Download PDF
ads:
ANA PAULA BROLLO
"Galileu Galilei: Carta à Senhora Cristina de
Lorena, Grã-Duquesa de Toscana."
MESTRADO: HISTÓRIA DA CIÊNCIA
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ANA PAULA BROLLO
"Galileu Galilei: Carta à Senhora Cristina de
Lorena, Grã-Duquesa de Toscana."
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em História da Ciência sob a
orientação do Prof. Dr. Carlos Arthur
Ribeiro do Nascimento.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2006
ads:
3
Banca Examinadora
_______________________________
_______________________________
________________________________
4
Ao meu querido pai e grande mestre, que
me apresentou o céu e agora faz parte
dele.
5
Resumo
Esta dissertação tem como objeto a relação do sistema de Copérnico com a
Bíblia; questão crucial que pode ser analisada na Carta a Cristina de Lorena, de
Galileu, escrita em 1615, na qual tal tema é abordado pelo célebre florentino.
São consideradas de início algumas observações de Galileu ( manchas
solares, fases de Vênus e satélites de Júpiter) que davam crédito à tese de
Nicolau Copérnico, que colocava o Sol no centro do universo e fazia a Terra girar
em torno de si mesma e ao redor do Sol. Tese introduzida mais de meio século
antes, mas sem provas para fundamentá-la. As descobertas observacionais de
Galileu proporcionaram sustentação para o sistema copernicano, discutindo-se o
caráter desta: prova rigorosa (demonstração necessária) ou fundamentação de
uma hipótese capaz de “salvar os fenômenos”?.
Procuramos analisar a Carta de Galileu a Cristina de Lorena, destacando as
estratégias utilizadas por Galileu para mostrar o acordo do sistema copernicano
com a Bíblia; destacando também como Galileu concebe o estudo do livro da
Natureza e a interpretação da Bíblia.
Para Galileu, tanto a Natureza como a Sagrada Escritura são obras de
Deus; são, portanto, dois livros desprovidos de erro e não podem se contradizer;
no entanto, a Natureza e a Escritura são dois livros escritos em linguagens
diferentes, com finalidades diferentes, não se podendo lê-los da mesma forma.
As fontes primárias utilizadas foram as cartas de Galileu que se referem à
relação do sistema copernicano com a Bíblia, principalmente a carta a Cristina de
Lorena. Também utilizamos textos da época que foram úteis para a compreensão
do confronto entre ciência e religião no caso em questão.
6
Abstract
This dissertation has as subject the relation of Copernicus’ system with the
Bible; a crucial question that may be analyzed in Galileo’s Letter to Cristine of
Lorene, wrote in 1615, in which this subject is treated by the celebrated Florentine.
At first, some observations of Galileo are considered (solar spots, phases of
Venus and Jupiter satellites) which gave credit to the thesis of Nicolaus
Copernicus, who placed Sun in the center of Universe and made Earth to turn
around itself and around the Sun. This thesis was introduced more than one half
century before, but without proofs to support it. The observacional discoveries of
Galileo provided support for the copernican system, being argued the character of
this support: a rigorous proof (necessary demonstration) or endorcement of an
hypothesis “saving the phenomena”.
We endeavor to analyze the Letter of Galileo to Cristine of Lorene, stressing
the strategies used by Galileo to show the agreement of the copernican system
with the Bible; stressing also as Galileo conceives the study of the book of Nature
and the interpretation of the Bible.
For Galileo, Nature as much as Sacred Scripture are works of God; they
are, therefore, two books without error and cannot contradict one another;
however, Nature and Scripture are two books written in different languages, with
different purposes, not being able to be read in the same way.
7
Primary sources used were the letters of Galileo related to the relation of the
copernican system with the Bible, mainly the letter to Cristine of Lorene. We used
also texts of the time, that were useful for understanding the confrontation between
science and religion in the case at hand.
8
ÍNDICE
Introdução.................................................................................................................9
1. Carta à Grã- duquesa Cristina de Lorena: Precedentes.....................................12
2. Carta a Cristina de Lorena..................................................................................24
3. Bíblia, Interpretação e Natureza.........................................................................45
4. Teologia..............................................................................................................53
5. Argumento de autoridade...................................................................................55
6. Os dois livros: as Sagras Escrituras e a Natureza..............................................59
7. Argumentos astronômicos..................................................................................63
Conclusão...............................................................................................................68
Bibliografia.......................................................................................
...................72
9
Introdução
A aceitação do copernicanismo por Galileu não está claramente
documentada até 1597, cinco anos depois que obteve a cátedra de matemática da
Universidade de Pádua. Em uma carta a Kepler, manifesta ele, então estar de
acordo sobre a verdade da teoria copernicana.
Em março de 1610, Galileu publicou seus descobrimentos feitos com o
telescópio em um livro importante, Sidereus nuncius (O Mensageiro sideral). Aí
afirmava que a Lua não era um corpo esférico perfeito, tendo montanhas, vales e
crateras, como a Terra. Havia estrelas no firmamento não discernidas a olho nu: a
via láctea aparecia composta por agrupamentos de estrelas. Em Júpiter se
observavam quatro luas.
Estas descobertas com o telescópio transformaram a natureza da questão
copernicana. Por exemplo, a superfície acidentada da Lua mostrava que algumas
características da Terra se repetiam no céu. O movimento das estrelas
mediceanas, isto é, das luas de Júpiter, deixava claro que satélites podiam ter
órbitas em torno de outros corpos que não a Terra. As fases de Vênus, outra
importante descoberta com o telescópio, atestavam que pelo menos um planeta
podia girar em torno do Sol. E as manchas escuras observadas no Sol
conspiravam contra a perfeição deste.
10
O padre Benedetto Castelli escreveu a Galileu em 14 de março de 1613,
informando-o sobre o encontro com a família Médici, a 12 de dezembro de 1613,
durante o qual se discutira o sistema copernicano, tendo a Grã-duquesa Cristina
exigido que se mostrasse a ortodoxia deste sistema. A notícia perturbou Galileu e
o levou a uma resposta. Escreveu uma carta a Castelli no dia 21 de dezembro de
1613, argumentando sobre a relação entre a verdade descoberta na Natureza e a
revelada na Bíblia. Uma versão ampliada e com argumentação mais desenvolvida
desta carta, veio a se tornar a Carta a Cristina de Lorena, escrita em meados de
1615, em que Galileu procurou compatibilizar o sistema copernicano com o texto
bíblico.
Na carta a Cristina de Lorena, como mostraremos, podemos destacar
numerosas "“autoridades" que Galileu cita para sustentar suas teses, recorrendo
principalmente a passagens de Santo Agostinho, cujas obras, é ocioso dizer,
tinham grande peso na época e as passagens citadas eram particularmente
favoráveis à posição adotada por Galileu no tocante às relações da doutrina cristã
e das Escrituras com os estudos astronômicos.
Mostraremos também que Galileu seguiu na carta as partes convencionais
da arte de escrever cartas: salutatio, captatio benevolentiae, narratio, petitio e
conclusio.
Focalizaremos, enfim, algumas questões específicas dentro da Carta a
Cristina de Lorena, como a interpretação da Bíblia e da Natureza, ou seja, que
uma e outra são como dois livros desprovidos de erro, ambos sendo obras divinas;
o erro estaria, portanto, na interpretação da Escritura, por parte daqueles que não
entenderiam o seu real sentido. Supõe-se que os que estudariam a Natureza
11
apresentariam verdades rigorosamente demonstradas, servindo estas inclusive de
orientação para a interpretação da Escritura. Ao abordarmos estas questões,
estarão em jogo alguns aspectos concernentes ao conceito de ciência e de
método, sem que se pretenda entrar em análises que seriam certamente extensas
e complexas.
A teologia é outro tópico abordado, por Galileu em sua argumentação, pois
deve ele situar-se face à consideração de que “a teologia é a rainha de todas as
ciências”; o que Galileu aceita, dado o objeto de que esta se ocupa, ou seja, as
coisas que concernem a Deus; também pelo fato de proceder por meios sublimes,
quer dizer, a revelação divina. Mas, a teologia não é rainha no sentido de que, o
que outras ciências ensinam, se encontre nas investigações tratadas pela teologia.
Quanto ao argumento de autoridade, já mencionado, definir-se-á seu
significado e será analisado o uso por Galileu para validar suas teses, de citações
dos Pais da Igreja, sobretudo Santo Agostinho.
O trabalho se encerra com a contraproposta do Cardeal Belarmino, pedindo
que Galileu tratasse o copernicanismo como uma simples hipótese.
Os trechos das cartas de Galileu encontrados neste trabalho foram
retirados de Antônio Favaro, Le Opere di Galileo Galilei, Edizione Nazionale, 2ª
ed., Florença, G. Barbèra, 1932. A numeração constante é desta mesma edição. A
tradução de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, publicada sob o título de
Ciência e Fé. São Paulo: Nova Stella e Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro; Rio de
Janeiro: MAST, 1988.
12
1. CARTA À GRÃ DUQUESA CRISTINA DE LORENA: PRECEDENTE
Em 1609 Galileu foi atraído pelos comentários sobre uma nova curiosidade
holandesa chamada luneta ou óculo
1
(perspicillum, em latim, occhiale, em
italiano), que podia fazer os objetos distantes parecerem mais próximos do que
estavam. Galileu procurou aperfeiçoar a luneta
2
, por procedimentos artesanais
3
e
foi a Veneza mostrar ao doge e ao senado veneziano do que seu invento era
capaz.
Como ele próprio diz, “deixando as coisas terrenas, dedicou-se às
celestes”
4
, apontando uma de suas lunetas para a face da Lua; fez uma série de
desenhos da Lua em várias fases. E concluiu: “ Dado que sua observação da Lua
se torna mais fácil e evidente por obra do óculo, não considero impróprio reexpô-la
neste lugar, tanto mais quanto assim mais claramente se mostra o parentesco e
semelhança entre a Lua e a Terra.”
5
1
O termo “telescópio” só será usado a partir de 1611. G. Galilei, O Mensageiro Sideral, p. 36.
2
Segundo Feyerabend, Galileu registra que obteve êxito na construção do telescópio graças a
profundo estudo da teoria da refração. Sugere isso que ele tinha razões teoréticas para preferir o
resultado das observações por telescópio ao das observações a olho desarmado. Entretanto, a
particular razão que Galileu apresenta – mais aprofundado conhecimento da teoria da refração –
nem é correta nem é suficiente. A razão não é correta por existirem sérias dúvidas quanto ao
conhecimento de Galileu acerca das partes da ótica física de seu tempo que seriam relevantes
para a compreensão dos fenômenos telescópicos. Tentativa e erro – significa que no caso do
telescópio, não a matemática e sim a experiência foi que levou Galileu a uma fé na fidedignidade
de seu instrumento. P. Feyerabend, Contra o Método, pp. 157-159.
3
G. Galilei, O Mensageiro Sideral, pp. 36-39 e notas.
4
Ibid., p. 37.
5
Ibid., p. 49.
13
Em suas observações
6
, Galileu deparou também com a descoberta de
quatro planetas em órbita em torno do planeta Júpiter. Descobriu igualmente as
fases de Vênus, viu Saturno como um astro composto de uma parte central
ladeada por duas outras, percebeu que a Via Láctea é constituída por
inumeráveis estrelas.
Galileu registrou algumas dessas descobertas num novo livro já
mencionado, o Sidereus Nuncius
7
, publicado em 1610.
A publicação do Sidereus Nuncius suscitou não apenas elogios, mas
críticas e desconfiança
8
. A validez das observações telescópicas resultava difícil
de demonstrar, porque a importância do telescópio estava em revelar fenômenos
celestes que não eram visíveis a olho nu ou de difícil observação precisa, como as
6
Segundo M. Clavelin, A Revolução Galileana: Revolução Metodológica ou Teórica?, p.37. Saber
raciocinar a partir da observação dificilmente pode ser considerado uma inovação de Galileu; a
história das ciências cita grandes observadores que o antecederam ( Tycho Brahe, por exemplo) e
alguns de seus contemporâneos não podem de forma alguma ser negligenciados (por exemplo, o
padre Scheiner, sobre as manchas solares).
7
O Mensageiro Sideral (Sidereus Nuncius) foi escrito em latim porque era dirigido ao mundo
científico. Galileu enviou uma cópia a Cosimo II de Medici, junto com seu telescópio aprimorado.
Galileu dedicou as quatro luas de Júpiter à Casa do Grão-duque, chamando-as de “planetas
medicianos”. O príncipe exprimiu seu agradecimento em 1610, nomeando Galileu Matemático–Mor
da Universidade de Pisa e Filósofo e Matemático do Grão Duque. L. Geymonat, Galileu Galilei, p.
51.
8
Os filósofos, astrônomos e teólogos, que se declararam contrários ao que a luneta mostrava,
quando não se recusavam a observar através do telescópio, afirmavam que o que viam através da
luneta eram ilusões de óptica. Por exemplo, Christopher Clavius, professor de matemática no
Colégio Romano, acreditou, em um primeiro momento, que não existia prova de que qualquer
coisa observada por intermédio de lentes curvas existisse do outro lado realmente a não ser essas
lentes, pois o que era visto através delas desaparecia quando as lentes eram retiradas. Contudo,
depois de realizar com seriedade as observações telescópicas, Clavius reconheceu que Galileu
tinha razão. Kepler, a quem Galileu solicitou uma opinião, escreveu uma monografia intitulada
Dissertatio cum nuncio sidereo a Galileo Galilaeo (Conversa com o mensageiro celeste), publicada
em 1610, na qual reconheceu as descobertas como reais. A atitude dos citados filósofos,
astrônomos e teólogos estava longe de ser pura “cabeçudisse” ou ignorância, devido às
dificuldades técnicas na construção da luneta (por exemplo produzir vidro sem bolhas ou colocar
as lentes perfeitamente alinhadas), que provocavam efeitos indesejados (halos coloridos em torno
do astro, multiplicação dos objetos vistos, etc.).
Sobre este assunto pode-se encontrar mais esclarecimentos em L. Geymonat, Galileu Galilei, p.
54.
14
manchas da Lua ou as manchas solares
9
. Além disso, quem garantia que no
espaço sideral o telescópio funcionaria do mesmo modo que na atmosfera.
10
Uma das questões polêmicas suscitadas pelas observações e descobertas
de Galileu foi em relação à perfeição e imutabilidade dos céus, por abalarem uma
crença antiga e medieval. A Lua, observando-a com o telescópio, mostrou-se com
superfície coberta de buracos e crateras, vales e montanhas. As observações
telescópicas do Sol também mostravam imperfeições: manchas negras que
apareciam e desapareciam na sua superfície; a existência dessas manchas estava
em conflito com a perfeição da região celeste; o seu aparecimento e
desaparecimento estava em conflito com a imutabilidade dos céus e dos corpos
celestes; o movimento dos pontos no disco do Sol indicavam que o Sol girava
continuamente sobre o seu eixo.
É bom relembrar que as descobertas de Galileu, a rigor, se opunham a
duas considerações distintas. De um lado, a figura do mundo aceita pelo senso
comum da época, baseada na observação expontânea e que distingue duas
regiões, a terrestre, onde vivem os homens, sujeita a contínuas transformações e
a celeste, ocupada pelos astros, incorruptível, onde a única mudança é o
movimento local em sua forma perfeita, isto é, circular. O centro destes movimento
é o centro do mundo, onde está localizada a Terra, cujo centro coincide com o
9
Galileu não foi o único observador das manchas solares. Um jesuíta alemão, o Padre Christoph
Scheiner, que utilizou o pseudônimo de “Apelles” , defendia a idéia de que as manchas solares
podiam ser várias estrelas circundando o Sol. Scheiner apresenta seu trabalho em 5 de janeiro de
1612 intitulado Tres epistolae de Maculis Solaribus Scriptae ad Marcum Velserum. Galileu não
havia notado nada parecido com uma estrela nas manchas solares; a seu ver, pareciam-se mais
com nuvens. B. Dame, “Galilée et les taches solaires (1610-1613)”, in Galilée, aspects de as vie et
de son oeuvre, p. 187.
10
Muitos aristotélicos, inclusive os astrônomos jesuítas do Colégio Romano, desconfiavam das
observações telescópicas. Estes últimos foram convencidos por Galileu durante uma viagem que
15
centro do mundo. Por outro lado, as elaborações cosmológicas e astronômicas a
respeito destes dados da observação comum, que incluíam observações mais
acuradas e teorias que procuravam dar conta do observado. No que se refere às
teorias astronômicas (sistemas planetários) podem ser sumariamente distinguidos
o sistema das esferas homocêntricas de Aristóteles e dos excêntricos e epiciclos
de Ptolomeu. Os dois sistemas não são superponíveis, havendo tendência a se
utilizar Aristóteles em cosmologia e a apoiar-se em Ptolomeu quando se tratava de
astronomia matemática.
Os interlocutores de Galileu, que continuavam a aderir às teorias
tradicionais procuravam muitas vezes explicar as “novidades galileanas” por meio
de hipóteses ad hoc. Por exemplo, explicar as irregularidades da Lua por meio de
diferenças de densidade da mesma e as manchas solares como corpos que
giravam em torno do Sol.
Algumas destas observações e descobertas
11
de Galileu davam crédito à
tese de Nicolau Copérnico
12
, que colocava o Sol no centro do universo, introduzida
mais de meio século antes, mas sem provas para fundamentá-la. Além disso, as
observações das luas de Júpiter, que para Galileu giravam em torno deste,
pareciam fornecer um modelo visível do sistema solar de Copérnico. Os
fez a Roma em 1611. Apesar de aceitarem a imutabilidade do cosmos estes jesuítas não negaram
a evidência fornecida por seus sentidos. C. S. Morphet, Galileu e a astronomia copernicana, p.32.
11
Referimo-nos àquelas que se relacionam diretamente com o copernicanismo, como a descoberta
das luas de Júpiter, das fases de Vênus e das manchas solares, já observadas antes pelo jesuíta
Cristóvão Scheiner (1573-1650).
12
Em 1543, o cônego polonês Nicolau Copérnico, em seu livro Sobre as revoluções dos orbes
celestes, ou De Revolutionibus orbium coelestium, Libri VI, tirou a Terra de sua posição central e a
colocou em orbita em torno do Sol. Embora Copérnico tenha feito muitas observações a olho nu da
posição dos planetas, a maior parte de seu trabalho se constituía de leitura, reflexão e cálculos
matemáticos. Não forneceu evidência observacional em apoio do que propunha. Sobre a física e a
cosmologia de Copérnico, vide T. S. Kuhn, A Revolução Copernicana, pp. 171-184.
16
argumentos a favor do copernicanismo
13
eram, assim, reforçados devido a essas
descobertas. Particularmente, as observações de Vênus forneciam um forte apoio
para a hipótese de Copérnico, embora fossem compatíveis com o sistema de
Tycho Brahe.
14
Quando Galileu observou Vênus, pôde notar que o tamanho e a forma do
planeta variavam. Portanto, a variação de brilho de Vênus explicaria a existência
de fases. Alguns astrônomos, especialmente os ligados à Igreja Católica,
reconheceram que as provas da existência de fases em Vênus pesavam
gravemente contra o sistema ptolomaico
15
. As fases de Vênus não podem ser
distinguidas a olho nu, mas o telescópio aumenta suficientemente os planetas
13
P. Feyerabend sustenta que o comportamento de Galileu difere das explanações históricas
habituais: não aponta fatos novos que ofereçam apoio indutivo à idéia de Terra em movimento,
nem menciona quaisquer observações que refutariam o ponto de vista geocêntrico, mas que
seriam explicadas pelo copernicanismo. Ao contrário, sublinha que tanto as concepções de
Ptolomeu quanto as de Copérnico são refutadas pelos fatos.” P. Feyerabend, Contra o Método, p.
156.
14
As contribuições de Tycho Brahe à astronomia foram enormes. Não somente projetou e
construiu instrumentos, mas também calibrou-os e verificou sua exatidão periodicamente. Mudou
também a prática observacional profundamente, visto que alguns astrônomos mais adiantados
tinham ficado satisfeitos em observar as posições dos planetas e da lua em determinados pontos
importantes de suas órbitas. No general, Tycho fez medições astronômicas mais precisas do que
os astrônomos precedentes.
As observações de Tycho da estrela nova de 1572 e de um cometa de 1577, e suas publicações
sobre estes fenômenos, eram instrumentais para estabelecer o fato de que estes corpos estavam
acima da lua e que consequentemente os céus não eram imutáveis como Aristóteles tinha
discutido e os filósofos tinham acreditado. Os céus eram mutáveis e consequentemente a divisão
aristotelica entre as regiões supralunar e sublunar veio a ser atacada (ver, por exemplo, Diálogo de
Galileo) e foi deixada de lado eventualmente. Mas, se os cometas estivessem nos céus, mover-se-
iam com os céus. As observações de Tycho mostraram que este arranjo era impossível porque os
cometas se moveriam através das esferas. As esferas celeste desvaneceram-se entre 1575 e
1625.
Se Tycho destruísse a dicotomia entre o mundo sublunar corruptível e sempre em mudança e os
céus perfeitos e imutáveis, então o novo universo seria mais aceitável para o arranjo planetário
heliocêntrico, proposto por Nicolau Copernico. Mas Tycho não era um seguidor de Copernico.
Tycho desenvolveu um sistema que combinasse o melhor de ambos os mundos. Manteve a Terra
no centro do universo, de modo que pudesse reter a física Aristotelica. A lua e o sol revolveriam em
torno da Terra, e a esfera das estrelas fixas foi centrada na Terra. Mas Mercúrio, Vênus, Marte,
Júpiter, e Saturno revolveriam em torno do Sol. Pôs o trajeto circular do cometa de 1577 entre
Vênus e Marte. Mais detalhes vide: T. S. Kuhn, A Revolução Copernicana, pp. 232-242.
17
para mostrar que a forma de Vênus varia e esta variação fornece fortes evidências
de que Vênus se move numa órbita centrada no Sol.
Nenhuma das observações, mesmo a das fases de Vênus, fornece, porém,
um argumento irrefutável para o sistema de Copérnico
16
, embora o telescópio
tenha sido um instrumento poderoso a favor do copernicanismo.
17
.
Os padres jesuítas
18
concordavam com Galileu quanto ao reconhecimento
da verdade de fato das observações astronômicas por ele realizadas, não na
15
O sistema ptolomaico não podia explicar as fases de Vênus. O sistema copernicano, ao
contrário, oferece uma explicação destas observações. Para mais detalhes sobre o fenômeno, vide
T. S. Kuhn, A Revolução Copernicana, p. 255.
16
Algumas questões importantes sobre o sistema de Copérnico foram feitas por D. C. Lindberg,
“Galileo, the Church, and the Cosmos”, in D. C. Lindberg & R. L. Numbers, orgs., When Science &
Christianity Meet, pp. 33-60. Sintetizaremos algumas delas. Por quê aqueles astrônomos que
primeiro dominaram o De Revolutionibus de Copérnico recusaram aceitar a verdade do
heliocentrismo? porque a evidência que poderia ser conduzida no meio do século XVII em apoio do
modelo heliocêntrico como fisicamente verdadeiro não era convincente. Sem observação, ele crê
que poderia provar que o Sol está parado e a Terra se move. Predições usando o novo sistema (na
forma dada no De Revolutionibus) não foram mais precisas do que aquelas oferecidas pelos
antigos. 1º) eliminação do equante ptolomaico significou que todos os movimentos são uniformes
em relação o centro deles. 2º) a teoria lunar de Copérnico e sua teoria de precessão dos
equinócios foram reconhecidas como tecnicamente superiores às de Ptolomeu. 3º) o sistema
heliocêntrico teve um certo número de vantagens que se situavam no esquivo domínio: ordem,
coerência ou inteligibilidade. Por exemplo, o sistema ptolomaico não oferecia princípio óbvio para
determinar a verdadeira seqüência das órbitas planetárias. Copérnico poderia explicar o
movimento retrógrado dos planetas. Não explicado pela astronomia de Ptolomeu, o movimento
retrógrado foi revelado pelo heliocentrismo como um simples caso de ilusão de ótica, devido ao
fato que observamos aqueles planetas de uma plataforma em movimento. Ao lado destas
vantagens do modelo heliocêntrico algumas desvantagens. 1º) colocar a Terra em movimento
representou uma violação do senso comum. 2º) a mudança da Terra do centro do cosmos
representou um ataque destrutivo à física de Aristóteles e por isso representou uma séria violação
do senso comum científico. 3º) colocar a Terra em movimento, foi colocá-la dentro dos céus,
destruindo a dicotomia entre os céus e a Terra. 4º) Ausência de paralaxe estelar. Segundo os
autores do texto, aqueles astrônomos e filósofos naturais que rejeitaram o heliocentrismo não o
fizeram por causa do conservadorismo cego ou intolerância religiosa, mas pelo compromisso deles
com princípios científicos e teorias fizeram largamente aceitos. De fato, os primeiros críticos sérios
foram jovens astrônomos alemães, que perceberam a simplicidade e inteligibilidade da teoria
heliocêntrica e a usaram para cálculo, mas a consideraram como fisicamente impossível.
Copérnico tinha dedicado o De Revolutionibus ao papa. E, exceto uma ou duas pessoas, ninguém
julgou suas idéias perigosas – tolas, talvez, mas dificilmente uma ameaça.
17
Em dezembro de 1615 Galileu pensou ter encontrado uma nova sustentação para Copérnico: o
movimento das marés, acreditava Galileu, dava um testemunho constante de que o planeta Terra
de fato girava no espaço. Se a Terra permanecesse imóvel, o que poderia fazer suas águas irem
para lá e para cá, subindo e baixando em intervalos regulares ao longo das costas? O fato, porém,
de Galileu não poder explicar as marés sem o movimento da Terra não provava que a Terra se
18
interpretação das mesmas. A confirmação oficial das descobertas galileanas foi
dada pelos padres ao próprio Galileu em uma conferência deste, realizada no
Colégio Romano em 1611, com o título de Nuncius sidereus Collegii Romani.
19
O problema se agravou quando, depois destes descobrimentos, e Galileu
concretizava mais sua defesa do sistema copernicano, foi posto em relevo que as
teses centrais deste, a imobilidade do Sol e o movimento da Terra, chocavam-se,
pelo menos aparentemente, com algumas passagens bíblicas. As mais
conhecidas e citadas no próprio século XVII eram: Salmos 18,6 e 103,5, Crônicas
16,30, Eclesiastes 1,4-6, Josué 10,12. Estas passagens referem-se à estabilidade
da Terra e ao movimento do Sol. Daí a importância de se buscar a concordância
da ciência astronômica com a Bíblia.
20
movia. Ver a respeito: Pablo Mariconda, “A Quarta Jornada do Diálogo e a teoria das marés.”, In:
Idem, Galileu Galilei, Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, pp. 843-868.
18
Os jesuítas representavam naquele momento, a ordem religiosa mais aberta para as ciências
exatas; eram, contudo, apesar de tal abertura, os mais rígidos defensores da ortodoxia católica e
pretendiam usar sua própria competência científica para impedir que a ciência assumisse um
significado contrário à doutrina católica. Pertencia à Companhia de Jesus o cardeal Roberto
Belarmino, um representante do espirito contra-reformista, professor no Colégio Romano e,
posteriormente, teólogo do Papa, consultor do Santo Ofício, examinador dos bispos. Belarmino
enviou perguntas aos matemáticos do Colégio Romano sobre o que eles pensavam a respeito das
novas descobertas astronômicas, preocupado com os reflexos que poderiam ter estes
desenvolvimentos da ciência sobre a concepção de mundo e sobre a teologia. Os matemáticos e
astrônomos do Colégio Romano confirmaram as descobertas de Galileu, formulando apenas
algumas reservas sobre o formato de Saturno e a constituição da Via Láctea. A. Banfi, Galileu
Galilei, p. 141.
19
O Colégio Romano era uma instituição de ensino sob os cuidados da Companhia de Jesus.
Abrigava cerca de dois mil estudantes vindos de toda a Europa, que encontravam na gramática,
retórica, ética, dialética aristotélica, Escrituras, hebraico e grego, instrumentos para as seis
cátedras de teologia, sendo três de escolástica e as demais de teologia positiva, casuística e de
controvérsia contra os heréticos. Além disso, era também uma comunidade científica, com
pesquisas astronômicas e matemáticas, exigindo de seus participantes a conciliação entre as
preocupações científicas e as exigências doutrinais católicas. Mas quanto à filosofia natural, isto é,
a física e a cosmologia prendia-se à tradição e polemizava com as formas de aristotelismo que
circulavam fora das universidades ou em algumas cátedras heterodoxas. Seus estudos baseavam-
se em disciplina, pesquisa e solidariedade. C. V. Oliveira, O Livro da Natureza: Galileu Galilei, p. 4.
20
M. A. Granada, “Il problema astronomico-cosmologico e le Sacre Scritture dopo Copernico:
Christoph Rothmann e la “teoria dell’accomodazione.” Rivista di Storia della Filosofia, pp. 789-828.
19
Galileu manifesta confiança em relação à contribuição das ciências
naturais para a interpretação do texto bíblico. Por exemplo, a propósito da
passagem de Josué (10,12), a qual relata a parada do Sol no meio do céu, Galileu
desenvolve uma interpretação para mostrar como esta passagem, no sentido mais
direto das palavras, concorda melhor com a teoria de Copérnico do que com a de
Ptolomeu.
É assim que na carta a Castelli, Galileu trata do Milagre de Josué que havia
sido utilizado como argumento contra o sistema heliocêntrico. Desejando afastar
os obstáculos ao desenvolvimento da atividade científica e também pretendendo
evitar uma possível condenação do copernicanismo, entra na interpretação bíblica,
terreno que não deveria ter pisado em coerência com seu próprio pensamento
sobre a questão. Mesmo assim, o que disse sobre a passagem de Josué é
sobretudo um argumento contra os partidários do geocentrismo, pois no caso de
uma interpretação literal, e tendo em conta a constituição sustentada pelos
partidários deste, o milagre, tal como o narra a Bíblia, não poderia ter lugar.
21
Sustentar tal interpretação literal seria compatível com a constituição do universo
que o sistema copernicano defende.
22
Então, os teólogos irão advertir Galileu de
21
O dominicano Tommaso Cacini, comentando o capítulo X do livro de Josué, se dirigia a Galileu
e seus seguidores servindo-se das palavras de São Lucas: “ Homens da Galileia, que estais
contemplando no céu?” [“viri Galilaei, quid statis adspicientes in coelum?”], pronunciando em
continuação um violento ataque contra os matemáticos fazedores de heresias e contra a mesma
matemática, a que considerava como “arte diabólica”, Galileu não contestou diretamente tal tipo de
adversários; a propósito dos ataques contra os matemáticos, assinalou que tais sujeitos não
advertiam “que contradizer a geometria é o mesmo que negar abertamente a verdade.” Galileu
Galilei, O Ensaiador, p. 32. M. González, Carta a Cristina de Lorena y otros textos sobre ciencia y
religión, p. 20.
