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elegemos três lugares onde essa discussão se fez presente, ou seja, o Judiciário, o
Parlamento e a imprensa do eixo Rio - São Paulo, representando, até o final da década
de 1880, uma ameaça constante ao rico patrimônio dos senhores fazendeiros.
Na arena jurídica, o registro mais antigo que encontramos sobre a aplicação do
art. 1º da lei de 7 de novembro de 1831, que garantia a liberdade a todos os escravos que
ingressaram no país após aquela data, está em Joaquim Nabuco (1997, p. 229), em obra
sobre a vida de seu pai, José Thomaz Nabuco de Araújo, um dos mais importantes
políticos do Império brasileiro, onde, no capítulo dedicado à sua atuação como Ministro
da Justiça, aparece uma orientação dada por ele em 22 de setembro de 1854 ao
Presidente da província de São Paulo, em resposta a uma consulta a respeito da validade
dessa nova maneira de usar a lei de 1831, aplicada por um juiz da cidade de Jundiaí.
Confidencial Exmo Sr., acuso nesta data o reservado
de V. Exª, n° 16, de 18 de julho, antecedentes sobre
o africano Bento, apreendido pela polícia de Jundiaí
como escravo fugido e reclamado por uma pessoa
que se diz seu senhor por título de compra, sendo
que o juiz de direito, na visita das prisões,
reconheceu ter sido ele introduzido depois da
cessação do tráfico e o enviou ao chefe de polícia
com interrogatório, exames, etc. Deploro com V.
Exª que o juiz de direito, por um rigor contrário
à utilidade pública e pensamento do governo,
levasse as coisas ao ponto a que chegaram. Louvo os
escrúpulos e hesitação do chefe da polícia e de V.
Exª na colisão que se dá entre a lei e a prescrição
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que o governo se impôs, com a aprovação geral
do país e por princípios de ordem pública e alta
política, anistiando esse passado cuja liquidação
fora difícil, cujo revolvimento fora uma crise. O
governo estabeleceu essa prescrição para si e seus
agentes e, até onde chega a sua ação, nada pode ele
em relação ao poder judiciário. O império das
circunstâncias o obriga, porém, a fazer alguma coisa
senão direta, ao menos indiretamente, a bem dos
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Segundo Joaquim Nabuco (1997, p. 249), essa prescrição foi apresentada ao Senado em 20 de setembro de
1853 pelo Marquês de Paraná, Conselheiro do Império, tranqüilizando os proprietários de africanos com uma
palavra de compromisso de não mexer em seu patrimônio: “Os pacíficos fazendeiros que têm escravos
anteriormente adquiridos [...], qualquer que tenha sido a maneira de compra, não devem esperar perseguição
alguma da parte do governo, porque este tem em consideração o estado do país e as desordens que poderia
suscitar uma inquirição imprudente sobre um passado em que há tão grande número de compreendidos”.