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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA
PUC-SP
GABRIEL MURICCA GALÍPOLO
A LEI DO VALOR COMO LIMITE AO DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA
BRASILEIRA
SÃO PAULO
2008
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2
GABRIEL MURICCA GALÍPOLO
A LEI DO VALOR COMO LIMITE AO DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA
BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Economia Política
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo - PUC-SP, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Economia
Orientador: Prof. Dr. João Machado Borges
Neto
SÃO PAULO
2008
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS
DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação-na-Publicação
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
Galípolo, Gabriel Muricca
A Lei do Valor como Limite ao Desenvolvimento da Economia Brasileira
São Paulo, 2008
Dissertação Mestrado - Programa de Estudos Pós-Graduação em Economia Política -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1. Economia Política – Custo de reprodução da força de trabalho. 2. Economia Brasileira -
Século XX. 3. Subdesenvolvimento – Concentração de renda.
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
Gabriel Muricca Galípolo
A Lei do Valor como Limite ao Desenvolvimento da Economia Brasileira
Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduação em Economia Política da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Economia
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _____________________________________________________________________
Instituição:_________________________ Assinatura:_________________________________
Prof. Dr. _____________________________________________________________________
Instituição:_________________________ Assinatura:_________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição:_________________________ Assinatura:________________________________
5
À memória dos mestres Eduardo Kugelmas e Mario Lima,
que a nossa geração seja capaz de herdar seus valores e ideais.
6
AGRADECIMENTO
Esse trabalho tem início ainda nos anos de graduação, inspirado e incentivado pela
Professora Norma Casseb. Foram suas aulas de macroeconomia que despertaram o entusiasmo
pela economia, o interesse pela pesquisa e o desejo de se dedicar a academia.
O Professor José Marcio Rego é responsável pela apresentação a muitos dos autores
fundamentais em minha formação e na construção deste trabalho e, principalmente, por transmitir
incentivo e confiança através da sua amizade, desde a graduação até os dias de hoje.
Agradeço ao Professor João Machado, orientador desta dissertação, pela liberdade
concedida no desenvolvimento das idéias e pela sua paciência e dedicação. Sua orientação
sempre foi no sentido de potencializar e nunca censurar meu pensamento.
Sou grato ao corpo docente e discente da PUC-SP por propiciar ambiente tão democrático
e fértil ao surgimento de debates e idéias.
Agradeço aos amigos que contribuíram e incentivaram este trabalho, em especial:
Vanessa Santana, Carlos Cabral, Fernando Abreu Sampaio, Fernando Adura Martins, Jo
Francisco Manssur, Marcos Capano e Paulo Gala.
Durante os anos de graduação eu e muitos colegas estudávamos e acompanhávamos
distância) o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo, tendo o sempre como modelo de economista e
intelectual. Hoje, que pretensiosamente me considero seu (e da queridíssima Fátima) “afilhado”,
tenho a felicidade de poder acompanhá-lo de maneira mais próxima. Essa proximidade só
consolidou a figura do modelo, agora não apenas como economista, mas como ser humano.
Agradeço seus ensinamentos, paciência e amizade.
Agradeço à Cinthia o carinho, estímulo e tolerância. Não existem ginas ou palavras
capazes de agradecer ou retribuir seu apoio emocional e esforço de revisão e edição, sem o qual
este trabalho não teria sido concluído.
Agradeço aos meus pais, Vera e Eduardo, e meu irmão Diego o incentivo permanente e o
apoio incondicional que transmitem segurança para cada passo que dou em minha vida. É o amor
que sinto por vocês que me movimenta.
O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil.
7
“A miséria brasileira hoje não é devida ao atraso, é devida ao avanço”
(Francisco de Oliveira)
“O processo de trabalho é transformado desde suas entranhas para
atender ao aparecimento do valor como algo que se pretende absoluto, no
sentido que sua expansão quantitativa torna-se o único objetivo da
produção social”
(Luiz Gonzaga Belluzzo)
8
RESUMO
A concentração de renda e a desigualdade social são as características que, apesar do crescimento
econômico desempenhado ao longo do culo XX, ainda fazem do Brasil um país
subdesenvolvido. Historicamente a inserção da economia brasileira na divisão internacional do
trabalho, apresentou possibilidades de financiamento externo que limitam o desenvolvimento:
superávits comerciais, em especial pela exportação de produtos agrícolas, que impactam
negativamente na produtividade de bens-salário e agravam a concentração de renda; ou
endividamentos que acabam elevando a necessidade por divisas internacionais no longo prazo,
realimentando o vício de origem. Estas relações não derivam da falta de desenvolvimento
capitalista, ao contrário, respondem plenamente ao atendimento da lei do valor. Sua reversão e
superação não podem, portanto, resultar das decisões privadas e individuais, mas sim da
mediação do Estado na organização do processo produtivo, estimulando-a em favor das
necessidades sociais.
9
ABSTRACT
The concentration of income and social inequality are the characteristics that, despite the
economic growth played throughout the twentieth century, still make Brazil a country
underdeveloped. Historically the insertion of the Brazilian economy in the international division
of labour, presented opportunities for external financing that limit the development: trade
surpluses, especially on the export of agricultural products, which impact negatively on
productivity of wages-goods and aggravate the concentration of income; or debt that end up
raising the need for international currencies in the long term, supporting the vice of origin. These
relations do not stem from the lack of capitalist development, rather the contrary, respond fully to
the attention of the law of value. His reversal and overrun, therefore, can not result from private
and individual decisions, but of the mediation of the state in organizing the production process,
stimulating it in favour of social needs.
10
Sumário
INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 11
Capítulo 1 - Progresso e frustração no Brasil do séc XX: desenvolvimento, subdesenvolvimento e
dependência.................................................................................................................................. 14
1.1 Desenvolvimento e subdesenvolvimento......................................................................... 14
1.2 Dependência e desenvolvimento...................................................................................... 21
1.3 Conclusão..........................................................................................................................27
Capítulo 2 - As origens da concentração de renda ....................................................................... 30
2.1 Introdução ........................................................................................................................ 30
2.2 O Sentido da colonização..................................................................................................35
2.3 Ascensão do processo de substituição de importações .....................................................38
2.4 A permanência do déficit alimentar.................................................................................42
2.5 A inflação brasileira.........................................................................................................47
2.6 Autoritarismo, concentração de renda e endividamento..................................................50
2.7 Conclusão.........................................................................................................................59
Capítulo 3 - O fim do padrão de financiamento e a acentuação da miséria ................................. 60
3.1 O Fim do padrão de financiamento.................................................................................. 60
3.2 Acentuação da miséria ..................................................................................................... 67
3.1 Conclusão......................................................................................................................... 75
Capítulo 4 - Conclusão.................................................................................................................. 76
Referência Bibliográfica................................................................................................................ 78
Índice de tabelas e gráficos............................................................................................................ 85
11
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento capitalista no Brasil aparece como um processo de progressiva
modernização das forças produtivas, e sucessivas frustrações acerca do avanço social esperado
como efeito. Essa contradição é, simultaneamente, força motriz e resultante das transformações
experimentadas pela sociedade e economia brasileira ao longo do século XX. Transformações
que por sua velocidade e magnitude deram papel de destaque à economia brasileira dentre os
países capitalistas no período.
Segundo dados do IBGE
1
, o Brasil no início do século XX possuía 17,4 milhões de
habitantes (ano 1900) e um PIB per capita equivalente a R$ 516 (ano 1901)
2
. No início do século
XXI (ano 2000) o país alcançou uma população de 169,8 milhões de habitantes e um PIB per
capita de R$ 6.056
3
. Apesar de a população ter praticamente decuplicado, o produto interno bruto
por habitante é quase doze vezes maior em relação ao início do século passado, exprimindo as
elevadas taxas de crescimento econômico obtidas.
As alterações atingem maior complexidade a partir do advento da industrialização,
propulsora de um acelerado avanço da urbanização e dinamismo econômico. Esse processo se
concentra nas décadas que sucedem a II Guerra Mundial, batizadas pela literatura econômica
como os Anos Dourados do capitalismo. Em 1940 apenas 31,20% da população total do Brasil
vivia nas cidades; em 60 anos (intervalo de tempo inferior à expectativa de vida de um
brasileiro
4
) a inversão é mais que proporcional, atingindo a porcentagem de 81,25% em 2000
(IBGE). Para se mensurar a exuberância da economia brasileira, durante quase toda essa fase
histórica suas taxas de crescimento foram superiores à média tanto dos países latino-americanos
quanto do resto do mundo
5
.
O Brasil não foi somente privilegiado por uma expansão econômica extraordinária em
intensidade, mas também em extensão; desde a eclosão da crise de 1929 foram seis décadas com
1
Dados disponíveis em www.ibge.gov.br
2
Valores de 2006.
3
Valores de 2006.
4
Conforme dados do IBGE, no ano 2000 a expectativa de vida do brasileiro era de 68,6 anos.
5
Ver Giambiagi & Villela, 2004, p. 403
12
taxas de crescimento próximas a 6 % a.a
6
. Tal desempenho alçou o Brasil ao rol das dez maiores
economias do mundo
7
, fazendo emergir um denso parque industrial integrado à economia
internacional, provavelmente o mais complexo e moderno de toda a periferia do sistema no
período.
Contudo, o desenvolvimento das forças produtivas não foi acompanhado por uma
melhoria proporcional ou sequer significativa das condições de vida da maioria da população.
Antes o inverso, a riqueza gerada e acumulada no país encontra sua antípoda na situação de
diversos brasileiros sem acesso a uma disponibilidade mínima de bens necessários à própria
subsistência.
De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a concentração de renda se
agravou ao longo das últimas quatro décadas do século XX; o coeficiente de Gini
8
que em 1960
era de 0,50 involui para 0,60 no ano de 1999. Outro estudo
9
, elaborado pelo IPEA, confere ao
Brasil o posto de segunda pior distribuição de renda do mundo, sendo superado somente por
Serra Leoa, cujo coeficiente de Gini é de 0,62
10
. A não extensão dos benefícios proporcionados
pelos ganhos de produtividade à massa de trabalhadores fica patente na análise da transformação
do salário mínimo real. Segundo cálculos do IPEA
11
, em janeiro de 1944 o salário mínimo real
seria equivalente a R$ 322, encontrando-se praticamente no mesmo nível de junho de 2006,
quando seu valor era de R$ 350.
A comparação entre a produção especificamente de alimentos e a precária condição de
subsistência de parcela significativa da população torna ainda mais flagrante a perversa
distribuição de ativos que caracteriza a economia brasileira.
6
Ver Munhoz, Dercio Garcia. Inflação Brasileira – os ensinamentos desde a crise dos anos 30. Revista de Economia
Contemporânea, nº 1, JAN. – JUN. de 1997.
7
Conforme dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o Brasil ocupa a 8º posição no
ranking das maiores economias do mundo pelo critério de paridade de poder de compra (PPP), e o 10º em milhões de
US$ correntes, ver http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r220307-PIB-IBGE.pdf.
8
Coeficiente utilizado para medir níveis de concentração de renda variando entre 1 e zero, sendo maior a
concentração quanto mais próximo de 1 for o coeficiente.
9
“Radar Social”, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em 01/06/2005. Número de chamada:
361.25 I59 IPEA 50-05.
10
Segundo o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 2005, que avalia o IDH
em 177 países, o coeficiente de Gini para o Brasil em 2003 era de 0,593, conferindo o oitavo lugar em desigualdade
social, na frente apenas da latino-americana Guatemala, e dos africanos Suazilândia, República Centro-Africana,
Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia.
11
IPEADATA. Séries históricas. Disponível em www.ipeadata.gov.br
13
Segundo artigo publicado pela Revista Nacional da Carne
12
, o Brasil figura como segundo
maior produtor mundial de carne bovina, terceiro maior produtor mundial de carne de frango e
oitavo maior produtor mundial de carne suína. Dados divulgados pelo Ministério da Agricultura
do Brasil em 2004
13
apontam o Brasil como o nono maior produtor de arroz do mundo, o terceiro
maior produtor de milho e o segundo maior de soja.
Não obstante essa vasta produção, pesquisa divulgada pelo IBGE em 2005
14
estimou
aproximadamente 72 milhões de brasileiros (moradores de domicílios particulares) em situação
de Insegurança Alimentar, relacionada à falta de recursos dos moradores para a aquisição de
alimentos, sendo 14 milhões classificadas como em Insegurança Alimentar Grave. Nas Regiões
Norte e Nordeste do país 17% das crianças com menos de cinco anos de idade conviveram com a
fome em: “quase todo dia”, “em alguns dias”, ou “em um ou dois dias” nos 90 dias anteriores à
entrevista realizada pela pesquisa.
O registro destas contradições revela uma primeira imagem do objeto de estudo desse
trabalho: o desenvolvimento capitalista industrial no Brasil, entendido através da sua capacidade
de produção e acumulação de riqueza contraposta à incapacidade de garantir aos seus cidadãos o
atendimento sequer de suas necessidades básicas.
Visando definir com maior precisão sua problemática motivadora, a pesquisa avançará
analisando duas interpretações: a nacional-desenvolvimentisma, representativa do processo de
industrialização e suas expectativas; e a teoria da dependência, relevante por registrar as
frustrações ao termo conduzido por esse processo e postular alternativas associáveis ao processo
de liberalização.
O resgate dessas teorias é vantajoso metodologicamente, enquanto expediente para se
identificar como a questão do subdesenvolvimento, ou capitalismo periférico, nos aparece. Vale
observar que formulações diversas (e muitas vezes divergentes) estão abrigadas sobre uma
mesma vertente, e analisá-las demandaria uma investigação exclusiva. Seguindo o exemplo de
outros autores
15
, que também recorreram ao resgate destas teorias, serão eleitas obras específicas,
entendidas como representantes satisfatórias da linha teórica que se deseja abordar.
12
Revista Nacional da Carne, dezembro de 2002, edição nº 310.
13
Dados disponíveis em www.agricultura.gov.br.
14
IBGE. Segurança Alimentar no Brasil, Grandes Regiões e Unidades de Federação. Disponível em
www.ibge.gov.br. Acesso em 12/07/2006.
15
Ver Mello, João Manuel Cardoso de.O Capitalismo Tardio: contribuição a revisão crítica da formação e do
desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1998.
14
Capítulo 1
Progresso e frustração no Brasil do séc XX:
desenvolvimento, subdesenvolvimento e dependência.
1.1-Desenvolvimento e subdesenvolvimento
Sendo Celso Furtado reconhecido como maior intérprete do desenvolvimento capitalista
industrial brasileiro, seu pensamento, representado pela obra Desenvolvimento e
Subdesenvolvimento
16
, foi eleito como ponto de partida para esta investigação.
A tese de Furtado (1961) sobre o desenvolvimento apresenta-se como contraponto às
formulações da teoria econômica tradicional acerca da difusão do modo de produção capitalista.
A ideologia liberal deposita nos mecanismos de preços como garantidores naturais do
desenvolvimento e homogeneização das sociedades e processos de produção ao redor do globo.
Calcada sobre a afirmação marginalista de que, dada uma capacidade instalada, a utilização de
quantidades crescentes de um dos insumos de produção faz com que o mesmo apresente
contribuições unitárias (produtividade marginal) decrescentes ao produto, a teoria econômica
convencional advoga que as desigualdades provocadas pela escassez ou intensidade do capital no
processo produtivo hão de se esvair, pois o insumo capital migrará justamente para sociedades e
processos produtivos onde este seja escasso, em busca de maior produtividade e remuneração por
seu emprego.
Furtado (1961) considera tais generalizações abstratas insuficientes para uma teoria do
desenvolvimento. Para o autor esta deve ser formulada através de uma análise histórica e
estrutural das contribuições de Keynes sobre a teoria da inversão
17
.
É imprescindível ao desenvolvimento a manutenção de quantidade considerável de
inversões, de forma contínua e a um ritmo acelerado. Semelhante ocorrência seria inviável para
países subdesenvolvidos sem uma orientação do processo de formação de capital. Portanto, cabe
ao Estado papel fundamental no processo de desenvolvimento, que deve ser induzido e, em certo
grau, conduzido por este, pois o mesmo não pode ser garantido de forma espontânea pelas
decisões individuais e forças de mercado.
16
Furtado, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Fundo de Cultura, 1961.
17
Ver Furtado (1961) p.80.
15
Furtado (1961) constata que a difusão do capitalismo, a partir de um núcleo industrial na
Europa do século XVIII, tomou característica especificas de acordo com as diversas regiões a que
atingiu, gerando assim formações capitalistas heterogêneas. Logo, o subdesenvolvimento não
pode ser identificado como uma etapa pela qual necessariamente tenham passado as economias já
desenvolvidas, mas sim como um processo histórico autônomo. Cabe registrar que Furtado está
se contrapondo a “formulações tradicionais” associadas também à heterodoxia econômica. A
visão “etapista” do subdesenvolvimento foi defendida por pensadores brasileiros marxistas
relevantes como, por exemplo, Nelson Werneck Sodré
18
.
O contato dessa linha de expansão capitalistas com as regiões de antiga colonização
(como o Brasil) não foi uniforme, e Furtado (1961) identifica essas formações com estruturas
duais, onde uma parte das quais tendia a comportar-se como um sistema capitalista e a outra a
manter-se dentro da estrutura preexistente.
A aparente similaridade entre a industrialização nessas regiões com as primeiras fases do
desenvolvimento capitalista, quando o sistema artesanal preexistente ia sendo destruído e
absorvido, é enganosa. Uma distinção relevante destacada por Furtado (1961) é o fato de a
empresa capitalista que penetra nessa estrutura arcaica não se vincular dinamicamente a ela, dado
que a massa de lucro gerada pela empresa não se integra à economia local. As decisões cruciais
de investimento e formação de capital nas economias subdesenvolvidas eram tomadas fora do
espaço nacional
Para Furtado (1961), é justamente o fato de não deter plenamente tecnologia para a
produção industrial, sendo então dependente de empresas estrangeiras, o que confere a essas
nações a característica de subdesenvolvidas.
“Numa simplificação teórica se pode admitir como
sendo plenamente desenvolvidas, num momento dado,
aquelas regiões em que, não havendo desocupação de
fatores, é possível aumentar a produtividade (a produção
real per capita) introduzindo novas técnicas. Por outro lado,
as regiões cuja produtividade aumenta ou poderia aumentar
18
Ver: Reis, José Carlos. Anos 1950: Nelson Werneck Sodré in As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio
de Janeiro, FGV, 2005.
16
pela simples implementação das técnicas conhecidas são
consideradas em graus diversos de subdesenvolvimento. O
crescimento de uma economia desenvolvida é portanto
principalmente, um problema de acumulação de novos
conhecimentos científicos e de progressos na aplicação
tecnológica desses conhecimentos. O crescimento das
economias subdesenvolvidas é, sobretudo, um processo de
assimilação da técnica prevalecente na época”. (Furtado,
p.88, 1961)
Os critérios determinantes do subdesenvolvimento para Furtado (1961) são
essencialmente “produtivistas”. Como efeito, o processo de desenvolvimento está associado à
industrialização, que nas economias periféricas se identifica com um processo de substituição de
importações, de internalizar técnicas de produção existentes, para que produtos antes
importados passem a ser fabricados domesticamente.
O paradigma para o desenvolvimento destas economias é avançar nesse processo, de
forma que o parque industrial nacional tome dimensões que garantam maior autonomia na
determinação do ciclo econômico e a decisão da inversão seja tomada em função dos interesses
da economia nacional.
Ao mesmo tempo em que visa garantir maior autonomia, o processo de substituição de
importações conserva e agrava problemas relacionados à dependência, pois ao aumentar a
importância relativa das industrias e dos serviços, cresce também a densidade de equipamentos
mecânicos (não fabricados domesticamente) no processo de formação de capital, apresentando
tendência para elevação no coeficiente de importações
19
, o que traz complicações no
historicamente atribulado Balanço de Pagamentos desses países.
Furtado em suas primeiras formulações está ciente da relação dialética estabelecida
para com o capital internacional, que moderniza explorando, e ao desenvolver e internalizar
processos produtivos agrava problemas externos referentes à dependência.
A constituição de uma economia nacional, que passa pela superação do
subdesenvolvimento, deve atender à criação de um parque industrial diversificado que não
19
Quase dez vezes superior ao que prevalece no setor de consumo, segundo Furtado, 1961, p.199.
17
garanta certo grau de autonomia, mas também faça com que a importância do setor capitalista
cresça relativamente ao setor identificado por Furtado como “atrasado”.
“...as estruturas subdesenvolvidas são sistemas
híbridos, constituídos por setores ou departamentos com
comportamentos específicos. Em uma representação
esquemática desses sistemas, chamaremos de departamento
desenvolvido o núcleo que, predominando a tecnologia
moderna, esteja produzindo para o mercado externo ou
interno. Ao setor remanescente da estrutura pré-capitalista
chamaremos de departamento atrasado. Sendo assim, o grau
de subdesenvolvimento está dado pela importância relativa
do departamento atrasado, e o crescimento se mede pela taxa
de incremento da participação do departamento
desenvolvido no produto social”. (Furtado, p.189, 1961)
Conforme já mencionado, o processo de desenvolvimento do setor capitalista nessas
estruturas duais ocorre através de um processo de substituição pela produção interna de
manufaturas antes importadas, em condição de concorrência com os produtos estrangeiros.
Resulta deste fato que a maior preocupação do empresário nacional é a de copiar ou apresentar
similar ao produto importado. Conseqüentemente, a estrutura de preços no mercado interno se
assemelhará à dos países desenvolvidos. Os incentivos às inovações tecnológicas ocorrem de
forma a aproximar a estrutura de custos à dos países de industrialização avançada, não se
adequando as condições específicas de uma economia subdesenvolvida, onde seriam mais férteis
inovações que permitissem uma transformação mais rápida da estrutura econômica, pela absorção
do setor de subsistência.
Permanece assim nessas sociedades boa parte da população alheia aos benefícios do
desenvolvimento, uma vez que as inovações tecnológicas e, por conseqüência, os ganhos de
produtividade e seus benefícios que as acompanham como efeito estarão concentrados na
produção de mercadorias de que a grande maioria da população não é consumidora. Seria
preferível que estas inovações se destinassem, por exemplo, ao setor produtor de bens-salário ou
18
subsistência, de forma que a grande massa da população fosse contemplada com os benefícios
dos ganhos de produtividade nesses setores.
A concentração das inovações tecnológicas (e seus decorrentes ganhos de produtividade)
exclui o setor produtor da subsistência da coletividade, mantendo processos de produção pouco
desenvolvidos nesse setor, consumindo fração relevante da capacidade produtiva. Na concepção
de Furtado (1961), o comprometimento desta capacidade produtiva com a produção da
subsistência da coletividade restringe o excedente disponível para a realização de inversões,
constituindo empecilho a um processo de acumulação de capital endógena.
Parte ainda do excedente não consumido pela produção da subsistência da coletividade é
absorvida por uma minoria privilegiada, fruto da distribuição de renda, que demanda serviços
e bens não agrícolas, desvirtuando possíveis investimentos mais profícuos à economia.
Tal tese se apóia em ponto controverso da teoria econômica. Para os economistas
associados às interpretações neoclássicas, bem como para Furtado nesse caso, rivalidade entre
consumo e investimento/poupança. Este consumo do excedente que poderia destinar-se à
inversão conduz a uma situação estática, inviabilizando desenvolvimento e crescimento
econômico.
“Contudo, o que interessa assinalar é que, em razão da
rápida diversificação do consumo, determinada pela
elevação da renda disponível para esse fim, a concentração
da renda em comunidades de baixa produtividade não
conduz a processos cumulativos de crescimento e sim a
situações estáticas de desigualdade entre padrões de
consumo dos grupos sociais”. (Furtado, p.90, 1961)
Não obstante concepções produtivistas e a utilização de categorias associadas à ortodoxia
econômica, a formulação de Furtado está distante de ser conservadora. Para o autor,
desenvolvimento econômico e constituição de uma economia nacional são primordialmente
projetos de inclusão social. O modo capitalista de produção deveria disseminar-se alcançando os
setores produtores da subsistência, irradiando os benefícios do desenvolvimento para a parcela
(majoritária) da população mais carente destes.
19
A concentração de renda é incompatível com o desenvolvimento, pois gera minorias
privilegiadas que consomem de forma inócua o excedente que seria destinado à inversão,
conduzindo a economia à estagnação.
A tese de Furtado (1961) no período de sua formulação aparentemente dava conta de
explicar a crise pela qual atravessava o país ao término do Plano de Metas do Governo de
Juscelino Kubitschek. Pelos motivos supramencionados a industrialização teria assumido no
Brasil um caráter especificamente concentrador de renda o que conduzira o país à estagnação
econômica. Para avançar seria necessário romper com a estrutura social vigente e formular uma
sociedade mais homogênea, o que implicava em eliminar privilégios de uma minoria.
Como é sabido, o golpe militar de 1964 veio castrar as esperanças de emancipação da
sociedade brasileira. Emancipação compreendida não no sentido marxista, mas apenas de
constituição de uma sociedade minimamente igualitária, onde fosse garantido aos cidadãos ao
menos o atendimento de suas necessidades básicas, condição necessária para se considerar uma
nação desenvolvida.
A ditadura vem frustrar não somente os anseios de Furtado, mas também sua tese,
provando que havia espaço para crescimento com concentração de renda. O próprio autor será
obrigado a rever algumas idéias expostas em suas teses inicias, como, por exemplo, em Análise
do Modelo Brasileiro
20
, onde fica expresso o desencanto com o resultado de décadas de
industrialização. Não que se pensasse ter sido a industrialização um equívoco, mesmo porque
inicialmente esta não se apresentava como opção deliberada, mas sim como resposta à crise
internacional, se consolidando como agenda central da política econômica somente durante a
década de 1950. No entanto, conforme afirmou o próprio Furtado (1973): “A tese, que prevaleceu
imediatamente após a guerra, de que a industrialização constitui razão suficiente para a absorção
do subdesenvolvimento, está certamente desacreditada”. (Furtado, p.14, 1973).
A verificação empírica, da sociedade desigual e excludente gerada, conduzia a conclusão
de que a problemática não se assentava apenas no fato da industrializão não dar conta por si
de absorver o subdesenvolvimento, mas de que nos moldes em que se desenvolvia o capitalismo
brasileiro, tendia a agravar os problemas sociais que caracterizam o próprio estigma do
subdesenvolvimento.
20
Furtado Celso. Análise do Modelo Brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.
20
“A experiência demonstrou que, se se aumenta o
esforço para andar mais rápido e reduzir a distância do alvo
perseguido, a deformação estrutural se acentua, pois uma
acumulação mais intensa em benefício de uma parte da
população amplia o fosso que existe entre as condições de
vida da minoria beneficiada e as da massa, fosso que é a
essência mesma do subdesenvolvimento. Cabe inferir,
portanto, que a melhoria efetiva das condições de vida da
massa da população dos países do Terceiro Mundo,
particularmente dos de grande dimensão demográfica,
somente será alcançada por outros caminhos. A Índia nunca
será uma Suécia de um bilhão de habitantes, nem o Brasil
uma reprodução dos Estados Unidos”. (Furtado, 1973, p.
77).
Nesta fase de seu pensamento Furtado apresenta postura mais crítica em relação ao
desenvolvimento capitalista, e a “essência do subdesenvolvimento” não repousa mais em
conceitos primordialmente econômicos, prevalecendo aspectos sociais.
Após décadas de industrialização, o desenvolvimento capitalista no Brasil ao invés de
ampliar seus “benefícios” para a grande massa da população brasileira, como queria Furtado
(1961), caminhava para a criação de um modelo econômico de “capitalismo popular em benefício
de uma minoria” (Furtado, 1973, p. 61).
A revisão ao nacional-desenvolvimentismo refletia não somente as frustrações no campo
material, mas também as críticas sofridas no campo teórico. Dentre essas se destaca, por se
apresentar como explicação ao desvirtuamento no rumo histórico esperado pelo ideário nacional-
desenvolvimentista, a formulação identificada com os teóricos da dependência, qual seguramente
a obra de maior notoriedade é Dependência e Desenvolvimento na América Latina de Fernando
Henrique Cardoso e Enzo Faletto (2004).
21
1.2-Dependência e desenvolvimento
Dependência e Desenvolvimento na América Latina Ensaio de Interpretação
Sociológica foi escrito inicialmente sob a forma de relatório a ser encaminhado a Raúl Prebisch
em 1965
21
. O livro foi reeditado em 2004, adicionado de novo prefácio redigido exclusivamente
por Cardoso. A revisita do autor à sua obra, quase quarenta anos após sua primeira versão,
esclarece pontos que foram fonte de divergências entre seus interpretes.
Cardoso (2004) afirma que na época de sua publicação o livro foi lido sobre a influência
de diversos outros trabalhos que identificam “dependência” como sinônimo de relação
imperialista, no sentido de estabelecer uma relação mecânica entre os interesses dos países
dominantes e a dinâmica das sociedades dependentes.
Apesar do empenho dos autores em se distinguir desta interpretação, as publicações de
André Gunder Frank, Rui Mauro Marini, Teotônio dos Santos, entre outros, consolidaram a
interpretação que seria identificada com a escola dependentista”. “Esses trabalhos,
conjuntamente, nos engoliram”. (Cardoso, p.10, 2004)
O conceito efetivamente presente no trabalho é a idéia de que a partir do estabelecimento
do Estado Nacional, a dinâmica social latino-americana é determinada predominantemente por
fatores internos conjugados a externos. Seriam justamente os interesses e objetivos políticos e
sociais internos, vinculados aos respectivos (interesses e objetivos) referentes aos centros
hegemônicos, os determinantes dessa dinâmica.
Portanto, para se compreender a particularidade das nações latino-americanas é
insuficiente o reconhecimento das características apenas estruturais das economias
subdesenvolvidas. Faz-se necessária a análise histórica da forma pela qual essas economias
vincularam-se ao mercado mundial e como se configuraram a constituição dos grupos sociais
internos que definiram as relações orientadas para o exterior, peculiares ao subdesenvolvimento
O conceito de “economia dependente” passa a caracterizar a especificidade que define as
economias latino-americanas. Conforme ressaltou João Manuel Cardoso de Mello
22
“o
21
Ver Prefácio à nova edição de Dependência e Desenvolvimento na América Latina: Ensaio de Interpretação
Sociológica. Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004.
22
Ver O Capitalismo Tardio: contribuição a revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia
brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1998.
22
desenvolvimento capitalista na América Latina é especifico, porque realizado numa situação
periférica nacional”, onde, em função de como se deu historicamente a inserção no mercado
mundial, limitam-se às possibilidades de decisão e ação autônoma. “Nisso radica, talvez, o núcleo
da problemática sociológica do processo nacional de desenvolvimento na América
Latina”.(Cardoso & Faletto, p.44, 2004).
A estrutura social e econômica é resultante do tipo de vinculação das economias nacionais
periféricas às distintas fases do processo capitalista. Portanto, exerce influência na determinação
desta estrutura tanto se a vinculação se deu no período histórico de um capitalismo mais liberal,
competitivo ou no período monopolista. Como também exerce ascendência sobre essa
determinação a forma de colonização população ou exploração bem como as características
da mercadoria produzida por estas nações destinadas ao mercado externo.
A formulação teórica de Cardoso & Faletto repele a idéia de que os interesses
imperialistas determinam mecanicamente a dinâmica social interna das nações latino-americanas,
mas é justamente a característica dependente, resultante da forma de associação do interesse das
classes dominantes internas e externas, que exercerá influência sobre a integração do sistema
econômico e político, bem como da dinâmica social desses países.
Tal perspectiva leva a interpretação de que mudanças que geram novas condições de
desenvolvimento passam por alterações internas nos grupos políticos e sociais que ascendem ao
poder, e estas devem estabelecer também novas “teias de relações políticas e de interesse unindo
setores dos dois tipos de economias as desenvolvidas e subdesenvolvidas -, moldando formas
distintas de desenvolvimento político e social em cada país da região” (Cardoso & Faletto, 2004).
O ideário nacional-desenvolvimentista, conforme supramencionado, formulava que o
desenvolvimento constituía em atingir autonomia nacional na tomada de decisões de política
econômica, viabilizada em grande parte pela diversificação e internalização de processos
produtivos através da industrialização, que reduziriam a dependência externa. Para tanto era
mister o fortalecimento do Estado, e estava implícito nessa concepção que a América Latina se
apoiaria em um desenvolvimento eminentemente nacional.
Segundo Cardoso & Faletto (2004) essa perspectiva vai se desvanecendo desde fins da
década de 1950, levantando a dúvida se não haveria na realidade um erro de perspectiva que
permitira crer possível um tipo de desenvolvimento que era irrealizável economicamente. Sob a
23
visão de que a dependência é a particularidade que define os países latino-americanos, a aposta
em atingir desenvolvimento eminentemente nacional apresenta-se como equívoco.
Afirmam ainda que em alguns países como o Brasil, a implementação de um parque
industrial diversificado e de proporções consideráveis, chegando a consolidar o setor produtor de
bens de capital (qual não permite facilmente sua eliminação nos períodos de crise), alimentaram
durante os anos 50 a possibilidade de um desenvolvimento auto-suficiente e
autônomo.Entretanto, seguiu-se ao auge” do processo de substituição de importações,
identificado com o Plano de Metas, uma relativa estagnação durante parte significativa dos anos
60.
Dentre os três países latino-americanos que mais se industrializaram, Brasil, Argentina e
México, apenas o último, na visão de Cardoso & Faletto (2004), conseguiu sustentar durante
maior tempo uma taxa de crescimento elevada. Tal feito teria sido atingido graças a seu
diversificado setor exportador e justamente por fatores que não se adequam as condições
levantadas pelas hipóteses do nacional-desenvolvimentismo, como forte desigualdade na
distribuição de renda e participação crescente de capitais estrangeiros.
