de tecnologia avançada e, desde 1998, “os lucros que elas [multinacionais norte-
americanas] remetem para os EUA são inferiores aos que as empresas estrangeiras neles
instaladas remetem para seus respectivos países”. Além disso, a vulnerabilidade dos EUA
se apresenta em uma economia na qual os serviços financeiros, os seguros e os bens
imóveis avançaram duas vezes mais rápido do que a indústria entre 1994 e 2000
78
, e tem
obedecido a esta tendência nos últimos anos. É importante considerar a relação entre
expansão financeira e crise hegemônica, bem como a reação dos EUA ao possível
declínio
79
.
A conformação de um mundo mais complexo, com novos pólos de poder,
causa preocupações aos EUA. A sustentação das fragilidades geoeconômicas e
geopolíticas dos EUA têm dependido, por isso, do controle de certas zonas de produção
de petróleo e do movimento do capital financeiro (bônus do Tesouro, obrigações, açõ es,
etc.). Do contrário, não haveria como garantir o equilíbrio da balança de pagamentos
americana e o financiamento da importação de bens de todo tipo além de ter a
conseqüência grave de inflacionar os riscos
80
.
Quanto ao controle do petróleo, ele garante não só suprir a dependência
energética fóssil e fornecer uma fonte de recursos monetários, mas também controlar
indiretamente as potências desafiantes, utilizando-se justamente da linha de força em que
permanece todo-poderoso, o poder militar
81
. Por isso, os EUA têm buscado recompor suas
posições de poder utilizando-se das linhas de menor resistência (Afeganistão, Iraque, Irã,
Coréia do Norte, etc.). Ou melhor, não encontram outros meios de reafirmação do seu
78
TODD, E. Depois do Império. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 82-5.
79
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. p. 282.
80
TODD, E. 2003, op. cit. p. 108-9; 118.
81
HARVEY, D. O novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004, p. 30.
58
poder senão controlando indiretamente os recursos de poder que possam ser estratégicos
às potências desafiantes (China, Japão, União Européia e Rússia).
No entanto, esse recurso à força conduz à erosão da hegemonia e a um dilema
angustiante: “o aparelho militar americano está superdimensionado para garantir a
segurança da nação, mas subdimensionado para controlar um império e, de modo mais
amplo, para manter de forma duradoura a hegemonia na Eurásia”
82
. Ao mesmo tempo,
esse dilema no plano militar repercute no grau de engajamento no sistema internacional,
isto é, “sem reduzir sua presença internacional, os EUA não lograrão reorientar sua
economia; mas, sem sua liderança mundial, o país não conseguirá obter os meios
necessários para retomar o crescimento e a dianteira tecnológica”
83
.
O recuo do universalismo ideológico, a queda da eficiência econômica e a
insuficiência militar dos EUA revelam sérias deficiências de fundo na reafirmação da
hegemonia
84
. O dólar tem perdido força como única moeda forte de reserva da economia
mundial, seja pelo surgimento do euro, seja por sua sustentação depender de permanentes
infusões de compras de títulos, especialmente pela China. As forças terrestres dos EUA
encontram dificuldades de superar resistências locais, enquanto as ações unilaterais que a
viabilizam produzem fissuras políticas e alianças anti-hegemônicas.
A erosão da hegemonia, isto é, do consentimento em torno de sua liderança,
se acentua na medida em que implica um comportamento errático que pode ter como
efeito coalizões que dificultem as pretensões norte-americanas. A projeção de pólos
regionais de poder e a emergência da China acentuam as preocupações dos EUA. No caso
82
TODD, E. 2003, op. cit. p. 99.
83
VIZENTINI, P. Geopolítica e conflitos contemporâneos. Porto Alegre: Leitura XXI, v. 3, 2005, p. 105.
84
TODD, E. 2003, op. cit. p. 161.
59
da China, a preocupação decorre do seu peso geopolítico e das características do projeto
chinês.
A China é o único poder continental eurasiático em contato com o nordeste,
sudeste, sul e centro da Ásia, além da Rússia, conferindo-lhe a condição de maior jogador
geoestratégico capaz de interferir nos interesses regionais e globais dos EUA
85
. São, além
disso, 1,3 bilhões de habitantes, mais de 9,5 milhões de km
2
(terceiro maior território do
mundo) em contato fronteiriço com 22 países. Um país, pois, com características de
potência continental e marítima ao mesmo tempo.
Trata-se de um projeto com nítidas pretensões e possibilidades autônomas,
expressas, inclusive, na sua capacidade militar (possui armamento nuclear, indústria
armamentista própria, tecnologia aeroespacial e missilística, capacidade militar de
dissuasão, além de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU)
86
.
A China tem-se projetado internacionalmente buscando criar no mundo uma
relação de forças propícias aos seus objetivos políticos de longo prazo: daí o alinhamento
chinês ao G-22, criado no âmbito da OMC; as pressões da embaixada chinesa na ONU
pelo perdão das dívidas do Terceiro Mundo; a recente abertura comercial total a produtos
dos 35 países mais pobres do mundo; a decisão de apoiar a reforma no Conselho de
Segurança da ONU, democratizando-o aos países da periferia; a transferência de
tecnologia de usinas hidrelétricas e termelétricas para países africanos (Angola, Etiópia,
Guiné), entre outras políticas
87
.
A resposta dos EUA, segundo acadêmicos norte-americanos deve conter o
incremento das capacidades militares da China; preservar as “regras do jogo” com um
85
SWAINE, M.; TELLIS, A. Interpreting Chinass grand strategy: past, present and future. Santa Monica:
RAND, 2000, p. 2.
86
VIZENTINI, P. v. 3, 2005, op. cit. p. 116.
87
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p.37-8 e 191.
60
mínimo de mudança e esforço; manter a ordem política renovando as alianças existentes;
construir novas alianças para proteger os Estados potencialmente ameaçados pelo poder
ascendente; e preparar-se para a guerra para manter sua posição e a de seus aliados.
Assim, a política externa dos EUA para a China tem que estar voltada para 1) perseguir a
cooperação, integrando a China ao sistema internacional e à democracia; 2) evitar que a
China adquira capacidade de ameaçar os interesses dos EUA na Ásia e em outros
continentes; 3) preparar-se para lidar com uma China afirmativa, com grandes
capacidades militares e como poder emergente
88
.
A evolução da política internacional, no entanto, tem dado alguns sinais de
desacordo em relação aos objetivos traçados pelos estrategistas norte-americanos. É
justamente preservando as “regras do jogo” que a China tem logrado uma posição de
crescente destaque no cenário internacional. Quer dizer, tem conseguido uma acelerada
modernização econômica e desenvolvimento tecnológico, fortalecimento de suas
capacidades militares e ampliação das suas alianças diplomáticas e de sua projeção
internacional.
Acadêmicos e políticos norte-americanos dão ênfase à necessidade de
transformar a China numa democracia liberal, de modo a ser mais facilmente integrada à
ordem internacional e menos inclinada a utilizar meios militares
89
. No entanto,
acadêmicos chineses consideram que a insistência norte-americana nos direitos
individuais e na democracia aparece como mecanismo de interferência na política
doméstica da China e, por sua vez, na subversão da estabilidade social e do
desenvolvimento econômico dirigido pelo PCC
90
.
88
SWAINE, M.; TELLIS, A. 2000, op. cit. p. 234-40.
89
SWAINE, M.; TELLIS, A. 2000, op. cit. p. XIV. Da mesma forma, BUZAN; WAEVER, 2003, p. 148
afirmam que ou China se torna democrática e liberal ou se tornará militarista e nacionalista.
90
CHUNG, H. 2004, op. cit. p. 993.
61
Na verdade, os EUA querem impor à China a mesma “democracia” que
conseguiram exportar para a ex-URSS: ascensão aos poderes do Estado e da gestão da
economia de uma verdadeira máfia, que culminou no controle de um autocrata, como
Boris Iltsin, capaz de bombardear o Parlamento; miséria em massa e assustadora
diminuição da duração média de vida; recolonização de um enorme território reduzido à
condição de Terceiro Mundo; e o desmembramento e fragmentação territorial
91
.
Apesar dos custos, a repressão na Praça da Paz Celestial “economizou à
China (e ao mundo) uma reedição, em escala muito mais larga, da tragédia que atingiu a
URSS e a Iugoslávia, e chegou em cima da hora para conseguir privar os EUA do triunfo
final, que eles já antegozavam”
92
. Como resposta ao acercamento dos EUA, a China
acumula forças tornando-se o núcleo da dinâmica Ásia-Pací fico e constrói sólidas
alianças internacionais.
Os líderes chineses acreditam que a projeção da China depende da
continuidade do desenvolvimento econômico, com condições de paz externa e
estabilidade doméstica. A redução, pois, da influência norte-americana decorre de três
razões principais: geopolítica, visando a conter a expansão da OTAN para a Ásia Central;
geoeconômica, visando a colocar sob controle sino-russo os recursos naturais da Ásia
Central; geoestratégica, visando a garantir a estabilidade das fronteiras ocidentais da
China, minimizando a penetração do terrorismo e do separatismo e reconstruindo a antiga
Rota da Seda
93
. Daí a importância da formação da Organização para Cooperação de
Shangai (OCS), em 2001, pela qual a China se aproximou estrategicamente da Rússia e
91
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 183.
92
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 188.
93
CHUNG, H. 2004, op. cit. p. 993; 997-1003.
62
dos países da Ásia Central, tais como Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e
Uzbequistão.
No entanto, autores norte-americanos são claros ao afirmar que a
transformaç ão de potencial em poder na China é significativa, pois, se concluída com
sucesso, pode resultar em uma dramática transição de poder no sistema internacional
94
.
Qual a resposta da nação hegemônica, os EUA, à erosão de sua posição internacional?
Se o poder vier a entrar em colapso, será sobretudo pela resistência norte-americana
à adaptação e à conciliação. E, inversamente, a adaptação e a conciliação norte-
americanas ao crescente poder econômico da região da Ásia-Pacífico é condição
essencial para uma transição não catastrófica para uma nova ordem mundial
95
.
Entretanto, há autores que afirmam que, mesmo não tendo recorrido à força
para estender ou controlar historicamente sua esfera de influência, o comportamento da
China pode vir a ser baseado no recurso à força como fora a de outros poderes
ascendentes ou desafiantes
96
. O que é importante destacar é que os EUA continuam a ter
importante dispositivo militar na região: cerca de 100 mil homens em estado de prontidão
distribuídos no Japão, Coréia do Sul, Filipinas, Tailândia e Austrália, além de facilidades
militares em Cingapura, Guam, Ilhas Marianas, Havaí e Califórnia. O Comando do
Pacífico, por exemplo, abrange 43 países e tem cerca de 300 mil homens, o que
representa 1/5 das Forças Armadas dos EUA
97
. A ênfase da projeção de força dos EUA no
Pacífico situa-se na forte presença de suas forças navais.
94
SWAINE, M; TELLIS, A. 2000, op. cit. p. 1.
95
ARRIGHI, G.; SILVER, B. 2001, op. cit. p. 298.
96
SWAINE, M.; TELLIS, A. 2000, op. cit. p. 54 e 218.
97
OLIVEIRA, A. A crise asiática: mito e realidade. In: VIZENTINI, Paulo; CARRION, Raul. A crise do
capitalismo globalizado na virada do milênio. Porto Alegra: UFRGS, 2000, p. 89.
63
O argumento central é que há conveniência, por parte da China, em manter a
trajetória de ascensão pacífica, pois é com essas “regras do jogo” que ela tem logrado a
condição de potência mundial. Quer dizer, não se invalida o argumento de que o
reordenamento de forças na região conduza à guerra, mas se sublinha que o crescente
recurso à força tem marcado os movimentos recentes da política externa dos EUA,
evidenciando a resistência à sua perda de poder relativo. Em outras palavras, nem sempre
as potências desafiantes (em ascensão) tendem a recorrer à força nas relações
internacionais, mas somente aquelas que num dado status quo internacional tendem ao
declínio relativo e à perda de proeminência.
64
3 - A CHINA E A ÍNDIA: REORIENTAÇÃO DAS RELAÇÕES BILATERAIS
A China “até em seus tempos de fraqueza, manteve a unidade política”, ao
passo que, “na Índia de 1740, a autoridade imperial havia desmoronado por completo
98
.
O longo período de subordinação às nações imperialistas culmina nas independências
nacionais do pós-guerra: a Índia em 1947 e a China em 1949 embora esta já tivesse
dado um primeiro passo em 1911, com a proclamação da República. A Guerra Fria, após
um interregno de aproximação, de 1947 até 1962, desembocou numa crescente tensão
entre China e Índia. A partir dos anos 1970, enquanto a primeira nação se aproximava dos
EUA, a segunda buscava na URSS o contrapeso de poder na Eurásia numa espécie de
Diplomacia Cruzada.
Entretanto, o fim da Guerra Fria tem levado os EUA a manterem maior
distanciamento e preocupação com relação à ascensão chinesa. Enquanto a China busca
um acercamento com a Rússia, para os EUA a Índia tem surgido como possível base de
poder na região. Se a aliança sino-russa parece cada vez mais consolidada, a aproximação
indo-americana encontra sérios empecilhos, inclusive devido à rápida melhora nas
relações entre China e Índia. A Índia, nesse sentido, deve assumir papel central no novo
ordenamento mundial que está se conformando. Isto é, a inserção internacional da Índia
pode definir a acomodação de forças na Eurásia assim como a velocidade do recuo do
poder dos EUA na região. Além disso, o desenvolvimento da Eurásia, bem como seus
alinhamentos diplomáticos, deve responder se a região assumirá, ou não, seu papel de
pivô na história mundial.
98
PANIKKAR apud ARRIGHI, G. 2001, op. cit. p. 235.
65
3.1 Os conflitos da Guerra Fria
A China e a Índia, duas velhas civilizações vizinhas, mantiveram pouca
interação socioeconômica ou político-cultural ao longo de séculos. Há algumas
explicações para a ocorrência do relativo distanciamento sino-indiano, especialmente o
caráter autocentrado de seus desenvolvimentos, a barreira natural representada pela
Cordilheira do Himalaia, bem como o fato de os centros geoeconômicos estarem
distantes, isto é, no caso indiano, a planície indo-gangética, e no caso chinês, os vales
férteis junto ao Pacífico. Entretanto, apesar das diferentes experiências coloniais, ambas
foram objetos de exploração e subjugação em similar medida
99
.
No caso da China, apesar da soberania formal, houve perdas territoriais,
desorganização da estruturação social, a ponto de o país ter o controle das alfândegas nas
mãos de britânicos por 45 anos. No caso da Índia, com a soberania completamente
desfeita, os britânicos praticamente destruíram a forte indústria têxtil indiana, tornando-a
grande importadora da Grã-Bretanha
100
.
A conturbada descolonização dos dois gigantes da Ásia no pós-guerra, China
e Índia, foi permeada por profundos conflitos, mas também por importantes diferenças.
Enquanto na China a revolução e a reconstrução nacional resultaram de um longo ciclo de
guerra civil e instabilidades internas, na Índia, a guerra civil foi o resultado da
independência e da fragmentação territorial que se seguiu. A revolução de 1949 permitiu
a coesão necessária, apesar dos percalços, para a manutenção da unidade nacional e para
recuperação dos territórios ocupados ou ameaçados pelo separatismo. Na Índia, o
99
SIDHU, W.; YUAN, J. China and India: cooperation or conflict? New Delhi: India Research Press,
2003, p. 10.
100
Ver CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em perspectiva
histórica. São Paulo: Unesp, 2003.
66
imperialismo britânico fomentou as fraturas sociais que depois se transformariam em
sérios conflitos.
A descolonização da Índia em 1947, após a retirada britânica sem resistência,
produziu, além da fragmentação territorial, conflitos e uma forte espiral de violência.
Assim, o conflito religioso entre a Liga Muçulmana e o Partido do Congresso
transformou-se num conflito interestatal e político-militar entre um Paquistão islâmico
(dividido em Ocidental e Oriental) e uma Índia secular e multicultural, mas
dominantemente hindu
101
. O conflito interestatal criou 15 milhões de refugiados, ao
cruzar as novas fronteiras com o Paquistão, e culminou em mais de 2 milhões de mortos
na subseqüente guerra civil
102
.
O conflito de 1947-48 entre Paquistão e Índia seria o primeiro de uma
histórica rivalidade no Sul da Ásia. As disputas indo-paquistanesas se estenderam ao
longo de toda a zona fronteiriça, embora estivesse mais concentrada na região da
Caxemira e do Punjab (Mapa 4). O contencioso oscilava entre os planos diplomáticos e
militares, condicionando as alianças políticas e estratégicas na região.
101
BUZAN, B.; WAEVER, O. Regions and Powers: the struture of international security. Cambridge:
Cambridge University Press, 2003, p. 101.
102
HOBSBAWM, E. 1994, op. cit. p. 58.
67
Mapa 4: Conflitos na Ásia Meridional
Fonte: VESENTINI, José. Geografia do mundo subdesenvolvido. São Paulo: Ática, 2004, p.
229.
A aproximação entre a China e a Índia se deu a partir do estabelecimento das
relações diplomáticas em abril de 1950. Aliás, a Índia foi um dos primeiros países a
reconhecer a República Popular da China, proclamada em 1949. Apesar das diferenças
ideológicas e das disputas fronteiriças entre China e Índia, a aproximação culminou na
declaração conjunta sobre os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, em 1954, pela
iniciativa de Zhou Enlai e Nehru. Estes princípios estavam assentados nos seguintes
pontos: 1) respeito mútuo ao território e à soberania; 2) não agressão; 3) não ingerência
em assuntos internos; 4) igualdade e benefício mútuos; 5) e coexistência pacífica
103
.
103
PINTO, P. 2000, op. cit. p. 70-1.
68
A liderança ativa do governo indiano no Movimento dos Países Não-
Alinhados e o nacionalismo eram produtos de um complicado processo de independência
e de luta anticolonial. A Conferência de Bandung, Indonésia, em 1955, “marcou a
irrupção do Terceiro Mundo no cenário internacional”, bem como a consolidação e as
transformaçõ es no campo socialista, a obtenção de um relativo equilíbrio nuclear e a
recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, resultado do início de um
processo de multilateralização das relações internacionais
104
.
Ao não-alinhamento e ao neutralismo, associava-se a defesa da
descolonização, da autodeterminação dos povos e, por sua vez, das soberanias nacionais,
frente à pressão das grandes potências. Em 1961 realizou-se a I Conferência dos Países
Não-Alinhados, em Belgrado, Iugoslávia, a partir da organização de Tito, Nasser,
Sukharno e Nerhu, que manifestava a defesa de uma nova ordem política e econômica
mundial menos assimétrica.
Apesar da atuação no movimento neutralista e não-alinhado, a aliança sino-
americana impulsionou a Índia a buscar um contrapeso regional. Em 1971, a Índia
assinou o Tratado Indo-Soviético de Amizade, respondendo à aproximação sino-
americana, que interessava à URSS como resposta aos conflitos com a China.
Conformava-se uma espécie de Diplomacia Cruzada que pautaria a Guerra Fria na
região.
104
VIZENTINI, P. v. 2, 2004, op. cit. p. 88-89.
69
Esquema 1 – Cenário da Guerra Fria: A Diplomacia Cruzada
Elaborado pelo autor
A aliança entre Índia e URSS era o reflexo da deterioração das relações da
China tanto com a Índia como com a URSS. A ruptura sino-soviética se desdobrou no
mesmo contexto em que se avolumavam as tensões sino-indianas. As tensões entre China
e Índia tornaram-se insustentáveis devido, primeiramente, à concessão indiana de asilo
político ao Dalai Lama, após a revolta no Tibet em março de 1959, e, posteriormente, às
disputas fronteiriças. Estas disputas culminaram na guerra de fronteira em outubro de
1962, vencida com folga pela China (Mapa 4).
Depois dos choques de fronteira sino-indianos de 1962, o governo soviético
enviou abastecimentos militares à Índia
105
e estabeleceu suas forças armadas na fronteira
com a China “ao longo de toda a extensão de 6.400 quilômetros da fronteira chinesa, que
105
KENNEDY, P. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989, p. 382.
70
rapidamente chegou a mais de 40 divisões”
106
. Os atritos sino-soviéticos culminaram nos
conflitos ao longo do rio Ussuri na Sibéria, em 1969. A resposta do governo chinês foi o
apoio dado ao governo do Paquistão, inclusive nos conflitos com a Índia em 1965 e 1971.
O apoio do governo chinês ao Paquistão Ocidental, em 1971, não evitou a
independência do Paquistão Oriental
107
, que contou com apoio do governo indiano. Com
efeito, a China passou a desenvolver uma política externa com forte conteúdo anti-
soviético ao mesmo tempo que tornava mais pragmática sua política externa para o
Terceiro Mundo.
Uma década após a China comprovar que possuía artefato nuclear, a Índia
explode sua bomba atômica, em 1974. Além dos conflitos com a China e Paquistão, a
Índia estava envolvida em disputa territorial com Bangladesh em 1979 pelo controle de
uma ilha na Golfo de Bengala. No mesmo contexto, a intervenção da URSS no
Afeganistão aumentou o apoio dado ao Paquistão tanto por parte do governo da China
quanto por parte do governo dos EUA.
Na década de 1970, associado a estes conflitos regionais, a Índia enfrentava
sérios problemas domésticos. Os choques petrolíferos (1973-79) golpearam a economia
indiana, dependente das importações dos recursos energéticos fósseis. As exportações
não estavam gerando divisas para compensar as importações, seja de petróleo, seja de
alimentos, para uma população que crescia cerca da 15 milhões de habitantes por ano. A
resistências às campanhas de esterilização orientadas pelo Banco Mundial fizeram o
106
KISSINGER, H. 1997, op. cit. p. 860.
107
Após a independência passou a chamar-se Bangladesh, um país que tem os bengali como grupo étnico e
o islamismo como religião dominante. Este é atualmente um país muito pobre e superpovoado (cerca de
1000 hab../km
2
), afetado seriamente por catástrofes naturais como enchentes, ocasionadas pelas chuvas de
monções, e ciclones tropicais originários do Golfo de Bengala.
71
governo de Indira Gandhi decretar estado de emergência em 1975 e estabelecer censura à
imprensa.
Após este ciclo de conflitos e disputas diplomáticas, os anos 80 e 90 serão
marcados por uma relativa distensão nas relações bilaterais sino-indianas. A retomada
dessas relações bilaterais refletia o esgotamento da Guerra Fria, no plano internacional, e
a reorientação das prioridades dos Estados, nos planos doméstico e regional. Enquanto a
China projetava uma arrancada industrial com as reformas promovidas por Deng Xiaping,
a Índia encontrava-se em cenário mais complexo.
A normalização no relacionamento diplomático entre China e Índia consegue
significativos resultados. As principais evidências são a retomada de visitas entre
governantes e militares sino-indianos; a expansão dos contados e da cooperação no
comércio de bens e serviços; e a recuperação das negociações sobre as disputas
fronteiriças. O resultado foi o incremento comercial que passou de US$ 117,4 milhões em
1987 para US$ 1,922 bilhões em 1998
108
.
Apesar da sensível melhora no relacionamento sino-indiano nos anos 1980-
90, a virada do milênio traria importantes elementos para o relacionamento bilateral,
além de elementos para o rearranjo de forças em escala regional e também mundial. O
reposicionamento de China e Índia na nova ordem mundial em conformação, depende,
em grande parte, de suas relações bilaterais, inserções em âmbito regional e respostas à
penetração dos EUA na Eurásia.
108
SIDHU, W.; YUAN, J. 2003, op. cit. p. 22;25.
72
3.2 A reaproximação e a redefinição das alianças
O verdadeiro século da Ásia-Pacífico, ou da Ásia, só
existirá quando a China, a Índia e os demais países
vizinhos tiverem se desenvolvido. De igual modo, não
haverá nenhum século da América Latina sem o
desenvolvimento do Brasil.
Deng Xiaoping, Textos Escogidos. 1988
Se, no contexto da Guerra Fria, a Índia, aliada da URSS, projetava-se mais
para o Oceano Índico, mantendo uma industrialização substitutiva e autocentrada, o
colapso da URSS e a ascensão da Ásia-Pacífico têm forçado a uma maior aproximação
com a China. O governo da Índia tem sido objeto de interesse também por parte da
política externa dos EUA. A Índia, nesse sentido, tem realizado movimentos sutis no
sentido de dissuadir o problema com o Paquistão e, também, de conectar-se ao
dinamismo econômico da Ásia-Pacífico.
A inserção internacional da Índia foi assumindo, todavia, contornos delicados
com o fim da Guerra Fria e a desintegração da URSS que a acompanhou. De um lado, a
Índia perdeu seu tradicional aliado, a URSS, que, entre 1951 e 1985, forneceu entre 60-
70% das aquisições militares do país. De outro, nesse mesmo contexto, a Índia enfrentou
uma crise na balança de pagamentos que conduziu ao programa de liberalização
econômica iniciado em 1991. Assim, “como a experiência sino-russa, Pequim e Nova
Delhi tem conduzido uma longa rota de normalização”
109
.
As reformas econômicas de perfil liberalizante diminuíram o controle sobre
as exportações, tornaram o câmbio flutuante (rúpia em relação ao dólar) e facilitaram a
109
Idem., p. 119; 123.
