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Joaquim Modesto Pinto Júnior
Valdez Adriani Farias
Propriedade
Função
Social da
Dimensões ambiental e trabalhista
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Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Miguel Soldatelli Rossetto
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário
Guilherme Cassel
Secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário
Valter Bianchini
Secretário de Agricultura Familiar
Eugênio Peixoto
Secretário de Reordenamento Agrário
José Humberto Oliveira
Secretário de Desenvolvimento Territorial
Caio Galvão de França
Coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural - NEAD
PCT MDA/IICA - Participação Social
________________________________________________________________________
343.074 581
P659f
Pinto Júnior, Joaquim Modesto , Farias, Valdez Adriani. Função social da
propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. - Brasília: Núcleo
de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.
56 p. : 29x21cm. - (Série Debate Nead, 2).
[Parecer técnico]
1. Reforma agrária. 2. Direito agrário. 3. Desapropriação de terras. 4.
Preservação ambiental. 5. Economia rural. I. Pinto Júnior, Joaquim Modesto. II.
Farias, Valdez Adriani. III. Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Sustentável. IV.Série.
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A presente publicação da série NEAD Debate tem por objetivo dar
ciência à comunidade em geral, e em especial aos operadores jurídicos,
da íntegra do Parecer Conjunto/CPALNP-CGAPJP/CJ/MDA/Nº 011/2004
(VAF/JMPJ), da Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (CJ/MDA), de autoria do Procurador Federal Valdez Adriani Farias e
do Advogado da União Joaquim Modesto Pinto Júnior.
Referido Parecer, que encontra guarida no Decreto nº 5.035/04, que
xa a competência da CJ/MDA, órgão setorial da Advocacia-Geral da União
(LC nº 73/93), foi elaborado não somente para preencher uma lacuna na
orientação normativa acerca da matéria, mas também para atender reco-
mendação do Tribunal de Contas da União, no sentido de que se con ra
efetividade aos incisos II a IV do art. 9º da Lei nº 8629/93 (Acórdão nº 557/2004
– TCU – Plenário).
A partir de uma interpretação sistemática da Constituição Federal de
1988, fazendo o cotejo com a legislação ordinária, referindo a melhor
doutrina e invocando sinalizações da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, conclui o Parecer, em síntese, que a propriedade rural no Brasil,
embora possa gurar como “produtiva” sob o ponto de vista economicista,
é passível à desapropriação-sanção para m de reforma agrária prevista no
art. 184 da CF/88, se constatado o descumprimento das outras condicio-
nantes da função social da propriedade previstas nos incisos II, III e IV do
art. 186 da CF/88, quais sejam: utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente (inc. II), observância das dis-
posições que regulam as relações de trabalho (inc. III) e exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (inc. IV).
Antes do advento do Parecer Conjunto/CPALNP-CGAPJP/CJ/MDA/Nº
011/2004 (VAF/JMPJ) o Poder Executivo invocava, como fundamento da
desapropriação-sanção, tão somente o fator produtividade (inciso I do
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artigo 186 da CF/88), como se este se reduzisse apenas à mensuração do
GUT (Grau de Utilização da Terra) e GEE (Grau de E ciência na Exploração).
Entretanto, conforme demonstra à saciedade o Parecer, a de nição de
propriedade produtiva, prevista no art. 6º da Lei nº 8.629/93, diz respeito,
inclusive, aos aspectos ambientais, trabalhistas e de bem estar, enquanto
indicadores da racionalidade da exploração, e, pois, da produtividade efe-
tivamente tutelada pela lei, qual seja, a que resulta ser obtida mediante – si-
multâneo - equacionamento harmônico das variantes da função social.
Forçoso concluir que o Parecer objeto desta publicação se constitui
em um instrumento que – a um só tempo – serve de subsídio à promoção
da Reforma Agrária e à atuação preventiva na preservação do meio am-
biente e na regulação das relações de trabalho no campo, de forma a dar
efetividade às normas constitucionais relativas à reforma agrária e, em
especial, aos fundamentos – também constitucionais - da cidadania, da
dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
Carlos Henrique Kaipper
Consultor Jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA
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Função Social da Propriedade:
dimensões ambiental e trabalhista 7
I. Contextualização 9
2. Análise
I. A função social da propriedade como elemento constitutivo do
conceito jurídico de propriedade. O cumprimento da função social
da propriedade privada como responsabilidade objetiva do
titular desse direito.
ambiental da propriedade. Doutrina da antinomia entre
a norma do art. 185, II, e a norma do art. 186. Critérios de
superação. Interpretação sistemática da Constituição.
14
conteúdo.
A questão do abuso de direito.
Uma demonstração
a partir da dogmática positivada.
21
para scalizar o cumprimento das condicionantes da função
social. Da scalização pelo próprio órgão federal executor da
política agrária, quando o descumprimento da função social
é objetivável por simples operação de conta e conferência.
Necessidade de o órgão federal executor da política agrária
elaborar, em conjunto com os órgãos competentes, norma técnica
e adoção das demais medidas cabíveis, a m de conferir
efetividade aos incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93.
Recomendações do TCU – Tribunal de Contas da União.
37
Sumário
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II. Das condicionantes da função social da propriedade. Função
11
12
III. Função social da propriedade x Produtividade. Continente e
IV. Da competência do órgão federal executor da política agrária
Tribunal Federal que abordam a matéria. Inércia da autarquia
agrária. Afronta ao texto constitucional em face da omissão.
Métodos teleológicos e sistemático de interpretação. Reforma
Agrária como imperativo decorrente da ordem constitucional
positivada.
43
3. Conclusões 48
4. Propostas de Encaminhamento 50
5. Anexo 53
Sumário
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V. Da função social da propriedade. Precedentes do Supremo
7
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA*
“Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços.” (GRAU, Eros Ro-
berto, in A ordem Econômica na Constituição de 1988: São Paulo, RT, 1990, p.
181.)
EMENTA
1
II PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.Fixação de interpretação da
Constituição e Leis relativas à desapropriação por interesse social para
ns de reforma agrária. Ausência de orientação normativa do Advogado-
Geral da União. Considerações jurídicas sobre a função social da proprie-
dade como elemento constitutivo do conceito jurídico de propriedade. O
cumprimento da função social da propriedade privada como responsabi-
lidade objetiva do titular desse direito. Das condicionantes da função
social da propriedade. Função ambiental da propriedade. Doutrina das
antinomias entre a norma do art. 185, II, e a norma do art. 186, ambas da
CF/88. Critérios de superação propostos. Interpretação sistemática da
Constituição. Doutrina da ponderação de valores principiológicos consti-
tucionais. Métodos teleológico e sistemático de interpretação da Consti-
tuição. Reforma Agrária como imperativo decorrente da ordem constitu-
cional positivada. Da exigência legal de racionalidade na exploração,
contida na própria de nição de propriedade produtiva, prevista no art. 6º
da Lei nº 8.629/93. Racionalidade no sentido ambiental e social. Conceito
* Íntegra do PARECER CONJUNTO/CPALNP-CGAPJP/CJ/MDA/Nº 011/2004 (VAF/JMPJ) “Desapropriação para ns de
reforma agrária - produtividade obtida mediante infração ou abuso nos incisos II, III e IV do art. 186 da Constituição
Federal de 1988” (CGAPJP - Coordenação Geral Agrária, de Processos Judiciais e de Pesquisas Jurídicas; CPALNP -
Coordenação de Processos Agrários, Legislação, Normas e Pesquisas Jurídicas).
1. Nenhum dos grifos, sublinhados e destaques das transcrições consta nos originais.
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NEAD DEBATE 2
amplo de produtividade. Produtividade como conteúdo e continente da
função social. Da competência autônoma da autarquia agrária para sca-
lizar as manifestações objetivas do (des)cumprimento das condicionantes
da função social. Da scalização pela própria autarquia, quando o des-
cumprimento da função social seja objetivável por simples operação de
conta e conferência. Preceitos decorrentes da Lei nº 8.629/93. Recomen-
dações do TCU – Tribunal de Contas da União. Da função social da pro-
priedade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a temática.
Inércia da autarquia agrária. Afronta ao texto constitucional por omissão.
Necessidade de o órgão federal executor da reforma agrária elaborar, em
conjunto com os demais órgãos competentes, norma técnica e adoção
das demais medidas cabíveis, a m de conferir efetividade aos incisos II a
IV do art. 186 da CF/88. Conclusões e recomendações.
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
1 Contextualização
1. Nos termos do art. 7º, inciso II, da Estrutura Regimental do MDA, apro-
vada pelo Decreto nº 5.033, de 5 de abril de 2004
2
, compete à Consultoria Jurídica, órgão
setorial da Advocacia-Geral da União, xar - na ausência de orientação normativa do Ad-
vogado-Geral da União - a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos de-
mais atos normativos a serem uniformemente seguidos em suas áreas de atuação e coor-
denação. O mesmo artigo, no inciso IV, prevê que compete a esta Consultoria a elabora-
ção de pareceres jurídicos sobre questões, dúvidas ou con itos submetidos ao exame do
Ministério
3
.
2. A ser assim, ausente no âmbito da AGU posicionamento formal a respeito
das variantes exegéticas sobre o que - por convenção - denominaremos “funções ambiental
e trabalhista da propriedade”, honrou-nos o Sr. Consultor Jurídico do MDA com a incumbên-
cia de formularmos proposta de entendimento o cial de Consultoria a respeito, porquan-
to, nos procedimentos administrativos tendentes à decretação de interesse social de imó-
veis rurais para ns de reforma agrária, postos à CONJUR para análise, veri ca-se ser exclu-
sivamente o fator produtividade ativado como fundamento das propostas de decretação,
sempre à luz de sua inexistência se invocando a dissonância da situação de exploração do
imóvel com o princípio constitucional da função social da propriedade, que por sua vez é
focado apenas a partir da mensuração dos aspectos concernentes ao GUT (Grau de Utili-
zação da Terra) e GEE (Grau de E ciência na Exploração), embora em muitos casos mos-
tre-se evidente o descumprimento de outros fatores condicionantes da função social.
3. Como referido, temos constatado que na prática administrativa todas as
condicionantes da função social têm sido reduzidas à aferição de aspectos da produtivi-
2. Art. 7º: A Consultoria Jurídica, órgão setorial da Advocacia-Geral da União, compete: (...) II - xar a interpretação
da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de
atuação e coordenação, quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
3. IV - elaborar, após manifestação da unidade jurídica do órgão ou entidade de origem, pareceres jurídicos sobre
questões, dúvidas ou con itos submetidos ao exame do Ministério.
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NEAD DEBATE 2
dade, como se nessa dimensão se confundissem os conceitos de exploração econômi-
ca e de exploração racional, quando em nosso entendimento - conforme demonstrare-
mos adiante – além de serem entre si distintos e até eventualmente antagônicos, o último
(exploração racional) estaria contido na própria de nição de propriedade produtiva, pre-
vista no art. 6º da Lei nº 8.629/93, e diria respeito inclusive aos aspectos ambientais e tra-
balhistas, enquanto indicadores da racionalidade da exploração, e, pois, da produtividade
efetivamente tutelada pela lei, qual seja, a que resulta ser obtida mediante – simultâneo
4
-
equacionamento harmônico de todas as variantes da função social .
4. Em razão disso, decorre a necessidade de orientações desta Consultoria,
para que, quando for o caso, o órgão executor da reforma agrária possa fundar suas deci-
sões em mais de uma condicionante da função social, quais sejam, I - aproveitamento ra-
cional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preserva-
ção do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de tra-
balho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
5. Tais orientações mostram-se imprescindíveis, pois afastariam ocorrências
de procedimentos administrativos anulados a fundamento de produtividade, devido ao
fato de não haver o órgão agrário mantido a preocupação de aferir também os demais ele-
mentos da função social, ante cuja ausência a pretensão de desapropriação poderia man-
ter-se. Vale dizer, a scalização do cumprimento da função social por parte da autarquia
agrária passaria a ter mais e cácia e melhores resultados. Além disso, imóveis descumpri-
dores de outros aspectos da função social, além dos relativos à produtividade, de enfoque
meramente economicista, também cariam sujeitos à sanção estatal, de forma a maximi-
zar a efetivação das normas constitucionais.
6. Aliás, a adoção de medidas administrativas com vistas a conferir efetivida-
de às normas constitucionais previstas no art. 186 da CF/88, e incisos II a IV do art. 9º, da
Lei nº 8.629/93 é objeto de recomendação do TCU – Tribunal de Contas da União, cons-
tante no Acórdão nº 557/2004 – TCU – Plenário, relativamente ao Processo TC –
005.888/2003-0. Dentre as recomendações consta o seguinte: “9.4.4. elabore norma técnica e
adote as demais medidas cabíveis, com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Instituto Bra-
sileiro do Meio Ambiente, a m de conferir efetividade aos incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93.”
7. É a contextualização do tema. Passamos à análise.
4. Expressão reiteradamente evocada pela Constituição e pela lei, v.g. arts. 186 e 9º, respectivamente.
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
2 Análise
8. O debate sobre a reforma agrária tem sido acalorado e divide opiniões. Con-
seqüentemente, a divergência de entendimentos tem sido muito comum na interpretação
das normas legais e constitucionais que regulam o tema.
9. Embora alguns vislumbrem a reforma agrária como fonte de discórdia social
5
,
a verdade é que estudos apresentados de forma rigorosa contribuem para compor um qua-
dro de resultados bastante distinto daquele apresentado pelos que – precipitadamente -
buscam desquali car a experiência da reforma agrária. De fato, ao invés de discórdia, os re-
sultados dessa importante política social têm feito com que mulheres e homens, na sua nova
condição de assentados – e a partir de suas histórias pessoais – retomem trajetórias inter-
rompidas e laços familiares, estabelecendo novos espaços de sociabilidade comunitária, e
novas situações de inserção econômica, política e social
6
.
10. No presente parecer pretendemos enfrentar objetivamente as seguintes
questões:
a) possibilidade jurídica de submeter à desapropriação-sanção a proprie-
dade que embora produtiva do ponto de vista economicista, a gure-se afastada das outras
condicionantes da função social, arroladas no art. 186, II, III, IV da CF/88, (II – utilização ade-
quada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância
das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-
estar dos proprietários e dos trabalhadores);
b) a evidência de que a exigência da exploração racional estaria contida
na própria de nição de propriedade produtiva, prevista no art. 6º da Lei 8.629/93, di-
zendo respeito inclusive aos aspectos ambientais.
5. Wellington Pacheco Barros, in Curso de Direito Agrário, consignou que “reforma agrária é uma verdadeira Eris, a deusa da discórdia”.
6. Neste sentido recomenda-se leitura do trabalho realizado por Sérgio Leite e outros, editado pelo NEAD -Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento do MDA, denominado “Impactos dos Assentamentos. Um Estudo sobre o Meio Rural Brasileiro”.
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NEAD DEBATE 2
I. A função social da propriedade como elemento constitutivo do conceito
jurídico de propriedade. O cumprimento da função social da propriedade
privada como responsabilidade objetiva do titular desse direito.
11. A propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da
doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em ne-
gar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucio-
nal e infraconstitucional prevêem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social
7
.
12. Neste sentido, veja-se o que diz o direito positivado:
ART. 5º, XXIII DA CF/88 – “a propriedade atenderá a sua função social;”
ART. 186 DA CF/88 -
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos”:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos traba-
lhadores.”“.
ART 1.228 E §§ DO CC –
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o di-
reito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1
o
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
nalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de con-
formidade com o estabelecido em lei especial, à ora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem
como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2
o
São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
7. Veja-se a propósito decisão proferida pelo STF na ADI nº 2.213 “... O direito de propriedade não se reveste de
caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a signi car que, descumprida a função social que lhe
é inerente (CF, art. 5º, XXIII), ...”
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
§ 3
o
O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por neces-
sidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de
perigo público iminente.
13. Como bem salientou Domingos Sávio Dresch da Silveira
8
, talvez seja o momen-
to de se a rmar o contrário. A propriedade tem algo de absoluto, algo de sagrado. E o
sagrado, absoluto da propriedade é a sua função social, que constitui, em síntese, o seu
per l constitucional.
14. Para reforçar seu posicionamento, Domingos registra ter sido essa posição
expressamente adotada por José Afonso da Silva, que entende ser a função social “elemento
da estrutura e do regime jurídico da propriedade”, impondo-lhe um “novo conceito
9
.
15. De forma mais contundente, Eros Roberto Grau, citado por Domingos, a rma
que a propriedade que não cumpre a função social não existe, e, como conseqüência,
não merece proteção, devendo ser objeto de perdimento, e não de desapropriação
10
.
16. Na mesma linha, de forma incisiva, Pietro Perlingieri, também citado por Do-
mingos, a rma que o proprietário “(...) só recebeu do ordenamento jurídico aquele direito de proprieda-
de, na medida em que respeite aquelas obrigações, na medida em que respeite a função social do direito de
propriedade. Se o proprietário não cumpre e não se realiza a função social da propriedade, ele deixa de ser
merecedor de tutela por parte do ordenamento jurídico, desaparece o direito de propriedade”.
11
17. Então, independentemente da posição que se adotar, o fato é que sob o
ordenamento vigente, a propriedade não é mais direito absoluto, e sobre ela está grava-
da naturalmente uma hipoteca social perpétua: o cumprimento da função social.
18. Ainda neste contexto, deve ser lembrado o entendimento de Jacques Távo-
ra Alfonsin, para quem parece claro ser de natureza objetiva a responsabilidade pelo
cumprimento da função social do direito de propriedade privada, visto como responsa-
bilidade do seu titular, e tendo em conta as diretrizes constitucionais que tanto para o
8. SILVEIRA, DOMINGOS SÁVIO DRESCH, A propriedade agrária e suas funções sociais, in Direito Agrário em
Debate, pag. 13.
9. Diz o renomado constitucionalista: [...] ... a doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por
admitir que a propriedade privada se con gura sob dois aspectos: a) como direito civil subjetivo e b) como direito público
subjetivo. Essa dicotomia ca superada com a concepção de que a função social é elemento da estrutura e do regime
jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade;
impõe-lhe novo conceito”, conforme se lê no Curso de Direito Constitucional Positivo. SP, RT, 6º edição, p.241. [...]
10. Textualmente, diz o referido autor: “[...] a propriedade dotada de função social, que não esteja a cumpri-la, já não será
mais objeto de proteção jurídica. Ou seja, já não haverá mais fundamento jurídico a atribuir direito de propriedade ao titular
do bem (propriedade) que não está a cumprir sua função social. Em outros termos, já não há mais, no caso, bem que possa,
juridicamente, ser objeto de direito de propriedade (...) não há, na hipótese de propriedade que não cumpre sua função
social “propriedade” desapropriável. Pois é evidente que só se pode desapropriar a propriedade; onde ela não existe, não há
o que desapropriar” [...] (IN: A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. SP, RT, 1990, p. 316).
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14
NEAD DEBATE 2
meio urbano, quanto para o meio rural, estão previstas para o gozo e exercício desse
direito, atuando essa responsabilidade, seja para aferição dos efeitos jurídicos que dela
se desencadeiam, no plano do direito material, seja para distribuição do ônus da prova,
no plano do direito processual
12
.
19. Por m, a respeito da função social, César Fiúza
13
, embora a admitindo
apenas como fundamento de elementos da propriedade, e não ela mesma como elemen-
to constitutivo da propriedade, documenta fascinante síntese entre o pensamento de
Lèon Duguit e Alvino Lima, conforme reproduzidos na citação de SUSSEKIND:
[...] Arnaldo Sussekind lembra bem que “numa de suas notáveis conferências sobre a socializa-
ção do Direito, lembrou o insigne Lèon Duguit que à concepção moderna de liberdade não mais
corresponde o direito de não fazer nada. Todo homem tem uma função social a cumprir e, por
consequência, tem o dever social de desempenhá-la. O proprietário, ou melhor, o possuidor de
uma riqueza tem, pelo fato de possuir essa riqueza, uma função social a cumprir; enquanto cum-
pre essa missão, seus atos de proprietário são protegidos’. E conclui: ‘a intervenção dos governan-
tes é legítima pra obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegu-
rar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino’. A nova ordem jurídica atingia, como
se infere, os postulados básicos do sistema civil – liberdade individual, inviolabilidade do direito
de propriedade, invulnerabilidade do contrato e responsabilidade subjetiva. Como registrou Alvi-
no Lima, ‘procurando resguardar interesses coletivos, na verdade se defende os direitos de cada
um na comunhão social; procurando restringir os direitos subjetivos amparados na igualdade for-
mal, que é o apanágio dos mais fortes, no sentido de se defender a verdadeira igualdade, a con-
cepção socializadora do Direito faz obra do mais nobre e elevado individualismo.’ [...]
14
Das condicionantes da função social da propriedade.
Função ambiental da propriedade. Doutrina da antinomia entre a
norma do art. 185, II, e a norma do art. 186. Critérios de
superação. Interpretação sistemática da Constituição.
20. No tocante às condicionantes da função social da propriedade, as diver-
gências são nítidas, para uns parecendo que função social da propriedade e produtivida-
de seriam coisas distintas, e em razão disso somente seriam passíveis de desapropriação-
sanção as áreas improdutivas do ponto de vista economicista. Para outros haveria a
clara conclusão de que não poderia haver produtividade sem função social, porquanto
seria a produtividade apenas uma das condicionantes da função social.
11. Introduzione allá problmatica della “proprietá”. Camerino, 1970, p. 71.
12. ALFONSIN, Jacques Távora, in artigo intitulado “A função social da cidade e da propriedade urbana como
propriedades de funções”.
13. Novo Direito Civil – Curso Completo, 7º ed., Del Rey, 2002, p. 639.
14. No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles (“Direito Administrativo Brasileiro”, 17ª Ed., Malheiros, p.502):
Os fundamentos da intervenção na propriedade e atuação no domínio econômico repousam na necessidade de
proteção do Estado aos interesses da comunidade. Os interesses coletivos representam o direito do maior
número e, por isso mesmo, quando em con ito com os interesses individuais, estes cedem àqueles, em
atenção ao direito da maioria, que é a base do regime democrático e do Direito Civil moderno.
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II.
15
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
21. Em nosso ver, como bem observou Carlos Frederico Marés
15
, a primeira
interpretação atira às traças a de nição escrita em ouro da função social da propriedade.
Separar a idéia de função social da idéia de produtividade signi caria desconsiderar toda
a doutrina criada acerca da função social, e, ainda mais grave que isso, signi caria redu-
zir o art. 186 da Constituição a retórica não escrita.
22. A segunda visão, à qual nos liamos, está calcada em interpretação siste-
mática
16
da Constituição. Em tal abordagem, quando a constituição a rma ser insuscetí-
vel de desapropriação para ns de reforma agrária a propriedade produtiva, está elevan-
do o conceito de produtividade à idéia de razão humana e social. Daí que não pode ser
considerada produtiva uma propriedade que - ainda que gere lucros imediatos e imensos
- não aproveite racional e adequadamente o solo e os recursos naturais, não proteja o
meio ambiente, não observe as disposições que regulam as relações de trabalho, nem
favoreça o bem estar dos trabalhadores e proprietários.
23. Neste entendimento, Marés
17
consignou que:
[...] a Constituição deixa entrevisto no parágrafo único do art. 185:”a lei garantirá tra-
tamento especial à propriedade produtiva e xará as normas para o cumprimento dos
requisitos relativos a sua função social”. Parece claro este dispositivo: a propriedade pro-
dutiva terá tratamento especial porque cumpre a função social, não porque produz lucro.
Focalizemos mais de perto a questão da rentabilidade e da produtividade. A terra está
destinada a dar frutos para todas as gerações, repetindo a produção de alimentos e outros
bens, permanentemente. O seu esgotamento pode dar lucro imediato, mas liquida sua
produtividade, quer dizer, a rentabilidade de um ano, o lucro do ano, pode ser o prejuízo
do ano seguinte. E prejuízo aqui não apenas nanceiro, mas traduzido em deserti cação,
que quer dizer fome, miséria e desabastecimento. É demasiado egoísmo imaginar que a
produtividade como conceito constitucional queira dizer o lucro individual e imediato. Ao
contrário, produtividade quer dizer capacidade de produção reiterada, o que signi ca, pelo
menos, a conservação do solo e a proteção da natureza, isto é, o respeito ao que a Cons-
tituição chamou de meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Neste sentido, a interpretação do capítulo relativo à política agrícola e fundiária e da refor-
ma agrária, especialmente dos artigos 185 e 186, combinados com o caráter emancipató-
15. Reforma Agrária e Meio Ambiente. Documento Especial publicado pelo Instituto Socioambiental. Organizadores:
Neide Esterci e Raul Silva Telles do Valle. Artigo publicado às s. 39/50.
16. E aqui adotamos a preciosa lição de JUAREZ FREITAS, citado por INGO WOLFGANG SARLET, in, Dignidade da
Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Editora Livraria do Advogado, pág. 83., no
sentido de que toda a interpretação ou é sistemática ou não é interpretação.
17. Obra citada na nota 9, pág. 48.
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16
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rio e pluralista de toda a Constituição nos leva à certeza de que protegida pela Constituição
é a propriedade produtiva que cumpre sua função social, porque a que não a cumpre, por
mais rentável que seja, não é produtiva em termos humanos e naturais.[...].
24. Na verdade, uma das questões de fundo do tema, e que pretendemos enfren-
tar no presente parecer, diz respeito a um con ito que aparenta ocorrer dentro do texto cons-
titucional, suscitado a partir do cotejo entre a norma do art. 185, II, e a do art. 186, a saber:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para ns de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim de nida em lei, desde que seu proprie-
tário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e xa-
rá normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
25. Admitamos – ad argumentandum tantum - que o confronto entre a norma
do art. 185, inciso II, e a que estabelece os requisitos para o cumprimento da função social
da propriedade rural, previstos no art. 186, ambos da constituição, consistissem numa
antinomia real, que não pudesse ser solucionada através dos critérios de hierarquia, cro-
nologia e especi cidade, usualmente utilizados para resolver antinomias aparentes
18
.
26. De fato, nesse caso, nenhum desses critérios pareceria ser adequado para
solucionar o con ito sugerido, pois as normas são da mesma hierarquia, mesma data e
mesma especi cidade. Necessário seria recorrer à interpretação sistemática
19
, não se
18. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, “Função ambiental da propriedade e reforma agrária”, in “Direito Agrário em Debate”.
19. Roxana Cardoso Brasileiro Borges, no artigo referido na nota anterior, abordando tal assunto, cita Norberto Bobbio, para quem,
[...] é pressuposto da atividade interpretativa considerar o ordenamento jurídico como um sistema, entendendo-se sistema como
uma totalidade ordenada, ou seja, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem, ou seja, o relacionamento destes
entes com o todo e a coerência entre si. Segundo Bobbio, a jurisprudência costuma entender como “interpretação sistemática”
“aquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais
exatamente, de uma parte do ordenamento (como o Direito privado, o Direito penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo
que depois se deixe um pouco no vazio o que se deva entender com essa expressão), e, portanto, seja lícito esclarecer uma norma
obscura ou diretamente integrar uma norma de ciente recorrendo ao chamado “espírito do sistema”, mesmo indo contra aquilo
que resultaria de uma interpretação meramente literal”. Duas normas são incompatíveis quando não podem ser ambas
verdadeiras. Em ocorrendo isso (antinomia), uma delas deve ser eliminada, ou ambas devem ser eliminadas, ou ambas devem ser
conservadas. Neste último caso, demonstra-se a compatibilidade entre elas, eliminando-se a incompatibilidade. [...] (BOBBIO,
Norberto. “Teoria do ordenamento jurídico”. Brasília: Universidade de Brasília, 1996. pp.71-114.”)
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AMBIENTAL E TRABALHISTA
olvidando que o ordenamento jurídico deve ser considerado como um todo informado
por princípios explícitos e implícitos, e que a integração isolada de uma norma pode
deturpar seu verdadeiro signi cado, até mesmo podendo resultar num sentido que pos-
sa ir contra os ns da ordem jurídica.
27. Pois bem, a desapropriação por interesse social para ns de reforma agrá-
ria de imóveis rurais que não estejam cumprindo a função social é imperativo constitu-
cional
20
, decorrente do art. 184 da CF/88. Vale dizer, de acordo com o art. 186 da própria
Constituição, o imóvel que deverá ser desapropriado e destinado para a reforma agrária
será aquele que, em conjunto ou separadamente, não tenha aproveitamento racional e
adequado, não apresente utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e nem
preserve o meio ambiente, não observe as regulamentações trabalhistas, e cuja explora-
ção não favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
28. Como poderia, então, o art. 185 da CF/88 ignorar tais disposições e autori-
zar a proteção de uma propriedade territorial rural que, embora sendo produtiva do ponto
de vista economicista, desconsiderasse a legislação ambiental, a legislação trabalhista e
existisse em desacordo com o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores?
29. De fato, a propriedade que atinja o Grau de Utilização da Terra (GUT) e
o Grau de E ciência na Exploração (GEE) atenderia apenas parte de um dos requisitos
do art. 186 da Constituição Federal, assim como apenas parte de um dos requisitos do
art. 9º da Lei nº 8.629/93. Portanto, é possível, aliás muito comum, que uma proprie-
dade considerada produtiva não atenda sua função social plena, porquanto a função
social da propriedade só é cumprida quando atendidas simultaneamente suas quatro
condicionantes.
30. A redação do art. 9º da Lei nº 8.629/93, que regula os dispositivos
constitucionais relativos à reforma agrária, é expressa no sentido de que a função
social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, os requi-
sitos do aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos natu-
rais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que
regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprie-
tários e dos trabalhadores.
20. Neste sentido, entendendo a Reforma Agrária como imperativo constitucional, o Ex-Ministro Néri da Silveira,
por ocasião do voto proferido no MS 22.591, assim manifestou-se: [...] Sabemos que, em todos os recantos do
território nacional – e os juízes não podem ser insensíveis a esta realidade -, há uma grave crise em torno da
terra; todos sabemos que a reforma agrária é um imperativo da Nação. Não me parece possível que o Poder
Judiciário, - que estima e resguarda a propriedade, mas que não pode deixar de aplicar a Constituição, quando
esta prevê a possibilidade da desapropriação por interesse social para ns de reforma agrária, em se cuidando
de propriedade com as características estabelecidas na Constituição e na Lei de regência reguladas, - deixe de
ponderar essas formas de procedimento, em ordem a, em seu veredictum, tornar inviável a reforma agrária
quando, assim, se tem como cabível.[...]
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31. Analisando o confronto do art. 185, inciso II, com o art. 184, caput, e o art.
186, todos da CF/88, Marcelo Dias Varella
21
alerta que:
[...] Logo, ao se considerar como princípio a su ciência apenas do primeiro requisito
para o cumprimento da função social como excludente dos demais, conclui-se que os
outros três incisos (art. 186, II, III e IV) não teriam qualquer utilidade, embora presen-
tes no texto constitucional, não poderiam servir de critério para averiguação do cumpri-
mento da função social da propriedade e por conseqüência da realização de desapro-
priações com ns de reforma agrária.[...]
32. Com efeito, veri cado o que seria a antinomia, partir-se-ia para a aplicação
dos critérios antes aventados para solucioná-la. Assim, em se optando pela prevalência
do art. 185, inciso II, o uso dessa técnica faria com que fossem anulados todo o art. 186
e o caput do art. 184 da Constituição Federal, conforme os critérios para solução de an-
tinomias reais propostos por Bobbio.
33. Marcelo Dias Varella
22
é mais incisivo na crítica à interpretação que faz com
que prevaleça o art. 185, inciso II:
“[...] seria necessário a rmar que o art. 185, II, tem preferência sobre o art. 7º, com
todos os seus 34 incisos, que tratam dos direitos dos trabalhadores rurais, pois o pro-
prietário que não cumpre com suas obrigações trabalhistas e, portanto, não efetiva a
função social da propriedade (art. 186, III), não poderia ser punido com a desapropria-
ção. Ainda sob a mesma ótica, teria o inciso II do art. 185 preferência sobre o Capítu-
lo VI, que trata do meio ambiente (art. 186, II). Um absurdo! [...]