Obviamente a forte concentração de renda não confere poder de distinção entre a
economia mexicana e a brasileira ou mesmo argentina, conferindo força ao componente da
participação dos capitais estrangeiros na economia, como responsável pela “bem-sucedida”
experiência mexicana.
“Com efeito, o salto que parecia razoável esperar-se
no desenvolvimento da Argentina não se deu, nem se
produziram transformações qualitativas desejadas. Ainda que
as dificuldades da economia brasileira pudessem ter sido
provisoriamente solucionadas no impulso desenvolvimentista
da década de 1950, apoiado pelo financiamento externo a
curto prazo, reabriu-se uma fase de retrocesso e talvez
estagnação, quando já se anunciava a superação definitiva dos
obstáculos ao desenvolvimento. Finalmente, a economia
mexicana, depois das dificuldades de um período de reajustes
e transformações profundas, orientadas por uma política
24
nacionalista, parecia realizar suas possibilidades de expansão
graças, em grande medida, a sua integração no mercado
mundial através da inversão externa de capitais e da
diversificação do seu comércio exterior...” (Cardoso &
Faletto, 2004, p.22)
Cabe aqui abrir parênteses para ressaltar que dentre as críticas às formulações iniciais do
nacional-desenvolvimentismo, talvez as mais profícuas sejam as que se valeram da dialética para
demonstrar que as contradições não conduzem a cenários estáticos. Sejam essas contradições
entre interesses estrangeiros e nacionais, como desenvolvido na teoria da dependência, ou
contradições entre pólos “atrasados e modernos”, conforme foi elucidado na obra magistral de
Francisco de Oliveira: Crítica à razão dualista (1977).
Contudo, no intento de se contrapor às teses defensoras da inevitabilidade da estagnação
como conseqüência da contradição entre interesses imperialistas e desenvolvimento econômico
dos países periféricos, Cardoso & Faletto são conduzidos à conclusão de que o mercado interno
estava se expandindo (especialmente no caso mexicano) graças à “internacionalização dos
mercados internos”. A comparação entre o México e as demais economias que seguiram o
receituário nacional-desenvolvimentista, para os autores, apresenta-se como constatão
empírica
23
de que as hipóteses levantadas pelos economistas no período do pós-guerra não se
concretizaram, e tampouco davam conta de explicar o curso posterior dos acontecimentos.
O México supostamente havia “optado corretamente” por uma fórmula de
desenvolvimento industrial que recebia com aquiescência o investimento estrangeiro, inserido em
certa margem de controle estatal. Assim, grande parte da industria instalada foi subsidiária da
norte-americana, que fez investimentos beneficiando-se das garantias e facilidades que o próprio
Estado outorgava.
Tais afirmações jogam luzes sob o prosseguimento (há vidas quanto a possibilidade do
emprego da palavra desenvolvimento aqui) da história econômica e social brasileira,
especificamente durante a década de 1990, quando Fernando Henrique Cardoso desempenhou
papel ativo exercendo por dois mandatos consecutivos o cargo de Presidente da República.
23
Além disso, tais evidências contribuíram para o reconhecimento precoce do processo de “internacionalização dos
mercados internos” (posteriormente tratado na literatura econômica, como globalização, mundialização,
transnacionalização, etc.).
25
“Nestas circunstâncias - de crise política do sistema
quando não se pode impor uma política econômica de
investimentos públicos e privados para manter o
desenvolvimento -, as alternativas que se apresentariam,
excluindo-se a abertura do mercado interno para fora, isto é,
para os capitais estrangeiros, seriam todas inconsistentes,
como o são na realidade, salvo se se admite a hipótese de uma
mudança política radical para o socialismo”. (Cardoso &
Faletto, p.156, 2004).
A citação anterior claramente aponta que em situação de crise como a descrita, toda
alternativa que não a abertura do mercado interno para os capitais estrangeiros é inconsistente, a
não ser que “se se” admita a hipótese do socialismo. A internacionalização do mercado interno,
não é somente fenômeno caracterizado pelos autores (Cardoso & Faletto, 2004), mas se
apresenta, na argumentação dos mesmos, como um dos caminhos a ser seguido no sentido do
desenvolvimento.
Vale observar que conclusão próxima já havia sido registrada em outra obra de Cardoso,
Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil
24
, apresentada em 1963 como
tese de livre-docência de Sociologia junto à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, onde Cardoso (1963) conclui que “no limite a pergunta seria então:
subcapitalismo ou socialismo?
25
”.
Cabe sublinhar também que em prefácio a uma edição de 1972 de Empresário Industrial e
Desenvolvimento Econômico no Brasil, com o benefício de quase dez anos após a primeira
edição da obra, o autor praticamente por eliminada uma das opções: “O empresariado jogou o
peso de sua influência em 1964 para tornar inviável a alternativa de resto tênue de um
possível desenvolvimento socialista”. (Cardoso, 1972, p.15).
Não se pretende aqui delegar a paternidade do liberalismo econômico da década de 1990
às obras de Cardoso das décadas de 1960 e 1970, isso seria incorrer em anacronismo e uma
24
Cardoso, Fernando Henrique. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil. São Paulo, Difusão
Européia do Livro, 1972.
25
Ver Cardoso, 1972, p.198
26
redução falaciosa de um processo complexo, mas simplesmente ressaltar que a política do
Governo FHC e a nova ordem vigente são compatíveis com as concepções de desenvolvimento,
ou opções, do Presidente-intelectual.
Tal interpretação sobre o pensamento de Cardoso foi (com variâncias) apresentada por
outros autores. JoLuís Fiori
26
em referência a vertente da teoria da dependência desenvolvida
por Cardoso & Faletto (2004) afirma:
“Mas o que deu uma sobrevida a esta variante da
teoria da dependência foi, sem dúvida, o fato de ter servido,
muito mais tarde, como base de sustentação de um projeto
político reformista, visando a reinserção liberal do Brasil na
economia internacional dos anos 1990... nos anos 90, e em
particular no caso brasileiro, a tese do “desenvolvimento
dependente e associado” transformou-se em projeto de
reforma liberal do modelo desenvolvimentista e permitiu a
formação de uma coalizão de poder reunindo alguns de seus
principais defensores com as velhas elites econômicas e
políticas desenvolvimentistas desligadas do regime militar e
agora comprometidas com a idéia de abertura e
desregulamentação da economia e desmontagem da estrutura
e estratégia em que se sustentaram os 30 anos de
industrialização brasileira. Era uma hipótese que cabia
perfeitamente dentro do projeto e da estratégia associada mas
que foi descartada por uma leitura equivocada e de esquerda
da obra de Cardoso e Faletto” (Fiori, 2000, p.33 e 34)
Paulo Nogueira Batista Jr. (1999) chegou a sugerir que um bom título para a biografia de
Fernando Henrique Cardoso seria: “Dependência: da teoria à prática”.
27
Neste texto ainda faz
referência a entrevista concedida a Alfredo Bosi pelo sociólogo José de Souza Martins, publicada
26
Fiori, José Luís. De volta à questão da riqueza de algumas nações in Estados e moedas no desenvolvimento das
nações, Fiori, José Luís (org). Editora Vozes, Petrópolis, 2000.
27
Batista Jr., Paulo Nogueira. “Dependência: da teoria à prática”. Estudos Avançados, v.13, nº37, set/dez. 1999.
27
na revista do Instituto de Estudos Avançados, na edição de setembro/dezembro de 1997, onde
Souza Martins revelaria que há mais continuidade do que ruptura na carreira de Fernando
Henrique Cardoso, e de que a lógica da globalização já estaria em grande medida presente nas
idéias de Fernando Henrique Cardoso.
28
Luiz Carlos Bresser-Pereira também tem se dedicado em diversos textos
29
a confrontar as
teses filiadas ao nacional-desenvolvimentismo à teoria da dependência formulada por Cardoso &
Faletto (2004). Através destes não associa a teoria da dependência ao abandono de um projeto
nacional de desenvolvimento, e seu respectivo malogro, mas também oferece contribuições na
formulação de um novo projeto nacional.
Não obstante as citações e interpretações supramencionadas, acredita-se que a questão
ainda não recebeu a devida atenção, predominando a visão de que Fernando Henrique Cardoso ao
assumir a Presidência da República teria abandonado suas ideologias e formulações, tese
consagrada pela famosa frase “esqueçam o que eu escrevi”.
1.3-Conclusão
O ideário nacional desenvolvimentista apostou na industrialização, através do processo de
substituição de importações tendo o Estado como artífice, objetivando se modernizar, criar uma
sociedade mais homogênea, onde todos teriam acesso ao atendimento de suas necessidades
básicas. Buscou também consagrar maior autonomia ao processo de decisões políticas, através da
internalização de processos econômicos mais complexos, almejando a soberania nacional e a
capacidade de autodeterminação de seu povo, o que se identifica com o conceito de constituição
de uma nação.
Na prática esse projeto foi capaz de constituir um parque industrial denso e diversificado,
obter taxas de crescimento econômico elevadas, e alterar o perfil da sociedade, até então
predominantemente rural, para urbano. Contudo, conforme já exposto, apesar do expressivo
crescimento no emprego e da mobilidade social existente no período, a industrialização foi
28
Ver Batista Jr., 1999, p. 84 e 85.
29
Ver Bresser-Pereira, Luiz Carlos. O conceito de desenvolvimento do ISEB Revisitado. Trabalho apresentado ao IX
Encontro Nacional de Economia Política, Uberlândia, 8 a 11 de junho de 2004. Ver também Bresser-Pereira, Luiz
Carlos. Do ISEB e da CEPAL à Teoria da Dependência in Intelectuais e a Política no Brasil: a experiência do ISEB.
Toledo, Caio Navarro de (org), São Paulo, Editora Revan, 2005.
28
incapaz de reduzir a desigualdade social, e a sociedade mais homogênea que se desejava obter
como corolário não se concretizou. Apesar da precária condição no âmbito social, o progresso em
diversas outras áreas é patente. O projeto nacional de desenvolvimento fornecia horizonte ao país,
alimentava a idéia da possibilidade de constituição de uma sociedade mais desejável.
de ficar claro que a falência desse projeto se por uma combinação de fatores, onde
exerce grande influência a alteração na conjuntura internacional. Tais mudanças, ocorridas de
forma mais concentrada durante a década de 1970, fomentaram a idéia ao redor do globo que o
papel do Estado nas economias havia excedido ao ideal, enfraquecendo o receituário keynesiano,
fortalecendo as teorias econômicas liberalizantes e a lógica de mercado. A concepção presente
neste texto rejeita também a hipótese da inevitabilidade ou determinismo histórico, desempenham
papel importante nesse processo as “escolhas” feitas diante das novas condições.
A teoria da dependência, aqui exposta, com sua descrença no processo de industrialização,
no Estado e na possibilidade de um desenvolvimento nacional, conjuntamente à convicção no
processo de “internacionalização dos mercados internos”, vai de encontro com as teorias
liberalizantes, que rapidamente passam a se tornar hegemônicas no debate econômico
30
.
Na condição de que a dependência não é um “defeito” a ser superado, mas um traço
estrutural, a política estaria fadada a se desfazer de qualquer pretensão de realizar um projeto
hegemônico nacional e poderia se realizar como reação adaptativa à influência do capitalismo
mundial, cuja relação seria modulada pela luta política interna.
Esta concepção ambicionava conduzir o Brasil ao capitalismo moderno, a uma nova
ordem social competitiva onde imperasse a racionalidade, materializada na figura do mercado.
Para tanto era necessário romper com o passado, com a herança “varguista”, identificada também
com o período nacional-desenvolvimentista.
A construção de uma sociedade governada pelos interesses privados, onde a única
racionalidade considerada é a do mercado, exacerba os vícios inerentes ao sistema capitalista. Ao
relaxar a resistência, o capital não tardou em restabelecer antigas relações que foram a muito
custo limitadas sob a égide do Estado nacional-desenvolvimentista. Mais que isso, esse novo
ideário nos retirou a possibilidade de pensarmos que caminhamos para uma sociedade
minimamente igualitária.
30
Ver Belluzzo, Luiz Gonzaga de Mello; seleção e organização Frederico Mazzuchelli. Ensaios sobre o capitalismo
no século XX. São Paulo: Editora UNESP: Campinas, SP: UNICAMP, Instituto de Economia, 2004. p. 44 e 45.
29
Antes, a erradicação da fome, da miséria e a inclusão social seriam objetivos alcançados
com o próprio processo de desenvolvimento. Hoje, dada a estagnação e a “inevitabilidade
estrutural” que nos encontramos, buscam-se amenizar tais distorções sociais através de
programas assistencialistas.
A lógica de mercado fez com que predominasse no país a forma mais eficiente de
valorização do capital, ao menos para seus detentores, a valorização financeira. A primazia pela
estabilidade impôs ao país taxas de juros reais que figuram, por mais de uma década, entre as
mais altas do mundo. A suposição da rápida convergência das estruturas produtivas e da
produtividade da economia brasileira na direção dos padrões “competitivos” e “modernos” das
economias avançadas, através de um projeto de desenvolvimento liberal, estabeleceu, na
realidade, uma ordem econômica punitiva aos geradores de emprego e produção, e premiou o
rentismo.
A precarização da conjuntura econômica e social no Brasil levou Celso Furtado (aos 72
anos de idade) a produzir um verdadeiro manifesto
31
, alertando que a construção da nação que
vinha ocorrendo (apesar de suas deficiências e distorções) se interrompeu. O apelo do intelectual
que talvez mais se dedicou a contribuir na construção do Brasil-Nação, acreditando em uma
sociedade onde todos pudessem satisfazer suas necessidades básicas, é de que tratemos de
retomar o nosso projeto nacional de desenvolvimento com urgência, antes que a anomia social e a
precarização de nossas possibilidades econômicas o inviabilizem.
31
Furtado, Celso. Brasil: A construção interrompida, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
30
Capítulo 2
As origens da concentração de renda
2.1-Introdução
No capítulo anterior desse trabalho a desigualdade social foi identificada como o
problema central do desenvolvimento econômico no Brasil. O tema foi abordado através da
contradição entre o exuberante crescimento econômico do País e o parco progresso em temas
sociais, principalmente no que se refere à distribuição de renda.
Seria ocioso dedicar um trabalho, ou mesmo um capítulo, para demonstrar que o
desenvolvimento capitalista gera concentração de renda. Marx, ao desenvolver sua análise acerca
da dinâmica da economia capitalista, demonstrou que esse sistema se desenvolve a partir de
uma distribuição desigual dos ativos (propriedade), que está destinada a se reproduzir e ampliar a
cada processo de valorização do capital que é realizado.
Contudo, Marx também demonstrou que o desenvolvimento das forças produtivas,
proporcionado pela evolução do sistema, tende a reduzir a quantidade de horas socialmente
necessárias à produção das mercadorias, banalizando-as e facilitando o seu acesso.
“É uma produção que não está ligada a limitações
predeterminadas e predeterminantes das necessidades, (o seu
caráter antagônico implica a criação de barreiras à produção
que ela sem cessar procura superar. Daqui as crises, a
superprodução etc.) Este é um dos aspectos que distinguem
esta produção do modo de produção precedente; é, se se
quiser, o aspecto positivo; termos por outro lado o aspecto
negativo, antitético: produção que se contrapõe aos
produtores, para qual os produtores não contam. O produtor
real como simples meio de produção, a riqueza material em
contradição com o (e a expensas do) indivíduo humano.
Produtividade do trabalho, em suma = máximo de produtos
com mínimo de trabalho; daqui o maior embaratecimento
31
possível das mercadorias. Independentemente da vontade
deste ou daquele capitalista, isto converte-se na lei do modo
de produção capitalista. E esta lei se realiza implicando
outra , a saber: a de que não são as necessidades existentes
que determinam mas de que é a escala de produção sempre
crescente e imposta, por sua vez pelo próprio modo de
produção – que determina a massa do produto. O seu objetivo
é que cada produto etc., contenha o máximo possível de
trabalho não pago, e isso se alcança mediante a produção
para a própria produção. Isso apresenta-se por um lado como
lei, porquanto o capitalista que produz em pequena escala
incorporaria no produto um quantum de trabalho maior que o
socialmente necessário. Apresenta-se pois como aplicação
adequada da lei do valor que se desenvolve plenamente
com base no modo de produção capitalista. Porém, aparece
por outro lado como impulso do capitalista, que para violar
essa lei ou para utilizar astutamente em seu proveito procura
fazer descer o valor individual da sua mercadoria abaixo do
valor socialmente determinado.”(Marx, Cap. Inédito, p.107)
É justamente a busca pelo maior lucro (índice de valorização do capital) que incentiva o
capitalista a aumentar a produtividade de seus trabalhadores e assim reduzir o tempo de produção
de sua mercadoria. Esta redução se viabiliza através da divisão do trabalho no interior da oficina,
da aplicação da maquinaria e, em geral, da transformação do processo produtivo em aplicação
consciente das ciências naturais, mecânica, química, matemática, etc., com determinados
objetivos, assim como os trabalhos em grande escala. Tudo isto corresponde a maiores
investimentos na cadeia produtiva, ou intensificação do capital na produção, que irá ser
representado na planta da indústria sob a forma de novas máquinas, novas técnicas, basicamente
nova tecnologia, que sob a forma de instrumentos do capital irão consumir o trabalho humano.
São estas alterações no modo produção que farão surgir as condições para o modo de
produção especificamente capitalista. Promovendo o desenvolvimento das forças produtivas,
32
entendido por Marx como o “significado histórico da produção capitalista”. (Marx, Cap. Inédito,
p.93.)
Cabe definir o que Marx entende por aumento da produtividade:
“Entendemos aqui por elevação da produtividade do
trabalho em geral uma modificação no processo de trabalho
por meio da qual se encurta o tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção de uma mercadoria, conseguindo-
se produzir, com a mesma quantidade de trabalho, quantidade
maior de valor-de-uso.” (Marx, Capital, p. 365)
Esse processo, ao atingir mercadorias cujo consumo é essencial à subsistência do
trabalhador, reduz o custo de reprodução da força de trabalho, permitindo que se amplie o
excedente apropriado pelo proprietário dos meios de produção, sem uma redução real e absoluta
do salário do trabalhador ou o aumento da sua jornada de trabalho. Marx categorizou essa forma
de ampliação do excedente do produtor como produção de mais-valia relativa, em contraposição
a ampliação da mais-valia pelo prolongamento da jornada de trabalho, definido como mais-valia
absoluta.
“É mister que se transformem as condições técnicas e
sociais do processo de trabalho, que mude o próprio modo de
produção, a fim de aumentar a força produtiva do trabalho. Só
assim pode cair o valor da força de trabalho e reduzir-se a
parte do dia de trabalho necessário para reproduzir este
valor... Para diminuir o valor da força de trabalho, tem o
aumento da produtividade de atingir ramos industriais cujos
produtos determinam o valor da força de trabalho,
pertencendo ao conjunto dos meios de subsistência
costumeiros ou podendo substituir estes meios... Fazem cair
também o valor da força de trabalho a elevação da
produtividade e o correspondente barateamento dos produtos
33
nas indústrias que fornecem os elementos materiais do capital
constante, o instrumental e o material de trabalho para
produzir as mercadorias necessárias ao trabalhador.(Marx, O
Capital, p. 366)
O valor da força de trabalho é determinado pela quantidade de trabalho para a produzir
(assim como qualquer outra mercadoria). Nesse caso seu valor é equivalente ao de uma certa
massa de meios de subsistência que tem de ser consumida por um homem para crescer, manter
sua vida e para criar uma certa quota de filhos que o substituirão no mercado de trabalho e
perpetuarão a raça dos trabalhadores (Marx, 1999a, p.47). A elevação na produtividade das
mercadorias integrantes dessa massa de meios de subsistência reduz o valor da força de trabalho,
que não é a mercadoria consumida por todos os capitalistas, como o lucro se origina da
diferença entre o seu valor de aquisição e o valor que esta é capaz de gerar.
Resulta desta redução no valor da força de trabalho, um aumento na taxa de mais-valia
para a economia como um todo, independentemente de o capitalista produzir mercadorias que
constituam este grupo de necessárias à subsistência do trabalhador, pois o custo real de produção
em termos de tempo de trabalho apropriado pelos operários se reduzirá para o conjunto da
economia e não apenas para um ramo específico da produção.
A elevação na produtividade de mercadorias integrantes desta massa de meios de
subsistência permite elevações nas taxas de lucro sem uma deterioração absoluta nas condições
de vida dos trabalhadores, uma vez que esse processo, apesar de ampliar a taxa de exploração do
trabalho ao aumentar a porção da jornada de trabalho não remunerada, não exige o
prolongamento da jornada de trabalho e nem a redução dos salários dos trabalhadores aquém do
valor da força de trabalho, preservando seu poder de consumo.
Marx aprofunda seus estudos analisando essa forma de ampliação do valor, pois pretendia
demonstrar como o lucro é gerado no capitalismo em condições normais de funcionamento,
mantida a troca entre equivalentes. Ressalta, no entanto, a importância dessa prática no
movimento real dos salários:
“... rebaixando-se o salário do trabalhador aquém do
valor de sua força de trabalho... reproduzir-se-á de maneira
34
atrofiada sua força de trabalho. O trabalho excedente estaria
prolongado com a violação de seus limites normais,
usurpando parte do tempo de trabalho necessário. Apesar do
importante papel que este método desempenha no movimento
real dos salários, ele o é aqui objeto de consideração, em
virtude do pressuposto de as mercadorias serem vendidas e
compradas pelo seu valor integral, inclusive, portanto, a força
de trabalho”. (Marx, O Capital, p.365)
A redução dos salários dos trabalhadores aquém do valor da força de trabalho configura
superexploração da força de trabalho, potencializando os mecanismos de concentração de renda
inerentes ao sistema capitalista.
A peculiaridade que faz do Brasil um caso de eleição para o estudo do
subdesenvolvimento é exatamente seu caráter particularmente concentrador de renda, no sentido
de que parte significativa da população, principalmente trabalhadores, encontra-se marginalizada
dos benefícios que o desenvolvimento das forças produtivas engendra. Ou seja, os ganhos de
produtividade atingem de maneira heteronea os diversos departamentos da economia brasileira
em detrimento justamente dos setores produtores dessa massa de meios de subsistência.
Desvendar a lógica deste sistema exige uma investigação acerca dos pontos que se
apresentam, desde o nascimento da economia brasileira, como obstáculos à construção de uma
sociedade mais equânime, e que a cada nova fase do nosso desenvolvimento assumem um caráter
mais complexo, sem, contudo, perder sua essência. A análise do tema foi objeto de autores e
interpretações clássicas da literatura econômica brasileira, e a combinação destas é capaz de
fornecer maior elucidação do problema.
A incursão pelos diversos estudos que serão aqui abordados visa estudar o problema da
concentração de renda na economia brasileira através do instrumental teórico marxista,
associando-a com a não redução no custo de reprodução da força de trabalho, como um processo
de superexploração da força de trabalho, sem vincular essa característica com etapas atrasadas do
desenvolvimento capitalista, mas com particularidades inerentes a gênese e formação histórica da
economia brasileira.
35
2.2 -O sentido da colonização
A economia brasileira surge, enquanto estrutura produtiva, como metástase do sistema
econômico europeu, com o objetivo exclusivo de atender e ampliar as atividades mercantis dessa
região. Como teorizou Caio Prado Jr., a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta
empresa comercial, mas sempre com o mesmo cater, destinado a explorar um território virgem
em proveito do comércio europeu. “É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o
Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto na economia como
no social, da formulação e evolução histórica dos trópicos americanos”.
No período anterior à crise de 1929 que se abate sobre o conjunto de países capitalistas
e tem seus efeitos estendidos ao longo dos anos 30 observa-se que a formação do sistema
econômico brasileiro se constituiu para fornecer açúcar e tabaco; ouro e diamantes; algodão e
café, sempre visando o atendimento ao mercado europeu. Para Prado Jr. a organização da
sociedade e da economia brasileira se dá com este único e exclusivo propósito, voltado para fora,
para a manutenção do comércio europeu. Sem atenção a considerações que não fossem o
interesse desse comércio, a sua população não é senão elemento propulsor, destinado a manter
seu funcionamento em benefício de objetivos completamente estranhos.
A agricultura tropical, que tem por objetivo único a produção de certos gêneros de grande
valor comercial, assume então a configuração de monocultura que acompanha necessariamente a
grande propriedade
32
. A grande exploração rural é definida por Caio Prado Jr. como a célula
fundamental da economia agrária brasileira. Será sob este sistema de organização do trabalho e
da propriedade que se originará a concentração extrema de riqueza que caracteriza a economia
brasileira.
Esse complexo produtivo, essencialmente agrícola, consolidará dois setores diversos: por
um lado a produção destinada ao mercado externo, a grande lavoura; do outro a agricultura
entendida como de subsistência, produtora de bens destinados ao mercado doméstico, à
manutenção da população do país. A grande lavoura representa a substância da agricultura
colonial, enquanto a produção de gêneros de consumo interno, necessários à subsistência da
população, surge como apêndice da primeira, de expressão puramente subsidiária.
32
Ver Prado Junior, p.121.
36
Sendo a grande lavoura - voltada para a exportação - a base e o centro da economia
brasileira nesse período, o nível de atividade e a prosperidade econômica desta dependiam
essencialmente de estímulos exógenos a demanda dos mercados externos pelos produtos
brasileiros. Como definiu Celso Furtado em seu seminal Formação Econômica do Brasil, o pólo
dinâmico da economia brasileira encontrava-se fora dela, portanto, seu nível de atividade estava
subordinado ao europeu, configurando essa primeira forma de relação entre as economias centrais
e periféricas.
Os limites à expansão da nossa economia, derivados dessa relação dependente, não se
limitam a ausência de controle nacional (ou interno) sobre as variáveis que determinam o nível de
renda e atividade do sistema. É fato que a interrupção da expansão econômica por componentes
estritamente exógenos se apresenta como obstáculo, mas o próprio ciclo expansivo apresentava
um efeito de duplo caráter. A alta dos preços dos produtos exportáveis, ao mesmo tempo em que
eleva o nível de renda e emprego da economia, estimula a sua produção em detrimento da oferta
dos alimentares, que são praticamente abandonados.
Ao restringir a produção de gêneros alimentares, entendidos como bens-salário ou
mercadorias integrantes do custo de reprodução da força de trabalho, se reduz a oferta destes,
dificultando seu acesso e encarecendo o custo de vida da população, principalmente daqueles que
tem nesses produtos parte majoritária do destino da sua renda.
A redução da produção dos neros alimentares, decorrente dos estímulos externos
aumento na demanda e preço dos produtos brasileiros que engendram o aumento da atividade
econômica, materializada pela maior produção desses bens exportáveis, é causa dos problemas
referentes à insuficiência alimentar, recorrentes nos núcleos de povoamento mais densos do
Brasil.
Caio Prado Jr enfatiza que esta relação não é extinta com a Independência ou com a
abolição da escravatura, o sentido da colonização encontra-se no âmago da estrutura produtiva
brasileira. Portanto, nesse período, o crescimento econômico e da renda dos proprietários
(lucro) realiza-se mediante a precarização das condições de vida da população, o que numa
relação de trabalho capitalista se revela através da redução real dos salários. Cria-se então uma
situação paradoxal, “porque é a miséria e a fome a ombrearem com a prosperidade daqueles
preços elevados”.
37
A hipertrofia do capital financeiro durante as últimas décadas do século XIX veio
potencializar a produção dos produtos exportáveis no Brasil em particular o café, também a
borracha, que chegará a emparelhar-se a ele
33
, o cacau, o mate e o fumo. O Brasil se consolidará
nesse momento como um dos grandes produtores mundiais de matérias primas e gêneros
tropicais, conseqüentemente agravando a queda na produção de gêneros de consumo interno que
se tornam cada vez mais insuficientes para as necessidades do país. Contudo, esse
desenvolvimento, patrocinado pela expansão do capital financeiro internacional, desenvolve
também, de forma inexorável, os mecanismos de dependência aos estímulos externos.
“Mas ao mesmo tempo que se ampliavam as forças
produtivas do país e se reforçava o seu sistema econômico,
acentuava-se os fatores que lhe comprometiam a estabilidade.
A concentração cada vez maior das atividades na produção de
uns poucos gêneros exportáveis, e a estruturação de toda a
vida do país sobre base tão precária e dependente das
relações longínquas de mercados internacionais fora do seu
alcance, tornavam aquele sistema essencialmente frágil e
vulnerável. E paradoxalmente, cada passo no sentido de
amplia-lo mais o comprometia porque o tornava mais
dependente. Os efeitos desta contradição logo serão sentidos:
no auge da prosperidade começarão a abater-se sobre o Brasil
as primeiras crises e desastres graves que comprometerão
irremediavelmente o futuro de sua organização econômica.
No caso do café, se principiam a sentir perturbações sérias
desde os primeiros anos do século, se não antes:
superprodução,queda de preços, dificuldades de escoamento
normal da produção.”(Prado, 1976, p.212)
Em 1896 o café brasileiro enfrenta suas primeiras dificuldades comerciais relacionados à
queda nos preços e a formação de estoques involuntários. Mas após a alternância entre períodos
33
Ver Prado Jr., 1976, p.210
38
áureos e dificuldades, sempre resultantes dos estímulos externos configurados pela relação
Centro x Periferia estabelecida, o desenlace fatal virá com a quebra da Bolsa de Nova-Iorque em
outubro de 1929. A vertiginosa queda nos preços do café somado ao estancamento do crédito
externo inviabilizará o pagamento dos débitos contraídos em moeda internacional, derrubará a
atividade econômica e deprimirá a nossa capacidade de importação, restringindo o acesso aos
diversos bens não produzidos domesticamente.
2.3- Ascensão do processo de substituição de importações
O Brasil foi exposto a restrições externas durante a primeira metade do século XX,
decorrentes das duas Grandes Guerras e da crise prolongada dos anos 1930. Conceição Tavares
(1983, p.222), afirma que a Grande Depressão, inaugurada em 1929, pode ser encarada como um
ponto de ruptura do funcionamento do modelo primário-exportador, efeito da violenta queda na
receita das exportações, o que diminuiu em 50% a capacidade de importar da maioria dos países
latino-americanos.
A crise obrigou o governo brasileiro a adotar políticas de defesa do mercado interno,
como o controle seletivo das importações e a compra de excedentes e estoques de café visando a
defesa do seu preço internacional. Essa política encareceu as importações gerando um estímulo à
produção interna substitutiva. De início foi possível realizar esse processo de substituição das
importações por produtos domésticos valendo-se da capacidade produtiva existente. Contudo,
ao atingir maior complexidade, foi necessário racionalizar as divisas internacionais visando
preservá-las para as importações daqueles bens essências a instalação de nova capacidade
produtiva (bens de capital e matéria-prima).
O aumento na produção industrial interna que tem início a partir deste choque adverso
provocado pela crise dos anos 1930, e que impôs ao país severas condições de crise cambial,
deteriorando os termos de troca brasileiros, encontrou seu apoio na manutenção da renda interna
resultante daquela política. Nas palavras de Conceição Tavares, ocorre:
“...uma perda de importância relativa do setor externo
no processo de formação da renda nacional e,
39
concomitantemente, um aumento da participação e
dinamismo da atividade interna...A importância das
exportações como principal determinante (exógeno) do
crescimento foi substituída pela variável endógena do
investimento, cujo montante e composição passaram a ser
decisivos para a continuação do processo de
desenvolvimento”. (1983, p.222)
No primeiro momento deste processo - marcado predominantemente pela ditadura e
presidência de Getúlio Vargas - a industrialização desenvolvia-se com ênfase na expansão do
setor produtor de bens de produção, financiado pela transferência de excedentes do setor
agroexportador para o setor industrial. Conforme Francisco de Oliveira: “era claramente posto de
lado o recurso tanto ao endividamento externo quanto ao capital estrangeiro de investimento”.
(Oliveira, 1977, p.79).
Nesse sentido, o ponto de estrangulamento que limitara a economia brasileira na fase
anterior remanesce, pois o financiamento do processo em curso ainda dependia dos resultados do
setor agroexportador - essencialmente o café - e o seu aumento era viável através das
majorações das exportações ou melhoria nos termos de intercâmbio brasileiro.
O processo de substituição de importações apoiado em bens de produção se esgota sem
ter se completado. Na fase seguinte, particularmente durante o governo Juscelino Kubitschek, o
processo de industrialização e desenvolvimento de mecanismos internos de investimento e
demanda capazes de garantir o nível da atividade econômica a partir de estímulos internos, deixa
de se dar apenas enquanto resposta a um cenário internacional restritivo e assume o papel central
na agenda política. Valendo-se da análise realizada pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL em 1954, o
Plano de Metas calcou a expansão do processo de substituição de importações no setor produtor
de bens-de-consumo duráveis, visando atender uma demanda reprimida existente por esses bens.
Essa demanda reprimida tem sua origem na própria concentração de renda da sociedade
brasileira, qual proporcionou a poucos privilegiados um padrão de consumo diferenciado, mas
que não podia ser atendido em função da baixa capacidade de importar e da inexistência de
produção nacional destas mercadorias.