73
atração dos investimentos estrangeiros. As dificuldades da Índia nos anos 1980 fizeram o
BJP (Bharatiya Janata Party) crescer seus espaços políticos, assumindo o poder central
em 1998. Este partido hindu, com fortes traços fundamentalista, tem radicalizado os
conflitos políticos e sociais internos.
O BJP buscou, no plano regional e internacional, projetar a Índia utilizando
testes com bombas atômicas em 1998. Estes testes foram justificados pelo primeiro
ministro indiano, inclusive ao governo dos EUA de Bill Clinton, com a “teoria da ameaça
chinesa”. Esta teoria estava baseada na identificação da China como Grande Potência
com capacidade nuclear e poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.
Contudo, em 1999, o ministro das relações exteriores da Índia visitou a China,
restabelecendo o diálogo em alto nível, e ambos os lados declararam que não se
percebiam como ameaça. Em 2003, o primeiro-ministro da Índia visitou a China
expressando novamente que não considerava aquele país uma ameaça
110
.
Na verdade as relações sino-indianas têm melhorado desde 1998 e,
significativamente, neste novo século. Os progressos diplomáticos se apresentam no
plano político-militar nas questões mais sensíveis envolvendo o encaminhamento das
negociações sobre as fronteiras. Em 1993, firmou-se o Acordo sobre a Manutenção da
Paz e da Tranqüilidade na Atual Linha de Controle para conduzir as reduções das tropas
e promover encontros regulares entre comandos militares nas fronteiras, além de realizar
notificação dos exercícios militares de ambos os lados.
A China tem reconhecido a soberania indiana sobre o Sikkim
111
, enquanto a
Índia tem reconhecido a soberania chinesa sobre o Tibet. Para estabilizar estas duas
110
PANT, H. The Moscow-Beijing-Delhi ‘Strategic Tringle’: an idea whose time may never come. In:
Security Dialogue, 35 (3), 2004, p. 318.
111
O Sikkim foi um protetorado da Índia Britânica incorporado pela Índia em 1974-75.
74
regiões, em julho de 2006, os dois países reabriram a antiga rota Nathula, antiga rota
comercial que atravessa a Cordilheira do Himalaia e que estava fechada desde a guerra
sino-indiana de 1962.
Se a China desde o final da década de 1970 tem apresentado um acelerado
desenvolvimento interno e uma forte projeção internacional, o quadro da Índia é muito
mais contraditório. Ainda assim a Índia está ampliando sua projeção regional,
aproveitando-se da assimetria geográfica dos países. Tal ascendência indiana evidencia-se
pela criação da SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) em 1985,
com Índia, Paquistão, Bangladesh, Butão, Maldivas, Nepal e Sri Lanka. Apesar dos
conflitos indo-paquistaneses, da assimetria entre os países e dos problemas econômicos e
políticos, revela a criação de um ambiente que abre possibilidade de integração, mesmo
que lenta e complexa.
Além de forte poder militar, decorrente do amplo apoio soviético, a Índia
possui capacidade nuclear e grande desenvolvimento na produção científica e
tecnológica, inclusive em setores da Revolução Científico-Tecnológica, como informática
e medicamentos genéricos. Têm sido claras as demonstrações da Índia de que não aceita
ser coadjuvante na política internacional, desde sua liderança no Movimento dos Países
Não-Alinhados até sua histórica rejeição em assinar o Tratado de Não-Proliferação de
Armas Nucleares (TNP), dotando-se de capacidade nuclear. O TNP, aliás, após décadas
do seu surgimento (1968) teve resultados medíocres: cristalizou o poder nas potências
centrais; não penalizou paí ses que não ratificaram o acordo, como Israel e Paquistão,
aliados norte-americanos; e não produziu compensações significativas aos países que,
ingenuamente, aceitaram o desarmamento, como o Brasil. Ou seja, criou-se um ordem
75
política-militar abertamente desigual que, por vezes, produz corrida rumo às armas
atômicas.
A Índia tem buscado ampliar sua projeção internacional, inclusive com a
formação do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), que teve sua 1ª Cúpula em setembro de
2006, em Brasília. O IBAS busca articular interesses comuns entre três países semi-
periféricos industrializados e líderes de suas respectivas regiões, especialmente na OMC
e nas disputas acerca da reforma da ONU. Esta articulação pode contribuir para alterar o
equilíbrio do poder mundial e acelerar a conformação de um mundo multipolar, ou menos
vulnerável às investidas militares dos EUA. Contudo, existem interesses contraditórios no
IBAS que, ao mesmo tempo que dificultam a integração, permitem aos EUA explorá-los,
mantendo assim sua ascendência sobre eles.
O significativo potencial da Índia e da China associam-se ao dinamismo da
Ásia em geral, criando condições objetivas para a construção de uma nova correlação de
forças na região e no mundo. A aproximação sino-indiana delineia, por sua vez,
condições não só para o deslocamento das posições de poder dos EUA como para a
construção de um mundo multipolar.
A conformação de um mundo multipolar coloca a Índia como um possível
pólo regional, mais precisamente do Sul da Ásia. Isso permitiria que ela aumentasse sua
projeção no Oceano Índico, complicando as posições dos EUA, que tem base militar na
Malásia, onde controla o estreito de Malaca, principal passagem para o Oceano Pacífico.
No plano interno, as divisões étnico-religiosas de base hindu se apresentam
como um desafio de grande envergadura para o desenvolvimento indiano, já que as
fraturas sociais conservadoras, que limitam a ascensão social, impõem sérios desafios à
coesão nacional e à unidade territorial. Na Índia são 18 línguas reconhecidas oficialmente
76
e mais de 1.500 dialetos, assim como mais de duas mil castas derivadas das quatro
originárias
112
. Assim, as barreiras sociais rígidas que decorrem das estruturas de castas
hindu abrem espaços para uma forte penetração e expansão do islamismo na sociedade
indiana, aprofundando conflitos religiosos internos e externos, com seus vizinhos
Paquistão e Bangladesh.
As divisões étnico-religiosas geram fraturas sociais e o pior regionalismo que
ameaça a federação indiana. O nordeste da Índia evidencia, por exemplo, o sutil equilíbrio
de forças sobre o qual se assenta a unidade nacional: um território vertebrado pelo rio
Bramaputra que liga o subcontinente indiano, o Sudeste da Ásia e o mundo chinês, com
grandes adensamentos populacionais de enorme diversidade étnica (hindis, bengalis,
nepaleses, tibetanos) e religiosa (hinduístas, budistas, islâmicos, cristãos). Além disso, a
Índia é cercada por países vizinhos que são instáveis, superpovoados e/ou contribuem
para a maior complexidade étnico-religiosa do subcontinente indiano (Paquistão, Nepal,
Bangladesh, Mianma, China e Butão).
Em maio 2004, o Partido do Congresso voltou ao poder, com o primeiro-
ministro indiano Manmohan Singh a frente. Contudo, os traços da política interna e
internacional permenecem indefinidas. O governo indiano escolheu 6 grandes eixos de
atuação: 1) combater todos os fundamentalismos e promover a harmonia social através da
afirmação do caráter laico do Estado indiano; 2) assegurar uma taxa de crescimento anual
de, no mínimo 7 a 8%, com o objetivo de gerar emprego; 3) melhorar as condições de
vida do mundo rural e dos trabalhadores, especialmente dos setores informais; 4) garantir
plenamente os direitos das mulheres; 5) assegurar a igualdade de oportunidades em
112
As quatro castas originais são os brâmanes; os sacerdotes detentores do saber, os xátrias; os militares
detentores do poder; os vaixias, comerciantes e fazendeiros detentores do ter; e os sudras, trabalhadores,
detentores do fazer.
77
relação a educação e emprego para as “castas baixas”, as “outras classes baixas”, as tribos
e as minorias religiosas; e 6) permitir o dinamismo de todas as forças produtivas do país e
a boa governabilidade.
No entanto, o governo indiano está parcialmente preso ao ajuste fiscal, às
privatizações de empresas públicas eficientes e às desregulamentações para a entrada de
IED, para os fundos de Previdência e para o mercado de trabalho. Assim, os
investimentos públicos ficam constrangidos, de modo que a Frente de Esquerda,
especialmente os líders do Partido Comunista da Í ndia (marxista), estão realizando duras
críticas e ameaçando abandonar o apoio ao primeiro-ministro, apesar de sua ação contra o
fundamentalismo hindu e a xenofobia.
Os contrastes que marcam a Índia impõem, sem dúvida alguma, os maiores
desafios: um país, de um lado, pré-moderno, superpovoado, com carências medulares em
alimentação, saneamento básico, escolarização, energia elétrica, habitação e, de outro,
inserido na RCT, com inovações em informática, produção de fármacos, grandes centros
de pesquisa e capacidade militar desenvolvida (inclusive nuclear).
A resolução das profundas contradições em que se assenta a Índia é elementar
para o sucesso de sua inserção internacional. Mas se a consolidação da unidade interna é
uma condição para o acesso ao nível de liderança num futuro mundo multipolar, então as
estruturas sociais e as disputas políticas internas na Índia são desafiadoras para os líderes
do país. A ascensão do BJP “não somente fracassou em conter, mas, ao contrário,
intensificou as tensões étnicas”
113
devido ao tratamento hostil às minorias não-hindus. Em
um país, e região, de equilíbrio delicado de minorias étnico-religiosas, essa pode ser uma
política comprometedora para ascensão internacional da Índia.
113
HARRISS, J. Índia: os amargos frutos da ambiç ão grandiosa. In: VIZENTINI; WIESEBRON.
Neohegemonia americana ou multipolaridade? Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. 203.
78
No plano regional, o Paquistão se apresenta como um ator de grande
importância e que tem influenciado decisivamente as posições da Índia. Além da
primeira preocupação em segurança nacional, o Paquistão compõe fator decisivo na
coesão nacional e na identidade indiana, devido às suas complexas divisões sociais e
étnicas. O Paquistão tem sido historicamente um importante elemento de triangulação
com Índia e China: o Paquistão tem-se aliado com a China para contrabalançar o poder da
Índia; a China tem usado o Paquistão para dividir as atenções da Índia; e a Índia tem
percebido as relações sino-paquistanesas como a principal ameaça em suas fronteiras.
O Paquistão durante a Guerra Fria foi aliado dos EUA e da China, passando a
apoiar os talibãs. Com a saída dos soviéticos do Afeganistão e a tomada de Cabul pelos
talibãs, o Paquistão perdeu importância para os EUA, que passaram a aproximar-se de
forma ambígua também da Índia. Depois dos atentados de 11 de setembro, o Paquistão
passou a ser percebido como conivente com os talibãs e a Índia como importante
contrapeso à ascendência chinesa. O regime golpista do general Musharraf no Paquistão
abandonou os talibãs e começou a pressionar a Índia na Caxemira para legitimar-se frente
aos aliados islâmicos
114
.
O apoio dos EUA ao Paquistão no plano regional acaba empurrando a Índia
para uma maior aproximação com a China, a Rússia e o Irã
115
. O ingresso da Índia e do
Irã, como observadores na OCS, atesta a disputa e o reordenamento de forças na região.
Por isso, o Paquistão pode ser o “fiel da balança” nas relações de poder regionais, bem
como no realinhamento estratégico dos gigantes da Ásia, China e Índia, logo, produzindo
impacto amplo nas relações internacionais.
114
VIZENTINI, P. Oriente Médio e Afeganistão. Porto Alegre: Leitura XXI, 2002, p. 108; 122-3.
115
VIZENTINI, P. v. 3, 2005, op. cit. p. 129.
79
De qualquer forma, tanto Índia como China estão logrando pujante
desenvolvimento, desequilibrando as estruturas hegemônicas de poder do sistema
mundial, apesar dos seus perceptíveis contrastes. A China, entre 1980 e 2005, fez sua
participação na economia mundial passar de 3,45% para 15,41%, sua participação no
comércio global subiu de 0,79% para 6,9% e seu analfabetismo regredir de 33% para
8,7%. A Índia, entre 1980 e 2005, fez sua participação na economia mundial passar de
3,34% para 5,95%, sua participação no comércio global subiu de 0,54% para 1,07% e seu
analfabetismo regredir de 56% para 39% (Tabela 9)
116
. É inegável o êxito dos gigantes
asiáticos, que representam cerca de 40% da população mundial, assim como é inegável
que os desafios que terão de enfrentar também são de grande envergadura. Nesse sentido,
o caso da Índia ainda é mais complexo, pois seus indicadores sociais (saneamento, saúde,
educação, acesso à energia), demográficos (densidade e crescimento vegetativo) e
econômicos (déficit comercial e PIB) reclamam grandes ações para sua superação.
Tabela 9: Dados comparativos de China e de Índia em 2005
China Índia
Crescimento econômico (%) 9,9 8,3
Participação na economia mundial (%) 15,41 5,95
Fatia do comércio global (%) 6,9 1,07
Reservas internacionais (US$ bilhões) 941 163
Índice de analfabetismo (%) 8,7 39
PIB em PPP (US$ bilhões) 9.412,36 3.633,44
PIB per capita em PPP (ajustado em US$) 7.204,13 3.344,17
PIB per capita (US$ bilhões) 1.702,85 713,68
Energia consumida em 1.000 KTOE (quilotons de equivalente de petróleo) 1.409,38 553,39
Estoque de investimentos em outros países (US$ bilhões) 38,82 5,33
Total do comércio exterior (US$ bilhões) 1.432,1 221,4
Saldo comercial (US$ bilhões) 101,9 -41,8
População alsoluta (bilhões) 1,306 1,080
Densidade demográfica (hab./ km
2
) 136,1 329
Fonte: Elaborado pelo autor a partir da Folha de São Paulo (30/julho/2006)
116
Folha de São Paulo, 30 de julho de 2006.
80
Tanto Índia quanto China partilham enormes desafios ligados ao
desenvolvimento, à construção da coesão nacional em formações multinacionais, à
existência de grupos separatistas, à ameaça de terrorismo, à soberania nacional e à
conformação de um mundo multipolar. O desenvolvimento das relações sino-indianas tem
combinado aproximação e afastamento, com uma evolução marcada pela cooperação
pragmática. Ou seja, ao mesmo tempo que não há um alinhamento no nível de segurança
e política externa, não há um recrudescimento do tensionamento bilateral a ponto de
comprometer a estabilidade da região.
A inserção externa da Índia tem oscilado, através desta cooperação
pragmática, buscando uma barganhar diplomática tanto com China quanto com EUA, seja
com o governo do BJP, do primeiro-ministro Atal Bihari Vajpayee (1998-2004), seja com
a coalizão liderada pelo Partido do Congresso que ascendeu ao poder (como apoio dos
comunistas). Os governos da China e dos EUA têm, por isso, atuado no sentido de evitar,
sobretudo, as possíveis externalidades negativas decorrentes de uma escalada de
instabilidade no sub-continente indiano.
81
4 - A DINÂMICA TRIANGULAR: REORDENAMENTO DE PODER E CENÁRIOS
O fim da Guerra Fria inaugurou um período de crise sistêmica e de transição
no sistema mundial. Nesse sentido, a dinâmica triangular entre China, EUA e Índia
contém três elementos fundamentais do novo ordenamento mundial em gestação: a
emergência da China e da Ásia-Pacífico; o desgaste ou a reafirmação da hegemonia dos
EUA na região e no mundo; e a reorientação da inserção internacional da Índia.
Estes são elementos centrais na definição das formas que podem assumir o
profundo reordenamento de poder em escala mundial, bem como do papel de destaque
para a Eurásia nesse período histórico que se conforma. Se a Inglaterra liderou a ordem
internacional assentada na primeira Revolução Industrial e os EUA lideraram a ordem
assentada na segunda Revolução Industrial, há cada vez mais evidências de que a Ásia-
Pacífico tem se tornado o centro da Revolução Científico-Tecnológica. E, com isso, a
China vai assumindo a condição de Estado-pivô dessa transformação que se dá na esfera
produtiva e, sobretudo, na esfera geopolítica.
A análise da evolução das relações triangulares entre China, EUA e Índia
torna-se de destacada importância. Na conformação de cenários acerca destas relações
triangulares, é fundamental considerar o relacionamento com importantes atores
regionais. Nesse sentido, Rússia e Paquistão são países que desde a Guerra Fria têm
assumido a condição de aliados ou adversários estratégicos de China, EUA e Índia. São
atores, portanto, que devem influenciar na dinâmica triangular e, por extensão, no
reordenamento de poder mundial. Além destes atores regionais, os EUA serão não só um
ator de grande relevância, como, possivelmente, o mais afetado pelo reordenamento de
poder que tem na Eurásia seu epicentro.
82
4.1 O reordenamento mundial e o papel da China-Ásia-Pacífico
O objetivo fundamental do socialismo é o desenvolvimento
das forças produtivas. No estágio inicial, é necessário
concentrarmo-nos, com absoluta prioridade, neste
desenvolvimento. São diversas as contradições na economia,
na política, na cultura, nas atividades sociais e em
outros setores da vida da China e, por causa de fatores internos
e externos, as contradições de classe, de uma certa dimensão,
continuarão a existir por um longo período
Jiang Zemin, XV Congresso do PCC. 1997
A ascensão internacional da China tem sido condicionada pela modernização
interna, pela conformação de uma base regional de poder, bem como pela projeção
internacional para outras regiões do mundo. Assim, enquanto a Ásia-Pacífico torna-se
pólo da Terceira Revolução Industrial, a China torna-se Estado-pivô desta transformação
econômica que coincide com uma profunda transição no sistema mundial, ocasionando
novos alinhamentos diplomáticos e reordenamento de poder.
A modernização interna tem-se dado devido à capacidade do Estado chinês
de dirigir o processo de desenvolvimento nacional. Associadas às fortes políticas de ICT,
o governo da China mobiliza sua política monetária (câmbio, juros e créditos) para
auxiliar a modernização do parque produtivo. O resultado tem-se expressado nas taxas
elevadíssimas de crescimento econômico, nos enormes superávits comerciais e nas
sólidas reservas internacionais. Em 2000, as reservas internacionais da China eram de
US$ 156 bilhões de dólares, chegando, em 2005, a US$ 819 bilhões. As reservas
internacionais, os superávits comerciais e o controle das contas de capitais são sinais de
força da China contra choques externos (Tabela 10).
83
Tabela 10: Desempenho macroeconômico chinês I
Ano Crescimento real do
PIB (%)
Superávit comercial
(em US$ bilhões)
Reservas internacionais
(em US$ bilhões)
1990 3,8 8,6 10,4
1991 9,2 8,2 12,7
1992 14,2 4,4 13,3
1993 13,5 - 12,2 22,8
1994 12,7 5,4 29,5
1995 10,5 16,7 33,8
1996 9,6 12,2 39,5
1997 8,8 40,4 49,8
1998 7,8 43,5 56,9
1999 7,1 29,2 68,7
2000 8,0 24,1 83,7
2001 7,5 22,5 83,1
2002 8,3 30,4 103,1
2003 9,1 25,5 124,0
2004 9,5 32,8 162,0
2005 - - 201,7
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.cebc.org.br
Da mesma forma, outros indicadores macroeconômicos evidenciam a solidez
do desenvolvimento. A dívida externa tem-se apresentado em níveis controlados, na casa
dos 14% do PIB desde 1990, com um pico máximo de 18,5% em 1994, enquanto os
investimentos em ativos fixos passaram de US$ 88 bilhões em 1980 para US$ 741,3
bilhões em 2004. Já o PIB em PPP (paridade de poder de compra), passou de US$
455,50 bilhões em 1980, chegando a US$ 7.546,60 US$ em 2004, revelando, de um lado,
o contraste com seu PIB nominal (US$ 1.595,60 em 2004) e, de outro, um crescimento de
mais de 16 vezes em menos de duas décadas e meia (Tabela 11).
84
Tabela 11: Desempenho macroeconômico chinês II
Ano Dívida externa/PIB
(%)
Crescimento do PIB em
PPP (em US$ bilhões)
Investimentos em ativos
fixos (em US$ bilhões)
1990 14,30 1.582,80 98,80
1991 14,80 1.773,10 111,60
1992 15,00 2.104,50 150,80
1993 14,30 2.438,00 225,30
1994 18,50 2.799,80 195,60
1995 16,90 3.243,20 243,10
1996 15,80 3.585,00 280,70
1997 16,30 3.877,40 303,40
1998 15,20 4.168,70 333,70
1999 15,30 4.566,30 356,10
2000 13,20 5.019,40 394,10
2001 13,40 5.525,30 444,80
2002 13,20 6.066,00 506,40
2003 13,40 6.752,30 619,80
2004 14,1 7.546,60 741,30
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.cebc.org.br
A modernização interna tem evoluído em compasso com a conformação de
sua base de poder regional. Esta se manifesta pela liderança chinesa no processo de
“asianização” da Ásia projetada para o Pacífico, bem como pela parceria sino-russa na
articulação da Organização para Cooperação de Shangai projetada para a Ásia Central.
Dessa maneira, a China cria condições político-diplomáticas e econômicas para ter a
maior ascendência sobre a Eurásia.
O processo de “asianização” da Ásia desfez a polarização e os conflitos
decorrentes da Guerra Fria. O rápido desenvolvimento do Complexo Regional de
Segurança da Ásia-Pacífico, com a integração do Nordeste e Sudeste da Ásia, tem
conformado uma área de crescente ascendência do poder chinês, com fortes relações entre
segurança e interdependência econômica
117
.
117
BUZAN, B.; WAEVER, O. 2003, op. cit. p. 170.
85
Para lograr seus objetivos, a China tem buscado tornar-se o centro geopolítico
da dinâmica região da Ásia-Pacífico. E, ao mesmo tempo em que tem-se integrado à
economia mundial, o regime chinês tem acumulado forças para responder às crises com
mais crescimento e unidade, o que ficou perceptível na crise de 1989 e nas reviravoltas da
economia mundial
118
. O objetivo prévio chinês de quadruplicar o PIB de 1980 a 2000 foi
alcançado antes do previsto, antes de 1995; é bom lembrar que líderes chineses percebem
a segurança econômica como um item importante da segurança nacional
119
.
A projeção da China para o interior da Ásia tem se dado pela aproximação
sino-russa e pela formação da OCS. A evolução das relações entre China e Rússia ganha
particular importância após o fim da Guerra Fria. Com o desaparecimento da fronteira
impermeável que antigamente separava a URSS do Oriente Médio, com a formação dos
novos Estados da Ásia Central, a região tornou-se objeto de um intenso jogo geopolítico
das potências médias (Turquia, Irã, Arábia Saudita e Paquistão)
120
e poderes globais
(EUA, Rússia e China).
Nesse sentido, China e Rússia, que viram suas relações com os EUA piorarem
no final dos anos 1990, têm-se pronunciado a favor de um mundo multipolar e de uma
ordem mundial anti-hegemônica. Enquanto a China simpatiza com a objeção russa à
expansão da OTAN a leste, reconhecendo a Chechênia como sua questão doméstica e as
pretensões de entrar na OMC, a Rússia reconhece Taiwan e Tibet como parte integral da
China
121
.
118
CABRAL, S. A China como alternativa ao neoliberalismo. In: VIZENTINI, Paulo; CARRION, Raul.
Século XXI: Barbárie ou Solidariedade. Porto Alegra: UFRGS, 1998, p. 83.
119
MENGZI, F. Mitos e realidades da crise financeira asiática. In: VIZENTINI, Paulo; CARRION, Raul. A
crise do capitalismo globalizado na virada do milênio. Porto Alegra: UFRGS, 2000, p. 71-2.
120
VIZENTINI, P.; RODRIGUES, G. 2000, op. cit. p. 102.
121
PANT, H. 2004, op. cit. p. 314-15.
86
Além de nações membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU,
China e Rússia apresentam complementaridade estratégica significativa. De um lado, a
Rússia, com enormes reservas de recursos naturais, especialmente petróleo e gás natural,
e destacado desenvolvimento no campo tecnológico-militar e, de outro, a China, com
enorme acumulação de capital e potencial mercado consumidor.
Se a leste a China catalisa sua influência no processo de “asianização”, sem
grandes adversários, no oeste a Rússia tem sido a aliada para integrar e desenvolver a
região. Por isso, em 1996, foi formado o Grupo dos Cinco de Shangai, que posteriormente
desdobrou-se na Organização para Cooperação de Shangai (OCS), em 2001. Além das
repúblicas da Ásia Central como Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, a OCS
incorporou ainda o Uzbequistão.
Os objetivos da OCS foram sintetizados no espírito de Shangai com cinco
C’s: confiança, comunicação, cooperação, coexistência e comum interesse. Estão ligados
na verdade à dissuasão da insurgência islâmica, como no Xinjiang e na Chechênia, e à
ascendência dos EUA sobre a Ásia Central, aumentada após os atentados de 11 de
setembro. É importante destacar que a China tornou-se membro formal de um grupo
regional que não é exclusivamente de orientação econômica”
122
.
Aliás, a região já é objeto do interesse dos EUA desde os anos 1970, no apoio
ao combate aos soviéticos. Nos anos 1990, os EUA titubearam acerca do Afeganistão, na
esperança de que o regime dos talibãs e Bin Laden pudessem ser úteis para aumentar sua
influência na região. De qualquer forma, criaram o CENTRASBAT (Central Asian
Batallions), assinado em 1996-7 com o Uzbequistão, Cazaquistão e Quirguistão, visando
aos exercícios militares conjuntos. Os atentados de 11 de setembro, apesar da reversão da
122
CHUNG, C. The Shangai Co-operatin Organization: China’s changing influence in Central Asia. In:
China Quarterly. 180, 2004, p. 994.
87
expectativa sobre o regime talibã, deram, com a Guerra ao Terrorismo, a legitimidade
necessária para a permanência na região
123
.
Por isso, os objetivos iniciais da OCS estavam relacionados à segurança
regional, especialmente os três males: separatismo, fundamentalismo e terrorismo. O
Movimento Islâmico do Uzbequistão, por exemplo, executou violentas ações no Vale do
Ferghana, onde as fronteiras do Uzbequistão se encontram com as do Quirguistão e
Tadjiquistão, buscando apoio ainda nos talibãs afegães
124
.
A cooperação tem alcançando as áreas estratégicas de defesa e tecnologia
militar, no caso de China e Rússia, principalmente. Em 2003, começou a funcionar em
Tashkent, capital do Uzbequistão, a Agência Regional Antiterrorismo, ilustrando a
preocupação com a segurança regional. O estabelecimento da segurança regional,
contudo, depende da estabilização da Ásia Central, principalmente pela iniciativa sino-
russa de promover a cooperação econômica por meio dos investimentos chineses no oeste
do país e da recuperação da herança soviética (a infra-estrutura e a burocracia razoáveis,
apesar do sucateamento e da corrupção). Se o desenvolvimento do litoral chinês com os
países da Ásia-Pacífico tem sido importante, não podemos menosprezar a convergência
do oeste da China com os países da Ásia Central
125
. Além disso, a OCS, entre 2004 e
2005, com intuito de ampliar e aprofundar a integração regional, admitiu quatro países
como observadores: Mongólia, Paquistão, Irã e Índia.
A projeção internacional da China depende da continuidade do
desenvolvimento econômico, com condições de paz externa e estabilidade doméstica. Daí
123
OLIVEIRA, A. 2002, op. cit. p. 90.
124
CHUNG, C. 2004, op. cit. p. 991; 995.
125
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 70. O autor destaca (nota de rodapé 37) a cooperação no oeste da
China com os países da Ásia Central por meio do Xinjiang, com crescentes relações comerciais, trocas de
tecnologia e pessoal especializado em indústrias petroquímica e mecânica, assim como a
exportação/importação de produtos primários.
88
as preocupações decorrentes do aumento da influência norte-americana especialmente
após os atentados de 11 de setembro de 2001. De um lado, os EUA preocupam-se com os
recursos naturais da Ásia Central: uma região rica em algodão, alumínio, ouro e,
sobretudo, petróleo e gás, o que justificou a construção do oleoduto concluído em 2006
que desvia os recursos fósseis do Cáspio para o porto turco de Ceyhan, passando pelo
Azerbaijão e Geórgia
126
. De outro, os EUA preocupam-se com o fato de que a região
(Ásia Central, Sibéria russa e oeste da China) se torne o espaço geoeconômico de ligação
da Europa com a Ásia-Pacífico, tornando a Eurásia uma área integrada, desenvolvida e
fora do seu controle geopolítico.
Há certa clareza de que a presença norte-americana na Ásia Central não tem
como elemento principal a luta contra o terrorismo, mas a disputa de poder na região com
a Rússia, China e o Irã. Os objetivos da política externa sino-russa visam a contenção da
ascendência dos EUA na região, especialmente expressos na expansão da OTAN e na
busca pelo controle dos recursos naturais. A contenção dos EUA liga-se ainda à
estabilidade da fronteira oeste da China e sul da Rússia, minimizando a penetração do
terrorismo e do separatismo
127
.
Além da Rússia e países da Ásia-Pacífico, a China fortalece suas relações
com a Índia. As relações com a Índia têm dissuadido a percepção de ameaça que
imperava durante o período da Guerra Fria. A cooperação atinge áreas sensíveis, tais
como setores militares, científicos e tecnológicos, além de incrementar rapidamente o
comércio bilateral e de resolver conflitos de fronteira (como no caso indiano, e em seu
favorecimento). As relações sino-indianas, porém, apresentam oscilações e disputas
intrincadas que dificultam a sua consolidação.
126
CHUNG, C. 2004, op. cit. p. 993.
127
Idem, p. 997-1003.
89
Mas além da influência regional, a China tem projetado sua diplomacia e
peso econômico para outras regiões. A presença chinesa tem se feito sentir em outras
regiões e em países estratégicos, como Irã e Brasil, e mesmo na União Européia e África.
No caso de alguns países da África e do Irã, a China tem servido de contrapeso às
pressões dos EUA ao mesmo tempo que busca dirimir sua dependência de petróleo de
países do Oriente Médio, onde os EUA mantêm forte influência e domínio.
A realização do Fórum de Cooperação Sino-Africano (FOCAC) em 2006
indica crescentes disputas sino-americanas no continente africano, especialmente no que
se refere à exploração de recursos naturais, destacadamente fósseis. O comércio sino-
africano quadruplicou em cinco anos (foi de US$ 39,7 bilhões em 2005) e será duplicado
em 2010, segundo as previsões. São mais 800 empresas chinesas investindo na África
cerca de US$ 6 bilhões de dólares, através de acordos com 28 países e com projetos de
engenharia, construção, petroquímica, educação, saúde, etc.
Aliás, as disputas sino-americanas por recursos naturais, principalmente
petróleo e gás natural, tende a condicionar as articulações políticas em escala mundial.
Nesse sentido, é particularmente importante a região que estende-se do Golfo da Guiné,
passando pelo Sudão e Oriente Médio, até a Ásia Central, próximo ao Mar Cáspio. Essa
região, além de representar ¾ das reservas de petróleo, possui fortes instabilidades
políticas, o que explica tanto as intervenções dos EUA quanto o delicado suprimento
energético da China
128
.
A consolidação da aliança chinesa com o Brasil é relevante pois há a
convergência de objetivos na conformação de um mundo multipolar que contrabalance a
presença dos EUA. Em 1999, 25 anos após o estabelecimento das relações diplomáticas,
128
O autor está elaborando, junto com o colega Lucas Kerr, um artigo sobre as disputas sino-americanas
por recursos fósseis na África.
90
foi lançado o satélite sino-brasileiro de levantamento de recursos da terra, o CBERS
(Chinese-Brasilian Earth Resources), indicando o potencial da cooperação tecnológica e
científica
129
. A evolução comercial e política que se processa nas relações sino-brasileiras
requer, sobretudo do lado brasileiro, decisão de conceber esta parceria como
geoestratégica
130
.
No seu esforço de colaborar para a conformação de um mundo multipolar, a
China tem buscado apoio também na Europa, sobretudo para capacitação militar e
tecnológica, acarretando restrições norte-americanas
131
. Os EUA aproveitaram os
incidentes da Praça da Paz Celestial para pressionar os europeus a manterem o embargo,
sob argumento relacionado aos direitos humanos. Os alemães e franceses têm sido cada
vez mais tentados a desfazer o embargo à China, por interesses comerciais e políticos. A
União Européia tornou-se o principal parceiro comercial da China ao mesmo tempo em
que enfrenta crescentes atritos político com a política externa dos EUA, especialmente em
função da invasão do Iraque.
Na Ásia-Pacífico, todavia, a influência da China e o deslocamento dos EUA
são mais marcantes. Dessa forma, “os países asiáticos, mesmo a China, continuam
favoráveis à manutenção da presença militar americana na região, pois ela garante a
segurança regional a um custo reduzido”. Isso, no caso de Pequim, “justifica um
acercamento entre os asiáticos para conter o hegemonismo de Washington na área”
132
.
Assim, a China acumula forças a um baixo custo, ao mesmo tempo que limita a pressão
dos EUA, visto que aos empresários norte-americanos interessa a arena de acumulação
129
CABRAL, S. 2004, op. cit. p. 165.
130
Ver DICK, P. Parceria estratégica entre Brasil e China. Dissertaç ão de Mestrado. Porto Alegre:
Relações Internacionais/UFRGS, 2006.
131
OLIVEIRA, A. A China busca apoio na Europa. In: Política Externa. vol. 13, nº 4, 2005, p. 65.
132
VIZENTINI, P.; RODRIGUES, G. 2000, op. cit. p. 106.
91
chinesa. Inúmeras empresas, tais como General Motors, Intel e Motorola, chegam a
depender da China em até um terço dos seus negócios globais, pressionando por um
clima de entendimento entre os EUA e China
133
.
O surgimento da China como novo pólo dinâmico da economia mundial e a
erosão da hegemonia norte-americana abrem novas oportunidades de desenvolvimento na
periferia
134
, aumentando o seu peso nos assuntos internacionais. Aliás, a China busca
alterar a correlação de forças internacionais entre outros fatores, através de “déficits
comerciais planejados com a periferia do capitalismo”
135
e de uma política externa
baseada na não ingerência em assuntos doméstico. Enquanto os EUA utilizam-se do
recurso à democracia para alinhar os países da periferia aos seus interesses, a China
aproveita-se para ampliar sua esfera de influência. Isso se traduz em importação de
commodities, cooperação tecnológica, realização de investimentos, aliança com a
periferia nos organismos internacionais, bem como no apoio à formação de um mundo
multipolar. O resultado tem sido o deslocamento das posições dos EUA da Ásia,
primeiramente, e mesmo em outros continentes.
A presença em organismos internacionais pode se constituir em outro espaço
de atuação política. A entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001,
evidencia um compromisso pragmático dos líderes chineses para reforçar as exportações
e o aporte de investimentos externos
136
, bem como um importante fórum de atuação
geopolítica.
133
OLIVEIRA, A. 2005, op. cit. p. 60.
134
RANGEL, I. Revisitando a “questão nacional”. SILVA, José (Org.) Questão agrária, industrialização e
crise urbana. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p 179. Nesse artigo, o autor discute a mudança dos centros
hegemônicos e seu papel na transformação da dinâmica econômica na periferia, nesse caso, no Brasil.
135
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 37.
136
SUKUP, V. 2002, op. cit. p. 83.
92
Além disso, trata-se de um país que combina, de forma singular, recursos de
poder fundamentais: grande território e população; abundância de recursos naturais;
dinâmico e diversificado parque produtivo; notável desenvolvimento científico-
tecnológico; um Estado com uma elite com tradição e projeto definido; diplomacia apta a
desenvolver uma inserção global não-subordinada; poder militar dissuasório; relativa
coesão social; e matriz cultural milenar capaz de projetar-se além do espaço nacional.
Parece, portanto, que a ascensão pacífica
137
chinesa quer reeditar a visão
sinocêntrica de mundo
138
, assentada na unidade e harmonia. A unidade, visto que a China
polarizaria uma vasta região vizinha, e a harmonia, já que esta influência poderia se dar
de forma pacífica. Cabe lembrar que os conflitos que a China se envolveu ao longo da
história estão no círculo imediato do território nacional: península coreana (1950-53),
Índia (1962), URSS (1969) e Vietnã (1974-79-88).
Apesar das mudanças contidas na emergência da China, é necessário analisar
os traços de continuidade histórica e geográfica deste país. Se o colapso político tem
implicado fragmentação territorial e agressões estrangeiras, somente governos fortes e
centralizados têm evitado desorganização, promovendo o desenvolvimento e a
ascendência sobre áreas periféricas. Nesse sentido, a diplomacia chinesa tem revivido sua
ascendência por meio de notável habilidade, geralmente sendo percebida pelos países da
região como um bom vizinho, um parceiro construtivo e como detentor um poder
regional não ameaçador. Estes traços de continuidade diplomática na China assentam-se
na formação social do país de história milenar e amparada em características morais e
éticas diferentes de ideologias religiosas que moldaram o imperialismo no Ocidente
(Nova Canaã, Destino Manifesto, Cruzada Civilizatória, etc). De qualquer forma, é
137
BIJIAN, Z. 2005, op. cit.
138
PINTO, P. 2000, op. cit. p. 54-5.
93
preciso acompanhar como a direção do PCC irá responder aos desafios internos e ao
reordenamento de forças no cenário mundial.
4.2 Alguns cenários possíveis
A emergência da China está relacionada com profundos desafios no plano
interno e internacional. No plano interno, a modernização em curso ao mesmo tempo em
que supera graves problemas, muitos deles ligados à pilhagem que se seguiu à Guerra do
Ópio, produz novos desafios para essa experiência. No plano internacional, ela se depara
com o reordenamento de poder pelo qual passa o sistema mundial.
Esse reordenamento de poder depende das posições dos dois gigantes
asiáticos, China e Índia. A evolução de suas complexas relações não repercute apenas na
esfera regional, elas têm (e terão) importantes implicações no realinhamento
geoestratégico em escala mundial. Os dois gigantes da Ásia podem competir pela
hegemonia regional e pelo crescimento militar e econômico nas próximas décadas. Ou
então podem se aliar para construir um mundo multipolar, desempenhando um
importante papel internacional
139
. No primeiro casoa aliança indiana possivelmente seria
com os EUA e a chinesa com a Rússia, enquanto no segundo caso os EUA seriam
deslocados da Eurásia com a formação de um triângulo estratégico Moscou-Pequim-
Nova Delhi.