34. Prosseguindo na busca de solução, como um outro critério proposto por
Bobbio para dirimir a antinomia seria a eliminação das normas do art. 185, inciso II, e do
art. 186, a operacionalização do problema a partir das normas restantes na Constituição,
permitiria veri car-se a persistência da proteção ao meio ambiente, às relações de traba-
lho e ao bem-estar social, em vários momentos, e não apenas no art. 186, devido à im-
portância que o constituinte atribuiu a estes direitos. Vale dizer, não prevaleceria, pela
interpretação através desse critério, a norma segundo a qual a propriedade produtiva
estaria livre de cumprir sua função social.
23
35. Mediante o último critério, ambas as normas seriam mantidas, mas resol-
ver-se-ia a incompatibilidade entre elas, admitindo-se que a propriedade produtiva de
21. VARELLA, Marcelo Dias. “Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos con itos sociais.” São Paulo: LED, 1998. p.251.
22. VARELLA, Marcelo Dias. “Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos con itos sociais.” São Paulo: LED, 1998. p.253.
23. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, “Função ambiental da propriedade e reforma agrária”, inDireito Agrário em Debate, pag. 308.
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que trata o art. 185, II, para cumprir a função social, deve obedecer aos demais requisitos
previstos no art. 186.
36. Portanto, na pressuposição de existência de antinomia, esse último crité-
rio é o que atenderia, dentre outros princípios e regras interpretativas da unidade da
constituição, o da máxima efetividade das normas constitucionais e o da força normati-
va da constituição. De fato, a doutrina constitucional, nacional e estrangeira, ao tratar de
con itos, colisões ou antinomias entre direitos e bens constitucionalmente protegidos,
ensina que o intérprete
24
deve solucionar esse con ito compatibilizando as normas cons-
titucionais, a m de que todas tenham aplicabilidade. Canotilho
25
, por exemplo, enume-
ra diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais, a saber:
- da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser
realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;
- do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucio-
nais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da inte-
gração política e social, bem como ao reforço da unidade política;
- da máxima efetividade ou da e ciência: a uma norma constitucional
deve ser atribuído o sentido que maior e cácia lhe conceda;
- da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encarregados
da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma po-
sição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional
constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;
- da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coorde-
nação e combinação dos bens jurídicos em con ito, de forma a evitar o
sacrifício total de uns em relação aos outros;
- da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis,
deve ser adotada aquela que garanta maior e cácia, aplicabilidade e per-
manência das normas constitucionais.
37. Alexandre Moraes
26
complementa estes princípios, citando algumas regras
propostas por Jorge Miranda:
24. A palavra intérprete, segundo Fernando Coelho, inLógica jurídica e interpretação das leis”, pág. 182, [...] tem
origem latina – interpres – que designava aquele que descobria o futuro nas entranhas das vítimas. Tirar das
entranhas ou desentranhar era, portanto, o atributo do interpres, de que deriva para a palavra interpretar com o
signi cado especí co de desentranhar o próprio sentido das palavras da lei, deixando implícito que a tradução do
verdadeiro sentido da lei é algo bem guardado, entranhado, portanto, em sua própria essência [...].
25. Citado por Alexandre de Moraes, inDireito Constitucional” , pág. 42.
26. Moraes, Alexandre, in “Direito Constitucional” , pág. 43.
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- a contradição dos princípios deve ser superada, ou por meio da redução
proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos,
mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios;
- deve ser xada a premissa de que todas as normas constitucionais de-
sempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpre-
tação que lhe suprima ou diminua a nalidade;
- os preceitos constitucionais deverão ser interpretados tanto explícitamen-
te quanto implícitamente, a m de colher-se seu verdadeiro signi cado.
38. Portanto, interpretando a Constituição à luz desses princípios, resta claro
que deve necessariamente sofrer a desapropriação a propriedade cuja exploração não
respeite a vocação natural da terra, degradando o seu potencial produtivo, que não man-
tenha as características próprias do meio natural, que agrida a qualidade dos recursos
ambientais, não contribuindo para a manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade,
que desrespeite as relações de trabalho, que não seja adequada à saúde e à qualidade
de vida dos que nela laboram e das comunidades vizinhas.
39. É em razão disso, que Paulo Roberto Lyrio Pimenta
27
a rma que “a explo-
ração da propriedade agrária, causando danos ao meio ambiente, implicará no descumprimento da sua
função social, dando ensejo à desapropriação por interesse social”. E mais adiante: “o meio ambiente
é um ataque muito sério à destinação econômica da terra, que tem sua capacidade produtiva diminuída,
e, o mais grave, é a lesão ao próprio direito à saúde, que todo o ser humano tem”.
28
40. Uma das condicionantes da função social – a produtividade – deve ser alcan-
çada mantendo-se o equilíbrio ecológico, pois a produtividade não pode ser compreendida
e absorvida sem a atenção que merece a proteção ao meio ambiente. Vale dizer, a proprie-
dade produtiva não deve degradar o meio ambiente em nome da produção.
41. Por m, como bem observou Roxana Cardoso Brasileiro Borba, a proprie-
dade que mesmo produtiva desrespeita as normas de direito ambiental e agrário, de
forma a ameaçar gravemente o meio ambiente, impõe seja desapropriada, para que se
assegure a preservação dos recursos naturais, o equilíbrio ecológico e a manutenção da
vida humana, que se sustentam justamente sobre o meio ambiente que está sendo des-
truído
29
.
27. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “A função social da propriedade agrária e os interesses difusos”. In: PIMENTA,
Paulo Roberto Lyrio e DIAS, Sérgio Novaes. Revista dos Mestrandos em Direito Econômico da UFBA. Salvador:
UFBA, 1995. p. 174.
28. PIMENTA, P. R. L. Ob. Cit., p. 169.
29. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, “Função ambiental da propriedade e reforma agrária.”, in “Direito Agrário
em Debate”, pag. 310.
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Função social da propriedade x Produtividade.
Continente e conteúdo. A questão do abuso de direito.
Uma demonstração a partir da dogmática positivada.
42. Como já referimos, deve necessariamente sofrer a desapropriação a proprie-
dade cuja exploração não respeite a vocação natural da terra, degradando o seu potencial
produtivo, a que não mantenha as características próprias do meio natural, a que agrida a
qualidade dos recursos ambientais, não contribuindo para a manutenção do equilíbrio
ecológico da propriedade, a que desrespeite as relações de trabalho, e a que seja inadequa-
da à saúde e à qualidade de vida dos que nela laboram e das comunidades vizinhas.
43. Também como já referimos, uma das condicionantes da função social – a
produtividade – deve ser alcançada mantendo-se o equilíbrio ecológico, pois a produti-
vidade não pode ser compreendida e absorvida sem a atenção que merece a proteção
ao meio ambiente. Vale dizer, a propriedade produtiva não deve degradar o meio ambien-
te em nome da produção. A produtividade para ser considerada deve ser obtida median-
te exploração racional. Daí, em nosso ver, o porquê da racionalidade ambiental estar
contida no conceito de propriedade produtiva.
44. Em razão disso, ousaremos discordar de alguns defensores da corrente
autonomista da produtividade. Talvez em função do acirrado debate, alguns defensores
de ambas as correntes tenham trilhado caminhos equivocados, porquanto uns e outros
defendem que todas as regras infraconstitucionais que regulam o art. 185 referem-se a
uma produtividade econômica, como pura rentabilidade, de uma maneira puramente
economicista, desvinculando a produtividade da função social que deve ter a proprieda-
de. Não é o que ocorre, como passaremos a demonstrar.
45. Para fazê-lo, inicialmente ressaltamos que o art. 184 da CF/88 diz compe-
tir à União desapropriar por interesse social, para ns de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social.
46. Em contraponto, o art. 185 da CF/88 diz ser insuscetível de desapropriação
para ns de reforma agrária a propriedade produtiva.
47. Como visto, numa abordagem exegética convencional, pareceria avultar uma
aparente antinomia entre esses comandos constitucionais
30
, posto que enquanto o art. 184
30. Nosso entendimento é o de não haver antinomia, nem real, nem aparente, porquanto a admissão de uma ou
outra contingenciaria o intérprete à negação absoluta de um ou outro dos artigos, e, não havendo direitos absolutos,
preconizamos necessidade de desenvolver exercício de ponderação entre eles, relativizando-os.
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III.
22
NEAD DEBATE 2
não excepciona nenhum imóvel da sanção por descumprimento da função social, o inciso II
do art. 185 aparentemente excepcionaria a propriedade produtiva em qualquer hipótese
31
.
48. De modo que, por uma leitura eminentemente literal, defender-se-ia – ex
vi do art. 185 – a absoluta intangibilidade do imóvel produtivo pela desapropriação-san-
ção, sob fundamento de que a constatação de produtividade estabeleceria presunção
jure et de jure de cumprimento da função social, porquanto, se assim não fosse, a Cons-
tituição não estaria a vedar expressamente sua desapropriação por interesse social para
ns de reforma agrária.
49. Em antagonismo a essa leitura, posicionam-se entendimentos vertidos no
sentido de que, estando no ilícito “descumprimento da função social” o autorizativo da
sanção constitucional (desapropriação), havendo no conceito constitucional de função
social convergência de outros conceitos igualmente constitucionais, sem o qual aquele
não se aperfeiçoaria, e estando entre esses formadores do conceito de função social
outros componentes que não só a produtividade, não haveria como o art. 185 da CF/88
estar excepcionando indiscriminadamente o art. 184.
50. Essa negação hermenêutica da propalada regência do art. 185 em relação
ao art. 184 (a que aderimos), sem negar a e cácia de qualquer deles, nega-lhes contudo
cogência absoluta, e sustenta-se, primeiramente no logismo de que o texto do primeiro
não corpori ca parágrafo do segundo, daí não operar como necessária limitante interna
ao comando-mor de irrestrita tangibilidade do imóvel vulnerado por descumprimento da
função social.
51. Em segunda argumentação, essa repulsa à exegese ampliada do art. 185
avia-se no defender não estar esse preceito constitucional instituindo excludente de
ilicitude
32
, e sim comando-garantia, ou seja, vindo o art. 184 de relativizar o direito de
propriedade posto no art. 5º, mediante sancionamento em caso de má destinação,
expondo por este modo o indivíduo a uma vontade imperativa estatal socialmente em-
basada, o art. 185 operaria como assegurador de que o jus imperium não se despropor-
cionalize
33
, formatando um peculiar sistema de “checks and balances”, cuja expressão nal
– como demonstraremos - de uiria do regime da lei ordinária.
31. O que não passou desapercebido a SILVEIRA (Domingos Sávio Dresch), no artigo a “A propriedade agrária e suas
funções sociais”, in “O Direito Agrário em debate”, Livraria do Advogado Editora, 1998, p.21: [...] Aparente
contradição surge quando veri camos que o inciso II do artigo 185 da Constituição Federal exclui da desapropriação-
sanção, a propriedade produtiva. Tal previsão, se interpretada isoladamente, nos conduziria à curiosa situação da
impossibilidade de ser desapropriado o imóvel rural que se houvesse tornado produtivo em razão de derrubada
indiscriminada de signi cativa extensão da mata atlântica (ofensa ao elemento ecologico) e com a utilização de
trabalho infantil escravo (ofensa ao elemento social).[...]
32. A expressão se justi caria na medida em que o descumprimento da função social por uma das suas vertentes é
invariavelmente tipi cado como ilícito em normas civis, penais ou administrativas
33. Princípio da proporcionalidade.
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23
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DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
52. Assim, forte nos postulados de que a Constituição, sendo um todo har-
mônico de comandos magno-normativos, não toleraria supremacia de um de seus pre-
ceitos sobre o outro, e nem admitiria interpretação de seu corpo aos pedaços, como se
formada fosse de compartimentos estanques, a negação da regência do art. 185 sobre o
art. 184 atua como necessária negação da supremacia da produtividade sobre a função
social, como negação lógica de que a parte possa prevalecer sobre o todo, e, pois, ad-
quire maior razoabilidade
34
do que a simples interpretação literal, porquanto preconiza
uma inteligência integrativa entre os arts. 184 e 185 da CF/88, propondo-se a demonstrar
que do conjugado entre ambos sequer antinomia aparente emergiria
35
.
53. Essa demonstração adquire contornos precisos, mediante ênfase ao fato
de o art. 186 da CF/88 estruturar o conceito de função social a partir de um quadripé,
para cujo aperfeiçoamento reclama SIMULTANEAMENTE
36
não só valores ligados à
produtividade, mas um componente referido à produtividade (inciso I), um referido ao
meio ambiente (inciso II), um referido ao trabalho (inciso III) e um referido ao bem
estar (inciso IV), operando todos a molde de “sub-funções sociais da propriedade
37
-
38
, sem a
presença de cada qual a função social não se aperfeiçoa como conceito harmônico.
34. Princípio da razoabilidade
35. Vicente Greco Filho, embora traçando as noções gerais da ciência do processo, presta grandiosa homenagem à
ciência da interpretação:
[...] Carnelutti vê, na base da ordem jurídica, o con ito de interesses a exigir a regulamentação das diversas expectativas
humanas sobre o mesmo bem. Note-se, porém, que o termo “con ito” tem gerado interpretações divergentes na doutrina,
levando a conclusões muitas vezes improfícuas. Com efeito, imaginar ou de nir con ito de interesses, como divergência
concreta, luta, debate em ato, é restringir demais a atuação do direito e, como veremos adiante, do processo, tornando
inexplicáveis fenômenos como, por exemplo, o da jurisdição voluntária e o próprio processo penal.
Parece mais adequado, portanto, falar em “convergência de interesses” sobre os bens, sendo o direito o instrumento
de regulamentação dessas convergências, consideradas pelas normas jurídicas como necessariamente existentes,
gerando con itos, reais ou hipotéticos, virtuais.
O direito, portanto não existe somente para resolver os con itos de pessoas ou entre pessoas, mas também para
evitar que ocorram, prevenindo-os. Na verdade, pois, o con ito é de interesses, e não de pessoas. Por outro
lado, é preciso observar que, diante da simples hipótese de con ito, o direito previamente limita ou de ne o que
cabe a cada um, tratando-se o con ito de uma divergência entre a atuação dos sujeitos e a vontade da lei.
O direito, por conseguinte, não depende do con ito entre as pessoas, mas exatamente existe para evitá-los, atribuindo a
cada um a sua parcela de participação nos bens naturais e sociais. É importante lembrar, também, que, ao
regulamentar a satisfação dos interesses, o direito leva em consideração não só os interesses dos
indivíduos A ou B, mas também os interesses coletivos e, ainda, os interesses que transcendem as
necessidades individuais e são focalizados como imposição da sociedade, como pretensão de valores
superiores à vontade individual, sobre os quais as pessoas não têm disponibilidade, consubstanciados no
termo “interesse público”, bem como, modernamente, “interesses ou direitos difusos”.
O interesse convergente sobre bens, portanto, pode ser: a) individual, quando afeta uma pessoa; b) coletivo, quando
afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais; c) público, quando transcende, inclusive, a
soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, em seus objetivos básicos.
O direito disciplina todos esses interesses que se contrapõem, às vezes se superpõem, se contradizem, se interdizem, se
interferem, se in uenciam.
O vórtice de interesses, ademais, se incrementa em virtude de con itos entre suas diversas
categorias. Assim, por exemplo, perante determinado fato, podem convergir um ou diversos interesses
individuais, um interesse coletivo e, também, o interesse público. Cabe ao direito, portanto, sua disciplina,
determinando, em cada caso, qual deve prevalecer, qual deve ser satisfeito. O critério de escolha decorre do
valor que pretende o direito ver prevalecer.”[...] (“Direito Processual Civil Brasileiro, 10ª Ed., Saraiva, p.12/13).
36. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, SIMULTANEAMENTE, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as
relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
37. São os chamados elementos econômico, ecológico e social da função social da propriedade, que aqui - por convenção -
denominaremos, , respectivamente: a) função social produtivista, b) função social ambiental, c) função social trabalhista, d)
função social satisfativista, ou, simplesmente, função produtividade, função ambiental, função trabalhista, função bem estar.