40
Durante o período 1957-61 o PIB cresceu à taxa anual de 8,2% o que significou uma
elevação de 5,1% ao ano da renda per capita
34
, e foi consolidado um parque industrial complexo
e diversificado. Contudo, o crescimento acelerado na produção de bens de consumo duráveis
demandou uma maior oferta de bens de produção, que por não ser produzida domesticamente,
acaba por pressionar o Balanço de Pagamentos exigindo maiores importações. Ocorre, portanto,
um vazamento de estímulo que i se concretizar nas economias centrais ofertantes destes bens de
produção. As agroexportações não eram capazes de gerar as divisas internacionais para atender as
necessidades de importações, devido a sua baixa elasticidade. Novamente o ponto de
estrangulamento referente à baixa capacidade de importar aflige a economia brasileira. Recorre-
se ao recurso do financiamento externo, adicional à receita das exportações:
“A solução encontrada... foi o recurso ao capital
estrangeiro, sob a forma de investimento direto, de capital de
risco. A famosa Instrução 113, da gestão Gudin, forneceu o
modelo: investimentos diretos sem cobertura cambial, que foi
utilizada à exaustão pelo Governo Kubitschek. Assim, entrou
praticamente todo o capital destinado à indústria
automobilística, construção naval e outros setores
contemplados no Plano de Metas, como o que, para um curto
período e nestas condições, solucionava-se o problema do
financiamento externo da acumulação de
capital”.(Oliveira,1977, p. 84)
A essa nova forma de financiamento do processo de substituição de importações,
associada ao capital internacional, Francisco de Oliveira batizou de “restauração Kubitschek”, um
padrão de relações centro-periferia num patamar mais alto da divisão internacional do trabalho do
sistema capitalista. Sua singularidade foi instaurar uma crise recorrente de Balanço de
Pagamentos, que se expressa na contradição entre uma industrialização voltada para o mercado
interno, mas financiada ou controlada pelo capital estrangeiro e a insuficiência de geração de
34
Ver Orenstein & Sochaczewski. A Ordem do Progresso, p.179, 1990.
41
meios de pagamento internacionais para fazer voltar á circulação internacional de capitais a parte
do excedente que pertence ao capital internacional.(Ver Oliveira, 1977, p. 87).
As novas crises dos Balanços de Pagamentos são distintas das tradicionalmente ocorridas
na primeira forma da relação centro x periferia (já expostas), que eram, rigorosamente, crises da
circulação internacional de mercadorias. Agora, sob o novo padrão, as crises são da circulação
internacional do dinheiro:
“A crise que se abre... não é uma crise de realização
de produção, embora para alguns ramos industriais,
dependentes do consumo popular, isso também ocorresse, é
uma crise já de concentração, em primeiro lugar, uma crise
gerada pela contradição entre um padrão de acumulação
fundado do DIII e as fracas bases internas do DI, e, em última
instância, uma crise de realização dos excedentes internos que
não podem retornar à circulação internacional de dinheiro-
capital...” (Oliveira, 1977, p.92)
Esse padrão de financiamento se estenderá até a década de 1970, exigindo reestruturações
da economia em momentos quando este ponto de estrangulamento (a baixa capacidade de
importar) se impôs como limite. Sob essa forma de financiamento, a industrialização foi capaz de
conduzir o capitalismo brasileiro a um esquema de expansão cujos estímulos emanassem do
próprio sistema, sem que isso significasse o enfraquecimento dos laços da dependência, que sob
este novo padrão tornaram-se mais estreitos.
O fato de haver uma forma de financiamento externo adicional não significa um abandono
da antiga funcionalidade das exportações, pelo contrário, os influxos de capitais, ao criarem um
passivo em divisas internacionais, aumentam as exigências futuras de saída de moeda forte. O
setor externo da economia brasileira não sofre mudança significativa nas suas funções. Antes era
fator diretamente responsável pelo crescimento da renda, através do aumento das exportações, a
partir da industrialização passou a ser decisivo no processo de diversificação da estrutura
produtiva, mediante a importações de equipamentos e bens intermediários. Como formulou
Conceição Tavares (1983, p. 224):
42
“Se examinarmos as características apontadas de um
ângulo mais amplo poder-se-ia dizer que a mudança na
divisão do trabalho social (ou consignação de recursos) que
involucra o processo de industrialização, tal como se
apresentou na região, não foi acompanhada de uma
transformação equivalente na divisão internacional do
trabalho”.
A manutenção da inserção brasileira na divisão internacional do trabalho, como economia
agroexportadora, conserva problemas relacionados à produção de gêneros alimentares, com
implicações diretas no acesso da população àqueles bens necessários a sua subsistência.
2.4 - A permanência do déficit alimentar
Conforme já abordado, os estímulos à produção dos bens agroexportáveis, proporcionados
pela elevação da demanda e do preço, implicam na redução do cultivo de produtos agrícolas
voltados para o consumo doméstico, restringindo a oferta de alimentícios, elevando ou não
provocando a queda desejada no custo de subsistência da população, especialmente a assalariada.
A questão aqui levantada da rivalidade entre produtos exportáveis e alimentícios não se
insere em uma análise estática, no sentido de que o crescimento de um implique necessariamente
na redução absoluta do outro. A análise desenvolvida do ponto de vista dinâmico busca comparar
as taxas de crescimento. Portanto, é necessário investigar se a maior produção de gêneros
alimentícios foi acompanhada por um aumento na produtividade destes, capaz de reduzir o custo
de subsistência do trabalhador.
Apesar de a crise de 1929 ter deteriorado profundamente os termos de troca da economia
brasileira e engendrado o desenvolvimento da produção interna de manufaturas, a produção de
bens agroexportáveis segue a desempenhar papel fundamental na economia brasileira,
viabilizando o fechamento do balanço de pagamentos e a importação dos bens necessários à
economia do País. A compra de excedentes e estoques de café visando a defesa do seu preço
43
internacional, praticada durante o Governo Vargas, se insere nessa racionalidade, procurando
defender as receitas em divisas internacionais para se evitar o colapso tanto do Balanço de
Pagamentos quanto do sistema econômico.
Contudo, a ruptura do funcionamento do modelo primário-exportador, promoveu um certo
relaxamento nas antigas relações Centro X Periferia, possibilitando um avanço no cultivo de
gêneros alimentícios, frente aos produtos de exportação. Apenas como indicativo, é possível
estabelecer a comparação entre o cultivo dos gêneros alimentícios e exportáveis, tomando dois
produtos básicos da dieta brasileira, o arroz e o feijão
35
, representativos do primeiro grupo, e os
dois principais produtos da pauta de exportação no período
36
, o café e o algodão.
Entre 1931 e 1947 a soma da área colhida de café e algodão aumentou em 10,12%,
enquanto a soma da área colhida de arroz e feijão cresceu em 61,6% (IPEA). O crescimento das
produções de arroz e feijão é significativamente superior ao aumento da população no período:
segundo dados do IBGE, a população brasileira salta de 35.984.904 habitantes em 1931 para
47.958.915 em 1947, crescendo 33,27%; conforme dados do IPEA para o mesmo período, a
produção de arroz cresce 140,74%, e a de feijão 52,26%, resultando num aumento da oferta por
habitante destes alimentos. Contudo, a análise circunstanciada dos dados nos fornece indícios de
que este aumento na produção se deu sem ganhos expressivos de produtividade por hectare,
significando que o aumento na oferta não foi acompanhado por uma redução proporcional nos
custos de produção, ou na quantidade de horas socialmente necessárias à produção destes bens.
35
“Os Produtos de Consumo Doméstico: O arroz e o feijão o produtos básicos da dieta brasileira. O milho, a
cultura mais extensamente cultivada, é usada na alimentação e animal. Em conjunto, esses três produtos constituem a
base das necessidades domésticas de alimentação”. (Dias, Pastore, de Castro, 1982, p.64)
36
Ver Baer, Werner, 1966, p.36.
44
TABELA 1 –
PRODUTIVIDADE DOS GENÊROS ALIMENTÍCIOS – TONELADAS/HECTARES –
1931-1947
Fonte: IPEADATA
Metodologia: Produção de Arroz, Feijão e Milho em toneladas, dividida pela área colhida
dos mesmos.
Período: 1931-47
Os dados permitem deduzir que o aumento na produção se predominantemente de
forma extensiva, ou seja, pelo aumento na área cultivada, inclusive com a incorporação de terras
menos produtivas, equivalendo a um acréscimo da oferta a custos crescentes. A introdução de
técnicas produtivas mais complexas, através do processo de substituição de importações em
curso, engendrava um aumento na produtividade para o conjunto do sistema econômico nacional,
em especial na produção de manufaturas, mas que não se reproduzia de forma proporcional na
produção de gêneros alimentícios. Cria-se então uma resistência na redução do custo de
subsistência do trabalhador, fomentando a concentração de renda pela forma desigual como os
ganhos de produtividade atingem as diferentes classes sociais.
Período
Arroz Ton/Hec
Produtividade
Feijão Ton/Hec
Produtividade
Milho Ton/Hec
Produtividade
1931
1,499211788 1,315777178 1,498421136
1932
1,404894664 0,900528678 1,550143471
1933
1,371170942 0,849996381 1,288743454
1934
1,468680695 0,80315475 1,327003308
1935
1,439872318 0,935948924 1,455510442
1936
1,367152207 0,880160284 1,47765567
1937
1,387909695 0,879675718 1,489828845
1938
1,562441508 0,852610985 1,307003868
1939
1,380007418 0,78545775 1,231550725
1940
1,514221932 0,788194858 1,248874983
1941
1,686468152 0,935658674 1,322336256
1942
1,776936395 0,857029731 1,29982465
1943
1,618643554 0,85660737 1,214551883
1944
1,478420192 0,772520294 1,35925697
1945
1,432928803 0,699939254 1,184382464
1946
1,676170954 0,701354531 1,322290694
1947
1,572617383 0,660616787 1,272838726
45
Gráfico 1
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
2
Ton/Hectare
Produtividade Alimentícios
Arroz
Feijão
Milho
A análise da evolução dos preços neste período corrobora essa conclusão. A inflação do
custo de vida no que se restringe a alimentos no Rio de Janeiro, entre 1930 e 1945, foi 36,5%
superior a alta dos preços ao consumidor nesta cidade
37
.
Durante os anos do pós-Guerra a conjuntura internacional restabelece níveis de demanda
mais favoráveis aos produtos exportados pelo Brasil, interrompendo o crescimento do cultivo dos
gêneros alimentares a taxas expressivamente superiores a dos exportáveis. Entre 1947 e 1962 a
evolução da área colhida para os produtos tomados como amostra dos exportáveis (café e
algodão) foi similar a dos representantes dos gêneros alimentares (arroz e feijão).
37
Fonte: IPEADATA e A Ordem do Progresso, Abreu (1990).
46
Gráfico 2
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
7000000
8000000
9000000
Hectare
Alimentares X Exporveis 1947-62
Exportáveis
Alimentares
Área colhida
No que se refere à produção, o café tem um desempenho significativamente superior às
demais culturas (particularmente a partir de 1959). De 1947 a 1962 a produção de algodão se
eleva em 84,75%, a de arroz 114%, feijão em 63,34%, enquanto a de café cresce 362,33%
38
. O
expressivo aumento na produção de café, relativamente às demais culturas, desproporcional às
diferenças de crescimento entre as áreas colhidas, indica o aumento de produtividade concentrado
na cafeicultura. No ano de 1962 a relação entre a produção em toneladas de algodão dividida pela
área colhida em hectares era 32% superior a de 1947; para o café a elevação desta relação,
comparando os mesmos anos, foi de 150,16%; já para o arroz o aumento na produtividade
(toneladas/hectare) foi de apenas 5,48%, enquanto o feijão sofre uma variação negativa (–4,8%)
nesta relação
39
.
Os ganhos de produtividade auferidos pelos produtos eleitos como representantes dos
gêneros alimentares são incapazes de engendrarem uma redução no custo de subsistência dos
trabalhadores brasileiros, impossibilitando a maior participação destes últimos no produto através
de ganhos reais de salário.
38
Fonte: IPEADATA
39
Fonte: IPEADATA
47
Conforme já abordado previamente, através das formulações de Furtado (1961), esse
processo, fomentador da concentração de renda, resulta do desenvolvimento capitalista no Brasil
dar-se essencialmente através da substituição de importações de manufaturas, internalizando
técnicas de produção existentes em outros países “mais desenvolvidos”, mas concentrando o
processo de inovações tecnológicas e aumento de produtividade nos setores industriais, ficando
os bens-salário (agrícolas) marginalizados desse processo. Tal diagnóstico subsidiou prognósticos
“estagnacionistas”, pois ao deprimir a renda restringi-se também o consumo na economia,
retirando seu dinamismo. Contudo, essa previsão não se confirmou, as elevadas taxas de
crescimento no período demonstraram antes uma simbiose entre concentração de renda e
crescimento, ao invés de uma incompatibilidade. A chave para a compreensão desta simbiose é a
inflação brasileira, cuja engenharia foi desvendada pelas teses de Ignácio Rangel (1963).
2.5- A inflação brasileira
Rangel (1963) identifica o cerne do problema da industrialização brasileira com a
manutenção da estrutura da propriedade da terra. A exemplo de Furtado (1961), define o
capitalismo brasileiro pelo seu caráter particularmente concentrador de renda, contudo, valendo-
se de instrumental teórico mais heterodoxo, identifica tal perfil com a superexploração da força
de trabalho.
“A circunstância de que a industrialização capitalista
do Brasil teve início sem prévia reforma agrária criou para o
capitalismo brasileiro condições especiais de
desenvolvimento, caracterizadas por uma elevada taxa de
exploração que tende a elevar-se mais ainda, à medida que
aumenta a produtividade do trabalho, não compensada por
paralela elevação dos salários... a elevada taxa de exploração
do sistema tende a exprimir-se em baixa propensão a
consumir, que carece de ser compensada por uma elevada
taxa de imobilização... Nestas condições a economia é
48
particularmente sensível às variações da taxa de
imobilização. A inflação emerge como recurso heterodoxo,
mas eficaz, para manter elevada a taxa de imobilização,
quando esta manifesta tendência a declinar”. (Rangel, 1963,
p.49).
Rangel diagnosticou que a estrutura excessivamente concentrada da terra no Brasil
formou um oligopsônio-oligopólio, que age com se monopsônio-monopólio fosse (cuja
existência se justifica pela não realização da reforma agrária), com poderes de mercado
ampliados, por comercializarem bens de baixa elasticidade-preço, como por exemplo, os bens
agrícolas que se encaixam na definição de bens-salário. Dada a imprescindibilidade destes bens
para a subsistência, a elevação de seus preços força os consumidores a empenharem uma maior
fatia da sua renda para a sua aquisição em detrimento da compra de outros bens, provocando uma
redução no salário real e, como efeito, a redução na demanda por bens de maior elasticidade-
preço, chamados por Rangel (1963) de bens que seu consumo pode esperar até o próximo
reajuste salarial”.
As empresas produtoras destes bens “menos essenciais” sofrem então processo de
formação de estoque involuntário, gerando um “aumento do realizável a custo do
disponível”(Rangel,1963). Em busca de liquidez estas recorrem ao sistema financeiro
demandando crédito, que por sua vez apela ao Estado requerendo maior liquidez.
Portanto, o aumento da liquidez não é causa da inflação, como queriam (e ainda querem)
os monetaristas, mas sim conseqüência desta. A inflação na realidade é uma defesa criativa,
“criada no bojo da economia e não no gabinete do Ministro da Fazenda” (Rangel, 1963), contra a
depressão, dado que a corrosão da riqueza sobre a forma monetária, provocada pelo processo
inflacionário, reduz a preferência pela liquidez forçando a elevação na taxa de inversão.
“A emissão é necessária, nas presentes condições
brasileiras, para que os preços subam; a elevação dos preços
é necessária, para que se deprima a preferência pela liquidez,
do sistema; a depressão da preferência pela liquidez é
necessária, para que a taxa de imobilização do sistema se
49
mantenha; a sustentação da taxa de imobilização é
necessária, para que o vel geral da atividade econômica se
sustente, por sua vez, contrariando a tendência para a
depressão, implícita na crescente acumulação de capacidade
ociosa”. (Rangel, 1963, p.135).
A inflação na economia brasileira estimulou os investimentos desempenhando o papel que
caberia à demanda nas economias desenvolvidas, o que não ocorre no Brasil devido a
superexploração da força de trabalho, que sistematicamente reduziu o salário real, comprimindo
uma potencial demanda por parte dos que vivem de salário (parcela majoritária da população). O
aumento na liquidez fomenta investimentos ainda que apresentem eficiência marginal do capital
baixa, pois com uma taxa de juros real negativa, basta que a inversão tenha rentabilidade superior
à perda provocada pelo processo inflacionário para que esta se efetive.
Demonstrando capacidade preditiva, Rangel (1963) alerta quanto aos perigos desse
sistema. Afirma que se não encontrado outro meio para estimular a taxa de inversão, que não a
inflação, esta pode se tornar galopante, devido à criação constante de capacidade ociosa, levando
a uma inflação de custos juntamente com estagnação econômica. A solução seria o
fortalecimento do sistema financeiro e da bolsa de valores, geradores de uma oferta de capitais, e
a reversão desta oferta para setores ainda embrionários da economia nacional, possibilitando
rentabilidade favorável aos investidores e desenvolvimento econômico.
A tese de Rangel (1963), que não recebeu a devida atenção no período de sua
publicação
40
, mais do que desvendar as causas da inflação brasileira, demonstra que o processo
de industrialização não necessariamente passa pela inclusão social. Aponta a possibilidade do
desenvolvimento capitalista sem a existência de um mercado de massa, viabilizado pelo
aprofundamento da concentração de renda.
A inflação foi a solução encontrada pela economia para dar continuidade ao processo de
acumulação e ampliar a massa de salários e empregados, através da redução na taxa de salário.
Nesse sentido a inflação era uma saída menos nociva que a crise, foi o escape à estagnação que
40
Celso Furtado, referindo-se a A Inflação Brasileira (1963) de Rangel: “É muito difícil a gente saber exatamente
qual a importância de um livro que sai. Só com o tempo que se vai decantando. Mas quando saiu o livro, eu senti que
era um enorme esforço para pensar, que saía das trilhas comuns...Depois se escreveu tanto sobre isso, você fica,
digamos assim, admirado de não ter percebido na época que havia uma contribuição mesmo original. O que é
original não se sabe logo não.” (Rego & Mamigonian, 1998)
50
estaríamos fadados, sem distribuição de renda, segundo Furtado (1961). Contudo, se esse modelo
possibilitou o crescimento econômico, o desenvolvimento social, que se esperava vir como
corolário, permanecia distante. O aprofundamento das desigualdades sociais forçou os
intelectuais brasileiros a repensarem o desenvolvimento. A precária qualidade de vida em que se
encontrava boa parte da população brasileira colocou em xeque o projeto nacional-
desenvolvimentista.
2.6 - Autoritarismo, concentração de renda e endividamento.
Com o golpe militar em 1964, os mecanismos de arrocho salarial e concentração de renda
transcendem o caráter estrutural do capitalismo brasileiro e passam a fazer parte da política
econômica. O principal instrumento à superação da crise que se abateu sob a economia brasileira
ao final do Plano de Metas foi a compressão salarial, como apontam Tavares e Serra (1971):
“... um dos problemas mais importantes, ou seja, o dos
recursos necessários ao financiamento de novos investimentos
e à expansão da demanda de bens duráveis (com evidente
repercussão sobre a relação produto-capital das industrias
correspondentes), foi resolvido, no fundamental, pela
compressão salarial”. (Tavares & Serra, p.605, 1971).
Também apontado por Francisco de Oliveira (1977) como a variável chave para a
reestruturação da economia brasileira durante o PAEG
41
:
“Como resolver os problemas do financiamento da
acumulação de capital, externa e internamente? Como
resolver os problemas de pagamento internacional, que o
padrão de acumulação recria ampliadamente de forma
inusitada? Internamente, um velho remédio, em desuso
41
PROGRAMA DE AÇÃO ECONOMICA DO GOVERNO 1964/1967
51
apenas nos manuais, é reativado em escala ampla e
abrangente: a contenção dos salários, cuja possibilidade se
dá pelo desmantelamento, em primeiro lugar da coalizão
política anterior, e em segundo pela intervenção dos
sindicatos, posto sob controle do Governo”. (Oliveira, p.93,
1976).
A partir de 1964 a Circular 10 passa a regulamentar as condições para os reajustes
salariais do setor público, e em meados de 1965 é estendida ao setor privado. A fórmula para o
cálculo do reajuste era composta pelo salário médio real (dos últimos 24 meses anteriores ao
reajuste), mais a taxa de produtividade, somada a metade da inflação programada pelo governo
para o ano seguinte (resíduo inflacionário). A circular estabelecia também o princípio da
anuidade para os reajustes. O mecanismo era utilizado pela ditadura militar para viabilizar a
corrosão salarial, através da fixação do resíduo inflacionário aquém da inflação efetiva. No ano
de 1966, por exemplo, o resíduo foi de 10% e a inflação de 38%
42
.
O PAEG foi capaz de contornar os problemas inerentes ao modelo de desenvolvimento
capitalista do Brasil, visando justamente que se pudesse voltar a crescer sem alterar questões
estruturais como a distribuição da propriedade (principalmente da terra) e da renda, as relações
com o capital internacional, a inserção brasileira na divisão internacional do trabalho e o padrão
de acumulação vigente.
A manutenção e aprofundamento do padrão de acumulação com ênfase na produção de
bens de consumo duráveis, sem o desenvolvimento proporcional de uma oferta doméstica de bens
de capital (sendo o processo conduzido por empresas estrangeiras), voltado para atender ao
mercado interno, só fizeram aumentar as necessidades de divisas internacionais. Esta necessidade
será atendida através do estímulo às exportações e do crescente endividamento, que assumia um
caráter “bola de neve”, pois uma vez que o processo de industrialização não tinha nenhum
mecanismo de geração de meios de pagamentos internacionais, a única maneira de pagar o
passivo passado - as importações de bens de capital e as transferências de lucros, juros e
dividendos - era através de um endividamento maior.
42
Abreu, Marcelo de Paiva, A Ordem do Progresso, 1990.
52
O realinhamento com a política externa norte-americana, a partir do golpe militar de 1964,
permitiu relações ainda mais promíscuas com o capital internacional. Conforme explicam
Tavares e Serra (1971, p 604), o governo lograva atrair capital estrangeiro de curto prazo
(Instrução 289) com o propósito de alimentar a recuperação das indústrias dominantes, promovia
o desenvolvimento de uma série de empresas financeiras privadas e preparava os novos projetos
de solidariedade entre o capital estrangeiro de longo prazo e o Estado (em minerais,
equipamentos, petroquímicas, construção naval, transporte, energia elétrica). Esse processo foi
acompanhado de uma crescente desnacionalização, visto que não apenas as empresas estrangeiras
eram mais capazes, como também obtiveram enormes facilidades para internar recursos
financeiros.
Serão estas reformas combinadas a um cenário de abundante liquidez internacional o
qual permitiu um relaxamento do estrangulamento econômico advindo da baixa capacidade para
importar-, somadas a uma política econômica abertamente expansionista, que viabilizam um
novo ciclo de expansão econômico durante os anos de 1968-73, exibindo a exuberante média
anual de 11,2% de crescimento real do PIB (máximo de 14% em 1973)
43
.
Além do recurso à divida externa, a economia brasileira se valerá também de um esforço
desesperado de exportações, visando solucionar a contradição entre o processo de expansão de
realização interna controlada por propriedade externa e a exportação de estímulos para o
Departamento I das economias capitalistas centrais. Nesta direção foram concedidas isenções
fiscais, juros favorecidos e maior crédito ao setor agrícola, estimulando a exportação de produtos
primários. A taxa real de crescimento médio do crédito rural, no período foi de 21,2% e a média
simples das taxas de juros reais anuais foi negativa (-5,8%)
44
.
O crescimento acelerado da economia brasileira sob este padrão agiu como catalisador das
contradições e problemas já expostos:
“... a expansão do Departamento III (bens de consumo
duráveis), já em si mesma um sinal de concentração de renda,
levou essa concentração a um ponto em que a expansão do
Departamento II o da produção de bens de consumo não
43
Abreu, Marcelo de Paiva, A Ordem do Progresso, 1990.
44
Abreu, Marcelo de Paiva, A Ordem do Progresso, 1990.
53
duráveis – passa a depender, de novo, da exportação, e a
repousar, pelo menos hipoteticamente, na exportação de
produtos agropecuários. Isto quer dizer que essa expansão do
DIII penalizou fortemente o crescimento dos salários reais
dos trabalhadores...” (Oliveira, 1977, p.100)
Frente ao primeiro choque do petróleo (1973), que inviabilizará o aprofundamento do
padrão de acumulação em bens de consumo duráveis, a política econômica brasileira busca
conciliar um ajuste do balanço de pagamentos com a manutenção de elevadas taxas de
crescimento do PIB, a partir de um projeto de substituição de importações na área de bens de
capital e insumos básicos. A compatibilização dos dois objetivos cobrou uma aceleração do
endividamento externo, especificamente por uma expansão mais rápida do endividamento
público em moeda estrangeira, e uma ampliação no esforço exportador, como explicam Belluzzo
& Almeida:
“As mencionadas condições gerais de crédito, juros e
câmbio, favoráveis à captação de recursos em moeda
estrangeira, não eram, porém, compatíveis com o reequilíbrio
da balança comercial e com o financiamento do investimento
privado previsto no plano de desenvolvimento em curso (II
PND). Assim, foram sendo criadas políticas especiais para a
agricultura, exportações e substituição de importações... No
setor agrícola foram estimuladas as culturas de exportação,
notadamente a de soja, em detrimento das culturas voltadas
para o mercado interno”. (1992, p.33).
Passados 40 anos de industrialização a questão da rivalidade entre a produção para
mercado doméstico e exportações, e o decorrente déficit na oferta de gêneros alimentares, não foi
equacionada, mas aprofundada pelas próprias características (já expostas) inerentes ao
desenvolvimento capitalista industrial brasileiro. As crescentes necessidades de divisas
internacionais tornam imperativa a realização de um esforço exportador, cujo ônus incidirá
54
majoritariamente sob a parcela da população com menor poder aquisitivo, em decorrência da
inserção brasileira na divisão internacional do trabalho. As conclusões de diversos estudos sob o
tema, desenvolvidos no início dos anos 1980, corroboram a permanência e aprofundamento do
problema.
Fernando Homem de Melo, que se dedicou profundamente ao estudo do tema, afirma:
“... a utilizão de políticas estimuladoras das
exportações agrícolas deve aumentar a produção de
exportáveis em detrimento das culturas de mercado interno
(domésticas), favorecer certos agricultores e regiões em
relação a outros (as), assim como deve aumentar o preço real
de alimentos e introduzir um efeito negativo que atinge os
consumidores de menores rendas. A própria definição de
regras sobre a posse e uso da terra, durante nosso período
colonial e na sua evolução ao longo do tempo, moldaram uma
estrutura agrária concentrada – no sentido de posses de terras,
de poder político e da existência de sistemas de controle e de
repressão – que por sua vez, fortemente condicionou e limitou
as oportunidades de ganhos de renda por parte de uma
ponderável parcela da população, como, aliás, ainda o faz no
presente.”(1982, p.88)
Em trabalho intitulado O problema alimentar no Brasil
45
, Melo compara o aumento na
produção de produtos para consumo doméstico à produção de produtos exportáveis durante os
decênios de 1960 e 1970. Os dados referentes aos anos 1960 registram uma flagrante disparidade
entre a evolução da cultura de soja e as demais. Durante os anos 1970 essa tendência se
aprofundará pela deterioração no desempenho das culturas domésticas e pelo crescimento
excepcional de culturas voltadas para o mercado externo, como a produção de laranja, além da
própria soja.
45
Mello, Fernando Homem de: O problema alimentar no Brasil, ed. Paz e Terra 1983.
55
Tabela 2
Mercado Interno versus Exportação
Mercado Interno Exportação
1960-1969 1970-1979 1960-1969 1970-1979
Arroz 3,2% 1,5% Soja 16,3% 22,5%
Feijão 5,4% -1,9% Açúcar 3,6% 6,3%
Milho 4,7% 1,7% Cacau 2,5% 3,7%
Batata 4,3% 3,7% Café -7,1% -1,5%
Mandioca 6% -2,1% Laranja 6% 12,6%
Extraído: Mello, Fernando Homem de: O problema alimentar no Brasil, ed. Paz e Terra 1983.
José Pastore, Guilherme L. Silva Dias, Manoel Cabral de Castro em “Condicionantes da
Produtividade da Pesquisa Agrícola no Brasil” (1982), também comparam à produção agrícola
voltada para mercado interno versus externo. Ao definirem os setores, afirmam:
“Os Produtos de Exportação: O café, a cana-de-açúcar
e o algodão vêm desempenhando um papel altamente
relevante na economia brasileira; abem pouco tempo, estes
três produtos eram responsáveis por cerca de 2/3 do valor
total das exportações. Como é sabidamente reconhecido, até
recentemente a situação do balanço de pagamentos no Brasil
esteve intimamente relacionada com o grau de desempenho
desses produtos. Graças a esta situação privilegiada, a política
relativamente a eles sempre foi bem definida, envolvendo,
conforme o momento, a tomada de medidas ou para estimular
a produção ou para sustentar os preços.” (Dias, Pastore, de
Castro, 1982, p.44).
Tais dados corroboram a incapacidade do processo de industrialização no Brasil em
alterar nossa inserção no comércio internacional, desempenhando ainda as exportações de bens
primários um papel fundamental quanto ao financiamento de nossa economia. Em função desta
56
relevância tais produtos foram alvo de políticas específicas que estimularam seu cultivo ao longo
deste período. Em contraposição, no referente aos bens agrícolas voltados para o consumo
doméstico, afirmam os autores:
“Os Produtos de Consumo Doméstico: O arroz e o
feijão são produtos básicos da dieta brasileira. O milho, a
cultura mais extensamente cultivada, é usada na alimentação
e animal. Em conjunto, esses três produtos constituem a base
das necessidades domésticas de alimentação. A despeito de
sua importância, a ciência e a tecnologia têm feito muito
pouco para incrementar sua produtividade e qualidade. Na
verdade, os gastos de pesquisa foram pequenos no caso do
arroz, e quase inexistentes em relação ao feijão. Quanto ao
milho, foram substanciais, mas seus resultados, embora
favoráveis, têm praticamente se circunscrito aos campos
experimentais.”(Dias, Pastore, de Castro, 1982, p.64)
A ausência de pesquisas, inovações tecnológicas e investimento configura a
marginalização do setor produtor de bens-salário, no que se refere aos ganhos de produtividade
auferidos pela economia brasileira no período. Esta marginalização inviabiliza a queda no custo
de reprodução da força de trabalho, engendrando um sistema econômico particularmente
perverso por seu perfil excessivamente concentrador de renda.
Dias, Pastore & de Castro (1982) registram ainda que o rendimento do arroz por hectare
no Brasil é um dos mais baixos do mundo, tendo os níveis de produtividade se caracterizado por
grandes instabilidades e tendências crescentes de diminuição
46
. Segundo os autores, a produção
de feijão retrata uma situação extremamente dramática, pois se verifica que os níveis de
produtividade do país o baixos em demasia - especialmente se se levar em conta o de países
como Estados Unidos, México e Japão - e as séries históricas revelam que esses níveis de
produtividade vêm apresentando quedas significativas nos últimos 40 anos
47
. Mesmo no caso da
46
Dias, Pastore, de Castro, 1982, p.64
47
Dias, Pastore, de Castro, 1982, p.71
57
produção de milho, que durante o período 1953/70 auferiu importantes ganhos de produtividade
em São Paulo, efetivamente, essa produtividade encontra-se ainda 1/3 abaixo daquela obtida nos
países mais avançados
48
.
José Roberto Mendonça de Barros no texto “Agricultura e Energia: Notas Introdutórias ao
Dilema dos Anos 80” (1982) afirma, que nada marca mais a performance da agricultura brasileira
no decênio de 1970 do que o rápido crescimento dos mercados de exportação e seus reflexos
sobre o próprio setor primário
49
.
“O bom desempenho das exportações agrícolas,
entretanto, impõe alguns ônus à economia, traduzidos,
essencialmente, por uma redução relativa na produção de
alimentos básicos... A redução relativa da produção de
alimentos, o crescimento da população, da urbanização e do
nível de renda traduziram-se em pressões sobre o custo da
alimentação.”(Barros, 1982, p.14)
Visando demonstrar a pressão exercida no custo dos alimentos, em decorrência desta
redução relativa em sua produção, Barros (1982) tomou uma cesta básica de produtos agrícolas,
composta por arroz, feijão, mandioca, batata inglesa e trigo, que na época correspondia a 55,4%
da ingestão de calorias das famílias pobres do município de São Paulo (segundo o próprio autor),
com o objetivo de verificar a evolução da oferta doméstica per capita da calorias fornecidas por
este grupo de produtos, bem como seu preço.
48
Dias, Pastore, de Castro, 1982, p. 74
49
Barros, 1982, p.12
58
Tabela 3
Produção e Preços de Calorias a Partir de Cinco Produtos Agrícolas, Brasil, 1962-79
Notas: (a) Para procedimentos metodológicos veja-se MENDONÇA DE BARROS, J. R.
(1979)
(b) Deflator: Índice 2 da Conjuntura Econômica, FGV.
Fonte: (Barros, 1982)
Barros (1982) explica que para a construção do índice, a produção brasileira, em
toneladas, foi transformada a partir de coeficientes técnicos no equivalente em calorias passíveis
de serem fornecidas à população. Como não foram consideradas as importações, os dados
apresentados não refletem a disponibilidade total, mas apenas a disponibilidade a partir da oferta
doméstica: não foram feitos ajustes para variações de estoques, por falta de informações. Assim,
a oferta de calorias deve ser interpretada com cuidado, representando apenas o máximo potencial
da oferta local. Como não se está interessado em discutir o consumo efetivo em determinado
instante do tempo, mas apenas a tendência da produção e do preço do produto local, o
Prod.(1.000 cal. Preços Correntes Preço Constantes
Ano per capita/ano) (Cr$/cal. 10 a 6) (Cr$ de 1962)
1962 523,75 10 10,0
1963 561,44 14 8,0
1964 608,72 21 6,3
1965 630,77 28 5,3
1966 559,74 49 6,8
1967 616,89 60 6,5
1968 618,05 69 6,0
1969 607,31 85 6,1
1970 626,75 106 6,4
1971 613,23 126 6,3
1972 592,89 159 6,8
1973 551,76 263 9,7
1975 525,90 586 13,2
1976 568,31 863 13,8
1977 565,64 1.183 13,2
1978 519,97 1.580 12,8
1979 517,50 2.398 12,6
1980 523,00 4.143 11,5
59
procedimento utilizado é defensável. O total de calorias produzidas dividido por uma estimativa
da população (obtida a partir de resultados do Censo de 1980) a oferta per capita (mais uma
vez, trata-se da oferta definida acima). Dividindo o valor total da produção pelo total de caloria,
obtém-se uma estimativa do preço de oferta destas calorias. Barros (1982) ressalta que não se
trata do preço ao consumidor, mas apenas de uma indicação do preço ao nível da fazenda.
Finalmente deflacionou-se o custo por caloria, pelo índice geral de preços (Índice “2” da
Conjuntura Econômica). Ressalva-se mais uma vez que houve apenas a preocupação de avaliar a
evolução de quantidades e preços, e não medir nível de consumo, quantidade e preços ao
consumidor.
O fato de a produção per capita/ano de calorias se encontrar em 1980 nos mesmos
patamares de 1962 é sintomático do processo que vem sem sendo explorado nesse trabalho,
caracterizado como uma deficiência estrutural existente em todo o período analisado.
2.7-Conclusão
A formação econômica brasileira e sua conseqüente inserção no mercado mundial
impuseram ao Brasil restrições à redução no custo de reprodução da força de trabalho. A herança
colonial, gravada na genética da economia brasileira, privilegia a produção voltada para mercado
externo em detrimento do mercado interno, principalmente no que tange a produção agrícola,
devida à própria inserção da economia brasileira no comércio internacional. Essa particularidade,
que se revela como vicissitude, se associa ao que Caio Prado Jr. categorizou como o sentido da
colonização.
O avanço do desenvolvimento capitalista na economia brasileira não foi capaz de superar
esse modelo. Antes o contrário, as novas necessidades (principalmente por moeda internacional)
exigidas pelo avanço da divisão social do trabalho tornaram essa relação ainda mais complexa,
conservando sua essência e restabelecendo-a em patamares mais elevados.
Como decorrência, não são obtidos ganhos de produtividade satisfatórios nos setores
produtores de bens de subsistência, engendrando os expostos reflexos negativos na renda da
grande massa da população, ao inviabilizar as reduções no valor da força de trabalho na
velocidade necessária.
60
Esse modelo tende a limitar a ampliação da geração de mais-valia, pois, conforme exposto
na introdução desse capítulo, somente os ganhos de produtividade nessa massa de meios de
subsistência permitem a exploração da força de trabalho através da mais-valia relativa. A solução
encontrada para que essa particularidade da economia brasileira não se configurasse entrave ao
desenvolvimento capitalista foi o desenvolvimento de mecanismos de superexploração da força
de trabalho, como a funcionalidade da inflação exposta por Ignácio Rangel (1963), permitindo a
ampliação da massa de mais-valia.
Esse modelo permitiu o exuberante avanço das forças produtivas através da substituição
de importações e industrialização, desempenhando elevadas taxas de crescimento desde a década
de 1930 até o final da década de 1970. Contudo, o desenvolvimento social, que se esperava vir
como corolário, permanecia distante. Mais do que sua velocidade de crescimento a economia
brasileira tinha como estigma seu caráter particularmente concentrador de renda.
Capítulo 3
O fim do padrão de financiamento e a acentuação da miséria
3.1 – O fim do padrão de financiamento
O final da década de 70 marca também o final de uma era para o Brasil, assim como para
a maioria dos países latino-americanos, característica por elevadas taxas de crescimento e
expressivas transformações estruturais. Como ressaltado anteriormente, a conjuntura
internacional, mesmo após o primeiro choque do petróleo (1973), possibilitou à política
econômica a manutenção das taxas de crescimento, senão no mesmo patamar, mas a uma média
anual elevada (em torno de 7%), viabilizado em grande parte pela abundante liquidez
internacional patrocinada pelos petrodólares.
Porém, o financiamento para garantir os investimentos públicos e privados, que
asseguraram o crescimento econômico, não foi obtido sem contrapartida: uma maior
61
vulnerabilidade da economia brasileira, através não do aumento da massa da dívida como
também pela deterioração de sua composição.
Os ventos que impulsionavam a economia brasileira a uma alta velocidade, não só perdem
força como mudam sua direção em um curto espaço de tempo.
“Os sinais da deterioração do quadro mundial, até
então favorável à estratégia expansionista, deram o ar de sua
graça em 1978, quando se acentuaram as tensões sobre o
dólar nos mercados cambiais e as taxas de juros
internacionais saltaram de 6% para 8% ao ano. O crescente
endividamento externo da economia brasileira e a excessiva
exposição dos bancos credores ao risco Brasil determinaram o
encurtamento dos prazos dos empréstimos e financiamentos e
a subida dos spreads, calculados sobre a LIBOR e sobre a
prime rate americana... O ano de 1979 marco o início do fim
do padrão de financiamento externo que sustentou, por mais
de uma década, o crescimento e o precário regime de baixa
inflação na América Latina. Foi em outubro de 1979 que o
chairman do Federal Reserve, Paul Volker, decidiu impor ao
mundo e, particularmente, aos países devedores a carga da
defesa do dólar e da estabilização da economia americana. O
enfraquecimento do dólar como padrão monetário
internacional obrigou os Estados Unidos a um exercício
extremo de poder, concentrado na defesa da função de reserva
universal de sua moeda nacional. Esse movimento significou,
sobretudo para os países endividados, a irrupção de crises
cambiais e fiscais profundas, acompanhadas da ameaça da
destruição de seus respectivos sistemas monetários
nacionais... Entre outubro e novembro de 1979, o choque veio
em dose dupla. Primeiro, a brutal elevação das taxas de juros
americanas; logo depois, um novo reajuste dos preços do
62
petróleo. Esses dois fatores adversos determinam
simultaneamente: a) a ampliação da vulnerabilidade do
balanço de pagamentos, por conta do aumento das despesas
com pagamentos de juros e dos maiores gastos com a
importação de petróleo; b) um novo “choque de preços”, que
iria transmitir os seus efeitos pelos mecanismos de indexação
que contaminavam de forma generalizada a economia
brasileira.”(Belluzzo & Almeida, 2002, p.10/11)”.
Tabela 4
Dívida Externa Brasileira, 1978-1983
(Em US$ milhões)
Ano Dívida Externa Bruta Dívida Externa Líquida
1978 43.511 31.616
1979 49.904 40.215
1980 53.848 46.935
1981 61.411 53.904
1982 70.198 66.204
1983 81.319 79.756
Notas: (1) vida de dio e longo prazos no final do ano. Inclui dívida externa não garantida;
(2) Dívida bruta menos reservas internacionais brutas das autoridades monetárias.
Fonte: (Batista Jr., 1988, p.237)
Em um período de apenas 5 anos a dívida externa bruta têm uma elevação de
aproximadamente 87%,e a dívida externa líquida teve seu valor multiplicado mais de duas vezes
e meio.
Os choques no preço do petróleo e dos juros americanos desencadearam fortes pressões
no Balanço de Pagamentos brasileiro. Se analisarmos o saldo da balança comercial por setores da
economia, no referente ao petróleo bruto, em 1978 o Brasil sustentava um déficit de US$
63
4.063.702, saltando para US$ 6.263.525 em 1979, US$ 9.327.420 em 1980 e culminando com o
saldo negativo de U$ 10.603.996 no ano de 1981, como demonstra Casseb (1995).
Em 1979 a participação do dólar americano em relação percentual com as demais divisas
internacionais na composição da dívida externa brasileira, correspondia a 75,8% do total,
conforme Batista Jr. (1988). Pode-se então deduzir as proporções dos efeitos das elevações na
taxa de juros norte-americana no custo médio da dívida externa:
Tabela 5
Custo Médio da Dívida Externa Brasileira
em Termos Nominais e Reais, 1978-1983
Discriminação
1978 1979 1980 1981 1982 1983
1)Pagamentos Líquidos de Juros
(US$ milhões)
2.696 4.186
6.311
9.161
11.353
9.555
2)Dívida Externa Líquida (US$ milhões)
24.781
31.616
40.215
46.935
53.904
66.204
3)Custo Médio em Termos Nominais
(1/2) (Em Percentagem)
10,9
13,2
15,7
19,5
21,1
14,4
4) Inflação nos EUA (Em Percentagem)
7,4
8,6
9,2
9,4
6,0
4,2
5)Custo Médio em Termos Reais
(3/4) (Em Percentagem)
3,3
4,2
6,0
9,2
14,2
9,8
Notas: (1) Dívida bruta de médio e longo prazos menos reservas internacionais brutas. Saldos de
início de anos; (2) Deflator implícito do PNB; (3) Se i representa o custo médio em termos
nominais, p o crescimento do deflator do PNB e r o custo médio em termos reais, i= r + p + rp;p
Dado preliminar.
Fontes: (Batista 1988)
Como afirmava Keynes, quando a grande maioria das expectativas se concentra em torno
de uma mesma opinião, os recursos disponíveis ao Estado para atuar em um sentido contrário são
limitados, podendo sua política tornar-se inócua. No caso de países periféricos como o Brasil
64
onde a moeda nacional é “fraca” “no sentido de que não gozam de boa ou nenhuma reputação
como instrumentos de denominação de liquidação de transações internacionais”, (Belluzzo &
Almeida, 2002, p.18), a impotência do Estado na reversão de expectativas frente a tais
circunstâncias é ainda maior.
O crescente serviço da dívida externa brasileira alimenta a expectativa dos credores de
não cumprimento dos contratos por parte do governo brasileiro, assim como para a maioria da
América Latina, acabando por elevar ainda mais o custo de captação de crédito, alimentando um
processo de “profecia que se autocumpre”: como os credores avaliam que os empréstimos para
economias como a brasileira são de alto risco, pois há uma expectativa de grande possibilidade de
calote, estes (credores) elevam o custo de captação e reduzem o investimento, tornando a moeda
estrangeira (necessária ao pagamento das obrigações) ainda mais escassa, impossibilitando o
rolamento da dívida e levando estas economias em última estância à insolvência.
Durante o período de 1979-1982 ainda “foi possível financiar parcialmente, por meio do
mercado voluntário de crédito, o desequilíbrio do balanço de pagamentos... Isso se fez por meios
de créditos em condições mais restritivas, recorrendo-se inclusive a empréstimos de curto prazo...
a participação da dívida de curto prazo na dívida total aumenta de 10,5% em 1979, para 21,5%
em 1982”. (Carneiro, 2002, p.124).
As transferências de recursos reais, através de elevados superávits na balança comercial,
desempenharam papel central como forma de compensar a desestabilização do balanço de
pagamentos provocado pela elevação no serviço da dívida.
“Na formação do déficit em transações correntes, os
juros assumem papel primordial, elevando a sua participação
de 51,5% em 1979, para 87,5% em 1982. Simultaneamente, o
déficit em transações correntes reais reduz sua participação de
41,4% em 1979, para 9,5% em 1982, sendo acompanho nos
dois últimos anos por superávits comerciais. Entre 1979 e
1982, a natureza financeira do déficit em transações corrente
é, portanto, inquestionável com a carga de juros tornando-se o
seu principal componente”. (Carneiro, 2002, p.123).
65
No entanto, o esforço no sentido de se obter superávits comerciais, cujas conseqüências
serão abordadas mais adiante, não bastou, forçando a economia a incorrer em queima de reservas
internacionais. As reservas líquidas internacionais das autoridades monetárias brasileiras que
eram de US$ 11.535 em 1978, reduzem-se a US$ -2.332 em 1982 (Batista Jr., 1988, p.239).
Como ressaltam Belluzzo & Almeida (2002), outro recurso importante para “honrar”
serviços da dívida no processo de ajustamento no início dos anos 80, é a sua estatização, de forma
que o setor privado descarregasse a dívida com o exterior em agências como o Banco Central e
em títulos públicos com cláusula de reajuste pela variação cambial. Desta forma os juros pagos
pelo governo ao setor privado substituem a função dos déficits primários, permitindo a proteção e
ampliação da riqueza privada, uma vez que este passa a constituir positivamente a equação do
lucro privado. Houve também neste período (80-83), através de políticas de “desvalorizações” de
dívida, absorção pelo setor público das dividas privadas e cancelamento dos haveres estatais.
Porém, o processo que viabilizou o reequilíbrio privado foi o mesmo que inviabilizou o setor
público.
A partir de setembro de 1982 o México decreta moratória , desencadeando a crise da
dívida externa e esgotando o processo de financiamento em moeda estrangeiro, patrocinado pelos
bancos comerciais internacionalizados.
“A partir de então, a década foi marcada pelo
predomínio das políticas de ajustamento patrocinadas pelo
FMI, convocado para socorrer os graves distúrbios que
acometiam os balanços de pagamentos dos países devedores.
Mas a missão principal do Fundo era a de impedir o colapso
dos sistemas bancários entre eles o norte-americano que
tinham, em suas carteiras, uma proporção elevada de
empréstimos à periferia” (Belluzzo & Almeida, 2002, p.13).
Restou a economia brasileira como formas de financiamento em divisas internacionais,
os empréstimos coordenados pelo FMI e os superávits comerciais. A política econômica deveria
se direcionar no sentido de elevar os superávits comerciais de forma que estes representassem
força geradora de recursos suficientes a cobrir os déficits de fatores e não fatores.
66
Conforme Carneiro (2002), durante o período de 1983-84 foi possível acumular reservas,
dado os elevados superávits comerciais e os empréstimos compulsórios (FMI) que cobriam parte
do serviço da dívida.
Já durante 1985-86 a acentuada queda no financiamento e a redução dos superávits
comerciais, resultado do reaquecimento da demanda interna, fez necessária a redução no nível
das reservas internacionais, como forma de cumprir as obrigações em moeda estrangeira.
O ano de 1987 se caracteriza pela recuperação parcial do superávit comercial e por fortes
transferências, devido ao pagamento quase integral dos juros atrasados. Apesar de a transferência
de recursos reais superar a financeira, sua diferença é marginal, resultando em um acumulo de
reservas pouco expressivo US$700 milhões.
O biênio 1988-89 expressa a recuperação do superávit comercial, atingindo patamares dos
megasuperavits de 1984, porém marcado pela “transferência de recursos reais ao exterior sem
precedentes, por conta do pagamento dos atrasados aos bancos comerciais e... em razão da
amortização de uma parcela da dívida.” (Carneiro, 2002, p.129)
67
Tabela 6
Déficit em transações correntes (US$ bi), 1983-89
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
Transações
Correntes
(6,8) (6,8) (0,2)
(5,3)
(1,4)
(4,2)
1,5
a) Trans.
Reais
5,1 12,1
11,7
6,9
10,0
17,7
15,0
Balança
Com.
6,5 13,1
12,5
8,3
11,2
19,2
16,1
Serviços e
Prod.
(1,3) (1,0)
(0,8)
(1,5) (1,2)
(1,5) (1,1)
a) Rendas
de Cap
(11,0) (11,5) (11,3) (11,1) (10,3) (12,1) (12,2)
b) Outros
Serv.
(1,1) (0,7) (0,9) (1,1) (1,2) (1,5) (1,3)
c) Transf.
Unilaterais
0,1 0,2
0,1 0,1 0,1 0,1 0,2
Fonte: (Carneiro, 2002, p. 129)
3.2 Acentuação da miséria
Analisando os dados e afirmações fornecidas, a década de 1980 seja talvez a mais fecunda
no sentido de ilustrar o argumento de que o agravamento do problema da dívida externa tem de
ser compensado por crescentes superávits comerciais, exacerbando os conseqüentes problemas de
escassez de alimentos. Durante a década de 1980, com o cessar, ou ao menos redução, dos fluxos
de capitais estrangeiros, nota-se que excluindo as transferências unilaterais (que não constituem
aqui objeto de estudo), em toda a conta de transações correntes somente a balança comercial se
apresenta como fonte de divisa externa e meio de viabilizar a solvência da economia brasileira.
68
No entanto, o que pode parecer óbvio, porém comumente ignorado, é o fato de que este
superávit comercial tem de ser patrocinado por uma redução na oferta para mercado interno, seja
pela redução nas importações, ou pela maior produção voltado ao mercado externo em
detrimento do mercado interno. Os anos de maior crescimento econômico foram justamente os de
pior resultado para a balança comercial, forçando o recurso a queima de reservas internacionais.
Tabela 7
Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas (% a.a)
1981-1989
Períodos PIB Consumo Exportação Importação
1981-83 -2,1 -2,2 8,0 -12,0
1984-86 7,0 6,4 5,3 7,7
1987-89 2,1 1,3 12,3 1,5____
Fonte: (Carneiro, 2002, p.146)
Afirmam Belluzzo & Almeida:
“...a discriminação básica que corresponde ao ajustamento
da economia brasileira nos anos 80 é entre ativos cuja
produção é destinada a exportação e ativos voltados à
produção dirigida ao mercado interno” (Belluzzo &
Almeida, 2002, p.166).
A racionalidade desta decisão pode ser analisada em dois âmbitos: micro e
macroeconômico, ambos respondendo pela funcionalidade maior do sistema que é a lei do valor.
No capitalismo a produção será organizada em favor do processo de valorização do capital, sendo
o atendimento ou não das necessidades sociais uma decorrência desta.
No plano que podemos denominar microeconômico, as decisões do produtor, seguindo a
lei do valor, serão guiadas pela rentabilidade, ou taxa de retorno. Como amplamente difundido
69
na literatura econômica, na década de 1980 os preços na economia brasileira passam por um
processo de indexação, em maior ou menor grau de acordo com o poder de mercado de cada
produtor. Se esta indexação busca não perder poder de compra, uma maneira eficaz de se
proteger da corrosão inflacionária é tendo seus preços cotados na moeda estrangeira, ou seja,
através da produção para o mercado externo.
A decisão de produção para mercado interno só ira se efetuar quando o produtor conseguir
manter uma rentabilidade equivalente a que teria se estivesse produzindo para mercado externo,
portanto este terá de promover ganhos em seu mark-up, visando os preços para mercado externo
ou câmbio (indexação), acarretando elevação dos preços, mesmo resultado produzido pela
redução de oferta para mercado interno. Esse processo exclui do acesso a estes bens aqueles
consumidores de menor poder aquisitivo, ou ao menos reduz o seu consumo.
“A incerteza e o risco podiam apenas ser compensados
do ponto de vista microeconômico (ou ‘socializados’) através
de uma formação de preços dos produtores para o mercado
interno que resultasse mark-up capazes de ir assegurando a
igualação, na margem, da retribuição pelo uso dos ativos
deslocados para a produção doméstica vis-à-vis os ativos
utilizáveis para a produção destinada ao mercado externo.”
(Belluzzo & Almeida, 2002, p.172)
O processo produtivo no capitalismo visa produzir valor-de-troca e não valor-de-uso, diz
respeito ao processo de valorização de capital, ou se preferirmos, o capital migrará para onde a
sua taxa de retorno, ou eficiência marginal do capital, for maior.
Outro fator determinante na decisão da produção mercado interno versus externo, foram
os incentivos concedidos pelo governo de forma a promover as exportações, inseridos em uma
racionalidade macroeconômica. Como exposto anteriormente, os superávits na balança
comercial foram imprescindíveis para o fechamento do balanço de pagamentos, portanto, mesmo
que implique em redução no consumo, queda no ritmo de crescimento do PIB, e perda de poder
aquisitivo por grande parte da sociedade, a política macroeconômica atuará no sentido de
favorecer o processo de valorização mundial do capital.
70
Com as crescentes transferências, fruto dos serviços da dívida externa, faz-se necessário
um incentivo crescente na organização do processo produtivo voltado à exportação, viabilizando
a geração de meios de pagamento internacionais para fazer voltar a circulação internacional de
capitais a parte excedente que “pertence” ao capital internacional (ver Oliveira, 1977).
“Eis uma dimensão da questão externa que não
mereceu a devida atenção: as transferências ao exterior
concorrem para agravar a crise financeira e de financiamento
do setor público, determinam assimetrias na rentabilidade e
risco de ativos, comprometeram a produção doméstica com a
exportação e impuseram limites a importação...” (Belluzzo &
Almeida, 2002, p.178)
Há, no entanto, outro aspecto desta produção voltada para mercado externo em detrimento
do mercado interno que tem de ser ressaltado. Como apontava Oliveira (1977), a
industrialização brasileira desenvolveu-se visando atender ao mercado interno, usualmente
empregando tecnologias obsoletas para a produção quando comparadas com as economias
centrais. Como decorrência fez-se uso de políticas protecionista para garantir o desenvolvimento
desta indústria. O significado de se utilizar tecnologias obsoletas é ter o tempo de produção
superior ao socialmente necessário no plano mundial, ou se preferirmos, as empresas residentes
nas economias centrais por possuírem tecnologia mais avançada gozam de custos de produção
inferiores, sendo mais competitivas que as instaladas em território nacional.
Um parque industrial nestes moldes limita a possibilidade de superávits comercias através
da exportação destes bens (industrializados), salvo as exceções onde o Brasil conseguiu
desenvolver a chamada tecnologia de ponta”. Porém, conforme já abordado, a agricultura
brasileira encontra-se inserida no mercado mundial desde a origem de nossa economia.
Ao analisarmos as taxas de crescimento anual do PIB setorial em percentagem durante a
década de 80, observamos que no período 1981-83 a agropecuária cresce 2,4% a.a. frente uma
queda de –5,4% a.a. desempenhada pela produção industrial; entre 84-86 agropecuária cresce
1,5% a.a. enquanto indústria cresce 9% a.a; durante 1987-89 agropecuária tem um crescimento de
5,5% a.a. e a industria 0,2% a.a. (Carneiro, 2002, p.154).
71
Como sabemos os resultados referentes ao período 1984-86 correspondem à elevação do
consumo interno e no PIB, ressaltando também que a base comparativa para indústria era muito
baixa, justificando os 9% atingidos.
O fato principal é como a relação das variações destes dois setores se assemelha à das
exportações e consumo interno. Os dados sobre a evolução da indústria representam uma
evidência empírica de que esta responde em sua maioria ao mercado interno, como já abordado
anteriormente. Nos anos em que o consumo interno foi comprimido e em que houve recordes nos
superávits comerciais, a indústria obteve um desempenho pífio quando não decréscimo. no
período de reaquecimento do mercado interno, a indústria correspondeu com um expressivo
crescimento anual de 9%.
Pode-se alegar ainda que a agricultura poderia se beneficiar igualmente do aumento da
demanda interna simplesmente revertendo sua oferta para o mercado doméstico. Isso não ocorre
porque os produtos agropecuários que se destinam para o mercado externo não são os mesmos
consumidos no mercado interno, não são os chamados bens-de-salário. Historicamente as
plantações de café, soja, etc. crescem substituindo a plantação de culturas como arroz, feijão,
batata, etc., devido à maior rentabilidade abordada anteriormente.
Carneiro (2002) ao analisar a balança comercial aponta as diferenças entre estes setores:
“De qualquer modo, o mercado externo representou
uma fonte de crescimento estável para a produção agrícola,
especialmente para certos segmentos” (Carneiro, 2002,
p.155)... Note-se, para a indústria produtora de insumos
elaborados ou de bens de capital, a inserção pouco se alterou
durante a década” (Carneiro, 2002, p.160)
A análise da pauta de exportações brasileira pode induzir à conclusão de que as
exportações não são fonte de restrição à oferta interna de bens-de-salário, dado que os produtos
exportados não se integram a esta classificação, porém essa análise ignora a disputa pela terra,
que deprime a produção e por conseqüência a oferta interna destes bens-salário, e não permite a
redução no custo de reprodução da força de trabalho, ou custo de vida do trabalhador.
72
Salama (1985) em um artigo que visa analisar justamente este ponto para o bloco dos
países subdesenvolvidos afirma:
“A segunda fonte de penúria alimentar é a mais
importante. Ela é provocada por aquilo que se decide produzir
e por quem produz. A produção para a exportação faz-se em
detrimento da produção para o mercado interno, tanto a nível
das áreas consagradas à produção quanto a nível das
condições de crédito. Observa-se, geralmente, que o
desenvolvimento da agricultura para a exportação é
acompanhado de um crescimento da dependência alimentar...
a produção para mercado interno cresce pouco no Brasil,
chega mesmo a haver um queda “per capita(década de 70);
a produção para os mercados externos assiste a uma
progressão inversa.” (Salama, 1985, p.82)
A citação corrobora a afirmação de que a produção agrícola para mercado interno segue
uma crescente deterioração acompanhada da evolução da dívida externa.
Para aumentar a participação do assalariado na renda total da economia, não pelo
aumento da massa de salários, mas, principalmente, do salário real, os bens-de-salário têm de
desempenhar ganhos de produtividade elevados comparativamente aos da média da economia. O
que se observa no caso do Brasil não são ganhos de produtividade insuficientes como recuos
na produtividade, com demandas sociais, referentes a esses bens, visivelmente crescentes.
Conforme Luque & Chahad (1990):
“A produção de alimentos básicos diminuiu cerca de
10,4% desde 1977 (para 1990). Mais acentuadamente, houve
quedas nas produções de feijão e mandioca, da ordem de
28,9% e 24,8% respectivamente. Em oposição, a produção de
exportáveis cresceu 17,94% nos últimos dez anos até 1987.
Somente a produção de cana-de-açúcar cresceu 70% no
73
período de 1977/1987. Em termos de preços, observa-se um
crescimento maior do custo dos alimentos básicos,
relativamente ao próprio custo de vida em particular... Esses
resultados revelam uma situação dramática para expressivos
contingentes da população brasileira, principalmente aqueles
com baixos níveis de rendimento, nos quais o ônus da
alimentação no orçamento doméstico é alto... A conseqüência
tem sido a impossibilidade de os indivíduos nesses segmentos
satisfazerem plenamente suas necessidades alimentares
básicas, causando déficits acentuados em termos nutricionais,
além de outras seqüelas”. (Luque & Chahad, 1990, p.43)
74
Tabela 8
Alimentos Básicos: Índice de Produção “Per Capita”
(1977 = 100)
Ano Arroz Feijão Milho Mandioca
Batata Alimentos
Básicos(1)
Exportáveis(2)
Cana
1975
90,81 104,56 89,03 105,72 91,58 97,41 90,31 80,0
1976
111,1 82,31 94,41 100,5 106,56 99,48 93,81 88,0
1977
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1978
79,18 93,51 68,78 95,84 103,66 84,51 85,30 104,97
1979
80,43 90,91 80,65 91,69 100,19 86,82 90,28 110,17
1980
100,99 79,81 98,30 84,08 95,06 91,57 118,52 115,02
1981
82,9 92,64 99,37 85,68 91,41 90,23 116,43 117,66
1982
95,72 112,12 100,31 82,10 99,25 91,94 106,40 137,46
1983
74,27 59,57 83,93 72,70 83,16 76,47 109,75 155,23
1984
84,55 96,59 92,58 69,74 96,46 81,48 117,02 155,96
1985
82,45 91,44 93,95 73,28 84,38 82,58 132,14 169,14
1986
92,77 77,69 85,54 79,04 77,58 83,20 105,29 159,26
1987
91,57 71,15 109,77 75,20 95,70 89,60 117,94 170,66
Extraído de Chahad e Cervini (1988), cap.2.
(1) Alimentos básicos: arroz, feijão, milho, mandioca, batata.
(2) Exportáveis: algodão, amendoim, fumo, soja, cacau, laranja.
(3) Estimativas preliminares
Fonte: (Luque & Chahad, 1990, p.44)
Observados os dados da tabela acima, restam poucas dúvidas quanto à involução da
produção dos bens-salário, assim como sua causalidade com o aumento na produção voltada ao
mercado externo.
Aventar a possibilidade de suprimento desta deficiência de oferta via importações de
bens-salário não leva em conta a racionalidade macroeconômica do incentivo às exportações: a
necessidade de se realizar superávits comerciais como fonte geradora de divisas internacionais,
garantidoras da solvência do país frente às obrigações da dívida externa.
75
Que o aumento do serviço da dívida externa tenha de recair, em última estância, sobre
“os ombros dos trabalhadores” configura um fato recorrente em nossa história: a “socialização”
das perdas, que repetidamente são impostas às mesmas classes sociais.
3.3 Conclusão
Novamente a análise dos dados e diversos autores apresentados nesse capítulo corroboram
a tese de que o avanço das relações capitalistas na economia brasileira não superou o que Caio
Prado Jr chamou de sentido da colonização. O esgotamento do processo de substituição de
importações e a crise da dívida externa forçaram para patamares mais elevados e complexos o
velho mecanismo que impede a redução do valor da força de trabalho, através do incentivo às
exportações, principalmente agrícolas, com as conseqüentes restrições na oferta e preço dos
alimentos no mercado interno.
Ressalta-se também o agravamento dos efeitos nocivos desse modelo de
desenvolvimento, em função do esgotamento do padrão de financiamento e da perda da
funcionalidade da inflação para o crescimento econômico. Na realidade esses dois fatores
representam o esgotamento do próprio modelo de desenvolvimento que engendrou o processo de
industrialização na economia brasileira.
A viabilidade de um novo modelo possível a partir da década de 1990, pela reinserção
da economia brasileira no circuito financeiro internacional.
76
Capítulo 4
Conclusão
O intenso crescimento econômico desempenhado pelo Brasil ao longo do século XX o
converteu em uma das economias mais densas e diversificadas do mundo
50
. Esse processo, no
entanto, foi incapaz de livrar o País do estigma do subdesenvolvimento, que repousa sobre a
supina concentração de renda e desigualdade social, objeto de diversos estudos clássicos da
história do pensamento econômico e sociológico brasileiro.
Para as teorias econômicas convencionais e dominantes o subdesenvolvimento é sinônimo
de atraso, e a “modernidade” está associada ao avanço das relações capitalistas. Uma economia
capitalista se distingue de uma simples economia de mercado pelo fato de as relações mercantis
não estarem mais determinadas e limitadas pelas necessidades de saciar o desejo por consumo de
valor de uso. Sobre a égide desse sistema o processo de trabalho tem de estar voltado para
atender ao aparecimento do valor como algo que se pretende absoluto, no sentido de que a sua
expansão quantitativa torna-se o seu único objetivo.
Este trabalho aponta para a conclusão de que as características determinantes do
subdesenvolvimento brasileiro se associam à formação econômica brasileira e sua conseqüente
inserção no mercado mundial, que privilegiam a produção voltada para mercado externo em
detrimento do mercado interno, principalmente no que tange a produção agrícola, impondo
limites à redução no custo de reprodução da força de trabalho. Nesse sentido as origens da
desigualdade social residem na esfera da produção e não na da circulação de mercadorias.
A análise dos dados e estudos ao longo do trabalho se dedicou a demonstrar que a
decisão de “o que e para quem” produzir dentro do sistema econômico brasileiro, em particular
na produção de produtos agrícolas exportáveis, sempre primou pelo atendimento da lei do valor,
a expansão e valorização do capital. Delegada às decisões privadas e individuais, seus produtores
sempre foram orientados pelo e para o lucro. Mesmo quando alvo de políticas públicas, essas
foram predominantemente no sentido de aprofundar essa tendência, inseridas na racionalidade de
incentivar exportações para garantir divisas internacionais e viabilizar o processo de valorização
de capital em escala global.
50
Conforme dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o Brasil ocupa a 8º posição no
ranking das maiores economias do mundo pelo critério de paridade de poder de compra (PPP), e o 10º em milhões de
US$ correntes, ver http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r220307-PIB-IBGE.pdf.
77
Os entraves estruturais à redução do custo de reprodução da força de trabalho induzem a
ocorrência da superexploração desta, o que confere ao capitalismo brasileiro um caráter
particularmente concentrador. Esse processo deriva do desejo das decisões privadas e individuais
e, portanto, não pode ser revertido pelas livres forças de mercado. Antes ao contrário, sua
reversão passa necessariamente pela mediação do Estado que, através de políticas públicas, deve
estimular a produção zelando pelo interesse coletivo.
A concentração de renda e o próprio subdesenvolvimento brasileiro não são fruto da “falta
de capitalismo”, mas sim de uma organização produtiva cujos desejos privados e individuais
imperam e se sobrepõe a qualquer forma de interposição do interesse público e coletivo,
subsumindo-os.
É, portanto, a regência absoluta da lei do valor que limita a própria superação do
subdesenvolvimento.
78
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INDICE DE TABELAS
Tabela 1 – Produtividade dos gêneros Alimentícios – Toneladas / Hectares – 1931 – 1947 p. 44
Tabela 2 - Mercado Interno versus Exportação p. 55
Tabela 3 - Produção e Preços de Calorias a Partir de Cinco Produtos Agrícolas, Brasil, 1962-79
p. 58
Tabela 4 - Dívida Externa Brasileira, 1978-1983 p. 62
Tabela 5 - Custo Médio da Dívida Externa Brasileira em Termos Nominais e Reais, 1978-1983
p. 63
Tabela 6 - Déficit em transações correntes (US$ bi), 1983-89 p. 67
Tabela 7 - Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas (% a.a) 1981-1989 p. 68
Tabela 8 - Alimentos Básicos: Índice de Produção “Per Capita” p.74
INDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Produtividades Alimentícios p. 45
Gráfico 2 – Alimentares X Exportáveis 1947 - 62 p. 46
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