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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
52. Assim, forte nos postulados de que a Constituição, sendo um todo har-
mônico de comandos magno-normativos, não toleraria supremacia de um de seus pre-
ceitos sobre o outro, e nem admitiria interpretação de seu corpo aos pedaços, como se
formada fosse de compartimentos estanques, a negação da regência do art. 185 sobre o
art. 184 atua como necessária negação da supremacia da produtividade sobre a função
social, como negação lógica de que a parte possa prevalecer sobre o todo, e, pois, ad-
quire maior razoabilidade
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do que a simples interpretação literal, porquanto preconiza
uma inteligência integrativa entre os arts. 184 e 185 da CF/88, propondo-se a demonstrar
que do conjugado entre ambos sequer antinomia aparente emergiria
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.
53. Essa demonstração adquire contornos precisos, mediante ênfase ao fato
de o art. 186 da CF/88 estruturar o conceito de função social a partir de um quadripé,
para cujo aperfeiçoamento reclama SIMULTANEAMENTE
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não só valores ligados à
produtividade, mas um componente referido à produtividade (inciso I), um referido ao
meio ambiente (inciso II), um referido ao trabalho (inciso III) e um referido ao bem
estar (inciso IV), operando todos a molde de “sub-funções sociais da propriedade”
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-
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, sem a
presença de cada qual a função social não se aperfeiçoa como conceito harmônico.
34. Princípio da razoabilidade
35. Vicente Greco Filho, embora traçando as noções gerais da ciência do processo, presta grandiosa homenagem à
ciência da interpretação:
[...] Carnelutti vê, na base da ordem jurídica, o confl ito de interesses a exigir a regulamentação das diversas expectativas
humanas sobre o mesmo bem. Note-se, porém, que o termo “confl ito” tem gerado interpretações divergentes na doutrina,
levando a conclusões muitas vezes improfícuas. Com efeito, imaginar ou defi nir confl ito de interesses, como divergência
concreta, luta, debate em ato, é restringir demais a atuação do direito e, como veremos adiante, do processo, tornando
inexplicáveis fenômenos como, por exemplo, o da jurisdição voluntária e o próprio processo penal.
Parece mais adequado, portanto, falar em “convergência de interesses” sobre os bens, sendo o direito o instrumento
de regulamentação dessas convergências, consideradas pelas normas jurídicas como necessariamente existentes,
gerando confl itos, reais ou hipotéticos, virtuais.
O direito, portanto não existe somente para resolver os confl itos de pessoas ou entre pessoas, mas também para
evitar que ocorram, prevenindo-os. Na verdade, pois, o confl ito é de interesses, e não de pessoas. Por outro
lado, é preciso observar que, diante da simples hipótese de confl ito, o direito previamente limita ou defi ne o que
cabe a cada um, tratando-se o confl ito de uma divergência entre a atuação dos sujeitos e a vontade da lei.
O direito, por conseguinte, não depende do confl ito entre as pessoas, mas exatamente existe para evitá-los, atribuindo a
cada um a sua parcela de participação nos bens naturais e sociais. É importante lembrar, também, que, ao
regulamentar a satisfação dos interesses, o direito leva em consideração não só os interesses dos
indivíduos A ou B, mas também os interesses coletivos e, ainda, os interesses que transcendem as
necessidades individuais e são focalizados como imposição da sociedade, como pretensão de valores
superiores à vontade individual, sobre os quais as pessoas não têm disponibilidade, consubstanciados no
termo “interesse público”, bem como, modernamente, “interesses ou direitos difusos”.
O interesse convergente sobre bens, portanto, pode ser: a) individual, quando afeta uma pessoa; b) coletivo, quando
afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais; c) público, quando transcende, inclusive, a
soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, em seus objetivos básicos.
O direito disciplina todos esses interesses que se contrapõem, às vezes se superpõem, se contradizem, se interdizem, se
interferem, se infl uenciam.
O vórtice de interesses, ademais, se incrementa em virtude de confl itos entre suas diversas
categorias. Assim, por exemplo, perante determinado fato, podem convergir um ou diversos interesses
individuais, um interesse coletivo e, também, o interesse público. Cabe ao direito, portanto, sua disciplina,
determinando, em cada caso, qual deve prevalecer, qual deve ser satisfeito. O critério de escolha decorre do
valor que pretende o direito ver prevalecer.”[...] (“Direito Processual Civil Brasileiro”, 10ª Ed., Saraiva, p.12/13).
36. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, SIMULTANEAMENTE, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as
relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
37. São os chamados elementos econômico, ecológico e social da função social da propriedade, que aqui - por convenção -
denominaremos, , respectivamente: a) função social produtivista, b) função social ambiental, c) função social trabalhista, d)
função social satisfativista, ou, simplesmente, função produtividade, função ambiental, função trabalhista, função bem estar.
38. Particularmente em relação à função social ambiental da propriedade, leia-se:
[...] No que concerne à propriedade constata-se, essencialmente, ainda hoje, uma visão individualista de um direito de
propriedade absoluto sobre os recursos naturais. Há, sem dúvida, uma transição a caminho sob este aspecto, que parece
desembocar na função social ambiental.
Neste sentido, Antonio Herman Benjamin diz: “Num primeiro momento histórico, por força do Welfare State, reconhece-se
uma função social ao direito de propriedade, legitimando, por exemplo, a intervenção do Estado para proteger
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