67
particulares recebidas de objetos particulares em gerais, obtendo isto por
observar que tais aparências surgem à mente inteiramente separadas de outras
existências e das circunstâncias da existência real, tais como o tempo, espaço
ou quaisquer outras idéias concomitantes. Denomina-se a isso abstração, e é
através dela que as idéias extraídas dos seres particulares tornam-se
representações gerais de uma mesma espécie e seus vários nomes aplicam-se a
qualquer coisa que exista em conformidade com essas idéias abstratas. São
estas, precisamente, aparências vazias da mente, sem se averiguar como, de
onde e se são apreendidas com outras, que o entendimento armazena (com
denominações gerais que lhes são anexadas), e servem de padrão para organizar
as existências reais em classes, desde que se conformem a esses padrões e
possam receber uma denominação adequada. Desse modo, sendo observada
hoje a mesma cor no giz ou na neve, cor que foi apreendida ontem, pela mente,
do leite, e levando apenas esta aparência em conta, o entendimento a transforma
no representativo de toda esta espécie, designada pela palavra brancura, cujo
som significa a mesma qualidade em qualquer parte que possa ser imaginada ou
encontrada, fazendo destes universais tanto idéias como termos.
134
É, então, através de atos de abstração que se formam as idéias gerais (ou abstratas) que
estão sempre ligadas a termos gerais. A capacidade de formar idéias abstratas é o que
diferencia o homem do animal.
135
O primeiro passo do procedimento abstrativo consiste
em separar a idéia de todas as outras, em especial das de tempo e de espaço, e de outras
que podem determiná-la a tal ou qual existência particular.
Berkeley faz duras críticas à teoria da abstração de Locke distinguindo dois aspectos: o
diagnóstico da impossibilidade da abstração, e o de sua ineficácia (é impossível abstrair
e, mesmo se fosse possível, não nos levaria a idéia geral).
136
Entretanto, essa crítica
berkeleyana só vale, no entender dos comentadores, se Locke for – como Berkeley –
imagista, se uma idéia for para ele, essencialmente, uma imagem. Por outro lado, se
idéia não for necessariamente imagem – se for um “modo de pensamento de tipo mais
refinado”, ou o resultado de uma “atenção seletiva”, ou se “imagem” for apenas um dos
sentidos de “idéia” – então a crítica berkeleyana não atinge a teoria da abstração. A tese
134
Ensaio, II, XI, 9. Cf. Ensaio, III, III, 6.
135
Cf. Ensaio, II, XI, 10.
136
Cf. Berkeley, George, Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano, 1973, pp. 13-18.