Capítu
CapítuCapítu
Capítulo III
lo IIIlo III
lo III
183
meio do ato teatral.
339
Não há como negar que a utilização de Brecht naquele momento da
história do país representava, sem dúvidas, uma saída possível para os impasses que o
teatro sofria diante de tanta hesitação e falta de perspectivas.
340
De certa forma, a
“necessidade de transformar com urgência” era também uma “necessidade” do país que
vivia sob um regime militar desde 1964. A “arte” não poderia se isentar desta função, o
teatro não poderia ficar restrito à gritos, contorções, misticismos e abstrações
individualistas. Muito menos, se acomodar no “esteticismo burguês” ou “tradicional”.
341
Deveria ser, antes de tudo, vinculado às “classes populares” e “emergentes”, contribuindo
para o processo de mudança da ordem social, política e econômica.
342
Este ponto de vista em relação ao teatro ligado às “classes populares” pode ser
ainda melhor compreendido quando observamos o tratamento que Fernando Peixoto
339
De certa forma o “distanciamento” brechtiano indica este status atuante que o público alcançaria no
teatro. Assim Fernando Peixoto descreve esta técnica, já na década de 1980: “Brecht indica um novo
caminho: a técnica do distanciamento. Retirar de um personagem ou de um acontecimento o que possui
de conhecido, de evidente, de habitual, fazendo nascer em seu lugar o espanto, a surpresa, a curiosidade e
a dúvida. O distanciamento implica assim a “historicização” dos personagens e dos acontecimento, que
devem ser apresentados como históricos, portanto transitórios. Os homens que estão em cena não são
imutáveis, vítimas de seus destinos. O espectador pode reconhecer e ver, por trás de cada personagem ou
de cada situação, uma verdade e um processo histórico concreto: pode adotar uma atitude crítica
permanente, assim como o homem de nosso século adotou esta atitude diante da natureza. O teatro passa
a acolher o espectador enquanto homem que transforma o mundo. E com ele discute esta transformação
permanente. Brecht insiste: o problema é saber como o teatro pode ao mesmo tempo ser recreativo e
didático, como transformá-lo de feira de ilusões e de comércio de drogas em local de experiências novas,
como ajudar o homem a transformar o mundo. A solução brechtiana, ele mesmo afirma, é apenas um
caminho, que ele e tantos outros escolheram. E este caminho implica uma permanente atitude crítica para
com a realidade e para com o próprio caminho. Um único princípio permanente intalterado: o de sempre
subordinar todos os princípios à tarefa social que é necessário cumprir a partir de cada realização cênica”.
Id. O teatro de Brecht aqui hoje. In: BADER, Wolfgang. Brecht no Brasil – Experiências e Influências.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 31-32.
340
No mesmo texto “O teatro de Brecht aqui hoje” Peixoto afirma: “[...] O projeto de Brecht foi, nos anos de
resistência, uma esperança de postura crítica. Hoje precisamos dele como instrumento de estímulo ao
trabalho transformador. Precisamos de Brecht com profundidade ainda maior, pois não temos mais o
direito de nos contentarmos com a superfície das questões a serem enfrentadas”. Ibid., p. 25-26.
341
Michalski não deixa de apontar alguns equívocos de certos encenadores ao montarem Brecht: “Os
momentos equivocados não podem ser propriamente atribuídos ao pobre Brecht, e sim a uma
interpretação ingenuamente rígida, ao pé da letra, e, portanto, em última análise, antibrechtiana, de alguns
aspectos das suas teorias de encenação. O distanciamento, todos nós o sabemos hoje, não pode ser, sob
pena de tornar-se insuportável, uma proposta de representação dogmática e estanque, desvinculada do
contexto mais amplo de uma encenação, e do contexto mais amplo ainda da tradição cultural de um país,
que repercute no temperamento interpretativo dos seus atores”. Yan Michalski (depoimento) apud
BADER, Wolfgang. Brecht no Brasil – Experiências e Influências. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.
226.
342
O próprio Dort faz uma descrição que ilustra bem o objetivo do teatro brechtiano neste sentido de
transformar aquele que o assiste: “[...] A representação brechtiana não tem conclusão: esta conclusão
deverá ser feita, mas não para intervir no palco nem na platéia, mas, sim, na vida real. Deverá ser tirada
pelo espectador, considerado como membro ativo da sociedade (revolucionador ou produtor)”. DORT,
Bernard. Elogio do Método Brechtiano. In: ______. O teatro e sua realidade. São Paulo: Perspectiva,
1977, p. 327.