principalmente a relação entre o poeta e suas obras, ou o papel do poeta no sucesso da sua
empresa, mas estoutra relação, não menos importante, entre a eternidade da poesia e a da
matéria que escolhe tratar. Sendo assim, nosso poema pode dividir-se em três partes:
delimita-se, na primeira, por comparação com outras artes, a poesia como o domínio e a
atividade da persona do poema (vv. 1-12); na segunda, explicita-se qual é o valor deste
domínio e atividade, a princípio também por comparação com outras artes (vv. 13-27); e na
última, finalmente, o valor próprio da poesia, estabelecido na parte anterior, estende-se ao
objeto de que porventura trate (vv. 28-34).
Já no segundo verso do poema conhecemos o nome do destinatário: Censorino. Este
nome é especialmente significativo, pois em latim Censorinus liga-se a censor, “juiz” ou
“censor”. Mas juiz ou censor exatamente de quê? Ora, como nos diz Horácio nos primeiros
doze versos do poema, sua persona daria de bom grado taças, bronze, esculturas e quadros a
Censorino se os tivesse, mas, segundo lemos, gaudes carminibus (v. 11). Ou seja, o
destinatário, cujo nome significa “censor” ou “juiz”, gosta de poemas. Seria, portanto, pelo
menos em nível lexical, alguém na posição de apreciar o justo valor do poema que ora se
lhe oferece. Além dele, também a persona se diz capaz de fazê-lo: carmina possumus/
donare, et pretium dicere muneri (vv. 11-12). Estabelece-se, pois, aqui, uma espécie de
cumplicidade entre quem julga e quem faz, bem à maneira, de resto, dos poetas-críticos da
Biblioteca de Alexandria, mormente Calímaco, que compunham e julgavam, classificavam
e catalogavam a produção alheia, passada e presente, segundo os criticamente bem-
estabelecidos critérios da própria. Fazendo breve digressão, o que diferenciava os poetas
clássicos e os arcaicos dos alexandrinos era, pois, que estes, além de compor, também
julgavam, eram juízes
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de poemas, tal como Censorino. Deste modo, a cumplicidade entre
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Sobre o conceito de “juiz” aplicado à atividade crítica, lembremos que em grego o termo técnico filológico
kritiko/j, “crítico”, é cognato de krith=j, “juiz”: “E o que é mais importante [na atividade da Biblioteca de
Alexandria] é que, mantida a divisão genérica que já havia desde a Poética de Aristóteles, é notável, em cada
um dos gêneros da poesia narrativa, a presença de uma lista de autores escolhidos, amiúde chamada ‘cânone’,
isto é, a presença de rol e de crivo segundo o qual poetas e poemas são sim comparados, julgados e
decrescentemente avaliados:
tou= e)/pouj poihtai\ kra/tistoi, ‘os melhores poetas épicos’, diz Proclo; iudices
poetarum, ‘juizes de poetas’ diz Quintiliano (10, 1, 54) sobre Aristarco e Aristófanes de Bizâncio [...]. A
importância dessas listas, isto é, dos
pi/nakej de Calímaco, ou modernamente, como disse, dos ‘cânones’ de
poetas verifica-se pelo fato mesmo de que não são para os latinos outra coisa que as classes, aquilo, pois, que
em âmbito pedagógico determinará, gostemos ou não, o que é ‘clássico’ ”. Em: Oliva Neto, João Angelo,
“Epos e as Guerras: Algumas Considerações sobre ‘Épica’ em Horácio Quintiliano e Proclo”, comunicação
proferida no VI CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS CLÁSSICOS, Memória & Festa,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Câmpus da Praia Vermelha, julho de 2005, inédita, pp. 8-9, itálicos
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