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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
A legitimação da ordem autoritária: Gustavo Corção nas páginas do
Correio do Povo (1964 – 1969)
José Ramiro Alves da Silva
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História, como
requisito parcial e último para obtenção do
grau de Mestre em História, sob a
orientação do Professor Doutor Helder
Gordim da Silveira.
Porto Alegre, RS – Brasil
2004
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Gustavo Corção (17/12/1896 – 6/07/1978)
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Para minha
avó Maria (in memorian),
a quem devo muito, por ter me
possibilitado estudar.
Ramiro.
Agradecimentos
O presente trabalho de pesquisa tornou-se possível graças a colaboração de várias
pessoas, a quem gostaria de agradecer neste momento.
À
CAPES
, pela bolsa de estudos, sem a qual a pesquisa ficaria impraticável. Ao meu
orientador, professor Helder, pelo apoio no desenvolvimento do trabalho e também por ter
aceito a orientação mesmo já estando com vários orientandos.
Aos funcionários do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa pela atenção. Às
secretárias do PPGH, Carla e Alice, pela paciência.
À professora Berenice, pelo auxílio fundamental na construção do projeto de pesquisa.
Ao meu amigo Daison, pela colaboração na formação do corpus documental. À Bruna, colega
de longos anos, pelo incentivo. À Simone, pela ajuda ao longo de toda a pesquisa.
Sumário
Introdução............................................................................................................................. 8
1 Pensamento Católico no Brasil de 1930 a 1970 .......................................................... 13
1.1 .. Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra ...................................................................................15
1.2 .. A Juventude Universitária Católica e a Ação Popular ..............................................................22
1.3 .. Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima...........................................................................30
2 O Golpe Militar e a Igreja Católica............................................................................. 37
2.1 .. A deposição de João Goulart.....................................................................................................37
2.2 .. Conservadores, progressistas e as relações Igreja e governo militar........................................40
2.3 .. A Comissão Bipartite ................................................................................................................47
2.4 .. Gustavo Corção.........................................................................................................................51
3 Gustavo Corção: o comunismo e os comunistas.......................................................... 58
3.1 .. A Igreja e os meios de comunicação.........................................................................................58
3.2 .. Gustavo Corção e o anticomunismo..........................................................................................63
4 Gustavo Corção: a sua oposição aos padres progressistas .......................................... 85
4.1 .. A década de 1960: as Encíclicas e o surgimento da Teologia da Libertação............................85
4.2 .. As estratégias discursivas de Gustavo Corção para combater o progressismo na Igreja
brasileira.............................................................................................................................................87
Conclusão ......................................................................................................................... 109
Bibliografia....................................................................................................................... 113
Fontes de Consulta..................................................................................................................................... 113
Referências Bibliográficas......................................................................................................................... 117
Anexos .............................................................................................................................. 123
Anexo – 1 – “Os novos padres (II)”........................................................................................................... 124
Anexo – 2 – “Ainda os padres novos” ....................................................................................................... 126
Anexo – 3 – "Uma vitória democrática"......................................................................................................128
Resumo
Uma característica marcante do Brasil na década de 1960 foi o combate ao comunismo.
Neste sentido, procurou-se demonstrar o papel desenvolvido pelo intelectual católico Gustavo
Corção, membro influente do laicato nacional, como opositor do ideário comunista. Gustavo
Corção, por ser um católico conservador, não se mostrava favorável às mudanças,
principalmente quando diziam respeito à Igreja Católica. Nesta perspectiva, o presente
trabalho pretende apresentar as estratégias discursivas, utilizadas pelo intelectual, para
combater as reformas propostas para doutrina católica pelos adeptos da Teologia da
Libertação, movimento social severamente criticado por Corção.
8
Introdução
A idéia de se analisar os textos de Gustavo Corção, no Correio do Povo, surgiu como
conseqüência de um interesse anterior que se tinha em conhecer as ações desenvolvidas pelo
movimento social da Teologia da Libertação na resistência à ditadura militar, instaurada a
partir de 1964, no Brasil. Na busca de fontes para o trabalho com a Teologia da Libertação,
chegou-se ao intelectual Gustavo Corção, que no espaço de que dispunha no jornal gaúcho,
muitas vezes escrevia sobre o movimento social já referido.
Este trabalho pretende analisar, através de uma perspectiva histórica, o posicionamento
do intelectual católico Gustavo Corção em relação ao ideário comunista e à Teologia da
Libertação.
As fontes privilegiadas para o estudo foram as colaborações de Gustavo Corção para o
jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. O período delimitado para pesquisa foi entre os anos
de 1964 que marcou o início do governo dos militares no Brasil e 1968/69 ano em que
se consolidou a ditadura no Brasil, com a decretação do Ato Institucional n.5.
Neste período de consolidação do regime militar, a Igreja Católica brasileira esteve
dividida em relação ao seu posicionamento quanto ao governo instituído em 1964. Havia, no
contexto da Igreja, um segmento conservador, que, de certa forma, apoiou o movimento de
1964, pois acreditavam que este afastaria o perigo comunista do país. Do outro punha-se o
setor progressista, que criticava o governo dos militares por ter rompido com a continuidade
legal e por recorrer à violência contra seus opositores.
Estes dois segmentos divergiam também quanto à missão da Igreja Católica. Os
conservadores trabalhavam com a perspectiva de uma Igreja que deveria ter como objetivo
puramente questões espirituais, sem o envolvimento direto com questões políticas e
9
econômicas. os progressistas apresentavam uma nova proposta na forma de agir da Igreja
em relação aos pobres, inspirada na Doutrina social da Igreja, a partir do Concílio Vaticano II,
e pelo movimento social Teologia da Libertação, que defendia o envolvimento da instituição
na luta por reformas sociais.
Quanto à originalidade do tema, cabe destacar que, no levantamento bibliográfico
realizado, não foram encontrados números significativos de obras específicas de análise do
pensamento de Gustavo Corção,
1
principalmente no que se refere às análises de conjuntura
feitas pelo autor nos periódicos para os quais escrevia.
No período aqui em análise, era um intelectual consagrado nacionalmente, havendo
publicado várias obras, dentre elas A descoberta do Outro (1944) e Três Alqueires e uma
Vaca (1946). Além de escritor de renome nacional, Corção era membro de destaque no laicato
católico brasileiro, podendo ser identificado com a idéia proposta por Dom Sebastião Leme da
Silveira Cintra, nos anos de 1930. Para D.Leme, os intelectuais católicos deveriam difundir o
catolicismo, fossem eles membros do clero ou leigos. Ou seja, deveriam agir como católicos,
divulgando a doutrina para que a Igreja se fortalecesse enquanto instituição.
Na década de 1950, diante das conseqüências da Segunda Guerra Mundial, surge uma
nova proposta para a ão da Igreja. Difundir a doutrina e cumprir suas obrigações religiosas
no plano espiritual já não era o suficiente. Os católicos deveriam participar mais dos debates
relativos a problemas políticos e econômicos.
No Brasil, esta nova proposta para o catolicismo pode ser identificada na Juventude
Universitária Católica, que no final dos anos de 1950 passa a se envolver em ações no
plano temporal.
1
Deste levantamento, destaca-se o trabalho Christiane Jalles de Paula, Gustavo Corção e a proposta de justiça
social do conservadorismo católico: Três alqueires e uma vaca. Disponível em
www.cienciapolitica.org.br/encontro/teopol6.1.doc. Acesso em 11/10/2003.
10
A idéia de uma Igreja envolvida nas questões relacionadas à problemática social vai
encontrar resistência no setor conservador dos católicos. Gustavo Corção era um dos
representantes deste segmento, que exercia forte oposição às mudanças propostas para a
Igreja.
Tem-se como objetivo geral, identificar, nos textos de Gustavo Corção publicados no
Correio do Povo, entre 1964-69, os argumentos ou estratégias discursivas utilizadas pelo
intelectual, através dos quais construía o seu posicionamento em relação às temáticas do
comunismo e da Teologia da Libertação. Desta forma, acredita-se que a articulação destas
estratégias discursivas vão compor um discurso, potente e articulado, legitimador da nova
ordem instaurada a partir de 1964, na perspectiva do catolicismo conservador.
Buscar-se-á relacionar estes argumentos com o contexto político, econômico e social que
motivavam as polêmicas que Corção repercutia em seus textos. Cabe ainda ressaltar que não
se tem como objetivo analisar os textos de Gustavo Corção a partir de uma perspectiva
filosófica, sociológica ou teológica, tendo em vista que se pretende realizar um trabalho do
ponto de vista historiográfico, conforme já referido.
Para atingir o objetivo acima proposto, desenvolver-se-á, em bases bibliográficas, os
seguintes objetivos específicos: investigar fontes escritas sobre o pensamento católico no
Brasil, entre os anos de 1930 e 1970, buscando identificar os pontos de convergência e
divergência entre os intelectuais católicos de destaque e Gustavo Corção; descrever as
relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, a partir do golpe de 1964, a fim de
contextualizar o período sobre o qual o intelectual escrevia; apontar dados biográficos do
articulista, bem como os autores que influenciaram seu pensamento.
No plano metodológico, foram utilizadas algumas das linhas apontadas por Renée Barata
Zicman, dentro da perspectiva da Análise de Conteúdo, entendida como um “conjunto de
11
técnicas e instrumentos metodológicos capazes de efetuar a exploração objetiva de dados
informacionais ou ‘discursos’, fazendo aparecer no conteúdo das diversas categorias de
documentos escritos (...) alguns elementos particulares que possibilitam um certo tipo de
categorização.”
2
No entanto, deve-se destacar que a presente análise o utiliza o instrumental de natureza
quantitativa sugerido pela autora, fixando-se em linhas gerais nos aspectos qualitativos
daquele corpo teórico.
Do ponto de vista analítico, Corção pode ser caracterizado como um intelectual na
mesma perspectiva proposta por Luiz Alberto Gómez de Souza: “O intelectual não é pois
apenas o que traz idéias, o que ‘pensa’, mas o organizador, no sentido mais amplo.
Poderíamos aplicar isso à Igreja e dizer que o intelectual não é apenas o teólogo ou o
clérigo, mas todo o cristão que tem uma função na vida eclesial.”
3
Acredita-se que, para
Corção, a sua função na vida eclesial estava relacionada à defesa da Igreja tradicional, usando
para isto o espaço que lhe era cedido na imprensa escrita.
As informações e análises construídas ao longo da pesquisa foram articuladas, neste
trabalho, em quatro capítulos. No primeiro, sobre o pensamento católico brasileiro, buscou-se
identificar, na bibliografia relativa ao assunto, as idéias, ações e personalidades que se
destacaram no período de 1930 a 1970. No segundo capítulo, também em base bibliográfica,
pretendeu-se apresentar as relações Igreja Católica e Estado brasileiro, a partir de 1964.
Buscou-se, ainda, apontar dados biográficos do intelectual Gustavo Corção.
2
ZICMAN, Renée Barata. História através da Imprensa algumas considerações metodológicas. In: Projeto
História Revista do Programa de estudos pós-graduados em História e do Departamento de História da
PUCSP. São Paulo, n. 4, jun. 1985, p.95.
3
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. A JUC: Os estudantes católicos e a política. Petrópolis: Vozes, 1984, p.36.
12
Com relação ao terceiro capítulo, com base na fonte primária, pretendeu-se identificar,
nos textos de Corção no Correio do Povo, o posicionamento do referido articulista acerca do
comunismo, em termos nacionais e internacionais. No quarto e último capítulo, com base nas
mesmas fontes do terceiro, buscou-se apontar as classificações utilizadas por Gustavo Corção
para compor a sua visão sobre a Teologia da Libertação.
13
1 Pensamento Católico no Brasil de 1930 a 1970
Ao se estudar as relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro no final do século
XIX e início do XX, observa-se que os primeiros governantes do Brasil República não davam
à Igreja Católica a devida importância de uma instituição milenar e com um grande número de
fiéis, portanto, uma aliada de peso no momento em que o governo necessitasse de respaldo
popular para as decisões por ele tomadas. Este artificialismo com que era tratada a Igreja vai
sofrer alterações, a partir da década de 1930, com a subida ao poder do presidente Getúlio
Vargas, momento em que os católicos voltam a influenciar de maneira importante nas
questões mais relevantes da vida nacional.
O processo que resultou no reconhecimento, por parte do governo, da importância da
Igreja Católica desenvolveu-se a partir de várias ações desencadeadas por membros do clero e
do laicato católico conforme nos relata Odilão Moura:
“A ação coordenada, prudente e persistente dos bispos; a
ocupação de postos administrativos do governo por homens
católicos conscientes da sua fé; o prestigio que os intelectuais
católicos iam conseguindo nos meios culturais e políticos da
nação; a atividade dos leigos, orientada pela Ação Católica; a
autoridade moral dos Papas Pio XI e Pio XII concorreram em
muito para que o governo brasileiro mantivesse uma atitude de
respeito para com o catolicismo e para a introdução, em nossa
Pátria, de um regime de mútua independência e colaboração
harmoniosa entre Igreja e Estado.”
1
Este trabalho realizado em conjunto por diversos setores da Igreja Católica permitiu que
os católicos recuperassem um espaço que haviam perdido desde a Proclamação da República
em 1889. Conforme Beozzo: Para os católicos, com a vitória da Revolução de 1930, criou-
1
MOURA, Odilão. Idéias Católicas no Brasil: Direções do Pensamento Católico do Brasil no século XX. o
Paulo: Convívio, 1978, p.87.
14
se a grande ocasião, após 40 anos de ausência pública, de influenciar na reestruturação
jurídico- constitucional do país...”
2
Os católicos que estavam de volta a cena pública tiveram a possibilidade, no início da
década de 1930, de opinar sobre algumas alterações que sofreria a Constituição de 1891.
Dentre as solicitações de alteração na Constituição de 1891 uma que se destaca é a que trata
do ensino religioso nas escolas. Os católicos queriam que o ensino religioso fosse facultativo
nas instituições de ensino da rede pública, diferente do que previa a Constituição de l89l, que,
em seu artigo 72, parágrafo 60, prescrevia o ensino laico nas escolas públicas
3
.
O esforço das pessoas identificadas com a religião católica, com o objetivo claro de uma
retomada de poder por parte da Igreja, começava a apresentar resultados já em 1931,
conforme Moura: Pelo Decreto de 30 de abril de 1931 , que determinou fosse o ensino
religioso ministrado nas escolas públicas, a Igreja viu satisfeita a sua maior reivindicação,
pela qual lutara desde 1890”.
4
As solicitações dos católicos para que seus interesses fossem atendidos, depois da
ascensão de Vargas ao poder, eram feitas geralmente através de pressões junto aos ministros
de estado ou diretamente ao presidente da república. Porém os adeptos do catolicismo sendo
eles leigos ou membros do clero queriam ter uma participação mais efetiva nas decisões
políticas do país.
2
BEOZZO, Pe. José Oscar. Cristãos na universidade e na política: História da JUC e da AP. Petrópolis: Vozes,
1984, p.30.
3
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.30-31.
4
MOURA, Odilão. Op. cit., p.87.
15
1.1
Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra
Dentre as alternativas propostas para que os católicos pudessem influenciar de forma
mais incisiva na política brasileira, surgiu a da criação de um partido político. Porém, esta
sugestão foi recusada por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, líder da hierarquia católica
quando Getúlio Vargas subiu ao poder em 1930. D. Leme não queria a criação de um partido
católico, para ele o ideal seria que os católicos pudessem agir de forma indireta mas eficaz na
política nacional.
5
A partir de uma idéia de D. Leme foi criada a LEC (Liga Eleitoral Católica) organização
que, já nas eleições de 1933, deveria atuar na defesa dos interesses da Igreja junto aos
candidato. Na prática, a LEC deveria mostrar aos candidatos, possíveis eleitos, o que queriam
os católicos, pelo que deveriam trabalhar os políticos depois de eleitos para que fossem
atendidas as reivindicações da Igreja, sempre respeitando os princípios e práticas da moral
católica. Nesta perspectiva, afirma Odilão Moura:
“A Liga Eleitoral Católica foi o instrumento político usado
pela Igreja para fazer valer os seus direitos na política nacional.
Criada em 1933, esta instituição orientadora da ação política
dos católicos, ao mesmo tempo que evitava a fundação do
partido político católico desejada desde os inícios da
República por muitos leigos, mas sempre desaprovada pelos
bispos – permitia aos católicos votarem nos candidatos que
prometessem respeitar, no Congresso, os postulados da moral
social católica”.
6
D. Leme, como se observa, trabalhava para que a Igreja recuperasse o espaço e a
importância que teve em outros momentos da história. Conforme destaca Odilão Moura: ...
5
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.31
6
MOURA, Odilão. Op. cit., p.87-88.
16
sempre agiu com sabedoria nas coisas internas da Igreja, sempre se entregou em primeiro
lugar à promoção do apostolado e foi de extraordinária habilidade no trato com os políticos,
sendo por estes respeitado ...”.
7
Dom Leme era um homem que tinha bastante claro em seu pensamento quais eram os
problemas do catolicismo no Brasil e algumas idéias do que fazer para superá-los. Para o
arcebispo do Rio de Janeiro (1930), os católicos, apesar de serem maioria no Brasil, não eram
engajados, não trabalhavam para divulgar a católica. Conforme D. Leme: ‘Que maioria
católica é esta tão insensível quando leis, Governo, literatura, escolas, imprensa, indústria,
comércio e todas as demais funções da vida nacional se revelam contrárias ou alheias aos
princípios e práticas do catolicismo? É evidente, pois, que, apesar de sermos a maioria
absoluta do Brasil, não temos e não vivemos vida católica’.”
8
Esta falta de comprometimento com a prática católica preocupava D. Leme. Era preciso,
nesta perspectiva, não apenas rezar, mas, sim, rezar, trabalhar em obras sociais e
fundamentalmente pregar. Era extremamente necessário que se divulgasse a Doutrina
católica. Conforme destaca D. Leme: “‘...quem sabe falar, que fale, quem sabe escrever, que
escreva’.”
9
O arcebispo deixa muito claro o quanto era necessário para o futuro do
catolicismo, que os comprometidos com fé católica trabalhassem para que a Igreja o
perdesse espaço e nem fiéis para outras religiões.
D. Leme, em sua preocupação com o futuro do catolicismo, destacou a importância dos
intelectuais
10
no trabalho de difundir a doutrina católica. Conforme destaca Villaça:
7
MOURA, Odilão. Op. cit., p.114.
8
LEME, D. Sebastião apud VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975, p.83
9
LEME, D. Sebastião apud VILLAÇA, Antônio Carlos. Op. cit., p.85.
10
Conceito de intelectual católico conforme referido na introdução deste trabalho.
17
“Estimulou num lampejo extraordinário de gênio um pensamento católico. Pois compreendeu
admiravelmente o papel do intelectual como vanguarda do catolicismo.”
11
A posição de D. Leme em relação ao papel vanguardista dos intelectuais se mostrava
bastante interessante, pois acreditava que o espaço dispensado para o intelectual em jornais,
revistas, livros, debates, palestras não podia ser negligenciado. Assim, o contato destes
pensadores com a população se daria de vária formas, ampliando o espaço de divulgação para
além da missa. É inegável que a celebração religiosa eram um lugar e um momento
importante para divulgação da Doutrina católica, porém o número de pessoas atingidas pelas
palavras doutrinárias não seria tão grande quanto aquele potencialmente atingido pela
imprensa. A visibilidade que ganharia a Igreja católica em suas ações e posições seria bem
maior se fossem utilizados como divulgadores das mesmas os intelectuais comprometidos
com a fé católica.
Quando se escreve sobre o pensamento católico, a partir da década de 1930, no Brasil,
não se pode deixar de mencionar as instituições que foram criadas e o papel destacado que
teve D. Leme para que tivessem os católicos, leigos ou não, locais onde pudessem pensar,
debater e escrever visando o engrandecimento da instituição Igreja e do catolicismo. Neste
sentido, refere Odilão Moura:
A contribuição de D. Leme para a promoção do
pensamento católico foi inigualável, conseguindo um
florescimento da inteligência católica no Brasil, jamais
alcançado. Incentivou os retiros e páscoas de intelectuais;
instituiu a Ação Universitária Católica, da qual saíram os
futuros líderes do laicato e tantos jovens que ingressaram nas
ordens religiosas (...) em 1921 aprovou a fundação do centro
Dom Vital, que estendeu o seu apostolado intelectual por todo o
Brasil; prestigiou sempre a imprensa católica....” .
12
11
VILLAÇA, Antônio Carlos. Ibid., p.84.
12
MOURA, Odilão. Op. cit., p.115.
18
Fundado em 1922, o Centro Dom Vital tinha como finalidade última trazer de volta para
o meio católico a intelectualidade brasileira.
13
Na prática, aqueles intelectuais identificados
com o catolicismo permaneciam católicos; a questão é, como já havia observado D. Leme,
que estes intelectuais precisavam contribuir mais para a divulgação da Doutrina católica.
O Centro Dom Vital tornou-se então um local importante para as reuniões do laicato
nacional. Neste sentido, afirma Thomas C. Bruneau:
O Centro atraiu bom número das mais brilhantes luzes
intelectuais do Brasil nesse período. (...) O grupo em torno
Centro nunca foi muito numeroso, mas seus membros eram
pensadores de primeira ordem, e se expandiu para outras
cidades como São Paulo, Salvador e Recife. (...) Por causa da
atividade e à volta do Centro, a Igreja ganhou muito prestígio e
alguma influência entre a elite intelectual do Brasil.”
14
Ainda sobre o Centro Dom Vital e a sua importância, afirma Bruneau: O Centro Dom
Vital foi o centro do ‘Reflorescimento Católico’ das décadas de 20 e 30, (...) e estimulou
vocações para as ordens mais progressistas, tais como os Dominicanos e os Beneditinos. O
Centro foi o foco do despertar do interesse brasileiro pelo catolicismo social (...) .”
15
A partir do Centro Dom Vital e de D. Leme, surgiram novos organismos do movimento
leigo no Brasil. Fundada em 1929 a AUC (Ação Universitária Católica), era uma organização
que tinha como um dos seus objetivos reunir estudantes universitários, para que pudessem
conhecer melhor a doutrina da Igreja. Segundo Luiz Alberto Gómez de Souza: “A tarefa
primordial da AUC era o estudo da religião, da filosofia e da teologia.”
16
Mas não bastava
13
MOURA, Odilão. Op. cit., p. 119
14
BRUNEAU, Thomás C. Catolicismo brasileiro em época de transição. São Paulo: Loyola, 1974, p.88.
15
Ibid., p.89.
16
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. A JUC: Os estudantes católicos e a política. Petrópolis: Vozes, 1984, p.93.
19
apenas conhecer a Doutrina católica, era necessário conhecê-la, transmiti-la e combater
aqueles que se manifestassem contrários à ela.
Nesta direção, afirma Beozzo: “... uma palavra de ordem dos militantes da época, nos dá
uma indicação sobre o clima de luta e de choque de idéias: ‘Pau e Reza.’ Rezar e combater
definiam um pouco a luta destes primeiros estudantes que se declaravam abertamente
católicos.”
17
Ainda dentro da lógica de criação de locais para a formação de católicos
comprometidos com o trabalho de difusão da doutrina, foi fundado em 1932 o Instituto
Católico de Estudos Superiores, primeiro ensaio para a Universidade Católica. O Instituto foi
inaugurado em sessão solene presidida pelo núncio apostólico, estando presentes D. Leme e o
ministro da educação.
A criação de organismos como a AUC, o Centro Dom Vital e o Instituto Católico de
Estudos Superiores preenche, ao menos em parte, uma lacuna que foi identificada por D.
Leme como sendo um dos problemas enfrentados pelo catolicismo no século XX: a falta de
comprometimento da elite intelectual com as questões que envolviam a Igreja. Segundo
Gómez de Souza: “... para o cumprimento do programa de D. Leme de reaproximar as ‘elites’
do cristianismo tinha a AUC aí um papel muito importante.”