22
Galileu explica primeiro que a rotação do Sol em torno do seu eixo é a causa de todos os
movimentos planetários. Conclui que, quando Josué exclamou: “Sol, detém-se!”, o Sol parou de
girar e, em conseqüência, se paralisou tanto o movimento anual da Terra como o diário. Para
Galileu, se a Terra parasse brusca e repentinamente, montanhas e cidades cairiam. Se se
interpretasse da Bíblia de acordo com Ptolomeu, a repentina parada do Sol não teria nenhum
20
que a interpretação da Escritura pertence aos teólogos,
23
não cabendo a ele como
astrônomo e leigo dar lições a estes.
Em reuniões da corte, Suas Sereníssimas Altezas Cosimo II, a
arquiduquesa Maria Madalena e a grã-duquesa mãe Madama Cristina
24
recebiam
convidados capazes de informá-los sobre diversos temas. O monge beneditino
Benedetto Castelli, discípulo de Galileu e recém-nomeado para a cátedra de
matemática de Pisa, era um desses comensais. Durante o jantar no dia 12 de
dezembro de 1613 quando a conversação girava em torno do telescópio e
observações astronômicas, a opinião geral parece ter sido a favor dos
descobrimentos do telescópio de Galileu, mas Cósimo Boscaglia, professor de
filosofia da Universidade de Pisa, afirmou que o movimento da Terra era algo
impossível, em particular porque as Sagradas Escrituras eram contrárias a esta
opinião. A conversação continuou e Castelli foi pressionado por Cristina de Lorena
para que defendesse o movimento da Terra contra a prova das Escrituras.
efeito físico apreciável, e o milagre continuaria sendo crível como são os milagres. Se interpretasse
segundo Galileu, Josué não só houvesse destruído os filisteus como a Terra toda. X. Granados; F.
Reus; P. Fuente; G. Santa-Maria; A. Garrigós & A. M. Rius, Galileu e a Astronomia Copernicana,
p. 47.
23
Depois da publicação do De revolutionibus (1543), católicos e protestantes aduziram o problema
teológico como prova evidente da falsidade da teoria copernicana. Giovanni Maria Tolosani,
teólogo dominicano de Florença, insistiu sobre a impossibilidade física do princípio copernicano em
contradição com a verdade de uma Terra imóvel no centro do mundo. Tolosani afirmava que a
teoria copernicana contradizia a Escritura. Melanchton evidencia a incompatibilidade do movimento
da Terra e a Escritura em seu Initia doctrinae physicae, um manual de filosofia natural publicado
em 1549. Na Segunda edição da obra em 1550, Melanchton atenuou a crítica a Copérnico sobre a
questão física, reconhecendo a possibilidade de um uso instrumental ou exclusivamente
matemático do movimento terrestre e do heliocentrismo; mas acusa o axioma copernicano de
contradizer a Escritura. Calvino, provavelmente em 1556 sem fazer uma explicita referência à
Bíblia ou a Copérnico, condenou a tese do movimento da Terra como um sinal de loucura e indício
de uma natureza monstruosa que perverte a ordem natural. Para melhores explicações vide M. A.
Granada, “Il problema astronomico-cosmologico e le sacre scritture dopo Copernico: Christoph
Rothmann e la ‘Teoria dell’accomodazione’”, in Rivista di Storia della Filosofia, pp. 789-828.
24
Filha de Carlos, duque de Lorena, casou-se em 1589 com o grão-duque da Toscana, Ferdinando
I. Convidou Galileu em 1605 para dar aulas a Cósimo, seu filho, que, na época em que a Carta a
21
Em 14 de dezembro de 1613, Castelli escreveu a Galileu, informando-o
sobre este encontro com a família Médici. A grã-duquesa Cristina, como já
mencionado, exigira que se mostrasse a ortodoxia do sistema copernicano
25
. A
notícia perturbou Galileu e o levou a uma resposta. Escreveu uma carta a Castelli
no dia 21 de dezembro de 1613
26
, argumentando sobre a relação entre a verdade
descoberta na natureza e a revelada na Bíblia.
“Quanto à primeira questão genérica de Madama Sereníssima,
parece-me tenha sido muito prudentemente proposto por ela subscrito e
estabelecido por V. Paternidade, não poder a Sagrada Escritura jamais
mentir ou errar, e possuírem os seus decretos absoluta e inviolável
verdade. Eu acrescentaria somente que, se bem que a Escritura não possa
errar, algum de seus intérpretes e expositores poderia, entretanto, incorrer
por vezes em erro, e de várias maneiras.”
27
Para Galileu, não é possível nem adequado tomar a linguagem bíblica
atendo-se sempre ao mero significado das palavras. Há indubitavelmente muitos
artifícios literários inseridos na Bíblia para ajudar a plebe a compreender os
problemas pertinentes à salvação. Neste sentido, a linguagem bíblica apresenta
Cristina de Lorena ( 1615) foi escrita, era o grão-duque com o nome de Cósimo II e grande
protetor de Galileu. G. Galilei, Ciência e Fé, p. 41.
25
Madama Cristina era uma católica fervorosa, que ouvia com freqüência seu confessor, outros
padres, cardeais e o papa. Ela tinha lido a Bíblia e podia citar o livro de Josué (10, 12) – no qual o
Sol e a Lua recebem a ordem de ficar parados o que implica que estavam se movendo.
26
O tema central da carta se refere ao perigo ao recorrer em matérias científicas à Bíblia, o que
não somente poderia prejudicar a liberdade científica, como também poderia desrespeitar a
dignidade do livro sagrado, pois seria utilizado para condenar uma doutrina que, com o tempo,
poderia vir a ser demonstrada verdadeira.
22
de modo simplificado certos efeitos físicos da Natureza, para conformá-los à
experiência comum. “Portanto, encontramos na Sagrada Escritura muitas
proposições que têm aspecto literal diferente do verdadeiro, mas que estão assim
redigidas para acomodarem-se à capacidade de entendimento do povo.
28
Castelli, junto com amigos, copiaram esta carta e passaram-na adiante. No
dia 21 de dezembro de 1614 Galileu foi atacado do púlpito da igreja de Santa
Maria Novella, em Florença, por Tommaso Caccini, um dominicano que tinha
relações com a “liga dos pombos”
29
.
Galileu recebeu um pedido de desculpas escrito pelo superior dominicano
de Caccini. Mas um outro dominicano florentino, Niccolò Lorini, submeteu ao
inquisidor-geral de Roma uma cópia da então bastante lida carta de Galileu a
Castelli. Certas passagens da carta teriam sido alteradas para reforçar um
possível desrespeito de Galileu pela Sagrada Escritura.
30
Galileu, por sua vez,
enviou uma cópia autêntica da carta a seu amigo no Vaticano, Piero Dini, que por
sua vez a transcreveu para vários cardeais dispostos a colaborar para limpar o
nome de Galileu.
Galileu se propunha ampliar e melhorar a cópia certificada do original que
remeteu a Roma, para fazer frente a seus adversários e para expor de forma mais
detalhada suas idéias. A versão ampliada, com argumentação mais desenvolvida,
27
Carta ao Padre Benedetto Castelli (21/12/1613), p. [282].
28
Ibid., p. [282].
29
Alguns filósofos, especialmente Ludovico delle Colombe, da Academia Florentina, que polemizou
longamente com Galileu a respeito da flutuação dos corpos na água. Ludovico declarou-se “anti-
Galileu” em resposta à posição antiaristotélica de Galileu. Os partidários de Galileu, por sua vez,
adotaram o título de “galileanos” e procuraram desacreditar a filosofia de Ludovico jogando de
forma depreciativa com seu nome: como colombe significa “pombas” em italiano, apelidaram os
críticos de Galileu de “liga dos pombos”. A. Banfi, Galileu Galilei, pp. 149-153.
23
se transformaria na Carta a Cristina de Lorena. Nesta carta podemos destacar
numerosas “autoridades” que Galileu cita para sustentar suas teses, recorrendo
principalmente a Santo Agostinho e ao Pseudo Dionísio Areopagita
31
, cujas obras
tinham grande peso na época. Ao lado destas “autoridades”, Galileu apresenta
outros argumentos de caráter geral como os acima mencionados, bem como aduz
alguns argumentos específicos a que nos referiremos em seguida.
30
Tradução do texto desta cópia em Os documentos do processo de Galileu Galilei. Petrópolis:
Vozes, 1994, pp. 38-46. Original em A. Favaro, Galileo e l’Inquisizione, Documenti del Processo
Galileiano. Florença: G. Barbera, 1907, pp. 39-45.
31
São Dionísio Areopagita foi um autor do final do século V; apresentou seus escritos como
Dionísio, o Aeropagita, convertido por São Paulo (Atos dos Apóstolos, 17,34). Seus escritos foram
de grande prestígio e autoridade desde a Antigüidade até a Idade Média e a Renascença.
24
2. Carta a Cristina de Lorena
2.1 Apresentação geral da carta
Na Carta a Cristina de Lorena, escrita em meados de 1615
32
, Galileu
procura compatibilizar o sistema copernicano com o texto bíblico
33
.
2.1.1 Divisões da Carta
Podemos definir, segundo um autor anônimo de Bolonha, uma epístola ou
carta como “o adequado arranjo das palavras assim colocadas para expressar o
sentido pretendido por seu remetente. Ou, em outras palavras, uma carta é um
Somente no século XVIII ficou estabelecido que o autor dos escritos areopagíticos não tinha nada
a ver com o personagem convertido por Paulo em Atenas. G. Galilei, Ciência e Fé, p. 37.
32
Não é conhecida a data exata em que Galileu terminou a redação definitiva desta carta;
provavelmente devia tê-la terminado em meados de 1615. M. González, Carta a Cristina de Lorena
y otros textos sobre ciência y religión, p. 34.
33
Algumas cartas de Galileu referem-se especialmente à relação do sistema de Copérnico com a
Sagrada Escritura, principalmente, a carta a Benedetto Castelli de 21/12/1613, a Piero Dini de
16/02/1615 e de 23/03/1615 e à Grã-Duquesa Mãe de Toscana, Cristina de Lorena, de 1615.
25
discurso composto de partes ao mesmo tempo distintas e coerentes, significando
plenamente os sentimentos de seu remetente.”
34
Galileu empregou na Carta a Cristina de Lorena as partes convencionais da
arte de escrever cartas desenvolvida em Bolonha séculos antes: salutatio, captatio
benevolentiae, narratio, petitio e conclusio. Eis como o Anônimo de Bolonha
caracteriza cada uma destas partes:
A salutatio
35
, (Saudação) “é uma expressão de cortesia que transmite um
sentimento amistoso compatível com a ordem social das pessoas envolvidas.”
Pode ser “prescrita” se o nome do destinatário é escrito primeiro, seguido por
todas as suas qualificações; “subscrita” se o nome do destinatário é posto ao fim
com todas as qualificações, como se a saudação apresentada fosse inteiramente
escrita na ordem oposta; “circunscrita” se o nome do destinatário é escrito em
vários lugares.
A captatio benevolentiae
36
, “é uma certa ordenação das palavras para influir
com eficácia na mente do destinatário. Isso pode ser assegurado numa carta por
cinco modos: pela pessoa que envia a carta, ou pela pessoa que a recebe, ou por
ambas imediatamente, ou pelo efeito das circunstâncias, ou pela matéria em
questão. A boa disposição pode ser assegurada pela pessoa que envia a carta se
menciona humildemente alguma coisa sobre seus negócios, ou suas obrigações,
ou suas razões. Freqüentemente a maior parte da captação da benevolência já
está em curso na própria saudação.”
34
A. Bolonha; E. Roterdam & J. Lípsio, A Arte de escrever cartas, p. 83.
35
Ibid., p. 84.
36
Ibid., pp. 97-98.
26
A narratio
37
, é a enumeração ordenada dos fatos sob discussão, ou melhor,
uma apresentação dos fatos de um modo que parecem eles próprios se
apresentar.
A petitio
38
é a parte da carta na qual se tenta pedir alguma coisa.
A conclusio
39
é a passagem pela qual uma carta é terminada. É costumeiro
na conclusão referir-se ao motivo pelo qual a questão é vantajosa ou não,
segundo os assuntos tratados na carta.
Galileu, como explicaremos posteriormente, introduz uma elaborada
estratégia de argumentação para sustentar sua petitio. Na Salutatio se endereça a
sua patrona com apropriada deferência, ao mesmo tempo em que põe em relevo
a si mesmo e suas descobertas: “Galileu Galilei à Sereníssima Senhora, a Grã
duquesa Mãe”; “Eu descobri há poucos anos, como bem sabe Vossa Alteza
Sereníssima, muitas particularidades no céu, que tinham permanecido invisíveis
até esta época.”
40
A captatio benevolentiae começa modelando-se pela norma clássica:
menciona seu singular talento e, para apelar à simpatia de sua leitora, passa a
descrever o ataque de rivais não só céticos, mas também mal intencionados. As
observações a que se refere incluem as apresentadas no Sidereus Nuncius,
dedicado a Cosimo II, sendo os satélites de Júpiter, aí descritos, nomeados
37
Ibid., p. 99.
38
Ibid., p. 99.
39
Ibid., p. 100.
40
Carta à Senhora Cristina de Lorena [309]. Na análise da Carta a Cristina de Lorena, dentro do
quadro da literatura epistolar nos apoiaremos bem de perto em J. D. Moss, “Galileo´s letter to
Christina: Some Rhetorical Considerations.” in Renaissance Quaterly, pp. 547-576. Também C. A.
R. do Nascimento “A Carta de Galileu à Grã Duquesa Cristina de Lorena”, Discurso, pp. 323-328;
Idem, “Galileu Galilei: Carta a Cristina de Lorena (tradução e introdução)”. Cadernos de História e
Filosofia da Ciência, pp. 91-123.
27
estrelas mediceanas. Como o próprio Galileu declara no prefácio: “Chamei-as
Astros Medíceos, confiando que por força desta denominação recebam estas
estrelas tanta dignidade quanto as outras conferem aos demais heróis.”
41
A existência de um rascunho da Carta a Cristina dirigido a uma certa
“Paternidade” levou a se especular sobre o endereçamento efetivo da carta à Grã
Duquesa Mãe. De fato, Galileu poderia ter pensado em endereçar a carta a
Benedetto Castelli (tratado na carta de 21-12-1613 como “Vossa Paternidade”) ou
mesmo a Monsenhor Piero Dini. Mas, à parte o fato de que no jantar de 12-12-
1613 a Grã Duquesa tinha se mostrado preocupada com a concordância de
Copérnico com a Bíblia, dirigir a carta a ela, seria uma nova homenagem à casa
de Médici (depois do Sidereus Nuncius), bem como poderia tornar a tarefa menos
pesada. Com efeito, Galileu estaria se dirigindo a uma leiga e não a um
eclesiástico (suposto entender do assunto melhor que ele), poderia atingir um
vasto público a ser como que entreouvido pelas autoridades eclesiásticas, o
endereço certo da carta.
42
Como propõe ainda Jean Dietz Moss
43
o fato de a carta se dirigir como que
a três audiências (Cristina, o público em geral e as autoridades eclesiásticas)
acabou, no entanto, complicando: se o tom de crítica a seus adversários podia ser
recebido com simpatia por Cristina e os amigos de Galileu, tinha grande
probabilidade de irritar as autoridades eclesiásticas.
41
G. Galilei, O Mensageiro Sideral, p. 33.
42
J. Dietz Moss, op. cit., pp. 552-554; M. Gonzáles, Galileo Galilei, Carta a Cristina de Lorena y
otros textos sobre ciência y religión, pp. 30-31.
43
Idem, ibdem, p. 553.
