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contrariamente, possuem um enorme conhecimento dos detalhes, mas estão
impossibilitadas de se fundamentar ou de buscar a totalização. Resultado: “a
experiência social e histórica escapa do Saber”.
436
Enraizado no marxismo está o
existencialismo que, tal qual as disciplinas auxiliares (sociologia e psicanálise),
afirma a realidade do homem; porém, com a imensa vantagem de buscar o homem
em sua completude.
Embora seja o mesmo homem concreto, “o segundo [marxismo] reabsorveu o
homem na idéia, enquanto o primeiro [existencialismo] o procura por toda parte,
onde ele está, em seu trabalho, em sua casa, na rua”.
437
O resultado é o
distanciamento entre a teoria e a prática marxistas, o que impede ao homem
comunista tomar consciência de sua classe e, desse modo, a história se faz sem ser
conhecida. A maior contribuição de Marx foi justamente a possibilidade de iluminar o
processo histórico em sua totalidade; a estagnação do marxismo do final dos anos
quarenta se deve ao abandono, por parte dos marxistas, da subjetividade, do
homem na produção de si e da história. É nessa lacuna que o existencialismo deve
se encaixar.
438
436
SARTRE, 2002, p. 34.
437
SARTRE, 2002, p. 35.
438
O foco dessa pesquisa não é discutir a relação, nada pacífica, de Sartre com outros intelectuais de
sua época, mas tão somente apresentar uma interpretação de sua filosofia que encontre, na Crítica
da Razão Dialética, respostas para os problemas de O Ser e o Nada; por essa razão as polêmicas
ocorridas nos dezessete anos comentados são apresentadas apenas do ponto de vista de Sartre,
mesmo assumindo o prejuízo de não analisar a aproximação ou o distanciamento com autores
importantes como, por exemplo, Althusser, Aron, Camus, Lévi-Strauss, Lukács e Merleau-Ponty,
dentre outros. Porém, a respeito de Lukács, uma nota se faz necessária: Martin Jay, num artigo
intitulado Da Totalidade à Totalização, discute o que poderia ser considerada uma injustiça em
relação a Lukács. Segundo ele as críticas de Sartre a Lukács são referentes aos trabalhos do Lukács
estalinista, de 1930 e 1940; desse modo, Sartre teria ignorado que em As Aventuras da Dialética,
“Merleau-Ponty especificamente argumentou que o Lukács de 1920 tinha proposto um Marxismo não
dogmático, no qual as totalizações em curso predominavam sobre as totalidades fechadas” (JAY,
1984, p. 349). Mais do que isso, Jay insiste em mostrar que Sartre, quiçá intencionalmente, ignora a
profundidade da discussão desse tema, seja por Lukács, seja via Merleau-Ponty, seja em Korsch,
Gramsci, Bloch ou pela Escola de Frankfurt, reduzindo o problema àquilo que simplesmente
considera uma escolástica marxista; mas “Totalização, para ser correto, não é invenção de Sartre”,
tendo sua origem mais remota em Proudhon (JAY, 1984, p. 351). Além disso, Nicolas Tertulian, em
Da Inteligibilidade da História, chama a atenção para o fato de que “Uma comparação com A
ontologia do ser social de Lukács pode contribuir para esclarecer o projeto da Crítica da Razão
Dialética, pois não se pode esquecer que ambas as obras nutrem a ambição comum de refundar
filosoficamente o pensamento de Marx, um utilizando as categorias da ontologia (teleologia-
causalidade, essência-fenômeno, substância-acidente, etc.), o outro aquelas da razão dialética (em
particular aquela de totalização ou totalidade-destotalizada, que exerce um papel central no
pensamento de Sartre). As duas obras propõem uma ontologia da subjetividade, pois os dois
pensadores estabelecem como principium movens, como ‘fenômeno originário’ da vida social o
trabalho (segundo a definição de Lukács) ou a práxis individual (segundo a fórmula de Sartre)”,
[KOUVÉLAKIS & CHARBONNIER, 2005, p. 74]. Desse modo, parece que as reais razões da
controvérsia com Lukács vão além do plano teórico, o que escapa ao interesse dessa tese; basta