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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
GEPLL – GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO
EXPERIÊNCIAS DE LEITURA DE LEITORES
JOVENS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIA
MATO GROSSO
Rosana Campos Leite
Cuiabá,MT
2006
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ROSANA CAMPOS LEITE
EXPERIÊNCIAS DE LEITURA DE LEITORES
JOVENS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIA
MATO GROSSO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso, com requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Educação.
Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira
(Orientadora)
Cuiabá,MT
2006
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BANCA EXAMINADORA
Banca Examinadora:
Orientadora
Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
__________________________________
Banca Interna
.
.
__________________________________
Banca Externa
.
.
__________________________________
Suplente
.
.
__________________________________
Cuiabá, .... de ................ de 20......
Dedico esta dissertação
A quem sempre compartilhou
Meus pensamentos, sentimentos e espaços de leitura:
Roberto M.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal de Mato Grosso, por permitir que os livros e as
leituras amontoados juntos a minha cama tivessem um sentido maior.
À Escola Presidente Médici, seus professores e seus jovens alunos e em
especial à Profª. Edna Baetz, pelo acolhimento ao seu imenso campo de pesquisa.
À todos os acadêmicos, vozes múltiplas de assuntos vários com quais tive
a honra de conviver durante as disciplinas do Mestrado. Em especial, Ana Paula,
Leila e Neily.
À Luisa, na presteza da pessoa e no cuidado incansável com o Programa
de Pós Graduação em Educação.
Aos professores do Programa, em especial, Prof. Dr. Nicanor Palhares de
Sá, profa. Dra. Simone Albuquerque da Rocha, profa. Dra. Cancionila Janzkovsky
Cardoso, Profa. Dra. Jorcelina Elisabeth Fernandes pelas aulas e pela forma de
conduzir os “leitores” do Programa de Mestrado.
Ao exponencial Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes, pela presença refinada,
inteligente e acolhedora desde o início do Mestrado.
À Tereza Ferreira e Zeca (Dionísio) por acompanharem, mesmo que de
longe, as minhas experiências de leitura.
À Vera Campos e Ricardo Campos, irmãos com os quais carrego
lembranças, sentimentos e histórias de leitores comuns.
A minha mãe, Marlene Campos Leite, com quem compartilho confiança
mútua, amor e amizade irrestrita no coração.
Ao meu pai, Rubens de Castro, leitor e poeta das minhas primeiras
caminhadas com os livros.
Ao Prof. Mestre Rosemar Coenga, pelo amizade e incentivo desde que
cheguei à Cuiabá. Suas palavras, referenciais de leitura e de vida em muito
contribuíram e conciliaram com o meu pensamento.
À Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira
Assim como os livros, algumas pessoas nos
envolvem em seus destinos e percursos desvelando-
nos milhares de páginas.
A esta minha mais profunda gratidão.
Tudo na vida é conceituação e ela difere de homem para
homem.
Sendo cada cabeça um mundo e uma sentença, cada
pessoa procura enxergar e analisar as cousas pelo ângulo de suas
próprias conveniências, ou de acordo com suas afinidades
pessoais.
E esta disparidade de pontos de vista sobre determinados
assuntos é tão comum à humanidade, como a sucessão rotineira
dos dias e das noites, na esteira infinita do tempo.
Em consciência, ninguém neste mundo tão cheio de
complexidades, poderá se tornar em arauto disto ou daquilo,
avocando para si qualidades e poderes quase supremos que não
possui, capazes de apontar o certo e o errado, o bom e o ruim, o
bonito e o feio, o verdadeiro e o falso.
Não existindo padrão definido de cousa alguma, pois
ninguém sabe realmente com exatidão seus caracteres e medidas
perfeitas, nem seu efetivo valor, nem sobre sua autenticidade, tudo
a esse respeito gira em torno das suposições.
Rubens de Castro
RESUMO
A presente dissertação trata da relação entre leitura e leitores jovens dos primeiros
anos do Ensino Médio de uma escola pública de Cuiabá-MT. Por isso, a
investigação sobre práticas e gestos de leitura constitui-se como foco central para
que se possa examinar experiências e gostos relacionados ao ato de ler.
Foi feita uma breve revisão da literatura, onde se procurou estudar pensadores que
de modo significativo abordaram, ou trataram ainda que indiretamente, a questão
da leitura e das práticas de leitura.
As questões orientadoras da pesquisa são: Qual é o lugar e o significado das
experiências de leitura para cada indivíduo? Quais práticas de leitura caracterizam
a juventude? O que pensam jovens leitores sobre suas experiências de leitura?
Como é o universo leitor do jovem em relação as práticas de leitura evidenciadas
em outras épocas?
Para tal, desenvolvemos um capitulo que trata sobre a história da juventude,
fazendo recortes desde a juventude na Grécia Antiga aos dias atuais. O capítulo
seguinte procurou trabalhar o conceito de leitor e suas formas de ler.
A pesquisa foi realizada em Cuiabá e durante um bimestre foram coletados dados
através do uso de entrevistas em questionários semi-abertos e fechados visando
desvelar sujeitos leitores na juventude.
Mesmo vivendo hoje um cotidiano que insiste em reafirmar as dificuldades em
encontrar o jovem leitor ou o aluno leitor, e principalmente próximo à literatura e
aos livros, percebe-se que as experiências de leitura de cada um são significativas.
As leituras da juventude carregam, portanto, um referencial essencial para a
formação do leitor adulto.
Pretendemos com este trabalho buscar verificar práticas de leitura por quais se
orientam os jovens. Práticas que ocorrem nos espaços da escola ou situações
particulares e privadas de leitura apontam-nos um pouco sobre as escolhas de
leitura. Estas marcadas por situações de encantamento, distração e fuga do
presente. Mas também, orientadas e desenvolvidas por um caminho da
obrigatoriedade e do dever presente no cotidiano escolar.
Palavra-chave: experiências de leitura, leitores e literatura infanto-juvenil.
ABSTRACT
The present dissertation deals with the relation between reading and young readers
from first years in a secondary public school located in Cuiabá-MT. So the
investigation about reading practice and reading gesture means the central focus to
examine the experience and tastes related to the reading act. A brief revision of
literature was made, in witch the mainly those philosophers were study in a
significant way focused or at least deal with, even in an indirect way, the reading
and reading practice purpose. The research was guided by the following questions:
What is the place and the meaning of reading experiences to each person? Which
reading practice characterize the youth teenagers? What do young people think
about their reading experiences? How is universe from de young reader according
to the reading practice evidenced from other time? For it, we developed a chapter
dedicated to the history of youth from the teenagers who lived in Greece until up to
day. The following chapter tried to show the concept of reader and his way of
reading. This research was done in Cuiabá and during a school bimester were
collected informations though the interviews with questionnaire and subjective open
questions trying to show readers and their readings in the youth. Even though living
today a routine that insist in restate the difficulty to find a young reader or a reader
student, and especially close to the literature and the books, we can note that
reading experiences from each one are significant. The youth readings carry, so, an
essential reference to the adult reader education. We intend with this work research
to check the reading practice that the young follow in their lives. Practices that
happen between the spaces from the school or particular situation and private
reading show us a little about their readings choices. These readings are evidently
by delighted situations, distraction and escape from the present. But it is shows and
developed by an obligation way and the homework present on the school routine.
Key words: Reading Experiences, Readers and Youth Literature.
The Magdalen Reading
Before 1438
WEYDEN, Roger Van Der
SUMÁRIO
1
15
15
1.1
A definição do método e o caminho traçado.....................................................................
15
1.2
O problema de pesquisa e o referencial teórico-metodológico..................................
17
1.3
O local e os Sujeitos de Pesquisa..............................................................................
19
1.3.1
Perfil dos Jovens...........................................................................................................
21
1.4
Instrumento de Pesquisa: o uso da entrevista..............................................................
26
30
30
2.1
Jovens: questão etária e inserção no mundo adulto......................................................
32
2.2
Juventude: limites e representações da idade juvenil......................................................
33
2.3
Jovens e crianças: os ajustes para a maioridade.........................................................
37
2.4
Jovens e a educação: disciplina, rebeldia e excessos juvenis......................................
40
54
54
3.1
Imagens de leitura: a leitura e os sentidos que dela se aproximam...............................
54
3.2
O ato de ler em diferentes épocas.................................................................................
65
3.3
O leitor com o texto diante dos olhos..............................................................................
71
3.4
Ler para aprender: saberes úteis....................................................................................
77
3.5
A leitura e seus caminhos de encantamento...................................................................
81
3.6
Leitura e literatura juvenil..................................................................................................
90
101
101
4.1
Leituras disciplinares...........................................................................................................
102
4.1.1
Leituras obrigatórias.........................................................................................................
102
4.1.2
Leituras literárias................................................................................................................
109
4.1.3
Leituras complicadas.........................................................................................................
116
4.1.4
Leituras indicadas..............................................................................................................
122
4.1.5
Leituras utilitárias.............................................................................................................
124
4.1.6
Leituras necessárias........................................................................................................
129
4.2
Leituras particulares.........................................................................................................
133
4.2.1
Leitura divertimento...........................................................................................................
136
4.2.2
Leitura pessoal....................................................................................................................
137
4.2.3
Leitura encantada....................................................................................................................
146
4.2.4
Leitura preferida....................................................................................................................
151
4.2.5
Leitura poder............................................................................................................................
154
4.2.6
Leitura midiática............................................................................................................................
157
166
171
181
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................
CAPÍTULO III...............................................................................................................................
O LIVRO, O LEITOR E SUAS FORMAS DE LER...............................................................
CAPÍTULO IV..................................................................................................................................
CAPÍTULO I................................................................................................................................
DESCREVENDO O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DO MÉTODO....................................
CAPÍTULO II..............................................................................................................................
SITUAÇÔES IMPRESSAS NA HISTÓRIA DA JUVENTUDE..........................................
A LEITURA SEGUNDO OS JOVENS......................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGFICAS.......................................................................................
ANEXOS......................................................................................................................................
A Boy reated Drawing
Probably 1700 – 1800
VAILLANT, Wallerant, after
INTRODUÇÃO
Histórias e mais histórias das minhas experiências de leitura
As questões que se colocam nessa pesquisa podem ser tratadas através
das seguintes questões: Como se constituem as leituras da juventude enquanto
referencial significativo para a formação do leitor adulto? Quais leituras, atitudes e
maneiras de ler fazem parte do universo desse leitor? Quem é o leitor jovem e quais
os interesses desse no campo da leitura?
Caso tenhamos em mente que o tempo de leituras de estudo é o mesmo das
leituras ditas mais livres, temos que refletir que um tempo onde se aloja a leitura
escolarizada e outro dedicado às leituras de gosto particular.
Ao enveredarmos pelo campo das práticas de leitura, buscamos o caminho
das experiências de cada indivíduo. E, num entrecruzamento entre a história da
juventude e a história da leitura, procuramos uma fundamentação que acomode as
escolhas que permeiam uma leitura juvenil. Nesse sentido, caminhos da
obrigatoriedade e do dever também caminham em paralelo com leituras prazerosas
e de intimidade.
As crises em torno do ato de ler e, principalmente quando ligado ao livro
tradicional de literatura, faz-nos surgir em meio a uma série de debates. O aluno
aquilo que é indicado pelo professor? A leitura recomendada é desvinculada de
prazer? Quem lê tece uma história desde a sua infância e juventude?
O que propomos neste trabalho é uma aproximação com esse universo de
leitura dos jovens na nossa contemporaneidade. Assim, tendo em vista que nossas
histórias de leitura passadas passam a trilhar nossas histórias de leituras futuras,
teço um pouco do meu percurso enquanto criança e jovem.
2
Desfrutar a presença de um livro ou de uma leitura torna-se tanto mais
preciosa quando nos distanciamos e temos que fazer uma visita à memória, às fotos
e aos livros que muito não víamos ou não nos sentíamos próximos. Os gostos e
os gestos que acompanham a rota de um leitor imprimem, a longos e prazerosos
prazos, marcas e pensamentos no leitor em formação. Cada leitura, cada página em
descoberto, tece intrincados caminhos que, se não ajustam o leitor a um percurso
definido como o de mais propenso a um mundo do literário, ainda assim repercutem
as vozes ocultas de um possível leitor, às vezes, tido no esquecimento da memória.
Minhas experiências de leitura misturam-se em meio as minhas condições
de infância e juventude vividas em casa e na escola. Cada chegada ao redor de uma
leitura teve para mim, um enredamento por trás das tarefas escolares, das “escutas”
da fala de meu pai, e de um desejo quase inesgotável de preencher o cotidiano com
as fantasias, magias e situações vivenciadas pelos personagens das histórias
infantis e juvenis.
O ambiente familiar em meio a papéis, o teque-teque da máquina de
escrever de meu pai, os livros que chegavam pelo correio lacrados com papel de cor
marrom, colados, amarrados com barbante e com muitos selos geravam uma
expectativa, ao olhar da criança, para esse objeto que vinha tão preciosamente de
longe e fechado. Qual momento ele seria trazido para fora do invólucro que o
carregou de outros lugares? Como seria composta a sua capa? Colorida? Com
imagem? Que segredos desvelados ele poderia nos trazer? Tudo isso ficava por
conta do imaginário da criança que ficava aguardando respostas a questionamentos
tidos como, no mínimo, sem muitas interrogações para o mundo formatado dos
adultos.
Nas lembranças que se instauram de minha infância, a figura de meu pai,
poeta, são rodeadas de palavras. Desde o perder de suas madrugadas diante da
máquina de escrever, das pernas incessantemente balançando por debaixo da mesa
até a espera da última inspiração, da rima perfeita dedilhada nos dedos e nas
emoções, ou mesmo, as poesias declamadas em voz alta como se quisesse falar à
musa, diretamente, ficaram gravadas em minha memória. Esse cenário de palavras
e mais palavras repetia-se com a mesma constância que o ritual da escrita e da
3
leitura se faziam presentes na vida de meu pai. E, como ele mesmo dizia, por
profissão e escolha poeta, nunca se ausentou da veia literária que lhe foi concedida.
E assim assinala meu pai, Rubens de Castro (1984), sobre sua condição
poética:
Faço a poesia que nasceu comigo,
Bonança ou maldição, prêmio ou castigo,
Fervillha no meu ser...
Ela é meu céu, meu sol, meu pão, meu vinho,
Na santa ceia deste meu caminho,
A glória de viver! (CASTRO, 1984, p.19).
Diante deste cenário familiar, o objeto livro chegava até nós, filhos, como
algo de grande valor. Desde a sua aquisição em uma das únicas livrarias da cidade
de Corumbá/MS, a Livraria do Estudante, de Dona Laura, até a sua entrada no
sobrado em que morávamos, o seu espaço estava devidamente reservado. Em
casa, o ritual de cuidados e acompanhamento do livro se seguia. Colocar plástico
“contact” em todos e, em seguida, escrever nossos nomes, à caneta, com letras bem
grandes, fazia parte da brincadeira que nos remetia, com grande entusiasmo, a mais
um momento com o objeto que, em seguida, seria aberto, cheirado, e descoberto.
Junto a essas condições, com menos fervor aos rituais que envolviam os encontros
com os impressos, mas nem por isso menos participativa, surgia à figura zelosa de
minha mãe. Esta rodeava-nos de cuidados e orientações de forma que, para os
livros, estudos e tarefas escolares sempre o tempo era primeiro e sem interferências
de outros afazeres. Por essa época, recordo-me de uns livros grandes, usados,
mas bastante conservados, que meu pai trouxe para casa. Livros estes que incluíam
contos de fadas com histórias e desenhos de países vários. Chineses, africanos e
outros personagens enredavam-se em meio às narrativas mágicas. As grandes
aventuras e as situações de encantamento faziam os olhos da criança encantar-se
com as histórias e ilustrações. A história de Hans Christian Andersen A pequena
Vendedora de Fósforos (1846) me veio por esse tempo. A história de uma
menininha pobre que vende fósforos na rua e acaba morrendo em meio a um
inverno rigoroso, causava-me grande comoção. Também me recordo dessa data, da
história O Soldadinho de Chumbo também de Andersen. Nesta aventura, quem
aparece é um bravo soldadinho que passa por mil peripécias até ser jogado na
4
lareira junto à bailarina de papel, seu grande amor. Outra recordação que tenho se
faz representar por antigos disquinhos coloridos, na vitrola de minha avó, de onde
surgiam as tão belas e encantadas histórias dos irmãos Grimm. Branca de Neve,
Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, A Gata Borralheira.
Embora eu não detenha uma lembrança severa dos atos de leitura em
minha infância, guardo sensações que ficaram impregnadas, de uma forma ou de
outra, na criança e adolescente leitora. Estudante nos primeiros anos de infância e
no antigo primário em uma escola confessional de freiras de minha cidade,
Corumbá, tive boa parte das leituras trabalhadas através dessa condição. Em
congruência com o que afirma Oliveira (2005) quando de sua pesquisa sobre leitura
em escolas confessionais, as preocupações dos professores da época e, também
dessas instituições em “fazer uma filtragem dos livros a serem lidos pelas crianças,
porque as irmãs lembram que é preciso não dar margem... pelo nome da escola”
(OLIVEIRA, 2005, p.168) apresentava-se como fator nítido.
Recordo-me que as leituras recomendadas por essa época sempre
apareciam envoltas por conteúdos moralizantes ou de aspectos doutrinários da
Igreja. Sempre era a vida de um santo como Dom Bosco ou Laura Vicuña que
tínhamos como referência. Também, quando de alguma “traquinagem”, éramos
convidados a refletir com a leitura de trechos de obras religiosas previamente
selecionadas para tal fim. O clima de rigorosidade e severa disciplina, todavia,
compunha-se de alguns momentos de lazer e gostosuras que o olhar da criança se
dissolvia para poder se entreter. No Jardim da Infância e na Pré-Escola, o armário
de brinquedos, a exemplo, era um desses momentos mágicos. Ainda que a
organização escolar fizesse com que cada criança se dirigisse uma a uma para
escolher seu brinquedo para distrair-se nas mesinhas, adiando por minutos quase
intermináveis, entre a escolha e o encontro com o objeto desejado, o divertimento
não se deixava abater.
Outro fator eram as rodas de leitura onde todos se posicionavam sentados,
com as pernas cruzadas, e a “tia” ou a irmã professora liam “estorinhas” que
geravam grande alegria e recepção por todos. A biblioteca, no entanto, era um
espaço que gerava grande curiosidade (assim como a TV que ficava num armário
5
fechado e trancado) uma vez que não se era permitido ir por o ter acomodações
para um público de tão pouca idade.
Lembro-me que durante os anos do antigo “Ginásio”, em outra escola de
ensino particular, o contato com o mundo da literatura ampliou-se a imensas
proporções. Cada série da quinta, sétima ou oitava era acompanhada por listagens
anuais de leituras. Tínhamos leituras literárias na área de Língua Portuguesa e na
área de Língua Inglesa. Foi nessa escola que li O menino que Inventou a Verdade e
O Segredo Azul ambos de Pedro Bloch. No romance O Segredo Azul, a história do
herói “Dinho”, em meio a diálogos recheados de gírias, interpunha-se a leitura das
anotações de rodapé com as explicações de termos, gírias e expressões que
pudessem vir a dificultar um maior entrosamento com o texto. Esse “ler a mais”,
porém, não se configurava como enjoativo ou monótono. Recordo-me que em
histórias como O Segredo Azul “Dinho” e o seu enorme amor pelos peixes, fazia-nos
entrar em suas estórias e mais estórias. Desde o seu pai, pescador submarino, até
suas vivências com amigos nos fatos cotidianos que preenchiam nossa realidade
com um pouco da gente também. Para isso, imaginávamos que seus passeios de
bicicleta, a parada para tomar uma coca-cola ou, até mesmo a “gamação” por
Mariazinha era um pouco de nós, ali, no livro.
Orígenes Lessa foi outro autor bastante marcante no início de minha
adolescência. O Feijão e o Sonho, O Sonho de Prequeté e Napoleão em Parada de
Lucas estiveram entre minhas leituras escolares. Romances juvenis como este
último, nos aproximavam de admiráveis histórias humanas como, por exemplo, as
aventuras históricas de um cavalo de pau que tinha, um dia, sido cabo de vassoura
e, por conta dessa nova condição, seus pensamentos o faziam sentir e agir como
ser humano. A maneira inebriante com que o cavalo de pau relatava suas peripécias
com os outros cabos de vassoura e os seres humanos faziam-me vibrar. Cada vez
que ele galopava pela cidade, por conta de ter sido pego por um menino, fazia o
meu olhar galopar junto. Eram suas paradas, suas observações sobre a bondade,
nobreza ou modéstia de quem o estava montando que me impeliam a acreditar que
era uma pessoa e não um objeto que estava a narrar aquela história com passagens
que poderiam ser de qualquer um de nós.
Como assinala Barbosa (2005):
6
Houve uma época, em que sonhei ser um investigador, sagaz e cerebral,
capaz de solucionar crimes e mistérios à la Sherlock Holmes. Com um frio
escorrendo pela espinha admirei os contos sobrenaturais de Allan Poe. Sofri
com o amor trágico de Romeu e Julieta. Diverti-me com as trapalhadas de
Dom Quixote e, como nos romances de capa e espada, duelei feito um
espadachim do rei, ombro a ombro com D’Artagnan e os Três Mosqueteiros
– Aramis, Porthus e Athos (BARBOSA, 2005, p. 136).
Minhas leituras na juventude estiveram bastante marcadas por leituras
escolares. Entretanto, não foi a essa situação que atendi enquanto leitora. As
leituras que a mim chegavam sofriam as interferências do particular, daquilo que
você quer ler e, principalmente daquilo que você se propõe a viver no interior de
cada leitura.
Assim como Orígenes Lessa me fez conhecer situações cujo sonho e
encantamento não apagam a beleza de uma dita simples realidade, outros livros, a
maioria recontados, estiveram presentes comigo. Moby Dick de Herman Melville
recontado por Carlos Heitor Cony, David Copperfield de Charles Dickens, Treasure
Island de R. L. Stevenson, King Henry de Shakespeare e adaptado por D. K. Swan,
A vida é fantástica: o fantasma da igreja, as velas da morte... e mais 4 “casos” de
mistério de Lúcia Machado de Almeida, As meninas exemplares da Condessa de
Ségur e recontado em português por Herberto Sales, Uma História de Amor de
Carlos Heitor Cony. Penso que cada um desses livros preencheu um espaço da
leitora em formação. Histórias das grandezas e dificuldades que o homem possa vir
a enfrentar, os amores juvenis com seus tons de encantamento e, mesmo histórias
de mistério causavam o deslumbramento ocultado na intimidade do ato de ler.
Um livro que por muito me acompanhou na lembrança e no coração foi Os
Meninos da Rua Paulo de Ferenc Molnár, cuja capa recorda-me até hoje. O grupo
de adolescentes do mesmo colégio que se reunia num terreno baldio para juntos
brincar, apontar decisão sobre que posição tomar em relação às brigas ou a união e
as aprendizagens que os faziam sentir-se maiores nas horas de perigo, referem-se a
mundo que crianças e jovens mantém com uma fidelidade quase que intocável.
Andar em turma, ter um comprometimento quase cego com o grupo social, dar
vazão à coragem e, não resignar-se quase como um revolucionário diante das
adversidades é o que obras como esta trazem como lembrança para a nossa
vivência de adulto. Acredito que boa parte das leituras que fiz posteriormente
7
procurava reabilitar um pouco, através da ficção, a condição humana em luta
constante por ideais e valores que quase sempre se encontram numa posição tênue
em nossa sociedade.
Entre leituras que se faziam surgir no contexto familiar e no contexto escolar,
mais adiante na adolescência,cursando o chamado 2º grau, os livros continuaram
a povoar o meu cotidiano. Com um menor rigor nos pedidos dos professores no que
se refere as leituras durante o ano, todavia, a mesma se fez presente. Os clássicos
da literatura brasileira em conformidade, é claro, com o período literário que se
estudava em sala de aula eram os preferidos para uma indicação por parte dos
professores de português e literatura. Desse período, lembro-me da leitura de
Lucíola e Senhora de José de Alencar, Dom Casmurro de Machado de Assis, O
Ateneu de Raul Pompéia e, o romance que por conta da Universidade voltei a relê-
lo, com muito mais envolvimento em outra época: O Cortiço de Aluízio de Azevedo.
Tomada pelo gosto da leitura, ingressei no curso de Letras na certeza de
que ali com as disciplinas de português, inglês ou literatura nunca me sentiria
deslocada ou desinteressada por aquilo que estava tão bem aconchegada: os livros
e as leituras de romances. E, além das leituras pertinentes ao núcleo comum do
curso, pude fazer leituras literárias que contribuíram para apresentar os trabalhos
universitários, mas também me permitiram conhecer a outros autores e a novos
mundos da leitura.
Entre essas leituras, recordo-me particularmente do livro A Mãe de Máximo
Gorki, passado pela professora Roselíbie M., que não se preocupava
necessariamente em seguir as escolas literárias e sim, incitar e apurar o nosso gosto
para literaturas várias. Esta obra, da literatura russa, impregnada de profundo
humanismo, tinha como personagens principais o jovem Pavel e sua mãe Pélagué
ambos vivendo como uma típica família de operários russos após a morte do
patriarca da família. Neste ritmo, é perceptível, no livro, a mudança que se opera em
Pavel quando da passagem de sua juventude para os afazeres e severidade do
mundo adulto. A princípio, no romance, tenta seguir os costumes típicos dos outros
de sua idade. Procura arrumar-se com roupa vistosa, ir à reuniões, dançar polca e
voltar para casa embriagado. Entretanto, essas situações peculiares aos jovens
causam-lhe profundo aborrecimento e ele passa a reunir, em casa, amigos para
8
fazerem leituras de livros com histórias tidas como proibidas. Sempre me recordo
desse romance e da força de seus personagens. Cada gesto e cada ação remetiam
a mãe, personagem central, para um diálogo com suas recordações.
Acredito que o tornar-se leitor, mais do que as opções que nos vão
colocando no caminho significam as nossas escolhas e o apurar do nosso gosto
para aquilo que realmente queremos ler. Nossa trilha de leitor.
Nesse sentido, penso que minha aproximação com a literatura não se fez
somente pelo caminho do legitimado. Algumas leituras ecléticas, umas mais
efêmeras que outras, também se compuseram de outros suportes que o os livros.
Caso a se relatar é a dos gibis e romances “Julia“, “Bianca”, “Sabrina” e fotonovelas.
Os romances dessas últimas seduziam para a leitura desde a sua capa. Imagens de
casais em cenas de romance eram o que ficava no pensamento incitando à leitura.
Todavia, para a época, era quase imperceptível perceber, ou era e talvez fosse
agradável, que todas as histórias possuíssem o mesmo tipo de narrativa. Só os
nomes, lugares e personagens sofriam alteração. Essas práticas de leitura,
colocadas como inadequadas e, muitas vezes, proibidas sob um forte discurso para
desaboná-las no interior da escola e da família, resultavam em fontes de grande
procura por parte da maioria dos adolescentes. Pois, podemos confirmar, conforme
nos diz Oliveira (2005, p. 22) que:
Na década de 60 estavam no auge as novelas em Revistas: Capricho,
Sétimo Céu e outras. A leitura dessas revistas era terminantemente proibida
para nós. E era o que nos apaixonava, assim como a milhares de jovens
(OLIVEIRA, 2005, p.22).
Muitos dos personagens que marcaram nossa infância e início da juventude,
além das revistas, ocupavam as páginas dos gibis. Mesmo colocado como uma
subliteratura ou um gênero desprezado cumpria a sua função de nos seduzir através
do divertimento em impressos baratos e acessíveis em bancas de revistas.
Personagens como o clássico Recruta Zero de Mort Walker serviam para boas
risadas. Seu ar despretensioso e pouco alinhado gerava quase um antagonismo
com o quartel militar no qual era o soldado raso sempre às voltas com as ordens e
9
disciplina. Outras histórias de gibis que ficaram para mim foram: Fantasma (o
espírito-que-anda), Zagor e Tex cujas histórias, em preto e branco, traziam os
enredos estilo western com oficiais do exército e índios guerreando, Luluzinha e as
suas incansáveis disputas entre meninos e meninas, principalmente quando o alvo
era o personagem Bolinha.
No mesmo plano de envolvimento, recordo-me de toda uma produção
cultural destinada à criança e que fortemente nos movimentava para assistirmos a
desenhos animados e telenovelas infantis. Os gibis do universo Disney
apresentavam uma gama de personagens os quais sabíamos integralmente as
características de seus personagens. Mickey Mouse, Pateta, Pato Donald,
Margarida, Madame Mim, Maga Patalógika, Tio Patinhas, vovó Donalda, Professor
Pardal, Peninha, os irmãos Metralha, Morcego Vermelho e tantos outros que não
saiam de nosso imaginário e de nossas vistas tanto diante das bancas de revistas
quanto diante da televisão.
Programação cultural para crianças e jovens na televisão geravam diversão
e também serviam para enlaçar num mundo de cores e imagens o mundo mágico
das narrativas. Mulher Maravilha, Os trapalhões, Perdidos no Espaço, A Feiticeira e
o Sitio do Pica-Pau Amarelo enredavam capítulo a capítulo o telespectador. Chegar
a casa, após as aulas, e acompanhar as tramas da Emília, Marquesa de Rabicó, a
Cuca, o Saci Pererê e outros personagens era praticamente adentrar na fantasia do
“pirlimpimpim”.
Ainda que tenha enveredado por um quase infindável caminho de leituras
vistas na família e na escola, para mim a literatura quase sempre retorna num
caminho da essência construída e numa transgressão permitida. Neste caso, o
encantamento com a ficção ou, com a realidade irreal, compõe diariamente o meu
cotidiano. Obras como Fogo Morto de José Lins do Rego, Angústia e São Bernardo
de Graciliano Ramos, Olga de Fernando Moraes, O Primo Basílio de Eça de
Queirós, Todos os Nomes de José Saramago, Macunaíma de Mário de Andrade
trazem muito do que foi familiar para mim em outras leituras. Todavia, procuro
aproveitar-me da aproximação com novas leituras e com o sentido da ausência e da
lembrança dos livros que ficaram em minha caminhada.
10
E, com os significados dessas leituras que ficaram em minha memória de
infância e juventude enquanto minha história de leitora, procuro aproximar-me das
histórias de leitura de um grupo vinculado a faixa etária de “jovens”. Sob o foco do
insistente discurso generalizante da sociedade de que, “jovem não lê”, “jovem o
gosta de literatura” ou “jovens de hoje em dia não lêem mais nada...” apresentam-se
práticas de leitura visíveis, na contemporaneidade, em leitores jovens que
freqüentam as escolas de Ensino Médio.
algo intensamente latente quando nos aproximamos das experiências de
leitura de cada indivíduo. Fatos que assinalam a história da juventude e, a história
da leitura em séculos anteriores ao nosso, deixam transparecer imagens de um
mundo de leitores não muito distante da nossa juventude atual.
E, em decorrência de que determinadas leituras irão compor a história do
seu leitor, utilizo as minhas leituras de criança e de adolescente acima descrita, para
formular como problema deste trabalho, a seguinte questão:
Como se constituem as experiências de leitura de leitores jovens dos
primeiros anos do Ensino Médio de uma escola pública?
Para o encaminhamento dessa pesquisa que envolve o estudo da leitura,
situei o meu campo teórico em torno da expressão práticas de leitura. Esta se pode
dizer, coloca-se como expressão máxima dos estudos recentes das ciências sociais
voltadas para o ato de ler. A leitura, por essa vertente, apresenta uma história da
leitura, cujo livro, enquanto produto cultural aporta vestígios por conta de sua
apropriação e utilização. E, devido a isto, podemos ver uma história da leitura
através das “formas de ler”.
Não se trata dentro dos estudos sociais sobre a leitura, de se fazer uma
distinção entre leitores ditos “cultos” ou “populares” e, muito menos estabelecer
classificações que relacionem experiências de leitura mais “corretas” e outras
“menos recomendadas”. Esse tipo de estudo “trata-se quase sempre como
apontaram Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard a respeito dos discursos sobre a
leitura, de pensar “a leitura dos outros”. De um lado, a leitura dos ainda “não-
letrados”, que recentemente “deixaram de ser iletrados” jovens, crianças,
11
operários, camponeses, mulheres, negros e imigrantes (BATISTA et GALVÃO, 2005,
p.17).
A aproximação a esse tema de pesquisa e de investigação, ou seja, a
apreensão de experiências de leitura de um grupo vinculado a uma fase da vida, a
da juventude, não se fez por caminhos do acaso. No nosso cotidiano, cuja tônica
repetitiva, muitas vezes, insiste em reafirmar as dificuldades em encontrar o aluno
“leitor” e, principalmente próximo à literatura e aos livros coloca-se como fator de
insistência. Falas que se aproximam de enunciados como “o aluno jovem não ”,
não se confirmam na sua integralidade. Cabe-nos inserir nesses discursos e tentar
um diálogo com as práticas de leitura que se fazem diariamente.
Versiani (2003), ao lembrar Italo Calvino, diz que as leituras da juventude
carregam um referencial significativo para a formação do leitor adulto. E, por conta
desse caráter formativo de leitura, as experiências tais como gostos, imposições e
escolhas das leituras para os jovens remetem a um significado especial do ato de
ler. O que lêem os jovens? Quais leituras, atitudes e maneiras de ler fazem parte do
universo desse leitor? Estas e outras perguntas são questões que trazem à tona
indagações talvez sobre uma leitura de formação, ou seja, leituras que formam a
personalidade do leitor como atesta Anne-Marie Chartier (2005), ou leituras de
prazer marcadas pelo gostar de ler.
Segundo Manguel (1997), “as histórias de leitura colocadas sob a insígnia do
particular e do privado talvez coloquem a história da leitura como a história de cada
um dos seus leitores”. Nesse sentido, as confidências e as sensações provocadas
pelo ato de ler, relatadas por adolescentes, podem nos remeter a figura do jovem
que lê. E, primordialmente, o que esse jovem leitor lê e elenca como leitura e
possíveis escolhas no âmbito do privado.
Como referencial dessa investigação, reside principalmente o fato de colocar
a voz de jovens leitores para um levantamento de atos de leitura. Leituras literárias
ou não, algumas com uma evidente aproximação entre autores, leitores e interesse
mercadológico como diz Cyana Leahy-Dios (2005) ou ainda, aquelas que não se
aportam no dito “gênero infanto-juvenil”, mas fazem-se presentes nas práticas de
12
leitura e nos estudos da história da leitura. E, com base nas justificativas descritas, a
pesquisa tem como objetivos:
a) Conhecer as experiências de leitura de leitores jovens na
contemporaneidade;
b) Descrever as práticas de leitura relacionadas ao universo leitor jovem em
relação às práticas de leitura evidenciadas em outras épocas.
Assim, escolhi entrevistar alunos jovens, na faixa etária de quatorze a
dezesseis anos, que estudavam nos primeiros anos do Ensino Médio de uma escola
pública estadual do centro de Cuiabá-MT. Também, aportada no interior da pesquisa
qualitativa em Educação, não referenciei como pretensão, dados para uma
representação estatística. A principal intenção, sempre pairou em verificar o
panorama de leitura dos jovens. O que lêem? Como as experiências de leitura os
provocam? Como vêem os suportes de leitura, tais como o livro.
Como forma de sistematizar as observações e leituras para a organização
dessa pesquisa, resolvi expor os capítulos distribuídos da seguinte maneira:
No capítulo I, A descrição do processo de pesquisa, procuro delinear a
metodologia da pesquisa qualitativa e os caminhos que possibilitaram o trabalho de
pesquisa em torno da problematização do tema.
No capítulo II, Situações impressas na história da juventude, apresento
fatos da história da juventude que se mostram como delineadores da questão etária
e de experiências juvenis no decorrer dos séculos.
No capítulo III, O livro, o leitor e suas formas de ler, busco traçar um
roteiro dos conceitos e das práticas de leitura de forma a verificar as experiências de
leitura em torno do livro, do leitor e de suas práticas leiturísticas. Também, procuro
delinear as práticas de leitura que se aproximam do mundo juvenil e da chamada
“literatura juvenil”.
No capítulo IV, Práticas de leitura de leitores jovens de uma escola
pública, analiso os caminhos descritos pelos leitores sujeitos da pesquisa com o
intuito de destacar partes da trajetória de leitura de jovens leitores.
13
As Considerações finais registram as reflexões que tangenciam o mundo
juvenil, a leitura e as experiências de leitura para possíveis diálogos a conclusões
sobre esses temas.
14
The Young Schoolmistress
Probably 1735 - 1736
CHARDIN, Jean-Siméon
CAPÍTULO I
DESCREVENDO O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DO MÉTODO
Quando penso em todos os livros que ainda posso
ler, tenho a certeza de ainda ser feliz.
Jules Renard
1.1 A definição do método e o caminho traçado
O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o
comportamento e experiência humanos. Tentam compreender o processo
mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever em que
consistem estes mesmos significados (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.70).
Assim como Bogdan e Biklen (1994) descrevem o processo de pesquisa
qualitativa, verifico que a escolha por essa trajetória de investigação é a que melhor
orienta para uma apreensão das experiências humanas no seu caráter interpretativo.
E, por mais que o comportamento humano esteja ligado sob um viés da
complexidade, o trabalho do pesquisador é o de “documentar cuidadosamente um
determinado contexto ou grupo de sujeitos e que é tarefa dos outros perceberem o
modo como isto se articula com o quadro geral” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 66).
Pois, ainda que o processo descritivo ampare-se em um contexto decisivamente
particular, o valor da pesquisa reside exatamente nas possibilidades de se explicar
os detalhes que se fazem por mostrar no nosso cotidiano.
E, é nesse sentido que entro no campo da investigação qualitativa em
educação, uma vez que, esse tipo de estudo visa compreender com detalhes o
sujeito e verificar as dimensões pouco visíveis do indivíduo. Seguindo esse percurso
é que me proponho a analisar as experiências de leitura desenvolvidas por leitores
jovens de uma escola pública. A história da leitura e do leitor constitui-se como foco
central para que se possa examinar experiências e gostos do ato de ler. Nossa
16
procura por determinadas leituras, pode traduzir um pouco aquilo que se refere
como as experiências de leitura.
O método escolhido para a realização deste trabalho de pesquisa apresenta-
se também, em virtude de se constatar que, em relação ao que se coloca enquanto
campo de pesquisa, esta seja a mais conveniente à abordagem desse estudo. E
apoiada em Bogdan e Biklen (1994, p. 67-70), destaco algumas características
básicas que embasam esse tipo de pesquisa:
a) Em uma investigação qualitativa, os pesquisadores procuram situar
objetivamente os estados subjetivos representados por seus sujeitos.
b) Os acontecimentos são minuciosamente recolhidos enquanto dados e o
investigador qualitativo procura trabalhar com uma descrição detalhada
do seu objeto de pesquisa.
c) O investigador qualitativo visa a gerar descrição, compreensão de um
determinado campo de estudo.
d) Na investigação qualitativa o pesquisador procura aproximar-se e
interagir com os sujeitos de pesquisa de forma tranqüila, natural não
deixando margens para que haja uma entrada em campo de pesquisa
de maneira pouco confortável para os pesquisados.
e) um interesse pelo modo como as pessoas pensam, agem e
vivenciam as experiências particulares.
f) As entrevistas são utilizadas mais como uma conversa do que uma
formalidade de perguntas que necessitam de uma resposta.
g) O objetivo da investigação qualitativa é apreender e compreender
situações da natureza humana a partir de suas experiências.
A compreensão dos comportamentos humanos e, principalmente o contato
com indivíduos no seu próprio meio é o que se estabelece quando estamos diante
da investigação qualitativa. Privilegiar o contexto natural, a partir do recolhimento de
informações, dados, pessoas e conversas adquire uma importância de olhar para o
17
detalhe, para as minúcias e poder descrevê-las. A partir desse entendimento, desse
contexto vivenciado é que podemos extrair instrumentos para uma análise posterior.
Pois, o significado, em acordo com a pesquisa qualitativa, reside exatamente nesse
contexto de observação e de naturalidade provocado pelo olhar do investigador ante
ao espaço assumido pelo comportamento e atitudes do ser humano.
Em contraposição ao que selecionaríamos próximo à pesquisa quantitativa,
a investigação qualitativa trabalha com dados descritivos expostos em palavras.
um recolhimento de informações, tais como as transcrições de entrevistas, que se
colocam como os dados a serem analisados. Também de se assumir que, nesse
tipo de pesquisa, os modos e atitudes analisados constituem a relevância maior. O
“processo” é nitidamente mais significativo do que os resultados ou produtos
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 48-49).
Recorri também a Bauer e Gaskell (2002), como forma de estabelecer uma
maior fundamentação teórica quanto à pesquisa qualitativa. E nesse sentido, o
emprego da entrevista qualitativa apresenta-se como de grande importância para as
pesquisas nas áreas de ciências sociais. Os pontos de vista e as perspectivas
instauradas pela entrevista qualitativa remetem para a realidade vivida pelos sujeitos
de pesquisa. Para essa finalidade, o estudo subdividiu-se em dois momentos.
,Primeiro, o uso de questionário com respostas arquivadas para posterior análise. O
questionário constou de dados pessoais, hábitos de leitura e usos da mídia
imagético-eletrônica. Num segundo momento, uso de entrevistas semi-estruturadas,
individuais e gravadas com alunos leitores.
1.2 O problema de pesquisa e o referencial teórico-metodológico
No que tange mais especificamente ao campo do debate da leitura, procuro
descrever as experiências de leitura de leitores jovens. Quais caminhos percorrem e
que leituras estão mais próximas desses sujeitos leitores são os questionamentos
por mim levantados, em uma pesquisa qualitativo-interpretativa, de forma a melhor
compreender práticas de leitura de jovens estudantes em salas de primeiro ano do
Ensino Médio de uma escola pública de Cuiabá-MT.
18
A escolha do todo qualitativo-interpretativo se deve ao fato de, nosso
objeto de estudo, conforme aponta Bauer et al (2002, p. 39), não ser quantificável,
ou ter dimensões objetivas a ponto de obter amostras quantitativas em detrimento a
amostras representativas. Diante desse fato, surge a necessidade de salientar que,
tivemos a intenção de construir um corpus significativo para trabalharmos com os
dados referentes às experiências de leitura partilhadas por leitores presentes na
faixa etária considerada juvenil. A vinculação a essa faixa etária, permitiu-nos a
apreensão de um grupo de leitores mediados por gostos e imposições ante a
relação não só com o livro, mas também com outros materiais impressos.
Referenciada por essas idéias, o problema desse trabalho apresenta a
seguinte questão:
Como se constituem as experiências de leitura de leitores jovens do
primeiro ano do Ensino Médio de uma escola pública?
Para que pudesse aproximar-me dos interesses de leitura e examinar como
se configura o ato de ler para leitores jovens, procurei apoiar-me, inicialmente, nos
autores que deram suporte para uma visualização de como se construiu,
historicamente, a imagem de ser “jovem”. A idade, os costumes, os emblemas que
abrigam a juventude em momentos distintos da história mundial, fizeram-me traçar
um percurso inicial de pesquisa teórica de forma a procurar delinear como eram
posicionados socialmente, se assim pode-se dizer, os jovens de épocas anteriores.
Escolhi alguns autores significativos no trato com a história dos jovens no mundo.
Autores tais como Alain Schanapp, Elisabeth Crouzeth-Pavan, Michel Pastoreau,
Renata Ago, Elliott Horowitz, Jean-Claude Caron, Daniel Fabre. No Brasil, autores
entre os quais Marilia Pontes Sposito, Helena Wendel Abramo, Ana Karina Brenner,
Juarez Dayrell, Paulo Carrano.
A principal meta, ao trazer para a pesquisa o trabalho desses autores deu-se
no sentido de tecer algumas imagens escritas acerca das especificidades da
juventude. A dificuldade de uma definição para o que seja de fato a juventude, fez-
me ver mais precisamente como foi construída, em outros séculos, a juventude
enquanto condição cultural e social.
19
Num segundo momento, e no campo mais preciso da leitura, busquei
utilizar uma fundamentação teórica em relação à leitura e em torno da expressão
práticas de leitura. Nessa vertente, o estudo se alinha a verificar como se construiu o
trajeto da leitura mundial. As experiências em torno do ler, do livro e do leitor
constroem uma rota com algumas observações em torno da história da leitura. Para
esse momento tenho como suporte para essa pesquisa os seguintes autores: Roger
Chartier, Guglielmo Cavallo, Márcia Abreu, Alberto Manguel, Aparecida Paiva, Graça
Paulino e outros autores das pesquisas e práticas de leitura.
1.3 O local e os Sujeitos de Pesquisa
Escolhi para o trabalho de pesquisa uma escola pública estadual localizada
na região central de Cuiabá, Mato Grosso. No caso, a Escola Presidente Médici.
Para a seleção desta escola considerei o número bastante elevado de estudantes
jovens que circulavam na mesma diariamente. A exemplo, no ano de 2004, a escola
contava com uma média de 5.172 alunos matriculados em suas diversas
modalidades de ensino: Ensino Fundamental, Médio, EJA e Telecurso. Neste
mesmo ano, a escola ofereceu vagas em 44 salas de aula sendo que os professores
que nela atuavam, eram, na sua maior parte, concursados e efetivos na carreira do
Magistério Público Estadual.
A escola, por funcionar em “quintais que foram desapropriados para a
construção da escola”, até 1974 era conhecida com o nome de “Centro Educacional
de Quintal Grande”. E, a sua legalização deu-se através de Decreto Estadual, sendo
que sua primeira aula inaugural ocorreu no ano de 1975 no dia 07 de julho passando
esta a ter o nome de: Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus Presidente
Médici, em homenagem ao Ex-presidente da República, o General Emílio
Garrastazu Médici, vem dos presidentes impostos pela ditadura militar.
A Escola Presidente Médici, como se localiza no núcleo urbano e central da
cidade, tem como alunos crianças, jovens e adultos de classes sociais distintas. É
composta de um prédio de arquitetura antiga que se situa “numa parte alta da
Avenida Mato Grosso. Isso, devido ao fato que, em épocas anteriores, no local
20
aonde a escola ter sido um morro. Era o final dos quintais dos moradores do
Bairro Araés e do bairro do Antigo Cemitério. Também nesse local, tudo era rodeado
por um córrego que acabava por se encontrar no início da Avenida.
Atualmente a escola possui três entradas de acesso, sendo que a principal é
constituída de uma rampa que a liga à parte externa da calçada. Também possui
sala de áudio-visual, três quadras de esporte, sala de leitura para o Ensino
Fundamental, Laboratório de Geografia, rádio escolar, uma biblioteca pequena que
abriga um acervo restrito de obras literárias e didáticas e que fica a cargo de
professores afastados da sala de aula e pessoal técnico. O grupo de alunos que
freqüenta esse local costuma fazer pesquisas escolares numa saleta que antecede
ao acesso do acervo principal, empréstimos de livros, e também encontros para
bate-papos nas mesas da saleta anterior. Suas salas de aula são amplas,
confortáveis e alojam-se entre quatro pavilhões: subsolo, térreo e dois andares.
Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos após uma conversa prévia com
alguns professores da área de ngua portuguesa do Ensino Médio. E, orientados
sobre o tipo de pesquisa a ser desenvolvida. O critério essencial e central da escolha
desses sujeitos foi a de investigar junto a esses professores de português, a
indicação de alunos que eles percebiam como leitores críticos que expressavam
suas opiniões e que se demonstravam como leitores em grande amplitude e
potencial. Após algumas recusas, por parte de alguns professores em colaborar, sob
a alegação de não trabalhar com “literatura” naquele momento, ou, até mesmo por
falta de tempo em relacionar nomes de jovens alunos leitores e, também de alunos
que não se dispuseram a participar, alegando não serem “leitores” diários, foram
selecionados como sujeitos participantes da pesquisa 18 jovens com idade entre 14
e 16 anos, pertencentes a seis turmas de 1º ano do Ensino Médio.
Os jovens foram selecionados com vistas a um delineamento do objeto
dessa pesquisa, ou seja, as experiências de leitura dita por jovens leitores
considerando suas falas e seus modos de ler. E, para uma organização dos dados
pessoais de cada jovem leitor, passarei a exposição de quadros que relacionam
aspectos do contexto familiar dos sujeitos e suas impressões primeiras em relação
às leituras diárias. Nesse sentido, passo a relatar os dados presentes nesse
questionário.
21
1.3.1 Perfil dos jovens
Com o objetivo de conhecer algumas informações a respeito da situação dos
jovens leitores, também fiz uso de um questionário com dados pessoais e algumas
questões, cuja referência abrangia aspectos sócio–culturais desses jovens. Os
dados levantados apresentam-se sistematizados, a seguir, da seguinte forma:
Tabela 1
Idade dos jovens
IDADE
%
14 anos 02 11,11
15 anos 13 72,22
16 anos 03 16,67
Podemos verificar que a faixa etária dos jovens do primeiro ano do Ensino
Médio apresenta-se com maior ênfase com a idade de quinze anos. Do grupo
pesquisado, apenas dois jovens apresentam-se com quatorze anos e três
completaram dezesseis anos de idade. Nota-se que a faixa etária representativa
desta série do Ensino Médio é a de jovens com quinze anos, com uma variação
entre os quatorze e dezesseis anos.
Tabela 2
Relação de gêneros
SEXO
%
Masculino 03 16,67
Feminino 15 83,33
É significativo o número de jovens do sexo feminino selecionadas como
alunos leitores conforme critério estabelecido previamente. Ainda que o número de
leitores selecionados por sala tenha sido solicitado num total de 03 (três), a maior
parte considerada de leitores profícuos foi a do sexo feminino.
22
Tabela 3
Naturalidade
Estado/Cidade
%
GO/Goiás 01 5,56
MT/Alta Floresta 01 5,56
MT/Cuiabá 11 61,11
MT/Várzea Grande 01 5,56
PR/Curitiba 01 5,56
RS/Putinga 01 5,56
SC/Florianópolis 01 5,56
SP/São Paulo 01 5,56
Observa-se que os jovens leitores desta pesquisa são, na sua maioria,
nascidos em Cuiabá no Estado de Mato Grosso. Um total de cinco jovens são
nascidos em outros estados.
Tabela 4
Residência
Bairro
Região
%
Alvorada
Bairros 01 5,56
Araés
Central 01 5,56
Baú
Central 01
5,56
Canjica
Bairros 01
5,56
CPA II
Bairros 01
5,56
CPA III
Bairros 01
5,56
CPA IV
Bairros 01
5,56
Carumbé
Bairros 01 11,11
Jardim Araça
Bairros 01
5,56
Jardim
Independência
Bairros 01
5,56
Jardim Leblon
Bairros 02
5,56
Jardim Petrópolis
Bairros 01
5,56
Morada da Serra
Bairros 01
5,56
Parque Cuiabá
Bairros 01
5,56
Pedregal
Bairros 01
5,56
Ribeirão do Lipa
Bairros 01
5,56
Santa Helena
Bairros 01
5,56
Podemos verificar que as maiorias dos jovens moram em bairros diversos,
constituindo assim, uma população bastante diversificada enquanto estudantes da
escola pesquisada.
23
Tabela 5
Reside com
Tipo familiar
%
Avós 01 5,56
Mãe 05 27,78
Pai 01 5,56
Pais 10 55,56
Tios 01 5,56
Observa-se que a maioria dos jovens pesquisados reside com os pais. E,
outra quantidade significativa reside somente com a mãe enquanto núcleo familiar.
Tabela 6
Profissão dos pais/responsáveis
Profissão
%
Artesãos 01 5,56
Autônoma 01 5,56
Autônomo/Professora 01 5,56
Comerciante/Auxiliar de serviços
gerais
01
5,56
Comerciante/Dona de Casa 01 5,56
Comerciantes 01 5,56
Cozinheira 01 5,56
Dona de casa 01 5,56
Gerente de vendas/Secretária 01 5,56
Não informaram 03 16,67
Pintor 01 5,56
Professores 01 5,56
Publicitário/Costureira 01 5,56
Representante comercial/Dona de
casa
01
5,56
Representante comercial/Vendedora 01 5,56
Secretária 01 5,56
Os dados mostram que as profissões dos pais dos jovens pesquisados são
de origens várias. Todavia, há um percentual mais avolumado em relação às
profissões de representante comercial e de comerciantes.
Tabela 7
24
Tempo que estuda na escola
Tempo/escola
%
1 ano 11 61,11
2 anos 01 5,56
3 anos 04 22,22
4 anos 02 11,11
Como é possível observar, os jovens da pesquisa, na sua maioria, estudam
na escola apenas um ano. Vêm de outras escolas e iniciam o Ensino dio na
Escola em questão.
Tabela 8
Contato com meios de comunicação audiovisual (TV)
Assiste TV
%
Todos os dias 13 72,22
Às vezes 05 27,78
Nunca - -
Observa-se que a grande maioria dos jovens tem um contato bastante
próximo e diário com os programas televisivos, o que revela uma situação bastante
comum aos jovens na contemporaneidade.
Tabela 9
Programas preferidos (TV)
Tipos de programa
%
Esportes 01 2,38
Filmes 12 28,57
Noticiários 09 21,43
Novelas 13 30,95
Outros 04 9,52
Programas de auditório 02 4,76
Programas religiosos 01 2,38
25
Chama à atenção o fato de programas preferidos dos jovens estarem
representados por programas de conteúdos narrativos: novelas e filmes. O que pode
evidenciar, nesses casos, a preferência por assuntos ligados à ficção,
entretenimento e narrativas (romances, policiais, dramas, comédias).
Tabela 10
Contato com meios de comunicação (rádio)
Ouve rádio
%
Todos os dias 06 33,33
Às vezes 08 44,44
Parte do dia 03 16,67
Nunca 01 5,56
Observa-se que grande parte dos jovens diz ouvir rádio “às vezes”. O que
pode revelar uma preferência menor deste veículo midiático em relação à televisão.
Tabela 11
Leitura (jornais)
Lê jornal
%
Todos os dias 02 11,11
Às vezes 11 61,11
Nunca - -
Semanalmente 02 11,11
Raramente 03 16,67
Os jovens pesquisados concentram a maior parte de porcentagem de leitura
como a categoria “às vezes”. Nesse sentido, de se verificar o contato que estes
jovens dizem ter com a leitura de jornais.
Tabela 12
Leitura (revistas)
Lê revistas
%
Às vezes 09 50,00
Semanalmente 08 44,44
26
Mensalmente 01 5,56
Raramente - -
Nunca - -
A leitura de revistas aparece em primeiro lugar como sendo desenvolvida “às
vezes” e, em segundo lugar aparece como uma leitura semanal. O que evidencia
uma leitura com maior constância.
1.4 Instrumento de pesquisa: o uso da entrevista
No intuito de desenvolver uma pesquisa qualitativa desencadeou-se um
processo com o propósito de melhor partilhar as conversas e discussões
apresentadas pelos sujeitos de pesquisa. Para tal, tendo em mente o uso da
entrevista como principal instrumento de coleta de dados, julgo, com Bogdan e
Bicklen (1996), que “o uso desse instrumento pode transformar-se em estratégia
dominante para a recolha de dados.“ (BOGDAN e BIKLEN, 1996, p. 134).
Também, há de se atentar que, no processo de pesquisa qualitativa, a
entrevista assume uma importância de informação cumulativa. E, que é preciso cada
entrevista para que se forme o elo de narrativas. Uma vez que, o conjunto de
informações poderá formar um todo de maneira a se elaborar um quadro de
situações possíveis da pesquisa. Ainda que uma ou outra entrevista venha a ter
informações restritas em relação ao tema pesquisado, pode vir a fornecer dados de
relevância para um estudo completo (BOGDAN e BIKLEN, 1996, p.138).
Refletindo sobre o uso da entrevista enquanto um dos principais
instrumentos da metodologia qualitativa, Haguette (1987), também aponta algumas
características que enfatizam esse tipo de instrumento no uso da investigação
qualitativa, entre elas: ter de reconhecer que o pesquisador apesar de estar de
posse de um instrumento para captação do real e, de uma busca por meio da
aproximação da objetividade, não descarta que estas, sejam “possíveis” leituras de
uma realidade. Também, há de se considerar que o retrato que se têm, por meio das
entrevistas, é a imagem que o informante tem do seu mundo. E, para o pesquisador,
27
cabe o papel de analisar e fazer o grau de correspondências de forma a melhor
tratar os dados em relação à realidade de pesquisa (HAGUETTE, 1987, p. 77).
A pesquisa teve como diretriz a condução através da entrevista semi-
estruturada. A técnica em questão possibilitou arranjos diversos e adequações
necessárias ao roteiro, conforme o decorrer da pesquisa. Três partes foram
pensadas para que se estruturasse o roteiro de questões. A primeira parte
apresentava aspectos de forma a relacionar os tipos, gostos, e maneiras de ler.
Cada sujeito deveria relacionar de maneira geral o que lê, o porquê de ler, e quais
experiências apresentava no que tange a leituras particulares e leituras outras. O
segundo procurava dimensionar os modos de ler dos sujeitos pesquisados. Neste
caso, as temáticas pairavam sobre leituras ativadas envolvendo diversas sensações.
Entre elas, modos de ler que remetiam a sensações de fuga, encantamento e
divertimento. No último bloco de perguntas, as questões responsáveis por configurar
um quadro de possíveis leituras provocadas pela mídia e das necessidades para o
ato de ler.
As entrevistas apresentavam uma estrutura fixa, porém flexível no
desenrolar da sua operacionalização. Cada jovem selecionado como sujeito de
pesquisa após ser apresentado ao roteiro de perguntas, traçadas no roteiro
metodológico, dispunha-se a iniciar as situações de comunicação com o
pesquisador. Cada entrevista teve como duração média 1 (uma) hora e 10 (dez)
minutos, em média, e aconteceram nos ambientes escolares destinados à leitura. No
caso, a biblioteca e as salas de aula (durante os intervalos). Após a gravação, cada
entrevista era transcrita e arquivada para posterior análise juntamente com o
questionário contendo dados pessoais e questões objetivas referentes a hábitos de
leitura e uso da mídia representada por TV e rádio.
As entrevistas ocorreram no segundo semestre de 2004. Nos meses de
novembro e dezembro os contatos, tanto com professores e alunos foram feitos, a
princípio, de forma geral, como um “bate papo”. Em seguida, de maneira mais
particular, com marcação de dias e horários específicos e convenientes para cada
participante da pesquisa. Algumas entrevistas estenderam-se para o ano seguinte,
uma vez que, uma série de situações tais como avaliações, feira de ciências, jogos,
28
feriados e outras atividades não previstas no calendário escolar, mas que
ocasionaram na interrupção das aulas tiveram que ser respeitadas.
As entrevistas foram gravadas, todavia não foram filmadas por decisão da
pesquisadora. Isso, para que se estabelecesse um ambiente de confiança e respeito
entre pesquisadora e participantes da pesquisa.
29
Portrait of a Young Man
About 1517 - 1518
SARTO, Andrea del
30
CAPÍTULO II
SITUAÇÔES IMPRESSAS NA HISTÓRIA DA JUVENTUDE
Tenho a sensação de não ter aprendido nada
desde o final da adolescência. As descobertas que
fiz antes disso são as que permanecem até hoje; o
restante parece trivial, secundário ou, na melhor
das hipóteses, um polimento.
Alberto Manguel
A juventude vista sob alguns dos seus aspectos histórico-culturais é uma
das condições por mim assumidas para iniciar esse percurso. A não homogeneidade
e as múltiplas dimensões constroem, em momentos distintos da história, a face de
uma juventude representada por seus costumes e práticas. Não é a juventude de um
lugar ou outro que se faz nítida, e sim, as relações sociais que recuperam tons e
imagens de uma época da vida nem sempre rigorosa no que concerne à idade.
As facetas que comportam a vida juvenil tais como as fragilidades, ingresso
no mundo adulto, aprendizagens disciplinadoras, a ordem de importância dos jovens
na sociedade e, até mesmo, a questão etária, pontuam cenas de um cotidiano
peculiar. Cotidiano este imbricado em um contexto que, se não se elenca como
típico do mundo dos jovens nos mostra que não existe uma variante única quando
tratamos de caracterizar a juventude.
As idéias e práticas do mundo juvenil encontram-se dispersas no dia-a-dia
daquele que transita por uma faixa de idade e de comportamento de aproximações e
distanciamentos. No mesmo momento em que se afasta do mundo dito infantil,
procura instituir-se em um período que irá preencher-se de aprendizagens de forma
a anteceder o mundo adulto.
31
Nesse encadeamento há de se perceber como as condições relativas à
idade, ou melhor, a faixa etária daqueles que se encontram vivenciando a juventude
é moldada por variações. A existência de uma “idade certa”, que regule e institua, de
maneira nítida, a figura do adolescente, não se faz de maneira o concreta. A
cronologia que acompanha a juventude é, por natureza e condição, feita de
imprecisões e incertezas.
A juventude em si, acaba por se fazer relacionar, em muitos contextos, com
a idade que referencia determinadas posturas. É a idade que prioriza imposições e
restrições de forma a melhor conter-se. Surge como um período cujas fragilidades e
falta de moderação nos atos coloca como necessidade à intervenção e a legitimação
por parte de educadores adultos.
Crouzet-Pavan (1996) ao relatar sobre a vida dos jovens na Itália Medieval,
séculos XIII à XV, descreve-lhes como a idade dos exageros e, que por isso, requer
orientações. Afirma Crouzet-Pavan (1996):
A juventude é o tempo dos apetites e de seu excesso. Assim ela aparece
como a continuação direta da infância. Após a idade da fragilidade do corpo
e das primeiras aprendizagens, vem a da fragilidade da alma e da razão.
Por falta de freio e de governo, a juventude entrega-se ao mal. Para a
própria sobrevivência da comunidade, e esse temor percorre todas as
pregações de São Bernardino de Siena, por exemplo, é preciso orientá-la. O
desenvolvimento deve portanto ser espiritual após ter sido físico
(CROUZET-PAVAN, 1996, p. 191).
A condição do termo juventude, como quase ilegítimo, também é pontuado
por Marília Pontes Sposito (1996:2), citando Mauger quando diz que “a primeira
questão que se apresenta é a da própria definição da categoria juventude,
considerada “epistemologicamente imprecisa””.
A relação de uma idade precisa para o reconhecimento da categoria “jovens”
não poderia ser construída sem gerar impasses. Igualar a juventude ou as
“juventudes” como um todo, representa fator emblemático uma vez que condições
histórico-culturais marcam de maneira bastante fluída, em épocas distintas, aquele
que poderia ser denominado como representante da categoria juvenil.
32
2.1 Jovens: questão etária e inserção no mundo adulto
Como Pais (1990), apud Sposito denota, a juventude encontra-se dispersa
no interior dos conceitos. No entanto, após o autor examinar trabalhos de vários
outros relacionados ao tema da juventude, consegue delinear duas trajetórias
possíveis para esses estudos. A primeira situaria a juventude como “um conjunto
social derivado de uma determinada fase da vida”. A outra, com dimensões mais
ligadas à vida social, procuraria relacionar o universo juvenil a partir das diferentes
situações de classe.
Engajados em uma vertente ou outra, fato é que o termo juventude parece
percorrer o interior da história, com posições ambíguas e não muito objetivas. É um
caminho construído mais por “acontecimentos” ligados ao jovem do que
necessariamente à idade que corresponderia a tais situações.
Augusto Fraschetti (1996, p.69) ao discorrer sobre o mundo antigo, mais
precisamente o mundo romano, conta sobre a construção desta cidade por dois
jovens: Rômulo e Remo. Estes após restituírem o reino de Alba para o avô Numitor e
vingar a mãe Réa Silvia, juntam-se com seus companheiros, homens e jovens, para
a fundação de uma outra cidade. Tidos como “servos” e “rebeldes”, esses homens,
formando uma nova massa de cidadãos, precisava ocupar um espaço outro.
Ser jovem, por essa época em Roma, também se apresentava mais como
um conjunto social que pouco tinha de relação com funções biológicas. As classes
etárias procuravam classificar as diversas fases da vida com uma visão não muito
nítida de adolescente. Fraschetti (1996), diz sobre a representação dos grupos
etários na Roma do mundo antigo:
(...) Em Roma continuava-se puer até os quinze anos, a adolescência
(adulescentia) durava dos quinze aos trinta, a juventude (iuventa) dos trinta
aos 45 anos. Com leves alterações, para Isidoro de Sevilha, no início do
século VII D. C., a infância durava até os sete anos, a pueritia dos sete aos
catorze, a adolescência (adulescentia) dos catorze aos 28, a juventude
(iuventus) dos 28 aos 50 anos (FRASCHETTI, 1996, p. 70).
33
Note-se que nesse tipo de classificação etária, a adolescência aparecia
distinta da juventude. Ser jovem, nestes casos, era uma condição mais ligada à
idade adulta. A juventude, nesses termos, era a medida para o início da vida adulta.
O jovem era aquele que iria transpassar para uma fase aonde seria considerado
então, “homem”. Fraschetti (1996) também acrescentará que o “alongamento” da
adolescência e da juventude servia a uma finalidade social. Pais visando prolongar
um maior poderio e jugo sobre seus filhos faziam com que a passagem de uma faixa
etária a outra fosse bastante longa. Era o tempo de estancar conflitos de gerações e
apontar aos filhos a quem estes deviam submissão. as mulheres, à época da
Roma Antiga, não se apresentavam referenciadas por uma idade etária. A condição
social faziam-nas adquirir uma nova terminologia aliada ao seu nome. Sobre isto,
nos diz ainda Fraschetti (1996):
No que concerne as mulheres, é importante sublinhar que, em Roma, ao
contrário dos homens, elas não eram definidas pela idade, mas por sua
condição física ou social: fisicamente virgines antes do matrimônio,
socialmente uxores, depois, matronae se haviam tido filhos, com a
designação genérica de anus para a velhice (FRASCHETTI, 1996, p.71).
Na década de setenta do século XX, as representações de idade e a
caracterização do adolescente continuam por ser de “recomendações”, haja vista a
não definição precisa de tal período. Conforme Vitiello (1988) esclarece, mesmo em
um Seminário Latino-Americano sobre Saúde do Adolescente, realizado no Rio de
Janeiro em outubro de 1977 verifica-se a complexidade do problema: “Na realidade,
não existe nenhuma definição de adolescência que seja clara, objetiva e universal;
todas as tentativas, como essa que reproduzimos, são na realidade descrições
pálidas desse período, e não definições” (VITIELLO, 1988, p.1).
2.2 Juventude: limites e representações da idade juvenil
Cabe-nos inferir que as discussões que tentam pôr os limites para a
caracterização do indivíduo jovem, em alguns momentos distintos, procuram
enfatizar o termo “adolescente”. A escolha vocabular justifica-se quando da
necessidade de um maior estudo que envolva a assistência aos adolescentes.
34
Nestes casos, a caracterização biológica e os aspectos psicológicos da adolescência
fazem-se de reiterada importância para os estudos sobre esta fase da vida. A não
rigidez, no sentido de olhar o jovem como um todo, gera conceituações que
adentram em questões mais restritivas. A juventude é cercada de fronteiras sociais,
psicológicas e biológicas que ora se juntam, ora procuram explicar-se por questões
individualizadas. No entanto, a flexibilidade não vocabular, mas de conceituações
surge com nitidez.
Referindo-se ao que seriam os “limites” da adolescência, Cavalcanti (1988),
chama a atenção para as definições de tal período. Em suas palavras:
Ao se definir a adolescência como uma fase do crescer biológico, social e
psicológico, entre a infância e a idade adulta, estamos estabelecendo limites
cronológicos. E duas formas de se proceder uma cronologia da
adolescência: a primeira é a fixação de datas (cronologia absoluta); a
segunda, é relacionada aos fenômenos da adolescência com outros fatos
que ocorrem na sucessão do tempo (cronologia relativa). Quando se diz, por
exemplo, que a adolescência feminina se inicia quando no corpo da infante
começam a aparecer os primeiros sinais de desenvolvimento das mamas e
dos pêlos pubianos, estamos fazendo uma cronologia relativa, isto é,
associando o início da adolescência a fatos fisiológicos que podem ocorrer
mias cedo ou mais tarde na seqüência do tempo. Por outro lado quando
fazemos uma datação, isto é, quando fixamos o início da adolescência em
termos de dias, semanas, meses ou anos, estamos procedendo uma
cronologia absoluta (CAVALCANTI, 1988, p. 7).
Dessa forma, o estabelecimento de uma cronologia da adolescência
constrói-se em meio a situações diversas. A datação com especificação de idade
limite para designar o início e o fim da juventude apresenta-se com “várias idades”.
Cada época e condição, delimita em acordo com sua sociedade, a idade etária que
melhor represente o período juvenil. Também, as formas de inserção no mundo
adulto e, as aparências e atitudes que revestem características marcadas pelo
transitório, revelam um grupo etário quase sempre disposto historicamente como
uma fase a ser cuidadosamente olhada como o começo e a preparação a uma outra.
Estar contido em uma definição de jovem ou adolescente não se distanciava muito
da figura da criança. A imagem desta sempre poderia ser retomada lado a lado a do
jovem. Principalmente por limites de idade em termos de anos. A criança de doze
anos poderia também ser vista como o adolescente de igual idade.
35
Quanto a esse aproveitamento da fase juvenil para marcar a “entrada no
mundo adulto”, Fraschetti (1996), utilizando-se da exemplificação contida na Roma
do mundo antigo, diz:
O início da juventude coincide com um ato formal: para o homem, envergar
a toga viril. Identificaremos seu término quando o jovem romano, no âmbito
das camadas altas, começa a ter acesso às primeiras magistraturas,
entrando assim no mundo adulto, assumindo uma gestão pelo menos
parcialmente autônoma de sua pessoa. Nas camadas inferiores, o problema
certamente se torna mais complexo por causa do quadro familiar e social
(...) (FRASCHETTI, 1996, p. 72).
O valor imputado a esse ritual romano arcaico é o de se observar a
importância dada à passagem de uma fase da vida a outra. A preparação de uma
cerimônia para que o jovem pudesse abandonar os valores e atitudes da infância e,
até mesmo de uma idade dita não adulta, é marcado com um rito de passagem.
Ultrapassar essa fase, para o jovem, projeta-se como fator de status uma vez que,
vestir a “toga viril” em Roma, era uma forma de dizer que, aquela pessoa, tornara-se
cidadão. Legitimar-se através do uso da “toga viril” consistia, por essas vias, em
apresentar-se nos seus plenos direitos, tão comuns e próximos dos cidadãos
romanos já constituídos na freqüência desta vestimenta.
O jovem romano, conforme atesta Fraschetti (1996), participava dessa
cerimônia de abandono da infância e inserção na comunidade adulta primeiramente
em casa. E, posteriormente, seguia em cortejo pela cidade acompanhado pelos
familiares e amigos. O vínculo ao poder dos pais não era de todo dissociado por
conta de tal ritual. A imagem do pai como representação de poder sobre os filhos
ainda constituía-se de grande força. A idade para projetar-se na vida cívica da Roma
arcaica também flutuava entre os quinze e dezesseis anos. Conforme Fraschetti
(1996: 73) “Em geral, entre os quinze e dezesseis anos, para o rapaz a cerimônia
acontecia em primeiro lugar em casa”.
O reconhecimento das diferenças culturais e, não obstante de distintas
idades para a marcação da juventude em grupos diversos fez-se valer também na
vida de jovens judeus na Europa. Atestar um jovem de trinta anos na mesma
categoria de uma jovem ou jovem de dez a dezoito anos esteve presente ao longo
do tempo. Relacionar a vida de jovens meninos judeus com os mesmos correlatos
36
da vida de uma jovem judia, mesmo em épocas diferenciadas, parece não ser tarefa
possível de igualdade. Para os meninos judeus reservava-se o estudo de textos
religiosos; já para as meninas judias a vida com os afazeres domésticos e, a
preparação para o casamento aparecia como objetivos primeiros.
Tanto na Espanha do final da Idade Média como na Itália do início da era
moderna comportavam, de certa maneira, as incertezas quanto à idade. Idades
várias e condições das mais diversas abrigavam, a exemplo, no século XVII o rapaz
de treze anos que poderia se casar bem como aquele que não havia completado
trinta anos. Claro que ainda assim não poderíamos afastar de um todo a figura do
pai. A este se destinava dar a permissão ou o ao jovem que quisesse casar-se
antes dos dezoito. Qualquer uma dessas idades serviria para acomodar o conceito
do jovem judeu. Essas considerações nos remetem a Horowitz (1996). Vejamos:
(...) Havia consideráveis diferenças de idade entre aqueles que, nas
diversas comunidades, poderiam ser incluídos na categoria de jovens isto
é, aqueles que não eram mais considerados crianças, mas ainda não
eram tidos como adultos plenos. Poderíamos incluir nessa categoria, no
inicio do período estudado (Idade Média), o judeu alemão de trinta anos
cujas aulas eram pagas pela mãe e, no final do período, o órfão inglês de
dez anos, que a tia e a avó, após cuidarem dele durante oito anos,
colocaram para fora de casa dizendo que era velho o bastante para se
sustentar (HOROWITZ, 1996, p. 98).
Fatores de ordem social e arranjos familiares estavam bem mais próximos
na distinção da juventude judaica do que propriamente a questão etária. A idade de
um jovem judeu poderia oscilar dependendo das acomodações impostas pela
sociedade. Do século doze ao dezessete, Horowitz (1996, p. 100) afirma que os
indícios levam a sustentar que a idade de dez anos resguardava-se, geralmente,
como a idade do fim da infância. Era a idade que o menino judeu poderia ser
considerado plenamente “adulto” para fazer transações comerciais.
As acomodações para distinguir a idade do jovem em épocas outras pode
nos remeter aos exemplos literários. Entre os séculos XI e XVI a literatura européia
reserva uma série de histórias com heróis épicos e cavalaria e, sobretudo jovens. A
Idade Média comporta, via textos escritos em português vulgar, trajetórias da
juventude. Estes particularmente do sexo masculino e pertencentes à nobreza. As
histórias de cavalaria (romances, poemas, epopéias) e o amor cortês residem nas
37
histórias da Idade Média e nos reporta, ainda que literariamente, a exemplos de uma
juventude via termos presentes nas Canções de Gesta. Marchello-Nizia (1996) nos
relata que o próprio termo “cavalaria” carrega uma semântica ligada a vários
sentidos: ”cavalheiresco” (chevalereus). Ligado a essas noções, precisando-as,
aparece todo um conjunto de adjetivos: “orgulhoso”, “aspirante” (bacheler), “jovem”,
“ousado”, “nobre”, “valente”, Além dos termos relacionados à cerimônia de
ordenação (adouber e adoubement)” (MARCHELLO-NIZIA, 1996, p.144).
Os homens pertencentes às histórias de cavalaria mais do que a questão
etária carregam adjetivos que os qualificam. É um grupo considerado por conter os
fortes, os leais, os belos, os ousados. Os atributos físicos e morais devem ser a
situação definidora para aquele que irá preencher as narrativas como herói
romanesco. Todavia, com o Roman de la rose [Romance da rosa] de Guillaume de
Lorris, escrito por volta de 1230, como diria Marchello-Nizia (1996), o único atributo
dito do herói é a sua idade: 20 anos. Numa marcação clara de uma situação juvenil
presente na literatura, as histórias de cavalaria também deixam registrados outros
fatores. Agir como “adulto” precisaria ser alcançado e não sem passar pelos ritos de
forma a alcançar os direitos que não eram permitidos aos jovens. Marchello-Nizia
(1996) ao mencionar a importância do verbo adouber (ordenar cavaleiro) nos ritos de
passagem nos mostra que:
Muito próximo a chevalier e chevalerie, um verbo importante, pois, na
vulgata medieval habitual, ele designa o rito de passagem do jovem à
cavalaria: é adouber [ordenar cavaleiro]. E seu aparecimento, a evolução do
seu emprego, das construções em que participa, dos contextos em que
aparece, e portanto de suas significações, são reveladores da própria
evolução dessa noção entre os séculos XI e XIII. “Rito da nobreza, do
domínio senhorial, da feudalidade”, uma vez que assinala o acesso a certos
números de direitos e à habilitação de agir como adulto”, a ordenação de
cavaleiro era, na origem, uma cerimônia profana (MARCHELLO-NIZIA,
1996, p.150).
2.3 Jovens e crianças: os ajustes para a maioridade
Na sociedade do século XIX, a criança, por definição, conforme nos diz Leite
(1997), “era uma derivação das que eram criadas pelos que lhe deram origem. Era o
38
que se chamava “crias da casa””. Nessa condição, a infância, assim como a
juventude assume uma construção cultural de também se colocar sob uma tutela do
adulto. Um período antes, em 1771, a Encyclopaedia Britannica, no intuito de
descrever o termo criança coloca infant como “uma criança pequena”. A referência à
criança surge, tanto quanto a referência ao jovem, como uma fase “anterior” e que
requer cuidados e preparação para uma fase posterior. As idades (faixa etária) da
criança e do jovem sustentam-se, mormente, em situações muito tênues. A infância
cerca-se de faixas etárias que podem circular num período de 0 a 14 anos e, a
juventude, também pode carregar o indivíduo de 13 ou 14 anos. Os códigos de
maioridade costumam aparecer quando o assunto é a idade da criança ou do jovem.
E Leite (1997), nos mostra via uso de expressões de fala e também, quando
comenta sobre quais eram as idades definidoras para a criança passar a ser
considerada com uma provável maioridade. Ela nos aponta que:
Em alguns textos, encontra-se a expressão “desvalidos de pé”, que
designava aquelas que já andavam e, portanto, podiam desempenhar
pequenas tarefas. Para o código filipino, que continuou a vigorar até o fim
do século XIX, a maioridade se verificava aos 12 anos para as meninas e
aos 14 para os meninos, mas para a Igreja Católica, que normatizou toda a
vida das famílias nesse período, 7 anos é a idade da razão (LEITE, 1997,
p. 19).
Na direção dessa reflexão, podemos verificar que o sentido colocado para
atingir uma maioridade sempre foi proposto em consonância com o adulto. Qual o
melhor momento para deixar a adolescência ou a juventude passa a ser uma
escolha que melhor se adeque à sociedade da época. As situações de vida
colocadas como sendo da condição juvenil apenas sofrem ajustes para melhor se
alocarem. Atingir uma maioridade com 14 anos ou, ser considerado jovem mesmo
com 30 anos surgem como marcas as quais podem ser alteradas em conformidade
com os valores instituídos pela sociedade em cada período.
Dados sobre as condições e perspectivas da juventude brasileira, na
atualidade, aparecem em pesquisas como a do “Projeto Juventude” empreendido
pelo Instituto Cidadania desde meados do ano de 2003 e, o perfil da juventude
brasileira coloca-se como um dos objetivos desse estudo. Nesse sentido, podemos
dizer que, por esses estudos aproximamo-nos, ainda que de maneira quantitativa,
de algumas falas e discussões sobre a condição juvenil. A realidade a partir de
39
algumas informações coletadas para esse projeto demonstra que, fatores como
ajustes de faixa etária que melhor se ajuste aos tidos como jovens, ainda é
provocada por situações de demarcações. Quanto a este perfil, Abramo (2005),
utilizando referenciais dessa pesquisa, diz:
O grupo de idade tomado na pesquisa, de 15 a 24 anos, é o que vem se
tornando convenção, no Brasil, para abordagem demográfica sobre
juventude, pois corresponde ao arco de tempo em que, de modo geral,
ocorre o processo relacionado à transição para a vida adulta. Diversas
instituições de pesquisa (como IBGE e IPEA), assim como os últimos
estudos aqui publicados (ver, por exemplo, SPOSITO, 2003; POCHMANN,
2004 e RIGOTO, 2004) têm usado este recorte, sem deixar de alertar para a
necessidade de sempre relativizar tais marcos, uma vez que as histórias
pessoais, condicionadas pelas diferenças e desigualdades sociais de muitas
ordens, produzem trajetórias diversas para os indivíduos concretos
(ABRAMO, 2005, p. 45-46).
Estas formas de se demarcar a idade jovem e referenciá-las a
condicionantes culturais, históricos ou, amesmo, biológicos em alguns momentos,
em muito a faz aproximar-se de outras duas trajetórias: a idade infantil e a idade
adulta. A idéia que procura moldar a infância dentro de alguns limites de idade
colocados como sendo da criança, não a deixam imunes de um encontro com a
idade juvenil. Também, nesse mesmo ritmo, a idade adulta não se isenta de
confrontar-se com a idade da juventude quando da provável passagem de uma a
outra. A idade adulta que se sustenta por conta de inumeráveis aprendizagens
como condição para sua estabilização, constrói-se entre um arranjo de autorização
representado pelos ritos de passagem e, por situações com o intuito de
disciplinarizar. É o período que, para ser atingido, necessita de todo um caminho
voltado à educação. A condição de aprendiz, nesse sentido, isenta a fase adulta de
um suposto itinerário cuja situação precisa ser ultrapassada. O jovem ou a criança,
não se retiram tão facilmente desse cenário de aprendizagens. A condicionante
que move os excessos de cuidado para o “aprendiz” ingressar no mundo adulto é
tomada de pouca intensidade quando este se encontra na idade considerada “de
maior”. Com essa “autorização social” pouco lhe remetem no sentido de
necessidade de alteração para outra fase da vida. Ainda que a aprendizagem
persista, esta procura dar tons de aprimoramento ao que está pronto. As idades
para revestir-se de educação e ensino são as que antecedem o futuro adulto. Estas
40
sim, com as tarefas de rumar-se para uma outra, ou melhor aquela que precisa ser
aprendida ou “imitada”, ainda que na infância .
Segundo Leite (1997):
Tendo em mente que a infância não é uma fase biológica da vida, mas uma
construção cultural e histórica, compreende-se que as abstrações
numéricas, não podem dar conta de sua variabilidade. Dos 8 aos 12 anos,
os meninos são considerados adultos-aprendizes e vestem-se (de acordo
com a camada social) como tais (LEITE, 1997, p. 19).
2.4 Jovens e a educação: disciplina, rebeldia e excessos juvenis
O tratamento dado à aprendizagem, na idade juvenil, delega a essa faixa
etária, o tempo destinado à preparação. Os ensinamentos e, até mesmo, a entrada
em uma idade profissional, colaboram para esse quadro. Ser educado e disciplinado
para uma vida adulta impõe-se na ordem das coisas para aqueles que se encontram
na infância e juventude. Mais precisamente ao adolescente é acionado todo um
percurso que visa “educar moralmente”. Os jovens, alunos dos colégios na França e
na Europa nos séculos XVIII e XIX, conforme aponta Caron (1996), ingressam no
ensino secundário para que se possibilite aos mesmos um curso de estudos
progressivos. Nos limites dessa faixa etária, Caron (1996) citando Furetière, diz que
em seu dicionário datado do ano de 1690, a palavra adolescente designava o rapaz
de 14 a 25 anos e, no século XIX, Pierre Larousse no Grande Dicionário universal
desse século, comenta que essa marcação não se distanciava tanto desse limite de
idade.
Para essa idade, os ensinamentos morais e o cuidado com o corpo saudável
deixam transparecer quais prerrogativas educacionais considerava-se de valor. O
cuidado com a saúde física e, sobretudo com o “educar moralmente” apontam as
diretrizes para as instruções ao futuro adulto. O ensino secundário nos anos de 1780
a 1880, na França e na Europa, é amparado como nível de ensino para as classes
ascendentes e acontece nos colégios e liceus.
41
Àquele que é concedido o privilégio social de continuar os estudos após o
ensino primário, a ideologia escolar procura considerar principalmente a adequação
às normas. A sociedade burguesa do final do século XVIII entende a juventude como
propulsora do que mais envolve sua crença: estudo e instrução. A educação ocupa,
então, um lugar privilegiado para fins de modelar o homem. Pois, é por intermédio da
escola e, conseqüentemente da educação, que o jovem poderá formar-se,
transformando-se em um novo alento para o futuro da sociedade.
Resume Caron (1996):
Quanto à finalidade do ensino do Antigo Regime, concorda-se em dizer que
visava mais educar do que instruir. Não que não se aprenda, mas não
sendo objetivo da educação fornecer um diploma ou um ofício, acentuava-
se a fabricação de homens de bem ou de gentleman, protótipos de
sociedade de ordens baseadas no pensamento cristão (CARON, 1996, p.
140).
A construção do “homem de bem” passava distintamente por uma formação
escolar. O controle social que poderia ser exercido pela instituição escola passa a
ritmar os alicerces de uma educação concentrada na instrução. Antes disso, alguns
tratados sobre educação, do século XVII, procuravam referenciar quais modelos
poderiam ser ditados dentro de uma visão educacional. Cuidados morais que
tratavam de dar conta do tratamento da alma, caminhavam ao lado de um cuidado
com o físico. Caron (1996), ao citar o estudo de John Locke, de 1693, intitulado
Algumas Reflexões sobre a Educação salienta que, para este, tratar da integralidade
da criança e do adolescente seria “levar em conta suas necessidades físicas e
morais, sua educação e sua instrução, incluindo-se a educação física e o
aprendizado de um ofício, em uma obra destinada aos filhos de gentis-homens”
(CARON, 1996, p.140).
Essa situação de “cuidados” com a educação e a aprendizagem, ainda que
numa condição de aprendizagens voltadas a um sentido moral e espiritual, também
esteve a cargo das famílias em outras épocas. Oliveira (2005), explica que no século
XIV as ordens dominicana e franciscana resolvem por preparar a família para que
esta administre a disciplina em seu interior. Conter as agitações, resguardar a alma,
42
e afastar as tentações da vida cotidiana apresentavam-se como necessárias.
Oliveira (2005, p. 64), explica que a preocupação da Igreja era a de:
Os educadores e confessores engajados e convictos da eficácia do
pensamento religioso empenharam-se em, por meio, de uma disciplina
rígida, impor o adestramento, que será doravante aceito por seguidores, e
que estará voltado prioritariamente para os sentidos, como precursores mais
perigosos da concupiscência (OLIVEIRA, 2005, p. 64).
Complementa dizendo que, no século XVII a criança é tida como de “poucas
qualidades” e, principalmente, necessária do recebimento de uma educação mais
rigorosa por parte dos adultos. também, mais tarde, o interesse de transformá-la
da condição de criança para a de um adulto. Para tanto, no século XVIII surge um
outro interesse pela criança: “A necessidade de produzir homens que farão à riqueza
do Estado. Estado e Igreja se unem em torno desse objetivo” (OLIVEIRA, 2005, p.
66).
A exposição do jovem a uma educação formal passa a representar,
convencionalmente, os cuidados ampliados à formação educacional. Esta passa a
ser concebida de maneira a orientar, por etapas, toda uma construção do jovem em
direção ao homem dito “esclarecido”. Para que se concretizem tais etapas, o homem
passará, via educação por uma busca não mais do divino e sim, da materialidade de
sua felicidade.
A busca de uma sociedade sob a ótica da liberdade sustenta o discurso
quando da eclosão da Revolução Francesa. A crença passa a valer-se da idéia de
que a educação deveria justificar-se através da insígnia do cidadão dito esclarecido
como o representante ideal da sociedade. E, a classe jovem, é a que melhor se
projeta para um investimento educacional. Nacionalizar as escolas e distingui-las de
um estudo guiado por congregações impõe-se como o modelo a ser implantado nas
escolas e liceus. Os projetos educativos vislumbrados pela Revolução Industrial
apresentavam como alvo certo e necessário o enredamento da juventude. Essa
precisava mais do que nunca, de situações educativas que instanciassem um
modelo ou uma educação pela uniformidade. Todos que lutavam sob um forte apelo
da Revolução e, mesmo aqueles não tão próximos concordavam quanto aos
cuidados com a massa juvenil. As opiniões necessitavam de um controle público e,
43
os jovens, enquanto representantes das novas gerações, precisavam de um certo
controle. Sobre essa postura educativa de controle social sobre a juventude, nos diz
Caron (1996, p.) “Na França, Guizot, porta-voz da burguesia liberal faz-lhe eco em
1832: a base mais inabalável da ordem social é a educação da juventude”.
A concepção de uma educação montada no interior das escolas vai tomando
lugar em relação à figura do preceptor com uma educação individual e privada. Os
projetos educativos, lançados por intermédio da Revolução Francesa, dão conta de
um início da formação dos sistemas nacionais de ensino. O século XIX procurará
aliar a instrução escolar ao cotidiano dos jovens. Na seqüência de uma educação de
professores particulares, coloca-se a educação obtida nos colégios. Educação
pautada pela rigidez dos programas e horários que não tinha por mérito a formação
de uma personalidade autônoma. As escolas e liceus apareciam como uma
condição de junção social aponta Caron (1996):
(...) em uma Europa a imaginar e a reconstituir, na busca de valores novos
depois da derrocada de uma sociedade baseada na busca da salvação, na
necessidade de definir as regras de novas relações sociais, afirma-se o
papel da escola como aglutinante entre os homens. Convicção religiosa que
se encontra expressa no pedagogo que certamente teve mais influência no
século XIX, Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827); Não há para a nossa
parte do mundo, arruinada moral, espiritual e politicamente, nenhuma
salvação possível, a não ser pela educação, a não ser pela formação da
humanidade, a não ser pela formação do homem” (CARON, 1996, p.).
Como pode ser visto, o século XIX, confirma o sistema educacional regido
por escolas e liceus. E, mais do que isso, a infância e adolescência cercam-se de
cuidados para uma formação que promova o surgimento do dito cidadão. A família
não se apresenta como tutora única e soberana da educação. Caron (1996) coloca
que a disciplina coletiva dos internatos, é a que irá representar os modelos da
educação cujas crianças serão confiadas aos professores. Ou seja, o processo de
substituição da educação familiar pela educação na instituição escolar.
Nesse sentido, e centrando uma atenção à difusão das práticas de leitura,
temos que considerar o que Hébrard (1999, p. 39-40), diz sobre o papel específico
da escola na difusão do ler, escrever e calcular. Para ele, o primeiro momento ocorre
no final do século XVII quando Jean-Batptiste de Salle apresenta um tipo de
escolarização. Esta apoiada na leitura e na catequese, procura imprimir um estudo
44
voltado ao conhecimento da escrita, aritmética e contabilidade e é principalmente
voltada para um público de artesãos e comerciantes. Num segundo momento, nos
anos de 1833 e 1842, a escola controlada pelo Estado, passa a dar importância a
capacidade de redigir em detrimento à cópia de modelos. E, por conta disso, passa-
se a ter um maior acesso a textos desconhecidos. Um terceiro momento chave da
difusão da cultura da escrita pode estar alojado nos anos anteriores à Grande
Guerra. Nessa conjuntura, se coloca a leitura e a escrita como meio de adquirir
outros conhecimentos tais como história e geografia.
As aprendizagens que refazem o percurso do ler, escrever e contar
procuram delinear por quais caminhos ocorreu a escolarização. A relação com a
escrita o era a mesma traçada para o ato de leitura. Como diz Jean Hébrard
(1999, p. 40): “Na véspera da Revolução, aprendia-se a ler antes de aprender a
escrever, depois, a “desenhar os números”. Apenas uma minoria de crianças
perseverava além das classes de leitura. Entre os “ignorantes(quem não sabe nem
A nem B) e os “instruídos” (quem “sabe ler-escrever-contar”) estavam todos os que
deixavam à escola sabendo “somente ler”. Como podemos atestar, a instrução,
ainda que não direcionada amplamente para o ler e escrever na mesma proporção,
guiavam o rumo de uma aprendizagem apoiada em uma escolarização.
O século XVI, face ao aprendizado, apresenta algumas maneiras distintas de
se lidar com o escrito. A formação do cristão passa a considerar como
preponderante não o batizado na comunidade religiosa, mas também começa a
entender que a formação e a instrução devem fazer parte da rotina dos fiéis para
que estes possam memorizar “as letras”, desconsiderando escritos heréticos. Para
tal empreendimento, surgem os ensinamentos por via dos catecismos. Estes
colocados como livros de leitura e utilizados por reformadores protestantes e,
depois, por bispos católicos cumprem a função de manual para os que ensinavam.
no século XVII, os catecismos passam a ser vistos como livro de leitura dos
alunos e, devido a isso, abrigam ensinamentos desde o quadro de sílabas aas
orações e os salmos de penitência (HÉBRARD, 1999, p. 44).
A educação e a disciplina, é possível dizer com Oliveira (2005), estiveram
ligadas aos livros que serviram ao ensino da criança no século XVI. Conteúdos
moralizantes e finalidades cujo objetivo maior era desenvolver a civilidade
45
constituíam-se no suporte para a formação escolar. Apesar de não incorporarem
uma totalidade voltada ao que se poderia chamar de “livros escolares”, cumpriam
uma função de normatizar o pensamento e fazer uma abordagem mais rigorosa da
educação. Os tratados de civilidade, como manuais impostos pelo adulto, “eram
tratados de “boas maneiras”, que ensinavam a falar corretamente, a responder
perguntas, a ter hábitos de higiene, regras à mesa; tratados de regras moral, de
como conter a própria língua, moderar a cólera, esconder os próprios erros, não falar
dos próprios sonhos, escolher bem sua mulher e ainda tratados na arte de agradar e
amar..” (OLIVEIRA, 2005, p.94).
Sociedades distintas, tais como os jovens judeus na Europa de outros
séculos, também confirmam uma composição de mundo voltada para uma educação
de “cuidados” com as experiências de suas crianças e jovens. Horowitz (1996, p.
97), afirma que a vida de meninos e adolescentes judeus apresentava algumas
distinções das jovens judias. Estas, com um encaminhamento educacional mais
doméstico e voltado aos laços matrimoniais distinguiam-se dos meninos e
adolescentes que deviam estudar os textos religiosos com freqüência (HOROWITZ,
1996, p. 97).
As políticas familiares de “cuidados” também se projetam na história da Itália
do final do século XVI e nos séculos XVII e XVIII. A educação das moças
adolescentes preparava-as para assumir, sem maiores excepcionalidades, o
compromisso com o casamento ou com o hábito. para os homens, a figura de um
adolescente regrado pela modéstia e obediência fazia-se prevalecer. Ago (1996, p.
340), irá destacar que a educação de jovens, principalmente os de descendência
nobre e os considerados primogênitos na família, além de uma “instrução doméstica
guiada por professores particulares”, seguiam também um estudo que começava a
propagar-se: o dos colégios.
Os encaminhamentos para uma possível escolha, atrelam o caminho dos
jovens a formas de educação, cujos cuidados por parte dos pais, procuram adequar
tipos de vida que melhor se apresentem para o destino das moças e rapazes. O
processo educacional pelo qual cada jovem teria que passar, vincula-se a escolha
de uma instituição que possa dar uma continuidade à educação familiar:
46
Uma alternativa válida, por exemplo, são as escolas para pajens, criadas
em todas as cortes italianas e européias. Outra é constituída por conventos-
seminários. Escola, colégio ou convento não o, todavia, equivalentes; a
escolha de uma ou de outra antecipa com bastante nitidez a carreira para a
qual se encaminha o adolescente. Ser um pajem significa direcionar-se para
as glórias militares em algum exército ou numa das ordens cavalheirescas,
como a de Malta. Ao contrário, a passagem pelo colégio conduz, como
vimos, a uma condição genérica de fidalgo ou então ao doutoramento em
direito e às carreiras de advogado, magistrado ou prelado de Cúria,para as
quais se exigem os mesmos requisitos. O convento-seminário implica,
enfim, a aceitação dos votos e o ingresso na ordem religiosa à qual
pertence (AGO, 1996, p. 341).
Conceder um pouco de estudo a cada jovem mostrava-se na preocupação,
pode-se assim dizer, das famílias mais ricas. Fornecer um mínimo de instrução aos
rapazes, mesmo àqueles encaminhados a uma profissão, também era bastante
valorado, uma vez que, de se considerar a faceta de aprendizagens imposta a
idade juvenil. Ser jovem remetia sempre a uma situação de não se saber bem o que
queria devido a pouca idade. E, por conta disso, concessões e resignações diante
de um futuro planejado de maneira disciplinar pela família, configurava-se de
maneira comum aos jovens. Ago (1996), ainda irá dizer que quanto a isso não
haveria nenhum problema, pois:
Na maioria dos casos os pais podiam contar com a interiorização dos
interesses familiares por parte dos jovens e com uma espontânea adesão
deles ao destino que lhes era reservado. Não se pode portanto falar da
tirania paterna, de verdadeira coerção da vontade. Todavia, falar de respeito
seria igualmente excessivo. Se assim fosse, os genitores deveriam também
aceitar as decisões contrárias aos seus desejos e projetos, quando na
realidade eles as desencorajavam ativamente. Nos casos considerados,
não conflito porque a escolha do jovem coincide com as exigências da
família, contentando a todos, ou então porque sua decisão não é muito
relevante para os destinos familiares (AGO, 1996, p. 350).
A junção entre formação educacional e disciplina também pode ser
verificada sob a vertente das implicações impostas a cada um. Estar condicionado a
determinada postura de obrigações e deveres, ainda que seja pela família, impõe
coerções e situações de imposição nem sempre nítida como um controle disciplinar.
Para melhor perceber a relação entre jovem, leitura e disciplina, consideremos
Foucault (1987) e seu estudo científico que põe o corpo como um centro que “se
manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas
forças se multiplicam.” (FOUCAULT, 1987, p.117). Nesse sentido, a abordagem ao
47
processo disciplinar pode ser olhado por via das instituições que sempre tiveram por
condição, o serviço de resguardar a ordem, os bons costumes e, principalmente
disciplinar a educação. Segundo Foucault (1987, p.118):
Muitos processos disciplinares existiam muito tempo: nos conventos, nos
exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer
dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da
escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos
corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e
violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes
(FOUCAULT, 1987, p.118).
Diante desta argumentação, parece claro o relacionamento bastante tênue
entre conventos, exércitos, instituições escolares e os processos disciplinares. A
submissão a uma idéia, palavra e, até mesmo a uma solicitação advinda de
superiores, da família ou do espaço escolar, ainda que sutis, culminam por colocar a
disciplina como um investimento de contenção dos atos do corpo e da mente. A
obediência e a imposição operam as forças que disciplinam muitas vezes, e faz o
olhar esquivar-se do que foi “mandado” ou “pedido”.
A juventude operária no século XIX, ainda que bastante cedo levada ao
trabalho, não usufrui das mesmas situações do adulto. Numa situação de aprendiz,
condiciona-se aos aprendizados e regramentos impostos. A situação disciplinar,
mais do que uma ação requerida, serve para conter a “vagabundagem”, a
“libertinagem” e o “espírito contestador”. Pois, “a família e a classe operária têm
necessidade de seus jovens, mas lhes pede trabalho, obediência e, em última
instância, silêncio. Eles se exprimem pouco, e quando o fazem, sua voz é reprimida”
(PERROT, 1996, p. 84).
A família operária do século XIX regulamenta as condições de vivência tais
como a união e as aprendizagens sem, contudo levar em conta as vontades.
Principalmente quando estas eram frutos do desejo de mulheres e jovens. As
decisões tangenciadas por um caminho da coerção, não deixam escapar escolhas
para: um emprego, uma formação, e, até mesmo o uso indevido do salário ou uma
união precoce. Se para o adolescente do sexo masculino a relação com o trabalho
se pela fábrica ou na oficina familiar, para as meninas o serviço doméstico cada
vez mais é o que é reservado. Também, numa linha disciplinar, cujo corpo é o
48
principal atingido quando de um castigo, é devidamente autorizado não ao pai
como para o patrão, a punição com golpes de vara de junco e depois o pão seco.
Ser um aprendiz, ainda jovem, era conciliar todos os serviços a que lhe eram
destinados.
Segundo Michelle Perrot (1996):
O aprendiz é o “burro de carga” da oficina, bom para tudo e para nada,
atormentado por uns e por outros, doméstico de todos, inclusive da patroa
que faz dele empregado e garoto de recados. Ele limpa os instrumentos, as
bancadas de trabalho, a oficina, varre, arruma; transporta caixas e pacotes,
faz entregas, arrastando pesadas cargas em carrinhos de mão que no
século XIX constituem o meio essencial de transporte de mercadorias
(PERROT, 1996, p.105).
O papel da aprendizagem mais do que o “aprender”, assumia a conotação
de cumprir tarefas. Sua relação com o aprender assumia tons necessariamente
disciplinares. Não muito diferente, era o modelo de educação advindo dos mosteiros
e escolas monásticas. O que se pode ver no ensino do século XVI e XVII era que, o
que poderia ser dito como um caminho educacional não aparecia como o objetivo
central dessas instituições. Se para muitos pais o mosteiro era a alternativa mais
viável para a educação dos filhos, temos que verificar que Oliveira (2005) explicita
como se dava essa educação pela disciplina. Ela diz:
A disciplina era conseguida através dos castigos físicos; ser açoitado era
parte da educação da infância. Numa relação pedagógica desigual, ao mestre cabia
o direito de falar e ensinar, e ao discípulo calar e escutar.
O “sadismo pedagógico” imposto àqueles que dominavam a leitura oral
era de tal forma desumano, que se um adulto errasse, ao recitar os salmos ou lições,
devia humilhar-se, ali mesmo diante dos ouvintes, caso contrário seria submetido a
uma penitência mais severa, pelo fato de não querer corrigir-se do erro cometido por
negligência. Já para as crianças não havia a escolha da retratação, mas eram
açoitadas pelo seu erro (OLIVEIRA, 2005, p. 88).
A sujeição à disciplina escolar acaba por inscrever a educação em
parâmetros de forma a distanciar a juventude de tudo aquilo que pudesse vir a
corrompê-la. Nada poderia abalar a criança e o jovem em uma educação de forte
49
expressão moralizante. E, “através da disciplina eclesiástica ou religiosa, a criança
será orientada no sentido de seu aperfeiçoamento moral e espiritual”. (OLIVEIRA,
2005, p.92).
O importante, porém, são os caminhos assumidos pela educação do “dever
ser” e, de como o mecanismo disciplinar seguiu nos encaminhamentos do percurso
escolar. O sistema educativo e as suas formas de enredamento indicam posturas
cuja autoridade imposta, revelam traços de uma autoridade que ainda se sustenta
no discurso escolar. Para concluir esse pensamento, mais uma vez as palavras de
Oliveira (2005):
A escola atual, trazendo ainda a herança histórica e cultural dos séculos
idos, e mesmo não fazendo apologia ao castigo físico, age na forma de
coerção simbólica, colocando a todos na mesma fôrma. Ao tratar do dever
ser infantil, ainda está atravessado pelo pensamento ideológico, de que é
preciso subordinar as crianças, discipliná-las, castrando seu pensamento,
filtrando de forma eficaz os conteúdos culturais, sob o peso de uma
autoridade que impõe o silêncio, e ainda fazê-las conviver com a
humanidade que, potencialmente, em cada um dos sujeitos que
constroem e reconstroem o mundo (OLIVEIRA, 2005, p. 93).
Ainda que o sistema educativo e a disciplina terminem por impor regras à
juventude, esta não se numa condição na qual deixe totalmente de lado, uma
imagem de rebeldia e excessos. A imagem medieval traz os atributos e códigos da
idade juvenil e acaba por deixar aparecer os papéis transgressivos, muitas das
vezes, presentes nesta classe etária. A iconografia medieval pouco sustenta as
imagens de um corpo jovem ou, até mesmo, a juventude em meio social. Todavia, o
discurso dos textos mostra a juventude como “turbulenta, ruidosa, perigosa.” É
aquela que transgride a ordem social e moral e está sempre próxima a desordem.
Pastoureau (1996) coloca que:
Os jovens... são insolentes e briguentos, crêem saber tudo, entregam-se a
loucuras de todo tipo, gastam irrefletidamente, vivem na luxúria e no
pecado. É preciso dar-lhes lições, cortar seu orgulho, orientar seus corpos
para exercícios úteis (Pastoureau, 1996, p.259).
50
Diante de tal quadro, a juventude é muitas vezes representada na
iconografia com um lugar pequeno. Todavia, no fim da Idade Média, o
representados “nas figuras grotescas, nas muitas raras apresentações da vida
estudantil, dos rituais de inversão, dos carnavais ou das algazarras” (Pastoureau,
1996). A imagem que sempre se faz representar nas festas e nos divertimentos e até
na iconografia dos vícios e situações desonestas termina por ser a do jovem. A
imagem dos jovens em grupo é facilmente representada uma vez que estes sempre
escolhem por andar em conjuntos e bandos formando uma massa. Apresentam
laços que os unem, mas ao mesmo tempo o causadores de desordens e ruídos
vários. Na iconografia, o que termina por retratar essa desordem são os jogos de
cores, e as linhas que delimitam gestos, lugares e contornos. São as cores
contrastadas, opostas, situações com linhas quebradas, encrespadas. O jogo de
cores faz-se necessário. E, por conta disso, de se questionar se não existe uma
cor que represente a juventude. Pastoureau (1996) diz:
De fato, muitos são os textos que, no Ocidente, a partir da época carolíngia,
associam a juventude e a cor verde. Nos séculos XII e XIII, essa
associação tornou-se inclusive tão forte e tão recorrente que os arautos de
armas e vários poetas fazem do verde a cor propriamente da juventude,
sobretudo dos jovens cavaleiros recém-ordenados. Nos romances de
cavalaria, um “cavaleiro verde”, isto é, cujos brasões, bandeira e xairel são
de cor verde, é sempre uma personagem jovem e impetuosa (Pastoureau,
1996, p.261).
Uma cor que venha a denotar vários signos entre eles o de seiva, natureza
é um dos possíveis elos dessa cor com a juventude. Também, a cor denominada
como a da “esperança”, é a mesma que representará a idade do amor, da desordem
e da inconstância. O lado volúvel e de instabilidade tão peculiar aos jovens, é
definido para inserir a condição, muitas vezes marginal, dos jovens, através das
imagens. Nos tempos atuais, os jovens também surgem como figuras contestadoras
e de comportamentos, às vezes, tidos como de rebeldia. E, nessa condição, acabam
por ser “incompreendidos em seu desenvolvimento enquanto adolescentes e muitas
vezes encarados como delinqüentes” (Wada, 2004, p.28).
A forma como resolvem seus problemas e as várias ações colocam as
experiências juvenis como alvo de políticas educacionais. Inúmeros programas são
51
criados atualmente de forma a direcionar os jovens para uma maior participação
social positiva. E, nesse sentido, percebe-se uma tendência na criação de projetos
para crianças e jovens que enfatizem a área cultural. Num sentido do “aprender
fazendo”, os jovens são convidados a aderir em trabalhos que envolvam música,
dança, teatro. No entanto, as múltiplas oportunidades não desfazem por completo a
imagem do jovem em relação aos excessos. Conforme Maffesoli (2004):
Os excessos juvenis contemporâneos são do mesmo teor. A “Sombra de
Dionísio”,para retomar esta metáfora, assinala bem a substituição do simples
consumo por uma consumação mais “radical”, consumação que vai à raiz
das coisas, quer dizer, que insiste no aspecto chtoniano, sombrio, enraizado,
do homem e do mundo. O mal é resumido da seguinte maneira: experimentar
os frutos da terra. A maçã, sua metáfora, resume sua ambivalência estrutural.
Prazer e dor misturados, excesso antropológico em sua própria ambivalência
(Maffesoli, 2004, p.81).
A análise desses excessos termina por explorar a temática contemporânea
do vazio, do primitivo e até do obscuro. A ambivalência que dimensiona o ser
humano, faz-nos pensar nas inconstâncias que giram no universo juvenil. De acordo
com Maffesoli (2004), “A “crueldade” que se expressam na teatralidade cotidiana
(piercings, tatuagens) e nas efervescências festivas, tudo isto relembra a dupla face
de nossa natureza” (Maffessoli, 2004, p.83). Contudo, cabe-nos dimensionar em que
prisma essa comunidade está fazendo-se expressão de uma juventude pautada
tanto entre a disciplina quanto aos excessos que contrastam as representações
desse grupo.
Conforme pesquisa estabelecida por Brenner, Dayrell et all (2005), sobre a
cultura do lazer e do tempo livre dos jovens brasileiros, os dados apontam para uma
profunda relação com o rádio e a televisão. Dentro de uma característica fortemente
contemporânea que é a adesão aos meios imagéticos de comunicação, a juventude
liga-se as mídias eletrônicas como forma de lazer. Face a isso, os espaços e
processos de leitura situam-se com bastante freqüência em torno das revistas.
Quanto a leitura de livros os dados apontam que:
a leitura de algum livro sem ser para escola ou trabalho é comum a 34%
dos jovens nos fins de semana (44% durante a semana), com
predominância feminina na realização dessa atividade (39% das mulheres e
28% dos homens). As variáveis escolaridade e renda são determinantes na
52
prática da leitura de livros. Se 44% dos entrevistados costumam ler algum
livro (sem ser para a escola ou trabalho), apenas 23% dos que possuem até
a série têm este hábito e 36% entre os que têm escolaridade de nível
fundamental completo, 51% de nível médio e 46% de nível superior. Na
faixa de renda familiar de até dois salários mínimos, são 55% os que
afirmaram não ter lido livro nas condições acima assinaladas, 52% na faixa
de dois salários mínimos a cinco salários mínimos, 50% de cinco a dez
salários mínimos (Brenner, Dayrell et all, 2005, p. 194).
Como se pode perceber, os dados apresentados revelam uma cultura pouco
profunda no que concerne à leitura entre os jovens brasileiros. Ter nenhum ou pouco
hábito de leitura configura-se como fator de discussão para averiguar resultados de
leitura. Também há de se ressaltar, de acordo com Abreu (2006), como se apresenta
a definição de “literatura”. Pois, cumpre entender que, em muitos casos, a definição
desse termo a uma determinada leitura esta, via de regra, fazendo um ato de
seleção para determinados tipos de texto e de alguns específicos autores ditos
“clássicos”.
53
Portrait of a Young Man Holding a Letter
1518
ROSSO FIORENTINO
CAPÍTULO III
O LIVRO, O LEITOR E SUAS FORMAS DE LER
Nunca tive um dissabor que uma hora de leitura
não aliviasse.
Charles de Montesquieu
Uma apreensão do mundo dos leitores e as condições que organizaram, em
épocas anteriores, as experiências em torno do ler, apontam como o ato da leitura
constituiu-se e vem se constituindo cotidianamente. Sem a obrigatoriedade de traçar
um percurso definido por uma cronologia da história da leitura, este capítulo toma
por referência uma incursão nas rotas do ler. Um olhar à leitura e aos leitores, mais
incisivamente, com os gestos e situações que compõem as práticas de leitura,
mostram-nos caminhos cujas experiências cercam-se de todo um detalhamento de
como o ato de ler e, até mesmo o livro, provocam vivências singulares entre o leitor
e o texto a sua frente.
3.1 Imagens de leitura: a leitura e os sentidos que dela se aproximam
A leitura, enquanto conceito que se insere em discursos vários, assume uma
multiplicidade de sentidos a depender do leitor e da incursão que este venha a fazer
no texto. Para Martins e Versiani (2005), a leitura faz parte da escola enquanto
atividade que se manifesta nesse espaço de aprendizagem. Nessa condição,
revigora o letramento escolar uma vez que aciona, de maneira incisiva, a leitura e a
55
escrita diária. Isto significa que a palavra leitura se aproxima do espaço escolar, do
domínio educacional, por seu pertencimento ao campo do letramento, da
aprendizagem, do desenvolvimento e dos usos da leitura e da escrita (MARTINS e
VERSIANI, 2005, p.11).
Essa forma de referenciar a leitura como que inter-relacionada à escola e ao
letramento, todavia, não remete de todo a uma leitura literária na escola. Se antes o
texto literário assumia uma ordem de importância primeira na leitura nesse local, e,
até mesmo, uma leitura que tinha por função atender, em muitos casos, a propostas
didáticas presentes nos livros, há de se verificar como se desenrolam esses
processos nos dias atuais. Para Martins e Versiani (2005), muitas das leituras
literárias curriculares o atravessadas por mediações não tanto definidas. Se as
leituras feitas provocam, a princípio, prazer ou, se simplesmente por serem
acrescidas de conhecimento geram um possível gosto, constitui-se num fator que
requer um olhar às práticas escolares de leitura.
Para Soares (2005), a leitura é pensada numa dimensão na qual
primeiramente precisa ser esclarecido o que significa a palavra “ler”. Ler o quê?
Como? Falas que remetem para um “ler mal” ou “ler pouco” podem ser indícios para
se refletir necessariamente não sobre a palavra “ler” e sim, sobre seus
complementos:
Ler,verbo transitivo, é um processo complexo e multifacetado: depende da
natureza, do tipo, do gênero daquilo que se lê, e depende do objetivo que
se tem ao ler. Não se um editorial de um jornal da mesma maneira e com
os mesmos objetivos com que se lê a crônica de Veríssimo no mesmo
jornal; não se um poema de Drummond da mesma maneira e com os
mesmos objetivos com que se a entrevista do político; não se um
manual de instalação de um aparelho de som da mesma forma e com os
mesmos objetivos com que se o último livro de Saramago (SOARES,
2005, p. 31).
Estendendo sua linha de argumentação, Soares ainda comenta sobre o
PISA (Projeto Internacional de Avaliação da Educação, desenvolvido pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE), e como esta
avaliação incorre sobre situações de leitura que visam a analisar determinados focos
do ato de ler. No caso, a leitura em situações reais, ou, pode-se dizer, as leituras
voltadas para o texto informativo.
56
Ainda que os resultados do PISA detenham valores internacionais relativos à
leitura de jovens com idade entre 15 anos e três meses e 16 anos e dois meses,
uma vez que, no ano de 2000, e o foco principal tenha sido em Leitura (2003 o foco
foi em Matemática e 2006 será em Ciências) num total de 32 países participantes do
projeto no qual o Brasil ficou em último lugar. Este teve como maior foco uma ênfase
à leitura “conhecimento” e ao seu contexto social de uso. A leitura que aciona o
letramento de forma a ver esta como uma habilidade voltada para a compreensão e
o uso da reflexão sobre textos da vida em sociedade é o que move a escala de
avaliação do PISA.
E, nesse sentido, conforme aponta Soares (2005), parece haver uma nítida
opção por determinado tipo de texto e de leitura em detrimento a outros possíveis
gêneros de texto. A idéia de privilegiar um tipo de texto e de leitura em relação a
outro, não parece ser o melhor caminho quando é função da escola abrigar a maior
parte de gêneros textuais possíveis para que o leitor venha a conhecê-los e, num
segundo momento, operar escolhas entre, por exemplo, ler um texto literário ou um
texto informativo.
Paulino (2005) considera a leitura pelo viés dos modos de ler. Nesse âmbito,
a pluralidade presente no ato de ler não residiria somente na diversidade de textos e
sim, nas diferentes propostas operadas em torno do ler, dos sujeitos, dos espaços
sociais e de suas ações de leitura.
Quando se constitui em práticas o conjunto heterogêneo de leituras
contumazes de uma sociedade letrada lhe damos, nas duas últimas décadas, no
Brasil, o nome de letramento. Mas, por essa heterogeneidade, o emprego do plural
vem se associando a esse termo: letramentos. Talvez seja uma forma no plural o
modo mais adequado de explicitar as diferenças entre as práticas de leitura,
derivadas de seus múltiplos objetivos, formas e objetos, na diversidade também de
contextos e suportes em que vivemos (PAULINO, 2005, p. 56).
Os modos de ler carregariam leituras várias. Desde uma série de textos mais
gerais aos textos que, por sua estrutura e arranjo, adentrariam numa classificação
dita mais literária. E, evidente que não poderíamos escapar de uma provável
“hierarquização” sofrida pelos textos no seu cotidiano. Ainda que, conforme Paulino
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(2005) seria “pouco ético” definir o que seria mais relevante numa diversidade
presente no campo da leitura, a chamada “sociedade da informação”, às vezes,
impele determinadas camadas de leitores a classificar textos informativos como de
maior ênfase em relação a textos literários. Num outro sentido, os que constroem
que, para se ter acesso a leituras mais críticas, não é a diversidade e sim a
habilidade do leitor a maior propulsora de escolhas para leituras consideradas mais
intelectuais e literárias. De maneira mais incisiva no debate, Paulino (2005), ao
comentar sobre se as habilidades de leitura literária seriam habilidades estéticas diz:
Retomamos a velha pergunta dos frankfurtianos: qual o espaço de
experiência estética em sociedades nas quais os produtos de arte se
apagam ou se tornam mercadorias consumidas em série? E o que
caracterizaria hoje uma leitura predominantemente estética? (PAULINO,
2005, p. 59).
No domínio do que poderiam associar-se como habilidades de leituras
literárias, o trabalho teórico desenvolvido por Theodor Adorno e Max Horkheimer, da
Escola de Frankfurt, poderia vir como um questionamento para o que seriam essas
experiências estéticas assumidas pelo leitor. No caso, como identificar se possíveis
habilidades de leitura literária apresentariam por si experiências estéticas
desvinculadas de uma homogeneidade e padronização enfatizada pelo que os
frankfurtianos denominaram de Indústria Cultural.
E, no interior da definição desse termo, o qual propaga que as escolhas na
sociedade submetem-se a uma repetição, a uma harmoniosa assimilação e
identificação que culmina inevitavelmente com a “negação do estilo”, residiria uma
consideração acerca da necessidade de habilidades para uma leitura dita literária.
Paulino (2005), todavia, afirma que as habilidades a serem solicitadas numa
leitura literária são diversas. Pode-se dizer que são habilidades cognitivas, de
comunicação, afetivas e internacionais. (PAULINO, 2005, p. 59)
Mais uma vez, Paulino (2005) retoma os comentários acerca do próprio ato
de “ler literariamente textos literários”. E, em sua definição, termina por dar ênfase
aos objetivos e modos de se processar uma leitura. Ela ressalta uma abordagem do
autor Bernard Lahire com referência a distinção entre “disposições” e
58
“competências”. Sendo que as disposições terminariam por enfatizar situações
sociais que não dependem da vontade individual e, já as competências poderiam ser
mobilizadas e alteradas de maneira voluntária.
Referindo-se ao sociólogo francês a autora acrescenta:
Na perspectiva de Lahire, se as disposições podem ser enfraquecidas ou
reforçadas, se são históricas, não se pode reduzir previamente a
potencialidade de leitura literária a certos indivíduos, excluindo outros. Ela
pode ser encarada como situação nova e não interiorizada como “pessoal”
por muitos indivíduos pobres, o que exigiria poderosas estratégias de
socialização que a incluíssem. Em suma, tornar relevante a competência
social de leitura literária depende de prioridades políticas e econômicas,
capazes de
influenciar opiniões e comportamentos coletivos (PAULINO,
2005, p. 65).
A inserção desse argumento no contexto cotidiano e cultural de leitura
permite-se que seja pensado no ler literário num sentido social e também num
sentido escolar. E, é claro que, quando se fala em “disposições” estas não podem
estar restritas a uma camada social ou outra. Nesse caso, a leitura literária não seria
somente do domínio e gosto de uma elite acostumada a uma leitura dita mais
sofisticada. Bernardin (2003), íntegra essa fala, ao citar que a leitura pode ser
refletida sobre uma questão de usos sociais diferenciados conforme expõe a
abordagem de Bernard Lahire.
Para Bernard Lahire, a diferença diz mais respeito às apropriações culturais
diferenciadas desses produtos do que aos produtos culturais. Longe de se reduzirem
a “leituras pobres” (menos freqüentes, menos complexas, menos beis, menos
virtuosas), as leituras populares acionam modos de apropriação específicos dos
impressos (jornais, revista, livros diversos), que se caracterizam fundamentalmente
pela vontade de fixação dos textos em uma outra realidade que não seja a
realidade textual. (BERNARDIN, 2003, p. 61)
Além da reflexão sobre o que seria uma possível “leitura pobre”, no campo
das apropriações culturais, também a questão do leitor e o que o liga a
determinada leitura. A constituição da relação entre leitor e sua leitura é também
uma condição para se apurar os limites que montam a história das leituras e da
59
cultura. Pinto (2004) faz algumas indagações que remetem às experiências de
leitura:
Em que termos se pode falar de história da leitura? Existe história da leitura
num cenário de tolerância a qualquer tipo de interpretação e de
subjetividade como base de toda experiência de leitura? A leitura contém
algum tipo de organicidade algo que lhe permitiria estruturar-se numa
história ou mantém caráter exclusivamente fragmentário, sendo resultado
de circunstâncias fortuitas e vagas, que impedem qualquer sistematização
histórica? (PINTO, 2004, p. 49).
E, ao referenciar-se sobre experiências de leitura, utiliza o termo Protocolo
de leitura, de Robert Scholes e comenta que ao vivenciarmos essa condição, o texto
dialoga com cada leitor uma vez que “sonda mundos internos a nós”. As
experiências revestem a memória com informações que individualizam cada leitura a
cada vez que um novo leitor entra no texto. Ou seja, durante o ato de leitura
incluímos o texto em um “acervo memorial”. Com isso, criamos situações de
proximidade e semelhança com uma leitura que, num primeiro momento, era
reservada a um todo social. Também entende como problemático quando tentamos
fixar uma obra num determinado tempo ou época sem se atentar para o mais
importante: sua leitura.
O risco de banalização surge quando o leitor troca a obra pela crítica
constituída em torno dela ou quando o ensino da história literária omite o
sentido arbitrário e contingente que as associações entre autores tiveram.
Infelizmente isso é algo comum. George Steiner assombrasse que seus
alunos de Cambridge estudem as relações entre Shakespeare e Dante sem
nunca terem lido uma linha de Dante (PINTO, 2004, p. 56).
A leitura em suas diferentes formas cumpre finalidades e objetivos diversos.
E, numa sociedade que cotidianamente se desvela em modos de convivência e
existência, o ato de ler assume-se, entre outras, numa condição social:
Leitura é uma prática social e, por isso mesmo, condicionada historicamente
pelos modos da organização e da produção da existência, pelos valores
preponderantes e pelas dinâmicas da circulação da cultura (SILVA, 1998, p.21).
60
Sendo assim, a leitura estaria num papel preponderante no que se refere a
formação de uma visão crítica. Quanto mais acionasse o leitor para compreender as
situações sociais e históricas, mais caminharia para uma solidez na formação de
uma cidadania. Silva (1998) explicita a necessidade de um maior engajamento com
as práticas de leitura crítica, uma vez que estas precisam ser “ensinadas” e
“estimuladas” para os alunos de uma forma geral, desde as séries iniciais do estudo.
Em sua visão, a leitura crítica, ou melhor, essa prática de leitura, desenvolve o leitor-
cidadão e aguça os seus sentidos:
Em sociedade são múltiplos e diversificados os usos da leitura. Lê-se para
conhecer. Lê-se para ficar informado. Lê-se para aprimorar a sensibilidade
estética. Lê-se para fantasiar e imaginar. Lê-se para resolver problemas. E
lê-se também para criticar e, dessa forma, desenvolver posicionamento
diante dos fatos e das idéias que circulam através dos textos (SILVA, 1998,
p. 27).
O que deve ser o ato de ler, ou até mesmo qual o tipo de leitura mais
indicado para um melhor aproveitamento, passam por questões sobre o sentido que
se necessite tomar à leitura. Ler, num sentido amplo, pode vir a ser tomar por
referência as leituras o definidas como tal. Por essa conjuntura, Chartier (1999),
reforça que a questão o reside em se fazer leituras pouco valoradas pela cultura
dos cânones e sim, a apreensão destas. É claro que, mesmo se fazendo leituras
“pouco recomendadas”, de se chegar, por meio dessas práticas, a leituras mais
avançadas. Assim ele se pronuncia:
Não-leitores lêem, mas lêem coisa diferente daquilo que o cânone escolar
define como uma leitura legítima. O problema não é tanto o de considerar
como não-leituras estas leituras selvagens que se ligam a objetos escritos
de fraca legitimidade cultural, mas é o de tentar apoiar-se sobre essas
práticas incontroladas e disseminadas para conduzir esses leitores, pela
escola mas também sem dúvida por múltiplas outras vias, a encontrar
outras leituras (Chartier, 1999, p.104).
Assim como Silva (1998) a leitura como um fator de suma importância
para a formação crítica, e, conseqüentemente, o aguçamento do leitor-cidadão,
Chartier (1999), salienta que determinadas leituras, mesmo que não tenham uma
referência e importância significativa, podem transformar a visão do mundo, influindo
nas suas maneiras de agir e pensar.
61
Abreu (1999), ao referir-se às leituras de modo geral, diz que estas sempre
estiveram no campo do permitido e recomendado ou do proibido. Livros e leituras
consideradas inadequadas, e por conta disso desnecessárias, estiveram presentes
ao longo dos séculos. No século XVIII as leituras poderiam oferecer “perigos” para o
corpo e também para a alma. No caso do corpo poderia vir a prejudicar, em sua
prática constante “os olhos, o cérebro, os nervos e o estômago como adverte Tissot
em seu livro A saúde dos homens das letras.”. para a alma poderiam causar
danos à moral, estimulando em exagero a imaginação (Abreu, 1999, p. 11).
Atualmente, o discurso que recomenda a leitura como algo de suma
importância para os hábitos cotidianos, também resolve por excluir determinadas
leituras. um maior número de livros e de leitores, contudo, as escolhas de leitura
configuram-se, em muitos casos, como leituras ruins. E, por conta disso, Abreu
(1999), ressalta que:
Por detrás de afirmações corriqueiras nos dias atuais, como “ler é bom”,
uma seleção implícita de um conjunto de obras que tornam “bom” o ato de
ler e que justificam outras tantas afirmações, também bastante comuns,
como “os jovens não têm o hábito da leitura”. Na verdade, lê-se muito livro
de auto-ajuda, de vulgarização científica, história em quadrinho, lê-se muito
livro sobre hobby, sobre astros da música e do cinema, muitas recolhas de
piadas. Mas lêem-se pouco os “bons livros”: pouca filosofia, pouca literatura
erudita, pouca reflexão política séria. Em resumo, parece haver uma
diminuição do interesse pelos livros positivamente avaliados pela escola,
pela academia, pela crítica literária (Abreu, 1999, p. 14-15).
A intencionalidade de escolha perante uma leitura faz com que esta esteja
sempre relacionada ao mundo que a rodeia. O mundo dos livros recupera em grande
parte, o mundo dos valores culturais. E, assim como em outros séculos, a vivência
com os livros recupera também os valores políticos e religiosos de uma sociedade.
Abreu (1999) explicita sobre essa prática e o que a rodeia com a seguinte questão:
“A leitura o é prática neutra. Ela é campo de disputa, é espaço de poder” (Abreu,
1999, 15).
Por não estar no campo da neutralidade, a leitura se orienta por caminhos
traçados, entre outras coisas, pelo seu leitor. Práticas de leitura mais livres ou
práticas de leitura que evidenciem do próprio rumo traçado pelo leitor, é o que fica
62
claro quando do seu percurso no processo de escolarização. A exemplo, professores
e suas experiências na área de leitura é que irão ditar grande parte das leituras
desenvolvidas pelas crianças e jovens. Caminhos traçados por práticas mais soltas e
até mesmo práticas advindas de uma maior limitação de leitura poderão ser
reproduzidas por alunos jovens. Segundo Oliveira (2005):
Se aceitarmos que a maturidade do leitor decorre de estar sempre
ampliando seu universo de leituras, nessas condições teremos um leitor-
professor que reproduzirá para seus alunos sua própria condição (Oliveira,
2005, p.119).
Com referencia ao mundo da leitura propriamente mediada, Paiva e Maciel
(2005), assim como Oliveira (2005), chamam à atenção para a leitura que vai se
formando enquanto experiências compartilhadas. A temática em torno da formação
do professor-leitor em muito irá refletir para verificarmos o quanto as experiências
vivenciadas culminam por imbricarem-se quando da história de professor-leitor e do
aluno-leitor. Para elas, os efeitos de uma experiência de leitura podem estar envoltas
em situações atravessadas por um processo de escolarização bem sucedido. Em
suas palavras:
Na verdade, nosso repertório de leituras e nossa capacidade de análise
crítica, aliados ao conhecimento que temos de nossos alunos e de suas
preferências, de seus interesses, de seus gostos, embasarão nossas
escolhas de leituras literárias a serem trabalhadas em sala de aula. E essas
escolhas, compartilhadas entre leitor-professor e leitor-criança,
determinarão, e muito, nossas práticas de letramento literário (Paiva e
Maciel, 2005, p.119).
Vale ressaltar que as escolhas de leitura provocada por situações tais como
de simpatia ou de reservas é uma condicionante ainda assim, de escolha particular.
Reservar-se à leitura de um livro é delegar a este uma fidelidade daquilo que temos
sentimentos admiráveis ao qual insistimos em fazer acompanhar. Para concluir
sobre as diversas nuances que percorrem a palavra leitura, bem como os gestos que
surgem por conta do ato de ler, recorremos a Proust (2003), e ao seu discurso Sobre
a Leitura. Segundo suas palavras, entre muitas coisas e sensações a leitura seria:
63
Sem dúvida, a amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é uma
coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas ao menos é uma amizade
sincera, e o fato de dirigir-se a um morto, a um ausente, lhe qualquer
coisa de desinteressada, quase tocante. Além do mais, é uma amizade
desembaraçada de tudo o que faz a feiúra das outras (Proust, 2003, p. 42).
Pensando assim, a leitura e os livros estariam próximos a uma vontade quase que
incondicional enquanto relação com aquilo que realmente temos necessidade. A leitura
diária que se faz tanto pelo espaço escolar como pelo particular constituíram-se numa
representação desse diálogo. E, por conta disso, os objetivos e contextos que formam o ato
leitor passariam por múltiplas representações. O caminho leitor seria um preenchimento de
uma série de textos, palavras e leituras evidenciadas ao longo de suas práticas.
Para tanto, o contexto para inserir na discussão sobre práticas leitoras o
termo “letramento” e o interesse pela leitura coloca-se como fator de relevância.
O acesso à leitura e à escrita resulta algum tempo no enfoque ao
termo “letramento”. Nesse sentido, ainda que os estudos sobre o letramento
possuam um número significativo de trabalhos científicos, Soares (2003) nos informa
que a palavra em si surge no Brasil em meados dos anos 80 através do livro de
Mary Kato, em 1986, cujo título é No mundo da escrita: uma perspectiva
psicolingüística. Nessa obra a autora faz uma referência a esse termo dizendo ser a
língua culta falada conseqüência do letramento. Dois anos depois surge essa
mesma palavra no discurso de Leda Verdiani Tfouni quando esta diferencia
letramento de alfabetização. Em 1995, com a palavra em si mais divulgada, Ângela
Kleiman publica livro cujo título é: Os significados do letramento: uma nova
perspectiva sobre a prática social da escrita.
O aparecimento desse termo sinaliza para uma nova perspectiva de olhar
o mundo leitor bem como situar o leitor competente. E, ainda que se coloque a
palavra alfabetização ao lado de letramento, as duas seguem caminhos de
especificidades. Alfabetização seria a aquisição de uma tecnologia. No caso, a
escrita no sentido mais mecânico. o termo letramento viria a preencher o espaço
do que seriam as apropriações e usos que cada indivíduo faz ao utilizar-se dessa
escrita. Soares (2003) diz que:
Quanto à mudança na maneira de considerar o significado do acesso à
leitura e à escrita em nosso país da mera aquisição da tecnologia” do ler
e do escrever à inserção nas práticas sociais de leitura e escrita, de que
64
resultou o aparecimento do termo letramento ao lado do termo
alfabetização- fato que sinaliza bem essa mudança, embora de maneira
tímida, é a alteração do critério utilizado pelo Censo para verificar o número
de analfabetos e de alfabetizados: durante muito tempo, considerava-se
analfabeto o indivíduo incapaz de escrever o próprio nome; nas últimas
décadas, é a resposta à pergunta “sabe ler e escrever um bilhete simples?”
que define se o indivíduo é analfabeto ou alfabetizado. Ou seja: da
verificação de apenas a habilidade de codificar o próprio nome passou-se à
verificação da capacidade de usar a leitura e a escrita para uma prática
social (ler ou escrever um “bilhete simples”) (SOARES, 2003, p.21)
O sentido da palavra letramento implica uma conjuntura bastante ampla de
habilidades a serem verificadas. Desde a capacidade de ler ou escrever para atingir
diferentes objetivos tais como, informar, interagir com os outros, aumentar
conhecimentos, divertir-se, e até usar essas habilidades no intuito de ter uma atitude
mais distinta no mundo da leitura e da escrita. Conjugar prazer com atos de ler e
escrever de maneira que possa diferenciar-se na utilização desses atos é o que se
toma como características ligadas ao conceito de letramento.
O primeiro passo para o entendimento do termo letramento e o seu
enredamento com a leitura e a escrita diz respeito à escolarização. Esta poderá ser
vista enquanto relações com a alfabetização e, de maneira distinta, com o
letramento. A alfabetização e a escolarização apresentam situações de ligação mais
visíveis. Alfabetizar apresenta uma continuidade cumulativa e objetiva. E devido a
isso, mais fácil de ser definida em seus níveis de progressão. o letramento como
se apresenta num campo que integra as variações de habilidades e conhecimentos
e com infinitos objetivos e situações, torna-se um espaço de difícil divisão entre
letrados e iletrados.
Os sistemas de avaliação desenvolvidos pelo Censo no Brasil para se
verificar índices de alfabetização e letramento passaram no decorrer dos anos, por
uma série de critérios. Até o Censo de 1940, o índice de alfabetização era medido
por “saber ou não saber assinar o próprio nome”. no Censo de 1950 o critério é
“saber ou não saber ler e escrever um bilhete simples”. Essa forma de se medir
níveis de alfabetização bem como iniciar um processo de avaliação em torno do
letramento é uma consideração definida então pela Unesco no final dos anos 70.
A partir daí passa-se a levar em conta a questão da alfabetização funcional. Ainda
que considere com maior ênfase a questão da alfabetização enquanto aquisição de
uma “tecnologia”, já sinaliza para uma aproximação com o conceito de letramento.
65
O critério tomado mais adiante salienta uma importância aos graus de
instrução alcançados e competência de leitura e de escrita adquiridas.
3.2 O ato de ler em diferentes épocas
Considerar um tipo de livro, com tamanho, impressão e caracteres
apropriados a um estilo de leitura era o que se podia identificar. Livro destinado a um
“entretenimento”, não poderia ser confundido com livros que pediam “instrução”. Os
in-fólios e in-quartos destinados aos gabinetes de leitura da Renascença
carregavam junto ao seu suporte uma textualidade em torno dos filósofos e
historiadores. Nesse sentido, serviam como modelo de sabedoria para uma leitura
que exigia uma situação mais atenta e cercada de uma maior formalidade.
Por esse caminho, podemos perceber que cada livro remete e desperta a
um tipo de leitor e, principalmente, às suas condições de envolvimento com o texto.
Os humanistas permitiam-se a ler de modos distintos deixando-se deliciar por entre
as várias leituras, lendo e relendo, e também, em outros casos, em contato com
textos que poderiam até irritar ou não relaxar.
Em outro momento, na Roma dos primeiros séculos, Cavallo (2002, p. 74)
irá relatar sobre a diversidade presente nas maneiras de ler. Ao citar o escritor
Cícero, diz que em seus escritos há referências a determinados grupos, de condição
social modesta, que faziam leituras (ou ouviam ler) da “história” simplesmente pelo
prazer. Em situação distinta a um grupo com domínio intelectual e de maior
instrução, para os quais a leitura de obras de história tinha uma “utilidade” a se
extrair, um público leitor de artesãos e outros anônimos, irão fazer progredir o
número de leitores desvinculados de uma obrigação para o ler no chamado Império
Romano.
Os leitores entre os séculos II e III d.C., no mundo romano, são leitores de
suportes e competências culturais diferentes. Leitores ligados à aristocracia cujo
lugar para os amigos, os livros e o lazer eram perfeitamente reservados, praticavam
o ato de ler em locais (Academia, gymnasium) destinados a uma leitura mais
66
particular das elites. Também, existiam o grupo de retóricos, escravos ou libertos,
leitores de “clássicos” e, um grupo de novos leitores pertencentes às camadas
médias baixas.
Se formos pensar em uma materialidade para o livro no Império Romano,
temos que nos reportar aos livros em forma de rolos. Rolos que eram pegos com a
mão direita e, à medida que eram desenrolados e lidos, iam sendo novamente
enrolados na mão esquerda. As situações em que se mostrava o ato de ler,
sinalizavam, conforme atesta Cavallo (2002), condições de bastante liberdade:
Podem ser observados o leitor sozinho com seu livro ou lendo na presença
de um auditório que o ouve, o professor ocupado em leitura de escola, o
orador que declama seu discurso com o escrito diante dos olhos, o viajante
lendo em sua carruagem, o comensal deitado ao colher com o olhar as
linhas do rolo entre as mãos, a jovem absorvida na leitura, de pé ou sentada
sob um pórtico. Sabe-se também, por fontes literárias, que se lia quando se
ia caçar, ao esperar que a caça caísse na rede, ou durante a noite, para
vencer a insônia (CAVALLO, 2002, p. 79).
Maneiras de ler vistas por conta das situações em que ocorriam no interior
da sociedade são diversas. Todavia, a forma mais usual de ler era a leitura em voz
alta. O recurso da oralidade, para o jovem romano dos primeiros séculos, era um
fator destinado ao aprendizado. Ler com inflexão, treinar a voz para abaixar ou
erguer, ler com maior rapidez ou mais lentamente configuravam-se como exercícios
na prática de leitura.
A leitura de Homero, Virgílio, e outros poetas e historiadores tanto poderia
acontecer em uma leitura silenciosa seguindo o professor, ou uma leitura em voz
alta. Mesmo assim, o ato de ler poderia não ser caracterizado por uma leitura rápida
e fluente. As letras dos copistas, e até mesmo a scriptio continua adotada nos textos
latinos poderia deixar lenta a prática de leitura por parte dos romanos. Mas interessa
saber que, na Antiguidade, além dos leitores obrigados a dispor dessa prática por
conta de ser autor-escritor, profissional em determinada área, professor ou
estudante, também “um leitor “livre”, que por prazer, por hábito ou pelo
prestígio da leitura” (CAVALLO, 2002, p.83).
67
O leitor e o livro permitem-se a todas as leituras possíveis. O livro que se
dirige a determinado leitor não procura um sentido e leitura únicos. A liberdade que
transpassa pelo ato de ler encontra apoio exatamente por conter caminhos vários. A
leitura, mesmo que seja encerrada por um leitor poderia ser iniciada por um outro.
“Nenhuma leitura pode jamais ser final”, é o que diz Manguel (1997, p. 106). O fato
de não termos uma “leitura final”, o significa que não se processem as escolhas
ou que não nos atentemos para os gostos que venham a se formar no percurso
leitor. Manguel (1997), após relembrar uma leitura feita por um professor no seu
último ano de escola, no Colégio Nacional de Buenos Aires, recorda-se o quanto ele
e sua turma ficaram “perturbados” e “provocados” com as discussões sobre um
texto. O texto, por assim dizer, sugeria que a alegoria de uma leitura estava
exatamente na condição desta ser objeto de outras leituras. Ele diz:
Se não havia algo como “a última palavra” na leitura, então nenhuma
autoridade poderia nos impor uma leitura “correta”. Com o tempo
percebemos que algumas leituras eram melhores que outras- mais
informadas, mais lúcidas, mais desafiadoras, mais prazerosas, mais
perturbadoras (MANGUEL, 1997, p. 106).
Do mesmo modo que se projeta, na história da leitura, o leitor “livre”, que
por prazer, a forma do livro e as suas alterações. O volumen, modelo grego de
suporte do livro, irá ver o surgimento do codex (códice), o livro com páginas. Com
um formato cuja confecção privilegiava os dois lados do papel, apresentava uma
considerável economia de material e, principalmente, permitia ao leitor ficar com
uma mão livre distintamente do livro em forma de rolo. E é nessa maneira livre de
manipular o livro que o códice irá aproximar-se, mas já no século XV, do livro
impresso de Gutenberg com tipos móveis e prensa.
A leitura com o códice rompe uma forma de “ficar preso ao livro” tendo que
segurá-lo com as duas mãos. Com isso, o alcance de situações diferenciadas para a
prática de leitura organiza-se em torno de situações mais livres. Chartier (2003)
quando se refere às representações do escrito, preocupa-se em apontar que poucas
modificações sofreram, o livro impresso, quando da invenção de Gutenberg. O livro,
no formato com folhas dobradas e dispostas em cadernos interligados teve uma
68
aparição anterior à revolução da imprensa. E, Paul Saenger e Michel Heinlein apud
Chartier (2003), mesmo no século XVI consideram que:
O livro impresso mantém-se muito dependente do manuscrito. Imita sua
disposição em páginas, as escrituras, as aparências e, sobretudo,
considera-se que deve ser acabado a mão: a mão do iluminador, que pinta
iniciais ornadas e miniaturas; a mão do corretor ou emendator, que
acrescenta sinais de pontuação, rubricas e títulos; a mão do leitor, que
escreve na página notas e indicações (PAUL SAENGER e MICHEL
HEINLEIN apud CHARTIER, 2003, p. 31).
A materialidade que se faz representar no códice, e, posteriormente no livro
impresso, orienta o leitor para uma liberdade de usos e movimentos. Podemos
verificar com Chartier (2003) que o novo formato do livro permite que esse seja
”colocado sobre uma mesa ou escrivaninha, o livro em cadernos não exige mais a
mesma mobilização do corpo. O leitor pode distanciar-se, ler, e escrever ao mesmo
tempo, ir, como lhe aprouver, de uma página a outra, de um livro a outro”
(CHARTIER, 2003, p. 41).
Representar a cultura do dice como uma revolução técnica não se faz
despojando-se de outras materialidades que sempre cercaram o objeto livro. Os
aspectos destinados a sua aparência, também estiveram, em alguns momentos,
projetados na história do livro e da leitura. Baseados neste caminho vamos nos
atentar na fala de Manguel (1997, p.152) quando este relembra a valorização dada,
independente das formas que o livro viria a assumir, para a aparência das capas.
O uso de pequenas tabuletas de cera reutilizáveis, utilizadas comumente na
escrita de cartas na Grécia e em Roma, no mesmo período de uso dos rolos,
destinava uma relativa importância à ornamentação das capas. Mesmo quando as
tabuletas cederam lugar a folhas de pergaminho, para anotações rápidas ou livro de
contas, na Roma do século III, a sua importância esteve mais pela aparência das
capas. A elaborada ornamentação com encadernação “em chapas de marfim
finamente decoradas, eram oferecidos como presente a altos funcionários, quando
de sua nomeação” (MANGUEL, 1997, p.152).
No período que compreende do século XVI até a Independência, na
sociedade colonial brasileira, a posse e a circulação de livros também esteve ligado,
69
em alguns momentos, à ornamentação dos livros. Villalta (1999, p. 204) relata
acerca de listagens de livros enviados à censura às quais era exigido pelo livreiro
que se enviassem livros “com títulos dourados nas costas”. O livro como
possibilidade de ornamento, assumia papel também de “enfeite”. Tomás Antônio
Gonzaga apud Villalta (1999) ressalta a importância que deveria ser dada à
aparência do livro como forma de esta dar uma melhor impressão quanto ao
conteúdo do mesmo. Manguel (1997, p. 26) declara que muitas vezes teve uma
escolha de leitura determinada pela capa. Ele afirma que:
Muitas vezes, escolhia livros pela capa. Havia momentos de que lembro
ainda agora: por exemplo, ver as sobrecapas dos Rainbow Classics
(oferecidos pela World Publishing Company de Cleveland, Ohio) e ficar
deliciado com as encadernações estampadas que estavam por baixo, e ir
embora com Hans Brinker ou The silver skates [os patins de prata] (que
nunca me agradou e que nunca terminei), mulherzinhas e Huckleberry Finn
(Manguel, 1997, p. 26).
Manguel apesar de relatar que a “capa” de um livro poderia acionar a
escolha deste para uma leitura, não se recorda de ter dado importância aos resumos
que aparecem nas contracapas dizendo sobre qual era a história do livro. Adornar
uma obra, tanto no corpo do conteúdo quanto na sua capa, aparecia como um forte
pensamento a época do leitor humanista. Por parte de livreiros existia uma
preocupação em atender a uma clientela e, mais do que tudo, defini-la por conta do
formato e beleza dos livros que viriam a adquirir. Grafton (2002, p. 19-20) sugere
que o leitor refinado e considerado de boa cultura, na Renascença, não iria adquirir
um livro sem se preocupar em personalizá-lo e mandá-lo encadernar. Em acordo
com a aparência física do livro, “tecidos luxuosos e duráveis para encadernação
eram a cobertura preferida para bons livros, e o leitor culto sabia que deveria pagar
por esse gasto adicional” (GRAFTON, 2002, p. 20).
Como um bem precioso, o livro humanista referenciava o leitor “de gosto”.
Ter um livro encadernado em papel, não era vista como uma atitude a ser
considerada. E isso, até mesmo entre as pessoas mais comuns e de menores
posses financeiras. Os registros de local, data e condições para que o livro fosse
adquirido montavam, junto às anotações das margens, toda uma rota do leitor que
possuía determinado livro. Servindo quase como um diário, o livro atendia de
70
suporte também para a escrita e confidências do seu leitor. Dessa forma, de se
ter com bastante nitidez que, as ilustrações e as ricas encadernações, no princípio
da era o impressão, encantavam e deixavam uma forte impressão no leitor
humanista.
Seguir o trajeto do leitor e até dos seus possíveis gostos, é quase sempre
um caminho traçado pelos livros. O controle da circulação e da impressão de livros a
época do Brasil colônia, ficava a cargo da “Real Mesa Censória” que tinha por tarefa
examinar, aprovar ou reprovar livros e papéis do Reino e de seus domínios (Abreu,
2003, p. 22). Questões como esta, fazem surgir documentações que, mesmo
obscurecendo o possível leitor, colocam em evidência informações de títulos e
detalhamentos das obras. Um dos pontos a salientar diz respeito à indicação do
autor. Em muitas solicitações de autorização para envio de livros, o nome do autor
parece ser desconsiderado como uma possível referência de identificação. Abreu
(2003) explica que essa diminuta atenção dedicada à autoria, carrega problemas no
que tange a identificação dos textos remetidos ao Brasil entre meados do século
XVIII e início do XIX, pois,
A indiferença com relação à autoria revela-se não pela pequena
quantidade de indicações mas também pelo fato de a menção ao nome do
autor surgir fundamentalmente quando o livro tem título como Obras ou
Poesias, casos em que a falta de indicação de autor inviabilizaria a
identificação, o que, entretanto, ocorre em alguns casos (ABREU, 2003, p.
33).
Ainda que as listagens de livros enviados ao Brasil oferecessem algumas
incompletudes quanto a títulos, e principalmente autores, os Censores
preocupavam-se em verificar e reter obras caso contivessem “atentados a Religião,
a Moral, e Bens Costumes, contra a Constituição e Pessoa do Soberano, ou contra a
pública tranqüilidade” (ABREU, 2003, p. 41). A circulação de livros e, principalmente
a elaboração dessas listas parecia dar maior relevância ao gênero do escrito
(novela, obras jurídicas,etc.) do que à indicação de autoria.
Livros remetidos de Portugal, aos leitores na colônia, compunham em muitos
casos, listas de livros com uma certa precariedade de informações. E, mesmo obras
solicitadas com bastante regularidade, percebem-se não delegar uma nítida
71
relevância aos autores. Conforme comenta Abreu (2003), “tomando-se como
exemplo a obra pela qual se verifica maior demanda As aventuras de Telêmaco
percebe-se claramente a pouca importância dada à indicação de autoria. Dentre os
38 pedidos submetidos à Mesa, apenas dois lembraram-se de citar o nome de
François de Salignac de la Mothe-Fénelon” (ABREU, 2003, p. 67).
Ainda que não se possa comprovar que esses mecanismos, tais como listas
com informações incompletas sobre livros viessem a ser uma maneira de driblar os
censores, fato é que nas bibliotecas do Brasil do século XVIII, o livro fazia-se
presente. E, até mesmo os livros proibidos, cujos textos supostamente atacavam a
“moralidade” e “corrompiam” apresentavam uma circulação no Brasil colônia.
3.3. O leitor com o texto diante dos olhos
A tradição oral, a da palavra falada, é o que representa a cultura grega da
Grécia arcaica e clássica. Esse leitor, que em voz alta, diante dos seus ouvintes,
todavia, poderia ser um leitor que praticava também a leitura silenciosa. Segundo
Svenbro (2002), os poetas dramáticos da Grécia antiga se utilizavam, em seus
textos, de toda uma referência a qual revelava trechos cuja leitura havia sido feita
em silêncio. Textos do século V a. C. parecem mostrar que o texto dramático “fala
sozinho” ao leitor que está diante do escrito. A impressão que se tem das cenas
desses textos é que o leitor, antes mesmo de pronunciar sua leitura em voz alta,
através de um resumo, já o tinha percorrido numa leitura silenciosa. O que se
mostra, portanto, é um “leitor que tem o hábito de ler mentalmente” (SVENBRO,
2002, p. 55). São situações onde o leitor assume um papel de quase uma
“passividade” diante do escrito. Não se trata de uma procura por um entendimento
ou uma interpretação quase que decifrada das letras e sim, uma condição que
reflete o encontro dos olhos do leitor com a palavra escrita.
Completamos com o que diz Svenbro:
72
O leitor que lê mentalmente não precisa ativar ou reativar o escrito pela
intervenção da voz. A escrita parece-lhe falar, simplesmente. Ele escuta
uma escrita – assim como o espectador no teatro escuta a escrita vocal dos
atores. O escrito que é “reconhecido” de maneira visual parece possuir a
mesma autonomia que o espetáculo teatral. As letras lêem-se ou, antes,
dizem-se elas mesmas. O leitor silencioso” não deve intervir na cena da
escrita: capazes de falar”, as letras podem dispensar a intervenção de sua
voz. Elas possuem uma. Cabe ao leitor simplesmente “escutá-la” no
interior de si mesmo. A voz leitora acha-se interiorizada (SVENBRO, 2002,
p. 58).
A escrita que “fala” para o leitor em silêncio, não se condiciona
necessariamente pela voz desse leitor. E, neste caso, conforme nos aponta o autor,
demonstra, de uma certa maneira, uma prática do que poderíamos chamar de leitura
silenciosa. Leitura esta possibilitada pela experiência do teatro na Grécia arcaica e,
principalmente, por tratar-se de uma leitura que se aproximava mais de uma leitura
internalizada e de uma voz que se fazia surgir “mentalmente”. Apesar da leitura em
voz alta constar como uma maneira mais habitual de se ler, na Roma imperial, a
leitura silenciosa, com menos intensidade, também era praticada. E, mesmo na vida
privada a prática da leitura individual pode ser atestada como uma ocorrência
comum. Além disso, de se considerar a leitura “mediada por um lector, escravo
ou liberto” que acontecia nas casas dos romanos ricos. Ter alguém que mediasse as
leituras,revigorava o fato desta ser uma prática próxima daqueles que a exercitavam,
em outras condições, tais como em silêncio ou de maneira mais pessoal e
reservada. As escolhas que condicionavam para uma leitura silenciosa e não em voz
alta, poderiam estar refletidas na escolha particular e da condição espiritual do leitor
e, também, no tipo de leitura a ser feita. Cavallo (2002), afirma que:
Murmurada ou silenciosa, de fato, devia ser a leitura não somente dos
textos narrativos mas também, de modo mais geral, a de obras de
entretenimento, menos próprias a leituras em voz alta e em público
(CAVALLO, 2002, p. 83).
O leitor da Alta Idade Média, da mesma forma que leitores de outras épocas,
assumia uma atitude distinta da leitura oral. A arte da leitura em voz alta, com as
preocupações pertinentes à reprodução do ritmo da escrita, deveria ser
cuidadosamente olhada. Ler em público e em voz alta, no culo VII, apesar de ser
uma prática treinada e estimulada para os principiantes no ato de ler, não deixava de
mostrar também, um interesse pelas leituras silenciosas. Segundo apresenta Parkes
(2002, p. 105-106), nas Regras de São Bento havia indícios indicativos para um tipo
73
de leitura individual que melhor auxiliasse a uma reflexão e também ler para si
mesmo como forma de não incomodar aos outros.
Estar com o texto diante dos olhos ou ater-se a uma leitura individual mais
próxima a uma espiritualidade convencionava-se nos hábitos de leitura nos séculos
finais da Idade Média. Os monges cistercienses demonstravam uma preferência pela
leitura silenciosa e individual no convento como forma de melhor inspirar-se à
meditação. Fazem parte do século XI as primeiras iluminuras onde aparecem os
autores escrevendo de próprio punho. E, em decorrência disso, atestava-se uma
maior privacidade entre autor e manuscrito para a expressão de pensamentos
íntimos tanto na leitura quanto na escrita. A projeção de um texto que era remetido
aos olhos e não ao ouvinte, passa a ter uma nova dimensão para o autor. Da
mesma forma que a escrita surgia em silêncio, esperava-se que fosse lido em uma
situação de intimidade e silêncio (SAENGER, 2002, p. 151-153).
Dessa maneira, uma leitura que possibilitasse uma maior reflexão e uma
melhor compreensão do texto, poderia prevalecer como preferência para o ato leitor.
Ainda que, por essa época, a leitura individual devesse ser objeto de supervisão
para que o leitor não caísse em preguiça ou fizesse mau uso da leitura, há de que se
supor que a leitura silenciosa operava-se como uma prática.
Como contribuição a essa leitura de maior intimidade e reflexão, o século XII
traz a consolidação da escrita em separado. O cada vez mais freqüente uso dos
espaços entre palavras possibilitou uma maior aproximação entre o leitor e o seu
livro. E, até o autor se vê numa condição de maior envolvimento íntimo com a leitura.
Sentimentos até então repassados por redação a um secretário da escrita do
pergaminho, começam a ser usufruídos no gosto pela privacidade. As situações de
leitura silenciosa e solitária, de uma maneira bastante pessoal, e,
Este modo novo e mais íntimo com que os autores silenciosamente
compunham seus textos, por sua vez, alterava a expectativa dos autores em
relação a seus leitores. Na Antiguidade e no início da Idade dia quando
os textos eram compostos oralmente, o autor trabalhava pensando em
textos que seriam lidos também em voz alta. No século XIV, quando os
textos são criados em silêncio, os autores esperam que seus escritos sejam
eles próprios lidos em silêncio (SAENGER, 2002, p. 157).
74
A leitura visual, por essa época, em concomitância com a leitura oralizada e
pública que continuou a ocorrer, acontecia de maneira efetiva. Ler em silêncio e
acompanhando o texto como se a acompanhar o percurso provocado pelo livro,
ocorria como prática íntima entre leitor e o objeto à sua frente. Até algumas
modificações no que concerne a estrutura textual, provocavam mudanças no ato
leitor. Anterior ao século XIV, ler significava fazer uma leitura quase que por
completo do texto. Porém, como atesta Saenger (2002), para um “leitor que
entendesse somente com os olhos”, fazia-se necessário chegar a uma leitura que
não necessitasse de uma leitura por completo. Ele diz que:
Entre os séculos XIII e XV, cortes começaram a ser introduzidos nos textos,
tanto clássico quanto os do início da fase medieval. Em alguns casos, obras
que haviam sido subdividas em capítulos na etapa tardia da Antigüidade
receberam cortes novos e mais racionais por parte dos estudiosos nas
universidades. Este novo modo de apresentar textos antigos passou a ser
parte integral da nova composição, concebida agora em termos de capítulos
e de distinctiones. A partir dos novos pontos de referência estabelecidos
pelas subdivisões, índices de capítulos, listas de assuntos por ordem
alfabética e outros títulos correntes passaram a ser características normais
de texto escolástico (SAENGER, 2002, p. 158).
Textos que devido a uma composição complexa da página escrita eram
destinados mais a um leitor que lesse “somente com os olhos” começavam a tomar
uma relativa importância e preponderância no ato leitor. E, até numa forma de
envolver a leitura em situação de maior privacidade, a leitura silenciosa permitia
manter um total controle, por parte do leitor, daquilo que se constituía como objeto
de sua leitura. Pois, o controle sobre aqueles que liam em silêncio e individualmente
também era motivo de uma maior atenção. Acreditava-se, que nessas
circunstâncias, leitura e escrita solitária tinham também com função encorajar o
pensamento crítico individual e, principalmente, abriam uma possibilidade de
provocar o gosto para leituras heréticas e voltadas para um ceticismo. No final da
Idade Média, os regulamentos universitários procuravam dar conta dessa situação.
No século XIII os estatutos das universidades proibiam os livros condenados. no
século XIV, além da proibição imposta à leitura de determinados escritos, estes
ainda poderiam ser procurados para uma conseqüente destruição.
Ainda que a leitura sofresse sanções e instaurasse cuidados de uma
possível proibição, a leitura silenciosa e privada passa a ser instaurada como uma
75
prática cotidiana. Em meados do século XIV, a aristocracia francesa começa a fazer
um maior uso dessa prática leitora. Para melhor descrever essa situação, Saenger
(2002, p. 166) comenta a respeito de uma iluminura que retrata a figura de Carlos V.
Nesta imagem, como ele atesta, a figura do rei vem representando um leitor que se
apropria do seu espaço leitor. O rei apresenta-se sentado, em sua biblioteca
particular, isolado e lendo de forma silenciosa e tranqüila. E, até pode-se dizer sobre
as bibliotecas reais e aristocráticas que crescem em um número bem mais
expressivo por essa época.
O apetite por livros e a prática da leitura silenciosa processados entre os
universitários, atinge também os leigos que começam a requerer uma maior
quantidade de obras de leitura. A leitura de intimidade, alojada em uma melhor
privacidade por conta da leitura silenciosa, também fez modificar um olhar e leitura
para as obras consideradas pornográficas. Se antes uma leitura em voz alta da
literatura erótica tinha por intenção reprimir o desejo para as proibições, a leitura de
forma privada estabelece novas relações com o objeto escrito. Saenger (2002), ao
explicar as aplicações da leitura silenciosa, cita que:
Na França do século XV, onde era proibida a pornografia, a leitura privada
encorajou a produção de escritos picantes e ilustrados para um público leigo
e que eram tolerados justamente por serem passíveis de difusão em
segredo. Iluminuras de textos franceses e flamengos retratavam cenas de
luxúria em bordéis com realismo explícito e sedutor (SAENGER, 2002, p.
169).
Desta situação vale a pena destacar a liberdade gerada por uma leitura
silenciosa privada. De uma leitura coletiva ou oralizada para uma leitura com uma
relação mais íntima e pessoal, o livro assume novas possibilidades para o público
leitor. O significado do ler nas sociedades tradicionais ampara-se em habilidades e
usos mais ou menos freqüentes do objeto leitor. Chartier (2001), ao relatar sobre as
situações físicas que cercam a leitura aponta as alterações que se fizeram aparecer
por conta do uso de uma leitura oral e, em outros momentos, de uma leitura
silenciosa. Ele diz:
Uma primeira diferença, a mais exteriormente visível, reside na modalidade
física do próprio ato léxico, que distingue uma leitura silenciosa, que é
apenas o percurso dos olhos sobre a página, e uma outra, que necessita da
76
oralização, em voz alta ou baixa. Tal contrataste pode ser tratado
diacronicamente, sinalizando e datando as sucessivas conquistas da leitura
visual em silêncio. Três períodos seriam decisivos aqui: o dos séculos IX-XI,
que viram os scriptoria monásticos abandonarem os antigos hábitos da
leitura e da cópia oralizada; o do século XIII, com a difusão da leitura em
silêncio no mundo universitário; e enfim, o da metade do século XIV,
quando a nova maneira de ler alcança, tardiamente as aristocracias laicas
(CHARTIER, 2001, p. 82).
A relação individual instaurada entre o objeto do ler e o leitor é de uma
intimidade provocada pelo silêncio. A leitura em silêncio permite instaurar diferenças
entre o ler de maneira oralizada e o ler através somente de uma visualização.
Também, essa prática pode servir para entender as diferenças socioculturais entre
uma população que se utilizaria necessariamente de uma leitura em voz alta e
outras que fariam uso, com mais rigor e costume, de uma leitura mais íntima e
silenciosa. Chartier (2001, p. 83), ao citar uma passagem de um texto teatral
pertencente à França do século XIX, coloca sobre os usos da leitura silenciosa
proferidas por um camponês que necessitava da leitura oralizada para uma melhor
compreensão e, do outro lado, a do fazendeiro rico que recebe a carta do filho mas
prefere uma leitura mais silenciosa e íntima, principalmente das partes que se
relatam os detalhes que deveriam ficar restritos à família.
No mundo antigo as representações do ler encontram-se, em muitos casos,
ora num sentido privado e íntimo ora num sentido mais público e aberto. A leitura de
intimidade, entendida como uma maneira de ler evidencia-se no século XVIII através
da iconografia dos retratos. Situações do ler de maneira mais particular são
retratadas na pintura e até no mobiliário francês do século XVIII. A figura feminina
que lê, emerge retratada nas imagens dos pintores da época. Seguindo esse
pensamento, comenta Chartier (2001):
A Jovem Leitora, de Fragonard (National Gallery, Washington),
confortavelmente instalada com uma atenção sábia e aplicada, um livro
que segura elegantemente com a mão direita. Atrás da perfeita imobilidade
da leitora, como que retirada do mundo, advinha-se uma animação interior,
uma tensão pacífica. Um pouco antes no século e de uma maneira menos
límpida, dois outros quadros, um de Jeaurat, Cena de interior (coleção
privada), outro de Baudoin, A leitura (Museu das Artes Decorativas, Paris),
inscrevem o ato da leitura no mesmo horizonte. (...) Nos dois quadros, a
leitora, uma mulher jovem em vestes de interior, é surpreendida no instante
em que seus pensamentos se evadem do livro que lê, pousado, a página
marcada pelo dedo, sobre os joelhos ou sobre o nicho do cão adormecido.
Perturbada por sua leitura, a leitora se abandona, a cabeça inclinada sobre
77
uma almofada, o olhar soçobrado, o corpo nguido (CHARTIER, 2001, p.
90).
A leitura da intimidade como uma maneira de ler, preenche-se no espaço
leitor ambientado para que o ato de ler pudesse ser uma experiência especial e de
isolamento. E, é por isso que Chartier (2001, p.91) afirma, “mais freqüentemente a
leitora, pode se instalar à vontade e abandonar-se ao prazer do livro”.
3.4 Ler para aprender: saberes úteis
As finalidades para uma leitura coexistiram junto a diversos programas
escolares estabelecidos durante os culos. Nos anos 1900, os alunos eram
confrontados com leituras ditas “úteis” ou escolares. Sob este enfoque, Hébrard
(1999, p. 59) mostra que “Os alunos dispunham geralmente de um manual único, o
“livro de leituras”, no qual eram reunidos todos os saberes julgados úteis ao escolar”.
Nesse sentido, fazia-se valer a crença naquilo que realmente julgava ser necessário
e adequado como uma leitura. E, para tanto, os conteúdos misturavam-se numa
miscelânea de saberes tais como: moral, higiene, história, viagens, arquitetura,
pintura, ciências físicas e naturais e outros que compunham o cotidiano de
aprendizagens.
Ler e reler, em voz alta, num sentido de apreender a leitura era o que o
aluno deveria ter como tarefa. E, ainda que desaparecessem os conteúdos
religiosos dos manuais das escolas laicas, a leitura procurava privilegiar uma forma
oriunda dos catecismos: ler para aprender, decorar e recitar. O engajamento em
uma leitura prescritiva, que determinava entre outras o “bom comportamento” e, uma
leitura voltada aos saberes instrutivos apresentava-se na organização das aulas.
Textos num sentido instrutivo, não se deixavam passar sem uma educação moral.
Hébrard (1999), vai afirmar que, devido a isso:
Todos os livros de leitura podiam , aliás, inspirar-se no relato de formação
exemplar do final do século, que é A volta da França por duas crianças,best-
seller absoluto. Numa França ferida pela guerra de 1870 com a perda da
78
Alsácia e da Lorena, esse livro, sempre imitado, nunca igualado, conseguiu
a proeza de conciliar dois propósitos: instruir e educar (HÉBRARD, 1999, p.
62).
Esse tipo de livro e leitura funcionava como uma “lição”. Utilizando-se da
narrativa para contar a história de uma viagem, o livro servia a inúmeras descobertas
por parte do leitor. Também sugeria uma outra temática: o aviltamento da pátria.
Esta, num sentido bastante enaltecido, poderia juntar-se aos relatos moralizantes,
outra unidade altamente necessária à educação escolar.
Eis que, na última década do século XIX, o livro de leitura, sem os textos
informativos para “aprender”, deixa aparecer com mais ênfase, os textos literários.
Estes, sem a função necessária do instruir, elevam o sentido da leitura para uma
outra conotação:
Eis então, depois das duas finalidades antigas – o escrito memória (o
catecismo) e o escrito ferramenta (o escrever-contar dos artesãos e
comerciantes) depois das finalidades modernas da leitura-saber (a
enciclopédia) ou da leitura edificante (o relato moralizador), a leitura pelo
amor do texto, que só a literatura legitima (HÉBRARD, 1999, p. 64).
Perante tais considerações, pode-se destacar que a aprendizagem da leitura
nos colégios do final do século XIX, procurava instruir o aluno para que este, via
leitura, pudesse aproximar-se cada vez mais da escrita. O ensino repassado às
meninas da burguesia era o de uma “cultura exigente”, pois:
Sem preocupar-se muito com a escrita, estabelecia-se então para ela um
programa sistemático de leituras francesas de alto nível. A seleção era
tradicional (do Grande Século, na maior parte), mas a verdadeira novidade
estava na arte de ler, a qual se pensava até em confiar a “professores de
leitura”. Para aprender a entender, gostar de e comunicar os textos, o
exercício a praticar era a leitura expressiva em voz alta (HÉBRARD, 1999,
p. 66).
Ainda no rumo dessas constatações, há toda uma referência à leitura de
textos com fundos moralizantes, cujo objetivo maior era envolver o leitor em um
círculo de aprendizados e conteúdos previamente definidos. No caso da Literatura
Infantil, a partir do final do século XVII, esta desenhava um modelo de leitura voltada
79
para uma pedagogia de utilização, domínio e ensino que afastasse, tal qual
aconteceu pela posição da Igreja, o jovem leitor de uma possível leitura perigosa.
Esse tipo de leitura vem confirmado na fala de Oliveira (2005), quando diz que:
A bibliografia edificante tinha como preocupação central prevenir a
juventude contra a devassidão. Os livros lidos pelas crianças traziam
embutida em suas páginas uma proposta utilitária de refinamento
simultâneo, das maneiras e do espírito, e a instrução na religião e no
decoro, para que as crianças e jovens não se tornassem ímpios e nem
perniciosos (OLIVEIRA, 2005, p.101).
De modo geral, a leitura com uma visão educativa, impregnava-se
enquanto prática que se impunha aos jovens e crianças leitoras. A literatura com um
“fim” e com vertentes utilitaristas marcava o ato de ler como um forte instrumento de
dominação. Ler para aderir a modelos, cumpria a formação necessária e intelectual
dos jovens e das crianças. E, com a origem da Literatura Infantil no culo XVIII,
essa proposta se torna mais central e valorizada pelas famílias burguesas.
A leitura e a escrita através da Bíblia, ainda que fosse prática dominante nos
países protestantes do século XIX, começava a inserir-se por um caminho de
leituras pedagógicas e de cunho educativo. Livros como Fábulas de La Fontaine,
Robinson Crusoé e o Voyage du jeune Anacharsis em Grèce do abade Barthélemy,
conforma atesta Lyons (2002), apareciam nas listagens do culo XIX como o de
livros mais vendidos. As histórias com fins educativos preenchiam muitos dos textos
recomendados às crianças e jovens como atesta Lyons (2002), ao comentar sobre o
enredo do livro do abade Barthélemy:
A viagem imaginária de Anacharsis servia de fio condutor para a discussão
sobre arte, religião e ciência gregas no período de Felipe da Macedônia. No
decorrer da jornada pelas ilhas, o herói conversa com filósofos e observa
uma grande variedade de instituições gregas. Desse livro apareceram
numerosas edições resumidas e ele foi especialmente popular na década
de 1820 (LYONS, 2002, p. 180).
No início do século XIX, os objetivos traçados à leitura da infância eram por
vias de um código moral estabelecido. Os contos com moralidade abordavam
80
histórias que relatavam sobre a “bondade para com os animais, a coragem, a
honestidade e a fidelidade. Pregavam contra a avareza e o jogo, e, como a maioria
dos livros para crianças dava ênfase à solidariedade familiar” (Lyons, 2002, p.181).