28
Com seu tom desaprovador Galileu destaca um grupo de filósofos e
teólogos como adversários, cujos erros vai definir na narratio. São homens
determinados a preservar a todo preço o que eles acreditam em vez de admitir o
que é óbvio para os olhos deles. Seguem invocando a Bíblia para refutar
argumentos em assuntos de física. Por outro lado, aqueles que são bem versados
na ciência física e astronomia são perfeitamente capazes de ver a verdade de
suas descobertas. É neste contexto que Galileu invoca uma citação de Santo
Agostinho:
“Pelo momento, contentando-nos em observar uma piedosa reserva,
nada devemos crer apressadamente sobre este assunto obscuro, no temor
de que, por amor a nosso erro, rejeitemos o que a verdade, mais tarde,
poderia nos revelar não ser contrário de modo nenhum aos santos livros do
Antigo e do Novo Testamento.”
44
A citação deriva do comentário de Agostinho no livro do Gênesis (De
Genesi ad litteram (Lib. 2, cap. 18)), em que este considera o que pode ser dito
com certeza sobre os corpos celestes. O texto é, de fato, uma transição para a
narratio onde Galileu relata as circunstâncias envolvendo a controvérsia sobre o
sistema de Copérnico. Este mote será repetido em vários lugares na carta e será
usado como o contexto no qual formula sua petitio às autoridades eclesiásticas
por liberdade de pensamento. Por toda a carta Galileu recorre ao De Genesi ad
litteram, citando-o mais freqüentemente do que qualquer outra fonte.
29
A elaborada argumentação desenvolvida por Galileu na carta apoia-se
inicialmente sobre a suposição de que seus oponentes procuram desacreditá-lo. É
contra estes que dirige sua refutação. Diz Galileu:
“Ora, por causa destes falsos opróbrios que estas pessoas procuram
tão injustamente me imputar, julguei necessário, para minha justificação
junto ao público em geral, de cujo juízo e conceito em matéria de religião e
de reputação devo fazer grande estima, discorrer acerca daqueles
particulares que estas pessoas vão apresentando para detestar e abolir
esta opinião e, em suma, para declará-la não apenas falsa, mas herética.”
45
Acrescenta: “Donde eu esperar demonstrar com quanto mais piedoso e
religioso zelo procedo eu do que o fazem eles quando proponho, não que não se
condene este livro, mas que não se condene como o quereriam estes: sem
entendê-lo, ouvi-lo, nem mesmo vê-lo.”
46
Deixa clara qual sua motivação:
“Porque o meu propósito não tende a outra coisa senão a que – se
nestas considerações afastadas da minha profissão, entre os erros que
puderem estar nelas contidos, se acha alguma coisa apta para levar outros
a alguma advertência útil para a Santa Igreja no que concerne à decisão a
44
Carta a Cristina de Lorena p. [310].
45
Ibid., p. [313].
46
Ibid., p. [313].
30
respeito do sistema copernicano – ela seja conservada e feito dela o uso
que aprouver aos superiores.”
47
Assim, ele espera que a defesa desenvolvida ajude a Igreja, mas se seu
esforço não for visto como construtivo, promete renunciar qualquer erro que
pudesse ter cometido concernindo a questões religiosas. Enfim: “que o meu
escrito seja mesmo rasgado e queimado, pois não pretendo tirar dele nenhum
fruto que não seja piedoso e católico.”
48
Na divisio Galileu expõe como a condenação das duas teses de que a terra
gira em torno do seu eixo e se move ao redor do sol levaria seus detratores a
suprimir também qualquer discussão de outras observações e proposições físicas
correlacionadas com elas. Mostra que esta visão do sistema planetário não é
originalmente dele mas de Copérnico, um fato que seus inimigos têm tentado
esconder das pessoas comuns. Relembrando ainda que o De Revolutionibus, uma
vez “impresso, foi recebido pela Santa Igreja, lido e estudado por todo o mundo
sem que nunca se tenha descoberto, todavia, a mínima sombra de inquietação na
sua doutrina.”
49
Galileu alega que somente a campanha para desacreditá-lo
induziu a este esforço para condenar o livro de Copérnico.
50
De modo geral Galileu procede na refutatio no estilo de um cientista-filósofo
que é também um habilidoso retórico. Daí a importância em notar a terminologia
precisa que ele usa quando apresenta um argumento, particularmente quando o
47
Ibid., pp. [314-315].
48
Ibid., p. [315].
49
Ibid., p. [312].
31
caracteriza como uma “demonstração necessária”. Galileu enuncia a questão
central de um modo que Dietz Moss qualifica de “provocativo e dramático”
51
:
“O motivo, pois, que eles apresentam para condenar a opinião da
mobilidade da Terra e estabilidade do Sol é que, lendo-se nas Escrituras
em muitas passagens que o Sol se move e que a Terra permanece parada
e, não podendo a Escritura jamais mentir ou errar, segue-se daí como
conseqüência necessária que é errônea e condenável a sentença de quem
pretendesse afirmar que o Sol é por si mesmo imóvel e a Terra, móvel.”
52
Dietz Moss prossegue: Galileu apresenta a questão deste modo, depois de
ter mostrado possuir idéias idênticas às de Copérnico. É sinal de sua decisão de
tratar do assunto no terreno teológico. Trata-se de uma decisão audaciosa: Galileu
estava procedendo contra o conselho de seus amigos de Roma, príncipe Cesi,
Monsenhor Ciampoli e o cardeal Baberini, no sentido de manter a discussão num
campo geral. De acordo com eles, contanto que Galileu falasse como um
matemático e considerasse o sistema copernicano como uma hipótese não
haveria nenhum problema. Mas, aventurar-se em argumentos teológicos e
sustentar que a teoria fosse demonstrável, seria temerário. O próprio Galileu
reconheceu bem isto numa carta a Monsenhor Dini, dizendo que ele tinha sido
recomendado a não discutir questões escriturísticas e que “nenhum astrônomo ou
50
J. Dietz Moss chama a atenção para certas inexatidões de Galileu: por exemplo, Copérnico
nunca foi ordenado padre e o De Revolutionibus não teve uma aceitação tão unânime como diz.
op. cit., pp. 558-59.
51
op. cit., pp. 561.
52
Carta a Cristina de Lorena p. [315].
32
cientista que permanecesse dentro dos devidos limites jamais tinha se ocupado
com tais coisas.” Teria, então, se decidido a discutir estas questões depois de ter
lido a longa carta do carmelita Paolo Antônio Foscarini, em que este defende as
descobertas de Galileu e o sistema copernicano argumentando que as Escrituras
poderiam ser interpretadas diferentemente. Foscarini enviou sua obra ao Cardeal
Belarmino, o qual a recebeu e respondeu cortesmente em abril de 1615,
resumindo a posição da Igreja. Galileu parece ter acreditado que poderia
argumentar com sucesso contra a opinião de Belarmino.
53
De sua parte, o cardeal deve ter querido dizer que sua carta referia-se tanto
a Galileu como a Foscarini , pois os menciona logo de início: “Digo que me parece
que Vossa Paternidade e o Senhor Galileu ajam prudentemente, contentando-se
em falar ‘por suposição’ e não de modo absoluto, como eu sempre cri que tenha
falado Copérnico.”
54
Em seguida, adverte que
“querer afirmar que realmente o Sol está no centro do mundo e gira
apenas sobre si mesmo sem correr do oriente ao ocidente e que a Terra
está no 3º céu e gira com suma velocidade em volta do Sol, é coisa muito
perigosa não só de irritar todos os filósofos e teólogos escolásticos, mas
também de prejudicar a Santa Fé ao tornar falsas as Sagradas
Escrituras.”
55
53
J. Dietz Moss, op. cit., p. 561-62. Quanto ao texto da carta de Belarmino a Foscarini, ver G.
Galileu, Ciência e Fé, pp. 105-107.
54
Carta de Roberto Belarmino a Paolo Foscarini p. [171]. J. Dietz Moss, op. cit., p. 562.
55
Ibid., p. [171].
33
Concorda com Foscarini e Galileu que no sistema copernicano “salvam-se
todas as aparências melhor do que [no ptolomaico] com a afirmação dos
excêntricos e epiciclos”
56
e pensa que isto é o que os matemáticos podem bem
dizer.
Sua segunda observação concerne ao decreto do Concílio de Trento
proibindo declarações que contradigam o consenso dos Santos Padres. O caso da
terra estar estacionária no centro do universo é um destes, pois todo os
“comentários modernos”
57
e “todos os expositores gregos e latinos”
58
concordam
que este é o sentido da Escritura.
A última observação da carta de Belarmino diz que a Escritura poderia ter
necessidade de uma nova interpretação “se houvesse verdadeira demonstração
de que o Sol esteja no centro do mundo e a Terra no 3º céu e de que o Sol não
circunda a Terra, mas a Terra circunda o Sol.”
59
Ele acrescenta:
“ Mas não crerei que há tal demonstração até que me seja mostrada.
Nem é o mesmo demonstrar que, suposto que o Sol esteja no centro e a
Terra no céu, salvam-se as aparências, e demonstrar que na verdade o Sol
esteja no centro e a Terra no céu. Porque a primeira demonstração creio
que possa haver, mas da Segunda tenho dúvida muitíssimo grande e, em
caso de dúvida, não se deve abandonar a Escritura Sagrada, explicada
pelos Santos Padres.”
60
56
Ibid., p. [171].
57
Ibid., p. [171].
58
Ibid., p. [172].
59
Ibid., p. [172].
60
Ibid., p. [172].
34
J. Dietz Moss destaca com precisão: “Para o cardeal este é o ponto crucial.
Se os astrônomos puderem demonstrar o fato físico do sistema copernicano,
então a Escritura deverá ser reinterpretada.”
61
Galileu também pensou que a
demonstração era importante para o caso, como é óbvio numa carta que escreveu
a Monsinhor Dini em maio de 1615, provavelmente depois de saber da resposta
do cardeal Belarmino a Foscarini: a maneira mais fácil de provar que a posição de
Copérnico não contraria as Escrituras, seria apresentar uma série de provas de
que ela é verdadeira e de que o contrário não pode ser sustentado. Ora, como
duas verdades não podem contradizer-se, então o sistema de Copérnico e a Bíblia
deverão estar em perfeito acordo.
Ora, Galileu decide não proceder deste modo, alegando que os
peripatéticos a serem convencidos não são capazes de seguir o mais simples dos
argumentos. Isto eqüivalia a desafiar os procedimentos estabelecidos.
62
A maneira como Galileu trata esta questão crítica é simplesmente presumir
de início que tal prova existe. Na divisio, onde relembra a suposta aceitação
anterior da Igreja a respeito do livro de Copérnico, Galileu diz categoricamente que
acha difícil acreditar que alguém possa considerar sua doutrina herética, “agora,
enquanto se vai descobrindo quanto ela é bem fundada sobre experiências
manifestas e demonstrações necessárias.”
63
Desta forma, apesar do conselho de seus amigos eclesiásticos, Galileu não
procura reafirmar o sistema copenicano com base científica. Ao contrário, por toda
61
op. cit., p.563.
62
Idem, Ibidem, pp. 563-64.
63
Carta a Cristina. p. [312]; Dietz Moss, p. 564.
35
a carta, ele não apresenta nenhuma confirmação indutiva ou provas dedutivas a
seu favor. Em vez disso, ele se apoia numa refutação de argumentos dedutivos de
origem teológica para contra argumentar. Para a Grã-Duquesa e o público em
geral, ele assume que precisa apenas declarar que as demonstrações existem e
então considerar as dificuldades teológicas de maneira retórica. Quanto a seus
oponentes, ele simplesmente os põe no mesmo saco como peripatéticos, isto é,
aqueles acadêmicos que somente consideram o texto de Aristóteles, para provar
uma proposição. Não se poderia esperar que dessem atenção a argumentos,
qualquer evidência física proposta ou a provas por mais convincentes que fossem,
a não ser que alguma corroboração fosse achada nas obras de Aristóteles. Nesta
caracterização de seus oponentes, Galileu deixa de considerar que entre os
leitores da carta havia outros, oponentes ou não convencidos, que eram
aristotélicos progressistas, como Dini, Belarmino, Barberini, e os astrônomos
jesuítas do Colégio Romano. Eles, diferentemente dos peripatéticos
conservadores, poderiam ter sido receptivos a uma demonstração científica. Mas
ele não apresenta nenhuma, nem explica que alguma poderia ser apresentada
oportunamente; prefere atacar as posições teológicas de seus oponentes.
Seguindo seu ousado reconhecimento do caráter possivelmente herético da
posição copernicana no começo da refutatio, Galileu procura mostrar porque tal
caracterização é insustentável. Em resumo, seu argumento é o seguinte. Primeiro,
é verdade que a Bíblia não pode errar, isto é, se o seu verdadeiro sentido for
compreendido. No entanto, seu verdadeiro sentido nem sempre é claro, pois, às
vezes, o texto é ambíguo e adota o modo comum de falar afim de se acomodar
aos iletrados.
36
Galileu diz ainda, que duas verdades não podem se contradizer: tanto a
Natureza como a Escritura não podem ser falsas porque ambas têm origem divina.
A Natureza é o que nossos sentidos e demonstrações necessárias mostram que
ela é. Assim, já que a Natureza não pode ser diferente do que ela é, enquanto que
a Escritura pode ser e às vezes é interpretada diferentemente do sentido estrito de
suas palavras, então a Natureza não deveria ser posta em questão por causa de
certas passagens bíblicas.
Galileu conclui esta linha de raciocínio citando Tertuliano: “Nós declaramos
que Deus deve ser conhecido primeiro pela Natureza e depois reconhecido pela
doutrina: pela Natureza, através das obras; pela doutrina, através das
pregações.”
64
(Adversus Marcionem, Lib. pº, Cap. 18) De acordo com a
observação de J. Dietz Moss, Galileu usa habilmente, como um dos principais
apoios na refutatio, um argumento teológico, freqüentemente denominado “teoria
da acomodação”:
“Ora, assim como estas proposições, ao ditado do Espírito Santo,
foram de tal modo proferidas pelos escritores sagrados para adaptar-se à
capacidade do vulgo assaz rude e iletrado, igualmente para aqueles que
merecem ser separados da plebe é necessário que os sábios expositores
apresentem os verdadeiros sentidos delas e indiquem as razões
particulares pelas quais tenham sido proferidas sob tais palavras.”
65
64
Carta a Cristina de Lorena p. [317].
65
Ibid., pp. [315-316] J. Dietz Moss, op. cit., p. 566. A autora relembra que Galileu volta a este
argumento nas pp. [333]-[334], reforçando-o com referências a São Jerônimo e a São Tomás de
Aquino. Observa também que o uso deste argumento poderia ter um efeito indesejado junto aos
37
Tendo dado a razão para a contradição textual de verdades físicas, Galileu
explica porque as Escrituras não revelam a natureza da realidade física. Esta
explanação proporciona o outro grande pilar da refutatio. Ele cita Santo Agostinho:
“relembrarei em duas palavras, a respeito da figura do céu, que nossos
autores sagrados tinham sobre este ponto noções conformes com a
verdade, mas que o Espírito de Deus que falava por eles não quis ensinar
aos homens tais coisas que não deviam ser de nenhuma utilidade para a
salvação.”
66
(Genesis ad literam, lib. 2, c.9).
Galileu acrescenta a conclusão inevitável de que, se o Espírito Santo não
forneceu conhecimento sobre os céus é porque isto é irrelevante para a nossa
salvação e, então, a crença a respeito dos corpos celestes não poderia ser
matéria obrigatória de fé. Indaga ele: “Poderá, portanto, uma opinião ser herética
e não concernir em nada à salvação das almas?”
67
. Cita, então, as palavras do
cardeal Barônio: “a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como se vai para o
céu e não como vai o céu.”
68
J. Dietz Moss destaca que, quanto ao assunto que mais perturbava os
teólogos, o conflito das Escrituras com o sistema copernicano, Galileu apresentou
dois importantes contra-argumentos, ambos extraídos dos mais respeitados Pais e
teólogos da Igreja: Tomás de Aquino, Jerônimo, Agostinho. Os dois argumentos
leitores teólogos ou simplesmente membros do clero: não negariam o princípio, mas acentuariam
que caberia aos teólogos aplicá-lo e não a um astrônomo.
66
Carta a Cristina de Lorena p. [318].
67
Ibid., p. [319].
68
Ibid., p. [319].
38
são hoje aceitos pela Igreja Católica Romana e estão de acordo com a encíclica
de 1893 do papa Leão XIII, Providentissimus Deus, que indica como as Escrituras
deveriam ser interpretadas.
69
Quando Galileu os apresentou em sua carta eles
não foram convincentes. Muitos ressentiram-se com seu tom arrogante, sua
presunção em falar sobre temas teológicos, e sua passagem do domínio da
astronomia matemática ao da filosofia natural. A razão mais importante, no
entanto, teria sido a que foi primeiro mencionada pelo cardeal Belarmino: para que
a Igreja renunciasse uma posição teológica autorizada sobre a natureza do
universo, que poderia ter vasta repercussão na fé das pessoas, uma
demonstração necessária das realidades físicas teria que ser apresentada. Galileu
fala no início da carta como se tais demonstrações estivessem disponíveis.
Conduz, então, o leitor através do argumento, já mencionado acima, a respeito
das verdades paralelas, provenientes do Espírito Santo: Natureza e Escritura.
Tendo feito isto com admirável lógica, esperar-se-ia de sua parte um retorno à
razão para apresentá-la em primeiro lugar: a evidência física que elimina as
dificuldades da Escritura.
A este respeito, Galileu menciona cerca de vinte e cinco vezes a
“experiência manifesta e demonstração necessária” que mostrariam a validade da
hipótese de Copérnico; estas referências ressaltam a importância da experiência e
da demonstração, falando como se tais provas existissem. Geralmente esta
terminologia é introduzida no contexto da necessidade de novas interpretações
69
op. cit., p. 567. A. M. Dubarle, “Les príncipes éxegétiques et théologiques de Galilée concernant
la science de la nature.” In Revue des Sciences Philosophiques et Theologiques, pp. 65-87. Chega
a supor que Leão XIII, ao redigir sua encíclica, tinha a Carta a Cristina de Lorena diante de si,
dadas as coincidências redacionais entre os dois documentos.
39
escriturísticas. Galileu também refere-se a algumas observações sensíveis, que
deveriam acompanhar a demonstração necessária: suas observações das
grandes variações de posição de Vênus e Marte relativamente à terra e as
mudanças de aparência de Vênus. Mas não as incorpora em uma demonstração.
Sustenta que estas e “muitas outras observações de modo algum podem se
ajustar ao sistema ptolemaico, mas são argumentos firmíssimos do
copernicano.”
70
Como tem sido freqüentemente notado, Galileu certamente deve ter sabido
que elas poderiam também ser usadas como argumento a favor do sistema de
Tycho Brahe, já que podem ser reconciliadas com este.
J. Dietz Moss considera que a melhor explicação da estratégia
argumentativa de Galileu parece ser de que ele estava convencido que Copérnico
estava certo e desejava tão intensamente prová-lo, que acreditou que verdadeiras
demonstrações poderiam logo ser apresentadas. Além disso, como a carta era
dirigida nominalmente a Cristina ele deve ter decidido que poderia se dispensar de
apresentar as provas e que bastava simplesmente assegurar que elas existiam.
71
Galileu apresenta também uma defesa da demonstração científica,
distinguindo-a, inclusive através de referências aos Pais da Igreja, da opinião
provável ou da conjectura verossímil. É preciso não confundi-las e guardar pela
ciência apoiada em demonstrações indubitáveis o mesmo respeito que por ela
tiveram os Padres.
72
70
Carta a Cristina de Lorena p. [328]. Lista das passagens em que há referência a experiência
manifesta e demonstração necessária em J. Dietz Moss, op. cit., pp. 567-568.
71
J. Dietz Moss, op. cit., p. 569.
72
Carta a Cristina de Lorena pp. [320]-[323]; ver também pp. [326]-[329].
40
Aborda igualmente o problema das relações entre teologia e astronomia.
Pode-se considerar que o centro da discussão encontra-se na interpretação do
título de “rainha de todas as ciências”
73
atribuído à teologia. Considera que a
teologia poderia ser tida como rainha, pelo fato de que seu estudo contivesse os
frutos de todas as outras ciências ou, então, “porque o tema de que se ocupa
supera em dignidade todos os outros temas que são matéria das outras ciências e
ainda porque os seus ensinamentos procedem com meios mais sublimes.”
74
Conclui que o “título e a autoridade régia”, cabe à teologia do segundo modo.
75
Esta não ”desce às especulações mais baixas e humildes das ciências inferiores,
antes, como se declarou acima, destas não cuida, pois não concernem à
beatitude.”
76
Donde, ser necessário que os professores dela não se pronunciem
sobre assuntos que nem estudaram nem praticaram. O maior problema com estes
professores seria o fato de que exigem dos astrônomos que retratem suas provas
como falaciosas. Para Galileu, isto seria algo mais do que impossível, “porque não
somente se lhes ordena que não vejam aquilo que eles vêem e que não
compreendam aquilo que eles compreendem, mas que, pesquisando, encontrem o
contrário do que lhes chega às mãos.”
77
J. Dietz Moss observa que, embora a
passagem seja uma emocionante defesa da evidência sensível e intelectual, seria
de fato uma interpretação inadequada da posição da Igreja tal como Belarmino a
73
Ibid., p. [324].
74
Ibid., p. [325].
75
Ibid., p. [325] O primeiro modo de entender a supremacia da teologia ligava-se à tradição
agostiniana, sendo exemplificada no século XIII por Roger Bacon. O segundo modo é
exemplificado na mesma época por Tomás de Aquino, que acentua a especificidade das
disciplinas científicas, num quadro epistêmico de tipo aristotélico. C. A. R. do Nascimento, “Carta a
Cristina de Lorena”. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, p. 92.
76
Carta a Cristina de Lorena. p. [325].
77
Ibid., p. [326].
41
apresentou: sua carta a Foscarini pedia apenas que, até que provas fossem
disponíveis, os astrônomos se abstivessem de reivindicações de verdade plena e
apresentassem seus resultados só hipoteticamente.
78
Ainda segundo J. Dietz Moss, neste ponto, Galileu realiza o mais notável
golpe retórico da carta: virando a mesa contra os teólogos termina por dizer que
caberia a eles o ônus de provar que os astrônomos estavam errados. Primeiro, ele
retoma a distinção entre verdades que são meramente enunciadas e as que são
demonstradas, ecoando as palavras de Belarmino a Foscarini. Em seguida,
argumenta que, se “conclusões naturais realmente demonstradas” não têm como
ser modificadas à luz da Bíblia, mas, de preferência, a Escritura deve ser
reinterpretada; então, antes que as autoridades condenem uma proposição natural
“é preciso mostrar que ela não está demonstrada necessariamente.”
79
Isto
eqüivale a dizer que uma proposição física seja aceita, mesmo se houver conflito
com a Escritura, a menos que se possa provar que ela é falsa. O que se segue
parece ser o ponto culminante: mostrar que tal proposição não está
necessariamente demonstrada cabe àqueles que a julgam falsa. O que
corresponde às disposições naturais, pois, muito mais facilmente descobrem as
falácias os que julgam algo falso, do que os que o julgam verdadeiro. Santo
Agostinho, já citado desde o início, pode também ser aqui invocado:
“Ela [uma proposição] não pode ser considerada em oposição à Fé
enquanto não for refutada de modo certo; se isto tiver lugar, então é preciso
78
op. cit., p. 570.
79
Carta a Cristina de Lorena [327]. J. Dietz Moss, op. cit., pp. 570-71.
42
considerar que esta proposição provinha, não da divina Escritura, mas da
ignorância humana.”
80
(Genesis ad literam, Lib. 1, cap. 19)
Mais para o final da carta, antes de examinar o milagre de Josué 10,12,
Galileu resume se pensamento:
“Em suma, se não é possível que uma conclusão seja declarada
herética enquanto se duvida se ela pode ser verdadeira, vã deverá ser a
fadiga daqueles que pretendem condenar a mobilidade da Terra e a
estabilidade do Sol se primeiro não demonstram que ela é impossível e
falsa.”
81
Galileu tem em conta também um aspecto mencionado por Belarmino em
sua carta a Foscarini: a necessidade de seguir o consenso dos Padres na
interpretação da Bíblia, como mencionado pelo Concílio de Trento. Ora, segundo
Galileu, não era possível haver acordo entre os Padres, pois estes nunca
discutiram tal questão, que nem sequer teria sido formulada, então.
82
O decreto do
Concílio de Trento “Sobre a edição e o uso dos livros sagrados” é também tido em
conta. Galileu fala dele de modo semelhante a como falou do consenso dos
Padres. Este decreto diz respeito a interpretações tortuosas da Bíblia no que é “de
80
Carta a Cristina de Lorena p. [310], [331] e [339]. Esta frase aparece na p. [339].
81
Ibid., p. [343].
82
Ibid., pp. [335]-[336]. Galileu reforça seu argumento citando o Comentário sobre Jó de Diego
Zúñiga, ignorando que a interpretação de Zúñiga tinha sido fortemente contestada por um teólogo
jesuíta Juan de Piñeda. J. D. Moss, op. cit., p. 572, n. 42. Na p. [337] cita interpretações diferentes
entre si do milagre de Josué, 10,12.
43
fé”, concernente aos costumes e à doutrina cristã, o que não vem ao caso na
questão sobre a imobilidade do Sol e a mobilidade da Terra.
83
Galileu conclui seu exame do problema com a petitio a favor da confiança
na experiência sensorial e na demonstração científica, inclusive como critério para
determinar o sentido das Escrituras; não se devendo, assim, impedi-las de
antemão com citações abusivas destas.
Numa espécie de anexo, após a petitio ele examina a passagem de Josué
10,12 sobre a qual a Grã Duquesa Cristina questionara Castelli no jantar.
Tomando o texto tal e qual, Galileu procura mostrar que o sistema copernicano
concorda melhor com tal passagem do que o ptolomaico. Assim procedendo,
Galileu parece não somente usar a Escritura para consagrar uma conclusão física,
como praticar o que critica em seus oponentes. Uma interpretação benigna ou
caridosa seria dizer que Galileu desce à arena de seus adversários e mostra, que
mesmo no modo de proceder deles, a passagem questionada não constituiria
problema para o sistema copernicano; muito pelo contrário, seria um argumento a
favor deste, ao passo que não seria possível entendê-la no sistema ptolomaico.
84
Em sua conclusio, Galileu sugere, que assim como a passagem de Josué
10,12 pode ser entendida em harmonia com o que a ciência diz sobre o mundo
físico, as outras passagens que são julgadas contrárias ao sistema copernicano,
por ser este tido como falso, encontrariam uma exposição concorde com esta e
até mesmo outras passagens poderiam ser achadas pelos teólogos que
estivessem também em acordo com estas descobertas. Diz ele: “Encontrariam
83
Carta a Cristina de Lorena. p. [337].
84
Ibid., pp. [343]-[347].
44
interpretações destas muitíssimo congruentes, sobretudo se acrescentassem
algum conhecimento das ciências astronômicas à compreensão das Sagradas
Escrituras.”
85
Os cardeais Belarmino e Barberini tinham prevenido Galileu para usar
grande precaução em não ir além dos argumentos usados por Ptolomeu e
Copérnico, não excedendo as limitações astronômicas e da matemática.
Lembraram também que a explanação da Escritura é tida pelos teólogos como
campo deles, e se novas idéias forem introduzidas, mesmo por alguém capacitado
para tanto, nem todo mundo tem a atitude desapaixonada para considerá-las tais
como soam.
86
85
Ibid., p. [347]. “Assim como, presentemente, enquanto a [esta posição – a de Copérnico] julgam
falsa, lhes parece encontrar, ao ler as Escrituras, somente passagens contrárias a ela, se tivessem
formado um outro conceito, talvez encontrassem outras tantas concordes.”
86
Carta de Belarmino a Foscarini e J. Dietz Moss, op. cit., pp. 574-576.
45
3. Bíblia, Interpretação e Natureza
Para Galileu, tanto a Natureza como a Escritura são obras de Deus;
portanto, são como dois livros desprovidos de erros: “Não pode a Sagrada
Escritura jamais mentir ou errar, e possuem os seus decretos absoluta e inviolável
verdade.”
87
O erro estaria na interpretação da Escritura, por parte daqueles que
não entenderiam o seu real sentido, ou naqueles que estudariam a Natureza e não
teriam entendido seus modos de operar e recônditas razões.
Com relação à interpretação da Bíblia, Galileu escreve:
“Os seus interpretes e expositores poderiam, entretanto, incorrer por
vezes em erros, e de várias maneiras. Entre esses erros, um seria
gravíssimo e freqüentíssimo, ocorrendo sempre que tais intérpretes
quisessem ater-se ao mero significado das palavras, porque assim produzir-
se-iam não só diversas contradições, mas graves heresias e também,
blasfêmias.”
88
Com relação à Natureza e à ciência, afirma ele:
87
Carta de Galileu a Benedetto Castelli (21/12/1613). p. [282].
88
Ibid., p. [282].
46
“ Visto, pois, que a Escritura, em muitas passagens, não apenas
permite, mas necessariamente exige exposições diferentes do aparente
significado das palavras, parece-me que nas discussões naturais ela
deveria ser citada somente em última instância. Porque, procedendo
igualmente do Verbo Divino a Sagrada Escritura e a Natureza, aquela como
palavra ditada pelo Espírito Santo e esta como perfeitíssima executora das
ordens de Deus, sabendo-se agora, ainda mais, que as Escrituras dizem
muitas coisas diferentes da verdade absoluta, quanto ao aspecto e
significado das palavras, a fim de adaptarem-se ao entendimento de todos,
e sendo, todavia, a Natureza inexorável, imutável e indiferente a que suas
recônditas razões e modos de operar sejam acessíveis ou não ao
entendimento dos homens, razão pela qual jamais transgride os termos das
leis a ela impostas, parece que o concernente aos efeitos naturais, que a
experiência sensível coloca-nos diante dos olhos, ou que as necessárias
demonstrações comprovam, não deva de maneira alguma ser colocado em
dúvida pelas passagens da Escritura devido ao fato de haver nas palavras
uma aparência de significado diferente.”
89
Galileu propõe a distinção entre um saber fundado na autoridade da
revelação e o saber fundado em princípios acessíveis às faculdades humanas: a
razão e os sentidos. Podemos citar também uma passagem da Carta a Cristina de
Lorena:
89
Ibid., p. [282 – 283].
47
“Parece-me que, nas discussões de problemas concernentes à
Natureza, não se deveria começar com a autoridade de passagens das
Escrituras, mas com as experiências sensíveis e com as demonstrações
necessárias.”
90
Para Galileu, o saber acerca da Natureza só poderia ser adquirido através
de um processo contínuo de investigação (experiências sensíveis e
demonstrações necessárias). Em sua opinião, não se poderia e nem deveria
recorrer à Bíblia para negar ou confirmar uma doutrina científica. Por outro lado,
as proposições naturais estabelecidas pelas experiências sensíveis ou as
demonstrações necessárias deveriam servir de critério na interpretação das
Sagradas Escrituras.
Galileu negava à teologia e aos teólogos o direito de decidirem sobre a
verdade ou falsidade de proposições cosmológicas, por estas não serem do
domínio da ciência destes. Não afirmava, porém, que a verdade não estivesse na
Bíblia. O sentido do texto bíblico é ambíguo por ter que acomodar-se à linguagem
do povo; portanto, é necessário buscar seu verdadeiro sentido.