38. Particularmente em relação à função social ambiental da propriedade, leia-se:
[...] No que concerne à propriedade constata-se, essencialmente, ainda hoje, uma visão individualista de um direito de
propriedade absoluto sobre os recursos naturais. Há, sem dúvida, uma transição a caminho sob este aspecto, que parece
desembocar na função social ambiental.
Neste sentido, Antonio Herman Benjamin diz: “Num primeiro momento histórico, por força do Welfare State, reconhece-se
uma função social ao direito de propriedade, legitimando, por exemplo, a intervenção do Estado para proteger
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54. Ou, em palavras sumárias, por estar logicamente estruturada pela consti-
tuição num inter-relacionamento conteúdo-continente, parte-totalidade, a função pro-
dutividade é, sim, conteúdo, está, sim, contida, mas – ainda assim - é apenas parte da
função social, esta princípio, aquela regra
39
, daí porque a sua constatação descontextu-
alizada das demais, não podendo aperfeiçoar isoladamente o conceito, não eximiria o
dominus da sanção, senão quando, além da produtividade, casse demonstrado ter ele
agregado SIMULTANEAMENTE à sua propriedade os demais valores componentes da
função social, quando então, aí, sim, operaria à plenitude o comando do art. 185, cuja
leitura exegética então poderia – no ponto - ser assim formulada:
É insuscetível de desapropriação para ns de reforma agrária a propriedade produtiva,
quando, SIMULTANEAMENTE, preserve o meio ambiente, privilegie as relações
sócio e juslaborativas internas e promova bem estar a proprietários a trabalhadores”
55. E a função social da propriedade é assim, quadripartida, porque em outras
passagens a Constituição elegeu os seus componentes também como valores regentes
de outras ordens jurídicas, com eles formando um plexo jurígeno, daí o mérito excepcio-
nal, tanto da Carta, por os haver aglutinado no conceito que inseriu no art. 186, como
da hermenêutica que recomenda ‘interpretação conforme’, e abomina interpretação por lite-
ralidade das normas constitucionais.
56. Com efeito, veja-se a função social disseminada por outros subsistemas
da Constituição:
a) no art. 170 da CF/88, a função social da propriedade como princípio da
ordem econômica (inciso III), sendo outro desses princípios a defesa do
meio ambiente (inciso VI), que a seu tempo é subfunção (elementar) da
função social (art. 186, II);
b) no art. 225 da CF/88, a preservação do meio ambiente (elementar da
função social, inciso II, segunda gura, art. 186) alçada à condição de di-
categorias de sujeitos, como os trabalhadores. Mais recentemente exige-se que a propriedade também cumpra sua
função social ambiental, como condição para seu reconhecimento pela ordem jurídica.
Por meio desta mudança de per l, a propriedade passa da esfera individual de uso absoluto para a função social ambiental, que
corresponde ao uso desta de acordo com o interesse da coletividade, incluindo o uso e não abuso do bem pelo proprietário,
consubstanciado na proteção dos bens ambientais indispensáveis, considerando a preservação do bem comum de todos.
Segundo Ost, a partir da superação do entendimento da propriedade absoluta podemos conduzir as noções de lucro e
abuso de domínio a um novo modelo, a uma propriedade usufruto, destinada a gerar benefícios econômicos, sociais e
ambientais, em termos duradouros e a longo prazo, tendo em vista as gerações futuras. Este novo modelo conduzirá o
proprietário e usufrutuário a desempenhar a relevante função de guardião da natureza, logicamente dependendo este
modelo da conscientização ambiental generalizada. [...] ( “Os novos direitos do Brasil – Natureza e Perspectivas”.
Organizada por Antonio Carlos Wolkmer e José Rubens Morato Leite, artigo ‘Novas Tendências e Possibilidades do Direito
Ambiental no Brasil”, p. 191, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala).
39. A respeito, os autores do texto referido na nota anterior, em s. 203 da obra citada, citando doutrina de CANOTILHO,
elucidam o porquê de não poder o art. 185 sobrepujar o art. 184: [...] “O lapidar ensinamento de Canotilho, ao diferenciar
princípios e regras, a rma: “Os princípios são standards juridicamente vinculantes, radicados nas exigências de justiça ou
na idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo meramente funcional”.
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AMBIENTAL E TRABALHISTA
reito difuso e garantia constitucional, vedadas – na forma da lei – práticas
potencializadoras de risco contra a função ecológica da ora e da fauna
(idem inciso VII), isto é a utilização inadequada dos recursos naturais dis-
poníveis (inciso II, início, art. 186);
c) no art. 193, o bem estar social como objetivo da ordem social, que - a
seu tempo - é subfunção (elementar) da função social (art. 186, IV).
57. Por outro lado, não sendo senão no âmbito de valoração – cotejo entre
realidade e norma ordinária – que se torna factível a aferição da função social, é possível
justamente aí exempli car a relevância da interdependência da função produtividade em
relação às demais subfunções (elementares) da função social. Para tanto, tenha-se em
mente dois imóveis, idênticos em área, situados na mesma microrregião, contíguos entre
si, destinados ao mesmo tipo de exploração, mas pertencentes a distintos titulares, de
cuja constatação empírica tenham resultado os seguintes diagnósticos:
a) no imóvel A, produtivo, uma atividade orientada i) pelo desmate das
áreas de preservação permanente e de reserva legal (ilícitos contra o meio
ambiente), conduzido como forma de ampliação da e ciência na explora-
ção; ii) pelo patrocínio de trabalho escravo ou degradante (ilícitos contra
as relações de trabalho), no afã de otimizar custos e resultados da produ-
ção; e iii) por exploração de atividades periculosas ou insalubres (carvo-
ejamento, queima da cana etc), sem cautelas ou contrapartidas à segu-
rança ou à saúde dos trabalhadores, moradores e vizinhos (desfavoreci-
mento ao bem estar);
b) no imóvel B, improdutivo, uma atividade orientada pelos imperativos
legais i) de abstenção de qualquer desmate em áreas de preservação
permanente e de vedação de corte raso em áreas de reserva legal (cum-
primento da função ambiental), ii) de contratação, registro e assalaria-
mento condignos aos trabalhadores (cumprimento da função trabalhista);
e iii) de exploração favorecedora da saúde, educação e lazer do proprie-
tário e trabalhadores (cumprimento da função bem estar), à custa do que
ter-lhe-ia faltado pouco para atingir os índices de produtividade (descum-
primento da função produtividade).
58. Pela exegese – aqui repudiada - que prestigia o art. 185 da CF/88 como
regente e limitante do art. 184, a propriedade a ser sancionada com a desapropriação,
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sob color de descumprimento da função social, seria – pasme-se !!! – o imóvel B, a fun-
damento de improdutivo, embora nele estando respeitadas as funções ambiental, traba-
lhista e de bem estar, tornando-se imune à desapropriação-sanção o imóvel A, embora
ele, mais do que o seu contíguo, fosse o real descumpridor da função social, porquanto
inconsone com as funções ambiental, trabalhista e de bem estar, na prática, pois, redu-
zindo-se à simples aferição da produtividade a função social do art. 186 da CF/88, fadada
por isso a tornar-se mera retórica
40
, transmutando-se o artigo a dispositivo de simples
programaticidade
41
-
42
.
59. Mas, mais grave do que imprimir ao comando do art. 185 um caráter de
hegemonia sobre o comando do art. 184, rompendo com os postulados de jus-herme-
nêutica constitucional, mais grave do que subverter o conceito constitucional de função
social, essa exegese, no que subtraísse à desapropriação sanção tal imóvel SIMULTA-
NEAMENTE descumpridor de três componentes (elementares) da função social (meio-
ambiente, juslaboralismo e bem estar), expondo à mesma imóvel descumpridor de
apenas um desses componentes (produtividade), estaria promovendo inominável ruptu-
ra com a coesão normativa da Constituição, porquanto desprestigiaria os seguintes outros
comandos constitucionais
43
:
a) o caput do art. 5º (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, ...”), pois estabelecer-se-ia distinção favorecedora de um, entre
dois proprietários rurais em situação de desconformidade jurídica (ambos
descumpridores da função social da propriedade);
40. Percepção que, aliás, nada de novo tem. Veja-se: [...] Se os graus de utilização da terra e os graus de e ciência
na exploração da mesma fossem su cientes para dispensar o proprietário de qualquer outra obrigação em relação ao
seu imóvel rural, no sentido de cumprir com a função social que grava o último, os incisos II, III e IV do art. 186 da
CF constituiriam letra morta, como já o demonstrou Marcelo Dias Varella (nota 16 supra), especialmente quando
examina a palavra “simultaneamente” do referido art. 186. [...] (ALFONSIN, Jacques Távora, “A terra como objeto
de colisão entre o direito patrimonial e os direitos humanos fundamentais. Estudo crítico de um acórdão
paradigmático.”, inA questão agrária e a Justiça, p. 217, RT, 2000, Organizador Juvelino José Strozake)
41. [...] De qualquer modo essa exegese da função social da propriedade como mera recomendação ao legislador e
não como vinculação jurídica efetiva tanto do Estado quanto dos particulares é de ser expressamente repelida nos
sistemas constitucionais, que a exemplo do alemão e do brasileiro a rmam o princípio da vigência imediata dos
direitos humanos. A Constituição brasileira de 1988 com efeito declara que “as normas de nidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º). [...] (COMPARATO, Fábio Konder, “Direitos e Deveres
Fundamentais em Matéria de Propriedade”, inA questão agrária e a Justiça, p. 141, RT, 2000, Organizador Juvelino
José Strozake)
42. Na mesma linha de pensar, por enfoque diverso: [...] Contudo, quer nos parecer que a função social da
propriedade não deva ser visualizada como um conjunto de princípios programáticos. Temos que a melhor concepção
é aquela que a rma ser a função social elemento constitutivo do conceito jurídico de propriedade. Importa dizer que
a função social não é um elemento externo. Um mero adereço do direito de propriedade, mas elemento interno sem
o qual não se perfectibiliza o suporte fático da propriedade.[...] (SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch, “A propriedade
agrária e suas funções sociais”, in O Direito Agrário em debate, Livraria do Advogado Editora, 1998, p.13)
43. Digna de nota a abordagem similar efetuada por BORGES (Roxana Cardoso Brasileiro), no artigo “A função
ambiental da propriedade e reforma agrária”, in “O Direito Agrário em debate”, Livraria do Advogado Editora, 1998,
p.308): [...] Veri cada a antinomia, parte-se para a aplicação dos critérios para solucioná-la. Se se optar pela
prevalência do art. 185, II, são anulados todo o art. 186, a cabeça do art. 184 e o inciso XXIII do art. 5º, todos da
Constituição, conforme critérios para solução de antinomias reais propostos por Bobbio. Marcelo D. Varella vai mais
longe na crítica à interpretação que faz com que prevaleça o art. 185, II: “[...] seria necessário a rmar que ao art.
185, II, tem preferência sobre ao art. 7º, com todos os seus 34 incisos, que tratam dos direitos dos trabalhadores
rurais, pois o proprietário que não cumpre com suas obrigações trabalhistas e, portanto, não efetiva a função social
da propriedade (art. 186, III), não poderia ser punido com a desapropriação. Ainda sob a mesma ótica, teria o inciso
II do artigo 185 preferência sobre o Capítulo VI, que trata do meio ambiente (art. 186, II). Um absurdo!” [...]
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b) o inciso XXIII do art. 5º (“a propriedade atenderá sua função social”), pois
proteger-se-ia da sanção imóvel em situação de ilícito, posto descumpri-
dor de três componentes da função social;
c) o caput e incisos III e VI do art. 170, pois estar-se-ia valorizando ativi-
dade econômica vulneradora da função social da propriedade e do meio
ambiente;
d) o art. 193 (“A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo
o bem estar e a justiça sociais”), pois estar-se-ia preservando da desapropria-
ção-sanção imóvel potencializado a nunca garantir bem estar, e porque,
preservando-o, gerar-se-ia injustiça social, apenando em lugar dele outro
imóvel, muito mais próximo dos ideais da função social.
60. Além disso, no que concerne à incidência da desapropriação-sanção sobre
hipóteses de descumprimento da função social pelos demais fundamentos do art. 186,
ao menos em relação à “função ambiental” (inciso II), há previsão expressa de sanciona-
mento administrativo,
44
contida no § 3º do art. 225 da CF/88, verbis:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infrato-
res, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, indepen-
dentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
45
61. Ora, se a Constituição Federal viabiliza “sanções” (no plural, logo não
apenas multa) administrativas por descumprimento de deveres ambientais (art. 225, §
3º), se a desapropriação do art. 184 é unanimemente considerada como sanção admi-
nistrativa
46
, se essa sanção é aplicável às hipóteses de descumprimento da função social
(art. 186), e se entre essas hipóteses gura a situação de desconformidade ambiental (art.
186, II), é evidente que não há como sustentar-se em face do sistema constitucional uma
exegese que atribua ao art. 185 foros de imunização de imóveis produtivos, a despeito
44. E a desapropriação do art. 184 da CF/88, diversamente da referida no art. 5º, XXIV, 216, §º (que é somente
exercício de ato de império), é, por excelência, sanção administrativa, tanto quanto multas, suspensão de
autorizações etc, ínsitas à scalização do órgão ambiental.
45. Como bem anota SILVEIRA, obra citada, p. 22, o STF já manifestou-se sobre a expropriabilidade na
hipótese referida, fazendo-o no MS 22.164-0-SP (DJU, 17.11.1995), Relator Ministro Celso de Mello,
publicado na íntegra na revista LEX Jurisprudência do STF, vol. 208, pp. 251-269, assim o transcrevendo: [...]
A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha este a constituir objeto de atividade
predatória, pode justi car reação estatal veiculadora de medidas – como a desapropriação-sanção
– que atinjam o próprio direito de propriedade, pois o imóvel rural que não se ajuste, em seu
processo de exploração econômica, aos ns elencados no art. 186 da Constituição claramente
descumpre o princípio da função social inerente à propriedade, legitimando, desse modo, nos
termos do art. 184 c/c o art. 186-II da Carta Política, a edição de decreto presidencial
consubstanciador de declaração expropriatória para ns de reforma agrária.[...]
46. Vide a respeito: [...] Instrumento clássico para a realização da política de redistribuição de propriedades é a
desapropriação por interesse social. Ora, essa espécie de expropriação não representa o sacrifício de um direito
individual às exigências da necessidade ou utilidade pública-patrimonial. Ela constitui, na verdade, a imposição
administrativa de uma sanção, pelo descumprimento do dever, que incumbe a todo proprietário, de dar a certos e
determinados bens uma destinação social. [...] (COMPARATO, op. cit., p. 144)
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de estarem em desconformidade ambiental, pois isso implicaria em defender que o art.
185 estaria suprimindo a competência administrativa para scalizar e punir os danos ao
meio ambiente que a CF repugna no art. 225, e signi caria defender a parcial inoperância
do § 3º do art. 225, que ativa inclusive desapropriação como repressão (sanção) a danos
ambientais, já que - referindo-se tal artigo a sanção de caráter administrativo - não po-
deria estar sinalizando desapropriação por utilidade ou necessidade pública
47
, ou mesmo
por interesse social genérico
48
, haja vista não serem essas hipóteses de desapropriação-
sanção, e sim apenas a prevista no art. 184 da CF
49
.
62. Uma outra razão jurídica su ciente para congraçar a dicção do art. 185
com a do art. 225, § 3º da CF/88, de modo a coordená-los num esforço exegético que
não negasse um em detrimento do outro, seria, reconhecendo a razoabilidade do racio-
cínio segundo o qual direitos são assegurados até a medida em que não con gurem ilí-
citos ou abuso de direitos, anuir em que o art. 185 estaria referindo-se apenas à produ-
tividade licita ou não abusivamente obtida, não vigendo como garantia em caso de
produtividade haurida por decorrência de ato ilícito ou abuso de direito, porquanto a
negativa, implicando em incentivo ao brocardo segundo o qual os ns justi cam os meios,
exigiria admitir defesa da apologia do ilícito pela carta constitucional da nação, premissa
inadmissível em qualquer regime.
63. Portanto, se é razoável defender que o art. 185 da CF não imuniza situações
de ilícito ou abuso de direito, se é razoável defender o descumprimento da função social
como ilícito, se é razoável defender como abuso de direito a obtenção de produtividade
à custa das outras elementares da função social, razoável seria defender que a principal
inconsistência lógica da exegese submissora do art. 184 ao art. 185 estaria na absurda
conclusão
50
a que por ela se chegaria, haja vista que elegendo-se apenas a produtividade
como garantia ante a sanção (e não a função social, como curial), referendar-se-ia situa-
ções em que o direito à garantia seria conseguido mediante o sacrifício das outras va-
riantes da função social, isto é, em perpetração de ilícitos ou abuso de direito contra a
própria função social, com o que a exegese aludida demonstra ser uma incontornável
contradictio.
64. De fácil percepção, a tese da produtividade como meio e m ganharia
ilustrativo na teoria do ilícito na licitude, isto é, na teoria do abuso de direito, sobre a qual
merece ser feita singela alusão, aqui tomada por empréstimo a César Fiúza
51
:
47. DL. Nº 3.365/41
48. Lei nº 4.132/62
49. Lei nº 8.629/93 e LC. 76/93
50. favorabilia amplianda, odiosa restrigenda
51. Novo Direito Civil – Curso Completo, 7º ed., Del Rey, 2002, p. 192.
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[...] O art. 187 dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu m econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (...)
As consequências do ato abusivo podem ser diferentes das do ato ilícito.
A prática do ato ilícito, como vimos acima, gera o dever de indenizar o dano causado.
Já o abuso do direito, pode gerar a obrigação de indenizar, como pode gerar outra es-
pécie de sanção. Tudo dependerá do caso concreto. [...]
65. Hipóteses como a ora concebida são melhor visualizáveis mediante um
descortinar fático. Justamente por a função social também só poder ser objetivável ape-
nas no âmbito fático, é que cada uma das “sub-funções sociais da propriedade” (elementares),
pautadas nos incisos do art. 186, veio em seu tempo posta na Constituição sob regência
de conceitos (ou sub-conceitos) que, quali cando-as internamente, modulam caso a caso
o conceito de função social da propriedade, e não só operam como balizamentos para
o legislador infraconstitucional, como fornecem chaves exegéticas sobre o regime cons-
titucional de atuação da desapropriação sanção. Assim:
a) a sub-função “produtividade
52
” (“aproveitamento”, inciso I), para satis-
fazer à matriz teleológica da função social, há que ser racional e adequada;
b) a sub-função “ambiental” (ecológica), para satisfazer à matriz teleoló-
gica da função social, condiciona-se à utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente;
c) a sub-função “trabalhista”, para satisfazer à matriz teleológica da função
social, condiciona-se à observância das disposições regulatórias das relações
de trabalho;
d) a sub-função “bem estar”, para satisfazer à matriz teleológica da função
social, subordina a exploração do imóvel ao favorecimento a proprietários e
trabalhadores.
66. Portanto, havendo necessidade de tornar objetivável o (des)cumprimento
da função social, o art. 186 da CF/88 impôs ao legislador, como discrimens obrigatórios,
além da SIMULTÂNEA presença de todas as sub-funções, a racionalidade e adequação
do aproveitamento e da utilização dos recursos naturais, a preservação do meio ambien-
52. Expressões utilizadas por livre convenção nomenclatural.
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te, a observância das relações sócio e juslaborativas e a exploração favorecedora do bem
estar, haja vista que, sempre havendo possibilidade de igualarem-se dois ou mais imóveis
no quesito produtividade, a perfeita isonomia entre ambos
53
há de ser obtida na medida
em que SIMULTANEAMENTE atendam os demais discrimens constitucionais, na di-
mensão que a eles der valia a norma infraconstitucional.
67. E, para demonstrar como ateve-se o legislador infraconstitucional a valo-
rando-as, dar correto trato discriminatório às matrizes elementares da função social
53. A materialização do critério isonômico opera-se na lei, a cujo respeito, em Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito
Constitucional, 14ª ed., Editora Saraiva, p.166/168) lê-se:
“2.3. Conteúdo Jurídico da Isonomia. Destinatário do Princípio da Isonomia. Quando ocorre a Lesão ao
Princípio da Isonomia
É sabido que o Texto Constitucional veda que certas situações sejam erigidas em elemento discriminador. (...)
É forçoso, todavia, considerar que, a despeito do destaque dado à proibição desses discrímens, não é, na verdade, neles
que repousa o exato conteúdo do princípio da isonomia. O que este realmente protege são certas nalidades, o
que, de resto, não é uma particularidade do tema em estudo, mas de todo o direito, que há de ser sempre
examinado à luz da teleologia que o informa. (...) Em síntese, só se tem por lesado o princípio constitucional
quando o elemento discriminador não se encontre a serviço de uma nalidade acolhida pelo direito.
Sem dúvida que kelsen, o grande jurista de Viena, andou bem quando procurou distinguir três momentos lógico-jurídicos
diferentes e teoricamente passíveis de serem atingidos pela isonomia. Seriam eles: a) o momento anterior à feitura da lei;
b) o momento da elaboração desta; e, nalmente c) o momento da sua aplicação. Ora, diz Kelsen, relativamente ao
primeiro e ao terceiro momentos, o princípio em tela não tem signi cação jurídica alguma, isto porque antes da feitura da
lei todas as pessoas e coisas são, no mundo real, fenomênico, diferentes. Ademais, a própria função legislativa não
consiste em outra coisa senão em diferenciar situações e pessoas. O terceiro momento, o da aplicação da lei,
também não comporta a observância da isonomia, uma vez que se trata de aplicar a lei tal como foi feita e qualquer
desvio na atuação da norma legal traduz-se em uma ilegalidade. Em outras palavras, falar em isonomia ao aplicar a lei
equivale a dizer que ela deve ser aplicada elmente, o que perde, pois, neste caso, todo e qualquer conteúdo próprio para
se confundir com o princípio da legalidade.
“Com a garantia da igualdade perante a lei, no entanto, apenas se estabelece que os órgãos aplicadores do Direito
somente podem tomar em conta aquelas diferenciações que sejam feitas nas próprias leis a aplicar. Com isso, porém,
apenas se estabelece o princípio, imanente a todo o Direito, da juridicidade da aplicação do Direito em geral e o
princípio imanente a todas as leis da legalidade da aplicação das leis, ou seja, apenas se estatui que as normas devem
ser aplicadas de conformidade com as normas jurídicas” (Hans Kelsen, Teoria pura do direito, trad. Dr. João Baptista
Machado, 3. ed., Coimbra Arménio Amado Ed., p. 204).
Daí se conclui quão insu ciente é, na verdade, a a rmação de grande parte de nossa doutrina e jurisprudência de que o
princípio da igualdade consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida que eles se
desigualam”. Não que seja errada tal assertiva. É que ela é tautológica, uma vez que o cerne do problema remanesce
irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem os desiguais. A igualdade e a desigualdade não residem
intrinsecamente nas coisas, situações e pessoas, porquanto, em última análise, todos os entes se diferem entre
si, por mínimo que seja. O que acontece é que certas diferenças são tidas por irrelevantes, segundo o critério que se tome
como discrímen.(...)
Constata-se, pois, que à medida que se ascenda num nível de abstração, todas as coisas e pessoas vão-se pari cando. O
conteúdo do princípio isonômico reside precisamente nisto: na determinação do nível de abstratividade que
deve ter o elemento diacrítico para que ele atinja as nalidades a que a lei se preordena. É que o princípio da
isonomia pode ser lesado tanto pelo fato de incluir na norma pessoas que nela não deveriam estar, como também pelo
fato de não colher outras que deveriam sê-lo.
Mais uma vez resulta claro que o problema da isonomia só pode ser resolvido a partir da consideração do
binômio elemento discriminador - nalidade da norma.
Com relação a este último elemento - nalidade da norma - podemos concluir que qualquer texto legal se situará perante a
Constituição em uma destas três posições: a) adaptado às nalidades encampadas pelo Texto Maior, implícitas ou
explícitas; b) antagônico aos referidos objetivos; e c) neutro, nas hipóteses em que o Texto Constitucional não trata de
teleologia visada pela norma, quer para acolhê-la, quer para rejeitá-la. Nos dois primeiros casos, a solução é curial:
constitucional na letra a e inconstitucional da letra b. O deslinde da situação do tópico c é o mais difícil e aquele que envolve o
exercício de uma margem apreciável de juízo subjetivo por parte do julgador. Não que este seja o juiz supremo dos critérios
de validade ou invalidade, escolhendo-os ao seu talante e alvedrio. Não lhe será su ciente o manuseio do Texto
Constitucional. Far-se-á mister ir à cata dos valores dominantes e das concepções vigentes na sociedade à época. É por este
caminho que se dá a constitucionalização de certas discriminações outrora repelidas. Da mesma forma, distinções que em
épocas pretéritas eram tidas por razoáveis podem esta qualidade em face da evolução axiológica do meio cultural.
Quanto ao elemento discrímen já foi dito que ele não pode, isoladamente, fornecer o critério da sua validade ou
invalidade, ainda quando a Constituição expressamente o vede. Não há negar-se que nestas hipóteses a presunção de
sua inconstitucionalidade é fortíssima, mas não chega, contudo, ao ponto de obstar a demonstração de que in casu a
ereção de quaisquer desses elementos em fator discriminador se a gura necessária ao atingimento de uma nalidade
constitucionalmente perseguida. Em outras palavras: o elemento discrímen não é autônomo em face do elemento
nalidade. Ele é uma decorrência deste e tem que ser escolhido em função dele. Assim, uma vez de nida a
nalidade, o discrímen há de ser aquele que delimite com rigor e precisão quais as pessoas que se adaptam
à persecução do telos normativo. [...].
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
REDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada
econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de uti-
lização da terra e de e ciência na exploração, segundo índices xados
pelo órgão federal competente.
Art. 8º Ter-se-á como racional e adequado o aproveitamento de
imóvel rural, quando esteja o cialmente destinado à execução de
atividades de pesquisa e experimentação que objetivem o avanço
tecnológico da agricultura.
Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural
atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos
nesta Lei, os seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preser-
vação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de
trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja
os graus de utilização da terra e de e ciência na exploração especi-
cados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta Lei.
§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais dis-
poníveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural
da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das ca-
racterísticas próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambien-
tais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da proprie-
dade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de
trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos
coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contra-
tos de arrendamento e parceria rurais.
§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e
trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades
básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança
do trabalho e não provoca con itos e tensões sociais no imóvel.
Art. 186. A função social é cumprida quando a proprie-
dade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as rela-
ções de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprie-
tários e dos trabalhadores.
postas no art. 186 da CF/88, veri que-se o seguinte cotejo entre o regime ditado pela
Constituição e o regime delimitado pela Lei nº 8.629/93:
68. A primeira constatação a ser feita diz com a absoluta identidade entre o
art. 186 da CF/88 e o caput e incisos do art. 9º da Lei nº 8.629/93, daí a pretexto algum
se tolerar imputação de inconstitucionalidade a este, pois implicaria no absurdo de negar-
se constitucionalidade à própria Constituição.
69. A segunda constatação deverá orbitar a certeza de que cada comando
positivo (faccere) ou negativo (non faccere) dessa lei projetou um correspondente quadro
de ilícito para o caso de descumprimento.
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NEAD DEBATE 2
REDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93
Art. 9º - § 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos
naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a
vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produti-
vo da propriedade.
Art. 9º - § 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manu-
tenção das características próprias do meio natural e da qualidade
dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do
equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida
das comunidades vizinhas.
Art. 186. A função social é cumprida quando a proprie-
dade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos:
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e preservação do meio ambiente;
70. Em seguida, veja-se que a lei cuida de identi car apenas com a produtivi-
dade o inciso I do art. 186 da CF, o que faz mediante o § 1º de seu art. 9º, que se repor-
ta aos índices de GUT e GEE regulados pelo seu art. 6º:
REDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93
Art. 9º - § 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento
que atinja os graus de utilização da terra e de e ciência na exploração
especi cados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta Lei.
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada
econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de uti-
lização da terra e de e ciência na exploração, segundo índices xados
pelo órgão federal competente.
Art. 186. A função social é cumprida quando a proprie-
dade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
71. Depois, a lei cuida de de nir os conceitos do inciso II do art. 186 da CF,
referidos a meio ambiente, para o que também se vale de dispositivos de seu art. 9º:
72. Segue-se esforço legislativo para de nir o inciso III do art. 186 da CF, via
§ 4º do art. 9º da lei:
REDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93
Art. 9º - § 4º A observância das disposições que regulam as relações
de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contra-
tos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os
contratos de arrendamento e parceria rurais.
Art. 186. A função social é cumprida quando a proprie-
dade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos:
III - observância das disposições que regulam as rela-
ções de trabalho;
73. Finalmente, a lei de ne o inciso IV do art. 186 da CF, mediante o § 5º de
seu art. 9º:
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
74. Como pode ser veri cado através de leitura literal, o art. 6º da Lei nº
8.629/93 considera propriedade produtiva aquela que é, explorada econômica e racio-
nalmente. Quer dizer, a exploração econômica (produtividade) deve ser alcançada racio-
nalmente. Ou a contrário sensu, a exploração econômica (produtividade) alcançada de
forma irracional, não será considerada para efeitos de cumprimento de uma das condi-
cionantes da função social. Ou, em outras palavras, o conceito de produtividade previs-
to na norma que regulou os dispositivos da Constituição é composto por dois elementos
que devem ser atendidos simultaneamente: produção econômica que atinja os índices
mínimos de produtividade (GUT e GEE), observada para tanto, a racionalidade, seja am-
biental ou social.
75. Como bem salientou Marés
54
:
[...] Imaginemos uma terra intensamente usada e altamente rentável, mas que para al-
cançar os índices de “produtividade” conta com trabalho escravo. Por certo esta situação
não pode ser admitida ou tolerada pelo Direito, e não o é. Independentemente das conse-
qüências de ordem penal que possam advir para o proprietário, haverá de ter conseqüên-
cias civis para o direito de propriedade. Imaginemos uma outra que alcança os mesmos
índices de “produtividade” com ações contrárias à proteção da natureza, como, por exem-
plo, a destruição das matas ou a poluição, pelo excesso de agrotóxicos, das águas ou pelo
mau uso de curvas de níveis, causando erosão. Está claro que, embora rentáveis e em uso
estas terras não cumprem a função social e têm que sofrer uma restrição legal.
Os exemplos imaginados, mas existentes na realidade
55
não podem entrar na categoria
de produtivos, com a proteção que lhe dá a Constituição no art. 185. Nos dois exem-
plos, embora rentáveis, o direito de propriedade foi exercido contra o interesse social e
público, e contra a lei, não podendo ser protegido. Ao contrário para este direito não
existe proteção jurídica, ele está em situação antijurídica e pode ser desapropriado
porque não cumpre a função social, não pertence à categoria de propriedade produtiva
para o efeito do art. 185.[...]
54. MARÉS, Carlos Frederico, A função social da terra, Sergio Antônio Fabris Editor, 2003, pág. 126/127.
55. Registramos que na prática é muito comum que a produtividade econômica seja alcançada com cultivo de
plantações em áreas de reserva legal e preservação permanente.
REDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93
Art. 9º - § 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprie-
tários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das
necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas
de segurança do trabalho e não provoca con itos e tensões sociais
no imóvel.
Art. 186. A função social é cumprida quando a proprie-
dade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos em Lei, os seguintes requisitos:
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprie-
tários e dos trabalhadores.
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NEAD DEBATE 2
76. Logo, a propriedade que mesmo alcançando os índices de produtividade (GUT
e GEE) – produtividade econômica – mas que não é explorada racionalmente, ou seja,
degrada o meio ambiente, ou produz utilizando-se de trabalho escravo, não pode ser consi-
derada produtiva para efeitos de cumprimento de uma das condicionantes da função social
– a produtividade. Ou alguém diria que exploração conduzida dessa forma seria racional?
77. E não se alegue que a produtividade econômica e racional estaria sendo
alcançada quando a propriedade simplesmente atingisse os índices de produtividade em
face da previsão do § 1º do art. 9º da Lei 8.629/93:
§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de
utilização da terra e de e ciência na exploração especi cados nos §§ 1º a 7º do art. 6º
desta lei.
78. Essa a rmativa seria contra legem, porque o racional e adequado previsto
no parágrafo citado diz respeito ao aproveitamento, e não à exploração a que se re-
fere o art. 6º da Lei 8.629/93. A racionalidade e adequação a que se refere o parágrafo
dizem respeito à produtividade econômica, ou seja, dizem respeito ao GUT – Grau de
Utilização da Terra e ao GEE – Grau de E ciência na Exploração.
79. O artigo 6º refere-se a exploração econômica e racional e o § 1º do art.
9º diz respeito ao aproveitamento racional e adequado. Ora, é princípio basilar de her-
menêutica jurídica aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum
effectu sunt accipienda. Ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma
e cácia. Não se presumem, na lei, palavras inúteis
56
.
80. Registre-se por m, que a Lei nº 8.629/93 possui boa técnica jurídica,
sendo que o legislador em outras passagens utilizou-se de terminologias corretas
57
, o que
faz presumir que quando utilizou expressões como exploração em um artigo e aprovei-
tamento em outro, o fez justamente porque estava tratando de conceitos diferentes.
81. Portanto, como se vê, os dispositivos supracitados estabelecem uma re-
lação de indissociável complementariedade entre os conceitos de aproveitamento ra-
56. Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8a. ed., Freitas Bastos, 1965, p. 262
57. Impõe-se enfatizar que a atual redação legislativa regula distintamente a hipótese de FIXAÇÃO dos índices,
outorgando tal competência ao INCRA (art. 6º), e a hipótese de AJUSTAMENTO dos índices, outorgando tal
competência aos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o
Conselho Nacional de Política Agrícola (art. 11).
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge,
simultaneamente, graus de utilização da terra e de e ciência na exploração, segundo índices FIXADOS pelo
órgão federal competente.
Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão AJUSTADOS,
periodicamente, de modo a levar em conta o progresso cientí co e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento
regional, pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o
Conselho Nacional de Política Agrícola.” NR (redação da MP 2.183-56)
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AMBIENTAL E TRABALHISTA
cional (e adequado - art. 9º, § 1º), identi cado plenamente com o inciso I do art. 186 da
CF (produtividade), e o de exploração racional (art. 6º, caput), que projeta para dentro do
aproveitamento os demais incisos do art. 186 da CF. Ora, ao passo que o aproveitamento
racional está expressamente referido a GUT e GEE (produtividade, resultado), operando
instrumentalmente para consecução desses índices, a exploração racional é posta na lei
como condição para validação desses índices.
82. Sobre a constitucionalidade desse art. 6º da Lei nº 8.629/93, o STF já assim
manifestou-se:
MS 23.312/PR (...) 4. Esta Corte já decidiu que o artigo 6º da Lei nº
8.629/93, ao de nir o imóvel produtivo, a pequena e a média pro-
priedade rural e a função social da propriedade, não extrapola os
critérios estabelecidos no artigo 186 da Constituição Federal; antes,
confere-lhe e cácia total (MS nº 22.478/PR, Maurício Corrêa, DJ de 26.09.97).
Segurança que se denega, ressalvadas as vias ordinárias.
MS nº 22.478/PR – (...) 1. Inconstitucionalidade do art. 6º, § 2º,
incisos I e II da Lei nº 8.629/93. Inexistência. Matéria já dirimida pelo
Plenário desta Corte no sentido de que a elaboração dos índices xados nesta lei, refe-
rentes à produção agrícola e à lotação de animais nas pastagens, está sujeita às carac-
terísticas variáveis no tempo e no espaço e vinculadas a valores censitários periódicos,
não condizentes com o grau de abstração e permanência que se espera de providência
legislativa, mantendo-se, assim, essa atribuição, ao Poder Executivo. (...)
83. Para melhor explicitar o que estamos defendendo poderíamos adotar a
seguinte equação: PP = EE + ER, onde PP= Propriedade Produtiva, EE – Exploração
Econômica e ER – Exploração Racional, sendo que EE = GUT + GEE e ER = FA + FT
+ FBE, ou seja função ambiental + função trabalhista + função bem estar, cando assim
a equação nal:
PP = (GUT + GEE) + (FA + FT + FBE)
84. Isso evidenciaria o que a ordem positivada já expressa e o que este
parecer visa proclamar: Que no conceito de função social está contido o conceito
de produtividade, mas que no conceito de produtividade também estão contidas
parcelas dos conceitos de função ambiental, função trabalhista e função bem
estar, isto é, que a função social é continente e contéudo da produtividade.
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NEAD DEBATE 2
85. Assim, no aproveitamento racional (art. 6º, caput, segunda parte, da Lei
nº 8.629/93), a expressão equivale a “parcimonioso, técnico, eqüitativo”, ao passo que na
exploração racional (art. 6º, caput, primeira parte, da Lei nº 8.629/93) a expressão vale
por “razoável, sensata, equilibrada, harmônica, responsável, sustentável, proporcionada etc”, en m:
LÍCITA.
86. Em suma: No contrário senso da expressão “exploração racional”,
preceituada no caput do art. 6º da Lei nº 8.629/93 se desenham todas as situa-
ções de ilícito possíveis, entre elas cada qual que vier a con gurar vulneração
dos incisos II a IV do art. 186 da CF/88, na tipi cação a eles dada pelos pará-
grafos 2º a 5º do art. 9º da Lei nº 8.629/93.
87. Em outras palavras, além de mediante aproveitamento racional (ex: uti-
lização efetiva das áreas aproveitáveis, ou lotação adequada de pastos) estar o proprie-
tário compelido a obter os índices mínimos de 80% e 100% de GUT e de GEE, o reconhe-
cimento desses índices está – pelo caput do art. 6º da Lei nº 8.629/93 – condicionado à
racionalidade da exploração desenvolvida, e, pois - a contrario senso – diante de explo-
ração irracionalmente conduzida que tipi que ilicitude, seja porque ameace o equilíbrio
ambiental (ex: criação ou culturas em áreas de preservação permanente ou reserva legal,
utilização de transgenia vedada, abuso de agrotóxicos), seja porque ameace a sustenta-
bilidade (ex: exploração sem tratos culturais contra processos erosivos, potencializadora
de deserti cação, de exaurimento de recursos hídricos etc), a correspectiva parcela des-
sa produtividade não poderia ser considerada como cumpridora da função social, na
medida em que sua presença satisfaria apenas a exigência do inciso I do art. 186, e mes-
mo assim à custa do interesse público, social e difuso albergado pelo inciso II do mesmo
artigo. Seria produtividade ilícita, porque parcialmente obtida à custa de ilicitu-
de perpetrada, conforme o caso, contra a função social ambiental da proprie-
dade
58
, conforme o caso, contra a função de bem estar da propriedade.
88. Igual fenômeno ocorreria em situação de produtividade (GUT e GEE míni-
mos) atingida mediante equação custo-benefício obtida por escravização ou submissão de
trabalhadores à condição análoga à de escravo ou a trabalhos degradantes. Estar-se-ia
diante de produtividade ilícita, porque parcialmente obtida mediante ilicitude
perpetrada contra a função trabalhista da propriedade (art. 186, III, CF).
58. [...] Com efeito, desta forma, visualiza-se o meio ambiente como um macrobem, que além de bem incorpóreo e
imaterial se con gura como bem de uso comum do povo. Isso signi ca que o proprietário, seja ele público ou particular,
não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional,
considerando-o macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à atividade privada, a qualidade do meio ambiente deve
ser considerada, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outros, o princípio da proteção
ambiental, conforme estatui o art. 170, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil. [...] (“Os novos direitos
do Brasil – Natureza e Perspectivas. Organizada por Antonio Carlos Wolkmer e José Rubens Morato Leite, este último e
Patryck de Araújo Ayala, no artigo “Novas Tendências e Possibilidades do Direito Ambiental no Brasil, p. 216)
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
Da competência do órgão federal executor da política agrária para
scalizar o cumprimento das condicionantes da função social. Da
scalização pelo próprio órgão federal executor da política agrária,
quando o descumprimento da função social é objetivável por simples
operação de conta e conferência. Necessidade de o órgão federal
executor da política agrária elaborar, em conjunto com os órgãos
competentes, norma técnica e adoção das demais medidas cabíveis, a
m de conferir efetividade aos incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº
8.629/93. Recomendações do TCU – Tribunal de Contas da União.
89. Resposta nesse passo imprescindível ao avanço da análise aqui conduzida
seria a de a que órgão ou instituição incumbiria a constatação de cada qual das infrações
tópicas acima exempli cadas, haja vista vozes que peroram a incompetência do órgão fe-
deral executor da política e reforma agrária em assuntos ambientais ou trabalhistas.
90. Mas a questão aqui tratada não é de gênero e sim de espécie. Porque, se
é vero que ao órgão federal executor da política ambiental compete – em princípio - a
administração e scalização do cumprimento dos impositivos ou proibições das dispo-
sições legisladas de natureza ambiental, como ao órgão federal executor da política
trabalhista incumbiria – em princípio - a scalização dos correlatos trabalhistas (daí a
objeção a que o órgão executor da política agrária federal possa considerar ilícita produ-
tividade de imóvel em que ele próprio haja constatado irregularidade posta às compe-
tências repressoras daqueles órgãos), o fato é que tanto há situações em que esses im-
pedimentos não ocorreriam, como as há em que, por ocorrerem, a composição de es-
forços scalizatórios seria de rigor.
91. De nossa parte não há dúvidas de que a competência para proceder à
scalização do cumprimento das condicionantes da função social dos imóveis rurais, é
do órgão federal executor da reforma agrária. Neste sentido é o que dispõe o art.
2º, § 2º da Lei 8.629/93, in verbis:
“Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no
art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os
dispositivos constitucionais. - § 1º Compete à União desapropriar por
interesse social, para ns de reforma agrária, o imóvel rural que não este-
ja cumprindo sua função social. - § 2o Para os ns deste artigo, ca a
União, através do órgão federal competente, autorizada a ingres-
sar no imóvel de propriedade particular para levantamento de
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IV.
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NEAD DEBATE 2
dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao
proprietário, preposto ou seu representante. (redação da MP
2.183-56)”
Também não remanescem dúvidas de haver regulamentação do que seja aprovei-
tamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de
trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Com efeito, como já visto, tais conceituações estão expressamente previstas nos pará-
grafos primeiro ao quinto do art. 9º da Lei 8.629/93, devidamente tabelados acima.
93. De modo que, sendo o órgão federal executor da política e reforma
agrária o competente para proceder à scalização do cumprimento das condicionantes
da função social em imóveis rurais, e estando regulamentado expressamente na Lei,
quando ocorre, a contrário sensu, o descumprimento desses requisitos, não há como se
furtar dessa scalização e processamento, respeitado necessariamente o devido proces-
so legal administrativo.
94. Para identi cação das situações em que o órgão executor da política agrá-
ria federal pode incursionar em tema de um poder de polícia – em princípio – afeto a
alheios (v.g., no caso, IBAMA), tenha-se em mente que entre as guras típicas de ilícito
ambiental as há de natureza objetivável de plano e as há apenas objetiváveis após pro-
lação de juízos de mérito, a estas estando vedado ingerência do órgão executor da polí-
tica e reforma agrária (porque seara exclusiva do órgão executor da política ambiental
federal), mas àquelas o acesso lhe havendo sido franqueado, por expressa decorrência
do sistema de tabulação de produtividade concatenado na Lei nº 8.629/93, que vem
assim formatado:
REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93 LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965
Institui o novo Código Florestal
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aque-
la que, explorada econômica e racionalmente,
atinge, simultaneamente, graus de utilização da
terra e de e ciência na exploração, segundo índi-
ces xados pelo órgão federal competente.
§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do
caput deste artigo, deverá ser igual ou superior
a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação
percentual entre a área efetivamente utilizada e
a ÁREA APROVEITÁVEL TOTAL DO IMÓVEL.
Art. 10. Para efeito do que dispõe esta Lei, CON-
SIDERAM-SE NÃO APROVEITÁVEIS:
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93 LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965
Institui o novo Código Florestal
IV - as áreas de EFETIVA PRESERVAÇÃO PER-
MANENTE E DEMAIS ÁREAS PROTEGIDAS POR
LEGISLAÇÃO RELATIVA À CONSERVAÇÃO DOS
RECURSOS NATURAIS E À PRESERVAÇÃO DO
MEIO AMBIENTE.
59. Vide ainda, em relação a áreas de mata atlântica, o DEC. N° 750, DE 10/02/1993, que dispõe sobre o corte, a
exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica,
e dá outras providências: Art. 1° Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou
nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica. Parágrafo único. Excepcionalmente, a
supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser
autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informando-se ao Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade
pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental. (...) Art. 3º Para os
efeitos deste decreto, considera-se Mata Atlântica as formações orestais e ecossistemas associados inseridos no
domínio Mata Atlântica, com as respectivas delimitações estabelecidas pelo Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE 1988:
Floresta Ombró la Densa Atlântica, Floresta Ombró la Mista, Floresta Ombró la Aberta, Floresta Estacional
Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, manguezais restingas campos de altitude, brejos interioranos e encraves
orestais do Nordeste. (...) Art. 5º Nos casos de vegetação secundária nos estágios médio e avançado de
regeneração da Mata Atlântica, o parcelamento do solo ou qualquer edi cação para ns urbanos só serão
admitidos quando de conformidade com o plano-diretor do Município e demais legislações de proteção ambiental,
mediante prévia autorização dos órgãos estaduais competentes e desde que a vegetação não apresente
qualquer das seguintes características: I - ser abrigo de espécies da ora e fauna silvestres ameaçadas de
extinção; II - exercer função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão; III - ter
excepcional valor paisagístico. (...) Art. 7º Fica PROIBIDA a exploração de vegetação que tenha a função
de proteger espécies da ora e fauna silvestres ameaçadas de extinção, formar corredores entre remanescentes de
vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda de proteger o entorno de unidades
de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os arts. 2º e
3º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Art. 10. São nulos de pleno direito os atos praticados em
desconformidade com as disposições do presente decreto. (...)”
Art. 1° As orestas existentes no território nacional e as demais formas de
vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de
interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos
de propriedade, com as limitações que a legislação em geral
59
e
especialmente esta Lei estabelecem.
§ 1º As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na uti-
lização e exploração das orestas e demais formas de vegetação são con-
sideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedi-
mento sumário previsto no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil.
(redação da MEDIDA PROVISÓRIA No 2.166-67, DE 24 DE AGOSTO DE
2001)
§ 2º Para os efeitos deste Código, entende-se por: (...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts.
2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função am-
biental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geoló-
gica, a biodiversidade, o uxo gênico de fauna e ora, proteger o solo e
assegurar o bem-estar das populações humanas;
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos proces-
sos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de
fauna e ora nativas; (...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta
Lei, as orestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais
alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei
nº 7.803 de 18.7.1989)
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez)
metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez)
a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803
de 18.7.1989)
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquen-
ta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803
de 18.7.1989)
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NEAD DEBATE 2
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200
(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Número acrescentado
pela Lei nº 7.511, de 7.7.1986 e alterado pela Lei nº 7.803 de
18.7.1989)
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura
superior a 600 (seiscentos) metros; (Número acrescentado pela Lei nº
7.511, de 7.7.1986 e alterado pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou arti ciais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”,
qualquer que seja a sua situação topográ ca, num raio mínimo de 50
(cinquenta) metros de largura;(Redação dada pela Lei nº 7.803 de
18.7.1989)
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equiva-
lente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como xadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do
relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
(Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que
seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
i) nas áreas metropolitanas de nidas em lei. (Alínea acrescentada pela
Lei nº 6.535, de 15.6.1978 e implicitamente suprimida quando da
redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compre-
endidas nos perímetros urbanos de nidos por lei municipal, e nas regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido,
obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do
solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Pará-
grafo acrescentado pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim
declaradas por ato do Poder Público, as orestas e demais formas de vege-
tação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a xar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades mili-
tares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor cientí co ou históri-
co;
f) a asilar exemplares da fauna ou ora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
§ 1° A supressão total ou parcial de orestas de preservação permanente
só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quan-
do for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de
utilidade pública ou interesse social. (...)