139
SIDHU, W.; YUAN, J. 2003, op. cit. p. 1-2; 6.
94
4.2.1 A troca das alianças
Como a pretensão indiana é de ser uma grande potência mundial, é possível
que ela não aceite um papel menor que lhe poderia caber no triângulo estratégico. Nesse
sentido, os EUA seriam o principal aliado de peso que poderia alavancar a proeminência
da Índia na Eurásia. Seria o aliado para responder à aproximação promovida pelos
governos da China e da Rússia. O apoio chinês dado ao Paquistão no decorrer da Guerra
Fria poderia ser estendido, para se contrapor à Índia no Sul da Ásia. Quer dizer,
conformar-se-ia uma troca de alianças entre os quatro grandes atores em relação ao
padrão dominante durante a Guerra Fria. Ou seja, a aliança China-Rússia em
contraposição à aliança EUA-Índia, invertendo aquilo que chamamos de Diplomacia
Cruzada.
Esquema 2 – Cenário 1: A troca das alianças
Elaborado pelo autor
A segurança nacional da Índia depende das relações sino-russas, que têm
evoluído com o fim da Guerra Fria. A Rússia tornou-se fornecedora de material bélico
para a China, contribuindo para sua capacitação militar. Dessa forma, o governo chinês
95
teria ainda condições para melhorar a projeção de força do Paquistão, tornando as
relações da Índia com a Rússia também mais delicada
140
.
Além disso, a Índia necessitaria construir fortes alianças no Sudeste Asiático
visando a contrabalançar a presença crescente da China na região. Sem dúvida o êxito da
política externa indiana dependeria da forma da projeção de poder da China nesta região.
Do contrário, a Índia não superaria seu status de potência regional, mantendo sua esfera
de influência restrita ao sul da Ásia, enquanto a China, além do leste e sudeste da Ásia já
se projeta com força para outros continentes.
Os testes com bombas atômicas em 1998, contudo, demonstram que as
pretensões da Índia são de tornar-se potência mundial. Nesse contexto, o primeiro
ministro indiano escreveu para o presidente dos EUA usando a ameaça chinesa como
justificativa para os testes nucleares. A ascensão ao poder do BJP, em 1998, fortaleceu a
teoria da China como Grande Potência e, por sua vez, como ameaça à segurança da Índia.
Quer dizer, parte dos dirigentes indianos percebe a China como ameaça devido à sua
capacidade militar, com rápida modernização das forças de segurança; capacidade
diplomática, com a condição de membro do Conselho de Segurança da ONU; capacidade
econômica, com o fenomenal crescimento econômico; entre outros fatores. Há a
dificuldade de conciliar tanto as crescentes capacidades militares de Índia e China,
quanto suas respectivas aspirações à condição de líderes na região. São disputas com forte
potencial para projetar novos contenciosos e produzir alinhamentos diplomáticos,
colocando Índia e China como competidores.
A Índia também poderia criar problemas à China em função de sua posição
geográfica projetada para o Oceano Índico. A crescente dependência chinesa de petróleo
140
PANT, H. 2004, op. cit. p. 322.
96
poderia ser afetada pelo controle indiano sobre os fluxos deste recurso oriundos do Golfo
Pérsico que atravessam o Oceano Índico em direção à China. Nesse sentido, Mianma e
sua ilha de Andaman (Mapa 4), no Golfo de Bengala, exercem função estratégica,
justificando o atual interesse chinês por esta região.
A rivalidade sino-indiana poderia recrudescer em caso de reversão das
conversações sobre as fronteiras destes países. O governo chinês declarou, inclusive, que
primeiramente não usaria armas nucleares contra outros países, mas não estendeu a
declaração para o estado indiano de Arunachal Pradesh, que é reivindicado pela China. A
Índia reivindica, por sua vez, Aksai Chin, que é parte da Caxemira (Mapa 1). Outro fator
de conflito direto poderia ser o sentido da evolução das relações entre China e
Paquistão
141
.
O recrudescimento da rivalidade sino-indiana dependeria da mediação da
Rússia, que tem recuperado parte da sua ascendência na Eurásia, após uma década de
desorganização pelo colapso do regime soviético nos anos 1990. O declínio do comércio
bilateral entre Índia e Rússia nos anos 1990, sobretudo em função da desintegração da
URSS, poderia afetar suas relações no médio e longo prazo. No entanto, a reconstrução
da Rússia após a ascensão do governo Vladimir Putin não parece indicar a fragilização
das relações indo-russas. O governo Putin quer, aliás, recompor sua antiga esfera de
influência da Ásia Central e Europa Oriental ao mesmo tempo que se ocupa de
reconstruir a Rússia.
É preciso considerar, também, o papel de destaque dos EUA, que ainda
preserva importantes posições de poder na região. A reafirmação da hegemonia dos EUA
passa pela contenção da Rússia, mas, sobretudo, da China. Dessa forma, para os EUA, a
141
SIDHU, W.; YUAN, J. 2003, op. cit. p. 147-8.
97
Índia e o Japão seriam as principais bases regionais de poder na Eurásia. A Índia poderia
conter a China no seu flanco sul, enquanto o Japão, histórico porém atualmente indeciso
aliado dos EUA, poderia restringir a projeção chinesa a leste.
O governo dos EUA ofereceu ao governo indiano em 2006 um acordo ligado à
política nuclear, contrariando toda a retórica norte-americana anti-TNP. Os EUA se
predispuseram a transferir produtos sensíveis (incluindo urânio enriquecido), mesmo que
a Índia não tenha assinado o TNP, impondo apenas a condição de que até 2014, a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) deverá ter acesso a 65% das instalações
nucleares, com o objetivo de verificar se as tecnologias de uso duplo não estão sendo
usadas para fins militares. Quer dizer, 8 dos 22 reatores permanecerão sob o controle das
autoridades indianas, que poderiam com eles desenvolver um arsenal militar, sem ferir,
portanto, a soberania estratégica e militar do país. As concessões dos EUA para a Índia
explicam-se, em grande medida, como tentativa de contrabalançar a crescente influência
da China sobre a Eurásia.
A aproximação com os EUA tem garantido à Índia o acesso a certos atributos
de potência mundial. A Índia tem incrementado suas relações com Israel (que tornou-se o
segundo maior fornecedor de armas do país depois da Rússia). Em razão disto, os EUA
autorizaram aos israelenses a venda do sistema de radar Phalcon à India, pouco antes de
vetarem uma transação semelhante com os chineses, além de oferecer caças F-16 e F-18.
A Índia, ademais, tem percebido a convergência de interesses com os EUA no combate
ao terrorismo, já que são vítimas das mesmas redes islâmicas, cujas bases estão no
Paquistão.
98
O Japão, entretanto, teria de tornar-se um país com capacidade de projeção de
força, de desfazer o ressentimento dos vizinhos (herdado do imperialismo japonês) e,
com o apoio dos EUA, de virar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
As ameaças de nuclearização da Coréia do Norte podem ser o pretexto esperado pela
política externa japonesa para retomarem sua projeção de força, livrando-se do artigo
constitucional imposto pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial. A ilha de Taiwan,
nesse sentido, pode ser importante para os EUA e a Índia constrangerem a emergência da
China, porém esta ação parece cada vez mais ter efeitos reduzidos para o
desenvolvimento deste país.
É possível afirmar que “as outras nações asiáticas provavelmente buscarão
contrapesos para uma China crescentemente poderosa como já o fazem com relação ao
Japão”
142
. Isso depende, de um lado, da habilidade da diplomacia chinesa em conduzir a
ascensão e, de outro, da evolução da política externa dos EUA, isto é, se esta terá um
perfil mais cooperativo ou conflitivo. A China, portanto, pode ser o contrapeso para um
hegemonismo norte-americano com comportamento cada vez mais errático na Ásia.
De qualquer forma, parece se reeditar o Grande Jogo da Ásia Central do
século XIX entre o imperialismo terrestre russo e o imperialismo marítimo britânico;
contudo, os atores fundamentais agora são EUA, China, Rússia e Índia, assim como
potências regionais como Irã, Turquia, Arábia Saudita, entre outros. O Afeganistão torna-
se, assim, o centro de uma disputa regional, expressando a correlação de forças e a tensão
de toda a Ásia Central e Meridional
143
.
142
KISSINGER, H. 1997, op. cit. p. 986.
143
VIZENTINI, 2002, op. cit. p. 75; 114.
99
O alinhamento da Índia com os EUA teria como resposta da China o
aprofundamento de suas relações com a Rússia, conformando algo próximo à inversão da
Diplomacia Cruzada que atravessou parte do período de Guerra Fria. A diferença de
fundo, entretanto, seria a manutenção da aliança da China com o Paquistão e, nesse
contexto, o fato de os EUA não estariam em ampla vantagem na Eurásia, como após a
Segunda Guerra Mundial. Essa aliança talvez pudesse retardar, mas não desfazer, o
desgaste da hegemonia dos EUA que vem se processando.
Nesse sentido, esse cenário seria alternativo à dificuldade de emergências do
triângulo estratégico. O triângulo estratégico teria como limitações “a presente estrutura
da política internacional, onde os EUA têm laços mais abrangentes com a Rússia, China e
Índia do que com qualquer um dos dois tem entre si”. Além do mais, seriam Rússia,
China e Índia fracos para contrabalançar o poder dos EUA de forma significativa, e a
atração do poder dos EUA permanece forte para resistir”
144
. Analisando, entretanto, as
condições objetivas de uma aproximação entre Rússia, China e Índia, pode-se chegar a
conclusões diversas.
4.2.2 O triângulo estratégico e o isolamento dos EUA
Embora haja indicativos de que o cenário de conformação do triângulo
estratégico seja prematuro e não-realista
145
, há elementos significativos para a formação
de uma aliança entre China, Rússia e Índia na Eurásia. Os objetivos centrais que
justificam a conformação de tal cenário seriam os interesses comuns, sobretudo, em
contrabalançar a ascendência dos EUA na região e as ameaças do fundamentalismo
144
PANT, H. 2004, op. cit. p. 312-13.
145
Idem, p. 312.
100
islâmico (terrorismo e separatismo), bem como promover um pólo anti-hegemônico de
poder na dinâmica e, crescentemente, articulada Ásia-Pacífico. Nesse cenário, os EUA
ficariam relativamente isolados da Eurásia ou com baixa capacidade de penetração na
região, dependendo, portanto, de países de menor projeção regional, como o Paquistão.
Esquema 3 – Cenário 2: O triângulo estratégico e o isolamento dos EUA
Elaborado pelo autor
A cooperação sino-indiana pode emergir da histórica pretensão de se
tornarem potências mundiais, superando a herança colonial. Duas iniciativas foram
tomadas para catalisar esta aproximação, em Kunming (1999) e no Delta do Rio Mekong
(2000). A primeira iniciativa visando a conectar a província ocidental chinesa de Yunnan
com Mianma, com os estados do nordeste da Índia, Bangladesh, Nepal e Butão. A
segunda, chamada de Cooperação Mekong-Ganga, visando a articular Índia, Mianma,
Tailândia, Vietnã, Laos e Camboja, além do apoio de China e Bangladesh
146
.
Os governos de China e Índia têm fortalecido as relações bilaterais em áreas
distintas como cultura e educação, mas também em áreas estratégicas de cooperação
146
SIDHU, W.; YUAN, J. 2003, op. cit. p. 148-9.
101
como setores militares, científicos e tecnológicos
147
. O acordo China-Índia (2003)
estabeleceu reduções tarifárias para cerca de 200 itens, em favor dos indianos na maior
parte.
148
A normalização sino-indiana pode ser vista também no comércio bilateral que
passou de US$ 1,922 bilhões em 1998 para US$ 18,72 bilhões em 2005. Considerando a
evolução em menos de duas décadas (1987-2005), o incremento nas relações comerciais
foi de 16.000% (Tabela 11). Embora a China tenha tido saldos comerciais positivos ao
longo dos anos 1990, a partir de 2003 os saldos têm ocorrido em amplo benefício da
Índia. A evolução do comércio sino-indiano, entretanto, não desconsidera nem o
incremento nas relações entre Índia e EUA tampouco os conflitos que este cenário
possibilitaria.
Tabela 12: Comércio sino-indiano
Ano Volume total
(em US$ milhões )
Crescimento anual (%) Saldo comercial chinês
(em US$ milhões)
1992 338,54 27,8 - 21,66
1993 675,73 99,6 - 157,41
1994 894,00 32,0 + 251,00
1995 1.162,00 29,9 + 367,00
1996 1.406,00 20,9 - 29,62
1997 1.830,32 30,2 + 38,80
1998 1.922,30 5,0 + 110,89
1999 1.987,68 3,4 + 336,09
2000 2.914,22 46,6 + 219,05
2001 3.596,23 23,4 + 196,30
2002 4.945,90 37,5 + 397,54
2003 7.597,79 53,6 - 907,81
2004 13.598,09 78,9 - 1.746,94
2005 18.720,00 37,6 - 843,00
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.indianembassy.org.cn
147
PANT, H. 2004, op. cit. p. 319.
