altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a
esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se
aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e
outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os
encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras
sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não
quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por
cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e
formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores,
espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há
de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.
Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia,
quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo
para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E
misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E
lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois
carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar
com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do
que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com
pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que
andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos
estorvavam no que havíamos de fazer.
E o Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum
viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes
uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra.
Todavia os que vi não seriam mais que nove ou dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a
não ser algumas pombas-seixeiras, e pareceram-me maiores bastante do que as de Portugal. Vários
diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e
de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio de seus arcos e setas. Os arcos
são pretos e compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa
Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar.
Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a
despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo
das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e
Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem,
tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios verdes; e
outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E
quando Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois
mancebos, bem dispostos e homens de prol. Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram
toda a ração que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. E dormiram e
folgaram aquela noite. E não houve mais este dia que para escrever seja.
Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e
água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por
ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no
cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido
frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma
armadura grande de porco montês, bem revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe