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Desse modo, Graciliano Ramos manifesta-se negativamente com relação a certos
estratos da literatura tradicional, da Academia e de seguidores do cânone:
Há uma literatura antipática e insincera que só usa expressões corretas, só
se ocupa de coisas agradáveis, não se molha em dias de inverno e por isso
ignora que há pessoas que não podem comprar capas de borracha.
Quando a chuva aparece, essa literatura fica em casa, bem aquecida, com
as portas fechadas. E se é obrigada a sair, embrulha-se, enrola o pescoço e
levanta os olhos, para não ver a lama nos sapatos. Acha que tudo está
direito, que o Brasil é um mundo que somos felizes. Está claro que ela não
sabe em que consiste essa felicidade, mas contenta-se com afirmações e
ufana-se o país. Foi ela que, em horas de amargura, receitou o sorriso
como excelente rémedio para a crise. Meteu a caneta em poetas da
Academia e compôs hinos patrióticos: brigou com estrangeiros que
disseram cobras e lagartos desta região abençoada; inspirou estadistas
discursos cheios de inflamações , e antigamente redigiu odes bastante
ordinárias [...] Essa literatura é exercida por cidadãos gordos, banqueiros,
acionistas, comerciantes, proprietários, indivíduos que não acham que os
outros tenham motivo para estar descontentes. (RAMOS, 1962, p. 94).
Nota-se que a grande preocupação de Graciliano Ramos foi contrapor-se à
produção literária de caráter conservador, vinculada à Academia, que optou pela
estética fixada em modelos estáveis, descomprometida com as questôes sociais
devido à manifestação de um nacionalismo ufanista, tendência à exaltação lírica da
pátria ou da paisagem, como se o Brasil fosse um Eldorado ou paraíso terrestre. Por
esse motivo, segue em direção contrária juntamente com Jorge Amado e outros:
Os escritores atuais foram estudar o subúrbio, a fábrica, o engenho, a
prisão da roça, o colégio do professor cambembe. Para isso resignaram-se
a abandonar o asfalto, o café, viram de perto muita porcaria, tiveram a
coragem de falar errado, como toda gente, sem dicionário, sem gramática,
sem manual de retórica. Ouviram gritos, pragas, palavrões, e meteram tudo
nos livros que escreveram. Podiam ter mudado os gritos em suspiros, as
pragas em orações. Podiam, mas acharam melhor pôr os pontos nos ii.
O Sr. Jorge Amado é um desses escritores inimigos da convenção e da
métáfora, desabusados, observadores atentos.(RAMOS, 1962, p.95).
A proposta para reabilitar o romance brasileiro estaria, portanto, embasada
no conhecimento do escritor acerca do objeto a ser ficcionalizado, além do
abandono dos recursos exibicionistas e do rebuscamento da linguagem. Tanto que
Graciliano Ramos elogiou a obra Porão
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de Newton Freitas, por ser uma narrativa
de linguagem simples e sem exagero:
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Porão é a história sobre a colônia correcional de Dois Rios, na qual mostra-se o tratamento
violento que os soldados dispensavam aos presos. Em 1936, Newton Freitas passou alguns
meses preso, tal qual Graciliano, que considerou o lugar como “ uma razoável amostra do inferno”
(RAMOS, 1962, p.100).