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FENÔMENOS NÃO-LINEARES DE
TRANSPORTE ELÉTRICO INDUZIDOS POR
GERAÇÃO-RECOMBINAÇÃO EM
SEMICONDUTORES
HOLOKX ABREU ALBUQUERQUE
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ii
FENÔMENOS NÃO-LINEARES DE TRANSPORTE ELÉTRICO INDUZIDOS POR
GERAÇÃO-RECOMBINAÇÃO EM SEMICONDUTORES
HOLOKX ABREU ALBUQUERQUE
ORIENTADOR: ALFREDO GONTIJO DE OLIVEIRA
CO-ORIENTADORES: RERO MARQUES RUBINGER
GERALDO MATHIAS RIBEIRO
Tese apresentada à Universidade Federal de
Minas Gerais como requisito parcial para
obtenção do grau de DOUTOR EM FÍSICA.
BELO HORIZONTE
DEZEMBRO DE 2005
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iii
AGRADECIMENTOS
Ao professor Alfredo Gontijo de Oliveira, por sua orientação, acompanhamento e atenção
permanentes, pelo constante debate e pelo seu compromisso no meu processo de
formação científica.
Um especial agradecimento ao professor Rero Marques Rubinger por ter se
disponibilizado na co-orientação desse trabalho e pelas enriquecedoras discussões que
foram fundamentais na elaboração deste.
Ao professor Geraldo Mathias Ribeiro, por sua constante colaboração, participação e
amizade.
Ao amigo Rodrigo Lacerda da Silva pelas discussões científicas, amizade e
companheirismo ao longo desse período.
Aos colegas de curso, que contribuíram com a amizade e discussões enriquecedoras.
Aos funcionários do Departamento de Física da UFMG, pela sua colaboração na
disponibilidade da infra-estrutura, necessária ao desenvolvimento desse trabalho.
À Karine, por seu Amor, apoio e compreensão incondicional que tem me estimulado nos
momentos mais difíceis.
Um especial agradecimento ao meu pai e minha mãe por tudo que fizeram por mim.
Aos meus irmãos pela solidariedade e apoio ao meu desenvolvimento.
Ao Seu Luiz, D. Conceição, Cássia e Camila pelo companheirismo e incentivo.
Aos amigos Antônio de Pádua Magalhães e Kilder Leite Ribeiro pela amizade e
companheirismo ao longo desse período.
Ao CNPq, que proporcionou minha disponibilidade integral à implementação desse
projeto.
E a Deus ...
iv
ÍNDICE
Resumo ......................................................................................................................................... vi
Abstract ........................................................................................................................................ vii
Introdução ...................................................................................................................................... 1
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-Isolante ........................................ 4
1.1 – Domínios de Campo Elétrico em GaAs SI ............................................................... 4
1.2 – Oscilações de Baixa Freqüência e Caos em GaAs SI ............................................... 9
1.3 – LFO e Caos em Amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE ............................... 11
Referências ....................................................................................................................... 21
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de Geração e Recombinação
em Semicondutores ...................................................................................................................... 23
2.1 – Transporte Elétrico em Semicondutores ................................................................. 23
2.1.1 – Equações Clássicas para Semicondutores ............................................................ 24
2.1.2 – Semicondutores como Sistemas Fora do Equilíbrio Termodinâmico .................. 25
2.2 – Processos de Geração e Recombinação em Semicondutores................................... 26
2.3 – Equações de Taxas para os Processos de Geração e Recombinação ..................... 29
2.3.1 – Modelo para um Único Portador .......................................................................... 29
2.4 – Oscilações Induzidas por Ionização por Impacto ................................................... 32
2.5 – Análise das Séries Temporais ................................................................................. 38
2.6 – O Modelo de Ionização por Impacto com a Captura Assistida por Campo ............ 49
Referências ....................................................................................................................... 54
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-Isolante ............................... 56
3.1 – Condutividade Diferencial Negativa ....................................................................... 56
3.2 – Mecanismos para NDC em GaAS do tipo SI e do tipo-n ...................................... 60
3.2.1 – Instabilidade de Drift ........................................................................................... 61
3.2.2 – Instabilidades de Geração-Recombinação ........................................................... 63
3.3 – Condutividade Diferencial Negativa do tipo-N em Amostras de GaAs Crescidas a
Baixas Temperaturas por MBE .............................................................................. 65
3.3.1 – Captura Assistida por Campo Elétrico ................................................................. 69
3.3.2 – Um Modelo para as Curvas Características I(V) em GaAs SI ............................. 72
v
Referências ....................................................................................................................... 79
Conclusões ................................................................................................................................... 81
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais ...................................................................... 84
I.1 – Dinâmica Não-Linear e Caos ................................................................................... 84
I.2 – Caracterização da Dinâmica Caótica ....................................................................... 85
I.2.1 – Definição de Atrator ............................................................................................. 86
I.2.2 – Expoentes de Lyapunov .........................................................................................87
I.2.3 – Dimensões de um Atrator ..................................................................................... 89
I.2.4 – Teorema de Reconstrução de Takens ................................................................... 94
I.3 – Considerações Finais ............................................................................................... 98
Referências ....................................................................................................................... 99
vi
RESUMO
Neste trabalho, estudamos modelos teóricos com vistas a explicar o comportamento não-
linear do transporte de carga em semicondutores. Nossa abordagem consistiu em realizar
integrações numéricas das equações diferenciais para estudarmos a dinâmica do transporte. Para
tanto, consideramos os mais importantes processos de geração e recombinação (g-r) dos
portadores de carga presentes em amostras de GaAs semi-isolantes (SI) crescidas por epitaxia
por feixe molecular a baixa temperatura (LTMBE): ionização por impacto (a geração) e captura
assistida por campo elétrico (a recombinação). Esses dois processos foram incluídos em um
modelo de equações de taxas para os processos de g-r para simular as oscilações espontâneas de
corrente elétrica de baixa freqüência presentes em amostras de GaAs SI. Os resultados das
simulações produziram as características específicas dos dados experimentais, sugerindo que o
modelo microscópico das equações de taxas para esses processos de g-r é adequado para explicar
o comportamento não-linear da corrente elétrica no circuito contendo amostras de GaAs SI.
Além disso, propomos uma equação para a característica j(E) das amostras de GaAs SI crescidas
por LTMBE. Esta equação incorpora os dois processos de g-r mencionados acima. Merece
registro o fato de que a interpretação e a descrição do processo de recombinação, via captura
assistida por campo elétrico, realizada por nosso grupo de pesquisa são contribuições para o tema
aqui delineado, evidenciada através de publicações com resultados inéditos.
vii
ABSTRACT
In this work, we studied theoretical models to explain the non-linear behavior of the
electric transport of charge carriers in semiconductors. We focused the studies in the numerical
integrations of differential equations to obtain the dynamics of the electric transport. In the
models, we considered the most important processes of generation and recombination (g-r) of the
charge carriers in semi-insulating (SI) GaAs samples grown by low-temperature molecular-beam
epitaxy (LTMBE): impact ionization (generation) and field enhanced trapping (recombination).
These two processes were included in a model of rate equations for the g-r processes to simulate
the spontaneous low frequency electric current oscillations presented in GaAs SI samples grown
by LTMBE. The simulation results showed the specific features of the experimental data,
suggesting the microscopic model of the rate equations for the g-r processes is adequate to
explain the non-linear behavior of the electric current in a circuit with GaAs SI samples. In
addition, we proposed an equation for the j(E) characteristics of GaAs SI samples. This equation
incorporates the two g-r processes mentioned above.
Introdução
1
INTRODUÇÃO
Sob efeito de um alto campo elétrico externo, irradiação ou injeção de corrente em
regime fora do equilíbrio termodinâmico, os materiais semicondutores comportam-se como
sistemas dinâmicos complexos que, em muitos casos, apresentam instabilidades elétricas tais
como quedas bruscas de corrente, chaveamento entre estados não condutores e condutores,
oscilações espontâneas de corrente ou de tensão. Há uma grande variedade de mecanismos
físicos que levam a essas instabilidades, mas o fenômeno observado com mais freqüência
envolve a formação espontânea de padrões espaço-temporais tais como distribuições não-
homogêneas de corrente e domínios de campo elétrico. Estes últimos têm a propriedade de se
propagarem entre os contatos da amostra, produzindo oscilações espontâneas de corrente
detectáveis em um circuito externo. Essas oscilações espontâneas apresentam, em função de um
bias externo, rota de bifurcação para o caos, ou seja, elas podem ser temporalmente organizadas
na forma de ciclos periódicos ou regime caótico. A maneira usual de estudar e caracterizar os
fenômenos de bifurcação em materiais semicondutores é através da aplicação do formalismo da
dinâmica não-linear aos processos de condução elétrica, advindos da geração e da recombinação
de portadores de carga livres.
Uma linha de estudos que tem se mostrado bastante produtiva consiste na análise de
fenômenos não-lineares de transporte elétrico em semicondutores devido aos processos de
geração-recombinação (g-r) dos portadores de carga do material. Um processo de geração
bastante conhecido e estudado é o de ionização por impacto. Neste caso, o mecanismo de
geração de cargas livres ocorre quando portadores quentes (elétrons livres de alta energia)
colidem com as impurezas do material resultando em um processo de avalanche
(retroalimentação) que se manifesta como um aumento acentuado na densidade dos portadores
livres. No caso de recombinação, a captura assistida por campo elétrico, os portadores quentes
estimulam a captura dos portadores de carga por um processo não radiativo, envolvendo a
emissão de múltiplos fônons. Esse cenário é interessante para os nossos estudos pois os elétrons
quentes, que dependem de um único parâmetro externo que é o campo elétrico externo aplicado,
nos permitem trabalhar em situações limítrofes em que os dois fenômenos estarão competindo
em pés de igualdade para gerar uma dinâmica dependendo dos dois fenômenos simultaneamente.
Embora não iremos considerar em nossas simulações teóricas, esse sistema é ainda mais versátil
Introdução
2
se considerarmos que se pode também interferir na dinâmica por outros parâmetros de sintonia
fina como temperatura, iluminação, campo magnético, etc.
Vindo de altos para baixos valores do campo elétrico aplicado, o primeiro efeito
dominante é o de ionização por impacto. Reduzindo o valor do campo, tem-se uma redução na
relevância da ionização por impacto e começa a aparecer o fenômeno de captura assistida por
campo e, nessa situação temos uma efetiva competição entre os dois fenômenos. Continuando a
reduzir o campo externo, chegamos até o regime linear, que não é interessante para os nossos
estudos. Como mencionado, parâmetros físicos, como a temperatura da medida e iluminação, são
também importantes para sintonizar a competição entre os dois fenômenos. A dependência com
a temperatura é mais relevante na captura assistida por campo. Por outro lado, a iluminação
tende a influenciar mais fortemente a ionização por impacto.
A presença de regiões de condutividade diferencial negativa (NDC) é vista como um
indicador importante no estudo das instabilidades presentes nas curvas j(E) características das
amostras semicondutoras. Os estados independentes do tempo são geralmente instáveis nas
regiões de NDC e a resposta elétrica real depende do circuito elétrico ligado ao dispositivo. NDC
permite uma diferenciação quanto à forma da curva característica j(E), usualmente denominada
SNDC e NNDC, em função da semelhança da curva característica com as letras S e N. Esses
dois casos estão associados, respectivamente, com instabilidades na tensão e na corrente, quando
cada um desses parâmetros é controlado. No caso de NNDC puro, a densidade de corrente é
uma função unívoca do campo, mas o campo apresenta três valores distintos para alguns valores
da densidade de corrente. O caso SNDC puro é o inverso, no sentido de que E e j trocam de
papel. A ocorrência simultânea dos dois fenômenos também é possível. Em sistemas que
apresentam NNDC é comum observar a formação de domínios de campo elétrico estacionários e
de domínios que se movem através do material. Em sistemas que apresentam SNDC, o comum é
a formação de filamentos de corrente.
As amostras semi-isolantes (SI) de GaAs crescidas por epitaxia por feixe molecular a
baixa temperatura (LTMBE) apresentam regiões de condutividade diferencial negativa (NDC),
devido aos processos de g-r mencionados acima. Essas características foram associadas a
defeitos que geram níveis profundos tornando possível a observação dos fenômenos mesmo a
altas temperaturas. Quando as amostras são perturbadas próximo à região de NDC, por exemplo
com a temperatura, iluminação ou um campo magnético, o sistema está sujeito a fazer transições
Introdução
3
de fase, bem como apresentar efeitos não-lineares de transporte e, inclusive, chegar até o regime
de condução caótica, gerado por duplicação de períodos sucessivas no espaço de estados.
A essência do presente trabalho, de fundamentação teórica, consiste em estudar o
comportamento desses sistemas a partir de equações dinâmicas para os processos de g-r e utilizar
técnicas da dinâmica não-linear envolvendo, normalmente, cálculos computacionais em virtude
da dificuldade (impossibilidade prática) de resolvê-las analiticamente. Assim, a realização de
modelagem teórica para esses sistemas é uma boa opção de estudos, tendo como objetivo a
previsão de pontos de operação do sistema, ciclos e estabilidade. É também objetivo, estudar as
possíveis rotas para o caos contidas nas equações.
A motivação para realizar este trabalho teórico surgiu quando foram observadas
experimentalmente as oscilações de corrente elétrica de baixa freqüência (LFO – low frequency
oscillations) nas amostras de GaAs semi-isolantes crescidas por LTMBE. Através de um modelo
simplificado de equações de taxas para os processos de g-r procuramos apresentar um modelo
para interpretar as LFO observadas.
Esta tese está dividida em três capítulos, conclusões e um apêndice. Para fundamentar a
motivação para os nossos trabalhos teóricos, apresentamos, no capítulo 1, alguns resultados da
literatura e provenientes do nosso grupo de trabalho com relação ao fenômeno de oscilações de
baixa freqüência (LFO) em medidas experimentais de corrente elétrica. No capítulo 2,
apresentamos os resultados das análises no contexto da teoria do caos no modelo de equações de
taxas para os processos de g-r. Este modelo visa explicar as oscilações de corrente elétrica
presentes nas amostras de GaAs SI. Os resultados do modelo, que inclui a dependência do
processo de captura com o campo elétrico, são apresentados na forma de diagramas de
bifurcação similares aos obtidos experimentalmente. No capítulo 3, apresentamos os resultados
dos ajustes de curvas I(V) para amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE. Neste caso, a
equação utilizada contempla os dois principais processos de g-r mencionados. A identificação
desses processos de g-r na curva característica I(V) é importante para formular um modelo para
as oscilações de corrente elétrica que possam reproduzir os dados experimentais. Nas
conclusões, sintetizamos os principais resultados inéditos obtidos e, no Apêndice I, apresentamos
alguns conceitos relativos à teoria do caos e análises de séries temporais não-lineares com vistas
a disponibilizar para o leitor os ingredientes básicos dessa consolidada teoria.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
4
CAPÍTULO 1 – OSCILAÇÕES DE BAIXA FREQÜÊNCIA EM GaAs SEMI-
ISOLANTE
Neste capítulo mostraremos alguns resultados experimentais de oscilações de corrente
elétrica de baixa freqüência (low frequency oscillations - LFO) presentes em circuitos com
amostras semi-isolantes (SI) de GaAs crescidas por epitaxia por feixe molecular a baixas
temperaturas (LTMBE). Esses resultados experimentais são as motivações para realizarmos os
estudos teóricos contidos nessa tese. Faremos aqui uma breve descrição dos resultados
experimentais e para uma descrição mais detalhada dos experimentos recomendamos as
referências contidas nesse capítulo.
1.1 – Domínios de Campo Elétrico em GaAs SI
Oscilações de corrente elétrica em semicondutores surgem quando se aplica uma alta
tensão dc na amostra. Essas oscilações são conhecidas desde a década de 60 [1-9] e em vários
trabalhos são discutidas as causas das oscilações como sendo a formação de domínios de campo
elétrico que atravessam a amostra do catodo ao anodo [10-14]. Enquanto o domínio está
propagando na amostra mas em regiões longe dos contatos, a corrente elétrica tem um baixo
valor. Quando o domínio atinge o anodo e desaparece, a corrente no circuito sofre um aumento e
um novo domínio é formado no catodo. Nesse momento, a corrente volta a diminuir. A formação
de domínios de campo elétrico está relacionada com a presença de regiões de condutividade
diferencial negativa (NDC) na curva característica I(V) da amostra. Um exemplo desse tipo de
comportamento, pode ser encontrado no caso do efeito Gunn [15]. A origem física para a
presença da região de NDC, advém da transferência de elétrons de um vale na banda de
condução com baixa energia e alta mobilidade para outro com alta energia e baixa mobilidade.
Essa transferência leva à formação da região de NDC e à formação de domínios de campo. O
efeito Gunn ocorre, por exemplo, em amostras de GaAs tipo-n altamente dopadas [15]. Em
amostras de GaAs SI, ao contrário, os domínios de campo são de propagação muito mais lenta
do que os observados em GaAs tipo-n, sugerindo que o efeito Gunn possa não ser o fenômeno
dominante para a formação de domínios nesse tipo de amostra [12,16]. De fato, as regiões de
NDC e os domínios de campo em GaAs SI são formados pela captura assistida por campo
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
5
elétrico nos defeitos [12-14]. Alguns trabalhos tratam os defeitos que são responsáveis pela
captura de elétrons como os defeitos EL2 [10,11,17].
Na figura 1.1, mostramos uma curva I(V) característica, obtida da literatura, para uma
amostra de GaAs SI crescida por LEC (Liquid Encapsulated Czochralski) [18]. A medida foi
realizada no escuro a uma temperatura de 313 K. O espaçamento entre os contatos, l, foi de 7
mm. Podemos observar que para baixas tensões na amostra, a lei de Ohm é obedecida. Para
voltagens ligeiramente abaixo da voltagem crítica, V
C
, emergem oscilações de pequena
amplitude na corrente e, para voltagens maiores que V
C
, a amplitude cresce. Para voltagens
muito acima de V
C
tem-se a ruptura elétrica, que não é mostrado na figura.
Figura 1.1: Característica I(V) para uma amostra de GaAs SI crescida por LEC. A medida foi
realizada no escuro a 313 K. A região hachurada é a região de oscilação. A linha superior
representa o máximo da corrente e a linha inferior representa o mínimo da corrente [18].
Uma aproximação para o campo elétrico crítico, E
C
, pode ser obtido de:
l
V
E
C
C
= . (2.1)
No caso mostrado tem-se E
C
da ordem de 1 kV/cm. Valores próximos foram encontrados em
outros trabalhos [3,9,19,20]. Esse valor de E
C
é cerca de três vezes menor que o valor encontrado
para o efeito Gunn [21]. Para as amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE, foram encontrados
valores de E
C
em cerca de 0,62 kV/cm [9(a)] e 1,0 kV/cm [9(b)], que concordam com os dados
disponíveis na literatura.
Na figura 1.1, para tensões acima de V
C
, tem-se o regime de NDC e surgem as oscilações
espontâneas de corrente como mostrado na figura 1.2 [18]. A freqüência de oscilação para esta
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
6
amostra é de 56 Hz e a velocidade de propagação do domínio é 39 cm/s. Tais valores de
velocidade são comuns em amostras de GaAs SI [9,16,20,22] e eles são incompatíveis com os
valores observados no efeito Gunn [21]. Ridley [23] argumentou que a mobilidade do domínio,
bem como a sua velocidade, depende da mobilidade efetiva de todos os portadores ativos. Isso
significa que devemos considerar não somente os portadores que estão livres durante o intervalo
de tempo de propagação do domínio, mas também portadores que estão livres somente uma parte
do tempo já que, por exemplo, um elétron pode estar livre na banda de condução ou capturado
num defeito. No estado capturado, ele não responde ao campo elétrico aplicado não contribuindo
para os fenômenos de transporte. Isso implica que a mobilidade efetiva de um elétron
temporariamente capturado é menor do que a mobilidade efetiva de um elétron que está livre o
tempo todo. Assim, a captura de elétrons por defeitos deve ser considerada neste processo.
Figura 1.2: Oscilações espontâneas de corrente em GaAs SI. As medida foram realizadas no
escuro e a 318 K. A tensão aplicada foi de 1400 V [18].
Nas amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE [9], a velocidade de propagação do
domínio de campo é cerca de 35 cm/s [9(a)] e 63 cm/s [9(b)]. Esses valores são compatíveis com
o descrito acima para amostras de GaAs SI.
Utilizando técnicas para observar os domínios de campo elétrico, vários resultados foram
obtidos com relação à gênese dos domínios, sua propagação através da amostra e suas
correlações com as oscilações espontâneas de corrente elétrica [12,13,19,24].
Um resultado importante descrito na ref. [19] tem relação com o campo elétrico crítico,
E
C
, que é um parâmetro relacionado com o aparecimento dos domínios de campo elétrico. Os
resultados experimentais indicam a presença de duas faixas de campo crítico. A primeira faixa de
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
7
campo crítico, E
C1
, que varia de 0,5 a 1,25 kV/cm e está relacionada com o aparecimento das
oscilações de corrente e onde elas apresentam pequenas amplitudes. Essas oscilações são
causadas por domínios que surgem e rapidamente desaparecem no catodo sem percorrer grandes
distâncias no interior da amostra. A segunda faixa de campo crítico, E
C2,
que varia de 3,1 a 8,8
kV/cm é fundamental para a formação de domínios estáveis com envergadura para poderem se
mover ao longo de toda a amostra, do catodo para o anodo. O ciclo de um domínio se inicia com
o seu nascimento no catodo que é instável pela presença de regiões de NDC. O domínio não
pode nascer em regiões intermediárias da amostra, entre o catodo e o anodo, pois a distribuição
de cargas é homogênea e estável, caracterizando uma condição de equilíbrio. Portanto, são as
instabilidades na proximidade do catodo que levam à formação de um domínio no catodo.
Quando a tensão aplicada é alta o suficiente para formar uma região de NDC também no bulk, a
região do catodo torna-se estável e a região de bulk instável e, em decorrência, o domínio pode
propagar. Numa analogia com uma tsunami que aumenta sua amplitude ao se aproximar da
praia, o valor da corrente que chega no anodo é alto gerando um pico na corrente do circuito com
o conseqüente desaparecimento do domínio de campo elétrico. Enquanto o domínio está
desaparecendo no anodo, simultaneamente começa a surgir e a mover um segundo domínio, o
qual causa a queda de corrente.
Outros trabalhos confirmam os resultados descritos acima [12,13]. Além disso, a forma
do domínio varia durante um tempo inicial, constituindo um transiente nas vizinhanças do
catodo. Durante esse tempo de formação, o domínio cresce e diminui sua velocidade de
propagação, mas já estando em regime de propagação. Nessa condição de estado estacionário, a
forma do domínio não muda e a sua velocidade torna-se constante, dependendo linearmente com
a tensão na amostra. Nesses experimentos, foi observado que para tensões acima de 2,2 kV os
domínios não conseguiam atingir o regime estacionário, pois eles chegavam ao anodo antes da
estabilização e suas velocidades são, nesses casos, muito altas. Isto influencia a forma dos
domínios, causando oscilações aperiódicas na corrente elétrica, caracterizando um regime
caótico. A largura do domínio no estado estacionário é independente da tensão aplicada na
amostra, enquanto a altura do domínio cresce linearmente com a tensão.
Na figura 1.3, mostramos um domínio de campo elétrico obtido por diferenciação da
distribuição da voltagem medida [13]. O gráfico do campo elétrico é mostrado em função do
tempo e da posição. Como já descrito, o domínio forma-se no catodo e, nas fases iniciais de
propagação ele cresce, sua velocidade de propagação diminui atingindo o estado estacionário
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
8
para a velocidade e a forma. Quando o domínio atinge o anodo ele desaparece e outro é formado
no catodo e o processo recomeça. Nesse caso, domínios estáveis com a mesma largura mas com
amplitude e velocidade que variam linearmente com a tensão foram observados no intervalo de
1,3 – 1,9 kV. Para voltagens acima deste valor o domínio atinge o anodo e desaparece antes de
atingir o sua forma estável e um comportamento caótico surge [13].
Figura 1.3: Domínio de campo elétrico em função do tempo e da distância entre os contatos a
partir do catodo. A linha fina representa a distribuição do campo elétrico em função da posição
[13].
Utilizando a equação de Poisson, os autores [13] obtiveram também a distribuição
espacial da densidade de carga. Na figura 1.4 mostramos esta distribuição bem como a densidade
de portadores livres e a densidade de portadores capturados nos defeitos. Pode-se concluir dos
resultados que a distribuição espacial de carga forma um dipolo e tem um máximo em
11
102× cm
-3
. Este valor é muito maior que a densidade de elétrons livres na banda de condução,
e segundo os autores, isto pode ser explicado se considerarmos os processos de geração-
recombinação dos elétrons nos defeitos. Assim, os domínios de campo elétrico formam-se de
uma pequena variação em torno do equilíbrio do número de elétrons capturados.
A alta resistividade do domínio é a responsável pela alta porcentagem de repulsão dos
elétrons da banda de condução, enquanto o dipolo de carga, que é necessário para sustentar o
domínio, está quase todo dentro do domínio devido às flutuações na ocupação dos níveis dos
defeitos. Apesar de
n
t
ser quatro ordens de grandeza maior que n, é ainda cinco ordens de
grandeza menor que a densidade de defeitos, que neste caso foi estimado em
16
103,1 × cm
-3
.
Portanto, a variação na razão entre a densidade de elétrons na banda de condução e a densidade
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
9
de elétrons nos defeitos é praticamente determinada por
n e a redução de n na região do domínio
é uma evidência direta da captura assistida por campo (
field-enhanced trapping). Além disso, os
autores [13] argumentam que na equação para o cálculo de
n em função da posição, o baixo
valor da velocidade dos domínios e a pequena contribuição da difusão faz com que a corrente de
deslocamento seja irrelevante para a formação dos domínios, ao contrário dos domínios
formados pelo efeito Gunn, onde a corrente de deslocamento é relevante. Resultados similares
também foram encontrados na ref. [12].
Figura 1.4: Na parte superior tem-se a distribuição do campo elétrico e da densidade de carga em
função da posição e na parte inferior tem-se a densidade de elétrons na banda de condução,
n, e a
densidade de elétrons capturados no defeito,
n
t
, em função da posição [13].
1.2 – Oscilações de Baixa Freqüência e Caos em GaAs SI
Comportamento caótico vem sendo estudado de maneira significativa em semicondutores
como por exemplo GaAs tipo-
n a baixas temperaturas e Ge tipo-p, onde filamentos de corrente
causam as oscilações de corrente [25,26]. Em semicondutores semi-isolantes, onde os domínios
de campo causam as oscilações de corrente, por exemplo, GaAs, InP e Si, também vêm sendo
estudados de maneira significativa [8,18,25,26].
Com relação ao GaAs SI, Smith [27] foi um dos primeiros a observar o comportamento
caótico das oscilações de corrente elétrica. Ele observou que para tensões elevadas e na presença
de iluminação, dois domínios aparecem simultaneamente na amostra. Como cada domínio é
responsável por um pico na corrente, o comportamento geral das oscilações de corrente torna-se
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
10
complexo. Willing [19,24] observou que para tensões elevadas, um domínio atravessa a amostra
e ao desaparecer no anodo encontra com outro domínio ainda desaparecendo no contato,
resultando em oscilações caóticas de corrente. Piazza [12,13] observou que os domínios
precisam de um certo tempo para atingir o seu estado estacionário em relação à forma e
velocidade de propagação na amostra. Para tensões acima de 2,2 kV, ele observou que os
domínios formados não têm o tempo necessário para atingir os seus estados estacionários. Isto
influência a formação dos demais domínios, tendo todos formas diferentes, gerando oscilações
aperiódicas na corrente elétrica da amostra.
A seguir descreveremos alguns resultados da literatura sobre o comportamento caótico
das oscilações de corrente elétrica em GaAs SI e utilizaremos alguns termos relativos à
Dinâmica Caótica e à Análise de Séries Temporais. Para uma descrição resumida sobre os
conceitos envolvidos nestas duas áreas, consulte o Apêndice I deste trabalho e para uma
descrição mais detalhada consulte as referências [28-32].
Knap
et al. [4], utilizou o método da transformada rápida de Fourier nas oscilações de
corrente de uma amostra iluminada. O mapa da freqüência, isto é, o gráfico das freqüências
obtido do espectro de Fourier para as oscilações em função da tensão aplicada na amostra,
mostrou que a amostra atingiu o comportamento caótico por uma rota via duplicação de período.
Para baixas tensões, suficiente para produzir alguma oscilação de corrente, foi encontrada
somente uma única freqüência característica. Para tensões um pouco mais elevadas, foram
encontradas duas freqüências características e as oscilações são quasi-periódicas. Para tensões
ainda maiores, estas duas freqüências fundiram-se em uma única freqüência e surgiu uma outra
freqüência igual à metade desta nova freqüência (bifurcação via duplicação de período). Com
tensões ainda mais elevadas, surgiu uma freqüência principal e duas outras com freqüências
iguais a um terço e dois terços da freqüência principal. Continuando a aumentar a tensão foram
encontradas oscilações de quasi-periodicidade e bifurcações via duplicação de período até atingir
o comportamento caótico.
Pozela
et al. [5], não só trabalhou com o espectro de Fourier para as oscilações como
também trabalhou com os espaços de fase. O espaço de fase foi obtido quando fizeram uma
representação gráfica de dois sinais independentes, um em função do outro. No presente caso,
Pozela utilizou a corrente elétrica e sua derivada temporal. A curva resultante é chamada de
atrator e representa os estados do sistema. No caso de oscilações periódicas, o espaço de fase é
uma curva em ciclo (atrator periódico ou ciclo limite) em duas dimensões. O comportamento
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
11
caótico observado por Pozela resultou em um atrator altamente irregular que não pode ser
representado de maneira ideal em duas dimensões. Para caracterizar este comportamento de
maneira mais quantitativa, eles determinaram a dimensão mínima para o espaço de fase de
maneira a representar corretamente este atrator. Geralmente em sistemas caóticos, o atrator desse
sistema tem uma dimensão não inteira (fractal). A dimensão mínima que Pozela estava
procurando para este atrator fractal é o próximo inteiro acima do valor da dimensão fractal.
Pozela encontrou que a dimensão aumenta de 1 (sistema estável sem nenhuma oscilação), para 2
(oscilações periódicas), para 4 e valores acima de 10 (caos).
Maracas
et al. [6], utilizou a integral de correlação, C(I), para calcular a dimensão de
correlação (uma aproximação da dimensão fractal) das oscilações de corrente elétrica. Para uma
de suas amostras, eles encontraram uma dimensão em torno de 1,17, o que significa que o atrator
neste caso é estranho e que as oscilações de corrente são caóticas.
Neumann
et al. [33] estudou o comportamento das oscilações de corrente em função do
campo magnético. Como nestes experimentos a corrente é a única variável independente
acessível, os atratores foram construídos pela técnica de Takens. Esta técnica consiste em
representar graficamente a corrente no tempo t +
τ em função da corrente no tempo t, onde τ é
uma constante a ser determinada. Para campos magnéticos baixos, as oscilações de corrente são
periódicas, apresentando uma única freqüência característica no espectro de Fourier e atratores
periódicos em duas dimensões no espaço de fase. Para campos magnéticos superiores a 4 T, onde
medidas ópticas mostraram que os domínios desaparecem no interior da amostra, as oscilações
mudam de periódicas para quasiperiódicas. Para campos iguais ou superiores a 6 T, o espectro de
potência é ruidoso sugerindo que os atratores são caóticos. Os cálculos das integrais de
correlação,
C(I), levam ao resultado da dimensão de correlação igual a 0,95.
Nesta seção vimos alguns resultados da literatura para o comportamento caótico das
oscilações de baixa freqüência da corrente elétrica em amostras de GaAs SI. Na próxima seção
iremos apresentar alguns resultados obtidos pelo nosso grupo de pesquisa ao estudar o
comportamento oscilatório da corrente elétrica em amostras de GaAs SI crescidas pela técnica de
MBE a baixas temperaturas (LTMBE).
1.3 – LFO e Caos em amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
12
Foram observadas oscilações de corrente elétrica em amostras de GaAs SI crescidas pela
técnica de MBE a baixas temperaturas [9(a)]. As oscilações de corrente elétrica observadas
foram gravadas em forma de séries temporais e a partir dessas séries temporais foram realizadas
análises baseadas na Teoria do Caos e de Sistemas Não-lineares para caracterizar a dinâmica das
oscilações de corrente. Para essas análises utilizou-se o pacote TISEAN [29,34]. Como resultado
desses estudos, foi observada uma rota de bifurcação para as séries de corrente elétrica levando o
sistema ao comportamento caótico. A seguir, iremos apresentar resumidamente esse trabalho
desenvolvido e suas conclusões. Os vários termos técnicos relativos à análise de séries temporais
e suas interpretações, bem como a teoria de sistemas dinâmicos não-lineares, podem ser
encontradas no Apêndice I e nas referências citadas [28-32].
Nesse estudo [9(a)] foi utilizada uma amostra de GaAs SI crescida a 315
o
C por MBE
sobre um substrato de GaAs SI crescido por LEC. A figura 1.5 mostra a curva
I(V) da amostra
com as seguintes condições experimentais: temperatura de medida 200 K e iluminação do LED
i
LED
= 30 mA. Podemos observar uma região de NDC acentuada em torno de 30 a 40 V. Esta
região está associada ao processo de recombinação do portador de carga (
field enhanced
trapping) que será discutido no capítulo 3. Em torno de 55 V foi observada uma ruptura na
corrente elétrica, associada ao processo de geração do portador de carga (
impact ionization). Os
círculos na região de NDC indicam os pontos onde a tensão foi mantida fixa para medir as
oscilações de corrente em função do tempo,
I(V,t). A figura 1.6 mostra as séries temporais para
as tensões 31 V, 32 V, 33 V e 34 V. Cada um destes valores equivale a um ponto na curva
I(V)
da figura 1.5.
Para se obter uma análise mais precisa nas medidas de oscilações de corrente elétrica, foi
utilizado um algoritmo de redução de ruído, cujo objetivo é limpar as séries temporais o máximo
possível, sem prejudicar a dinâmica do sistema. Na figura 1.6, podemos observar para a tensão
de 31 V uma periodicidade nas oscilações de corrente elétrica, cuja freqüência é constante. Para
a tensão de 32 V, observamos também uma periodicidade nas oscilações de corrente, mas ao
contrário do caso anterior, existem duas freqüências características. Para a tensão de 33 V e 34
V, a periodicidade das oscilações de corrente desaparece, sendo impossível identificar
freqüências características.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
13
Figura 1.5: Curva
I(V) para uma temperatura de 200 K e i
LED
= 30 mA. A região entre as duas
setas indica os pontos onde a tensão foi mantida fixa para medir as séries temporais da corrente.
Figura 1.6: Series temporais da corrente elétrica para a amostra de GaAs SI crescida por LTMBE
a 200 K. A tensão foi mantida constante em 31 V, 32 V, 33 V e 34 V.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
14
A figura 1.7 mostra os atratores reconstruídos a partir das séries temporais apresentadas
na figura 1.6 para os quatro valores da tensão. A técnica utilizada para a reconstrução está
discutida no Apêndice I. O eixo horizontal é o valor da corrente em um dado intervalo de tempo
enquanto o eixo vertical é o valor da corrente atrasada de um certo tempo
τ. Foi utilizado um
espaço bidimensional para a reconstrução do atrator, apesar de esta dimensão somente ser
aceitável para o atrator de 31 V (ciclo-1). Os demais atratores requerem um espaço de
reconstrução maior que dois. Observamos, para uma tensão de 31 V, um ciclo limite de período-
1 seguido de um ciclo limite de período-2, para 32 V, seguido de um comportamento transitório
para o caos, 33 V, e por fim o comportamento caótico para uma tensão de 34 V.
Na figura 1.8 mostramos as dimensões de correlação para os quatro atratores. A dimensão
de correlação é uma aproximação da dimensão fractal do atrator. Os valores das dimensões de
correlação encontrados foram
1,09,0 ±
,
1,03,1
±
,
2,05,1
±
e
1,04,2
±
para os atratores relativos
às tensões de 31 V, 32 V, 33 V e 34 V, respectivamente.
Na figura 1.9 mostramos o cálculo dos maiores expoentes de Lyapunov para as quatro
séries temporais de corrente elétrica. Para a tensão de 31 V e 32 V, encontramos o maior
expoente igual a zero, seguido de 0,095 bits/s para 33 V e 0,57 bits/s para 34 V.
Combinando a dimensão de correlação e o expoente de Lyapunov, concluímos que para
os valores de tensão igual a 31 V e 32 V, as respectivas séries temporais não são caóticas, ou
seja, apresentam um comportamento periódico. Para a tensão de 33 V, encontramos uma
transição para o comportamento caótico com um valor positivo do expoente de Lyapunov mas
uma dimensão de correlação inferior a 2. Para a tensão de 34 V encontramos uma dinâmica
caótica com um expoente de Lyapunov positivo e dimensão de correlação maior que dois.
A seguir, iremos mostrar outro resultado obtido por nosso grupo de pesquisa, onde foi
obtido um diagrama de bifurcação para as oscilações de corrente elétrica com alto grau de
resolução [9(b)]. Neste estudo, foram observadas oscilações de corrente de ciclo-4 em uma
amostra de GaAs SI crescida por LTMBE a 315
o
C. Para visualizar este ciclo, foi aplicada
novamente a técnica de redução de ruído no sinal experimental. A figura 1.10 mostra os
diagramas de bifurcação antes (fig. 1.10(a)) e depois (fig. 1.10(b)) da remoção do ruído. Esses
diagramas foram obtidos a partir dos mínimos das séries temporais,
S
n
, para cada tensão na
amostra. Como podemos observar nesta figura, a seqüência de bifurcação nas oscilações de
corrente é: período-1, período-2, período-4, período-2 e caos. Só foi possível observar o ciclo de
período-4 após a remoção do ruído nas respectivas séries temporais. Para analisar esta dinâmica,
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
15
foram reconstruídos os espaços de fase do sistema utilizando a técnica do atraso temporal e
depois foram feitos a transformada de Fourier para as séries temporais de corrente elétrica.
Figura 1.7: Atratores para (a) 31 V, (b) 32 V, (c) 33 V e (d) 34 V. Atratores sem redução de
ruído estão em cinza e depois da redução de ruído estão em preto.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
16
Figura 1.8: Dimensão de correlação para (a) 31 V, (b) 32 V, (c) 33 V e (d) 34 V.
Figura 1.9: Expoentes de Lyapunov em função da dimensão de imersão para (a) 31 V, (b) 32 V,
(c) 33 V e (d) 34 V.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
17
As figuras 1.11, 1.12 e 1.13 apresentam os cinco atratores reconstruídos seguido das
transformadas de Fourier das séries temporais antes e depois da redução de ruído. As
transformadas de Fourier nos permitem identificar as freqüências fundamentais das séries
temporais. As freqüências fundamentais encontradas foram: 315,2 Hz, 156,9 Hz, 76,9 Hz e
152,3 Hz para os quatro atratores periódicos mostrados nestas figuras. Estas freqüências
correspondem ao inverso do período do atrator. Por exemplo, o ciclo de período-2 tem por volta
de duas vezes o período do ciclo de período-1. Estas freqüências mantêm uma relação
aproximada de 1:1/2:1/4:1/2. Os outros picos do espectro de Fourier correspondem aos múltiplos
das freqüências fundamentais.
Figura 1.10: Diagramas de bifurcação: (a) sem redução de ruído e (b) com redução de ruído. As
setas indicam os atratores das figuras 1.11-13.
S
n
significa os mínimos da corrente na respectiva
série temporal.
Um regime possivelmente caótico foi observado na figura 1.13. Observamos que o
espectro de freqüências para esta série temporal tem uma mudança pouco significativa em
relação à série antes e depois da redução de ruído. A transformada de Fourier para esta série
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
18
temporal não apresenta uma freqüência característica. O espectro de freqüências é todo
preenchido, característico de comportamento caótico.
Através desses estudos, foram observados que as LFO’s da corrente elétrica em amostras
de GaAs SI crescidas por LTMBE são fenômenos com alto grau de não-linearidade. A primeira
evidência da não-linearidade surge nas curvas
I(V) dessas amostras, que apresentam regiões de
NNDC (condutividade diferencial negativa tipo-
N). Esta não-linearidade surge dos processos de
g-r do portador de carga que são dependentes do campo elétrico (Capítulo 3). Outra evidência de
não-linearidade foi apresentada através das oscilações de corrente elétrica de baixa freqüência
(LFO). Vimos que o comportamento dessas oscilações segue uma rota de bifurcação culminando
num regime caótico. Esta rota foi caracterizada através de métodos de dinâmica não-linear e
diagramas de bifurcação foram encontrados.
Figura 1.11: Atratores para 51,6 V de tensão na amostra em (a) e para 55,0 V em (b). Os
atratores sem redução de ruído estão representados em cinza e após redução de ruído estão
representados em preto, seguidos pelas respectivas transformadas de Fourier.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
19
Figura 1.12: Atratores para 57,5 V em (c) e para 60,0 V em (d). Os atratores sem redução de
ruído estão representados em cinza e após redução de ruído estão representados em preto,
seguidos pelas respectivas transformadas de Fourier.
Os resultados da literatura apresentados neste capítulo, sobre a formação de domínios de
campo elétrico de baixas velocidades e oscilações de corrente elétrica em amostras de GaAs SI
crescidas por LEC e MBE, supõem que a formação desses domínios é devido à formação de
regiões de NDC por causa do processo de recombinação assistida por campo elétrico e o
principal defeito responsável seria o EL2 com seu estado excitado EL2
+
. Outra conclusão é que
estes domínios são os responsáveis pelas oscilações de corrente elétrica de baixa freqüência
presentes nessas amostras.
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
20
Figura 1.13: Atrator para 64,0 V. O atrator sem redução de ruído está representado em cinza e
após redução de ruído estão representados em preto, seguidos pelas respectivas transformadas de
Fourier.
Nas amostras de GaAs crescidas por MBE a baixas temperaturas, a densidade de defeitos
profundos é da ordem de 10
19
cm
-3
[17]. Estas amostras apresentam comportamentos não-
lineares nas curvas
I(V) (regiões de NDC) que podem ser explicadas através dos processos de
geração-recombinação (g-r) do portador de carga entre o defeito e a banda de condução
(Capítulo 3). Baseado em resultados experimentais e teóricos, provavelmente o principal
fenômeno para a ocorrência de regiões de NDC nessas amostras é a captura assistida por campo
elétrico (
field enhanced trapping), um processo de recombinação do portador de carga. Foram
observadas também nessas amostras oscilações de corrente elétrica de baixa freqüência. Com os
resultados obtidos para essas amostras e comparados com os resultados da literatura, podemos
inferir que nessas amostras também existem domínios de campo elétrico de baixas velocidades
que atravessam a amostra de um contato para outro gerando oscilações de corrente elétrica. Os
Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
21
resultados são compatíveis com os resultados da literatura em relação ao campo crítico para a
formação de domínios de baixa velocidade, em torno de 1 kV/cm. Numa estimativa, a velocidade
de propagação dos domínios nas amostras é em torno de 35 cm/s [9(a)] e 63 cm/s [9(b)], que
também são compatíveis com as velocidades dos domínios medidas na literatura.
No capítulo seguinte, iremos estudar um modelo para interpretar as oscilações de corrente
elétrica em semicondutores. Este modelo é geral no sentido de não especificar o tipo de
semicondutor que esta sendo modelado e é baseado nos processos de g-r do portador de carga no
material.
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Capítulo 1 – Oscilações de Baixa Freqüência em GaAs Semi-isolante
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[34] http://www.mpipks-dresden.mpg.de/~tisean.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
23
CAPÍTULO 2 – UM MODELO DE EQUAÇÕES DE TAXAS PARA OS
PROCESSOS DE GERAÇÃO E RECOMBINAÇÃO EM
SEMICONDUTORES
Neste capítulo iremos estudar e propor uma modificação em um modelo de equações de
taxas para os processos de geração e recombinação do portador de carga em um material
semicondutor. Este modelo se presta a explicar as oscilações espontâneas em semicondutores. É
importante esclarecer que este modelo é um conjunto de equações diferenciais acopladas de
primeira ordem no tempo, não considerando as variações espaciais das variáveis. Primeiramente,
a partir do modelo padrão, iremos aplicar técnicas de análise de dinâmica não-linear nas séries
temporais de campo elétrico geradas pelo modelo. Após este estudo, modificaremos este modelo
numa primeira tentativa na sua adequação à realidade das amostras de GaAs semi-isolantes (SI)
crescidas por epitaxia de feixe molecular (MBE) e aos dados experimentais. Com essa
modificação obtivemos resultados que reproduziram alguns aspectos dos resultados
experimentais que não apareciam em modelos anteriores, indicando que estamos seguindo em
um caminho adequado.
2.1 – Transporte Elétrico em Semicondutores
A teoria de transporte elétrico em semicondutores descreve como os portadores de cargas
se movem sob a influência de campos elétrico e magnético externos. Assim, esta teoria pode ser
usada para se construir uma explicação quantitativa da condutividade diferencial negativa.
Existem várias teorias nas quais o fenômeno de transporte elétrico em semicondutores pode ser
modelado, entre elas são:
1- Equações diferenciais clássicas para as densidades médias de portadores e campos;
2- Equações de balanço semiclássicas para o número médio de partículas, energia média
e momento dos portadores;
3- Equação de Boltzmann para as funções distribuição do momento e posição dos
portadores;
4- Teoria de transporte quântico baseado na equação de Neumann para a matriz
densidade;
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
24
5- Simulação Monte Carlo da dinâmica de portadores individuais.
Neste trabalho, utilizamos a aproximação 1, observando os limites de validade na qual
negligenciamos flutuações estatísticas como também efeitos quânticos. Todas as alternativas são
não-lineares para regime de campo elétrico alto onde instabilidades e condutividade diferencial
negativa ocorrem. Para as demais teorias recomendamos a referência [1,2] para um maior
detalhamento.
2.1.1 – Equações Clássicas para Semicondutores
Estas equações são dadas pelas equações da continuidade para as densidades de elétrons
na banda de condução (n), de buracos na banda de valência (p) e de elétrons capturados nos
vários níveis de impureza (n
t1
, n
t2
,...,n
tM
: escritos numa notação compacta
t
n
r
):
),,,(
1
Enpnfj
e
n
tnn
r
r
r
&
=
(2.1)
),,,(
1
Enpnfj
e
p
tpp
r
r
r
&
=+
(2.2)
),,,( Enpnfn
ttt
r
r
&
r
= (2.3)
Elas são suplementadas pelas equações de Maxwell para o campo elétrico
E
r
e campo magnético
H
r
:
+=
=
pnnN
e
E
M
i
tiD
S
1
4
ε
π
r
(2.4)
H
c
E
&
r
r
1
=× (2.5)
0= H
r
(2.6)
()
pn
S
jj
c
E
c
H
rr
&
rr
++=×
π
ε
4
(2.7)
em unidades gaussianas e admitindo um material homogêneo, isotrópico, não magnético
caracterizado por uma constante dielétrica
S
ε
. Os pontos referem-se a derivadas em relação ao
tempo,
e > 0 é a carga elétrica elementar e
ADD
NNN =
: é a concentração efetiva de doadores,
onde
N
D
e N
A
são as concentrações de doadores e aceitadores, respectivamente. As densidades de
corrente de elétrons e buracos,
n
j
r
e
p
j
r
, respectivamente, são as componentes de “drift” e
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
25
difusão (assumindo temperaturas espacialmente homogêneas e negligenciando correntes
eletrotérmicas, bem como correntes de transporte magnético):
neDEnej
nnn
+=
r
r
µ
(2.8)
peDEpej
ppp
=
r
r
µ
(2.9)
onde
µ
n
e
µ
p
são as mobilidades de elétrons e buracos, e D
n
e D
p
são as constantes de difusão
para elétrons e buracos. O sinal negativo em (2.1) resulta do fato de que a densidade de corrente
de elétrons
n
j
r
é oposta ao fluxo de portadores por causa da carga negativa dos elétrons.
As funções
f
n
, f
p
e f
t
(f
t1
, f
t2
,...,f
tM
) em (2.1-3) são as taxas de geração e recombinação; elas
dependem não-linearmente das densidades dos portadores envolvidas nos respectivos processos
de g-r, e, através dos coeficientes de g-r, do campo elétrico. Como os processos de g-r
conservam o número total de portadores,
0
1
=+
=
M
i
tipn
fff (2.10)
a equação (2.10) é sempre válida. As equações (2.1 – 2.9) representam equações diferenciais
parciais não-lineares que devem ser resolvidas para condições iniciais e de contorno adequadas.
2.1.2 – Semicondutores como Sistemas fora do equilíbrio Termodinâmico
Para que um semicondutor apresente comportamentos não-lineares, devemos estudá-lo
como um sistema fora do equilíbrio termodinâmico. No equilíbrio termodinâmico, isto é, na
ausência de campos elétrico e magnético externos ou excitações óticas, o semicondutor
caracteriza-se: (a) pela uniformidade entre a distribuição de defeitos e cargas livres; (b) pelo
equilíbrio térmico – mesma temperatura entre os portadores de cargas (elétrons e buracos) e a
rede cristalográfica (fônons); (c) pelo equilíbrio químico – um potencial eletroquímico uniforme
dos portadores, nível de Fermi E
F
. Fora do equilíbrio termodinâmico, o semicondutor pode se
apresentar nas seguintes formas:
i.
há uma distribuição espacial da temperatura no semicondutor;
ii.
há uma dependência espacial para o nível de Fermi;
iii.
a temperatura dos portadores livres e da rede é diferente;
iv.
o nível de Fermi se divide em quase níveis de Fermi distintos para elétrons
e buracos.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
26
Ou, numa combinação destas opções.
Ocorrendo os casos (i) ou (ii) para gradientes de temperatura não muito altos, o sistema
pode ser estudado como sendo próximo ao equilíbrio. O caso (i) se aplica ao aquecimento local
devido ao efeito Joule e, o caso (ii) se aplica aos casos de injeção de corrente, que resulta em alta
corrente de difusão.
O caso (iii) ocorre quando os portadores recebem energia cinética, do campo elétrico ou
por excitação óptica, mais rápido do que a transferência desta energia para a rede. A energia
média dos elétrons, ou buracos, é então maior do que o valor de equilíbrio: (3/2)kT
L
, então
define-se a temperatura do elétron T
e
> T
L
como:
ee
kTE
2
3
= . (2.11)
O caso (iv) ocorre quando os elétrons e buracos não estão em equilíbrio entre si, mas
estão em quase equilíbrio com as bandas. Desta forma temos E
Fn
E
Fp
(Quase-energia de Fermi
para elétrons e buracos respectivamente) e, conseqüentemente, temos T
e
T
h
(temperatura de
elétrons livres e temperatura de buracos livres).
O caso (iv) é a condição de não-equilíbrio fundamental para as instabilidades de geração-
recombinação que iremos tratar neste trabalho, apesar dele estar acoplado em muitas situações
com os casos (iii) e (ii). Se estados de impurezas nas amostras semicondutoras estiverem
envolvidos nos processos de g-r, um quase-nível de Fermi deverá também ser associado a cada
nível de impurezas.
Assim, os processos de geração e recombinação de elétrons e buracos em amostras
semicondutoras que geram as suas instabilidades, caso estas estejam fora do equilíbrio
termodinâmico, são os pontos de partida para entendermos os fenômenos não-lineares e caóticos
apresentados nestas amostras. Na seção seguinte aborda-se os processos de g-r.
2.2 – Processos de Geração e Recombinação em Semicondutores
Os processos mais comuns de recombinação de portadores envolvendo a banda de
condução, de valência, e níveis de impurezas estão representados esquematicamente na figura
2.1.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
27
As setas representam transições de elétrons; nos casos em que são envolvidos buracos
(T
2
S
, B
2
, T
2
, T
3
, T
4
) a transição deles é oposta às setas. Os três primeiros processos são processos
de um único elétron: recombinação banda-banda (B
S
), e captura banda-defeito (T
1
S
, T
2
S
). Os
processos contrários são geração banda-banda (Y
S
) ativados por processos óticos, térmicos ou
assistidos por campo e emissão de elétrons capturados (X
1
S
) ou buracos (X
2
S
). Os outros são
processos de 2 elétrons: recombinação Auger envolvendo duas bandas (B
1
, B
2
), ou uma banda e
um nível de captura (T
1
, T
2
, T
3
, T
4
), e os contrários, chamados de ionização por impacto (Y
1
, Y
2
;
X
1
, X
2
, X
3
, X
4
) [3]. As taxas de geração e recombinação para os processos da figura 2.1 podem
ser inferidas em forma de equação de reação como mostra a tabela 2.1.
Figura 2.1: Processos de geração e recombinação em semicondutores. As setas representam
transições que envolvem elétrons. Os símbolos B
S
, T
1
S
, T
2
S
representam processos envolvendo 1
elétron e os símbolos B
1
, B
2
, T
1
T
4
processos envolvendo 2 elétrons. Os símbolos citados se
referem a processos de recombinação e os símbolos correspondentes (linha de baixo) são os
coeficientes de geração.
As taxas de geração e recombinação f
n
, f
p
e f
t
(f
t1
, f
t2
,...,f
tM
) introduzidas nas equações da
continuidade (2.1-3) incluem os vários termos da tabela 2.1. Eles são não-lineares nas
concentrações dos portadores. Somente se as concentrações de portadores estiverem próximas
dos seus valores de equilíbrio n
0
, p
0
, n
t0
, p
t0
, as equações de taxas podem ser linearizadas em
B
S
T
1
S
T
2
S
B
1
B
2
T
1
T
2
T
3
T
4
Y
S
X
1
S
X
2
S
Y
1
Y
2
X
1
X
2
X
3
X
4
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
28
torno do equilíbrio, e uma constante chamada tempo de vida (
τ
) de elétrons (
τ
n
) ou buracos (
τ
p
)
pode ser definida por:
n
n
n
τ
δ
δ
=
&
,
n
p
p
τ
δ
δ
=
&
(2.12)
onde
00
:,: pppnnn
=
=
δ
δ
. Entretanto, se o semicondutor está fora do equilíbrio
termodinâmico como no caso (iv) da seção 2.1.2, as não-linearidades das taxas de g-r são
essenciais, e o conceito de tempo de vida não é útil. Este caso se aplica às instabilidades de g-r
que serão abordados neste capítulo.
Tabela 2.1: O subscrito t se refere a portadores de carga capturados em defeitos. Os coeficientes
B
S
e Y
S
se referem à transição banda-banda, que no equilíbrio se igualam e, fora do equilíbrio, a
reação de geração é favorecida, quando a excitação ótica possui energia maior ou igual a do gap
do semicondutor.
Coeficiente de
recombinação / geração
Equação de balanço
de cargas
Taxas de
recombinação / geração
B
S
/Y
S
e + h → γ (fóton)
B
S
np --- Y
S
T
1
S
/ X
1
S
e + h
t
e
t
T
1
S
np
t
--- X
1
S
n
t
T
2
S
/ X
2
S
h + e
t
h
t
T
2
S
pn
t
--- X
2
S
p
t
B
1
/ Y
1
2e + h e B
1
n
2
p --- Y
1
n
B
2
/ Y
2
2h + e h B
2
p
2
n --- Y
2
p
T
1
/ X
1
2e + h
t
e + e
t
T
1
n
2
p --- X
1
nn
t
T
2
/ X
2
e + h + h
t
h + e
t
T
2
npp
t
--- X
2
pn
t
T
3
/ X
3
e+ h + e
t
e + h
t
T
3
npn
t
---
X
3
np
t
T
4
/ X
4
2h+ e
t
h+h
t
T
4
p
2
n
t
--- X
4
pp
t
Além disso, os coeficientes de g-r dependem, em geral, do campo elétrico E. Esta
dependência é particularmente pronunciada no caso dos coeficientes de ionização por impacto
Y
1
, Y
2
, X
1
, X
2
, X
3
, X
4
. A dependência mais simples é dada pelo modelo de Shockley [4]:
Y
1
, Y
2
; X
1
, X
2
, X
3
, X
4
~ exp[-E
i
/(e
λ
E)]
onde E
i
é uma energia de ionização limite característica e
λ
é o livre caminho médio dos
portadores.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
29
2.3 – Equações de Taxas para os Processos de Geração e Recombinação
Nesta seção veremos um mecanismo de geração-recombinação que dá origem a três
estados estacionários homogêneos (dois dos quais são estáveis) em um certo intervalo de campo
elétrico e parâmetros do material. Isto resulta numa relação SNDC para a densidade de corrente e
campo elétrico. A ionização por impacto torna-se um processo essencial para este fenômeno.
2.3.1 – Modelo para um único portador
Consideraremos um modelo onde é envolvido somente um tipo de portador (elétrons ou
buracos). Neste trabalho, iremos considerar semicondutores do tipo-n. Assim, todas as fórmulas
são dadas para o caso de elétrons, mas a extensão para o caso de um semicondutor tipo-p não
apresenta dificuldades, observando que as concentrações de elétrons e de doadores devem ser
trocadas pelas concentrações de buracos e aceitadores e trocando as constantes de geração-
recombinação.
Podemos assumir que o semicondutor tipo-n tem N
D
doadores, parcialmente
compensados com N
A
aceitadores (< N
D
). Para baixas temperaturas podemos desprezar os
processos de g-r envolvendo a banda de valência. Também podemos supor que os aceitadores
estão todos ocupados, assim não entram explicitamente nos processos de g-r. Os elétrons podem
ser capturados pelas impurezas da amostra: um átomo doador, ou – para altas temperaturas onde
todos doadores estão ionizados termicamente – por um defeito profundo. Incluímos também a
possibilidade de um elétron ser capturado pelo estado fundamental do defeito ou por um estado
excitado deste.
As soluções espacialmente homogêneas das equações de transporte (2.1-9) tornam n e n
ti
independentes da posição e
ZZ
eLVeEE
ˆ
)/(
ˆ
0
==
r
, onde E
0
é o campo elétrico aplicado na
amostra ao longo do eixo Z, V é a voltagem aplicada na amostra e L é o comprimento da amostra.
Assim, a partir de (2.8), as equações de transporte são reduzidas a:
000
)( EEnej
n
µ
= (2.13)
Supondo a independência da mobilidade pelo campo elétrico no intervalo de campo elétrico
usado. A equação de Maxwell (2.4) reduz à condição de neutralidade local,
0
1
=
=
M
i
tiD
nnN (2.14)
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
30
onde N
D
*
:= N
D
– N
A
é a densidade de doadores efetiva. De (2.14) uma das densidades de
elétrons capturados, n
tM
, pode ser eliminada em (2.1-3). Então, teremos as equações de taxa para
os processos de g-r:
),,...,,(
0110
Ennngn
tMt
=
&
(2.15)
),,...,,(
011
Ennngn
tMtiti
=
&
i = 1,..., M-1 (2.16)
onde
==
=
0
1
1
*
11011
,,,...,,:),,...,,( EnnNnnnnfEnnng
M
i
tiDtMtMtttMt
λλ
λ =
0, 1,..., M-1; t
0
n (2.17)
Os estados estacionários homogêneos n(E
0
) são dados pela solução simultânea do sistema de M
equações não-lineares:
),,...,,(0
011
Ennng
tMt
=
λ
λ =
0, 1,..., M-1 (2.18)
Logo, (2.13) representa a característica j(E) da amostra.
No que se segue, iremos ilustrar esse procedimento para um caso específico de processo
de geração-recombinação.
Um modelo de geração-recombinação com dois níveis de defeitos (o estado fundamental
e o primeiro estado excitado) é mostrado na figura 2.2.
Segundo a figura 2.2, as equações de taxas (2.15-16) são dadas por:
112
*
1121 ttt
S
t
S
nnXnnXnpTnXn ++=
&
(2.19)
112
*
1
*
1 tttt
nnXnTnXn +=
&
(2.20)
12 tt
nnn
&&&
= (2.21)
Eliminando p
t
e n
t2
pela condição de conservação de impurezas e neutralidade das cargas:
tttt
Nnnp =
+
+
21
, nNnn
Dtt
=+
*
21
(2.22)
obtemos duas equações de taxas para as duas variáveis independentes n e n
t1
:
2
4131210
nannananaan
tt
++++=
&
(2.23)
1312101 ttt
nnbnbnbbn ++
+
=
&
(2.24)
com
*
10
D
S
NXa =
**
0
D
NTb =
)(
*
11
**
11
Dt
SS
D
NNTXNXa =
*
1
Tb =
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
31
S
Xa
12
= )(
**
2
XTb +=
*
113
XXa =
13
Xb
=
)(
*
114
XTa
S
+= (2.25)
No estado estacionário, 0;0
1
=
=
t
nn
&&
, obtemos:
nXXT
nNT
n
D
t
1
**
**
1
)(
++
=
(2.26)
dcnbnannP +++==
23
3
)(0 (2.27)
com
1
*
11
)( XXTa
S
+=
)(])([
**
1
*
1
*
1
**
11
*
1
*
1
XTTXXXTNNTXNXXb
S
Dt
SS
D
+++=
))(()(
***
1
*
1
*
1
**
1
**
1
XTNNTXXXNXXNTXc
Dt
SS
DD
S
+++=
**
1
D
S
NXXd = (2.28)
Assim, dependendo dos valores dos coeficientes podemos ter três valores reais, ou três valores
físicos para
n.
Figura 2.2: Modelo de geração-recombinação envolvendo a banda de condução (CB) e o defeito
– estado fundamental (GS) e o primeiro estado excitado (FIS).
A ocorrência de uma curva tipo-S para
j(E) não está ligada a nenhuma dependência
particular dos coeficientes de ionização por impacto com o campo elétrico, apesar de
X
1
(E
0
) e
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
32
X
1
*
(E
0
) serem funções crescentes de E
0
. Como já foi mencionado, utilizamos o modelo de
Shockley [3-5] para os coeficientes:
=
0
0
11
exp
Ee
E
XX
D
λ
,
=
0
*
0
*
1
*
1
exp
Ee
E
XX
D
λ
(2.29)
onde
E
D
e E
D
*
são as energias do estado fundamental e do nível excitado dos doadores,
λ
é o
livre caminho médio dos elétrons e
X
1
0
, X
1
*0
são constantes aproximadas.
2.4 – Oscilações Induzidas por Ionização por Impacto
Iremos estudar nesta seção um mecanismo de oscilações de campo elétrico e de
densidade de corrente originadas na amostra [3,5]. Essas oscilações são devidas às instabilidades
geradas pelos processos de geração-recombinação dos portadores de carga da amostra. A
ionização por impacto é o fator principal para a ocorrência deste processo, uma vez que os
coeficientes de ionização por impacto
Y
1
, Y
2
, X
1
, X
2
, X
3
, X
4
têm uma dependência não-linear com
o campo elétrico. Para o estudo destas oscilações, iremos trabalhar com uma amostra com dois
níveis de impurezas e a banda de condução. Além de uma das bandas, dois níveis de impurezas é
o mínimo que um sistema deve ter para apresentar as oscilações espontâneas [3,5].
Antes de darmos continuidade, retornaremos às equações de transporte (2.1-3) e
densidade de corrente (2.8) para um único portador majoritário,
n, na amostra semicondutora
tipo-
n e definiremos algumas grandezas adimensionais [3,5] que serão utilizadas no restante
deste capítulo. Para isto, normalizaremos todas as concentrações pela concentração efetiva de
doadores:
ADD
NNN =
:,
*
:
D
N
n
=
ν
(2.30)
),...,(:
1
*
tMt
D
t
t
vv
N
n
=
&
r
&
r
ν
(2.31)
e introduziremos uma variável de tempo e espaço adimensionais:
M
t
τ
τ
=: (2.32)
D
L
x
r
=:
ξ
(2.33)
onde,
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
33
*
0
4
:
D
S
M
Ne
µπ
ε
τ
= (2.34)
é o tempo efetivo de relaxação-dielétrica, e
2/1
0
)(:
MD
DL
τ
= (2.35)
é o comprimento efetivo de Debye. Os termos D
0
,
µ
0
e
ε
S
são respectivamente, a constante de
difusão e mobilidade para campos baixos, e constante dielétrica. Usando a relação de Einstein:
eD
n
=
µ
n
kT, definimos o campo elétrico adimensional
ε
r
como,
E
kT
eL
E
D
L
D
D
rr
r
=
=
0
0
:
µ
ε
(2.36)
Com estas definições, as equações de transporte (2.1-3) para as concentrações de elétrons
livres e capturados na forma adimensional são:
),,()(
0
εννϕννεν
τ
t
rr
=+
(2.37)
),,(
εννϕν
τ
ttt
r
r
r
=
(2.38)
supondo que
µ
n
=
µ
0
, D
n
= D
0
, sejam independentes do campo. As concentrações e o campo
estão acoplados pela equação de Maxwell para a densidade de cargas (2.4) adimensional,
=
=
M
i
ti
1
1
ννε
r
(2.39)
t
ϕ
ϕ
r
,
0
são as taxas de geração e recombinação. Estas taxas dependem implicitamente do campo
elétrico
ε
r
através dos coeficientes de ionização por impacto. Reescrevendo a densidade de
corrente para os elétrons j
n
, equação (2.8), de maneira mais completa, onde introduzimos a
corrente de deslocamento e a velocidade de drift V(
ε
) [3,5],
τ
ε
νεεν
++=
r
r
r
)()( DVj (2.40)
Assim, para o caso de dois níveis de impurezas, as equações (2.37-40), podem ser
reduzidas a um sistema de três equações diferenciais ordinárias não-lineares. Supondo um campo
elétrico espacialmente homogêneo temos, a partir de (2.39),
21
10
tt
ν
ν
ν
= (2.41)
Supondo também uma homogeneidade espacial dos portadores de cargas, temos de (2.37-38-40)
que,
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
34
),,(
10
ε
ν
ν
ψ
ν
t
=
&
(2.42)
),,(
111
ε
ν
ν
ψ
ν
tt
=
&
(2.43)
)(
ε
ν
ε
Vj =
&
(2.44)
onde as taxas de geração-recombinação são:
),1,,(:),,(
121010
ε
ν
ν
ν
ν
ν
ϕ
ε
ν
ν
ψ
tttt
=
= (2.45)
),1,,(:),,(
121111
ε
ν
ν
ν
ν
ν
ϕ
ε
ν
ν
ψ
ttttt
=
= (2.46)
Note que
ν
t2
é agora uma variável dependente das demais concentrações.
Para uma densidade de corrente independente do tempo, (2.42-44) representa um sistema
dinâmico autônomo, independe explicitamente do tempo e o estado estacionário é determinado
por:
0),,(),,(
011010
==
ε
ν
ν
ψ
ε
ν
ν
ψ
tt
(2.47)
e
)(
0
ε
ν
Vj = (2.48)
A equação (2.48) representa a curva característica
j(
ε
) da amostra.
Para o sistema de dois níveis de impurezas (estado fundamental e o primeiro estado
excitado) estudados na seção 2.3., reconstruiremos o espaço de fase das trajetórias do sistema
não-linear (2.42-44). As taxas de g-r (2.45-46) serão dadas por:
νννννντψ
+++=
*
*
12
**
111
*
10
)(/
D
A
D
S
tD
S
tDM
N
N
NTNXXNX
(2.49)
2
*
1
*
1
*
1
)(/
ttDM
TNXX
ννντψ
++= (2.50)
com
12
1
tt
ν
ν
ν
= . Os coeficientes de ionização por impacto para os estados fundamental e
excitado são dados pela formula de Shockley (2.29) [4,5],
)/6exp(
0
11
ε
t
EXX = , )/5.1exp(
0
*
1
*
1
ε
t
EXX = (2.51)
E
t
é a energia do estado fundamental da impureza normalizada. Os outros coeficientes são
aproximações independentes do campo. A velocidade de drift é dada pela forma empírica [6]:
2
2
)(arctan
)(
r
r
V
ε
ε
=
(2.52)
a qual cresce linearmente com o campo para pequenos
ε
e satura em v(
ε
)=
π
/(2r
2
) para grandes
ε
. Na equação (2.52) r
2
é um parâmetro de saturação adimensional dado por
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
35
r
2
:=(
πµ
0
kT)/(2v
S
eL
D
), onde
µ
0
é a mobilidade para campos baixos e v
S
é a velocidade de
saturação em unidades físicas.
Integrando numericamente o sistema (2.42-44), utilizando o método Runge-Kutta de 4º
ordem, usando (2.49-52) e (2.48) no estado estacionário, para os valores numéricos da tabela 2.2
[3], obtemos a figura 2.3.
Tabela 2.2 – Parâmetros de g-r adimensionais usados na figura 2.3.
T
1
S
N
D
*
T
*
X
1
S
X
*
X
1
0
N
D
*
X
1
*0
N
D
*
E
t
N
A
/N
D
*
r
2
10
-2
/τ
M
10
-5
/τ
M
5x10
-6
/ τ
M
5x10
-6
/ τ
M
5x10
-4
/ τ
M
10
-2
/τ
M
1 0.5 0.3
Figura 2.3: Ciclo limite e série temporal para: (a) e (b)
ε
0
= 180.0, (c) e (d)
ε
0
= 190.0. Os
atratores foram reconstruídos usando o método do delay, onde δ = 10. O campo elétrico
ε
está
um unidades de kTE
t
/(eL
D
) e o tempo em unidades de τ
M
.
Observa-se na figura 2.3 as oscilações de ciclo limite para o campo elétrico normalizado
ε
. O parâmetro de controle é o campo elétrico estático
ε
0
, relativo à característica j(
ε
0
) do
sistema, equação (2.48). Para os valores listados na tabela 2.2, encontramos somente oscilações
de ciclo limite sem rota de bifurcação [3]. Os atratores foram reconstruídos utilizando o método
0,51,01,52,02,53,03,54,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
(c)
ε−δ (x10
2
)
ε (x10
2
)
0246
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
(d)
ε (x10
2
)
t
(
x10
6
)
0,81,01,21,41,61,82,02,22,42,62,83,0
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
2,2
2,4
2,6
2,8
3,0
(a)
ε−δ (x10
2
)
ε (x10
2
)
0123456
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
2,2
2,4
2,6
2,8
3,0
(b)
ε (x10
2
)
t (x10
6
)
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
36
do atraso temporal (delay) na série do campo elétrico (ver Apêndice I para mais detalhes desta
técnica de análise). Também podemos observar o transiente do campo elétrico, a partir das
condições iniciais, antes de atingir o ciclo limite.
Mostramos acima que as equações de taxas para os processos de g-r do portador de carga
em um semicondutor hipotético apresentam um comportamento oscilatório para uma faixa do
campo elétrico estático
ε
0
e para certos valores dos coeficientes de g-r. Mostraremos agora um
estudo que realizamos neste modelo com o intuito de aplicar as técnicas de análise de dinâmica
não-linear de dados experimentais nos dados gerados pela integração do sistema dado pelas
equações (2.42-44). Para isto, reproduziremos a dinâmica deste sistema para certos valores do
parâmetro de controle e dos coeficientes de g-r. Schöll [5] propôs este modelo com o intuito de
fornecer uma pista teórica sobre a origem das oscilações de corrente observadas em amostras
semicondutoras [7-9].
Reescreveremos o modelo para as variáveis normalizadas n, n
1
e
ε
, mantendo os fatores
de normalização (2.30-35). Assim, o modelo [2] é escrito como:
,
2
*
111121
nnXnnXnpTnXn
t
SS
++=
&
(2.53)
,
111
*
2
*
1
nnXnXnTn =
&
(2.54)
).(
ε
ε
nVJ =
&
(2.55)
Uma curva J-
ε
característica do sistema é apresentada na figura 2.4. Observamos nesta
curva uma condutividade diferencial negativa tipo-S (SNDC). Este modelo gera curvas J-
ε
estáticas tipo-S.
Figura 2.4: Curva característica para a densidade corrente em função do campo elétrico estático
para o sistema (2.53-55) no estado estacionário. J está em unidades de e
µ
N
D
* e
ε
0
em V/cm.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
37
Os métodos de análise de dinâmica não-linear em sistemas físicos experimentais, como
por exemplo, as análises realizadas nas medidas experimentais de corrente elétrica em amostras
de GaAs descritas no capítulo 2 [9], são baseados nas séries temporais experimentais de alguma
variável do sistema. Os procedimentos de análises de séries temporais experimentais funcionam
bem em sistemas no qual não temos acesso direto às equações dinâmicas do sistema. Em geral, o
primeiro procedimento na investigação de sistemas não-lineares experimentais é a reconstrução
do atrator via as séries temporais experimentais aplicando a técnica dos vetores de atraso
temporal [10] (ver apêndice I). Após este procedimento, é possível estimar a dimensão de
correlação do atrator e os expoentes de Lyapunov. A dimensão de Kaplan-Yorke também pode
ser estimada, pois é uma correlação entre os expoentes de Lyapunov. A presença de um atrator
com dimensão fractal e um expoente de Lyapunov positivo são características de sistemas
caóticos [11]. Por isto a importância de realizar estes cálculos. Devemos, entretanto, ter cuidado
nestas análises, uma vez que a dinâmica de alguns sistemas é altamente sensível a efeitos
estocásticos levando a uma falsa identificação da dinâmica caótica. Como exemplo, expoentes de
Lyapunov positivos podem ocorrer mesmo para sistemas não-caóticos que estejam contaminados
com ruído [12,13]. Assim, é necessário um baixo nível de ruído nas séries temporais
experimentais para uma análise mais confiável. Em dados experimentais [9], foram obtidas
séries temporais de corrente elétrica contaminadas com uma certa porcentagem de ruído, mesmo
desenvolvendo um aparato experimental para a sua redução. Assim, técnicas de redução de ruído
foram utilizadas nas séries temporais medidas para obter resultados das análises de dinâmica
não-linear mais confiáveis. Uma outra maneira de evitar interpretações errôneas nas análises é
descrever o sistema físico por um modelo de equações diferenciais não-lineares incluindo os
processos mais relevantes de geração-recombinação dos portadores de carga do sistema real e
aplicar nesse modelo as técnicas de análise de séries temporais não-lineares. Este procedimento é
válido, uma vez que as séries temporais para as variáveis deste modelo são livres de ruídos,
tornando as análises mais confiáveis.
Neste primeiro momento, iremos trabalhar com o modelo original [5] e gerar séries
temporais de campo elétrico, ou seja, para a variável
ε
, e aplicar as técnicas de análises de séries
temporais não-lineares (Apêndice I). Schöll [2,3,5] focou o estudo do modelo principalmente na
análise de bifurcação em torno dos pontos fixos do sistema (2.53-55) e a dependência da matriz
Jacobiana com o parâmetro de controle. Assim, iremos ampliar estes estudos, realizando cálculos
baseados em análises de séries temporais não-lineares nas séries temporais do campo elétrico,
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
38
geradas pela integração numérica do sistema (2.53-55). Nós calculamos as dimensões de
correlação e os expoentes de Lyapunov para os atratores em função do parâmetro de controle do
sistema. Além de estarmos trabalhando com análises de dinâmica não-linear, este estudo pode
ser visto como um teste da eficiência dos algoritmos de análises de séries temporais
experimentais em séries provenientes de medidas elétricas em materiais semicondutores uma vez
que, foram realizados estes cálculos em séries temporais experimentais [9] e, neste trabalho, em
séries livres de efeitos externos como ruídos. Assim, podemos comparar os resultados obtidos
neste estudo teórico com os resultados obtidos nos estudos experimentais de uma maneira
qualitativa.
2.5 – Análise das Séries Temporais
Como já mencionado utilizamos o conjunto de equações nas variáveis normalizadas n, n
1
e
ε
, dado pelo sistema (2.53-55). Neste sistema de equações, a densidade de portadores no estado
excitado, n
2
, foi eliminada segundo a condição da neutralidade das cargas: nnNn
D
=
1
*
2
. A
densidade de defeitos não ocupados, p
t
, é dado por: p
t
= N
A
+ n. A densidade de doadores
efetivos e a densidade de aceitadores são representados por
*
D
N e N
A
, respectivamente. Os
coeficientes
S
X
1
e
S
T
1
são os coeficientes de ionização térmica e captura, respectivamente (fig.
2.2).
*
T
e
*
X
são os coeficientes de transição do estado fundamental para o estado excitado e
vice-versa, respectivamente. Os coeficientes
1
X e
*
1
X são os coeficientes de geração via
ionização por impacto do estado fundamental e excitado, respectivamente, os quais são
dependentes do campo elétrico seguindo o modelo de Schockley, enquanto os demais são
independentes do campo elétrico.
Integrando o sistema de equações (2.53-55) utilizando o método Runge-Kutta de 4º
ordem, ajustando o parâmetro de controle
ε
0
com os coeficientes de g-r adequados, a rota para o
caos por duplicação de período encontrado por Schöll também foi observada por nós. A partir
deste ponto, nós realizamos análises de dinâmica não-linear nas séries temporais de campo
elétrico. As análises seguem o procedimento padrão de análises de séries temporais não-lineares,
isto é, primeiramente reconstruímos o atrator do sistema no espaço de fase pelo método do vetor
atraso temporal [10,12,13] na série temporal do campo elétrico; depois calculamos os expoentes
de Lyapunov [14,15] e a partir deles, calculamos a dimensão de Kaplan-Yorke (D
KY
);
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
39
calculamos também a dimensão de correlação (D
C
) [16,17] no espaço de fase (D
CF
) e na seção de
Poincaré (D
CM
).
Os valores dos coeficientes de g-r usados para integrar o sistema (2.53-55) e os valores
dos demais parâmetros encontram-se na tabela 2.3. Os coeficientes de ionização por impacto
1
X
e
*
1
X seguem a relação:
=
ε
t
E
XX
0.6
exp
0
11
e
=
ε
t
E
XX
5.1
exp
0*
1
*
1
. A energia E
t
é o
valor normalizado da energia da impureza no estado fundamental. A razão
*
D
A
N
N
é o fator de
compensação. O parâmetro r
2
é um valor de saturação que está relacionado com a velocidade de
drift empírica [6] V(
ε
) como:
()
2
2
arctan
r
r
V
=
ε
ε
. Estes parâmetros e coeficientes
dependem do material semicondutor. Schöll [2,3,5] trabalhou com um conjunto de parâmetros
para um material tipo-n de gap direto que apresenta uma condutividade diferencial negativa
(NDC) tipo-S (fig. 2.4) e com doadores rasos a baixa temperatura.
Tabela 2.3 – Coeficientes de g-r e parâmetros para o sistema (2.53-55). Os coeficientes estão em
unidades de τ
M
[2,3,5].
S
T
1
*
T
S
X
1
*
X
0
1
X
0*
1
X
t
E
*
/
DA
NN
2
r
2
10
5
10
6
105
×
6
105
×
4
105
×
2
10
1
3.0 3.0
A figura 2.5 mostra as séries temporais do campo elétrico geradas pela integração
numérica do sistema (2.53-55). A figura 2.6 mostra os atratores construídos a partir das variáveis
do sistema (2.53-2.55). Optamos no presente estudo dar enfoque nas técnicas de análise via a
série temporal de uma única variável e calcular os parâmetros de interesse via essa série. As
figuras 2.7 a 2.9 mostram os atratores reconstruídos para seis valores do parâmetro de controle
ε
0
: 102, 105, 105.3, 105.42, 105.5 e 105.9. A dimensão de correlação D
C
para os atratores e o
espectro dos expoentes de Lyapunov também são mostrados. A variável do eixo vertical é a
mesma do eixo horizontal, mas atrasada de um valor constante que está em parênteses. Este valor
foi obtido pelo algoritmo da informação mútua [10] (Apêndice I) que nos fornece o atraso
temporal que devemos fazer na série temporal para a reconstrução do atrator. Podemos observar
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
40
nestas figuras que a rota de bifurcação para o regime caótico é por duplicação de período. De
fato, um ciclo de período-1, fig. 2.7(a), é seguido por um ciclo de período-2, fig. 2.7(b), seguido
por um ciclo de período-4, fig. 2.8(a), seguido por um ciclo de período-8, fig. 2.8(b), e por fim
seguido por um regime caótico, fig. 2.9. Após o ciclo de período-8, existem ciclos de períodos
maiores antes de atingir o regime caótico. Porém, o passo utilizado no parâmetro de controle não
é suficiente para identificar tais ciclos e a diferença entre os máximos das séries temporais torna-
se muito pequena dificultando a visualização de tais períodos nos atratores reconstruídos. Assim,
não visualizamos ciclos de períodos superiores a 8 antes de atingir o regime caótico. A figura
2.10 mostra o diagrama de bifurcação. O eixo horizontal é o parâmetro de controle
ε
0
e o eixo
vertical é a seqüência de máximos das séries temporais de campo elétrico. Na tabela 2.4,
apresentamos um resumo dos resultados obtidos, como o espectro dos expoentes de Lyapunov e
as dimensões de correlação para os fluxos (D
CF
) e para os mapas (D
CM
), bem como a dimensão
de Kaplan-Yorke (D
KY
) para os parâmetros de controle
ε
0
.
Tabela 2.4 – Dimensão de correlação e expoentes de Lyapunov para o parâmetro de controle
ε
0
.
D
CF
, D
CM
, λ
i
e D
KY
são a dimensão de correlação para o atrator, a dimensão de correlação para a
seção de Poincaré, o i-ézimo expoente de Lyapunov e a dimensão de Kaplan-Yorke,
respectivamente.
ε
0
D
CF
D
CM
λ
1
λ
2
λ
3
D
KY
102.0
002.0000.1 ±
0 0.00 -0.07 -0.57 1.12
105.0
001.0001.1 ±
0 -0.02 -0.13 -0.54 1.30
105.3
001.0003.1 ±
0 0.03 -0.09 -0.32 1.41
105.42
01.002.1 ±
0 0.04 -0.05 -0.20 1.77
105.5
02.078.1 ± 02.084.0 ±
0.17 0.01 -0.39 2.44
105.7
02.080.1 ± 02.080.0 ±
0.13 0.01 -0.31 2.45
105.8
01.092.1 ± 01.095.0 ±
0.13 0.01 -0.30 2.48
105.9
02.097.1 ± 02.097.0 ±
0.15 0.02 -0.34 2.49
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
41
Figura 2.5: Séries temporais do campo elétrico para o parâmetro de controle
ε
0
igual 102 (a), 105
(b), 105.3 (c), 105.42 (d) e para 105.5 (e). O campo elétrico
ε
está em unidades de (kTE
t
)/(eL
D
) e
t está em unidades de
τ
M
.
(a)
(e)
(d)
(c)
(b)
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
42
Figura 2.6: Atratores do sistema (2.53-55) nas variáveis campo elétrico
ε
e densidade de
portadores
n com parâmetro de controle
ε
0
igual 102 (a), 105 (b), 105.3 (c), 105.42 (d) e para
105.5 (e).
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
43
Figura 2.7: Os atratores reconstruídos para
ε
0
igual 102 (a) e 105 (b), seguidos pela dimensão de
correlação e pelos expoentes de Lyapunov para cada atrator.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
44
Figura 2.8: Os atratores reconstruídos para
ε
0
igual 105.3 (a) e 105.42 (b), seguidos pela
dimensão de correlação e pelos expoentes de Lyapunov para cada atrator.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
45
Figura 2.9: Os atratores reconstruídos para
ε
0
igual 105.5 (a) e 105.9 (b), seguidos pela dimensão
de correlação e pelos expoentes de Lyapunov para cada atrator.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
46
Figura 2.10: Diagrama de bifurcação para o sistema.
ε
0
é o parâmetro de controle e
ε
Max
é o
máximo da série temporal do campo elétrico.
Nós observamos a evolução da dimensão de correlação e dos expoentes de Lyapunov em
função do parâmetro de controle
ε
0
. O valor da dimensão de correlação (D
CF
) para os ciclos
limites de periodicidade 1, 2, 4 e 8 mostrados na figura 2.7 e 2.8, aumenta com a periodicidade
dos atratores mas permanece dentro do intervalo de 1.00 a 1.02 de tal maneira que pode ser
considerado constante. A dimensão de Kaplan-Yorke (D
KY
) está no intervalo de 1.12 a 1.77. As
dimensões de correlação (D
CM
), calculadas via o mapa (seção de Poincaré), dos atratores
periódicos são nulas, como esperado, por consistirem de um conjunto finito de pontos. O maior
expoente de Lyapunov para os atratores periódicos são praticamente nulos, e os outros dois
expoentes são negativos. O mais negativo dos expoentes de Lyapunov aumenta com a
periodicidade do atrator resultando no aumento de D
KY
. A soma dos três expoentes é sempre
negativa, indicando um sistema dissipativo limitado em uma certa região do espaço de estados.
Assim, estes atratores são altamente estáveis e os resultados sugerem que suas dimensões
topológicas (D
T
) são 1 com uma dimensão de imersão (D
E
) igual a 3, o qual é necessário para a
obtenção de atratores com trajetórias que não se cruzam.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
47
Os atratores da figura 2.9 correspondem ao
ε
0
igual a 105.5 e 105.9 e têm um valor de
D
CF
igual a 1.78 e 1.97, respectivamente, os quais são quase duas vezes maiores que os valores
de D
CF
para os atratores periódicos. Isto é razoável uma vez que os atratores caóticos são mais
densos no espaço de estados do que os periódicos. Apesar de que D
CF
aumenta de valor, ele
ainda permanece um pouco abaixo de 2.00, devido a uma distribuição não-uniforme de pontos
no atrator como podemos observar na figura 2.9. Por outro lado, existe uma tendência dos
métodos usuais de cálculos da dimensão de correlação em subestimar a dimensão real do sistema
[17]. Entretanto, é conhecido que D
CF
é um limite inferior para a dimensão fractal da mesma
maneira que D
KY
é um limite superior [18,19].
Comparando os atratores que têm um expoente de Lyapunov nulo com os mapas (seções
de Poincaré), Eckmann e Ruelle [11] encontraram uma diferença entre as dimensões fractais do
fluxo e do mapa igual a 1, o qual foi associado com o fato de que a dimensão associada com a
direção do espaço de estados que tem um expoente de Lyapunov nulo é 1. Ao fazermos a seção
de Poincarè do atrator (fluxo), eliminamos esta direção. De fato, na tabela 2.4, observamos que
as análises realizadas para D
CM
de todos os atratores caóticos, diferem praticamente de 1 das
análises realizadas para D
CF
, o qual indica que estes valores são cálculos confiáveis.
A exigência de que D
E
3 pode ser claramente observado nas figuras 2.7(b), 2.8 e 2.9,
que foram representadas em duas dimensões. Estes atratores apresentam trajetórias que se
cruzam em alguns pontos, violando o princípio dinâmico do não-cruzamento das trajetórias.
Usamos um espaço bi-dimensional para os atratores por motivos práticos, representando as
projeções dos atratores em três dimensões em um espaço 2D. Observamos que para obtermos os
atratores, integramos um conjunto de três equações diferenciais, sugerindo um espaço de estados
3D.
Se fizermos a diferença de D
KY
e D
CF
entre os atratores para
ε
0
igual a 105.42 e 105.5,
[D
KY
(105.5) – D
KY
(105.42) = D
KY
] e [D
CF
(105.5) – D
CF
(105.42) = D
CF
], obtemos
D
KY
= 0.67 e D
CF
= 0.74. Ambas as diferenças não são nulas pois um regime é periódico e
outro caótico. A diferença entre
D
KY
e D
CF
é pequena, indicando que ambas as medidas são,
de maneira semelhante, sensitivas à mudança de regime. D
KY
, entretanto, apresenta algumas
diferenças em relação a D
C
. D
KY
cresce de maneira significativa para os atratores periódicos e é
bem acima de 2 para os atratores caóticos. Os valores de D
KY
estão relacionados com a redução
do módulo do expoente de Lyapunov mais negativo. Esta mudança afeta D
KY
sem estar
relacionado com uma mudança significativa da forma do atrator. O conceito de forma do atrator
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
48
significa que o caráter de ser uma trajetória fina e fechada é preservada para regimes periódicos.
Para o regime caótico, D
KY
está relacionado com a dimensão fractal do atrator, apesar de não ser
uma medida direta dele. D
KY
pode ser considerado como um limite superior para qualquer atrator
que tenha o mesmo espectro dos expoentes de Lyapunov [16].
A figura 2.11 mostra a curva característica
J(
ε
0
) do sistema de equações (2.53-55) para os
valores dos coeficientes e parâmetros da tabela 2.3. Observamos uma curva com região de NDC
tipo-S. O intervalo do parâmetro de controle do sistema (2.53-55),
ε
0
, no qual encontramos a rota
de bifurcação apresentada nas figuras 2.6-10, é uma pequena região na curva
J(
ε
0
). Observe que
pode haver até três pontos de operação possíveis nesta curva, mas somente o ponto que está na
região de NDC é instável para a ocorrência das oscilações. Nos
insets da figura, mostramos a
região instável, NDC, e a região estável, PDC (condutividade diferencial positiva).
Figura 2.11: Curva característica para a densidade corrente em função do campo elétrico estático
para o sistema (2.53-55) no estado estacionário.
J está em unidades de e
µ
N
D
* e
ε
0
em V/cm. Esta
curva foi gerada com os valores dos coeficientes da tabela 2.3.
Neste estudo aplicamos técnicas de análises de séries temporais não-lineares
experimentais em séries geradas por um modelo teórico. Este método nos permitiu inferir
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
49
questões importantes a respeito do espectro dos expoentes de Lyapunov e da dimensão de
correlação dos atratores. Além disso, testamos a validade da técnica de análise de dinâmica não-
linear aplicada em sistemas experimentais no modelo de equações de taxas para os processos de
g-r do portador de carga em um semicondutor hipotético. Observamos uma concordância dos
resultados obtidos com a teoria de dinâmica o-linear. Este tipo de abordagem também foi
utilizado num estudo de dinâmica não-linear em dados experimentais [9] (capítulo 1) obtendo
também resultados compatíveis com a teoria do caos. Com isto, a técnica de análise de dinâmica
não-linear se aplica tanto aos dados experimentais quanto aos dados teóricos de comportamento
oscilatório em sistemas semicondutores.
O estudo realizado nesta seção está publicado no periódico Physica D [23].
2.6 – O modelo de Ionização por Impacto com a Captura Assistida por Campo Elétrico
Nesta seção, iremos apresentar um estudo preliminar realizado no modelo de equações de
taxas descrito nas seções anteriores. Este estudo consiste em alterar o coeficiente de
recombinação
S
T
1
, que no modelo original é constante para a região de campo elétrico utilizado.
A modificação consiste em fazer com que este coeficiente seja dependente do campo elétrico. A
dependência segue o fenômeno de captura assistida por campo elétrico (
field-enhanced trapping)
que será descrito no capítulo 3 desta tese [20-21]. O objetivo é incorporar no modelo de
equações de taxas para os processos de g-r descrito nas seções anteriores, os principais
fenômenos de g-r do portador de carga do sistema GaAs SI crescido por LT-MBE que julgamos
essenciais para a ocorrência de oscilações de baixa freqüência.
Com esta alteração do modelo de equações de taxas, geramos uma série de diagramas de
bifurcação para o campo elétrico em função do parâmetro de controle. Observamos que os
diagramas de bifurcação são dependentes da energia do defeito. Assim, geramos um conjunto de
diagramas de bifurcação para um intervalo de valores da energia e do parâmetro de controle, que
como no caso da seção anterior, é o campo elétrico estático
ε
0
.
O modelo de equações é o mesmo descrito na seção 2.4, ou seja, o sistema composto das
eqs. (2.53-55). A modificação proposta é a troca do coeficiente
S
T
1
, que é constante na faixa do
campo elétrico estático usado, por
T
1
, que assume uma dependência com o campo elétrico
segundo o modelo de captura assistida por campo elétrico, que será discutido no capítulo 3 [20-
21]. Assim, esta dependência com o campo elétrico pode ser escrita como:
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
50
Ee
E
T
λ
1
1
exp
, onde E
1
é uma energia de captura limite, e é a carga do elétron e λ é o
livre caminho médio. Como descrito nas seções anteriores, iremos trabalhar com variáveis
normalizadas. Assim, o coeficiente
T
1
é escrito como:
=
ε
1
0
11
exp
E
TT
. Todos os valores
dos outros coeficientes e parâmetros foram mantidos iguais aos utilizados na seção anterior. No
caso da tabela 2.3, a única mudança é a troca do coeficiente
S
T
1
por
0
1
T mantendo-se o valor
numérico.
Para os valores da tabela 2.3 e para
E
1
igual a 1.7E
t
, obtemos o diagrama de bifurcação
mostrado na figura 2.12. O eixo horizontal é o parâmetro de controle
ε
0
e o eixo vertical é a
seqüência de máximos das séries temporais do campo elétrico geradas pelo sistema (2.53-55)
com as modificações descritas acima. No intervalo do parâmetro de controle
ε
0
mostrado na
figura 2.12, encontramos somente oscilações de campo elétrico com um período fundamental, ou
seja, oscilações de período-1. Para valores de
ε
0
abaixo de 38 e acima de 43, o sistema converge
para pontos fixos.
Figura 2.12: Diagrama de bifurcação para
E
1
= 1.7E
t
.
A figura 2.13 mostra o diagrama de bifurcação para
E
1
igual a 1.55E
t
. Neste caso, o
sistema bifurca de período-1 para período-2, com duas freqüências fundamentais, e retorna para
período-1 no intervalo de
ε
0
entre 50.0 a 55.2. A figura 2.14 mostra o diagrama de bifurcação
para
E
1
igual a 1.50E
t
. Neste caso, o sistema apresenta uma rota de bifurcação em cascata por
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
51
duplicação de período, seguida de uma cascata inversa (figura 2.14(a)). A figura 2.14(b) mostra
uma ampliação da figura 2.14(a) no intervalo de 56.15 a 57.20 para
ε
0
. Observamos nesta
ampliação rotas de bifurcação por duplicação de período e crise do tipo interior. Este tipo de
bifurcação é caracterizado por uma mudança abrupta de um comportamento caótico para um
ciclo de período-1.
Figura 2.13: Diagrama de bifurcação para
E
1
= 1.55E
t
.
Figura 2.14: Diagrama de bifurcação para
E
1
= 1.50E
t
. Em (b) uma ampliação de (a).
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
52
A figura 2.15 mostra o diagrama de bifurcação para para
E
1
= 1.00E
t
. Neste caso o
sistema bifurca de um ciclo de período-1 para período-2 seguido de um ciclo de período-4 e
retorna para um ciclo de período-2 seguindo uma rota de bifurcação por duplicação de período.
Esta seqüência de bifurcação, período-1 -> período-2 -> período-4 -> período-2, é observada nas
medidas experimentais de oscilações de corrente de amostras de GaAs SI como pode ser
observado na figura 1.10(b) do capítulo 1 [9].
Figura 2.15: Diagrama de bifurcação para
E
1
= 1.00E
t
.
A figura 2.16 mostra o diagrama de bifurcação para
E
1
= 0.1E
t
. Neste caso a seqüência de
bifurcação vista na figura 2.15 desaparece do segundo braço de bifurcação, surgindo no terceiro
braço seguida de uma bifurcação por duplicação de período comum.
Neste modelo, nós geramos oscilações de campo elétrico ao invés de oscilações de
corrente elétrica como nas medidas experimentais [9]. Entretanto, a relação entre as variáveis
pode ser obtida da relação
)()(
ε
ε
VnJ =
, onde n(ε) é a variável dinâmica dos sistema (2.53-55)
e
V(ε) é a velocidade de drift dinâmica como definida na seção anterior. Todas as variáveis e
parâmetros são normalizados como no caso da seção 2.5, e os fatores de normalização são dados
pelas equações (2.30-36). Assim, como exemplo, para a amostra da figura 1.10(b), capítulo 1 [9],
na temperatura de 300 K com
µ
0
= 670 cm
2
/Vs, ε
S
= 12.9, N
D
*
= 10
19
cm
-3
e o nível do defeito
em 0.7 eV, teremos
τ
M
~ 10 µs e kTE
t
/eL
D
~ 1V/cm.
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
53
Observamos através dos resultados apresentados nesta seção que, ao incluir a
dependência do coeficiente de recombinação
T
1
com o campo elétrico no modelo de equações de
taxas, o sistema (2.53-55) apresentou uma rica variedade de comportamento periódico e caótico.
Vimos estes resultados através de diagramas de bifurcação. Esta complexidade nos diagramas de
bifurcação, além de ser dependente do parâmetro de controle, também depende do nível de
energia do defeito responsável pelo efeito da captura assistida por campo elétrico. Podemos
observar este fato nas figuras 2.12-16. Por exemplo, para altos valores de
E
1
, fig. 2.12, o sistema
apresentou um comportamento periódico para todos os valores de campo elétrico estático.
Podemos inferir que neste caso o efeito de captura assistida por campo elétrico não é um efeito
predominante para a faixa de campo elétrico utilizado. Para valores entre 1.55
E
t
E
1
0.3E
t
,
figuras 2.13-15, encontramos um variedade de bifurcação incluindo duplicação de período, crise
e uma seqüência da forma: período-1 – período-2 – período-4 – período-2. Podemos inferir que
nesta faixa de valores para
E
1
, o efeito de captura domina ou compete com o efeito de ionização.
Abaixo de 0.3
E
t
, figura 2.16, o sistema apresenta uma bifurcação por duplicação de período, no
qual podemos inferir que o efeito de ionização domina.
Figura 2.16: Diagrama de bifurcação para
E
1
= 0.1E
t
.
Os resultados apresentados nesta seção são preliminares necessitando de uma maior
investigação para melhor compreender a relação do modelo descrito acima com os dados
experimentais. Entretanto, podemos inferir destes resultados que o efeito de captura dependente
do campo elétrico tem um papel importante na dinâmica dos portadores de carga do modelo,
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
54
como no caso experimental, onde o efeito de captura assistida por campo elétrico tem um papel
importante nas oscilações de corrente elétrica em amostras de GaAs SI [22]. O efeito de
ionização também tem um papel importante na dinâmica, de fato a grande riqueza de oscilações
está na competição entre os fenômenos de captura assistida por campo elétrico e ionização por
impacto.
O estudo apresentado nessa seção foi apresentado no
12
th
Brazilian Workshop on
Semiconductor Physics
e aceito para publicação no Proceedings do encontro que sairá no
periódico
Brazilian Journal of Physics.
Referências do Capítulo 2
[1] K. Aoki,
Nonlinear dynamics and Chaos in Semiconductors, Series in Condensed Matter
Physics, Institute of Physics Publishing, Bristol, 2001.
[2] E. Schöll,
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[6] R. M. Westervelt and S. W. Teitsworth, J. Appl. Phys.
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(1985); G. N. Maracas
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Rodrigues and M. V. B. Moreira, Chaos
13, 457 (2003); R. L. da Silva, H. A. Albuquerque,
R. M. Rubinger, A. G. de Oliveira, G. M. Ribeiro and W. N. Rodrigues, Physica D
194, 166
(2004).
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33, 1134 (1986).
[11] J.-P. Eckmann and D. Ruelle, Rev. Mod. Phys.
57, 617 (1985).
[12] H. D. I. Abarbanel, R. Brown, J. J. Sidorowich and L. Sh. Tsimring, Rev. Mod. Phys.
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1331 (1993).
[13] R. Hegger, H. Kantz and T. Schreiber, Chaos
9, 413 (1999).
[14] J.-P. Eckmann, S. Oliffson Kamphorst, D. Ruelle and S. Ciliberto, Phys. Rev. A
34, 4971
Capítulo 2 – Um Modelo de Equações de Taxas para os Processos de g-r em Semicondutores
55
(1986).
[15] M. Sano and Y. Sawada, Phys. Rev. Lett.
55, 1082 (1985).
[16] P. Grassberger and I. Procaccia, Physica D
9, 189 (1983).
[17] J. C. Sprott and G. Rowlands, Int. J. Bifur. Chaos
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[18] K. E. Chlouverakis and J. C. Sprott, Physica D
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[19] H. G. E. Hentschel and I. Procaccia, Physica D
8, 435 (1983).
[20] R. M. Rubinger, A. G. de Oliveira, G. M. Ribeiro, J. C. Bezerra, M. V. B. Moreira, and H.
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[21] H. A. Albuquerque, A. G. de Oliveira, G. M. Ribeiro, R. L. da Silva, W. N. Rodrigues, M.
V. B. Moreira and R. M. Rubinger, J. Appl. Phys.
93, 1647 (2003).
[22] A. Neumann, J. Appl. Phys.
90, 1 (2001).
[23] H. A. Albuquerque, R. L. da Silva, R. M. Rubinger, A. G. de Oliveira, G. M. Ribeiro, and
W. N. Rodrigues, Physica D
208, 123 (2005).
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
56
CAPÍTULO 3 – CONDUTIVIDADE DIFERENCIAL NEGATIVA EM GaAs
SEMI-ISOLANTE
Neste capítulo iremos estudar o principal fenômeno responsável pelas instabilidades
apresentadas em amostras de GaAs semi-isolantes (SI) crescidas por epitaxia por feixe molecular
a baixa temperatura (LTMBE) e em outros semicondutores. Esse fenômeno é a condutividade
diferencial negativa (NDC). Iremos apresentar alguns resultados obtidos na interpretação desse
fenômeno.
3.1 – Condutividade Diferencial Negativa
As propriedades elétricas de um semicondutor podem ser observadas diretamente na
relação corrente versus voltagem, I(V), em condições independentes do tempo (cc = corrente
contínua). Esta relação é originada pelas propriedades microscópicas do bulk do material
semicondutor que fornecem a densidade de corrente, j
v
, em função do campo elétrico local,
E
v
.
Se a característica
()
Ej
apresenta um regime de condutividade diferencial negativa (NDC)
0<
dE
dj
dif
σ
, (3.1)
isto é, se a densidade de corrente diminui com o aumento do campo elétrico, ou vice-versa,
instabilidades podem ocorrer na amostra, como por exemplo, formação de domínios de campo
elétrico ou de densidade de corrente [1,2].
Para uma descrição mais detalhada, considere um semicondutor com uma densidade de
elétrons livres n. Para uma grande faixa de campo elétrico
E
v
, a densidade de corrente j
v
que flui
através da amostra obedece a lei de Ohm
Ej
v
v
σ
= , (3.2)
onde
σ é dado por
µ
σ
ne
=
, (3.3)
e é a carga elétrica elementar e
µ
é a mobilidade elétrica. Na ausência de campo elétrico, os
elétrons livres estão em equilíbrio térmico com a rede cristalina. Este equilíbrio é mantido
através de colisões entre os elétrons e os átomos da rede. O campo elétrico acelera os elétrons
entre as colisões, o que lhe confere uma certa quantidade de energia. Parte desta energia é
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
57
perdida em calor durante as colisões (efeito Joule), e a outra parte deixa a “temperatura” do
elétron um pouco maior do que a temperatura da rede. Se o campo elétrico for muito alto, a
“temperatura” do elétron aumenta muito em relação à temperatura da rede e os elétrons são
denominados de “quentes”. Neste regime de campo elétrico alto, a relação entre
j
v
e
E
v
torna-se
não-ôhmica e surgem fenômenos não-lineares.
No regime ôhmico,
n e
µ
são independentes do campo elétrico. Mas na presença de
campo elétrico elevado um destes parâmetros ou ambos pode variar.
n pode variar devido à
ionização por impacto ou captura de elétrons. No caso de
µ
, este é influenciado pela
transferência de elétrons de um vale da banda de condução para outro vale com massa efetiva
diferente (efeito Gunn). Assim, para campos elétricos bem elevados, longe do efeito ôhmico, o
produto
nE ou
µ
E diminui ou aumenta, gerando regiões de NDC, eq. (3.1). Na seção seguinte,
3.2, iremos estudar com mais detalhes estes casos.
O fenômeno de NDC permite uma diferenciação quanto à forma da curva característica
j(E); genericamente, ela pode ser SNDC e NNDC. Essa notação decorre da semelhança da curva
característica com as letras S e N no sentido de que a região de derivada negativa é a perna
central do S ou do N. Isso é ilustrado na Figura 3.1.
Figura 3.1: Densidade de corrente
j em função do campo elétrico E para os dois tipos de NDC:
(a) NNDC e (b) SNDC.
Os fenômenos de NNDC e SNDC estão associados, respectivamente, com instabilidades
de tensão ou corrente, quando cada um desses parâmetros é controlado. No caso de NNDC, a
densidade de corrente é uma função unívoca do campo, mas o campo apresenta três valores
distintos para alguns valores de
j. O caso SNDC é o inverso, no sentido que E e j trocam de
papel. A ocorrência simultânea dos dois fenômenos também é possível de acontecer. Em
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
58
sistemas que apresentam NNDC é comum observar a formação de domínios de campo elétrico
estacionários ou que se movem através do material. Já em sistemas que apresentam SNDC, o
comum é a formação de filamentos de alta corrente com vizinhança em baixa corrente.
Para o caso específico de NNDC, a lei de Ohm é válida para campos elétricos abaixo de
um valor crítico
E
C
, figura 3.2(a). Para uma tensão muito alta, a amostra sofre um “colapso”
elétrico e a corrente cresce abruptamente. A instabilidade na região de NDC pode ser estudada
analisando a estabilidade elétrica. Por exemplo, considere a equação da continuidade para a
densidade de elétrons livres,
n
0
1
=
j
et
n
v
. (3.4)
Suponha que exista uma pequena flutuação local da densidade espacial de carga em torno do
valor de equilíbrio n
eq
. A equação de Poisson pode ser escrita como
(
)
ε
eq
nne
E
=
v
, (3.5)
onde
ε
é a permissividade (supondo que seja constante para qualquer flutuação do campo
elétrico). A densidade de corrente é dado por
neDEj +=
v
v
σ
, (3.6)
onde D é o coeficiente de difusão. Tomando o divergente da equação (3.6) e usando a equação
(3.5), encontramos
(
)
nD
nn
j
e
eq
2
1
+
=
ε
σ
v
. (3.7)
Esta equação junto com a equação (3.4), torna-se
(
)
0
2
=
+
nD
nn
t
n
eq
ε
σ
. (3.8)
A solução temporal da equação (3.8) é
(
)
ε
µ
/exp ntenn
eq
. (3.9)
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
59
Podemos observar que uma NDC faz com que o desequilíbrio inicial de carga cresça
exponencialmente com o tempo, o que significa que a amostra é instável na região de NDC.
Figura 3.2: (a) NNDC; (b) Dependência com o campo da resistividade diferencial local.
Conforme a amostra é levada para perto da região de NDC, a resistividade diferencial
positiva local aumenta com o campo aplicado, como é mostrado na figura 3.2 (b). Isto significa
que se em uma região da amostra houver uma pequena flutuação do campo elétrico, sua
resistividade aumenta. Com isso, a corrente que flui através desta região diminui, permitindo que
a região de alta resistividade aumente. A figura 3.3 mostra que devido a este fato, geralmente há
uma formação de domínio de campo de alta resistividade. O domínio cresce até a largura total da
amostra para depois mover do catodo para o anodo em virtude da presença do campo elétrico
externo. A velocidade dos elétrons livres em amostras de GaAs tipo-n é em torno de 10
7
cm/s, o
qual limita a velocidade dos domínios na amostra nesse valor.
Nas considerações acima, mostramos que sob certas circunstâncias a aplicação de um
campo elétrico elevado em materiais semicondutores, pode surgir regiões de NDC e domínios de
campo elétrico dentro da amostra. Na próxima seção iremos estudar os mecanismos que levam à
formação de regiões de NDC em amostras de GaAs tipo-n e SI.
Resistividade local
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
60
Figura 3.3: Formação de domínio iniciando em uma pequena região de alto campo elétrico.
3.2 – Mecanismos para NDC em GaAs do tipo SI e do tipo-n
Nesta seção estudaremos os mecanismos que levam a formação de regiões de NDC em
amostras de GaAs semi-isolante (SI) e tipo-n. Ambas apresentam curvas I(V) do tipo NNDC e
formação de domínios de campo elétrico no seu interior. Conseqüentemente ambas apresentam
oscilações de corrente elétrica. Contudo, existem diferenças nessas oscilações. No caso de
amostras de GaAs tipo-n a velocidade dos domínios de campo elétrico que são formados no
interior das amostras é da ordem de 10
7
cm/s, gerando oscilações de corrente da ordem de GHz.
Enquanto em amostras de GaAs SI, as oscilações de corrente são da ordem de poucas centenas
de Hz e a velocidade dos domínios de campo elétrico é da ordem de 10
2
cm/s. Portanto, os
principais mecanismos responsáveis pelas instabilidades elétricas nestas amostras são de
natureza física diferentes.
As regiões de NDC nestas amostras podem ser divididas em duas classes de mecanismos,
todos dependentes do campo elétrico:
Não-linearidade da mobilidade (instabilidade de drift);
Não-linearidade da densidade dos portadores de carga (instabilidade de
geração-recombinação).
contato
região de alto campo elétrico
fluxo de cor
rente
domínio
região de baixo campo elétrico
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
61
3.2.1 – Instabilidade de drift
O efeito responsável por este tipo de instabilidade em GaAs tipo-n e em outros
semicondutores III-V é conhecido como efeito Gunn [3]. Ele é utilizado no diodo Gunn, por
exemplo, para gerar e amplificar freqüências além de 1GHz. O mecanismo é baseado na
transferência de elétrons entre dois vales da banda de condução, no espaço dos k’s, com massas
efetivas diferentes [4]. Por exemplo, a transferência de elétrons de um estado com pequena
massa efetiva, alta mobilidade, para um estado com alta massa efetiva, baixa mobilidade, para
campo elétrico intenso (E
C
> 3 kV/cm), ver figura 3.4.
Figura 3.4: Transferência de elétrons do vale-Γ para o vale-L na banda de condução.
A baixos campos elétricos os elétrons estão praticamente no mínimo do vale-Γ, o qual
corresponde a uma pequena massa efetiva m
*
(para o GaAs m
*
= 0.07m
0
) e assim uma alta
mobilidade. Conforme o campo elétrico E aumenta, os elétrons “aquecidos” ganham energia
suficiente para serem transferidos para o vale-L com um mínimo de energia maior do que no
vale-Γ, mas com um massa efetiva maior (m
*
= 0.55m
0
) e assim com uma mobilidade menor.
Quanto mais elétrons são transferidos, a mobilidade média
µ
diminui intensamente tal que a
densidade de corrente
()
EEenj
µ
= também diminui com o aumento do campo, resultando em
uma mobilidade diferencial negativa
(
)
0/
<
dEEd
µ
(NDM). Quando a maioria dos elétrons
estiver no vale-L, a densidade de corrente j cresce novamente. Assim uma região de NNDC na
curva característica j(E) é formada.
Aplicando um campo elétrico intenso o suficiente para haver uma transferência de
elétrons entre vales (~ 3 kV/cm para o GaAs), um domínio de campo elétrico é formado no
k
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
62
interior da amostra em uma região de não-homogeneidade. Sendo a mobilidade de drift dos
elétrons no vale-L pequena, elétrons do vale-Γ tendem a acumular atrás do domínio, enquanto os
portadores à frente do domínio são repelidos, gerando o perfil da densidade de portadores e
conseqüentemente o perfil do campo elétrico da figura 3.5.
Figura 3.5: Diagrama esquemático do campo elétrico e da densidade de elétrons em função da
posição para o domínio de campo movendo-se em direção ao anodo.
No efeito Gunn, o domínio de campo elétrico gerado no catodo move-se em direção ao
anodo, que se encontra num potencial positivo relativo ao catodo, com uma velocidade
scmv
dom
/10
7
. Durante a propagação, a amplitude do domínio é uma função crescente. Ao
atingir o anodo, como mostrado na figura 3.6, o domínio em propagação desaparece e,
simultaneamente, um novo domínio é formado no catodo. Esse processo ocorrendo de forma
repetitiva é que conduz às conhecidas oscilações Gunn, que constituem uma característica
intrínseca da amostra. A freqüência de oscilação cresce com a distância entre o catodo e o anodo,
já que o tempo de transito é aproximadamente
dom
vL /
=
τ
. Assim, para uma oscilação de 5 GHz
e para um L = 0,1 mm, tem-se uma velocidade de scmv
dom
/102
7
×= .
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
63
Na literatura, o efeito Gunn é também identificado pela sigla TEE que significa efeito da
transferência de elétrons e foi previsto por Ridley e Watkins [5] e Hilsum [6] há mais de 40 anos.
Imediatamente após, Kroemer [7] mostrou que esses dois trabalhos explicam os dados
experimentais que haviam sido obtido por Gunn [3].
Figura 3.6: Ilustração do crescimento da intensidade de um domínio de campo elétrico durante a
sua propagação do catodo para o anodo.
Experimentalmente, aplica-se uma tensão dc, V
ap
, em uma amostra de GaAs tipo-n a
temperatura ambiente e mede-se a corrente I. Para baixos valores de tensão, a lei de Ohm é
obedecida. Para valores de tensão acima de um valor crítico, V
C
, a corrente oscila em uma
freqüência de gigahertz, correspondendo ao tempo de transito dos elétrons livres movendo
através da amostra [1]. Estas oscilações são causadas, como discutido acima, por domínios de
campo que atravessam o bulk da amostra [1].
3.2.2 – Instabilidades de Geração-Recombinação
As instabilidades advindas dos processos de geração-recombinação (g-r) estão
relacionadas com a dependência não-linear da densidade de portadores n com o campo elétrico
E, o qual leva a uma relação não-monotônica entre a densidade de corrente e o campo elétrico,
()
EEenj
µ
= , que levam às presenças de regiões de condutividade diferencial negativa (NDC)
que podem ser na forma de um N ou um S estilizados. A presença de regiões de NDC é devida a
uma redistribuição de elétrons entre a banda de condução e os defeitos (e possivelmente a banda
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
64
de valência) com o aumento do campo elétrico. As probabilidades de transições microscópicas
dos portadores entre estados diferentes, os coeficientes de geração-recombinação (g-r),
geralmente dependem do campo elétrico. Os principais processos de g-r que dependem
fortemente do campo elétrico são: captura assistida por campo (field-enhanced trapping) e
emissão Poole-Frenkel (Poole-Frenkel emission) dos centros de impureza, os quais geralmente
levam a formação de regiões do tipo NNDC; e a ionização por impacto, o qual é o principal
processo para a formação de regiões do tipo SNDC.
A captura assistida por campo elétrico ocorre, por exemplo, no semicondutor Ge dopado
com Au [9]. Os átomos de Au formam níveis profundos de impureza, correspondendo a íons
simples ou duplamente carregados negativamente. A captura de elétrons nestes níveis requer
uma penetração da barreira de potencial Coulombiano. Portanto, o coeficiente de captura
aumenta com o campo E enquanto a emissão (térmica) de elétrons é praticamente independente
do campo, para valores abaixo do campo limiar para a ocorrência de ionização. Assim, a
densidade de portadores livres decai com o aumento do campo:
0/ <dEdn
, e a condutividade
diferencial
()
dEEdnnedEdj // +=
µ
torna-se negativa. Para campos ainda maiores, o
coeficiente de ionização aumenta e a densidade de portadores continua a aumentar com o campo,
levando a uma condutividade diferencial positiva. Assim uma curva característica j(E) na forma
de um N estilizado é formada.
As oscilações de baixa freqüência (LFO) em amostras de GaAs semi-isolante (SI) [10-15]
foram explicadas como advindas de domínios de campo elétrico que atravessam a amostra [16].
Esses domínios são induzidos pelo fenômeno de captura assistida por campo elétrico, e eles são
observados experimentalmente por técnicas eletro-ópticas [17].
Outro fenômeno que pode levar á formação de regiões de NDC, diferente da captura
assistida por campo elétrico, é o de ionização por impacto de portadores de impurezas, como
doadores rasos, aceitadores ou defeitos profundos ou ainda através de transições interbandas. Se
um portador livre ganhar energia cinética suficiente do campo elétrico, ele pode transferir esta
energia em uma colisão para um portador ligado, que passa para a banda de condução. Portanto
um portador livre é gerado e este pode ionizar outros portadores quando for acelerado e colidir
com um portador ligado. Assim, este processo leva a um rápido aumento da densidade de
portadores livres. O coeficiente de ionização por impacto aumenta muito com o campo elétrico
E. Se este campo estiver acima do limiar necessário para “esquentar” os portadores livres, estes
ganham energia suficiente para ionizar outros portadores. Modelos para este tipo de processo de
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
65
geração são relevantes para uma variedade de materiais e para várias faixas de temperatura [18].
Estes modelos podem explicar a formação de regiões de NDC tipo-S (SNDC) em curvas
características j(E) em regime de baixa temperatura para vários semicondutores [19].
3.3 – Condutividade diferencial negativa do tipo-N em amostras de GaAs crescidas a baixas
temperaturas por MBE
Amostras de GaAs semi-isolantes (SI), não-dopadas intencionalmente, são materiais que
apresentam curva característica I(V) da forma de NNDC como pode ser visto na figura 3.7, em
que apresentamos algumas curvas da literatura.
Na figura 3.7 (d), apresentamos uma curva I(V) característica para uma amostra de GaAs
SI crescida por epitaxia por feixe molecular a baixas temperaturas (LTMBE). A temperatura de
crescimento T
C
para esta amostra foi de 315
o
C. Para amostras de GaAs crescidas por MBE,
quanto menor a temperatura de crescimento maior é, em princípio, a concentração de defeitos
profundos [21], que são responsáveis pelas características semi-isolantes (SI) das amostras [22].
Em geral, quanto mais próximo do meio do gap estiver o nível do defeito, maior a sua
capacidade de capturar portadores livres da banda de condução e, em conseqüência, a de
produzir um aumento considerável na resistividade do semicondutor gerando o caráter SI. Este
tipo de defeito torna-se, então, um instrumento relevante para aqueles casos em que se pretende
obter um material base, o substrato, sobre o qual se deseja construir estruturas com propriedades
elétricas específicas, mas sem que o substrato participe ativamente do processo de condução.
No caso específico de GaAs crescido por LTMBE, o defeito responsável pela
característica SI é um defeito de anti-sítio, com o átomo de As ocupando a posição
cristalográfica do Ga, representado por As
Ga
, e sua concentração pode chegar a 10
19
cm
-3
. Esse
defeito, em alguns trabalhos e em algumas situações específicas, tem sido também identificado
como o Centro EL2 [21,23]. Essa confusão advém do fato de ainda existir dúvidas quanto à
natureza química do Centro EL2. Entretanto, parece conclusivo que o EL2 contém um As
Ga
.
Esse defeito de anti-sítio é encontrado em GaAs crescido pela técnica de Liquid-Encapsulated
Czochralski (LEC) em virtude de características próprias da técnica. Sua geração pode também
ser induzida em GaAs preparados por MBE, reduzindo a temperatura de crescimento de forma a
diminuir a migração dos átomos de As na camada epitaxial. Dessa forma, a chance dos átomos
de As ficarem no sítio do Ga pode ser aumentada significativamente.
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
66
Figura 3.7: Curvas I(V) para amostras de GaAs SI obtidas na literatura: (a) Ref. [12], (b) Ref.
[20], (c) Ref. [10] e (d) Ref. [15].
As medidas de corrente em função da voltagem, I(V), nos permitem obter uma série de
informações sobre os centros de recombinação presentes em amostras de GaAs SI crescidas por
LTMBE. A partir dessas medidas, podemos obter informações sobre o tipo de processos de g-r e
suas dependências com iluminação e temperatura. Podemos identificar processos como ionização
por impacto (geração) e captura assistida pelo campo elétrico (field-enhanced trapping -
recombinação). Em geral, tais processos de g-r estão associados às oscilações de baixa
freqüência (LFO) e aos domínios de campo elétrico que são formados em um dos contatos
elétricos e que se movem em direção ao outro, produzindo pulsos na corrente [1,2,10-15]. A
figura 3.8 mostra um circuito esquematizado que é utilizado para os estudos de curvas I(V) em
amostras semicondutoras que apresentam regiões NDC. É mostrado também o gráfico I(V).
Sendo I a corrente do circuito e V
A
a voltagem da amostra, temos:
A
VRIV +
=
, ou explicitando
para I temos: I = (V-V
A
)/R. Essa é a equação para a linha de carga também representada na figura
3.8. Sua intercessão com a curva característica I(V) da amostra define os pontos de operação do
circuito. Para amostras apresentando SNDC e NNDC podem existir até três pontos de operação
(a)
(b)
(c)
(d)
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
67
para o circuito, dependendo de como se varia V e R. Para R constante V torna-se o parâmetro
para variar a linha de carga e os pontos de operação movem-se ao longo da curva I(V). Para V
constante, R torna-se o parâmetro de controle. O ponto de operação que corta a curva
característica I(V) na região de NDC é geralmente instável para a formação de padrões de
densidade de corrente e campo e efeitos oscilatórios do circuito. Os outros dois são pontos de
operação estáveis no sentido de que não há formação de padrões e nem comportamento
oscilatório do sistema. Assim, o ponto de operação instável está relacionado com a presença de
oscilações espontâneas e com o regime caótico do sistema [1,2,18].
Figura 3.8: (a) Circuito esquemático utilizado em montagens experimentais para medidas I(V) de
amostras com NDC. (b) Análise por linhas de carga para as curvas do tipo SNDC e NNDC.
Como suporte experimental para nossos trabalhamos teóricos, nos apoiamos em curvas
I(V) experimentais de amostras semi-isolantes de GaAs crescidas por LTMBE (low-temperature
molecular-beam epitaxy) sobre um substrato de GaAs semi-isolante crescido por LEC (Liquid
encapsulated Czochralski). É conhecido que em tais amostras existem defeitos rasos e profundos
[24] e elas apresentam propriedades elétricas fortemente dependentes da temperatura e de
condições de iluminação. As curvas I(V) foram medidas em várias amostras e em várias
condições de temperatura e iluminação onde se puderam identificar as regiões em que os
principais processos de g-r dominam. Para temperaturas acima de 200 K as curvas I(V)
apresentaram um comportamento ôhmico para um amplo domínio de valores do campo elétrico
aplicado e acima de um valor crítico, encontrou-se um comportamento super-linear caracterizado
por um aumento abrupto da corrente. Este comportamento é apresentado na figura 3.9. Este tipo
de comportamento sugere a presença do efeito de ionização por impacto. De fato, Paracchini et
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
68
al. [20] observou este efeito em amostras de GaAs SI para uma faixa de temperatura entre 200 a
300 K (figura 3.7b). Entretanto, sob iluminação e com o abaixamento da temperatura, um
comportamento sub-linear foi observado. Este comportamento é apresentado na figura 3.10. De
uma forma geral, podemos dizer que a sub-linearidade aumenta com a iluminação e com o
abaixamento da temperatura. Este comportamento sugere a presença do efeito de captura
assistida por campo elétrico (field enhanced trapping).
Figura 3.9: Curva I(V) característica para uma amostra de GaAs SI crescida por LTMBE. A
medida foi realizada a 200 K com uma iluminação do LED produzida por passar uma corrente de
10 mA. Para voltagens até o ponto indicado por 1, observamos o comportamento ôhmico da
corrente. Do ponto 2 em diante, um comportamento não-linear na corrente.
Figura 3.10: Curva I(V) característica para uma amostra de GaAs SI crescida por LTMBE. A
medida foi realizada a 175 K com uma iluminação pelo LED com 1 mA. As setas definem a
região de sub-linearidade.
2
1
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
69
3.3.1 – Captura Assistida por Campo Elétrico
Nesta seção iremos apresentar uma descrição fenomenológica para o efeito e um modelo
baseado no aumento da captura por um processo não radioativo, envolvendo a emissão de
múltiplos fônons (multiple phonon emission – MPE), induzida pelo campo elétrico aplicado [25].
De uma forma geral, transições envolvendo defeitos profundos em semicondutores
resultam na criação ou destruição de fônons e, por isso, dizemos que são transições assistidas por
fônons. Esse tipo de transição é usualmente descrito, de uma maneira simples, num diagrama de
energia potencial em função das coordenadas configuracionais (CC) que envolvem o defeito e
sua vizinhança. A justificativa para trabalhar com CC advém do fato da energia dos níveis
profundos depender da posição relativa dos átomos que constituem o defeito em relação à rede.
Na descrição de CC, o eixo das abscissas representa o defeito e a suas vizinhanças e, o eixo das
ordenadas representa a combinação das energias potenciais vibracionais (fônons) e eletrônicas. A
energia potencial vibracional é representada pelas linhas horizontais igualmente espaçadas de
ω
h
. A figura 3.11 (Ref [26]) representa o processo de Franck-Condon (a) e o processo de MPE
(b). Para o processo de Franck-Condon, a energia de fotoionização hν
a
é maior que a de
relaxação radiativa hν
b
em 2Sh ω. Esta diferença de energia deve-se ao fato de que os elétrons
emitem fônons ao relaxar da posição U
a
para U
b
e novamente de L
b
para L
a
. Esta emissão de
fônons deve-se ao fato de os mínimos da energia potencial do defeito vazio e ocupado não
coincidirem no diagrama de coordenadas configuracionais.
Figura 3.11: Diagrama de coordenada configuracional para fotoionização e recombinação por (a)
Franck-Condon (radiativa) e (b) por MPE (não radiativa). O eixo das abscissas representa a
coordenada configuracional do defeito e o eixo das ordenadas a energia potencial eletrônica e
vibracional (veja a ref. 26).
(
a
)
(
b
)
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
70
Em algumas situações, a relaxação que ocorre após a fotoionização é completamente não
radiativa pois toda a energia que é convertida em fônons. A emissão de fônons em cascata, que
ocorre durante o amortecimento de vibrações, é conhecida como emissão de múltiplos fônons
MPE e está representada na figura 3.11(b). Em algumas situações particulares, que é o caso de
GaAs, a taxa de captura por MPE é bem mais eficiente que a de Franck-Condon devido a um
forte acoplamento elétron-fônon que ocorre em virtude do cruzamento das energias potenciais do
estado vazio e ocupado do defeito em Q
c
[27]. Devido a este cruzamento e às vibrações da rede,
o defeito pode ser encontrado em Q
c
e, quando isto ocorre, ele pode capturar um elétron sem que
haja emissão de fótons. Quando o defeito captura um elétron, ele adquire um estado quântico
vibracional bastante elevado, comparado ao equilíbrio térmico e passa, portanto, por forte
amortecimento das vibrações, seguido pela emissão de fônons múltiplos. Como a amplitude das
vibrações da rede é proporcional à temperatura, a probabilidade de ocorrer captura por MPE
cresce com a temperatura. Esta dependência com a temperatura é exatamente o inverso do que
ocorre para a captura por Franck-Condon. Para esta última, a probabilidade de um elétron ir de
U
a
para U
b
e recombinar sem absorver fônons da rede cresce com a redução de fônons
disponíveis, ou seja, cresce para temperaturas decrescentes. A dependência da recombinação por
MPE com a temperatura é, portanto, a razão de termos semicondutores com característica SI à
temperatura ambiente. Este é exatamente o caso de GaAs com elevadas densidades de defeitos
de anti-sítio (As
Ga
).
A figura 3.12 ilustra o processo de captura por MPE. Antes da captura, o defeito vibra
com a amplitude da seta menor esquerda, no instante imediatamente posterior à captura, o
defeito vibra com amplitude representada pela seta maior sendo amortecida até a condição de
equilíbrio caracterizada pela seta menor da direita.
De acordo com o relatado na ref. [27], a dependência da seção de choque de
recombinação de MPE com a temperatura é proporcional a exp{-E
B
/kT
*
}, onde:
kT
*
= (1/2)(
ω
h
)coth(
ω
h
/2kT) e T
*
é a temperatura efetiva para a combinação de fônons
térmicos com os fônons de ponto zero e ε
B
é a barreira de energia para a recombinação MPE
(veja E
B
na figura 3.11). Esta relação representa o equilíbrio térmico dos elétrons com a rede a
uma temperatura T.
Para valores de E
B
pequenos, o processo de MPE domina em toda a faixa de temperatura
e, para valores de E
B
crescentes, existe uma temperatura abaixo da qual a recombinação de
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
71
Franck-Condon se torna mais intensa. Num caso limite em que as duas parábolas não se cruzam
ocorre somente a recombinação via o processo de Franck-Condon.
Figura 3.12: Diagrama ilustrando como ocorre a captura não radiativa de um elétron. As
posições de equilíbrio da coordenada da rede e os níveis de energia antes e depois da captura são
indicados pelas linhas pontilhadas. A região em cinza no interior do gap indica como a energia
dos níveis muda com a vibração da rede. As setas duplas menores representam a amplitude das
vibrações térmicas antes e depois da captura de um elétron. A seta dupla maior representa a
amplitude das vibrações da rede na nova posição de equilíbrio imediatamente após a captura.
Nosso maior interesse é em estabelecer a dependência da relaxação não radiativa por
MPE com a aplicação de campo elétrico externo E. Neste caso, os elétrons na banda de condução
são acelerados pelo campo elétrico e transferem energia para a rede ao colidirem com as
impurezas ionizadas (mecanismo de espalhamento predominante em baixas temperaturas). A
energia média transferida por um elétron para a impureza com que colide é dada por e
λ
E onde
e” é a carga do elétron,
λ
o livre caminho médio ou distância média entre colisões e E o módulo
do campo elétrico aplicado.
Ao colidir com uma impureza ionizada (que pode ser um centro As
Ga
carregado
positivamente uma vez) o elétron transfere momento para a impureza que então passa a vibrar
com amplitude em CC determinada pela fração da energia que recebeu. Podemos chamar esta
fração de e
λ
E, para efeito de simplificação. Nessa situação, a impureza vibra fortemente,
E
C
Antes da
captura
Depois da
captura
E
t
E
V
Coordenada de rede
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
72
podendo atingir a coordenada de cruzamento Q
c
várias vezes até que capture um elétron e relaxe
por MPE. Para este modelo, temos uma dependência da taxa de recombinação com o campo
elétrico mais relevante do que com a temperatura, de forma a caracterizar o processo de field
enhanced trapping. O conhecimento da forma funcional desta dependência é de grande
importância para o estudo de fenômenos de dinâmica não-linear como as oscilações LFO e suas
rotas para o caos.
Assim, devido ao fato do sistema se encontrar em equilíbrio com as colisões entre elétrons
quentes e impurezas, ao invés de equilíbrio termodinâmico, é razoável trocar-se a eqüipartição de
energia kT por e
λ
E na dependência da seção de choque de recombinação. Desta forma, em
analogia com Shockley [28], obtemos uma taxa de recombinação na forma
() () ()
=
=
E
E
T
Ee
TET
c
S
B
SS
exp0exp0
111
λ
ε
(3.10)
onde E
c
=
ε
B
/e
λ
é o campo elétrico crítico.
Assim, mostramos o efeito do campo elétrico no processo de recombinação por MPE a
baixas temperaturas, em uma amostra de GaAS SI crescida por LTMBE. Esta é uma amostra rica
em defeitos de anti-sítio, As
Ga
. Acreditamos que a redução na densidade de elétrons livres em
baixas temperaturas sob iluminação e em função do aumento do campo elétrico aplicado deve-se
a uma ativação da recombinação por MPE.
O conhecimento da forma funcional da dependência do efeito de field enhanced trapping
é de extrema importância na formulação de modelos para simular e prever o comportamento de
oscilações de baixa freqüência (LFO) e suas rotas para o regime caótico. Uma discussão mais
detalhada sobre este efeito e sua primeira interpretação com dados experimentais pode ser
encontrada na Ref. [25].
3.3.2 – Um modelo para as curvas características I(V) em GaAs SI
Nesta seção iremos apresentar os resultados que obtivemos no estudo de curvas
características I(V) de amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE ajustando nestas curvas
expressões analíticas. O objetivo deste estudo foi identificar simultaneamente os processos de
recombinação (captura assistida por campo) e de geração (ionização por impacto), descritos nas
seções anteriores, nas curvas I(V) dessas amostras. Isso foi feito ajustando nessas curvas uma
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
73
expressão analítica para j(E) que considerou as formas de dependência com o campo E desses
dois processos. Estudos de ajustes de curvas j(E) com expressões analíticas considerando estes
dois processos simultaneamente são inéditos e apenas estudos considerando os dois processos
isoladamente foram realizados [20,25]. Assim, essa é uma contribuição inédita do nosso
trabalho.
Nesse estudo, partimos de medidas I(V) já realizadas em amostras de GaAs SI crescidas
entre 215 e 315
o
C por MBE sobre substratos semi-isolantes de GaAs crescidos por LEC (Liquid
encapsulated Czochralski). A densidade de corrente j foi obtida a partir da medida de corrente
nas amostras dividida pela sua seção transversal. O campo elétrico E foi obtido dividindo a
tensão nas amostras pela distância entre os contatos. Desta forma, temos a chance de trabalhar
com parâmetros intensivos através das curvas j(E).
Versões simplificadas para as características j(E) em sistemas que apresentam regiões de
NDC foram propostas com objetivos específicos de estudar os comportamentos oscilatórios
desses sistemas [29-31]. Nesses trabalhos, o modelo para a curva j(E) é constituído de três
regiões lineares. Uma para o regime ôhmico, outra para a região de inclinação negativa e outra
para a região de inclinação positiva. Um modelo geral para a característica j(E), onde considera a
fenomenologia dos processos microscópicos de g-r dos portadores de carga, não tinha sido
considerado até o presente estudo. No nosso modelo para a característica j(E), consideramos o
regime ôhmico para campos elétricos baixos, o regime de NDC para campos intermediários, no
qual incluímos a relação matemática proposta na literatura [25] para o processo de recombinação
(captura assistida por campo), e o regime de avalanche para campos intensos, no qual incluímos
a relação matemática proposta na literatura [28] para o processo de geração (ionização por
impacto). Assim, a expressão analítica proposta neste estudo tem a forma
E
E
E
E
E
Ej
+
=
1
2
0
10
expexp)(
σσσ
. (3.11)
O primeiro termo é a lei de Ohm, enquanto o segundo e o terceiro termos são, respectivamente,
os fenômenos de captura assistida por campo e ionização por impacto. Nesta expressão, σ
0
, σ
1
e
σ
2
são constantes de proporcionalidade positivas. E
0
e E
1
são os campos críticos.
De acordo com Shockley [28], a dependência do coeficiente de ionização por impacto
com o campo elétrico é dada por
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
74
=
E
E
XEX
1
011
exp)( . (3.12)
Onde X
1-0
é o limite máximo para a taxa de geração, isto é, o valor assintótico para alto campo
elétrico.
De acordo com o modelo proposto na Ref. [25], a dependência do coeficiente de captura
assistida por campo elétrico é dada por
=
E
E
TET
0
*
01
*
1
exp)(
. (3.13)
onde
*
01
T é o limite máximo para a taxa de recombinação. Para obter esta equação, foi utilizado
ε
B
/e
λ
E ao invés da eqüipartição da energia
ε
B
/k
B
T na relação proposta por Henry e Lang [27]. O
parâmetro
ε
B
é a energia de recombinação, e é a carga do elétron e
λ
é o livre caminho médio dos
portadores de carga. A justificativa é de que em baixas temperaturas a presença de fônons
termicamente excitados é desprezível e, portanto, as colisões de elétrons quentes com impurezas
produzem oscilações amortecidas e fônons gerando o processo de recombinação dependente do
campo. Os campos críticos E
0
e E
1
estão relacionados com as energias de ativação
ε
B
e
ε
i
pelas
expressões E
0
=
ε
B
/e
λ
e E
1
=
ε
i
/eλ, onde o parâmetro
ε
i
é a energia de ativação para a ionização
dos defeitos.
Na figura 3.13 mostramos duas curvas geradas pela eq. (3.11). Em (a), os coeficientes de
g-r utilizados foram:
=
ε
t
E
XX
0.6
exp
0
11
,
=
ε
t
E
XX
5.1
exp
0*
1
*
1
e
=
ε
t
E
TT
0.1
exp
0
11
. Os valores para as constantes estão na tabela 2.3 do capítulo 2. Em
(b), utilizamos valores para os coeficientes baseados no ajuste da figura 3.14:
()
(
)()
EEEj /4000exp006.0/2000exp0025.00003.0
+
= . As unidades da fig. 3.13(a) para
j e E são
*
D
Ne
µ
e V/cm, respectivamente, e para a fig. 3.13(b) são A/cm
2
e V/cm,
respectivamente.
Observamos que a eq. (3.11) gera curvas j(E) do tipo-N. Observamos que a competição
entre os coeficientes de g-r na eq. (3.11) pode aumentar ou diminuir a inclinação da região de
NDC nessas curvas. Portanto, o modelo de curva j(E), representado pela eq. (3.11), gera curvas
características semelhantes às curvas j(E) experimentais. O conhecimento da relação dos
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
75
coeficientes de g-r, ionização por impacto (g) e captura assistida por campo (r), na curva j(E) de
amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE é importante para implementar o modelo de
equações de taxas para os processos de g-r vistos no capítulo 2 (eqs. 2.53-55).
Figura 3.13: Curvas j(E) geradas pela eq. (3.11). (a) Os coeficientes de g-r utilizados foram os da
tabela 2.3 do capítulo 2 e com as equações para
1
X ,
*
1
X e
1
T . (b) Os coeficientes de g-r
utilizados foram baseados na fig. 3.14.
As figuras 3.14, 3.15 e 3.16 mostram os resultados obtidos dos ajustes via a eq. (3.11) nas
curvas características j(E) das amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE. Os valores
encontrados para os parâmetros
σ
0
,
σ
1
, E
0
,
σ
2
e E
1
estão descritos nas figuras. O resultado do
ajuste para as medidas em 150 K e i
LED
= 1 mA esta representado na figura 3.14. Na figura 3.15
mostramos o ajuste para j(E) em 175 K e i
LED
= 20 mA. Na figura 3.16 mostramos o ajuste para
j(E) em 200 K e i
LED
= 10 mA. Podemos observar nas figuras que a inclinação das regiões de
NDC está diminuindo.
O campo crítico para a captura assistida por campo E
0
e o campo crítico para a ionização
por impacto E
1
em função dos parâmetros experimentais, temperatura de medida e corrente no
LED, são apresentados na Tabela 3.1. Na tabela podemos observar que E
1
é maior que E
0
, como
era de se esperar, pois o processo de ionização por impacto ocorre para campos mais elevados do
que para o processo de captura assistida por campo. Para uma temperatura fixa, E
1
aumenta com
a iluminação, com exceção em 175 K e i
LED
= 10 mA. Também para uma temperatura fixa, E
0
aumenta com a iluminação. Ou seja, a iluminação tem um papel importante nos processos de g-r,
alterando os campos críticos para estes processos.
(a)
(b)
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
76
Figura 3.14: Ajuste da curva experimental j(E) com a eq. (3.11). A curva foi obtida em 150 K e
i
LED
= 1 mA.
Figura 3.15: Ajuste da curva experimental j(E) com a eq. (3.11). A curva foi obtida em 175 K e
i
LED
= 20 mA.
Em algumas faixas de campo elétrico, principalmente na região de NDC, as curvas j(E)
apresentam grandes oscilações. Nas figuras 3.14 – 3.16 são pouco visíveis estas oscilações
porque o tipo de símbolo utilizado para representar os dados experimentais não permite tal
observação. Mas na fig. 3.7(d), podemos ver com mais clareza estas oscilações. Estas oscilações
são os fenômenos de LFO (oscilações de baixa freqüência). Estas medidas foram realizadas
numa escala de tempo de poucos minutos, que permitiu observações simultâneas da
característica estática j(E) e LFO.
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
77
Figura 3.16: Ajuste da curva experimental j(E) com a eq. (3.11). A curva foi obtida em 200 K e
i
LED
= 10 mA.
Tabela 3.1. Valores dos campos críticos em função da temperatura e iluminação. E
0
está
associado com a captura assistida por campo e E
1
com a ionização por impacto.
TEMPERATURE
(K)
i
LED
(mA)
E
0
(kV/cm)
E
1
(kV/cm)
150 1.0 1.71 ± 0.02 4.23 ± 0.03
150 1.5 1.82 ± 0.03 7.56 ± 0.02
150 2.0 1.95 ± 0.05 8.60 ± 0.07
175 5.0 0.40 ± 0.02 8.90 ± 0.04
175 10.0 0.55 ± 0.01 8.32 ± 0.05
175 20.0 0.71 ± 0.01 9.55 ± 0.05
200 10.0 1.72 ± 0.07 8.3 ± 0.2
As curvas características j(E) de amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE ricas em
defeitos profundos (anti-sítio de As) são altamente dependentes da temperatura e iluminação.
Portanto, estes dois parâmetros experimentais afetam as taxas (coeficientes) dos processos de g-r
do portador de carga. A equação (3.11) contempla somente dois processos de g-r: a captura
assistida por campo elétrico (recombinação) e ionização por impacto (geração). Demais
processos que envolvem a banda de condução-defeito ou banda-banda ou até condução por
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
78
hopping não são considerados neste modelo. Portanto, para temperaturas entre 150 e 175 K e
iluminação entre 1 e 20 mA, obtemos os melhores ajustes com o modelo descrito pela equação
(3.11). Enquanto para temperaturas de 200 K e acima, obtivemos resultados menos satisfatórios
com o modelo. Isto sugere que na faixa de temperatura acima de 200 K e para iluminação acima
de 20 mA existam outros processos de g-r não considerados pelo modelo da eq. (3.11). É
conhecido que sob iluminação com um LED de GaAs, a contribuição para as propriedades de
transporte via processos banda-banda não pode ser desconsiderada [32]. Além disso, em altas
temperaturas há muitos fônons que auxiliam o processo de recombinação por MPE (multiple
phonons emission) além do campo elétrico [25,26]. É possível também que outros defeitos
intrínsecos presentes nas amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE sejam ativados em certas
faixas de temperatura e iluminação, contribuindo nos processos de g-r do portador de carga. E
estes processos podem afetar a forma da curva j(E), conseqüentemente influenciando na
qualidade do ajuste. Assim, para temperaturas e iluminações nas quais vários processos de g-r,
além daqueles considerados no modelo, estejam presentes a eq. (3.11) é inadequada, uma vez
que ela considera apenas dois processos de g-r via banda de condução-defeito. Incluir mais
termos na eq. (3.11) introduziria mais parâmetros de ajuste, tornando o valor destes pouco
confiável. Assim decidimos concentrar nossos esforços em dados experimentos nos quais o
modelo, baseado nos dois processos dominantes de g-r, seja suficiente para reproduzir estes
dados. Com isso, para não aumentar a complexidade da eq. (3.11), decidimos não incluir mais
termos nesta equação e apresentamos os resultados obtidos para 150 e 175 K como os mais
ilustrativos.
Outro ponto relevante é que o modelo utilizado para os ajustes considera somente
processos estáticos. Como já foi mencionado, algumas curvas j(E) apresentam oscilações devido
ao fenômeno de LFO e dependendo das condições experimentais são muito intensas, interferindo
também nos ajustes.
Com este estudo mostramos que em certas faixas de temperatura e iluminação, os
principais processos de g-r em amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE são: a captura
assistida por campo elétrico (field enhanced trapping) – processo de recombinação; e a ionização
por impacto – processo de geração. Em estudos anteriores [25] foi mostrado que a região de
NDC presentes nas curvas I(V) destas amostras são devido ao fenômeno de captura assistida por
campo elétrico por um processo não-radiativo envolvendo emissão de múltiplos fônons. Isto não
exclui outros processos de formação de regiões de NDC, como por exemplo o efeito Gunn. Mas
Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
79
esse processo não é dominante nessas amostras, principalmente por ser ativado para campos
elétricos bem mais altos, desempenhando, portanto, um papel desprezível. É importante ressaltar
também que, nas faixas de temperatura e iluminação onde obtivemos os melhores ajustes, são
também as melhores condições experimentais para observar o fenômeno de oscilações de baixa
freqüência (LFO) [15]. O conhecimento da forma funcional da dependência do efeito de field
enhanced trapping com o campo elétrico é de extrema importância na formulação de modelos
para simular e prever o comportamento de oscilações de baixa freqüência (LFO) e suas rotas
para o regime caótico (Capítulo 2). O modelo proposto no estudo aqui descrito nos fornece
também uma visão útil dos mecanismos que afetam o transporte de carga nessas amostras.
Os resultados apresentados nesta seção estão publicados no periódico Journal of Applied
Physics [33].
Referências do Capítulo 3
[1] K. Aoki, Nonlinear dynamics and Chaos in Semiconductors, Series in Condensed Matter
Physics, Institute of Physics Publishing, Bristol, 2001.
[2] E. Schöll, Nonlinear Spatio-Temporal Dynamics and Chaos in Semiconductors, Cambridge
Nonlinear Science Series 10, Cambridge University Press, Cambridge, 2001.
[3] J. B. Gunn, Solid State Commun.
1, 88 (1963).
[4] K. Seeger, Semiconductor Physics – An Introduction, 4th ed, Springer, Berlin, 1989.
[5] B. K. Ridley and T. B. Watkins, Proc. Phys. Soc. London
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[6] C. Hilsum, Proc. IRE
50, 185 (1962).
[7] H. Kroemer, Proc. IEEE
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Capítulo 3 – Condutividade Diferencial Negativa em GaAs Semi-isolante
80
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V. B. Moreira and R. M. Rubinger, J. Appl. Phys.
93, 1647 (2003).
Conclusões
81
CONCLUSÕES
No período de realização deste trabalho, estudamos instabilidades elétricas com um
enfoque teórico. Para validação dos nossos resultados teóricos, utilizamos as medidas elétricas
experimentais de amostras de GaAs semi-isolantes (SI) crescidas por epitaxia por feixe
molecular à baixa temperatura (LTMBE), comparando qualitativamente com os resultados
gerados pelos modelos. Nas medidas experimentais, as instabilidades surgem como uma
descontinuidade na curva I(V), apresentando uma região de NDC (condutividade diferencial
negativa), fazendo surgir as oscilações de corrente elétrica de baixa freqüência (LFO), cujo
comportamento segue uma rota de bifurcação para o caos. Essas instabilidades estão
relacionadas com os processos de geração e recombinação (g-r) dos portadores de carga nas
amostras. Dois importantes processos de g-r podem ser identificados nessas amostras, quais
sejam: a ionização por impacto (a geração) e a captura assistida por campo elétrico (a
recombinação).
No nosso trabalho teórico, propusemos um modelo baseado nos dois processos descritos
com vistas a descrever o comportamento da curva I(V) das amostras de GaAs SI crescidas por
LTMBE (Capítulo 3). Conseguimos bons ajustes para as curvas I(V) numa condição no qual
podemos entender que, nitidamente, os dois processos de g-r estão presentes.
Experimentalmente, esse modelo é útil para localizar a faixa de temperatura e iluminação onde
os dois processos de g-r acima mencionados são relevantes. Como as instabilidades nessas
amostras originam principalmente desses dois processos de g-r, torna-se fundamental inferir
sobre as faixas de temperatura e iluminação para as quais estes processos são dominantes. E,
além disso, teoricamente, o conhecimento da curva característica j(E) dessas amostras é
importante para implementar o modelo de equações de taxas para os processos de g-r numa
tentativa de descrever as oscilações de corrente elétrica presentes em amostras de GaAs SI
(Capítulo 2). Este trabalho está publicado no periódico Journal of Applied Physics [J. Appl.
Phys. 93, 1647 (2003)].
Como já foi mencionado, a instabilidade elétrica presente nas amostras de GaAs SI
crescidas por LTMBE são as LFO de corrente elétrica. Medidas experimentais de LFO foram
realizadas nessas amostras e foram observados comportamentos não-lineares nas séries
temporais de corrente elétrica. Análises realizadas nessas séries temporais, baseadas na teoria do
caos, mostram que os comportamentos das LFO apresentam uma rota de bifurcação para o caos.
Conclusões
82
Estas séries temporais foram caracterizadas e cálculos de expoentes de Lyapunov, dimensão de
correlação e diagrama de bifurcação foram feitos para estas séries temporais. Esses resultados
originaram em dois artigos, um publicado no periódico Chaos [Chaos 13, 457 (2003)] e outro no
Physica D [Physica D 194, 166 (2004)], nos quais participei como co-autor. As oscilações estão
diretamente relacionadas com os processos de g-r já mencionados via a região de NDC das
curvas I(V) tipo-N dessas amostras. Por isso, é importante ter um conhecimento sobre as
características das curvas I(V) dessas amostras (Capítulo 3).
Na perspectiva de formulação de nosso modelo teórico, baseado nos processos de g-r do
portador de carga em materiais semicondutores, para simular temporalmente o comportamento
caótico apresentado nesses materiais, propusemos um conjunto de equações de taxas que
incorporam ingredientes que julgamos os principais para gerar, teoricamente, as principais
características do sistema. Nesse modelo, trabalhamos com a banda de condução e dois níveis de
defeitos – o estado fundamental e o primeiro estado excitado. Baseado nisso, escrevemos um
conjunto de três equações acopladas para as taxas de gerações e recombinação do portador de
carga. No capítulo 2, estudamos um dos modelos existente na literatura, e realizamos cálculos
via teoria do caos determinístico nas séries temporais. Cálculos de expoentes de Lyapunov,
dimensão de correlação e diagrama de bifurcação foram realizados, seguindo a metodologia de
análises de séries temporais não-lineares experimentais. Esse sistema apresenta uma rota de
bifurcação por duplicação de período. Resultados condizentes com a teoria do caos e com os
resultados experimentais disponíveis foram encontrados e como este tipo de abordagem em
modelos teóricos é pouco estudado, este trabalho está publicado no periódico Physica D [Physica
D 208, 123 (2005)]. Em suma, além de termos reproduzidos os resultados da literatura, tivemos a
necessidade de considerar os aspectos inéditos (trabalhar com séries temporais e encontrar
valores adequados para a dimensão de correlação) e avançamos na modelagem e criamos
condições para construir os modelos teóricos para explicar os resultados experimentais que são
observados no laboratório.
Este modelo é importante para tentarmos simular as oscilações de corrente presentes nas
amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE. Ele incorpora os processos de g-r do portador de
carga, mas somente o processo de ionização por impacto (a geração) tem uma dependência não-
linear com o campo elétrico e sabemos que, via resultados anteriores, não só a ionização por
impacto está presente nas amostras de GaAs SI crescidas por LT-MBE como também a captura
assistida por campo elétrico e este é também dependente do campo elétrico de forma não-linear.
Conclusões
83
Assim, num estudo preliminar, incluímos também a dependência não-linear do coeficiente de
recombinação (captura assistida por campo). Realizamos simulações com este modelo que, ao
nosso ver, incorpora os principais processos de g-r responsáveis pelas instabilidades
apresentadas nas amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE (capítulo 2). Obtivemos resultados
animadores quanto à validade desse novo modelo proposto, uma vez que nesse modelo
obtivemos padrões complexos nos diagramas de bifurcação. Padrões complexos significam aqui
que o sistema apresenta rotas de bifurcação, não só por duplicação de período, que se
assemelham bastante com os diagramas de bifurcação experimentais. Este estudo preliminar foi
apresentado no 12
th
Brazilian Workshop on Semiconductor Physics em abril desse ano e foi
aceito para publicação no Proceedings do encontro que será publicado no periódico Brazilian
Journal of Physics.
Portanto, obtivemos resultados importantes para a compreensão das instabilidades
apresentadas em amostras de GaAs SI crescidas por LTMBE. Conseguimos, através de ajustes
das curvas I(V) experimentais, interferir na escolha das condições experimentais (de iluminação
e temperatura) para obter curvas I(V) que apresentam os dois principais processos de g-r
(ionização por impacto e captura assistida por campo) responsáveis pelas oscilações de corrente
elétrica presentes nessas amostras. Além disso, através dos ajustes, obtivemos a forma funcional
da curva j(E) para implementar o modelo de equações de taxas para os processos de g-r numa
tentativa de simular as oscilações de corrente elétrica em amostras de GaAs SI. Estudamos um
modelo de equações de taxas para os processos de g-r proposto na literatura, via a série temporal
do campo elétrico, e obtivemos resultados que estão de acordo com a teoria do caos e com os
resultados experimentais. Este tipo de análise em sistemas teóricos tem sido muito pouco
utilizado e, dos nossos resultados, podemos inferir que este tipo de análise é também confiável
em modelos teóricos. Os resultados preliminares que obtivemos, na modificação do modelo de
equações de taxas para os processos de g-r, no qual incluímos a captura assistida por campo
elétrico, irá elucidar as origens das LFO, uma vez que os resultados preliminares indicam que o
modelo microscópico é adequado ao que se observa na corrente do circuito elétrico contendo a
amostra.
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
84
APÊNDICE I – CAOS E ANÁLISE DE SÉRIES TEMPORAIS
Neste apêndice, iremos revisar de maneira sucinta os principais procedimentos para
caracterização da dinâmica caótica de um sistema não-linear. Existe uma grande quantidade de
literatura sobre este tema e não queremos aqui fazer um trabalho inédito e sim uma revisão geral
sobre o assunto e fornecer referências para consultas mais detalhadas.
I.1 – Dinâmica não-linear e Caos
Um ponto importante em dinâmica não-linear é a noção da não-linearidade de um sistema
físico. Podemos desenvolver uma idéia intuitiva de não-linearidade em um sistema
caracterizando o seu comportamento em termos de estímulo e resposta. Em um sistema físico
real, composto de um circuito elétrico com um dispositivo eletrônico ôhmico (regido pela Lei de
Ohm) e uma fonte de voltagem, ao aplicarmos uma voltagem V (estímulo) medimos a corrente I
(resposta) que passa pelo dispositivo. No regime linear vale a relação:
RIV = (I.1)
onde R é a resistência do dispositivo e representa a constante de proporcionalidade do sistema.
Ou seja, se razão entre estímulo e resposta é constante e vale a Lei de Ohm.
Um sistema é dito não-linear quando o dispositivo apresenta um comportamento não-
ôhmico, ou seja, o comportamento entre V e I é não-linear. O estudo de comportamentos não-
lineares em sistemas físicos é chamado de dinâmica não-linear, isto é, o estudo do
comportamento dinâmico (dependência temporal) de um sistema não-linear. Um sistema não-
linear pode, assim, ser entendido como um sistema onde a evolução temporal das equações é não
linear, ou seja, as variáveis dinâmicas que descrevem as propriedades do sistema (por exemplo,
corrente elétrica, posição, velocidade, aceleração, etc.) e suas derivadas aparecem nas equações
de uma forma não-linear.
Mudanças feitas em sistemas não-lineares podem dar origem aos comportamentos
complexos que têm sido rotineiramente denominado sistemas complexos. O substantivo caos e o
adjetivo caótico são usados para descrever o comportamento temporal de um sistema quando
este comportamento é simultaneamente aperiódico (nunca se repetindo exatamente) e
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
85
determinístico. Esse comportamento pode parecer aleatório ou ruidoso, embora existam
características que o possam distinguir um do outro. Temos aqui uma aparente contradição - um
sistema é dito determinístico se tivermos três ingredientes para determinar o seu comportamento:
1- as equações temporais;
2- os valores dos parâmetros que descrevem o sistema;
3- as condições iniciais;
- este sistema não-linear apresenta equações que o descreve, assim, com os valores dos
parâmetros e as condições iniciais, podemos determinar completamente o comportamento
subseqüente deste sistema. Então como dizer que o comportamento do sistema não-linear é
aleatório se ele apresenta os três ingredientes para ser determinístico? Podemos esclarecer este
problema usando argumentos tradicionais. Ao vermos um sistema com comportamento
complexo, aleatório, podemos tentar explicar o comportamento tanto com um argumento
baseado na noção de ruído ou com um argumento baseado na complexidade. De acordo com a
definição de ruído, o comportamento complexo poderia ser devido à influência de efeitos
externos incontroláveis. Pelo fato destas influências externas mudarem de maneiras
incontroláveis é que o comportamento do sistema parece aleatório. De acordo com o argumento
baseado na complexidade, um sistema complexo tem vários graus de liberdade e é o movimento
relacionado com esses vários graus de liberdade que leva ao aparente comportamento aleatório.
Claro que em muitos casos, ruído e complexidade poderiam ser fatores que contribuem com a
aleatoriedade do sistema. Mas a importância crucial do caos é que ele fornece uma explicação
alternativa para esta aparente aleatoriedade – que não depende nem de ruído ou complexidade.
Comportamento caótico pode aparecer em sistemas relativamente simples, livres de ruídos e com
poucos graus de liberdade ativos. Para se certificar que um sistema se comporta caoticamente em
um experimento, precisamos estabelecer que o ruído não é um fator predominante e deve-se
conhecer o número de graus de liberdade ativos. A teoria de Caos nos fornece as ferramentas
para executarmos estas análises. Recomendamos as referências [1-2] como textos básicos para
uma introdução à Dinâmica não-linear e Teoria de Caos.
I.2 – Caracterização da Dinâmica Caótica
Em sistemas dissipativos, as trajetórias podem convergir para uma região limitada do
espaço de fase, chamada de atrator. Um sistema dinâmico, que apresenta comportamento
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
86
caótico, possui um atrator estranho, no seu espaço de fase. Ele é estranho porque apresenta
detalhes em escalas infinitesimais. Tal figura geométrica é chamada de fractal.
Nesta seção iremos definir os expoentes de Lyapunov, as dimensões fractal e de
correlação e o método de reconstrução do espaço de fase.
I.2.1 – Definição de atrator
Um conjunto fechado de pontos A, no espaço de fase de um sistema dinâmico, é definido
como atrator se:
A é um conjunto invariante: ou seja, qualquer trajetória
(
)
tx
r
que começa em A,
permanece em A por todo o tempo;
A atrai um conjunto de condições iniciais: isto é, há um hiper-volume esférico B, que
contém A, tal que para qualquer condição inicial
(
)
0x
r
pertencente a B, então a distância
entre a trajetória
()
tx
r
e A tende a zero, quando
t . O maior conjunto de condições
iniciais que satisfaz essa propriedade é chamado bacia de atração de A.
A é mínimo: ou seja, não há sub-conjunto de A que satisfaça as duas condições anteriores.
Num sistema dinâmico de tempo contínuo autônomo e bidimensional temos que a figura
atratora pode ser de dois tipos:
o ponto de equilíbrio, que corresponde a uma solução cujo comportamento dinâmico é
independente do tempo;
o ciclo-limite, que descreve um comportamento periódico no tempo, com amplitude e
período determinados pela forma das equações e pelos valores dos seus parâmetros.
Num sistema tridimensional, existem mais duas figuras atratoras, que são:
a superfície toroidal, que representa um regime periódico ou quasi-periódico, com 2
freqüências fundamentais independentes;
o atrator estranho, que apresenta dependência sensível às condições iniciais.
Um sistema dinâmico determinístico, cuja evolução temporal leva assintoticamente para
um atrator estranho, apresenta dinâmica caótica. Para que possa existir comportamento caótico
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
87
em sistemas contínuos dissipativos, é necessário que ele seja não-linear e pelo menos
tridimensional, como o sistema de Lorenz.
Caos advém de uma dependência sensível às condições iniciais. Diz-se que um mapa
)(
1 jj
xFx =
+
depende sensivelmente das condições iniciais se há um número ε > 0, tal que para
qualquer condição inicial x
0
e para qualquer número δ > 0, existe pelo menos um ponto
0
x
com
δ
<
00
xx , tal que
()
(
)
ε
0
)(
0
)(
xFxF
kk
. Assim, não importa o valor de x
0
e nem a
vizinhança
δ, pode-se sempre encontrar um ponto
0
x
nessa vizinhança cuja órbita separa-se da
órbita de
x
0
de pelo menos ε. Além disso, essa distância ε independe de x
0
.
Esta definição de sensibilidade às condições iniciais não exige que a órbita de
0
x
afaste-
se da órbita de
x
0
em todas as iterações. Ela exige somente que o k-ésimo ponto da órbita de x
0
esteja afastando do
k-ésimo ponto da órbita de
0
x
por uma distância ε. Pode-se formular uma
definição equivalente de dependência sensível para sistemas de tempo contínuo. Tanto para
sistemas discretos, como para sistemas contínuos, a sensibilidade às condições iniciais é avaliada
através do cálculo dos expoentes de Lyapunov.
I.2.2 – Expoentes de Lyapunov
Seja um sistema de
n equações diferenciais ordinárias. Considere uma hiper-esfera de
condições iniciais centrada num ponto
(
)
0
tx
r
. Conforme o tempo passa, esse volume se deforma.
Assuma que, ao longo de cada uma das
n dimensões, o raio inicial d
j
(t
0
) tenha variado
exponencialmente no tempo, de maneira que a relação entre
d
j
(t
0
) e o valor correspondente no
instante
t, dado por d
j
(t), valha:
() ( )
(
)
[
]
00
exp tttdtd
jjj
=
λ
j = 1, 2 , ..., n
Essa relação pode ser escrita como:
(
)
(
)
[
]
0
0
ln
tt
tdtd
jj
j
=
λ
Os números
λ
j
são chamados de expoentes de Lyapunov.
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
88
Num instante t > t
0
, o volume V(t) da hiper-esfera deve ser proporcional ao produto das
distâncias d
j
(t) que o caracterizam, isto é:
() () ( ) ( )
[
]
=
=
n
j
j
n
j
j
tttVtdtV
1
00
1
exp
λ
sendo V(t
0
) o volume no instante inicial t
0
. Se o sistema é conservativo, então V(t) = V(t
0
) ou, em
termos dos expoentes de Lyapunov:
0
1
=
=
n
j
j
λ
.
Se é dissipativo, V(t) < V(t
0
), o que equivale a:
0
1
<
=
n
j
j
λ
.
Sobre uma solução periódica, a distância entre duas condições inicialmente vizinhas se
mantém constante, em média, de modo que o expoente de Lyapunov associado a essa direção é
nulo. Nas direções perpendiculares ao atrator periódico, há contração de volume no espaço de
fase. Portanto, os expoentes de Lyapunov correspondentes a essas direções são negativos.
Comportamento caótico é caracterizado pela divergência exponencial das trajetórias
vizinhas. Nesse caso, há pelo menos um expoente de Lyapunov positivo, o que implica
dependência sensível com as condições iniciais e a existência de um atrator estranho no espaço
de fase.
Num sistema tridimensional, existem quatro tipos de atratores, conforme foi descrito na
seção anterior. A tais atratores correspondem três expoentes de Lyapunov –
λ
1
,
λ
2
,
λ
3
– com os
seguintes sinais:
1.
para o ponto de equilíbrio, tem-se
λ
1
,
λ
2
,
λ
3
< 0, já que o volume de condições iniciais
deve se contrair ao longo das três direções do espaço de fase, a fim de que a trajetória
convirja para o ponto;
2.
para o ciclo-limite, tem-se
λ
1
,
λ
2
< 0 e
λ
3
= 0, sendo que o expoente nulo corresponde
à direção ao longo da órbita fechada;
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
89
3.
para o toro bidimensional, tem-se
λ
1
< 0 e
λ
2
,
λ
3
= 0, de modo que as trajetórias
atratoras situam-se sobre uma superfície;
4.
para o atrator estranho, tem-se
λ
1
> 0,
λ
2
= 0 e
λ
3
< 0: um expoente deve ser positivo
para que exista dependência sensível com as condições iniciais; aquele ao longo da
trajetória deve ser nulo; e o outro deve ser negativo e maior do que o primeiro, para
que o sistema seja dissipativo, isto é, 0
31
3
1
<+=
=
λλλ
j
j
.
Um atrator ocupa um volume finito no espaço de fase. No caso de um atrator estranho,
trajetórias que partem de condições iniciais vizinhas, além de permanecerem confinadas numa
certa região do espaço de fase, devem ainda se distanciar exponencialmente. Como trajetórias
podem se afastar exponencialmente e ocupar uma região limitada do espaço de fase? O
mecanismo responsável por isso envolve repetidos esticamentos e dobras das trajetórias.
O fluxo responsável pela geração de um atrator estranho normalmente contrai um volume
de condições iniciais numa direção, pois o sistema é dissipativo, e estica-o na outra, levando à
sensibilidade às condições iniciais. Como o atrator ocupa um volume finito, o processo de
esticamento das trajetórias deve ser concomitante ao processo de dobra.
I.2.3 – Dimensões de um atrator
A dimensão de um conjunto de pontos é o número mínimo de coordenadas necessárias
para localizar cada ponto do conjunto. Por exemplo, uma curva é unidimensional, porque cada
ponto é determinado por um único número, que é o comprimento do arco medido a partir de
algum ponto de referência fixo nessa curva.
Seja um conjunto de pontos A num espaço de fase de dimensão n. Esse conjunto de
pontos pode ser coberto por hiper-cubos iguais de lado
ε
. Em 1958, Kolmogorov definiu a
dimensão de contagem de caixas (“box-counting dimension”) D
0
como:
(
)
()
ε
ε
ε
1log
log
lim
0
0
N
D
=
N(
ε
) é o número mínimo de hiper-cubos idênticos de lado
ε
necessário para cobrir todo o
conjunto de pontos A. Outro nome para D
0
é dimensão de capacidade.
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
90
Assim, se calcularmos a dimensão de um segmento de reta de comprimento L utilizando a
relação acima encontraríamos:
()
1
log2log
2log
lim
2log
2log
lim
0
=
==
LL
D
n
n
n
n
n
n
pois, podemos cobrir o segmento de reta com uma caixa de comprimento L, ou por duas caixas
de comprimento L/2, ou por quatro caixas de comprimento L/4, ou generalizando, por 2
n
caixas
de comprimento L/2
n
. E podemos considerar que
0
ε
é equivalente a tomar
n
.
Se aplicarmos a relação de D
0
para calcular a dimensão do conjunto de Cantor,
encontraríamos:
()
63.0
3log
2log
3log
2log
lim
0
==
L
D
n
n
n
.
Assim, o conjunto de Cantor é caracterizado por um valor de D
0
fracionário, ou seja, não-inteiro.
O conjunto de Cantor, figura I.1, é construído se considerarmos um intervalo S
0
= [0,1] e
removemos seu terço central. Isso produz o par de intervalos [0,1/3] e [2/3,1]. Removemos agora
os terços centrais de S
1
, produzindo S
2
. Repetimos esse procedimento infinitas vezes. O conjunto
limite
S obtido é chamado de conjunto de Cantor, sendo formado por infinitos pedaços
infinitesimais separados por infinitos intervalos de vários tamanhos. Sua estrutura é auto-similar,
pois contém cópia de si próprio em todas as escalas.
Figura I.1: Construção do conjunto de Cantor.
L
N(ε)
ε
1 L
2 L/3
4 L/9
. .
. .
. .
2
n
L/3
n
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
91
O termo fractal foi proposto por Mandelbrot, por volta de 1975. O que fractais têm a ver
com caos? Nada, quando o fractal é produzido por uma regra do tipo Cantor. Rotinas para
produzir figuras, cujo valor de D
0
é fractal, aparecem em livros de geometria do início do século
XX. Outros exemplos clássicos são a curva de Koch e o triângulo de Sierpinski, figura I.2.
Figura I.2: (a) Curva de Koch com sua regra de formação, D
0
1.26, e (b) triangulo de
Sierpinski também com sua regra de formação, D
0
1.58.
Fractais podem ser gerados pelo comportamento assintótico de um sistema dinâmico,
representado no espaço de fase correspondente. Ou seja, fractais podem ser atratores de sistemas
dinâmicos. E esses atratores podem ser caracterizados, por exemplo, pelo valor de D
0
. De fato, o
cálculo de D
0
é útil na caracterização de atratores. A dimensão dos atratores de processos não-
caóticos, em sistemas de tempo contínuo, é inteira. Por exemplo, para um sistema tridimensional,
tem-se como atratores: o ponto de equilíbrio, que possui D
0
= 0; o ciclo limite, com D
0
= 1; o
toro, com D
0
= 2. Para processos caóticos, os atratores possuem dimensão fracionária. Por
exemplo, o sistema de Lorenz:
bZ
XY
Z
YrXXZY
XYX
=
+=
=
&
&
&
)(
σ
(a)
(b)
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
92
para σ = 10, b = 8/3 e r = 28, possui D
0
2.06. Assim, o atrator que parece uma asa de borboleta,
figura I.3, é uma superfície com uma ligeira espessura. O valor de D
0
revela o número de
variáveis necessárias para se descrever o comportamento assintótico do sistema.
Figura I.3: Atrator de Lorenz representado em 3-D.
A dimensão de contagem de caixas é um caso especial da dimensão proposta por
Hausdorff, em 1918. Para o cálculo da dimensão de Hausdorff, D
H
, é necessário encontrar o
conjunto de hiper-cubos de lados ε
j
, com ε
j
ε, que cubra o hiper-volume ocupado pelo atrator,
de modo que o número de hiper-cubos utilizados seja mínimo. É praticamente impossível
determinar o valor de D
H
para um atrator estranho, pois, de todas as maneiras possíveis para se
cobrir tal atrator, deve-se encontrar a solução ótima. Pode-se mostrar que D
H
D
0
. Tanto D
0
,
quanto D
H
, costumam ser chamados de dimensão fractal.
Muitos atratores estranhos não são homogêneos, de maneira que algumas de suas regiões
são mais visitadas do que outras. Por isso, para se caracterizar um atrator, calculam-se outras
dimensões que levam em conta suas não-homogeneidades. Tais dimensões se baseiam na
freqüência relativa f
j
com que cada caixa j é visitada. A freqüência f
j
é definida simplesmente
como:
N
N
f
j
N
j
= lim
sendo N o número total de pontos que pertencem ao atrator e N
j
o número de pontos na caixa j.
Dentre as dimensões generalizadas, as mais relevantes (além de D
0
) são a dimensão de
informação D
1
:
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
93
()
=
=
)(
1
0
1
1log
log
lim
ε
ε
ε
N
j
jj
ff
D
e a dimensão de correlação D
2
:
(
)
()
=
=
)(
1
2
0
2
log
lim
ε
ε
ε
N
j
j
f
D
(I.2)
Pode-se mostrar que:
012
DDD
(I.3)
sendo que a igualdade só ocorre para atratores homogêneos.
O termo (f
j
)
2
que aparece em (I.2) representa a freqüência relativa com que dois pontos de
um atrator caem na j-ésima caixa de tamanho ε. Em 1983, Grassberger e Procacia [3] sugeriram
aproximar (f
j
)
2
pela freqüência relativa com que dois pontos estão separados por uma distância
menor ou igual a ε. Seja q(ε) a fração de pontos do atrator que está dentro de uma hiper-esfera de
raio ε, centrada em
j
x
r
. Essa fração é expressa pela relação:
()
(
)
=
=
N
k
kj
xxH
N
q
1
1
rr
εε
sendo N o número de pontos no atrator. A função degrau H(y) é tal que H = 1 se y 0, e H = 0 se
y < 0.
Defini-se a função de correlação C(ε) como o valor médio de q(ε), calculado sobre todos
os pontos
j
x
r
. Assim:
() ()
=
=
N
kjj
q
N
C
)(1
1
εε
Na prática, toma-se, aleatoriamente, N’ pontos
j
x
r
(N’ < N) e determina-se o número de pontos
que estão contidos na hiper-esfera de raio ε. Desse modo:
() ()
=
N
kjj
q
N
C
)(1
1
εε
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
94
O valor de C é proporcional a ε, se os pontos do atrator estão dispostos sobre uma reta;
proporcional a ε
2
, se tais pontos estão uniformemente espalhados num plano. No caso de estarem
sobre uma estrutura fractal, Grassberger e Procaccia [3] alegaram que C é proporcional a
2
D
ε
, ou
seja:
(
)
ε
ε
ε
log
log
limlim
0
2
C
D
N
Normalmente, calcula-se D
2
para vários ε e estima-se seu valor a partir da inclinação da parte
linear do gráfico logC(ε) em função de log(ε).
Qual é a utilidade prática de estimar D
2
? A resposta para essa questão tem duas partes. A
primeira refere-se à dificuldade computacional de se calcular D
0
. Numericamente, D
0
é calculado
usando-se um algoritmo de contagem de caixas. Tal algoritmo, entretanto, exige um esforço
computacional (memória e tempo de processamento) muito maior do que o algoritmo de
Grassberger e Procaccia [3], principalmente quando D
0
> 2. E, ao se estimar D
2
, obtém-se um
limite inferior para o valor de D
0
, pois a relação I.3 é verdadeira. Obter D
0
é importante para a
caracterização do atrator, já que este número revela quantas variáveis são necessárias para
descrever o comportamento assintótico do sistema. Entretanto, a principal razão para se estimar
D
2
aparece quando se trabalha com séries temporais reais.
I.2.4 – Teorema de reconstrução de Takens
Se as equações diferenciais que governam um sistema dinâmico são conhecidas, pode-se
caracterizar o atrator desse sistema calculando as dimensões D
0
, D
1
, D
2
e os expoentes de
Lyapunov. Entretanto, em problemas reais, normalmente tem-se uma série temporal de dados
experimentais. Não sabe, de antemão, quais são as variáveis de estado desse sistema e nem a
forma das equações diferenciais que governam a evolução dessas variáveis.
O sistema de Rössler é composto pelas equações diferenciais:
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
95
()
zcxb
dt
dz
ayx
dt
dy
zy
dt
dx
+=
+=
=
(I.4)
sendo a, b e c constantes. Para a = 0.2, b = 0.4 e c = 5.7, existe um atrator estranho no espaço de
fase desse sistema dinâmico. Esse espaço é, obviamente, formado pelo eixo-x, pelo eixo-y e pelo
eixo-z. Packard et al. [4] analisaram o comportamento desse sistema no espaço formado pelo
eixo-x, pelo eixo-dx/dt e pelo eixo-d
2
x/dt
2
. Eles mostraram que, nesse novo espaço, a figura
geométrica que caracteriza o comportamento assintótico do sistema é topologicamente
equivalente ao atrator estranho original. Essa figura é chamada de atrator reconstruído. Assim, o
atrator original, no espaço (x, y, z), e o atrator reconstruído, no espaço (x, dx/dt, d
2
x/dt
2
), são
caracterizados pelos mesmos valores de dimensões e expoentes de Lyapunov. Portanto, a partir
da evolução temporal de uma única variável, x(t) no caso, pode-se determinar as características
do atrator.
Como exemplo, seja um ciclo limite circular, assintoticamente estável no seu espaço de
fase, descrito pelas expressões x(t) = sin(t) e y(t) = cos(t). Suponha que seja conhecida apenas a
variação temporal de x(t). Para reconstruir o atrator, faremos o espaço de fase constituído pelos
eixos-x e –dx/dt, sendo o eixo-dx/dt aproximado por [x(t + h)-x(t)]/h. A figura I.4 ilustra o atrator
reconstruído, tomando-se alguns valores diferentes de h. Nos três casos, o atrator reconstruído é
topologicamente equivalente ao atrator original. Repare que para
0h
, obtém-se o atrator
original, pois, para ele, dx/dt = y. Esse exemplo é bastante artificial. Em geral tem-se que
dx/dt = f(x,y) e dy/dt = g(x,y).
Como se sabe de antemão, qual a dimensão do espaço de fase no qual se fará a
reconstrução do atrator? Ou seja, como se pode determinar a dimensão que é adequada para se
fazer a reconstrução do atrator? Além disso, como descobrir qual o valor do passo h que é o mais
conveniente?
Na verdade, o método de reconstrução de atrator proposto por Packard et al. [4] é
ligeiramente diferente daquele que foi descrito acima. Sabe-se que dx/dt, d
2
x/dt
2
ou derivadas de
ordem superior podem ser representadas por equações de diferenças com passo infinitezimal.
Assim:
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
96
(
)
(
)
h
txhtx
dt
dx
+
0h
()
(
)
(
)
22
2
22
h
txhtxhtx
dt
xd +++
0h
Figura I.4: Atrator reconstruído para
h igual a 1.0, 0.5 e 0.1.
Uma série temporal real consiste de um conjunto
x
j
= x(t
j
) de valores, obtidos nos
instantes de tempo
t
j
, para j = 1, ..., N. A determinação numérica de derivadas a partir de um
conjunto discreto de pontos é bastante sensível a ruído, o que torna seu cálculo muito impreciso.
Além disso, o passo
h possui um valor finito, de maneira que a qualidade da aproximação de
uma derivada por uma equação de diferença diminui com o aumento da ordem da derivada.
Em vez de usar
x(t), dx/dt, d
2
x/dt
2
... como as variáveis que formarão o espaço no qual o
atrator será reconstruído, Packard
et al. [4] sugeriram usar, diretamente, x(t), x(t + h), x(t + 2h)
... etc. Note que, no exemplo da figura I.3, o atrator original é perfeitamente reconstruído
tomando-se
x(t) e x(t + h) com h = π/2.
Takens [5] provou que, no espaço de fase formado pelo eixo-
x(t), pelo eixo-x(t+h), pelo
eixo-
x(t+2h) ... e pelo eixo-x(t + (m - 1)h), o atrator reconstruído é topologicamente equivalente
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
97
ao atrator real, sobre o qual conhece-se apenas a evolução em tempo discreto da variável de
estado
x. Na sua prova, Takens assumiu que a série é formada por infinitos pontos x
j
e que não há
ruído. Se essas condições são satisfeitas, as propriedades topológicas do atrator reconstruído são
preservadas, tomando-se
m 2D
0
+ 1, sendo D
0
a dimensão de contagem de caixas do atrator
real. Chama-se
espaço de imersão o espaço no qual realiza-se a reconstrução. Denomina-se m de
dimensão de imersão e h de passo da reconstrução. Note que h deve ser múltiplo do tempo de
amostragem do sinal contínuo
x(t).
Por exemplo, no caso do sistema de Lorenz, figura I.3, tem-se que a dimensão de
contagem de caixas do atrator real vale
D
0
= 2.06. Assim, segundo Takens [5], pode-se
reconstruir o atrator a partir de
x(t), tomando-se m > 2D
0
+ 1. Nesse caso, m = 6 parece ser
suficiente. Entretanto, num problema real, não se conhece o atrator original, nem seu valor de
D
0
. A seguir, mostra-se como m pode ser determinado, nesses casos.
Pelo
método dos atrasos temporais de Takens, a cada instante t
j
, assinala-se o ponto de
coordenadas
(
)
(
)
(
)
(
)
hmtxhtxtx
jjj
1,...,,
+
+
no espaço de imersão. Variando-se j de 1 até N,
obtém-se a trajetória reconstruída.
Assuma que
α
ξ
r
representa a posição do ponto no espaço de imersão, no instante t
α
.
Assim, a trajetória reconstruída é formada pela seqüência:
()
(
)
(
)
(
)()
()( ) ( )()()
()( ) ( )()()
hmtxhtxtx
hmtxhtxtx
hmtxhtxtx
1,...,,
1,...,,
1,...,,
2222
1111
++=
++=
++=
αααα
ξ
ξ
ξ
r
M
r
r
com
α = 1, ..., M. As componentes m, h, N, M relacionam-se por N = M + (m – 1)h.
A partir dos valores de
α
ξ
r
, pode-se estimar a dimensão de correlação D
2
, calculando-se
C(ε) pela seguinte fórmula:
()
(
)
∑∑
=≠
=
MM
kk
k
H
M
C
1)(
2
1
αα
α
ξξεε
r
r
Não se sabe, previamente, que dimensão de imersão
m é conveniente para a reconstrução do
atrator. Para se encontrar o valor de
m mais adequado, calcula-se C(ε) para vários valores de ε,
variando
m, por exemplo, entre 2 e 7; e representam-se esses resultados num gráfico logC(ε) em
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
98
função de log(
ε). A inclinação da parte linear dos gráficos dá uma estimativa para o valor de D
2
,
para cada
m. O valor de m procurado é aquele acima do qual a inclinação da parte linear de
log
C(ε), em termos de log(ε), “praticamente” deixa de variar. Normalmente, D
2
aumenta com m,
e acaba saturando a partir de um valor crítico. Essa é a dimensão de imersão que permite
“desdobrar” o atrator adequadamente, de modo que suas trajetórias não se cruzem no espaço de
imersão.
É interessante dizer que se
x(t) é um sinal aleatório, D
2
não satura para m algum. Lembre
que o valor de saturação de
D
2
é uma estimativa para a dimensão D
0
do atrator real.
O trabalho de Takens, no qual se considera uma série infinita e sem ruídos, não impõe
restrições sobre o passo
h. Entretanto, ao se trabalhar com séries finitas e ruidosas, a escolha de h
torna-se crítica. Considere, por exemplo, o caso de
m = 2. Se h é muito pequeno, então x(t) e x(t
+
h) são praticamente idênticos, e o atrator fica comprimido ao longo da diagonal principal do
espaço de imersão. Se
h é muito grande, então x(t) e x(t + h) não apresentam correlação alguma.
Fraser e Swinney [6] sugeriram um método para a determinação de
h em séries temporais
experimentais.
I.3 – Considerações finais
Apresentamos neste apêndice uma descrição sucinta das principais análises realizadas em
séries temporais para a sua caracterização quanto à dinâmica caótica. Existe uma quantidade
grande de parâmetros além dos apresentados aqui que caracterizam a dinâmica caótica do
sistema. Além disso, existem vários algoritmos propostos na literatura para implementação
computacional destes parâmetros. Algumas referências podem ser consultadas para uma melhor
revisão deste assunto. No caso de artigos de revisão recomendamos as referências [7-10]. No
caso de livros temos as referências [2,11-13]
Focamos dois principais parâmetros, expoentes de Lyapunov e dimensão de correlação
neste apêndice. Assim, em um sistema caótico, deve haver pelo menos um expoente positivo e
uma dimensão fractal para a que a sua dinâmica seja considerada caótica. Esta dimensão está
relacionada com a dimensão de imersão do sistema. Por exemplo, no capítulo 1, descrevemos um
estudo realizado em análise de séries temporais para medidas de corrente elétrica em amostras de
GaAs semi-isolantes (SI). Em um dos estudos, encontramos uma dimensão de correlação do
atrator caótico aproximadamente igual a 2,4. Baseado no que foi exposto neste apêndice, para se
Apêndice I – Caos e Análise de Séries Temporais
99
construir um modelo do sistema dinâmico que gera as oscilações de corrente, devemos ter pelo
menos três equações diferenciais. Portanto, a partir de uma série temporal, pode-se estimar a
dimensão do sistema dinâmico que deve estar gerando a série. Essa é uma informação importante
para quem pretende fazer um modelo matemático sobre o sistema observado.
Referências do Apêndice I
[1] R. C. Hilborn,
Chaos and Nonlinear Dynamics. An introduction for Scientists and Engineers
(Oxford University Press, Oxford, 1994).
[2] N. Fiedler-Ferrara, C. P. C. do Prado,
Caos: Uma Introdução (Editora Edgard Blücher
Ltda, 1994).
[3] P. Grassberger, I. Procacia, Physica D
9, 189 (1983).
[4] N. Packard, J. Crutchfield, J. D. Farmer e R. Shaw, Physical Review Letters
45, 712 (1980).
[5] F. Takens, Lect. Notes Math.
898, 366 (1981).
[6] A. M. Fraser e H. L. Swinney, Phys. Rev. A
33, 1134 (1986).
[7] H. D. I. Abarbanel, R. Brown, J. J. Sidorowich, and L. Sh. Tsimring, Rev. Mod. Phys.
65
1331 (1993).
[8] R. Hegger, H. Kantz and T. Schreiber, Chaos
9, 413 (1999).
[9] Y.-C. Lai e N. Ye, Int. J. Bifurcation and Chaos
13, 1383 (2003).
[10] J.-P. Eckmann and D. Ruelle, Rev. Mod. Phys.
57, 617 (1985).
[11] H. D. I. Abarbanel,
Analysis of Observed Chaotic Data (Springer, New York, 1996).
[12] H. Kantz e T. Schreiber,
Nonlinear Time Series Analysis (Cambridge University Press,
Cambridge, 2004).
[13] J. C. Sprott,
Chaos and Time-Series Analysis (Oxford University Press, New York, 2004).
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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