Ainda na carta a Cristina de Lorena Galileu escreve:
“Mas que o próprio Deus que nos dotou de sentidos, de discurso e
de intelecto, tenha querido, postergando o uso destes, dar-nos por outro
90
Carta a Cristina de Lorena. p. [316].
48
meio os conhecimentos que podemos conseguir através deles, de tal modo
que mesmo no que se refere às conclusões concernentes à Natureza que,
ou pelas experiências sensíveis ou pelas demonstrações necessárias, se
nos apresentam expostas diante dos olhos e ao intelecto, devemos negar
os sentidos e a razão, não creio que seja necessário crê-lo.”
91
Nesta frase, relativamente longa, Galileu afirma, por meio de uma dupla
negação, que o homem é dotado de certos meios que lhe permitem adquirir
conhecimentos, isto é, conclusões referentes à Natureza. Tais meios são os
sentidos, o discurso ou a razão e o intelecto. Uma conclusão pode então se
apresentar exposta diante dos olhos pelo uso dos sentidos (experiência sensível)
ou ao intelecto, através do discurso racional, sob a forma de demonstrações
necessárias.
Assim, Galileu parece retomar, não só a distinção aristotélica entre
sentidos, razão e intelecto como também seu conceito de ciência como
demonstração necessária e o primado da experiência visual.
No entanto essa semelhança quanto a estes aspectos não impede a
distinção radical que encontramos entre a visão aristotélica do mundo e a nova
concepção galileana da natureza. A distinção aristotélica entre um mundo
imutável, o mundo do movimento circular e uniforme e o mundo terrestre, mutável,
sujeito ao movimento retilíneo, foi negado por Galileu; consequentemente
demonstra ele a unicidade da natureza e, portanto, dissolve a hierarquização
91
Ibid., p. [317].
49
aristotélica entre os dois mundos. Galileu não irá fazer distinção entre o mundo
celeste e o terrestre. Rompe, assim com o mundo de duas regiões, ou seja, a
concepção de que os corpos celestes são homogêneos e de formas perfeitas, ao
contrário da Terra, onde os acidentes geográficos apresentam grande
heterogeneidade de formas. Além do rompimento com a cosmologia aristotélica,
Galileu opera uma transformação no interior da ciência como conhecimento
necessário, generalizando o uso da matemática, especialmente da geometria,
como linguagem da ciência da Natureza.
92
Embora as obras e cartas de Galileu contenham observações, como as que
acabam de ser citadas, sobre o método e a maneira como deve ser concebida a
ciência, ele não escreveu um “Discurso do método”. Seja qual for a posição que se
adote na complexa questão do “método de Galileu”, fica clara na carta a Cristina
de Lorena a relevância tanto da experiência sensível como da demonstração
necessária.
Quanto a esta última, Galileu a distingue claramente da opinião, que se
apoia em razões prováveis, e mais ainda de um simples relato:
“Além disso, que também nas proposições que não são de Fide a
autoridade das próprias Sagradas Escrituras deva ser anteposta à
autoridade de todas as escrituras humanas escritas, não com método
demonstrativo, mas a modo de pura narração ou ainda com razões
92
A física de Aristóteles se baseia na percepção sensível e por isso que é considerada
antimatemática. Ela se recusa a substituir por uma abstração geométrica os fatos determinados
pela experiência e pelo senso comum, e nega a própria possibilidade de uma física matemática,
fundamentando-se: a) numa heterogeneidade entre os conceitos matemáticos e os dados da
50
prováveis, eu diria que isto se deve reputar tanto mais adequado e
necessário quanto a própria sabedoria divina supera todo juízo e conjectura
humanos.”
93
Um ponto que merece destaque é que, para Galileu há uma nítida distinção
entre filosofia e religião ou fé: ”e por isso desamparados, enfim, de defesa
enquanto permanecem no campo filosófico, resolveram tentar escudar as falácias
de seus discursos com o manto de uma religião fingida e com a autoridade das
Sagradas Escrituras”
94
. Mas não parece haver, para ele, uma distinção muito clara
entre ciência e filosofia nos termos mais recentes. Ambas se fundam em
experiências sensíveis e razões necessárias: “sendo que aquele que sustenta a
verdade pode dispor de muitas experiências sensíveis e de muitas demonstrações
necessárias para a sua parte, ao passo que o adversário não pode valer-se de
outra coisa senão de aparências enganadoras, de paralogismos e de falácias.”
95
Há mesmo, na Carta a Cristina de Lorena, passagens em que ciência e filosofia
são mais aproximadas do que distinguida, chegando a dizer que a astronomia e a
filosofia se ocupam com a constituição das partes do mundo e sustentam as teses
copernicanas, como podemos ler no seguinte trecho:
“Persistindo, pois, tais adversários no seu primeiro plano de querer
por todo meio imaginável derrubar-me e às minhas coisas; sabendo como
experiência sensível; b) na incapacidade das matemáticas de explicar a qualidade e de deduzir o
movimento. E. Iamundo, Os conceitos de ciência e método em Galileu Galilei, p. 30.
93
Carta a Cristina de Lorena. p. [317].
94
Ibid., p. [311].
95
Ibid., p. [342].
51
eu, nos meus estudos de astronomia e de filosofia, sustento, a respeito da
constituição das partes do mundo, que o Sol, sem mudar de lugar,
permanece situado no centro das revoluções dos orbes celestes e que a
Terra, que gira sobre si mesma, se move em torno dele.”
96
O máximo que se poderia talvez dizer é que, aqui, Galileu alude à
astronomia (matemática) e à filosofia (da natureza).
Na carta a Cristina de Lorena, há bastante vezes o par “experiências
sensíveis” e “demonstrações necessárias” como fundamento das conclusões
científicas. J. Dietz Moss chegou mesmo a fazer uma listagem destas
passagens.
97
Nesta carta, o conceito de experiência não parece ter o sentido de
experimentação mas de observação (controlada), na medida em que não haveria
sentido em se falar de experimentação em astronomia: “parece, quanto aos efeitos
naturais, que aquilo que deles a experiência sensível nos coloca diante dos olhos,
ou as demonstrações necessárias nos fazem concluir.”
98
As demonstrações necessárias eqüivalem a concluir e são operadas pelo
intelecto e pela razão como se mencionou anteriormente. Se associam a
compreender, por oposição a ver “Porque não somente se lhes ordena que não
vejam aquilo que eles vêem e que não compreendam aquilo que eles
compreendem, mas que, pesquisando, encontrem o contrário do que lhes chega
96
Ibid., p. [311].
97
nota 72.
98
Carta a Cristina de Lorena. p. [317].
52
às mãos.”
99
Assim como as experiências sensíveis se opõem às aparências
enganadoras, elas se opõem aos paralogismos e falácias
100
: “Sendo que aquele
que sustenta a verdade pode dispor de muitas demonstrações necessárias para a
sua parte, ao passo que o adversário não pode valer-se de outra coisa senão de
aparências enganadoras, de paralogismos e de falácias.”
101
99
Ibid., p. [326].
100
C. A. R. do Nascimento, Carta a Cristina de Lorena, Caderno de História e filosofia da Ciência,
pp.91-124.
101
Carta a Cristina de Lorena. p. [342].
53
4. Teologia
Na Carta a Cristina de Lorena encontramos uma abordagem da teologia
quando Galileu se defronta com a concepção de que “a teologia é a rainha de
todas as ciências”, pois deve englobar inclusive as ciências naturais. Em
contraposição a esta concepção, pode-se resumir a resposta de Galileu da
seguinte forma: a teologia é rainha de todas as ciências por dois motivos, primeiro
pelo objeto de que se ocupa, quer dizer, das coisas que concernem a Deus;
também por proceder por meios sublimes, quer dizer, a revelação divina. Mas não
é rainha no sentido de que aquilo que outras ciências ensinam se encontra nas
investigações da teologia. Inclusive como a mais alta sabedoria, não se ocupa ela
com as considerações das ciências inferiores, que não dizem respeito ao
alcance da beatitude eterna.
Nas palavras de Galileu:
“Ela [a teologia] poderia ser digna de tal título porque aquilo que é ensinado
por todas as outras ciências se encontra compreendido e demonstrado
nela, mas com meios mais excelentes e com doutrina mais sublime. (...) Ou
a teologia poderia ser digna do título de rainha porque o tema de que se
ocupa supera em dignidade todos os outros temas que são matéria das
outras ciências e ainda porque os seus ensinamentos procedem com meios
54
mais sublimes. (...) Ora, a teologia, ocupando-se das mais altas
contemplações divinas e detendo por dignidade o trono régio, pelo que ela
é dotada de suma autoridade, não desce às especulações mais baixas e
humildes das ciências inferiores, antes, como se declarou acima, destas
não cuida, pois não concernem à beatitude. Não deveriam, pois, seus
ministros e professores arrogar-se autoridade de decretar nas profissões
não exercidas nem estudadas por eles.”
102
Galileu recorre a um argumento ad hominem:
“Nenhum deles [teólogos], creio eu, dirá que a geometria, a
astronomia, a música e a medicina estão contidas de modo muito mais
excelente e exato nos livros sagrados do que em Arquimedes, em
Ptolomeu, em Boécio e em Galeno.”
103
Assim sendo, salva ele a supremacia da teologia sem, no entanto, atribuir-
lhe competência no campo das outras ciências, campo no qual estas são livres e
não submetidas à teologia.
102
Ibid., p. [325].
103
Ibid., p. [325].
55
5. Argumento de autoridade
“Autoridade” significa a qualidade em virtude do qual um homem –
magistrado, escritor, testemunha, padre – é digno de crédito, de consideração, de
confiança. Por metonímia, “autoridade” passa a designar a própria pessoa que
possui esta qualidade e, em seguida, o escrito, no qual se exprime a opinião ou a
vontade dessa pessoa. Com esta significação, “autêntico” valerá em primeiro
lugar para os documentos oficiais: os rescritos dos príncipes, e, mais tarde, as
cartas dos papas, serão autênticas, dotadas de autoridade. O reconhecimento
eclesiástico é o que em última instância, autentica o texto invocado e lhe dá
oficialmente direito na argumentação teológica.
104
Em função do que historiadores,
juristas, teólogos, mestres de escola na Idade Média, falam cada um segundo
seus objetos, de suas fontes “autênticas”. Os filósofos, por oposição aos santos,
serão também “autoridades” em teologia.
105
104
Durante a Idade Média a iniciativa do ensino e os quadros de cultura se constituem por clérigos.
A iniciativa vem das pessoas da Igreja; o ensino é polarizado pelos fins religiosos. Portanto, a
teologia era a ciência suprema, a ciência de um livro, a Bíblia, no qual se encontra a palavra, a
revelação de Deus, sobre o qual se fundamenta seu ensino, isto é, sobre a comparação dos textos
de uma tradição que o interpreta aglutinando-se em torno dele. A autoridade, as “autoridades” são
a lei de seu trabalho. Neste tópico nos basearemos sobretudo em M. D. Chenu, Introduction à
l’étude de Saint Tomás d’Aquin, pp. 106-131. Aqui, pp. 107-108. Servimo-nos de uma tradução
inédita deste capítulo feita por Luciane Santana Goulart.
105
Santos são os Padres ou Pais da Igreja, na linguagem atual (Padres, na língua do século XIII,
designa de preferência os membros de um concílio), cujo testemunho tem valor em matéria
religiosa; filósofos são os pensadores não cristãos, junto aos quais a razão encontra mestres
dignos de ser escutados, mesmo se, sob o benefício da autonomia de sua ciência, eles não trazem
a última palavra sobre o destino dos homens e sobre as condições totais de sua existência. M. D.
Chenu, op. cit.., p. 116.
56
Paradoxalmente, já que se trata de um procedimento sobretudo teológico,
na Carta a Cristina de Lorena numerosas “autoridades” são invocadas para validar
as teses de Galileu, recorrendo este principalmente a Santo Agostinho e ao
Pseudo Dionísio Areopagita
106
. Talvez este recurso se explique porque Galileu
quer ser ouvido pelos teólogos e autoridades eclesiásticas. Então, todos estes
argumentos de “autoridade” seriam ad hominem.
Na carta a Cristina de Lorena, Galileu apresenta uma série de textos
patrísticos: um de Tertuliano, dois de São Jerônimo, e em grande número de
Santo Agostinho, em maior parte tirados do De Genesi ad litteram, um de São
Tomás de Aquino e duas citações de comentários da época, Pereire e Zuñiga;
Galileu utiliza estes últimos na discussão sobre o decreto do Concílio de Trento,
relativo à interpretação da Escritura.
As citações dos Padres e dos comentários da época, é provável que
venham de um padre pregador dos Barnabitas, de Pisa, provavelmente,
mencionado numa carta de Castelli a Galileu, em 01 de janeiro de 1615, com
promessa de comunicar um dossiê de autoridades. Galileu respondeu a uma carta
de Dini de 2 de maio de 1615, fazendo alusão a este que lhe enviou o dossiê.
Galileu apoia-se em Santo Agostinho
107
para sustentar o que acredita
verdadeiro, ou seja, que a Escritura e a ciência não podem contradizer-se. É o que
podemos perceber no seguinte trecho da carta a Cristina de Lorena:
106
Ver nota 31.
107
Encontramos citações de Santo Agostinho: pp. [310], [318], [319], [327], [331], [337], [339] e
[344] Comentário Literal do Gênesis. P. [320] Epistola septima, ad Marcellinum.
57
“Deve ser tido por indubitável o seguinte: o que quer que os sábios
deste mundo puderem verdadeiramente demonstrar acerca da natureza das
coisas, mostremos que não é contrário às nossas Escrituras; o que quer
que eles ensinam nos seus livros, contrário às Sagradas Escrituras, sem
nenhuma dúvida creiamos que se trata de algo completamente falso e, de
qualquer maneira que pudermos, também o mostremos; guardemos assim
a fé de nosso Senhor, no qual estão escondidos todos os tesouros da
sabedoria, de modo que nem sejamos seduzidos pela loquacidade de uma
falsa filosofia nem sejamos atemorizados pela superstição de uma religião
fingida.”
108
Galileu, através da leitura que faz das Escrituras, demonstra que, os
teólogos, apesar de sua autoridade, na interpretação dos textos das Escrituras,
incorrem em conclusões precipitadas, e, portanto, não compreendem o significado
das palavras, conforme verifica-se pela seguinte passagem:
“Percebe-se serem deste gênero aqueles que se esforçam por
persuadir que se condene tal autor sem mesmo vê-lo. Para persuadir que
isto é não somente lícito, mas recomendável, vão apresentando algumas
autoridades da Escritura, dos sagrados teólogos e dos concílios. Assim,
como estas são por mim recebidas e tidas como de suprema autoridade,
108
Carta à Senhora Cristina de Lorena, Grã-Duquesa Mãe de Toscana (1615). P. [327] Trata-se de
uma citação do Comentário Literal do Gênesis por Santo Agostinho (Livro I, cap.21). Segundo J.
Dietz Moss, Galileu iria mais longe ainda, invocando Santo Agostinho para apoiar sua idéia de que
caberia aos teólogos provar que as proposições de Copérnico estavam erradas, antes de
pretender que elas fossem condenadas. Supra, neste trabalho, pp. 28-29.
58
tanto que julgaria ser uma temeridade a de quem quisesse contradizê-las
quando vêm usadas de acordo com a determinação da Santa Igreja,
igualmente creio que não seja erro falar quando se pode suspeitar que
alguém queira, por algum interesse, apresentá-las e servir-se delas
diferentemente daquilo que está na santíssima intenção da Igreja.”
109
A não aceitação do princípio de autoridade por parte de Galileu se explica
pela inadequação deste princípio ao estudo da Natureza. Se a teologia pode dele
se valer legitimamente por se referir “às conclusões que por outros meios não
poderiam ser captadas pelos homens”
110
isto, não deve ser, segundo Galileu,
transferido ao domínio do discurso natural e da experiência dos sentidos.