Os contos de fada ou, melhor dizendo, as histórias folclóricas de origem
camponesa do passado, também podem ser inclusas como um tipo de leitura que foi
sendo rebatizada à medida que eram editadas para melhor adequar-se aos padrões
morais distintos. Esses contos foram “infantilizados” de forma a melhor atender às
crianças e jovens leitoras dos séculos XVII até o XIX. Os textos de Perrault,
advindos da tradição oral e de histórias dos textos eruditos, foram remodelados de
maneira que se afastassem, por assim dizer, situações desagradáveis ou
reprováveis no conceito moral; passagens que exprimiam de forma mais incisiva
gestos rudes ou, até mesmo uma sexualidade mais à tona, passavam por edições e
supressões.
Histórias como a da Bela Adormecida ou Chapeuzinho Vermelho tiveram
suas edições reformuladas. A primeira sofre uma supressão e o término da história
encerrar-se no casamento do Príncipe e de Bela Adormecida; Chapeuzinho, no
caso, também era vista com bastante ressalva, pois apresentava um conteúdo que
poderia ser visto como a “menina que foge das tentações impostas pelo lobo mau”.
Os irmãos Grimm, com seus contos publicados a partir de 1812, também tiveram
que “suavizar” algumas histórias de forma a diminuir o conflito presente nas
mesmas. Os clichês que apresentavam ”caçadores simpáticos, lindas princesas e as
próprias fadas, povoando um mundo açucarado e previsível. Desse modo, os
Grimms reforçavam a mensagem moral e os valores da família.” (Lyons, 2002,
p.183).
A instrução aliada ao divertimento também começa a despontar em algumas
publicações. Um periódico de nome Le Magasin d’Éducation et de Récréation,
publicada e destinada ao público burguês entre 1864 e 1915 apresentava por
intenção aliar o “divertir e o instruir”. O propósito entre eles era aliar literatura dita
séria e literatura para crianças. Era destinada à família e tinha sobretudo um valor
pedagógico. Todavia, Julio Verne e seus ilustradores, que tinham histórias
publicadas por essa revista, colocam como contraponto maior para a literatura, o
mistério, a aventura, e a imaginação. A educação, nesse sentido, figura num plano
81
inferior a ser explorado. Seus escritos, com destino certo entre os jovens, eram
preenchidos por um infindável mundo de aventuras. E, por conta disso, o sentido
educacional ficava em menor evidência diante de seus objetivos e personagens.
Lyons (2002), quando fala da literatura de Julio Verne diz que:
O autor abordou temas científicos de maneira tópica em geologia,
astronomia e exploração, mas simultaneamente, ele inventou um novo tipo
de romance de aventura para adolescentes. Nos romances de Verne existia
potencialmente uma dicotomia de objetivos, na qual o espírito de fantasia e
aventura lutava por transcender os fins científicos e pedagógicos (LYONS,
2002, p.184).
Esse tipo de escrita que tinha por objetivo primeiro utilizar-se dos conteúdos
e lugares históricos para enredar o jovem leitor, era carregado de uma função maior
em forma de aprendizado. Textos cuja utilidade era dar ao jovem leitor um modelo,
para que depois, em outra época pudesse fazer distinções de suas leituras, ocorria
como uma forma de auxiliar as leituras do jovem futuramente. Desse modo, a leitura
utilitária, tratava de recomendar e transformar a atividade de leitura em uma
condição do aprender e de uma leitura essencialmente moral.
3.5 As leituras e seus caminhos de encantamento
A leitura que se instaura para além do limite do uso e de um objetivo preciso,
evoca no leitor de ficção, relações de profunda ligação. O lugar que a leitura possa
vir a ocupar no cotidiano de cada leitor sinaliza para gestos, sentimentos e práticas
que fazem deste, um ser reconhecido e perfeitamente à vontade no ato de ler. Os
excessos e até o não resistir diante dos livros podem vir a provocar “loucuras”.
Bernardo (2005) comenta sobre essa condição ao citar o romance Don Quijote de La
Mancha:
82
Miguel de Cervantes Saavedra, quatro séculos atrás, já satirizava
semelhante modo de pensar no primeiro grande romance da literatura
ocidental. El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha: em certa cena
dois personagens, o cura e o barbeiro, queimam vários livros (“salvar” o
amigo Dom Quixote da “loucura da ficção”). No entanto, fica claro, para
quem o romance, que o “louco” Dom Quixote é muito mais lúcido que os
seus supostos amigos, antes medíocres do que amigos (BERNARDO, 2005,
p. 11).
A loucura que vitimaria um possível leitor seria o de entregar-se por
completo aos “excessos” do ler e, prioritariamente, influir no modo de pensar. E, por
conta disso, as situações de encantamento poderiam vir a ser mais motivadas por
essa prática leitora. Ginzburg (1987), ao retratar a trajetória de Menocchio, moleiro
nascido em 1532, morador de uma pequena aldeia e perseguido pela Inquisição,
também coloca que, por conta de idéias e crenças defendidas em decorrência de
leituras que este havia desenvolvido, julgam que o mesmo deverá ser “extinto”. No
caso, em decorrência de suas afirmações e a forma como assimilou suas leituras, a
Menocchio também é reservado acabar queimado à época da Contra-Reforma.
Viver entre livros e instaurar um sentimento de veneração em relação ao
objeto lido é retratado por Manguel (1997), quando este relata sobre um emprego
em uma livraria de Buenos Aires no tempo em que tinha dezesseis anos. A tentação
exercida pelo livro orienta o jovem leitor Manguel a querer ligar-se ao objeto de
qualquer forma. Ele diz:
Infelizmente, muitos dos livros tentavam-me para além da limpeza; eles
queriam que alguém os segurasse, queriam ser abertos e inspecionados,
e, às vezes, nem isso era suficiente. Umas poucas vezes roubei um livro
tentador; levei-o para casa, enfiado no bolso do casaco, porque eu não
tinha apenas de lê-lo: tinha de tê-lo, chamá-lo de meu (MANGUEL, 1997,
p.29).
Chartier (2004), no seu estudo sobre as leituras e leitores na França do
Antigo Regime irá relatar sobre o componente fluído presente nas situações e
práticas culturais que devem ser associadas, indistintamente, tanto a um uso dito
“popular” quanto ao uso das elites. E, nesse sentido, a posse de livros surge
indistintamente entre uns e outros. Os possuidores de livros, no século XVI, são os
83
chamados de “burgueses”, mas também os “populares” tais como: operários,
camponeses e mestres de ofício. Ele conclui:
Nessa sociedade minoritária dos proprietários de livros, mercadores e
artesãos aparentemente não fazem figura: os mercadores são 259 a ter
livros e os artesãos ou pessoas de ofício, 98, ou seja, respectivamente 37%
e 14% do conjunto dos inventários com livros socialmente identificados. É
claro então que, desde o primeiro século de sua existência, o livro impresso
(amplamente majoritário nos inventários de Amiens em relação aos
manuscritos) não foi o privilégio exclusivo apenas dos dignitários, mas
atingiu uma população de leitores modestos, situados na parte baixa da
escala dos estados e das condições (CHARTIER, 2004, p.93).
A leitura metaforizada como um alimento necessário e colocada como
atividade primordial é também abordada na pesquisa de Coenga (2004) quando este
relata o papel da leitura na formação de determinados professores. No caso destes,
a leitura surge a qualquer momento e como prática que serve para distrair, acalmar,
fugir do presente, alegrar-se e preparar aulas. A leitura, por esse viés, é a que se
reserva à alma e também como uma condição de necessidade individual. E, no caso
de leitores compulsivos, estes se obrigam a reservar tempos vários para o ato de ler.
Os finais de semana, a hora do sono, os momentos de espera do ônibus, o tempo
que sobra dos afazeres ou um tempinho entre uma aula ou outra é destinado à
compulsão pelo ato de ler (COENGA, 2004, p.99).
O ato de ler colocado quase que como uma paixão involuntária, surge nas
imagens de leitura. O livro sendo amparado com avidez e assumindo uma situação
onde o leitor quase o “devora”, situa um pouco a compulsividade em torno do objeto
livro. A leitura vista como uma metáfora do alimento é colocada por Manguel (1997)
como uma imagem que registra o impacto e o efeito que a leitura acarreta no leitor.
Ele diz:
Tal como escritores falam em cozinhar uma história, misturar os
ingredientes do enredo, ter idéias cruas para uma trama, apimentar uma
cena, acrescentar pitadas de ironia, pôr molho, retratar uma fatia de vida,
nós os leitores, falamos em saborear um livro, encontrar alimento nele,
devorá-lo de uma sentada, ruminar um texto, banquetearmo-nos com
poesia, mastigar as palavras do poeta, viver numa dieta de romances
policiais (MANGUEL, 1997, p.198).
84
Texto e leitor interagem, por assim dizer, numa relação de ligações, muitas
das vezes, superficiais, mas, sobretudo com ligações que nascem e vão se
formando à medida que a leitura vai se desenvolvendo. Leitor e texto interligam-se
em significados vários que vão se construindo no decorrer da leitura. E, dessa idéia,
advém a questão da integração plena entre um e outro. Livro e leitor tornando-se
um surgem como figura de reiteração para justificar a voracidade do leitor em
relação ao objeto livro.
A leitura cuja condição é a da necessidade diária, salienta o reflexo de uma
atividade que não pode ser descartada do hábito. Ler por horas ou ficar numa
situação de “encantamento”, constitui-se na essência do leitor que se aventura com
o livro. O livro como companheiro ou como uma paixão surge em momentos de
constante necessidade. Mindlin (1999) relata sobre sua paixão pelos livros e como
estes sempre o fizeram adentrar por sensações diversas. Ter uma biblioteca, no seu
caso, reside numa crescente veneração que o leitor vai ampliando no decorrer da
leitura. Ler um livro de um autor, querer outros do mesmo autor, procurar por
edições, exemplares raros ou autografados não deve interpor-se à situação primeira:
o interesse pela leitura.
O leitor comprometido com a leitura diária intercala situações cotidianas com
a atividade de leitura que não pode ser deixada nunca “de lado”. Para isso, sempre
a questão de se fazer uma reserva, de qualquer tempo do dia, para algo que se
considera essencial: a leitura. José Mindlin (1999), afirma sempre ter cultivado esse
hábito de recorrer à leitura de forma a não se esquivar de sua aventura diária. Ao
relembrar de suas práticas de leitura, analisa que estas geralmente ocorreram nos
intervalos de outros afazeres:
E esse hábito continuou. Quando as minhas crianças eram pequenas, eu as
levava para a escola. Saía de casa ali pelas dez para as sete, chegava no
Mackenzie às sete e quinze, encostava o carro debaixo de uma árvore e
ficava lendo até quinze para as nove, sem interrupção telefônica e, naquele
tempo, sem assaltos. Acontecia a mesma coisa com os julgamentos no
tribunal. Eu ficava lendo enquanto esperava que meu caso aparecesse. O
segredo, que não tem nada de mais, mas em que muita gente não pensa, é
ter sempre um livro à mão. Eu leio também no carro. Uma vez um oculista
me disse que isso era muito perigoso, porque eu podia ter um descolamento
da retina. Então, mudei de oculista. Consegui encontrar um que me
85
dissesse não haver problema e, com isso, até hoje eu leio no carro
(MINDLIN, 1999, p.106-107).
As escolhas de leitura geralmente estão rodeadas por uma prática que se
convenciona como prazerosa para o leitor. Permitir-se a determinadas leituras é
entrar por um caminho contrário ao da obrigatoriedade e do dever. A leitura
enquanto prazer carrega a magia que enleva o leitor para além do suporte material
do livro. “Leitura como um ato de subversão, como prazer roubado às horas de sono,
descanso ou estudo, como aventura de soltar a imaginação surgiam nos
depoimentos de leitura de jovens leitores de outros tempos.” Mas, a questão se
adianta para o nosso tempo. A fascinação pelo ato de ler poderia ainda ser ilustrado
como algo da nossa juventude? (Maria, 2002, p.152).
Ao referir-se ao livro de Daniel Pennac Como um Romance, Luzia de Maria
(2002) relata que segundo aquele, a leitura precisa sensibilizar e a questão maior é
saber se estamos dispostos a usufruir da “felicidade de ser leitor”. Deliciar-se com
uma leitura, roubar-se a um prazer fora do descanso, aventurar-se por caminhos de
leitura até como “ato de subversão” é uma questão de disponibilidade. A paixão que
alimenta o leitor também é o tema que atravessa os estudos desenvolvidos por
Paiva e Maciel (2005) ao abordar as experiências de formação de leitura do
professor-leitor. Através de uma disciplina cujo título é Discursos da Paixão: leituras
literárias procura-se “transformar o espaço da sala de aula em um espaço de
vivências de práticas de leituras literárias por parte dos alunos e dos convidados”
(Paiva e Maciel, 2005, p.122).
Por meio dessa atividade, as experiências de leitura reveladas através da
paixão por determinados livros e autores, serviram para mostrar como a formação do
aluno-leitor pode ser alimentada pelas recordações de leitura do professor-leitor em
sua prática pedagógica. A proposta da disciplina ofertada é exatamente colocar
frente à frente as lembranças e experiências de um, com as experiências de outro.
Deixar-se seduzir pela leitura de alguém, também se apresenta como uma forma de
cultuar o “objeto” de uma paixão revelada.
A leitura vista como um abandono íntimo, ao qual o leitor subtrai boa parte
do seu tempo, é demonstrado com bastante recorrência através dos quadros e
86
imagens de séculos anteriores. Chartier (2004), relata à respeito da representação
da leitura no século XVIII. A leitura íntima, no caso, irá se fazer presente em diversas
obras de arte. O livro na representação de uma cena cotidiana surge como adorno
nas mais diversas condições. E, a relação íntima entre leitor e livro se faz presente
em cenas como:
A leitura ao ar livre no jardim, sob as folhagens (Carmontelle, O
Conde de
Genlis, da rainha da Inglaterra), a leitura de pé, acompanhando a
caminhada, como naquela silhueta recortada de Goethe dos anos 1780. (...)
o livro torna-se companheiro de infortúnio, exatamente como os poucos
objetos familiares ou o retrato da mulher amada (CHARTIER, 2004, p.215).
Pode-se denotar que, é do final do século XVIII a maneira de ler dita
intensiva, a qual incide sobre um número mais restrito e bem conhecido de textos,
geralmente obras de piedade, almanaques e, prioritariamente, a Bíblia, as quais
posteriormente darão lugar a uma leitura denominada de extensiva. Nessa
modalidade, as práticas culturais irão descrever uma tipo de leitura mais livre e de
pouca referência à situações religiosas e familiares. A leitura por esse caminho toma
um sentido mais pessoal e de intimidade. Ao contrário da intensiva, a leitura
extensiva permite uma situação mais íntima, solitária e silenciosa.
A leitura colocada como atividade cultural tem por objetivo investigar as
práticas do ler. E, nesse campo, aquilo que lemos serve para orientar nossas leituras
de um modo geral. Leituras que fazem sonhar, leituras ausentes, e até leituras ditas
profundas colocam-se como atos de leitura desenvolvidos de maneira mais
particular. Manguel (2005), ao comentar na obra Os livros e os dias sobre as
impressões deixadas através da leitura de determinados livros, comenta em
determinado trecho que:
“Talvez, para que um livro nos atraia, ele precise estabelecer, entre a nossa
experiência e a da ficção – entre as duas imaginações, a nossa e a que está
impressa -, um vínculo de coincidências” (MANGUEL, 2005, p.25).
87
E, conforme vai narrando sobre suas leituras e impressões deixadas pelas
mesmas, Manguel (2005), constrói um “roteiro” que delineia como se comporta o
leitor diante do livro. No caso, mais especificamente, como ele, enquanto leitor vai
sentindo e descrevendo as sensações diante de cada livro. Ao citar o livro Kim, de
Rudyard Kipling diz que este lhe causou um prazer permanente. E, a cada leitura
que fazia, mais amigo e próximo se tornava dessa obra (Manguel, 2005, p.50).
Também ao referir-se aos leitores de uma forma geral, atesta que esses “formam o
próprio texto reparando em certas palavras, em certos nomes cujo sentido privado,
ecoam para eles e passam despercebidos por qualquer outra pessoa” (Manguel,
2005, p.33)
Assim como a leitura passa por um caminho de intimidade e prazer, também
irá configurar-se, em alguns casos, como fator de poder. Na América Portuguesa, no
período que se estende do século XVI até o XIX, a leitura ocupou um valor
significativo. Por conta dos impressos serem agregados como fontes de
“conhecimento, de deleite, meios de acesso ao sagrado e elementos de
ornamentação”, os mesmos inscreviam-se numa relação de poder tanto quanto de
prazer e saber. No culo XVI a posse do livro representava um número restrito de
proprietários e os volumes em grande parte eram os religiosos e os ligados à
literatura. No século XVII a situação ainda permanece quase que igual ao século
anterior e os livros relacionados nos inventários geralmente eram obras devocionais.
As bibliotecas nos séculos XVI e XVII também sugerem que os livros em
circulação eram os religiosos e os ligados as fontes de conhecimento. “A Bíblia, em
particular o evangelho de S. João, constituía motivo de escárnio de alguns leitores,
que não colocavam emvida seu conteúdo como usavam-na em práticas
mágicas”. Somente no século XVIII é que se começa a notar uma maior posse em
relação aos livros e, consequentemente, maior circulação que séculos anteriores.
Também além dos livros religiosos que continuavam a predominar, havia os
relacionados às ciências e os saberes profanos. (Villalta, 1999, p.119).
Uma modalidade no interior da leitura que mesmo após nascer continuou
existindo e encantando até os dias de hoje seria o chamado: romance. Diferente de
outros gêneros literários, o romance cumpre por função primeira entreter e divertir
seus leitores. Em decorrência desse fator pode-se dizer que “sua aliança com o ócio
88
e o prazer que o romance não teve um percurso não muito fácil” (Lajolo, 2004, p.30).
Por ter uma aproximação bastante forte com as leitoras e leitores, pois representava
a vida destes, popularizou-se e, conseqüentemente, serviu também para uma maior
democratização do ato de ler.
No culo XVIII, cuja proliferação do romance foi bastante percebida, tinha
nomes que procuravam definir a sua condição textual. “Histórias”, “aventuras”,
“vidas”, “contos”, “memórias”, “novelas”, qual seja o nome, o romance por assim
dizer, entrava pelo campo do fictício (do fingido, do fabuloso), não sem carregar essa
função como um pormenor da leitura de forma negativa (Abreu, 2003, p.266).
Contudo, mesmo considerado sem pedigree”, conquistou público leitor da maior
variedade e tempo. E, alertar sobre os “perigos” de tal leitura representaria uma nova
situação para a leitura e a literatura ocupar-se no seu cotidiano.
Leitura como “perigo” não seria uma prerrogativa determinada somente ao
romance. A leitura considerada frívola e lasciva era alvo de alerta até para questões
de saúde as quais poderia influenciar. Abreu (2003) ressalta que:
A leitura em geral era vista como um risco para a saúde, pois o esforço
continuado prejudicaria os olhos, o cérebro, os nervos, e o estômago, com
adverte Simon-Andre Tissot, médico suíço a quem se prestava muita
atenção no século XVIII. (...) Embora, fonte de inconvenientes físicos,
leituras que valem a pena, enquanto outras são unicamente perniciosas.
Dentre estas, muitos incluem a leitura dos romances, tida como perigosa,
pois faz com que se perca tempo precioso, corrompe o gosto e apresenta
situações moralmente condenáveis (ABREU, 2003, p. 269).
A leitura que parecia sem “finalidade”, também atingia o terreno da
moralidade. Os textos bíblicos traziam em suas narrativas exemplos de virtude.
os romances, os quais mostravam pessoas muitas das vezes “fracas” e que erravam
ante o pecado e o vício poderia vir a influenciar o leitor que se imaginaria no lugar de
seus personagens. O romance, a exemplo, ensina “como é estar apaixonado, ou
como desapaixonar-se. Como fugir de casa numa canoa, como perseguir
hipopótamos na África ou como lutar uma batalha heróica. Ensina pelo faz-de-conta
(Lajolo, 2004, p.31).
A leitura que Lajolo faz “viajar”, articula-se na vida do leitor por conta de
envolver a vida deste com a vida dos personagens da história. O leitor se imagina
89
em cenários que nunca havia antes pensado ou localiza-se em um cenário já
conhecido, porém visto sob outro aspecto. A leitura que segundo Lajolo (2004), seria
um “viver por empréstimo”, seduziria cada vez mais o leitor em seus percursos
enigmáticos. E, tanto isso é natural para o leitor de romances que Lajolo (2004) diz
que:
Mergulhar na leitura é o que fazemos leitores que gostam do que estão
lendo. E quando não gostam? Quando não gostam, nem têm de ler por
obrigação, largam o livro, pois o leitor é amo e senhor de seu nariz e de sua
vontade: tanto pode fechar o volume depois de algumas páginas se não
estiver gostando ou ao contrário, esquecer o mundo à sua volta e mergulhar
na história que o livro conta (LAJOLO, 2004, p. 29).
O envolver-se na leitura, ler romance e se apaixonar por eles é uma das
condições impostas por esse gênero a seus leitores. E, a leitura enquanto alvo de
perseguição e censura surge também nos enredos dos romances como em
Inocência, de Taunay (1872), ou em A Normalista, de Adolfo Caminha (1893):
nessas duas histórias, a leitura feminina é criticada e criminalizada” (Lajolo, 2004,
p.33).
A proibição diante dessa leitura faz com que o leitor, em muitos casos, leia
escondido tais livros. Também, na Europa do século XVIII, o custo do livro
determinava, em muitos casos, sua chegada até o leitor. Livros não apareciam como
artefatos baratos, todavia o romance por ter qualidade de encadernação inferior
poderia ser obtido por valores mais acessíveis. Mesmo não sendo de encadernação
luxuosa, muitos romances ainda se constituíam distantes da realidade de compra de
alguns leitores. Para tanto, surgiu por essa época, os chamados “gabinetes de
leitura”. Estes disponibilizavam livros para empréstimo para que o leitor pudesse lê-
los em casa. No interior de todo esse debate é que se torna possível achar os
leitores apaixonados. Aqueles que curtem a história narrada relêem para agradar-se
por mais de uma vez, e se posiciona enquanto leitor diante de seu gosto.
O campo que se ocupa da ficção e do literário também aloja o romance. E,
dentro dessa dimensão faz refletir sobre o conceito de ficção como resultado de um
ato de “fingir”. No entanto, o conceito de literário, aporta-se em muitos casos no
terreno da indefinição haja vista que:
90
Os produtos da indústria cultural, classificados até ontem como sangue e
sacarina, (...) mentira estética ou kitsh, são naturalizados como literários
inclusive por profissionais universitários de letras, como a ficção não-literária
daquele Paulo Coelho e filiais. Sabemos que muitos leitores procuram nos
textos um suplemento de alma para esse nosso mundo tão desalmado.
Seus corações sensíveis terão lá suas razões que desconhecem, mas que a
razão mercantil dos atacadistas de alma conhecem bem (HANSEN, 2005,
P.15).
E, por conta disso, a literatura carregaria enquanto ficção a sua verdade
mais evidente, haja vista que não esconde o que deseja: mentir e fazer uma
figuração do possível. Para tanto, o leitor necessitaria estabelecer sempre um
consenso com o campo da invenção. Pois, muitos leitores de ficção querem
encontrar nessas leituras, uma significação próxima a um texto pragmático,
esquecendo-se dos simulacros e do campo da “possibilidade” aberto com a ficção.
3.6 Leitura e Literatura Juvenil
Ao observarmos a leitura presente na vida dos jovens verificamos o debate
que se instaura em torno da existência ou não da literatura infantil e juvenil.
Todavia, ainda que seu caráter e limites teóricos em muitos casos apresentem-se
como indefinida, a literatura infanto-juvenil vem sendo reconhecida ao longo do
tempo. Enquanto produto cultural, esse tipo de leitura convencionou-se como
linguagem literária que se caracteriza por ter um discurso dedicado aos leitores
infanto-juvenis. A literatura juvenil por sua vez, destinada a um blico que também
é aquele da faixa dos quatorze e quinze anos, seria uma troca da nomenclatura e o
seu provável avanço a faixa etária dos adolescentes.
Mesmo assim, a existência da literatura juvenil é bastante questionada. O
uso do termo juvenil, conforme aponta o professor da Universidad Complutense de
Madrid Espana Jaime García Padrino (2005), precisa de uma definição sobre qual
realidade o objeto vai abordar. Tradicionalmente os termos infantil e juvenil são
aplicados como sinônimos e inclusos em um único termo. Por conta disso, Padrino
(2005) procura ressaltar que:
91
Admitamos, pues, la disolución de esa realidad literária en dos grandes
ámbitos, el próprio de la infância y el que ahora ha granado terreno como
específico de la juventud. Abandonemos, pues, aquella, utilización genérica
del término Literatura Infantil, para centrarnos em esa supuesta
especificidad de lo juvenil, si es que existe tal realidad literaria (Padrino,
2005, p.60).
O que é do terreno da literatura infantil e o que passa a ser da literatura
juvenil torna-se uma medida de difícil acesso. O autor em questão salienta sobre
essa preocupação “adulta” no sentido de determinar o que é mais conveniente,
adequado e instrutivo para uma leitura dos jovens. Também, de se atentar para
esse tipo de situação não favorecer a uma marginalização da literatura juvenil em
relação à literatura geral. Colocar rótulos de literatura juvenil pode vir a ser utilizada
com uma função de facilitar um desenvolvimento de hábitos leitores e gostos
literários de caráter adulto. Por conta disso, a literatura juvenil seria tratada como
uma literatura de transição.
Ceccantini (2004, p. 20) ao relatar sobre as perspectivas de pesquisa em
literatura infanto-juvenil, também reforça sobre a “volatilidade” desse objeto. Livros
que fazem parte de um catálogo infantil podem direcionar para uma resposta ao que
seja essa literatura. No entanto, o que se coloca quase sempre é a contradição
entre: pertencer à literatura infanto-juvenil ou à chamada “outra literatura”.
Conceituar mais por uma questão de circulação e não por procedimentos internos e
propriamente textuais é o que geralmente se confere a esse gênero literário.
(Zilberman, Lajolo, apud Ceccantini, 2004, p. 22). Por conta disso, observa-se em
muitos casos, uma questão de rebaixamento da literatura infanto-juvenil bem como a
maneira de abordá-la no espaço escolar. Ceccantini (2204) chega a referir-se a essa
indefinição latente do gênero e também fala sobre as razões de ordem histórico-
social:
O surgimento da literatura infanto-juvenil no momento em que se
consolidam instituições como a família e a escola burguesa; o espaço de
circulação privilegiado para o gênero por esta configurado; o conteúdo
didático/escolar (ou pedagogizante, se assim se preferir) da produção para
crianças e jovens nas suas origens; a posição marginal ocupada pela
criança em nossa sociedade; a expansão de outros campos da ciência e do
saber que também voltam seu foco para tudo aquilo que se relacione à
infância, são, todos, aspectos que acabaram por situar a literatura infanto-
juvenil, de um modo geral, ou a brasileira, de uma prisma mais localizado,
92
numa zona de fronteira, em que se um embate entre disciplinas
disputando um mesmo objeto. (Ceccantini, 2004, p. 22)
Diante dessa realidade, alguns professores que trabalham com essa faixa
de idade queixam-se dos gostos literários dos jovens atuais e de sua formação
leitora. Ainda assim, partem para a indicação de textos e livros mais adequados aos
interesses e realidade da juventude. Esse tipo de discurso mantém uma proximidade
da literatura com dois tipos distintos de definição: a primeira é a que reforça a idéia
da experiência literária como uma forma de humanização do ser humano. Ou seja, a
literatura como uma identificação positiva do leitor com personagens que a exemplo
do ser humano podem ser fracos, sofredores ou perseguidos em situações diversas
da vida. Na outra vertente da definição teríamos a questão que enfoca a literatura
como ligada a uma cultura de massa.
Padrino (2005) salienta que além dessa questão estar condicionada a
formação do professor que irá desempenhar um papel de encaminhar o jovem em
várias leituras, o mercado editorial que busca a difusão da denominada literatura
juvenil. Isso por conta dos leitores da idade entre 12 a 16 anos constituir-se como
um importante cleo de mercado como leitor/consumidor infantil. Para ele, esse
fenômeno projeta-se no interior do desenvolvimento de narrativa para jovens:
Unos temas que, tanto desde la óptica editorial como desde la intención
asumida voluntariamente por alguns creadores, se consideran como reflejos
de las preocupaciones o intereses de los jóvenes actuales: relaciones
familiares más o menos conflictivas, descubrimiento del amor y de las
relaciones sexuales, problemas com la droga, fracasos escolares, inserción
en la vida social... (Padrino,2005, p.63)
Como resultado para essa situação, em muitos casos, o predomínio de
uma literatura juvenil pautada por temas com adaptação ao que se imagina ser do
gosto ou do consumo do jovem. Ainda que se tenha uma literatura juvenil movendo-
se sob certa “marginalização”, colocada mais como produto comercial e não como
situação criativa, é impossível negar a existência e evolução desse gênero.
Dessa forma, tratar da literatura juvenil exige que se saiba também da
condição de ser jovem. Quais elementos compõem a literatura juvenil? Segundo
comenta Leahy-Dios (2005), atualmente uma aproximação entre autores e
93
leitores. Ainda que permaneça um interesse mercadológico o qual recai sobre
produção e consumo, os interesses juvenis continuam por ser os ligados ao próprio
corpo, as relações sociais, afetivas, amorosas e sexuais, e as dificuldades de
relacionamento com amigos e família (Leahy-Dios, 2005, p.40). A autora explicita a
propósito que:
Publicações recentes tratam de preconceitos raciais, sexuais, de gênero,
sociais, financeiros; de problemas em família, separação dos pais, abuso
sexual, dificuldades de diálogo, disputas entre irmãos; de iniciação sexual ,
gravidez e aborto, da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; de
crianças e adolescentes em situações de rua, de problemas políticos etc.
(Leahy-Dios, 2005, p.40)
Todavia, mais do que entender quais temas está na ordem de interesse dos
jovens, é saber se eles estão dando conta de ler sobre tantos assuntos e se a escola
consegue proceder a esse acompanhamento. E atentar-se para o aprofundamento
da leitura é mais do que inteirar-se sobre as reações de gosto, interesse, prazer e
desprazer pelo objeto lido. Uma busca nos livros de literatura infantil e juvenil
contemporânea conta de saber sobre o que se refere a qualidade literária na
produção para crianças e jovens. Em contraposição a um número crescente de
impressos destinados a essa área e disponíveis no mercado editorial, reconhece-se
a qualidade estética em muitas obras destinadas ao público infanto-juvenil. E, em
muitos casos, a obra ultrapassa a crítica que se estabiliza em uma visão pronta e
elaborada em torno dos conceitos de obra literária. Maria Zaira Turchi (2006),
procura ressaltar ainda que:
Não se pode negar, contudo, uma imposição de mercado presente no
panorama editorial brasileiro, exigindo da crítica um esforço em distinguir as
obras com qualidades literárias daquelas que atendem, apenas, a um forte
apelo mercadológico. (...) A essas tarefas a crítica da literatura infantil e
juvenil deve acrescentar a tarefa da formação de leitores, compreendendo o
processo da leitura como construção de subjetividades e conexão de
saberes. (Turchi, 2006, p.27).
A responsabilidade de comparar e fazer conexão entre as literaturas,
indicando quais releituras a se fazer seria um papel também destinado à crítica. A
contribuição para a formação do leitor não pode residir somente nas escolhas e
interesses do professor ou daquele que está à frente das escolhas de leitura.
94
Compartilhar a leitura com outros leitores é condição que se coloca como necessária
para a reflexão sobre autores e obras da literatura infantil e juvenil brasileira.
Portanto, perceber e tomar como referência alguns “critérios de qualidade para o
texto literário, baseado na idéia de que a ficção não copia a realidade, mas a
representa, ou seja, a reapresenta – portanto, a refaz, reinventa” (Bernardo, 2005, p.
14).
A escola, durante esse tempo, tem funcionado como espaço mediador da
leitura e formação de leitores. Devido a isso, entramos em um maior contato com o
mundo leitor por conta das disciplinas estudadas em sala de aula. E claro, grande
parte do conhecimento a que estamos habituados a refletir em nosso cotidiano é
disseminado nas escolas. Por conta de estabelecer uma conexão de importância
com a identificação das informações e a objetividade que marcam o pensamento
científico, à escola foi dado o lugar de relevância no que se refere à leitura. Também,
“marcam, além disso, o comportamento e o discurso do homem ocidental
contemporâneo.” (Azevedo, 2005, p.27). Não é o caso de se enaltecer a não
cientificidade e sim, ampliar para uma discussão no que se refere aos diferentes
modelos de pensamento humano. Ricardo Azevedo (2005), ainda conclui que:
Em suma, se o discurso racional analisa, diferencia e identifica as partes do
todo, o discurso poético age de maneira oposta: transforma o que é
heterogêneo em homogêneo, sintetiza e é capaz de unir ou estabelecer a
convivência entre elementos contraditórios. Imagens metafóricas como a
“virgem dos lábios de mel” ou “fulano é meu braço direito” assim como
criaturas como lobisomens e centauros, seres metade gente, metade bicho,
são exemplos de não-diferenciação, recurso típico tanto do discurso poético
como do pensamento mítico. (AZEVEDO, 2005, p.29)
O discurso literário carrega imagens que prevalecem e traduzem o
comportamento humano e a sua liberdade livre de didatismo. Até se pode dizer que
a autonomia literária “capacita a Literatura a não apenas criar obras de qualidade,
como a forjar uma cumplicidade com seu leitor, a se tornar sua amiga, parceiro,
amparo, apoio e amante...” (Aguiar, 2005, p.109). Para esse autor, a criança-leitora
ou o adolescente-leitor o devem ser poupados de viver as narrativas presentes
nos livros. A dor, o horror e a paixão necessitam de um espaço de intimidade
carregado pela imaginação do leitor. Ele chega a dizer que:
95
É disso são feitos os livros, não é? Desses sentimentos estranhos,
indisciplinados e o-disciplinares, alguns confidenciais, que brotam entre o
leitor e as páginas. Esses segredos de ele entrar na história como quem
penetra no quarto em que lhe disseram, lhe avisaram, lhe ameaçaram:
“Jamais abra esta porta, senão...!”. E ele abre, abriu sempre, e sabe que
voltará a abrir... O livro: Abre-te, Sésamo. E ele pronuncia o encanto, quase
já com medo, antevendo, querendo ser levado. (AGUIAR, 2005, p.116)
Nesse hábito de carregar e ser carregado pelo livro e suas histórias reside
um pouco da paixão do leitor. Por isso, o que a narrativa de ficção produz no leitor é
uma proximidade com a vivência entre o real e oo real. O paradoxo construído no
mundo do ler, não se destrói diante dos livros que tem por missão transportar o leitor
para outros mundos. Ser carregado pelo livro surge como metáfora da viagem de
leitura. Conceber uma nova visão da realidade e até mesmo promover um encontro
do próprio eu com o imaginário, faz do leitor infanto-juvenil um peregrino no interior
das narrativas.
Carvalho (2004, p.98) reforça a importância exercida pela fantasia como
emancipação nas histórias para crianças e jovens. A autora comenta que por conta
do incentivo da literatura de Lobato do início do culo vinte, a fantasia desprendeu-
se um pouco de uma imagem de rusticidade, seriedade e comportamento utilitário.
Com o fato de colocar em primeiro plano o pensamento e modo de ser próximo aos
leitores dessa idade, a fantasia presente nesse tipo de narrativa possibilitava “a
identificação dos leitores com as personagens de forma mais íntima”.
Por conta disso, a fantasia servia como um recurso de maior interação entre
leitor, livro e autor no que se refere a situações de ficção nem sempre vividas na vida
real. Jauss (apud Carvalho, 2004, p. 101) relembra Freud e sua teoria psicanalítica.
No caso, “o prazer que a literatura provoca no leitor, ou seja, o prazer que o sujeito
receptor da literatura sente ao identificar-se com o outro, ao vivenciar o mundo
ficcional.” Baseando-se nessa afirmação, verifica-se na literatura para jovens e
crianças, um grande número de narrativas psicológicas. Estas, com o claro intuito de
provocar as vivências, os anseios, os medos e os conflitos através da ficção.
A fantasia e a forma de expor a vivência particular do personagem, com
seus conflitos e ansiedades sempre esteve numa proporção primeira na criação de
uma realidade imaginária. Anne-Marie Chartier (2006) deixa claro sobre as duas
situações destinadas à leitura juvenil: a primeira a da ficção com as histórias para
96
divertir, sonhar, os romances e as revistas em quadrinhos com a intenção de
incentivar a imaginação. Na segunda situação, a ciência, a história, a geografia, a
biografia, enciclopédias e todos os textos voltados ao conhecimento e à inteligência.
Todavia, afirma que essa separação não acontecia de fato como se
imagina. “Um livro sobre as estrelas ou as baleias pode fazer sonhar e imaginar
tanto quanto um romance; um romance de Julio Verne ou Jack London pode fazer
descobrir o mundo dos homens, da natureza, e dos animais de modo tão eficaz
quanto um documentário”. (Chartier, 2006, p. 59). O que chamaríamos de leitura
instrutiva estariam misturadas às chamadas leituras literárias.
Anne-Marie Chartier (2006) ressalta sobre os novos rumos dados à
literatura juvenil por conta de editores como Pierre-Jueles Hetzel. Este lança livros
famosos a partir de 1860, entre eles o novo gênero literário denominado de ficção
científica. Nos livros de Julio Verne, personagens cujos heróis o engenheiros,
cientistas e exploradores povoam o imaginário infantil. Saberes misturado a
recreação é a tônica que define a orientação para esse tipo de publicação. Leituras
escolares e recreativas sob um mesmo patamar. O lado instrutivo com um pouco de
recreação para provocar interesse. E o lado divertido, com situações a ocultar
realidades morais e úteis ao saber.
As leituras pensadas por Hetzel, apesar de ter uma proposição de inovação,
não romperam com a chamada tradição. De uma moral religiosa passavam a uma
moral leiga (a da ciência) para justificar edições e a literatura típica e destinada a um
público feminino, às crianças e ao povo no século dezoito. A ciência toma o papel de
educar via livros de leitura. Estes livros, no caso, não tomam partido de nenhuma
espécie. Também não se aprofundam em opiniões e nada que possa obstruir a
moral das famílias e os bons costumes. No momento em que se instaura a
República, o apelo a juventude se faz pronunciar através da leitura moralizante,
porém recomendada e incentivada. Chartier (2006) apresenta a questão da seguinte
maneira:
Mas o Ministério não desanima e o tema é retomado durante a reforma de
1902: “Os professores podem ser de grande valia para despertar a
curiosidade intelectual (...) incitando os alunos a ler, sem outra indicação
além de uma lista, tão extensa e tão variada quanto possível, de livros
apropriados à idade e à inteligência dos jovens leitores e através da qual
farão sua escolha livremente, com o propósito único de se distraírem. O
essencial é despertar o gosto pela leitura”. Assim, é que desde o início do
97
século XX, faz parte das missões legítimas dos professores aconselhar
leituras de puro prazer (Chartier, 2006, p.67)
Por conta desse fator, as leituras particulares adentram no universo da sala
de aula logo no início do século XX. E o poder de emancipação presente em uma
leitura se faz presente nas leituras comuns vivenciadas por jovens e crianças. Ainda
que a importância da leitura seja dividida por situações do tipo ler em voz alta e até
mesmo uma análise do conteúdo a ser lido, não se retira desse modo de ler o desejo
de ler.
Ainda na questão sobre a fantasia presente nas narrativas juvenis, podemos
citar mais na atualidade, os livros de J. K. Rowling. A série de livros que trata sobre o
universo do bruxo, começou a aparecer entre nós em 2000. No entanto, o livro surge
primeiro na Grã- Bretanha em 1997 agradando a milhares de crianças e adultos por
todo o mundo. Vera Teixeira de Aguiar (2005) comenta sobre esse universo
midiático que ronda as obras da autora J.K. Rowling da seguinte maneira:
Basta dizer que, hoje, encontramos na internet cerca de onze milhões de
sites das mais variadas partes do mundo e mais de quinhentos mil em
português, certamente com a presença em massa de brasileiros, a ela
dedicados. Não resta dúvida de que há, desde o início, um sistema
promocional que facilita o trânsito das obras e, desde o primeiro volume,
existe um empenho muito grande de editores, distribuidores e livreiros
esforçando-se no sentido da visibilidade do produto oferecido para
consumo. Esse trabalho é recompensado, mas, por si só, não justifica todo
o êxito dos textos junto, principalmente, ao público infantil. (Aguiar, 2005,
p.11)
Os livros da série Harry Potter são citados por Aguiar (2005) em sua
pesquisa como sendo de grande sucesso entre crianças e estudantes de 10 a 13
anos. Alguns dizem sentir-se extremamente compelidos ao ato leitor por conta dos
comentários entre amigos, colegas e conhecidos. Também o fato de ver alguém
lendo algum dos livros da série acaba por atiçar a curiosidade de outros prováveis
leitores. No que se refere a trabalhar com as expectativas do leitor em um mesmo
patamar, fato comum às obras que atendem a uma cultura de massa, e que portanto
pouco apresentam de alterações na estrutura fundamental, Harry Potter ainda assim
se sobressai. O universo Harry Potter atende aos gostos da fantasia da criança e do
adulto. As crianças e jovens por sua vez, vivem no Universo criado para o
98
personagem bruxo e os fatos acontecem em meio a família e a escola. Aguiar (2005)
diz sobre a obra que:
Os cinco volumes mantêm um encadeamento narrativo, em que as ações se
desenvolvem em ordem cronológica e, por isso, acabam constituindo um
universo ficcional integrado. Por causa desse modelo seqüencial, os leitores
vêem-se conduzidos pelo fio narrativo, acompanhando as peripécias de
Harry Potter ano após ano na Escola de Magia e Bruxaria de Howgarts.
Quanto às estruturas das narrativas, salientam que estão bem
concatenadas e, em cada uma temos princípio, meio e fim, que
correspondem às aventuras de um ano escolar (Aguiar, 2005, 15)
A série acaba por levar o leitor a mundo amparado pelo conhecido. Com
narrativas previstas e, claro, ajudando o leitor a melhor se guiar em sua leitura.