18
Nos locais criados por D. Leme, as discussões e debates entre os intelectuais católicos
giravam em torno de três pontos fundamentais: as Encíclicas Papais, as ideologias políticas e
as escolas filosóficas. As correntes do pensamento católico se organizavam com base nestes
três aspectos, em torno dos quais a intelectualidade católica brasileira formava suas posições e
passava a defende-las e difundi-las através dos meios que cada um tinha à sua disposição.
17
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p. 25.
18
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. Op. cit., p.94.
20
Com relação à influência dos Papas na construção do pensamento católico brasileiro,
desde a década de 1920, destaca-se o trabalho de Pio XI, pela forte influência que este Papa
teve nas ações de D. Leme e de parte do episcopado brasileiro da época, conforme afirma
Odilão Moura:
“É de se notar que D. Leme e todo o episcopado brasileiro
pautaram a sua ação pastoral pelos normas de Pio XI. A
influência da doutrina deste Papa neste período da história do
nosso pensamento católico foi profunda e decisiva para
caracterização do mesmo: estudo mais acurado da doutrina
católica sob a diretriz de S. Tomás, prevalência dos temas
sociais e informação das estruturas sociais pelo espírito cristão
como resultado do apostolado da Ação Católica.”
19
Se as idéias de Pio XI contribuíram de forma substancial para formação de uma
corrente de pensamento católico, nos anos 20, deve-se destacar o trabalho dos Papas Pio XII,
João XXIII e Paulo VI nas décadas seguintes, principalmente no que diz respeito as mudanças
sociais. As Encíclicas destes Papas foram bastante significativas nesta área, sobretudo as de
João XXIII:
“As duas Encíclicas sociais que escreveu são de grande
importância para a constituição da doutrina social da Igreja:
Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963). Esta ultima,
que se diz haver sido esboçada por Pio XII e aproveitada por
João XXIII é, indiscutivelmente, a formulação mais completa e
mais aprimorada dos princípios fundamentais da doutrina social
católica.”
20
As idéias defendidas pelos papas em suas encíclicas também eram destacadas nos debates
de cunho político ideológico que preponderavam no cenário europeu na década de 1930.
19
MOURA, Odilão. Op. cit., p.93.
20
Ibid., p. 95.
21
Influenciados pelo contexto europeu, -se também, no Brasil, o confronto de doutrinas
ideológicas. No centro dos debates da intelectualidade católica brasileira estavam o
comunismo e o integralismo.
21
Havia, por parte do meio católico, uma grande rejeição ao
comunismo, porém, em relação as idéias integralistas, não se pode dizer o mesmo. Nesta
perspectiva, afirma Odilão Moura:
“Se as católicos estavam concordes na rejeição ao
comunismo o mesmo não se deu com relação ao integralismo.
Quanto ao julgamento deste, alguns católicos o condenaram
apaixonadamente, outros o viam com simpatia e um grande
número de católicos ingressou nas suas fileiras. Dos
integralistas, a quase unanimidade era constituída de católicos.
Se não era um movimento católico, era um movimento de
católicos.”
22
Os ideais da Ação Integralista Brasileira (AIB) vieram preencher uma lacuna para aqueles
católicos que buscavam influenciar, de alguma forma, nas questões sócio-políticas do Brasil.
Nota-se que, muitos deles, queriam envolver-se nas lutas sociais, mas, para não serem
associados aos comunistas, afastavam-se dos debates. Dentro deste contexto, a AIB surge
como grande possibilidade para muitos intelectuais de envolverem-se nas discussões políticas
e sociais e, ao mesmo tempo, combater os comunistas.
No campo filosófico, as idéias do pensador francês Jacques Maritain, que destacavam a
importância do respeito a pessoa humana e a possibilidade de uma sociedade liberal e
democrática inspirada no cristianismo, foram as que provocaram os maiores debates no meio
intelectual católico e contribuíram para que se construíssem linhas de pensamento favoráveis
ou contrárias ao maritanismo. Conforme Moura:
21
Ibid., p.97.
22
Ibid., p.98.
22
“As idéias filosóficas de Jacques Maritain, quando caíram, na
década de trinta, em nossa efervescente terra tropical,
certamente provocariam polêmicas. Os brasileiros, pouco
adestrados às serenas e impessoais cogitações metafísicas, iriam
receber as teses do preclaro filósofo com o mesmo ardoroso
entusiasmo de adesão ou rejeição incondicionais com que
costumavam acolher os candidatos às eleições e os resultados
dos torneios esportivos.”
23
Jacques Maritain divulgou com eficiência as idéias de S. Tomás de Aquino, ressaltou a
importância do tomismo ao compará-lo com as doutrinas dos principais filósofos modernos.
24
Grande parte das críticas ao pensamento de Maritain estavam concentradas no liberalismo
e no naturalismo de suas idéias que, segundo os contrários ao pensamento maritanista,
estariam em oposição à doutrina católica.
1.2
A Juventude Universitária Católica e a Ação Popular
Em 1935, é fundada a Ação Católica Brasileira, que concentraria em seu núcleo todos os
grupos criados anteriormente, com o objetivo de organizar o que se poderia chamar de uma
intelectualidade católica. Conforme Oscar Beozzo: “Todas estas diferentes iniciativas
encontrarão um alma comum e uma inspiração nova com a fundação da Ação Católica
Brasileira, em 1935.”
25
O ano de 1935 marca o surgimento dos primeiros Estatutos Gerais da Ação Católica
Brasileira”, que foram promulgados de forma oficial em 9 de julho de 1935. Este caráter
oficial e nacional que foi dado à Ação Católica se fez necessário, pois as diversas atividades
23
Ibid., p.107.
24
Ibid., p. 106.
23
da organização poderiam se dispersar e também porque esse trabalho necessitava ser
centralizado para que ele se desenvolvesse em sintonia no país como um todo. Conforme nos
relata Beozzo: As numerosas experiências de Ação Católica em todo o Brasil corriam o
perigo da dispersão e exigiam uma coordenação de âmbito nacional.”
26
Inicialmente, a Ação Católica brasileira seguia o modelo italiano, que a dividia em quatro
setores fundamentais: Homens da Ação Católica, Liga Feminina da Ação Católica, Juventude
Católica Brasileira (Masculina) e Juventude Feminina Católica.
27
Com relação à juventude, é importante salientar nos estatutos a possibilidade que se abre
para a criação de setores especializados, dentre os mais importantes destacam-se: a JEC, para
os estudantes secundaristas, a JUC para os estudantes do ensino superior e a JOC para a
juventude trabalhadora.
28
No período anterior, que se inicia na cada de 1920, o organismo
criado para que os universitários pudessem debater as questões relacionadas a Igreja era a
AUC que, em 1935, é rebatizada com o nome de JUC.
29
A JUC em seus primórdios, nas cadas de 20 e 30, surgia como um movimento que
tinha como objetivo fundamental a formação de seus militantes para que estes conhecessem e
difundissem a doutrina católica, seguindo a linha dos organismos anteriormente fundados por
D. Leme com este mesmo objetivo.
30
O trabalho inicialmente desenvolvido pela JUC sofrerá alterações a partir de 1950,
quando esta é reconhecida oficialmente como grupo especializado de Ação Católica. A
25
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p. 29.
26
Idem.
27
Ibid, p.30
28
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. Op. cit., p.95.
29
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.35.
30
SIGRIST, José Luiz. A JUC no Brasil: Evolução e impasse de uma ideologia. São Paulo: Cortez ; Piracicaba:
Universidade Metodista de Piracicaba, 1982, p.27.
24
questão chave para esta mudança nas estratégias de ação da JUC esta situada na problemática
social, que passou a ser repensada com o final da Segunda Guerra Mundial.
O continente Latino Americano passou, no início dos anos 50, pelo processo de
industrialização sob impulso dos capitais multinacionais e também pelo esgotamento do
projeto populista. De acordo com Padrós, a possibilidade de manutenção de um
desenvolvimento industrial sustentado por uma conjuntura favorável e um forte nacionalismo,
exauriu-se com as novas tendências internacionais de abertura das economias e a forte
retomada pelos Estados Unidos de sua hegemonia regional. A dificuldade de financiar a
necessária modernização da base industrial, consolidada durante a Segunda Guerra Mundial,
mas ameaçada frente ao avanço tecnológico do pós-guerra, enfraqueceu o projeto nacional,
abrindo espaço para frações burguesas cada vez mais próximas do esquema associativo
subordinado ao capital estrangeiro. Essa modernização se deu às custas de dependência
econômica, subdesenvolvimento, contradições sociais, êxodo rural e conseqüente
desenvolvimento das cidades.
31
Dentro deste contexto, abriu-se, na América Latina, contrário ao aumento da exploração,
um espaço de luta e contestação que teve como marco a Revolução Cubana de 1959. Esta
Revolução caracterizou-se pela intensificação das lutas sociais, a aparição dos movimentos de
guerrilha, a sucessão de Golpes de Estado e a crise de legitimidade do sistema político,
servindo de exemplo aos movimentos populares dos outros países da América Latina.
E seesta realidade de mudança social, de luta contra a exploração que a JUC passará a
ter como bandeira de sua luta no final dos anos 50 e durante boa parte da década de 60.
31
PADRÓS, Enrique Serra. Ditaduras Militares e Neoliberalismo: Relações Explícitas nos Descaminhos da
América Latina. In: Ciências e Letras, Porto Alegre, FAPA, n. 16, março 1996, p.70.
25
sob influência das idéias progressistas da chamada Teologia da Libertação, a JUC
desenvolvia ações para conscientizar e instrumentalizar as pessoas na busca da transformação
e a superação da situação de opressão a que estavam expostos. Conforme Bruneau: A nova
finalidade do movimento era a de humanizar antes de tentar evangelizar: promover a mudança
estrutural de modo a tornar possível e realista a evangelização. A nova identidade era
inseparável da ação e em algumas ocasiões invadia a esfera temporal da política.”
32
A JUC, em sua perspectiva, identificou na ordem sócio-econômica capitalista a causa da
opressão e da situação de miséria que vivia grande parte da população do Brasil. Conforme
observamos em Michael Löwy:
“Os estudantes católicos reivindicam a ‘substituição da
economia anárquica, baseada no lucro, por uma economia
organizada de acordo com princípios humanos’- um objetivo
que, na prática, exigiria a nacionalização dos setores
produtivos básicos’.(...) Tentando formular ‘uma ideologia
essencialmente anticapitalista e antiimperialista’ e em busca de
‘uma estrutura social mais justa e mais humana’, eles pedem um
‘verdadeiro compromisso com as classes exploradas, em uma
verdadeira negação da estrutura capitalista’”.
33
Para autores como Löwy, houve uma radicalização da JUC e uma aproximação desta
com idéias de esquerda e socialistas.
34
Esta aproximação da JUC com as idéias socialistas
acarretou uma série de problemas para o movimento, porque no período vivia-se no Brasil um
contexto de ditadura militar.
Em 1964 uma coalizão civil-militar assume o poder no Brasil, através de um golpe de
Estado contra o então presidente João Goulart, com a perspectiva de promover o
desenvolvimento. Segundo Theotônio dos Santos, “... as Forças Armadas acreditavam, na sua
32
BRUNEAU, Thomás C. Catolicismo brasileiro em época de transição. São Paulo: Loyola, 1974, p.184.
33
LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000, p.137.
34
Ibid, p.136.
26
maioria, que a sua missão era a de por a casa em ordem para fazer voltar o país, em seguida, a
um caminho legal, restabelecendo o poder civil sob uma forte proteção militar.”
35
Reordenar significava, sobretudo, lutar contra a “subversão” que, para o Governo
Militar, tinha origem “... na incapacidade dos ‘políticos profissionais’ de administrarem
corretamente e realizarem as reformas que permitissem o desenvolvimento, eram eles
[militares] os mais preparados ideológica e administrativamente para encaminhar a nação na
direção da disciplina e do moral coletivo, capaz de retirá-la da ‘lama’ em que se afogava.”
36
O envolvimento da JUC com questões ligadas a política e a economia (idéias
esquerdistas e socialistas) não preocupava apenas os militares, mas, principalmente, a
hierarquia da Igreja Católica no Brasil, que defendia a idéia de que um movimento de Ação
Católica deveria ter como objetivo fundamental a evangelização e não devendo, portanto,
envolver-se em ações que visassem à reforma de estruturas na sociedade brasileira. Segundo
Beozzo:
“O Secretário da CNBB para o Apostolado Leigo, no
desejo de reorganizar a Ação Católica em base mais regional,
provoca uma reunião no Rio, em junho de 1966. Profundo
desacordo sobre o problema da evangelização. Segundo Dom
Vicente Scherer ‘a Ação Católica é um movimento para a
promoção de apóstolos e para cristianizar as almas levar as
almas a Deus e Deus às almas. Para isso não é preciso agir
sobre as estruturas. Obter reformas de estruturas não é a
finalidade, nem da Igreja, nem da Ação Católica. Os que não
pensassem assim, estariam convidados a escolher um outro
movimento. A Ação Católica devia permanecer fiel a seus
dirigentes’”.
37
35
SANTOS, Theotônio dos. Evolução histórica do Brasil: Da colônia à crise da “Nova República”. Petrópolis:
Vozes, 1995, p.97.
36
Ibid., p.124.
37
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.102.
27
As divergências entre a JUC e a hierarquia da Igreja permanecem; os jucistas,
convictos de suas posições; optam por não fazerem mais parte da Ação Católica. Conforme
Beozzo: Após esta reunião, em seu XIV Conselho Nacional, a JUC decide permanecer fiel à
sua tradição e, neste sentido, tornar-se um outro Movimento, cessando de ser, de fato, um
movimento de Ação Católica.”
38
A JUC pelas posições que passa a adotar no final dos anos cinqüenta, colocando-se
contra o capitalismo, passou a ser considerada, por muitos segmentos da sociedade brasileira,
um movimento de esquerda com idéias comunistas, sofrendo com isto a repressão típica do
contexto. Neste sentido, observa Beozzo: “... outros setores da opinião pública tomaram
também posição contra a JUC. De um dia para o outro, inimigos patentes da Igreja tornaram-
se defensores obstinados de sua ortodoxia em sua luta aberta contra a JUC, pressionando
bispos em nome dos textos das Encíclicas e exigindo a condenação da ‘ala comunista’ da
Igreja. O jornal liberal O Estado de São Paulo arvorou-se em um dos campeões da campanha
contra a JUC.
39
Observa-se que, a JUC, ao lutar por mudanças nas estruturas, criticando o capitalismo
e os setores econômicos e políticos que comandavam o país, colocava-se totalmente contra
aquilo que propunham os militares. Conforme Löwy: “Em Abril de 1964, os militares
tomaram o poder, a fim de ‘salvar a civilização ocidental cristã’ do ‘comunismo ateísta’, isto
é, para defender a oligarquia dominante, (...)”
40
Esta oposição da JUC ao governo militar ocasionou, logo que o regime foi instaurado,
a perseguição e a prisão de militantes da JUC e de outros movimentos da Igreja.
41
38
Idem.
39
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p. 92.
40
LÖWY, Michael. Op. cit., p.140.
41
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.49.
28
Acredita-se que a união de dois fatores, as divergências de opinião com a hierarquia da
Igreja e o contexto do golpe militar de 64 foram fatores determinantes para o enfraquecimento
e posterior desaparecimento do movimento JUC.
A nova postura frente as questões sociais adotada pela JUC no final dos anos 50 e
durante a década de 60 desagradou, como foi visto anteriormente, a hierarquia da Igreja.
Frente a esta problemática, muitos militantes da JUC, convictos de estarem no caminho
correto ao optarem pela luta por mudanças sociais e também para terem um maior grau de
independência em relação a cúpula da Igreja, fundam em 1962 a Ação Popular (AP).
Conforme Bruneau: Para escapar ao mandato da hierarquia sobre a Ação Católica, e
estabelecer a sua própria identidade e seus objetivos independentes dela, muitos militantes
jucistas fundaram, em 1962, a Ação Popular, ou AP.”
42
A Ação Popular, organização composta de intelectuais e estudantes, muitos deles
católicos, trabalhava no sentido de instruir a população para a luta por condições de vida mais
digna. Nas atividades organizadas pelo movimento, a importância do evangelho e da palavra
de Cristo sempre eram destacados, porém, era enfatizada a idéia de que somente a oração não
libertaria da situação de opressão. Conforme Beozzo: (...) se trata de intelectuais ou de
estudantes que entraram numa fase de grande abertura para os problemas da sociedade,
intelectuais e estudantes que não se contentavam mais com a contemplação ou com o estudo
científico e desinteressado dessa mesma realidade, mas que se encontravam, em sua maioria,
engajados numa ação social, política ou educacional.”
43
Uma característica marcante da Ação Popular era o seu caráter revolucionário e a sua
ênfase na “ação”. Entendiam os militantes da AP que estudar e planejar eram elementos
42
BRUNEAU, Thomás C. Op. cit., p.186-187.
43
BEOZZO, Pe. José Oscar. Op. cit., p.105.
29
importantes de seu trabalho, entretanto não eram suficientes: seria preciso agir para que as
mudanças sociais acontecessem. Conforme destaca Beozzo: Tratava-se sobretudo de reunir
as forças, as diferentes experiências, para programar um trabalho concreto e passar, então,
imediatamente à ação.”
44
Com relação a idéia de revolução da AP destaca, Bruneau: “A AP não foi fundada
como um partido político, mas como um movimento de vanguarda composto de
trabalhadores, camponeses e estudantes, que procuravam se preparar para a revolução através
de um processo de mobilização geral.”
45
O posicionamento adotado pela JUC no final dos anos 50 e pela Ação Popular,
quando da sua criação em 1962, apontam para uma significativa mudança de perspectiva
dentro de um segmento do contexto católico brasileiro. Intelectuais, religiosos ou leigos,
ligados a esta ala da Igreja no Brasil, faziam parte do que Michael Löwy denominou de a
esquerda cristã brasileira:
“Usando vários componentes da cultura progressista
francesa, a Esquerda Cristã Brasileira- isto é, os vários ramos da
Ação Católica (JEC,JUC,JOC) os dominicanos, alguns jesuítas
e alguns intelectuais católicos- a partir dos primeiros anos da
década de 60 começam a criar uma forma de pensamento e
prática religiosos radicalmente novos.”
46
A novidade a que se refere Löwy diz respeito à forma como passa a ser encarada e
tratada a pobreza e os pobres no Brasil. Para esta segmento do catolicismo brasileiro os
pobres não deveriam ser mais tratados como mendigos. A missão da Igreja não deveria se
reduzir simplesmente a dar esmolas para os pobres. Conforme Bruneau: Esmola serve para
44
Ibid., p.116
45
BRUNEAU, Thomás C. Op. cit., p.187.
46
LÖWY, Michael. Op. cit., p.138.
30
manter vivos os pobres e confortá-los na hora da morte, mas não deve ser confundida com
justiça social e mudança social.”
47
A conquista de mudanças sociais, será alcançada na
medida em que os pobres tenham claro para si os motivos que os coloca na situação de
pobreza e, cientes disto, possam eles através do seu esforço conquistarem a sua libertação.
Conforme Löwy: “Mas é preciso acrescentar imediatamente que, para a nova teologia, esses
pobres são os agentes de sua própria libertação e o sujeito de sua própria história e o
simplesmente como na doutrina social da Igreja, objeto de atenção caridosa.”
48
1.3
Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima
No contexto da Igreja brasileira, D. Helder Câmara se destacava por adotar esta nova
maneira de lidar com as questões relacionadas à pobreza. Dom Helder estava entre aqueles
religiosos que acreditavam que os pobres deveriam ser os agentes de sua libertação. Embora
D. Helder creditasse aos pobres o trabalho efetivo na sua luta por melhores condições de vida,
ele sempre destacou a responsabilidade da Igreja na construção da sociedade que,
historicamente, excluiu os pobres. Conforme ele mesmo afirma:
“Desde o momento de sua descoberta, a sociedade latino-
americana cresceu e desenvolveu-se sob o influxo da Igreja. Sua
estrutura social, econômica, política e cultural foi plasmada
dentro dos moldes da cristandade ibérica. As lutas da
independência não provocaram mudanças estruturais nesta
situação. Pela primeira vez, estamos vivendo os prelúdios de
transformações substanciais. A Igreja está indissoluvelmente
ligada a todo esse passado histórico em seus valores, suas
autênticas conquistas e seus momentos de apogeu, mas também
com seus fracassos, seus contra - valores e aberrações.”
49
47
BRUNEAU, Thomás C. Op. cit., p.141.
31
Ao salientar a participação da Igreja Católica na construção da sociedade excludente,
D. Helder destaca também o compromisso que ela tem para que as mudanças e a justiça
social se efetivem:
Mas é chamada também a denunciar o pecado coletivo, as
estruturas injustas e estagnadas, não apenas como alguém que
julga de fora, mas como alguém que reconhece sua parcela de
responsabilidade e culpa. Deve ter ela coragem de solidarizar-se
com este passado, e sentir-se assim mais responsável pelo
presente e pelo futuro.”
50
Ciente de sua responsabilidade e compromisso com as mudanças, D. Helder
desenvolve ações efetivas em várias frentes de trabalho. Conforme Elio Gaspari: “Desde os
anos cinqüenta confundia-se com uma Igreja de alcance popular cujos contornos pioneiros
demarcava. Erguera no Leblon um conjunto habitacional para favelados.(...). Patrocinou
congressos de favelados, montou uma central de abastecimento de gêneros alimentícios e
fundou um banco destinado a atender os pobres. (...) reorganizou a Ação Católica Brasileira e
trabalhou junto a Roma para a criação da CNBB.”
51
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, é fundada em 1952 por D. Helder
com dois objetivos fundamentais: nunca houvera uma coordenação da Igreja, além da que
podia ser efetuada por uma personalidade forte como a de D. Leme, e a necessidade dessa
coordenação se tornara urgente com a rápida expansão das dioceses, ocorrida em princípios
da década de 50; e achava ele que uma organização nacional como a CNBB animaria a
instituição toda a engajar-se de forma ativa na promoção da mudança social.
52
48
LÖWY, Michael. Op. cit., p.59-60.
49
CÂMARA, Helder. Revolução dentro da Paz. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968, p.31-32.
50
Ibid., p.31-32
51
GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p.245-247.
52
BRUNEAU, Thomás C. Op. cit., p.196.
32
Apesar de D. Helder e do Cardeal Leme terem desenvolvido importantes trabalhos em
favor do catolicismo, os religiosos se diferenciavam no direcionamento que davam para suas
ações. O trabalho de D. Leme estava focalizado na questão da intelectualidade católica, na
criação de organismos onde se pudessem formar intelectuais que atuariam em várias frentes,
cujo objetivo central seria difundir a doutrina católica e aumentar a zonas de influência da
Igreja. Por outro lado, D. Helder desenvolvia seu trabalho junto aos fiéis, sua frente de
trabalho eram as próprias comunidades, geralmente mais pobres, onde além de evangelizar,
trabalhava na conscientização pela luta por uma vida mais digna.
Ao estudarmos o pensamento católico no Brasil, a partir da década de trinta, percebeu-se
que foram muitas as pessoas que se projetaram na defesa do catolicismo e nas posições
adotadas pela Igreja católica. Na impossibilidade de dar destaque a todas, optou-se por
mencionar as que maior influência tiveram.
Dentro do laicato católico, optou-se por destacar, mesmo que de forma breve, as idéias do
intelectual católico Alceu Amoroso Lima. Devemos salientar que a brevidade com que
abordaremos o pensamento do intelectual justifica-se na medida que nesta etapa do trabalho a
idéia fundamental é apontar apenas os pontos de maior destaque no seu pensamento nas
questões que envolviam a Igreja católica.
Os argumentos que basearam a nossa opção por este intelectual levaram em conta os
seguintes aspectos: as posições distintas adotadas por Alceu Amoroso Lima em seus trabalhos
em comparação face as diversas questões políticas e sociais, em nível mundial e nacional,
que envolveram a Igreja Católica no período — com as idéias do intelectual católico Gustavo
Corção, que seo objeto central de análise deste trabalho e que como tal será estudado de
forma mais detalhada.
33
Alceu Amoroso Lima, também conhecido como Trístão de Athayde, pseudônimo que
utilizava na assinatura de alguns artigos de jornais, converteu-se ao catolicismo em 1928, ano
que marcou também uma nova fase em sua vida literária, quando em seus textos as questões
relacionadas com a Igreja passaram a receber destaque.
na obra de Amoroso Lima alguns temas sociais constantes, onde ele relaciona o
cristianismo, com história, com democracia, com apostolado, humanismo, tomando sempre
posição frente aos problemas de seu tempo. “Foi o intérprete do mundo moderno. Um espírito
universal, clássico, harmonioso, católico, duplamente, a um tempo lógico e lírico, desejo de
tudo compreender e anotar.”
53
Segundo Villaça, Amoroso Lima “... ambicionava renovar a nossa atmosfera cultural,
impregnada de naturalismo, de relativismo, de cientificismo. Todos os grandes livros que
publicou, nessa fase posterior a 1929, testemunham a mesma preocupação: ‘Precisamos voltar
ao sentido religioso da vida.’ A uma visão sacral da vida e do homem.”
54
Amoroso Lima propunha sempre o humanismo cristão, ou seja:
a defesa da pessoa, a primazia da inteligência e da
contemplação, o amor da liberdade, a promoção da justiça e da
mulher, a ascensão do proletariado, o fim do colonialismo, a
primazia do trabalho, a sociedade a serviço do homem, a
imprevisibilidade da história (como liberdade), a importância da
Ásia e da África, a não-identificação do cristianismo com as
civilizações transitórias, a paz como um valor a ser defendido
por todos os homens.”
55
Como se observa, Alceu Amoroso Lima era um católico que não tomava partidos,
sendo contrário aos totalitarismos, tanto de esquerda quanto de direita. Trabalhava para que a
53
VILLAÇA, Antônio Carlos. Op. cit., p.122.
54
Ibid., p.110.
55
Ibid., p. 122.
34
Igreja e os católicos buscassem sempre a justiça social, o que fez, por muitas vezes, com que
fosse identificado como homem de esquerda.
Alceu Amoroso Lima não se considerava um homem nem de esquerda e tampouco de
direita. Justificava seu posicionamento em prol da justiça social por entender que só esta
evitaria que o comunismo internacional chegasse ao Brasil:
“... os povos subdesenvolvidos precisam urgentemente de um
amparo material, para que a miséria não continue a ser o campo
ideal da proliferação do imperialismo comunista. Mas esse
apoio econômico será perfeitamente inútil e até utilizado para
facilitar a expansão do totalitarismo marxista se não for
acompanhado diretamente por uma mudança de mentalidade e
por uma efetiva transformação das estruturas sociais.”
56
Alceu Amoroso Lima adotava posições que ele julgava eficazes no combate ao
imperialismo comunista e eram estas idéias, justamente, que o tornava um homem
identificado, por muitos, com a esquerda. Um tema destacado pelo intelectual em seus textos
é o que trata do isolacionismo que era imposto a URSS, Cuba e outras nações comunistas,
pelos países capitalistas liderados pelos EUA. Segundo Amoroso Lima, isolar a URSS e seus
aliados era um erro e só serviria para fortalecer os interesses expansionistas dos comunistas.
57
Dentro da lógica de manter longe do Brasil o comunismo através de mudanças sociais,
Alceu Amoroso Lima ressalta a importância da Reforma Agrária:
“O aspecto positivo da Reforma Agrária é encontrar uma
solução mais racional para o problema da terra, em suas
relações com o homem a ela ligado e com os demais
componentes das forças de organização nacional.(...) A
valorização do trabalhador agrícola depende, antes de tudo de
56
LIMA, Alceu Amoroso. A liberdade em perigo. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1964, p.55.
57
LIMA, Alceu Amoroso. Ruptura contraproducente. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1964, p.76.
35
sua fixação à terra. Não uma fixação forçada. Mas uma fixação
livre. É preciso levar a cidade ao campo, para que o campo não
se mude para a cidade.”
58
Observa-se em muitos pontos do pensamento de Alceu Amoroso Lima uma
aproximação com as idéias defendidas por D. Helder Câmara, fundamentalmente nas questões
relacionadas a luta pela igualdade social. Como admirador do trabalho de D. Helder, em
algumas oportunidades saiu em defesa do religioso: “Tristes tempos, em que o se pode,
como o nosso grande D. Helder, colocar a miséria como a fonte principal do comunismo, sem
ser suspeito de vermelho.”
59
Alceu Amoroso Lima, assim como D. Helder, na sua luta pela construção de uma
sociedade com menos desigualdades muitas vezes justificou suas idéias e ações a partir de
posições que eram defendidas pela hierarquia da Igreja Católica em Roma. Nas Encíclicas dos
Papas João XXIII (Mater et Magistra e Pacem in Terris), Paulo VI (Populorum Progressio) e
Pio XII (Humani Generis) as posturas da Igreja em relação ao comunismo e a questão social
vêm ao encontro das posições adotadas por Alceu Amoroso Lima quando trata das mesmas
temáticas. Conforme ele mesmo afirma:
“Tanto Pio XII como João XXIII e o atual Paulo VI nos
poucos meses do seu pontificado, vem insistindo na Justiça
Social, na Paz, na Ação missionária e apostólica, e portanto na
presença da Igreja no mundo como fermento e não como
policiamento, - em suma numa tomada de posição dialogante e
democrática e não monologante ou ditatorial, como sendo o
meio mais puro e mais intrinsecamente cristão de realizar a sua
missão perene de pregadora e realizadora do Reino de Deus.”
60
58
LIMA, Alceu Amoroso. Ainda a reforma agrária. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1964, p.48.
59
LIMA, Alceu Amoroso. Lobo, lobo. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1964, p.75.
60
LIMA, Alceu Amoroso. Diálogo da Igreja com o mundo moderno. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964, p.176.
36
Percebe-se que Alceu Amoroso Lima conseguia entender perfeitamente a mensagem
transmitida pela hierarquia da Igreja em Roma, e as suas ações em prol da dignidade humana,
do diálogo com os comunistas, de oposição aos totalitarismos, não são posições isoladas, ele
segue, como católico que era, na mesma direção dos líderes máximos da Igreja Católica.
A Igreja apresentava sinais de mudança, fundamentalmente a partir de 1950. Os
católicos, que até meados do século XX, tinham como missão a salvação das almas, passariam
a trabalhar também visando uma melhoria efetiva nas condições da vida material das pessoas.
37
2 O Golpe Militar e a Igreja Católica
2.1 A deposição de João Goulart
Em 1961, João Goulart assume a presidência do Brasil, prevendo, em seu programa de
governo, as chamadas Reformas de Base, que visavam modernizar o capitalismo e reduzir as
profundas desigualdades sociais. Entre estas medidas estavam previstas a reforma agrária; a
extensão do direito de voto aos analfabetos e aos inferiores das Forças Armadas; a
nacionalização das empresas concessionárias de serviço blico, dos frigoríficos e das
indústrias farmacêuticas; a estreita regulamentação da remessa de lucros para o exterior; e a
extensão do monopólio da Petrobrás.
1
Estas propostas provocaram descontentamento em alguns setores da sociedade
brasileira, que constituíram uma coalizão civil-militar que destituiu o presidente do poder,
através de um golpe de Estado, organizado por membros das Forças Armadas contrários ao
governo Goulart.
Estes militares tiveram apoio de importantes aliados civis, como os governadores
Carlos Lacerda, da Guanabara, Adhemar de Barros, de São Paulo, e Magalhães Pinto, de
Minas Gerais. Também tiveram apoio de jornais influentes, como Jornal do Brasil, O Globo,
O Estado de São Paulo e o Correio da Manhã.
2
O descontentamento ante as reformas de base se dava na medida em que, para
concretizá-las, seria necessária a intervenção do governo no patrimônio das classes
1
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994, p.448.
2
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo: 1964 - 1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p.40.
38
dominantes do país. A reforma agrária, uma das primeiras medidas a ser implantada por
Goulart, o poderia se efetivar sem que fossem desapropriadas terras de grandes
latifundiários, o que, segundo Theotônio dos Santos, levaria a um enfrentamento com a
oligarquia rural:
“... havia a possibilidade de procurar uma ampliação do
mercado interno através de uma reforma agrária. Esta permitiria
integrar no mercado enormes populações camponeses,
submetidas a regimes de pagamento não monetários ou a
baixíssimas remunerações. Ao mesmo tempo colocava-se a
necessidade de uma redistribuição da renda que viesse a
favorecer as populações marginais urbanas e assalariadas, cuja
imensa maioria vivia, e ainda vive, em proporções e
quantidades crescentes, numa situação de absoluta pobreza.
Tais medidas levavam, entretanto, a conseqüências
contraditórias. Elas obrigavam a um enfrentamento com a
oligarquia rural e seus aliados urbanos, nacionais e
internacionais, que somente poderia triunfar através de
decididas mobilizações de massas camponeses e urbanas. Ao
mesmo tempo, a reforma agrária poderia levar a questionar a
propriedade privada em geral.”
3
O presidente sofreu severas resistências e forte oposição às suas proposta de mudanças
por parte da classe dominante, que teriam que colaborar para que as medidas tivessem êxito.
Nessa perspectiva, afirma Bóris Fausto: “O plano econômico dependia da colaboração dos
setores que dispunham de voz na sociedade. Essa colaboração mais uma vez faltou. Os
beneficiários da inflação não tinham interesse no êxito das medidas; os inimigos de Jango
desejavam a ruína do governo (...);”
4
Essa oposição da classe dominante, ao governo Goulart, era manifestada através de
organismos como IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais - , fundado na década de
3
SANTOS, Theotônio dos. Evolução histórica do Brasil: da Colônia à crise da Nova República”. Petropólis:
Vozes, 1995, p.84.
4
FAUSTO, Bóris. Op. Cit., p. 456.
39
1960, por um grupo de empresários, advogados, tecnocratas e oficiais das forças armadas. De
acordo com Skidmore:
“O IPES transformou-se numa espécie de governo marginal,
publicando estatísticas sobre a economia (não confiava nos
números do governo), criando grupos de estudos sobre questões
como recursos para educação, controle da população, reforma
da lei trabalhista e desenvolvimento do setor mineral. Sua
postura era claramente conservadora, bem a direita da maioria
dos membros do legislativo e muito mais à direita da posição do
governo no final de 1963.”
5
Se por um lado tinha-se oposição da elite em relação às reformas, por outro, as
camadas populares também estavam reivindicando melhores salários, melhores condições de
trabalho, reforma agrária, enfim, por mudanças que lhes proporcionassem uma condição de
vida mais digna. Surgem, então, movimentos populares como o Comando Geral dos
Trabalhadores, além do fortalecimento das Ligas Camponesas e da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Os militares também se organizam parassindical e politicamente em
grupos como dos Oficiais Nacionalistas, o Comando Nacional dos Sargentos, as Associações
de Cabos e Marinheiros. Em 1963, estas forças se unem, sob o comando de Leonel Brizola, na
Frente Nacional de Mobilização Popular, como o apoio das organizações políticas de
esquerda.
6
A possibilidade de surgir, no Brasil, um governo com idéias socialistas assustava a
elite, que demonstrava preocupação com as manifestações organizadas pelos movimentos
populares. Este temor inclinava a elite a apoiar a instauração de um regime forte no país, que
pusesse fim às manifestações de rua, afastando definitivamente o perigo comunista que, em
5
SKIDMORE, Thomas. Op. cit., p.40.
6
SANTOS, Theotônio dos. Op. Cit., p.90-91.
40
um contexto de Guerra Fria, apresentava-se sempre como uma possibilidade contrária ao
capitalismo.
Apresentava-se, assim, a oportunidade aguardada pelas Forças Armadas e seus aliados
civis para a tomada do poder, justificada pela necessidade de combater a corrupção e a
influência comunista no país, a fim de restaurar o regime democrático.
Para alcançar seus objetivos, os militares recorreram aos Atos Institucionais; à
intervenção em sindicatos, associações camponesas e estudantis; à expulsão e repressão dos
militares nacionalistas; à censura e o terrorismo contra intelectuais e outros opositores ao
Regime. Torturas, perseguições e assassinatos foram utilizados como elementos de pressão
aos insurgentes.
7
2.2 Conservadores,
progressistas
e as relações Igreja e governo militar
Uma análise do Golpe Militar de 1964 o pode ser feita sem uma avaliação do papel
desempenhado pela Igreja Católica, sua influência, para que o regime fosse instaurado e todos
os fatos que sucederam o 31 de março. O primeiro grande momento dos grupos
conservadores, leigos ou clericais, ligados à Igreja Católica, neste contexto, foi a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade, ocorrida em 19 de março de 1964, dias antes da tomada do
poder pelos golpistas. A Marcha reuniu milhares de pessoas, que desfilaram pelas ruas de São
Paulo, de terço na mão, para debelar o perigo comunista. O impacto da Marcha foi grande em
todo país, estimulando o mesmo tipo de manifestação em outras cidades brasileiras, com a
participação do clero e dos bispos. Este episódio demostrou aos membros das Forças
7
FAUSTO, Bóris. Op. Cit.,p.467.
41
Armadas, contrários a João Goulart, que teriam apoio de uma parte importante da população
em suas intenções de tomar o poder.
8
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade era uma clara demonstração que parte
da Igreja Católica era favorável à adoção de medidas, mesmo que extremas, para se afastar do
Brasil o perigo comunista. É muito comum generalizar-se quanto se discute a postura adotada
pela Igreja em relação a 1964, como se houvesse consenso no apoio ao golpe. Na prática, isto
não se confirmava. Havia dentro da Igreja brasileira divergências de opinião e muitos
membros do clero se colocaram contra o regime ditatorial. Nessa perspectiva, afirma Kenneth
Serbin:
“Em plena conjuntura do Vaticano II, o golpe proporcionou um
teste político decisivo para a Igreja. A polarização política
ressaltava dois campos apostos. À direita, ficavam os
conservadores religiosos e sociais, que censuravam os perigos
da mudança. À esquerda, estavam os militantes da ACB [Ação
Católica Brasileira], os padres radicais e a liderança da CNBB,
que apoiara as reformas sociais de Goulart. Representantes dos
dois lados entraram em confronto quanto 33 dos bispos mais
importantes se encontram em uma reunião especial no final de
maio de 1964 para escrever uma declaração sobre a Revolução.
Os conservadores elogiavam o golpe e condenavam o
comunismo, enquanto os progressistas defendiam uma crítica
mais dura ao novo governo.”
9
Seguindo esta linha de oposição ao golpe de Estado, Alceu Amoroso Lima que,
segundo Serbin, foi o maior intelectual católico do Brasil moderno
10
, defendia a manutenção
do regime democrático, se opondo ao governo totalitário defendido pelos militares. Com
relação à posição de Amoroso Lima, afirma Serbin: “Ele se opôs ao golpe e com destemor
8
PICCOLLI, Mons. Guido. Igreja Povo de Deus: 20 anos de ditadura militar, 1964-1984. São Paulo: O Recado
Editora, 1999, p.28.
9
SERBIN, Kenneth. Diálogos na sombra: Bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. o Paulo:
Companhia das Letras, 2001, p.102.
10
Ibid., p.125.
42
criticou a tortura e a censura no regime militar. Em maio de 1964, denunciou, como
‘terrorismo cultural’ a prisão e exílio de grandes intelectuais.”
11
O próprio Alceu Amoroso Lima, em carta enviada a D. Aloísio Lorscheider, explica
sua visão sobre o golpe de Estado:
“Se fui contrário ao golpe militar de 1964 não é que aprovasse a
situação anterior. Ou tivesse com ela qualquer ligação, de
ordem política, econômica ou pessoal. Estava, perante ela, na
situação de máxima independência. Condenara a renúncia de
Jânio Quadros. Recomendara a posse de João Goulart. Aceitara
o compromisso parlamentar, embora sem nenhuma em sua
duração. Votara pelo plebiscito. E sem aprovar os processos
políticos em curso, achava necessárias as reformas propostas.
Tudo isso com um objetivo superior: evitar a ruptura da
continuidade legal e o recurso a violência.”
12
Os religiosos conservadores justificavam seu apoio ao regime dizendo que os militares
iriam acabar com o comunismo no Brasil, e por conseqüência, evitar que se proliferasse
dentro da Igreja Católica, através dos chamados padres progressistas.
Havia, no contexto político da Igreja Católica brasileira, tanto no laicato quanto no
clero, dois setores distintos, com posições opostas em relação às reformas sociais necessárias
para melhorar a situação das populações pobres do pais. De um lado, tinha-se os padres ditos
progressistas, identificados com o movimento social da Teologia da Libertação, que defendia
reformas sociais e políticas públicas com ações que visassem à igualdade social. No outro
lado, estava a ala tradicional, que trabalhava com a perspectiva da missão salvadora de almas
da Igreja, sem o envolvimento com questões políticas e econômicas.
11
Idem.
12
LIMA, Alceu Amoroso. Apud SERBIN, Kenneth.p.126.
43
O movimento social/religioso da Teologia da Libertação surgiu no começo da década
de 60, envolvendo setores da chamada esquerda católica:
... (padres, ordens religiosas, bispos), movimentos religiosos
laicos (Ação Católica, Juventude Universitária Cristã,
Juventude Operária Cristã, redes pastorais com base popular,
comunidades eclesiais de base (CEBs), bem como várias
organizações populares criadas por ativistas das CEBs; clube de
mulheres, associações de moradores, sindicatos de camponeses
ou trabalhadores, etc.”
13
Os adeptos trabalhavam com a perspectiva de encontrar mecanismos que permitissem
às camadas populares melhores condições de vida. Segundo Löwy, alguns dos princípios
fundamentais que orientavam o trabalho dos que se identificavam com a Teologia da
Libertação eram os seguintes: uma forte crítica moral e social do capitalismo dependente
como sistema injusto e iníquo, como uma forma de pecado estrutural; o uso do marxismo
como instrumento socioanalítico a fim de entender as causas da pobreza, as contradições do
capitalismo e as formas da luta de classe; a opção preferencial pelos pobres e a solidariedade
com sua luta pela autolibertação; o desenvolvimento de comunidades de base cristãs entre os
pobres como uma nova forma de Igreja e como alternativa para o modo de vida individualista
imposto pelo sistema capitalista.
14
Sobre o embate entre progressistas e conservadores em torno da missão da Igreja, D.
Vicente Scherer, membro da ala conservadora, refere:
“‘A Teologia da Libertação coloca como missão primordial a
vida e morte de Cristo, a promoção dos pobre e oprimidos,
libertando-os das estruturas sociais e econômicas que seriam
causadas pelo capitalismo imperialista de alguns países e
13
LÖWY, Michael. A Guerra dos Deuses: Religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000, p.56-
57.
14
Ibid., p.61.
44
proprietários grandes e ricos. Assim, a doutrina cristã animaria
o homem ao engajamento revolucionário para destruir o regime
capitalista e construir um mundo mais justo em base socialista.
Isto não é o que Cristo veio pregar. Ele buscava a salvação
não dos sofrimentos de ordem material mas de uma
infelicidade mais radical e profunda, a do afastamento de Deus
e do pecado.
‘Cristo’ (...) ‘viveu em época de opressão política e de
geral exploração econômica, mas recusou as propostas e
esperanças populares de tornar-se um agitador político e social.
Não admitiu os projetos de libertação revolucionário de seu
tempo pregando a boa nova do Reino de Deus para livrar os
homens do pecado, reconduzindo-os ao caminho do bem e da
honestidade.’ (...) ‘Se não for fiel à palavra e ao exemplo de
Cristo, a Igreja não estará correspondendo à sua missão.’”
15
Vê-se que uma clara divergência de opiniões entre conservadores e progressistas
sobre o papel da Igreja e, nesse sentido, compreende-se as diferenças de postura adotados por
estes em relação ao golpe militar.
O grupo dos chamados progressistas era alvo de críticas dos militares, devido ao seu
caráter socializante. Os padres progressistas eram identificados, pelo regime, como
subversivos e pertencentes ao “clero vermelho”. Recebiam acusações de estarem se
infiltrando em meio às populações rurais para conspirarem contra o governo, conforme refere
Giordani:
“Vendo nesse espaço um campo fértil para agitação, através de
uma mensagem simples e objetiva, proporcionando grandes
possibilidades de manipulação das potencialidades das massas
rurais e gerando uma situação profundamente delicada e grave
para as autoridades governamentais, pôde o clero vermelho
adentrar profundamente, através da ação das diversas
Comissões Pastorais da Terra, e, aliado a outras organizações de
esquerda, na organização do MST (Movimento dos Sem-
Terra).”
16
15
GIORDANI, Marco Pollo. Brasil sempre. Porto Alegre: Tchê, 1986, p.201-202.
16
Ibid., p.215-216.
45
Um dos religiosos que mais sofreu com as acusações de estar ligado a grupos
comunistas foi D. Helder Câmara, arcebispo de Olinda, identificado como homem símbolo do
apostolado dos humildes.
17
D. Helder era considerado um traidor pelos militares por ter
denunciado a prática de tortura no Brasil, em um encontro que participou na França: ‘É
impossível continuar sendo discreto. Alguém precisa falar, e eu vou falar. Eu não sou
ingênuo, sei as conseqüências, sei que dizem que falar de torturas é um crime contra a pátria,
mas o crime contra a pátria é ficar calado na situação atual.”
18
E disse ainda: “A tortura é um
crime que deve ser abolido. Os culpados de traição ao povo brasileiro não são os que falam,
mas sim os que persistem no emprego da tortura. Quero pedir-lhes que digam ao mundo todo
que no Brasil se tortura. Peço-lhes porque amo profundamente a minha pátria e a tortura a
desonra.”
19
As declarações de D. Helder o tornaram inimigo dos militares, que organizaram ões
nos bastidores para que o religioso não ganhasse o Prêmio Nobel da Paz.
20
Além destas ações nos bastidores, ataques contra pessoas próximas a D. Helder foram
utilizados como artifício para atingir o religioso. Nessa perspectiva, afirma Gaspari: “No dia
27 de maio de 1969 havia um cadáver nas cercanias da cidade universitária do Recife. Tinha
uma corda passada no pescoço, feridas por todo o corpo, um tiro na cabeça e cortes de facão
na garganta e na barriga. Era o padre Antônio Henrique Pereira Neto, de 28 anos, assistente da
arquidiocese para Assuntos da Juventude, a quem o arcebispo estimava como a um filho.”
21
Outros membros da Igreja Católica também sofriam pressões dos militares. O esquema
de vigilância contra os religiosos era bastante rigoroso, havia agentes das Forças Armadas
17
GASPARI, Elio. A Ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.246.
18
Ibid., p.289.
19
Ibid., p.292.
20
SERBIN, Kenneth. Op. Cit., p.108.
21
GASPARI, Elio. Op. Cit., p.259.
46
seguindo-os diariamente. Os representantes do clero progressista eram vigiados porque
usavam o espaço que tinham junto aos fiéis para enfraquecer os militares. Conforme relato de
Frei Betto ao Correio Braziliense: ‘Os militares se incomodavam porque éramos a única
instituição na qual o tinham interferência efetiva. Podiam nomear um presidente da
República, mas não um presidente da CNBB.”
22
Presentes em todo o país, os ditos
progressistas aproveitavam-se das dificuldades que tinham os militares para intervir
diretamente nas ações dos religiosos, para levar a população mensagens criticando o Regime
Militar.
A preocupação com a atuação dos padres progressistas era tanta que o Serviço
Nacional de Informações (SNI) produziu um documento de 59 páginas com informações
minuciosas sobre a história da Igreja Católica no Brasil a setembro de 1974 e com
informações das ações de diversos religiosos. Conforme o Correio Braziliense: “ Os passos de
freis, padres e bispos são detalhados. A atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) também é vigiada pelos espiões. Trata-se de um trabalho feito por agentes que
estudaram a fundo o dia-a-dia dos religiosos. O carimbo vermelho ‘CONFIDENCIAL’
aparece no topo e no pé de cada uma das páginas.”
23
Ainda no documento do SNI, os militares identificaram três correntes dentro da Igreja
Católica e analisaram cada uma delas: “Os reformistas progressistas (...) têm forte vocação
marxista e ‘almejam a criação de uma sociedade socialista.’ Os reformistas-pastorialistas
‘aparentam indefinição ideológica, ora confundindo-se com os progressistas, ora com os
22
MEIRELES, Leonardo ; JAYME, Thiago Vitale ; LEITÃO, Matheus ; SILVA, Eumano. A Igreja Vigiada,
Correio Braziliense, Brasília, 30 nov. 2003, p.3.
23
Ibid., p.4.
47
conservadores.’ Os conservadores o os aliados. ‘Sob o ponto de vista ideológico, apoiam,
no Brasil, de um modo geral, a orientação do governo.”
24
Observa-se que a grande dificuldade enfrentada pelos militares com relação à Igreja
Católica, estava localizada na falta de controle que estes tinham sobre a instituição. Os
militares reconheciam e temiam a força internacional da Igreja, portanto, não poderiam tratar
os religiosos como inimigos políticos comuns. Nessa direção, aponta Gaspari:
“A imunidade do clero aos expurgos coercitivos do regime era
outro complicador para as relações entre a Igreja e a nova
ordem. Os deputados socialistas, os coronéis do janguismo e os
professores do Partidão estavam cassados, reformados e
demitidos, mas os bispos de esquerda continuavam com suas
mitras. Pior: os padres continuavam nas mesmas paróquias. (...).
A Igreja tornara-se a única instituição a conservar dentro do seu
organismo, na plenitude de seus direitos, personalidades
publicamente adversas a nova ordem. Havia um clero de
esquerda antes de 1
o
. de abril de 1964 e continuaria havendo
depois.”
25
Entretanto, mesmo com certa imunidade, as pressões sobre os religiosos aconteciam,
ainda que menos incisivas do que a outros setores da sociedade civil.
2.3
A Comissão Bipartite
A Igreja e as Forças Armadas eram instituições poderosas. A Igreja Católica era uma
instituição influente no mundo inteiro; os militares governavam o país. Na impossibilidade de
se obter uma posição homogênea e alinhada ao regime dentro da Igreja brasileira, as Forças
24
Idem.
25
GASPARI, Elio. Op. Cit., p.244-245.
48
Armadas e os representantes do clero passaram a se encontrar periodicamente para discutir a
relação entre as duas instituições, buscando acertar diferenças, através da Comissão Bipartite.
As reuniões da Comissão Bipartite iniciaram se em 3 de novembro de 1970. Delas
participavam homens influentes da Igreja e das Forças Armadas:
“Dom Vicente Scherer, presidente interino da CNBB, chefiou a
delegação da Igreja, que os militares chamavam de ‘Grupo
Religioso’. Dom Vicente estava acompanhado de dom Aloísio,
dom Avelar, dom Eugênio e Cândido Mendes. [Antônio Carlos
da Silva] Muricy trouxe representantes dos mais importantes
setores militares, ideológicos e políticos do regime: general
Paula Couto do EME. Coronel Omar do SNI, Padilha e Dantas
Barreto, assessor do ministro Buzaid e estagiário da ESG. Os
militares chamavam seu próprio contigente de ‘Grupo da
Situação’”.
26
Observa-se que a Comissão Bipartite reunia membros da mais alta hierarquia das duas
instituições, o que demonstra a preocupação destes com as relações que se estabeleceriam no
futuro entre Forças Armadas e a Igreja
Com relação ao que era discutido nas reuniões da comissão Bipartite, escreve Serbin:
“As discussões se concentravam na resolução de conflitos em
três áreas amplas. Primeiro, os encontros iniciais no final de
1970 e começo de 1971 buscavam diminuir os
desentendimentos ideológicos que se desenvolveram entre a
Igreja e o Estado desde 1964. Enquanto o Exército declarava
que a segurança nacional era dever de todo brasileiro, a Igreja
enfatizava uma nova doutrina social baseada nas conclusões do
Vaticano II e no trabalho de progressistas católicos como dom
Helder.(...). Depois, a comissão adotou a sugestão do Grupo da
Situação de que na segunda metade de cada encontro fosse
focalizada a solução de casos específicos de atrito entre a Igreja
e o Estado. À medida que a repressão e a intransigência política
se aprofundavam, esse aspecto chegou a obscurecer, ainda que
sem eliminar, as preocupações iniciais.(...). Finalmente, com o
26
SERBIN, Kenneth. Op. Cit., p.205.
49
tempo, os bispos buscavam cada vez mais usar a Bipartite como
forma de protesto contra violações de direitos humanos.”
27
Para que fossem alcançados os objetivos propostos pela Comissão, vários encontros
foram realizados. Normalmente, Igreja e militares se reuniam na sede da CNBB, no bairro da
Glória, no Rio de Janeiro.
Durante os encontros da Bipartite, os debates eram ardorosos e francos, porém, havia
respeito mútuo, como refere Serbin:
“Nenhum dos lados hesitou em atacar as posições do outro.
Enfrentando diretamente seus oponentes, os bispos retiram com
freqüência suas críticas públicas contra o regime. Dom Ivo
Lorscheiter foi particularmente franco. Por exemplo, na quarta
reunião, em julho de 1971, o general Muricy protestou contra as
queixas públicas de dom Ivo sobre desigualdade econômica no
governo dici. Dom Ivo respondeu que o povo tinha ‘sempre
menos’ enquanto o governo tentava impor um clima de ‘euforia
ingênua’. O economista e magnata da construção civil Moacyr
Gomes de Almeida, estagiário da ESG, discordou da opinião do
bispo. Afirmou que os salários estavam subindo e argumentou
que é muito importante que haja euforia e ingenuidade’, para
mobilizar a população em favor do desenvolvimento. (...). De
sua parte, o Grupo da Situação freqüentemente avisava os
bispos sobre padres subversivos. Na verdade, a Bipartite
constituía um novo conjunto de regras para o dialogo da elite
em uma circunstância autoritária. Os bispos podiam criticar
livremente, mas só se o fizessem em particular.”
28
Com relação aos resultados obtidos a partir das reuniões da Comissão Bipartite, as
opiniões são diferente. Religiosos como o padre progressista Dom Pedro Casaldáliga entende
que “... a criação da Comissão confirmou a visão do Exército sobre a Igreja como ‘o inimigo
maior [...] A Igreja era o grande veículo para a opinião pública mundial’. No final, dom Pedro
27
Ibid., p.216-217.
28
Ibid., p.224.
50
acreditava que a Comissão ‘não deu em nada’. Ele acreditava que Muricy e o regime fizeram
somente pequenas concessões e promessas vazias de examinar as queixas da Igreja.”
29
Se para Dom Pedro Casaldáliga a Comissão não deu em nada, outros religiosos e
militares pensavam diferente, como no caso dos generais Muricy e Sampaio e dos membros
do clero Cândido Mendes e Dom Aloísio, a Comissão
“... criou um entendimento político entre os bispos e os
generais. ‘Mantivemos um ambiente de entendimento muito
grande, e muitos casos foram resolvidos ou contornados’,
declarou Muricy. Cândido Mendes observou ainda que a
Bipartite permitiu esses resultados positivos, ao remover o
controle do regime de informações secretas sobre a Igreja dos
comandantes militares locais e centralizá-lo em vel
nacional.”
30
A Comissão Bipartite conseguiu reunir Igreja e militares em um dos momentos mais
tensos das relações entre as duas instituições, o governo Emílio Garrastazu Médici. Observa-
se que, de resultado prático, o que ocorreu foi um abrandamento nas críticas e represálias de
ambos os lados. Os líderes hierárquicos das duas instituições reuniam-se para discutir temas
polêmicos. As conclusões dos encontros eram levadas para as bases que, na medida do
possível, deveriam controlar suas ações, fossem elas militares ou religiosas.
As temáticas relacionadas a Igreja e o regime militar, levantadas nesta parte do
trabalho, serão analisadas nos próximos capítulos, pela ótica do intelectual católico Gustavo
Corção, cujos dados biográficos apresentar-se-á a seguir.
29
Ibid., p.416.
30
Ibid., p.417.
51
2.4
Gustavo Corção
Gustavo Corção, nasceu no Rio de Janeiro em 17 de dezembro de 1896. Aos 12 anos
perde o pai, momento em que sua família passou por sérias dificuldades. Sua mãe era
professora e fundou o Colégio Corção, onde estudou por alguns anos. Completou o ensino
primário na escola pública. Cursou o secundário no Colégio Pedro II e o superior em
Engenharia na Escola Politécnica, ambos no Rio de Janeiro.
Trabalhou em coordenadas geográficas nos Estados do Mato Grosso e no Rio de
Janeiro, de 1920 a 1922; em eletricidade industrial em Barra do Piraí e em Cachoeiro do
Itapemirim; de 1923 a 1926, em radiotelegrafia e telefonia; na Radiobrás, de 1926 a 1937; em
indústrias de telecomunicações na Radio Cinefon Brasileira, de 1936 a 1950.
No magistério, ensinou eletrônica aplicada às telecomunicações na Escola Técnica do
Exército, de 1935 a 1966; na Escola Nacional de Engenharia, de 1951 a 1966; e na
Companhia Telefônica Brasileira, de 1948 a 1966.
Como intelectual, escreveu vários ensaios, artigos e livros, ganhando projeção
nacional em função de suas idéias e posições severas, contrárias à novidades, quando na pauta
dos debates estava a doutrina católica.
Além de ensaios na revista A Ordem, Corção publicou, pela Editora Agir, os seguintes
livros: A Descoberta do Outro (1944 traduzido para o espanhol e o inglês), uma espécie de
autobiografia espiritual, na qual narra os passos de sua conversão, escrita sob a influência D.
Martinho Michler, padre-mestre no Mosteiro de São Bento, do Rio; em 1946, publica Três
Alqueires e uma Vaca (traduzido para o espanhol), uma antologia de grandes textos
chestornianos traduzidos por Gustavo Corção; em 1950, publica Lições de Abismo (traduzido
para o holandês, alemão, polonês, italiano, e inglês), premiado pela UNESCO; em 1954,
52
Corção publica Fronteiras da cnica; em 1973, O Século do Nada, no qual os principais
acontecimentos do século XX são analisados por Corção, desde a crise no governo francês, o
Affaire Dreyfus, até o Concílio Vaticano II, que abre as portas aos progressistas, dando início
ao que Corção chamou de pecado terminal.
31
Corção trabalhou diariamente no Centro Dom Vital, de 1939 até 1963, e, de 1944 a
1945, tomou parte na fundação da Resistência Democrática.
No início da década de 1970, fazia parte do Conselho Federal de Cultura e do
Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio.
Corção recebeu as seguintes condecorações: O Pacificador (1966), O.M. Naval (1967),
Comendador da O.M. Militar e da O.M. Nacional, Medalha do Mérito Santos Dumont, da
Aeronáutica, e Grande Oficial do O.M. Militar (1971).
Nos primeiros contatos de Gustavo Corção com a cena política, na década de 1920, o
intelectual católico olhava com simpatia para o marxismo e para as idéias de Nietzsche, o que
lhe despertou rejeição à burguesia. Neste sentido, o próprio Corção afirma: O leitor de
estar lembrado que em outro tempos andei em rodas marxistas e nietzschistas, hesitando entre
a sociedade sem classes e a grande raça caucásica, não sabendo se deveria levantar a mão
direita dura como um dardo ou a esquerda com o punho fechado em sinal de revolta”
32
Nesta
fase, Gustavo Corção leu Marx, Hegel e principalmente Nietzsche. As reuniões para debates
acerca destas obras e, também, sobre as desigualdades sociais e formas de acabar com ela
31
VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975, p.143-
144-145-146.
32
CORÇÃO, Gustavo Apud VILLAÇA, Antônio Carlos. Op. cit., p.143.
53
aconteciam na casa do próprio Corção ou na de amigos. Baseados na teoria marxista,
discutiam a decadência da sociedade burguesa e os meios para a sua superação.
33
O afastamento de Gustavo Corção das rodas marxistas teria sido, em parte,
determinado pela morte de sua esposa, em 1936, fato que o teria levado à conversão ao
catolicismo. Passou por um período de crise existencial, indo buscar conforto e um novo
sentido para a vida na religião católica.
Os mestres da conversão de Corção foram Gilbert K. Chesterton, humorista inglês,
católico e ortodoxo, e o filósofo francês Jacques Maritain. Sua formação intelectual católica
foi baseada em S. Tomás de Aquino, D. Columba Marmion, Garrigou Lagrange e, nos
citados, Chesterton e Maritain.
34
A leitura de Chesterton foi utilizada por Gustavo Corção para superar os momentos
difíceis enfrentados após a morte de sua mulher. Chesterton demonstrava grande habilidade
na desconstrução das idéias de seus adversários. Além disso, o tom de ironia que utilizava em
alguns trechos de seus textos agradavam Corção.
35
À luz da Doutrina social da Igreja, Chesterton apontou para a crise da modernidade e o
trabalho que deveria ser desenvolvido pelos católicos. Seu humanismo contrapunha-se ao
individualismo e ao economicismo. O intelectual inglês destacava, ainda, a importância da
tradição para a manutenção da ordem social.
33
PAULA, Christiane Jalles de. Gustavo Corção e a proposta de justiça social do conservadorismo católico:
Três Alqueires e uma vaca. Disponível em www.cienciapolitica.org.br/encontro/teopol6.1.doc. Acesso em
11/10/2003.
34
MOURA, Odilão. Idéias Católicas no Brasil: Direções do Pensamento Católico do Brasil no século XX. o
Paulo: Convívio, 1978, p.158.
35
PAULA, Christiane Jalles de. Op. cit.
54
Na linha de Chesterton, Gustavo Corção denunciava em seus textos o perigo do
divórcio, da desagregação das famílias, o individualismo exacerbado e a socialização do
homem.
36
Nesta fase da vida (década de 1940), o intelectual católico mantém uma postura
equilibrada nas críticas ao capitalismo e ao socialismo, apontando aspectos que considerava
negativos, baseando-se na doutrina católica.
Por volta de 1950, Gustavo Corção passa para uma nova fase em suas relações com o
meio social. Seus textos passam a tratar, de forma mais efetiva, das questões relacionadas à
política e à economia. Nessa perspectiva, afirma Villaça: “Desde a eleição de Vargas, em
1950, Corção se voltou para a política de modo absorvente, como forma de participação
apostólica na vida concreta, real. Ao puro ensaísta ideológico, todo voltado para a
especulação filosófica, sucede o comentarista político, amargo, severo”.
37
Ainda sobre a nova fase de Gustavo Corção, afirma Odilão Moura: “Em política,
Gustavo Corção participou do movimento de redemocratização do Brasil após a ditadura
Vargas e, com Carlos Lacerda, foi um dos principais colaboradores e mentores da linha
política seguida pelo jornal Tribuna da Imprensa.
38
Em relação ao Concílio do Vaticano II, iniciado em 1962, Gustavo Corção o aponta
como determinante para uma série de mudanças negativas que teriam ocorrido no seio da
Igreja. Neste sentido, assinala Odilão Moura: “Após o Concílio Vaticano II, Gustavo Corção
tomou posição hostil ao mesmo, verberando duramente as imprecisões que pensa encontrar
36
Ibid.
37
Ibid., p.146.
38
MOURA, Odilão. Op. cit., p. 158.
55
nas suas decisões e considerando-o responsável pela situação calamitosa em que se encontra o
catolicismo.”
39
A situação de calamidade, no contexto da Igreja Católica, para Corção, estava
relacionada com a penetração de idéias comunistas no catolicismo. Conforme Villaça: “O
centro de sua ideologia, (...), é um anticomunismo exaltado, um antiprogressismo, uma
obsessão de defender a Igreja, que estaria na iminência de autodemolir-se.”
40
As posições adotadas por Gustavo Corção, com relação à Igreja e às questões políticas
e sociais, o colocaram em rota de colisão com um antigo companheiro do Centro Dom Vital:
Alceu Amoroso Lima. Entre eles surgem vários pontos de contrariedade:
“Alceu se volta para o futuro na linha de João XXIII. (...).
Corção se volta para o passado. (...). Alceu chega a democracia
social. Corção renega o ideal democrático. Alceu quer unir
socialismo e liberdade. Corção combate o socialismo. Alceu
admira Paulo VI e sua política internacional, de diálogo, paz,
afirmação de um bem comum universal, que exige a promoção
da justiça social em termos internacionais. Corção, ao contrário,
é a desconfiança diante da ONU, a oposição à ONU, tão
apoiada por Paulo VI, que a visitou pessoalmente, para nela
fazer o Seu apelo em favor da paz.”
41
Roberto Pompeu de Toledo também destaca as diferenças entre Gustavo Corção e
Alceu Amoroso Lima, na década de 1960:
“... naquele ano de 1967, vivia-se sob o regime militar. Alceu
era um dos maiores críticos da situação vigente, enquanto
Corção era de seus mais radicais defensores. O momento
agudizava a desavença entre ambos, mas ela vinha de antes,
ia muito além, e alcançava muito mais fundo. Alceu alinhava-se
com uma Igreja renovada, aberta para as questões sociais.
Corção fechava-se no tradicionalismo. Em política não era
39
Ibid., p.159.
40
VILLAÇA, Antônio Carlos. Op. cit., p.147.
41
Ibid., p.148-149.
56
apenas anticomunista. Mesmo o liberalismo lhe parecia
suspeito”.
42
Em 1963, Alceu Amoroso Lima escreveu um artigo de página inteira no Jornal do
Brasil sobre o Concílio do Vaticano II. Este artigo, de acordo com Júlio Fleichman, foi
denominado por Corção como “... uma espécie de ‘Encíclica de Alceu’; nela [Alceu] defendia
que a Igreja das condenações tinha morrido para ceder lugar à Igreja do diálogo, à Igreja da
compreensão fraterna.”
43
As divergências nas idéias eram tantas que, em 1963, Gustavo Corção deixa o Centro
Dom Vital, local onde por muitos anos trabalhou ao lado de Amoroso Lima. Este lhe escreve
uma carta dizendo que as portas do Centro Dom Vital estariam abertas para ele e que uma
simples divergência de idéias não deveria ser suficiente para uma ruptura entre os dois.
Anos após sua saída do Centro Dom Vital, Corção funda o movimento Permanência
(1968), de cunho integrista
44
, ou antiprogressista. Segundo Júlio Fleichman, “Uma das
finalidades do Centro Dom Vital era o apostolado católico no plano da inteligência. Nós
fundamos a Permanência para prosseguir com este objetivo e também para combater os
comunistas, como fazíamos no Centro Dom Vital. Quando perdemos o Centro, fundamos a
Permanência para prosseguir com as aulas de Corção e publicar a ‘Revista Permanência’,
(...).”
45
Além da revista, o movimento organizava reuniões e conferências para discussões de
diversas temáticas relacionadas às questões sociais, políticas, econômicas, culturais.
46
42
TOLEDO, Roberto Pompeu de. Momento de Assombro nas Laranjeiras. Veja, São Paulo, n.40, p.142, out.
2003.
43
FLEICHMAN, Júlio. A crise é de fé. Entrevista concedida a Permanência. Disponível em
www.permanencia.org.br/quemsomos/fleichman.htm. Acesso em 16 abr. 2004.
44
Segundo Christiane Jalles, “... Corção integra a família dos reacionários, daqueles que agem no mundo em
reação à modernidade. Esse tipo de olhar a modernidade recebeu no catolicismo a denominação de integrismo.”
PAULA, Christiane Jalles de. Op. cit.
45
FLEICHMAN, Júlio. Op. cit.
46
VILLAÇA, Antônio Carlos. Op. cit., p.147.
57
Em sua longa trajetória intelectual, Gustavo Corção foi colaborador de jornais de
grande circulação nacional, dentre os quais destaca-se o Correio do Povo de Porto de Alegre,
jornal escolhido para o estudo dos textos do intelectual.
No espaço que dispunha no noticioso gaúcho, Corção escrevia sobre diversos
assuntos, mas dar-se-á destaque ao seu anticomunismo e à oposição à Teologia da Libertação,
procurando inserir estas temáticas no contexto de ditadura militar.
58
3 Gustavo Corção: o comunismo e os comunistas
3.1 A Igreja e os meios de comunicação
Uma das grandes preocupações da Igreja Católica, ao longo de sua história, foi a de
encontrar formas de transmitir suas mensagens aos fiéis. Este era um dos objetivos do
trabalho desenvolvido por Cardeal Leme, na década de 1930. Dom Leme queria conscientizar
os católicos da importância da divulgação da doutrina da Igreja e do quando era necessário
que se empenhassem nesta missão, pois apenas celebrações e cultos, apesar de importantes,
não eram suficientes para transmitir as mensagens da fé aos fiéis.
Nesta perspectiva, surgem como possibilidade de divulgação os meios de comunicação
de massa jornal, rádio e televisão — , identificados como instrumentos relevantes na
ligação entre Igreja e fiéis, como afirma Della Cava:
“Os anos sessenta foram a ‘era das descobertas’. Bispos,
aos olhos dos quais o mundo e suas obras eram
fundamentalmente coisas estranhas, fizeram um levantamento
das possibilidades dos meios de comunicação e, à luz do recente
Concílio do Vaticano II (1962 –1965), ‘achavam que eram
bons’, pondo-se em ação para empreender a tarefa de utilizá-
los.
Os anos setenta registraram uma revolução ainda mais
notável. Pela primeira vez, o clero atribuiu aos meios de
comunicação de massa um papel central e indispensável na
pregação do Evangelho e na condução do trabalho pastoral da
Igreja.”
1
1
DELLA CAVA, Ralph ; MONTERO, Paula. ... E o verbo se faz imagem: Igreja Católica e os meios de
comunicação no Brasil: 1962-1989. Petrópolis: Vozes,1991, p.23-24).
59
Os meios de comunicação poderiam ser da própria Igreja ou leigos. O mesmo se dava
em relação àqueles que exerciam o papel de comunicar as palavras católicas. O importante era
que, principalmente no caso dos leigos, tivessem disposição e interesse de usar o espaço que
lhes era cedido para transmitir as mensagens da Igreja, conforme refere Della Cava:
“Para tornar públicas as atividades da Igreja, ainda era
preciso uma organização maior. Desde o início, sua ação teve
por alvo três universos: os profissionais dos meios de
comunicação ‘neutros ou leigos, em sua maioria membros da
grande imprensa; católicos praticantes empregados nos meios
de comunicação laicos; e, enfim, católicos, em sua maioria
clérigos e freiras, responsáveis por meios de comunicação de
massa especificamente mantidos pela Igreja ou de propriedade
desta."
2
Destes três grupos, teve grande êxito o dos católicos praticantes que trabalhavam em
meios de comunicação leigos, como afirma Della Cava: “..., a mobilização dos católicos
empregados nos meios de comunicação ‘neutros’ ou leigos foi uma outra história e, em sua
maior parte, uma ‘história de sucesso’. Foi preciso toda a gestão de Dale [Frei Rome Dale
O.P.] para concluí-la; a contribuição que este lhe deu foi sua experiência direta, enquanto
antigo assessor da JUC, e sua habilidade ímpar em reunir as pessoas para trabalharem
juntas.”
3
O Frei Dale estava a frente do SNOP Secretariado Nacional de Opinião Pública —,
órgão criado em 1962 pela CNBB, cujo objetivo seria , segundo Della Cava, “... o novo órgão
especializado em opinião pública e os seus vários sucessores, tais como o atual Setor de
Comunicação Social, não apenas definia o campo de comunicações e por extensão alguns dos
2
Ibid., p.26.
3
Idem.
60
parâmetros da cultura moderna) para os clérigos, como também estabelecia políticas para a
Igreja brasileira como um todo”.
4
Ainda sobre os objetivos do SNOP, afirma Della Cava:
“O SNOP manteve seus membros especialistas ao par da mais
recente produção do pensamento teológico acerca dos meios de
comunicação de massa em toda Igreja Universal, ao mesmo
tempo em que estimulou a ‘reflexão doutrinal’ e trabalhou para
que a renovação da Igreja fosse a matéria prima das ‘notícias’.
Manteve também a hierarquia informada sobre a imagem da
imprensa secular acerca da Igreja (tentando mesmo ‘corrigi-la’,
quando necessário), de modo que os bispos pudessem ter uma
idéia do que se passava. Sem dúvida, a maior ênfase recaiu no
‘aperfeiçoamento profissional e pastoral dos cristãos que
trabalhavam nos meios de comunicação da Igreja.”
5
A Igreja, como se afirmou anteriormente, demonstrava grande interesse no uso dos
meios de comunicação, e prova disso está na criação de órgãos específicos, como o SNOP,
para trabalhar nesta área.
Na década de 1930, conforme anteriormente aludiu-se, o Cardeal Leme demostrava
preocupação com a falta de engajamento dos católicos, entre estes os intelectuais, para que
fossem divulgada a doutrina Católica e as posições da Igreja acerca dos fatos que ocorriam
naquele contexto.
Trinta anos se passaram e observa-se que a CNBB, órgão de grande influência dentro
do catolicismo brasileiro, identifica nos meios de comunicação de massa um elo importante
de ligação entre a Igreja e a população.
Porém, as temáticas ligadas à Igreja Católica não apareciam nos meios de
comunicação somente para serem divulgadas. Havia momentos em que estas vinham a
4
Ibid., p.23.
5
Ibid., p.27.
61
público na forma de polêmica. O intelectual católico Gustavo Corção foi um dos grandes
polemistas do laicato católico nacional. Usando sempre de palavras fortes, Corção defendia
suas idéias com muita determinação. Gustavo Corção era um intelectual independente. Os
textos que produzia eram de sua inteira responsabilidade e não eram respaldados pela Igreja
Católica institucional e nem mesmo pelo clero conservador. Corção falava em nome próprio,
enquanto católico fervoroso que era e sentindo-se, por isso, com o dever de defender a Igreja.
Para fazer a defesa daquilo que acreditava ser importante para o catolicismo, Corção
se utilizava de espaços que lhe eram cedidos em alguns jornais nacionais, dentre os quais
destaca-se o Correio do Povo de Porto de Porto Alegre.
O jornal Correio do Povo foi fundado em 1
o
. de outubro de 1895, por Francisco
Antônio Vieira Caldas Júnior, com uma nova proposta para a imprensa da época, na forma de
tratar as notícias, “... na qual a política-partidária não ditaria mais as cartas, vencida pela
racionalidade mercantil, nem haveria mais espaço privilegiado para o exercício literário,
substituído progressivamente pela publicidade noticiosa, consolidando transformações cujas
raízes se confundem com a história do Correio do Povo.”
6
Observa-se que o Correio do Povo surge como um veículo de comunicação que se
dizia sem cores partidárias, e que seu verdadeiro interesse seria o de informar bem o seu
público leitor.
Sobre o posicionamento do jornal em relação ao movimento de 1964, que depôs o
presidente João Goulart, Breno Caldas, herdeiro da Companhia Jornalística Caldas Júnior e
diretor do Correio do Povo na época, afirma:
6
RÜDGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS,
1993, p.57.
62
“... é bom que eu esclareça a nossa posição, a posição do
‘Correio do Povo’ diante dos acontecimentos de 64. Nós fomos
francamente favoráveis ao movimento e de certo modo
cooperamos para a sua eclosão. Nós tínhamos um caso pessoal
com o governo do Estado do Rio Grande do Sul e,
naturalmente, nós éramos contrários à situação de abuso, de
toda aquela série de coisas que estavam acontecendo: ‘Rebelião
dos Sargentos’, aquelas tentativas de insubordinação e de
subversão que foram feitas. Instituição do ‘Grupo dos 11’,
aquelas coisas. Principalmente aqui no Rio Grande do Sul havia
um foco muito dinâmico, que era patrocinado, gestionado,
inspirado pelo governador Brizola. De sorte que nós estávamos
em oposição a ele e àquela situação que ele representava. Desta
maneira, a revolução de 64 foi para nós bem-vinda, desejada e
saudada como um acontecimento que merecia o nosso
aplauso”.
7
Segundo Breno Caldas, Leonel Brizola lhe “aliciava” para trazê-lo a sua causa. Ante a
sua negativa, Brizola teria passado a atacar o jornal em seu espaço diário na Rádio
Farroupilha. Houve ainda o episódio da encampação da Rádio Guaíba, em agosto de 1961,
na Campanha da Legalidade, quando Brizola teria, primeiramente, tomado a estação, para
depois requisitá-la oficialmente
8
. Este fato deve ter colaborado para um posicionamento
favorável da Companhia Jornalística Caldas Júnior em relação ao movimento civil-militar de
1964.
É importante destacar que, com relação às notícias referentes à Igreja Católica, no
período selecionado para este estudo, o espaço era considerável. Porém, não observou-se, por
exemplo, espaço no noticioso gaúcho para temas relacionados com a Teologia da Libertação,
movimento católico queo era aceito pelo grupo conservador da Igreja, e nem pelo governo
militar, por ser considerado comunista. Na prática, o movimento social Teologia da
7
CALDAS, Breno. A Revolução de 64 e os mitos”. Entrevista concedida a Wianey Pinheiro, em janeiro de
1979. Disponível em www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/memoria_9htm. Acesso em 6 maio 2004.
8
Idem.
63
Libertação aparecia nas páginas do noticioso gaúcho apenas de forma indireta, quando era
alvo de críticas.
A opção pela análise dos textos de Gustavo Corção, no Correio do Povo, justifica-se
na medida em que o periódico faz uso de um articulista conhecido no país para repercutir, no
estado do Rio Grande do Sul, notícias nacionais e internacionais.
Na análise dos textos de Gustavo Corção no Correio do Povo baseada, conforme
referido na parte introdutória, nas linhas gerais do método da Análise de Conteúdo, proposta
por Renée Barata Zicman –, verificou-se que o intelectual dava destaque para as temáticas que
envolviam a Igreja Católica. Gustavo Corção avaliava, a partir de uma perspectiva católica
conservadora, os mais diversos fatos do Brasil e do mundo. O eixo central de suas discussões
era o comunismo.
3.2
Gustavo Corção e o anticomunismo
Uma das características mais marcantes da década de 1960, no Brasil, foi o combate
ao comunismo. As condições sociais análogas a Cuba assustavam a elite brasileira, pois, em
1959, a Revolução Cubana instaurou o socialismo no país, algo que também poderia ocorrer
no Brasil.
O Brasil, no início dos anos 60, passava por um período de crise política e social. Na
área política, o presidente Jânio Quadros havia renunciado ao cargo. Para a posse do vice-
presidente, João Goulart, foi necessário toda uma negociação política para que não houvesse
ruptura institucional grave.
64
Na área social, o país enfrentava problemas em diversos setores, com destaque para a
questão da terra. As pressões para que se fizesse reforma agrária, por grupos ligados aos
pequenos camponeses, eram fortes e preocupavam a oligarquia rural. Haviam dificuldades
também nas áreas da saúde, educação.
Nota-se que o contexto era de crise, e para superá-lo, foi articulado entre os membros
da elite brasileira e os militares um golpe de Estado, que tiraria o presidente João Goulart do
poder. Em 31 de março de 1964, como foi referido anteriormente, a coalizão civil-militar
depõe o presidente Goulart e assume o poder, com a promessa de fazer o país voltar a crescer
e afastar de vez o perigo da infiltração comunista.
Esta coalizão tinha o apoio de uma parte da população brasileira. Um dos segmentos
da sociedade que se mostrava a favor da deposição de Goulart era o dos católicos. Deve-se
destacar que, quando se fala em católicos, não se esta generalizando. Uma fração do
catolicismo brasileiro se mostrou favorável à coalizão, mas houve, também, dentro do meio
católico nacional, pessoas que se posicionaram contrárias ao golpe de Estado.
O apoio de Corção à coalizão civil-militar parecia estar pautado na promessa de afastar
a ameaça comunista do Brasil, regime pelo qual expressava contrariedade, através de seus
textos.
Para Corção, o comunismo restringia as liberdades, matava o povo de fome,
incentivava a inimizade entre as nações, fuzilava seus opositores e, sobretudo, era um regime
contrário à religião católica.
Na perspectiva do seu peculiar conservadorismo católico, Corção defendia a Igreja de
seus inimigos. Para ele, os comunistas seriam os mais ameaçadores.
Apesar dos textos Corção apresentarem idéias de um homem conservador, avesso às
novidades, ele não se apresentava como tal:
65
“... nós não somos conservadores. O conservador é aquele que,
diante dos aborrecimentos de uma mudança, se recusa a
conquistar um bem mais elevado. Nós queremos, por exemplo,
um mundo menos egoísta, menos materialista, menos cruel, e
estamos dispostos a aceitar uma série de mudanças para
alcançar aquela excelente novidade. Mas não merecemos o
título de conservadores e reacionários pelo fato de não
querermos as reformas que os comunistas nos sugerem! Seria
preciso termos uma extraordinária paixão pelo novo, pelo
moderno, para chegarmos a aceitar como valor mais alto o
modelo anunciado nos muros de Berlim.”
9
Ainda que se mostre contrário às mudanças na celebração da missa, aos tipos de
roupas usados pelas mulheres, à educação sexual nas escolas, é no comunismo e em suas
propostas de transformação que estava centrada sua oposição.
Gustavo Corção, no seu combate ao comunismo, fazia do espaço de que dispunha nos
jornais para os quais escrevia a sua arma principal. Na leitura de suas colaborações para o
Correio do Povo, percebe-se que o articulista fazia uso de estratégias de discurso para
caracterizar, de forma negativa e depreciativa, o comunismo.
O intelectual buscava sempre associar o comunismo e os comunista a imagens
estéticas negativas, a supostos desvios de comportamento, a problemas mentais. Os
comunistas eram freqüentemente associados ao diabo, taxados de assassinos, desagregadores
de família, a portadores de doença contagiosa.
Corção demonstrava contrariedade aos três últimos governos brasileiros pré-1964.
Ainda que, em nenhum de seus textos, Corção classifique esses governos Juscelino
Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart – como comunistas, ele parecia relacioná-los com a
9
CORÇÃO, Gustavo. Ainda os padres novos. Correio do Povo. Porto Alegre, 29 abr. 1965, p.4.
66
dita desordem, vigente nos anos anteriores ao golpe, o que poderia propiciar uma infiltração
do comunismo no país.
A crítica mais veemente de Gustavo Corção a Kubitschek era em relação à construção
de Brasília:
“Como se pode hoje ver claramente, Brasília foi realmente
uma síntese: A síntese do estados de coisas que os terços das
mulheres brasileiras conseguiram afinal derrubar. Síntese da
demagogia, corrupção, estupidez, covardia dos aproveitadores,
e dessa coisa chamada esquerdismo ou infiltração comunista,
que começou efetivamente em torno da monumental marmelada
erguida no areal. Seria de esperar que os vencedores da salutar
resistência democrática, assim como prendem e punem os
último atores da grande palhaçada, prendessem também os
primeiros e desmontassem a síntese, que continua a pesar e
atrapalhar o Brasil.”
10
Gustavo Corção, embora não definisse Juscelino com comunista, parece acusá-lo pelo
espaço que os esquerdistas teriam ocupado no Brasil. Para o intelectual, a construção de
Brasília foi cercada de corrupção, de mal uso do dinheiro público, o que considerou como
uma abertura para a entrada do comunismo no país.
Com relação a Jânio Quadros, o articulista o considerava um louco, que condecorou
um vagabundo
11
, Che Guevara: “... veio para presidência um louco em quem compelidos pela
náusea deixada pelo governo Juscelino, fomos levados a votar. (...). Proibiu brigas de galo,
condecorou um patife mercenário, e num ataque histérico produzido pelas sombras silenciosas
de Brasília, renunciou.”
12
Corção parece querer apontar um certo despropósito nas ões de Jânio Quadros,
como no caso da condecoração de Guevara, a quem atribuía, como se pôde evidenciar, certos
10
CORÇÃO, Gustavo. O que dirão os estrangeiros? Correio do Povo. Porto Alegre, 21 maio 1964, p.4.
11
CORÇÃO, Gustavo. Os democratas da última hora. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 set. 1964, p.4.
12
CORÇÃO, Gustavo. Brasil país depredado. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 jul. 1964, p.4.
67
desvios de conduta. Nota-se que, condecorar um comunista, para Corção, só poderia ser uma
atitude de um doente mental.
O articulista também criticou aqueles que apoiaram essa condecoração:
“Há os desajustados que entraram num grande rebolado
com as notícias vindas de Havana, os anormais, os
ressentidos, os pederastas, os modernistas, os católicos
entediados de evangelho, os novidadeiros, os que condecoraram
Guevara, os que ajudaram a condecorar, os que aplaudiram a
condecoração, os que não disseram nada contra a condecoração,
os que deram todas as coberturas e apoios morais ao tiranete
cruel e pouco diferente dos outros tiranos que a história
registrou.”
13
Observa-se que, novamente, Corção usa como estratégia discursiva a aplicação de
categorias associadas a possíveis desvios de comportamento.
Sobre o presidente João Goulart, Corção o identificava como um facilitador da
infiltração comunista no Brasil: “... nos dias anteriores revolução], (...) a nossa pátria era
assaltada pelos agentes do comunismo, e o próprio presidente da República, por demagogia e
interesse lhes abriu o acesso dos mais altos cargos do país.”
14
Para o intelectual, o governo Goulart teria se apropriado do dinheiro público para o
benefício de seus aliados comunistas: “As primeiras diligências policiais da revolução de abril
mostraram em todo o seu horror a podridão do regime caído. Por toda a parte o dinheiro do
povo, aos milhões, corria para os que já cobravam adiantadamente o preço da entrega do País
à subversão comunista.”
15
13
CORÇÃO, Gustavo. A Organização dos Estados Americanos. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 jul. 1964,
p.4
14
CORÇÃO, Gustavo. A carta que escreveria ao Papa. Correio do Povo. Porto Alegre, 07 maio 1964, p.4.
15
Idem.
68
O intelectual demonstrava sua concordância em relação à destituição de Goulart, pois
parecia acreditar que este preparava a entrega do país aos comunistas. Para Corção, o
movimento de 1964 teria impedido esta entrega e derrotado o comunismo no Brasil. Esta
derrota, segundo o articulista, apontaria para o início do declínio deste ideário no mundo:
“Tenho a convicção de que a derrota comunista no Brasil
foi o ponto de inflexão do declínio definitivo do comunismo. E
a desmoralização, a curiosa e cômica desmoralização com que
foram aqui castigados os deres comunistas que tinham tudo,
aparentemente tudo a seu favor, propaga-se e contagia os outros
povos. Daqui por diante é difícil levar a sério comunismo,
infiltrados, festival, enfoque, alienação, momento histórico,
diálogo, e as demais categorias que nos tiravam o sono meses
atrás.”
16
Gustavo Corção, ao que parece, teria dado ampla dimensão ao movimento de 1964,
entendendo que as conseqüências deste teriam reflexos no mundo inteiro. Observa-se que, o
intelectual parece apontar os comunistas como pessoas faltosas, ou que cometeram algum
erro, necessitando, portanto, de castigo. Nota-se que esse castigo, para o intelectual, deveria
servir de exemplo para que outros comunistas não cometessem o mesmo ‘erro’ de tentar
tomar o poder em algum outro país.
Ainda nesta perspectiva, afirma:
“O Brasil, ao meu ver, prestou o mais relevante serviço dos
últimos tempos à causa da democracia, e trouxe a essa
contribuição o timbre especial do bom humor que deixou os
comunistas, os espertos comunistas, os ardilosos e maliciosos
comunistas, em situação de irremediável ridículo. O mundo
livre, se tivesse compreendido bem a nossa contribuição, teria
soltado uma imensa gargalhada, e o comunismo passaria a ser
para os jovens, para os intelectuais disponíveis, um besteira
superada e tornada completamente desinteressante.”
17
16
CORÇÃO, Gustavo. Mosaico. Correio do Povo. Porto Alegre, 24 set. 1964, p.4.
17
CORÇÃO, Gustavo. O Brasil e o Vietname. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 mar. 1965, p.4.
69
Verifica-se que, mais uma vez, o intelectual associa os comunistas a pessoas
despreparadas. Apesar de sua esperteza, os comunistas o tiveram capacidade para medir
forças com os militares e, justamente por isso, foram ridicularizados. E afirma mais: “O Brasil
marchava para as esquerdas, não se sabia ainda se para Moscou ou Pequim. Encorajados, eles
se juntaram, se definiram, se comprometeram. Quando os generais pigarrearam, saíram
correndo sem tempo de meter a fralda da camisa dentro das calças, ou foram presos.”
18
Corção parece identificar os comunistas com pessoas sem coragem, sem união para
enfrentarem um inimigo comum. Apesar do intelectual não afirmar, acredita-se que ele
pretendia associar os comunistas a covardes, que fogem com um simples pigarro de alguém
supostamente mais forte.
Os generais, que botaram para correr os esquerdistas”, tinham todo o respeito do
intelectual. Para Corção, o Exército havia, na falha de outras instituições, salvo o Brasil do
comunismo que se avizinhava e, por isto, sentia-se o intelectual em dívida com os militares
conforme ele mesmo explica:
“Explicarei pacificamente o que devo ao exército brasileiro
(...). A razão é a seguinte: houve uma época em que o Brasil
esteve na iminência de se tornar uma espécie de Cuba, sob o
império do comunismo russo ou chinês. diversos imbecis
que ignoraram esse fato, mas os milhões de pessoas, de gente
simples que desfilou por nossas ruas, sem nenhuma chefia
política mas apenas em nome da família e de Deus sabiam que
nos ameaçava um perigo mortal. (...) no Brasil com todos os
seus defeitos, o Exército não fez o papel triste que quase todas
as outras instituições fizeram, e até chegou a substituir muitas
delas na defesa dos mais altos valores humanos.”
19
18
CORÇÃO, Gustavo. Onde estaria o Brasil? Correio do Povo. Porto Alegre, 6 jun. 1966, p.4.
19
CORÇÃO, Gustavo. A Cantora e o Exército Brasileiro. Correio do Povo. Porto Alegre, 02 jun. 1966, p.4.
70
O intelectual parecia ver no comunismo um mal que poderia levar as pessoas a morte.
A salvação do perigo de morte eminente veio, segundo o articulista, através dos católicos que
participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e dos militares, que ao
expulsarem os comunistas garantiram a população brasileira o seu direito a liberdade, a
democracia e a vida.
Gustavo Corção achava difícil a condução do país na direção da justiça social sem que
houvesse punição para aquelas pessoas tidas como empecilho ao desenvolvimento das ações
em prol do bem comum. Na verdade, o articulista parece estar se referindo àqueles a quem
identificava como partidários do comunismo, regime que considerava desumano, conforme
refere:
“Contínuo a achar que a justiça social, para merecer essa
denominação, não pode dispensar o rigor justiceiro, (...). Não
digo que aprove todas as medidas punitivas, ou que aprove
todas as omissões, mas digo que uma sociedade normal,
democrática, preocupada com a sorte de seus membros mais
humildes, compenetrada de respeito pelos mais altos valores
humanos, tem de castigar os prevaricadores, e tem de se
defender energicamente das infiltrações de doutrinas
desumanas.”
20
A preocupação de Corção com a infiltração comunista era tal, que o intelectual
identificou aquelas pessoas que, para ele, teriam maior probabilidade de se tornarem
comunistas:
“Para ser comunista estou pronto a admitir graus de
facilidade: O tipo mais facilmente transformável em comunista
é o jovem intelectual sem talento e sem assunto, e logo depois
vem o velho intelectual sem assunto e sem talento; (...) depois
vêm os pederastas, por desejo de ver subvertida a ordem, para
20
CORÇÃO, Gustavo. Obra de Amor. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 jun. 1964, p.4.
71
não serem eles os invertidos solitários; (...) depois vêm as
moças feias da Faculdade de Filosofia (...).”
21
Nota-se que, nesta classificação, o possível comunista parece ser sempre alguém
problemático, incompetente ou que foge aos padrões considerados normais pelo intelectual.
A associação dos comunistas com a anormalidade também era utilizada, por Corção,
para caracterizar os países comunistas e seus líderes. Quando escrevia sobre estes países, fazia
uso de estratégias de discurso que tentavam identificar neles problemas ligados à saúde
mental, como, por exemplo, a China: “A China comunista apresenta sinais de loucura coletiva
parecida com a que levou a Alemanha ao crime praticado contra o mundo, em conluio com a
União Soviética. Comentaram-se muitos horrores praticados pela Guarda Vermelha
recentemente, entre os quais figuram violações de monjas e profanações de templos.”
22
Observa-se que, para Corção, o poderia haver nação comunista onde a violação dos
direitos das pessoas não se fizesse presente. Em Cuba, havia os fuzilamentos, na URSS, a
população passava fome, na China, as monjas eram violentadas. Ao referir-se a países
comunistas, acredita-se que Corção pretendia construir a imagem de um lugar onde
vivessem pessoas mentalmente perturbadas, capazes de incendiar o mundo
23
a qualquer
momento. Nesta perspectiva, afirma: “Algum reacionário ficará contente com essa disputa dos
dois monstros totalitários, supondo que assim se neutralizarão. Por mim, receio que a luta
entre a Rússia e a China seja o começo do incêndio do mundo.”
24
Nações como China e Rússia eram freqüentemente associadas por Corção à Alemanha
nazista. O intelectual buscava identificar nestes países traços que os identificassem com o
21
CORÇÃO, Gustavo. Pio XII e os Judeus. Correio do Povo. Porto Alegre, 8 ago. 1965, p.4.
22
CORÇÃO, Gustavo. Pelo Mundo. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 out. 1966, p.4.
23
Idem.
24
CORÇÃO, Gustavo. Pelo Mundo. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 dez. 1966, p.4.
72
regime de Hitler; os comunistas eram também responsabilizados, sobretudo a URSS, por
provocarem a inimizade universal. Quanto aos países ocidentais, Corção os acusava de
impotentes e fracassados por permitirem que as desordens provocadas pelos comunistas
continuassem. Neste sentido, afirma: “Não é o comunismo russo ou chinês que constitui o
maior fracasso de nossa contemporânea civilização; é a impotência que um mundo mais forte,
mais rico e mais aparelhado de razões morais, demonstra diante dos monstros anti-
humanos.”
25
Como no caso da ameaçadora URSS:
“Assim também é a ssia para o ocidente: todos sabem
que são eles, os soviéticos, que ameaçam a paz, que praticam a
pirataria internacional que mantém o pior jugo que nem se pode
chamar colonialista, que envergonham o planeta com a prática
institucionalizada de trabalho escravo, e que, portanto, realizam
um dos mais feios fenômenos produzidos em toda a história.”
26
Nota-se que foram utilizadas diversas palavras que identificavam no comunismo um
regime negativo. Observa-se que, Gustavo Corção ao considerar o comunismo como um
fenômeno feio, faz uso de uma estratégia de discurso que procurava associar o regime a
imagens estéticas negativas.
Na perspectiva de manter as Américas em paz, livre das guerras, Corção vai alertar
para um perigo que ronda o continente: a intenção de Fidel Castro, um Mini-Hitler para o
intelectual, de organizar guerrilhas de norte a sul do continente americano com objetivo de
espraiar o socialismo por toda a América. Assim afirma Corção: “Ora, é nesse bom e pacífico
pedaço do mundo que existe agora um Mini-Hitler, excitado pelos russos e depois pelos
25
Idem.
26
CORÇÃO, Gustavo. Pelo Mundo. Correio do Povo. Porto Alegre, 22 dez. 1966, p.4.
73
chineses, a declarar abertamente aos berros, que quer revolucionar as Américas, que quer
comandar as guerrilhas em todos países do norte e do sul.”
27
O intelectual, ao comparar Fidel Castro a Hitler, pretendia, ao que parece, ligar o líder
cubano a um indivíduo que foi responsabilizado pela morte de milhares de pessoas durante a
Segunda Guerra Mundial. Parece que Gustavo Corção gostaria de ver os comunistas e Fidel
Castro identificados com assassinos, com pessoas que matam as outras, sem o mínimo de
respeito pelos direitos humanos.
Uma das motivações que levou Gustavo Corção a apoiar a coalizão civil-militar que
depôs o governo Goulart, era a promessa desta de impedir que a revolução socialista, que
havia tido lugar em Cuba, ocorresse no Brasil e, nesta perspectiva, o intelectual, fazendo uso
de sua arma no combate aos comunistas, no caso os jornais, alerta as autoridades nacionais
das intenções do inimigo. É interessante observar, neste confronto com os comunistas, o
pouco poder que o intelectual atribui a estes países. Para Corção, um simples telefonema, ou
até mesmo uma carta, seria suficiente para fazer com que os comunistas desistissem de suas
pretensões expansionistas. Neste sentido, afirma: “Com relação à atitude da URSS e da China,
pode ser que me engane, mas creio que uma simples carta de advertência bastaria para que
eles ficassem quietinhos enquanto o novo couraçado Haine, ancorado no porto de Havana,
desembarcasse a nova equipe de higienistas para tornar a limpar a bela ilha cubana da nova
espécie de febre amarela.”
28
Ao que parece, Corção gostaria que os norte-americanos interviessem em Cuba, como
fizeram em 1898, na Guerra Hispano-Americana. Os EUA, neste episódio, ‘libertaram’ Cuba
e adotaram medidas ‘higienizadoras’ na ilha.
27
CORÇÃO, Gustavo. Mini-Hitler. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 ago. 1967, p.4.
28
Idem.
74
Gustavo Corção parece identificar, nas forças norte-americanas, elementos saneadores,
que viriam livrar os cubanos de uma nova espécie de doença, representa por Fidel Castro e
seus aliados.
Ainda sobre Cuba, segundo o autor, um país cada dia mais problemático, destaca:
“Cuba se torna dia a dia um foco de inimizade mais violento e mais carregado. E essa
malignidade progride diante do mundo inteiro, transborda os limites da ilha, aparece no infeliz
continente sul americano sob múltiplas formas (...).”
29
O intelectual parece afirmar que o vírus comunista, oriundo de Cuba, estaria
ultrapassando os limites da ilha, e começava a contaminar outros países da América Latina,
nas mais variadas formas de doença. Neste sentido, parecia não aceitar o fato dos EUA o
intervirem em Cuba. Para Corção, havia, por parte do mundo, muita compreensão com líder
cubano Fidel Castro:
No caso de Fidel Castro parece-me que o erro cometido
pelo mundo foi o de ostentar uma excessiva compreensão. O
mundo inteiro foi compreensivo. Os totalitários, os intelectuais,
os anti-americanos, todos foram compreensivos. E foi por isso
que Fidel Castro conseguiu levar a infelicidade total à pobre
ilha que um dia foi chamada a Pérola das Antilhas. O que
faltou a Fidel Castro foi um ou dois porta-aviões ancorados em
Havana, como meio século atrás esteve o couraçado Haig, para
a felicidade dos cubanos.
30
Vê-se que, novamente, Corção faz referência a ação desencadeada pelos norte-
americanos, em Cuba no século XIX, e parece querer tratar o caso da ilha como um problema
de saúde pública.
29
CORÇÃO, Gustavo. O Direito à Tranqüilidade. Correio do Povo. Porto Alegre, 17 ago. 1967, p.4.
30
CORÇÃO, Gustavo. Que quererá dizer “compreensão”? Correio do Povo. Porto Alegre, 24 nov. 1966, p.4.
75
Na perspectiva das intervenções norte-americanas, em países ameaçados pela
infiltração comunista, assim manifesta-se Gustavo Corção:
“O acontecimento que encheu a semana, e cujas
conseqüências se prolongarão por séculos, foi a intervenção
norte-americana na República Dominicana onde se formara um
novo tumor comunista, semelhante ao que infelicitou o povo
cubano. O presidente Lyndon Jonhson agiu com decisão e
rapidez surpreendentes, quebrando assim o preconceito
estabelecido da estupidez e da inércia norte-americana em
matéria de política internacional.”
31
Além de evitar que o comunismo tivesse lugar em mais um país, Corção parecia
demonstrar satisfação pelos EUA porem em prática o princípio da intervenção, ao qual o
intelectual se mostrava favorável. Corção era contrário ao isolacionismo entre as nações,
defendendo a tese de que, sempre que fosse necessário, um país deveria intervir em outro,
deixando de lado a autodeterminação. Nota-se que, na citação acima, Corção relaciona o
comunismo ao câncer, doença grave que se o for tratada no início poderá ser fatal para o
enfermo.
Outra intervenção norte-americana foi assim retratada pelo intelectual: A outra
notícia boa da semana vem dos Estados Unidos. O presidente Johnson está determinado a
continuar a guerra no Vietname até deter a expansão comunista, e está determinado a
bombardear os objetivos militares em Hanói todas as vezes que julgar necessário.”
32
Nas polêmicas que desenvolvia, no sentido de evitar a infiltração comunista no Brasil,
Gustavo Corção se deparou com intelectuais, alguns católicos como ele, que tinham outra
visão sobre o regime, e que o viam apenas elementos negativos no comunismo.
31
CORÇÃO, Gustavo. Uma vitória democrática. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 maio 1965, p.4.
32
CORÇÃO, Gustavo. Mosaico. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 jul. 1966, p.4.
76
Acreditavam, inclusive, que uma boa maneira de se evitar a expansão comunista seria fazer
uso de algumas de suas práticas para impedir que ele se espraiasse.
É interessante observar, nos textos de Corção, que, em determinadas situações, o autor
citava o nome da pessoa para o qual a crítica se dirigia; em outros momentos o nome era
omitido. As críticas de Corção aos intelectuais com os quais polemizava normalmente eram
feitas quando estes esboçavam algum tipo de simpatia pelas ações desenvolvidas pelos
comunistas, ou também, quando criticavam as ações do novo governo. Desse modo:
“É curioso observar que esses mesmos intelectuais’, que
agora levantam o estandarte da liberdade cultural, não
demonstraram nenhum zelo quando a verminose comunista
assolava o país e ameaçava não apenas prender este ou aquele
‘intelectual’, mas acabar de vez, radicalmente, com a liberdade
de cultura. Disse que não demonstraram nenhum zelo, mas seria
melhor dizer que demonstraram até simpatia pelos movimentos
chamados de esquerda que poderiam ter implantado no país um
regime comunista”
33
Gustavo Corção não acusa, diretamente, os intelectuais de comunistas, mas, ao fazer
alusão a sua simpatia pelas esquerdas, parece que pretendia associá-los, por criticarem o
regime militar, ao comunismo. Percebe-se que, mais uma vez o intelectual, faz uso de suas
estratégias de discurso, que teria por objetivo abalar a imagem dos comunistas, quando os
compara a uma doença de vermes.
Ainda com relação aos intelectuais que se manifestaram contra a prisão de alguns
representantes do meio, Corção justifica que estes foram presos não por serem intelectuais.
Isto fora apenas uma coincidência. Os motivos da prisão, na verdade, teriam sido outros,
conforme ele mesmo afirma: “Houve, isto sim, prisão de alguns indivíduos que
33
CORÇÃO, Gustavo. Os Democratas da Última Hora. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 set. 1964, p.4.
77
acidentalmente pertencem àquela categoria dos ‘intelectuais’; mas eles não foram presos por
serem mais ou menos intelectuais, e sim por serem agitadores ou ladrões. Por isso estão
presos. Não me consta que alguém tenho sido preso por causa de livros ou artigos escritos.”
34
Observa-se que, para Corção, o fato de ser ou não intelectual era irrelevante. A prisão
se justificava, segundo o autor, na medida que o preso fosse um agitador ou ladrão, que
atacasse o governo. Um governo de mansos e educados generais “(...) os generais mais
mansos do mundo, que até para fazer uma revolução pedem licença e fazem cerimônias.”
35
Para o intelectual, aquelas pessoas que se voltassem contra o governo, estariam
conspirando contra os interesses nacionais genuínos.
Gustavo Corção, na avaliação que faz do governo, parece identificar que lá estão
pessoas com boas intenções e que em todas as suas ações têm como meta apenas o bem estar
da população brasileira. Nesta medida, manifesta o articulista a sua contrariedade àqueles
intelectuais que acusam o governo de estar fazendo terrorismo cultural:
“Esses mesmos que hoje falam em terrorismo cultural
nunca atacaram o verdadeiro terrorismo que infelicita a Ilha de
Cuba. Ao contrário, apoiaram. Invocaram uma teoria
maquiavélica pela qual ninguém pode intervir em país nenhum
ainda que o ditador desse país pratique as maiores infâmias
contra seus desarmados habitantes.”
36
Nota-se que, Gustavo Corção, no texto acima, quando se refere aos intelectuais em
nenhum momento menciona nomes, mas parece que está se referindo a Alceu Amoroso Lima
ou Tristão de Atayde, pseudônimo utilizado por Amoroso Lima na assinatura de alguns
34
Idem.
35
Idem.
36
Idem.
78
artigos. O intelectual, também católico, fôra colega de Corção no Centro Dom Vital durante
anos. Corção deixou o Centro em 1963, por divergências de idéias com Amoroso Lima.
Estas divergências surgiram porque Gustavo Corção passara a ver, em Amoroso Lima,
alguém que estava muito próximo aos comunistas. Apesar de não afirmar categoricamente
que Alceu Amoroso Lima era um comunista, Corção, em seus textos, procurava mostrar a
aproximação deste com as esquerdas.
Acredita-se que, seja Alceu Amoroso Lima o alvo central das críticas de Corção na
colaboração acima, porque este havia escrito um artigo, na época, cujo título era Terrorismo
Cultural. Neste artigo, Amoroso criticava o governo do Brasil por suas atitudes em relação
aos seus opositores, dentre eles, políticos, intelectuais, religiosos, estudantes:
“Quando são demitidos dos seus cargos homens de
reputação mundial no plano da educação, como Anísio Teixeira,
no plano da sociologia como Josué de Castro, no plano da
economia, como Celso Furtado, simplesmente por pensarem de
modo diferente da nova ideologia dominante, estamos no plano
do terrorismo cultural. Quando se prendem filósofos puramente
metafísicos, como Ubaldo Puppi, não se sabe porque, ou jovens
líderes intelectuais, como um Luís Alberto Gomes de Sousa e
outros, simplesmente porque se considera que seus métodos de
alfabetização são ‘subversivos’, estamos no plano do terrorismo
cultural.”
37
Identifica-se no texto de Alceu Amoroso Lima, posições bastante semelhantes às que
são criticadas por Gustavo Corção. Críticas fortes aos intelectuais puderam ser percebidas,
também, na análise que Gustavo Corção fez a respeito de um manifesto destes, publicado nos
jornais em março de 1965:
37
LIMA, Alceu Amoroso. Terrorismo Cultural. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1964, p.232.
79
“Esse manifesto ‘restaurador’ perde o pouco valor político
e cultural que pudesse ter desde que se considerem os
signatários. Por motivos diversos, esses signatários invalidam
qualquer apelo, desencorajam qualquer movimento,
desmoralizam qualquer reclamação, sobretudo quando vem
posta em termos de ‘libertação’, de não intervenção nos
sindicatos e nas universidades, de condenação do ‘terror
cultural’”.
38
O manifesto perde o valor, segundo Corção, porque suas reivindicações fugiriam dos
padrões daquilo que poderia ser pedido para o governo. Pedir a libertação de presos ou a não
intervenção do governo federal nas universidades seria, segundo o autor, uma demasia.
Em algumas situações, o articulista parecia ser a favor não apenas da intervenção, mas
até do fechamento de instituições de ensino, como no caso da Universidade de Brasília:
“... li hoje as notas distribuídas pelos estudantes da
Universidade de Brasília. Dizem assim: Nós, os estudantes da
Universidade de Brasília, vimos (sic) denunciar ao povo
brasileiro e aos povos de todo o mundo (coitadinhos!!) o fim de
nossa Universidade, a única neste país ainda intimamente ligada
a um passado colonialista ...’
Chega. Basta estas três ou quatro linhas para saber que
ninguém tem razão, e que nunca existiu Universidade em
Brasília, (...). A meu ver, a Universidade em que os alunos, em
sua maioria, escrevem uma nota com essa imbecilidade
estereotipada e afinada pelos melhores diapasões comunistas,
deve ser fechada, deve ter os professores demitidos e os alunos
convidados a aguardarem a reorganização de uma entidade
menos soviética.”
39
O intelectual sugere o fechamento da Universidade, pois esta estaria sendo organizada
baseada no ideário comunista. Nota-se que, para o intelectual, o texto dos alunos seria apenas
um reflexo da orientação político-ideológica da instituição. Corção parecia não acreditar que
os jovens tivessem uma inclinação natural para a subversão. A adesão da juventude ao
38
CORÇÃO, Gustavo. Um manifesto. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 mar. 1965, p.4.
39
CORÇÃO, Gustavo. Brasília e Brasil. Correio do Povo. Porto Alegre, 24 out. 1965, p.4
80
comunismo se daria através de influências externas. Nesta perspectiva, afirma o articulista:
“Amanhã se incendiarão jovens para protestar contra o nosso Governo ou contra a prisão de
guerrilheiros disfarçados em sacerdotes. Imagino que até estejam pensando nisso os
agitadores e conscientizadores de jovens.”
40
Além das universidades, o articulista também polemizava sobre as organizações
estudantis, entre elas, a AP e a UNE.
Em relação a Ação Popular, organização composta por estudantes e intelectuais
católicos fundada em 1962, conforme foi referido anteriormente, o articulista mostrou-se
contrariado com uma reportagem apresentada pelos jornais, em novembro de 1967, cuja
temática era a Ação Popular (AP). Neste perspectiva, declarou:
“Foi publicada domingo último, em um de nossos
matutinos, uma reportagem tendente a mostrar que a Ação
Popular é um movimento estudantil católico (...).
Na verdade, a Ação Popular envolve pessoas
nominalmente católicas, inclui padres, entusiasma meia zia
de religiosos que fizeram voto de vida de perfeição e vivem
agora a sonhar guerrilhas, a até arrasta alguns bispos que julgam
entrever nos programas incendiários a doutrina dos papas
(...)”.
41
Corção tenta, ao que parece, desvincular a AP dos católicos. Segundo o intelectual, o
movimento era formado por uns poucos religiosos que fizeram a opção pelas organizações
guerrilheiras. Nota-se que o intelectual faz referência aos textos da AP como sendo
incendiários, numa clara alusão de que o movimento ou alguns de seus membros poderiam
colocar fogo no Brasil.
Ainda sobre a Ação Popular afirma o intelectual:
40
CORÇÃO, Gustavo. A paixão da Tcheco-Eslováquia. Correio do Povo. Porto Alegre, 30 jan. 1969, p.4.
41
CORÇÃO, Gustavo. A Ação Popular e os Católicos. Correio do Povo. Porto Alegre, 03 dez. 1967, p.4.
81
“(...) é realmente um movimento marxista que programa a
guerra civil e distribui instruções sobre guerrilhas. Os
componentes desse grupo, fiéis aos postulados marxistas e anti-
americanos, desejam simplesmente tomar o poder para instituir
em nosso Brasil uma experiência parecida com a que matou
dezenas de milhões de camponeses russos entre 1920 e 1930,
(...).
Na minha convicção, dia a dia robustecida pela observação
dos fatos, trata-se de um movimento de loucos e de imbecis
apaixonados pela única idéia brilhante que sentiram projetar no
occipital.”
42
Gustavo Corção além de tentar desvincular a Ação Popular dos católicos, aponta para
a aproximação destes com o comunismo. Nesta perspectiva, faz uso de estratégias de discurso
que associavam o comunismo a morte, e define os adeptos do movimento AP como pessoas
com problemas de insanidade mental.
Corção parecia preocupado com o fato das autoridades pouco fazerem para impedir o
crescimento de movimentos como a Ação Popular. Nesta direção, refere:
“A vitória fácil parece ter amortecido a combatividade do
governo e parece ter adormecido todas as vigilâncias. Apesar da
mediocridade espantosa desses monstrinhos, entre os quais se
encontram padres religiosos e seculares, receio muito que a
negligência do poder público e das autoridades eclesiásticas
venham ainda trazer enormes sofrimentos ao pobre povo
brasileiro”.
43
O intelectual ao referir-se ao membros da AP como monstrinhos pretendia, ao que
parece, associar a figura dos comunistas a pessoas perversas, e neste sentido alerta ao governo
do risco que corre a população brasileira se nada for feito para para que esses monstros
deixassem de existir.
42
Idem.
43
CORÇÃO, Gustavo. Ação Popular. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 nov. 1967, p.4.
82
Com relação a UNE (União Nacional de Estudantes), afirma Corção:
“Ninguém poderá provar, a não ser com argumentos
comunistas da linha chinesa ou russa, que o problema
universitário terá um progresso com a criação de uma entidade
que virá trazer um elemento de perturbação e de
obscurecimento dos problemas. O passado recente diz o que foi
e o que fez a UNE, (...). A obra prima da UNE foi o Calabouço
que, como ninguém ignora, era uma praça de guerra ou de
guerrilha disfarçada em restaurante para estudantes pobres”.
44
Observa-se que, novamente, o intelectual faz uso daquelas estratégias discursivas para
as quais chamou-se atenção anteriormente. O articulista relaciona entidades como a UNE aos
comunistas chineses ou russos e, logo em seguida, afirma que os encontros organizados pelos
estudantes traziam como resultado a perturbação da ordem pública e a organização de
novos grupos de guerrilhas comunistas no Brasil.
Ainda na área da educação, Gustavo Corção teria identificado a História como a
disciplina que mais favorecia a difusão do ideário comunista. Neste sentido, afirma: “O ensino
de História é o Cavalo de Tróia da pregação marxista, é a introdução, ou a apologética da
nova Fé.”
45
O intelectual, parece comparar o marxismo a uma religião, e os professores de História
seriam os evangelizadores que teriam como missão difundir a nova doutrina na busca de
novos adeptos.
Os professores considerados comunistas por Gustavo Corção também foram
destacados em seus textos:
44
CORÇÃO, Gustavo. Reforma Universitária. Correio do Povo. Porto Alegre, 16 jul. 1968, p.4.
45
CORÇÃO, Gustavo. A Ressurreição do Iseb. Correio do Povo. Porto Alegre, 04 jan. 1968, p.4.
83
“(...) dois ou três professores comunistas, ou esquerdistas se
quiserem, transmitem seus ressentimentos a dezenas de patetas
que se julgam na crista da onda da história, quando não passam
do lixo que tem a realidade do obstáculo e do incômodo.
Agentes essencialmente negativos, anárquicos, funcionam eles,
condutores e conduzidos, como o ácido que corrói e desmancha.
Estão desmanchando o Brasil.
No Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, esses bacilos
atacaram os cursos onde os melhores professores ensinavam a
melhor doutrina.”
46
Lixo, ácido, bacilos, são algumas das palavras utilizadas por Gustavo Corção para
caracterizar os professores que identificava como comunistas. E diz mais: “O fato é que os
micróbios do Brasil conseguiram a expulsão de Dom Irineu Pena, professor de Filosofia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.”
47
Parece que o articulista pretendia associar os professores a agentes transmissores de
doenças. A doença, o comunismo, era altamente contagiosa e deveria, segundo Corção, ser
combatida. O que, em alguns momentos, parecia preocupar o intelectual era a lentidão das
autoridades: “O que não entendo, no caso presente, é a imobilidade produzida por um inimigo
desprezível. É a cerimônia que todos manifestam diante de meia dúzia de insolentes que
contagiam centenas de rapazes. Receio que julguem ser essa tolerância uma alta virtude
democrática.”
48
Corção parecia cobrar das autoridades ões mais rápidas e eficazes para combater os
responsáveis pelo contágio, evitando, com isto, que a ‘doença’ se espalhasse. Nota-se que,
uma estratégia discursiva que se apresenta em alguns textos do articulista, diz respeito ao
número de pessoas identificadas com o comunismo. Corção, quase sempre ressalta que são
poucos os já ‘contaminados’, no entanto, destaca que os passíveis de contaminação são
46
CORÇÃO, Gustavo. Dom Irineu Pena. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 set. 1968, p.4.
47
Idem.
48
Idem.
84
muitos, inclusive no meio católico, através da Teologia da Libertação, como se procurará
demonstrar no capítulo que segue.
85
4 Gustavo Corção: a sua oposição aos
padres progressistas
4.1 A década de 1960: as Encíclicas e o surgimento da Teologia da Libertação
Na década de 1960, a Igreja Católica passou por uma série de transformações. As
Encíclicas do Papa João XXIII, Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1962),
indicavam um novo caminho para a Igreja, o da melhoria das condições de vida das
populações pobres dos países subdesenvolvidos.
Na mesma linha proposta por João XXIII, o Papa Paulo VI e o Concílio do Vaticano II
(1962-1965), pretendiam uma Igreja dialogante, que estabelecesse conversação com todas os
países do mundo, até mesmo com os comunistas. Havia, nos textos dos Papas Pio XII, João
XXIII e Paulo VI, sugestões para que a Igreja Católica se envolvesse mais nas questões
ligadas à justiça social, conforme afirma Alceu Amoroso Lima:
“Tanto Pio XII como João XXIII e o atual Paulo VI nos poucos
meses do seu pontificado, vem insistindo na Justiça Social, na
Paz, na Ação Missionária e apostólica, e portanto na presença
da Igreja no mundo como fermento e não como policiamento,
em suma numa tomada de posição dialogante e democrática e
não monologante ou ditatorial, como sendo o meio mais puro e
mais intrinsecamente cristão de realizar a sua missão perene de
pregadora e realizadora do Reino de Deus.”
1
A Igreja Católica deveria estabelecer o diálogo com todas as nações; trabalhar para
estabelecer a paz no mundo; cuidar para que a justiça social fosse alcançada naqueles países
1
LIMA, Alceu Amoroso. Diálogo da Igreja com o mundo moderno. In: Revolução, reação ou reforma? Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964, p.176.
86
onde a desigualdade estivesse presente. O trabalho para que o pobre tivesse uma condição de
vida melhor deveria ser uma missão importante para a Igreja Católica.
Deve-se destacar, ainda, que as mudanças pelas quais passava a Igreja Católica
estavam inseridas em um contexto de Guerra Fria, quando Estados Unidos e URSS
disputavam zonas de influência no mundo. A Igreja Católica, instituição com influência
política importante, não poderia se furtar ao debate e de sofrer as conseqüências do processo
que se desenvolvia.
A década de 1960 marcou, também, o surgimento, fundamentalmente na América
Latina, do movimento social Teologia da Libertação, que apontava a pobreza, não como um
desígnio de Deus, mas como uma conseqüência do sistema econômico
2
. Um movimento
católico, que defendia a libertação dos pobres da situação de opressão. Os pobres deveriam
ser os agentes de sua libertação, ou seja, as condições de vida deveriam melhorar a partir do
seu próprio trabalho, sem que fosse necessário a esmola ou a caridade de outros.
É significativo observar como as idéias relacionadas à questão social passavam a
dominar os debates dentro da Igreja Católica. A atenção para com o pobre, com o trabalhador
e com a perspectiva de melhoria nas condições de vida desta camada da população, são,
principalmente a partir da década de 1960, uma nova preocupação da Igreja.
Esta preocupação desagradava a alguns setores conservadores da Igreja Católica, que
entendiam que os pobres sempre foram alvo das ões da Igreja. Na perspectiva dos
conservadores, as novidades propostas da Teologia da Libertação eram antigas, pois
acompanhavam a Igreja ao longo de sua história.
2
LÖWY, Michael. A Guerra dos Deuses: Religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000, p.61.
87
A diferença mais significativa entre os dois grupos estava na ação junto aos pobres. Os
conservadores defendiam a evangelização da população, pois entendiam que a missão da
Igreja Católica deveria centrar-se na salvação das almas. Para os progressistas, cumprir os
deveres sacerdotais era importante, mas a conscientização da população era também
relevante.
No catolicismo brasileiro, a repercussão das mudanças pelas quais passava a Igreja
Católica, também se fez sentir. O foco central da discussão era a questão da justiça social,
que, no caso de ser escolhida como prioridade na ação da Igreja, representaria uma mudança
de perspectiva no trabalho pastoral dos católicos. Ganharam projeção, neste momento,
aqueles católicos comprometidos com a causa dos pobres. A chamada esquerda católica
3
passou a divulgar , na medida do possível, o seu ideário. Como já foi referido anteriormente,
surgiram movimentos como a Ação Popular e organizações populares como as CEBS, ambas
criadas por católicos ligados à esquerda.
4.2
As estratégias discursivas de Gustavo Corção para combater o
progressismo
na Igreja brasileira
Como referiu-se acima, havia, no meio católico, um choque de idéias entre
conservadores e progressistas. Nesta perspectiva, Gustavo Corção, defensor da Igreja
tradicional, era contrário às mudanças, conforme afirma: “Qualquer pessoa de costumes
tranqüilos, que tenha passado a linha dos sessenta, tem natural propensão a não gostar de
reformas, a não saborear como os moços, e como os intranqüilos as modificações no estilo de
3
Ibid., p.56-57.
88
vida, e essa pessoa tede apelar para altos escalões da razão a fim de não se deixar guiar
pelos arrepios da sensibilidade.”
4
Esta contrariedade, demonstrada pelo intelectual, em relação às reformas, contribuiu
para que combatesse, através de seus textos aqui analisados, conforme referido na
introdução deste trabalho, nas linhas gerais do método da Análise de Conteúdo, proposta por
Zicman – , aqueles que as propusessem para a Igreja Católica.
No combate contra a infiltração subversiva, Gustavo Corção fazia uso de algumas
categorias para definir aqueles que identificava como comunistas. Pôde-se observar que os
adjetivos utilizados por Corção eram, quase sempre, palavras depreciativas, utilizadas, ao que
parece, para abalar a imagem daqueles que identificava como comunistas.
A lógica utilizada por Corção para referir-se aos que propunham mudanças dentro da
Igreja Católica tinha o mesmo propósito. O intelectual fazia uso de estratégias discursivas que
objetivavam desqualificar os que propunham novas idéias para a ação da Igreja.
O articulista utilizava-se de categorias como: loucos, malucos, tolos, doidos,
desobedientes, imbecis, pederastas, dentre outras que usava para definir seus contrários no
meio católico. Nota-se que o intelectual apontava os adeptos do movimento social da
Teologia da Libertação como inimigos da Igreja Católica tradicional. Deve-se destacar que
raramente Corção usava a expressão Teologia da Libertação nos seus textos. Para fazer
referência aos adeptos deste movimento, utilizava o termo progressistas.
O que Gustavo Corção parecia não aceitar nos chamados progressistas, era,
fundamentalmente, o fato de fazerem uso do marxismo como instrumento sócio-analítico para
a compreensão das causas da pobreza.
4
CORÇÃO, Gustavo. Reformas Litúrgicas. Correio do Povo. Porto Alegre, 18 mar. 1965, p.4.
89
Observou-se no capítulo anterior que o articulista era, nas áreas política e econômica,
um anticomunista, o que parece não ser diferente em relação às questões religiosas. Corção
demostrava forte oposição àqueles que tentavam unir, em uma mesma perspectiva, católicos e
comunistas. Nesta direção, afirma: “A desgraça do Brasil coincide com a desgraça do mundo:
As sementes de infiltração comunistas nos meios católicos produziam, depois do Concílio,
seus frutos venenosos. No mundo inteiro se viu, com assombro, o desenvolvimento da heresia
chamada ‘progressista’ que, entre outros fatores, trazia o adulterino conúbio com as idéias
marxistas.”
5
Nota-se que, para Corção, unir católicos e marxistas seria uma espécie de traição. O
elo de ligação entre marxistas e católicos, no Brasil, foram, de acordo com o intelectual:
“No Brasil, com o atraso de sempre, o fenômeno encontrou
base no ‘vedetismo’ do arcebispo de Recife e Olinda; no
Movimento de Educação de Base (que até hoje está em mãos
esquerdistas); no socialismo dos dirigentes da Petrobrás (que
financiou publicações subversivas e que publicou o número de
Março de 1964 de sua revista com o martelo e a foice na capa);
na Ação Popular dirigida e inspirada por um padre jesuíta e
depois desabrochada em movimento subversivo pela ação dos
padres dominicanos, alguns dos quais saíram pela porta dos
fundos; e em meia dúzia de bispos, como o de Santo André e o
de Volta Redonda, possuídos do delírio socialista.”
6
O intelectual associa a figura de D. Helder Câmara a uma vedete, parecendo querer
apontá-lo como alguém que deseja ser o centro das atenções. Quanto aos padres e leigos
envolvidos com a Teologia da Libertação, Corção afirma que estariam “possuídos” pelo
“delírio socialista”, parecendo fazer uma ligação deste ideário com o demoníaco e com a
ausência de lucidez.
5
CORÇÃO, Gustavo. Para a normalização do Brasil. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 abr. 1969, p.4.
6
Idem.
90
Para o articulista, aqueles que pretendessem a união entre catolicismo e marxismo
estariam fundando uma nova Igreja, conforme afirma: “Leio no Jornal do Brasil de domingo
[24/12/1967], 1
o
. Caderno, página 3, uma notícia que me deixa assombrado porque parece
significar a fundação de uma nova Igreja Brasileira ou Nordestina que as declarações e
proposições que o jornal transcreve não se coadunam com a Igreja Católica Apostólica
Romana na qual vivo e na qual quero morrer.”
7
As proposições a que se refere o intelectual estavam relacionadas à interferência da
Igreja Católica na luta por reformas sociais. Neste sentido, aponta:
“Entre outras passagens [da notícia no J. Do Brasil] noto a
seguinte: ‘Ora, a Igreja considera como uma das suas principais
missões hoje, não no Brasil como em toda a América Latina,
deflagrar o processo de reformas sociais’. Ora, digo eu, esta
Igreja que tal coisa considera e tal coisa formula através de seus
fundadores não é a Igreja Católica cuja sede está em Roma e
cuja função principal continua a ser a da salvação dos homens e
da santificação”.
8
O articulista, ao que indica, não gostaria que ocorresse um envolvimento da Igreja
Católica com a problemática social. O rompimento com a tradição católica da salvação das
almas era considerada por Corção, como algo negativo, o que colaborava para que criticasse
os religiosos envolvidos com a nova perspectiva de ação proposta à Igreja:
“É muito variada a tipologia dos padres especificamente
novos. Entende-se desde o negativismo rancoroso, febril,
desobediente, estéril, a os pobres padres meio doidos e os
paupérrimos padres inteiramente tolos. Várias as atitudes, as
motivações, as fisionomias, mas creio que se pode reconhecer
em todas as variedades, a presença daquele parâmetro atrás
assinalados: o desejo de ruptura. Desobedientes, rebeldes em
medida e em tons infinitamente variados, eis o que se vê, sem
7
CORÇÃO, Gustavo. Que Igreja é essa?. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 dez. 1967, p.4.
8
Idem.
91
necessidade de grande sagacidade, nessa espécie de padre que
se diz nascida da Igreja em estado de Concílio.”
9
O possível interesse em romper com a doutrina tradicional da Igreja, que Corção
credita aos “padres novos”, o deixava contrariado, provavelmente porque lhe dava idéia de
mudanças no meio católico. Esta contrariedade se reflete na forma como classificava os
adeptos a novas idéias. Doidos, tolos, possuídos, são algumas das categorias utilizadas para
fazer referência aos religiosos que denominava de progressistas.
O Concílio Vaticano II (1962-1965) e as Encíclicas do Papa João XXII, Pacem in
Terris (1962) e Mater et Magistra (1961), foram também polemizadas pelo articulista.
Corção, ao que indica, não concordava com aqueles católicos, membros do clero ou do
laicato, que viam no Concílio e nas Encíclicas, sugestões dos Papas João XXIII e Paulo VI
para uma posição de diálogo da Igreja com o comunismo e/ou alguma indicação de que esta
deveria desenvolver ões mais efetivas em prol da justiça social. Desse modo, afirma o
articulista:
“O Concílio se reuniu, funcionou dramaticamente, num
ambiente de expectativas santas e expectativas desvairadas,
produziu as conclusões que estão gravadas em livros ao alcance
de todos. Mas apesar desses textos claríssimos, os
decepcionados continuam a dizer que o Concílio disse o que
não disse. Treinados no convívio com os comunistas, que
mentem com fervor, os católicos chamados progressistas, ou
esquerdistas, passaram a mentir a respeito de João XXIII e a
respeito das constituições conciliares.”
10
Observa-se que o intelectual, novamente, refere-se aos chamados progressistas como
desvairados, decepcionados e mentirosos. A estratégia discursiva, neste texto, parece querer
9
CORÇÃO, Gustavo. Os novos padres. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 abr. 1965, p.4.
10
CORÇÃO, Gustavo. Pronunciamento dos leigos de São Paulo. Correio do Povo. Porto Alegre, 08 jan. 1967,
p.4.
92
atribuir a um possível convívio com adeptos ao comunismo o fato dos católicos tornarem-se
portadores de problemas de conduta moral e de supostos desvios de comportamento, como o
ato de mentir. Nota-se que, Corção, ao propor a ocorrência de contatos entre católicos e
comunistas, transfere para os primeiros muitas daquelas categorias, identificadas no capítulo
anterior, atribuídas aos partidários do comunismo.
Ainda sobre os progressistas, refere Corção: “... o ponto onde quero chegar é o
seguinte: para esses padres ‘progressistas’, conspiradores e imitadores de Guevara, a Figura
de Velha Madre Igreja é a de um ‘ghetto’. Riem-se, zombam da forma, da Figura, das paredes
da Casa de Deus, mas na hora do pega... correm todos para o Pique. Sim, para eles a Igreja
nessa hora é fechada, inviolável, sagrada. É o pique.”
11
Novamente Corção associa a figura dos padres chamados progressistas aos
comunistas e também a Guevara. Observou-se anteriormente que uma estratégia utilizada pelo
articulista para fazer referência aos opositores do governo é de colocá-los sempre como uma
minoria e, também, apontá-los como pessoas que não enfrentavam situações difíceis, de
confronto. Em ocasiões assim, na perspectiva de Corção, os comunistas do meio político,
quando do golpe de 1964, teriam se retirado sem esboçar reação. no meio católico, os
comunistas quando em perigo, resolviam voltar-se para a Igreja. Não para a nova Igreja, mas
para a tradicional.
O articulista acusava os progressistas de estarem afastando os fiéis da Igreja Católica:
“Os chamados ‘progressistas’, que planejam no mundo
inteiro a destruição da Igreja de Cristo costumam dizer coisa
parecida na linha do que chamam desacralização (sic) e
secularização. Ora, além de todos os erros e males, ou por causa
deles, o que esses neo-protestantes vêm conseguindo é afastar o
11
CORÇÃO, Gustavo. O sábio pronunciamento do General Álvaro Cardoso. Correio do Povo. Porto Alegre, 08
dez. 1968, p.4.
93
povo da Igreja. Por enquanto ainda ficam pelas cercanias a
acender velas ou a inventar devoções. Mas os esvaziadores da
Igreja conseguiram resultados palpáveis com seus métodos
secularizados ‘pós-conciliares’, e com suas corridas atrás dos
jovens: se nota um crescimento assustador das manifestações
religiosas afastadas da Cruz de Nosso Senhor.”
12
Corção usa as categorias de “destruidores” e “esvaziadores” da Igreja para identificar
os progressistas. Para o articulista, as idéias e atos destes católicos estariam colaborando para
o surgimento de outros cultos, e a conseqüente imigração dos fiéis para eles.
Ainda nesta perspectiva, prossegue Gustavo Corção:
“... com mais alguns anos de secularização, de conscientização,
de otimismo pós-conciliar que descobre o lado positivo de tudo,
a começar pela pederastia; com mais alguns anos de tolerância
que julga ter a máxima sabedoria na procura do meio termo em
coisas do caráter, da honra, da religião, da fé e da caridade; com
mais alguns anos de ‘Vozes’, de ‘Paz e Terra’ (...) nesse tempo,
que vejo próximo, terá algum desmemoriado octogenário a
acender velas e fazer pelos-sinais diante das imagens do santos.
O resto do povo estará prestando culto a Iemanjá; ou então se
contentará com o Deus que está em toda a parte.”
13
O intelectual identifica nas inovações propostas pelos progressistas tolerância para
pederastia, o que o Corção parecia definir como um desvio de comportamento. O articulista,
como já se destacou, usava como estratégia discursiva associar os atos de seus opositores a
doenças: “Para maior aflição do mundo contemporâneo chega-nos hoje agravamento do mal
de onde sempre esperamos socorro. Homens da Igreja, tomados de mal súbito, põem-se a
pregar, a ensinar o contrário do que prega e ensina a Igreja, e o contrário do que sempre o
bom senso católico soube discernir.”
14
12
CORÇÃO, Gustavo. A purificação da Fé. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 jun. 1969, p.4.
13
Idem.
14
CORÇÃO, Gustavo. In hoc signo. Correio do Povo. Porto Alegre, 08 jun. 1969, p.4.
94
Nota-se que os católicos progressistas estariam, para Corção, acometidos de algum tipo
de doença que os fazia andarem no sentindo oposto daquele determinado pela Igreja Católica.
Acredita-se que esta doença esteja associada à influência comunista que Corção atribuía às
interpretações do Concílio Vaticano II feitas por alguns religiosos.
Seguindo na linha de “destruição” da Igreja Católica, os progressistas, por estarem
doentes, e a doença, como se viu, parecia ser o comunismo, acabariam pondo fim à Igreja
como instituição e até à própria civilização: “... quando o mundo inteiro com solar
evidência a malignidade intrínseca do socialismo, surgem os mesmos eclesiásticos a anunciar
a redenção pelo socialismo; e quando o mundo inteiro se amedronta com a onda crescente de
anarquia, chegam-nos eles, os que se chamam ‘progressistas’, para aplaudir (...) os
depredadores da civilização.”
15
A idéia de malignidade permanece. Observa-se que os progressistas, ao demonstrarem
admiração pelo socialismo, estariam colaborando para que a civilização fosse destruída. O
intelectual, ao que parece, pretendia relacionar os progressistas a pessoas desorientadas,
porque, na lógica discursiva do autor, somente pessoas com problemas de saúde mental
poderiam aplaudir algo que julgava como sendo o mal.
Nas polêmicas que estabelecia com os adeptos da Teologia da Libertação, Corção, ao que
indica, demonstrava preocupação com as relações entre Estado e Igreja. Neste direção, afirma:
“... a ação dos padres de esquerda foi especialmente perniciosa
e gritantemente injusta contra os governos que lutaram pela
normalização do Brasil. As famosas ‘passeatas’ de protesto
pelos mais artificiais pretextos ameaçaram arrastar o Brasil
novamente para os espasmos de anarquia dos tempos de
Goulart. (...) os mesmos eclesiásticos que estiveram calados nos
tempos em que uma equipe de cafajestes destruía o país e o
entregava ao inimigo secularmente condenado pela Igreja (...)
15
Idem.
95
invocam hoje encíclicas, direitos do homem, interesse pelo
pobre para atrapalhar, tolher, contrariar a obra de governos
honestos que querem normalizar o Brasil na linha das ditas
encíclicas, dos ditos direitos, e principalmente na linha dos
serviços prestados aos pobres que os governos anteriores
tornaram ainda mais torturados pela inflação.”
16
Gustavo Corção estaria acusando os progressistas de tumultuar o país com seus protestos
contra o regime. Para o intelectual, estas manifestações pareciam ser injustas e
descontextualizadas, pois, em um momento em que o Brasil estava vulnerável à infiltração
comunista, os mesmo progressistas não teriam feito nada para evitar que tal acontecesse.
O articulista demostrava preocupação com as ações dos progressistas, e neste sentido,
esclarecia ao governo: Acho importantíssimo que o governo saiba que estes personagens
leigos ou padres, e até bispos, não são a Igreja Católica, e não têm o direito de usar essa
denominação para reivindicar um medida administrativa que escapa a jurisdição da Igreja,
(...). o governo precisa saber que a maioria dos Bispos do Brasil não concorda absolutamente
com essas posições e com essas declarações.”
17
Gustavo Corção, ao que parece, não considerava os progressistas como membros
legítimos da Igreja Católica, portanto não poderiam usá-la como respaldo para suas
manifestações de oposição aos militares. Nesta perspectiva, o intelectual sustentava a
repressão contra aqueles que tentassem prejudicar as ações do governo com atos subversivos,
mostrando-se, inclusive, favorável a algumas medidas implantadas a partir do Ato
Institucional n.5. Ainda que se posicionasse a favor da democracia, Corção afirma que:
“Enquanto admitirmos os direitos ilimitados da imprensa, da
propaganda e da pregação subversiva, não poderemos entregar
o país às fórmulas chamadas democráticas.
16
CORÇÃO, Gustavo. Para a normalização do Brasil. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 abr. 1969, p.4.
17
CORÇÃO, Gustavo. Que Igreja é esta?. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 dez. 1967, p.4.
96
Contínuo a desejar o mesmo ideal, a servir a mesma
tendência. Mas não sou suficientemente burro para desejar em
minha pátria o ‘exercício’ de certos atos políticos que
beneficiam os inimigos do homem e de Deus.”
18
Ainda nesta perspectiva, Corção aponta para a dificuldade que teriam os eclesiásticos
para detectar a subversão no meio católico. Nesta direção, afirma:
“... as autoridades civis e militares, e os nossos bravos coronéis,
armados de civismo e bom senso, percebem mais depressa a
impostura do ‘padre’ subversivo do que as autoridades
eclesiásticas. A conclusão que se tira é que as ditas autoridades
eclesiásticas, para o bem da própria Igreja e para o bem do
Brasil (que não lhes deve ser indiferente) devem abrir um
crédito de confiança maior às autoridades civis e militares.
Objetivamente, incontestavelmente, aquelas autoridades civis e
militares fazem jus a maior atenção e respeito.”
19
Gustavo Corção parece sugerir que, por incompetência na identificação dos padres que
conspiram contra a Igreja e a ordem pública, as autoridades eclesiásticas deveriam dar uma
espécie de carta branca para os militares, a fim de que eles pudessem reprimir e punir os
padres esquerdistas.
Com relação à necessidade das autoridades religiosas coibirem a ação dos ditos
esquerdistas, afirma: “No que se refere ao governo da Igreja, o desejo de todos os católicos
normais é o de ver as autoridades eclesiásticas funcionarem, para coibir os abusos e para
aliviar o ônus que atualmente está toda nas costas do governo.”
20
O intelectual reputa de anormal aquele católico que não concordava com a repressão
aos progressistas. Nota-se aqui novamente a presença da estratégia discursiva do articulista
que associa os contrários à repressão pessoas com algum tipo de anormalidade.
18
CORÇÃO, Gustavo. Sobre o regime político. Correio do Povo. Porto Alegre, 14 jan. 1969, p.4.
19
CORÇÃO, Gustavo. Será proveitosa a lição. Correio do Povo. Porto Alegre, 07 fev. 1969, p.4.
20
CORÇÃO, Gustavo. Para a normalização do Brasil.. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 abr. 1969, p.4.
97
A infiltração de subversivos no meio católico, que provocava aquilo que Corção
chamava de desordem, não era responsabilidade dos militares, que, como destacava o
intelectual, faziam sua parte no combate à subversão. Além disso, Corção parece querer
apontar para um queixa dos militares em relação à Igreja, por esta não estar apoiando na
repressão aos padres esquerdistas:
“Hoje desgraçadamente, os padres ditos ‘progressistas’
tornaram imediatamente aceitável a hipótese da pregação
subversiva feita por padres. E eu não creio que ninguém, com
justiça, possa acusar este governo [Costa e Silva] e o anterior
[Castelo Branco], da desordem lamentável que reina no clero.
Mais depressa pode queixar-se o governo de não ter a ajuda
daqueles de quem mais se esperava o apoio e a doutrinação
contra a onda de ateísmo que quer ter dimensões planetárias.”
21
O articulista aponta novamente para a necessidade de uma ação mais enérgica da
hierarquia da Igreja para conter o ímpeto dos progressistas. Corção parece destacar que uma
possível falha dos responsáveis pela doutrinação dos padres abriu espaço para que o ideário
comunista penetrasse no meio católico. Caberia, então, na lógica do intelectual, que a
hierarquia da Igreja Católica reconhecesse esta infiltração e se posicionasse mais
energicamente. Nesta direção, afirma: “... é indispensável que os senhores bispos abram mão
de alguma eventual sectária solidariedade, ou do esprit de corp’, contrário ao bem comum, e
também sobre seus padres exerçam uma autoridade mais vigilante e enérgica. Seria
imperdoavelmente ingênuo ignorar, nesta altura da história a gravíssima infiltração de idéias
comunistas no jovem clero.”
22
Corção aponta para a necessidade da Igreja não ser corporativista em relação aos
religiosos. Aqueles que fossem presos por subversão deveriam ser tratados como tal. Para
21
CORÇÃO, Gustavo. O povo cearense. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 jun. 1969, p.4.
98
evitar a repressão, a hierarquia da Igreja deveria exercer um controle mais efetivo sobre os
membros do clero, inibindo, assim, as ações subversivas.
No meio católico, havia pessoas como Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima, que
defendiam a tese de que uma maneira eficaz de combater um avanço do comunismo no Brasil
seria o esforço em prol da justiça social, ainda que significasse aplicar medidas adotadas por
países comunistas. Aos religiosos que assim se posicionavam, Corção se refere:
“Eles dizem que o ‘verdadeiro modo de combater o
comunismo é a luta pela implantação de uma ordem social mais
justa’ (...). (...) então concluo que (...) é preciso acrescentar uma
segunda parte, nos seguintes termos: ‘O verdadeiro modo de
combater o comunismo é o de promover uma ordem social
semelhante à recomendada pelos comunistas’. Seria mais nobre,
mais decente, admitir logo que não se deseja combater o
comunismo; que se deseja ao contrário, imitá-lo. Mas a
esquerda católica ainda não chegou a essa perfeição (...).”
23
O articulista parecia não aceitar que fosse possível combater o comunismo a partir de
uma ação para diminuir a desigualdade social. Para Corção, a luta por reformas sociais, ao
que indica, não poderia estar dissociada de uma opção por um regime comunista.
Corção, como já se referiu anteriormente, estaria entre aqueles católicos que não
queriam ver a Igreja envolvida nas questões relativas às reformas sociais. Nesta perspectiva, o
intelectual polemizava sobre a AP, organização formada por católicos, que tinha opinião
oposta à sua no que dizia respeito à Igreja e à justiça social.
A respeito da AP, afirma o articulista:
“Refiro-me à Ação Popular, ou simplesmente AP como dizem
os íntimos. Ora, por incrível que pareça, essa Ação Popular está
de pé, ilesa, portadora de boa saúde, e sobretudo portadora da
22
CORÇÃO, Gustavo. Declaração de 22 bispos. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 fev. 1969, p.4.
23
CORÇÃO, Gustavo. Exege de um lugar comum. Correio do Povo. Porto Alegre, 04 set. 1966, p.4.
99
mesma doutrina e do mesmo programa. Sim senhores: existe no
Brasil um movimento organizado contra o governo, contra o
regime, contra o cristianismo, contra o homem, e
principalmente contra Deus. Será preciso dizer que os
chamados católicos progressistas permanecem fiéis a essa
conspiração?”
24
O intelectual, ao que parece, quer lançar uma alerta para a presença da AP, chamando
as autoridades para que tomassem conhecimento de uma conspiração da organização contra a
ordem, contra a religião, contra a humanidade. Ao fazer uso da palavra “portadora”, o
articulista parece querer sustentar a idéia de que a Ação Popular poderia contagiar o país com
sua doutrina e seu programa, ao que tudo indica, comunistas. Esta idéia de contágio, como
viu-se anteriormente, estava, de certa forma, sempre ligada ao ideário comunista.
Com relação à Igreja Católica, Corção afirma que para os jovens da AP, “... a Igreja
andou transviada todo esses tempo e agora, graças a Le Monde, a Dom Helder, a Fidel
Castro e a outros progressistas, caiu em si e se dispõe a corrigir seus erros.”
25
Nota-se que a base da crítica de Gustavo Corção à AP, associada às figuras de Dom
Helder e de Fidel Castro, está na proposta de mudança da ão da Igreja Católica em relação
aos pobres.
Ainda com relação à Ação Popular, o articulista refere:
“... quando os frades (...) deixam a doutrina sagrada pelas idéias
do momento, e se metem em agitações estudantis polarizadas
exclusivamente por problemas temporais, e ainda por cima
marcada por uma ideologia dos adversários de deus e da Igreja,
tomando atitudes cafagestes (sic) e insolentes diante das
autoridades civis; (...) e quando se lê a carta de um religioso
agitador da AP a outro religioso envolvido na mesma AP,
escrita essa carta no mais imbecil jargão marxista (...). (...)
quando enfim todas e muitas outras desordens se verificam, não
24
CORÇÃO, Gustavo. A Ação Popular. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 nov. 1967, p.4.
25
CORÇÃO, Gustavo. A Ação Popular e os Católicos. Correio do Povo. Porto Alegre, 03 dez. 1967, p.4.
100
podemos mais ter a tranqüila certeza de que tal padre é padre e
tal missa é missa.”
26
Cafajestes, insolentes, agitadores e imbecis são algumas das categorias utilizadas
por Corção para demonstrar a sua contrariedade ao envolvimento de religiosos nas questões
políticas e econômicas. O articulista, ao que indica, defendia a tese de que lugar de padre era
na paróquia, cumprindo exclusivamente a missão pastoral no plano espiritual. As questões
políticas e econômicas poderiam ser tratadas por qualquer outra pessoa, desde que não fosse
um religioso católico.
A polêmica de Corção com a AP e com os adeptos da Teologia da Libertação, como já
se referiu anteriormente, focava-se nos tipos de ações propostas para a Igreja. Neste sentido,
declara o intelectual:
“Ora, uma das curiosas aberrações que se observa em
nosso tempo, mais chocante ainda é em meio católico que
ocorre, é a desmoralização das obras de amor e de misericórdia,
em favor de uma valorização da chamada justiça social (...). Os
chamados ‘católicos sociais’ têm um ostensivo desprezo pelas
obras de misericórdia, sob a alegação de que são ineficazes e
restritas. Dizem desdenhosamente que a esmola não resolve, e
deixam subentendido que o amor também não resolve. E o
curioso é que esses equivocados pretendem usar nas reformas
sociais e na política econômica processos de modo direto, que
são próprios de amor.”
27
Corção parece acusar os católicos progressistas de não considerarem importantes
ações pregadas e desenvolvidas pela Igreja Católica há muito tempo. Observa-se que o
intelectual, ao que indica, pretendia associar os progressistas a opositores à doutrina
tradicional da Igreja, que pregava, entre outras coisas, a caridade através da esmola.
26
CORÇÃO, Gustavo. Certeza Moral. Correio do Povo. Porto Alegre, 14 set. 1967, p.4.
27
CORÇÃO, Gustavo. O modo direto. Correio do Povo. Porto Alegre, 18 ago. 1966, p.4.
101
Ainda em relação às idéias da AP, ou dos avançados no meio católico, afirma o
articulista:
“... para maior angústia nossa no próprio meio católico, os
chamados ‘avançados’ preferiram a linguagem dos infiéis à
doce linguagem da Igreja de Cristo, e depois de preferirem a
linguagem, preferirem também os conceitos e as doutrinas,
dizendo que assim, desta forma, serviriam melhor os pobres,
como se fosse possível fazer ao mesmo tempo as obras da mais
santa virtude e as obras dos mais vulgares vícios; (...).”
28
Corção associa aqueles católicos “avançados” aos portadores de vícios, sempre na
estratégia de atribuir desvios de conduta a quem tenha ligação com idéias que entende como
comunistas. O fato destes católicos trabalharem com a Igreja a partir de uma nova perspectiva
causava contrariedade a Corção. Sobre esta nova perspectiva para a Igreja Católica, afirma o
intelectual que se trata de uma “caricatura hedionda da Igreja”, apresentada por “esses
iluminados progressistas.”
29
Um dos religiosos identificados por Gustavo Corção como progressista, e por isso
muito criticado pelo intelectual, era Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife. O
arcebispo estava entre os membros do clero brasileiro que defendiam a idéia de que a Igreja
deveria trabalhar com o objetivo de melhorar as condições de vida da população carente. Para
Dom Helder, a católica era indispensável, porém a Igreja não poderia se omitir no plano
político-social, devendo, inclusive, engajar-se na conscientização dos pobres, para que estes,
através do trabalho e não da caridade, conquistassem sua autonomia, na linha de pensamento
da Teologia da Libertação.
28
CORÇÃO, Gustavo. A carta que escreveria ao Papa. Correio do Povo. Porto Alegre, 07 maio 1964, p.4.
29
CORÇÃO, Gustavo. A Igreja dos oprimidos. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 maio 1968, p.4.
102
Gustavo Corção também criticava D. Helder pelas objeções que este fazia ao governo
brasileiro.
O arcebispo de Recife e Olinda, como já se referiu anteriormente, estava dentre
aqueles que defendiam que uma forma de combater o comunismo seriam as reformulações
sociais. Sobre este posicionamento de D. Helder, assim se manifesta Corção:
“... lançar a estranha declaração de que fez mais do que o
Exército brasileiro, contra o comunismo no Nordeste, pois
tomou deles a bandeira de reforma social e continua a mantê-la
em suas mãos. Dom Helder parece ter atingido a linha divisória
além da qual não consegue mais distinguir, em suas repetidas
declarações, o que deve ele mesmo dizer de si mesmo, e o que
deve deixar ao cuidado de seus eventuais biógrafos.”
30
Corção parece identificar em D. Helder alguém que gostaria de se autopromover. E diz
mais o intelectual:
“Outra coisa que me aflige, e que digo sem rebuços, é o
pensamento de que, para muita gente de boa-fé, dom Helder é
uma espécie de líder do episcopado nacional, o que felizmente
não é verdade. E simplesmente o que mais se projeta. Além
disso, o arcebispo de Olinda e Recife mostra uma impertinência
pouco encontradiça em homens de grande responsabilidade,
como se vê na clara provocação com que busca obter nova crise
e nova onda publicitária. Além disso, é falsa, em substância, a
declaração do arcebispo, que foi ele próprio quem encorajou
e estimulou os governos que mais empobreceram o Brasil e
especialmente o Nordeste.”
31
Corção faz uso de uma estratégia discursiva que procurava identificar o arcebispo
como alguém que pretendia tumultuar o país, e que pretendia ser o foco das atenções. Uma
outra categoria utilizada por Gustavo Corção para identificar D. Helder Câmara, era a de
30
CORÇÃO, Gustavo. Pelo mundo. Correio do Povo. Porto Alegre, 20 out. 1966, p.4.
31
Idem.
103
apontá-lo como alguém que faltaria com a verdade, além de estar ligado aos governos
anteriores a 1964 que, na perspectiva de Corção, teriam sido responsáveis pelo
empobrecimento do país. Por essa ligação, Corção parece querer indicar que as propostas de
D. Helder não trariam resultados satisfatórios.
D. Helder Câmara foi, em algumas oportunidades, responsabilizado por Gustavo
Corção pelo incitamento de “rebeldes”:
“O fato é que, chegado em Recife, de volta da ‘Tournée’ pelo
Rio, D. Helder reaparece pelo telégrafo com esta declaração em
favor da revolta estudantil: ‘Eu ainda sou mais subversivo do
que vocês ...’, na qual declaração se notam duas coisas que
nenhum outro bispo do Brasil jamais teve o desembaraço de
fazer. A primeira é a simplicidade com que o titular se propões
como modelo: se até a mim chamam de comunista ou de
subversivo, vocês podem estar descansados e certos de que
estão em bom caminho. A segunda coisa é a imprudência de
atiçar rebeldes. Entenderíamos a declaração encorajadora de
rebeldes se o governo tivesse proibido o culto ou fechado as
Igrejas.”
32
Nota-se que, mais uma vez, o intelectual aponta D. Helder como alguém que parecia
gostar de ser o centro das atenções, servir como exemplo. No mesmo texto, o identifica como
incentivador de rebeliões. É significativo observar a relação que o articulista faz entre o fato
de D. Helder pretender ser um modelo, que poderia ser seguido por outros, e ao mesmo tempo
ser um exemplo negativo, na medida que, para Corção, “atiçava rebeldes”.
Em alguns de seus textos, o articulista apontava D. Helder como uma antigo
integralista e como um daqueles que considerava ter faltado compreensão para com Fidel
Castro:
32
CORÇÃO, Gustavo. Os dias que correm. Correio do Povo. Porto Alegre, 06 out. 1966, p.4.
104
“Disse S. Exa. Revma. que ‘tinha faltado compreensão a
Fidel Castro’. Nesse caso diremos que também faltou
compreensão ao pobre do Hitler, ao manso Stalin, e até ao
risonho Kruschev que esmagou alguns milhares de patriotas
húngaros que se atravessaram em seu caminho com uma
incompreensível incompreensão. Aliás, nos tempos da guerra
comuno-nazista contra as democracias, o padre Helder então
integralista ardente, tinha uma transbordante compreensão pelo
que nossa intolerância chama de crueldade nazista.”
33
O articulista, ao afirmar que D. Helder era um “ardente integralista”, parece querer
associar a figura do arcebispo a um regime que matou, como se referiu antes, milhares de
pessoas. As estratégia de discurso aplicada por Corção nesta passagem do texto, evidencia a
intenção do intelectual de abalar a imagem pública do arcebispo de Olinda e Recife.
Ainda sobre D. Helder, afirma: “Na minha opinião, o orador que se abalança a
atravessar os ares para ir dizer estas coisas do outro lado do mundo, deveria ter o cuidado de
levar as provas. E duvido que o excelentíssimo sr. Arcebispo de Olinda e Recife consiga
sustentar o que diz diante de pessoas aparelhadas com os dados exatos do problema.”
34
As coisas a que se refere Corção são, na verdade, palavras ditas pelo D. Helder,
relacionadas aos preços de certos produtos que são vendidos, pelo Terceiro Mundo, aos países
desenvolvidos. Percebe-se que, a estratégia discursiva usada por Corção, neste texto, aponta
D. Helder como alguém que fala sem provas e, por isso, seria incapaz de sustentar seus
argumentos em um debate. A idéia de incapacidade, atribuída a D. Helder, parece querer
classificá-lo como um despreparado para uma discussão sobre o referido problema.
Gustavo Corção parecia querer evidenciar o confronto de D. Helder com o governo:
“Pelo que se depreende do discurso pronunciado em
Goiânia, localidade um pouco afastada de sua arquidiocese, D.
Helder não gosta desse tipo de governo e não gostou daquele
33
CORÇÃO, Gustavo. Que quererá dizer “compreensão”? Correio do Povo. Porto Alegre, 24 nov. 1966, p.4.
34
CORÇÃO, Gustavo. Dom Helder em Nova York. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 fev. 1967, p.4.
105
tipo de enxotamento. Vai ver que acha falta de caridade o que
fizeram com os comunistas em 1964. E por isso fala em
‘redemocratização’ dos País. O que quererá dizer isto? O termo
significa uma volta a alguma coisa que o Brasil possuiu.
Quererá o excelentíssimo senhor arcebispo indicar rumos para
uma volta à Constituição de 91 ou o governo de Rodrigues
Alves? Dada sua índole progressista não acredito que queira
recuar tanto, e passo a interpretar o termo como um desejo de
volta a um regime parecido com o que tínhamos nos bons
tempos de Juscelino ou Goulart.”
35
As colocações do articulista, ao que indicam, pretendiam identificar no D. Helder um
inimigo importante do governo militar. Nota-se também que Corção tentava aproximá-lo dos
governos anteriores ao golpe de 1964.
Ainda com relação à aproximação de D. Helder com o governo Kubitschek, afirma o
intelectual:
“A respeito dos signatários que colaboraram com os
governos anteriores, convém assinalar o destaque que teve Dom
Helder Câmara, que foi o mais íntimo conselheiro do presidente
Juscelino. Além disso convém lembrar que Dom Helder
Câmara declarou publicamente desejar para o Brasil um regime
como o da Iugoslávia. Como é que esse arcebispo pode agora
assinar um documento que repudia o comunismo? Ou como
poderemos nós acreditar nesse repúdio?
Mais adiante a Declaração refere-se aos inconvenientes do
regime de emergência. O remédio é amargo, mas é remédio. E
não isto quem esqueceu totalmente a história do Brasil de
cinco anos atrás. Ou que estiver interessado na volta da
anarquia.”
36
Observou-se anteriormente as críticas feitas por Gustavo Corção ao governo Juscelino
Kubitschek. O intelectual afirmava que, no governo deste presidente, teria havido muita
corrupção, simbolizada pela construção de Brasília, obra que Corção referiu-se diversas vezes
como desnecessária. Ao assinalar que o Dom Helder era “íntimo conselheiro” daquele
35
CORÇÃO, Gustavo. Pelo mundo. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 jun. 1967, p.4.
106
presidente, Corção parecia pretender relacionar o arcebispo com a idéia de corrupção e de má
administração.
Corção também parece querer identificar D. Helder com os comunistas. É significativo
observar que, o intelectual, em mais de uma oportunidade, fazia uso do recurso de não acusar
diretamente religiosos e intelectuais de comunistas. Porém, em seus textos, apontava para a
aproximação destes com o ideário comunista. Nesta direção, refere: “O arcebispo de Recife e
Olinda, no Chile, declarou-se adepto de um socialismo brasileiro. Imaginará ele que esse fato
o livrará de ser tão estúpido como o russo e o chinês. não discuto se um arcebispo católico
pode ser adepto de um sistema severamente condenado pelo Igreja. Hoje um arcebispo
católico pode ser tudo, pode até ser não católico.”
37
Nesta passagem do texto, o articulista reforça a idéia de que, na sua visão, a condição
de ser comunista, ser socialista, seria incompatível com a de católico.
Pôde-se observar que Corção tecia fortes críticas ao trabalho que era proposto e
desenvolvido pelo arcebispo de Olinda e Recife. Ainda sobre os motivos dessas críticas e de
sua oposição a D. Helder, esclarece Corção: A queixa que temos de Dom Helder não é a de
querer socorrer os pobres, é a de se servir desta bandeira para temporalizar a Igreja, para
naturalizar o sobrenatural, para auxiliar o comunismo mesmo sem ser comunista e até para
fazer sua promoção pessoal”.
38
Corção reforça uma idéia que já fôra destacada. Ele não acusa D. Helder de ser
comunista, porém identificava, nas ações e palavras do arcebispo, atitudes de quem com
bons olhos o regime.
Sobre D. Helder, declara ainda:
36
CORÇÃO, Gustavo. Declaração de 22 bispos. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 fev. 1969, p.4.
37
CORÇÃO, Gustavo. Outro Anatole. Correio do Povo. Porto Alegre, 28 ago. 1969, p.4.
38
CORÇÃO, Gustavo. Carta a Tristão de Athayde. Correio do Povo. Porto Alegre, 07 mar. 1968, p.4.
107
“Somos contra D. Helder, nos problemas de política
interna, por uma razão muito simples. Ele esteve sempre ligado,
estreitamente ligado a governos que efetivamente arruinaram o
País, e empobreceram ainda mais nossos pobres. Nos tempos de
Juscelino, Dom Helder mandava, Dom Helder governava, Dom
Helder avalizava letras de mais de cem milhões de cruzeiros
antigos (...). Influía na eleição do Jockey Club e funcionava
freqüentemente como eminência parda de Juscelino Kubitschek.
Não teve discernimento para desaconselhar Brasília, não teve
autoridade moral para desaconselhar o enriquecimento
prodigioso de seu pupilo. Deixou o Brasil arrasado e agora
ressurge incriminando os militares e defendendo os pobres que
empobreceu.”
39
O articulista dá a entender que, D. Helder, se tivesse vontade, poderia ter evitado que uma
série de atos, classificados pelo intelectual como ilícitos, fossem cometidos por JK.
Mas, como o próprio Corção refere, sua principal contrariedade em relação ao
arcebispo de Olinda e Recife era “... a de representar ele o tal rumo novo da Igreja que
esvaziava os seminários, os conventos, e prestigiar o maior crime praticado por uma minoria
contra os povos aprisionados dentro das cortinas de ferro.”
40
D. Helder não era comunista, mas prestigiava, entre outros, os governos soviético e
cubano. Nota-se, mais uma vez, a estratégia utilizada pelo articulista de não afirmar
categoricamente a posição política do religioso, identificando-o, no entanto, como uma
liderança que conferia prestígio ao regime.
Neste capítulo, pôde-se evidenciar que Gustavo Corção, ao referir-se aos adeptos da
Teologia da Libertação, fazia uso de estratégias discursivas que visavam construir uma
imagem negativa do movimento social. Além de classificá-los como loucos, pederastas,
Corção os apresentava como inimigos da Igreja.
39
Idem.
40
Idem.
108
Notou-se que algumas destas categorias, principalmente aquelas que faziam alusões a
problemas mentais e de comportamento, foram também utilizadas pelo articulista para fazer
referência ao comunismo, como se pôde constatar no capítulo anterior. Desta forma, pôde-se
evidenciar que as estratégias discursivas construídas pelo intelectual para tratar do comunismo
e da Teologia da Libertação eram semelhantes, e visavam desacreditá-los e, por conseqüência,
legitimar o governo dos militares.
109
Conclusão
Neste trabalho, buscou-se evidenciar o discurso legitimador do regime militar
difundido por Gustavo Corção em seus textos no Correio do Povo , construído através da
articulação de estratégias discursivas relativas ao comunismo e à Teologia da Libertação.
Para tanto, partiu-se de uma análise acerca do pensamento católico brasileiro, entre as
décadas de 1930 e 1970. Através desta análise, observou-se que estas décadas foram marcadas
pela tentativa de conscientizar os intelectuais católicos da importância de seu trabalho na
divulgação da Doutrina para o fortalecimento da Igreja enquanto instituição. Nesta
perspectiva, foram criados organismos, como a AUC e o Instituto Católico de Estudos
Superiores, nos quais, os católicos, discutiam e debatiam em torno de três pontos
fundamentais: as Encíclicas Papais, as ideologias políticas e as escolas filosóficas.
Em 1935, foi fundada a Ação Católica Brasileira, com o objetivo de organizar a
intelectualidade católica, concentrando todos os grupos criados anteriormente.
Também em 1935, a AUC foi rebatizada com o nome de JUC, tendo como objetivo
fundamental a formação de militantes para que conhecessem e difundissem a doutrina
católica.
Na década de 1950, o trabalho desenvolvido pela JUC sofreu transformações,
passando a agir no mais temporal, em relação a problemática social. Esta tendência se
fortaleceu, a partir do início dos anos 1960, sob a influência do movimento social Teologia da
Libertação.
A preocupação com o plano temporal teve como conseqüência uma divisão no
catolicismo brasileiro. De um lado estavam os conservadores, que defendiam uma Igreja
tradicional, direcionada apenas para o plano espiritual. Do outro, estavam os adeptos da
110
Teologia da Libertação, que defendiam um envolvimento mais efetivo da Igreja nas questões
sociais.
Esta divisão se refletiu também em relação ao regime militar, criando por conseqüência,
divergências com o Estado. Para mediar estas diferenças, foi criada, na década de 1970, a
Comissão Bipartite, composta por oficiais das Forças Armadas e por membros da alta
hierarquia da Igreja Católica, que tinha por objetivo discutir as relações Igreja e Estado
brasileiro.
A divisão da Igreja católica foi polemizada por Gustavo Corção em suas colaborações
para o Correio do Povo.
Corção estabelecia algumas categorias, como, por exemplo, loucos, micróbios, bacilos,
vagabundos, pederastas, e com elas elaborava o que se denominou, neste trabalho, de
estratégias discursivas. O intelectual associava estas categorias ao comunismo, à Teologia da
Libertação e aos adeptos de ambas as correntes, buscando construir imagens negativas dos
mesmos.
Estas imagens negativas demonstravam a oposição do articulista em relação ao ideário
comunista e à Teologia da Libertação, e por conseqüência o seu apoio ao governo militar, haja
visto que estes, ao assumirem o poder, definiam como um de seus objetivos livrar o país da
infiltração comunista. Na medida em que o governo brasileiro evitasse que o comunismo se
expandisse no país, estaria colaborando com a Igreja, pois esta não teria os membros do clero
e seus devotos influenciados pelo ideário comunista, que Corção afirmava ser condenado
pelos Papas.
O articulista definia o comunismo como um regime antidemocrático, que matava as
pessoas de fome, incentivava a discórdia entre os países e, sobretudo, contrário à religião
católica.
111
Quanto aos adeptos do comunismo, o intelectual os classificava como portadores de
doenças mentais, contagiosas e também como pessoas com possíveis desvios de
comportamento. Ou seja, como alguém que não se enquadrava naquilo que o Corção definia
como normal.
Gustavo Corção se mostrava contrário às novidades e às mudanças. Esta postura se
tornava bastante evidente quando as propostas de transformação envolviam a Igreja Católica.
É este conservadorismo do articulista que explica as suas manifestações contrárias ao
movimento social Teologia da Libertação, que apresentava uma nova proposta para a forma
de agir da Igreja em relação à problemática social.
O intelectual não concordava com esta idéia. Um dos fatores que condicionava esta
discordância era o fato de que o movimento social, como já se referiu anteriormente, fazer uso
do marxismo como instrumental sócio-analítico para se compreender as causas da pobreza. O
articulista era contra o comunismo, e, neste sentido, não aceitava que no meio católico fossem
usados elementos do ideário marxista.
Quanto aos adeptos da Teologia da Libertação, por associá-los aos comunistas, Corção,
por vezes, fazia uso das mesmas categorias apontadas no capítulo do comunismo para
caracterizá-los. Deste modo, através da aplicação de alguns elementos do método da Análise
de Conteúdo, pôde-se concluir que as estratégias discursivas elaboradas pelo intelectual para
tratar das duas temáticas eram semelhantes, e visavam desacreditar o comunismo e a Teologia
da Libertação e, por conseqüência, legitimar o regime.
Cabe aqui ressaltar que, com o presente trabalho, nem de longe se teve a pretensão de
esgotar Gustavo Corção enquanto objeto de pesquisa, tendo em vista que a produção
intelectual deste é numericamente e qualitativamente muito significativa. Nesta proposta,
buscou-se apresentar um ponto de vista em relação ao comunismo e à Teologia da Libertação,
112
através dos textos publicados no Correio do Povo. Todavia, as possibilidades de outras
interpretações, com base nos textos utilizados nesta pesquisa e em outros trabalhos do
articulista, são inúmeras.
113
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123
Anexos
124
Anexo – 1
“Os novos padres (II)”
Fonte: Correio do Povo. Porto Alegre, 15 abr. 1965, p.4.
125
126
Anexo - 2
“Ainda os padres novos”
Fonte: Correio do Povo. Porto Alegre, 29 abr. 1965, p.4.
127
128
Anexo – 3
“Uma vitória democrática”
Fonte: Correio do Povo. Porto Alegre, 11 maio 1965, p.4.
129
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