109
Carta a Cristina de Lorena. p. [314].
110
Carta a Cristina de Lorena. p. [325].
59
6. Os dois livros: as Sagras Escrituras e a Natureza
Para Galileu há duas maneiras pelas quais Deus se manifesta aos homens:
através do livro da Natureza e através do livro Sagrado (Escritura), pois, segundo
ele “procedem igualmente do Verbo Divino a Sagrada Escritura e a Natureza,
aquela como palavra ditada pelo Espírito Santo e esta como perfeitíssima
executora das ordens de Deus.”
111
No entanto, o modo de comunicação é distinto:
a linguagem do Livro Sagrado pode ser do entendimento de todos, diferentemente
do livro da Natureza, pois a “Natureza é inexorável, imutável e indiferente a que
suas recônditas razões e modos de operar sejam acessíveis ou não ao
entendimento dos homens.”
112
Galileu faz, assim, uma importante distinção entre a Natureza e o livro
Sagrado, afirmando que, embora ambos procedam do Verbo Divino, este como
ditado por ele e aquela “como executante muito obediente das suas ordens”
113
, os
escritos da Sagrada Escritura não estão sujeitos a obrigações tão severas como
os efeitos da Natureza:
“sendo a Natureza inexorável e imutável e jamais ultrapassando os
limites das leis a ela impostas, como aquela que em nada se preocupa se
111
Carta ao Padre Benedetto Castelli. (21/12/1613). p. [282].
112
Ibid., p. [283].
60
suas recônditas razões e modos de operar estão ou não ao alcance da
capacidade dos homens; parece, quanto aos efeitos naturais, que aquilo
que deles a experiência sensível nos coloca diante dos olhos, ou as
demonstrações necessárias nos fazem concluir, não deve de modo nenhum
ser colocado em dúvida, menos ainda condenado, através de passagens da
Escritura que tivessem aparência distinta nas palavras.”
114
Esta consideração é explicada pelo recurso a uma citação de Tertuliano:
“Isto é o que talvez quisesse dizer Tertuliano com estas palavras - nós declaramos
que Deus deve ser conhecido primeiro pela Natureza e depois reconhecido pela
doutrina - pela Natureza, através das obras; pela doutrina, através das
pregações.”
115
Portanto, nas questões que não sejam de fé ou não dizem respeito à
salvação, os homens possuem sentido e intelecto, dados por Deus para
pesquisarem neste domínio. O conflito entre a filosofia natural e a revelação
bíblica é aparente, já que as duas são verdadeiras. A finalidade da Bíblia é o
ensino religioso e moral, não podendo ser ela utilizada para fundamentar a
filosofia da natureza. Galileu ouvira o falecido bibliotecário do Vaticano – cardeal
Cesare Barônio, observar que a Bíblia era um livro sobre como se vai para o céu,
e não sobre como vai o céu.
116
Na carta de Galileu a Castelli lê-se também:
113
Carta à Senhora Cristina de Lorena, p. [316].
114
Ibid., pp. [316-317].
115
Contra Marcião, Liv. Iº, cap. 18).
116
Carta a Cristina de Lorena, p. [319].
61
“Eu acredito antes que a autoridade das Letras Sagradas tenha tão
somente o objetivo de persuadir os homens daqueles artigos e proposições,
que sendo necessários à sua salvação e colocando-se acima de qualquer
possibilidade da mente humana, não possam fazer-se críveis por nenhum
outro meio senão pela palavra do próprio Espírito Santo.”
117
O que garante a absoluta veracidade da Escritura, reservando a verdade
científica para ser descoberta pela experiência e as demonstrações necessárias
humanas.
Na realidade o tema dos dois livros, como aparece nos Pais da Igreja e nos
teólogos medievais supõe um conhecimento do livro da Natureza como simbólico,
isto é, como um sistema de signos que remetem os homens, que contemplam a
criação, ao criador. Galileu aponta, no entanto, para um conhecimento técnico
(geométrico) deste livro que foi escrito por Deus com a linguagem da geometria.
Assim, a Bíblia se dirige a todos, pois usa a linguagem comum. O livro da
Natureza só pode ser corretamente lido pelos estudiosos de filosofia natural na
sua versão geometrizada.
118
Galileu inverte a tradição patrístico-medieval quanto à leitura dos dois livros
quando estabelece a distinção entre o livro da sagrada Escritura e o livro da
natureza. Para se ler o livro da natureza deve-se partir de experiências sensíveis e
demonstrações necessárias, sendo a Natureza, ao executar as ordens do Verbo
Divino, inexorável e imutável, indiferente às opiniões e aos desejos humanos. Há,
117
Carta de Galileu ao Padre Castelli. (21/12/1613) p. [284].
62
assim, uma distinção, quanto ao significado da metáfora do livro da natureza,
entre, de um lado, os Pais da Igreja e os teólogos medievais e, de outro, Galileu.
Enquanto para os Pais e teólogos o livro da natureza era acessível a todos,
bastando olhar e não exigindo nenhum pré-requisito do ser humano, a Sagrada
Escritura exigia que o homem pelo menos soubesse ler. Para Galileu, ao contrário,
a sagrada Escritura foi escrita em linguagem acessível ao vulgo, não sendo
necessária nenhuma especialização para abordá-la. Enquanto que, para a leitura
do livro da Natureza, é preciso ser iniciado nas ciências matemáticas,
principalmente na geometria, já que o livro da natureza está escrito em caracteres
matemáticos; não bastando apenas contemplar a Natureza, é preciso observá-la e
descobrir suas leis geométricas.
118
C. A. R. do Nascimento, “Carta a Cristina de Lorena.” Cadernos de História e Filosofia da
Ciência, pp. 95-96.
63
7. Argumentos astronômicos
Em 1615, o Cardeal Belarmino, chefe dos membros da Inquisição, que um
ano mais tarde condenou a teoria copernicana, escreveu ao copernicano
Foscarini:
“Digo que, se houvesse verdadeira demonstração de que o Sol
esteja no centro do mundo e a Terra no 3º céu e de que o Sol não circunda
a Terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso proceder com
muita atenção na explicação das Escrituras que parecem contrárias e dizer,
antes, que não as entendemos, do que dizer que é falso aquilo que se
demonstra. Mas não crerei que há tal demonstração até que me seja
mostrada.
119
Esta frase foi escrita com conhecimento das descobertas telescópicas com
que Galileu fornecera fortes argumentos para a inovação de Copérnico. Belarmino
não as considera, porém, como uma demonstração no sentido rigoroso.
Recomenda então que Foscarini e Galileu tratem o sistema copernicano como
uma hipótese matemática que explica o movimento dos céus. Afirmar que o Sol
está imóvel e a Terra em movimento, contrariava as Escrituras e, segundo a
64
doutrina da Igreja, estava reservado aos teólogos a decisão de como deve ser
interpretada a Bíblia. Se existisse, porém, alguma demonstração rigorosa de que
a hipótese de Copérnico era certa, então seria necessário admitir que a Bíblia não
havia sido entendida e precisar-se-ia de muito cuidado para interpretá-la.
120
Na Carta a Cristina de Lorena está presente a preocupação de Galileu com
a possibilidade de que o sistema copernicano pudesse ser proibido. Acreditava ele
que havia grande risco, deste ser proibido, justo no momento em que mais
encontrava fundamentação. Argumenta então:
“seria necessário proibir não só o livro de Copérnico e os escritos dos
outros autores que seguem a mesma doutrina, mas também toda a ciência
da astronomia inteira. E mais: proibir aos homens olhar para o céu para que
não vejam Marte e Vênus, ora muito próximos da Terra, ora muito
afastados, com tanta diferença que esta se percebe 40 vezes e aquele 60
vezes maior na primeira posição do que na segunda; para que a própria
Vênus não seja percebida ora redonda, ora em forma de foice com pontas
finíssimas e muitas outras observações que de modo algum podem se
ajustar ao sistema ptolemaico, mas que são argumentos firmíssimos do
copernicanismo. Mas proibir Copérnico, agora, que, por muitas observações
novas e pela aplicação de muitos eruditos à sua leitura, vai-se dia a dia
descobrindo mais verdadeira a sua posição e firme a sua doutrina, tendo-o
119
Carta de Roberto Belarmino a Paolo Antônio Foscarini (12/04/1615), p. [172].
120
A utilidade da hipótese de Copérnico como instrumento de cálculo é indiscutível, mas não havia
demonstração que, em realidade, o Sol esteja parado e a Terra em movimento. Sobre uma
possível diferença de quadro epistêmico entre Belarmino e Galileu, ver Clavelin, M. “A revolução
65
admitido por tantos anos quando ele era menos seguido e confirmado,
pareceria, a meu juízo, ir contra a verdade e procurar tanto mais ocultá-la e
suprimi-la quanto mais ela se demonstra patente e clara.”
121
A solução que propôs Belarmino ao copernicano Foscarini, autor de um
livro defendendo em detalhe a compatibilidade do sistema copernicano com a
Bíblia, e ao próprio Galileu, que havia defendido a mesma tese em sua carta a
Cristina de Lorena, consistia em considerar o sistema copernicano como simples
hipótese que “salva as aparências”, mas que nada tinha com a realidade. Dessa
forma não havia possibilidade de conflito com a Sagrada Escritura e não existia
para os homens de ciência perigo de serem condenados.
Galileu não aceitou a solução de Belarmino por algumas razões. A primeira
porque estava convencido de que Copérnico, como está claro na carta a Piero
Dini, de 23 de março de 1615, concebia sua teoria como um autêntico sistema do
universo e não como mera hipótese para salvar as aparências. Por outro lado
Galileu acredita na objetividade da ciência e que, portanto, era perfeitamente lícito
sustentar o sistema copernicano como uma realidade física e não somente como
uma útil função geométrica. Isto se dá porque Galileu interpretaria o raciocínio
astronômico dentro de um esquema epistêmico realista, derivado da
demonstração “de que” medieval e não dentro do esquema convencionalista
galileana: revolução metodológica ou teórica?.” Cadernos de História e Filosofia da Ciência, pp. 35-
44.
121
Carta a Cristina de Lorena, pp. [328-329]. A Inquisição censurou formalmente o heliocentrismo
em 1616, declarando-o como falso e herético. Ver as censuras em Os documentos do processo de
Galileu, pp. 83-84 e o decreto da Congregação do Índice, Ibidem, pp. 89-92.
66
tradicional, retomado por Belarmino.
122
Galileu não queria também que a
autoridade bíblica interferisse nesses assuntos, pois, se tratava de questões
decidíveis pelos meios puramente humanos de conhecimento, a experiência dos
sentidos, sobretudo a visual e a demonstrão necessária. A revelação bíblica
dizia respeito a questões de outro tipo, referentes ao destino humano e quanto
àquelas proposições que ultrapassam o domínio das faculdades naturais do
homem. Para reforçar sua posição, Galileu cita Santo Agostinho quando este
sustenta que a Bíblia deve ser interpretada de forma que coincida com as
verdades físicas rigorosamente demonstradas, mas que a Bíblia deve ser
reconhecida como norma superior no caso de proposições físicas que não estão
necessariamente demonstradas. Estas proposições devem ser consideradas
como falsas. Mas, antes de condená-las, deve demonstrar-se que não estão
rigorosamente provadas, por aqueles que se opõem a elas. Eis como se lê na
carta a Cristina de Lorena a citação de Santo Agostinho que Galileu a utiliza:
“Deve ser tido por indubitável o seguinte: o que quer que os sábios
deste mundo puderem verdadeiramente demonstrar acerca da natureza das
coisas, mostremos que não é contrário às nossas Escrituras; o que quer
que eles ensinam nos seus livros, contrário às Sagradas Escrituras, sem
nenhuma dúvida creiamos que se trata de algo completamente falso e, de
qualquer maneira que pudermos, também o mostremos; guardemos assim
a fé de nosso Senhor, no qual estão escondidos todos os tesouros da
122
Artigo de M. Clavelin, citado à nota 121.
67
sabedoria, de modo que nem sejamos seduzidos pela loquacidade de uma
falsa filosofia nem sejamos atemorizados pela superstição de uma religião
fingida.”
123
A divergência entre Belarmino e Galileu, pode-se dizer, não estaria nos
princípios ou normas interpretativas da Bíblia. Tanto um como outro aceitam o que
Santo Agostinho diz em seu Comentário literal sobre o Gênesis. A divergência se
localizaria muito mais no status dos argumentos em apoio do sistema
copernicano. Belarmino os interpreta dentro do quadro da “salvação dos
fenômenos ou aparências” e Galileu vê neles verdadeiras demonstrações
rigorosas.
123
Gênesis ad literam. Lib. 1, Cap. 21. Carta a Cristina de Lorena. p. [327]. Este texto é seguido de
dois outros na página [331] que explicitam mais ainda a posição de Santo Agostinho.
68
Conclusão
Galileu não inventou o telescópio, mas deu a ele um uso incomum e suas
observações desencadearam grandes discussões. A descoberta de montanhas e
crateras na Lua, por exemplo, abalou a perfeição e imutabilidade dos céus.
Igualmente as manchas solares estava em conflito com a perfeição da região
celeste, até então admitida.
Algumas das observações e descobertas de Galileu davam crédito às teses
de Nicolau Copérnico, como as luas de Júpiter, que para Galileu giram em torno
deste, e pareciam fornecer um modelo visível do sistema solar daquele. As
observações de Vênus forneceram talvez o mais forte apoio para a hipótese
copernicana; o telescópio aumenta suficientemente os planetas para mostrar que
a forma de Vênus varia e esta variação é compreensível se Vênus se move em
torno do Sol. Mas nenhuma das observações forneceu um argumento irrefutável
para o sistema de Copernico, pois estes dados observacionais podiam ser
interpretados dentro de concepções distintas do raciocínio astronômico, sendo
então a hipótese copernicana como um artifício matemático ou como uma
expressão da própria disposição natural dos astros.
O problema se agravou, pois, depois destes descobrimentos, Galileu
sustentava com mais ardor sua defesa do sistema Copernicano, cujas teses se
69
chocavam, pelo menos aparentemente, com algumas passagens bíblicas, se tidas
como tradução da real disposição dos astros.
Em 14 de dezembro de 1613, Castelli escreveu a Galileu, levando a seu
conhecimento o que se passara em um encontro com a família Médice, e o pedido
da Grã-Duquesa Cristina para que se mostrasse a ortodoxia do sistema
copernicano, isto é, seu acordo com a Bíblia. Galileu escreveu uma carta a Castelli
no dia 21 de dezembro de 1613, argumentando sobre a relação entre a verdade
descoberta na Natureza e a revelada na Bíblia. A versão ampliada desta carta,
com argumentação mais desenvolvida, se tornou a Carta a Cristina de Lorena,
escrita em meados de 1615. Nela, Galileu procurou compatibilizar o sistema
copernicano com o texto bíblico. Em nosso percurso desta carta procuramos
abordar algumas questões, sem pretender nem de longe esgotar seu conteúdo.
No capítulo “Bíblia, Interpretação e Natureza”, buscamos apresentar qual seria a
visão de Galileu da Natureza e da Escritura, ambas, obras de Deus e, portanto,
como que dois livros desprovidos de erro. O erro, quando ocorresse, estaria na
interpretação da Escritura, por parte daqueles que não entenderiam o seu real
sentido, ou naqueles que estudariam a Natureza e considerariam como verdade
demonstrada o que seria apenas conjectura ou opinião plausível.
