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imagem escolhida foi um grande painel com colagem de orgãos sexuais, masculinos e
femininos de todas as idades e raças. Apenas um jornal entre todos os que haviam sido
contatados no mundo inteiro, aceitou publicar a imagem: o francês Libération. A página
dupla em cores foi publicada no dia 9 de junho, exatamente no dia da inauguração da
Bienal. O semanário europeu pediu a Toscani um comentário, que foi publicado:
[...] Estejam certos os que pensam que, com esta foto, cheguei ao fundo.
Tranquilizem-se – às suas repetidas perguntas: “o que ele poderá fazer depois disto?”
– sempre dei, creio, respostas satisfatórias, surpreendendo até os céticos, aqueles que,
a cada foto, pensavam que mais além não possa ou não se consiga ir. Parece-me,
mesmo quando fotografo orgãos sexuais, como nesse caso, não consigo chegar à
baixeza profunda de certas campanhas publicitárias, de determinados programas de
televisão e de alguns políticos, que a censura cuida de não perturbar. Em virtude do
artigo 21 da constituição italiana, que sanciona o direito à liberdade de expressão, não
se cancelam justamente os convites à orgia do consumo indiscriminado, não se
escurecem as transmissões do entretenimento pornográfico, não se tapa a boca de
certos racistas que fazem da diversidade e da injusiça a base de sua ‘política social’.
No entanto, investe, pontual e invarivelmente, contra minhas imagens que, em sua
maioria, só fizeram documentar a realidade da vida como ela é, sem transfigurações,
sem distorções. A imagem que exponho na Bienal não tem sentido se não estiver
simultaneamente ‘planificada’ como uma foto publicitária normal. Todo o meu
trabalho sempre foi ligado à comunicação. É claro que não deixarei de ser fotógrafo
por causa do convite para a Bienal, que me gratifica, me ‘enobrece’ como artista. Não
tenho nenhuma necessidade de promoção social. A moldura prestigiosa da Bienal não
passa de uma circunstância, um lugar diferente para falar a mesma língua que sempre
falei nas ruas e praças de todo o mundo. O sentido desta imagem está no uso
publicitário que se fará dela. Em todo o ‘transversalismo’ que domina a arte
contemporânea, eis uma foto absolutamente reta e em equilíbrio; eis a imagem límpida
de uma parte importante do que nós somos. A nacionalidade, a cor da pele e o sexo não
podem ser uma opção. Nasce-se sem poder ser artifície do próprio destino. Cada um é
único e irrepetível. Quis retratar, como em tantas fotos para documentos, o elemento
através do qual não podemos ser identificados. Pelo rosto podemos ser reconhecidos e
até colocados socialmente. Pelo sexo não. Depois do nascimento e da morte, o sexo é
um outro tabu que deve ser abatido. Que outro meio, a não ser a fotografia
publicitária, pode ser mais concreto, mais útil para suscitar uma discussão a respeito?
Também a arte antiga era um meio de suscitar idéias políticas e religiosas, além de
demonstrar riqueza e poder. A diferença hoje reside na possibilidade econômica de
transformar uma imagem “ artística” numa comunicação de massa. E no que me cabe,
interessa-me explorá-la profundamente. São exatamente as imagens que formam hoje a
nossa cultura, o nosso conhecimento, o nosso senso crítico e a nossa moral. O
renascimento de nosso país está confiado ao trabalho de cada um; ao meu de fotógrafo
cabe a tarefa de avançar numa pesquisa que não tem nada a ver com os escândalos.
Estes são sempre da outra parte, em relação às minhas fotos. Aliás alimento a
presunção de provocar reflexão no tocante aos verdadeiros escândalos, deixando aos
menos atentos ou aos prevenidos o exercício sobre aqueles falsos, sempre mais fáceis
de identificar. Finalmente, no que se refere à arte, considero arte tudo o que não foi
feito pela natureza (TOSCANI, 1996, p. 98).