Porém, a fantasia que ronda a obra e seus personagens faz com que seus leitores
alimentem uma profunda admiração por esse enredo. A história do menino que
enfrenta dificuldades com a família que mora, traz também espaços reservados ao
otimismo e as vitórias tão desejadas. Aguiar (2005) chega a dizer que “a situação de
desvantagem da criança no núcleo familiar aciona os mecanismos de identificação
dos leitores, uma vez que todos sofremos alguma sorte de fracasso” (Aguiar,
2005, p.18).
Ceccantini (2005), também retrata sobre o discurso levantado no interior das
questões de leitura sobre obras como Harry Potter e as de Paulo Coelho. O universo
que balança de um lado o que é cultura erudita ou de massa, alta cultura e baixa
cultura, arte e indústria cultural fazem esses termos aproximarem-se dos romances
policiais e de livros de série tais quais Harry Potter e os livros de Paulo Coelho. Ele
diz:
Queridinhos de editores e livreiros, adorados por milhões de leitores, odiado
por muitos críticos e autores da literatura infanto-juvenil nacional e
estrangeira, defendido por outros tantos críticos, bibliotecários e colegas de
profissão de J.k. Rowling, o fenômeno Harry Potter convida à discussão não
apenas da “guerra das culturas”, mas também do problema do leitor em
formação, particularmente aquela que se num país de tradição iletrada
como o nosso, em que, até hoje, são alijados do universo letrado milhões de
jovens leitores. Isso, num processo de exclusão que tem por dimensão mais
geral a impossibilidade da cidadania plena, uma vez que vivemos numa
sociedade que a cada dia exige mais e mais o letramento, e sob formas as
mais sofisticadas. (Ceccantini, 2005, p.24)
99
Por fim, é importante salientar que nas práticas de leitura de jovens o
processo de escolarização da literatura no qual surgem adaptações da literatura
nacional entre elas Machado de Assis e Jo de Alencar, entre outros com
narrativas em síntese, as literaturas ditas mais contemporâneas. Com capítulos
fundidos e imprimindo um modelo mais ágil ao ritmo da narrativa, a leitura escolar
para o jovem leitor não passa totalmente despercebida. As adaptações, por conta de
apresentarem modelos de concisão caem na preferência do leitor infanto-juvenil.
Também a existência de narrativas ficcionais que transcendem o mundo real com o
mundo dos bruxos e das fantasias toma conta da realidade mais imediata desse
leitor jovem. Até as relações filme/livro parecem contribuir no universo leitor. Na
pesquisa desenvolvida por Ceccantini (2005), jovens insistem na idéia que livros e
filmes um completa o outro. No que se refere a formação de leitores como não trazer
à tona livros contemporâneos ainda que figurem para alguns estudiosos como livros
de má qualidade.
100
The Magdalen Reading
About 1525
BENSON, Ambrosius
101
CAPÍTULO IV
A LEITURA SEGUNDO OS JOVENS
Lucio respondeu com uma carta colérica às
autoridades estatais, declarando que, assim como
a água faz mais falta no deserto e os remédios na
doença, os livros são indispensáveis onde
ninguém lê.
David Toscana
Neste capítulo considerarei as concepções e práticas de leitura dos jovens
envolvidos na pesquisa. Pois, registrar a ligação do livro com o leitor é saber um
pouco do que ele, leitor, efetivamente considera no seu universo de leitura. A
apreensão não do que o jovem lê, mas o quê e como lhe é oferecida à leitura,
tanto no contexto escolar como também no contexto extra-escolar, é fator que requer
um olhar de maneira mais incisivo. A análise das maneiras de ler dos jovens desse
estudo, fornecem uma referência para que verifiquemos as leituras representadas no
universo juvenil. O caminho a ser seguido é o que marca as distinções das maneiras
de ler dos jovens. E, para que nos aproximemos dos significados impressos no ato
de ler da juventude e nas relações desenvolvidas nas suas maneiras de ler, organizo
o presente estudo em duas categorias maiores. A princípio, as leituras
disciplinares representadas, neste trabalho, pelas leituras cuja tônica recai sobre as
experiências do ler reguladas por situações de subordinação, obediência, leituras
para uma determinada utilização e até as leituras indicadas. Num segundo
momento, as leituras particulares com as leituras livres e escolhidas e, também,
com as maneiras de ler que se evidenciam nos atos de leitura dos mesmos.
Ressalto que tal arranjo foi fruto de uma categorização prévia, uma vez que,
os usos e as maneiras de ler de um grupo de jovens manifestam-se em distintas
102
situações e mostram as relações entre leitor e o objeto de sua leitura. Leituras que
se projetam num campo da obrigatoriedade e leituras que se apresentam como uma
escolha surgiram de maneira distinta, no decorrer do trabalho de pesquisa.
4.1 Leituras disciplinares
4.1.1. Leituras obrigatórias
No ensino de língua materna nas escolas, uma destinação de parte das
aulas para a indicação dos livros de leitura. Também, em outras disciplinas, muitas
vezes, a indicação do que ler. Estes surgem, na maior parte das vezes, como
leitura proposta pelo professor aos alunos. Nessa prática, alguns alunos afirmam
fazer leituras escolares uma vez que estas sempre são solicitadas pelo professor. O
processo de leitura no qual professores “pedem” ou “mandam” ler livros
selecionados para uma leitura extraclasse apresenta-se como uma prática
obrigatória de leitura bastante visível e corriqueira para esses jovens leitores:
Faço leituras escolares sim. Os livros que os professores
pedem. Eu também tenho uns livros em casa que
são pedidos na escola. Como... é...
Senhora”, “A
moreninha”
... tem um monte de livro em casa que
eu leio. (Bri, 15 anos)
A professora sempre pede pra gente ler assim, por
exemplo,
A escrava Isaura”,
também
Senhora.
”.
Tudo na escola a professora pede pra gente ler. (Cal,
15 anos)
Leituras lúdicas a gente faz a todo o momento. Agora
leituras escolares durante o ano todo...que sempre que
103
a professora pede pra ler o livro, eu tenho que ler.
(Fer, 15 anos)
As leituras obrigatórias, exigidas ou indicadas pelo professor, aparecem
revestidas nas práticas de leitura cotidiana dos jovens. Ainda que a literatura,
enquanto disciplina formal tenha sido eliminada ou tratada com pouca ênfase nos
programas de ensino e dos currículos escolares, uma constância, mesmo que
rotineira e sem muita discussão, de uma prática de leitura de livros solicitados pelo
professor. Por mais que não tenha uma definição mais precisa pelo “por que” de ler
algo que lhe foi solicitado, o jovem se diz leitor de livros que o professor “sempre
pede”:
(...) Leituras escolares faço. Livro que o professor pede,
às vezes, livro mesmo da matéria. (Lui, 15)
(...) Algumas (leituras) eu leio como uma recreação,
assim querendo. Outras não. Outras eu leio pela
escola. Livros que os professores pedem. Outros pra
fazer trabalho. (Cam, 16)
O termo “pedir”, ou melhor, dizendo, livros que os professores “pedem” é
bastante utilizado pelos jovens quando descrevem experiências de leitura cercadas
pelo espaço escolar. A impressão que se denota é que essas leituras (que os
“professores pedem”) são percebidas pela juventude próximas a um âmbito que é o
do “outro”. Não é uma leitura que se faz por estar contida nas práticas cotidianas do
ato de ler dos jovens, e sim, são leituras e práticas que representam a leitura de uma
pessoa, no caso, o professor. A leitura, neste sentido, desloca-se para uma condição
de passividade desenvolvendo-se mais por conta de uma sistematização da
instância escolar do que uma apreensão de leitura enquanto processo de construção
de sentidos.
A imposição de leituras, ainda que não se negue a importância da leitura na
formação dos jovens, em muito se sustenta em como é dimensionada a
104
aprendizagem juvenil. As situações educacionais projetam-se em torno da idade (a
das crianças e jovens) que requer uma preparação para a sua conseqüente
formação. Nesse sentido, o controle e os “cuidados” destinados à idade juvenil
passam também pela seleção de leituras por parte do professor. Este, em muitos
casos, assume o papel de manuseador oficial dos livros e leituras que serão
disponibilizadas à educação do jovem. Leituras que privilegiam os períodos literários
a serem estudados, leituras com conteúdo moralizante, leituras de gosto particular
acompanham as escolhas dos livros que serão “pedidos” ou deixados a “escolher”
para uma provável leitura. As práticas de leitura mencionadas por esses jovens,
inclusive as literárias, parecem dissolvidas numa rotina de ordem e disciplina a ser
cumprida. O relato de jovens que insistem em afirmar que fazem leituras “que o
professor pede” parece conter pouco estímulo para descrever a leitura como algo
que se afina com seus gostos e particularidades.
Essa obrigatoriedade, todavia, não parece constituir-se numa unidade de
situação. Alguns jovens leitores pronunciam-se sobre a prática escolar de leitura e
deixam transparecer como se o contato com algumas leituras obrigatórias ou
indicadas. Nessa relação, entre leitor e texto, o processo de leitura não deixa de
prescindir ante as questões de gosto, prazer e desprazer revelados quase que como
um movimento antagônico que flutua entre o “dever” e o “não querer”.
Leituras escolares eu tenho que fazer sempre. Os livros
de escola ou quando a gente vai estudar para uma
prova, tem de pegar o livro e reler toda a matéria que
está no livro ou mesmo, de livros de histórias pra
português e literatura. Tem que ler aqueles livros que
a gente odeia, mas tem que ler do mesmo jeito... na
marra! (Ade, 14 anos)
Faço leituras escolares sim. Assim, o último livro que a
professora de português passou eu não li, né. (Qual
foi?) Não, ela deixou para o aluno escolher. Eu tinha
105
novamente começado a ler
O Cortiço”
. Mas, ah... é
um saco! Mas é importante e tal. (Car, 15 anos)
As leituras obrigatórias, mesmo nas falas daqueles que procuram dizer com
bastante evidência um “não gostar” e quase um “desprazer” com a leitura
direcionada, não deixam de reconhecer a sua importância e, principalmente, sua
relevância enquanto uma solicitação de superiores no espaço escolar, no caso, os
professores. Ade e Car embora caracterizem esse tipo de leitura escolar com falas
do tipo: “livro que a gente odeia...”, “um saco” e até mesmo “chato”, procuram não se
esquivar da obediência e imposição das leituras mandadas ou pedidas.
As orientações e os regramentos impostos para montar um itinerário de
leitura para os jovens parece ter uma vinculação e quase aceitação por parte destes.
A leitura escolar destinada a essa faixa etária está, em muitos casos, ligada a como
é vista a juventude dentro de suas aprendizagens. Nesta condição, a juventude é
tratada num sentido disciplinar e também projeta suas leituras neste âmbito, ou seja,
é direcionada por uma instância de obediência. A leitura indicada na escola, como
se pode perceber na fala de Ade e Car tem de se “fazer sempre”, “na marra”, ou na
situação de “a professora de português passou”, “mas é um... saco”. Não
indicação, em seus comentários, acerca de um conhecimento sobre a qualidade das
obras selecionadas para a leitura e até mesmo o porquê das escolhas. Tem de se
fazer e pronto. Também, não demonstram ver como “cuidados” necessários as
aprendizagens escolares que tentam delinear percursos possíveis para que se
construa uma rota do ler, ou pelo menos o gosto pela leitura. Pouco se aproximam
do por quê e qual seria o significado maior do processo de formação escolar
incorporar discursos do tipo “tem que fazer” ou “a professora pede”. Não tratam esse
tipo de aproximação com o ato de ler como algo recomendado ou indicado pelo
professor que, por exemplo, encantou-se com a leitura de um livro e por isso o
recomendou.
Embora o leitor jovem não refute de todo a leitura escolar e obrigatória, pois
afirma “fazê-la”, ainda que contrariado, sua experiência de leitura es sendo
acionada e direcionada para a escolha dos gostos. Cada leitura, diferente uma da
outra, pode exigir procedimentos e práticas de leitura distintas. Alunos jovens que
106
ingressam em um primeiro ano do Ensino Médio podem estar pouco acostumados a
uma leitura literária dos clássicos exigidos nos conteúdos de Literatura. Car e Ade,
mesmo num tom de subjetividade, afirmam ser essa leitura “um saco” ou “leitura que
a gente odeia”. Ade se reporta até às leituras não literárias, mas também de
obrigação no espaço escolar. Car procura enfatizar que o “último livro que a
professora passou não leu”, mas que, em outro momento tentou recomeçar a leitura.
Mesmo denotando um gosto distante desse universo de leitura, procura ressaltar
que esses tipos de leitura (“clássicos”) são importantes. Ao incorporar a leitura
obrigatória como algo que faz parte do seu cotidiano, o jovem pode até chegar a
reconhecer que a leitura, enquanto terreno da imprevisibilidade, venha a provocar
interesses e gostos:
Leitura escolar? Bom, no começo é sempre chato
assim. Você não quer ler, você é obrigado a ler. Mas,
conforme vo vai lendo, você vai se interessando.
(Tae, 16)
A pessoa se ela quer, entendeu? Então você pega a
leitura pra você, entendeu? Ninguém vai mandar
você ler porque vai ficar uma coisa chata. (Kar,
15)
Kar e Tae confirmam pelas suas palavras, o quanto o ato de “mandar ler”
pode vir a transparecer como “uma coisa chata”. Todavia, Kar em sua fala,
demonstra achar adequado que pertença ao ato-leitor uma autonomia literária.
Operar escolhas, com liberdade, livre das imposições lhe parece ser algo mais
próximo do que venha a ser um possível ato leitor.
Rildo Cosson (2006) considera que o letramento literário é uma prática social
e, que por isso, tem por obrigação ser de responsabilidade da escola. No entanto, é
preciso ficar atento para se colocar a leitura dos textos como a prática principal e
não somente teoria, crítica, ou história da literatura. Também evoca sobre a
107
importância de não se deixar o ler de forma pouco sistematizada. Pois, segundo ele,
a literatura tem um papel a cumprir na esfera escolar (COSSON, 2006, p. 23).
A leitura se for pensar na literatura escolarizada, deve ocupar o centro das
experiências da juventude no processo de formação desse leitor. Todavia, o
interesse pelo objeto ler deve cada vez mais ser suscitado para uma leitura
espontânea na qual o jovem se estimule e busque interesse pelo ato de ler. Para
tanto, a simples atividade da leitura poderia por si justificar ao jovem leitor o
porquê de ele ler. Porém, as leituras obrigatórias nos programas escolares parecem
mais um ato de subordinação, uma leitura disciplinar, a uma leitura que deveria ser
entendida como de liberdade, de fluência e de uma abertura para os sentidos do
texto.
A idéia que parece estar sempre presente no discurso de grande parte dos
entrevistados é a de que a experiência de leitura escolar resume-se em uma
atividade “mandada”.
Algumas leituras eu escolho e outras são ao acaso.
Escolhidas eu vou à biblioteca, pego um livro do meu
agrado que, na maioria, são romances. E, outros, ao
acaso, quando a professora manda eu ler um livro
que é mais complicado, mas mesmo assim eu leio.
(Kam, 15 anos)
Eu gosto bastante de ler e dormir. Então eu acho que
algumas eu escolho e outras eu leio por acaso porque
eu tenho que ler mesmo na escola, entendeu? (Pat,
15)
(...) Tem muita literatura que a professora passa
dentro da escola. Porque o período que eu mais gosto
de ler é no final do ano que eu fico de férias, então
108
não tem nada pra mim fazer eu leio história. Mas
literatura eu leio aqui na escola. Eu passo o ano
inteiro lendo literatura que a professora pede. (Ern,
16 anos)
O que se pode perceber, pela fala desses jovens, é que o ato de ler parece
estar rigorosamente ordenado e instituído como algo a ser feito porque foi
“solicitado”. Kam e Pat chegam a citar a leitura escolar como uma leitura que não
esteve na rota de suas escolhas. “Por acaso” lêem livros que são “mandados” pelo
professor. Ainda que para o universo leitor de Kam sejam “livros complicados”,
resultando daí, talvez, poucas referências de uma leitura de sua preferência e
escolha, diz que mesmo assim os lê. Ern também parece não fazer muita relação de
suas leituras “de férias” com as leituras obrigatórias. A leitura literária, para ele,
parece estar restrita ao universo escolar e ao campo da obrigatoriedade. Novamente
surge a leitura que a “professora pede”, e ele diz que essa é uma tarefa reservada
para todo o ano escolar.
A experiência estética, a experiência que ocorre do início ao final do livro,
durante uma leitura, surge para esse leitor jovem como que identificada com uma
condição de coisificação. O prazer da leitura, ou até mesmo a entrada no mundo da
ficção parece não condicionar de todo esse jovem leitor a reações mais acaloradas
ante a necessidade de leituras impositivas na escola. Leituras obrigatórias, ainda
que tenham por maior finalidade uma sistematização do ler, são situações
pertinentes a um espaço escolar. E, quando surgem discursos que reproduzem falas
do tipo: “essa juventude não quer nada com leitura...”, talvez não se esteja
colocando, de maneira bastante linear. Pode-se dizer o fato do que seja leitura para
esses jovens. Leituras “mandadas”, “obrigadas”, “pedidas” denotam numa referência
distinta ao ato de ler extra-escolar. A associação que fazem desse tipo de leitura é a
da imposição. No caso desses jovens, a leitura é vista sob um outro ângulo. Deixam
de ser percebidas como uma leitura comum e, por conta disso, são incisivamente
definidas como algo que necessita ser feito como uma tarefa e não como um gosto a
ser apreciado e desenvolvido. Não parecem ter claro, experimentar com essas
leituras obrigatórias os efeitos que teriam das leituras de interesse e desejo., nas
109
falas desses jovens, expressões que denunciam um “acostumar-se” com a dinâmica
impressa na rotina escolar em detrimento a um gostar do livro enquanto
característica primordial ao leitor. A impressão que se estabiliza é a de que a
obrigatoriedade prevalece sobre a sensação de página a página diante da leitura de
um livro.
4.1.2 Leituras literárias
No universo das leituras escolares, a leitura literária ainda se projeta com
grande ênfase enquanto leitura desenvolvida a partir de uma intermediação desse
espaço. Todavia, há de se considerar que leitura literária é essa referida no espaço
escolar, pois, os rumos que costumam definir o texto literário e o o literário, por
vezes, fazem distinções entre um e outro. Para alguns estudiosos, o termo “literário”
está delimitado para conceituar cânones literários representados através de
determinadas obras, em diferentes estilos de época, que deixaram marcas e são
reconhecidas como “clássicos”. Nesse caso, podemos nos reportar a Calvino (1993,
p. 9-16), quando faz várias proposições para o que poderia vir a ser um “clássico”.
Calvino afirma entre outras proposições que um “clássico” seria “livros em geral no
qual se ouve dizer: “estou relendo...”; livros que constituem uma riqueza para quem
os tenha lido e amado; livros que exercem uma influência particular e se impõem
como inesquecíveis; livro que requer releitura porque sempre se tem algo a
descobrir; livro que nunca termina de dizer aquilo que tinha para dizer; livros que
provocam discursos críticos; livros que sempre acreditamos conhecer, mas que se
revelam novos, inesperados; livros reconhecidamente distintos de outros “não
clássicos”; livros que persistem mesmo ante a avalanche de leituras da atualidade;”
Nessa mesma via de resposta para o que seria a leitura literária de uma obra
dita clássica temos a palavra de Harold Bloom no livro intitulado Como e Por que Ler
(2001) em uma extensa análise de obras literárias. Para esse autor, contos como os
presentes no livro de Ivan Turgenev, por conter uma permanência do atual e uma
“beleza extraordinária”, seriam resposta suficiente a questão do “por que ler”. No
seu prefácio também não se furta de relacionar motivos para o ler (literário). Ao citar
110
um ensaio de Virginia Woolf de nome “Como ler um livro?” coloca que esta “indaga
com muita graça: “Na verdade, o único conselho que se pode dar a alguém com
respeito à leitura é não aceitar conselho algum”. No entanto, no mesmo ensaio diz
que ela apresenta uma série de preceitos que visam a garantir a liberdade do leitor,
e que culminam na pergunta: Onde começar?” (BLOOM, 2001, p.16).
Assim como o ler literário não requer de muitos “conselhos” para que se
monte uma rota que se ensine a ler, de se considerar que, em muitas situações
de vida, como no caso a passagem pela juventude, talvez seja essencial um
direcionamento a fim de que se possa acionar o leitor em práticas de leitura cada
vez mais avançadas.
Numa outra vertente, a das leituras literárias dos clássicos, temos o que se
denomina como textos não-literários, ou pseudo-literários, literatura de massa ou,
como também afirmam autores como Mafra (2003, p. 33): “formas de literatura
consumidas por adolescentes, tidas como subliteratura”. Neste trabalho de pesquisa
procuro conceituar leituras não enquadradas pelos “cânones literários como
leituras alternativas”. Também, procuro incluir nesse conceito, práticas de leitura
ecléticas em relação ao que é proposto, às vezes, em sala de aula. Leituras
mediadas pela mídia, leituras efêmeras, livros, por vezes, distantes da cultura das
elites e tidos como literatura da moda. Nesse cenário de leituras literárias, pode-se
dizer, surgem nas falas dos jovens, leituras representadas pelos clássicos e leituras
representadas por títulos considerados como subliteratura ou mesmo não-literários.
Quando solicitados a responder sobre as leituras de textos literários no
espaço escolar, os jovens se pronunciam de maneira bastante direta apontando as
obras lidas. Nesse caso, a experiência literária pode assumir uma natureza voltada
para uma elencação de “títulos”, comumente legitimados como uma das práticas de
leitura escolar mais usual: a leitura literária. Ainda considerando esse prisma das
leituras literárias, algumas obras, geralmente as consideradas “clássicas” da
literatura brasileira, foram citadas pelos jovens enquanto leitura escolar. Também, as
leituras um pouco distintas como fazendo parte do que se denomina leitura dos
clássicos, surgem citadas pelos jovens leitores enquanto leitura solicitada no espaço
escolar e, principalmente, leitura que se toma como referência por ser solicitada e
trabalhada na aula de literatura:
111
Eu li
Dom Casmurro
também que é bem legal. Eu li
I
racema (sussurrando) que eu falei. Ah... tem
outros (pausa). Literatura Brasileira. Eu li
Iracema,
eu li
O estudante
e
O Cortiço
. São livros bem
interessantes.
O Cortiço
é um livro bem complicado,
mas conta muito bem a história.
Iracema
também é
um livro muito bonito.
O Estudante
também eu já
tinha lido, mas a professora pediu e a gente leu
durante todo o ano.
Dom Casmurro
é uma literatura
brasileira e é muito interessante. (Kam M, 15)
Na escola m
O estudante
,
A Escrava Isaura,
tem....
(sussurra) qual foi que eu apresentei?...
A Droga da
Obediência, tem A Droga do Amor
e... outros. (Ern,
16)
A Escrava Isaura...
também tem outros que eu não
lembrando agora. (Lid,15)
Literatura, romance, suspense... Pelo professor...
O
Co
r
tiço, O Estudante
. esses dois que foram lidos.
(Pam, 15)
O que se pode perceber é que o jovem se apropria, por conta das aulas de
literatura, da leitura dos clássicos e de outras leituras não tão clássicas assim.
uma alternância no cotidiano desses jovens entre leitura dos cânones e a leitura de
produções literárias mais contemporâneas. Kam M chega a declarar que os livros
Dom Casmurro, Iracema, O Estudante e O Cortiço são livros “bem interessantes”.
Mesmo juntando todos esses títulos no universo da leitura literária escolar, não deixa
de considerar que o livro O Estudante havia sido lido e, por conta da professora
pedir, foi novamente revisto. Porém, separa o livro O Estudante do comentário que
112
faz sobre a obra Dom Casmurro. Este livro (Dom Casmurro), como ela mesma diz, é
“uma literatura brasileira”.
O livro O Estudante, de Adelaide Carraro, publicado pela Editora Global, SP
o qual Pam, Kam M e Ern citam como sendo uma leitura literária desenvolvida na
escola, apresenta 126 páginas e está na sua vigésima nona edição. O assunto
abordado na obra gira em torno de uma família de nome Mascarenhas e a história
narrada ocorre em julho de 1975. O livro procura mostrar o mundo das drogas e o
que traficantes pensam das pessoas que compram drogas; e, por fim, a família feliz
que é destruída no interior desse mundo. Ern também chega a citar outros livros,
nessa mesma linha, que compõem o seu universo de leitura. A Droga da obediência
e A Droga do Amor, ambos do escritor Pedro Bandeira, trazem para a cena literária
um grupo de personagens que são conhecidos como os Karas. Estes,
representados por um grupo de adolescentes, envoltos em um enredo de suspense
e aventura, têm na história principal a ênfase na chamada “droga” da obediência;
substância que ao ser ingerida faz com que a pessoa fique extremamente “fiel”.
A leitura literária própria ao espaço escolar nos faz remeter ao campo do
letramento. E, a discussão em torno desse termo nos permite ter uma visão, por
vezes diminuta, do que venham a ser as práticas sociais de leitura e escrita na
sociedade. Também, partindo de um letramento que imaginamos oriundo da
sociedade como um todo, este não pode ser visto ou analisado sob uma vertente
única. As atividades de letramento que se evidenciam na sociedade, fazem surgir-se
em contextos sociais diferenciados e numa dimensão que integra a visão de um
grupo ou de cada indivíduo. Por essa perspectiva, poderíamos pensar numa leitura
literária que insere o texto literário, tradicionalmente, num estudo a ser desenvolvido
na escola.
Todavia, em épocas anteriores a nossa, poderíamos conceber o texto
literário escolar como o texto que serviria como exemplo e, principalmente, instituído
já, numa primeira ordem, de um conteúdo para aprendizagem gramatical e, muitas
vezes, de cunho moral.
A literatura usada para fins não “tão literários”, numa condição que se pode
denotar de escolarização do texto literário e até mesmo de “solicitações” do
113
professor, acaba por deixar fronteiras pouco definidas, para os jovens, do que venha
a ser texto literário ou não. E, numa condição de incorporação do que “está posto
como literário”, alimentam-se no cotidiano de práticas de leitura definidas como
literárias por vincularem-se a pedidos solicitados nas aulas de literatura. As leituras
tidas como alternativas (O estudante, A Droga da Obediência..) intercalam-se quase
que numa mesma escala de valores e condição em relação à leitura literária (no
caso, a dos cânones). Nessa conjuntura, de misturas e de leituras bastante
diversificadas (canônicas e alternativas), o leitor jovem comenta sobre suas práticas
de leitura desenvolvidas partindo de um mesmo enfoque. São “livros lidos, alguns
interessantes e por vezes, apresentados em aula”. O que configura para esses
jovens o texto como por pertencer ao campo do literário é o fato de o mesmo estar
constando como “leitura solicitada como atividade de literatura”, portanto não muito
olhados por uma dimensão estética e sim, definidos geralmente como “livros legais”
de uma forma geral. A questão que fica para eles é: se acontecem numa condição
de solicitação escolar, poucos deixam de margem para uma dúvida sobre serem
literárias ou não. Nesse sentido, a visão e o comportamento de jovens diante de
leituras literárias e leituras alternativas remete para uma condição de leitura quase
disciplinar.
A leitura feita sem maiores questionamentos faz situar essas experiências de
leitura dos jovens como próximas do comportamento definido pela denominada
“indústria cultural”, termo citado pelo filósofo alemão Theodor Adorno (2002), como
práticas cuja referência estética está centrada na repetição e na possível não visão
do dito “consumidor”. Este passaria não mais a definir o que seria leitura como
experiência estética e de leituras “provocadas” para serem vistas como leituras
nessa mesma projeção. O leitor jovem classifica e padroniza todas as leituras como
literárias, sem diferença, uma vez que lhe são passadas ou “disciplinadas” desta
forma.
Aprender “como e por que ler” é uma condição que se repete no universo
das leituras escolares. O jovem leitor é colocado diante das listagens dos chamados
“livros clássicos” e, essa proposição de leitura é o que se apresenta nas aulas de
literatura no Ensino Médio. Entrar em contato com livros consagrados no universo
literário constitui-se numa prática devidamente assimilada pelo aluno. Logo que é
solicitado a falar do universo das leituras literárias na escola, o leitor jovem aborda
114
alguns nomes de obras consagrados nos estudos de literatura brasileira (“li Dom
Casmurro”, “Iracema”, “O Cortiço”... “A Escrava Isaura”... “A mão e a luva”) sem
todavia, deixar de citar os livros não tão clássicos (O Estudante, “A Droga da
Obediência”, “A Droga do Amor”) mas solicitados a uma leitura no âmbito das
leituras literárias escolares.
Alguns jovens, entre eles, Kam, Ern e Lid expressam em determinadas
situações de fala, uma intimidade de leitor pouco habituado a situar ou até mesmo
comentar sobre as obras literárias lidas. Através da fala dos entrevistados, de se
perceber aquilo que Paiva e Maciel (2005, p. 116) relatam sobre as condições de
uma leitura de pouco envolvimento. Para essas autoras, cobrar “prazer e
envolvimento” em leituras que pouco tem de significado ou relação com o leitor ou
leituras que não provocam e não nos fazem envolver levantaria uma outra questão.
No caso, a de professores enquanto sujeito-leitor e com condições de operar
escolhas adequadas à idade e, principalmente, de se ter uma análise crítica sobre
os textos literários selecionados.
Embora estejam no momento da pesquisa com perguntas e respostas
acionadas seqüencialmente, os jovens demonstram o ter uma “lembrança” efetiva
dos livros que foram destinados à leitura literária escolar. Kam lembra a leitura que
fez de Dom Casmurro, e logo em seguida “sussurra” o nome do livro Iracema
imaginando que havia dito. Ern também “sussurra” o nome do livro lembrado e,
em seguida tenta ancorar sua lembrança, procurando lembrar o livro “que
apresentou” em aula. Lid conclui a sua fala com uma indeterminação quanto aos
livros lidos, diz: “... também têm outros que eu não lembrando agora”. Em uma
fala entrecortada de sussurros, pausas e esquecimentos, deixam transparecer
práticas de leitura não muito próximas do universo leitor deles. Bernard Lahire apud
Jacques Bernardin (2003) faz referência ao que chama de “apropriações culturais
distintas”. Ou seja, mais do que verificarmos as leituras ditas populares como sendo
leituras ditas “pobres”, estas estariam num campo de apropriação diferenciado uma
vez que acionariam outras maneiras de ler e de se aproximar da leitura. No caso,
livros e leituras que apresentem uma realidade textual próxima à realidade
vivenciada. Entre prescrições e práticas de uma leitura literária feita por jovens, as
motivações para esse tipo de leitura parecem ser oriundas mais de quem as
escolheu, no caso o professor de literatura, que o jovem leitor que pouco se lembra
115
do objeto de sua leitura. As leituras que ensejam uma formação, ainda que pelo
gosto literário, não dão conta, em muitos casos, de deixar claro para esses jovens
leitores as diferenças que existem em fazer uma leitura de “clássicos” e fazer uma
leitura de livros contemporâneos. (ou leituras alternativas).
Esses jovens citam as leituras literárias desenvolvidas e, mesmo sem uma
maior definição do que venha a ser uma leitura literária ou uma leitura alternativa,
comentam sobre as leituras solicitadas e sobre a relação destas com seus possíveis
gostos:
Literatura Brasileira como
Iracema e O Cortiço.
Li
também não tão literatura, mas que a professora
pediu que é
O Estudante.
Cada um tem seu estilo.
O
Cortiço
, por exemplo, foi bem complicado, mas foi
uma história, bem assim, ao mesmo tempo que era
dramática, foi divertida.
O Dom
também bem
dramático, mas eu gostei bastante.
Iracema
... todos
têm seu estilo, mas eu gostei. Foram todos indicados
pelo professor, exceto
Iracema
que eu escolhi. (Kam M)
A mão e a luva, Senhora...
(você gostou?) Gostei. Eu
pensei que não ia gostar de Machado de Assis. Esse
A
mão e a Luva
que a professora pediu, a partir dele que
eu comecei a me interessar por Literatura Brasileira.
Achei o livro muito bom. (Kar, 15)
Mesmo a leitura assumindo um papel de grande diversificação, os textos
literários estiveram por um bom período voltados a uma leitura de “interesses não-
literários” e, por conta disso, mais voltados a conteúdos a serem estudados
(PAULINO, 2005, p. 57). Nesse sentido, leituras literárias não tinham como função
maior provocar e apurar o gosto pelo ato de ler e sim ficavam reduzidas a uma tarefa
escolar. Kam M reconhece que a maior parte dos livros lidos foi indicada pelo
116
professor, configurando-se desta forma como atividades escolares. Todavia, não
deixa de reconhecer os interesses apurados por conta dessa leitura. Afirma um
posicionamento sobre as suas leituras e diz que as histórias eram um pouco
“dramáticas e divertidas” e também com estilos distintos. Kar afirma que começou a
“se interessar por Literatura Brasileira” a partir da leitura da obra A mão e a Luva de
Machado de Assis. O modo de leitura que se delimita como “literária” parece a
principio causar estranheza como um provável gosto a ser reconhecido pela leitora.
O interessar-se por Literatura Brasileira refletia-se distante para essa jovem leitora
antes de apropriar-se de uma obra que lhe causou interesse.
4.1.3 Leituras complicadas
Alguns jovens envolvidos na pesquisa citam os livros de leitura que fazem
parte do contexto da leitura literária como livros, muitas vezes, tidos de pouco
interesse e complicados:
Sim, às vezes sinto porque eu lendo e falo: “Poxa
vida, vou ter que voltar tudo de novo pra mim ver se
entendo. Às vezes tem umas palavrinhas...”. Igual o
Machado de Assis, ele muitas voltas pra chegar ao
assunto. Então, isso às vezes, complica. (Jos, 15)
Às vezes, em alguns livros eu não entendo muita
coisa. Ah, sei lá, tipo, Machado de Assis é uma leitura
muito complexa, entendeu?Você tem que... geralmente
tem aquelas palavras assim embaixo pra você saber.
(Kar, 15)
Depende do livro. Às vezes eu pego pra ler um livro
assim que tem bastante palavras que a gente não
117
no dia a dia e não entende. Aí, às vezes, não tá
escrito assim no cantinho do livro o que significa e aí
eu fico meio perdida. (Lid,15)
Autores e textos clássicos acabam por aparecer nas falas dos jovens leitores
pesquisados como leituras complexas, que dão muitas voltas e, que por isso,
complica”. Jos chega a admitir que necessita “voltar” sua leitura para operar mais
uma tentativa de entendimento. Assim como Kar, classifica a leitura de Machado de
Assis como “leitura complexa e que muitas voltas para chegar ao assunto”. Na
visão dessas jovens a experiência de leitura, em muitos casos, é envolta em um
excesso de complicações para um cotidiano que requer compreensão rápida.
Mesmo assim, se vêem numa situação de obrigação para com o ato de ler. Ainda
que exija uma “leitura complexa”, o livro não é descartado como um todo. Requer
uma leitura de possível “obrigatoriedadeque não deixa de remeter para uma leitura
disciplinar. uma insistência para um “voltar”, para uma mobilização ao
entendimento de forma a travar uma relação de leitura próxima a uma condição de
subordinação e regularidade instituída pelo que se deve fazer. No caso, a leitura
iniciada, porém, com motivações frágeis que levam a determiná-la, entre outras
coisas, como algo que “não se entende”, “que não se no dia-a-dia”. Ade, mesmo
deixando claro que “pegou um livro que lhe interessava”, admite que o excesso de
notas de rodapé dificultou um pouco a sua leitura. A cada frase da leitura, que para
ele deveria fluir, era interrompida por notas explicativas. Ainda que demonstre
interesse pelo assunto, confessa ter deixado o livro sem término de leitura por não
entendê-lo:
Eu peguei um livro que eu me interessei muito. Um
livro que fala sobre um período da Ditadura. Estão
lançando cinco livros falando sobre todo o golpe de
Estado desde 63 até a queda da Ditadura. O livro tem
metade da página de notas de rodapé explicando de
onde tirou cada... cada frase, cada parte. O autor ele
tinha coletado da biblioteca do Estado situações de
118
todas as pessoas que participaram do processo da
Ditadura. Aquele livro eu achei muito interessante,
porque eu me interesso pelo período da Ditadura e
sempre quis saber mais um pouco. Só que realmente eu
me senti como um leitor leigo porque eu não
entendia. Eu parei na metade do livro porque eu não
conseguia mais entender. (Ade, 14 anos)
Maffesoli (2003, p.23), aborda sobre esse sentimento de “brevidade” que
acompanha a vida cotidiana e cuja expressão pode ser vista na fala de alguns
jovens leitores. A excessiva relevância, a presentificação pertencente às práticas
contemporâneas faz do instante tido como atual aquele que mais se projeta como
referência para uma consideração acerca da prática leitora para os jovens. Esse
autor também reforça a vida “vivida com avidez”. Diante de práticas juvenis que não
reconhecem o “adiamento do gozo”, alimentam-se de situações que reforçam o
“querer tudo e de imediato”. E, que por isso, leituras tidas como “complexas e que
dão muita volta” acabam por vincular-se a uma atividade disciplinadora, pois
requerem uma conclusão de tarefa adiada pelo “excesso de palavras desconhecidas
que deixam o leitor perdido”. Todavia, a necessidade da presença de notas
explicativas para solucionar as passagens de difícil compreensão, surge como um
fator regulador para o ato de ler na fala de alguns jovens. Lid se procurando no
“cantinho do livro” palavras que não fazem parte de seu cotidiano e conhecimento.
E, quando estas não estão escritas ou explicadas em seu significado, reconhece
ficar um “pouco perdida”. Tae e Lui também relatam sobre essa sensação de sentir-
se “totalmente perdido” diante de leituras consideradas complicadas:
Às vezes sim. Tem muitos livros em ocasiões em que as
professoras pediram pra mim ler e que na metade do
livro eu tô totalmente perdida. Eu não sei nem o que o
livro querendo dizer, querendo passar. (o que você
faz quando isso ocorre?) Eu procuro ler pra eu
entender de novo, eu procuro uma pessoa que leu e
119
que tenha entendido ou até mesmo um professor
pra tá me informando, explicando. (Tae, 16)
Ás vezes sim. Porque às vezes o professor passa um texto
ou um livro pra você. Às vezes você lê, lê, re e não
entende nada daquele texto. (Lui, 15)
Tae admite que, em muitos casos, na “metade do livro” solicitado à leitura,
ainda encontra-se perdida, sem saber o que o livro quer “passar”. Por constituir-se
dentro de uma situação de regulação, ou seja, por serem solicitadas pelo professor,
mesmo as leituras complicadas não abrem possibilidades para um “descarte” e até
mesmo o “deixar” a leitura para trás. Precisam de uma conclusão e uma efetividade
de uso no cotidiano. uma clara procura pelo que o livro “quer dizer” ou “passar”.
E, ainda que a leitura seja considerada “complicada”, está subordinada a uma
necessidade de “ter de fazer”, visto que advém de uma condição de leitura
solicitada. As estratégias utilizadas por esses jovens para aproximar-se de uma
leitura dita como “complicada”, envolve uma rie de possibilidades. Ler mais de
uma vez, procurar por pessoas que leram e entenderam determinada obra ou
mesmo um professor que possa informar sobre o livro em questão. Todos esses
caminhos revelam uma prática de leitura com ênfase nas leituras que venham a
estabelecer um fluxo rápido e de consulta quase que imediata.
A leitura de forma lenta e em profundidade, de forma que se possa fazer
uma maior reflexão, não é vista como algo a ser desenvolvido. O que se estabelece
é uma obrigatoriedade de situação que, dependendo do livro, deixa uma clara
ênfase a algo que é visto como de difícil compreensão por parte dos jovens. Lui,
assim como Tae, também evidencia sobre essa sensação de ler e reler para uma
melhor apreensão e conhecimento de uma obra. Para ele, a releitura, por mais uma
vez, é a estratégia utilizada para tentar “descomplicar” o texto de leitura.
Jacqueline Hamesse (2002, p. 125), ao tratar sobre o “Modelo Escolástico
de Leitura”, comenta que nas escolas da Alta Idade Média “os cursos se
baseavam na explicação e no comentário de textos clássicos”. no século XII,
120
teremos uma alteração no campo da difusão do livro e das obras em si, pois começa
a se ter uma necessidade de tomar conhecimento de um maior número de obras e,
por conseqüência, de uma leitura mais intensa e rápida. Para tanto, algumas
estratégias são colocadas com maior efetividade na prática de leitura. Entre elas, a
abordagem visual do texto e a coletânea de textos que permitiam encontrar
facilmente as passagens procuradas. Esse tipo de leitura que permite uma
localização mais rápida de trechos escolhidos começa a dar lugar a uma leitura
fragmentária que em quase nada privilegia uma leitura e contato profundo com o
texto literário. Para alguns jovens leitores pesquisados, a leitura considerada como
interessante é aquela que não necessita de “muito narrativa”. Ern admite que goste
de histórias que julga como sendo objetivas. Caso não esteja por essa vertente,
revelam-se, na sua visão, como “enroladas” ou pode-se dizer, complicadas. A leitura
que visa a uma maneira de ler mais ágil alterna-se numa distinção do que seja uma
leitura literária de prazer e uma leitura objetiva:
Acho que o que existe é a objetividade do livro. Porque
se eu pegar um livro agora, vamos supor,
O Estudante
,
que é um livro conhecido, a professora fala: “lê
O
Estudante
pra apresentar”. Aí, você vai começar a ler
o livro e vai dizer: “Ai, que livro chato”. Olha o nome
do livro
“O Estudante”
, mas na hora que você começa
a ler ele, ele é objetivo, ele vai direto ao assunto.
Agora se você pegar um livro do... eu nem me lembro o
nome do escritor, mas é do... o...
O Crime do Padre
Amaro”
, você começa a ler e eles enrolam muito pra
chegar na história. Começam a contar a história da
família de fulano. Igual
Vidas Secas
, se vopegar o
antigo mesmo, você começa a ler e ele começa a
narrar demais. Ele começa a contar muita história
que não tem nada a ver. Ele explica demais. O livro
121
ele tem que ser objetivo. Quanta mais objetiva é a
história, mais você vai se interessar por ela. (Ern, 16)
Para Ern a questão da complexidade presente no ato de leitura reside
exatamente em estar diante de leituras que “enrolam demais”. Fica evidenciado que
as narrativas muito longas, ou com assuntos os quais não conseguem fazer relação
no interior da história, parecem-lhe, como coloca em suas palavras “não tem nada a
ver”. A leitura feita com o auxílio de um dicionário e, o entendimento de que a leitura
é complicada dependendo da posição do leitor foi citada por alguns jovens:
Eu sempre tento colocar um dicionário do lado do
livro. Se houver alguma palavra que eu não saiba, é
só procurar lá e aí eu continuo a minha leitura (Joa,
14)
Eu chego a ler tudo, mas acho que o
Cortiço
pra mim
foi um pouco enjoativo porque tem aquela coisa de
ficar com um dicionário do lado, voentendeu?