Para Galileu há duas maneiras pelas quais Deus se manifesta aos homens:
através do livro da Natureza e através do livro Sagrado (Escritura). Galileu faz
uma importante distinção entre o modo de comunicação da Natureza e do livro
Sagrado. Afirma ele que, embora ambos procedam do Verbo Divino, os textos da
Sagrada Escritura não estão sujeitos a obrigações tão severas como os efeitos da
Natureza. Há, pois, nesta utilização por Galileu da tradicional metáfora do livro da
70
Natureza, uma distinção entre, de um lado, os Pais da Igreja e os teólogos
medievais e, de outro, Galileu. Enquanto para os Pais e teólogos o livro da
Natureza era acessível a todos, bastando olhá-lo e não exigindo nenhum pré-
requisito do ser humano, a Sagrada Escritura exigia que o homem pelo menos
soubesse ler. Para Galileu, ao contrário, a Sagrada Escritura foi escrita em
linguagem acessível ao homem comum, não sendo necessária nenhum
conhecimento especializado para abordá-la.
124
No mesmo capítulo, acima mencionado, procuramos caracterizar
brevemente a noção de ciência e o modo de adquiri-la, de acordo com Galileu.
125
Outro ponto que discutimos foi o argumento de autoridade. Procuramos
indicar o que seria uma “autoridade” e destacamos sua utilização por Galileu. Não
é possível afirmar com certeza como Galileu adquiriu a lista de citações de
“autoridades” que utilizou na Carta a Cristina de Lorena; limitamo-nos, portanto, a
comentar o uso que faz destas citações e a possível razão da utilização deste
recurso argumentativo.
Abordamos a posição do cardeal Belarmino, que recomendou ao
copernicano Foscarini e a Galileu que tratassem o sistema de Copérnico como
uma hipótese matemática que explica o movimento dos céus, sem pretender que
assim se passe na realidade das coisas, pois, o sistema heliocêntrico contrariava
as Escrituras e, segundo a doutrina da Igreja, estava reservado aos teólogos a
decisão de como deve ser interpretada a Bíblia. Entretanto, Belarmino diz que, se
124
Sobre este assunto, foi desenvolvido um trabalho que apresenta mais especificamente as
duas concepções dos dois livros; ver, Célia Viderman Oliveira, O Livro da Natureza: Galileu Galilei,
1993.
71
existisse alguma demonstração rigorosa de que a hipótese de Copérnico era
certa, então seria necessário admitir que a Bíblia não havia sido entendida e
precisar-se-ia de muito cuidado para interpretá-la.
Finalizaremos este trabalho mencionando o artigo de Paolo Rossi, Sete
Galileis? Melhor do que um.
126
, em que são apresentados diversos retratos que se
formaram de Galileu e várias interpretações sobre o assim chamado caso Galileu
(l’affaire Galilée). São muitos Galileis: peripatético, conservador, revolucionário,
aristotélico, platônico, experimental, teórico. Galileu trouxe novidades, mas
carregava muito de antigo; quem sabe as mudanças ocorrem paulatinamente;
inovação e tradição, ruptura e continuidade caminhariam juntas, como o trigo e o
joio da conhecida parábola. E a tentação de quem conta a história seria a de
querer bancar o juiz...
Discussões desta natureza são interessantes e importantes para a História
da Ciência porque mostram a complexidade das questões que resistem a nossas
simplificações. Muito sobre elas ainda resta a dizer. Esta dissertação, nada mais
pretende ser do que uma entrada no assunto, que ainda poderá render outro ou
outros trabalhos.
125
Há, sobre este tema, um trabalho, desenvolvido por Eduardo Iamundo, Os Conceitos de Ciência
e Método em Galileu Galilei , 1987.
126
P. Rossi, “Há muitos Galileis?” In Un altro presente: saggi sulla storia della filosofia. Ver
também, C. A. R. do Nascimento, “Galileu, Galileus”, pp. 55-56.
72
Bibliografia:
ALFONSO-GOLDFARB, A. M. & MAIA, C. A., orgs.. A História da
Ciência: O Mapa do Conhecimento, São Paulo, Editora Expressão e
Cultura, EDUSP, 1995. (Col. América: Raízes e Trajetórias, Vol. 2).
ALQUIÉ, F. & RUSSO, F & BEAUDE, J. & TONNELAT, M. A. & COSTABEL, P.
; POLIN, R. Galileu, Descartes e o Mecanicismo. Editora Gadiva- Lisboa,
1987.
ANÔNIMO DE BOLONHA; ERASMO DE ROTTERDAM; JUSTO LÍPSIO. A Arte
de Escrever Cartas. Emerson Tin (org.), Unicamp, São Paulo, 2005.
BANFI, A. Galileu Galilei. Lisboa: Portugalia, 1966.
BASSI, A. Galileu Galilei, análise do homem e de sua obra, IV Centenário do seu
nascimento, Belo Horizonte, [s.ed],1965.
BEMPORAD, M. Galileu Galilei. Caracas, Universidade Central de Venezuela,
1965.
73
BUCCIANTINI, M. A Dificult Legacy: Galileo and the Galilean Colletction between
myth and history, Nuncius, 1997.
BUDDEM, T. Galileo’s ship thought experiment and relativity principles,
Endeavour, 1998.
CENTRE INTERNATIONAL DE SYNTHÈSE. Galilée – Aspects de as vie et de son
aeuvre, Paris, Presses Universitaires de France, 1968.
CHENU, H. D. Introdução ao Estudo de São Tomás de Aquino. Montreal, Instituto
de Estudos Medievais, 1965, pp. 106-131, tradução mimeografada.
CLAVELIN, M. “A Revolução Galileana: Revolução Metodológica ou Teórica?”.
Trad. Roberto de A. Martins. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, 9
(1986), pp. 35-44.
COELHO, L. A Ciência na Idade Média. Coleção Filosofia & Ensaios, Guimarães
Editores_Lisboa, 1988.
COLLINGWOOD, R. G.. Ciência e Filosofia. Editorial Presença-Lisboa, biblioteca
de Ciências Humanas, 1976.
COPERNICO, N. Sobre las Revoluciones de los Orbes Celestes. Trad. Carlos
Minguez y Mercedes Testal, Madri, Editora Nacional, 1982.
74
_____. Commentariolus, Introd. Trad. e notas Roberto de Andrade Martins, São
Paulo, Editora Livraria da Física, 2003.
COPERNICO, N.; DIGGES, T.; GALILEI, G.. Opúsculos sobre el movimiento de la
Tierra. Madri, Alianza Editorial, 1983.
COURCIER, J. “Bulletin de Philosophie des Sciences”, Paris, Revue des Sciences
Philosophies et Thèologiques. 74 (1990) pp.259-292.
DALÉS, A., “GALILÈE”, in Dictionnaire Apologétique de la foi Cattolique, 4ª Ed.,
Tome II, Paris, Beaucheshe, 1924, pp.148 – 192.
DEBUS, A. G.. El Hombre Y La Naturaleza En El Renacimiento. México, Fondo
de Cultura Económica, 1996.
DRAKE, S. Introd.. Discoveries and Opinions of Galileo, Nova York, Doubleday &
Company, 1957.
DUBARLE, A. M.. Les Principes Exégétiques et Théologiques de Galilée
Concernant la Science de la Nature, Revne des Sciences Philosophiques et
Theologiques, Tome I, n.º 1, 1966, pp. 67 – 87.
DUHEM, P. Sur la Notion de Théorie Physique de Platon a Galilée, Paris, Librairie
Scientifique A. Hermann et Fils, 1908.
75
_____. “Salvar os Fenômenos”. Cadernos de história e Filosofia da Ciência 3
(1984).
FARRINGHTON, B. A Ciência Grega. São Paulo, Editora Ibrasa, 1961.
FAVARO, A. org.. Galileo e L’Inquisizione. Firenze, G. Barbèra, Editore, 1907.
FEYERABEND, P. Contra o Método. Trad. Octanny S. da Mota & Leonidas
Hegenberg. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.
FINOCCHIARO, M. A.. Galileo and the Art of Reasoning, Boston studies in the
philosophy of science, Published by D. Reidel Publishing Company, 1980.
_____. Galileo and the Art of Reasoning: Rhetorical Foundations of Logic and
Scientific Method, Journal of the History of Philosophy , St. Lowis, 1982, pp. 307
– 309.
GALILEI, G. A Mensagem das Estrelas. Rio de Janeiro, Editora do Museu de
Astronomia e Ciências Afins, 1995.
_____. O Ensaiador. São Paulo, Coleção Os Pensadores, Nova Cultural, 1996.
_____. Galileu Galilei, São Paulo, Abril Cultural, 1973.
76
_____. Duas Novas Ciências, Trad. e Notas Letizio Mariconda & Pablo
Mariconda, Introd. Pablo Ruben Mariconda. São Paulo, Ched Nova Stella, [s.d]
_____. Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo. Trad. e Introd. Pablo
Rubén Mariconda, São Paulo, FAPESP, 2001.
_____. Ciência e Fé. Trad. Carlos Arthur R. do Nascimento. São Paulo, Instituto
Ítalo-Brasileiro, Nova Stella Editorial, 1988.
_____. Carta a Cristina de Lorena Y otros Textos sobre Ciência Y Religión. Ed.
Moisés González, Madri, Alianza Editorial, 1984.
GARIN, E. Ciência e Vida Civil no Renascimento Italiano. São Paulo, Editora
UNESP, 1996.
GEENEN, G. “Santo Tomás e os Padres”, in Dictionnaire de Théologie Catholique.
Paris, Letouzey, 1950. Tomo XV. 1ª parte, verbete “Thomas d’Aqui”, col. 738-
739: 749-741. Tradução mimeografada.
GEYMONAT, L. Galileu Galilei. Trad. Eliana Aguiar, Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1997.
GOLDFARB, J. L. & FERRAZ, M. H. M.. VII Seminário Nacional de História da
Ciência e da Tecnologia, UNESP, EDUSP. [s.d]
77
GRANADA, M. A. “Il Problema Astronomico-Cosmologico e le Sacre Scriture Dopo
Copernico: Christoph Rothmann e la “Teoria Dell’Accomodazione”, Rivista Di
Storia Della Filosofia, Ano LI, Serie 4/1996. : 789 – 828.
IAMUNDO, E. Os Conceitos de Ciência e Método em Galileu Galilei, Dissertação
de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1987.
JAPIASSU, H.. As Paixões da Ciência – Estudos de História das Ciências. São
Paulo, Letras & Letras, 1991.
_____. Galileu – O Mártir da Ciência Moderna. São Paulo, Letras & Letras, 2003.
_____. A Revolução Científica Moderna. Rio Janeiro, Imago, 1985.
KOYRÉ, A. Estudos Galilaicos. Trad. Nuno Ferreira da Fonseca, Lisboa, Dom
Quixote, 1986.
_____. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Trad. Donaldson M. Garschagen.
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.
KUHN, T. S.. A Revolução Copernicana. Trad. Marília Costa Fontes. Lisboa, 1990.
_____. A Estrutura das Revoluções Científicas, São Paulo, Perspectiva, 2003.
_____. La Tension Esencial, México, Fondo de Cultura Económica, 1996.
78
LEITE, J. A. B. O Universo Matemático de Galileu como Discurso Filosófico.
Dissertação de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 1985.
LINDBERG, D. C. & NUMBERS, R. L. When Science & Christianity Meet.
Chicago/London, University of Chicago, [s.d]
MARICONDA, P. R. Galileu e as Teorias das Marés. Unicamp, Caderno de
História e Filosofia da Ciência, série 3, V. 9, n. 1-2, p. 33-71, jan-dez, 1999.
MARTINS, R. A. Galileu e a Rotação da Terra, Caderno Catarinense de Ensino de
Física 11, p. 196 – 211, 1994.
MORPHET, C. S. Galileu e a Astronomia Copernicana. Trad. X. Granados; F.
Reus; P. Fuente; G. Santa-Maria; A. Garrigós & A. M. Rius. Barcelona, [s.ed],
1987.
MOSS, J. D. Galileo’s Letter to Christina: Some Rhetorical Considerations,
Renaissance Quaterly, n.º 36, Nova Iorque, 1983, pp. 547 – 576.
MUZINATI, J. L. Os Ensaiadores do Seiscentos: Debate / Diálogo entre Galileu e o
Padre Grassi, Tese de Doutorado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2001.
79
NASCIMENTO, C. A. R. Para Ler Galileu Galilei - Diálogo Sobre os Dois Máximos
Sistemas do Mundo, São Paulo, Editora Nova Stella / EDUC, 1990.
_____. De Tomás de Aquino a Galileu. São Paulo, Editora Unicamp, 1995.
_____. “Galileu Galilei: Carta à Senhora Cristina de Lorena, grã-duquesa de
Toscana.” Cadernos de História e Filosofia da Ciência, 5 (1983): 91-123.
_____. “Galileu, Galileus”. Aquiles 1(1984), pp. 55-56.
OLIVEIRA, C. V. O Livro da Natureza: Galileu Galilei, Dissertação de Mestrado,
São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1993.
OSIANDER, A.. “Prefácio ao “De Revolutionibus Orbium Coelestium” de
Copérnico. Ed. de Z. Loparic. Cadernos de História e Filosofia da Ciência 1
(1980), pp. 44 – 61.
PAGANI, S. M. & LUCIANI, A. Os Documentos do Processo de Galileu Galilei,
Petrópolis, Editora Vozes, 1993.
REALE, G. História da Filosofia. São Paulo, Editora Paulus, 2003.
REDONDI, P.. Galileu Herético. Trad. Julia Mainardi. São Paulo, Companhia das
Letras, 1991.
80
ROSSI, P. Un altro presente: saggi sulla storia della filosofia. Trad. Roberto de A.
Martins. Bolonha: Mulino, 1999.
RUSSO, F. Pour Mieux Comprendre Galilée, Études, Tome 321, juillet –
décembre, 1964, pp. 190 – 202.
_____. Le Procès de Galilée. Études, 89ª année, Tome 289, Avril-mais-juim, 1956.
SCHMIDT, J. “The Question of Enlightenment: Kant, Mendelssohn, and the
Mittwochsgesellschaft.”, Journal of the History of Ideas, Boston, April-june,
1989, vol. I, number 2, pp. 269-291.
SMITH, A. G. R. A Revolução Científica nos séculos XVI e XVII. Lisboa, Editorial
Verbo.
SOUTHGATE, B. C. “Forgotten and Lost: Some Reactions to Autonomous Science
in the Seventeenth Century”, Jornal of the History of Ideas, April – June, 1989,
Vol. I, Number 2.: 249 – 291.
STOFFEL, Jean-François. “La révolution Copernicienne et la place de l’homme
dansé univers”. Revue Philosophique de Louvain, [s.l], 1998.
VACANT, A. & MANGENOT, E.. “GALILÉE”, in Dictionnaire de Théologie
Catholique., Tome VIº, 1ª partie, Paris, 1915, pp. 1058 – 1094.
81
VIGANO, M. “Fede e Scienza in Galileo - Un antico problema epistemologico.” La
Civilta Cattolica, Anno 116, 2 gennaio 1965, Quaderno 2749, Vol. I, n. I, pp.36 –
44.
_____. “Fede e Scienza in Galileo – Galileo e l’esegesi biblica.” La Civilta
Cattolica, Anno 116, 1965, vol. I, n.3, pp. 228-239.
_____. “Fede e Scienza in Galileo – Esegesi ed epistemologia nei processi del
1616 e del 1633.” La Civilta Cattolica, Anno 116, 3 Aprile 1965, quaderno 2755,
Vol. II, n.7, pp.35-47.
_____. “Fede e Scienza in Galileo – Un giudizio su Galileo esegeta ed
epistemologo.” La Civilta Cattolica, Anno 116, 1965, quaderno 2759, Vol. II,
n.11, pp.447-456.
VREGILLE, P. “Galilée”. In Dictionnaire Apologetique de la foi Catholique, Paris,
Beauchesne, tome II, 1924.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo