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Em O Mal-Estar na Civilização, obra escrita no período entre-guerras, Freud
preocupa-se especificamente com a pulsão da morte que se manifesta de maneira latente
e/ou explícita em todo o ser humano, o fascínio pela morte do Outro, o prazer de matar, a
gana pela destruição. Nós que aqui estamos por vós esperamos investe significativamente
na exploração desse enfoque, em muitos momentos em detrimento do eixo historiográfico
do filme, ignorando as explicações usualmente apontadas para eclosão dos conflitos bélicos
no século XX (como a fase expansionista do capitalismo industrial) e lançando a questão
para o patamar dos conflitos psíquicos.
É importante ressaltar que a psicanálise, na verdade, influenciou fortemente mais de
um movimento cinematográfico. Luis Buñuel e Salvador Dali, por exemplo, chegaram a
desenvolver experimentações muito interessantes com base nas idéias de Freud, como no
filme Um Cão Andaluz, de 1929. O cineasta G.W. Pabst filmou pelo menos seis obras
diretamente inspiradas na psicanálise, entre 1926 e 1957. Mesmo em obras recentes, como
Exótica (1994), de Atom Egoyam, ou Veludo Azul (1986), de David Lynch, há a clara
sugestão de que as condições que motivaram as tramas são da ordem do bizarro, do que
foge à razão consciente. Neles, há uma camada obscura, na maior parte do tempo vedada
ao próprio espectador, que promove acontecimentos estranhos e violentos. Para o teórico
da montagem Ken Dancyger, “os filmes são, em geral, fábulas de impulsos (instintos) e as
conseqüências da ação desses impulsos. É por isso que muitas histórias de ficção trabalham
com uma despudorada sexualidade e agressão” (DANCYGER, 2003, p. 224).
Em Nós que aqui estamos por vós esperamos, a influência das teorias freudianas
pode ser percebida em primeiro lugar na brutalidade aparentemente gratuita exibida em
várias seqüências, impulsos de violência que nem mesmo uma situação de conflito intenso
justifica; em segundo, na idéia de “filme-memória”.
Ora, na memória, fatos e pessoas não assumem exatamente as mesmas
circunstâncias e papéis que tiveram quando o acontecimento se passou de fato. Lembramos
de algo pelo que esse algo nos impressionou, não pela medida “real”. Tanto que, um mesmo
evento, presenciado por múltiplas testemunhas, jamais será exatamente descrito da mesma
forma por nenhuma delas. Além disso, é possível garantir que a memória não está também
condicionada pela perspectiva que temos do presente?