Pra dar certo as coisas. Pra certas coisas é bom,
entendeu? Mas, não sei. Acho que eu estava em outro
período. Assim... que eu não queria ver livro. (Car,
15).
Sei lá...tipo uma pessoa que pega um livro que não é
acostumada a ler. A primeira vez, com certeza, vai
sentir. Eu acho que me senti assim (confusa) nas
primeiras vezes que li um livro. (Nan, 15)
Joa e Car assumem uma leitura feita com o dicionário. No entanto, Car diz
que essa leitura complicada, com a necessidade de um dicionário, caracteriza-se por
122
ser um pouco enjoativa a seu ver. Ela ainda procura analisar que, independente do
tipo de leitura ser complicada ou não, provavelmente encontrava-se em outro
período. E, devido a isso, não se mobilizou para aquela leitura (“não queria ver
livro”). Nan, em seu entendimento, afirma que ficar confusa ou talvez sentir uma
leitura como “complicada” seja a condição de um leitor pouco habituado àquela
leitura. Chega a referir-se àqueles que têm pouco costume com o ato de leitura.
Essa preocupação dos jovens em falar a respeito de leituras tidas como
“complicadas”, reforça o lado disciplinar envolto nesse tipo de leitura. Mesmo sendo
consideradas em muitas situações como “complexas” e necessárias a uma releitura
ou um acompanhamento de dicionário e de notas explicativas, não deixam de figurar
no universo leitor dessa pesquisa. Ainda que sejam denunciadas como leituras de
“pouco entendimento”, as leituras complicadas apresentam-se quase que como uma
obrigatoriedade cotidiana nesse universo de leitura.
4.1.4 Leituras indicadas
A leitura como uma situação de indicação feita por alguém, independente
daquela solicitada por um professor durante as aulas enquanto confecção de um
dever escolar, foi citada por alguns jovens:
Mas às vezes algum colega me indica. Tem um
menino na minha rua que me indica alguns livros.
Ele tem bastante, ele me empresta e eu leio. (Joa,
14)
Minhas leituras são boas. Eu escolho ou então quando
eu ouço algum professor indicar algum livro eu
também leio se eu acho a história ou o assunto
interessante. (Jos, 15)
123
Às vezes eu quero ler um livro por as pessoas falarem
que é legal. Às vezes eu passando, vejo a capa e me
interesso. (Tae, 16)
Eu comecei a ler
O Pequeno Príncipe
e até eu tava
quase na metade de
Iracema
.
Iracema
minha irmã
comprou.
O Pequeno Príncipe
eu faço aula de Kumon,
então no Kumon eu fazendo aula de português...
leitura. Aí eles passam esses livros. (Fer, 15)
Tem alguns livros que eu leio que é pra me divertir.
Mas os mais assim são... (pausa) porque sempre a
minha irmã fala assim “lê esse tal livro porque vai
cair no vestibular...”. eu vou e leio. Ah, é mais
assim. São poucos os que leio para recreação.(Joa, 14)
O Senhor dos Anéis
, por exemplo, eu fiquei sabendo
pelos meus colegas, mais pelo meu primo. Porque meu
primo é mais de idade do que eu e, então, ele é
da universidade. Na universidade eles sempre tem um
que diz “tal livro é legal”. Então, eles começam a
ler. Normalmente eles compram os livros e eles
começam a falar “nossa, esse livro é legal pra
caramba!”, aí eu pego e vou lendo. (Ern, 16)
Eu fiz uma leitura do Paulo Coelho
O Alquimista
e eu
gostei bastante porque é um livro muito interessante.
(Alguém te indicou? Como você chegou até ele?) Um
amigo meu me indicou, e ele falou assim por cima a
história do livro e eu me interessei a ler. (Tae, 16)
124
Parece que alguns destes jovens leitores tiveram mediações de leituras
provocadas por uma possível instrução ou “indicações” de outros leitores. O ato de
ler que se estabelece, em muitos casos, ocorre por conta de uma relação que se
constrói em decorrência de uma relação de subordinação a um possível “instrutor”
de leituras. Por mais que não se imprimam pela obrigatoriedade, tem o
funcionamento regulado através da análise do outro. Disciplinam uma possível
escolha com situações do tipo: “um menino na rua me indica; minha irmã me indica;
um primo meu de mais idade; um amigo meu me indicou...” e, nessas condições,
mais do que uma escolha pessoal e particular, o livro se sobressai por ter um “aval”
de leitura de uma outra pessoa.
Jos e Tae, apesar de relatarem sobre práticas de leitura advindas de
“indicações” por parte de outros leitores, procuram reforçar que, a indicação da
leitura não foi o suficiente para que adentrassem na leitura. A questão de
concluírem, por conta dos comentários, que o livro era “interessante foi o que
propiciou a leitura. Ern e Joa chegam a dizer que comentários como: “Nossa! Esse
livro é legal pra caramba!” ou “lê esse tal livro porque cai no vestibular...” servem
para mobilizar uma leitura (“aí eu vou e leio”, “aí eu pego e vou ler...”). Quase que
como uma leitura “mandada”, a leitura indicada orienta e, às vezes, até disciplina
para uma adesão a um determinado tipo de leitura.
4.1.5 Leituras utilitárias
As representações de leitura no universo escolar, para uma grande parte
dos pesquisados, apresentam-se como práticas de leitura reconhecidas como
“utilitárias”. Nesse sentido vale ressaltar aqui que, a concepção utilitária utilizada por
estes jovens para definir um tipo de leitura desenvolvida para a escola, é a mesma
utilizada por Edmir Perrotti (1986) quando procura diferenciar leituras utilitárias e
leituras de cunho estético. Para esse autor, as leituras utilitárias estariam num
campo diverso ao da leitura literária, uma vez que, naquela, as leituras estariam
sujeitas a um critério moral de ensinamentos e valores em contraposição à obra
estética que ficaria no campo das leituras gratuitas e desinteressadas de cunho
125
formador. Para estes jovens leitores, as leituras utilitárias proporcionadas pela
escola são aquelas que se aproximam de um uso, finalidade ou tarefa a serem
desenvolvidas posteriormente.
As leituras utilitárias que eu faço nesse momento é
mais pra escola, é mais pra estudar. Agora
ultimamente teve a prova pra
bolsa
eu fui obrigado a
fazer um monte de leitura utilitária. Recolhi tudo
quanto é tipo de livro que tinha ao meu redor de
matemática, português, apostila, livros pra conseguir
ler. E o que eu fiz é tipo uma leitura utilitária que
eu fiz pra depois deixar de lado. (Ade, 14)
Leituras utilitárias faço muito durante a escola. Mas
assim acho que é bom pra nós. Pra cada vez conhecer
mais. Abrir novos horizontes. (Fer, 15)
as leituras escolares fiz bastante. Ah, mas são
leituras assim é... pra aprender bastante sobre
pronomes e outras coisas, entendeu? Eu li bastante
livros. A professora de português passou livros pra
gente ler. (Quais?) Ah... ela passou... eu li
A Escrava
Isaura
”, é... já li também aquele
“Vida de drogas”
e
outros que eu não me lembro agora. (Lid, 15)
Sim. Faço bastante leitura escolar. Literatura que a
professora manda ler pra apresentação. (Jos, 15)
Eu li bastante livro de romance clássico porque
muitas provas que a professora pedia sempre pra gente
126
lendo. Certos livros eu lia por causa das provas.
(Tae, 16)
Tae ainda complementa dizendo que tipo de leitura ela considera como
“obrigação”:
Faço muitas leituras utilitárias. Muitas são de
clássicos por obrigação. (Tae, 16)
As leituras definidas por esses jovens como do universo utilitário são
aquelas destinadas a um fim, a uma utilidade. Ade se diz “obrigado” a fazer leituras
pra escola que afirma, depois, deixará “de lado”. Lid também esse tipo de leitura
escolar como aquela destinada a uma finalidade. No caso, leitura para aprender. E,
nessa conjuntura, aprender gramática torna-se um tipo de leitura oferecida pela
escola. Tae, por considerar “as tarefas” que surgem com as leituras literárias,
classifica estas como utilitárias a seu ver. Jos define de maneira bastante clara o
que vem a ser uma leitura utilitária a seu ver: “literatura que a professora manda ler
para apresentação”, ou seja, leituras que requerem uma finalidade, ou melhor, um
fim último, no caso uma “apresentação”, representariam uma leitura de utilidades.
Em uma outra condição, Fer, afirma também fazer bastante leitura utilitária na
escola, todavia esse tipo de leitura como algo “bom” para se ter mais
conhecimento.
Os jovens, principalmente quando citam algumas possíveis situações do
porquê de querer fazer leituras, referem-se a fatores que apontam à proporção que
exerce o saber utilitário para alguns. No que se referem os conhecimentos que
venham a utilizar posteriormente, grande parte dos jovens demonstram interesse
nos mesmos uma vez que, por conta desse saber, podem vir a ter vantagens através
dos atos de leitura.
127
Sempre procuro pegar em casa os livros da escola.
Avançar mais no que estudando. Ir um passo à
frente pra sempre estar mais à frente. (Kam M, 15)
E ela complementa:
Dom Casmurro
foi uma leitura que eu escolhi. (por
quê?) Ah... porque eu achei interessante
assim...falando do autor também, né... é bastante
conhecido. Bem, é um livro que parece que eles fazem
algumas perguntas no vestibular. Mas a leitura em si
dele é interessante. (Lid, 15)
Pra mim... (pausa) pra mim é uma questão de
conhecimento. Você pra obter conhecimento. (Lui,
15)
Outras leituras que eu gosto e eu considero utilitárias
é quando eu leio revistas assim... que eu vejo uma
notícia na televisão tipo “morte de Yasser Arafat”. Eu
pego a revista pra ler o que acontecendo, pra ver o
que houve. Pra pegar a cobertura completa da morte
dele e realmente saber o que houve e informar mais
sobre o que aconteceu. Peguei uma nota e to tentando
me utilizar daquela nota pra fazer uma leitura mais
completa, me aprofundar no assunto. (Ade, 14)
Eu faço leitura de jornais e revistas também. É
utilitária, né? (por que você acha isso?) Ah, porque
revistas falam o que ta acontecendo no mundo e o
128
jornal também, então são utilitárias. Elas são
necessárias. (Kam, 16)
Eu procuro ler jornais e alguns livros. Eu sempre gosto
de saber o que tá acontecendo. (Kam M, 15)
Na fala dos entrevistados, reitera-se um gosto por um tipo de leitura que
Hébrard (1999, p. 60) cita como pertencente pelos anos 1900. Por essa época,
após a passagem dos leitores da escola pelos chamados livrinhos do curso
preparatório, no qual se adentrava nas primeiras aprendizagens, os alunos recorriam
a um manual único denominado “livro de leituras”. A composição deste manual era o
que se apresentava de mais interessante. O manual era uma composição dos
“saberes julgados úteis ao escolar”. Por essa informação podemos tomar algumas
falas desses jovens, como bastante embutidos da idéia de se apropriar de leituras
que, de preferência, relacionem-se com um “modo de usar”.
Ler para aprender encontra-se nas atividades cotidianas desses jovens
leitores. Mais do que uma leitura sem intencionalidades, a leitura utilitária,
independente de estarem numa instância que disciplina o olhar leitor, surgem como
livros solicitados pela escola, leitura para apresentação ou, até mesmo para
aprender pronomes ou aprofundar em assuntos e conhecimentos cotidianos.
Kam M, Lui e Ade sugerem em suas falas que a leitura constitui uma
importante ferramenta para integrar-se como fonte de conhecimento. Essa palavra é
reforçada por Kam M que diz que a boa leitura serve para “avançar mais ...ir um
passo à frente”. Lui também enfatiza que lê “para obter conhecimento”, assim como
Ade que diz ler “revistas para saber o que houve (notícia) e se aprofundar mais no
assunto”. A ânsia de obter mais conhecimento faz o livro assumir, aos olhos do leitor
jovem, uma condição de reconhecida importância e relevância. O livro e a leitura em
si, enquanto fonte de conhecimento, destacam-se por conter inúmeras facetas que
justificam por si só: um aproximar-se, ainda que de maneira utilitária, dos mesmos. É
a leitura para estudos, para esclarecer dúvidas e até para “dar mais inteligência”.
129
Kam M chega a dizer que a leitura é “pra saber o que tá acontecendo”. E, da
mesma forma que Ade e Kam apontam as leituras de jornais e revistas como
“necessárias” para saber o que está acontecendo. Até os casos em que o leitor
jovem diz que o livro favorece certo tipo de construção de idéias.
Alguns livros são muito técnicos. Nuns os casos o
impossíveis, mas outros são bem realistas e podem te
dar idéias novas. Igual livros de... como é que eu vou
falar...impulso pra vida. Livros que dão uma
melhorada na sua vida, que ensinam novos objetivos.
(Kam M, 15)
Essa associação entre leitura e “mais informação”, “dar mais inteligência” ou
livros que “melhoram a vida” e “ensinam novos caminhos” parece ser uma das
condições assumidas pelo leitor jovem diante de leituras que ele acredita poder
transformar o seu universo leitor e conseqüentemente a sua vida.
4.1.6 Leituras necessárias
Perguntei aos jovens sobre o que eles achavam necessário ler. Nesse
sentido, muitos associam que uma leitura deva ser regulada necessariamente por
experiências que possibilitem levar, principalmente, ao “conhecimento”:
Ah, mais livros assim que falem assim da realidade
mesmo. Mais sobre adolescente, né?. Por eu ser uma,
então mais livros assim que fala... eu acho que a
gente necessita sempre ler pra sempre buscando
mais e mais aprender. (Kam, 16)
130
Literatura, jornal, revistas. (por quê?) Ah... sei lá.
Porque você tem que estar atualizada com o mundo
que vive ao seu redor. Então, na leitura você encontra
isso. (Kam M, 15)
Eu preciso de mais conhecimentos. (de que tipo?) Eu
acho que conhecimento de uma forma geral. (por
quê?) Ah, é muito importante pra gente conhecer
mais as coisas, tentar entender. O livro assim traz
muitas palavras que a gente não entende e depois vai
entendendo conforme a gente vai fazendo a leitura.
(Kar, 15)
Um pouco de cada coisa. Apesar de que nem tudo é
agradável de você ler assim. É porque ...você não pode
falar mal daquilo que você não leu, né? Tipo... eu não
gosto muito de ler Jorge Amado, por exemplo. São
bonitos (livros), mas eu não li muita coisa. É que não
é o tipo de leitura que me agrada, entendeu? (Car,
15)
Olha... eu não sei classificar porque toda leitura é
boa. (Ern, 16)
O que eu necessito ler acho que é informativos. Porque
são muitas informações. Livros que nos informam, que
nos deixam “por dentro”. Igual aquele livro “O Jornal
Nacional”, acho que aquilo lá. (por que você acha
que necessita ler livros que informam?) Porque hoje
em dia a gente tem que ter muita informação. A
131
gente tá num mundo que precisa de muita
informação. (Fer, 15)
Ah, eu preciso ler muito. Apesar de literatura, também
bastante coisa relacionada aos estudos de agora
mesmo. Muito português, livro que fala sobre
matemática. Então, sobre os diversos assuntos
relacionados à educação. (Jos, 15)
Leituras que levem ao conhecimento. Coisa um pouco
da minha idade. Leitura para aprender mais coisa.
(Pam, 15)
O ato de ler, para esses jovens leitores, apresenta-se com uma real
necessidade de relacionar leitura com “o acesso a informação veiculada”. Para tanto,
reside no objeto de leitura, que tanto pode ser o livro como outro tipo de impresso
(revistas, jornais) uma das principais fontes para a obtenção da informação e do
conhecimento. Kam M. diz que precisa ler para “estar atualizada com o mundo”. Fer
também reforça essa necessidade ao dizer que “as informações são muitas... (e é
necessário) livros que nos informam, que nos deixam por dentro”. Pam, ainda que
como Kam reforça que a leitura é um buscar mais para “aprender”, também
compartilha do fato de que leituras “para adolescente” incorporam-se no universo de
leituras caracterizadas como “necessárias”.
Numa provável rede de sociabilidade, o ato de ler posto como condição
necessária, inscreve posicionamentos para um suposto “ideal” pretendido pelo leitor.
Em contraposição a uma escolha de leitura, encontram-se as leituras já devidamente
relacionadas como importantes em relação a outras:
132
Ah... revistas de informação ou livros mesmo. Livros
clássicos ou de auto-ajuda que podem vir a ajudar de
alguma forma. (Tae, 16)
Mais leitura informativa. Eu acho que eu necessitaria
ler assim mais revistas e vejo como necessidade alguns
“clássicos”. Ler algum livro de Shakespeare, algum
livro desses autores mais famosos pra ter mais
conhecimento desses autores famosos. Acho que isso
seria necessário para qualquer pessoa ler. (Ade, 14)
Tae e Ade ligam os livros e as leituras em geral a uma relação de saber. Ter
mais “informações” ou, mais incisivamente, ter acesso a fontes de conhecimento e
saberes é algo dito por esses jovens leitores como uma resolução definida. Não é
o simples fato de ler que se põe em jogo, e sim uma prática de leitura que se sabe
resolvido no que se refere ao por que ler. Conhecer “coisas diversas” instaura-se
como uma necessidade do jovem leitor em estar com leituras cotidianamente.
Leitura como fonte de conhecimento e saber aparecem associadas entre outros
temas, a uma leitura dos chamados “clássicos”. Tae e Ade fazem emergir de suas
falas um reconhecimento de que as leituras de alguns livros “clássicos” ajudariam a
ter mais conhecimento. Em contraposição a uma escolha de leituras necessárias,
um outro jovem nos diz:
Olha... eu não sei classificar porque toda leitura é
boa. (Ern, 16)
Ern resolve por amparar a leitura como um objeto não excludente. Para ele,
a leitura necessária reside no próprio ato leitor.
133
4.2 Leituras particulares
Quando falamos em práticas de leitura, procuramos adentrar
fundamentalmente nas “maneiras de se ler”. Por esse viés procura-se verificar que
tipos de leitura escondem-se por trás de determinados leitores. Testemunhos de
leitores de romances e, até mesmo, quando se é definido pelo leitor como livro de
“suspense, tragédia ou ação” trazem uma abordagem bastante particular do objeto
da leitura. E também, da finalidade ou dos motivos que nos levam a ler livros ou
outros impressos enquanto espaço pessoal de leitura. Numa vertente distinta da
obra prescrita a ser lida ou amesmo de obras tidas como necessárias e quase
colocadas como uma obrigação para um ato leitor, as leituras particulares destacam-
se por abrigar situações cuja essência reside exatamente na “intimidade” com que o
leitor se declara diante do livro e de outras possíveis leituras.
Para uma aproximação às leituras desenvolvidas por jovens, distanciando-se
um pouco do que se chamaria “problema da leitura” ou “não leitura” por parte das
pessoas, procurou-se analisar e incluir “quais e comoeram as leituras constantes
do universo particular do leitor jovem. Ainda que seja fator de extrema rigorosidade
aferir se “livro citado seja livro lido”, fica-se o que é posto em discurso enquanto livro
e leitura que se apresenta como leitura particular por ter uma efetiva existência na
memória e nas mãos dos leitores. Independente do gosto pessoal, as práticas de
leitura compõem o nosso universo leitor. E, principalmente nas leituras definidas por
gosto e situações de particularidades, há toda uma representatividade da imagem de
um leitor. O gostar de ler, o querer ler, os modos de ler é que denunciam como essa
leitura se aproxima do jovem leitor. Os gostos e as intencionalidades que rondam
uma leitura de fantasia, devaneio e sonho parecem abrigar o que há de mais
pessoal na apreciação estética de uma obra. E, como intento de trilhar por esses
percursos do ler, perguntei aos jovens como e o que eles liam. As respostas que
foram dadas por eles abordam o assunto da seguinte maneira:
Eu leio mais o que é de ação. Mas eu leio, (...) o que
me aparecer pela frente. Porque se me aparecer
134
qualquer tipo de livro, revista ou jornal interessante,
eu começo a ler. Mas eu basicamente leio história de
ação, aventura... aventura. História estilo Agatha
Christie. (Ade, 14)
Eu leio de tudo, eu me interesso por tudo. Eu gosto de
reflexões, reportagens de revistas (...), livros (...),
tanto romance como ação. Eu leio de tudo, variado.
Eu não tenho assim uma seleção. Eu leio de tudo.
(Bri, 15)
Eu gosto de ler muito romance, comédia, tragédia.
Assim, tipo histórias muito bonitas que sempre no
final acaba tudo bem. (Cal, 15)
Ah, eu leio bastante livros românticos e também
suspense. Eu gosto bastante de autores estrangeiros.
Gosto bastante de Sidney Sheldon, gosto bastante dele.
(Joa, 14)
Nas minhas leituras (...) sabe (...) eu procuro mais
coisas diversificadas. Coisas assim que acontecem no
dia-a-dia. Casos de violência (...) Eu procuro me
identificar com os personagens. (Nan, 15)
Eu gosto de ler muito romance e livro clássico. (Tae,
16)
Nas leituras citadas pelos jovens como pertencentes ao universo deles,
uma ênfase para ressaltar uma atitude leitora. Os jovens pesquisados reforçam ter
135
interesse por leituras de uma forma geral. No caso, as leituras que lhes chamam à
atenção podem estar alojadas em materialidades diversas. O livro, a revista ou o
jornal, desde que apresentem um assunto definido como “interessante pode ser
objeto de leitura. Esse leitor jovem, que define uma leitura do cotidiano como
próxima a uma multiplicidade, é o mesmo leitor que em alguns momentos reserva-se
no direito de citar alguns gostos mais particulares. Ade, Bri, Cal e Joa dizem gostar
de livros de “ação”. O “romance” enquanto gênero literário também surge nas falas
dos jovens pesquisados. E, talvez, a efetiva leitura de romances e o segredo do seu
incontestável sucesso diante de públicos leitores distintos possam ser resumidos na
fala de Nan quando esta diz que lê: “coisas que acontecem no dia a dia”. Este
aproximar-se do que está mais visível ao leitor talvez seja uma das grandes facetas
operadas pelo romance. Todavia, de se considerar que mesmo a ficção
aproximando-se ao máximo da realidade, ainda assim não tem por intento maior ser
esta. A realidade sob uma nova perspectiva, ou seja, sob um enfoque preparado e,
por isso, não passível de ser tão real assim é o que parece alimentar a experiência
leitora. Cal chega a considerar que gosta de histórias que “no final acaba tudo bem”.
O jovem leitor salienta que faz leituras de “livros românticos”. E é possível
que essas leituras acabem por envolver a grande maioria dos leitores pesquisados
com sua linguagem, enredo e personagens. Tae, Cal, Joa e Bri citam a leitura de
romances como algo presente em suas vidas diárias. E, assim como os inúmeros
romances com seus personagens, heróis e histórias os inúmeros sentidos que
podem estar alojados em um livro. Cada leitura provoca um envolvimento único e
particular para o leitor e reserva a este a condição de envolver-se com mais e mais
no universo escrito. A história lida passa a fazer parte da vida de quem lê. O que é
realidade, vida cotidiana, ou o desejo do que venha a ser esta, mistura-se com a
ficção da literatura. As histórias de ação e aventura, mais precisamente os romances
policiais e de ação, lançam mão de uma série de recursos para enredar o leitor. O
jogo operado por essas leituras acabam por definir um prazer que vai se
concretizando com o decorrer da leitura e que termina por definir para o jovem leitor
o que ele lê ou o que gosta de ler. Ade e Joa confirmam ter preferência por histórias
do estilo “Agatha Christie” e “Sidney Sheldon”. No caso, autores estrangeiros dos
chamados Best Sellers” e que muitas vezes encantam exatamente por desenvolver
narrativas com modelos de repetido sucesso. Também se colocam como leitores
136
vorazes uma vez que dizem ler “tudo o que aparece pela frente” e não se privando
do que a leitura possa vir a proporcionar. Lêem e revelam, de suas leituras,
situações, idéias, valores, crenças e emoções.
4.2.1. Leitura divertimento
Perguntei aos jovens os que eles procuram em suas leituras. Alguns deles
afirmaram ler em busca de entretenimento;
O que eu procuro em minhas leituras é mais
entretenimento, passar o tempo. (Ade, 14)
Eu procuro assim sempre um livro de literatura, com
uma leitura mais avançada ou então alguma coisa
de diversão, uma revista, por exemplo. (Kam M,15)
O que eu procuro nas minhas leituras é...às vezes, eu
leio por diversão, às vezes, porque dá criatividade.
Também você tem livros que te fazem enxergar coisas
que você não conseguia entender. O livro traz
inteligência, traz cultura para você. (Joa, 14)
Eu procuro diversão. Eu procuro alguma distração.
(Tae, 16)
A leitura como uma forma de distração ou de divertimento pode ser
entendida, conforme Alliende e Condemarin (2005), como a “leitura voluntária ou
independente”. A leitura advinda por uma prática prazerosa posiciona a experiência
137
do leitor. Procurar divertimento ou entretenimento no ato de leitura talvez seja
cortejar um livro numa condição cultural de envolvimento com o ato de ler. A relação
estabelecida pelos jovens leitores para o que procuram em suas leituras talvez
esteja próxima a uma imagem do que eles vivenciam como uma leitura de escolhas,
logo independente, ou uma leitura obrigatória.
A expectativa diante de uma leitura pode ser provocada por uma vontade do
leitor em valorar qual o caminho para que o mesmo se torne leitor e tome contato
cada vez maior com os livros e outros suportes de leitura. Ade e Tae dizem procurar
“passar o tempo” e ler como uma forma de “diversão”. A decisão de como constituir
sua atividade leitora é uma forma de tomada de decisão posterior ao ato de somente
ler. Ter uma consciência de como essa leitura precisa ser significada, remete a um
tipo de leitor que se posiciona frente ao que lê. Ainda que seja uma leitura para se
“divertir”, não desfaz o ato intelectual diante do ler.
Kam chega a dizer que procura uma leitura “mais avançada”, todavia o
deixa de considerar um compromisso com uma leitura de prazer. Nesse sentido,
estabelece também que a leitura que apresenta uma relação de cumplicidade é
aquela que diverte e atua como forma de lazer. Joa também reafirma o valor da
leitura divertimento. Todavia, procura referir-se, de maneira distinta, ao livro “que traz
inteligência e cultura”.
4.2.2. Leitura pessoal
A leitura pessoal abre caminho para as escolhas pessoais e aborda o livro
como companheiro de uma intimidade provocada pelo leitor que procura o objeto de
leitura que melhor lhe agrada e lhe fascina. Perguntei aos jovens leitores quais
leituras particulares ele havia feito:
Eu tenho uma prima que ela ...ela se interessa
bastante por esses livros de bruxaria, magia, essas
coisas. Eu sempre que vou à casa dela eu tenho
curiosidade. Eu fico lendo todos esses livros que ela
138
tem. São Cipriano, esses livros mais estranhos. (por
quê estranhos?) Estranhos porque todo mundo me
olha meio enviesado, meio torto quando eu digo que
já li esse livro. (And, 14)
Os livros “Para Sempre”,”Senhora”, “O solar da Tia
Harriet”(qual era o assunto desses livros?) “Para
Sempre” comentava de uma mulher que tinha sofrido
um acidente com cavalo e ela tinha ficado com
amnésia. Amnésia não, ela tinha ficado em coma.
Quando ela acordou, voltou quando tinha dezesseis
anos. Aos dezesseis anos ela era casada com uma
pessoa, separou-se e casou com um médico. Aí esse
médico toda vez que estava deitada dormindo ele
falava que amava ela e toda frase que ele falava, ele
falava “para sempre”. (...) aí ela perguntou quem era
aquela voz que quando ela tava deitada falava para
sempre. ela foi descobrindo e foi se apaixonando
por ele. Bem interessante. O outro fala de um repórter
que foi na Pensilvânia passear; chegando tinha
umas seitas que mexiam com demoníacos e ele
começou a ser perseguido. Ele falou assim que
demônio vem no que você tem medo. Tem um outro
também da Rebeca Brow, “Ele veio para libertar”. É
evangélico porque ela também é evangélica. É uma
seita que ela entrou (...) A seita eles faziam sacrifício
humano, tomavam sangue do bebê. (Bri, 15)
Ah, eu peguei muitos livros. O “Dom”, por exemplo,
eu tinha uma curiosidade muito grande de ler depois
139
que eu vi o filme. Eu tinha que pegar ele pra ler. E
várias outras coisas que eu procuro pra minha
curiosidade. Eu vou e pego pra ler. Ah, também
“Iracema” eu tinha muita curiosidade. Todo mundo
falava que era lindo e eu queria ler também. Gostei.
Um pouco triste (risos...) Mas gostei. (Kam M, 15)
Alguns livros que eu li, por exemplo, são assim de
literatura infanto-juvenil. Já li a Bolsa Amarela”,
vários de Lygia Bojunga. “O Abraço”, “O sofá
estampado”. É, acho que é o “O sofá estampado”. Não
me recordo muito bem. Ah, outros que não são de
literatura infantil mas eu gosto muito. tem os
livros como “Os anarquistas e as eleições” que é uma
coletânea de escritores anarquistas. Ai tem o
“Anarcocomunismo Italiano” que eu to finalizando
agora e tem textos de “Malatesta” e “Luis Fabri” e
muitos outros livros que eu não me recordo. (Car, 15)
Ah, tem vários. fiz leitura de um livro fino que se
chama “Abrindo o Jogo sobre o Amor”. (Jos, 15)
Particulares, nossa eu fiz milhões. Mas assim a que
eu mais gostei foi assim uma. Particularmente que eu
escolhi, que eu gostei é “Vida de Drogas”. Que eu não
lembro o nome do autor, mas é muito interessante
....Ah, porque no livro não falava assim tipo “pessoas
pobre e tal” , “só as pessoas pobres, entendeu?” Retrata
bem a realidade mesmo. Assim de uma menina que
140
era de classe alta...classe média. Sei lá. Tipo ela teve
recaídas. Coisa assim normal.(Nan, 15)
Os nomes dos livros? São tantos que eu já li. Pode
falar? É Amor de Perdição”, “Ia Garcia”, “O
Cortiço”, “O Estudante”. Deixa eu ver como é que é o
nome... “As Três irmãs”; “Pipoca”, “Metamorfose”,
“Éramos Seis”, “O Diamante do Grão”....é... “Luzia
Homem”, “Guerra dos Mascates”; “O Amor é
Contagioso”.Li todos esse ano. (Como chega até os
livros? Compra ou empresta?) Olha eu empresto e pego
aqui no colégio. Das minhas amigas eu pego alguns e
a maioria eu pego aqui no colégio mesmo. (Pam, 15)
Leituras particulares? Eu fiz uma do Paulo Coelho, “O
alquimista” e eu gostei bastante porque é um livro
muito interessante. Um amigo me indicou e ele falou
um pouco assim por cima da história do livro e eu me
interessei a ler. (Tae, 16)
“Senhora” gostei bastante. Eu também escolhi pra ler
“Vidas Secas” de Graciliano Ramos. O livro do inglês
Sidney Sheldon também . Não lembro de todos. (Joa,
14)
“O Estudante”, “Iaiá Garcia”...não me lembro o nome
do autor. De Machado de Assis. “Coração
Maltrapilho”, de Ricarodo...Ricarodo..Como é que
141
é...aí esqueci o nome dele. Eu também li assim mesmo
historinha mais infantil. Livrinho de historia infantil
eu leio desde criança. Gibizinho. Desde criança eu
sempre gostei de ler. Desde papel até alguma coisa na
rua, outdoor, tudo eu leio. (Pat, 15)
Eu li “Rei Arthur”, li “Recanto dos Pássaros” e eu
vou começar a ler agora “Salada Russa” de Tolstoi.
(por quê?) Eu acho que são interessantes. Em “Salada
Russa” é mais por recomendação de minha mãe
porque ela leu e falou que é muito bom. Um dos livros
maravilhosos que ela leu (Lai, 15)
Minhas leituras? É “Diário de um Mago” esse livro é
(quem é o autor?) Paulo Coelho. Esse livro é muito
bom. E “Harry Potter” também. (...) “A Luneta Mágica”
também (...) “O Diário de um Mago” fala da pessoa
que fica muito ansiosa pra ver uma coisa, pra pegar
né...pra conquistar uma coisa e quando termina de
conquistar não quer saber de mais nada. Ah, eu
gostei muito dessa parte que ensina. Também ajuda a
pessoa a refletir. “Harry Potter” eu li “A Pedra
Filosofal” mostra um garoto que acabou de descobrir
que é bruxo e logo você tem de conquistar a pedra
filosofal. A pedra filosofal é a pedra que transforma
qualquer metal em ouro. (Fer, 15)
Ah, “O alquimista”, “Shinmen Takeso”, “O Senhor dos
Anéis” e outros. (Ern, 16)
142
A leitura pessoal põe à mostra o mundo do leitor jovem. As facetas do seu
íntimo são colocadas por entre as palavras e expressadas por leituras que fluem do
seu cotidiano. Geralmente o que se tem de exemplos no caso de leituras são as
escolares e aquelas direcionadas para um estudo específico. Leituras pessoais na
maior parte dos casos permanecem anônimas para um público externo. E, no caso,
como sabermos o que lêem os jovens quando estão fora de suas rotinas? Há
escolhas? São leituras mais pragmáticas ou de cunho literário? Leituras literárias e
textos de ficção mais contemporâneos aparecem intercalados no gosto e nas
escolhas dos jovens leitores.
And e Kam afirmam ler mais por curiosidade. Todavia, And cita como uma
leitura pessoal: o livro de São Cipriano. Este no caso apresenta a lenda de São
Cipriano Feiticeiro e Santo de Antioquia que representaria o elo entre Deus e o
Diabo, entre o puro e o pecaminoso. Conforme apontam alguns discursos da história
social dos jovens, esta faixa etária figura como uma fase na qual a transgressão à
ordem social e moral está sempre presente. Ler livros pouco aceitos socialmente e
que fogem, via de regra, aos ensinamentos do “homem de bem” e da formação
escolar é o que aguça em muitas situações à leitura juvenil. Bri é outra leitora jovem
que descreve em suas leituras pessoais a presença de best-sellers e a proximidade
como temas voltados para a magia, seitas e demônios. Também relaciona em suas
leituras a presença de personagens adolescentes nas narrativas lidas.
And assim como Car que demonstra uma preferência por livros
“revolucionários” de autores como Mikhail Bakunin e Errico Malatesta (Os
anarquistas e as eleições) expressa interesses de leitura pouco alinhados a um
padrão denominado de “leitura escolarizada”. And chega a citar em seu discurso
que esses livros mais estranhos”. Após definir que sua leitura pessoal também é
a de “livros estranhos”, procura explicar-se dizendo que todo mundo me
olha...quando eu digo que li esse livro”. Car ao mesmo tempo em que demonstra
interesse por livros de protesto, também cita livros da literatura infanto-juvenil como
do seu universo de interesse. Diz ter lido vários livros da autora Lygia Bojunga e cita-
os como pertencentes ao universo de suas leituras pessoais. Livros como: A Bolsa
Amarela (1976), cujo enredo é a história de uma menina que entra em conflito
consigo mesma e com a família ao reprimir três grandes vontades (que ela esconde
numa bolsa amarela): a vontade de crescer, a de ser garoto e a de se tornar
143
escritora; O So Estampado (1980) tido como um dos livros mais premiados da
autora e que relata, através de ações, diálogos e crítica social, a história da paixão
de um tatu por uma gata angorá; O Abraço (1995) no qual a personagem Cristina irá
revelar do seu íntimo uma experiência sexual amarga vivida por Cristina-menina e
refletida na Cristina-mulher.
No caso de Car, suas leituras de livro de literatura juvenil são de narrativas
geralmente condicionadas ao universo dos jovens. Relações familiares, conflitos e
relações sexuais povoam o universo de leituras juvenis. Nan e Jos também citam
sobre esse tipo de leitura que predomina em temáticas de literatura juvenil. Nan
comenta sobre o livro Vida de Droga, de Walcyr Carrasco. O enredo do livro mostra
a personagem Dora que experimenta um baseado por curiosidade e acaba
mergulhando no mundo das drogas. Também é uma recorrência nas narrativas para
jovens mostrar os problemas com as drogas e inserção na vida social. Jos cita o
livro Abrindo o Jogo sobre o Amor, que também trata da temática próxima ao mundo
juvenil que é o descobrimento do amor. Ela também comenta que o livro não falava
assim pessoas pobres e tal”, “só as pessoas pobres”. Com esse tipo de leitura ela
deixa visível como ficção: como leitura que não necessariamente seja um ato de
fingimento, de simbolismo.
Esse tipo de leitura no caso, com um discurso mais voltado ao texto
pragmático em si do que ao texto de ficção, e sempre visando a algo (o que é o
amor, tudo sobre drogas...) acaba por se constituir como de preferência para uma
leitura pessoal. Sobre esse fator é importante ressaltar aquilo que Chartier (1999)
denominou como fazer “leituras pouco recomendadas”. Para esse autor, o problema
não são as leituras pouco valoradas pelos cânones e sim, como estas são
trabalhadas no universo de leitura. A questão é se essas leituras são práticas para
se chegar a leituras mais avançadas.
Pam, Tae, Joa, e Lai em os chamados clássicos e também os best-sellers
mais contemporâneos. Pam cita um número bastante expressivo de leituras literárias
no seu universo de leituras pessoais. Livros como Iaiá Garcia de Machado de Assis,
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e O Cortiço de Aluisio de Azevedo
estão entre suas leituras. IaGarcia traça um cenário da última fase romântica de
Machado de Assis. Na história a personagem Lina (Iaiá) vai superando todos os
144
obstáculos e problemas na família até chegar ao objetivo final: o casamento. o
romance português Amor de Perdição é considerado um marco na literatura mundial.
Uma espécie de “Romeu e Julieta”, conta a história entre dois jovens, Simão Botelho
e Teresa de Albuquerque que são de famílias rivais e vivem uma história de amor
impossível. O Cortiço trazendo a história de um homem que adquire fortuna,
Jerônimo, e o desenrolar da sua trajetória em meio a realidade de vários outros
personagens presentes no cotidiano da vida no cortiço.
Lajolo (2004) traz em seu livro a indagação de “Como e por que ler o
romance brasileiro”. E A autora diz que se romance para “viver por empréstimo” e
para entrar nele. O romance é uma forma de mergulhar na leitura e se envolver com
as narrativas e seus personagens. É uma forma de buscar prazer na leitura
sonhando com o sonho dos outros. Também aparece em meio a esses romances
temáticas próximas ao mundo da literatura juvenil: problemas familiares,
personagens jovens e histórias de amor. Outros livros que estão entre suas leituras
pessoais são A Metamorfose, clássico da literatura estrangeira de Franz Kafka que
através de uma realidade alterada, aborda a condição humana em meio a situações
como família e um inseto gigante; O Diamante do Grão-Mogol, de Maria Clara
Machado com a história de Isabela, uma linda donzela cujo nome também é o de um
diamante bastante cobiçado e Éramos Seis de Maria José Dupret. Este último no
caso, livro publicado na década de 50 com a história de Dona Lola, seu marido e
filhos.
Joa e Lai também fazem referência à leitura de clássicos nas suas leituras
pessoais. Joa comenta sobre os romances Senhora, de José de Alencar e Vidas
Secas, de autoria de Graciliano Ramos e considerado um clássico da literatura
brasileira. Lai, por sua vez, chega a citar da literatura mundial o livro Salada Russa
de Leon Tolstoi. Joa confirma também uma preferência por leituras do tipo best-
seller do autor Sydney Sheldon.
Tae cita de maneira entusiástica sua leitura do livro O Alquimista, de Paulo
Coelho. Neste romance mais uma vez surge a imagem de um jovem (pastor) que
tem um sonho repetido: um tesouro oculto nas Pirâmides do Egito. O rapaz em
questão resolve sair em busca do sonho numa trilha envolta em mistérios. Fer ao
relatar sobre suas leituras, diz ter gostado dos livros Diário de um Mago, de Paulo
145
Coelho e Harry Potter e a Pedra Filosofal de J. K. Rowling por conter narrativas
sobre a “conquista de algo”. O jovem em outras épocas, ainda que nos exemplos
literários, comportava a figura do herói, do ousado, do valente nas histórias de
cavalaria (Marchello-Nízia, 1996). Fer também é da opinião que a leitura de Paulo
Coelho provoca reflexão e auto-aprimoramento.
Ern ao comentar sobe suas leituras, cita O alquimista, de Paulo Coelho;
Senhor dos Anéis, de J. R.R, Tolkien que trata de uma história de aventura (trilogia)
entre magos, elfos, anões, hobbits e suas forças contra as forças do mal. Também
cita um mangá” (histórias em quadrinhos de origem japonesa) cuja saga conta a
história de “Shinmen Takezo” um adolescente arredio e indisciplinado, que encontra
na espada a disciplina necessária para transformar sua vida desnorteada em algo
eterno. Como é possível perceber, as leituras de Ern são voltadas para uma
literatura alternativa. Ou seja, literatura mediadas pela mídia, literatura denominada
de auto-ajuda e literatura de bancas de revistas e internet. Ainda assim, não fogem
de maneira total da temática juvenil. As buscas por histórias onde as personagens
estão em conflito entre o bem e o mal conduzem o próprio leitor jovem a figurar ao
lado do herói compondo a narrativa. A participação do leitor conforme nos diz Ana
Claudia Pelisoli (2005) é “buscar nomes, funções, parentescos e atitudes nas
histórias ou que está relacionada à outra personagem que tinha aparecido na
história ou que está relacionada à outra personagem, acrescentando ou modificando
alguns traços” (Pelisoli, 2005, 160). Sem contar o dilema juvenil diante de fatores
como a indisciplina e a rebeldia sempre recorrentes diante da figura do jovem.
