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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM SOCIOLOGIA
Maria das Graças da Silva
FEIRA DE SÃO BENTO EM CASCAVEL - CE
(FESTA A CÉU ABERTO)
Dissertação de Mestrado
Fortaleza – CE
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FEIRA DE SÃO BENTO EM CASCAVEL - CE
(FESTA A CÉU ABERTO)
LINHA DE PESQUISA: Cidade, Movimentos Sociais e Práticas Culturais.
Fortaleza-Ceará
junho/2008
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Universidade Federal do Ceará
Maria das Graças da Silva
Feira de São Bento em Cascavel – CE (Festa a Céu Aberto)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal do Ceará,
Mestrado em Sociologia, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Sociologia.
Orientadora: Profa. Dra. Peregrina Fátima Capelo
Cavalcante
Fortaleza
2008
4
Maria das Graças da Silva
FEIRA DE SÃO BENTO EM CASCAVEL-CE (FESTA A CÉU
ABERTO)
Dissertação apresentada à Universidade Federal do Ceará como requisito para obtenção do
grau de Mestre em Sociologia.
Dissertação aprovada em ___/__/___ Conceito:_______________________
Orientador (a): ___________________________________________________
Prof
a
Dr
a
. Peregrina Fátima Capelo Cavalcante
1º. Examinador (a): _______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Maria Neuma Barreto Cavalcante
2º. Examinador (a)________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Maria Neyára de Oliveira Araújo
3º. Examinador: __________________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos
Coordenadora do Curso:
_______________________________________________________________
Prof
a.
Dr
a
. Maria Neyára de Oliveira Araújo
5
A Ricardo e aos nossos filhos: Raphaela Kharis, Ricardo Klaus e
Karla Virginie; à minha mãe, Nivalda Cavalcante, incentivadora de
minha educação e aos meus irmãos: Majô Silva, Said Silva e Marta
Wilza.
6
AGRADECIMENTOS
Ao Ser Superior por tornar possível mais esta realização de minha existência; Aos meus
professores: Linda Gondim, Alba Carvalho, Domingos, Lea Rodrigues, Neyára Araújo,
Neuma Cavalcante, Irlys Barreira, Sulamita Vieira, Isabelle Peixoto; à minha orientadora
Peregrina Capelo Cavalcante pela disponibilidade em todos os momentos e profícua
orientação; a FUNCAP pelo apoio indispensável como incentivo ao conhecimento científico;
aos meus colegas: Diogo Fontenele e Danielle Maia pelo companheirismo e apoio moral; aos
funcionários da Pós-Graduação: Aimberê Botelho, Socorro Matias e Janyeire Menezes, pelos
esclarecimentos e excelência no atendimento a mim dispensados sempre que necessitei; aos
feirantes, lojistas e fregueses da feira de Cascavel; aos estudantes da Universidade Estadual
Vale do Acaraú e aos coordenadores da TRINUS: Dra. Socorro Santos e Pe. Dourado; Ao
Sr. Antônio Manuel de Sousa (Barão) e Antônio Carlos, pela importante colaboração e por
acreditarem no meu trabalho; a todos aqueles que colaboraram direta ou indiretamente para a
realização desta pesquisa.
7
“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos, nas
forças que não usamos, na prudência egoísta que
nada arrisca, e que esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a nossa felicidade”
Carlos Drumond de Andrade
8
RESUMO
O presente trabalho versa sobre a Feira de São Bento na Cidade de Cascavel, a 60 Km de
Fortaleza-Ce, por tratar-se de um mercado a céu aberto que atravessa os tempos com ares
festivos durante as manhãs de sábado. O objetivo deste é conhecer as dinâmicas dessa
manifestação cultural como parte da memória coletiva, avaliar o seu significado para as
populações urbana e rural desse contexto econômico e afetivo, compreendendo relações
socioeconômicas no mesmo espaço em que ocorrem os mais diversos tipos de sociabilidades.
A proposta se desenvolve com base nos contatos com os agentes sociais, feirantes,
comerciantes fixos e móveis, entendendo-se por estes os ambulantes, habitantes do lugar ou
não e demais freqüentadores desse ambiente composto de misturas em que tecem uma rede de
relações mediante suas particularidades das cartografias físicas e humanas. Entre os
moradores desse centro urbano somam-se os habitantes dos distritos da área litorânea e do
sertão, inclusive turistas nacionais e internacionais. Em um ambiente de tradição, pode-se
dizer que nele são reafirmadas as relações entre campo e cidade em meio às necessidades dos
indivíduos pobres, excluídos do mercado de trabalho formal, haja vista a baixa oferta de
empregos, ocasionando a busca por meios de sobrevivência, sendo a feira o local de encontro
dessas categorias que se “conformam” pelas vias da solidariedade.
PALAVRAS-CHAVE: Feira de São Bento, feirantes, barracas, produtos, fregueses.
9
RÉSUMÉ
Le Présent travail tourne sur la Foire de Saint Bento dans la Ville de Cascavel à 60 km de
Fortaleza-Ce, s'agir d'un marché à ciel ouvert qui traverse les temps avec des airs de fête
pendant les matins de samedi. L'objectif de celui-ci est connaître les dynamiques de cette
manifestation culturelle comme partie de la mémoire collective, évaluer sa signification pour
les populations urbaine et agricole de ce contexte économique et affectif, en comprenant des
relations socioeconômicas dans le même espace se produisent les plus divers types de
sociabilités. La proposition se développe sur base des contacts avec les agents sociaux,
forains, commerçants agencements et meubles, en se comprenant par les ces ambulatoires, les
habitants de la place ou non et excessivement que arrive suivent a cet environnement composé
de mélanges ils où tissent un filet de relations moyennant leurs particularités des cartographies
physiques et humaines. Entre les habitants de ce centre urbain s'ajoutent les habitants des
districts du secteur littoral et de l'arrière-pays, de même touristes nationaux et internationaux.
Dans un environnement de tradition, il se peut dire que dans lui sont réaffirmées les relations
entre champ et ville dans moyen aux nécessités des personnes pauvres, exclus du marché de
travaille formel, aie vu basse offre d'emplois, en causant la recherche par des moyens de
survie, en étant la foire le lieu de rencontre de ces catégories qui « se conforment » par les
manières de la solidarité.
MOTS-CLÉ: Foire de Saint Bento, forains, tentes, produits, clients.
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 16
2 METODOLOGIA ........................................................................................................... 24
3 HISTÓRIA DA FEIRA - GENEALOGIA E TRANSFORMAÇÃO ............................ 30
3.1 Feira ......................................................................................................................... 31
3.2 Feira e Cidade: uma história de transformação .......................................................... 33
3.3 Serviço Público: as feiras regulamentadas pelo Poder Público ................................... 34
3.4 Feira de São Bento em Cascavel-CE .......................................................................... 36
3.5 Formação do Município de Cascavel-CE .................................................................. 37
3.6 Posição geográfica do Município .............................................................................. 39
4 A FEIRA DE SÃO BENTO E O RITUAL DA FESTA NO TEMPO
E NO ESPAÇO................................................................................................................ 45
4.1 A feira como é ........................................................................................................... 52
4.2 As cidades e suas feiras: diálogos e temporalidades ................................................... 53
4.3 Aspecto da feira ......................................................................................................... 58
4.4 Intensidades e movimentos dos que vão ou vêm da feira ............................................ 64
4.5 Opiniões dos homens e das mulheres feirantes ........................................................... 65
4.6 O que é que a feira tem ? ........................................................................................... 66
4.7 Informações dos Srs. Antônio Barão e Antônio Carlos ............................................... 71
4.7.1 Estrada Real: passagem de pessoas ilustres ............................................................. 72
4.8 Relações pacíficas e concorrência .............................................................................. 73
4.9 A “Banda Podre” da Feira ......................................................................................... 73
5 DADOS ECONÔMICOS, ESTÉTICOS E ETNOGRÁFICOS DA
GASTRONOMIA, MODA, PAQUERA E FORRÓ NA................................................ 76
5.1 Economia do município ............................................................................................. 76
5.1.1 Cadastro dos feirantes ..................................................................................... 77
5.1.2 Pesquisa sobre o feirante .................................................................................. 82
11
5.1.3 Feirantes: dados pessoais -----------------------------------------------------------------84
5.1.4 Por que trabalhar na feira ----------------------------------------------------------------86
5.1.5 Mercadorias, preços e negócios ---------------------------------------------------------88
5.1.6 O que os feirantes acham da feira. -----------------------------------------------------92
5.1.7 Feira de móveis rústicos e animais -----------------------------------------------------92
5.2 Quem são os fregueses -------------------------------------------------------------------------------93
5.3 O significado da feira para os fregueses-----------------------------------------------------------95
5.4 Comerciantes fixos: opinião sobre a feira ---------------------------------------------------------96
5.5 Gastronomia da feira ---------------------------------------------------------------------------------98
5.6 Moda e paquera ------------------------------------------------------------------------------------ 102
5.7 O sertão está em todo lugar? --------------------------------------------------------------------- 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------------------------------------------------- 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------------------ 115
APÊNDICE - Questionários ------------------------------------------------------------------------ 121
ANEXOS ------------------------------------------------------------------------------------------------ 125
12
LISTA DAS FOTOS
Foto 1: Início da feira na rua Pref. Vitoriano Antunes -----------------------------------------------20
Foto 2: Localização do Mercado Público e da feira --------------------------------------------------36
Foto 3: Zona litorânea ------------------------------------------------------------------------------------37
Foto 4: Primeira capela de N. S. do Ó -----------------------------------------------------------------38
Foto 5: Antigos barracões da rapadura e das frutas --------------------------------------------------53
Foto 6: Pesquisadora entrevistando um feirante ------------------------------------------------------60
Foto 7: Carro dos ovos no início da feira -------------------------------------------------------------62
Foto 8: Lateral esquerda da av. Pref.Vitoriano Antunes c/ chanc. Edson Queiroz -------------63
Foto 9: Logradouro da feira bastante freqüentado ---------------------------------------------------63
Foto 10: Sr. João do colorau -----------------------------------------------------------------------------69
Foto 11: Feirante vendendo bananas ------------------------------------------------------------------70
Foto 12: Sr. Antônio Barão e o filho Antônio Carlos -----------------------------------------------71
Foto 13: Galpão do Mercado para carnes -------------------------------------------------------------75
Foto 14: Artesanato de barro ----------------------------------------------------------------------------78
Foto 15: Artesanato de palha ---------------------------------------------------------------------------81
Foto 16: Trio “Forró de Cheiro” --------------------------------------------------------------------- 106
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa do estado do Ceará com destaque do município de Cascavel -------------------39
Figura 2: Mapa de Cascavel -----------------------------------------------------------------------------40
14
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Grau de escolaridade de feirantes pesquisados em percentuais --------------------- 85
Gráfico 2: Faixa etária dos fregueses-----------------------------------------------------------------94
15
LISTA DE QUADROS E TABELA
Quadro 1: Origem dos feirantes -----------------------------------------------------------------------78
Quadro 2: Categorias dos produtos -------------------------------------------------------------------79
Tabela 1: Faixa etária dos feirantes -------------------------------------------------------------------84
16
1 INTRODUÇÃO
Investigar o fenômeno da feira de Cascavel como prática sociológica entusiasmou-me
por rios motivos, dentre eles o de conviver com as sociabilidades, em se tratando de uma
tradição cultural e integradora dos indivíduos numa intensa relação de trocas, mediante um
complexo câmbio de moedas e produtos de subsistência. O espaço é dividido com o
artesanato rico e variado da região, como utensílios de barro (cerâmica), objetos de decoração,
bijuterias de conchas marinhas, confecções, calçados, utensílios domésticos, instrumentos
para o trabalho agrícola, ferragens em geral e móveis rústicos de cipós. Estes contrastam com
a delicadeza das rendas de bilros confeccionadas pelas mulheres, muitas delas, esposas ou
filhas de pescadores da área litorânea desse Município.
A minha afinidade com a feira decorre do fato de haver nascido no meio rural,
precisamente num engenho, onde minha família produz rapadura para abastecer as feiras de
Luís Gomes (RN) e Uiraúna (PB), pois o sítio Baixa Verde, local do engenho situa-se entre os
dois Estados. Por muitos anos, vi meus parentes realizando negócios em casa ou verificando a
cotação do mercado em ambas as feiras, que serviam também para demonstração dos
produtos da cana-de-açúcar (mel, alfenins, batidas em menor quantidade). Os negócios
podiam ser “bons” ou o, dependendo da época, como é próprio da lei do mercado
(MARX,1979, P. 25).
A cidade de Cascavel pulsa nas manhãs de sábado dia da feira, quando em suas
artérias jorram transportes conduzindo mercadorias e pessoas vindas de várias partes,
certamente em busca de realizar negócios, não importa a monta, mas o significado dessas
transações comerciais ou afetivas para cada indivíduo, num contexto coletivo no que diz
respeito a satisfação de suas necessidades imediatas. Também se deve considerar os que vêm
oferecer ou prestar algum tipo de serviço e os que utilizam o espaço da feira não
necessariamente para vender, mas, expor seus produtos como uma vitrine; chaveiros, bonecas
de pano, “lembrancinhas” e outros artigos que são mostrados para serem confeccionados sob
encomendas.
O tráfego fica interrompido desde as primeiras horas até o meio dia. No ar, o cheiro de
peixe, frutas e verduras, entre outros alimentos, como lingüiça frita, queijo assado, milho
cozido e assado, churrasquinhos (espetinho), carnes, aves, bem como os quitutes preparados
17
pelas permissionárias
1
do mercado, que oferecem ainda, sarrabulho, mão-de-vaca, panelada,
cuscuz, tapioca, paçoca, café, sucos de frutas, entre outras iguarias regionais, aos que se
fazem presentes a esse evento. Ao término, observa-se no local, detritos em decomposição,
cujo odor forte chega a incomodar as pessoas que vivem nas proximidades do local da feira.
Nessa teia de relações, a feira torna-se um campo do mundo econômico em que seus
agentes exteriorizam seus habitus
2
, ao mesmo tempo em que competem pela dominação de
um capital (BOURDIEU,1984, p.197). Compreende-se, portanto, que os agentes sociais se
relacionam mediante as práticas econômicas de operações em uma economia de investimentos
e de reprodução de capitais, enquanto efetuam outras práticas de uma economia simbólica.
Com base nesse estudioso, “as formas de capitais são conversíveis umas nas outras, por
exemplo, o capital econômico pode ser convertido em capital simbólico e vice-versa”.(id,
p.114). Assim, acontecem interações do meio rural com o urbano numa relação de
porosidades: o urbano não nega o rural nem o rural o urbano. Eles convivem em
transversalidades das linhas que se tocam. Construindo uma cultura permeada dos dois
mundos - rural e urbano - embora aparentemente díspares, se fundem no mesmo campo
social. Sendo a feira um dos centros que congregam mercadorias de origens agrícola,
industrial e artesanal, como se completasse o ciclo de uma construção e recriação da
sociedade, penso, como Antonio Candido (1997, p. 23), que o evento da feira expressa a
importância dos meios de vida como fator dinâmico, transparecendo sociabilidades e
solidariedade que, em decorrência das necessidades humanas, se estabelecem entre o homem
e a natureza, unificadas pela dinâmica de uma cartografia própria.
Para o mesmo autor:
[...] as necessidades têm um duplo caráter natural e social, pois se a sua
manifestação primária são impulsos orgânicos, a satisfação destas se por
meio de iniciativas humanas, que vão se complicando cada vez mais, e
dependem do grupo para se configurar. Daí as próprias necessidades se
complicarem e perderem em parte o caráter estritamente natural, para se
tornarem produtos da sociedade. De tal modo a podermos dizer que as
sociedades se caracterizam, antes de mais nada, pela natureza das
necessidades de seus grupos, e os recursos de que dispõem para satisfazê-los
(CANDIDO, 1997, p. 23).
1
Pessoas que obtêm a concessão para comercializar em Box no Mercado Público.
2
Conhecimento adquirido, um haver, um capital indica uma disposição incorporada, quase postural de um
agente em ação (BOURDIEU,1998, p. 61).
18
As palavras desse estudioso evocam as lidas do homem do campo lavrando a terra,
utilizando-se de meios rudimentares, como uma enxada, semeando e esperando que dali
brotem os frutos garantidores de sua própria sobrevivência e de sua família, como um impulso
orgânico pela preservação da vida. Na seqüência das necessidades orgânicas de caráter
natural, dá-se outra necessidade que Antonio Candido (1997) chama de social, por se
relacionar a iniciativas dos seres humanos, transcendendo do contexto estritamente natural
para outra dimensão mais complexa, por entender que as necessidades não se limitam ao
plano individual, mas se estende ao coletivo. Parte daí a busca pela satisfação das
necessidades socialmente constituídas, devendo, portanto, obtê-las através dos recursos dos
quais dispõem.
Compreendo que se deve lançar um olhar sociológico e antropológico sobre o
fenômeno da feira com arrimo em um pensamento relacional como preconiza Bourdieu (1998.
p.28). Assim, objetivando entender o que se encontra explícito ou implícito no aspecto festivo
do ambiente da feira, assim como Vieira, (1980), para quem “a feira além de ser um lugar
plausível, é um conjunto de relações econômicas, algumas vezes embotada por uma série de
artifícios, o que pode levar, erroneamente, considerá-la como relações não econômicas”
(P.13).
O objetivo desta pesquisa é conhecer a feira como esta é, sua tradição em conter
gêneros de subsistência num centro de abastecimento como lugar de emprego, lazer e espaço
de encontros entre amigos, familiares e vizinhos, cujos afetos se dão num clima de
descontração em meio aos interesses subjetivos, coletivos e das sociabilidades, sempre com
atenção ao rigor que se faz necessário em toda e qualquer investigação científica sem ser
rígido quanto aos métodos ou mesmo aos conceitos teóricos (BOURDIEU, 1998, p. 25 - 26).
O interesse pelo estudo da feira surgiu por tratar-se de um dos principais eventos
populares da cidade de Cascavel e por conviver com os efeitos dessa festa a u aberto desde
as primeiras horas do dia, aos sábados, quando os arrumadores de barracas e os carregadores
de mercadorias invadem os espaços geofísicos do largo do Mercado Público Municipal na
Praça Mal. Floriano Peixoto, em cuja fachada pintada de amarelo-claro e desbotada pelo
tempo, se visualiza os anos de 1901, época da sua inauguração e 1993, quando sofreu uma
reforma.
19
A idéia de conhecer o contexto feirante motivou-me como pesquisadora social e
responsável pela produção de novos conhecimentos, ao lembrar Santos (1991, p.55) “[...], os
cientistas sociais devem proceder a uma reflexão sobre seu próprio trabalho na sala de aula,
na pesquisa de campo, nas ações comunitárias, nas diversas instituições e nos laboratórios de
pesquisa”.
O aspecto festivo da feira, entre outras funções sociais exercidas por ela, como a
política, por exemplo, é uma prática simbólica, tida como “instrumento de integração social:
enquanto instrumento de conhecimento e de comunicação [...]”, esse fato desperta a
curiosidade de quem se dedica ao estudo das relações entre os seres humanos onde quer que
elas aconteçam. (BOURDIEU, 1998, p.10).
A feira é considerada como lugar de trabalho e lazer conforme relatos dos que quem a
realizam, Assim, o ar festivo do seu ambiente se traduz num espaço atrativo de comércio e
diversão, ora pela diversidade das mercadorias expostas à venda, outras vezes pelo fascínio
produzido pelo capital cultural, demonstrado na gastronomia, artes, notadamente a literatura, a
música, a moda, pelas peças de vestuário, os utensílios domésticos, instrumentos de trabalho,
inclusive pelas próprias formas de concretizar negócios, podendo ser a vista ou a prazo, a
varejo ou em grosso e até mesmo arcaicas forma de escambo, troca de um produto por outro.
Na atividade profissional do feirante, encontra-se a formação de uma categoria de
trabalhadores que num determinado momento de suas vidas, passaram a se orientar por um
habitus, ou seja, por “um conjunto sistemático de disposições interiorizadas que guia a ação”
(BOURDIEU, 1992, p. 80-81). Neste sentido, os profissionais da feira integram-se numa
atitude de solidariedade e pelos códigos socialmente construídos e repassados histórica e
culturalmente, com o propósito de mantê-los coesos e, por conseguinte, assegurar a
permanência do status e da instituição, bem como a sua finalidade que entre outras, se divide
entre um meio de vida para uns e um lugar de aquisição de mercadorias diversas para outros.
Acredito que a prática dessa atividade se consolida numa identidade que intensifica os
laços de amizade e afetividade intrínseca aos que fazem parte, enquanto se reproduz um
sentimento de pertença e auto-afirmação, consciente ou não.
O pensamento de Bourdieu (Ibid.1992, p. 297) sugere que os grupos sociais se formam
desde as influências do meio, das relações familiares em princípio. Embora estes grupos
sejam autônomos para discernir sobre suas próprias ações, mesmo passando pelo processo de
20
socialização mediante “estruturas estruturadas e estruturantes feitas pelas instituições
educacionais, enquanto sistema de disposições duráveis e transferíveis”, os mesmos são
capazes de delimitar os meios de conceber e de sentir, tendo como fundamental a modelação,
isto é, direcionar o comportamento dos indivíduos numa perspectiva estrutural-funcionalista
na qual existem relações de dominação que desqualificam indivíduos ou grupos, isso
demonstra que o poder depende da interdependência passível de benefícios para os
dominantes e dominados, enquanto durar tal hierarquia.
Nesse contexto, penso nas relações entre feirantes e lojistas do Mercado Público
Municipal, por serem todos comerciantes que convivem no mesmo espaço coexistindo
possíveis disputas e sentimentos de pertença nos momentos reivindicatórios junto ao Poder
Público, mas, de diferenciação quando competem pelos mesmos clientes. As representações
sociais sobre os comerciantes da feira, no entanto, demonstram discriminação por parte dos
lojistas estabelecidos nos pontos comerciais, esboçando comportamento diferenciado, aceito
como “nômico
3
pelas próprias condições de trabalho amparados pelas instituições que
regulamentam o comércio lojista no espaço urbano, enquanto os outros são “anômicos
4
não
respeitam sequer as calçadas destinadas aos transeuntes.
A descrição que passo a fazer sobre os caminhos da feira apresenta a realidade
vivenciada por habitantes e visitantes da cidade de Cascavel, assim como tem sido por mim,
quando para lá me dirijo ao trabalho nas manhãs dos sábados.
Foto-1
Fonte: (feita pela própria autora) Início da feira na rua Pref. Vitoriano Antunes.
3
Respeito às normas estabelecidas para que as relações sociais se dêem de maneira harmônica.
4
O contrário de nômico, desrespeito às normas socialmente estabelecidas.
21
Por volta das seis e meia, como se vê na foto número 1, o evento promove um
movimento considerável de pessoas que transitam, bem cedo, nesse comércio a céu aberto
que se realiza ao lado esquerdo da avenida Chanceler Edson Queiroz s/n entre as ruas P
e
.
Valdevino e Pref. Vitoriano Antunes, tendo o prédio do Banco do Brasil ao lado direito, no
cruzamento com a av. Chanceler Edson Queiroz, à esquerda, e em frente, ladeada por diversos
pontos comerciais, como camisarias, sapatarias, lanchonetes, loja de tecidos, salão de beleza,
lojas de ferramentas e muitas outras mercadorias como vasilhas de alumínio, utensílios de
plástico que são estendidas nas calçadas, pelo menos durante o momento da feira. O espaço
ocupado estima ser uma área de 2.000 m². Não que esteja disposta de forma compacta e
homogênea, mas se espalha, isto é, a maior parte das barracas se concentra nesse largo
destinado a essa atividade, mas, como há muitas pessoas disputando os lugares, alguns
ambulantes (sem barracas) tentam inserir-se no ambiente, instalando-se nos espaços
próximos, nas alamedas, praças e becos que dão acesso à feira.
Ao tentar driblar o Poder Público Municipal, que estabelece critérios para a ocupação
do espaço da feira, aqueles que nele se inserem sem a devida autorização contrariam as
normas preestabelecidas pelo código de posturas
5
do município que se destina a regulamentar
a feira.
Essa demonstração de poder de uso do espaço físico, “poder de impor”, conta com a
cumplicidade dos que integram o campo do comércio feirante. (BOURDIEU, 1998, p. 12).
A respeito do poder, Foucault (1979) discute a “mecânica do poder que se expande por
toda a sociedade” a qual, mediante técnicas de dominação, atinge a realidade mais concreta
dos indivíduos isto é, o corpo na vida cotidiana, uma espécie de sub poder, a que o autor
chamou de microfísica do poder, em razão do deslocamento de uma instância “maior”
representada pelo Estado, para outra dimensão em forma de sub poder. Acontece, porém,
semelhante controle minucioso do corpo, nos gestos, atitudes, comportamentos, hábitos,
discursos.
Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede
social e neste complexo os micropoderes existem integrados ou não ao
Estado [...] o aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema
de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa
e complementa. (FOUCAULT,1979, p. XIV).
5
Normas estabelecidas pela Prefeitura para organizar o evento da feira.
22
O poder percebido na ambiência da feira parte da premissa de sua subordinação ao
poder constituído, portanto, político, público, representado pela Prefeitura Municipal de
Cascavel que determina local, dia e horário de funcionamento da feira, bem como as
condições das barracas, valor da taxa de contribuição, cadastro dos permissionários de dentro
do Mercado Público Municipal e dos feirantes, apresentação estética deles de acordo com as
normas de higiene adotadas pela Secretaria de Saúde que determina o uso de batas, aventais,
galochas, toucas etc.
Embora os feirantes respeitem as regras, eles exercem outros poderes materiais
intrínsecos aos seus corpos (micropoderes), pois, cada um pode optar por algum tipo de
mercadoria que intenta negociar, como e onde vender, colocar sua barraca ou mesmo expor
no seu próprio corpo e circular entre as barracas; estar sempre atento às variações do mercado
e avaliar o preço de sua mercadoria, fazer seu marketing, gritar ou pagar pela propaganda
eletrônica, contratar o carro de som ou bicicleta do tipo “radiadora” das que volteiam durante
o tempo da feira e cobram por hora de trabalho. Conforme Foucault (1979), o poder não é
uma coisa, mas algo que se exerce, práticas ou relações de poder. Por vezes, feirantes mais
antigos na área tentam evitar que novatos venham a utilizar o mesmo local. Para não haver
discórdia, com um pouco de conversa, os mesmos entram em acordo e passam a usufruir a
mesma concessão. Penso que isto significa um exercício de poder sobre o espaço que, via de
regra, não pertence a um indivíduo, mas à sociedade, por ser um espaço público, mas que se
encontra sob uma dominação simbólica numa relação de força.
A feira oferece uma diversidade de comunicação, pois, tratando-se de um espaço
urbano associado ao mercado nela desenvolvido, também é um centro afetivo com ampla
possibilidade de atrair as donas-de-casa e favorecer o encontro de amigos e demais
concidadãos. A exemplo da Ágora de Cerâmica, no tempo de Sólon,
Essa função social do espaço aberto persistiu nos países latinos: Plaza,
campo, piazza, gand-place, descendem diretamente do Agora; pois é o
espaço aberto, com seus cafés e restaurantes em volta, que os encontros,
conversas, discussões face a face, bem como os encontros fortuitos têm
lugar, não formalizados mesmo quando habituais.” (MUMFORD,1982, p.
168).
Desde a Antigüidade, a história do homem se encontra prenhe de dados que
apresentam a atividade de trocas de produtos desde o momento em que ocorre um excedente
na produção. No desenvolver da atividade de troca aparece o comerciante e desde então se
23
inicia a divisão social do trabalho. Conforme Mumford (1982), em ambiente fechado ou
aberto as feiras caracterizam-se como um lugar onde as trocas de mercadorias e artesanatos
acontecem entre pessoas de lugares diferentes. Quase tudo acontece ali, em meio ao tráfego,
com suas singularidades, pois se trata de um movimento de corpos em um fluxo entre idas,
paradas (diante das barracas) e vindas mais lentas, diálogos, perguntas e respostas,
negociações, convencimentos e os negócios se realizam muitas vezes entre sorrisos: sinal de
que vendedor e comprador se entenderam?
Para interpretar o evento consoante assinala Geertz apud Rodrigues (1997, p.123), “se
faz necessário captar o sentido do acontecimento para entender o ritual”. Nessa perspectiva, a
discussão ora em pauta pretende compreender a feira como um aspecto do mundo social à luz
dos teóricos: Pierre Bourdieu, Émile Durkheim, Clifford Geertz, Michel Foucault, entre
outros que, certamente, estão inseridos no âmbito antropológico e sociológico.
Parto da hipótese de que a feira enquanto centro de abastecimentos do meio urbano,
oferece principalmente, mercadorias em sua maioria, produzidas no próprio município, nesse
caso, de Cascavel.
No primeiro capítulo procurei compreender a origem e o significado da feira para as
populações, buscando explicação na formação dos vilarejos engendrados no passado, quando
as cidades, independentemente de suas dimensões e níveis de desenvolvimento, integram o
mercado ambulante às suas dinâmicas urbanas.
No intuito de aprofundar o conhecimento sobre o tema proposto, a feira como (ela) é,
no segundo capítulo, optei por enfatizar o ambiente da feira, situada no tempo e no espaço,
parecendo uma festa a céu aberto, quando se evidenciam os movimentos dos corpos dos
transeuntes, dos tipos de transportes, as falas das pessoas, os cheiros, o colorido e as
diversidades de produtos, feirantes nas suas barracas e fregueses que circulam por todos os
lados nas mais diversas direções.
Para o terceiro capítulo, fiz uma abordagem do aspecto estético e etnográfico dessa
manifestação da cultura local, envolvendo, além da gastronomia, a moda, as artes, as
sociabilidades nas paqueras e forró, a alegria estampada nas faces dos feirantes, e a
importância do fator econômico para o Município, no que diz respeito à ocupação e renda dos
que se inserem nesse contexto socioeconômico e cultural.
24
2 METODOLOGIA
Inspirada em Pierre Bourdieu (1998), procurei compreender o real nas suas relações
com o processo histórico que sustenta a feira como uma manifestação da cultura e tradição
popular, sendo também uma das identidades de Cascavel.
A pesquisa de campo realiza-se com base em observações, entrevistas estruturadas e
aplicação de questionários aos feirantes, fregueses e comerciantes do Mercado Público, por
estarem dividindo o mesmo espaço de comercialização. Entendo que a fotoetnografia
6
tenha
sido de grande valia para reflexão e interpretação dos dados.
Empreguei a pesquisa qualitativa por meio de investigações bibliográficas,
documentais, bem como a oralidade tentando compreender a fala do povo pela observação
direta no ambiente feirante, nas proximidades e fora dele e demais métodos que se fizeram
necessários, para análise das relações sociais (individuais e grupais). Na pesquisa quantitativa,
por meio dos instrumentos operacionais estatísticos (no caso, apliquei questionários) em
amostragem não probabilística, no intuito de traçar um perfil desses agentes sociais atuantes
na feira.
As pessoas envolvidas na pesquisa são os negociantes e freqüentadores da Feira de
São Bento. Embora os relatos orais tendam a constituir memórias
7
, isto evoca a perspectiva
teórica de Geertz (1989, p.17), segundo o qual o cientista social deve realizar uma descrição
densa, buscar o significado das ações humanas, portanto, procurei dar densidade a descrição
da feira para tentar desvendar o que pode estar atrás das aparências. As investigações se
efetivaram na feira, aos bados, duas vezes por mês, durante dois anos, sem contar com
6
Os recursos imagéticos são utilizados como recurso metodológico nas investigações antropológicas e
sociológicas nos centros acadêmicos do país.
7
O fenômeno da lembrança souvenir na língua francesa, significa sous-venir “vir” de baixo: vir à tona o
que estava submerso. O ato de lembrar o passado através de um processo corporal e presente de percepção em
que se evocam imagens adquiridas pela experiência. Bosi, (1994, p.46) cita Henri Bergson –‘a memória se
atribui uma função decisiva no processo psicológico total: a memória permite a relação do corpo presente com o
passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo “atual” das representações’. (Bérgson Matière et Memoire).
Maurice Halbwachs apud Bosi, na teoria psicossocial, estudioso das relações entre memória e história pública
em duas obras: Les Cadres Sociaux de la Mémoire e La Mémoire Collective, parte do “fato social” de Durkheim
enquanto “sistema social” para compreender o predomínio do social sobre o indivíduo o que altera o enfoque dos
fenômenos psicológicos com a percepção, a consciência e a memória (IBID. p.53). “A memória do indivíduo
depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão;
enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo (instituições
formadoras do sujeito).
25
outras pesquisas realizadas em fase exploratória anteriormente, como consumidora e
pesquisadora, quando despertei para a importância da feira nesse Município.
Como professora, procurei estimular os alunos a buscarem uma maneira de aprofundar
seus conhecimentos por meio da aula de campo, recaindo a escolha na feira de Cascavel. Para
isso, elaboramos um questionário, cujo objeto de investigação foi o mundo do comércio
ambulante
8
, suas causas e efeitos sociais.
Entendo que este trabalho servirá para despertar nos estudantes, especialmente nos
universitários da região, a realização de outras pesquisas científicas em suas futuras salas de
aula, por ser esta uma das preocupações das Universidades, no sentido de desenvolver o
conhecimento científico, o que certamente levará ao crescimento intelectual, prosperidade e
bem-estar social.
Espero que os resultados desta investigação sobre os aspectos culturais da feira
possam apresentar dados relevantes para os estudantes dos cursos de Administração de
Pequenas e Médias Empresas e Turismo, servindo também, de embasamento para cursos
seqüenciais nas áreas de Agronomia e Piscicultura, para educadores, investidores e
empreendedores nacionais e internacionais que têm investido recursos na região e ao público
em geral.
Além disso, ao ampliar os conhecimentos sobre o sentido da feira e suas “implicações”
(benefícios), outros possam buscar alternativas para a produção e circulação de bens e
mercadorias, prestação de serviço, empregos diretos e indiretos, podendo a feira ser
explorada com melhor aproveitamento de suas potencialidades numa perfeita interação do
homem com o seu meio.
Em relação à pesca, queixas de que essa atividade vem sendo prejudicada devido à
falta de mão-de-obra, ocorrendo a opção para outras profissões. Muitos pescadores da zona
praiana vêm abandonando a pesca marítima para se tornarem caseiros das mansões
construídas por estrangeiros para suas temporadas de verão, em troca de salário e carteira
assinada; às vezes recebem seus proventos em moeda estrangeira. Talvez não sejam as
condições de trabalho oferecidas mais vantajosas que os atraem, mas, a ausência de
8
Vendedor itinerante- vindo de outros lugares ou não, para vender na feira.
26
incentivos, de políticas públicas que venham viabilizar a produção do setor pesqueiro na
região.
O resultado dessa transformação no âmbito profissional do lugar é expresso na
progressiva falta de alimentos oriundos da pesca marítima no mercado local, sendo necessário
adquiri-los em outras localidades do Estado, nem sempre com a mesma qualidade ou
preferência dos consumidores que falam da insatisfação e do descaso das autoridades para
com setor.
Ao ingressar no curso de Pós-Graduação Mestrado de Sociologia - Universidade
Federal do Ceará, providenciei um diário de campo onde registrei as observações empíricas e
as idéias com suporte nos conhecimentos teóricos e encaixes dos fragmentos cognitivos nas
percepções que me ocorriam, como partes de um quebra-cabeças auxiliada pelas imagens que
consegui produzir por meio dos recursos fotográficos.
Assim, fui desvendando camadas da feira para outras realidades a ponto de mudar
algumas perspectivas minhas no fazer sociológico, no sentido de enxergar verdades ainda não
reveladas como o estabelecimento do habtius feirante.
Só podemos produzir a verdade do interesse se aceitarmos questionar o
interesse pela verdade e se estivermos dispostos a pôr em risco a ciência e a
respeitabilidade científica fazendo da ciência o instrumento do seu próprio
pôr-se-em-causa. (BOURDIEU, 1998, p. 106)
Para conhecer com profundidade esse complexo intercâmbio de sociabilidades, tomei
embasamento nas teorias, conceitos e metodologias dos autores retrocitados, como
instrumentos de reflexão para compreender em que condições é possível encontrar a verdade,
sem, no entanto, esquecer de buscar questionamentos.
Minha aproximação com o ambiente da feira, especialmente com os trabalhadores que
a fazem, foi possível depois de várias incursões. No início, encostei-me numa barraca de
calçados menos visitada onde uma vendedora forneceu algumas informações; uma pergunta
aqui, outra ali, noutras, provei o queijo de um, a rapadura de outro, comprei goma fresca para
fazer tapioca, perguntei de onde vem, como é produzida e vamos conversando entre um
freguês que pergunta e outro que compra. Caminhei mais e encontrei alunos que são
27
fregueses, depois, outros que são feirantes. Dessa forma, fui conseguindo a conivência deles
para realizar essa pesquisa.
Dentre outras pretensões apresentadas anteriormente busquei compreender a
formação do habitus comerciante dos feirantes como são chamados os vendedores itinerantes
da feira de Cascavel, com base na sua história, na qual conseguem produzir um duplo evento:
o comércio e a festa a céu aberto.
Na ação de comercializar mercadorias na feira, tentei compreender as relações sociais
desse ambiente, se é de respeito mútuo, se hostilidades por parte de uma ou de ambas as
partes, se conflitos explícitos ou não, qual (is) o (s) motivo (s) e que mudanças esperam
que se concretize. Qual dos grupos detém o poder de exclusão do outro? Que ideologia
alimenta a permanência do equilíbrio do domínio? Que resposta obter no sentido de evitar
abalos ou mesmo a perda do poder de dominação nesta figuração que, em geral, se caracteriza
pelo conflito e pela interdependência? Sabe-se que a feira atrai uma quantidade significativa
de fregueses, o que é válido para os comerciantes lojistas das proximidades num espaço onde
ambos se beneficiam.
Neste percurso que fiz entre os apertados corredores ladeados por barracas, me
esforcei tremendamente ao transitar em meio a multidão para alcançar o outro lado, as outras
tantas barracas que se avista, na busca incessante de responder questões tão instigantes.
Tomei também a imagem como recurso metodológico nas ciências sociais, pois,
A fotografia começa a encontrar o seu lugar como meio de interpretação,
preenchendo o espaço em branco na área das ciências humanas e, mais
especialmente, no âmbito da Antropologia. É chegada a hora da conquista e
da legitimação de um espaço para que a fotografia possa ser aceita como
mais um meio de produção das idéias, produção de sentido, para contar o
cotidiano do Homem e a vida do mundo contemporâneo (ACHUTTI,
2004.p.72).
Desde os primeiros contatos com a feira de São Bento, percebi o fascínio que ela
produz pela visualização das cores naquele ambiente somado aos odores que o homem pode
assimilar nas experiências adquiridas pela socialização; assim como a mistura das vozes, as
entonações das falas, as expressões das faces e os gestos, a utilização das mãos, a postura dos
corpos daqueles que operam seus ofícios na feira, interagindo com os fregueses que também
se divertem”. Percebe-se um clima festivo, no qual se integram trabalho e lazer para todos.
28
Com tais considerações, compreendi que os sentidos se aguçam na tentativa de apreender toda
essa complexidade de informações. Na pretensão de captar ao máximo o que acontece na
feira, tentando ao mesmo tempo evitar que algo passe despercebido, senti a necessidade de
um saber iconográfico.
Para o observador que tenta de todas as formas formular uma narrativa desse momento
único, irreversível, pode-se contar com um aliado especial, tanto para captar imagens
“congeladas,”como a fotografia ou o vídeo, que possibilita a animação. Esses meios
imagéticos dão condições de se ver com acuidade determinados recortes e, por conseguinte,
analisá-los melhor.
No intuito de situar este trabalho como passível da utilização das artes “foto-
cinegráficas”, ou melhor, através da fotografia (ACHUTTI, 2004, p.113), no campo teórico-
metodológico busquei direcionar a perspectiva, isto é, centrar as atenções no objeto de
pesquisa para obter resultados significativos, na crença de que os recursos imagéticos
auxiliem a interpretação dos dados apreendidos na pesquisa de campo, de coisas não vistas,
nem ouvidas ou não compreendidas no instante em que ocorreu o episódio, onde o presente se
torna passado.
Ao conhecer a importância das imagens para a história do Brasil colonial,
especialmente as obras de Debret, Rugendas e Chamberlain, fotógrafos, pintores e escritores,
profissionais ou amadores, conhecidos ou anônimos, entendi que muitos deram sua valiosa
colaboração, deixando um rico legado dos registros realizados, reconhecidamente de grande
significado para os estudos antropológico e sociológico, assim como para outras ciências. As
artes citadas podem ser encontradas nas formas de aquarelas, estampas, literaturas e demais
expressões gráficas, materializando os aspectos culturais no tempo e no espaço, especialmente
dos centros urbanos da época.
Vale lembrar que o processo pedagógico nesse contexto de interdependência e
sociabilidade se faz notar pela inculcação das normas e valores a serem assimilados pelos
feirantes e fregueses. Dentre as regras de convivência, encontra-se o horário previsto para
início às 7 horas e término ao meio dia, em único dia da semana, a ser definido pelas
autoridades locais. Enfim, limites e liberdade contracenando no âmbito das relações sociais.
29
Como instrumento de narração, a fotoetnografia compôs o estudo da feira por acreditar
que ela seria uma aliada de longo alcance, auxiliando na decifração de códigos, na
interpretação da linguagem visual e, com este respaldo, descrever dados relevantes para esta
pesquisa. Como anota Feldman-Bianco (2004, p.40), “Longe de ser um objeto neutro, a
fotografia acolhe significados muito diferentes, que interfere na codificação e nas possíveis
decodificações da mensagem transmitida”. Penso que a fotografia antropológica em geral
registra determinada situação da realidade como um recorte de um universo, sendo de um
instante da vida humana em que tanto o fato fotografado como o profissional (cientista ou
não) interagem.
O que merece ser retratado certamente é o que está contido no jogo social que o
pesquisador olha, objetivando adquirir uma prova, uma memória a ser investigada à luz das
ciências sociais para não limitar ao campo da Antropologia ou da Sociologia, mas que seja
útil como objeto de análise; que essa imagem auxilie; em síntese um conteúdo histórico,
cultural daquele momento, naquele lugar e que semelhança ou diferença pode haver, até onde
pode se relativizar (DAMATTA, 1987), tal contexto desse fazer humano?
O que parece interessante para a antropologia é a utilização da fotografia
para trabalhar além das aparências, pois, no que diz respeito à pesquisa, o
que mais conta não é o simples registro dos fatos, mas o que está fora do
campo de visão, a construção do sentido graças à imagem; isso para tornar
um meio de restituição, uma outra forma de narrar nosso olhar sobre o
Outro. (FELDMAN-BIANCO, 2004, p. 87).
Como se sabe, a feira como espaço de concentração popular, onde se efetuam trocas
econômicas e simbólicas, também se encarrega de contar a sua história e de preservar a
memória coletiva pela conservação dos gêneros alimentícios cultivados rudimentarmente na
região ou, mesmo que tenham passado por alguma transformação na forma de produzir estes
bens no setor agrícola, como é o caso da farinha de mandioca e da rapadura (cana-de-açúcar).
Verifica-se que ambos os produtos são hoje industrializados por meio de técnicas modernas
através de máquinas movidas a óleo diesel ou energia elétrica, substituindo as antigas
almanjarras movidas por tração animal. O importante é que os mesmos permanecem no
mercado.
30
3 HISTÓRIA DA FEIRA – GENEALOGIA E TRANSFORMAÇÃO
Para compreender a feira, procurei a origem desse fenômeno por meio de sua história,
buscando na genealogia explicações para as transformações ocorridas no tempo e no espaço.
Como referência, utilizei o conceito (genealogia) usado por Michel Foucault nas pesquisas
por ele desenvolvidas em 1961 A História da Loucura”, sobre a loucura e os todos
utilizados pela Medicina tratados na sua obra “O Nascimento da Clínica,” em 1963. Tomei o
passado como instrumento de informação para possibilitar uma análise histórica, fundamental
para a pesquisa,
[...] se Foucault não invalida o passado [...] parte da arqueologia, procurando
estabelecer, a constituição dos saberes privilegiando as inter-relações
discursivas e sua articulação com as instituições, respondia a como os
saberes apareciam e se transformavam.” (MACHADO, 1979, p. X).
No intuito de encontrar o porquê do labor feirante, procurei estabelecer um retorno aos
primórdios dessa atividade, para compreender suas transformações no âmbito o
comercial, mas também de outras linhas dos afetos, um vínculo entre os que participam direta
ou indiretamente, isto é, produzindo, vendendo ou comprando, aqueles que convivem com o
evento, sem, contudo, estar inserido no fazer feirante, como os que apenas passam pela feira,
quando se dirigem a outro lugar, tendo este caminho como via preferencial de acesso.
A exemplo de Foucault, busquei a genealogia desse porquê da feira, para extrair dela
as singularidades de sua natureza, como as necessidades humanas a tornaram possível.
No conceito de arqueologia foucaulteano, está a genialidade do que se pode chamar de
uma estratégia metodológica que retorna ao ponto ínfimo, indo aprioristicamente ao passado
mais longínquo possível e retornar num meticuloso passo a passo, tentando na constituição
dos saberes e nas inter-relações, compor um retrato fidedigno de uma dada realidade.
Conforme Roberto Machado (Introdução - FOUCAULT, 1979), ao partir-se de uma
arqueologia
9
dos saberes, o que mais importa é ir ao encontro da genealogia do nascimento
e permanência de tais saberes, o que implica na efetivação de determinada ação humana.
9
Busca no passado a constituição dos saberes onde as inter-relações discursivas articuladas com as instituições
possam explicar como os saberes surgiram e se transformaram. (MACHADO, 1979, p. X).
31
Para dar conta do estudo da feira, os conceitos retrocitados forneceram base para a
investigação, dando-se numa análise histórica, que, evidentemente, se constitui de vários
fatores sócio-antropológicos, econômico e cultural, que têm origens nas necessidades de
sobrevivência dos seres humanos em todas as épocas e lugares onde quer que existam.
Dentre as práticas culturais da sociedade urbana, destaca-se a feira como evento que
atravessa o tempo com ares festivos, enquanto pode ocultar conflitos e dificuldades, dadas
condições inerentes ao modo de produção capitalista que, por sua vez, interfere nas transações
comerciais e na própria dinâmica da circulação de mercadorias nos setores interno e externo.
A atividade de troca está relacionada à própria história do homem a partir do momento em
que a vida sedentária se consolida mediante a produção de bens, de então, o excedente
viabilizou transações de um produto por outro entre pessoas das mais diversas localidades,
originando, portanto, a feira. Desde sua origem, ela exerce um poder de atração tanto pela
oferta de produtos naturais, mercadorias de primeira necessidade, utensílios rústicos, de barro
e de ferro, artesanatos em geral, como pela aproximação entre as pessoas.
3.1 Feira
A feira é uma atividade comercial em local público no qual se expõem e vendem
mercadorias. O vocábulo também complementa os cinco dias úteis da semana: segunda-feira,
terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira. Como evento recreativo, considera-se feira,
uma exposição ou parque de diversões em local e época determinados. A título de
informação, feria (latim) significa dia santo que não se deveria trabalhar, criado por Martinho
de Dume para a liturgia católica no período da Páscoa.
Na história da humanidade encontram-se inúmeras referências às feiras. Existem
informações de que em 500 a. C. se praticavam feiras em Tiro no dio Oriente. De caráter
comercial, desde os primeiros relatos, as feiras se relacionavam às festividades religiosas por
ocasião dos dias santos. Nesse ambiente, mercadores de várias partes reuniam-se para
efetuarem as trocas de seus produtos. Percebe-se, portanto, que a religião se insere nesse
contexto, pois o termo feria-feriado, é o mesmo que deu origem a “feira” na língua
portuguesa; feria na espanhola e fair, na inglesa. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Feira. 2007)
32
Consta que as feiras medievais impulsionaram o comércio europeu no final do século
XI após a decadência do Império Romano, quando a Europa saía do feudalismo, onde as
pessoas produziam em espaços limitados, para o próprio abastecimento e trocavam com as
outras o que faltava.
Atribuem-se às Cruzadas, o importante papel de reabrir vias de acesso pelo Mar
Mediterrâneo ensejando novas relações com o Oriente na busca de produtos raros para os
europeus fazendo com que o dinheiro circulasse. Esses produtos eram oferecidos nas novas
cidades chamadas “burgos” por serem muradas e seus habitantes tornaram-se burgueses
10.
Durante as realizações das feiras medievais a segurança era redobrada, interrompiam-
se as guerras no intuito de que a paz fosse assegurada aos feirantes e aos freqüentadores
compradores.(Ibid. 2007. p.1)
Com a transição do feudalismo para o capitalismo, as feiras se estabelecem de forma
mais organizada intensificando-se, como foi citado, com o advento das Cruzadas, pela
necessidade de suprir as carências dos viajantes, assim, os praticantes das trocas comerciais
(os comerciantes) sistematizaram feiras itinerantes por força das circunstâncias. Historiadores
dão conta de que a feira foi o ponto de convergência para a formação das cidades; como a
Ágora fora o centro dinâmico da cidade grega sendo ela um espaço aberto, de domínio
público, cercado por construções e monumentos, inclusive de barracas, indicando o dia de
feira (MUMFORD,1982, p.167).
Acredita-se que as feiras se constituem como prática de trocas comerciais muito
antigas, constando nos arquivos sumerianos a existência de um ideograma em forma de
“Y”que indica o mercado:
[...] possivelmente seria a indicação de um local de mercado como ponto de
junção das rotas de comércio já conhecida àquela época [...] o mercado
surgiu para regular a troca local, muito antes que qualquer ‘economia de
mercado’ [...] lucro e acumulação de capital privado viesse a existir.(IBID.
1982, p. 85)
O desenvolvimento de Cascavel também se inscreve nesse contexto das rotas
comerciais. Assim, o ambiente urbano começa a se desenhar, caracterizando-se pelas
10
Termo aplicado posteriormente aos comerciantes que enriqueceram por praticar a atividade comercial.
33
construções habitacionais, monumentos e edificações destinadas a cumprir suas funções
econômicas, religiosas e sociais.
3.2 Feira e Cidade: uma história de transformação
As formas clássicas de mercado consolidaram-se pelo excedente da produção
disponível para o consumo, porém, da falta de algum produto, poderia encontrá-lo em outros
produtores e vice-versa, dando-se, portanto, o intercâmbio de mercadorias entre grupos. A
feira se institucionaliza como exigência de um ambiente que carece de muitos produtos,
servindo para seu estabelecimento o espaço geofísico, um largo que passa progressivamente a
ser esquadrinhado, oferecendo uma estética possível de um centro urbano (FOUCAULT,
1979). Entendendo por esquadrinhar uma condição do uso organizado do espaço citadino para
poder adequar o evento à necessidade que ele deve suprir; isto é, possibilitar que pessoas
interessadas realizem trocas de produtos que por algum motivo não foi possível produzir.
Surge então duas formas clássicas de mercado: a praça aberta e o bazar
coberto, a rua de barracas ou de lojas possivelmente já haviam encontrado
sua configuração no meio urbano por volta de 2000 a.C. no mais tardar. Mas,
pode ser que fossem precedidas pela forma mais antiga de supermercado,
dentro do recinto do templo. (MUMFORD, 1982, p. 85).
Em virtude de implicações de ordem pública, foram estabelecidas regras de
funcionamento garantidas e controladas pelo Estado. E a feira passa a desempenhar papel
importante, a partir da chamada Revolução Comercial, no século XI. Atribui-se, portanto, à
Idade Média a consolidação das feiras, pois, na época dos faraós como período escravagista, e
na fase do feudalismo, a produção destinava-se somente ao consumo, pois os faraós não
tinham interesse de comercializar, nem os senhores feudais (ENCICLOPÉDIA LUSO-
BRASILEIRA - 1995, vol. 8, p. 502).
De acordo com Souto Maior (1978), as feiras tiveram sua efetivação provavelmente,
na Idade Média,
As influências das atividades comerciais de Bizâncio foram vis não somente
para a Idade Média, mas até para a Idade Moderna, pois, o renovado
contacto comercial com o Oriente foi uma das causas principais do
aparecimento de muitas cidades do Ocidente europeu e a concorrência
comercial estimulou os descobrimentos e a expansão da civilização européia
no século XVI.
34
Com vistas a estimular a expansão comercial por meio dos produtos adquiridos no
Extremo Oriente, distribuídos através do Mediterrâneo com lucratividade considerável,
especialmente com especiarias, perfumes, sedas, jóias, entre outras mercadorias de luxo
aceitas no mercado, essas relações com o Oriente fizeram com que se abrissem os grandes
comércios nas cidades de Veneza, Gênova e Pisa, aumentando a concorrência entre os
aventureiros e comerciantes dedicados à compra e venda de produtos necessários ou não nos
mais longínquos lugares do mundo.
A importância das feiras se evidencia na Idade Média com o registro de uma
solicitação da população de Poix ao rei para funcionamento de um mercado e de duas feiras
semanais, obtendo a seguinte resposta do rei:
Recebemos a humilde petição de nosso querido e bem amado Jeham de
Créquy, Senhor de Canaples e de Poix [...] informando-nos que a
mencionada cidade e arredores de Poix estão localizados em terreno bom e
fértil, e a mencionada cidade e arredores são bem construídos e providos de
casas, povo, mercadores, habitantes, e outros, e também afluem, passam e
tornam a passar, muitos mercadores e mercadorias da vizinhanças e outras
regiões, e isto é requisito, e necessário à realização das duas feiras anuais e
um mercado cada semana [...] Por essa razão é que nós [...] criamos,
organizamos estabelecemos para a mencionada cidade de Poix [...] duas
feiras por ano e um mercado por semana. (SOUTO MAIOR,1978, p. 190)
O advento da feira existe inclusive nos relatos bíblicos, quando da chegada de Jesus
Cristo em Jerusalém, pois, encontrando o templo repleto de comerciantes, os expulsou,
dizendo que aquele era lugar de oração e não de feiras livres (BÍBLIA SAGRADA, c11, v17,
1974).
A cidade, conhecida na atualidade, é fruto da idealização e do trabalho articulado de
muitos seres humanos. Citando Raquel Rolnik (1988, p. 8), “[...] é uma obra coletiva que
desafia a natureza”, nascida de um processo de sedentarização, sendo esta uma forma
inusitada de relação do homem com a natureza e uma nova ordem organizacional, projeto de
uma vida social e da produção coletiva.
3.3 Serviço público: as feiras regulamentadas pelo Poder Público
35
A iniciativa de regulamentar o evento da feira, preestabelecendo local, dia e
horário,disposição das bancas enfileiradas, exposição das frutas e legumes e demais
mercadorias sob as lonas coloridas, além de delimitar o espaço, impor regras, ao ar livre, com
a claridade do sol, todo esse visual pode ter concorrido para atrair o público em detrimento do
mercado público por possuir cobertura, construído com a mesma finalidade econômica e de
oferecer mais um lugar de transações e sociabilidades para os mais abastados.
Desde o final do século XVII, as feiras das cidades brasileiras tornaram-se instituições
regulamentadas pelo Poder Público, no sentido de organizar o comércio de produtos
excedentes da agricultura, da pecuária, incluindo outros artigos manufaturados artesanalmente
por pessoas no âmbito familiar. Esta maneira certamente foi a melhor forma de oferecer aos
feirantes um lugar determinado para a comercialização dos seus produtos ao mesmo tempo
em que a construção do Mercado Público oferecia condições de armazenamento, higiene e
sistematização de horários estabelecidos para que a população urbana pudesse freqüentar e
adquirir o que lhe aprouvesse, uma espécie de “shopping center” de alimentos e demais
apetrechos a preços módicos.
A feira brasileira é um fator de distribuição, além de um dinamizador
econômico, sobretudo no Nordeste, onde estão profundamente envolvidas
nos sistemas de mercado regional, reagindo às mudanças que ocorrem no
campo político e econômico do país. ( CLEPS, 1997).
As feiras no Nordeste aconteciam pelas necessidades da população urbana e rural.
Consta na história da cidade de Cascavel que sua origem se deveu em parte aos encontros dos
comerciantes que passavam por essas terras, pela Estrada Real
11
, onde se formou o lugarejo e
posteriormente evoluiu para cidade. Sua localização numa área litorânea favoreceu as relações
comerciais, por facilitar o transbordo, a troca e a armazenagem.
Historicamente a feira exerceu importante papel, sobretudo no desenvolvimento
econômico. Sendo um lugar de trocas comerciais e afetivas (amizade ou aversão),
desenvolvendo-se e expandindo-se nas comunidades a ponto de sua dinâmica permanecer até
hoje, ela esboça características do passado, associadas às mudanças do presente, como se
pretendesse ajustar-se às demandas da freguesia. Nela se encontram mercadorias
industrializadas como roupas e calçados, que não faziam parte do acervo no passado. A venda
de CDs, DVDs, por exemplo, permeia o cenário de articulações entre pessoas de faixas etárias
11
Caminho que ligava Fortaleza a Aracati e Mossoró-RN.
36
diversas, sobretudo os jovens, o que torna o ambiente mais alegre e festivo ao som de músicas
de forró das mais variadas “bandas” do agrado cearense.
A feira constitui-se em um lugar de encontro regular, que proporciona uma
integração social mais efetiva da população rural vizinha. Nela a dominância
urbana se manifesta, proporcionando uma vigorosa demonstração de
dependência rural, face às instituições e à economia da cidade [...] (VIEIRA
[2] apud NASCIMENTO, 1999, p. 28)
Capaz de agradar ao público e efetivar negócios, ao mesmo tempo em que promove o
encontro de categorias sociais que parecem separadas no senso comum, o meio rural e o
urbano se integram pela feira numa estrutura indissociável. Enquanto um oferece produtos
agrícolas, pecuários e derivados, matérias-primas para abastecer o meio urbano, inclusive o
artesanato rico e variado produzido como meio de ocupação e renda, o outro fornece produtos
industrializados numa intensa criação e recriação da cultura.
3.4 Feira de São Bento em Cascavel – CE
Foto - 2
Fonte: Google Earth. Localização do Mercado Público onde acontece a Feira em Cascavel.
A feira de São Bento é também conhecida como Feira Velha, por ser considerada uma
das mais antigas e disputadas do Estado e uma das melhores da região Norte-Leste como
dizem os cascavelenses.
Procurei conhecer o seu significado no universo desse mercado para os feirantes e
fregueses e as relações socioeconômicas”, por entender que a feira pode estar carregada de
37
laços de amizades, afeição e solidariedade, pois, empiricamente, é um ambiente atrativo para
as pessoas de várias classes sociais como os turistas que se misturam aos habitantes do
município. facilidade de “entendimento” entre os que oferecem e os que procuram
produtos de “qualidade”, inclusive a barganha nos preços que variam de acordo com o
horário, sendo mais reduzidos no final das atividades ao meio dia do sábado.
Ao pesquisar essa manifestação cultural que é a feira, como fenômeno antropológico,
inspirei-me também em Geertz (1989), pois, para ele, “a cultura é o meio pelo qual as
gerações aprendem os sentidos e os significados dos valores, das normas do meio ao qual se
insere”. Quanto às conseqüências dessa comercialização, tentei compreender os seus efeitos,
para os que fazem da feira seu meio de vida, à luz da Sociologia.
3.5 Formação do Município de Cascavel-CE
Foto: 3
Fonte: http://www.vianovabrasil.com.br/upload/arquivo/00000083_MapaCeara Download.jpg
O Município de Cascavel-Ce, conforme Bessa et al. (2001), localizado em zona
litorânea, atualmente intitulada Costa do Sol Nascente, é uma área de turismo e pesca. Os
38
autores citam que o assentamento dos colonizadores, datado de 25 de fevereiro de 1694, por
Domingos Paes Botão e seu cunhado João da Fonseca Ferreira, que a receberam como
sesmaria e a denominam Sítio Cascavel, concessão efetivada pelo capitão-mor Fernão
Carrilho, como transcreve o autor “[...] era uma paragem à mão direita da estrada dos que iam
do Siará ao Choró; ficava na terra do ajudante Manoel Rodrigo Bulhões que, como outros, em
1690, conseguiram sesmarias do fim da várzea do Goiaí, Choró baixo”, onde foi construída a
capela de Nossa Senhora do Ó em 1710, por Manoel Rodrigues da Costa e sua esposa,
Francisca Ferreira Pessoa o que muito contribuiu para o estabelecimento da população.
Foto 4
.Fonte: Cascavel Didática. Capela de N. S. do Ó, construída em 1710 atual matriz de N S. da Conceição.
O topônimo “Cascavel”, segundo a lenda contada por antigos e idosos moradores, foi
sugerido por viajantes ou comboieiros em travessias do Aracati para Aquiraz, Fortaleza e
vice-versa. Ao arrancharem-se sob os cajueiros, mesmo antes dos colonizadores citados,
teriam encontrado algumas cobras cascavéis, dando o nome de “passagem da cascavel” como
referência para os encontros, topônimo adotado aos dias atuais. Por tratar-se de uma cobra
venenosa, os moradores tentaram substituir pelo nome do santo protetor contra picadas do
ofídio segundo a crença, São Bento. Diante da impossibilidade de atendimento, restou à
feira ser conhecida como Feira de São Bento.
A formação urbana de Cascavel se iniciou com os encontros entre viajantes,
mercadores, agricultores, missionários, comboieiros, aventureiros, e todos que habitaram e
que, de alguma forma contribuíram para a construção e transformação do lugar.
39
Os produtos como farinha e goma de mandioca, couro de gado, rapadura e mel de
engenho e as frutas tropicais de sítios próximos à Estrada Real saíam para Pernambuco e
Maranhão. O porto de Barra Nova, chamado pelos mercadores como “porto cozinha” na foz
do rio Choro, escoava a produção local e desembarcava sal, peixe seco e outras tantas
mercadorias, vindas de várias regiões. Comboieiros e mercadores utilizavam muares para o
transporte destes produtos para o sertão.
Elevada à categoria de vila em 6 de maio de 1833, por deliberação do Conselho
Providencial, sob a presidência de José Mariano d`Albuquerque Cavalcanti, presidente da
Província, Cascavel desmembrou-se de Aquiraz e de Aracati e foi elevada à categoria de
cidade em 02/11/1883 – Lei 2.039.
3.6 Posição geográfica do Município
Figura 1. Mapa do Estado do Cea Destaque do Munic.de Cascavel (http://pt.wikipedia.org/
wiki/Imagem: Ceara_Municip_Cascavel.svg).
CEARÁ
CASCAVEL
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Figura 2
O Município de Cascavel possui 837,97 km
2
o clima é tropical, quente, semi-árido
brando com chuvas de janeiro a maio, com precipitação 1.331,7mm (média histórica). Relevo:
planície litorânea e tabuleiros pré-litorâneos dissecados em interflúvios tabulares. Limita-se
ao norte com o oceano Atlântico (com 18 km de litoral da foz do rio Malcozinhado à praia de
Balbino), Aquiraz e Pindoretama; ao sul com Ocara; a leste com Beberibe; a oeste com
Pacajus, Horizonte e Chorozinho. Faz parte da Região Administrativa 09-RA 09 do Estado
do Ceará (Lei Complementar no. 1 de 1º./jun/1955). Conta com uma população estimada em
63.170 habitantes (IBGE/2005); pelo censo de 2000, 57.129. Destes, 47.453 urbanos
41
(75,10%) e 9.676 rurais (15,5%). Tem densidade de 59,7 hab/km
2
, distando da Capital
cearense 60 km pela Ce-040. Clima varia entre 26 e 31 graus Celsius. Divide-se em seis
distritos: a Sede, Caponga, Guanacés, Jacarecoara, Pitombeiras e Cristais.
Localizada entre as cidades de Pindoretama, Pacajus, Aracati e Beberibe, conta ainda
com os povoados de Batoque, Barra Nova e Águas Belas, todos em zonas de praias, bastante
habitadas por nativos pescadores e rendeiras, perplexos com a especulação imobiliária que
surpreende a todos com o avanço das construções de modernas habitações, substituindo as
antigas e rústicas moradias da gente simples do lugar, destinadas aos que vêm veranear nos
fins de semana e nos períodos de férias (alta estação). A localização da cidade faz dela um dos
centros urbanos mais movimentados, tanto pelos habitantes circunvizinhos como por
visitantes de outros estados da federação assim como por estrangeiros de vários países.
Associados à origem da feira de São Bento encontram-se outros fatores relevantes para
a compreensão desta. Sabe-se que o povoamento do Ceará – século XVII (1637-1654) deveu-
se em parte à pecuária extensiva e, pela precariedade das atividades comerciais, o gado vacum
era negociado nas feiras de Olinda e Igarassú (PE) e em Feira de Santana (BA). Este dado
coincide com a ocupação de Pernambuco pelos holandeses (1624 a 1634) conforme citado por
Vieira (1980), “tendo como principais mercadorias o gado e os artigos importados trazidos
para Pernambuco”.
Ao lado da pecuária e da cultura da cana-de-açúcar no século XVIII, a agricultura de
subsistência era incentivada pelas autoridades obrigando os pequenos produtores a plantarem
mandioca, feijão e milho, criar gado “miúdo”, ovelhas e cabras para alimentação da família,
pois até meados do século XIX a pecuária era a principal atividade econômica da Província.
Na segunda metade desse século, a agricultura começa a se desenvolver para suprir a escassez
de alimentos de que se ressentia todo o País, especialmente as populações mais pobres.
Alguns municípios do Ceará legislavam para essa finalidade: “em 1837 a Câmara de Aracati
sanciona a Lei 68 contendo no seu art. 67 a obrigatoriedade para que cada lavrador plante
quatrocentas covas de dois pés de mandioca por ano sob pena de ser multado em dez mil rés
para as despesas da Câmara ou quatro dias de prisão”. (VIEIRA, 1980, p.17-22).
Pelo trânsito histórico que se faz do período colonial até aqui, e pelas datas registradas
em documentos consultados, acredita-se que a introdução da feira como centro de
comercialização de produtos alimentícios no interior do Ceará ocorreu por volta da segunda
42
metade do século XIX. Quando em 1856 a Lei 761 art. 1, Câmara de Maria Pereira, criava
nesta vila uma feira no dia de sábado das seis horas da manhã até às quatro da tarde. Mais
tarde, em 1859, a Lei 893 art. 1º. cria três feiras de gado, uma na cidade de Baturité, uma na
vila Maranguape, e uma na povoação de Pacatuba. Sobre a feira de Cascavel, consta o
seguinte:
Feira dos domingos para as quintas-feiras”; na sessão do Conselho de
Intendência de 27 de agosto de 1891, ‘um abaixo assinado do corpo
commercial desta praça pedindo para ser criada uma postura no sentido de
ser transferidas para os sábados as feiras de gêneros e mandando conservar
fechados os estabelecimentos commerciaes nos domingos e dias
santificados. Attendendo a justa reclamação do corpo commercial, o
Conselho de Intendência Municipal desta Cidade resolve:
Art.1º. fica proibido abrir lojas, tavernas, armarinhos, etc. em que se
venderem gêneros nacionaes e estrangeiros, fazendas molhados ou outro
qualquer artigo de negocio nos dias de Domingos e santificados das oito da
manhã as quatro da tarde.
Art 2º. Fica designado o dia de quinta-feira de cada semana para a feira de
gêneros.
§ Único, quando porém, o dia designado para a feira for santificado será o da
feira o dia anterior. Os contraventores serão multados em dez mil réis e
duplo na reincidência; cujos artigos de posturas serão remetidos ao General
Governador do Estado, para serem sancionados e publicados como lei.’
(BESSA, 2001:280). Mais adiante, a ‘Lei no. 63 de 20 de outubro de 1924
resolve sobre a mudança da feira do dia de Domingo para o bado’ o texto
menciona o fato do Domingo ser dia para descanso e práticas religiosas para
muitas pessoas em quase todas as cidades, villas e povoações do Brazil, o
se trabalha aos Domingos. Sendo as feiras inconvenientes para o descanso.
‘Preocupando não os commerciantes como também os agricultores que
vêm expor os seus productos a venda nesse dias; - Considerando que o dia
de Sabbado se adapta perfeitamente bem para as feiras, não havendo nenhum
prejuízo para o commercio e nem para os agricultores;
RESOLVE: - Art.1º. Que o dia destinado para as feiras seria o dia de
Sabbado;’ nos oito artigos seguintes que regulamentam a prática da feira,
definem que o primeiro dia de feira se no primeiro bado do mês de
janeiro de 1925” (BESSA et ali, 2001, p. 292).
Conforme a citação, está clara a influência de forças, poder econômico e políticas que,
em conjunto com o Estado visa controlar as manifestações culturais, na interdição do tempo
da realização da feira, e nos dias designados ao culto religioso que não devem ser objeto de
nenhuma interferência, ou seja, as práticas religiosas aos domingos e dias santos como são
datas sagradas, devam ser efetivamente respeitadas pelos fiéis. Assim, suspendem-se as
práticas comerciais culturalmente desenvolvidas na localidade como o o comércio fixo e a
feira. Percebe-se, dessa forma, que a Igreja ordena essa atividade sendo uma situação que
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a sociedade pode resolver segundo suas crenças e ritos. Como ensina Durkheim (2000,
p.327),
[...] a vida religiosa e a profana não podem coexistir nas mesmas unidades de
tempo. Portanto, é necessário reservar à primeira dias ou períodos
determinados dos quais todas as ocupações profanas sejam retiradas. Foi
assim que surgiram as festas. Não há religião nem, conseqüentemente,
sociedade que não tenha conhecido e praticado essa divisão de tempo em
duas partes definidas que se alternam segundo uma lei variável com os
povos e as civilizações [...]
Do ponto de vista religioso, conforme a citação, entendo que Durkheim pensou em ritos
nos quais as atividades humanas sejam divididas no tempo e organizadas de maneira que o
sagrado seja separado do profano onde um não interfira no outro.
Compreendo que esse tempo não se define por uma vontade individual, mas, coletiva.
“Não é meu tempo que está assim organizado; é o tempo tal como é objetivamente pensado
por todos os homens de uma mesma civilização”. (IBID. 2000, p. XVII).
Na seqüência das leis sobre o Código de Posturas de Cascavel, encontra-se a Lei 64, de
22 de outubro de 1925 que resolve mudar a feira do bado para o domingo com o seguinte
texto:
A mara Municipal de Cascavel, - considerando que a mudança das feiras
para os dias de Sabbado não têm correspondido á expectativa de seus
munícipes; - Considerando que as mesmas feiras têm dado sensível prejuiso
ao Commercio, a Agricultura, contribuindo por isso mesmo para o
decrecimento das finanças municipais; - [...] as missas aos Domingos têm
pouco frequentados, por aquelles que moram fora da área urbana e
suburbana da Cidade; - Considerando que as novas feiras Dominicais da
exVilla de Guarany do vizinho município de Aquiras têm influído
poderosamente sobre as nossas desviando para ali grande massa de
comboieiros que vão abastecer-se dos nossos principais productos agrícolas
– farinha e rapaduras. (BESSA et ali. 2001, p.292 )
O texto expressa grande preocupação com os interesses do Município do ponto de
vista econômico e financeiro e revoga a Lei no. 63, contrariando o Código anterior,
restabelece a feira aos domingos a partir do dia 1º. de novembro do ano de 1925. Isto porque à
época, as pessoas que moravam no meio rural vinham à cidade para assistir à missa aos
domingos e fazer a feira. Assim, conciliavam a devoção com a obrigação. Quando a
realização da feira foi determinada aos sábados, os fregueses se dirigiram para as localidades
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que unificaram missa e feira aos domingos. Essa situação afastou a freguesia enfraquecendo o
comércio de Cascavel de maneira geral. Tal fato gerou insatisfação aos comerciantes fixos e
feirantes fazendo com que as autoridades locais retrocedessem, restabelecendo a feira aos
domingos por algum tempo. Essa é também uma preocupação existente com a feira de Pedras
em relação à feira de Capela - PE, acerca do enfraquecimento da primeira e o fortalecimento
da última conforme Meyer (1979, p. 41). Não por causa da missa, mas, por fatores
relacionados a transportes e variedade de mercadorias.
Observa-se que os produtos expostos na feira de Cascavel provêm da agricultura para
abastecer a população local e outras vizinhas, competindo com o próprio mercado local e
disputando com as feiras do município próximo. É uma situação vexatória para o poder
público de Cascavel, que o quer perder os benefícios e os recursos oriundos desse
comércio. Atualmente, a feira acontece aos sábados conforme o Código de Posturas vigente,
contando com 639 feirantes cadastrados na Secretaria de Turismo do Município.
Empiricamente percebe-se que outro tanto sem autorização. Considerada pelos
cascavelenses como a 2ª. maior feira do Nordeste, sua ocupação e exploração se realiza por
pessoas de Cascavel, da zona rural, comerciantes de Fortaleza, da zona jaguaribana e do Rio
Grande do Norte. (dados da Prefeitura Municipal).
Enquanto a feira se realiza aos sábados das 6h às 12 horas, o Mercado abre
diariamente das 4h e 30 às 18 horas, inclusive aos domingos. No total, aproximadamente
1000 pontos de vendas, entre boxes e barracas com produtos de inúmeras espécies (dados
informados pela Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Cascavel). Atualmente o
logradouro conta com espaço especial para a comercialização de peixes com a instalação
adequada para essa finalidade. No momento um dos galpões passa por reforma para melhorias
nas condições de trabalho.
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4 A FEIRA DE SÃO BENTO E O RITUAL DA FESTA NO TEMPO E NO
ESPAÇO
Pretendo compreender a realização da feira como um fenômeno social de relevância,
também dotado de autonomia e de todo um ritual festivo e refletir sobre a dinâmica dela no
tempo e no espaço.
À luz das afirmações de Gennep (1977, p.12), em seus estudos em ritos de
passagem”, Roberto Da Matta inspira-se nele e afirma na apresentação desta obra que,
[...]falar em vida social é falar em ritualização, donde minhas preocupações com o
fenômeno da transformação e passagem do gesto rotineiro ao ato ritual e também,
minhas reflexões sobre os movimentos sociais coletivos, quando todo o sistema
passa por um período especial, invertendo, neutralizando ou reforçando a realidade
cotidiana.
O ritual da feira de São Bento começa na noite de sexta-feira, quando caminhões
carregados de tábuas, estacas, cordas, ferros, varas, também carrinhos-de-mão carregados de
barracas semi-armadas, chamadas tripé, começam a estacionar nas ruas onde se realizará a
feira e, com eles, os armadores das barracas, os chamados barraqueiros, contratados para este
trabalho, iniciam a tarefa se esmerando para organizá-las nos locais preestabelecidos, de
acordo com as determinações da Prefeitura Municipal de Cascavel a qual destina um fiscal
que controla os locais de venda e cobra taxa pela ocupação, de acordo com o tamanho da
barraca. Por exemplo, uma barraca que mede 4m² paga taxa de R$ 20,00 (vinte reais) e uma
barraca que mede 2m²x 1,5m² são cobrados R$ 2,00 (dois reais) por feira.
Em uma das ocasiões que observei, vi descer de um caminhão um jovem de 25 anos,
medindo aproximadamente 1,70m, com peso de uns 75kg. Era moreno, talvez queimado do
sol, cabelos negros, olhos puxados, rosto redondo, lábios grossos, expressão fechada, porém,
demonstrando serenidade.
Laban (1978), para quem “a extraordinária estrutura do corpo, bem como as
surpreendentes ações que é capaz de executar, são alguns dos maiores milagres da existência”,
compreendo que a própria estrutura física do ser humano reflete no exterior o que se encontra
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no interior do indivíduo; um ator no palco procura transmitir esse interior para a platéia
mediante os recursos dos quais dispõe, tais como: movimentos coordenados do tronco,
membros superiores e inferiores (mãos e pés), a cabeça e órgãos dos sentidos como o olhar, os
ouvidos, a voz e suas tonalidades, a ênfase na palavra ou frase daquilo que se deseja reforçar
faz toda a diferença na comunicação verbal contando ainda com o auxílio dos gestos
(mímicas) que completam o ato em si. Parto dessa observação teórica para tentar compreender
os movimentos físicos do barraqueiro que ora descarrega o caminhão juntamente com outros
auxiliares que, de dentro da carroceria, vão descendo todo o material segurando as tábuas com
as mãos, inclinando-as para os que esperam no solo em meio aos gritos, vai, segura,
cuidado...” e jogam as estacas, lonas, cordas e vai se formando amontoados de materiais.
Para observar o barraqueiro que recebia parte do material para dar início aos trabalhos
de armações das barracas, aproximei-me do mesmo um pouco inibida por causa da hora e por
estar na rua” pois, fora de casa, no centro da cidade, sendo uma mulher em meio a vários
homens com funções bem definidas, seria necessário me identificar para o ser confundida
com outro tipo de profissão.
Parafraseando DaMatta (1997, p.55), em A Casa e a Rua, o espaço da rua é público,
profano, individual. No que diz respeito às duas categorias sociológicas, há oposições e
gradações. Portanto, é importante saber lidar com suas nuanças, com leis que regulamentam
as relações nesse espaço em oposição com a casa na qual as relações acontecem no plano de
intimidade, sagrado, respeitoso, coletivo. Após minha apresentação, solicitei-lhe permissão
para permanecer no local por algum tempo enquanto ele armava as barracas, garanti não
atrapalhá-lo. Também lhe pedi para responder algumas perguntas, e o rapaz aquiesceu.
Primeiro, descarregou o caminhão o que demorou exatamente 45 minutos. As peças a serem
montadas iam sendo dispostas aos montes, separadamente. Em seguida, tomou uma
picareta e uma ferramenta conhecida como pé-de-cabra, que alternava nas escavações onde
seriam fincadas as estacas numa profundidade de 20cm.
Os esforços repetitivos com as mãos unidas, segurando e forçando o instrumento para
baixo, o deixava numa posição curva, flexionada para frente, num movimento de idas e
vindas, soltando o corpo como se tudo auxiliasse a ação. O tempo passava e o barraqueiro se
esmerava para concluir os trabalhos. Ao cabo de duas horas, demonstrava sinais de
cansaço, muito suor lhe escorria pelo rosto e na camisa, estampada com a foto de um vereador
da última campanha eleitoral, molhada, exalava forte odor. Durante as colocações das tábuas,
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perguntei os tamanhos das barracas e por que ficavam daquele lado do largo e muito próximas
umas das outras. Ele respondeu apenas que eram dos homens que vendiam frutas, verduras,
peixes e que eram maiores porque precisavam espalhá-las para apreciação dos fregueses.
Continuei perguntando:
- Quantas barracas faltam para montar?
- “Falta seis, mais agora vai mais ligero”. (Deveria montar dez barracas ao todo)
- Você é empregado de quem?
- “De ninguém não, quem me paga é os dono das barraca.”
- Quanto o senhor cobra pelo serviço?
-“Só dois real por cada uma.”
A partir da proposta de Geertz (1989, p. 40), entendo que numa “descrição densa” vale
sempre
[...] olhar as dimensões simbólicas da ação social arte, religião, ideologia,
ciência, lei, moralidade, senso comum não é afastar-se dos dilemas
existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-
emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da
antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais
profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que os outros deram
apascentando outros carneiros em outros vales e assim incluí-las no
registro de consultas sobre o que o homem falou.
Enquanto olhava o homem que trabalhava naquela lida que para mim significava um
esforço brutal, certamente para ele parecia uma tarefa como outra qualquer, que todo homem
poderia executar. O serviço em si não me causava estranheza, mas me interrogava sobre o
lugar desse trabalhador dentro de uma hierarquia do trabalho bem como refletia sobre as
condições dessa relação de trabalho informal, autônomo em meio ao universo avassalador do
capitalismo, a sua exclusão do mercado formal de trabalho, apesar de ainda encontrar uma
ocupação compatível com as condições físicas, independentemente do seu grau de instrução.
Os outros barraqueiros conversavam entre si e com os motoristas dos caminhões
carregados de mercadorias, enquanto alguns, em ou de cócoras, fumavam e olhavam
calados. Havia uma cumplicidade entre muitos deles ao oferecer um gole de cachaça
discretamente, como se estivesse temendo alguma repreensão ou pelo respeito à minha
presença como professora.
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Pretendia ficar por mais tempo, mas o horário não convinha, conclui agradecendo-lhe
pelas informações.
Numa outra oportunidade conversei com os barraqueiros dos carros-de-mão que levam
até três barracas tripé de cada vez, vindo do galpão onde ficam guardadas no final da rua Pe.
Valdevino a uns dois quarteirões da feira. Eles também cobram o mesmo preço por barraca
montada (R$ 2,00). Essas são colocadas sobre o asfalto em filas paralelas de quatro em quatro
entre a alameda e a calçada do Mercado Público por toda a extensão dos dois quarteirões
seguintes. Depois sobre a calçada do largo Mal. Floriano Peixoto, entre a frente do antigo
mercado e a parte detrás do Bradesco (Banco Brasileiro de Desconto). Dessa forma se segue
por toda a lateral do Mercado à rua Pref. Vitoriano Antunes, paralela à Pe. Valdevino
terminando na Alameda da Av. Chanceler Edson Queiroz onde permanecem os caminhões de
bananas, abacaxis, mamões entre outras mercadorias. Todo o quadrilátero do Mercado
Público fica cercado de feirantes aos sábados.
Nas últimas vezes que fiz campo percebi que o número de barracas que vendem
roupas vem aumentando. Conversando com moradores da cidade fui informada de que várias
pessoas demitidas das indústrias locais - de Ferro (fábrica de calçados) e Bermas, atual
BRACOL (curtume de peles), decidiram trabalhar por conta própria inclusive na feira. Fui
constatar a veracidade dessa inclusão de mais pessoas que agora estão alugando barracas de
outras. Pelo que pude observar, isso se deve também ao impacto causado pela quantidade de
pessoas que recebem benefícios do governo como bolsa-família, conforme relatos dos
comerciantes locais, isto é o que vem aquecendo o comércio, ocasionando maior circulação de
bens e mercadorias no município.
Até agora procurei dar ênfase ao ritual que precede a feira propriamente dita como
lugar onde acontecem inúmeras articulações sociopolíticas e econômicas. Como Rodrigues
diz (1997, p.115), trata-se de “uma abordagem processual” pois, o fazer feirante é prenhe de
uma seqüência cronológica das ações que envolvem o trabalho da feira. Começa pelas
armações das barracas por toda noite da sexta-feira, antecedente à chegada dos feirantes,
prevista para as seis horas do dia seguinte, as exposições das mercadorias, o atendimento aos
fregueses, a apresentação da qualidade dos produtos e outras situações como: vender, receber
o dinheiro, passar o troco, negociar os preços, ou seja, dar descontos, vender fiado, cobrar aos
que ficaram devendo, anotar no caderno os devedores, atrair clientes cantando, gritando
palavras ou frases: “olhe a rapadura... tanto é doce como é dura!”. Aqui, vale o apelo pelos
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sentidos como nos festivais do Bumbá, folclore de dança com coreografia e figurino bem
elaborados, mas, depende do tempo previsto para a apresentação (CAVALCANTI, 2000 e
2002). Do mesmo modo o feirante verifica as horas no relógio de pulso para começar a
desfazer a barraca antes das doze horas quando tudo deve terminar. É também hora de
verificar o resultado do dia, se foi proveitoso ou não e de se preparar para a próxima vez, o
próximo sábado. Como rotina, circularidade ou ritualização, o fato é que a feira faz parte da
cultura e do rito coletivo.
Conforme Vedana (2004, p. 215-216), ao analisar as práticas cotidianas do fazer
feirante da feira da Epatur ( Porto Alegre – RS), ela
[...] representa uma certa marcação de ritmo no cotidiano da vida urbana, um
ritmo que pode ser representado pelo seu início e fim e as imagens dos
alimentos que vão se deteriorando ao longo do tempo. Um ritmo que fala da
organização da vida cotidiana na temporalidade da semana, dos dias que
passam até que novamente chegue o dia da feira e os alimentos da ‘cozinha’
possam ser repostos. De qualquer forma, estes rituais do tempo que se
expressam nas dinâmicas propostas pela feira-livre e as práticas que
relacionamos a uma ligação da vida humana ao cosmos, ou seja, os ciclos
que se expressam nesta relação com o alimento também aparece na
periodicidade da feira durante o ano, na mudança de estações que revela uma
mudança nas frutas a serem oferecidas, ou então nas táticas dos feirantes em
garantir certas provisões. É a própria passagem da vida que é celebrada na
ambiência da feira –livre.
Dessa forma procedem as feiras estudadas a exemplo da rotina da feira de São Bento,
que se inicia por volta das quatro horas. Os feirantes (cadastrados) começam a chegar, muitos
dos quais acompanhados de suas mulheres e filhos de ambos os sexos, ainda adolescentes,
pela necessidade da mão-de-obra e também pela vontade de engajar a família nas lidas pela
sobrevivência. Sobre a colaboração da família no trabalho da feira, um deles respondeu que se
faz necessário, pois, não pode pagar empregado. Como um ritual de passagem, um rito de
separação, momento em que estes jovens abandonam as brincadeiras para serem agregados a
um outro grupo no qual novos valores lhes serão sugeridos, o trabalho, as regras de
convivência, as normas da instituição, as leis que regulamentam o evento como o espaço (no
caso, é fixado no centro da cidade), e o tempo, o dia e a duração (sábado ao meio dia).
Conforme Gennep (1977, p.115), “Os ritos de agregação têm significação coletiva, quer
liguem um ou outro dos indivíduos a novos grupos quer unam dois ou vários grupos”.
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Os feirantes vêm cada um conduzindo suas mercadorias, acondicionadas em caixas,
caixões, sacos, fardos, pacotes de papel-madeira, invólucros de plásticos, surrões de palha e
outros tipos de trançados, malas etc. Transportadas em kombis, caminhões, carros de passeio,
camionetas, carroças, motos, bicicletas. Todos procuram identificar suas barracas e dirigem-se
imediatamente para elas, tiram os artigos e os organizam sobre a banca, tentando torná-las
atrativas aos olhos dos fregueses que por volta das sete horas se espalham entre as barracas
em busca do que adquirir.
Ao passar das horas, as ruas que dão acesso ao centro, local da feira, tornam-se
apertadas por causa da intensa movimentação dos pedestres que se espremem enfileirados,
sobre as calçadas e pelas coxias, numa frenética disputa pelo espaço, com motos, bicicletas e
carros. Trata-se de um significativo contingente de pessoas que vão à feira para realizar
negócios, prestar serviços, pagar, cobrar, comunicar-se, comer, beber, namorar, ler, cantar,
enfim, comprar e vender, fazer o ritual acontecer num determinado espaço geofísico, de forma
linear, como uma marcha à semelhança do desfile militar, mas que logo se transformará na
circularidade da feira “uma arena no coração da cidade a ser preenchido num fragmento de
tempo” (CAVALCANTI, 2000 e 2002), na qual os freqüentadores dizem estar circulando.
Parece haver uma inversão do cotidiano quanto à ocupação do espaço público. As ruas que
durante os dias da semana, servem de escoadouro para os mais variados tipos de transportes
motorizados, deixando pouco espaço para os pedestres, num determinado momento, aos
sábados, tornam-se imprópria aos primeiros e transformam-se no espaço do povo onde os
transportes são substituídos principalmente pelas pessoas, ou melhor, elas ocupam os espaços
e caminham pelos corredores entre as barracas da feira.
Pelas demarcações do espaço e pela limitação do tempo, aqui a linearidade e a
circularidade são categorias que se entrecruzam na feitura de um “locus” de manifestações
culturais, como acontece na feira.
O modelo do bumbá serve para dizer também que nem se trata de um evento para
neutralizar como o carnaval (conforme a autora supra citada), nem para competir, pois, na
verdade, a feira situa-se num complexo onde prevalece a ordem e a preservação de uma
manifestação da cultura e da tradição do lugar.
Ao meio dia, observam-se as pessoas fazendo o caminho de volta, deixando a feira
com passos mais lentos, porém, na face, a expressão é de cansaço denunciado pelo suor que
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escorre, a pele irritada, vermelha, respiração ofegante, impaciência demonstrada pela fala,
pouca disposição para falar, provavelmente por causa da temperatura por volta dos 28°C, mas
há também um ar de satisfação com o que conseguiram adquirir.
Nas observações busquei detalhes possíveis de explicarem o que está dentro e fora do
indivíduo inspirada em Leach (1978, p.10): “os empiristas afirmam que a tarefa básica do
antropólogo no campo é registrar comportamentos face-a-face diretamente observados, de
membros de uma comunidade local interagindo uns com os outros em suas atividades diárias”
Este autor completa meu pensamento neste trabalho, ao anotar que:
[...] esse campo localizado da atividade humana e então analisado como um
campo no qual pessoas sociais, desempenhando as convenções de costume
associados a seus status e papéis particulares, engajam-se em transações
econômicas. As transações econômicas têm implicações para nossa
compreensão do sistema de instituição políticas, legais e religiosas
manifestas dentro do qual a comunidade opera (IBID. 1978, p.10).
Entendo que a feira é um mercado público a céu aberto, que reúne festa e trabalho,
público e privado, mercado e cultura no mesmo ambiente em que se estabeleceu como uma
celebração sagrada” para os que vivem na cidade. Também se vincula aos seus traços o
cíclico, retornando regularmente em época determinada. Parafraseando Durkheim
(Op.cit.p.377), a sociedade só reaviva seus sentimentos quando se reúne. Como não é possível
manter constantemente tais encontros, ela se dispersa para se reunir quando for necessário.
Tais alternâncias são as bases das categorias dos tempos sagrados e períodos profanos.
É possível pensar a feira como algo que nasce e morre a cada sábado, mas que se
reveste de significados intrínsecos à revitalização física e psíquica, em razão da sua finalidade
de promover as trocas de bens necessários à sobrevivência, mas também as trocas afetivas,
numa intensa gama de interesses multíplices, calcados na sociabilidade em meio ao lúdico, ao
simbólico, pela liberdade nas negociações que viabiliza a barganha nos preços, pela profusão
de cores, pessoas se movimentando, ininterruptamente, falas, gritos, anunciando ofertas
tentadoras, quanto mais tarde mais os preços são reduzidos com a aproximação do fim da
feira. O próprio humor do feirante promove um certo deslocamento, contagia os fregueses por
meio da espontaneidade e os atrai pela criatividade efêmera própria do espetáculo.
52
Um vendedor grita: “moça bonita não paga mais também não leva!”, outro rebate:
“está acabando e o preço caiu, é hora de correr e comprar!” As estratégias para atrair
compradores se diversificam; o que está em jogo é a sobrevivência dos que fazem da feira seu
meio de vida.
Na feira existe uma hierarquia ambígua, ora o feirante se destaca pelo poder que
exerce sendo o dono do estabelecimento, ora se submete aos caprichos do comprador que tem
o poder aquisitivo e tudo se passa ao sabor da polaridade oferta e procura, caro e barato,
venda e compra, comprador e vendedor, próprio de um sistema (capitalista) que se inscreve
no crivo dos opostos para dele obter proveito.
Durante o evento em referência, o trânsito no local fica bastante prejudicado em
virtude do movimento de caminhões pesados que trafegam carregados de bananas, castanha-
de-caju, farinha de mandioca, rapadura e outras mercadorias. O buzinar dos caminhões se
mistura aos gritos de ofertas de vendedores e triciclos com som, anunciando a quantidade, a
qualidade e o preço como demonstração de competição ou de alcance promocional.
4.1 A feira como é
Problematizando uma manifestação cultural, a feira de São Bento, na sua
contextualização com uma canção que retrata o universo comercial feirante, a feira como é:
uma festa a céu aberto?
A Feira de Caruaru
A feira de Caruaru faz gosto a gente ver
De tudo que há no mundo
Nela tem pra vender
Na feira de Caruaru
Tem massa de mandioca
Batata assada, tem ovo cru
Banana laranja e manga
Batata –doce, queijo e caju
Cenoura, jabuticaba, gui
Galinha, pato e peru
Tem bode, carneiro e porco
E se duvidar inté cururu
Tem cesto, balaio e corda
Tamanco, gréia, tem tatu
Tem fumo, tem tabaqueiro,
Tem peixeira e tem boi zebu
53
Caneco, alcoviteiro, peneira
3Boa e mel de urucu
Tem calça de alvorada
Que é pra matuto não andá nu .... (Onildo Almeida /LuizGonzaga, 1957)
Na tentativa de mostrar uma das mais interessantes manifestações culturais do
Nordeste brasileiro, o cancioneiro popular canta em versos essa realidade, dando graça e
beleza à feira de Caruaru-PE, que, de acordo com as representações dos cascavelenses,
somente esta é maior do que a Feira de São Bento a partir de uma pesquisa realizada pela rede
globo tempos atrás.
A sensibilidade dos autores desperta o gosto pela criatividade e diversidade de mais
uma das identidades do Brasil – a feira.
Muitas feiras no Brasil ganharam notoriedade, como é o caso de Caruaru (PE) e Feira
de Santana (BA), ambas no Nordeste. Quanto à feira de Caruaru, sua origem também se
confunde com a da cidade por constar na sua história que, desde o século XVIII, ali se
instalaram algumas famílias com o advento da inauguração de uma capela de Nossa Senhora
da Conceição em 1782, na fazenda Caruaru, de propriedade do Sr. José Rodrigues de Jesus, e
uma feira de gado. Contando mais de 200 anos, ela acontece no centro da cidade, no Parque
18 de Maio. Atualmente o Instituto de Patrimônio Histórico (IPHAN), realiza um
levantamento para seu registro como patrimônio imaterial da cultura brasileira (ROMERO,
2006).
4.2 As cidades e suas feiras: diálogos e temporalidades
Foto - 5
Fonte: Cascavel didático – antigos barracões das rapaduras e das frutas.
54
Os antigos barracões situados no cruzamento das ruas Pe.Valdevino com a Pedro de
Queiroz Ferreira onde atualmente funcionam, no primeiro a agência Bancária do Bradesco e
no segundo, logo atrás a Telemar (empresa de telecomunicações), ladeados por lojas diversas
que, segundo informações colhidas, esses barracões que serviam de abrigo e comercialização
das mercadorias locais antecedem o mercado público, a feira, como forma de organização do
espaço urbano.
As cidades e suas feiras se traduzem em diálogos e temporalidades, pois estão
intimamente relacionadas de acordo com a história de muitas cidades de norte a sul do
território brasileiro. No contexto histórico de ambas, elas se interceptam num intenso matiz,
onde uma, a outra (feira e cidade cidade e feira). “O aparecimento das cidades está
relacionado estreitamente com as feiras, que representavam o embrião de uma nova
aglomeração humana a partir da atividade comercial.” (WEBER, 1979 apud VEDANA (2004,
p.11).
O comércio ambulante no Brasil se iniciou em 1591, quando as negras quitandeiras
ofereciam seus quitutes pelas ruas das principais cidades portuárias, como Rio de Janeiro e
Salvador, sendo proibido por leis no século XVIII este tipo de ofício por pessoas de cor
(CLEPS,1997).
Associados ao evento da feira, as quitandas populares eram praticadas por grupos de
negras ao ar livre, de cócoras ou caminhando com os tabuleiros sobre a cabeça em lugares
pré-estabelecidos, dispondo de produtos da incipiente lavoura, da pesca e guloseimas da
indústria doméstica constituindo-se numa precária aparência com a feira. São imagens reais
dos costumes das cidades brasileiras como o Rio de Janeiro retratadas nas obras de arte.
Conforme Barreto F. Lima A. citado por Jesus (2005), nesta cidade havia 181 bancas de
quitandeiras no final do século XVIII, o que sugere terem sido elas as precursoras da feira.
Era chamada de feira africana.
Durante algum tempo, o abastecimento de pescados no Rio de Janeiro era feito de
forma desordenada até que o terceiro vice-rei do Brasil, o Marquês de Lavradio em 1771,
autorizou a transferência do mercado de alimentos em barracas expostas nas proximidades da
igreja da Glória para o Largo da Glória. Posteriormente, por meio da Reforma de Pereira
Passos, a feira livre tornou-se um evento oficial nessa localidade em 13 de outubro de 1904,
pelo Decreto 997 (JESUS, 2005, p.1).
55
No Município de São Paulo as feiras se instalaram desde o final do culo XVII
1687, quando foram oficializadas para venda de ‘gêneros da terra’, hortaliças e peixes no
local chamado Terreiro da Misericórdia. Mais adiante, no final do século XVIII e início do
século XIX, as feiras foram destinadas para fora da cidade nos locais de pouso de tropas, um
mercado caipira a feira de Pilatos no Campo da Luz autorizada pelo governador Melo
Castro de Mendonça. Finalmente, em 1914, foi criada a feira-livre por um ato do prefeito
Washington Luiz P. de Souza, contando com 26 feirantes no Largo General Osório, uma
segunda, no Largo do Arouche, com 116 feirantes e a terceira, no Largo Morais de Barros.
(Prefeitura São Paulo-Histórico das Feiras Livres 5/9/2007)
Em 1915, as feiras se multiplicaram, sendo sete ao todo, duas no Arouche, duas no
Largo General Osório, uma no Largo Morais de Barros, uma no Largo São Paulo e uma na
rua São Domingos. A última regulamentação feita, pelo do Decreto no. 11.199, de
02/08/1974, atesta às feiras um caráter supletivo de abastecimento e determina o uso de
isotérmicos para aves e pescados, uniforme para os feirantes.
Os estudos publicados sobre feiras no Brasil apresentam traços comuns e algumas
diferenças, o que evidencia as diversidades regionais em virtude das suas singularidades,
provavelmente causadas também pelas variações climáticas, sazonalidades que causam a
abundância ou mesmo a ausência de algum tipo de frutas, legumes, verduras, aves e peixes,
dentre outros fatores relacionados com a cultura de cada lugar.
Em Ceilândia-DF, a 25 km de Brasília, a “feira do Rolo” como é popularmente
conhecida acompanha a história do lugar e faz parte da memória coletiva como alternativa no
mercado de trabalho informal
12
. Conforme o autor da dissertação, faz parte uma “pedagogia
da malandragem” num clima de constante conflito. O Estado, por meio da polícia, tenta impor
a ordem, controlar a vontade da população que reivindica o “status de legitimidade” para que
o “Rolo” seja praticado (TAVARES, 2005, p.1).
Em Uberaba –MG, a feira se realizava sem nenhuma organização ao redor do Mercado
Municipal até a década de 1980. Neste período, durante o mandato do prefeito Silvério
Cartafina Filho o comércio de hortifrutigranjeiros foi regulamentado pelo Decreto 560 Lei
municipal nº 3087 de 11 de maio de 1981 (CLEPS, 2002).
12
Entende-se por informal o trabalho sem registro na carteira do Ministério o Trabalho.
56
No Estado da Paraíba, várias cidades se destacam por causa de suas feiras, como nos
casos de Alagoa Grande, Guarabira, Areia, Araruna, Ingá, Fagundes, Campina Grande,
Alagoa Nova e Taperoá (VIEIRA [2], 2004.) “Cada povoação ou vila tinha seu dia de feira,
de modo a não prejudicar as feiras das localidades vizinhas” (JOFILLY, 1977, p. 378).
No Rio Grande do Norte, a feira de Caise confunde com a origem da cidade e seu
desenvolvimento se destaca pelas sociabilidades em um espaço socioeconômico e cultural,
sendo a carne-de-sol, os queijos de manteiga e coalho, biscoitos, manteiga-da-terra,
artesanato, confecções e ferragens os produtos mais comercializados (ARAÚJO, 2005).
Arapiraca - Al, data de 1848, quando famílias se instalaram com vistas a cultivar
feijão, milho e algodão. Em 1884, foi criada a feira-livre, atualmente ocupando espaço de
reconhecimento no Nordeste, tendo como referência as representações dos artistas populares
de toda a região; inclusive Hermeto Pascoal natural de Lagoa da Canoa - inspirou-se nos
sons da feira para sua formação na arte musical de grande repercussão. Participam deste
ambiente urbano os sanfoneiros, emboladores, repentistas, cordelistas, poetas e artesãos, entre
outras apresentações artísticas locais e internacionais. Às segundas-feiras, a feira se instala
pelas 27 ruas próximas do Mercado Municipal, com 80% dos feirantes de Arapiraca vendendo
hortifrutigranjeiros e demais produtos da região. (OLIVEIRA et al. s/d).
Em Fortaleza, onde a feira percorre vários bairros da cidade durante toda a semana,
uma delas se destaca pelo tamanho e variedade de produtos, Trata-se da feira de Messejana,
criada em 1940, estendendo-se entre quatro quarteirões da rua Joaquim Felício, contando com
1700 feirantes cadastrados na Secretaria Regional VI, tendo outros tantos ambulantes
clandestinos. Essa atividade oferece emprego e renda para cerca de cinco mil famílias nos
últimos 66 anos. Funciona sempre aos domingos e “é uma espécie de Patrimônio Cultural e
pólo de socialização” (DIÁRIO DO NORDESTE, 24/11/2006).
No Ceará, outras feiras têm sido estudadas nas últimas décadas, como a feira de
Itapipoca, por Sulamita Vieira que, em sua dissertação de Mestrado UFC (Universidade
Federal do Ceará – 1980), deu ênfase aos aspectos socioeconômico e antropológico.
Ao iniciar este estudo me questionava, o que faz a feira de Cascavel resistir aos
tempos modernos”? Como pode sobreviver ao lado do Mercado Público Municipal, entre
outros estabelecimentos comerciais que também ofertam grande variedade de produtos?
57
Sendo estes estabelecimentos confortáveis do ponto de vista estético e salutar, como
preceituam os órgãos públicos responsáveis pela saúde, e preços tabelados sob vigilância do
Instituto de Pesos e Medidas (INMETRO), fatores suficientes para competir com vantagem
com o ambiente da feira que, ao contrário dos estabelecimentos comerciais da localidade,
não oferece conforto nem higiene segundo as falas de alguns populares, o que faz a feira ser
um ambiente que atrai tantas pessoas? Quem são elas? É a feira um lugar de pessoas das
classes populares? O que significa a ausência de preços nos produtos expostos?
A feira, como uma festa a céu aberto, remete-me ao trabalho de Patrick Champagne
(1977), sociólogo que trabalha as transformações do meio rural. No texto: “La Fête au
Village”, o autor relata uma festa num vilarejo, onde anualmente se festejavam a colheita por
ocasião das comemorações religiosas, mas centra sua observação na oralidade dos velhos
habitantes insatisfeitos com as mudanças ocorridas ao longo dos anos. A evolução da festa
marca o fim da autonomia camponesa no domínio cultural e simbólico, com a dominação
urbana que exerce sobre o mundo camponês, tendo seu ponto-limite nas festas. Seria a feira
como a “festa do vilarejo” que, ao evoluir, perde as características camponesas e ganha”
forças, oferecendo produtos manufaturados? Questiono-me sobre a dinâmica da feira, quais
foram as transformações do meio rural que mais afetaram a produção e a circulação de
produtos agrícolas. No caso de Cascavel, como são produzidas a mandioca e a cana-de-açúcar
e como seus derivados são comercializadas no presente e a que ponto preservam
características do passado? O turismo constitui importante fator de influência para a economia
do Município, mas qual é sua importância para a feira? Quais são as representações sociais
sobre essa feira? Até que ponto a agricultura se submete às necessidades dos consumidores da
feira? interesse da Administração Pública em manter a feira? Por que existe a feira? Quais
são as vantagens e desvantagens? Quais os códigos dos feirantes pelos quais são
reconhecidos? Segundo Bailey (1971), [...] o sociólogo tem o papel de descrever os códigos
e desvendar, revelá-los. Refletir como se a reprodução da vida social”. Portanto, procurar
reconhecer a homogeneidade do grupo de feirantes, o que os faz ser uma comunidade”
quanto aos valores comuns. Estas e outras perguntas poderão encontrar respostas ou não, mas
deverão ser feitas constantemente.
A feira resiste ao tempo pelos laços de amizade e afinidade entre feirantes e fregueses,
ou pela persistência dos primeiros como forma de meio de vida, por ambos os fatores ou por
outros? A atração que a feira exerce no meio urbano, seria pela originalidade, pelo exótico, do
58
que nela de rústico? Como uma inversão de valores como mostra Champagne (1977), “[...]
nos anos cinqüenta os camponeses cediam seus móveis antigos para os antiquários em troca
de móveis de fórmica,” símbolo para eles da modernidade. Essa oposição foi atualmente
substituída pelo inverso da anterior que valoriza o passado, a natureza, a agricultura
tradicional e a região, contra o “rendimento” da civilização industrial”. Portanto, a feira como
é e suas relações devem ser investigadas com origem nos fatores que sustentam a existência
do comércio a céu aberto - feira, nos centros urbanos como na cidade de Cascavel-CE. “[...] a
feira não pode ser analisada desvinculada do processo produtivo, pois se trata de uma imensa
rede em cuja composição entram as relações de produção e as relações de comercialização
[...]” (VIEIRA, 198, p. 13).
4.3 Aspecto da feira
O aspecto da feira como um teatro evoca a arte clássica grega, no sentido de valorizar
a beleza, de representar o belo como ideal de perfeição universal, por esta se caracterizar e se
distinguir pela “nobre simplicidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na
expressão. Do mesmo modo que as profundezas do mar permanecem sempre calmas, por mais
furiosa que seja sua superfície, assim também a expressão, nas figuras dos gregos, mostra em
meio às paixões, uma alma grande e sempre igual” (MACHADO, 2006, p. 11). Nietzsche
prefere chamar essa serenidade “o estado de espírito apolíneo,” algo evidente nos objetos de
arte, especialmente nas esculturas representando a natureza grega considerada por
Winckelmann (1755), citado em Machado, (p.10), como a mais bela, por centrar-se na
valorização do corpo dos jovens gregos. A base de tudo para os artistas estava em dois
princípios básicos como lei, “representar a natureza o melhor possível e representar as pessoas
parecidas e ao mesmo tempo mais belas do que são de fato”. (IBID, p.11).
A beleza que se pode identificar na feira parte da estética das pessoas, as quais são
portadoras de características de um povo miscigenado cujos caracteres parecem se acentuar
ainda mais por causa do clima tropical, pois, na região Nordeste, especialmente no Ceará, o
sol o trégua em bronzear a pele do seu povo numa profusão de cores entre as misturas
das três raças - branca, negra e indígena, que se fizeram presentes na formação dos brasileiros.
As leituras fotoetnográficas evidenciam a singularidade das estruturas corpóreas e as
maneiras de vestir-se das pessoas freqüentadoras da feira, onde a luz do sol e o brilho refletido
59
por ele completam o panorama colorido, dando ao espaço ares de alegria não somente pelo
destaque dado às coisas, mas, sobretudo, pelas expressões de expectativas estampadas nos
rostos.
Os feirantes do sexo masculino, estão sempre alegres e atenciosos para com os
clientes. Do ponto de vista estético, em sua maioria, estão “bem apresentados” para os
padrões de apresentação em sociedade. A barba feita, cabelos cortados, calças ou bermudões e
camisa limpas, pés calçados em algum tipo de tênis ou sandálias afiveladas. Como adereço,
usam geralmente um cordão de ouro e um relógio de pulso. Quanto às mulheres, elas vestem
bermudas ou calças comprida em jeans ou outro tipo de tecido e blusa em malha de algodão.
A maquilagem se restringe a compacto e batom vermelho. Os cabelos cortados curtos ou,
quando longos, presos com ligas ou prendedores dentados, chamados “piranhas”. Usam
brincos nas orelhas, jóias ou bijuterias, colar de contas, correntes ou cordões de ouro,
pulseiras e relógios de pulso. Em ambos os sexos, o que de sobra é o bom humor, sorrisos,
anedotas, frases decoradas, ditados, versos tirados do cotidiano e cantigas são verbalizadas,
certamente como artifícios de conquista, mediadores na relação entre feirante e freguês.
Como os heróis gregos, os feirantes tendem nas mais das vezes a transformar o
“agradável e o sombrio” em brilho e aparência, na estética das suas fisionomias como na
apresentação dos produtos que vendem; buscando na beleza ocultar o cansaço do trabalho, ou
mesmo os conflitos pessoais, conscientes ou não, por meio da harmonia das cores e das
formas, ao colocar tomates vermelhos em forma de quadrados feito de bolas ao lado de outro
quadrado feito de pimentões verdes, logo depois, outro contendo cebolas de peles acetinadas;
em baixo, um retângulo de batatas amarelas de vários formatos. É um quadro multicor em alto
relevo, mexido e remexido num eterno tira e bota, constantemente organizado a cada vez que
sai uma porção pesada em quilogramas.
Os deuses olímpicos, tendo em Apolo a divindade da luz, na epopéia se traduz em
prazer e alegria ao mesmo tempo em que vela o sofrimento em meio a ilusão como
principium individuationis (MACHADO, 2006, p. 204), tal individuação que particulariza
cada ser em busca da glória, da perfeição da vida criada pela competição, também o
profissional feirante no cotidiano, se sustenta pela valorização da aparência na beleza estética
das mercadorias que expõe à venda.
60
Envolvidos com as lidas da feira, os feirantes são atores, de bom humor e cheios de
esperança. Parecem embriagados, esquecidos do lado trágico de sua labuta. Isto faz parte da
cultura dionisíaca (helênica) da qual são signatários. Machado (2006), acrescenta ao
pensamento de Nietzsche sobre o desaparecimento das fronteiras no culto dionisíaco ao dizer
“[...] que desaparecem ou se atenuam ao máximo às diferenças entre masculino - feminino,
bárbaro - civilizado, velho - jovem, louco-sábio [...].A feira apresenta-se como espaço da
multiplicidade individual no qual o apolíneo se faz presente mas convive com o dionisíaco,
quando pessoas diferentes se relacionam umas com as outras, sem fronteiras, unificadas pelos
mesmos fins.
Dada a condição festiva da feira, ela oferece encantamentos, entusiasmos, uma certa
euforia, características do dionisíaco. Nesse ambiente, pode-se encontrar: jogos de azar, ponto
de prostituição, músicas de forró tocadas em CDs, bares e restaurantes, que oferecem bebidas
alcoólicas de vários tipos, inclusive a cachaça, bebida da preferência popular acompanhada de
tira-gostos que, a pedidos, são servidos - torresmos, lingüiça assada, passarinha assada, farofa
de ovos, ovos de codorna, limão, sirigüela, cajá, cajarana, queijo assado em fatias, entre
outros petiscos.
Foto - 6
Fonte: Sr. Ricardo em 14.04.2007 “In loco.”
Esta fotografia é uma amostra também dos vários tipos de fregueses, além da
variedade de frutas à escolha dos interessados. Como se vê, senhores de meia idade,
senhoras, jovens de ambos os sexos e crianças. As pessoas têm características físicas
61
mestiças, pardas, usam roupas de cores variadas, assim como as lonas que cobrem as barracas
de frutas nas cores, verde, amarelo e azul, formando, por conseguinte, uma bela aquarela,
dentre as distinções, observa-se a maioria das faces voltadas para baixo para escolher as
mercadorias.
Nesta pesquisa de campo, tive o propósito de identificar os aspectos deste evento com
observação de fora do ambiente, se é que se pode estar fora, quando toda a cidade se
movimenta freneticamente no sentido de ir, circular, serpentear e vir da feira em festa.
Durante este evento, pedir passagem licença? Ou gritar um autoritário: “sai do mei”,
buzinar insistentemente, acotovelar-se empurrar de leve, tapinhas nas costas ou nos braços,
apertar-se entre os que estão na frente das barracas, escolhendo as frutas, por exemplo, são
apenas algumas das formas de transitar em meio à multidão que freqüenta aquele logradouro.
As observações realizadas se completam com os dados obtidos por meio de entrevistas
informais, dependendo da condição do feirante entre uma abordagem ou uma venda na
medida do possível. Algumas vezes contei com o auxílio de um fotógrafo Sr. Ricardo, que
me acompanhava nos trabalhos, registrando momentos considerados importantes para esta
pesquisa e para possíveis esclarecimentos do universo feirante.
Associada aos instrumentos de coleta de dados, foi elaborada uma lista contendo itens
indispensáveis para a pesquisa de campo, com o propósito de aproveitar melhor o tempo na
apreensão do que fosse possível de ser captado durante nossa permanência naquela manhã de
sábado aos dez de fevereiro de 2007 (Cf. questionário anexo).
O roteiro predeterminado se distribuía iniciando pelo registro do horário de chegada à
feira, às 7h 30 minutos, em seguida, registrar as primeiras observações logo na entrada da
praça do Mercado Público, onde se localiza o evento.
Fotografar os espaços sem focar diretamente as pessoas; somente fotografar barracas
e/ou seus proprietários, caso as conversas informais se dessem num plano consensual de livre
aceitação, até mesmo por solicitação do feirante para evitar possíveis constrangimentos.
Verificar os tipos de mercadorias nas barracas mais visitadas e as que, porventura
tivessem pouco ou nenhum freguês.
62
Quantificar o número de barracas e seccioná-las por tipo de mercadoria, condições de
exposição, se expostas sobre as barracas ou espalhadas no chão pelas ruas e nas calçadas,
sem, contudo, precisar a quantidade de vendedores ambulantes que oferecem mercadorias nos
próprios ombros ou nas mãos, como: vestidos, panos-de-prato e chão, bijuterias, relógios do
Paraguai, quadros, espelhos, bonecas de pano, rói-rói, carros-de-mão (brinquedos de madeira)
e muitos outros; também o cafezinho e os bolinhos (o bulim) e demais guloseimas.
mercadorias dentro dos carros, caminhões carregados de bananas, cocos, caminhonetas,
Kombis contendo bolos inteiros, doces caseiros, queijo de coalho entre outras iguarias da farta
diversidade local e regional.
As fotos seguintes são do logradouro onde acontece a feira no centro da cidade em
local já mencionado.
Foto - 7
Fonte: av. Prefeito Vitoriano Antunes c/ av. Chanceler Edson Queiroz Cascavel - Ce).
O caminhão fica estacionado em frente ao prédio do Banco do Brasil enquanto os
clientes deste utilizam os caixas eletrônicos e o feirante do veículo carregado de ovos os
aguarda como estratégia de realizar suas vendas.
63
Foto - 8
Fonte: Lateral esquerda da alameda da av. Prefeito Vitoriano Antunes (sentido norte).
Início da feira sobre a alameda da av. Pref. Vitorino Antunes com a av. Chanceler
Edson Queiroz no sentido de quem segue para o centro onde acontece a feira. Como se vê, as
pessoas caminham para frente, de cara para o sol ainda “cedo da manhã” por volta das sete
horas, apenas uma encontra-se parada diante de uma barraca de utensílios domésticos (um
homem de chapéu). Como costume dessa região litorânea, as pessoas usam bermudas e
camisetas ou blusas curtas de alças em razão da temperatura tropical apesar de ainda o relógio
marcar 7h 30.
Foto - 9
Fonte: Local dos mais movimentados da Feira.
Esta é uma das partes mais freqüentadas da feira, onde se encontram as barracas de
frutas, verduras, plantas ornamentais, entre outras. O local é coberto e as pessoas demonstram
em suas fisionomias as faces também voltadas para baixo, na altura das barracas, atenção e
64
expectativa diante dos produtos expostos; algumas carregam sacolas, outras discutem o preço
com o vendedor. Pelo menos uns três ambulantes carregam as mercadorias nas mãos. Nota-se
que alguns homens usam boné.
Numa pesquisa anterior a esta, apliquei um questionário em uma parte dos feirantes
dadas as condições destes em dividir suas atenções entre um pesquisador e sua clientela.
Nesta entrevista, tentei traçar um perfil dos mesmos, com vistas a identificar a escolha deste
meio de vida, do ponto de vista econômico, grau de escolaridade, sexo, idade, tempo na
atividade, qual a fonte dos produtos, se exerce outra atividade e qual a renda média mensal,
como se sente na feira e qual é o seu significado. Nas respostas, verifiquei a ausência de uma
associação ou mesmo vínculo com algum tipo de previdência social que ofereçam apoio aos
profissionais da feira. Os dados serão apresentados mais adiante.
Procuro compreender a feira em meio aos ares festivos, qual é o seu significado
consciente ou não para os que fazem dela seu ganha-pão e para os que a freqüentam em busca
de atender suas necessidades pessoais, qualidade dos produtos e barganha nos preços. Os
possíveis conflitos entre produtores e intermediários, comerciantes fixos (os estabelecidos
nos boxes do mercado) e os ambulantes feirantes aos sábados (ELIAS, 2000), entre estes e o
próprio poder público do lugar. Também o consenso no que tange aos interesses mútuos no
campo comercial por todos que se inserem neste contexto.
4.4 Intensidades e movimentos dos que vão ou vêm da feira
Nas proximidades da feira observei uma quantidade significativa de pessoas indo em
direção ao local da feira de São Bento. Conforme abordei, o contingente de pessoas se
deslocando naquela direção chama a atenção de qualquer visitante por evidenciar intensidades
e movimentos dos que vão ou vêm da feira, portando sacolas, pacotes debaixo do braço,
fardos na cabeça, nos ombros e mesmo nas os. Bicicletas, motocicletas, carroças e carros
também se misturam no espaço e no barulho que produzem, conduzindo gente e mercadorias.
No cruzamento das avenidas Chanceler Edson Queiroz com Prefeito Vitoriano
Antunes, no meio do asfalto, próximo à esquina do lado esquerdo de quem vem pela entrada
da cidade pela CE-040, encontrei a vendedora ambulante, Maria da Conceição, com sua
venda. Nela muitas peças de utilidades domésticas, panelas de alumínio, bacias de plástico
65
em vários tamanhos. Indagada sobre sua trajetória feirante, informou fazer até quatro feiras
por semana, mas a melhor é a de Cascavel. Por ela ser mais bem freqüentada, aumenta as
chances de vendas. Sua mercadoria vem transportada por uma caminhoneta F-1000 fretada
por um grupo de feirantes.
Enquanto visualizo os aspectos do ambiente, pelo menos três bicicletas conduzindo
aparelho de som circulavam entre as barracas. Uma delas sonorizava um show de humor e as
outras duas publicavam uma festa animada ao som de uma banda de forró para aquela noite.
Observei que, ao centro da avenida Prefeito Vitoriano Antunes, existe uma estreita
alameda dividindo os lados. No direito, o trânsito de carros é liberado no sentido sertão-praia,
apesar dos transeuntes andando e atravessando às carreiras, enquanto o lado esquerdo é
totalmente interrompido em razão dos feirantes acomodados ocupando espaços de vários
tamanhos, pouco mais ou menos de 1m², pagando por ele a cifra de R$ 2,00 (dois reais) ao
fiscal da Prefeitura que recolhe todos os sábados.
4.5 Opiniões dos homens e das mulheres feirantes
Entrevistei vários homens e mulheres feirantes, dando-lhes a oportunidade de serem
escutados, mesmo sendo do meu interesse colher todas as informações possíveis. Mas, as suas
opiniões certamente são de grande valia para que se possa refletir sobre a realidade dessas
relações e sobre a escolha dessa atividade profissional.
Ao longo da av. P
e
. Valdevino encontram-se vários tipos de mercadorias (Miudezas)
dentro de bacias, bancas de bolos de receitas variadas, como o Luís-felipe, de milho, de
mandioca, de chocolate, entre outros sabores apreciados pelos fregueses.
Das mercadorias não perecíveis, segundo alguns entrevistados, as sobras ficam para a
próxima feira armazenadas em local alugado nas proximidades.
Uma barraca medindo uns 3m², logo adiante, espalha os utensílios por itens, louça
depois, plásticos em seguida artigos de alumínio “tendo de tudo para o lar.”
66
Continuando, fiquei um pouco na banca da Sra. Fátima, sobre a calçada, que também
vende em Pindoretama, outra cidade próxima de Cascavel. Indagada sobre a feira, respondeu
com um largo sorriso:
Ah, minha filha, esta é a terceira melhor do mundo, foi pesquisada por
outros! Estou aqui dez anos, eu era enfermeira de profissão, deixei pela
feira, possuo casa e carro. Aqui é meu divertimento e trabalho, isso tira o
estresse, tenho que sorrir para todos! (encerrou o discurso sorrindo olhando
para cima e para o alto).
Noutra abordagem, uma senhora morena de uns 40 anos de idade disse chegar todos os
dias às três horas para levantar a barraca: “não posso deixar por causa dos turistas”.
Respondendo sobre sua renda em termos de salário mínimo vigente em 2007 -(R$
380,00) ela disse: “Uns três mais ou menos”. Com bastante animação ela concluiu: “aqui é
muito sol e axé!” Surpreendeu-me o emprego do termo axé utilizado na expressão. Seria para
esboçar uma fé no trabalho talvez ou numa divindade para alcançar o sucesso?
4.6 O que é que a feira tem?
Na busca de conhecer o que é que a feira tem, encontrei barracas enfileiradas, tomando
todo o resto do lado esquerdo da referida via pública, na mesma faixa, expondo peças de
vestuário em jeans, calças para ambos os sexos, os manequins vão do número 36 ao 46, tendo
unidades de jaquetas, saias, minissaias, shorts e bermudas de tamanhos e etiquetas diversas.
Essas mercadorias são adquiridas de fabricantes diferentes, o que sugere certa liberdade na
consecução dos artigos, não se vinculando a único produtor, podendo, assim, oferecer maior
variedade, possivelmente de mais fácil aceitação no mercado popular.
Caminhando pela lateral direita, encontram-se as barracas com temperos (especiarias),
como pimenta-do-reino, erva-doce, cravo, canela, gengibre, colorau de urucum, molho de
pimenta malagueta, raízes e folhas de plantas para manipulação de remédios caseiros. Esses
costumes foram inseridos na culinária brasileira, principalmente, pelos europeus e africanos.
(CASCUDO. 2004, p. 194).
67
Entre o prédio do Banco do Brasil e o Mercado Público, há um beco totalmente
ocupado pelas barracas de verduras, legumes e frutas, peixes frescos, carne de porco, de gado,
carneiro e frango abatido. Este local é bastante movimentado, especialmente nas primeiras
horas pela população local e após as nove horas, pela população rural.
Retornando pela outra ala da avenida, deparei-me com as barracas de roupas
femininas. Nestas havia muitas mulheres, jovens, senhoras de idades variadas, tentando
encontrar umas calcinhas, uns soutiens, uma lingerie compatíveis com o seu manequim e com
a bolsa, numa verdadeira disputa, ”um-puxa-para-cá-puxa-para-lá” e quem decide mais rápido
sai “ganhando”. artigos para copa e cozinha (copos, pratos, xícaras, talheres),
brinquedos e uma com verduras (alface, coentro e cebolinha). O que chama a atenção e faz a
feira ser feira parece ser esta desproporcionalidade das exposições das mercadorias, as
assimetrias dos tipos e das cores, da profusão, enfim.
No que diz respeito à simetria das barracas deixa a desejar, numa visão organizacional
sistematizada, e se caracteriza pela abundância de mercadorias numa mistura integradora das
diversidades de artigos regionais naturais hortifrutigranjeiros e industrializados,
principalmente roupas e calçados devido à delimitação espacial. Logo após, uma barraca
com uns 4m², contendo vários brinquedos de plástico nas cores vermelha, azul, amarela e
verde, baldes de praia, bolinhas, carros e bonecas. Atravessando o Mercado Público, há vários
boxes, onde seus permissionários oferecem comidas típicas: baião-de-dois, cuscuz com caldo
de carne, buchada, panelada, mão-de-vaca, PF prato-feito, contendo arroz, feijão, farofa,
verdura e carne cozida de gado, carneiro ou porco e um pouco de macarrão, ao preço de R$
3,00 (três reais), suco de fruta ou refrigerante a R$ 0,50 (cinqüenta centavos) e R$ 1,00 (um
real ) o copo de 200 ml para acompanhar.
Na outra parte do Mercado, depois dos sanitários, são vendidos produtos como farinha
de mandioca, feijão, goma de mandioca, milho, rapadura, queijo de coalho, manteiga da terra,
nata, mel de abelha, alfenins, mel de cana, carne-de-sol, farelo para ração animal e peixes
salgados e secos, óleos comestíveis de soja e de caroço de algodão.
Na lateral de fora do Mercado, estão as barracas contendo mochilas, carteiras, cintos e
outros produtos do gênero. Próximo dali está o Sr. Francisco Carlos, com a sua banca de
verduras (cheiro-verde) que, afirmou chegar à feira às quatro horas para armar a barraca que
deixa guardada num quarto de aluguel. Está neste ramo de negócio há dez anos. Disse ser ele
68
quem produz numa localidade fora do município, em Aquiraz, mas, durante a semana,
trabalha em uma granja ganhando um salário nimo mensal. Na feira, chega a vender cerca
de 2.000 pares de coentro e cebolinha. O pimentão que vende é adquirido na Central de
Abastecimento Sociedade Anônima (CEASA). Na ocasião de nossa conversa, surge um
engenheiro-agrônomo oriundo do Rio Grande do Sul, que aconselhou evitar arrancar a
cebolinha em folha com o bulbo, ou seja, cortá-la no caule para utilização, deixando a raiz
fincada para soltar outros brolhos. O feirante retrucou, compreendo a orientação do senhor,
mas aqui ninguém compra se separar, também sem a raiz ela murcha e perde a qualidade,
deixa de atrair o cliente”. O engenheiro aquiesceu cabisbaixo, dizendo: “é uma questão de
cultura ....”
Adiante, encontrei o Sr. Mauro, que vende bolos, uva, queijo de coalho que compra na
CEASA. “Meu queijo vem do Jaguaribe, Brejo Santo e Iracema” (região que faz divisa e os
Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte).
Noutra barraca vizinha, é oferecido peixe de água doce tilápia. O feirante afirma
obter o produto em outras localidades do Estado como Banabuiú, Choró, Pacoti e às vezes no
Mercado São Sebastião em Fortaleza. Apenas cerca de cem quilos vem da Priaoca povoado
próximo a Cascavel, outras duas barracas vendem pescada e sardinha salgadas.
À frente, estende-se uma barraca enorme contendo bananas. A proprietária possui
duas, que divide com uma filha ao lado. São barracas de 3m² e das mais freqüentadas pelos
compradores. Esta senhora informou que adquire a fruta nos sítios de Baturité. Tâmara
Helena, outra senhora também vendedora de banana, “faz a feira de Pacajus,” expressão
muito usada por eles. Parte vem de um sítio de sua propriedade em Pacoti. Trabalha 15
anos e não pretende mudar.
Um camelô passa entre as barracas, oferecendo sabonetes, gel, “doutorzinho” e creme
contendo sebo de carneiro. Vende como ambulante um ano no centro de Fortaleza e
Pacajus. Agora, disse ter descoberto a feira para tentar aumentar as vendas. “Exercer o
trabalho ambulante nas feiras representa uma saída para aqueles que estão desempregados e
procuram uma forma de garantir sua sobrevivência. Um dos traços marcantes do feirante é a
sua itinerância, pois no espaço da feira circula de um lado para o outro” CLEPS, 2002, p. 9).
É o caso de um dos ambulantes da feira em estudo, como mostra a foto abaixo.
69
Com um megafone, o Sr. João do Colorau, pessoa bastante conhecida, anuncia seu
produto, e é citado por outros pesquisadores dos meios de comunicação - tv e jornal, ele
mesmo diz, “Saí na televisão. Mas foi por bondade, não foi por maldade não,” frisa bem. Aos
79 anos de idade, trabalhou como barbeiro, mas, quatro anos vende numa barraca somente
durante o verão, pois, a semente de urucum, sua matéria-prima para a fabricação do corante
precisa secar para depois ser torrada no óleo e adicionada a um pouco de sal e farinha para ser
moído.
Foto - 10
Fonte: Sr. Ricardo: (fotógrafo)
“Hoje estou com meu megafone anunciando a venda dos outros, vim para cá rever
meus amigos...”. “Visto camisa vermelha e chapéu na cabeça para enfrentar o sol”. A camisa
é uma forma de identificação com o produto que anuncia para vender – o colorau.
Dona Valda, em outra barraca, oferece banana. Ela disse que produz e compra para
vender, conta com a ajuda de uma filha que é estudante, que senta em meio às bananas,
enquanto os fregueses escolhem e pagam. As bananas o apreciadas pelo povo brasileiro
desde a época da colonização, conforme relatos dos primeiros exploradores. Pero de
Magalhães Gandavo, antes de 1570, identifica a banana como ‘huma planta se também
nesta Província, que foi da ilha de San Tomé ... A fruita dela se chama bananas’ (GANDAVO
apud CASCUDO, 2004, p. 115).
70
Foto 11
Fonte: Sr Ricardo (fotógrafo).
Ainda ao centro desse corredor, existe um quiosque de madeira coberto, contendo uma
janela por onde o vendedor fixo serve lanches, sucos de frutas, batidas ao liquidificador na
hora, acompanhado de sanduíches, bolos e salgados. É aberto diariamente às seis horas, sendo
que o movimento cresce aos sábados por causa da feira.
O Sr. Lindocácio Honorato compra as frutas na sexta-feira na CEASA.
-“Faço as feiras de Pacajus e Cascavel com a ajuda de três empregados”.
Na rua Coronel Biá, algumas lojas abrem às seis horas aos sábados. Seus proprietários
reconhecem que as vendas aumentam por causa da feira que atrai os fregueses, mas,
reclamam dos gritos e da falta de respeito dos vendedores que ocupam as calçadas, impedindo
a passagem das pessoas.
Numa esquina, sobre a calçada, ainda com uma faixa de sombra, por volta das nove
horas, encontra-se uma jovem universitária que utiliza este espaço com a permissão do
proprietário da loja para colocar os recipientes de zinco contendo leite que mede em litros.
Com uma caneca, enche os saquinhos de plástico, com o auxílio de um funil. O produto vem
das fazendas de Barbalho, Município de Cascavel. O volume vendido se aproxima dos 200
litros. O preço do litro é de R$ 1,00 (um real)
13
, Ela exerce essa atividade há treze anos. Neste
lado da rua, existem lojas de miudezas, armarinho, lanchonete e uma loja maçônica.
13
Valor monetário vigente no Brasil em 2007
71
4.7 Informações dos Srs. Antônio Barão e Antônio Carlos
Seguindo ainda por esse logradouro, cheguei ao final da feira, no cruzamento com a
avenida Pedro de Queiroz Ferreira, onde funciona nessa esquina o Bar Barão de propriedade
do Sr. Antônio Barão, ao entrar no referido estabelecimento procurei entrevistar este senhor
por tratar-se de pessoa sábia, reconhecida pelos cascavelenses. O rapaz atendeu-me dizendo
que seu pai estaria em poucos minutos, eis que surgiu um homem de estatura mediana,
branco, de olhos claros, voz baixa, que se apresentou como Antônio Manuel de Sousa
conhecido como Antônio Barão - contando 75 anos de idade com muita serenidade me
forneceu importantes informações sobre a feira.
Foto - 12
Fonte: Graça (pesquisadora), Sr. Antônio Barão e seu filho Antônio Carlos.
Na ocasião, o entrevistado acentuou tratar-se do primeiro sistema de feira no Ceará,
instituída pelo Governador Barba Alardo em 1811. Falou sobre a fundação de Cascavel em
1694, tendo sido emancipada em 1833. A primeira feira se chamava Feira Velha, mas, desde
1909, a Feira de São Bento foi designada a funcionar neste local, atual.
Sobre o significado da feira para a cidade, o Sr. Antônio e o seu filho Antônio Carlos
(acadêmico do curso de Historia da Universidade Federal do Ceará-Fortaleza), expressaram
ser de grande importância econômica.
_ “É uma riqueza do ponto de vista cultural para o setor primário, agricultura,
pecuária, pesca, artesanato, bem como as manifestações populares inseridas na música, na
literatura de cordel, encontradas no ambiente feirante” - disse o Sr. Antônio Carlos.
72
Concluindo, o Sr. Antônio, assinalou: trata-se de um evento tradicional da região
desde os primórdios”. Este senhor é um dos autores do livro Cascavel 300 anos, uma das
primeiras obras consultadas quando da idealização deste trabalho por conter valiosas
informações sobre a fundação e desenvolvimento dessa cidade. O encontro foi produtivo e
prazeroso, devendo ser repetido em outras ocasiões para ensejar mais informações.
As feiras populares são consideradas como verdadeiro museu autêntico
representativo da cultura do povo nordestino [...] a feira museu voltado para
a realidade cultural da região, pois, o que nela emerge é a própria cultura que
alimenta este ciclo e dela recebe informações preciosas para suas mudanças
e adaptações às novas realidades do tempo e do espaço. (PEREIRA JR.
1977, p. 33 apud VIEIRA[2])
Neste contexto cultural, a feira envolve todos os aspectos da ação humana no lugar em
que os seres vivem e se transformam, para nele adaptar-se a partir das mudanças que
produzem coletivamente como uma reação aos fatores naturais. Faz parte da história do
homem a criação e recriação de suas condições de vida em todas as épocas e em todos os
lugares.
4.7.1 Estrada Real: passagem de pessoas ilustres.
Os primeiros produtos comercializados na encruzilhada de Cascavel, oriundos de
outros lugares, vindos de navio ou em cargas trazidas em lombos de animais do interior do
Estado, eram conduzidos pela Estrada Real, por onde passaram pessoas ilustres do período
colonial, tais como: Padres Francisco Pinto e Luís Figueira e Pero Coelho de Sousa.
A feira nos seus primórdios abastecia a cidade com rapadura e farinha, produzidos no
local. Atualmente não é suficiente a produção de farinha, sendo necessário adquirir em outros
locais do estado: “quase tudo vem de fora...” Disse o Sr. Antônio, com o tom de voz e
fisionomia esboçando saudosismo. Conforme o entrevistado, Cascavel é atualmente a 14ª.
economia do Ceará, o comércio já foi mais atrativo, hoje sofre com a concorrência. O
comércio de confecções, roupas prontas, fechou muitas lojas de tecidos. Ao todo, eram 15
lojas.
O primeiro prédio do Mercado Publico, foi erigido pelo primeiro prefeito, José Irineu,
que realizou este feito para dar lugar de trabalho aos feirantes, apenas tirando a feira dos
73
animais vivos, gado, muares, caprinos e ovinos, para local fora do espaço urbano. Logo ali
pode-se encontrar” - disse apontando para o local.
Afirmou ainda que os aposentados dão maior impulso à feira. A primeira quinzena é
tida pelos feirantes como o período de maior fluxo de fregueses, o que possibilita a realização
de negócios à vista, por ser este o momento em que recebem seus benefícios. Bem ao lado,
estão três agências bancárias: do Banco do Brasil e Bradesco, antes Banco do Estado do
Ceará-BEC e Caixa Econômica Federal.
4.8 Relações pacíficas e concorrência.
As relações entre comerciantes móveis e fixos o pacíficas, no entanto, isto não quer
dizer que não existam conflitos, antagonismos (MARX, In: IANNI, 1979, p.14), tanto
ocasionados pela concorrência, quando ambos vendem produtos iguais ou similares, como
pelo espaço geofísico utilizado por ambos. Verifica-se o descontentamento entre os
vendedores de confecções e os fabricantes, que também aproveitam o evento para vender seus
produtos na mesma faixa de preços que seus clientes feirantes vendem. E, o que é pior, as
barracas são maiores, o volume de peças é significativo, diversificadas em tamanhos, textura e
modelos. Estas condições chamam a atenção dos fregueses que se aglomeram ao redor da
barraca, fazendo muito alvoroço na seleção e aquisição de peças do vestuário feminino, sendo
que são as minissaias de jeans preferidas pelas garotas que dizem freqüentar os forrós à noite
animadas pelas bandas musicais vindas de Fortaleza.
Nos espaços próximos das calçadas, vendas de CD´s, DVD’s, rádios e blias. Nas
calçadas próximas do mercado, estão as bancas de ferragens, facas, correntes, chocalhos e
muitos outros objetos, o quem nem sempre é bem-visto pelos lojistas.
Os feirantes reclamam da falta de assistência por parte da Prefeitura, pelo descaso com
as instalações do Mercado Público, onde eles utilizam os banheiros em precárias condições;
denunciam também a falta de bebedouros.
4.9 A “Banda Podre” da feira
74
Durante as entrevistas, vários lojistas, feirantes e freqüentadores da feira reclamavam
do mau cheiro, tampavam o nariz e mostravam o esgoto do Mercado Público a transbordar
salmouras e detritos escorrendo pela lateral da calçada na avenida Pe. Valdevino. Algumas
dessas pessoas saíam do seu estabelecimento comercial para me mostrar como funcionam os
galpões onde vendem carnes, peixes e aves, para os mesmos, os restos desses produtos são
responsáveis pelo entupimento das calhas subterrâneas.
Acredito que as reclamações tenham um teor de súplica, pedido de socorro, uma forma
de enviar um recado às autoridades municipais, no sentido de que viabilizem soluções para o
problema.
Noutros momentos de observações, pude constatar problemas de falta de assepsia, pois
os feirantes normalmente cortam, pesam, embalam as mercadorias escolhidas pelos fregueses,
recebem o dinheiro com as mãos sujas e logo depois atendem outro cliente.
Os camburões descobertos, receptores de lixo ficam distribuídos ao longo da alameda
da referida avenida, recebem parte do lixo espalhado no asfalto durante a feira, mas, nem
sempre sua coleta ocorre no mesmo dia o que também contribui para deixar o ambiente fétido.
Na estação chuvosa, a podridão aumenta e os moradores das proximidades dizem sentirem-se
prejudicados.
Falar de podridão, acrescenta-se às insatisfações com o poder público que, segundo
vários munícipes, “pedem” explicações sobre o montante arrecadado dos permissionários e
dos feirantes e sua aplicação nas obras em benefício desses trabalhadores e da própria
população.
Numa proposta ambígua sugerida pelo vocábulo “podridão”, dá para se incluir a
dúvida que paira no ar quando o assunto é política devido à falta de transparência do poder
público, no sentido de que este deve apresentar com clareza suas receitas e despesas,
possibilitando aos cidadãos o acompanhamento dos gastos públicos no exercício de suas
cidadanias. Talvez por esta razão, um certo cidadão me encontrou e indagou: “Você está
pesquisando a feira? Pois é bom que saiba, essa feira pelo que a prefeitura apresenta, está
sendo um prejuízo para o Município. Primeiro, porque a arrecadação se realiza sem nenhum
controle; dizem que 1.500 feirantes, se colocar na base de R$ 2,00(dois reais) cada um, a
arrecadação seria de R$ 3.000 (três mil reais). Dentro do mercado são 350 boxes, vezes R$
75
5,00 (cinco reais), o que daria R$ 1.750,00 (um mil setecentos e cinqüenta reais); cada abate
de boi custa R$ 7,00. Em 100 abates, daria R$ 700,00 (setecentos reais) multiplicando pelo
número de sábados que são 52 ao todo (de janeiro a dezembro de 2006), e o que consta na
declaração da prefeitura é o valor de R$ 1.001,13 por bado. Será que este valor é suficiente
para arcar com a limpeza pública do lixo provocado pelo acontecimento da feira?”.
Diante da argumentação do referido cidadão, dá para pensar que o evento da feira gera
também conflitos de ordem política, dada a insatisfação dos que acompanham o balanço anual
das contas públicas desse Município.
Vale ressaltar que no momento atual (mês de abril/2008) a prefeitura realiza reforma
em um dos pavilhões do Mercado atendendo às reivindicações dos permissionários.
Foto-13
Fonte: Ricardo em 19/04/2008 “in loco”
Este pavilhão encontra-se equipado para a comercialização de carnes, de acordo com os
padrões de higiene estabelecidos pela Secretaria de Saúde do Estado.
76
5 DADOS ECONÔMICOS, ESTÉTICOS E ETNOGRÁFICOS DA
GASTRONOMIA, MODA, PAQUERA E FORRÓ NA FEIRA
5.1 Economia do Município
O Município de Cascavel depende das atividades econômicas da indústria, do
comércio, da pesca, da agricultura, do artesanato e do turismo.
Conta com cerca de 31 indústrias, distribuídas em atividades química, bebidas,
metalúrgica, perfumaria, produtos minerais o metálicos, mobiliário, sabões e velas,
alimentos, madeira, calçados, vestuário, artigos de cana-de-açúcar e peles de animais, e
serviço de construção civil.
Encontra-se entre os 34 melhores municípios, conforme o Índice de Desenvolvimento
Municipal de 1997 – IPLANCE. Cascavel ocupa o 1º. lugar, exclusive a região metropolitana
de Fortaleza, e o 3º. como um dos maiores municípios exportadores do Ceará em 2005. IDM
2004: 38,42 (14º. no Ceará) em 2000: 0,673 (22º, no Ceará e 3.410º. no Brasil). Índice de
Exclusão Social 2003: 0,372 (3.595º. no Brasil). PIB 2003: 281.097.000 e PIB per capita em
2003: R$ 4.609,00. Receita Orçamentária Arrecadada em 2005: R$ 35.530.245,91. (Fonte:
Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior – (MDIC) (SECEX).
Exclusive os municípios da região metropolitana de Fortaleza, Cascavel ocupa o 6º.
lugar entre os municípios do Ceará no Produto Interno Bruto, conforme o Instituto de
Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE 2007), a preços de mercado da região
metropolitana de Fortaleza, representando 354.054, enquanto o Ceará representa 40.923.492.
Nas pesquisas de 2005, o Ceará possui PIB per capita de R$ 5.054 e Cascavel, R$ 5.605.
As indústrias representadas pela Cascavel Castanha de Caju - CASCAJU, outras de
cerâmica, tijolos e telhas (construção civil), CIPA, BRACOL empresa de tratamento de peles
de animais, entre outras de menor porte, dão expressão no que diz respeito às mudanças
significativas, especialmente na absorção de mão-de-obra local: confecções de lingerie, jeans,
algodão e malha.
77
Os principais produtos agrícolas são cana-de-acúçar, produzindo rapadura e outros
derivados o que também vendem a cana para engenhos de Pindoretama-CE (onde produzem e
até exportam rapaduras). Cera de carnaúba, mamona, mandioca, algodão, feijão, milho, arroz,
batata-doce e frutas como, coco muito utilizado na culinária, caju, banana, manga, goiaba,
melancia, laranja, maracujá, tangerina, abacate, sapoti, mamão, murici, cajá, tamarindo e
outras.
Na pecuária, existem rebanhos de bovinos e caprinos que fornecem leite, suínos,
ovinos, eqüinos, muares, asininos e aves domésticas. granjas produzindo aves de corte e
ovos, pequenas fábricas que produzem aguardente, farinha de mandioca e rapadura.
Na extração marítima de peixes, lagostas e mariscos, encontra-se mais uma das fontes
de emprego e renda tradicional do litoral leste.
No artesanato, destacam-se os produtos de barro, confeccionados na localidade de
Moita Redonda, e de cipó, extração e confecção, pela comunidade de Bica, sendo
comercializados no Município e exportados através do Pólo de Artesanato local pela SEART;
há trançados de palha, rendas e bordados.
O comércio, especialmente aos sábados, com a agitação da feira,” nos primeiros dias
do mês, coincidentes com dia em que os aposentados recebem os benefícios previdenciários, o
movimento aumenta consideravelmente, o que fez uma senhora proprietária de uma boutique
fazer o seguinte relato: “Aqui se diz que Cascavel tem 14 dias na semana. Os sete dias, mais o
sábado que vale outros sete”.
5.1.1 Cadastro dos feirantes
Os feirantes cadastrados na Secretária de Turismo do Município são ao todo 639
(conforme dados fornecidos, embora haja casos em que um feirante possua mais de uma
barraca), dentre os que moram no Município de Cascavel, somando-se a outros que vêm de
Fortaleza, municípios vizinhos e da zona jaguaribana.
78
Foto - 14
Fonte: Ricardo em 19/04/2008 “in loco.”
Constata-se que muitos ambulantes vendem o que produzem ou compram de outros
produtores do mesmo município, para vender, principalmente, hortaliças, frutas, farinha e
goma, rapaduras, peixes, mariscos, artesanato de barro, cipó, palha, retalhos de tecidos,
conchas. Os potes, panelas e demais utensílio de barro são produzidos no Municípios em
vários povoados inclusive nas laterais da CE-040.(Estada que liga Cascavel a Fortaleza).
No total, 48% dos feirantes residem em Cascavel, tendo a feira como a única fonte de
renda. Sendo 52% de fora isto, evidencia, portanto, que vender na feira é um bom negócio”,
pois atrai ambulantes de localidades diversas. Numa pesquisa realizada pela Prefeitura foram
constatados os seguintes dados:
Quadro 1
Cidades
Cascavel 304
Fortaleza 130
Pacajus 111
Maracanaú 07
Aquiraz 19
Pindoretama 12
79
Horizonte 07
Aracati 02
Beberibe 07
Acaraú 02
Jaguaruana 10
Caucaia 03
Maranguape 01
Quixadá 05
Baturité 10
Pacoti 03
Chorozinho 02
Morada Nova 04
TOTAL 639
Quadro 2
Categoria N°. Analisado
1.
Confecções 304
2.
Calçados e Bolsas 48
3.
Tecidos 09
4.
Utensílios domésticos (Plast. e Alum.) 13
5.
Brinquedos 10
6. Redes 20
7. Fitas e CD’s 07
8. Relógios e bijuterias 37
9.
Ferramentas 12
10.
Merendas 17
11.
Artesanatos 06
12.
Frutas e Legumes 93
13.
Alimentos e Temperos 45
14. Madeira 06
15.
Diversos 12
TOTAL 639
Dados fornecidos pela Prefeitura Municipal de Cascavel. 2007.
80
Creio que estes dados carecem de atualização, pois, nos ramos de confecção e
calçados, foram contados na última pesquisa de campo 510 barracas, restando 162 para outras
variedades e mais 53 pontos de venda no chão, 6 pontos dentro de sacos, 2 de peixes de água
doce, 2 de peixes do mar e 2 de mariscos (6 pontos com peixes), 9 caminhões de frutas -
abacaxi, maçã, banana, abóbora, melancia e 42 bancas de artesanatos, estas ao redor do
mercado ao longo de uns seis quarteirões.
Contando ainda com os boxes dentro dos galpões do mercado, consoante informações
dos comerciantes, são 60 pontos fixos para cereais e para alimentos cozidos e 33 para
verduras e frutas; 30 para cereais em sacos, rapaduras, queijos e derivados, feijão, goma,
farinha, derivados da cana e do leite vindos do sítio Prata a 11 km de Cascavel. Na parte mais
antiga do mercado, doze pontos que funcionam como barbearias. Em seguida, há um
galpão próximo aos boxes destinado à venda de carne, peixe e aves, com quinze bancas de
hortaliças.
Na seqüência, em paralelo a este, mais um galpão com carne bovina, outro com
peixes e mariscos e o terceiro contendo carne de ovinos e suíno, sendo 350 boxes em área
coberta.
A quantidade de barracas e pontos sobre o solo nas laterais ou ao redor do mercado
são de aproximadamente 780, contadas na feira do sábado, aos 26 de janeiro de 2008. A
quantidade supera os registros da Prefeitura. Nas observações realizadas nos meses de
fevereiro e março, verifica-se maior quantidade de barracas ao longo da av. Pe. Valdevino, no
cruzamento da av. Chanceler Edson Queiroz. No chão, entre os caminhões e o galpão do
mercado, espalham-se milho verde, jerimum, feijão verde, pneus e uma Kombi com bolos,
pontos inclusos na contagem que resultou em 812 pontos, mais 350 (trezentos e cinqüenta)
boxes, num total de 1.162 pontos de venda. A contagem foi realizada com cuidado, porém, é
possível que algo tenha passado despercebido. Estima-se que circulam cerca de 8.000 pessoas
(método: quatro pessoas por m
2
) durante toda manhã, 80% (6.400 pessoas) destas, gastam em
média, R$ 30,00, resultando num total de R$ 192.000,00 (cento e noventa dois mil reais);
multiplicado pelos 52 sábados ao ano, chega-se à cifra de R$ 9.884.000,00 (nove milhões,
oitocentos e oitenta e quatro mil reais) ao ano, valor bastante significativo para o Município.
81
Os ambulantes produzem ou compram de produtores circunvizinhos para vender:
hortaliças, frutas, peixes, mariscos, rapadura, farinha, goma de mandioca, artesanato de barro,
cipó, palha, conchas, retalhos de tecidos de algodão e lycra.
Foto - 15
Fonte: Ricardo em 19/04/2008 “in loco.”
Esse intercâmbio acontece com produtores e feirantes, certamente numa relação de
solidariedade intrínseca aos costumes camponeses, uma certa parceria entre pequenos
produtores, Nesse sentido, aproveito as palavras introdutórias da pesquisa: Feiras do
Jequitinhonha no semi-árido de Minas Gerais, efetuada por Ribeiro (2007),
Feira livre é um momento excepcional para compreender as sociedades rurais.
Enquanto vendem e compram, lavradores e lavradoras criam um fato maior
que o comércio; uma experiência ampla envolvente de trocas sociais que gera
uma série de efeitos, [...] (2007.p.25).
O autor continua o texto referindo-se à complexidade da feira livre, dizendo que, além
disto, de se conhecer a sociedade onde ela se insere, daí a necessidade de compreender as
relações possíveis “neste rural e nestes pequenos e aparentemente modestos mercados locais”.
Embora a população de Cascavel seja predominantemente urbana, 75,10%, mesmo assim, não
se isenta das trocas entre rural e urbano.
82
Em meio à circulação de pessoas que serpenteiam pelas barracas para adquirir
produtos de subsistência ou outro qualquer que seja, as relações não se restringem à mera
comercialização, mas, sobretudo, a trocas de culturas, articulações políticas de uma economia,
associada aos demais fatores de sobrevivência intrínsecos ao cotidiano.
Nessa perspectiva, a feira reúne valores de uma tradição que a distingue de outras,
pois, além de tratar-se de um dos lugares, populares nele se encontra uma dada igualdade de
gostos e preferências expressos nas espécies de alimentos, quantidade suficiente para a
semana, até mesmo a quantia em dinheiro a ser gasta em cada feira, numa demonstração de
que as rendas da maioria dos fregueses se equiparam.
A preferência se intensifica no primeiro sábado do mês, quando os segurados m
recebido seus benefícios previdenciários (aposentados, pensionistas e outros amparados pelos
benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social), tornando-se consumidores” estáveis que
regularmente vêm adquirir mercadorias.
Feirantes e comerciantes fixos (lojistas) fazem referência ao crescimento do fluxo de
compradores nesse período, assim como os meses de maior volume de vendas, exceto em
janeiro e fevereiro. Assim, aqueles que dependem da agricultura, do artesanato, da pesca ou
de outras atividades relacionadas ao setor primário, bem como do comércio urbano e
consumidores, se beneficiam dessa dinâmica da economia; pois, a geração de receitas
impulsionada pela circulação de recursos possibilita a muitas pessoas a aquisição de alimentos
associados à satisfação nutricional.
5.1.2 Pesquisa sobre o feirante.
Como técnica de pesquisa sobre o feirante, se fez necessário buscar dados cadastrais
no órgão municipal, Secretaria de Turismo de Cascavel, para proceder a uma possível amostra
por categorias, com base nos tipos de mercadorias e organização das barracas no espaço da
feira.
Na oportunidade, procurei realizar observações importantes, como o número de
fregueses que perguntavam sobre o preço das peças, examinavam a qualidade dos produtos
expostos, principalmente frutas e verduras, os que realmente compravam, os que saíam e
depois retornavam com outras sacolas nas mãos e compravam e os que olhavam, passavam e
83
voltavam de outras barracas com os produtos adquiridos. Nas averiguações, compreendi que
as amizades entre feirantes e fregueses contam na hora dos negócios. Por isso preferência,
inclusive, quando o fator é qualidade. Foram aplicados questionários em fregueses e
comerciantes fixos próximos ao mercado.
Desconfiei dos dados obtidos na Prefeitura e empreendi esforços no sentido de melhor
captar a realidade, tendo que contar uma a uma todas as barracas independentemente de
estarem cadastradas ou não. Finalizo obtendo os resultados expressos na seqüência.
Comparando os dados oficiais da Secretaria de Turismo, dos 639 feirantes, 304 são de
Cascavel e que representa 47,57%, enquanto 335 deles pertencem a outros municípios,
significando 52,42%, ou seja, mais da metade dos feirantes vêm de fora. Isto quer dizer que a
população de Cascavel não utiliza a feira como ocupação principal.
De acordo com a minha pesquisa, os dados acima não correspondem à realidade. A
amostra tomada aleatoriamente para aplicação dos formulários apresenta dados a seguir
enumerados.
Considerando a quantidade de feirantes, fregueses e comerciantes fixos, tentei
entrevistá-los por meio de uma amostra não-probabilística (portanto, não serve como
amostragem), distribuídos por tipos de mercadoria, levando em conta o fato de que, apesar de
mostrarem-se simpáticos e favoráveis à pesquisa, muitos o conseguiram me atender, em
razão do fluxo de fregueses.
O objetivo deste trabalho centrou-se também em dimensionar a importância da feira
como meio de sobrevivência para os feirantes e sua família, ou seja, os motivos que os
levaram a essa atividade econômica. Quanto aos comerciantes fixos das proximidades da
feira, busquei conhecer suas relações com os feirantes, a importância da feira para o aumento
das vendas, inclusive para os próprios feirantes, aos sábados.
As entrevistas com os fregueses ensejaram-me traçar-lhes um perfil bem como de sua
renda familiar, quantia que gastam nas compras, o que compram, quem vem do meio rural, de
outras cidades ou residem em Cascavel.
84
O local da feira, sua estrutura e organização, tendo como referência, as mesmas normas
atribuídas ao Mercado Público, também foram observados, havendo eu solicitado informações
sobre o que pensam a respeito do Mercado Público e da feira.
Os participantes diretos que responderam aos questionários foram 30 feirantes (4,69%
dos 639 cadastrados), 80 fregueses (1% do público estimado) e 15 comerciantes fixos (20%
dos estabelecidos) para amostragem não probabilística. De acordo com Mattar (1996), ela não
permite generalizações, embora, para Curwin e Slater (1991), “a amostragem o
probabilística às vezes é preferível à probabilística, pois ela sendo bem conduzida pode
produzir resultados satisfatórios mais rápidos e com menor custo ...”
5.1.3 Feirantes: dados pessoais
A faixa etária varia entre 19 e 66 anos, sendo sete entre 19 e 30 anos, dez entre 31 e
40; quatro entre 41 e 50, sete entre 51 e 60 e apenas dois entre 61 e 70 anos. A inserção das
pessoas na feira ocorre em qualquer idade a partir dos dezoito anos. Nesse caso, se evidencia,
portanto, maior participação dos jovens e adultos nas faixas compreendidas entre 19 e 40 anos
e 51 e 60 anos; num total de 24 pessoas, apresentando no primeiro caso 56,6% e, no segundo,
23,3%, o que significa 79,9% com intervalos, no que se encontrou nas faixas entre 41 e 50
13,3% e 61 e 70 anos 6,6%.
Tabela 1
IDADE FEIRANTES DE CASCAVEL %
19 - 30 7 23,3%
31 - 40 10 33,3%
41 - 50 4 13,3%
51 - 60 7 23,3%
61 - 70 2 6,6%
Total 100,00 100,00
Na feira pesquisada, encontram-se cerca de 23,3% de mulheres e 76,6% de homens o
que atuando nessa atividade, obviamente, faz predominar a presença masculina.
85
As pessoas entrevistadas responderam que são 19 de Cascavel (sede) e 3 delas são de
comunidades do mesmo município, equivalendo a 22 feirantes, portanto, 73,3%; mais quatro
de Fortaleza , 13,3%; dois de Aracati, 6,6%; um de Jaguaruana, 3,3%; um de Pacajus, 3,3%.
Assim, 26,5% são de outras localidades do estado do Ceará, portanto, a maioria pertence ao
município pesquisado.
No quesito sobre o grau de escolaridade, quatro são analfabetos, (13,3%), nove sabem
ler, (30%); oito têm o ensino fundamental incompleto, até a rie, (26,6%), três concluíram
o ensino fundamental (10%); um tem o ensino médio incompleto (3,3%); quatro concluíram o
médio, (13,3%) e um é universitário (3,3%). Conclui-se que, dos feirantes, cerca de 66,6%
têm leitura, restando 13,3 de analfabetos e 29,9 entre o ensino médio e o superior.
Gráfico 1
Gráfico 1 – Grau de escolaridade de feirantes pesquisados em percentuais.
Como mostra este gráfico, a maioria dos entrevistados (86,7%), sabe ler, desde os
alfabetizados aos universitários, restando 13,3% de analfabetos o que prejudica a
contabilização e a prestação das contas após as vendas realizadas.
Durante as entrevistas, alguns me diziam que conheciam dinheiro e sabiam fazer
contas; também traziam os filhos ou as esposas para ajudarem a passar troco.
86
Dos entrevistados, 63,3% dos homens são chefes de família enquanto 6,6% não são,
pois responderam que trabalham para si mesmos. Enquanto isso, das nove mulheres, sete são
chefes de família, representando, portanto, 23,3%, mas 6,6% disseram ser “independentes”.
A média do número de dependentes por chefe de família encontra-se entre duas a
cinco pessoas, por habitação. Apenas três feirantes responderam sustentar oito pessoas, sendo
que em sua maioria os entrevistados são auxiliados pelos filhos nas lidas domésticas e com os
trabalhos na feira, assim como fizeram seus pais, que também foram ou, ainda são feirantes.
No total, 86,6% vivem apenas do seu trabalho e renda, enquanto 13,3% afirmaram que têm
outro tipo de renda, dentre os quais aposentadoria e bolsa-família.
Para o deslocamento aa feira, alguns enfrentam dificuldades de transporte, por falta
de estrada ou conservação delas. Também não transporte coletivo que faça a linha de
rotina. Muitos possuem seu transporte ou alugam em parceria com outros feirantes do
Município. Quando são de outras cidades, usam ônibus de linha ou caminhão, dependendo do
tipo da mercadoria. Doze deles disseram que possuem transporte (40%), cinco utilizam ônibus
de linha (16,6%), três vêm à (10,0%), dois vêm de “Topic” (6,6%), três usam camionete
fretada ( 10,0%), três caminhão fretado (10,%) e dois (6,6%) utilizam a bicicleta.
Muitos reclamam da Administração Pública no que se refere à abertura e conservação de
estradas. “Se tivesse estradas, os donos das empresas de ônibus acabavam colocando transporte
coletivo para a população já que o prefeito não se interessa” - disse um ambulante.
5.1.4 Por que trabalhar na feira
Abordados sobre o motivo de trabalhar na feira, muitos disseram as seguintes frases:
“Gosto de ser autônomo.”
“Ganho melhor do que numa empresa.”
“Necessidade de sobrevivência.”
“Único meio de sobreviver.”
“Dificuldade de conseguir emprego.”
“É meu ramo de vida.”
“Por tradição familiar.”
“Vendo à vista, fico com o dinheiro no bolso.”
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“Meio de sobreviver.”
“Vivo disso.”
“Melhor do que em casa de família.”
“É um bico.”
“Não posso pagar ponto fixo.”
“Melhor oferecer para turista.”
“É lugar bom de cliente.”
”Não tenho estudo.”
“Fiquei velho e não tinha emprego.”
“É um meio de trabalho que traz muito conhecimento.”
Nesses depoimentos singulares e espontâneos, ao mesmo tempo, percebe-se a falta de
perspectiva de mudança. É como se este “meio de vida” fosse determinado, não havendo
outra possibilidade de ocupação e obtenção de renda; mesmo porque parecem conformados
com a situação.
Embora os motivos sejam os mais diversos, deixam transparecer a dificuldade de
conseguir emprego no mercado de trabalho, ao que se associam a baixa escolaridade e a falta
de qualificação profissional. Ante os poucos recursos confirmados pelos dados, 83,3%
possuem apenas um ponto de venda, enquanto 16,6% disseram possuir dois pontos na mesma
feira.
A renda obtida por cada feirante nessa atividade varia entre R$ 30,00 e R$ 1.300,00
por feira, dependendo do tipo de mercadoria que vende. Numa banca de café, a senhora F
consegue apurar cerca de R$ 30,00 em cada evento; as barracas de calçado e vestuário ficam
entre R$ 150,00 e R$ 500,00; mas a carne bovina chega a R$ 1.300,00 por feira. Ao final do
mês, a renda apurada segue numa escala de R$ 280,00, no mínimo, em média R$ 400,00 a R$
600,00, elevando-se de R$ 2.000,00 a R$ 8.000,00, sendo estes últimos relacionados à venda
de carne e a cereais em maiores quantidades, sacos de feijão, farinha, milho e outros
(informações dos feirantes). Em geral, os meses de janeiro, fevereiro e março, assim como os
dois últimos sábados dos meses o apontados como “fracos”, significando o período em que
as vendas são reduzidas tendo como fator determinante a falta de dinheiro, a baixa de poder
aquisitivo para as classes de renda inferior. Creditam aos gastos excessivos nos meses que se
sucedem às festas natalinas e às despesas escolares, inclusive o carnaval.
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Parte dos feirantes oferece mercadorias adquiridas em outros mercados, como
CEASA, fazendas, engenhos, sítios e indústrias do próprio Município e fora dele. Menos da
metade produz o que leva para vender (43,3%). Cerca de (56,6%) compram para revender.
Alguns fregueses são permanentes e outros variáveis. Os negócios se realizam à vista (76,6%)
e fiado (23,3%), uma vez que os feirantes relatam que existem laços de amizade,
confiabilidade entre eles e os fregueses, principalmente os compradores costumeiros,
conhecidos aposentados e pensionistas da vizinhança.
5.1.5 Mercadorias, preços e negócios
Conversando com um vendedor de utensílios doméstico de alumínio, este me revelou
que leva cerca de cinqüenta peças e chega a vender quase tudo. Os preços são de R$ 5,00 a R$
10,00 por peça; entretanto, pode fazer uma diferença: “tiro cinqüenta centavos para ganhar o
cliente, né?”.
Um feirante, senhor R, que leva camisetas, vende até oitenta peças para igrejas,
escolas e ao povo em geral. As camisetas femininas custam R$ 5,00 e as masculinas custam
R$ 7,00, Durante a entrevista, chegou uma jovem que olhou as camisetas e escolheu duas
delas. Sorrindo, disse:
- Quero duas, mas você vai fazer por oito reais?
R, olhou a jovem e respondeu:
- Vai ser o seguinte: pague oito reais e na próxima feira venha deixar os dois reais,
certo?
A jovem concordou; seu sorriso denotava satisfação com o voto de confiança a si
dispensado pelo feirante.
Noutra barraca de sandálias, parei para conhecer as transações efetivadas no local. A
vendedora disse que leva pares de calçados com numeração, modelos e cores variados para
“sair” uns 20 pares por preços entre R$ 10,00 e R$ 35,00. Outra barraca chega a vender 70
pares em dias de maior movimento. Para isto, leva maior variedade para atender todo tipo de
89
cliente - homens, mulheres e crianças, com preços variando entre R$ 5,00; R$ 10,00 e R$
20,00.
As barracas de vestuário podem conter peças em jeans, calças, blusas, shorts,
minissaias e jaquetas. De acordo com o proprietário, vende próximo de duzentas peças, com
preços que variam entre R$ 10,00 e R$ 30,00. outra que vende roupas de tecidos leves por
R$ 8,00, R$ 10,00 e R$ 12,00. Não vende, porém, mais do que 30 peças por feira; assim como
moda-praia, as peças são de R$ 5,00 e R$ 10,00 reais.
O vendedor de alface, coentro e cebolinha em folha, leva dois mil molhos que vende a
R$ 0,30 (trinta centavos) cada qual.
A senhora M vende peças artesanais de palha que traz de Aracati: são chapéus, bolsas,
porta-papéis, descansos de prato, pisos e painel, e os preços variam entre R$ 1,50 a R$ 10,00,
dependendo da quantidade adquirida pelo freguês.
Peças de crochê, filé, bordados, rendas e tapetes (confeccionados com retalhos de
tecido) são vendidos por R$ 10,00, R$ 25,00 e R$ 30,00. “Vende mais quando têm turistas;
eles dão mais valor”, disse uma feirante.
Como merenda, saem: café, suco, bolo, tapioca, vendendo-se cerca de 12 unidades;
um bolo fatiado sai a R$ 0,50 (cinqüenta centavos) cada fatia.
Dentro dos boxes do mercado, a carne bovina é vendida por R$ 5,00 e R$ 8,00 o
quilograma. Chega-se a vender até 360 quilos por feira.
O peixe do mar vem de Barra Nova – Município de Cascavel. Vende até 3.000
quilogramas, a R$ 4,00 o quilo. Frango vende cerca de 6.000 quilos. As frutas - maçã, goiaba
e melancia custam R$ 2,00 o quilo. Cada barraca vende cerca de 15 quilos por feira. A
rapadura tem tipos e formatos variados. Por exemplo, pacote de rapadurinha quadrada de
100 gramas – vendidos três por R$ 1,00; uma rapadura de 200 gramas, temperada, sabor coco,
goiaba, maracujá, custa R$ 0,80 cada. rapadurinhas que custam, o pacote com 10, com o
sabor de chocolate, por R$ 2,00. O queijo do Jaguaribe vende até 100 quilogramas a R$ 8,00.
90
Os feirantes que vendem miudezas, brinquedos, artigos de plástico, canecas, jarros,
pentes e pratos compram nas fábricas e chegam a vender cerca de 30 (trinta) peças que variam
de preços, de R$ 1,00 até R$ 30,00.
Castanha-de-caju in natura é vendida na feira pelos pequenos produtores da região
aos compradores que colocam uma balança no meio da alameda Chanceler Edson Queiroz,
onde recebem os clientes em , pesam os pacotes e negociam os preços conforme a cotação
do dólar. Este comércio é sazonal, durante os meses de outubro, novembro e dezembro.
O feijão vem de Pernambuco, carradas contendo sacos de 60 quilos cada um. O
feirante compra 200 sacos que são vendidos a R$ 120,00 cada qual e o milho, que vem de
Brejo Santo CE, em sacos de 60 quilos é vendido a unidade a R$ 27,00, considerado
impróprio para o consumo humano, destinando-se, portanto, à alimentação animal.
Vendedores de farinha, goma de mandioca e feijão adquirem parte desses produtos em
Barreira CE. Vendem no varejo – o feijão a R$ 3,20 o quilo, a farinha a R$ 0,70; a goma a
R$ 1,50 o quilo.
Estes produtos são comercializados dentro dos galpões do mercado público, ficando,
após a feira, cobertos com lonas em espaços divididos para cada feirante. Eles comparecem
durante todos os dias da semana, exceto aos domingos.
A farinha é adquirida em sacos de 50 quilos, ao preço de R$ 30,00, assim como a
goma (amido) sendo esta mais cara, cerca de R$ 55,00 o saco. A melhor época de comprar
nos locais de produção é o mês de julho e a melhor para vender é outubro, novembro e
dezembro.
Os feirantes desses produtos reclamam a falta de segurança dentro do galpão do
mercado, afirmando que furtos constantes; pagam até vigilante particular. Citaram a
concorrência com o arroz vindo do Piauí, que é vendido mais barato do que a farinha.
Dentro do galpão, pelos menos três locais de vendas de rapadura. Seis
comerciantes adquirem no engenho Tijucussu, de propriedade do Des. Edmilson Cruz.
Compram pacotes de 50 unidades, pesando 15 quilos e vendem a R$ 10,00 cerca de cinqüenta
pacotes por feira. Dizem que o lucro é pouco, 20%; “tirando o transporte e o trabalho, não fica
nada”, disse um deles.
91
Os feirantes de peixe agora estão dentro de um galpão destinado a essa finalidade,
mas ainda existem barracas fora do mercado, perto do galpão de cereais, na rua Pref.
Vitoriano Antunes, vendendo peixes secos e salgados. Um dos feirantes respondeu que vende
até 600 quilos a R$ 2,00 o quilo. Lamenta o fato de ser, nos meses de janeiro a abril, proibida
a pesca no ude de Banabuiú. “O que salva é não pagar impostos dentro do Estado”
concluiu.
A respeito das sobras, durante a pesquisa ficou constatado que parte dos produtos o
perecíveis fica armazenada em depósitos alugados nas proximidades do mercado para ser
exposta no sábado seguinte. Outra parte retorna com o proprietário para expor noutra cidade,
logo no domingo. Enquanto isso, os produtos perecíveis, como frutas e verduras, voltam com
os feirantes para serem oferecidos em “mercadinhos” ou mesmo na própria residência. O que
se estraga servem aos animais como galinhas e porcos.
Questionados sobre o que fazem com a renda da feira, os colaboradores responderam o
seguinte: reinvestem nas mesmas mercadorias e o que sobra compram gêneros alimentícios,
40% deles; compram os alimentos para a semana. “Faço a feira, né?(33,3%); compram
tudo para casa, alimentos, produtos de limpeza, algum utensílio (16,6%); a maior parte do que
apuram compram material para fabricar os artesanatos, (6,6%) e apenas 3,3% responderam
que lancham e levam para a mãe o apurado dia.
A maior parte dos feirantes comercializa produtos adquiridos fora do Município de
Cascavel, 73,3% do total, sendo que 26,6% adquirem ou produzem no próprio Município.
Este dado refuta a idéia de que a feira expõe basicamente os produtos do seu município.
Em geral, afirmaram que adquirem produtos alimentícios, remédios, material de
construção, material escolar, de limpeza, de higiene. Utilizam vários tipos de serviço, tais
como pequenos consertos de instrumentos agrícolas, barbearias, salão de beleza, lanchonetes,
oficinas de carro, bicicletas e motor, compram tecidos, roupas, calçados, óculos e utensílios
domésticos no comércio local.
Responderam, ainda, que às vezes, procuram algum serviço oferecido pela Prefeitura,
vão ao banco, ao hospital, mas, 70% afirmaram não procurar nenhum tipo de serviço na
cidade. A maioria dos entrevistados responderam que não pertence a nenhum tipo de
92
associação, (90%). Apenas 10% pertencem à Associação dos Artesãos e não encontram-se
segurados pela Previdência Social (INSS).
5.1.6 O que os feirantes acham da feira.
Indagados sobre o que acham da feira, as respostas foram bem diversificadas: 36,6%
acham divertido; 10% (3) responderam que não estressa; 10% acham cansativa; 23,3%
entendem como boa para vender e conversar; 6,6% acham boa para conhecer e aprender
coisas novas e 13,3% dizem que é ambiente para fazer amizades.
No quesito sobre o que deve melhorar na feira responderam o seguinte: melhorar a
segurança para evitar roubos, pois há muito turista, (20%); consertar o esgoto, (13,3%); maior
organização das barracas, (16,6%); mais assistência, água, higiene, (23,3%); ficar a mais
tarde - quatro horas, (6,6%); não cobrar taxa (9,3%); colocar boxes nos fundos do Bradesco,
(10%); (6,6%)não quiseram opinar.
5.1.7 A feira de moveis rústicos e animais
O comércio de móveis rústicos de madeira como cadeiras, bancos e mesas, acontece
logo após a esquina e em seguida o de animais vivos numa rua sem denominação, depois da
feira do Mercado à direita da av. Chanceler Edson Queiroz, a uns 100 metros depois do Banco
do Brasil. O local é menos movimentado, sendo freqüentado por um público
predominantemente masculino. Os animais oferecidos são porcos, galináceos (galinha, pato,
peru, capote), ovelhas, caprinos e eqüinos.
Na feira de animais verifiquei que os comerciantes não são sempre os mesmos. Os
mais assíduos são os vendedores de galinhas, ovelhas e cabras. Às vezes eqüinos à venda,
mas há uma ou outra pessoa vendendo cães recém-nascidos.
Observei que, no ambiente, acontecem discussões, até mesmo brigas violentas.
Presenciei duas delas motivadas por críticas que os fregueses teriam feito sobre as condições
físicas dos animais. Em um dos casos um senhor havia dito que o burro estaria cego e não
93
servia para puxar carroça. O dono retrucou veementemente contra as palavras do pretendente,
dizendo que cego era quem não tinha dinheiro para comprar burro. A discussão arrefeceu com
a chegada da guarda municipal, ameaçando chamar a polícia. Noutras pesquisas, observei que
os fregueses que compram aves vêm antes das 9 horas e os que procuram outras espécies de
animais, aparecem durante todo o período da feira. Em geral os preços são reduzidos com o
passar das horas.
Outro dia, ao perceber uma correria em direção a discussão entre um senhor idoso e
um homem jovem aparentando uns 25 anos afastei-me um pouco, mas, logo retornei dando
continuidade às entrevistas e observações. Ao contrário da feira mencionada anteriormente,
essa parte da feira de animais se diferencia bastante. Ela se estabelece em matagal em meio
aos cacarejos das aves e os berros dos caprinos. Feirantes e fregueses aparentam fisionomias
sérias e os negócios se realizam com rapidez. Indagados sobre isto, muitos afirmaram que a
pressa se deve ao fato de que os animais se cansam na viagem, têm fome e sede.
Permanecendo mais tempo nessa condição perdem a aparência dificultando as vendas.
5.2 Quem são os fregueses
Durante todo o período da pesquisa de campo ficou evidente a participação de homens
e mulheres de todas as faixas etárias – crianças e idosos acompanhados ou desacompanhados,
no caso de crianças acima de dez anos, como pude verificar algumas vezes.
Das entrevistas (em amostragem não probabilística), obtive os seguintes resultados:
33,3% dos freqüentadores da feira são do sexo masculino e 66,6% são do sexo feminino.
Deste universo, 46,6% residem em Cascavel, 46,6% moram no meio rural do município e
6,6% são de Beberibe e Pindoretama. Portanto, 93,2% pertencem ao Município, sendo apenas
6,6% de fora deste.
A maioria consiste de pessoas casadas, 66,6%, restando 13,3% que disseram ser juntos
(união consensual) e 20%, solteiros. Do total, 16,6% o aposentados, enquanto 83,3% não
são.
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Encontram-se nas faixas etárias de 18 a mais de 65 anos de idade. Com menos de 20
anos, 20%; de 21 a 30 anos, 13,3%; de 31 a 40 anos, 33,3%; entre 41 a 65, 26,6%; maior de
65 anos, apenas 6,6%.
Gráfico 2
Sobre a renda mensal familiar, parte dos entrevistados encontra-se na faixa de até um
salário-mínimo atual, R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais moeda vigente no Brasil em
2008), (46,6%); enquanto isso 26,6% estão na faixa de um e meio até dois salários; 6,6 %
entre dois e meio a três salários e outros afirmaram obter renda acima de três salários vigente
no país (20,2%). Desse total, 66,6% são chefes de família e 33,3% são “independentes”,
trabalham somente para si. Os dados colhidos apontam para uma realidade que é a redução do
tamanho da família. 13,3% habitam apenas duas pessoas na mesma moradia: Em 20%, há a
seis pessoas; 40%, o casal mais um filho, três pessoas; 26,6% moram sozinhos. Portanto,
79,9% dos colaboradores vivem com três pessoas por casa. Desses, 13,3% recebem bolsa-
família e 86,6% vivem apenas do seu trabalho e renda.
Para o consumo cotidiano, vão à feira aos sábados para abastecer a despensa 66,6%,
assiduamente, enquanto 33,3 somente vão à feira no fim do mês.
95
Os gastos com os produtos da feira vão de R$ 30,00 a R$ 600,00 em média. 66,6% dos
fregueses gastam cerca de R$ 30,00; 13,3% até 40,00: 33,3% até R$ 50,00; 20% até R$ 60,00;
13,3% até R$ 70,00; 6,6% até R$ 130,00 e 6,6% cerca de R$ 600,00. Os que gastam mais de
R$ 600,00 adquirem artigos para revender em outras feiras da região.
As mercadorias que mais compram são: feijão, arroz, farinha, açúcar, goma, frango
carnes, peixes, frutas e verduras.
A população que usa verdura em sua dieta entra na faixa dos 66,6% e as que usam
pouco são 33,3%.
Disseram que escolhem os produtos, principalmente, frutas, verduras, carnes e peixes
pela qualidade, (40%); pelo preço, (20%); e pela qualidade e preço, (20%). 60% preferem os
produtos de melhor qualidade, embora haja quem diga que a feira oferece produtos de todo o
jeito, dependendo de quem escolhe, para conseguir comprar bem, pois na feira produto de
média qualidade, disse um dos colaboradores. Por esse motivo, prefere a feira em vez de lojas
do comércio local. Nesse item, responderam: é mais barato, 60%; porque é mais perto de casa,
13,3%; para manter a tradição 20%. 6,6% disseram que acham a feira atualizada. Entenda-se
por atualizada tratar-se de produtos frescos.
Freqüentar a feira também depende de muitas razões. Além de comprar, ver pessoas,
pagar dívidas, adquirir informações jornal de concurso, jogar no “bicho”, por ser popular,
passear, só comprar. 73,3% acham os produtos bons e 26,6% acham razoáveis. Ninguém disse
que os produtos são ruins, mas alguns alertaram para a idéia de que é bom “saber escolher”.
Apontaram que a feira tem problemas para serem solucionados, tais como: roubos,
falta de higiene, falta de organização das barracas, esgoto do mercado descoberto exalando
“mau cheiro;” outros disseram que não vêem problemas na feira.
5.3 O significado da feira para os fregueses
Para muitos fregueses, a feira representa um evento da cultura, que se firma cada vez
mais, pelas circunstâncias econômicas da época, enquanto transmite os costumes do lugar,
agrega outros que vêm de fora, “culturas diferentes trazidas pelos turistas de outras regiões
que chegam e juntam seus saberes com os daqui, mesmo assim, os daqui permanecem embora
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misturados a outras tradições”. Como disse uma vendedora de tapioca “a gente comia tapioca
com leite de coco, agora inventaram com carne de sol, leite condensado, com doce de
goiaba, com queijo e vão inventando!...”
Para os freqüentadores da feira, ela é:
- tudo.
- ponto de referência,
- é muito importante,
- é a alma da cidade,
- é ótima,
- trabalho e diversão,
- boa para paquerar
- ver amigos,
- rever amigos,
- promove renda e cultura,
- meio de sobrevivência,
- facilidade de compra,
- bom para o comércio,
- lugar apertado com gente esbarrando nos outros.
Essas frases foram as mais repetidas pelos fregueses durante a pesquisa de campo.
Pelos relatos, o evento faz parte da vivência da Cidade como imprescindível, pois os
próprios fregueses falam da feira com orgulho e alegria, como se sua participação pessoal em
comprar na feira servisse para perpetuá-la.
5.4 Comerciantes fixos: opinião sobre a feira.
No intuito de conhecer as opiniões dos comerciantes fixos, dos estabelecimentos
comerciais das ruas laterais e seqüenciais do mercado público, entrei em vários deles em
horários diferenciados, observei, conversei e, por fim, apliquei um questionário sucinto,
porque o vendedor prioriza o atendimento ao cliente, pouco interessando outras abordagens
no momento em que a feira acontece.
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As entrevistas se realizaram em lanchonete, farmácia, butique, padaria, mercadinho,
miudezas de R$ 1,99; óptica, loja de artigos esportivos e de estivas, num total de 15 (quinze)
estabelecimentos comerciais.
Indagados sobre a possível mudança no volume de vendas aos sábados, 80% dos
colaboradores responderam que o aumento chega a 30% nas vendas em relação a outros dias
da semana, enquanto 20% disseram que não sentem mudanças nas vendas.
Segundo os comerciantes, os produtos mais vendidos são: cereais, lanches,
instrumentos de corte (facas, foices, machados, enxadas), bolos, bolas, meias e chuteiras,
cosméticos, utensílios domésticos (baldes, bacias e vasilhas para mantimentos e garrafas
térmica), pães, bolachas e almoços - “self-service”, vendido na padaria a R$ 5,00 o prato feito
ou conforme o peso.
Todos afirmaram o início de cada mês e o final de ano como períodos em que o
volume de vendas aumenta.
As vendas em geral são à vista; dificilmente alguém vende a prazo.
Opinando sobre a feira, responderam:
- É uma coisa positiva.
- Aumenta a circulação de pessoas e de dinheiro.
- Acho desorganizada, principalmente o trânsito.
- Falta segurança, vem gente só para roubar.
- A feira é ótima.
- Sem a feira o comércio morre e como vamos manter empregados e se sustentar?
Pelas respostas, compreende-se a desconstrução da representação de que a feira
prejudica o comércio fixo. Transparece, portanto, a importância do evento como propulsor do
comércio local, gerando emprego e renda para várias famílias. Confrontando as respostas dos
clientes anteriormente citadas com as dos comerciantes, observa-se que ambas as partes
atribuem à feira parcela significativa da economia do Município por oferecer emprego e
ensejar renda a várias famílias.
As sugestões oferecidas para melhoria foram as seguintes:
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- solicitam organização das barracas. Segundo um comerciante lojista, “elas estão
aumentando e apertando os poucos espaços (corredores) entre as mesmas, se uma pessoa
parar numa barraca, outra que vier atrás não pode passar, ai vai cotovelada, furto e bate-boca.”
O quesito segurança foi o mais sugerido, embora, durante todo o período em que
estive em campo, jamais presenciei qualquer reclamação de furto ou mesmo algum ato
infracionário, sequer xingamentos ou discussões na local da feira ao redor do Mercado
Público. Ao contrário da feira de animais que se localiza na periferia, freqüentado
principalmente por homens. Neste local, presenciei algumas desavenças.
5.5 Gastronomia da feira
“Festa começa na boca e termina no [...]. Para Luís Câmara Cascudo
(2004), “a arte de comer, cerimonial festivo e íntimo, é um patrimônio que
orgulha o homem, distinguindo-o do gorila, do orangotango e do chimpanzé,
senhores de uma norma nutricionista bem superior à dos humanos. Comer é
um ato orgânico que a inteligência tornou sociável.” (CASCUDO, 2004.
p.37, 278).
O autor procura dar ênfase ao ato de alimentar-se que, embora seja intrínseco à
sobrevivência de todo e qualquer ser vivo, a Antropologia reconhece nos humanos a
criatividade de fazer desse momento algo de sagrado, prenhe de uma ritualidade festiva e
íntima no âmbito das sociabilidades. Na gastronomia da feira, encontra-se a alegria de comer
e oferecer aos conhecidos um pouco desse “banquete” que, se é desprovido de etiquetas, não
deixa de obedecer a outras modalidades ritualísticas. Por exemplo, os alimentos o servidos
numa seqüência, após a refeição principal (almoço), serve-se sobremesa e/ou café. Nunca
antes.
Para enfatizar os sabores da feira, cito um verso de um poeta popular, J. Cleiton
Loureiro:
Nesta terra abençoada
Tem cachaça e rapadura
Tem coco para cocada
Tem, melancia madura
Cana de açúcar moendo
Caldo de cana escorrendo
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Para fabricar o mel.
É tudo muito gostoso
O povo fica orgulhoso
Com as coisas de Cascavel.”
Desde as primeiras horas da manhã, os feirantes e fregueses iniciam seu desjejum nos
boxes dentro do mercado, geralmente os barraqueiros e feirantes, que chegam para iniciar os
trabalhos. E a gastronomia começa com caldo de carne moída, temperado com pimenta-do-
reino, alho, sal, cheiro-verde (coentro e cebolinha), colorau e um pouco de óleo de soja ou de
caroço de algodão. Os permissionários trazem os alimentos cozidos de casa, põem para
esquentar no fogão a gás e servem em pratos fundos, com uma fatia generosa de cuscuz de
milho. Se o cliente desejar, acrescenta-se um ovo frito na manteiga que ele saboreia às
colheradas, seguido de meio copo de café. Como diz Bourdieu (2007),
A propósito das classes populares, seria possível falar de comer sem
formalidades [...] a refeição é colocada sob o signo da abundância que não
exclui as restrições e os limites e, sobretudo, da liberdade: o preparados
pratos ‘elásticos’ e ‘em fartura’, tais como as sopas e os molhos, as massas
ou as batatas [...], e que servidas com uma concha ou colher, evitam a
preocupação de ter que medir e contar ao contrário de tudo o que tem de
ser fatiado, por exemplo, os assados [...]. (P. 185).
Após esta merenda, com o estômago forrado, os trabalhadores dão início às
arrumações das mercadorias sobre os tabuleiros com maior “sustança”. Tendo em vista que
estas práticas se conformam às suas próprias condições e estilos de vida, como práticas
classificáveis, o habitus proporciona por sua vez, o elemento diferenciador, classificatório, no
espaço da distinção pelos estilos de vida, com base na situação econômica e social. De acordo
com esse estudioso, as maneiras de tratar os alimentos, servi-los, apresentá-los e oferecê-los
são diferentes entre as classes sociais, considerando as diferenças de renda, notadamente entre
a burguesia e as classes populares, assim como a forma de tratar o próprio corpo (IBID, 2007.
p.162-168-184). Se os alimentos consumidos pela burguesia são considerados mais leves,
ingeridos com formalidades, o contrário acontece na outra, consistindo de alimentos mais
gordurosos e doces, suficientes para uma verdadeira refeição “sem formalidades”, porém,
substanciosa, rica em calorias, e mais baratas, capaz de fornecer nutrientes necessários ao
corpo que produz pelo trabalho, ao mesmo tempo em que reproduz a cultura, no que diz
respeito ao “gosto de classe”.
100
Estes agentes sociais encontram-se no campo determinado pelas circunstâncias do
jogo constitutivo da economia de mercado, onde se expande cada vez mais a chamada
economia da auto-subsistência, que, caracterizada pela baixa lucratividade, também ocasiona
bolsões de pobreza subemprego e, conseqüentemente, precárias condições de vida. Constata-
se pelos depoimentos que o tempo se arrasta, sem, contudo, trazer quaisquer melhorias na
qualidade de vida. O tempo que passam exercendo a mesma atividade demonstra persistência,
pois mesmo que consigam apenas meios de sobrevivência, os bens adquiridos são
estritamente de natureza doméstica de baixa qualidade.
Durante a pesquisa, conversei com a senhora Maria, que está oito anos vendendo
comida no mercado. Para o café da manhã ela oferece caldo de carne ou de frango, cuscuz
arroz, café, sucos de fruta da época, como caju, manga, maracujá, goiaba ou cajá,
refrigerantes como cajuína, coca-cola, guaraná, laranjada, uva e limão. “Qualquer um bem
gelado, do jeito que o freguês gosta”. Também serve tapioca, gostosinho” (pão com carne
moída) e bolos Luís-felipe (mole) e Sousa-leão (fofo).
Para o almoço, serve guisado de boi, frango, carneiro cozido e sarrabulho
acompanhados com um pouco de feijão, arroz, macarrão, farofa e verduras, tudo no mesmo
prato, e noutro as carnes, podendo haver até duas opções. Costuma-se ingerir os alimentos
alternando com algum dos líquidos citados, inclusive, água.
As sobremesas são doces caseiros de leite, de goiaba, de mamão com coco e cravo-da-
índia para dar um sabor mais requintado. sempre um vidro contendo pedaços de rapadura
que Dona Maria serve tirando de dentro com a ajuda de uma colher para adoçar a boca do
freguês.
O sarrabulho muito apreciado pelos clientes que vão à feira, é preparado com as
víceras do suíno ou ovino/caprino e misturados com pedaços de carne e toucinho, temperados
com sal, alho, pimenta-do-reino, cebolinha e cheiro verde, um pouco de corante para dar boa
aparência. Mistura tudo numa panela de pressão por uns 20 minutos e está pronto. Serve com
acompanhamentos a gosto - arroz e farinha de mandioca. Cada porção custa R$ 3,00 (três
reais).
No box de número 78, encontra-se Dona Leninha com sua saborosa panelada, feita de
bucho e tripas do boi, bem limpas, escaldadas em água fervente com suco de limão, cortadas
101
aos pedaços e cozidos em panela de alumínio ou de barro. Coloca uns dez quilos durante
umas três horas em fogareiro de carvão em brasas. Quando está quase cozida, põe cebola,
chuchu, temperos, alho e folhas de louro. Deixa mais tempo para terminar de cozinhar e serve
com arroz por R$ 3,00 (três reais) a porção. Neste mesmo lugar, pode-se tomar sopa de carne
com verduras e legumes com fatias de pão por apenas R$ 2,00 (dois reais).
Mais adiante, outra senhora oferece baião-de-dois, paçoca e frango assado e uma
porção de lingüiça pelo mesmo preço das porções anteriores.
Em outro box , Dona Marlene vende bolo-mole cuja receita é:
2 copos de farinha de trigo
1 litro de leite de gado
2 copos americanos (200ml) de açúcar
3 ovos
4 colheres de manteiga da terra
1 copo de leite de coco.
Modo de fazer
Colocar tudo no liquidificador e deixar bater bastante. Untar com margarina e
polvilhar com farinha de trigo uma forma redonda com furo ao centro. Levar ao forno pré-
aquecido por uns 40 minutos, deixar esfriar um pouco e retirar da forma. Rende até 15 fatias
que vende a R$ 1,00 (um real).
No galpão dos boxes de alimentos cozidos dentro do Mercado, cerca de 80 pontos
especializados nesta atividade, enquanto outros vendem alho e demais especiarias, num total
de 91 pontos de vendas bastante freqüentados em todos os horários da manhã.
Do lado de fora do galpão, se encontram queijo assado, lingüiça, frango com tripa de
porco assado no espeto, pé-de-moleque na folha de bananeira, milho verde assado e cozido,
tapioca, cafezinho, abacaxi em rodelas servido na ponta da faca, melancias e melão em fatias,
laranjas e tangerinas, uvas e murici que as pessoas puxam umas e saem mastigando, depois
decidem se compram.
102
Nas barracas de queijos e rapaduras, costumeiramente, os donos oferecem pedaços
dos alimentos para que se comprove a qualidade. O mesmo acontece nas barracas de frutas,
uma espécie de “marketing” comercial. odores cítricos e adocicados, diferentes e
agradáveis, chamando a atenção de adultos e crianças ao consumo.
Nas proximidades, os bares vendem bebidas alcoólicas, o que vem causando
problemas, mas as autoridades vêm discutindo e solicitando aos comerciantes que essas
vendas sejam evitadas aos sábados.
Vale ressaltar que as lanchonetes ao lado do mercado possuem melhores condições
estéticas e de higiene como o piso, revestimento e freezer, onde se acondicionam os alimentos
prontos, mesas em granito e demais condições capazes de satisfazer os clientes mais
exigentes. Conforme as preferências, podem ser servidas saladas de frutas, sucos,
refrigerantes, tortas, bolos, salgados diversos, sanduíches quentes de queijo, presunto, frango
e camarão.
5.6 Moda e paquera
A moda como parte integrante da cultura imiscui-se no âmbito da feira. Pode-se
constatar grande aglomerado de pessoas, notadamente o público feminino, ao redor das
barracas de roupas em jeans sendo as minissaias as peças de maior preferências. Cada vez
menor o tamanho da saia, como cantava Luís Gonzaga (Facilita): “[...] tua saia, Bastiana,
termina muito cedo. Tua blusa, Bastiana, começa muito tarde [...]. (RAMALHO, 1973)”
Parece menor do que o tamanho “normal.” Os modelitos enfatizam o brilho dos adereços
metalizados como botões, fivelas e “fecho ecler” entre outros enfeites.
As blusas preferidas possuem cortes especiais, decotes profundos na frente para
valorizar o busto, costa nua e barriga de fora. Os “shorts” têm cintura baixa e pernas bem
curtas. Calcinhas fio-dental e “soutiens” com bojo para aumentar os seios.
Para um público diversificado como parece ser o da feira, os feirantes procuram trazer
peças de qualidade e preços populares. Como diz Bourdieu (2007):
As diferenças de pura conformação são reduplicadas e, simbolicamente,
acentuadas pelas diferenças de atitudes, diferenças na maneira de portar o
corpo, de apresentar-se, de comportar-se em que se exprime a relação com o
103
mundo social. A esses itens, acrescentam-se todas as correções
intencionalmente introduzidas no aspecto modificável do corpo, em
particular, pelo conjunto das marcas relativas à cosmética penteado,
maquiagem, barba, bigode, suíças, etc. – ou ao vestuário que, dependendo dos
meios econômicos e culturais suscetíveis de serem investidos aí, são outras
tantas marcas sociais que recebem seu sentido e seu valor de sua posição no
sistema de posições sociais... (p. 183).
Nesse contexto, verificam-se a moda e os modos da população jovem feminina, em
particular, que reinventam em cada peça o traje ideal para as suas condições físicas e
econômicas, sabendo-se que, associados ao vestuário, outros artifícios se integrem no sentido
de proporcionar melhoras consideráveis do ponto de vista estético. Assim, a cultura se refaz
por meio de cada uma personagem que visa a se apresentar em conformidade com o desejável
à medida do possível.
Enquanto acompanhava o movimento, fui conversando com as jovens, olhava cada
um,a que sorria levantando as peças, outras puxavam-nas debaixo das pilhas de roupas,
perguntavam os preços, mostravam às amigas, à mãe e apara os namorados, quase sempre
acompanhadas, pareciam necessitar de opiniões para decidir a aquisição. Algumas colocavam
a saia na frente do próprio corpo, se olhavam de um lado, de outro, perguntavam as colegas o
que achavam, se gostavam do modelo, da cor, e findavam comprando.
- Quanto é mesmo?
- Pra você é doze real.
- Tenho não, ei, deixa por dez ....
- Tá bom, da próxima vez já sabe, o preço é esse mesmo.
Parei noutra barraca onde uma jovem pegou uma blusa, perguntou se havia de outras
cores, ou outros modelos, vestiu por cima da peça vestida, se olhou no espelho oferecido pela
vendedora, que disse: “está ótimo, ficou linda em você”, mas a freguesa não decidiu, tirou e
saiu prometendo retornar. Mais mulheres se aproximam, elas tocam as peças tentando
identificar os tecidos, dizendo, essa é “suplex”, essa é “viscolycra”... provam e compram.
Durante o tempo da pesquisa de campo, observei mudanças nos modelos das blusas, se
antes eram feitas de malha coladas ao corpo, de alças ou tomara-que-caia, agora elas
ganharam uma pala até abaixo do busto de onde sai um saiote franzido à altura do quadril. Há
outras em tecido de algodão com abertura de botões na frente, colarinho e manguinha curta
com debrum no acabamento.
104
Para combinar, os calçados variam entre tamancos com saltos Anabela, sandálias em
couro com saltos grossos de vários formatos; talas largas sobre os pés com abotoaduras
afiveladas. também com tiras finas cruzando entre os dedos de entrada livre. Estas são
preferidas em relação aos sapatos. Disse a vendedora: “sapato sai pouco”.
Nos dias em que o forró é anunciado através das radiadoras ambulantes, o movimento
se intensifica, levando a crer que para ir ao forró carece de roupa e calçados novos.
Três garotas aparentando terem uns dezesseis anos cada uma chegaram alegres e uma
delas dizia:
- Chega mulher, me mostra um tamanco que hoje é dia de ganhar uns “gatinhos”,
vamos p’ro forró com a banda Forrozeiro Todo”, da boa minha filha... Desarrumaram a
barraca toda, calçavam um par, tiravam, jogavam por cima, calçava outro, pediam um
número maior, diziam que estava apertado, “traz outra”, “não gostei da cor”. Duas delas
compraram e uma saiu triste porque não gostou de nenhum dos calçados apresentados. Foi
tentar noutro lugar.
Perguntei a um rapaz se ele freqüentava as festas noturnas como o forró. Respondeu:
- Quando tem vou dar uma olhada, às vezes paquero, danço, depende...
- Depende de quê?
- Das meninas, (sorriu) elas só querem quem paga bebida, comida e possui carro...
- Você tem preferência por alguma?
- Bom, tem umas com umas sainhas (sorrindo) de dar água na boca...
5.7 O sertão: está em todo lugar?
Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas de carne
e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá susto saber – e nenhum
se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de
emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios
bons... (GUIMARÃES ROSA).
Para pensar o sertão, é preciso conhecer este mundão de tanta gente com tamanha
complexidade.
105
Na arte barroca do Brasil, se evidenciam características do povo brasileiro e expressa
as dobras de uma performance helênica, entre outras influências européias que atravessaram
mares e marcaram nossa cultura. Por isso me questiono: assim como a cultura helênica, o
sertão está em todo lugar?
As leituras de obras selecionadas no âmbito da sociologia, com a finalidade de trazer
conhecimentos sobre o universo artístico, conferindo-lhes importância no ato de refletir sobre
a humanidade do ponto de vista filosófico, sócio-antropológico, pedagógico e científico,
foram profícuas pelo fato de resvalar na abertura de outros saberes e, para melhor alcance,
quando do olhar inquiridor na pesquisa de campo, na análise e possível compreensão das
formas de vida, das ações do homem tão impregnadas de territorialidades que se recriam e se
transformam cotidianamente. Portanto, é a feira quem evoca o sertão e este se faz presente
em todo lugar.
No ambiente feirante encontram-se os produtos naturais, alimentos que são cultivados
no meio rural e distribuídos para os centros urbanos, para as feiras, acompanhados pelas
pessoas que, se não produzem diretamente, estão de alguma forma atrelados a eles, a cidade
passa a ser o espaço onde se aglomeram outras pessoas, sendo que muitas delas têm raízes
camponesas e parecem encontrar na feira não os produtos dos quais necessitam, mas,
também, sensação de prazer, talvez inconscientemente, como diz Guimarães Rosa, “o sertão
está dentro da gente”. E a feira se apresenta como se fosse um palco a expressar o sertão na
cidade. Como diz Fernando Pessoa citado por Paulo Sérgio do Carmo (2007, p. 22), “o mundo
social metaforizado como representação teatral, é um mundo superficial e artificial, um
ambiente de dissimulações, ilusões e frivolidades”.
Penso isto, porque , ao sentir o cheiro do mel da cana-de-açúcar fervendo na caldeira
dos engenhos à beira da CE 040, em Pindoretama -CE, ou ao apreciar uma pilha de rapaduras
postas aos pares numa banca de algum mercado público, é possível reviver instantaneamente
a doce infância; sentir a presença dos entes queridos que atuaram no sertão nordestino.
Acredito, portanto, que, sendo o Brasil um país “provinciano” e, até meados dos anos 1950,
grande parte da sua população vivia no meio rural, esses sentimentos campesinos certamente
perseguirão as emoções de boa parte dos citadinos brasileiros. No mais, percebe-se facilmente
esse sertão, na linguagem, no vestir e calçar; nas preferências gustativas das frutas, carnes e
iguarias à base de vísceras de animais comestíveis, nos produtos da caça e pesca de água doce
e do mar, na forma de preparar, cozinhar e servir os alimentos e de portar-se à mesa. Enfim,
106
nas preferências por algum tipo de programa de rádio ou televisão que apresenta conteúdo
próximo aos folguedos e costumes em que possa haver alguma semelhança com o meio em
que vivem.
Foto - 16
Fonte: Ricardo, Trio Forró de Cheiro, em maio de 2008.
A música, em especial, vem a cada dia ocupando os espaços festivos das cidades
brasileiras, onde as populares têm tido repercussão, como o forró no Nordeste e as sertanejas
no Centro-oeste e Sudeste do país. A que se deve essa popularidade? Em que tempo se
encontra o sertão?
Em meio a este contexto, creio que se pode compreender como o sertão sobrevive no
urbano, vivenciando as tragédias intrínsecas à própria condição humana em um intenso
“hibridismo” de suas culturas, enquanto permanece em meio às diversidades dessa urbe
industrial globalizada.
Ao estudar a Arte, com os autores, Charles Feitosa e Giulio C. Argan, inicio pelo
conceito de estética, definido como a capacidade de apreciar a beleza por meio dos sentidos,
da inteligência, para percebê-la na obra de arte, embora Platão em “A República”. tenha
apontado para o seu efeito ilusório, da mimesis, e partido para a criação da cidade ideal em
que sua organização centra-se nas necessidades básicas e trocas, sendo o “agricultor, alfaiate,
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pedreiro, artesão, soldado e político, profissionais úteis à complexidade do sistema social por
desempenharem seus papéis em colaboração e solidariedade,” comparada a um organismo no
qual, cada um participante contribui para o bem comum.
A feira, como espaço de territorialidades, sociabilidades e reprodução social e
econômica da vida, mediante as dinâmicas dos agentes sociais que se apropriam material e
simbolicamente dos espaços, promove uma certa “catarse” pelo “efeito purificador” contido
nas diversas representações artísticas, na música, na literatura de cordel, assim como do
próprio teatro montado a céu aberto, ao mesmo tempo em que “fortalece o sentimento de
comunidade a partir das articulações de trocas materiais e afetivas, no ver e no sentir, por
meio de uma estética que não se limita ao belo, mas, ao atraente, ao significado muitas vezes
obscuro pela feiúra, mas que pode vislumbrar os devires do mundo real.
A feira congrega esses aspectos do belo e do feio de várias maneiras, na assimetria das
barracas, nos tipos de mercadorias. Um balaio de caranguejos, por exemplo, não é tão belo
quanto um tabuleiro contendo melancias inteiras, cortadas ao meio, mostrando em sua casca
listrada e mesclada de verde-claro e verde-escuro uma polpa rosa-choque pontilhada com
sementes pretas, no entanto, caranguejos e melancias fazem parte da gastronomia, por demais
importante para a nutrição dos habitantes do Município de Cascavel.
Nesta pesquisa, encontram-se muitas características de uma cultura “transcontinental”
desde a organização das mercadorias nas barracas, nos tabuleiros que contêm frutas, legumes,
verduras e demais mercadorias, até as expressões faciais dos homens e mulheres feirantes.
Neles, a barba bem raspada, o bigode bem aparado, os cabelos cortados baixo, unhas aparadas
e as roupas limpas. Nelas, os cabelos, embora longos, em algumas estão penteados e presos; o
rosto maquiado com facial e batom.Com as unhas e as roupas limpas, ambos se calçam
com sandálias baixas ou tênis. (A apresentação como exigência da higiene pessoal).
No ideal da arte grega como representação da beleza universal, conforme
Winckelmann citado por Machado (2006, p.11), “é uma nobre simplicidade e uma serena
grandeza [...], tanto na atitude quanto na expressão”. Assim como os gregos, os feirantes
demonstram em seu jeito de ser, o espírito “apolíneo”, pois, apesar do trabalho árduo, muitas
vezes, embotado no produto como a pesca em alto mar ou artesanal de mariscos, o trabalho
agrícola, da plantação e da colheita, o transporte dos gêneros alimentícios e do artesanato para
o local da feira sob o sol quente, permanecer em durante todo o evento por longas horas,
108
tudo isso leva a crer que, apesar das belas aparências, apolíneas, individuais, tais posturas
foram aprendidas, ressemantizadas e transmitidas culturalmente de geração em geração.
Conforme Nietzsche, “a beleza é uma sensação de prazer que nos oculta em seu fenômeno as
verdadeiras intenções da vontade [...] o homem individual está tranqüilo, apoiado e confiante
no principium individuationis” (MACHADO, 2006). É na ocultação do sofrimento que se
demonstra a grandeza de alma, como perfeição do indivíduo nas relações sociais.
O dionisíaco também é vivenciado nesse ambiente, que se caracteriza pelo aspecto
lúdico, representado pelas cores fortes do vermelho, verde e amarelo das frutas, legumes e
verduras; assim como suas texturas diferentes, lisas, ásperas, aveludadas, espinhosas e pelas
falas e frases de efeito atrativo. Tudo conta e encanta, alegra, contagia e finda integrando
todos os diferentes no mesmo espírito no qual, ao contrário do apolíneo, o dionisíaco promove
a reconciliação nesse universo de economia de mercado e se inscreve na tragédia social do
desemprego, da falta de meios de produção de parte considerável do povo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente da feira como espaço de sociabilidades agrega interações de indivíduos na
busca de reunir forças para efetivar as trocas econômicas e simbólicas. Com isso, adquirem
também o sentimento de grupo unificado pelo mesmo desejo. Formam, conseqüentemente,
uma “sociedade” na luta pela sobrevivência.
No que diz respeito à sociabilidade como processo de interação, compreende em si
uma “forma de sociação, para entender o ser humano se faz necessário atentar para o seu
caráter complexo, incompleto de conteúdo, formas e possibilidades “[...] sendo membro de
uma família ou de uma profissão, ele é cada vez mais uma elaboração ad hoc”. (SIMMEL,
2006. p.65). Para os feirantes essa interação ou sociação, pode ocorrer em razão ao senso de
igualdade entre eles. Iguais nas dificuldades enfrentadas nas lidas diária, parte de um e ao
mesmo tempo por todos, no conjunto em que se tecem as relações intrínsecas às suas
condições sociais.
Ao abordar a perspectiva do lúdico na feira, sendo o dia de compras percebido como
dia de lazer pelos freqüentadores, parto do efeito contagiante das coisas multicoloridas, das
pessoas em movimento, falando, gesticulando, sorrindo, as faces por demais diversificadas.
Toda essa profusão certamente mexe com as emoções somando-se aos contatos e laços
afetivos desenvolvidos entre os indivíduos que fazem a feira, entre estes e sua clientela, entre
os que não “fazem a feira”, enfim, todos os que participam, de alguma forma se inserem nesse
universo no qual as relações de amizade sucedem independentemente de suas particularidades
subjetivas. Ao encontrarem-se na feira, as pessoas se cumprimentam e, em seguida,
comentam sobre o preço e a qualidade dos produtos. Até apontam barracas com melhor
qualidade e preço acessível. Discutem sobre política, reclamam do aumento nos preços dos
produtos, criticam as autoridades locais e nacionais e até comentam sobre notícias veiculadas
pelos meios de comunicação.
Durante as negociações, o freguês relata para o vendedor que o feijão está caro, pede
um desconto: “baixa o preço, muito caro! Se baixar o preço, levo mais... dinheiro
difícil”. Outras frases de efeito são conhecidas, como: meu dinheiro é muito suado, mas nunca
110
se diz como ganhou o dinheiro, pois as formas de aquisição de renda encontram-se submersas
na subjetividade, se ganhou carregando pedra ou se utilizou menor esforço, se o intelecto ou a
força física. O que fica evidente é a dificuldade das pessoas em adquirir o suficiente para o
seu sustento.
Saber usar o dinheiro é uma forma de conseguir comprar mais, ou diversificar mais,
sobrar para o corte de cabelo, para adquirir um batom, no caso das mulheres. Elas
representam a maior parte dos fregueses, contrastando com o número de feirantes do sexo
masculino.
A feira enquanto espaço de domínio público, seu controle pertence à Prefeitura
Municipal, mas, cada permissionário procura defender seu pedaço com respeito e colaboração
com os demais apesar do individualismo. cada feirante evita conflitos explícitos, brigas,
discussões, cuida do serviço e administra bem o tempo destinado ao trabalho.
Dependendo das circunstâncias, a feira pode elevar as vendas ou reduzi-las. Trata-se
de um sistema socioeconômico heterogêneo, pois são muitas as diferenças culturais, assim
como a própria acumulação de capital. Para uns, ali é apenas um lugar que possibilita poucos
recursos, uma vez que o patrimônio é pequeno. Para outros, possibilidades de maiores
lucros, pois, maior investimento material capaz de vender mais, como as carnes e os
cereais em grosso.
Observei um dado interessante, embora os sábados apontados como dias mais
fracos”, terceiro, quarto ou quinto, dependendo do mês, o fluxo de freqüentadores
aparentemente não se reduz, o que diminui são as quantidades de compras, principalmente dos
mais idosos, pois o maior volume de compras acontece quando recebem seus “aposentos”
(benefícios da aposentadoria) no início de cada mês.
Busquei respostas para as questões que me inquietavam no início deste trabalho
entendendo que a feira, para não perder suas características camponesas, apesar de receber
grande quantidade de produtos manufaturados, sobretudo roupas e calçados, continua
mantendo a tradição de oferecer frutas, verduras, legumes, animais domésticos, artesanato de
várias espécies entre outras mercadorias e serviços. Compreendo que o conjunto dos produtos
motiva a população a ir ali pela diversidade de mercadorias expostas, ensejando barganha nos
111
preços e mais opção no quesito qualidade entre os competidores, sendo fator positivo para os
compradores.
Sobre a importância do turismo para a feira, acredita-se que o turismo representa fator
de maior circulação da moeda e aumenta as vendas, principalmente de alimentos, nos meses
de janeiro, julho e dezembro, período considerado de alta estação. A rede hoteleira e as casas
de praia são ocupadas por famílias de várias partes, turistas ou não, por um significativo
contingente de pessoas de vários lugares que dão preferência ao litoral cearense e vêm à feira
para adquirir e conhecer produtos variados, frutas, verduras e o artesanato.
As representações sociais sobre a feira residem basicamente no imaginário popular,
havendo a idéia de que ela significa uma atração profunda, além de grande importância para a
economia, e abastecimento de alimentos, enquanto viabiliza afetos aos que a freqüentam
costumeiramente.
Conforme o que foi pesquisado, a agricultura do Município de Cascavel não se
desenvolve o suficiente para abastecer conforme a demanda local. Nos relatos colhidos, a
causa dessa baixa produtividade resulta da precariedade em que se encontram as pequenas
propriedades, da falta de incentivos financeiros e técnicos que poderiam se efetivar por vias
de políticas públicas de investimentos, no intuito de atender as demandas da feira. Exemplo
disso é o cultivo de cana-de-açúcar, cultura tradicional do Município que poderia receber
melhorias dando azo à maior produção de rapadura, mel e alfenim; assim como o cultivo da
mandioca continua abastecendo o mercado e a feira local, porém, a demanda exige que os
comerciantes e feirantes saiam para adquiri-la fora do Município, em outras feiras do Estado
nas localidades de Barro e Morada Nova.
A pesca é apontada como insuficiente para a demanda local. A ausência de maior
quantidade de peixes e mariscos em oferta na feira, de acordo com os relatos dos vendedores
dessas mercadorias, depende do número cada vez mais reduzido de pescadores na “barra”,
quer dizer, na área litorânea do Município; dadas às transformações de empregabilidade que
gradativamente ocorrem no lugar, devido ao aumento de casas de veraneio, construídas por
pessoas de Fortaleza, de outros estados da Federação e mesmo “gringos” que vêm e
empregam os trabalhadores como caseiros, oferecendo carteira de trabalho assinada, entre
outros direitos trabalhistas. Este pode ser um dos fatores de absorção da mão-de-obra
disponível, por ser mais atrativo do que a atividade pesqueira, como ocupação de grande parte
112
dos moradores do sexo masculino das praias de Caponga, Barra Nova, Barra Velha, Águas
Belas e Balbino.
Procurei verificar se a Administração Pública tem interesse em manter a feira e, de
certa forma, a resposta é positiva, pois o mercado foi ampliado recentemente e, segundo, uma
senhora entrevistada, existe projeto elaborado para efetuar reforma no sistema do Mercado
Público, com vistas à padronização das barracas e locais organizados por tipo de mercadoria.
Do ponto de vista dos feirantes, faltam melhorias no sistema de água, esgotos e fossas do
edifício que deixam vazar dejetos e exalar odores desagradáveis.
De acordo com as representações dos moradores da Cidade e dos próprios feirantes, a
existência da feira se traduz num evento necessário ao abastecimento de produtos para
consumo da população, associada à vantagem de preços acessíveis, frutas, verduras, peixes,
aves, carnes frescas, incluindo o aspecto divertido do ambiente. Conta-se, sobretudo, com a
empregabilidade direta e indireta como outros setores da economia de mercado. Apesar das
trocas acontecerem ali, a produção na sua totalidade ocorre em outros locais, nas fábricas, no
mar, nos sítios, fazendas, engenhos, na roça, na casa de farinha etc.
No que diz respeito às desvantagens, no ambiente feirante, conta-se com a
desorganização das barracas, com o barulho produzido pelos ambulantes, as vias de acesso ao
mercado e feira obstruídos aos sábados, bem como as dificuldades enfrentadas pelos feirantes
para transportarem suas mercadorias, pois poucos possuem meio de transporte. As estradas
que ligam os sítios até Cascavel também carecem de pavimentação ou consertos.
Sobre os códigos dos feirantes, verifica-se que, no geral, a convivência é pacífica,
evitam apontar as infrações dos outros. Por exemplo, em um sábado de fevereiro quando
estava chovendo, algumas barracas que vendem roupas estavam vazias. Perguntei a alguns
feirantes o porquê dessa ausência e fui informada de que não compareceram por problema de
transporte. O interessante foi que todos os feirantes abordados me olharam com ares de
desconfiança e demoravam a esboçar uma resposta, temendo responder algo que viesse a
prejudicá-los numa pura demonstração de cumplicidade; como se talvez eu fosse da Prefeitura
e que poderia ocupar aquele espaço com outro feirante novato.
Durante meu trabalho de campo, observei várias vezes feirantes preocupados com a
barraca do vizinho, sempre atentos quanto a furtos que, via de regra, acontecem
113
costumeiramente. A solidariedade entre os feirantes é fator de interação e amizade, como o
ato de dividir o transporte entre dois feirantes, trazer a mercadoria em consignação do outro
quando por algum motivo não pode vir “fazer” a feira, vender uma parte e devolver o que não
foi vendido na prestação de conta.
Por tudo o que pude observar durante essa pesquisa sobre o universo feirante, ainda
permanecem as estruturas de dominação centradas nos que detêm o poder, da propriedade
privada, sobretudo, da terra e dos meios de produção contra aqueles que se inscrevem no
mundo da economia informal, condição engendrada pela precariedade em que se encontra o
meio rural excludente, por vezes, industrializado, sem, contudo, apresentar nenhuma
possibilidade de absorção da mão-de-obra excedente produzida pelo capitalismo. Deixando
cada vez mais estes trabalhadores sem perspectiva, portanto, vulneráveis, prestando-se a
abraçar qualquer tipo de serviço que lhes possa render alguns trocados.
Observei que, nas últimas feiras, encontram-se mais barracas ocupando todo o espaço,
inclusive com pessoas novatas. Procurei saber o que acontece e fui informada nas entrevistas
que se trata de locação, os permissionários alugam para outros. Assim, as pessoas não deixam
de simplesmente ser feirantes, “possuir” um ponto de comércio, dependendo do local significa
um patrimônio do ponto de vista econômico. Ela pode ser vendida, cedida ou alugada.
Portanto, negociável, independente, particular, em que o proprietário pode usar para expor as
mercadorias ou negociar sem a interferência do órgão municipal.
No âmbito da globalização da economia, seria de suma importância dar maior ênfase à
produção de alimentos, haja vista as condições geofísicas do País, quebrar paradigmas no que
se refere ao enfrentamento das políticas econômicas verdadeiramente voltadas para as
camadas mais pobres da população, viabilizando uma nova conjuntura política, econômica e
cultural. Assim, espera-se que as feiras possam gozar de estatutos relacionados ao mundo do
comércio sem restrições em qualidade, preço de mercado e estruturas físicas em que possam
competir com os modernos supermercados em condições de igualdade, ainda que pertençam
ao setor informal da economia urbana pela própria contradição capitalista. Ainda assim,
acredita-se que a feira venha a se modificar, adaptando-se às constantes exigências do
mercado no sentido de que a sociedade possa gozar dos efeitos dessa transformação, ao
mesmo tempo em que preserva os traços de sua cultura.
114
A temática, obviamente, não se esgota nessa análise, pois possibilidade de muitas
outras abordagens de estudos que venham a traçar outros perfis com esteio na tradição e no
“habitus,” nos saberes coletivamente desenvolvidos em conformidade com as necessidades
humanas, com base nas condições do mercado, nas relações sociais, na força de trabalho, nos
recursos disponíveis necessários à produção, inclusive nas relações tecidas entre os meios
rural e urbano, como prática para a consecução dos meios de subsistência.
115
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121
APÊNDICE
122
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO - SOCIOLOGIA
APOIO - FUNCAP
Pesquisa sobre a feira / Questionário para feirante
aplicado ____________ por _______________ dia/local: / /
1. Informações pessoais do (a) feirante:
1.1 Nome: _________________________ 1.2: Idade: _________________
1.3 Naturalidade:__________________ 1.4: Aposentado(a): Sim ( ) Não( )
1.5 Sabe ler: Sim ( ) Não ( ) 1.6: Anos de escola: ________
1.7 O Sr (a) é chefe de família: Sim ( ) Não ( )
1.8 Quantas pessoas dependem de sua renda? _________
1.9 Recebe outro tipo de renda? Sim ( ) Não ( ) Qual_______ Quanto?_____
1.10 Que meio de transporte usa para vir à feira?____________________________________
2. Informações sobre a feira e o feirante
2.1 O sr (a) vende na feira toda semana? Sim ( ) Não ( )
2.2 Vende em outras feiras da região? Sim ( ) Não ( )
2.3 Há quanto tempo vende na feira? _______________
2.4 Porque vende na feira? ____________________________________________________
2.5 Quantos pontos de vendas o sr.(a) possui? ____________________________
2.6 Qual é a renda de cada feira?________ média mensal_____ meses piores ___________
meses melhores _________________________________________________ ____________
3. Informações sobre o sistema de produção
3.1 O sr (a). faz outras atividades fora a feira? Sim ( ) Não ( )
Quanto recebe?_________________________________________________
3.2 O sr. produz o que vende? Sim ( ) Não ( )
Meios próprios? Sim ( ) Não ( ) Como?______________________________________
Qual (is) produto (s)?________ Só vende?_____ Consome e vende?________
4. Informações sobre a feira
4.1 Aqui na feira seus compradores são fixos ou variam muito?
Fixo ( ) Variável ( )
4.2 O que está vendendo hoje são sempre os mesmos produtos? S( ) N ( )
Produto Atividade Preço/Unidade de Medida Classificação
___________ ____________ _______________________ _____________
____________ ____________ ______________________ _____________
4.3 O sr(a). vende que quantidade por feira? ______ À vista? Sim ( ) Nã0 ( )
fiado? Sim ( ) Não ( ) O que faz com as sobras? ________________________
4.4 O que compra com a renda da feira? ______________________________
No mercado de Cascavel? _______________________________________
4.5 No dia da feira, usa algum serviço da cidade? Banco ( )hospital( )
Prefeitura ( ) Farmácia( ) Sindicato Rural ( )
5. A organização da feira
5.1 Pertence a alguma Associação? Sim( ) Não( ) Qual? ____________________________
5.2 O sr (a). acha a feira um lugar divertido? Sim ( ) Não ( ) porquê ____________________
5.3 O sr (a) tem sugestão para melhorar esta feira? __________________________________
123
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO - SOCIOLOGIA
APOIO - FUNCAP
Pesquisa sobre a feira / Questionário para os fregueses
aplicado ____________ por _______________ dia/local: / /
Caracterização do (a) freguês(a)
1 Dados do (a) freguês (a):
Nome:______________________________ Sexo M ( ) F ( )
1.1 Onde mora _________________________ Cidade ( ) Meio rural ( )
1.2 Estado civil:__________________________________________________
1.3 Aposentado: Sim ( ) Não ( )
1.4 Idade: Menor ou igual a 20 ( ) 21 a 30 ( ) 31 a 40 ( ) 41 a 65 ( ) Maior de 65 anos ( )
1.5 renda familiar mensal: até 1 s. m. ( ) 2 s. m.( ) 3 s.m ( ) acima de 3 s. m( )
1.6 O sr (a) é o chefe da família? Sim ( ) não ( )
1.7 Mora com quantas pessoas?____ Aposentados Sim ( ) Não ( ) Quantas?_____________
1.8 Recebe auxílio do governo? Sim ( ) Não ( ) Qual?______________
2. Hábitos de consumo:
2.1 O sr (a) vem todas as semanas à feira? Sim ( ) Não( )
2.2 Quanto gasta em média por semana? __________________________________________
2.3 Quais os produtos que compra? ___________ ____________ _____________________
___________ _________ ___________________________________________________
2.4 Tem preferência por verdura? S( ) N ( ) porque? ________________________________
2.5 O que é mais importante para escolher o produto?
___________________________________________________________________________
2.6 Porque prefere a feira e não o comércio lojista? __________________________________
2.7 O (a) sr (a). vem à feira só para comprar? Sim ( ) Não ( ) se não cite outros motivos ____
________________________________________________________________________
2.8 Qual a sua opinião sobre os produtos? _________________________________________
2.9 Quais os problemas que percebe na feira? ______________________________________
2.10 O que significa a feira para o(a ) sr(a). ________________________________________
e para a cidade? _________________________________________________________
124
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO - SOCIOLOGIA
APOIO - FUNCAP
Pesquisa sobre a feira/Questionário para o(a) comerciante
Aplicado por____________ dia ___/___/___ local _____________
Objetivo: verificar o consumo do feirante e a importância da feira para o comércio de
Cascavel-Ce.
1.Identificação
Nome do estabelecimento: comercial: _________________________________________
Tipo: __________________ setor de estabelecimento ____________________________
Entrevistado (a) ___________________________________________________________
2.Impactos da feira
2.1 Há aumento de vendas no comércio local em dia de feira? _______________________
_______________________________________________________________________
2.2 O que o feirante compra no seu estabelecimento comercial?______________________
_______________________________________________________________________
2.3 As vendas no seu estabelecimento aumentam quanto por cento?___________________
_______________________________________________________________________
2.4 Há época em que o feirante compra ou gasta mais?_____________________________
_______________________________________________________________________
2.5 O(a) sr(a). vende a crédito para o feirante? Sim ( ) Não ( )
2.6 Sua opinião sobre a feira: Positiva __________________________________________
Negativa _______________________________________________________________
2.7 O que poderia ser feito para melhorar a feira? _________________________________
125
ANEXOS
126
127
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