Art. 10. Não é permitida a derrubada de orestas, situadas em áreas de
inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros,
quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos perma-
nentes.(...)
REDAÇÃO DA LEI Nº 8.629/93 LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965
Institui o novo Código Florestal
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
95. Logo, em casos como os acima enquadrados, nos quais o descumprimen-
to legal pode ser objetivável de plano e demonstrado por simples operação de conta e
conferência, pensamos que cabe unicamente ao órgão federal executor da política
e reforma agrária proceder à objetivação. Exemplo de inadequação na utilização dos
recursos naturais disponíveis (§ 2º do art. 9º da Lei 8.629/93), que ao nosso ver poderia
ser demonstrado por simples operação acima, diz respeito ao uso ou cultivo inadequado
em áreas de preservação permanente ou reserva legal, pois
60
, posto ser muito comum os
laudos agronômicos de scalização encontrarem uso ou cultivo dessas áreas, de forma
que o GUT (Grau de Utilização da Terra) reste superior a 100%.
96. Por m, deve ser registrado que no tocante ao meio ambiente, a Consti-
tuição da República Federativa do Brasil de 1988 é extremamente aberta em sentido
democrático ambiental
61
, pois nos termos do art. 225 da CF/88
62
, busca a participação de
todos na esfera e preservação do meio ambiente. Nesse sentido, todo problema de po-
lítica ambiental só poderá ser resolvido quando reconhecida a unidade entre cidadãos,
Estado e meio ambiente, e garantidos os instrumentos de ação
63
.
97. Por essa razão, considerando que o GUT é obtido de uma relação percen-
tual entre as áreas, após excluídas a título de área não aproveitável as de EFETIVA pre-
servação permanente, sendo sabido que estas de uem de critério OBJETIVO previsto nos
artigos 2º, 3º e 10 do Código Florestal, e tendo-se por certo que a variação de áreas na
60. Práticas indiscutivelmente tidas como ilícitas pela jurisprudência de ambas as turmas do STJ, veja-se:
[RESP 343.741/PR ; RECURSO ESPECIAL 2001/0103660-8 - DJ DATA:07/10/2002 PG:00225 - Relator Min.
FRANCIULLI NETTO - 04/06/2002 T2 - SEGUNDA TURMA] - RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO.
IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA. JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. As questões relativas
à aplicação dos artigos 1º e 6º da LICC, e, bem assim, à possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva em
ação civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdão recorrido. Tanto a faixa ciliar quanto a
reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de
maneira que, ainda que se não dê o re orestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens.
Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio
ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é
automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo
dano ambiental. Recurso especial não conhecido.
[ RESP 264.173 / PR ; RECURSO ESPECIAL 2000/0061820-9 - DJ DATA:02/04/2001 PG:00259 – JBCC
VOL.:00190 PG:00117 - RJADCOAS VOL.:00024 PG:00077 - RT VOL.:00792 PG:00227 - Min. JOSÉ DELGADO -
15/02/2001- T1 - PRIMEIRA TURMA] ADMINISTRATIVO. RESERVA FLORESTAL. NOVO PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE
PASSIVA.1. O novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois
assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações ditadas pela Lei Federal. 2. Recurso provido
61. Canotilho registra in Direito público do ambiente, p.30, que para edi car e estruturar um abstrato Estado
Ambiental pressupõe-se uma democracia ambiental.
62. LEITE, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Novas tendências e possibilidade do direito ambiental
no Brasil, in Os Direitos no Brasil, org. por Antônio Carlos Wolkmer e outro, pg. 196.
63. Até porque, legitimado a gurar em pólo ativo de ação civil pública que necessite mover em defesa do meio
ambiente – art. 5º da LACP – a autarquia agrária teria que previamente ao ajuizamento da mesma aferir o dano
ambiental objetivável de plano, ou, nas expressões do Código Florestal, aferir o exercício de direitos de propriedade
em desconformidade com as limitações da legislação em geral e especialmente do CF (art. 1°), aferir o uso nocivo
da propriedade, derivado de ações ou omissões contrárias às disposições do CF, referentes à utilização e exploração
das orestas e demais formas de vegetação (art. 1º, § 1º), aferir o não asseguramento do bem-estar das
populações humanas, devido à não preservação efetiva de área de preservação permanente prevista no art. 2º ou 3º
(Art. 1º, § 2º, II), aferir o uso não sustentável dos recursos naturais, pela não preservação da reserva legal (art.
1º, § 2º, III), aferir a supressão de orestas de preservação permanente sem autorização do Poder Executivo
Federal, e fora das hipóteses de utilidade pública ou interesse social. (art. 3º, § 1º).
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42
NEAD DEBATE 2
exploração do imóvel repercute no GEE, é evidente que o órgão federal executor da re-
forma agrária, compelido - para ns de cálculo da produtividade - a aferir, v.g., se a pre-
servação permanente encontra-se EFETIVAMENTE preservada etc, recebeu da lei com-
petência autônoma para valorar o cumprimento desse aspecto objetivável da legislação
ambiental, entre outros.
98. Daí dispensar aquele órgão contributo do órgão executor da política am-
biental para atestar descumprimento da função ambiental a fundamento de inexistência
de áreas de preservação permanente obrigatórias, e, pois, estar plenamente apto a de-
tectar ilícito administrativo ambiental
64
, pelo qual, embora não podendo sancionar por
multa, por interdição de atividade, por cassação de alvarás etc, pode sancionar por de-
sapropriação fulcrada no art. 184 c/c 186, II, da CF/88, mediante procedimentos técnicos
de desincorporação do GUT e GEE dos ganhos de produtividade que a prática do ilícito
ambiental haja a eles carreado.
99. Casos haverá, contudo, em razão da complexidade do dano causado ao
meio ambiente, e especialmente em razão de suas peculiaridades, o mesmo aplicando
no tocante às relações trabalhistas, em que o trabalho de scalização deverá ser realiza-
do em conjunto pelo órgão federal executor da reforma agrária e pelo órgão fede-
ral executor da política especí ca que com ela guarde conexividade, conforme o caso, o
órgão federal executor da política ambiental ou o órgão federal executor da política tra-
balhista. Para essas hipóteses, caberia ao órgão federal executor da reforma agrária
elaborar em conjunto com aqueles órgãos norma técnica e adoção das demais medidas
cabíveis, a m de – como recomenda o TCU - conferir efetividade aos incisos II a IV do
art. 9º, da Lei nº 8.629/93 e II a IV do art. 186 da CF/88.
100. Pois, como já foi referido, a adoção de medidas administrativas, com vis-
tas a conferir efetividade aos preceitos constitucionais previstos nos incisos II a IV do art.
186 da CF/88, e incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93, é objeto de recomendação
do TCU – Tribunal de Contas da União, constante no Acórdão nº 557/2004 – TCU – Ple-
nário, relativamente ao Processo TC – 005.888/2003-0. Dentre as recomendações cons-
ta o seguinte: “9.4.4. elabore norma técnica e adote as demais medidas cabíveis, com apoio do Minis-
tério do Desenvolvimento Agrário e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, a m de conferir efetivida-
de aos incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93.”
64. Encontramos decisão proferida no MS 21.919, em que foi relator o Ministro Celso de Mello, julgado em
22/09/94, onde o STF decidiu que “A pequena e a média propriedades rurais, ainda que improdutivas, não estão
sujeitas ao poder expropriatório da União Federal, em tema de reforma agrária, em face da cláusula de
inexpropriabilidade que deriva do art. 185, I, da Constituição da República. A incidência dessa norma constitucional
não depende, para efeito de sua aplicabilidade, da cumulativa satisfação dos pressupostos nela referidos (dimensão
territorial do imóvel ou grau adequado de produtividade fundiária). Basta que qualquer desses requisitos se veri que
para que a imunidade objetiva prevista no art. 185 da Constituição atue plenamente, em ordem a pré-excluir a
possibilidade jurídica de a União Federal valer-se do instrumento extraordinário da desapropriação-sanção”.
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43
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
101. Por isso, como segunda alternativa para a validação de ações administra-
tivas fadadas à desconstituição da chamada produtividade ilícita, nos casos em que o
juízo da ilicitude não seja objetivável de plano, considere-se a possibilidade de termos
de cooperação entre distintos órgãos scalizadores, visando concentração de simultâ-
neas ações scalizatórias ambientais, trabalhistas e agrárias, cada órgão certi cando
descumprimento da vertente da função social posta à sua competência, do que se vale-
ria o órgão federal executor da política e reforma agrária para objetivar a produtividade
ilícita, assim embasando-se para mensurar índices de GUT e GEE depurados do quantum
obtido à custa da ilicitude.
102. Portanto, a vedação do art. 185 da CF/88 não pode excepcionar
ipso facto o comando do art. 184, senão nos casos em que a produtividade pro-
venha de atividades não contrapostas a vedações legais, e, pois, não pode ser
invocada para tutelar os casos em que a produtividade derive de descumprimen-
to de preceitos de regime ambiental ou trabalhista, já que, em essência, esses
ilícitos, além de impedirem o aperfeiçoamento da função social plena, viabilizam
até mesmo desincorporação dos ganhos de produtividade correspondentes,
expondo o imóvel à desapropriação-sanção, inclusive por improdutividade cta,
assim vista a produtividade obtida à custa das demais funções.
Da função social da propriedade. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal que abordam a matéria. Inércia da autarquia agrária.
Afronta ao texto constitucional em face da omissão. Métodos
teleológicos e sistemático de interpretação. Reforma Agrária
como imperativo decorrente da ordem constitucional positivada.
103. Em pesquisa que realizamos junto à página eletrônica do STF, encontramos
poucas decisões daquela Corte que hajam enfrentado o tema função social da proprie-
dade. Também não encontramos decisões daquela Corte que enfrentem diretamente a
questão das colidências existentes entre o art. 185, II, e o art. 186 e incisos da CF/88
65
.
104. A ausência de decisões sobre este assunto, deve-se - em nosso ver - ex-
clusivamente à inércia
66
da autarquia agrária, que lamentavelmente todos estes anos
optou por interpretar o texto constitucional da forma mais restrita possível, e em razão
65. Como em nosso sistema processual vige o princípio da ação, ou o princípio da demanda, pelo qual cabe à parte a
iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional, cabia ao INCRA desapropriar imóveis com fulcro nos demais
incisos do art. 186, e não exclusivamente no primeiro inciso (aproveitamento racional e adequado).
66. Esta também foi a constatação de Marcelo Varella, in Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos
con itos sociais. São Paulo: LED, 1998. p.256, que assim consignou “é justamente esta a interpretação da maioria dos
magistrados e do próprio INCRA nos casos concretos. Contra a Constituição Federal, contra o meio ambiente, contra o bem-
estar da sociedade brasileira e contra o direito de igualdade ao acesso ao progresso humano”.
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V.
44
NEAD DEBATE 2
disso deixou de scalizar o cumprimento das outras condicionantes da função social
previstas no art. 186, II, III e IV da CF/88, em total afronta ao texto constitucional
67
.
105. De fato, vislumbramos a necessidade de realização da reforma agrária como
imperativo constitucional. Vale dizer, decorre de uma interpretação sistemática da Consti-
tuição que o Estado Brasileiro deverá fazê-la. Ou seja, não existe opção para não fazê-la.
Com efeito, quando a Constituição declara como objetivos fundamentais do Estado Brasi-
leiro, de um lado, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e, de outro lado,
a promoção do desenvolvimento nacional, bem como a erradicação da pobreza e da mar-
ginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º), é óbvio que ela
está determinando, implicitamente, a realização pelo Estado, em todos os seus níveis – fe-
deral, estadual e municipal -, também de uma ampla política de distribuição eqüitativa das
propriedades, sobretudo de imóveis rurais próprios à exploração agrícola e de imóveis ur-
banos adequados à construção de moradias. A não realização dessa política pública repre-
senta, indubitavelmente, uma inconstitucionalidade por omissão.
68
106 Luiz Roberto Barroso
69
ao dissertar sobre o método teleológico – aquele
que busca desvendar o m da norma - a rma que a Constituição brasileira de 1988, em
seu Título I, dedicado aos princípios fundamentais, abriu um artigo especí co para as nali-
dades do Estado brasileiro, cuja consecução deve gurar como vetor interpretativo de
toda a atuação dos órgãos públicos. Pois bem, a nalidade perseguida pela reforma
agrária é a efetivação das diretrizes constitucionais, em atenção aos princípios da digni-
dade humana e da cidadania, fundamentos da República (art. 1º, II e III, da Constituição),
e aos seus objetivos fundamentais, tal como previstos no Texto Magno: construir uma
sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desi-
gualdades sociais e promover o bem de todos, sem discriminações (art. 3º, I, III e IV).
107. Não se trata, portanto, de medidas pontuais (reforma agrária stricto-sensu),
mas de um conjunto de medidas necessárias e fundadas em diretrizes institucionais para
67. COMPARATO, Fábio Konder, “Direitos e deveres em matéria de propriedade”, in A Questão Agrária e a Justiça,
org. Juvelino José Strozake, Ed. RT, São Paulo, 2000, p. 144.
68. BARROSO, Luís Roberto, in Interpretação e aplicação da Constituição, 4ª Edição, Editora Saraiva, pág. 139.
69. No mesmo sentido caminha o pensamento do Superior Tribunal de Justiça: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO REGIMENTAL. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE. ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. 1. A Medida Provisória 1.736-33
de 11/02/99, que revogou o art. 99 da lei 8.171/99, foi revogada pela MP 2.080-58, de 17/12/2000. 2. Em matéria
de dano ambiental a responsabilidade é objetiva. O adquirente das terras rurais é responsável pela recomposição
das matas nativas. 3. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é
cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os
quais o de “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente4. A Lei
8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais
desmatamentos anteriores. Na verdade, a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que
estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem
áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. 5. Embargos de
Declaração parcialmente acolhidos para negar provimento ao Recurso Especial. [EARESP 255170 / SP ;
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RESP 2000/0036627-7 – DJ
DATA:22/04/2003 PG:00197 - T1 - PRIMEIRA TURMA - Min. LUIZ FUX ]
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
o Estado Democrático de Direito, que foram agendadas pelos constituintes, às quais os
órgãos responsáveis não podem se furtar.
108. Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha enfrentado diretamente o
tema, vale lembrar passagem de acórdão unânime do plenário daquela corte, que por
ocasião do julgamento do MS 22.164-0-SP assim decidiu:
MS 22.164/SP - SÃO PAULO - MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO - Julgamento: 30/10/1995 - Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
- Publicação: DJ DATA-17-11-95 PP-39206 EMENT VOL-01809-05 PP-01155
(....) A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, AO IMPOR AO PODER PÚ-
BLICO O DEVER DE FAZER RESPEITAR A INTEGRIDADE DO PATRIMÔNIO
AMBIENTAL, NÃO O INIBE, QUANDO NECESSÁRIA A INTERVENÇÃO ESTA-
TAL NA ESFERAL DOMINIAL PRIVADA, DE PROMOVER A DESAPROPRIAÇÃO
DE IMÓVEIS RURAIS PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, ESPECIALMENTE
PORQUE UM DOS INSTRUMENTOS DE REALIZAÇÃO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE CONSISTE, PRECISAMENTE, NA SUBMIS-
SÃO DO DOMÍNIO À NECESSIDADE DE O SEU TITULAR UTILIZAR
ADEQUADAMENTE OS RECURSOS NATURAIS DISPONÍVEIS E DE
FAZER PRESERVAR O EQUILÍBRIO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 186,
II), SOB PENA DE, EM DESCUMPRINDO ESSES ENCARGOS, EXPOR-SE
À DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 184 DA LEI
FUNDAMENTAL. A QUESTAO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGI-
CAMENTE EQUILIBRADO - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE. - O DIREITO À INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE - TÍPICO
DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - CONSTITUI PRERROGATIVA JURÍDICA DE
TITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO, DENTRO DO PROCESSO DE AFIR-
MAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, A EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA DE UM
PODER ATRIBUÍDO, NÃO AO INDIVÍDUO IDENTIFICADO EM SUA SINGULA-
RIDADE, MAS, NUM SENTIDO VERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, À
PROPRIA COLETIVIDADE SOCIAL. ENQUANTO OS DIREITOS DE PRIMEIRA
GERAÇÃO (DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS) - QUE COMPREENDEM AS LIBER-
DADES CLÁSSICAS, NEGATIVAS OU FORMAIS - REALÇAM O PRINCÍPIO DA
LIBERDADE E OS DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONÔMI-
COS, SOCIAIS E CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICAM COM AS LIBERDADES
POSITIVAS, REAIS OU CONCRETAS - ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUAL-
DADE, OS DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE MATERIALIZAM PODERES
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NEAD DEBATE 2
DE TITULARIDADE COLETIVA ATRIBUÍDOS GENÉRICAMENTE A TODAS AS
FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E
CONSTITUEM UM MOMENTO IMPORTANTE NO PROCESSO DE DESENVOL-
VIMENTO, EXPANSÃO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS,
CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORES FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS,
PELA NOTA DE UMA ESSENCIAL INEXAURIBILIDADE. CONSIDERAÇÕES
DOUTRINÁRIAS.
Ainda do voto extrai-se a seguinte passagem:
“A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha este a constituir
objeto de atividade predatória, pode justi car a reação estatal veiculadora
de medidas – como desapropriação-sanção – que atinjam o próprio direito
de propriedade, pois o imóvel rural que não se ajuste, em seu processo de
exploração econômica, aos ns elencados no art. 186 da Constituição,
claramente descumpre o princípio da função social inerente à propriedade,
legitimando, desse modo, nos termos do art. 184 c/c o art. 186, II, da
Carta Política, a edição de decreto presidencial consubstanciador de de-
claração expropriatória para ns de reforma agrária”.
109. Outra decisão mais recente daquela Corte, e que abordou o tema, foi
proferida na ADI nº 2213, em que também foi relator o Ministro Celso de Mello. Merece
transcrição a seguinte passagem:
ADI 2.213/DF - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Publicação:DJ DATA-23-
04-04 (....) RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA - O CARÁTER RELATI-
VO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDA-
DE - IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA – (...) - A
PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO. - O direito de propriedade não se reveste de
caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a signi car
que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII),
legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo,
para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos xados na própria Constitui-
ção da República. - O acesso à terra, a solução dos con itos sociais, o apro-
veitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada
dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente cons-
tituem elementos de realização da função social da propriedade. A desa-
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AMBIENTAL E TRABALHISTA
propriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao
descumprimento da função social da propriedade - re ete importante ins-
trumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo
Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra,
o dever jurídico- -social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob
pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os
senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se
tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de
propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de
favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis sa-
tisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos
naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas
relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam
a propriedade.(....)
70
110. Como visto, as decisões estão em consonância com a posição que nos
parece mais adequada com o sistema constitucional, ou seja, que a propriedade produ-
tiva só estará incólume à reforma agrária se respeitar, simultaneamente, os elementos
ecológico e sócio-laboralista, requisitos da função social da propriedade rural.
71
111. Por derradeiro, importante registrar que a interpretação sistemática em
matéria constitucional é freqüentemente invocada em julgados do Supremo Tribunal e
Federal. Neste sentido, Luiz Roberto Barroso
72
registra o seguinte:
“No Brasil, a interpretação sistemática em matéria constitucional é freqüentemente
invocada pelo Supremo Tribunal Federa, e desfruta, de fato, de grande prestígio na
jurisprudência em geral
73
. Sobre ela, escreveu o ex-Ministro Antônio Neder:
“É o que em seguida será demonstrado pela interpretação sistemática, a mais
racional e cientí ca, e a que mais se harmoniza com o método do Direito Cons-
titucional, exatamente a que aproxima da realidade o intérprete
74
70. SILVEIRA, DOMINGOS SÁVIO DRESCH, A propriedade agrária e suas funções sociais, in Direito Agrário em
Debate, pag. 22.
71. BARROSO, Luís Roberto, in Interpretação e aplicação da Constituição, 4ª Edição, Editora Saraiva, pág. 137.
72. Nota “123. V. RTJ, 133:6, 1990, p. 7, 140:306, 1992, 143:391, 1992, p.408, 143:27, 1993, p.32, e 144:175,
1990, p. 183.
73. Nota “124. Rep. N. 846-RJ, rel. Min. Antônio Neder, Representações por inconstitucionalidade: dispositivos de
Constituições estaduais, 93, 1976, t.2, p.107.
74. Minuta de ofício anexa
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NEAD DEBATE 2
3 Conclusões
112. Diante do exposto e considerando o ordenamento jurídico vigente,
nosso parecer alcança as seguintes conclusões:
a) De ui da ordem jurídica positivada que no conceito de função social
está contido o conceito de produtividade, mas que no conceito de pro-
dutividade também estão contidas parcelas dos conceitos de função
ambiental, função trabalhista e função bem estar, isto é, que a função
social é continente e contéudo da produtividade.
b) A vedação do art. 185 da CF/88 não pode excepcionar ipso facto o co-
mando do art. 184, senão nos casos em que a produtividade provenha de
atividades não contrapostas a vedações legais, e, pois, não pode ser in-
vocada para tutelar os casos em que a produtividade derive de descum-
primento de preceitos de regime ambiental ou trabalhista, já que, em
essência, esses ilícitos, além de impedirem o aperfeiçoamento da função
social, viabilizam desincorporação dos ganhos de produtividade corres-
pondentes, expondo o imóvel à desapropriação-sanção inclusive por
improdutividade cta, ou produtividade irracional.
c) No contrário senso da expressão “exploração racional”, preceituada no caput
do art. 6º da Lei nº 8.629/93 se desenham todas as situações de ilícito pos-
síveis, e previstas em regimes jurídicos próprios, entre elas cada qual que
vier a con gurar vulneração dos incisos II a IV do art. 186 da CF/88, na tipi-
cação a eles dada pelos parágrafos 2º a 5º do art. 9º da Lei nº 8.629/93.
d) Em casos nos quais o descumprimento da função social da proprieda-
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DIMENSÕES
AMBIENTAL E TRABALHISTA
de possa ser objetivável de plano e demonstrado por simples operação
de conta e conferência, compete autonomamente ao órgão federal exe-
cutor da política e reforma agrária proceder à objetivação, mediante s-
calização em que se assegure ao proprietário o devido processo legal
administrativo.
e) Nos demais casos, compete ao órgão federal executor da política e
reforma agrária, em conjunto com os demais órgãos executores da políti-
cas conexas às funções ambiental e trabalhista, a elaboração de norma
técnica e adoção de medidas administrativas conjuntas de scalização,
com vistas a conferir efetividade às normas constitucionais previstas no
art. 186 da CF/88, e incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93.
f) Nos casos das alíneas anteriores, a propriedade, embora produtiva do
ponto de vista economicista, suscetibiliza-se à desapropriação-sanção de
que cuida o art. 184 da Constituição Federal da República Federativa do
Brasil, se agrada como descumpridora das outras condicionantes da
função social elencadas no art. 186, II, III e IV da CF/88, (II – utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio am-
biente; III – observância das disposições que regulam as relações de tra-
balho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores).
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NEAD DEBATE 2
4 Propostas de Encaminhamento
113. Acaso venha este parecer a ser aprovado em Consultoria e pela autorida-
de ministerial, propugnamos como encaminhamentos o envio do mesmo:
a) à Presidência do INCRA, com recomendação no sentido de que:
a.1) considere-o – em face do item 9.4.4 do acórdão nº 557/2004 (TC-
005.888/2003-0) – e manifeste-se fundamentadamente acerca da pos-
sibilidade, conveniência, oportunidade e relação custo-benefício de
readequar suas normas sobre vistoria de imóveis rurais, para incorporar-
lhes critérios de aferição de infrações contra o meio ambiente e contra
as relações de trabalho, que sejam objetiváveis por simples conta ou
conferência, ou a cujo respeito exista prova administrativa ou judicial
preconstituída, hipóteses em que a norma deveria veicular métodos
para depuração da produtividade obtida mediante o sacrifício daqueles
aspectos da função social da propriedade (incisos II, III e IV do art. 186
da CF/88 e do art. 9º da Lei n 8.629/93);
a.2) articule, em conjunto com o MDA, junto à Casa Civil, IBAMA/MMA
e MTE, decreto regulamentador e ações administrativas tendentes à
elaboração de termos de cooperação ou normas interinstitucionais
regradoras de scalizações conjuntas, visando concentração de juízos
simultâneos sobre o cumprimento de todos os aspectos da função
social da propriedade;
b) à ciência do Tribunal de Contas da União, referindo-o ao Aviso nº 752-
SGS-TCU-Plenário, de 12/05/04 (GM.1987/2004-49), ativado a partir do
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item 9.4.4 do acórdão nº 557/2004, nos autos do processo nº TC
005.888/2003-0;
c) à ciência da Consultoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da
União;
d) à ciência da Casa Civil da Presidência da República.
É o parecer conjunto, ora posto à apreciação superior.
À consideração de V. Sª.
Brasília, 28 de Junho de 2004.
Valdez Adriani Farias Joaquim Modesto Pinto Júnior
Procurador Federal Advogado da União
Coordenador - CPALNP Coordenador-Geral - CGAPJP
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Anexo
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Refl etindo sobre
o mundo rural para
promover o desenvolvimento
e a participação social
Um novo projeto de desenvolvimento para o país passa pela
transformação do meio rural num espaço com qualidade de vida,
acesso a direitos, sustentabilidade social e ambiental.
Ampliar e qualifi car as ações de reforma agrária, as políticas
de fortalecimento da agricultura familiar, de promoção da
igualdade e do etnodesenvolvimento das comunidades rurais
tradicionais. Esses são os desafi os que orientam as ações do
Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD),
órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
voltado para a produção e difusão de conhecimento que
subsidia as políticas de desenvolvimento rural.
O NEAD é norteado por duas agendas. Uma voltada para
ampliar na sociedade o reconhecimento da importância e da
legitimidade da reforma agrária e da agricultura familiar
como bases para um novo projeto de desenvolvimento para o
país. Outra, dirigida aos desafi os e limites enfrentados pelo
governo federal na implementação das políticas públicas.
Trata-se de um espaço de refl exão, divulgação e articulação
institucional com diferentes centros de produção de
conhecimento sobre o meio rural, nacionais e internacionais,
como núcleos universitários, instituições de pesquisa,
organizações não-governamentais, centros de movimentos
sociais, agências de cooperação.
Em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura (IICA), o NEAD desenvolve um projeto de
cooperação técnica intitulado “Apoio às Políticas e à
Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável”,
que abrange um conjunto diversifi cado de ações de pesquisa,
intercâmbio e difusão.
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Estimular o processo
de autonomia social
Ampliar e qualifi car a participação dos atores sociais nos
espaços de gestão das políticas de reforma agrária, de
fortalecimento da agricultura familiar e das comunidades
rurais tradicionais.
Debater a promoção
da igualdade
Subsidiar a formulação e avaliação das políticas de promoção
da igualdade de gênero, raça e etnia no âmbito do MDA, com
destaque para a atuação junto às trabalhadoras rurais,
comunidades quilombolas e populações indígenas.
Analisar os impactos
dos acordos comerciais
Realizar estudos que contribuam para a atuação do MDA nos
fóruns de discussão sobre as regras do comércio internacional
e nas negociações de acordos de integração regional para
preservar os interesses das comunidades rurais e a capacidade
de implementar políticas públicas.
Difundir a diversidade cultural
dos diversos segmentos rurais
Estimular o registro, a pesquisa e a divulgação das
manifestações culturais das comunidades rurais, garantindo a
elas instrumentos de preservação e ativação de seu patrimônio
imaterial.
Construir uma rede rural
de cooperação técnica e científi ca
para o desenvolvimento
Um dos eixos articuladores das ações do NEAD é a constituição
de uma rede de cooperação técnica e científi ca envolvendo
instituições e centros de pesquisa, órgãos governamentais,
organizações não-governamentais e movimentos sociais
vinculados com a temática rural.
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Busca-se estabelecer uma relação institucional e permanente,
que contemple a diversidade regional e a interdisciplinaridade,
valorize e integre o conhecimento produzido por essas
instituições com o que é produzido pelos gestores públicos.
No centro da agenda estão as políticas públicas de
desenvolvimento rural, com destaque para a reforma agrária,
para o reordenamento territorial, o crédito rural, a assistência
técnica e extensão rural, agroindustrialização e alternativas de
comercialização e, ainda, a promoção da igualdade e o acesso
a direitos como educação, saúde e cultura.
Com isso, o NEAD pretende criar um ambiente de intercâmbio
e cooperação para a disponibilização de informações sobre o
meio rural, a promoção e coordenação de estudos, pesquisas,
e cursos efetivamente integrados com as políticas de
desenvolvimento rural, sob coordenação do MDA e que
contribuam para o fortalecimento da autonomia da
população rural.
Democratizar o acesso às informações
e ampliar o reconhecimento social
da reforma agrária e da agricultura familiar
Coerente com a sua proposta de garantir e democratizar o
acesso às informações e experiências, o NEAD vem
organizando uma memória dinâmica sobre reforma agrária,
agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável. No
diálogo com outras entidades atuará como espaço de
construção coletiva de sua política de comunicação, defi nindo
estratégias e prioridades.
É uma forma de estimular o debate e a troca de experiências
com instituições parceiras e com os demais segmentos da
sociedade, contribuindo com o aperfeiçoamento das políticas
de desenvolvimento rural e dando maior visibilidade aos
conceitos e propostas sobre o setor.
A idéia é incentivar a produção e divulgação de textos,
artigos, trabalhos e resultados de pesquisas de relevância,
além de democratizar o acesso à informação e ampliar o
debate nacional, garantindo uma participação ampla e
qualifi cada na gestão das políticas públicas orientadas para o
desenvolvimento territorial sustentável.
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Projeto Editorial
O projeto editorial do NEAD abrange publicações das séries
Estudos NEAD, NEAD Debate, NEAD Especial e NEAD
Experiências, o Portal NEAD e o boletim NEAD Notícias Agrárias.
Publicações
Série Estudos NEAD: Reúne estudos elaborados pelo NEAD,
por outros órgãos do MDA e organizações parcerias sobre
variados aspectos relacionados ao desenvolvimento rural.
Série NEAD Debate: Apresenta temas atuais relacionados ao
desenvolvimento rural que estão na agenda dos diferentes
atores sociais ou que estão ainda pouco difundidos.
Série NEAD Especial: Inclui coletâneas, traduções,
reimpressões, textos clássicos, compêndios, anais de
congressos e seminários.
Série NEAD Experiências: Difunde experiências e iniciativas
de desenvolvimento rural a partir de textos dos próprios
protagonistas.
Portal
Um grande volume de informações é atualizado diariamente
na página eletrônica www.nead.org.br, estabelecendo,
assim, um canal de comunicação entre os vários setores
interessados na temática rural. Todas as informações coletadas
convergem para o Portal NEAD e são difundidas por meio
de diferentes serviços.
A difusão e o intercâmbio de informações sobre o meio rural
contam com uma biblioteca virtual temática integrada ao
acervo de diversas instituições parceiras. Um catálogo on line
também está disponível no Portal para consulta de textos,
estudos, pesquisas, artigos e outros documentos relevantes no
debate nacional e internacional.
Boletim
Para fortalecer o fl uxo de informações entre os diversos
setores que atuam no meio rural, o NEAD publica
Parecer2.indd 58Parecer2.indd 58 17.01.05 12:43:5217.01.05 12:43:52
semanalmente o boletim NEAD Notícias Agrárias.
O informativo é distribuído para mais de 10 mil usuários,
entre pesquisadores, professores, estudantes, universidades,
centros de pesquisa, organizações governamentais e
não-governamentais, movimentos sociais e sindicais,
organismos internacionais e órgãos de imprensa.
Enviado todas as sextas-feiras, o boletim traz informações
atualizadas sobre estudos e pesquisas, políticas de
desenvolvimento rural, entrevistas, experiências,
acompanhamento do trabalho legislativo, cobertura de
eventos, além de dicas e sugestões de textos para
fomentar o debate sobre o mundo rural.
Visite o Portal www.nead.org.br
Telefone: (61) 328 8661
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