Márcia Abreu (2006) faz um contraponto à respeito da Grande literatura e à
crítica à cultura de massa. Pois, de acordo com alguns teóricos da Teoria Crítica da
Educação, a literatura de massa carregaria uma infindável coleção de lugares-
comuns e repetições de forma a não se ter como relevância o questionamento do
mundo em que se vive uma vez que o leitor teria prazer em encontrar na leitura
situações já conhecidas. Todavia a autora reforça que se a questão é literatura como
fonte de humanização e transformação, leitores de best–seller, também passam por
essas experiências. Leitores de Paulo Coelho conforme pesquisa de Pablo Semán
(Semán apud Abreu, 2006, p.84) estão em universo bem maior do que se imagina.
Segundo o autor não é gente ignorante que Paulo Coelho. A sua pesquisa
comprovou que 76,6% dos leitores de Paulo Coelho entrevistados em uma Feira do
146
Livro em Buenos Aires tiveram acesso à educação de nível superior. Os leitores
pesquisados apresentavam no interior de suas bibliotecas várias outras obras da
literatura mundial em conjunto com Paulo Coelho. Ainda assim confirmaram ser os
livros desse autor como “excelentes” e que eles os lêem para agir, pensar e fruir.
Situações como essas nos fazem refletir sobre o debate instaurado entre a
literatura clássica e a chamada literatura de massa (literatura alternativa). No caso
dos nossos jovens sujeitos de pesquisa, tais como Tae, uma clara convicção e
preferência por um livro de Paulo Coelho como sendo uma leitura interessante.
Também o que se pode denotar conforme falas de Tae, Car e Lai, o encontro com
as leituras pessoais se por indicações de amigos, familiares bem como os
empréstimos nas bibliotecas escolares.
4.2.3. Leitura encantada
A leitura que proporciona um prazer permanente e estabelece relações de
fascinação para com o leitor é indicada por alguns jovens em suas experiências de
leitura. Adorar a forma em que uma história é narrada, envolver-se com ela, e com
cada um dos personagens é uma forma particular de felicidade para o leitor. Essas
leituras aparecem narradas pelos jovens da seguinte maneira:
Ah, a leitura exerce um fascínio de a gente entrar
num outro mundo. É poder esquecer todos os
problemas que tem na mente e entrar noutro mundo.
É isso que a gente espera quando ta...pega um livro
novo e espera ter essa ..viagem literalmente, né...e
esquecer tudo que tem ao redor. Leitura é um
encantamento. Você acaba se encantando com um
livro.O livro é como se tivesse um encantamento “em
título”. Bom, como eu repeti, você entra no mundo
do livro e esquece o mundo que tem ao seu redor.
147
Leitura assim tem alguma relação com
encantamento. (And, 14)
Ela me prende muito a leitura. E também , às vezes,
eu até acabo entrando meio que assim na história.Eu
me sinto como se fosse a “menina”, eu entro na
história. Eu vivo, eu sinto, eu fico triste quando
acontece alguma coisa. Eu entro na história. Eu
encarno, como o personagem, a leitura (Bri, 15)
Quando a gente algum livro assim, a gente fica
fascinada, né. A gente fica imaginando o livro assim.
Mas é imaginação mesmo. (...) A gente fica
encantada com a história. É bem empolgante.(Cam,
16)
Eu fico muito fascinada. Principalmente com o
romance. Eu adoro. Eu entro naquele mundo e
ninguém me tira de lá. (Kam M, 15)
Tem várias leituras que me encantam. Tem coisas que
você assim, gosta e encanta cada vez mais. Até vai
ajudando você a querer ler mais e mais. Às vezes tem
coisas que me chamam muita atenção ali. Igual num
romance que às vezes me encanto com algumas partes
bonitas. Como eles se conheceram... Querendo
descrever todo o encantamento deles. O romance
deles. (Cal, 15)
148
Principalmente romances. Você começa a sonhar
muito alto, se encanta com os livros.(Kar, 15)
A gente vê, por exemplo, a pessoa, o romance...a gente
assim tipo parece que a gente ta dentro lá...é
gostoso.(Fer, 15)
Se são leituras que me interessam, fascinam.
Enquanto eu não terminar eu não sossego. (Lui, 16)
Tipo assim de você viajar entre mil e uma frases. Você
tem mil imaginações, entende? Que deixam você
fascinado. Tem livros que te deixam fascinada e que
você...nossa!! “O Cortiço” tem a história da Pombinha
(risadas...) Eu tenho um fascínio porque eu tenho
uma prima assim, entende? Que é meio parecida com
a história dela. (Nan, 15)
Do tipo que prende sua atenção dentro de uma
história.. Você acaba viajando dentro dela e isso
que me fascina. (Lai, 15)
O leitor que se diz fascinado com o ato de ler parece estar interiorizado pelo
objeto livro. É um leitor que se diz habitando em outro mundo. Esse mesmo leitor
jovem descreve determinadas experiências de leitura como se as mesmas o
tivessem “transportado” para outros lugares. And, Bri, Kam M, Kar, Fer, Nan, Lai,
Cam e Cal comentam se sentir em “outro mundo” quando estão com uma leitura que
os fascina. Num sentido de prender a atenção e encantar o leitor, a “fuga” operada
149
pelo interior dos livros assume um sentido de digressão. And chega a dizer que
“entra no mundo do livro e esquece o mundo que tem ao se ao seu redor”. Como se
o livro o transportasse por estradas cuja ficção presente nas histórias o fizessem
viajar e sonhar pelo mundo da literatura. A sensação experimentada junto aos livros
faz com que alguns jovens queiram misturar-se à história. Bri sente-se como se
fosse “a menina, eu entro na história”. Ela diz viver á história e até ficar triste quando
algo de ruim ocorre. Kam M assim como And sente-se absorvida pelo livro. Relata
que se fica fascinada pela leitura e depois que “entra ninguém a tira mais” (de um
livro).
Livros que transportam para outros mundos e carregam o leitor, a princípio,
parecem estar designadas a um único leitor. Todavia, esse é o fascínio e
encantamento ao qual o leitor se amarra sem perceber. O livro lhe causa impressões
que parece ter sido escrito para uma só pessoa. Essa proximidade orienta as
práticas de leitura futuras uma vez que vão tecendo ligações de cumplicidade com
as experiências em torno do livro.
Kam M, Car, Kar e Fer comentam sobre o encantamento com a leitura de
romances. A leitura de romances conforme dissemos em capítulo anterior ao citar
Márcia Abreu (2003), continua a conquistar públicos atuais. Mesmo com o seu
nascimento no século XVIII, o romance com suas histórias, aventuras, novelas e
contos não caminha somente por trilhas de leitura “perigosa” e “frívola”. Na
atualidade, jovens se dizem tão “encantados” quanto leitores de outros séculos
diante do gênero romance. Conforme nos diz Maria Arisnete de Morais (2002, p.52),
ao comentar sobre as leituras de mulheres no século XIX, a busca da leitora se dava
por alguns artifícios. Os jornais da época procuravam aproximar-se cada vez mais
dessa leitora que se multiplicava. Para tanto, o ideal consistia no leitor encontrar-se
inscrito nas ginas e nas histórias. E a busca por essa cumplicidade da leitora
contava em muito como ela seria “seduzida” e “encantada” pelas leituras.
Ler romance brasileiro ou não, conforme diz Marisa Lajolo (2004), é acabar
entrando nele, vivendo nele. Como a autora afirma “o viver por empréstimo” é
verificado por muitos de nossos sujeitos de pesquisa. O envolvimento do leitor com
sua leitura são nítidos diante de expressões como: “parece que a gente ta dentro
150
lá...é gostoso (Kar)”, “eu entro naquele mundo e ninguém me tira de (Kam M),”
tipo assim de você viajar entre mil imaginações...(Nan).
O mergulhar na leitura chega a tal ponto que o apaixonar-se por eles
(romances) torna-se inevitável. E neste caminho o leitor se envolve na vida das
personagens que participam da história. não existe, para o jovem leitor neste
caso, uma linha que separa realidade de ficção. Ele se embrenha nos cenários,
ações e personagens e vive a história como se fosse a sua vida. Tae, Pam e Pat
chegam a dizer que:
E quer fazer a mesma coisa...um romance...entendeu?
(Pat, 15)
Às vezes exerce bastante fascínio. (pausa...com voz
baixa...) Ah, de uma maneira muitas vezes...alguns
livros assim,, no final, você se interessa tanto pelo
livro que você torna aquilo real assim. (Tae, 16)
Eu me sinto encantada com a história. Penso na
história. Penso em como ela poderia ter acontecido se
fosse verdade.(Pam, 15)
Às vezes tem aquele negócio de ler e ficar encantada e
fazer a mesma coisa. Leu aquela história, depois
lembra aquela história (Pam, 15)
Em suas falas há um claro intento de reiterar o prazer que a literatura
provoca. Para tal, até vivenciar o mundo ficcional é abordado pelo leitor como uma
possibilidade de provocar a continuidade do encantamento. Pam diz que pensa em
como a “história poderia ter acontecido se fosse verdade”. A emancipação do leitor
151
infanto-juvenil também passa por questões de identificação deste com os
personagens do texto. Encantar-se diante do mundo ficcional também se projeta
como uma maneira de aproximar-se de uma vida que nem sempre estará presente
na vida real. Em acordo com Manguel (2005, p. 37), o leitor jovem parece
compartilhar o livro sem se ater muito as fronteiras entre realidade e ficção. Segundo
ele, “quando somos jovens, as histórias não parecem terminar quando viramos a
última página do livro”. No entanto, o fascínio que faz o leitor ver partes bonitas no
texto também o empolga a vislumbrar novos sonhos e novas leituras.
4.2.4. Leitura preferida
Os livros que escolhemos como preferidos são aqueles que poderíamos
tranqüilamente deixar em nossas cabeceiras por tempo indeterminado. O leitor
jovem também se pronuncia sobre as leituras que estão mais próximas, aquelas que
mais o atraem e se interagem com seus gostos. As leituras favoritas são
reconhecidas pelo leitor com um sentido privado. São facilmente identificáveis por
eles ainda que passem despercebidas por outros. Perguntados sobre seus gostos
pela leitura os jovens leitores responderam:
Eu gosto bastante de leitura Agatha Christie, de
suspense. É livro de detetive. Os autores que eu gosto é
Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, e um outro
autor que não é muito conhecido que escreveu “O dia
do chacal”, Frederico Foursyth. Gosto bastante dos
livros de investigação da época da Guerra Fria.
Também gosto bastante de comédia. Luis Fernando
Veríssimo. Eu leio bastante coluna de opinião no
jornal e na revista. Na VEJA (revista), um que eu gosto
bastante é o Diogo Maynardi. Ele critica bastante
todo mundo, acaba com todo mundo mas dá um jeito
de mostrar o Brasil como ele é. (And, 14)
152
Eu gosto de literatura brasileira, romance. Eu gosto
de livro de adolescente. Eu gosto de livro assim de
ação. De alguma coisa que fala bem...bem misteriosa
que conta assim no final. Alguma coisa assim (Bri,
15)
Romance é o que eu mais gosto. Histórias de amor,
romance. Também gosto de ler revista. “Romeu e
Julieta” eu li. Também aqueles “Bianca”, “Sabrina” e
outros também. (Kam M, 15)
Eu gosto de história. Acho que o que existe é a
objetividade do livro. (...) O livro tem que ser objetivo.
Quanto mais objetiva é a história, mais você via se
interessar por ela. (Ern, 16)
Mais romance, humor. Também gosto muito de
suspense assim. (Fer,15)
Eu não gosto de leitura que é muito fantasiada. Por
isso que eu gosto mais de Sidney Sheldon. Porque ele
não fica ali fantasiando todo o livro. Ele vai direto
ao assunto. É eu gosto ....ah, sei ...eu gosto tanto de
livro! Leio todos os livros.Infantil, tipo “Cinderela”.
Igual “Harry Potter”, também. (Joa, 14)
Eu gosto de ler romance, suspense, comédia também é
muito bom. São leituras que me agradam. (Lid, 15)
153
Tipos que contam uma história... romance porque
prende. Mas também não é romance. Outros tipos
de literatura que talvez contem a história de uma
família como “Éramos Seis”. Porque quando você
“Éramos Seis” alguma coisa você se identifica com a
sua família, como você pensa, os problemas deles. Não
é aquela coisa de mundinho pequeno de romance
que não existe. Pra real, o que acontece mesmo na
vida das pessoas (Pam,15)
Eu gosto de ler livro de romance. Romance proibido
ou até mesmo impossível. (Tae,16)
As afinidades que os jovens desenvolvem com determinados tipos de
leituras povoam a intimidade e terminam por ir acrescentando ao adolescente-leitor
uma parceria e um gosto a ser lembrado. And comenta sobre suas leituras
preferidas que estão tanto no universo da literatura brasileira quanto da literatura
mundial. É leitor de Agatha Christie, romancista policial da literatura inglesa e autora
de mais de oitenta livros que venderam em torno de um bilhão no mundo; Arthur
Conan Doyle, escritor britânico, também da literatura criminal com o personagem
Sherlock Holmes; Fredrick Forsyth com “O dia do chacal”. Gosta de romances
policiais e também de “comédia” de Luis Fernando Veríssimo. Assim como Kam M
também se diz leitor de revista. Inclusive de revistas de banca (Sabrina, Julia) há
um certo tempo no mercado editorial e destinadas às mulheres.
A maior parte dos jovens entrevistados tem uma preferência por romances,
livros de mistério e humor. And, Bri, Fer, Joa, Tae apresentam gostos similares.
Livros de ação e envoltos em mistério e suspense culminam por ser os da
preferência para uma escolha de leitura. Romance ou romance policial e os livros de
humor também são bastante recorrentes em suas falas.
154
Ern, Joa e Pam procuram descrever preferência por livros “mais objetivos”,
“que não ficam fantasiando muito” e que existe “pra real na vida das pessoas”. Para
eles, o livro precisa ter uma irrealidade real para se tornar interessante. And e Joa
também citam em suas leituras preferidas autores considerados de best-sellers.
Agatha Christie ou J.K. Rowling, autora de Harry Potter são livros que lhes
despertam interesse. Este último no caso, literatura na perspectiva do mercado
editorial, destinada a crianças e adolescentes.
4.2.5. Leitura poder
A ausência de livros em determinada situação pode originar a idéia que a
presença de livros estabelece por si uma cultura de saber mais, ter mais
conhecimento, ter mais inteligência.
Perguntei aos jovens se eles acreditavam que leitura e poder estavam
relacionados. Alguns deles disseram estar convictos disso:
Sim. Porque é a partir da leitura que se pode
conseguir vários tipos de poder. O poder de saber as
coisas que as outras pessoas não sabem, te aquele
poder. Ou mesmo de conseguir conquistar um poder
com a sabedoria que tu pode tirar de um livro.
Conquistar um outro tipo de poder tendo as
informações retiradas de um livro (And, 14)
Sim. Porque você aprende muito e você tem uma visão
mais ampla. (Bri,15)
Porque na leitura você exerce seu fascínio, sua
mentalidade e então você cria um mensagem de
poder maior...tipo...poder da sua inteligência. Você
155
passa a saber que tem mais e passa isso para os outros
com suas idéias (Kam M 15)
Sim. Porque se você prestar atenção, uma pessoa
que...vamos para o lado financeiro. Uma pessoa que
tem um lado financeiro bom, que ela se destaca. Você
pode prestar atenção que ela vários livros. Ela é
uma pessoa que lê constantemente. (Ern, 16)
Acho que sim. Porque se você lê você adquire um poder
muito grande, além da inteligência. (Kar, 15)
Quando você você adquire um certo domínio, um
certo poder de aprender bastante coisa e tal (Lid, 15)
A partir do momento que você a leitura exerce um
poder sobre a gente. A gente exerce um poder sobre a
leitura. (Nan, 15)
De uma certa maneira sim. Quando você começa a
ler bastante, se interessar muito pelo livro, pelas
informações, você de uma certa forma ta ampliando
a sua cultura e ajuda de certa forma em vários
momentos.. Você de uma certa forma tem um requisito
a mais na cultura. (Tae, 16)
156
A figura do leitor assíduo orienta para uma imagem determinada, em
diversas sociedades, como a de uma pessoa com poderes mais avançados. A
freqüência aos textos lidos, a relação de intimidade estabelecida pelo leitor faz dele
um diferencial diante daqueles que lêem em menor quantidade.
Como aprendeu a ler de tal forma? E isso o faz distinto dos demais. And e
Bri comentam sobre o poder “de saber mais sobre as coisas do que outras
pessoas”. No caso, o diferencial estabelecido nas imagens das pessoas que lêem
mais em detrimento as pessoas que lêem menos. And cita ainda sobre o poder que
você pode “retirar” de um livro. Ou seja, as informações privilegiadas e utilizadas a
seu favor.
Assim como Menocchio no livro de Carlo Ginzburg (1987), começa a
confrontar livros como A Sagrada Escritura com a tradição oral a qual havia
habituado e crescido, e por conta disso acusado de heresia; o poder imposto ao ato
de ler reforça o sentido que a identifica com fama, opiniões, conhecimento. Os
jovens leitores têm por crença que a leitura estabelece idéias e inteligência.
Segundo Bri com a leitura você adquire uma “visão mais ampla”. Kam também
reforça esse aspecto ao citar que você passa “a saber mais e passa isso para os
outros”. Kar justifica sua fala dizendo que além de poder você adquire inteligência.
Tae compartilha da mesma idéia ao dizer que o poder da leitura é o de “ampliar a
cultura”.
Todavia, alguns sujeitos de pesquisa não reforçam essa idéia de poder e
leitura atrelada. Eles comentam:
Acho que não. Porque acho que o poder é uma coisa
mais assim que exerce sobre você, obriga você a
alguma coisa. E a leitura não. A leitura vo faz se
você quer, você entende se você quiser (Cam, 15)
Acho que não. Poder...eu não acredito muito. (Car,
15)
157
Acho que não porque a pessoa tem que ler porque
gosta e não pra ficar falando pra todo mundo “ah,eu
li isso!” (Fer, 15)
Eu não acho que a pessoa que leia tenha algum
poder. Ela tem inteligência de ler, tem a capacidade
sei lá...é como se...é a pessoa que gosta de ler. É culta.
Poder da mente dela. (Joa, 14)
A realidade de leitura para alguns jovens não está sob uma condicionante de
obrigações ou próxima a um significado de dominação. Leitura para Cam, Fer e Joa
está muito mais nas escolhas operadas pelo leitor, pelas ações de leituras criativas
do que uma imagem de imposição de sabedoria por parte de quem lê. Para esses
jovens, a leitura simplesmente existe por uma questão de preferência e atitude
particular. Lê-se por determinadas razões. Todavia, para estes o prazer estético da
leitura é superior a qualquer condicionante que envolva um pertencimento. A leitura
segundo Joa “é o poder da mente dela”. Essa é a necessidade do leitor.
4.2.6. Leitura midiática
Destacam-se na contemporaneidade, tendências de leitura muito próximas
às culturas televisivas e cinematográficas. A relação entre cinema, televisão e
leitura, principalmente devido ao crescimento da cultura de massa no que se pode
dizer de mercado da indústria cultural, é fator visível. Os meios culturais de difusão,
cada vez mais atrelados a uma mídia da imagem, fazem surgir leituras sob essa
ótica. Nesse âmbito, todo um debate dos filósofos da Escola de Frankfurt da
Teoria Crítica da Educação, entre eles Adorno e Horkheimer. Para esses autores, o
rádio, o cinema e a televisão se definem como indústrias e seus objetivos recaem
sobre o consumidor. Nesse contexto o sujeito assume um papel de passividade uma
vez que é privado de oposições, pois tudo está relacionado dentro dos mesmos
158
traços. A indústria cultural alimenta a reprodução de modo exato e com isso
estabelece uma continuidade, na vida real, do espetáculo presenciado na mídia
(Adorno, 2002, p.15).
Os clichês confirmam a realidade reproduzida tal qual é esquematizada e,
por conta disso, os consumidores são padronizados em classe A ou B e comportam-
se “espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices
estatísticos, e dirigidos à categoria de massa que foi preparada para o seu tipo”
(Adorno, 2002, p.11).
Com referência a intensa produção midiática disponível no universo cultural
dos jovens, perguntei a eles se “os produtos fornecidos pela TV, rádio ou cinema
havia sido fonte para uma leitura”.
Já. Às vezes a gente vê na televisão numa novela,
numa minissérie. Às vezes tem até minissérie que
conta a história de um livro e, então você assiste a
minissérie e quer saber mais e acaba lendo o livro
bastante interessante sobre a minissérie que falava
sobre a Amazônia e tinha um livro bastante
interessante sobre a minissérie, mas eu acabei nem
lendo o livro. Não lembro qual era. Mas falava sobre
um assunto que eu queria ler.(Cam,16)
Já, muitas vezes. Agora atualmente eu procurando
saber mais sobre aquela minissérie que tá passando, a
“Mad Maria”. Eu to procurando o livro pra saber como
foi, como aconteceu, como terminou tudo.Influencia
muito Várias vezes, em novelas, passa um livro, um
fato e eu procuro aprender. Também teve aquele
atentado nos Estado Unidos. Eu procurei bastante
nos jornais pra saber mais. O livro “Iracema” eu vi na
159
novela a história de um índio e eu procurei saber
mais...(Kam M, 15)
Às vezes. “Escrava Isaura” passava na novela e eu
gostei muito e fui até comprar (o livro). (Cal, 15)
Ah, sim, né. Eu ...esse “Diário de um Mago” mesmo, foi
na TV eu vi falando desse livro logo eu corri e fui
comprar. Agora eu vou querer, eu quero ler esse Paulo
Coelho. O alquimista” também. Porque eu ouvi
falar muito. Muita gente fala maravilhas dele. Eu
quero ver se é isso mesmo (você se lembra em que
ocasião você viu a respeito dessas leituras?) Acho que
foi no Programa do Jô, acho que é. (Fer, 15)
Passa direto na televisão livros que são lançados
atualmente. eu eu procuro na livraria pra mim
comprar. (Kar, 15)
Eu lembro tipo o “Harry Potter”. Foi um livro que eu
gostei. Eu li baseado no filme. (Lui, 15)
Já. Tipo que nem um exemplo disso d é aquele
livro...aquele filme “O Senhor dos Anéis” que passou
em cinema. Depois daquele filme, muitas pessoas
começaram a ler o livro, entendeu? Por inspiração do
cinema. Acho que por isso a que é uma inspiração
ou meio de comunicação para você ler um livro pra
você conhecer algo. (Nan, 15)
160
Já, às vezes. Muitas vezes eu assistindo televisão ou
algum tipo de meio de comunicação, a pessoas cita
um livro ou uma história que tem a ver com alguma
coisa e eu sempre me interesso. (Tae, 16)
A leitura pessoal encontra-se inserida em uma rede de práticas culturais.
Quando verificamos a história das práticas de leitura na primeira metade do século
XIX, conforme nos aponta Roger Chartier (2001) percebe-se a passagem da leitura
dita intensiva, a qual o leitor era exposto a um número restrito de livros. Entre eles, A
Bíblia e o almanaque cujos textos apresentavam formatos que quase não se
alteravam. Um pouco depois dessa época, mas ainda no século XIX, surge um tipo
de leitura mais abrangente, com uma exposição a numerosos textos lidos de
maneira mais particular e denominados de leitura extensiva.
Essa nova maneira de se posicionar diante da leitura trouxe uma
emancipação das situações do ler que antes estavam completamente
dimensionadas aos espaços religiosos e familiares. Com uma maior abrangência
nos suportes vários de leitura e ainda que tenha se emancipado de situações mais
restritas de leitura, o ato de ler não se distanciou por completo de um
direcionamento. Atualmente quando ficamos diante de leitores que apresentam
práticas de leitura várias, não podemos visualizar uma leitura emancipada de todas
as celebrações sociais. A leitura com referências advindas da cultura televisiva e do
filme é recebida com uma relação que liga o leitor àquilo que lê. A realidade social
dos jovens está impregnada de uma cultura de consumo irrestrito de comunicação
audiovisual.
Nas falas da maior parte dos jovens leitores as mídias audiovisuais,
tradicionais ou interativas, assumem um papel preponderante na seleção do que ler.
Cam na TV uma novela ou minissérie e a partir desses programas interessa-se
por determinada leitura. Kam M também compartilha desse mesmo pensamento e
diz estar procurando o livro da minissérie “Mad Maria”. Outro livro que diz ter lido
influenciada pela mídia audiovisual é o romance Iracema. Kar reforça esse
161
pensamento ao dizer que livros lançados recentemente são bastante inseridos na
programação da TV. Lui, Nan e Fer comentam sobre as leituras que são “baseadas”
em filmes e programação televisiva. Alguns dos nossos jovens citam entre suas
leituras livros como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Diário de Um Mago e O
Alquimista. Livros que povoam o universo midiático são muito populares entre
jovens leitores que sempre parecem instigados a começar a ler um livro que viram
na TV ou em um filme.
De acordo com Adorno (Adorno apud Pucci, 1999, p. 60) a indústria cultural
opera mecanismos que “iludem” a pessoa a imaginar que está processando
escolhas pessoais. No caso da Indústria Cultural, segundo seus teóricos, há uma
padronização e uniformização diária do produto. Isso faz com que as pessoas
vislumbrem pertencerem a um grupo, a uma identidade que o singulariza. A
“semicultura” no caso, para ele, advém também desse tipo de comportamento e “é
cotidianamente reforçado pela mídia sob a forma de jornais, revistas e biografias
romanceadas que fornecem dados superficiais sobre personagens e fatos,
perdendo-se a possibilidade do exercício do raciocínio crítico, que se converte em
mera curiosidade” (Pucci, 1999, p.119).
Diante desse fato, a Indústria Cultural, através de programas de rádio, TV,
filmes e revistas têm por intenção normatizar a fruição estética. E,com isso, direciona
o que se deve escutar, assistir e ler. Por outro lado, temos jovens leitores que
independente da realidade cercada por leituras do contexto audiovisual, são
resolutos em optar pelo objeto livro antes do filme ou da televisão:
Já, já, com certeza. Porque depois que eu li os livros
do “Senhor dos Anéis” e “Harry Potter” eu acabei
percebendo que qualquer filme que vê na televisão e
no cinema e se tiver algum livro escrito, o livro sempre
vai ser melhor que o filme. Eu percebi. A escrita é
sempre melhor que o filme. E se a TV ou o rádio
indicar algum livro, e eu achar que o livro é bom e
até merece um pouco de atenção eu procuro ler o
livro, comprar, tentar ler o livro se for indicado pela
162
TV ou rádio. Eles exercem sim fonte para leitura. O
“Harry Potter” primeiro eu li os livros e depois eu fui
ver os filmes. “O Senhor dos Anéis” eu vi primeiro um
filme, depois eu li o livro e vi o resto dos filmes. E daí
eu vi o primeiro filme e eu percebi uma história muito
interessante e eu procurei os livros pra mim ler.
Porque a história dos livros são muito mais
interessantes. Mais até do que do filme. Esses livros que
a TV indica geralmente são vários lançamentos e
normalmente nas bibliotecas esses lançamentos são
raros. Mas eu já vi foi na locadora de livros. Tem
vários lançamentos e esses livros indicados pela
televisão como o... tipo esse “Código D’a Vinci”. Outro
livro é “Anjos e Demônios” que teve muita
propaganda na TV eu percebi. E tem também outro
livro que eu percebi e eu vi em propaganda na TV e
em revista. É um livro que é meio que foi escrito na
onda do “Harry Potter”. Se chama “Fronteiras do
Universo” e é uma trilogia que conta também a
história meio de bruxo, dessas coisas. Eu sempre vejo a
coluna dos mais vendidos na VEJA (revista). Eu li
“Código D’a Vinci” porque eu vi na VEJA. (And, 14)
Já. Mas eu ainda prefiro a leitura independente
assim. Assim independente que não tenha um apoio
da mídia corporativa. Muitos manifestos que
aparecem na televisão, coisa sobre a “ALCA” que eu eu
sei que não é aquilo que a TV ta passando...é porque
tem muita coisa escondida. È claro que a mídia
corporativa não vai mostrar o que é ALCA. A partir
163
daí eu procuro ler outras formas como o “Centro de
Mídia Independente” ou “zines”. (Car, 15)
“O senhor dos Anéis”, por exemplo, primeiro eu li o
livro. Eu fiquei sabendo pelos meus colegas, mais pelo
meu primo. Porque meu primo já é mais de idade e ele
já é da Universidade. Na Universidade eles sempre
tem um lá que diz “tal livro é legal”. Então, eles
começam a ler. Normalmente eles compram os livros e
eles começam a falar nossa, esse livro é legal pra
caramba”, aí eu pego e vou lendo. (Ern, 16)
Leitores como And, Car e Ern apreciam a leitura de uma forma geral. Para
eles independentemente do que se expõe na mídia, procuram traçar uma rota de
escolhas e reflexões para uma opção de leitura. And cita a leitura de best sellers
com Harry Potter, O Senhor dos Anéis, Anjos e Demônios e Código Da Vinci. Estes
dois últimos do escritor norte-americano Dan Brown que no ano de lançamento
de Anjos e Demônios teve uma venda estimada em seis milhões de exemplares no
mundo todo. O livro trata da Guerra ente ciência e religião, questões de e
existência de Deus. o Código Da Vinci traz abordagem de um Jesus enquanto
personagem fictício, não divino, que se casou com uma mulher e essa sim, líder de
discípulos. Também cita sobre um livro de nome Fronteiras do Universo, cujo autor é
Philip Pullman. A trilogia é um romance de fantasia e tem como tema inicial o
amadurecimento dos personagens principais. Ern também cita o best- seller O
Senhor dos Anéis como leitura de sua escolha. Car se posiciona sobre leituras
que ela julga mais independente e cita seu gosto por “zines”. Este conforme nos diz
Oliveira (2004), “uma publicação alternativa e amadora, geralmente de pequena
tiragem, impressa artesanalmente e utilizada por adolescentes”. Segundo ainda
Oliveira (2004) a escrita de zines requer do adolescente uma outra experiência. o
são leituras neutras.
Leitores de best-sellers, ainda que a grande margem de divulgação destes
seja através da mídia, não aparentam preocupação em classificá-lo dessa maneira.
164
Apesar de reconhecerem ser a TV, o filme e o rádio grandes veículos de
disseminação de objetos de leitura, estão mais preocupados em descrever o
interesse que são acometidos quando do conhecimento de determinado livro. No
nível mais geral, identificam essa literatura como uma leitura comum e sem inseri-las
em hierarquias do tipo: literatura maior ou literatura menor.
165
166
A Man seated reading at a Table in a Lofty Room
About 1628 - 1630
REMBRANDT, follower of
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou desde o início conhecer as experiências de leitura de
leitores jovens e também procurou descrever as práticas de leitura relacionadas a
esse universo juvenil. Na intersecção desse caminho procuramos verificar as leituras
ditas mais escolarizadas e aquelas cuja tônica recai em um contexto de maior
liberdade e gosto particular.
Ainda que estejamos sob um enfoque que aponta uma crise com referência
à leitura e mais prioritariamente ao livro de literatura tradicional, as experiências
individuais de leitura de cada jovem e estas se afirmam como leitura enquanto uma
prática cultural. Segundo Abreu (2006), o gosto estético alimenta a idéia de
produções escritas mais merecedoras do nome Literatura enquanto outras ficam
com o popular, o marginal, o trivial. Ela explicita que:
A apreciação estética não é universal: ela depende da inserção cultural dos
sujeitos. Uma mesma obra é lida, avaliada e investida de significações
variadas e por diferentes grupos culturais. Se avaliarmos Hamlet com os
padrões africanos, a tragédia parecerá um completo non-sense. (Abreu,
2006, p.80).
no campo do debate da leitura, práticas leiturísticas evidenciadas por
gestos, hábitos e impressos distintos. Nessa trajetória de práticas de leitura, Chartier
(2001) nos insere no campo das discussões em torno das “maneiras de ler”. Nesta
pesquisa, a partir dos relatos dos entrevistados, foi verificada uma forte presença de
167
leituras disciplinares no cotidiano dos jovens. Leituras escolares, conforme consta
em nossa análise, prioritariamente, configuram-se no âmbito das leituras
obrigatórias. Para esses jovens no caso, as leituras escolarizadas mais do que uma
experiência, estão num ponto limite entre a exigência, ordem do “outro” e o gosto a
se instaurar.
A evidência de uma experiência “mandada” retira do processo de formação
desse leitor a busca por uma leitura integralmente autêntica e prazerosa no espaço
escolar. A esse espaço são destinadas as experiências do dever e da
subordinação. Os jovens pesquisados na maior parte dos casos evidenciam uma
leitura que é a do “outro”. A leitura que foi “mandada” mais se alimenta de uma
ordem e imposição. Por esse viés, surge para esse jovem leitor, uma leitura como
uma rotina sem muitas definições e motivações.
Conforme delineamos no capítulo teórico sobre a juventude e seus aspectos
sócio-culturais, os jovens de outras épocas ocupavam-se de uma rotina de afazeres
e aprendizagens disciplinadoras. Nossos jovens, no caso, também estão em uma
posição feita de restrições e de determinada postura a seguir.
A leitura literária, na maioria das vezes, apesar de quase sempre estar no
universo escolar é uma experiência de leitura que se faz representar pela elencação
de vários títulos por parte dos mesmos. E, por também constar num campo da
obrigatoriedade, juntam a essa nomenclatura todas as leituras solicitadas nas aulas
de literatura. Independentemente de constituírem-se com leituras alternativas e mais
contemporâneas, as leituras literárias canônicas vigoram sob o mesmo enfoque. São
livros “solicitados” para uma atividade de literatura e, sob essa ótica, lidos por conta
de uma imposição disciplinar.
Com relação às práticas de disseminação do “Letramento Literário e a
formação de leitores Paiva (2004) alega que uma análise sobre os livros
representativos da literatura juvenil abordaram aspectos vários tais como:
Aspectos textuais e intertextuais como aqueles voltados para a
programação gráfica dos livros, escolha de formato, escolha de tipo, enfim,
todos os aspectos que inter-relacionados apontam para uma proposta de
recepção do texto e para a configuração do seu leitor-modelo. A pesquisa
168
focalizou ainda as escolhas temáticas como o tratamento dado ao tema, a
fim de verificar as concepções ideológicas subjacentes aos textos, os
questionamentos frente a às polêmicas sociais do nosso tempo (Paiva,
2004, p. 51)
A indicação por parte desses jovens como leituras complicadas algumas
leituras literárias faz com que essas permaneçam como de pouco interesse. Leituras
muito longas ou com um vocabulário de difícil compreensão torna determinadas
práticas de leitura juvenis como complexas e de pouco interesse. Para alguns
jovens, livros que “narram demais” caracterizam-se por ser um pouco enjoativo. Mas
ainda assim não deixam de aparecer nas citações dos jovens uma vez que as
leituras disciplinares desenvolvidas na escola acabam por não dar atenção a esse
tipo de aspecto. A leitura é em muitos casos literária, complicada e obrigatória. A
leitura literária e a leitura objetiva acabam confundindo-se no que concerne a uma
subordinação ao “ter que fazer”.
Após a análise das falas dos jovens, creio que seja possível afirmar que no
campo das leituras disciplinares muitas das questões que permanecem ocultas a
uma mobilidade ou o da leitura juvenil seja importante considerar. Leituras
indicadas, utilitárias ou necessárias passam por um campo da obrigatoriedade. A
subordinação diante daquele que estabelece qual leitura deverá ser feita,
subordinação do jovem leitor em estar próximo e quase que “obrigado” a uma leitura
com uma finalidade: é para apresentação, para prova, para responder questionário;
subordinação a uma leitura necessária apenas para se ter acesso a uma informação
são situações a se considerar no universo de formação de leitores jovens.
Em outro momento, encontramos a face das leituras particulares com o
histórico das experiências de escolha dos livros. O legado individual de leituras
surge e remete para um universo leitor. Distanciando-se de questões que envolvem
o não ler ou problemas de leitura e até mesmo uma leitura disciplinar, as leituras
particulares estão preenchidas por uma intimidade desvelada pelo leitor jovem.
Nesse universo, as leituras do gênero romance surgem como preferência no
cenário de leitura. Leituras de prazer que representam a vida de pessoas comuns
caem no gosto e na popularidade dos jovens leitores. Lajolo (2004) aborda em seu
trabalho sobre o “romance brasileiro” e como este leva o leitor a se estimular e
169
posicionar-se frente ao que lê. Esse jovem leitor, diante dessa leitura prazerosa,
deixaria aflorar seus gostos particulares de leitura conforme trata o trecho abaixo:
Lendo o leitor esquece da sua vida e envolve-se na vida das personagens
que participam da história. Em alguns romances, o leitor se enfronha em
cenários e ações diferentes de seu cotidiano. Em outros quando ações,
cenários e personagens são os de seu cotidiano -, o leitor vive o que
conhece, mas de um outro ponto de vista. (Lajolo, 2004, p.30)
Por fim, encontramos as experiências de leitura onde ler é descobrir,
compreender, divertir. As leituras livres e num universo pessoal do jovem revelam as
intimidades e temáticas que os fascinam. Conforme nos diz Leahy-Dios (2005)
acerca do consumo de obras literárias por adolescentes e jovens adultos, seus
acessos a esses bens, as formas, tempos e espaços de ler com a seguinte questão:
De forma ampla e generalizada, os principais interesses dos jovens adultos
e dos adolescentes em todos os tempos têm sido o conhecimento do
próprio corpo, as relações sociais, afetivas, amorosas e sexuais, as
dificuldades de relacionamento em família e com amigos (...)a questão
crucial é quem tantas obras cobrindo assuntos tão variados? Será que a
escola conta de atualizar seu acervo, será que os professores estão a
par do novíssimo mercado editorial (...)? (Leahy-Dios, 2005, p. 40)
Por essas situações escolhi trabalhar com as questões mais latentes dessa
pesquisa. O que lêem os jovens? Quais são seus interesses de leitura? O que a
leitura provoca no jovem leitor? Diante desses questionamentos as leituras
particulares dos jovens surgiram como exercício cotidiano. Ler, comentar e refletir
sobre o lido era o que se vislumbrava se era possível ou não nas ocorrências de
leitura.
Após a leitura dos relatos, acredito que seja possível verificar que a leitura
dos jovens consta de facetas múltiplas. Ele é leitor tanto de obras literárias ditas
mais clássicas quanto é leitor de obras mais contemporâneas. As temáticas
definidas como predominantes na literatura juvenil (relações amorosas, familiares,
conflitos) estão presentes em um número considerável de obras citadas pelos
170
leitores jovens. A leitura de Best seller também é bastante presente nas leituras
descritas por eles. O encantamento com o ato de ler, as leituras consideradas mais
próximas e preferidas e leituras numa relação bastante próxima com as leituras da
mídia aparecem na procura dos jovens leitores.
Tendo em vista o que foi aqui apresentado, verifico que precisamos olhar
com mais atenção quando relatamos sobre a diminuição do interesse pelos livros e
pela leitura. A escola necessita de mecanismos para aproximar-se desse universo
leitor do jovem. Ter um conhecimento e afinidade com a liberdade que os jovens
leitores descrevem sobre suas experiências de leitura e seus interesses e gostos
particulares para o ler. Para verificarmos a leitura enquanto um abandono íntimo, a
leitura enquanto fascinação, leituras provocativas, a leitura para aprender e todas as
situações que cumpram a proposta de formação intelectual dos jovens e das
crianças leitoras tem-se de pensar que tornar-se leitor é uma construção cumulativa
e uma conquista que se inicia nas primeiras leituras as quais, geralmente, passam
despercebidas no nosso cotidiano.
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181
ANEXOS
ANEXO 1
1. Dados
1.1 Nome:
1.2 Idade:
1.3 Sexo:
1.4 Natural de:
1.5 Endereço residencial:
1.6 Reside com:
1.7 Profissão dos pais/responsável(is):
1.8 Série:
1.9 Tempo que estuda na escola:
2. Contatos com meios de comunicação
2.1 Assiste TV: ( ) Todos os dias ( ) Às vezes ( ) Nunca
2.2 Programas preferidos: ( ) Novelas ( ) Esportes ( ) Pr. de auditório
( ) Noticiários ( ) Pr. Religiosos ( ) Filmes
( ) Outros
2.3 Ouve rádio: ( ) Todos os dias ( ) Às vezes ( ) Nunca
( ) Parte do dia
2.4 Lê jornal: ( ) Todos os dias ( ) Às vezes ( ) Nunca
( ) Semanalmente ( ) Raramente
2.5 Lê revistas: ( ) Às vezes ( ) Semanalmente ( ) Mensalmente
( ) Raramente ( ) Nunca
182
ANEXO 2
ENTREVISTAS
BLOCO A
1. Como e o que você lê? O que você procura nas suas leituras?
2. Você se considera um leitor de livros?
3. Como você descreveria suas leituras? Escolhidas ou ao acaso?
4. Na sua experiência de leitor, que tipos de leitura você ao seu redor
cotidianamente?
5. Como você descreveria a sensação quando você está diante de um livro ou de
uma nova leitura?
6. Já fez leituras ocultas? Como você descreveria tal situação para alguém?
7. Você faz leituras lúdicas? E as suas leituras escolares?
8. Quais leituras particulares você já fez?
BLOCO B
1. A leitura para você apresenta-se como atividade de recreação?
2. Você considera a leitura um ato de privacidade?
3. A leitura para você exerce fascínio?
4. Você acredita que leitura e poder estão relacionados? Como?
5. Na sua experiência de leitor você considera a leitura enquanto ato de subversão?
6. Para você, leitura tem alguma relação com encantamento?
BLOCO C
1. Faz leituras utilitárias? Quais?
2. O livro para você é um luxo supérfluo ou não?
3. Você se sente às vezes como um leitor leigo?
4. Os produtos fornecidos pela TV, cinema, rádio (meios de comunicação) foram
fontes para leitura?
5. O que você acha que necessita ler?
183
6. Quais são seus gostos pela leitura?
7. Na escola, que leituras você fez na área de literatura?
8. Como você chega ao tipo de livro que você gosta? Pela capa, pelo formato, pelo
resumo quando você abre o livro?
9. Se você fosse entrar agora numa livraria que tipo de livro você sairia de lá?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
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Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
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Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
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Baixar livros de Direitos humanos
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Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo