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CENA DE TRANSIÇÃO
(Os pais de Sacha caem fora ao som de uma cantiga de ninar logo após beijarem
ardentemente a testa da filha amada, é legal dizer que os pais de Sacha jamais
olham para a filha, assim como Sacha também jamais olha direto para os seus pais).
CARA: (rompendo o clima angelical com sua voz speed de rapper endemoniado):
Sacha, gata, essa tua vida é um tédio terminal, definitivamente brochante.
SACHA (não sacando nada, mas saindo do transe paternal): É?
CARA: Ser fruto de uma inseminação artificial já é foda, agora ficar trancada no
útero incubador o resto da vida, aí já é babaquice profunda, debilidade profana,
insulto aos deuses da farra, que são os gregos, é claro, chegados numa orgia
olímpica. Saca só, nosso way of life já é shit, agora imagina só se condenar ao
ostracismo vendo clip pastiche e caindo de língua em mamãe piranha? Ce ta me
entendendo? O som que rola aqui é muzak demais, pra consultório de dentista
impotente que não consegue nem fuder a secretária em tarde de chuva.
SACHA: O que é que eu preciso?
CARA: Em primeiro lugar, de um solo de guitarra preguiçoso (entra um solo de
guitarra na sonoplastia) depois um contra-baixo swingado (contrabaixo) e duas
tesudíssimas back vocals (duas crioulas arrasadouras detonando nos vocais).
Pronto, agora tua vida pode até ser uma grande merda, que é o que é, mas já tem
pelo menos uma coisa, uma trilha sonora decente. (Entra um reggae na sonoplastia,
daqueles que dá vontade de coçar o saco).
SACHA (viajando no som): A vida é legal!
CARA (entusiasmando-se): É, mas é muito mais que um quarto 18x10 na
Comendador Karas Lopes Monteiro Bueno. Tem muito mais, tem rock and roll, tem
minimal, tem blues, tem jazz, tem rap, tem soul, tem new-wave, tem heavy metal,
trash rock, acid rock, hardcore, tecno-pop, ska, tem Boeing fazendo escala em
Milão, em Nova York, em São Paulo, em Tóquio, em Moscou, tem aeromoça tesuda
com disco importado debaixo do braço, tem menino do Rio bronzeado em
Copacabana, dragão tatuado no braço, tem festival de Cannes, do Rio de Janeiro,
de Berlim, tem Mostra de Cinema em São Paulo, e o que é mais importante, gata,
tem quilômetros mil de asfalto ardente, milhas e milhas de mar aberto, tem a vida
acontecendo além das paredes do teu quarto. Ce ta sacando?
SACHA: Tuuuuuuuuuuudo. (na maior viagem)
CARA: Yé, sister, tu pegou o gingado, bussiness is: importar a vida, conjugar vida
com arte, transformar a menina no maior concerto de rock, romper com o quarto,
com o bairro, com a cidade, com o país, com o mundo. Antenas Ligadas como
libélulas chapadas que é pra captar toda a distorção que tiver no ar, desde Tóquio
até uma província micha no Norte do Paraná. Essa é a época da velocidade e a
moçada insiste em pegar carona no expresso tartaruga. Neguinho não se toca, nem
vê, quando viu, morreu. Sendo assim, só nos resta o radicalismo, a violência das
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