148
OLIVEIRA, A. 2006, op. cit. p. 32.
102
As relações sino-indianas têm evoluído de forma pragmática e negociada. As
inéditas manobras conjuntas de segurança que ocorreram em novembro de 2004, com
mais de 1500 marinheiros e oficiais, atestam isso. Mesmo que os EUA tenham feito
importantes concessões diplomáticas e tenha fortes vínculos econômicos com a Índia, a
China também tem atuado no sentido de dissuadir a aproximação indo-americana.
Se é verdade que os EUA são os maiores parceiros individuais da Índia,
representando 11,1% do comércio exterior no período de 2004-2005 e cerca de 17% dos
IED’s desde 1991, é verdade também que a Ásia-Pacífico está assumindo importância
crescente. A ASEAN+3 totalizava 20% do comércio exterior da Índia em 2004,
superando a UE que tinha 19%. A China sozinha já represenava 5,6% do comércio
indiano, mas com uma evolução acentuada desde os anos 80 (Tabela 11).
Por isso, a própria demonstração de posse de artefatos nucleares pelo governo
indiano, em 1998, pode ter-se utilizado da China também como recurso político para
legitimar sua condição de potência militar com capacidade nuclear. E “a despeito da Índia
ter usado a China como pretexto para seu próprio desenvolvimento nuclear, o atual
desenvolvimento militar da Índia é contra o Paquistão”
149
.
Além disso, outros fatores concorreram para a demonstração de força, tais
como, a necessidade de fortalecimento político do Bharatiya Janata Party (BJP) e os
grupos de pressão econômicos, científicos e militares ligados ao projeto e, sobretudo, a
pretensão de tornar-se uma potência mundial. Para além dos discursos diplomáticos,
China e Índia estiveram lado a lado contra a invasão do Iraque, bem como contra a
149
BUZAN, B.; WAEVER, O. 2003, op. cit. p. 110.
103
imposição arbitrária de normas ambientais e de relações de trabalho que visavam a
reduzir suas vantagens frente ao mundo desenvolvido.
China e Índia, em 2005, representavam em relação ao total mundial cerca de
38% da população e 25% do PIB (medido em paridade de poder de compra)
150
. Nesse
sentido, uma forte cooperação entre China e Índia, especialmente se acompanhada da
presença russa, levaria a um rápido deslocamento do poder dos EUA na Eurásia e, por
extensão, à erosão de sua hegemonia. Poderia impactar, inclusive, o controle dos estreitos
de Ormuz e Malaca e a presença dos EUA na Ásia Central e Golfo Pérsico. Se os
objetivos do governo da China incluem a manutenção de um ambiente internacional
estável e multipolar para manter a modernização, bem como para reunificar a nação e
defendê-la de ameaças externas e do hegemonismo dos EUA, a Índia dever ser
considerada um aliado estratégico indispensável.
A China tem reconhecido a proeminência da Índia no Sul da Ásia e a
necessidade de fortalecer a aliança com este país. Com isso, enquanto a China
conseguiria estabilizar parte das vulnerabilidades que se apresentam no Tibet, a Índia
teria apoio para resolver os problemas no Punjab, no Sikkim e na Caxemira. No Punjab,
rica província situada no norte do país, há o separatismo sikh; no Sikkim, reino himalaio
anexado ao país nos anos 1970, há o separatismo também; e na Caxemira, há a pretensão
do Paquistão de controlar a região indiana com 70% de população islâmica. Tornaria
estável, portanto, a fronteira com a China e isolaria significativamente o Paquistão na
outra fronteira, deixando de ser um pólo de poder contra a Índia no Sul da Ásia.
O Estado indiano pretende ainda a estabilização de suas fronteiras, sobretudo
países como Nepal, Sri Lanka e Mianma que possuem intensas instabilidades políticas. A
150
Carta da China, nº 7, maio de 2005.
104
consolidação deste objetivo está ligada à segurança nacional da Índia, já que, em alguns
casos, influencia o delicado equilíbrio sócio-religioso do país. A estabilização interna e
regional, portanto, depende mais uma vez da atuação do governo da China que teve
ascendência sobre grupos políticos naqueles países.
No caso sino-indiano, o Paquistão pode ser o “fiel da balança”, definindo o
rearranjo de forças no Sul da Ásia e influenciando as alianças na Eurásia. Quer dizer, o
Paquistão pode ser abandonado pela China para acelerar sua aproximação com a Índia e,
com isso, permitir que objetivos sino-indianos comuns sejam alcançados. Especialmente
conter a presença dos EUA na Ásia Central e isolar o Paquistão com o qual a Índia teve
três guerras (1947-8, 1965, 1971) e sérias crises com ameaça do recurso à força (1984,
1987, 1990, 1999, 2002). Além do mais, o Paquistão é uma das principais bases do
terrorismo islâmico, bem como do tráfico de drogas (ópio) e armas que aflige a região.
O islamismo é motivo de importantes problemas ligados à segurança nacional
em ambos os países. Enquanto no caso da Índia a principal preocupação imediata se
refere à região em disputa com o Paquistão, a Caxemira, no caso da China, é a região do
Xinjiang, que está no noroeste atrasado, em contato com países islâmicos e de
perocupante etnia uigures (turcófanos). Cabe destacar ainda que o islamismo é religião de
cerca de 11% dos indianos e dos estados que os cercam, especialmente Bangladesh e
Paquistão. Nesse sentido, os investimentos chineses no oeste podem ser importantes para
conter os intentos separatistas e, ao mesmo tempo, para a China aproximar-se da Índia,
integrando-a definitivamente à OCS.
Aliás, os atos terroristas têm acentuado as preocupações na Índia
recentemente. Inclusive após a vitória do BJP, a oposição entre fundamentalistas hindus e
islâmicos tem-se acentuado na Índia. Em outubro de 2001, o Parlamento da Caxemira
105
sofreu um atentado com carro-bomba, matando 38 pessoas; no ano seguinte foi a vez do
templo hindu em Gujarat deixar 33 mortos; em agosto de 2003, 52 mortos e 150 feridos
em dois ataques com táxi-bomba em Mumbai; no final de 2005, bombas em dois
mercados de Nova Delhi e em um ônibus deixaram 62 mortos e 210 feridos; em junho de
2006, os ataques foram à rede ferroviária de Mumbai, deixando 174 mortos e 464
feridos
151
.
A presença dos EUA na região tem-se revelado, em grande parte, através
desses grupos islâmicos fundamentalistas, desde a intervenção soviética no Afeganistão
até a tomada de sua capital, Cabul, pelos talibãs, em 1996
152
. O controle do Afeganistão
permitiria aos EUA concretizar inúmeros objetivos: atuar nos Balcãs, projetando a OTAN
na União Européia; isolar o Irã, estabelecendo uma barreira sunita a leste; penetrar na
Rússia (Chechênia e Daguestão), Cáucaso (Geórgia) e Ásia Central, viabilizando seus
projetos da indústria petrolífera no Mar Cáspio e controlando uma provável fonte desse
recurso fóssil para os chineses.
A Rússia pode ser, nesse sentido, o elemento de ligação entre China e Índia,
catalisando a triangulação. As relações diplomáticas entre Índia e Rússia têm sido
estáveis. Além da histórica cooperação em áreas sensíveis, especialmente tecnologia e
defesa, a Rússia tem reconhecido as posições indianas sobre terrorismo e sobre o
contencioso com o Paquistão.
A China, a Rússia e a Índia têm desejo de maior autonomia frente aos EUA e
visões comuns em assuntos distintos e importantes como: o combate ao terrorismo; a
151
Jornal Correio do Povo, 12 de julho de 2006, p. 10.
152
BANDEIRA, L. Formação do Império Americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 391-
402; 585-95. O autor detalha a atuaç ão dos EUA no recrutamento dos mujahidin afegães desde 1979, por
Carter, sob orientação de Zbigniew Brzezinski e apoio da CIA e das petromonarquias. A partir de 1996 os
talibãs tornaram-se base de poder dos EUA na região e passaram a ser combatidos apenas após setembro
de 2001.
106
invasão do Iraque; os conflitos no Oriente Médio; o papel das Nações Unidas,
especialmente de seu Conselho de Segurança; a não-proliferação de armas; e a segurança
regional
153
.
Quer dizer, existem interesses comuns relacionados à contenção da
hegemonia dos EUA para conformar um mundo multipolar, no qual os três países
apareçam como pólos de poder. O triângulo estratégico permitiria, ao mesmo tempo,
dissuadir as forças centrífugas que ameaçam estes países, especialmente por meio do que
poderia ser chamado de arco muçulmano. Este arco separa os três países desde a
Chechênia, passando pela Ásia Central, por Bangladesh e Paquistão, incluindo Caxemira,
até a China, destacando o Xinjiang.
A visita do presidente russo, Vladimir Putin, à China e à Índia em 2002 e
depois do primeiro-ministro indiano Atal Vajpayee à China e à Rússia em junho e
posteriormente novembro de 2003 começou a projetar a idéia de um triângulo estratégico
entre Moscou-Pequim-Nova Delhi. Esta idéia partiu originalmente do primeiro ministro
russo Yevgeny Primakov, quando da visita à Índia em 1998. Estava clara a pretensão da
Rússia de retomar o poder e a influência internacionais perdidos, sobretudo nos governos
Gorbachov e Ieltsin no bojo da desintegração da URSS. Desde 1998, os chanceleres da
Rússia, China e Índia têm-se encontrado com certa regularidade, buscando uma
articulação política na Eurásia.
A deterioração das relações da Rússia e da China com os EUA, após a Guerra
Fria, produziu uma rápida reaproximação sino-russa. Além da defesa de um mundo
multipolar e uma ordem mundial anti-hegemônica, há aliança estratégica no âmbito
militar, com a China tornando-se o principal cliente da indústria de defesa russa, além do
153
PANT, H. 2004, op. cit. p. 319.
107
incremento do comércio de bens e serviços e da cooperação no setor de energia
154
. Os
entendimentos do governo chinês com o governo da Rússia para a construção de um
gasoduto ligando os dois países (com origem na Rússia)
155
, assim como acordos (Tratado
Sino-Russo de Boa Vizinhança e Cooperaç ão Amistosa
156
) e manobras militares
conjuntas revelam uma reaproximação diplomática de alto nível. Aliás, em junho de
2005, China e Rússia assinaram acordo pondo fim à disputa que tinham, desde o fim da
Segunda Guerra, sobre 2% dos 4.300 km de fronteira comum. Na verdade, reflete a
preocupação sino-russa com a crescente interferência dos EUA nos assuntos domésticos
em estados soberanos, por vezes por meio de operações subterrâneas
157
e em outros casos
pelo recurso aberto à força. Há o reconhecimento mútuo dos governos de que áreas de
soberania ameaçada, como a Chechênia russa e Taiwan e Tibet chineses são parte dos
respectivos países.
Sem dúvida uma política de confrontação com a China corre o risco de
isolar a América [EUA] na Ásia”
158
tornando-a mais frágil exatamente onde emergem os
desafios de maior envergadura à hegemonia dos EUA. O crescente recurso à força
expresso pela política externa dos EUA revela a dificuldade em lidar com o declínio
relativo de poder e, ao mesmo tempo, faz com que tal processo se acelere; acelerando e
tencionando a transição no sistema mundial.
154
PANT, H. 2004, op. cit. p. 315
155
JABBOUR, E. 2006, op. cit. p. 159.
156
CEPIK, M.; MARTINS, J. 2004, op. cit. p. 43.
157
CEPIK, M. Espionagem e democracia. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 61-2. Segundo o autor operações
subterrâneas são ações encobertas promovidas geralmente pelos governos para manipular em seu favor
outros atores. Estas envolvem guerras subterrâneas, apoio a golpes de Estado, assassinato de líderes,
financiamento de organizações aliadas, etc.
158
KISSINGER, H. 1997, op. cit. p. 990.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A erosão da Guerra Fria e o seu final abriram um ciclo de transição e crise no
sistema mundial. A instabilidade gerada é o produto do choque de diferentes interesses e
o rearranjo de forças que se digladiam, nesse contexto de transição, para conformar um
novo ordenamento mundial. A posição que os novos atores emergentes, e especialmente a
China, vêm logrando impõe a redefinição de forças e, possivelmente, o recrudescimento
das tensões. Ou seja, a construção dos sistemas regionais de poder, no leito dos processos
de multipolarização, gesta conflitos, já que os EUA resistem a ceder espaços de poder,
demonstrando um crescente recurso à força.
A evolução recente da polí tica internacional tem demonstrado que a China
cada vez mais assume a posição de núcleo geopolítico da Ásia-Pacífico, impulsionando a
“asianização” da região, além de projetar crescentemente sua influência para outras
regiões do mundo. Assim, o desenvolvimento interno e a projeção internacional de poder
do Estado chinês, bem como a reação dos países centrais à sua emergência, indicam ser
os elementos determinantes da conformação do novo ordenamento internacional. O que é
importante é que “o reerguimento da China vem-se processando fora de esquemas
estratégicos dos EUA
159
É nesse contexto que a Índia pode vir a ser o “fiel da balança” na política
internacional, já que pode acelerar o deslocamento do poder dos EUA na Eurásia, com
uma triangulação com China e Rússia, ou se tornar uma das mais importantes bases de
poder regional dos EUA. Essas triangulações tendem a responder à política externa dos
EUA que, por sua vez, tem aumentado as ações unilaterais de força e coerção frente à
conjuntura internacional adversa.
159
OLIVERIA, A. 2003, op. cit. p. 7.
109
Entretanto, a situação da Índia é muito complexa, devido às oscilações na sua
inserção internacional e às contradições internas. A política externa indiana tende a
responder ao reordenamento de forças regionais, bem como internacionais, conforme os
novos cenários que se abrem, enquanto o país tenta lidar com os contrastes
socioeconômicos e étnico-religiosos que perduram na sociedade. As lutas políticas
internas e as alterações de rumo fazem da Índia um ator internacional mais imprevisível,
apesar da ascensão internacional motivada pelo acelerado crescimento econômico e
projeção da sua política externa.
Apesar dos desafios internos e das rivalidades internacionais que a Índia
enfrenta, é preciso considerar as aspirações comuns que ela possui com a China. A
humilhação colonial, a pretensão de tornar-se um pólo autônomo de poder no sistema
mundial, a persistência política pela modernização e desenvolvimento social, o esforço de
dissuadir as ameaças separatistas e terroristas domésticas e a manutenção de política
externa cooperativa podem conduzir a uma aliança sino-indiana de grande impacto na
nova ordem mundial em gestação. De qualquer maneira, Índia e China não necessitam ter
padrão de vida próximo ao ocidental para tornarem-se potências, especialmente devido às
suas dimensões geográficas (demográficas e territoriais).
A tentativa de reconfiguração da hegemonia dos EUA via imposição, por
meio de organismos multilaterais (OMC, FMI e Banco Mundial), da agenda neoliberal
vem produzindo profundas fraturas sociopolíticas e apresentando crescente resistência,
desde os anos 1990. Assim, os atentados de 11 de setembro deram ao governo dos EUA o
pretexto para a alteração da sua política externa, recrudescendo as ações de força
propostas no Project for the New American Century
160
. Em outras palavras, os atentados
160
BANDEIRA, L. 2005, op. cit. p. 513-14; 571. Projeto elaborado pelos Falcões do Pentágono e
intelectuais e políticos neoconservadores ligados ao Partido Republicano, entre eles Dick Cheney, Francis
110
legitimaram uma inserção externa baseada no recurso à força que, por sua vez, obedece a
grupos de interesses ligados ao complexo industrial-militar e petrolífero.
Além da tradicional oposição ao Tribunal Penal Internacional, os EUA se
recusam a assinar o Protocolo de Kyoto; se retiraram da Conferência da ONU sobre
Racismo; se negaram a endossar o Instrumento de Verificação do Protocolo de Armas
Biológicas e o Protocolo sobre Minas Terrestres; e romperam o Tratado de Mísseis Anti-
Balísticos.
As intervenções recentes no Afeganistão e no Iraque, bem como as ameaças
ao Irã explicitam a política de ataque preventivo dos EUA sistematizada em setembro de
2002 no documento The National Security Strategy of the United States of America. Ao
construir um discurso tentando associar combate ao terrorismo, defesa de imperativos
morais e segurança contra armas de destruição em massa, a noção de preemptive attacks
corre o grave risco de implodir a noção de soberania. Isto é, tal opção pode levar à
falência do arranjo institucional da ONU, produzindo uma escalada de instabilidade e de
violência, ao expor a incapacidade institucional de acomodar novos atores e novas
prioridades de acordo com a distribuição de poder no sistema mundial Pós-Guerra Fria.
No plano interno, o protecionismo tem entrado em contradição com o
discurso ideológico do livre comércio; isto é, a imposição de barreiras não-tarifárias e
subsídios têm contrariado as regulações da OMC e não tem reduzido os déficits
Fukuyama, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz, John Bolton, Robert Zoellick, Elliott Abrams, entre outros.
Continha o unilateralismo belicista vinculado aos interesses do complexo industrial-militar e do setor
petrolífero, tornando-se viável com a vitória de Georg Bush, através da recomendaç ão de aumento dos
gastos com defesa e destruição dos regimes hostis aos interesses dos EUA. Esse projeto era uma versão
atualizada do Defense Planning Guidance elaborado em grande parte por Paul Wolfowitz, em 1992, tendo
como principal preocupação a eliminação de um novo rival emergente, alé m de formular cenários de
guerra no Iraque
111
comerciais norte-americanos. Mas, o que é pior, tem produzido alianças com crescente
capacidade de pressão, tal como o G20 liderado pelo Brasil.
Se os EUA continuarem a responder ao desgaste de sua hegemonia
abandonando o sistema de segurança coletiva e os organismos multilaterais consagrados
no pós-guerra, o resultado deve ser a aceleração da formação de alianças a favor de uma
ordem multipolar (anti-hegemônica). A ênfase na construção de adversários (estados
párias/eixo do mal) pelos EUA tem aumentado os conflitos diplomáticos entre membros
da U.E., além de acelerar a conformação de pólos regionais de poder (Brasil, Rússia,
China, Irã, Indonésia, África do Sul) com seus mecanismos de integração.
Além dos desafios internacionais, é preciso acompanhar como a China vai
responder aos novos desafios internos de uma modernização acelerada, de novo tipo, e
num cenário internacional de crescente unilateralismo e recurso à força por parte dos
EUA. É inegável que vão continuar tentando “chutar a escada”
161
pela qual a China está a
galgar o desenvolvimento, interrompendo esta transição sem precedentes. É preciso,
portanto, acompanhar a evolução desta experiência inédita da economia socialista de
mercado.
A economia socialista de mercado assenta-se, principalmente, em uma
espinha dorsal estatal e coletiva, voltada à soberania e à segurança do Estado, bem como
ao papel dirigente no desenvolvimento econômico. É um setor que controla empresas com
forte grau de monopólio e com efeitos notáveis no bem-estar público. Entretanto, em
complementação à planificação estatal sobre controle do poder político, há a atuação do
mercado na orientação das empresas, otimizando a alocação de recursos
162
.
161
CHANG, H. 2003, op. cit.
162
ZEMIN, J. apud LIMA, H.; PEREIRA, D.; CABRAL, S. 1999, op. cit. p. 44.
112
Todavia, o desenvolvimento e a inserção internacional da China são (e serão)
permeados por profundos desafios. São desafios relacionados às disparidades de renda, às
desigualdades regionais, à questão camponesa, aos problemas ambientais, à corrupção, às
disfunções administrativas do aparelho estatal, à construção do sistema político com
pressões pluralistas
163
, entre outros
164
. A dialética entre desafios e possibilidades tem sido
explorada da melhor forma: se a enorme população rural implica problemas (êxodo rural,
gastos públicos, etc.), gera mercado e fonte de mão-de-obra para longo prazo; se o
gigantesco consumo de petróleo (2º maior do mundo após superar o Japão) e de recursos
naturais gera dependência e conflitos, também aumenta a capacidade de influenciar o
cenário internacional.
De qualquer forma, os desafios que se projetam são inerentes ao
desenvolvimento e à modernização. São ainda mais contraditórios, pois se referem à
experiência de aclimatação do socialismo no Estado chinês; e os impactos da
consolidação política desta experiência são de escopo mundial e de longa duração
histórica.
No que diz respeito à China, a novidade surgida da revolução está ainda à procura
não só da forma política, mas também do conteúdo econômico-sociais em que
deveria encontrar expressão estável. Estamos em presença de um processo de longa
duração e em pleno desenvolvimento, o qual já conseguiu resultados extraordinários,
mas seus ulteriores desenvolvimentos e seu êxito são totalmente imprevisíveis
165
.
163
O estudo mais específico do sistema político chinês é uma necessidade que pretendo contribuir no
período de doutoramento.
164
Ver SUKUP, V. 2002, op. cit. e BIJIAN, Z. 2005, op. cit. entre outros.
165
LOSURDO, D. 2004, op. cit. p. 160.
113
O século XX representa uma longa e violenta transição marcada por conflitos
e tensões, sobretudo na periferia do sistema mundial. É o produto da expansão do
capitalismo que engendra a modernização e os conflitos, produzindo forças de revolta
contra ele. Nesse sentido, o ciclo de revoluções socialistas iniciado em 1917 representa
não a implantação do socialismo, mas o início de um processo de transição do
capitalismo ao socialismo. “Este, da mesma forma que a passagem do feudalismo ao
capitalismo, não ocorre nos marcos do Estado nacional, mas no plano internacional, com
estancamentos, recuos e desvios para, posteriormente, retomar seu curso”
166
.
Deve-se acompanhar, portanto, se o desenvolvimento da experiência de
socialismo de mercado irá apresentar-se como reprodução do modelo capitalista
ocidental ou, ao contrário, irá apresentar-se como reelaboração do mundo moderno,
sendo a modernização atual uma estratégia temporária. Neste caso, o socialismo de
mercado estaria em um primeiro e longo período de desenvolvimento no seio do
capitalismo para depois rejeitar sua casca, como fizera o capitalismo com relação ao
feudalismo
167
.
Nesse sentido, a China torna-se um ator internacional da maior relevância,
pois está-se tornando um Estado-pivô de uma profunda transição. A China tem utilizado
sua capacidade comercial, transformando-se em uma “bomba de sucção”, para construir
sólidas alianças internacionais que já extravasam sua liderança no processo de
“asianização”.
A defesa da multipolaridade pela China pressupõe que a diversificação de
atores relevantes implique diminuição tanto das chances de uma aliança em prol de sua
166
VIZENTINI, P. v. 2, 2004, op. cit. p. 130;150.
167
AMIN, S. 2006, op. cit. p. 212.
114
contenção quanto do poder relativo dos EUA
168
. A experiência chinesa é, por isso, o
contrapeso, tanto às imposições que partem dos EUA, quanto aos desafios para a
superação de questões nacionais na periferia. Enquanto os EUA se apresentam como
centro financeiro do capitalismo, a China busca brechas para remodelar o sistema
mundial pela busca da dianteira produtiva, tecnológica e comercial, assim como da
ampliação pela sua atuação diplomática.
A experiência da China é incerta já que está se desenvolvendo sob difíceis
condições. É claro que a economia socialista de mercado não pressupõe a messiânica
dissipação do aparelho estatal, das identidades nacionais e do mercado, mas trata-se de
um processo de longa duração visando à eliminação dos traços feudais e da dominação
externa legados pelo imperialismo, conformando uma economia continental desenvolvida
e soberana.
Para a promoção do desenvolvimento, a China tem contado desde os anos
1950 com laços políticos diretos com os camponeses e uma reforçada burocracia de
Estado, em que o governo assume funções administrativas e o partido assume a
orientação política, por meio de uma hierarquia separada, mas estreitamente
relacionada
169
. Assim, o presente da China é parte de uma trajetória de desafios com os
quais o país tem se deparado desde o século XIX, tais como a pilhagem ocidental, o
imperialismo japonês, a reconstrução nacional, o hegemonismo soviético, o isolamento
diplomático e as pressões dos EUA.
Há a crítica que destrói as flores ilusórias para quebrar as correntes reais e
uma crítica que, ao contrário, destrói as flores apenas para consolidar as correntes, só
168
RADTKE, K. 2006, op. cit. p. 131.
169
SKOCPOL, T. 1979, op. cit. p. 279-292.
115
para demonstrar a impotência de qualquer tentativa de rompê-las
170
. No caso da China, a
tentativa de esvaziar o significado de sua experiência histórica de desenvolvimento visa à
destruição das flores ilusórias, porém para legitimar, mesmo que de forma sutil, as
correntes que nos aprisionam à velha ordem mundial. Em outras palavras, a ascensão da
China se depara com objetivos internos e internacionais de grande envergadura: de um
lado, capacitar o Estado a prover segurança, desenvolvimento e bem-estar para amplo
contingente populacional e, de outro, contribuir para a conformação de uma ordem
mundial multipolar. Se, de fato, esta ascensão implica significativos custos, estes têm sido
inferiores aos custos do unilateralismo que tem imperado na política externa dos EUA nos
últimos anos.
170
LOSURDO, D. Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: Revan, 2006a, p. 237.
116
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