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criança, porque não aconteceu com um idoso, porque que aquela leucemia não foi com uma
senhora de 80 anos. Então é complicado isto, ela já viveu e esta criança não viveu isto tudo,
então isto é muito complicado para mim, aliás, eu te diria que na terapia intensiva é o que
mais me incomoda, ter que preparar o corpo, ter que saber que não tem mais nada para fazer,
é muito ruim.
Dane, este problema de morte na pediatria, com criança, a acadêmica de Enfermagem
da Previdência, que me acompanha na Previdência, ela... uma das coisas que ela percebeu que
a equipe se torna mais frustrada, que mais incomoda a equipe de enfermagem ou seja, os
auxiliares, os técnicos e os Enfermeiros é exatamente o óbito da criança. E lá na pediatria
ainda tem aquela coisa de vínculo porque desde o dia que adoeceu até o dia de você consumar
a morte e assinar o óbito e preparar o corpo, ela ficou com você. Você conheceu a mãe, você
conheceu o pai, você conheceu a história daquela criança e diante disto chegou o final. Então
este problema a gente pôs como um dos diagnósticos que a acadêmica de enfermagem fez.
Fez um trabalho na pediatria com terapia para a equipe, no sentido de nos preparar para
receber este óbito. Eu não consigo esquecer nunca na minha vida, quando eu tinha mais ou
menos uma semana na pediatria e uma criança de 5 anos, tinha uma semana, não tinha vínculo
com ele, ta! Eu conhecia ele. E assim foi a óbito na frente da avó, na frente da mãe, eu
segurando o oxigênio na cabeça dele e o médico. E esse menino foi parando, parando, sem
condições terapêuticas nenhuma de fazer nada. Foi uma emoção tão grande, mas uma emoção
tão grande que eu senti na hora em que estava segurando aquele oxigênio, ele dando aquela
respiração agônica horrorosa e ele cada vez mais roxo, a saturação caindo, a freqüência
cardíaca caindo a única coisa que eu fiz, Dane porque eu sou Espírita, foi uma oração para
que ele fosse embora com os anjinhos da guarda dele porque ele tinha que ir, mas eu vou te
falar que eu fiquei mais de um mês com aquela cena na cabeça e a única coisa que eu pude
fazer por ele foi segurar o látex de oxigênio e foi muito emocionante, foi algo assim que
nunca mais aquela avó conseguiu chegar naquele lugar, naquele ambiente, nunca mais a gente
teve notícia da família, mas foi muito ruim, então assim o foco, a morte na pediatria ela não é,
a gente não consegue aceitar. Seja ela qual for a doença, porque que não poderia ser diferente,
porque que não poderia ser uma pessoa que tivesse vivido mais, e lá ele coitadinho 5 anos.
Inclusive assim antes dele ir a óbito eu autorizei o passarinho dele a entrar, as coleguinhas do
jardinzinho, então assim, coisas que a gente não faz eu faço porque vai ser a última coisa que
o menino vai ver, vai ter. O que que você quer, o que que você quer comer, ele não pode
comer marmitinha, mas vende na porta do hospital uma marmitinha que custa R$ 1,50, deste
tamanico, você não sabe nem como é que é feito, mas ele quer, ele quer, o sonho dele é comer
na marmitinha que eu autorizo na hora, eu autorizo sim, o menino vai comer na marmitinha
sim, se tiver uma diarréia, teve diarréia. Mas ele quer, o negócio era só abrir a marmita, deu
duas colheradas e não comeu mais e porque quem eu não vou deixar. Ah minha filha entra
passarinho, entra todo mundo que quiser, porque você tem que fazer o gosto é a única coisa
que ele quer, depois ele não vai querer mais isto, sabe, na minha concepção de morte, a morte
é vista como renascimento, só que é um renascimento só que do lado de cá fica gente e gente
sofrendo. Então eu acredito que a morte tem uma equipe de socorrista fazendo um amparo a
esta criança que esteja renascendo lá do outro lado. Mas para gente que fica dando auxílio
aqui na parte de cá fica muito ruim porque o menino vai embora, né? Então é difícil, mas eu
encaro assim umas têm que nascer, umas têm que morrer, mas bem que podia morrer um
pouco mais velho, logo na primeira parte da vida, que é tão legal, que é tão bacana e ao
mesmo tempo Dane, quando a gente vê diante de casos tão grave, a criança com sofrimento
de dor, com sofrimento de drenos, com prótese, com oxigênio em casa, aí, você fala: Será que
essa morte não vai ser bom porque ele vai parar de sentir isto tudo, será que não é muito
egoísmo da gente querer que esse menino fique com essa família, mas nessas condições, será