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Estados Ibéricos. Não se sabe, em concreto, se os lucros auferidos pela atividade ilegal de comércio,
eram registrados oficialmente quando entravam em Portugal. Tal fato poderia perfeitamente ocorrer,
na medida em que se ignorasse sua origem, ou fossem considerados como lucro comercial.
A tendência em manter o comércio com as praças castelhanas era fortemente
defendida pelos moradores brasileiros e lusitanos, das vizinhanças de Buenos Aires, incluindo
Sacramento e arredores. Percebe-se isso quando se busca dados a fim de verificar numericamente o
declínio do comércio pós 1640, e, em contrapartida, a necessidade de resgatar os lucros anteriormente
alcançados.
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A resistência oferecida pelo Estado espanhol não aparecia inicialmente, já que pelo
Tratado Provisional abria-se a oportunidade de continuar as atividades comerciais, não diretamente
por Buenos Aires, mas pelos assentados nas vizinhanças do porto espanhol. Havia ainda a intenção de
manter as trocas que ainda existiam antes de Sacramento. Questão já referida. Posteriormente, como
já foi ressaltado, o posicionamento do Estado espanhol em relação à continuidade das atividades
comerciais foi mudado, e, concretamente, revelou-se contra o comércio regular com os portugueses.
A questão aqui se apresenta de uma maneira já não mais oficial, o que exigiria uma
participação direta de ambos os Estados no comércio platino. Fora do âmbito oficial, as atividades
ilegais desenvolviam-se fortemente, a ponto de alarmar a Coroa espanhola, alertada pelos
representantes do governo em Buenos Aires.
Sacramento, dessa forma, mantinha-se como um entreposto de contrabando e
comércio irregular no Prata, entre negociantes portugueses e castelhanos. As atividades ilegais
tornaram-se tão poderosas, que acabaram por sangrar consideravelmente a produção de prata,
produzida por Potosi. O quanto desse minério foi desviado, possivelmente não foi registrado, mas,
certamente, beneficiou mais os portugueses do que os castelhanos, já que o ouro também servia para
pagar as transações comerciais.
Assim, durante o restante do século XVII, e a primeira metade do século XVIII, o
desvio ilegal da prata e as atividades comerciais lesivas ao Estado espanhol, mais do que ao Estado
português, continuaram equilibrando a necessidade política com a econômica, no que tratou da posse e
da importância da Colônia do Sacramento. Esse equilíbrio se manteve em contrapartida aos diversos
ataques que essa praça sofreu ao longo do tempo, já registrados anteriormente.
A Colônia do Sacramento, tornou-se, dessa maneira, em função de seu posicionamento
geográfico, uma fortaleza-entreposto, “... um ativo centro de contrabando, muito bem recebido, aliás,
pela burguesia nascente, na Metrópole como no Brasil”.
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Essa realidade, que concretizada,
convertia-se em fonte de renda considerável para os comerciantes portugueses, tanto coloniais quanto
metropolitanos, não beneficiava necessariamente, a nível monetário, a Coroa lusa. Os impostos e a
fiscalização eram burlados, tanto pelo fraco controle exercido pelo Estado, quanto, talvez, pelo volume
das transações, além da sua diversidade.
O Estado luso, nesse particular, não estava preparado, e devidamente aparelhado, para
impor, como exigia a situação, uma estrutura fiscal eficiente, que lhe garantisse plenamente os frutos
desse comércio, que por direito lhe pertencia. A realidade sulina apresentava-se muito além da
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Sérgio Buarque de Holanda ressalta a possibilidade, por parte dos portugueses, de retomar o comércio lucrativo, através
de Sacramento, sustado desde os tempos da Restauração, visando a prata do Potosi, via pacífica. Lembra o autor que a
diminuição do comércio se “refletiu no constante declínio das ofertas para arrematação dos dízimos na praça do Rio de
Janeiro, que de 110 e 155.000 cruzados a que tinham chegado antes de 1640, tinham caído para menos de 70.000 cruzados a
partir de 1665 [...] E é significativo que, para p triênio começado em 1680 [...], o contrato dos dízimos alcançou de súbito a
soma de 93.500 cruzados e, em 1686, chegou a 140.000. Na própria carta onde o governador Duarte Teixeira expõe a S.M.,
em 28 de julho de 1684, expõe os grandes obstáculos que se oferecem à conservação da Nova Colônia, uma das causas do
pessimismo está nisto que, apesar de optar para a lavoura e a criação de gados, senão as terras de São Gabriel, onde se acham
os portugueses, ao menos as de Maldonado, não via meios de iniciar-se por ali o trato e comércio com os de Buenos Aires,
que dizia ser o intento principal da fundação”. Ibidem, p.348.
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Op. cit. , p. 15.