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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Silvia Regina Peres
A ironia no texto sincrético
Estudo de textos sincréticos irônicos, na seção “Veja essa”,
da revista Veja
São Paulo
2008
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Silvia Regina Peres
A ironia no texto sincrético
Estudo de textos sincréticos irônicos, na seção “Veja essa”,
da revista Veja
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. José Gaston Hilgert
São Paulo
2008
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Silvia Regina Peres
A ironia no texto sincrético
Estudo de textos sincréticos irônicos, na seção “Veja essa”,
da revista Veja
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. José Gaston Hilgert
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Gaston Hilgert
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª. Drª. Regina Helena Pires de Brito
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª. Drª. Marli Quadros Leite
Universidade de São Paulo
A meus pais.
AGRADECIMENTOS
Essa pesquisa é fruto de muita dedicação, que não foi somente minha, mas também de
muitas outras pessoas que, de diferentes formas, se envolveram e contribuíram para
que o trabalho fosse concluído.
Algumas dessas pessoas se envolveram no desenvolvimento desta pesquisa no âmbito
das relações pessoais. Ajudaram-me durante as angústias, as incertezas e também
durante os momentos de felicidade. São pessoas sem as quais eu não teria tido forças
para chegar aonde cheguei como profissional e como pessoa. Agradeço e sempre
agradecerei – a meus pais, Izilda e Valter, meus irmãos, Mauricio e Marcos e a Osmar e
Verônica. Enfim, agradeço a todas essas pessoas que compõem a minha família.
Também agradeço a outras pessoas que participaram desta pesquisa e compartilharam
conhecimentos comigo no âmbito profissional e acadêmico. A primeira dessas pessoas
é o Prof. José Gaston Hilgert, meu orientador, profissional e competente em seu
trabalho. As orientações feitas por ele contribuíram muito para a conclusão dessa
dissertação e para meu amadurecimento profissional e acadêmico. Agradeço a ele por
ter acreditado e confiado em minhas idéias.
Em segundo lugar, agradeço à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo por ter
autorizado minha participação no Programa Bolsa Mestrado, para que eu tivesse a
possibilidade de estudar e fazer esta pesquisa. Como agradecimento, cito o nome de
Veralice, ATP da diretoria de ensino da região Leste 5, responsável pelo atendimento
aos professores bolsistas do Programa Bolsa Mestrado.
Agradeço o apoio dos amigos do corpo docente da unidade de ensino “E. E. Almerinda
Rodrigues de Mello” durante esse tempo em que estive estudando. Agradeço ainda à
Antonia Ap. Rodrigues, Malvina Ap. da Silva Melo e Silvia Martin (in memorian),
pessoas a quem serei sempre grata e das quais nunca me esquecerei.
Agradeço também à Marina Toledo por acreditar e apoiar os meus estudos e a todos os
colegas do setor educativo do Museu da língua portuguesa pelo apoio e paciência.
Por fim, agradecimentos em especial à Leane C. Dias, Mariana Vitale, Ana Paula
Portela e Amanda Justiniano, pela amizade, carinho e compreensão, e a Renato
Callado, que, além de ser amigo, muito me ajudou com seus conhecimentos.
Toda re-leitura é uma primeira leitura.
Roland Barthes
RESUMO
Neste trabalho pretende-se analisar o texto sincrético irônico da seção “Veja
essa” da revista semanal Veja. Entre as várias seções que compõem a revista, destaca-
se a seção “Veja essa”, que é constituída por frases enunciadas por pessoas
reconhecidas na mídia em geral políticos e personagens do mundo social, cultural
cujas ações mereceram destaque em algum evento, durante a semana a que
corresponde à edição da revista. Essas frases vêm acompanhadas de uma legenda
explicativa, que informa sua origem e contexto. Em alguns casos, elas vêm ilustradas
com uma foto de quem a proferiu. Tanto a frase quanto a foto o extraídas de textos e
contextos muitas vezes de origens diferentes. Ao serem juntadas, nessa seção da
revista, constitui-se um novo texto, formado este por dois componentes, um deles de
natureza verbal e o outro de natureza não verbal, gerando-se, assim, um terceiro tipo
de texto, o texto sincrético, cujo enunciador é a revista. Esse texto enseja uma nova
leitura diferente das leituras dos textos de onde foram retiradas a citação e a
fotografia que, na seção referida, assume, muitas vezes, caráter irônico. Essa ironia
só pode ser identificada e interpretada pelo leitor, se este compartilhar do conhecimento
de mundo relativo aos textos e tiver informações sobre a postura político-ideológica da
revista. A ironia depreendida dos textos sincréticos da seção “Veja essa” pode ser
reconhecida pelo leitor nos mais variados aspectos dos textos e assumir diferentes
funções. A função mais recorrente é a humorística. Não raro os textos analisados
revelam um humor sarcástico, que a ironia manifesta tem forte caráter agressivo e
promove uma evidente desqualificação do personagem central do texto.
Palavras-chave: dialogismo, enunciação, humor, ironia, texto, texto sincrético.
ABSTRACT
The present research intends to analyze the ironic syncretic text of the section
named “Veja essa” weekly published in Veja magazine. Among lots of sections which
compose the magazine, we detached “Veja essasection that consists in a compilation
of phrases pronounced by exponentials personalities generally politicians and some
persons of the social, cultural and sport fields who deserved some highlight during the
week that corresponding to magazine’s edition. These selected phrases are displayed
with captions to inform its origin and context. Sometimes a picture illustrate the phrase
and not often the picture used has no relation to the situation when the phrase has
spoken. Therefore, when both components one of them a verbal while other a
nonverbal are merged in magazine’s page, a new kind of text come to sight: the
syncretic text, created by magazine. This new text suggest an ironic reading. The irony
referred could only be identified and interpreted if the reader had some knowledge about
subject in question and also about political and ideological magazine’s position. When
recognized by the reader, irony can assume several functions as the humoristic for
instance. Usually these analyzed texts brings out a sarcastic humor since we could note
an aggressiveness as much as a disqualification of the central’s text personage.
Key-words: dialogism, enunciation, humor, irony, text, syncretic text.
ILUSTRAÇÕES
F
IGURA
1-
E
DIÇÃO
1981
-
8
DE NOVEMBRO DE
2006...........................................................12
F
IGURA
2-
E
DIÇÃO
1870
-
8
DE SETEMBRO DE
2004............................................................52
F
IGURA
3-
E
DIÇÃO
2020
-
8
DE AGOSTO
2007 ....................................................................70
F
IGURA
4
-
E
DIÇÃO
1790
-
11
DE JUNHO
2003....................................................................75
F
IGURA
5
-
E
DIÇÃO
1951
-
12
DE ABRIL DE
2006 ................................................................79
F
IGURA
6-
E
DIÇÃO
1928
-
26
DE OUTUBRO DE
2005 ...........................................................81
F
IGURA
7-
EDIÇÃO
1788
-
5
DE FEVEREIRO DE
2003............................................................86
F
IGURA
8-
E
DIÇÃO
1925
-
5
DE OUTUBRO DE
2005 .............................................................90
F
IGURA
9-
E
DIÇÃO
1997
-
28
DE FEVEREIRO DE
2007 .........................................................91
F
IGURA
10-
E
DIÇÃO
1827
-
5
DE NOVEMBRO DE
2003.........................................................93
F
IGURA
11-
E
DIÇÃO
1944
-
22
DE FEVEREIRO DE
2006 .......................................................94
F
IGURA
12-
E
DIÇÃO
1858
-
16
DE JUNHO DE
2004..............................................................95
F
IGURA
13-
E
DIÇÃO
1996
-
21
DE FEVEREIRO DE
2007 .......................................................98
F
IGURA
14-
E
DIÇÃO
1972
-
6
DE SETEMBRO DE
2006........................................................101
F
IGURA
15-
E
DIÇÃO
1815
-
13
DE AGOSTO DE
2003 .........................................................104
F
IGURA
16
-
E
DIÇÃO
1805
-
4
DE JUNHO DE
2003.............................................................106
F
IGURA
17-
E
DIÇÃO
1863
-
21
DE JULHO DE
2004 ............................................................109
F
IGURA
18-
E
DIÇÃO
1919
-
24
DE AGOSTO DE
2005 .........................................................111
F
IGURA
19-
E
DIÇÃO
1842
-
25
DE FEVEREIRO DE
2004 .....................................................113
F
IGURA
20-
E
DIÇÃO
1840
-
11
DE FEVEREIRO DE
2004 .....................................................114
F
IGURA
21-
E
DIÇÃO
1875
-
13
DE OUTUBRO DE
2004 .......................................................116
F
IGURA
22-
E
DIÇÃO
1
805
-
4
DE JUNHO DE
2003.............................................................117
F
IGURA
23-
E
DIÇÃO
1808
-
25
DE JUNHO DE
2003............................................................119
F
IGURA
24-
E
DIÇÃO
1812
-
23
DE JULHO DE
2003 ............................................................120
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _________________________________________________________________ 10
1. LINGUAGEM E TEXTO _________________________________________________________ 16
1.1. Noção de linguagem____________________________________________________________ 16
1.2. A natureza dialógica da linguagem ________________________________________________ 22
1. 3. A heterogeneidade lingüística ___________________________________________________ 23
1. 3. 1. Heterogeneidade constitutiva ________________________________________________________ 24
1. 3. 2. Heterogeneidade mostrada __________________________________________________________ 25
1. 3. 3. Heterogeneidade mostrada marcada __________________________________________________ 27
1. 3. 4. Heterogeneidade mostrada não marcada _______________________________________________ 29
1. 4. A noção de texto ______________________________________________________________ 32
2. O TEXTO SINCRÉTICO _________________________________________________________ 36
2.1. Tipos e gêneros textuais ________________________________________________________ 37
2.2. A concepção de texto e a natureza do signo_________________________________________ 41
2.3. A composição do texto sincrético: os componentes verbal e não verbal __________________ 43
2.4. O texto sincrético do corpus _____________________________________________________ 48
3. O TEXTO IRÔNICO ____________________________________________________________ 54
4. APRESENTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS E PROCEDIMENTOS DE SUA ANÁLISE __ 66
4.1. Algumas considerações sobre a revista Veja ________________________________________ 66
4.2. A natureza da seção “Veja essa” __________________________________________________ 69
4.3. O corpus da pesquisa e procedimentos de sua análise ________________________________ 71
5. ANÁLISE DOS TEXTOS SINCRÉTICOS DA SEÇÃO “VEJA ESSA” _________________________ 73
5.1. Características dos componentes constituintes dos textos _____________________________ 73
5.2. Análise dos textos sincréticos sob o enfoque irônico__________________________________ 83
5.2.1. Textos sobre políticos ________________________________________________________________ 84
5.2.2. Textos sobre celebridades ____________________________________________________________ 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________________________ 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________________ 131
10
INTRODUÇÃO
Ainda na graduação, tive o primeiro contato com a área de estudos da
Lingüística que se ocupa em observar, analisar e definir o texto. A partir das idéias
sobre texto, pude prestar maior atenção às manifestações da linguagem, desde as que
se faziam pela escrita e pela fala até aquelas que eram apresentadas apenas por
imagens.
Em minhas leituras, o que sempre me chamou a atenção, foi a forma de os
significados se revelarem. Em alguns, o significado revelava-se diretamente, em outros,
ele aparecia indiretamente. Esse aspecto de leitura, em que a interpretação se dava por
meio de evidências pouco aparentes, me levaram a conhecer um recurso da linguagem
que não só se fazia entender nas “entrelinhas”, mas também possibilitava que o leitor
percebesse uma idéia contrária àquilo que realmente se queria dizer: a ironia.
Os sentidos provocados pela da ironia me chamaram muito a atenção e
despertaram em mim curiosidade em estudá-los. Iniciei um estudo sobre ironia ainda na
graduação em um programa de iniciação científica.
Mas não foi apenas esse tipo de manifestação da linguagem que me chamou
a atenção enquanto estudava. As diferentes linguagens que manifestavam o conteúdo
no nível de superfície de um texto também começaram a despertar meu interesse,
11
particularmente os textos que formavam uma unidade de sentido pela integração de
diferentes linguagens, constituindo o que, neste trabalho, chamamos de um texto
sincrético.
O primeiro gênero de texto sincrético que estudei foi o publicitário, depois
notei que muitos desses textos estavam presentes o na publicidade, mas também
nos veículos de comunicação em geral como, por exemplo, em jornais, revistas,
televisão e outros.
Como sou professora de Língua Portuguesa no Ensino Médio e, por isso,
estar o meu trabalho centrado em textos, achei que deveria desenvolver melhor esse
interesse pelo texto sincrético e pela ironia. Aprimorar os meus conhecimentos de texto
me ajudaria, com certeza, a aprimorar também minhas aulas, já que, com minha
qualificação poderia ter mais idéias para proporcionar aos meus alunos um contato
mais aprofundado com textos e suas diversas leituras.
Para dar andamento a esse estudo do texto no mestrado, escolhi como tema
de minha pesquisa a análise do texto sincrético de caráter irônico. Defini como corpus
dessa pesquisa textos sincréticos irônicos da seção “Veja essa”, da revista Veja. Essa
seção da revista provoca leituras bastante interessantes sobre seus alvos, geralmente
pessoas reconhecidas pela mídia, dentre elas atores, atrizes e também políticos
nacionais e de outros países.
Para identificar de forma mais precisa o objeto desta pesquisa,
apresentamos
1
a seguir um desses textos que constituem o corpus:
1
Até aqui, coloquei-me como um narrador em primeira pessoa, porque apresentei razões e justificativas pessoais
para este trabalho. A partir de agora, na medida em que apresento o objeto da pesquisa, observo-o e informo sobre
ele, ponho-me como um narrador que se manifesta em terceira pessoa ou no plural de autor.
12
F
IGURA
1
Como se pode verificar trata-se de um texto sincrético, isto é, um texto
constituído por uma fotografia e um segmento verbal que formam um todo organizado
de sentido. Além disso, o texto é marcado pela ironia porque está centrado no objetivo
de que o leitor tenha a referência feita a Lula como absurda e, assim, desqualificando o
Presidente, provoque o efeito de humor.
O objetivo geral do trabalho é, portanto, configurar a manifestação da ironia
na relação entre dois códigos semióticos (a palavra e a fotografia) constituintes dos
textos sincréticos do corpus. Especificamente, pretende-se, num primeiro momento,
definir a natureza desses textos, produzidos pela reunião de componentes provindos e
outros textos, mas assumindo, na seção “Veja essa”, a identidade de um novo texto;
caracterizar cada um dos componentes constituintes do texto sincrético (o verbal e o
fotográfico) e as relações que mantêm entre si na constituição da unidade textual. Num
segundo momento, tem-se com objetivo identificar e descrever as marcas que sinalizam
o caráter irônico do texto; constatar se essas marcas, no tipo de texto analisado, se
situam no componente verbal ou não verbal; definir possíveis categorias de
manifestações irônicas a partir das características dos textos e dos seus propósitos em
13
relação a seus alvos. Na medida do possível, tentaremos também mostrar o caráter
desses textos em relação às posturas político-ideológicas da revista que os constrói e
divulga, além de avaliar os possíveis efeitos que se pretende que esses textos, em
função das referidas posturas político-ideológicas, produzam nos leitores.
Para alcançar esses objetivos da análise, estabelecemos, inicialmente, uma
fundamentação teórica em que se define uma concepção de linguagem, à luz da qual
se concebe a noção de texto em geral e a de texto sincrético e irônico em particular.
Nesse sentido, no primeiro capítulo se apresentará a noção de linguagem e
de texto. Toda pesquisa que aborde o texto precisa se orientar por uma concepção de
linguagem. Como vamos focalizar o texto irônico, cuja natureza explicita o caráter
heterogêneo da linguagem, situaremos a abordagem do texto no âmbito de uma
concepção bakhtiniana de linguagem. Neste mesmo contexto situaremos a noção de
texto, já que Bakhtin concebe a linguagem, considerando-a em seu uso nas práticas
sociais das pessoas, isto é, na produção dos textos.
A partir dessa noção geral de texto, o capítulo 2 dedica-se a estudar
particularmente o texto sincrético. Parte-se de uma breve discussão sobre tipos e
gêneros de texto para, entre eles, identificar aqueles textos que são constituídos por
meio de recursos provenientes de sistemas semióticos diferentes, isto é, os textos
sincréticos. Como os textos do corpus são textos sincréticos constituídos por uma
fotografia e uma citação, ou seja, por um componente não verbal e outro verbal,
definimos brevemente a natureza de cada um desses componentes do ponto de vista
do conceito de signo, conforme ele é apresentado por Peirce. Em seguida, valendo-nos
especialmente dos estudos de Lúcia Teixeira (2004), abordaremos as relações entre o
14
verbal e a imagem no texto sincrético. Por fim, focalizaremos de perto, sob o aspecto de
seu caráter sincrético, os textos de nosso corpus.
Como o grande objetivo do trabalho é estudar a ironia nos textos sincréticos,
o terceiro capítulo discute a noção de ironia. Trata-se de um conceito muito complexo,
abordado nas ciências humanas sob os mais variados enfoques, dependendo da área
em que ela é estudada. Por isso, existe literatura que estuda a ironia na perspectiva da
Filosofia, da Psicologia e, evidentemente, no âmbito da Lingüística, do texto e do
discurso, que ela, antes de mais nada, tem existência como um fato de linguagem. É
dentro desse último contexto que ela será definida neste trabalho. Também no contexto
lingüístico-discursivo, a ironia recebe diferentes definições. Nos estudos da retórica é
apresentada como uma figura de linguagem que se caracteriza pela antífrase, ou seja,
por um enunciado que, na aparência, afirma algo positivo de seu alvo, mas, de fato,
afirma o contrário do que foi dito. Outros autores partiram dessa definição retórica e
estudaram a ironia em outras perspectivas. Fiorin (1988), levando em conta a natureza
dialógica da linguagem, define a ironia do ponto de vista dos estudos da enunciação.
Considerando o texto ou o enunciado como o produto da enunciação, diz ele que em
toda a ironia, o que se afirma no enunciado é negado na enunciação. Beth Brait (1996)
também estuda a ironia nessa perspectiva, e o eu trabalho reúne e discute, além disso,
as concepções de ironia desenvolvidas por Kerbrat-Orechioni e por Ducrot aos quais
também faremos referência. Finalmente, neste capítulo sobre a ironia, ainda trazemos
idéias das anteriores.
Depois desses fundamentos teóricos, no capítulo 4, apresentaremos e
caracterizaremos o corpus de nossa pesquisa. Inicialmente, faremos algumas
considerações sobre a revista Veja com o objetivo de estabelecer o contexto em que se
15
situa a seção “Veja essa” e, portanto, os textos sincréticos objetos de análise. Essa
contextualização vem caracterizada pelas posturas político-ideológicas da revista as
quais vão se revelar explicitamente nas funções irônicas dos textos analisados. Na
seqüência, apresentaremos o corpus em si e traremos informações sobre a
metodologia adotada para sua análise.
Finalmente, no capítulo 5, apresentaremos a análise dos textos. Essa tarefa
tem dois grandes momentos. Em primeiro lugar faremos uma análise das relações que
componentes constituintes dos textos mantêm entre si para constituir a unidade de
sentido que o texto oferece. Em segundo lugar, focalizaremos os textos do ponto de
vista de sua natureza irônica. Para esse fim, distribuímos os textos do corpus em dois
grupos ou categorias: textos sobre políticos e textos sobre celebridades.
E, para fechamento do trabalho, fazemos, nas considerações finais,
reflexões que ponham em evidência aspectos relevantes da pesquisa e que, também,
apontem para conseqüências que se podem tirar de nosso estudo em favor de
melhorias na qualidade do ensino de língua portuguesa e do trabalho com textos em
particular.
16
1. LINGUAGEM E TEXTO
Assim como qualquer pesquisa que se dedique à análise lingüística deve
orientar-se por uma concepção de linguagem, esta dissertação também fará, num
primeiro momento, uma reflexão sobre linguagem. Dentre essas diversas concepções
de linguagem, consideraremos aquela que, em nossa opinião, melhor possibilita a
análise dos textos que neste trabalho pretendemos estudar, a saber, textos irônicos
sincreticamente constituídos.
1.1. Noção de linguagem
O texto irônico, objeto de estudo deste trabalho, caracteriza-se
fundamentalmente por ser “uma espécie de encenação em que o enunciador expressa
com suas palavras a voz de uma personagem ridícula que falasse seriamente e da qual
ele se distancia pela entonação e pela mímica, no instante mesmo em que lhe dá a
palavra” (Maingueneau, 2001, p. 175). Segundo esta afirmação, podemos dizer que o
texto irônico, em sua constituição, revela um enunciador que produz um enunciado no
qual alguma marcação aponta para uma outra enunciação produtora de um segundo
17
enunciado que nega o primeiro. Isso mostra que na ironia manifestam-se duas
instâncias enunciativas, duas vozes, dois pontos de vista diferentes.
Essa duplicidade de vozes que caracteriza a ironia remete à noção de
heterogeneidade lingüística e, portanto, ao caráter heterogêneo dos textos, conceito
que foi desenvolvido por Authier-Revuz a partir do caráter dialógico da linguagem
discutido e definido por Mikhail Bakhtin. Portanto, cabe-nos, para fins desta pesquisa,
apresentar essa noção de linguagem desenvolvida por Bakhtin.
A noção bakhtiniana da linguagem é elaborada a partir da crítica a duas
correntes do pensamento lingüístico: o subjetivismo idealista ou individualista e ao
objetivismo abstrato.
O objetivismo abstrato define a língua como sendo um sistema. No dizer
Bakhtin (1990, p.77), “segundo essa tendência, o centro organizador de todos os fatos
da língua, o que faz dela o objeto de uma ciência bem definida, situa-se (...) no sistema
lingüístico, a saber, o sistema das formas fonéticas, gramáticas e lexicais da língua
2
.
Os representantes do objetivismo abstrato defendem a idéia de que esta realidade
independe da consciência individual, apenas o sistema lingüístico é capaz de dar conta
dos atos de fala.
Ainda a respeito dos partidários do objetivismo abstrato e de suas
considerações sobre o sistema objetivo da ngua, Bakhtin (1990, p. 92) explica que as
considerações apresentadas não relevam a posição da consciência subjetiva do
locutor, que deve utilizar o sistema da língua como “produto de uma reflexão sobre a
língua, reflexão que não procede da consciência do locutor nativo e que não serve aos
propósitos imediatos da comunicação”.
2
Grifo do autor
18
Sob o ponto de vista do locutor, o objetivismo abstrato deixa de considerar as
reflexões contextuais e releva apenas as condições de produção lingüística da norma
como não mutável. Mas, ainda com referência ao ponto de vista do locutor, Bakhtin
revela que a norma lingüística, enquanto forma, deve figurar em determinado contexto,
mesmo porque o que determinará as possíveis significações dessas normas lingüísticas
será o contexto a que se referem.
a outra corrente do pensamento lingüístico, o subjetivismo idealista ou
individualista, concebe a língua como um ato de fala de criação individual. Diz que a
fonte da língua é o psiquismo individual e que as leis da criação lingüística são as leis
da psicologia individual. Nesse sentido, qualquer manifestação lingüística teria, em
essência, a mesma natureza da criação artística, Bakhtin (1990, p. 75) então, cita
Vossler: “A própria idéia de língua é, por essência, uma idéia poética; a verdade da
língua é de natureza artística, é o Belo dotado de Sentido”.
Em resumo, o objetivismo abstrato define a língua como um sistema fixo,
imutável, abstrato, desvinculado do ato de produção lingüística e, portanto, das
condições de uso da língua e livre de qualquer determinação histórica. Já o
subjetivismo individualista a considera como uma produção individual, de ordem
psicológica, também fora de qualquer contexto de seu uso e de referência histórica.
Entre estas duas correntes do pensamento lingüístico ainda uma
característica bem marcante: a sinalidade e o signo. Vimos que no momento em que se
pensa no ato da fala do locutor, não basta que se conheça e se decifre apenas a forma
lingüística em questão: é necessário também atenção a um contexto que identificará as
prováveis significações para a determinada situação. Sendo assim, é necessário que a
atenção aos outros pontos de vista em questão seja compartilhada (os pontos de vista
19
do locutor mais os pontos de vista do receptor), pois, assim se dará o processo de
decodificação, sendo ele atingido ou não.
Apenas a norma lingüística seria responsável pelo processo de
decodificação da língua? Do ponto de vista do receptor, a norma não é a única
responsável pela compreensão da ngua, posto que o essencial na tarefa de
descodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num
contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular”
(Bakhtin, 1990, p. 93).
Pensar, então, que a língua é apenas um sistema de formas imutáveis a ser
identificado, é aproximar a forma lingüística das características do sinal, que constitui
“apenas um instrumento técnico para designar este ou aquele objeto” (Bakhtin, 1990
p.93). O receptor deve fazer da forma um ponto de partida para compreender o que
está recebendo, sendo assim, este sinal deixa sua característica imutável para ser
contextualizado e definido como signo. Este sim é decodificado, variável, flexível e
contextualizado de acordo com o conhecimento de mundo dos participantes da situação
comunicativa. O signo é fato sócio-ideológico, atua e remete a realidades diferentes,
pois: “tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si
mesmo” (Bakhtin,1990, p. 31).
Cabe aqui destacar, então, que a palavra, nas considerações a respeito da
linguagem evidenciadas por Bakhtin (1990), não é apenas um instrumento que deva ser
identificado pelo receptor; ela se faz significativa pelo seu uso em seu contexto, sim
pode-se dizer que ela deve ser decodificada, porque a partir desse momento parte para
a natureza do signo, admitindo que sua compreensão seja feita por meio de
conhecimentos compartilhados entre o locutor e o receptor.
20
Diante das idéias elaboradas a partir críticas dessas duas correntes do
pensamento lingüístico, Bakhtin (1990) não se limita a defender a atribuição da
natureza da linguagem a apenas uma ou outra. Ele explica que nenhuma dessas duas
correntes é a responsável única por definir linguagem. Ambas têm seus pontos
conflitantes, mas a alternativa que fica para essa compreensão é a de que a linguagem
não é apenas forma e nem é apenas determinada pelas condições psicofisiológicas do
falante. Segundo Bakhtin a linguagem é, acima de tudo, de natureza social, na medida
em que ela se realiza sempre na enunciação.
Por ser de natureza social, a enunciação é responsável pelos fatos de
linguagem e só ocorre em situação interativa: “a enunciação é o produto da interação
de dois indivíduos socialmente organizados” (Bakhtin, 1990 p. 112) e, a partir dessa
interação, surgem as várias formas de diálogos entre os conhecimentos de cada um
desses indivíduos e o contexto a que se referem.
Para Bakhtin (1990), não basta reconhecer uma palavra e relacioná-la a um
dado nome, é preciso compreendê-la e utilizá-la em seus propósitos contextuais, que
tendem a diversas interpretações. Busca-se a interpretação das palavras na
enunciação, que é ela que cria o contexto para a significação do momento
comunicativo, portanto, para os interlocutores é importante a observação e a
interpretação enunciativa, instância que revela o ato individual da fala e representa a
unidade real da cadeia verbal.
Bakhtin
(1990, p. 113)
ainda faz referência às “duas faces” das palavras. A
elas atribui à significação de quem as pronuncia e também de quem as recebe:
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através de
uma palavra refiro-me em relação ao outro, isto é, em última análise,
21
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada
entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade,
na outra apóia-se sobre o meu interlocutor.
É nessa relação entre locutor e interlocutor que percebemos os diálogos
existentes entre as diversas palavras que compõem a enunciação, não somente
aqueles diálogos em voz alta, representantes de manifestações orais, nem mesmo
aqueles representados pelo discurso direto, mas também aqueles identificados por
qualquer manifestação verbal. Bakhtin (1990, p. 123) cita um exemplo de uma
manifestação verbal escrita: um livro. Dentro deste livro uma comunicação verbal,
um ato de fala impresso em que o autor dialoga com outros autores que defendem o
mesmo assunto ou são de posições diferentes. O fato é que, com esse exemplo,
Bakhtin postula a existência de uma “discussão ideológica” presente neste tipo de
diálogo, comprovando a existência também de duas faces componentes da situação
ideológica representada pela situação verbal.
Assim, podemos afirmar que a enunciação, sob o ponto de vista bakhtiniano,
depende da comunicação verbal para se realizar e demonstra, em seu caráter
ideológico, uma diversidade de diálogos que interagem entre si formando as relações
comunicativas entre os indivíduos. É essa a natureza da linguagem desenvolvida por
Bakhtin (1990, p.126): “a linguagem deve justamente colocar como base de sua
doutrina a enunciação como realidade da linguagem e como estrutura sócio-ideológica”.
E a enunciação, realizando-se, necessariamente, na interação, tem caráter dialógico.
Essa concepção dialógica da linguagem será desenvolvida em mais alguns
aspectos quando focalizarmos, a seguir, a noção de heterogeneidade lingüística e, a
partir dela, buscarmos compreender a noção de ironia.
22
1.2. A natureza dialógica da linguagem
O intuito dessa pesquisa é analisar textos caracterizados em sua superfície
pela utilização de signos diversos e que exprimem significados irônicos os quais, em
geral, exprimem efeitos de sentido de humor. Para explicarmos a natureza desses
textos, retomemos, por ora, a natureza dialógica da linguagem conforme ela foi definida
por Mikhail Bakhtin.
Bakhtin referia-se à linguagem como sendo dialógica porque toda
manifestação lingüística tem sua origem num diálogo explícito ou implícito. Isso quer
dizer que em todo texto se manifestam diferentes vozes.
Para cada manifestação discursiva do indivíduo, Bakhtin o nome de
enunciado. Nesta dissertação, consideraremos esta definição como sinônima para
texto. O texto é mediador das situações expressas pela situação comunicativa.
Os textos ou enunciados são compreendidos não somente por suas
características lingüísticas e estruturais, isto é, pelas relações que os signos
apresentam entre si. Eles ultrapassam um nível único de interpretação, quando são
considerados em relação aos contextos de sua produção. Cada contexto cria uma nova
situação de interação e, por isso, determina uma nova enunciação. A teoria bakhtiniana
exige que as relações lingüísticas sejam avaliadas num parâmetro global, envolvendo
todos os níveis gramaticais e discursivos.
Se pensarmos no signo Silêncio”, por exemplo, notaremos que ela pode ter
significado diverso dependendo do contexto em que se encontra. Não basta
reconhecermos a sua forma sonora para identificarmos o que ela significa na língua.
Quando expressa na forma de um grito, ela pode traduzir uma exigência que alguém
23
faz num lugar muito barulhento. Se for formulada num lugar silencioso, ela pode
reafirmar a quietude que já existe, entre outras possíveis situações em que esse
enunciado pode ser usado.
Recuperando ainda o exemplo acima, um diálogo entre o silêncio e o
rumor, a obediência e o desrespeito que representam vozes ideológicas constitutivas do
conhecimento de mundo do sujeito que as recebe e interpreta de acordo com a
situação vivida. Daí depreendemos o dialogismo, que é possível depreender um
sentido, em uma situação comunicativa.
O dialogismo se revela em todo e qualquer enunciado, o qual é responsável
pela manifestação de um conteúdo no nível da expressão. Segundo Fiorin (2006, p.21),
O que é constitutivo do enunciado é que ele não existe fora das
relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças
de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma,
completa, pressupõe e assim por diante. Um enunciado ocupa sempre
uma posição numa esfera de comunicação sobre um dado problema.
Segundo as considerações apresentadas, compreendemos que o dialogismo
é o “modo de funcionamento real da linguagem” (Fiorin 2006, p. 22).
1. 3. A heterogeneidade lingüística
Authier-Revuz retoma a noção de dialogismo proposta por Bakhtin,
denominando o fato de diferentes vozes entrarem para a constituição de um enunciado
ou de um texto de heterogeneidade lingüística. Essa autora distribui as manifestações
de heterogeneidade em duas grandes categorias: a heterogeneidade constitutiva e a
heterogeneidade mostrada.
24
1. 3. 1. Heterogeneidade constitutiva
Esse tipo de heterogeneidade reflete a diversidade discursiva presente nos
atos comunicativos, isto é, nos enunciados. É por meio dela que podemos afirmar a
presença do eu e do outro nos atos comunicativos.
Comparativamente ao dialogismo bakhtiniano, pode-se dizer que ela está
presente em todos os textos, representando, assim, os diversos diálogos existentes
entre os discursos que envolvem este mesmo texto. Em cada discurso tem-se o jogo do
eu e do outro atuando e dialogando entre si. E cada um desses sujeitos comunicativos
carrega em seus discursos ideologias e conhecimentos sócio-históricos: o discurso é
uma das instâncias em que a materialidade ideológica se concretiza” (Brandão, 2006, p.
46).
Tais representações de conceitos e normas presentes em um ato
comunicativo são as formações ideológicas, organização de posições políticas e
ideológicas” (Brandão, 2006, p.47). Elas denotam a realidade em que se firma o
indivíduo e demonstram o espaço em que este indivíduo representa socialmente, quais
são as imagens que ele tem das coisas e do mundo. Tudo isso se sustenta por
instituições como a religião, a família, a escola a os meios da comunicação de massa:
Cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo de
atitudes e de representações que não são nem “individuais” nem
“universais” mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições
de classe em conflito umas em relação às outras. (Haroche et al. (1971,
p.102) Apud Brandão, 2006, p. 47).
25
Ao conjunto de atitudes e representações proposto pelas formações
ideológicas, existem as formações discursivas, componentes que estão sempre
interligados:
São as formações discursivas que, em uma formação ideológica
específica e levando em conta uma relação de classes, determinam o
que pode e o que deve ser dito a partir de uma posição dada em uma
conjuntura dada. (Brandão, 2006, p. 48).
Sendo assim, podemos dizer que as formações discursivas são
componentes discursivos presentes em todas as manifestações textuais verbais ou
escritas que vivenciamos. É por meio delas que também podemos explicar as idéias da
heterogeneidade constitutiva: constitutiva porque faz parte dos discursos em geral. Um
discurso tem existência, isto é, somente se constitui quando ao menos duas vozes
interagem. Estas vozes não se mostram explicitamente nos textos porque se situam no
discurso.
1. 3. 2. Heterogeneidade mostrada
Esse tipo de heterogeneidade caracteriza-se por se apresentar
explicitamente nos enunciados. Diz-se heterogeneidade mostrada, porque as vozes que
entram na constituição do texto são efetivamente mostradas, o que significa que elas
podem ser identificadas pelo leitor do texto. Ou, como diz Discini (2005, p. 111): “Uma
das maneiras pela qual se identifica a heterogeneidade mostrada é a depreensão do
outro, delimitada por marcas que o separam do enunciador citante. Nesse caso temos
um confronto de enunciações: a citante e a citada”.
26
As diferentes vozes podem ser identificadas de rias maneiras, como
veremos adiante, como, por exemplo, pelo discurso direto e indireto, pelas glosas do
enunciador, pela utilização de aspas. Em outros momentos, pelo discurso indireto livre,
pela paródia, entre outras demarcações discursivas.
A essas vozes que permeiam o discurso, Maingueneau (1989, p.76)
relaciona a noção de polifonia desenvolvida por Ducrot: polifonia quando é possível
distinguir em uma enunciação dois tipos de personagens, os enunciadores e os
locutores”.
Há, em determinada situação comunicativa, fatos que remetam a dois tipos
de formas distintas de apresentação do eu: enquanto o locutor manifesta o que está
sendo dito em um texto e se responsabiliza por este ato, existe também um outro eu
caracterizado pelo discurso expresso na enunciação. Um apresenta-se no enunciado e
outro na enunciação promovendo um diálogo entre dois discursos distintos.
Para melhor explicar a diferença existente entre enunciador e locutor citemos
o exemplo trazido por Maingueneau (1989, p.77): “o enunciador representa de certa
forma, frente ao ‘locutor’ o que o personagem representa para o autor em uma ficção.”
Ambos não reproduzem uma mesma manifestação do eu, mas relacionam-se por
manter um diálogo em que um se expressa na superfície textual e o outro está presente
na enunciação.
As marcas enunciativas de heterogeneidade podem ser delimitadas e
classificadas de acordo com as marcas lingüísticas mais ou menos evidentes que as
identificam. Nesse sentido, a heterogeneidade mostrada pode ser marcada e não
marcada.
27
1. 3. 3. Heterogeneidade mostrada marcada
A heterogeneidade mostrada marcada, relatada por Authier-Revuz, é uma
característica dialógica representativamente presente na superfície de um enunciado.
É comum caracterizar-se a heterogeneidade mostrada marcada pelos
discursos direto e indireto, pelas aspas e glosas do enunciador e pela negação. Todos
estes elementos da superfície do texto carregam marcas do locutor e também remetem
a alguma característica do enunciador.
Para Maingueneau, o discurso direto e o discurso indireto são as
“manifestações mais clássicas de heterogeneidade enunciativa” (1989, p.85). São
discursos reprodutores de uma realidade na qual o locutor se utiliza da fala de um
locutor segundo para reforçar determinada idéia ou ato não pertencente exatamente a
intenção do enunciador em se assumir ou, então, para assegurar a afirmação exata:
“por meio do discurso direto, o enunciador cria a ilusão de dar significativo espaço a voz
do outro” (Discini, 2005, p. 121).
O discurso indireto também retoma a voz de outrem como espaço
significativo que reforce o que enunciador quer dizer. que no direto existe uma
demarcação de superfície mais clara do que no indireto. Em um texto nomeado
didaticamente como narrativo, observamos a característica de um travessão que
caracteriza as tarefas de fala de uma personagem qualquer. Nos textos jornalísticos
percebemos o uso das aspas remetendo a uma fala sempre identificada por seu autor.
Oliveira (2006) apresenta as seguintes características que distinguem o
discurso direto do discurso indireto:
28
DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETO
Introduzido por verbos dicendi
(dizer, falar, afirmar, replicar,
responder).
Também introduzido por verbos
dicendi.
Destaca-
por dois pontos, aspas, travessão
ou itálico.
Traduzido na forma de uma
oração subordinada objetiva
direta do verbo dicendi.
Os pronomes e as formas
adverbiais de lugar e tempo são
usados tanto em referência ao
enunciado
r quanto ao
enunciatário
Os pronomes pessoais e
advérbios de tempo e lugar
organizam-
se em relação ao
enunciador.
O discurso direto e o discurso indireto são formas de heterogeneidade mostrada
marcada exatamente porque se mostram nos textos por meio dessas marcas fixas e
cristalizadas no uso lingüístico. Das características enfatizadas no quadro acima
verificaremos agora a utilização das aspas para marcar o discurso direto.
A primeira das funções do uso das aspas, segundo Maingueneau (1989, p.90) é
a de que o “locutor não quer se assumir”. O enunciador de certa forma põe um segundo
enunciador em cena e concede-lhe a palavra para falar. Isso realiza um processo de
distanciamento o que caracteriza o uso do discurso direto. Porém, quando nos
certificamos do valor geral que as aspas podem adquirir na interpretação do leitor, que
considera o contexto em que aparecem, identificamos o que Authier-Revuz chama de
modalização autonímica. Segundo Maingueneau (2002, p. 158), a modalização
autonímica destaca-se “por englobar o conjunto dos procedimentos por meio dos quais
o enunciador desdobra, de certa maneira, seu discurso para comentar sua fala
enquanto está sendo produzida”.
O uso das aspas para a análise do corpus será observado a partir do ponto de
vista do discurso direto e da modalização selecionada pelo enunciador em atribuir uma
29
significação irônica a ser depreendida no significado do texto sincrético. As aspas estão
inseridas em um contexto em que o enunciador não remete apenas a uma palavra para
comentar sua fala e sim a frases inteiras ditas por pessoas reconhecidas pela mídia
para formar o texto desejado. O desdobrar discursivo do plano da superfície não se
define apenas no verbal, mas também no visual que, muitas vezes, dialoga
divergentemente com o verbal, e também reforça o aspecto irônico característico do
texto sincrético a ser analisado.
Como último aspecto, o processo de negação também é considerado como uma
heterogeneidade mostrada marcada. Nele percebemos dois pontos de vista que
dialogam entre si: um enunciador que nega e outro que propõe uma ação anterior. As
marcas que identificam a negação são as diferentes formas de negação da língua.
É comum observarmos esta ação nos enunciados que negam uma outra e
proclamam que essa mesma ação anterior ao enunciado explicitado fora afirmativa. Um
exemplo é qualquer uma das placas de trânsito que reforçam a idéia de proibição: a
ordem proibitiva é uma negação de uma ação que seria considerada uma transgressão
das leis do trânsito.
1. 3. 4. Heterogeneidade mostrada não marcada
Esse tipo de heterogeneidade permite ser identificado não por elementos
fixos e consagrados pelo uso na superfície do texto, mas por formas: “recuperáveis a
partir de uma diversidade de fontes da enunciação” (Maingueneau, 1989, p. 75). São
estas formas imprevisíveis de marcar as outras vozes presentes na constituição do
30
texto. Neste caso pode se perceber a existência de uma heterogeneidade discursiva
quando depreendemos de uma leitura a intertextualidade, a ironia, o discurso indireto
livre, a pressuposição, por exemplo.
Cada uma dessas formas revela uma manifestação de diálogo no discurso.
e necessitam de uma reflexão maior do leitor; exigem um leitor mais atento e
conhecedor dos discursos presentes no enunciado para serem identificadas como
marcas de heterogeneidade.
No discurso indireto livre, a heterogeneidade revela-se de maneira diferente
do que nos discursos direto e indireto, pois ele o apresenta, na superfície do
enunciado, marcas lingüísticas fixas e repetidas de identificação. Sua identificação fica
diluída no contexto.
Para Maingueneau (2000, p. 153):
O discurso indireto livre é o tipo mais clássico de hibridismo, já
repertoriado muito tempo pelas gramáticas. Cabe-lhes combinar os
recursos do discurso direto e do discurso indireto. Diferentemente nas
ilhas enunciativas ou do discurso direto com “que”, ele o tem marcas
próprias e, fora do contexto, não pode ser identificado como tal. A
polifonia do discurso indireto livre não é a de duas vozes claramente
distintas (DD), nem a absorção de uma voz pela outra (DI), mas uma
mistura perfeita de duas vozes: em um fragmento do DIL, o se pode
dizer exatamente que as palavras pertencem ao enunciador citado e
que palavras pertencem ao enunciador citante.
O discurso indireto livre é um recurso lingüístico comumente requisitado
pelas produções literárias. As produções midiáticas, no geral, recorrem a manifestações
discursivas diretas ou indiretas.
Outra manifestação discursiva caracterizada por uma heterogeneidade
marcada não mostrada é a da intertextualidade por imitação. Por tal intertextualidade, o
31
enunciador, por meio de seu discurso, imita o discurso de outrem. A voz do outro e
mostrada pelos traços da imitação.
Pensemos, por exemplo, nas intermináveis réplicas de leitura do poema de
Gonçalves Dias “Canção do Exílio”. A cada leitura percebe-se uma imitação do texto
original em louvor ao Brasil. Em cada uma das imitações, vê-se uma diversidade de
abordagens sempre remetendo ao poeta original. Por utilizar a autoridade discursiva de
um poeta, o locutor da nova poesia faz com que a nova leitura seja engajada e conote
novo significado.
A última manifestação discursiva de heterogeneidade mostrada não marcada
explorada é a ironia. Dentro dos estudos desenvolvidos pela heterogeneidade,
Maingueneau (1997, p.102) diz que “a ironia, de forma paradoxal, anula o que enuncia
no próprio ato de anunciar” que retrata uma posição explicitada pelo locutor que não
pode ser assumida pelo enunciador.
A ironia pode ser depreendida de várias maneiras nos diversos enunciados.
À medida que o enunciador necessita da utilização desse recurso discursivo, ele pode
manifestar suas ações pela utilização de gestos que indiquem essa negação, enquanto
afirma de outra maneira. a possibilidade de uma recepção da ironia por meio de
uma entonação que aponte para o caráter irônico do texto em questão, mas, na
ausência de tais manifestações da linguagem, existe a possibilidade de identificarmos
um texto irônico? Que outras marcas lingüísticas enunciam a ironia?
Às vezes, em uma situação comunicativa, fica difícil desvendar uma
manifestação discursiva irônica por não apresentar marcas de entonação ou gestuais.
Na escrita várias marcas lingüísticas presentes na superfície do texto que sinalizam
para o leitor/interlocutor a ironia, por exemplo, a utilização das aspas, manifestações
32
hiperbólicas, marcações explicitamente demarcadas no discurso indireto, ponto de
exclamação, reticências, muitas vezes o humor caracterizando uma atitude. Outras
sinalizações dependem do contexto.
Essas marcações utilizadas pelo enunciador acabam tornando seu texto
ambivalente e serão compreendidas mediante os critérios de conhecimento de mundo
do enunciatário. A ironia determina sua mensagem pela utilização de dois discursos
distintos que remetem a leituras também distintas. A ironia dialoga sempre com um
destinatário e não é considerada apenas um jogo de linguagem com mera função
lúdica.
1. 4. A noção de texto
As considerações feitas por Bakhtin sobre a natureza da linguagem,
implicitamente já definem a natureza do texto, do discurso, que a linguagem tem
existência em seu uso, nas variadas condições de interação lingüística, ou seja, ela
tem existência no discurso. Além disso, discutir a noção de texto para quem pretende
analisar textos é essencial, pois só assim, se dará evidência à natureza do objeto a ser
estudado.
Historicamente, a Lingüística estudava os fatos de linguagem no limite das
dimensões da frase. Fazia isso talvez por lhe faltarem os critérios para definir níveis de
análise para além da frase ou porque a frase constituía um nível da manifestação
lingüística que podia ser analisado sem maiores preocupações com um contexto de
enunciação.
33
Foi a partir dos anos sessenta, com a semântica estrutural, que as relações
de sentido começaram a dar um novo enfoque aos estudos lingüísticos:
A preocupação com o sentido, no entanto, forçou o lingüista a rever sua
concepção de língua e de estudos da linguagem e a romper as
barreiras estabelecidas entre a frase e o texto e entre enunciado e
enunciação. Sem derrubar essas demarcações, não se pode realizar
nenhum estudo satisfatório do sentido (Barros, 1999, p.6).
Assim, surgiu uma nova posição frente aos fatos de linguagem: a frase
evidenciada nos estudos lingüísticos por muito tempo cede espaço ao texto, percebido
como unidade de sentido. A frase passa a depender do sentido do texto para ser
compreendida.
Segundo Barros (1999), o texto pode ser definido sob dois pontos de vista,
como objeto de significação e como objeto de comunicação, os quais levam a dois
enfoques de seu estudo.
Como objeto de significação o texto enfatiza o exame “dos procedimentos e
mecanismos que o estruturam” (Barros, 1999, p. 7). Muitas teorias voltam-se para a
análise do texto sob essa perspectiva, destacando, entre elas, a Semiótica Discursiva e
a Lingüística Textual.
Como objeto de significação, o texto é considerado um todo de sentido, e os
fatores em grande parte responsáveis pela organização da unidade de sentido que é o
texto são a coesão e a coerência. A coesão é constituída pelas relações lingüístico-
gramaticais que compõem o texto (coesão gramatical, lexical e referencial): a coerência
decorre de todos aqueles fatores que fazem com que os elementos que constituem o
texto não sejam discrepantes entre si do ponto de vista do sentido que texto precisa ter
como um todo. São responsáveis pela coerência, entre outros fatores, elementos
34
lingüísticos, as próprias relações de coesão, as relações de intertextualidade, e também
fatores externos ao texto, como o conhecimento de mundo de quem o produz e de
quem o lê.
a caracterização do texto como objeto de comunicação surge do fato de
que todo texto é produzido por um sujeito que, nessa produção, institui uma situação de
enunciação na qual se comunica com um outro sujeito. Sob esse ponto de vista, o texto
se torna um fato sócio-histórico, porque o sujeito que o produz é um indivíduo inserido
num determinado tempo e numa determinada realidade sócio-cultural. Nesse sentido, o
estudo do texto não mais envolve apenas a parte estrutural.
Quando estudamos o texto como objeto de comunicação, se revela a
concepção de linguagem e, portanto, de texto de Bakhtin. É em Bakhtin que se concebe
o texto como resultado de uma ação interativa, cujo significado depende da participação
do locutor, do interlocutor e de um contexto imediato.
Essas duas concepções de texto, objeto de significação e de comunicação,
apesar de oferecerem perspectivas diversas de leitura e de análise, convergem para
uma única concepção de texto, ou seja, qualquer texto sempre será, ao mesmo tempo,
um objeto de significação e um objeto de comunicação. Em outras palavras, o texto
como objeto de significação sempre será produto da enunciação de um sujeito, numa
dada situação de comunicação.
Essa concepção de texto como um todo organizado de sentido, produzido,
em determinada situação de comunicação, por um sujeito situado num tempo
determinado e com determinadas características sócio-culturais, é fundamental para a
análise do tipo de texto objeto de nossa análise neste trabalho. Conforme mostraremos
adiante, os textos do corpus, especialmente por serem sincréticos formados de parte
35
verbal e de parte o verbal, constituem uma unidade de sentido na relação das duas
formas de linguagem. A análise dos textos vai exatamente levar em conta sempre essa
integração de linguagens e, portanto, de sentidos, na constituição do texto.
36
2. O TEXTO SINCRÉTICO
É de relevante importância relembrarmos que as considerações sobre texto
desenvolvidas nesta dissertação convergem as concepções dialógica e heterogênea do
texto. Para tanto, é essencial que tracemos mais profunda e abrangentemente as
tipologias de texto elaboradas com base nessas concepções.
Posteriormente a estas considerações passemos a discorrer e definir aquele
tipo de texto selecionado para a análise do corpus: o texto sincrético. Este, por sua vez,
estará situado dentro de tais abordagens teóricas de texto e terá como sua principal
característica a diversidade de manifestação de linguagens em seu enunciado. Por
meio de tal diversidade é que definiremos seu caráter significativo, que formará
definitivamente o texto.
Passaremos agora a observar alguns pormenores desse “todo de sentido”
chamado texto. Primeiramente, veremos uma classificação textual do ponto vista das
formas de linguagem que podem se juntar para constituir um único texto. Na seqüência,
faremos uma análise dessas características e daremos maior atenção àquelas que são
relevantes para o estudo do texto sincrético.
37
2.1. Tipos e gêneros textuais
que o texto resulta da manifestação de um conteúdo por meio de um
plano de expressão e que um mesmo conteúdo pode ser evidenciado por diferentes
indícios em sua expressão, é necessário que consideremos também as formas de
diferentes linguagens responsáveis pela produção discursiva, que originam tipos
textuais distintos.
Para cada situação de comunicação, existem diferentes “moldes” de
manifestação desta mesma mensagem, que comportam e revelam fenômenos com
diferentes características históricas, sociais e culturais dos indivíduos envolvidos no ato
da comunicação. Esses fenômenos são nomeados gêneros discursivos, “tipos de
enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma
construção composicional e um estilo” (Fiorin, 2006, p. 61).
Segundo Marcuschi (2002), na antiguidade, as comunidades lingüísticas não
eram providas de muitas maneiras comunicativas. Utilizavam-se de poucos recursos
para que sua mensagem chegasse a seu destino. No entanto, o ato comunicativo
desencadeou formas de registrar seu conteúdo, criando, assim, símbolos e, a partir
deles, desenvolvendo, mais tarde, a escrita, que representou graficamente a
manifestação sonora das palavras.
Foi na Grécia que muitas das formas de registro de um conteúdo
comunicativo geraram semelhanças entre si e apareceram então, as primeiras
considerações acerca dos gêneros de discurso que até então eram tomadas como um
agrupamento “de textos que têm características e propriedades em comum” (Fiorin,
2006, p.60)
38
Com o desenvolvimento e crescimento humano, novas necessidades e
formas de comunicação foram surgindo, e os gêneros textuais foram se expandindo.
Com isso pôs-se em evidência não só a importância da linguagem escrita, mas também
da visual.
Em pleno século XXI, de se notar que essa diversidade de linguagens
mostrada em textos sincréticos é explorada de uma maneira intensa, principalmente na
mídia, com o objetivo de persuadir e conquistar os seus objetivos.
Ainda segundo Marcuschi (2002, p.20), os gêneros “caracterizam-se muito
mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas
particularidades lingüísticas e estruturais”, mesmo porque seu aparecimento pode ser
tão rápido quanto seu desaparecimento.
Nos últimos dois séculos, principalmente, a demanda comunicativa dos
gêneros evoluiu tanto que não um número aproximado que não se faça incerto em
delimitar a quantidade de sua existência. Um bom exemplo dessa evolução dos
gêneros são as mensagens eletrônicas, representadas especialmente pelo tão atual e-
mail. Esse tipo de comunicação vem de outro gênero nem um pouco moderno que é a
correspondência por meio de cartas, gênero pouco utilizado hoje em dia.
ainda a teoria Bakhtiniana que evidencia esses mesmos gêneros não
apenas por suas semelhanças formais, mas sim pelos modos de formação do produto
formal:
Bakhtin não vai teorizar sobre o gênero, levando em conta o produto,
mas o processo de sua produção. Interessam-lhe menos as
propriedades formais dos gêneros do que a maneira como eles se
constituem.
Seu ponto de partida é o vínculo intrínseco existente entre a utilização
da linguagem e as atividades humanas. Os enunciados devem ser vistos
na sua função no processo de interação (Fiorin, 2006, p.61).
39
As atividades humanas e suas formas de expressarem um conteúdo são
inúmeras. O processo comunicativo, dependendo do contexto em que está inserido,
pode se dar de diversas maneiras: são diferentes as formas de comunicação que temos
para abordar uma pessoa cuja intimidade é declarada, daquelas com quem mantemos
menor contato íntimo. O processo comunicativo necessita de formas diferentes na
expressão de determinado conteúdo; formas estas que agregam diferentes escolhas
lexicais, estruturas do diálogo etc. Segundo Fiorin (2006, p.61): “Só se age na
interação, se diz no agir e o agir motiva certos tipos de enunciados; o que quer dizer
que cada esfera de utilização da língua elabora tipos relativamente estáveis de
enunciados”.
Cada tipo de enunciado reflete uma ação humana e pode ter características
estáveis em conteúdo temático, estilo e organização composicional, porém, estas
características não são finitamente categorizadas. Para Fiorin (2006, p. 63) a variedade
e a riqueza dos gêneros são infinitas,
uma vez que as possibilidades da ação humana são inesgotáveis e cada
esfera de ão comporta um repertório significativo de gêneros do
discurso. Na esfera da ação jurídica, por exemplo, temos gêneros como
a petição, a sentença, o acórdão, o despacho etc. Na esfera da ação
religiosa, a oração, a formula sacramental, o sermão e assim por
diante. De outro, porque o que importa verdadeiramente é a
compreensão do processo de emergência e de estabilização dos
gêneros, ou seja, a íntima veiculação do gênero com uma esfera de
atividade.
No que se refere à classificação dos textos, Marcuchi (2002, p. 23) afirma ser
preciso distinguir tipos de gêneros. Para, os tipos textuais são categorias (narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção) que se relacionam no plano estrutural e
se manifestam pela coesão textual, responsável pela tessitura das seqüências
40
lingüísticas. Essa definição de Marcuschi refere-se aos textos verbais. Mas pode-se
incluir entre os tipos de textos aqueles que se identificam do ponto de vista das formas
de linguagem que concorrem para a sua constituição. Assim, são três tipos de textos
diferentes: os verbais, que se manifestam exclusivamente por meio da palavra,
podendo ser escritos e falados; os não verbais, que se manifestam por qualquer outro
recurso, menos o verbal (pinturas, músicas, histórias em quadrinhos sem palavras e
outros); e os sincréticos, que se manifestam pelo recurso a códigos semióticos de
naturezas diferentes (para exemplo pode-se citar um filme, que é um texto que se
manifesta pelo recurso à palavra, à imagem, à música).
Um dos aspectos salientados por Marcuschi (2002) é a linguagem utilizada
pelos variados gêneros. Muitos deles unem diferentes formas de linguagem para
significar e ter êxito durante o ato comunicativo. Muitas vezes observamos não apenas
a linguagem verbal, escrita ou oral, mas também a linguagem visual que tem grande
responsabilidade significativa na construção das mensagens. Essa junção entre
diferentes linguagens num mesmo ato comunicativo, interdependentes para sua
compreensão, gera um tipo de texto chamado sincrético, desenvolvido teoricamente
nos próximos capítulos.
Se tomarmos o texto e sua natureza comunicativa contextualizada,
perceberemos que uma mensagem pode ser compreendida e não necessariamente
depender de uma relação exclusivamente verbal. Um bom exemplo são alguns
símbolos presentes em nosso cotidiano na sociedade: um semáforo, algumas das
placas de trânsito e outros. São textos tão ou mais eficientes do que outros constituídos
verbalmente.
41
2.2. A concepção de texto e a natureza do signo
Partindo da idéia de que a linguagem se manifesta por meio de signos que
revelam aspectos ideológicos e sócio-históricos na comunicação entre os indivíduos de
uma comunidade lingüística, discutiremos agora a maneira de apresentação desses
signos não apenas no âmbito da manifestação verbal, mas também nas manifestações
que têm como código semiótico principal o não-verbal.
A primeira consideração que apresentaremos é a noção peirceana de signo.
Para Peirce (2000, p.46), o signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa
algo para alguém”. Por exemplo, o signo carro: o falante, ao dizer esta palavra, nomeia
um objeto que é reconhecido por um receptor que compartilha da mesma realidade
lingüística.
O signo atribuído não necessita ter relação direta com o objeto nomeado,
mas sim com a situação que o envolve. Para tanto, Pierce (2000, p. 47), afirma que:
A palavra será usada para denotar um objeto perceptível, ou apenas
imaginável, ou mesmo inimaginável num certo sentido pois a palavra
“estrela”, que é um signo, não é imaginável, dado que não é esta
palavra em si mesma que pode ser transposta para o papel ou
pronunciada, mas apenas um de seus aspectos, e uma vez que é a
mesma palavra quando escrita e pronunciada, sendo no entanto uma
palavra quando significa “astro com luz própria” e outra totalmente
distinta quando significa “artista célebre” e uma terceira quando se
refere a “sorte”.
Mas ainda signos que remetem diretamente a seu objeto, que o
passam pelo processo de captação e uso recorrente de uma escolha lexical
determinada por um grupo. entre esses signos e a coisa que representam uma
relação motivada.
42
Peirce (2000, p. 63) propõe três principais tipos de signos: ícones, índices e
símbolos. O primeiro signo dessa tricotomia a ser explanado é o ícone. Ele representa
uma relação de semelhança com o objeto que representa. Por exemplo, uma fotografia
de uma pessoa que apresenta, de certa forma, uma realidade, ou melhor, um momento
real em que aquela pessoa foi fotografada. Considera-se esse signo como icônico,
que um grau de similaridade entre o signo e o objeto que ele representa: “um signo
pode ser icônico, isto é, pode representar seu objeto principalmente através de sua
similaridade, não importa qual seja seu jeito de ser”. (Pierce, 2000, p. 64)
O segundo tipo de signo, o índice, é apresentado como sendo uma
referência ao objeto representado, “em virtude de ser diretamente afetado por esse
objeto” (Netto, 2003, p.58). É exemplo de índice um campo molhado. Ele é um signo de
chuva, na media em que apresenta com esta uma relação de causa e efeito. Se, no
caso do ícone, há uma relação de semelhança entre o signo e a coisa representada por
ele, no caso do índice, essa relação é de contigüidade:
Uma batida na porta é um índice. Tudo o que atrai a atenção é índice.
Tudo o que nos surpreende é índice, na medida em que assinala a
junção entre duas porções de experiência. Assim, um violento
relâmpago indica que algo considerável ocorreu, embora não saibamos
exatamente qual foi o evento. Espera-se, no entanto, que ele se ligue
com alguma outra experiência (Pierce, 2000, p. 67).
Por último tem-se o símbolo, significação atribuída a “um signo convencional, ou
um signo que depende de um hábito (adquirido ou nato)” (Pierce, 2000, P.72). uma
relação não motivada entre o signo e o objeto que o representa. É o caso da cruz, por
exemplo. Como vem associada, em sua origem, à crucificação de Cristo, ela acabou se
tornando símbolo de dor e sofrimento no contexto das culturas cristãs.
43
O signo icônico será um dos signos que mais tem importância em nossa
pesquisa por apresentar a mesma natureza do constituinte não verbal dos textos do
corpus analisado. Esse constituinte é composto por fotografias de pessoas
reconhecidas pela mídia.
Em relação ao texto escrito que o acompanha, esse tipo de signo gera, em
princípio, uma condição contínua de explicação, contextualização e situacionalidade.
Mas se pensarmos na relação de significação existente entre o signo icônico e o
constituinte verbal dos textos da seção “Veja essa”, perceberemos que o sentido do
ícone é pouco ilustrativo e muito mais irônico e cômico. Na verdade, se analisássemos
apenas a fotografia, poderíamos afirmar que o caráter explicativo dela é a sua função
mais óbvia a ser considerada, mas no texto sincrético do tipo que iremos analisar a
imagem, formando com as palavras uma unidade integrada de sentido, se presta a
novas leituras.
2.3. A composição do texto sincrético: os componentes verbal e não verbal
A partir das idéias e noções sobre texto, digo e signos expostas até aqui,
façamos distinções das tipologias textuais de natureza semiótica. Os textos são
constituídos por um plano de conteúdo mais um plano de expressão. Toda
manifestação do signo se apresenta em um plano de expressão, que por sua vez,
manifesta os significados em seu plano de conteúdo.
Nesse sentido, o texto pode ser definido como “um signo, o que quer dizer
que possui um significado, um conteúdo veiculado por meio de uma expressão que
pode ser verbal, visual entre outros tipos” (Discini, 2005, p.29).
44
Segundo as idéias apresentadas por Discini (2005), é no plano de expressão
que se encontra a manifestação semiótica dos textos, em seu plano mais concreto,
percebemos a natureza do tipo textual: verbal, visual ou sincrético.
O texto visual tem características únicas das quais não depende do texto
verbal:
É assim que, através do estabelecimento e reconhecimento dos
códigos visuais, a imagem torna-se uma forma expressiva capaz de
organizar nossas maneiras de ver o mundo e compreendê-lo, de viver
nele e de comunicar (Estevão, 2006, p.50).
Assim, o texto visual produz efeito de realidade, tem alto poder veridictório e
põe em evidência o objeto da representação. No caso de uma fotografia de uma
primeira página de um jornal, ela é a demonstração de veracidade de um fato ocorrido.
Numa primeira leitura, o reconhecimento situacional e de espaço. A legenda que o
acompanha é apenas um objeto explicativo e marca de contextualização. Ela mostra a
fotografia, direciona o sentido da fotografia em relação ao contexto verbal.
Mas essa informação verbal pode esconder a fotografia. No caso do texto
sincrético selecionado para o corpus, as marcas verbais escondem o texto visual, já que
este não será mais lido separadamente. Há um jogo de sobreposição dos textos,
característico do texto sincrético. A foto já não é mais ilustrativa, o texto verbal já não é
explicativo e as duas formas condensam-se em uma única forma de sentido, sentido
este que, em nosso corpus, se revelará pelo jogo irônico atribuído ao texto sincrético.
De toda forma, o verbal re-semantiza a foto e esta re-semantiza o verbal.
Isso faz com que as marcas características e específicas do componente verbal e do
componente não-verbal (fotografia) denotem outros significados quando observadas
num único enunciado, enunciado este que se apóia em diferentes códigos para
45
constituir uma significação. No caso do corpus desta pesquisa, uma das possíveis
significações atribuídas ao enunciado sincrético, é a da ironia.
O texto sincrético “une em si dois meios diferentes de expressão” (Discini,
2005, p. 29). As tipologias que identificamos até este momento se caracterizavam por
uma manifestação verbal ou uma manifestação não verbal para realizar seus efeitos
comunicativos e de sentido. nesse terceiro tipo de texto, a necessidade de mais
de uma manifestação semiótica para que o texto possa se concretizar. Assim, podemos
exemplificar o texto sincrético por um filme, uma peça teatral, um anúncio publicitário e
outras manifestações. Os efeitos de sentido provocados por esse tipo de texto são os
mais variados assim como também acontece com os outros tipos de texto.
Nas considerações sobre texto explicitadas até este momento, dissemos que
o texto, seja como objeto de significação, seja como objeto de comunicação, é sempre
um todo organizado de sentido. Observamos também que, se houver
concomitantemente um plano de conteúdo expresso por um plano de expressão de
qualquer natureza sígnica, haverá então um texto. Seja qual for a natureza desse texto,
se houver no enunciado só imagens, o texto terá um caráter visual; se houver somente
palavras, ele terá natureza verbal; se houver num mesmo enunciado uma diversidade
de signos, verbais e visuais, então este texto será chamado de sincrético.
Alguns autores, como Teixeira e Hernandes (conforme referências a seguir),
discutem a natureza do texto sincrético e fazem dele seu principal objeto de pesquisa.
Embora analisem diferentes objetos semióticos (pictóricos, fílmicos), sintonia entre
esses objetos e o corpus desta dissertação, voltada a observar o texto constituído por
códigos semióticos diferentes, no caso, palavra e imagem fotográfica.
46
A análise desse tipo textual não pode deixar-se levar pela leitura de somente
uma das partes componentes do texto. Uma vez que ambas se fundem numa única
organização de sentido. A esse propósito afirma Teixeira:
Objetos sincréticos, para dizer com mais rigor, são aqueles em que o
plano de expressão se caracteriza por uma pluralidade de substâncias
mobilizadas por uma única enunciação cuja competência de textualizar
supõe o domínio da várias linguagens para formalização de uma outra
que as organize num todo de significação (2004, p. 235).
Para não segmentarmos os objetos sincréticos e focalizarmos neles códigos
semióticos distintos, cabe também considerar uma definição geral de texto sincrético
apresentada por Hernandes (2005, p.6):
As semióticas sincréticas (no sentido de semióticas objetos, quer dizer,
das magnitudes manifestadas que dão a conhecer) se caracterizam
pela aplicação de várias linguagens de manifestação. Um spot’
publicitário, uma historieta, um telejornal, uma manifestação cultural ou
política são, entre outros, exemplos de discursos sincréticos. [...]
Semióticas sincréticas constituem seu plano de expressão e mais
precisamente a substância de seu plano de expressão com os
elementos dependentes de várias semióticas heterogêneas. Afirma-se
assim a necessidade e a possibilidade de abordar estes objetos
como ‘todos’ de significação [...]
Por meio das definições de texto sincrético expostas até o momento é que
percebemos que a natureza de um texto sincrético impede uma análise separada dos
signos que o constituem. Mas, se um texto sincrético é composto de diversas
linguagens, seriam todas elas analisadas sob um mesmo ponto de vista, sem
evidenciarmos as características dos elementos semióticos distintos? Devemos
caracterizar um todo constitutivo de sentido sem pormenorizar seus elementos
constituintes?
47
A diversidade de linguagens de manifestação que caracteriza o texto
sincrético não atribui a ele uma diversidade de sentidos depreendida de cada uma
dessas linguagens, consideradas separadamente. Há um todo que compõe sua
estrutura e, nessa estrutura, não se pode considerar a presença de elementos que
significam apenas se fragmentados.
O jogo entre as linguagens que compõem o texto sincrético representa uma
unidade em que podemos identificar diferentes sentidos que se realizam nesta
multiplicidade de linguagens. Senão, como seria observar um discurso fílmico sem
apreender o jogo entre o verbal e o visual? Sem o gestual e seu correspondente
também imagético? Haveria, de certo, uma não cumplicidade de sentidos provocada
pela não leitura global desse texto.
Por outro lado, os atributos existentes num texto de natureza verbal não são
os mesmos existentes em um texto visual. Cada um apresenta em sua estrutura um
nível informativo cabível a cada situação comunicativa.
Assim, podemos afirmar que uma análise eficiente do texto sincrético deve
envolver uma atenção minuciosa dos elementos que o compõem. É preciso observá-los
em seu conjunto, isto é, em sua relação complementar na produção dos sentidos do
texto. Isso implica não se deixar atrair pelos componentes isoladamente. A esse
propósito afirma Hernandes (2005
, p.4
):
dois problemas (armadilhas?) que se colocam diante de quem quer
fazer um estudo menos fragmentário de textos cinematográficos,
publicitários, jornalísticos, para citar alguns objetos sincréticos: de
um lado, é acreditar que somente uma análise do conteúdo dá conta da
sua produção de sentido. De outro, é valorizar demais questões
estéticas, sinestésicas, sensíveis um “fazer-sentir” do plano de
expressão - e esquecer que se relacionam a um conteúdo maior, a uma
visão de mundo, a uma estratégia de persuasão, a um fazer-crer. A
48
reflexão sobre o sincretismo, portanto, justifica-se quando
necessidade de se abordar o objeto cinematográfico ou de qualquer
outra natureza
3
de um ponto de vista mais global.
Para o corpus selecionado serão observados todos os aspectos
componentes do texto sincrético, levando em conta, neste caso, as características do
componente verbal e seus possíveis sentidos relacionadas às características e
significações do componente visual fotográfico, tentando fazer uma análise global do
texto. Mesmo que, a um momento, as características de linguagem que compõem o
texto sincrético sejam analisadas separadamente, a sua colocação geral será sempre
salientada, principalmente quando se pretende focalizar o sentido irônico comum a
todos os textos analisados no corpus. Todos estes aspectos que compõem o texto
sincrético fazem parte de uma única enunciação e merecem destaque numa leitura
única também.
2.4. O texto sincrético do corpus
Os textos que constituem o corpus apresentam elementos verbais e
elementos visuais que dialogam entre si provocando um efeito irônico em seu sentido.
Quando, em um mesmo enunciado, encontram-se elementos de diferentes naturezas
semióticas, como os que compõem o corpus, denomina-se este enunciado de
sincrético. Serão analisados na dissertação apenas os textos sincréticos de significado
irônico.
3
Grifo nosso
49
Para Teixeira (2004, p.230) um texto é sincrético se apresenta num mesmo
enunciado uma “unidade formal de sentido que integra diferentes linguagens”. Podemos
dizer então, que ao nos depararmos com um texto em que dialogam entre si uma
imagem e um texto verbal, como um filme, por exemplo, consideramos que texto
sincrético. Ou mesmo, ao observarmos um anúncio publicitário em que interagem
fotografia e texto verbal escrito em um outdoor, podemos dizer que este outdoor é um
objeto sincrético. Assim, as fotografias e os elementos verbais escritos que compõem
os textos do corpus serão considerados sincréticos.
Geralmente, a relação existente entre os elementos que constituem o texto
sincrético é de complementaridade. Um elemento, dentro do mesmo enunciado, não
pode significar isoladamente sem outro e, se assim ocorrer, o texto o é considerado
sincrético. A essa relação de completude e integração entre diferentes elementos,
Teixeira (2004, p.230) denomina de dispersão: momento de reflexão do espectador em
observar que elementos de naturezas semióticas diferentes são constituintes de um
mesmo enunciado e relacionam-se entre si.
casos em que um leitor tem de ser mais atento, se concentrar em sua
leitura e observar quais as possibilidades de diálogos existentes entre os componentes
de um texto, como por exemplo, a primeira página de um jornal. Existe a possibilidade
de a fotografia principal dialogar com uma legenda de outra reportagem não sendo a
dela. Ou de alguma história em quadrinhos que recupera um texto dessa primeira
página. Os elementos podem se encontrar dispersos, não claramente interligados. O
grande exemplo de dispersão em Teixeira (2004) é a análise que a autora faz de um
catálogo de uma instalação artística. Os elementos que compõem o catálogo aparecem
em dispersão: são mostradas fotografias, legendas entre outros elementos que não
50
interagem imediatamente entre si fato que o visitante muitas vezes não constata ou só
vem a observar mais tarde.
Ainda sobre a integração dos diferentes elementos que compõem o texto
sincrético, Teixeira (2004, p.233) reflete sobre “graus de integração” desses elementos,
apresentando um novo ponto de vista para a análise de textos sincréticos. Tais graus
de integração podem atingir diferentes índices de acordo com o nível de redundância
(Teixeira, 2004, p.233) em que se encontram. Para a autora redundância não é
entendida apenas como repetição, mas acúmulo, adensamento de sentidos” (Teixeira,
2004, p.233), ou seja, a redundância está na interação das diferentes linguagens que
constituem o texto sincrético. Ela reforça e repete o diálogo existente entre os
elementos desse texto, gerando o sincretismo e evidenciando sua idéia central, que
deve apresentar-se como um todo de sentido. Essa mesma redundância pode, ainda,
apresentar-se de forma menos evidente:
A redundância pode causar interações originais, como a síntese e a
discordância, ou introduzir nuances ou correções, de modo a chegar a
uma taxa mínima de redundância, como no caso da ironia. (Teixeira,
2004, p.233)
Esse grau de redundância mínima, característico do texto sincrético irônico,
será abordado em outro capítulo da dissertação, mas vale adiantar que esse grau
reduzido de redundância se deve à negação da enunciação no seu enunciado.
A redundância, em Teixeira (2004, p.234), é apresentada pela articulação de
elementos “simultaneamente independentes e integrados” que se relacionam
gradativamente com maior ou menor intensidade na constituição do texto sincrético. Tal
51
intensidade é observada de acordo com contrastes existentes entre esses mesmos
elementos que compõem o texto.
Para cada grau de interação entre os termos que constituem o texto
sincrético, Teixeira apresenta a oposição reiteração e contraponto. A reiteração
representa um grau de redundância mais acentuado, isto é, um grau em que os
elementos lingüísticos do enunciado se relacionem com menor intensidade e não
apresentem contrastes entre si. O contraponto é o grau de redundância entre os
elementos mais contrastantes. Segundo Gomes (2007), “o contraponto surge, a partir
do sentido que tem na música, de elementos que são ao mesmo tempo contrastantes e
independentes”.
Os elementos semióticos componentes dos textos sincréticos constituintes
do corpus são a fotografia e a expressão verbal escrita. Numa primeira leitura desses
textos, percebemos uma semelhança com o recurso a legenda utilizado em diversas
situações que necessitam de uma contextualização.
A seção “Veja essa”, da revista Veja, ocupa-se em destacar algumas frases
ditas por pessoas reconhecidas pela mídia. Em alguns casos tais frases vêm
acompanhadas por uma fotografia de seu autor. Cabe então, nesse primeiro momento,
observar as possíveis relações de sentido existentes entre a frase (operada como
legenda) e a fotografia.
O elemento visual composto pela fotografia é portador de uma força
veredictória porque revela quem é o autor da frase e sugere a situação em que ela foi
proferida, mesmo que essa situação e a imagem não pertençam ao mesmo aro
enunciativo.
52
O componente verbal, se considerado como legenda, cumpre duas funções
simultaneamente: descrever a foto e dar uma informação sobre o acontecimento
ilustrado pela fotografia.
No caso do texto irônico, o componente verbal, na verdade, não exerce
essas funções próprias da legenda. Ele não descreve a foto nem uma informação
sobre ela, ao menos num sentido linear e complementar. A relação entre os dois é
polêmica, de conflito, uma vez que um nega o outro.
"Não sou a vovó que fica em casa fazendo docinho”.
Fernanda Montenegro, atriz
F
IGURA
2
No texto acima, encontramos as ocorrências teóricas descritas até aqui. Há a
presença da fotografia e da legenda: a frase, a imagem de sua autora e alguma outra
informação relevante, no caso a de que ela é atriz. Fica evidente neste exemplo que a
afirmação da legenda pretende negar a informação da fotografia e esta se contrapor ao
53
enunciado verbal. Sob este enfoque o texto sincrético é irônico, seja lido do verbal para
o não verbal, seja em sentido contrário.
Apesar de frase afirmar que sua autora não é uma avó à moda antiga,
daquelas que cozinhavam e cuidavam dos netos, a fotografia a coloca em uma situação
muito parecida com a desse tipo de avó.
Há ainda aspectos como os de redundância que nos remetem à leitura
também da ironia: os elementos verbais e não verbais estão tão divergentes que a
redundância da mensagem alcança uma taxa mínima. Isso provoca o contraponto, a
ambivalência dos sentidos, a afirmação e a negação postas em uma mesma instância.
De qualquer forma a ironia se depreende na relação entre os dois
componentes do texto. Em outras palavras, é a ironia que faz com que este texto seja
uma unidade de sentido.
No pico seguinte aprofundaremos a noção de texto irônico. Discutiremos
quais são as concepções de texto irônico e também quais são suas funções dentro da
análise do corpus.
54
3. O TEXTO IRÔNICO
Como já dissemos, o corpus de nossa pesquisa é constituído de textos
sincréticos irônicos. No capítulo anterior, apresentamos a noção de texto sincrético
dando ênfase aos sentidos produzidos pela relação entre os componentes verbais e
não verbais constituintes desse texto.
Neste capítulo iremos promover uma discussão sobre o que é a ironia e
sobre sua utilização como recurso de produção de sentidos em textos em geral, em
textos de circulação midiática e, em especial, em textos sincréticos como os do corpus.
A ironia tem merecido atenção de estudiosos do texto e do discurso que
buscam definir a sua natureza e estabelecer classificações de ordem formal e funcional
de suas ocorrências em diferentes contextos. A ironia costuma ser apresentada como
uma antífrase, isto é, como uma figura de linguagem que consiste em exprimir uma
determinada idéia por meio de um enunciado que afirma o contrário. A ironia é uma
antífrase em que as idéias contrapostas visam a um objetivo desqualificador em relação
a seu alvo. Mas toda a antífrase não é necessariamente desabonadora. Quando, em
relação a um panorama deslumbrante, se diz “Como é feio este lugar!”, está-se, na
verdade, fazendo uma referência à beleza da paisagem. A esse tipo de antífrase não se
costuma chamar ironia.
55
Aprofundaremos, aqui, a noção de ironia com base em Fiorin (1988), Brait
(1996) e Maingueneau (1989, 2002). Fiorin (1988) define a ironia no contexto dos
estudos da enunciação. A enunciação é o ato de um enunciador que produz um
enunciado com o objetivo de, por meio dele, persuadir um enunciatário. Toda a
enunciação, portanto, acontece numa instância de comunicação, em que o destinador
faz o papel de enunciador, o destinatário representa o enunciatário da enunciação e o
enunciado corresponde ao texto produzido pela enunciação. O destinador, em função
dos objetivos que pretende alcançar em relação a seu destinatário, escolhe os recursos
que lhe pareçam mais adequados para conseguir esses objetivos, considerando
sempre, nessas escolhas, os conhecimentos que possui de seu interlocutor. Essas
escolhas do enunciador, projetadas no enunciado, produzem seus efeitos de sentido,
fazendo com que o enunciador possa “em função de suas estratégias para fazer-crer,
construir discursos em que haja um acordo entre enunciado e enunciação ou discursos
em que haja um desacordo entre essas duas instâncias” (Fiorin 1988, p. 58).
No contexto das atividades de enunciação, um dos recursos freqüentemente
usados para produzir determinados efeitos de sentido, especialmente o de
desqualificação, de desprezo e de descaso, é a ironia. A ironia revela um desacordo
entre enunciado e enunciação. Fiorin, partindo da noção de antífrase, diz que no ato de
ironizar, o enunciador afirma uma idéia no enunciado, mas a nega na enunciação. Isso
quer dizer que, partindo do que se diz no texto, o propósito do enunciador é dizer o
contrário.
Então, em sua mensagem, o enunciador pode manifestar discursos que
convergem ou até mesmo divergem da enunciação em cena. No caso das figuras de
56
pensamento, ocorre antífrase (ou ironia) “quando se afirma no enunciado e se nega na
enunciação” (Fiorin 1988, p. 59).
Na oposição da antífrase, percebe-se que o que se afirma no enunciado se
nega na enunciação. Com a enunciação de “Você é muito educado!”, se
contextualizada numa situação de extrema grosseria, quer-se dizer exatamente o
oposto do que se afirma no enunciado.
Aparentemente, o enunciado irônico traduz uma mentira do enunciador em
relação ao destinatário que é alvo da ironia, que se diz algo que não converge para a
realidade da situação explicitada. Mas esse enunciado deixa de ser mentira e passa a
ser ironia, quando nele, ou no contexto em que ele é pronunciado, há sinais que
apontam para o sentido contrário do que é enunciado na aparência.
É fundamental essa sinalização da ironia. “Se os indícios não estão claros
para o interlocutor, a ironia não se concretiza. Como se diz habitualmente, uma ironia
que precise ser explicada perde todo o sentido” (Benetti, 2007, p.6). Portanto, a ironia
somente se realiza num contexto de cumplicidade entre os interlocutores. Aquele que
ironiza precisa confiar que o seu interlocutor vá reconhecer, em algum traço, a natureza
irônica do enunciado. Se esse reconhecimento não ocorrer, o propósito comunicacional
do enunciado não vai ser atingido.
Brait (1996) aborda as idéias do discurso irônico sob a luz da Pragmática,
recorrendo, em especial, às pesquisas de Kerbrat-Orecchioni. Brait destaca, na obra
dessa autora, três elementos enunciativos componentes da ironia: o ilocutório, o
lingüístico e o actancial.
57
O primeiro elemento, o ilocutório, destaca uma dupla atividade de quem
ironiza, pois apresenta “uma ão presente do locutor e, por meio da enunciação, tem
por função realizar essa ação” (1996, p.49).
O segundo elemento, o lingüístico, se revela, quando se discutem as
diferenças existentes entre a mentira e a ironia. A esse propósito, Brait afirma:
É essa estratégia analítica (diferenciar a mentira da ironia) que permite
visualizar uma seqüência irônica como a construção em que existe a
presença de um significante recobrindo dois significados como
acontece na mentira, mas integrada obrigatoriamente, por um índice
cuja função é sinalizar a ironia, diferenciando-a da mentira. A presença
ou a ausência do índice exibe discursivamente a relação que se
estabelece entre emissor e receptor: no caso da mentira, o enunciador
desqualifica o enunciatário, enganado-o; no caso da ironia, o
enunciador qualifica o enunciatário como capaz de perceber o índice e
participar da construção da significação irônica (1996, p.50).
O fato de a ironia se aproximar da mentira, remete ao caráter da antífrase,
por esta negar no enunciado e afirmar na enunciação. Esta característica enfatizada por
Fiorin (1999) recobre os preceitos da mentira que, para Brait (1996), tem o mesmo
processo enunciativo da ironia. Mas esta age sutilmente em relação à outra, pois não é
direta e exige uma cumplicidade maior entre enunciador e enunciatário que devem
compartilhar do mesmo conhecimento de mundo, caso contrário, a ironia se tornará
falha.
Nessa aproximação da ironia da mentira, Brait (1996 p. 51) ainda chama
atenção para o fato de que a ironia geralmente descreve em termos valorizantes uma
realidade que ela trata de desvalorizar”. Portanto, na ironia, o que se afirma no
enunciado (a idéia expressa da antífrase) é sempre positiva, e o que com essa
afirmação se quer dizer tem sentido negativo.
58
O terceiro elemento composicional da ironia é o actancial, uma vez que uma
das propriedades da ironia é a agressão. O ato de ironizar envolve um agressor e um
agredido. E essa relação de agressão envolve ainda um terceiro elemento, isto é,
aquele a quem o agressor se dirige quando agride o seu alvo.
Dessa forma o ato de ironizar constitui uma ação triangular: o locutor (aquele
que agride com a ironia), o ouvinte (aquele a quem o locutor a conhecer o alvo da
ironia) e, por fim, o próprio alvo do enunciado irônico. Em nosso corpus, como veremos
na análise, essa estrutura triangular fica bem evidente: o papel do locutor é realizado
pela revista (o enunciador do texto irônico); o ouvinte, no caso, por se tratar de um texto
escrito, é o leitor; e o alvo da agressão ou do ataque irônico é o personagem central do
texto.
Se relacionarmos, agora essa natureza de agressão e ataque da ironia com o
objetivo de desvalorização do agredido, ao qual fizemos referência acima, pode-se
concluir que a ironia é um ato essencialmente desqualificador. E esse é um aspecto
que se destacará muito em nossas análises.
Brait, valendo-se dos estudos referidos de Kerbrat-Orecchioni, apresenta
ainda uma distinção entre ironia referencial e ironia verbal. A ironia verbal é aquela que
descreve uma ação que “implica em um trio actancial: o locutor (A¹) que dirige um certo
discurso irônico para um receptor (A²), pra caçoar de um terceiro (A³) que é o alvo da
ironia” (Brait 1996, p. 62).
a ironia referencial recebe esta denominação por uma alusão às funções
da linguagem descritas por Jakobson. A linguagem tem função referencial, quando o
referente da manifestação lingüística está em evidência num enunciado. No caso da
ironia, ela é referencial quando dois fatos extralingüísticos entram em contradição de
59
natureza irônica. São ironias referenciais, por exemplo, os fatos ou comportamentos da
vida que são avaliados pela conhecida afirmação: “Ele foi vítima da ironia do destino”.
Exemplos desse tipo vêm identificados neste soneto clássico de Jorge de Lima:
O Acendedor de Lampiões
Lá vem o acendedor de lampiões da rua !
Este mesmo que vem enfatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz, que o senso humano irrita:-
Ele que doira a noite e ilumina a cidade
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também que nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!
No soneto acima, temos dois fatos que revelam a ironia referencial. O
primeiro fato aparece na dubiedade de elementos que envolvem o acendedor de
lampiões: ao mesmo tempo em que esse acendedor “(...) acende e continua/ Outros
mais a acender imperturbavelmente”, o destino ironiza esta ação e, de forma oposta ao
que se espera, esse mesmo acendedor “Talvez não tenha luz na choupana em que
habita”. Por mais lampiões que ele acenda nada muda o fato de ele não ter luz em sua
própria casa. O segundo fato de ironia referencial está no último terceto desse soneto:
quantas pessoas agem como o acendedor de lampiões no momento em que ensinam
aos outros “Crenças, religiões, amor, felicidade”, elas próprias não possuem essas
coisas que ensinam.
60
Na verdade, essa percepção irônica dos fatos da vida é uma transferência da
noção de ironia que temos no âmbito das atividades verbais. Em outras palavras, a
concepção de ironia como ato de linguagem se estende à observação da vida
referencial.
Se a ironia verbal envolvia três actantes, na referencial intervêm somente
dois, “sendo o primeiro o suporte da ironia (uma situação, uma atitude comportamental)
e o segundo o observador que percebe como ironia essa atitude ou esse
comportamento” (Brait, 1996 p.62).
Com as colocações sobre os elementos enunciativos constituintes da ironia
(verbal e referencial), Brait (1996 p. 63), apresenta, em uma perspectiva prática, a
leitura de manchetes jornalísticas ironicamente caracterizadas. Nessas manchetes, a
ironia se instaura o por marcas em sua superfície, mas por marcas contextuais
midiáticas as quais se efetivam em seu significado se o leitor compartilhar do mesmo
conhecimento de mundo. Caso contrário, a ironia não terá força argumentativa para ser
compreendida. Além disso, os elementos que compõem a superfície textual
exemplificada pela autora são caracteristicamente sincréticos, pois as manchetes
jornalísticas às quais se refere, apresentam componentes verbais (títulos, legendas) e
componentes não verbais (fotografias de acontecimentos que envolvem personalidades
políticas).
No aspecto em que a ironia verbal aparece como apoio de análise para
objetos que não se utilizam apenas de um código para serem irônicos, Brait (1996)
coloca proposições imprescindíveis para nossa pesquisa: em uma situação textual
como essa, “se os enunciados selecionados não forem considerados em conjunto,
61
portanto como uma seqüência de natureza textual, como uma unidade de significação,
não se poderá falar em ironia” (Brait 1996, p. 65).
Brait (1996) também destaca o caráter cômico-humorístico da ironia. Para
tratar desse aspecto, ela faz referência a Ducrot e a seus estudos polifônicos acerca da
ironia cômica. Ressalta, então, três condições necessárias a um enunciado humorístico:
1- Entre os pontos de vista representados em um enunciado, ao
menos um que é absurdo, insustentável (em si mesmo ou no contexto).
2- O ponto de vista absurdo não é atribuído ao locutor.
3- No enunciado não se expressa nenhum ponto de vista oposto ao
ponto de vista absurdo (não é retificado por nenhum enunciador). Entre
os enunciados humorísticos chamarei “irônicos” aqueles em que o
ponto de vista absurdo é atribuído a um personagem determinado, que
se procura ridicularizar (Ducrot, apud Brait, 1996, p. 55).
Para a compreensão dessas condições, apliquemo-as ao seguinte
enunciado:
A professora pede uma redação sobre A família pobre”. A
garotinha, filha de banqueiro, escreve: “Naquela casa, todo
mundo era pobre. O pai era pobre, a mãe era pobre, a filhinha
era pobre, o mordomo era pobre, o jardineiro era pobre, o
motorista era pobre, a cozinheira era pobre, a babá era pobre...”.
Nesse texto humorístico, é obviamente absurdo o fato de a família pobre ter
mordomo, jardineiro, motorista, cozinheira, babá, pois se trata de um quadro de
empregados próprio de famílias abastadas. Esse ponto de vista absurdo não é atribuído
a quem conta a história, que o faz exatamente para ironizar a percepção da pobreza de
quem cresce e vive no contexto de uma família rica. Por fim, no desdobramento da
62
redação da menina não nenhum ponto de vista que se oponha ao absurdo
apontado.
Além de a ironia poder caracterizar-se pelo humor, ela também pode assumir
a forma de sarcasmo. Segundo Benetti (2007, p. 9), o sarcasmo é uma forma de ironia
que “lança o do deboche explícito para imputar características desprezíveis a algo
ou alguém”. Na análise do corpus, perceberemos a presença de alguns textos
sincréticos que se caracterizam por uma ironia aproximativa do humor e outros
fortemente sarcásticos.
Um outro autor também estudado, Maingueneau (2002 e 1987), situa a ironia no
plano polifônico do discurso. Em síntese, o autor diz que, na ironia, se tem a presença
da voz de uma personagem “ridícula que falasse seriamente e do qual se distancia,
pela entonação e pela mímica, no instante mesmo em que lhe a palavra” (2002,
p.175). Portanto, segundo essa interpretação, na ironia sempre se manifestam duas
vozes: uma que afirma e outra que nega. Para o autor (1987, p. 98), “a ironia subverte a
fronteira entre o que é assumido e o que não é pelo locutor”.
Essa subversão de sentido, de ser algo afirmado no enunciado e negado na
enunciação, caracteriza o fenômeno da ironia enquanto artifício da linguagem como
transposição de escape de uma situação que não mereça ser direta, mas indiretamente
apresentada.
A presença do jogo irônico, na seção “Veja essa”, faz com que o enunciador,
por meio do texto sincrético, remeta sutilmente a uma característica que fora afirmada
no enunciado, mas negada na enunciação. O fato de ele utilizar linguagem irônica o
distancia em certa medida do comprometimento de ter construído o texto, já que faz uso
de situações em que o alvo da ironia apresentado na foto assume de certa forma o fato
63
engraçado ou comprometedor que o enunciador tenha testemunhado. Dessa forma,
podemos dizer que a ironia se faz por meio de um jogo entre discursos diferentes os
quais, por sua vez, apresentam vozes também distintas, provocando uma diversidade
de significações.
Por fim, Maingueneau (1987, p. 99-100) ao se referir à função da ironia,
destaca o pensamento de Berrendoner, segundo o qual, a função própria da ironia não
seria a de agredir um alvo, como a consideram a maioria dos estudiosos. Ela seria uma
“atitude defensiva, destinada a desmontar certas sanções ligadas às normas da
instituição da linguagem”.
E nessa perspectiva funcional conclui Maingueneau (p. 100):
O interesse estratégico da ironia reside no fato de que ela permite
ao locutor escapar às normas de coerência que toda
argumentação impõe: o autor de uma enunciação irônica produz
um enunciado que possui, a um tempo, dois valores
contraditórios, sem, no entanto, ser submetido às sanções que isto
deveria acarretar.
Pelo visto, tanto a agressividade quanto a infração das normas de construção
do discurso são funções da ironia. Elas se distinguem entre si pelo fato de a primeira ter
um alvo extralingüístico e a outra ter como alvo as próprias regras do discurso. Na
verdade, porém, essas duas funções constituem, em última instância, uma única
função, na medida em que o enunciador somente subverte as regras que comandam a
construção do discurso (ou seja, somente ironiza) quando tem o objetivo de
desqualificar (ou seja, avaliar negativamente) um alvo extralingüístico. Em síntese, no
exercício de sua função de subversão discursiva, a ironia realiza seu propósito
agressivo.
64
Para concluir, destacamos agora os aspectos mais relevantes deste capítulo, com o
objetivo de construir um quadro de referência instrumental para nortear a análise a
seguir:
a) A ironia revela um descordo entre o enunciado e a enunciação;
b) Na ironia, afirma-se no enunciado e nega-se na enunciação;
c) A ironia se distingue da mentira na medida em que, na primeira, sinais que
apontam para o sentido contrário do que é enunciado na aparência;
d) Se o enunciatário não identificar os traços de ironia no texto do enunciador, este
não terá alcançado seu objetivo irônico;
e) Para a ironia se realizar, o seu alvo precisa fazer parte do conhecimento de
mundo de ambos, do enunciador e do enunciatário da ironia;
f) A ironia pode ser verbal e referencial, consistindo esta última numa transferência
da natureza verbal da ironia para a realidade extralingüística;
g) A ironia se compõe de três elementos enunciativos: o ilocutório, o lingüístico e o
actancial;
h) É o elemento actancial da ironia que põe em evidência a função de
agressividade da ironia;
i) Em sua ação agressiva, o ato de ironizar prevê uma ação triangular: o locutor
(aquele que agride); o ouvinte ou o leitor (a quem o locutor a conhecer o alvo
e a natureza da ironia); o alvo da ironia ( pessoa ou situação ironizada);
j) A ironia pode produzir efeito cômico, se atender as condições estabelecidas por
Ducrot;
k) A ironia pode ser transformar em sarcasmo, quando o seu objetivo é agredir e
desqualificar pela força do desprezo e do preconceito;
65
l) A grande função da ironia é a de agredir o seu alvo na medida em que subverte
a normas de construção do discurso.
66
4. APRESENTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS E
PROCEDIMENTOS DE SUA ANÁLISE
4.1. Algumas considerações sobre a revista Veja
Nos seus quase quarenta anos de existência, a revista Veja é atualmente a
revista de maior circulação no Brasil e a quarta maior revista semanal do mundo
4
. Sua
primeira edição foi lançada em 9 de setembro de 1968, esgotando rapidamente as
vendas. Mesmo com a diminuição das vendas na segunda edição, ela se sustentou
pelos anos subseqüentes.
Em meio ao Regime Militar instituído no Brasil em 1964, o lançamento de
Veja veio marcar as publicações da já conhecida Editora Abril como “a grande revista
semanal de informações de todos os brasileiros”
5
De fato Veja foi a primeira revista de publicação semanal no país. Segundo
Carnevalli, 2003, a intenção editorial da revista era inovação e informação.
Aproveitando-se de seu faturamento e sucesso, a editora Abril resolve investir em algo
novo:
Tudo isso era preciso, porque “do ponto de vista editorial” não havia até
essa época, a bem dizer, uma real experiência em jornalismo semanal
de informação no Brasil aquele que tem de lidar, ao mesmo tempo,
4
Dado retirado de Wikepédia – enciclopédia livre da internet (2008)
5
Afirmação feita por Victor Civita na carta ao leitor da Primeira edição de Veja .Conforme Carnevalli,2003, p.59.
67
com a notícia quente da semana e com sua análise, com a
apresentação dos fatos e com a procura do seu significado, e que deve
saber se preocupar não tanto em dizer o que aconteceu, mas sim o que
está acontecendo“, observa Victor Civita numa carta ao leitor, publicada
em 4 de novembro de 1987, quando Veja publicava a edição do
milésimo número (p. 61/62).
Com a baixa venda de exemplares a partir da segunda edição, muitos eram
contra a posição que adotava Veja. Afirmava-se que o veiculo necessitava de uma
melhoria em sua estrutura, até então formada principalmente por textos verbais. Houve
a idéia de fechá-la e transformá-la em uma revista de variedades, distante da política e
das questões sociais pelas quais passava o país. Para não mudar o propósito de
construção da revista, Victor Civita, editor de Veja nessa época, insistiu que ela não
fosse modificada, mas melhorada em muitos de seus aspectos.
Ainda assim, Veja estava comprometida com o momento histórico da ditadura
militar, mas:
mesmo na busca da imparcialidade, a revista incomodava as
autoridades governamentais que acabaram por decretar o fim da
liberdade de imprensa, dando inicio a fase dos textos metafóricos,
lapidados, que tentavam, por meio das entrelinhas levar aos leitores a
mensagem cuja veiculação estava sendo proibida pelos censores
(Carnevalli, 2003, p.65).
Ainda que muitas de suas reportagens fossem vetadas por censores, Veja
consegue finalmente seu espaço no mercado editorial brasileiro depois de lançar uma
série de encartes que narravam a ida de Neil Armstrong a Lua e a luta entre facções do
Alto Comando do Exército pela sucessão presidencial. Muitos profissionais como Mino
Carta, Raimundo Pereira, Élio Gaspari, Paulo Henrique Amorim trabalharam na Veja
nessa época.
68
Em 1971, a revista não atendeu uma ordem federal e divulgou uma matéria
proibida pela censura. Foi então decidido que, no ano seguinte, um censor participasse
da edição dos próximos números de Veja. Caberia a ele decidir as proibições ou não
das matérias.
Com as proibições de última hora colocadas pelo censor, a revista tinha de
retirar o que não podia publicar. Então, como forma de substituição, ela publicava
gravuras medievais de demônios e também de anjos, no lugar das informações
censuradas. Segundo Carnevalli (2003p. 67), cerca de “mais de 10 mil linhas de texto
da revista, além de 60 reportagens inteiras e mais de 60 fotos e ilustrações” tiveram a
circulação proibida pela censura.
Em 1976 a revista se viu livre da censura direta, porém teve de ceder a uma
exigência governamental: afastar Mino Carta de seu cargo. Feito isso, a censura avisou
que não seria mais necessária a leitura prévia de seus artigos.
Veja acaba sofrendo outras mudanças além de seu quadro de produção
editorial:
Ao completar dez anos de existência, Veja chegava à tiragem de 260
mil exemplares e terminava a década de 70 assumindo o importante
papel de balizar o padrão nacional médio de cultura e de informação na
formação da opinião pública brasileira. Também foi nessa época que a
revista sofreu uma reformulação gráfica como objetivo de facilitar sua
leitura. “Depois de muitas pesquisas, ficamos sabendo que uma matéria
de uma coluna, sem ilustração, é lida por 9% dos leitores: com
ilustração, por15% (...) Matérias contendo diálogo também são muito
lidas”, exemplifica o jornalista Augusto Nunes, redator-chefe da
publicação em 1978 (Carnevalli, 2003, p.68).
A revista Veja teve seu reconhecimento na imprensa nacional devido a
diversos prêmios jornalísticos recebidos até 1990. Ainda hoje é uma revista
reconhecida principalmente pelo equilíbrio de sua composição.
69
4.2. A natureza da seção “Veja essa”
Dentre as diversas seções que compõem a revista Veja, a seção “Veja essa”
foi a selecionada para constituir o corpus deste trabalho. Ela é uma seção que abriga
fotos e frases de personalidades públicas que mereceram destaque na semana.
A seção “Veja essa” é composta por dois tipos de textos: textos somente
verbais e textos sincréticos. Estes últimos são constituídos por uma fotografia e um
segmento verbal vinculado a essa fotografia.
O segmento verbal, por sua vez, compõem-se de uma citação em discurso
direto seguida pela informação da fonte e pelo contexto em que ela foi proferida. A fonte
em geral é a personagem apresentada na fotografia. É preciso chamar a atenção para
o fato de que, nos textos sincréticos da referida seção, a imagem e a parte verbal não
são extraídos de um mesmo contexto. A revista, na verdade, valendo-se de elementos
(um de natureza verbal e outro de caráter não verbal) de procedência e contextos
diferentes, cria um novo texto.
Essa caracterização vem referendada pelo próprio editor da seção “Veja
essa”:
A seção VEJA ESSA tem por objetivo reunir as frases mais
importantes, brilhantes, engraçadas, chocantes, inusitadas da semana.
A escolha das frases que serão ilustradas por fotos seguem os critérios
mistos do impacto ou do caráter hilariante da frase com a busca de
equilíbrio de assuntos: em geral uma figura do showbiz, um ou dois
políticos brasileiros, uma personalidade internacional. As fotos podem
ser da cena em que a frase foi proferida ou pode ser uma foto de
arquivo. Neste caso, procuramos dar uma foto cuja expressão do
personagem tenha relação com o que ele está dizendo. Outras vezes
podemos dar uma foto que contradiga o que a frase diz, como uma
forma de fazer uma certa ironia com o personagem.
6
6
Declaração de J. César Barros proferida como resposta de um e-mail.
70
A figura seguinte é uma foto da disposição da seção “Veja essa” dentro da
revista Veja.
F
IGURA
3
Por fim, cabe ainda considerar que a destacada presença do texto sincretico
na seção “Veja essa” se justifica, ao menos em parte, pela relevância que representa a
imagem na concepção da Veja como um todo.
A imagem está presente em praticamnete todas as seções da revista a
iniciar pela capa, que traduz um sincretismo muito bem feito. Como afirma Carlos Néri
em uma entrevista concedida a Hernandes (2003, p.17):
71
É notável que uma revista que se chama justamente VEJA tenha toda a
parte de imagens e de projeto gráfico pensada para ser acessório de
reafirmação dos conceitos construídos pelo verbal. Questionado se
visualidade cria novos sentidos para a matéria, o próprio editor
executivo de arte, Carlos Néri afirma que o visual sempre acompanha,
sempre tem que ir junto com o verbal”
7
.
Apoiando-se ainda em dados coletados pelo próprio veículo de que as
notícias que possuem o elemento visual são mais lidas do que aquelas que possuem
apenas elementos verbais, na afirmação supracitada de Carlo Néri de que texto verbal
e o verbal devem estar sempre acompanhados, percebemos uma das possibilidades
para a existencia da seção “Veja essa”: se uma declaração será destacada e publicada,
principalmente se for polêmica, que seja ela então, ilustrada por um elemento não
verbal que atribua efeito de veracidade e realidade e essa declaração, neste caso a
imagem fotográfica.
4.3. O corpus da pesquisa e procedimentos de sua análise
Apresentadas as características da seção “Veja essa”, apresentamos agora
as informações sobre o corpus de nossa pesquisa que é constituído, como já dissemos,
unicamente por textos sincréticos extraídos da seção.
O corpus compõe-se de 23 textos extraídos de edições da revista Veja que
datam de fevereiro de 2003 a agosto de 2007. A escolha de tais datas e quantidade de
textos não se deu por nenhuma razão em especial. Se o número de textos fosse um
pouco maior ou menor, não faria diferença. Dentre os anos de 2003 e 2007, esses 23
textos foram os que melhor ilustraram a característica irônica depreendida da leitura de
7
Entrevista gravada com o autor e editor de arte da revista Veja, Carlos Néri.
72
textos sincréticos da seção “Veja essa”. Os textos serão apresentados, na seqüência da
análise, no próprio corpo de texto.
A análise será dividida em duas etapas principais. Em primeiro lugar,
faremos uma análise das características de cada um dos componentes constituintes do
texto (o verbal e o fotográfico) e as relações que mantêm entre si na constituição da
unidade textual.
Em segundo lugar, analisaremos esses textos à luz de sua natureza irônica.
Inicialmente, distribuiremos os textos em dois conjuntos, de acordo com o perfil das
personagens que o o alvo da ironia: o primeiro conjunto é o de textos sobre políticos;
o segundo é formado por textos sobre “celebridades” em geral. Começaremos a análise
com o primeiro conjunto, dentro do qual focalizaremos, logo de início, os textos que
envolvem o Presidente Luís Inácio Lula da Silva e, depois, os que se referem a outras
figuras políticas. Na seqüência, a análise focalizará os textos sobre “celebridades”.
Cada texto será analisado, na medida do possível, seguindo as seguintes
etapas: em primeiro lugar será feita uma contextualização do texto; em segundo lugar,
serão descritos os elementos constituintes do texto, ou seja, ao componente icônico e o
verbal, caracterizadores do texto sincrético; em terceiro lugar será analisada a relação
entre esses componentes para destacar a unidade de sentido do texto e, finalmente,
em quarto lugar, será explicitado o caráter irônico do texto.
73
5. ANÁLISE DOS TEXTOS SINCRÉTICOS DA SEÇÃO “VEJA ESSA
5.1. Características dos componentes constituintes dos textos
Faremos uma análise geral dos termos que compõem o texto sincrético e,
para isso, só iremos analisar alguns dos textos que constituem o corpus.
Partindo do texto visual, dois pontos principais se destacam: o caráter
representativo e o ilustrativo da imagem apresentada. Tais características devem ser
percebidas neste primeiro momento da análise para que os textos selecionados sejam
focalizados de acordo com a proposta analítica.
Ao olharmos para o componente visual do texto, percebemos que ele é a
fotografia de uma pessoa reconhecida pela dia em determinado momento histórico.
Por mais que o leitor não reconheça aquela pessoa apenas por olhar uma foto, que ele
não compartilhe dessa informação ou talvez não recorde do nome dela, de imediato ele
sabe que é alguém famoso, pois essa é uma das funções do texto visual nesta seção
da revista: representar uma realidade ou a situação da imagem apresentada. Daí
decorre o caráter representativo da imagem. O elemento imagético aparecerá sempre
para representar um alvo da mídia e colocar em evidência algum traço marcante
daquela pessoa, seja ele físico, moral ou intelectual.
74
Além de representar e determinar uma realidade, o texto fotográfico também
pode ser entendido como ilustrativo, pois dialoga com o texto verbal para o explicar,
ilustrando aquilo que está sendo dito. No caso da seção, verificamos que o texto visual,
no seu caráter ilustrativo, muitas vezes diverge do texto verbal a que se refere, como
veremos a seguir, pois ao mesmo tempo em que a imagem representa determinada
realidade, o texto verbal reporta-se a um recorte de realidade totalmente diferente,
provocando a ambigüidade e, particularmente, a ironia.
No texto sincrético abaixo (figura 4), vemos a fotografia de um dos heróis da
literatura fantástica americana Conan, o bárbaro. Criado por Robert E. Howard, em
1932, foi personagem de contos da literatura e consagrou-se no cinema na figura do
ator austríaco Arnold Schwarzenegger. Muito bem definido fisicamente, demonstrando
força, seriedade, ímpeto e acima de qualquer situação que demonstre medo, a
personagem Conan é ilustrada pelo componente não verbal do texto segurando uma
espada, ainda suja de sangue, reafirmando sua posição de invencibilidade. Mesmo que
o sangue escorrido em sua arma mostre-nos um sinal de luta possivelmente fatal,
Conan demonstra sua vitória nesta batalha por apresentar-se intocável: seu corpo não
apresenta sequer uma marca de confronto físico. Há, talvez, uma necessidade de se
preservar a beleza do ator em si e não só de enfatizar os feitos da personagem.
75
F
IGURA
4
Passemos agora a discorrer sobre as características do componente verbal
dos textos sincréticos dentro da seção “Veja essa”, tomando como exemplo ainda o
texto acima (figura 4). Ele é constituído por uma citação em discurso direto, isto é, por
uma frase entre aspas, seguido por um trecho que identifica a fonte dessa frase, ou
76
seja, contextualiza essa frase quanto a seu autor e ao contexto em que foi pronunciada.
A frase aparece como sendo uma fala, uma afirmação, um pronunciamento de alguma
pessoa ilustre. Em relação a esse conjunto verbal, podemos então considerar dois
aspectos: a citação e a contextualização.
O primeiro, a citação, aparece representando a fala da pessoa evidenciada
na foto. Apresenta-se entre aspas, utilizadas para explicitar o discurso direto e ilustrar
que o comentário feito é de autoria daquela mesma pessoa e que não nenhuma
contribuição editorial para a construção desse texto.
Não é possível, por meio do texto escrito e do discurso direto, explicar
exatamente o momento da fala daquela pessoa, pois existem situações tais como,
gestos e entonação, típicos da linguagem oral, que dificilmente permitem uma alusão
exata àquele momento. Além do mais, o discurso pronunciado pode ter sido recortado
de determinada realidade e deslocado para um outro contexto, para o da construção
textual da seção. Isso dificulta ainda mais a reprodução fiel do primeiro momento da
fala, mas no texto sincrético, permite nova leitura e interpretação.
Para Maingueneau (2002 p.137), a manifestação do discurso direto do
enunciador produz um efeito de veracidade do que é dito e faz com que o autor do
enunciado se responsabilize pelo que diz: “Enunciar uma asserção, por exemplo, é
apresentar seu enunciado como verdadeiro e garantir sua veracidade”
Tal afirmação acaba por confirmar a intenção da seção em dar efeito de
realidade àquilo que é citado. É por meio desse recurso que o editor e até mesmo o
próprio veículo de comunicação se abstêm de responsabilidade, além de
aparentemente também omitirem a sua opinião explícita no enunciado. Atribuem, dessa
forma, toda a responsabilidade ao enunciador da frase citada.
77
Ainda no texto de Conan (figura 4), a assertiva enunciada apresenta uma fala
daquela personagem bárbara, invencível e apoiada em sua arma letal, ainda com
sangue escorrendo, que entra em contradição com essas características de
masculinidade, de coragem, de força da imagem. A fala lembra muito mais traços de
medo, de fraqueza características que geralmente o próprias da imagem feminina.
Enfim, a masculinidade da imagem contrapõe-se à feminilidade da fala.
Na citação notamos a presença do contraponto. A fotografia que ilustra a
citação o converge com o que foi enunciado no componente verbal, pelo contrário,
uma nega a outra, provocando a ironia, consequentemente, neste caso, o humor.
Há ainda uma outra forma de texto verbal que nos revela uma possível
situação entre a citação e a imagem: a contextualização. Segundo Maingueneau
(1989, p. 90), Fora de contexto, não é possível interpretar a colocação entre aspas;
para tanto, deve-se reconstruir, apoiando-se em índices variados, a significação da
operação da qual as aspas o o vestígio”. É na contextualização que encontraremos
pistas para perceber as relações entre os elementos verbal e visual. No caso da figura
4, é por meio do contexto que notamos que a citação é do ator e a foto é apenas de
uma representação da personagem.
A contextualização é um recurso importante para o texto sincrético. Ela se
realiza na legenda que antecede a citação, ou seja, a frase entre aspas. É na
contextualização que o leitor descobre o momento histórico em que a frase foi dita e
onde se informa quem é seu enunciador:
O contexto vem sempre depois da ´fala´ selecionada e apresenta o
esquema: identificação do locutor; um aposto que faz referência a sua
profissão ou cargo que ocupa; um aposto sobreposto (facultativo),
quando o locutor não for tão bem conhecido, ou quando necessitar de
78
informação complementar; uma explicação sobre o assunto ou tópico
da ´fala´, podendo ser opinativo ou informativo. Essas partes nem
sempre aparecem integralmente (Pedrosa, 2002, p. 156).
É também nesse tipo de contexto que podemos encontrar uma opinião
implícita do enunciador. Mesmo sabendo que o caráter da citação distancia a hipótese
da existência de qualquer enunciador que não seja aquele representado pela foto, é na
legenda que muitas vezes percebemos uma outra voz que revela sua opinião.
Geralmente, essa opinião é muito sutil e não é percebida facilmente. É necessário que
o enunciatário compartilhe daquele conhecimento de mundo presente na legenda e
também daquele revelado pela voz do enunciador.
Pedrosa (2002, p. 157) denomina o contexto permeado pela voz do
enunciador do texto sincrético de “contexto interpretativo ou tendencioso”, pois a
compreensão de tal argumento, como foi dito, depende da visão de mundo do leitor.
Cabe a ele aceitar ou não o que está sendo exposto e observar se é interessante para
uma nova leitura.
Um exemplo desse tipo de contexto interpretativo ou tendencioso é o texto
(figura 5) que segue. Nele temos um sincretismo em que o elemento não ilustra a figura
de uma atriz brasileira, Carolina Dieckman. Por ser um símbolo sexual entre as atrizes
do país, ela se apresenta muito bem vestida e também bonita. Mas a novidade semanal
exposta no texto é a mudança da coloração de seus cabelos, agora para loiros, por
conta de uma personagem que interpretaria na televisão. Logo abaixo, no contexto,
observamos a situação da enunciação e uma colocação a mais: “num comentário à
altura de sua condição de nova loiríssima”. Essa colocação remete a voz e à opinião do
enunciador, neste caso o editor da seção. Podemos considerar este comentário como
79
tendencioso, pois há o estereotipo de ignorância associado às loiras, discurso que
perpetua a sociedade desde que o cantor Gabriel, o pensador, cantou o ritmo Loira
Burra. Desde então, há também o preconceito de associar gafes, simples comentários,
não entendimentos a quem possui cabelos claros.
A partir do momento que notamos a presença desse comentário dentro de um
contexto situacional, que muitas vezes faz parte do texto sincrético do corpus, temos
um contexto tendencioso. É proposital a aparição dessa colocação como marca
contextual porque os textos selecionados para análise têm características ligadas a
uma ironia provocativa de humor e, não raro, o sarcasmo.
"Minha auto-estima me diz que eu fiquei bem com este cabelo."
Carolina Dieckman, atriz, num comentário à altura de sua condição de nova
loiríssima
F
IGURA
5
80
Vale ressaltar que as observações apresentadas até o momento são
importantíssimas para a compreensão do discurso irônico depreendido do texto
sincrético, porque a ironia é representada por estas vozes ambivalentes que permeiam
o texto e, apenas o leitor que compartilhar e aceitar esta situação de comunicação
entenderá a intenção do texto presente na revista Veja.
Da leitura atenta dos dois componentes constituintes do texto sincrético e das
características que eles apresentam, passemos agora, a um terceiro significado que o
texto sincrético permite que observemos: a presença do discurso irônico como
característica da combinação desses dois elementos de natureza semiótica distinta.
A ironia só será identificada se o leitor compartilhar do mesmo conhecimento
histórico e ideológico apresentado pelo veículo de comunicação. O texto sincrético
encontrado na seção pode denotar vários significados de acordo com o conhecimento
de mundo do leitor que, por este motivo, pode compreendê-lo ou não.
Quanto ao significado irônico apresentado pelo texto sincrético, dizemos que
essa ironia revelada no texto sincrético é, muitas vezes, marcada pelo humor e pelo
sarcasmo, pois acaba por desqualificar o alvo a que se refere o texto e, muitas vezes,
provocando o riso de seu leitor.
A ironia é a característica comum a todos os temas selecionados entre os
textos sincréticos da seção “Veja essa”. É nela que veremos a subversão do sentido,
caracterizando o que está sendo dito. E é também nesses temas que encontraremos as
posições ideológicas que a revista Veja assume frente aos seus leitores. Tomemos
como exemplo o seguinte texto sincrético (figura 6):
81
F
IGURA
6
O componente visual presente no texto sincrético acima nos mostra uma
mulher séria e religiosa, pois carrega uma bíblia em seus braços. Porém, essa mesma
mulher é a representação de uma ambivalente personagem da antiga novela América,
exibida pela rede Globo: ora apresentava-se como religiosa, ora como sensual. É
82
comum distanciar-se a sensualidade da religiosidade cristã; são preceitos negados
perante a bíblia, apoio na mão da mulher fotografada.
o elemento verbal se refere a hábitos que divergem dos dogmas cristãos,
principalmente por se referir à tara que segundo o dicionário Aurélio, pode significar
uma falha, defeito físico ou moral, ou melhor, podemos considerar que quando uma
mulher religiosa se desprende dos preceitos de negação da carne, ela comete uma
falha com relação a leitura bíblica e recebe uma marca de defeito moral.
Por estarem relacionados os elementos verbais e não verbais e formarem o
texto sincrético, temos de associar o caráter ilustrativo e representativo da fotografia, a
citação e a contextualização para depreendermos uma leitura desse texto. Nesse
sentido, notamos que frase e fotografia divergem entre si: ao mesmo tempo em que a
personagem da atriz Juliana Paes aparece travestida de beata, a contextualização
apresenta um propósito contrário quando a chama de “falsa beata” e a citação da atriz
confirma, já que aproxima (tanto a personagem quanto a atriz) da falha e defeito moral,
tara. Ainda que Juliana afirme ter apenas um pouco de si mesma na representação da
personagem Creusa, negar uma característica é negar também a afirmação anterior.
Aproveitando-se da colocação de Fiorin (1999, p.56) de que a antífrase ou
ironia “afirma no enunciado e nega na enunciação” podemos então, classificar este
texto como uma ironia, que a afirmação de Juliana Paes se coloca numa situação de
mentira: ela tanto pode ter carregado sua beatice para a personagem, como pode
também ter carregado um pouco da contradição que representa a personagem como
tarada. Ao mesmo tempo em que Juliana Paes afirma carregar um pouco de si na
personagem, com exceção à tara, observamos que a ilustração da personagem Creusa
não aparece na condição de “tarada”, pelo contrário, ela aparece na condição de beata
83
cuja postura se revela por um comportamento moral civilizável e não apelativo ao culto
do corpo de forma carnal, sensual.
Podemos dizer ainda, que a negação de uma atitude (condição de inocência
para Juliana Paes), e confirmação de sua inocência pela fotografia de Creusa, colocam
em dúvida suas ações: seria ela tarada ou não? Com este jogo de sentidos, o editor faz
com que o texto se valha de uma informação afirmativa no enunciado, mas uma
negação na enunciação. Essa ambivalência de discursos confirma a ocorrência da
ironia nesse tipo de texto.
As relações de oposição entre os elementos constituintes do texto sincrético
também podem ser justificadas pelas colocações de Teixeira (2002, p.234) que retrata
esse tipo de texto como “uma técnica de composição em que os elementos são
simultaneamente independentes e integrados”, nesse caso a fotografia que ilustra uma
personagem interpretada pela atriz da frase e também representa uma situação pela
qual ela passou; fotografia esta que poderia ser lida independentemente da citação e
vice versa. A citação e o contexto também nos revelam pistas de quem seria a pessoa
enunciada e sua atuação na mídia. Mas mesmo assim, demonstrando essa
independência significativa, os elementos se integram e formam uma nova significação
que, dependendo da intensidade com que apresentam integrados, podem formar o
contraponto, nível de redundância mínimo.
5.2. Análise dos textos sincréticos sob o enfoque irônico
Na apresentação do corpus de nossa pesquisa, distribuímos os textos em
dois grupos, definindo duas categorias de textos: uma focaliza personagens da política;
84
a outra se refere a “celebridades”, isto é, a pessoas que estão em evidência nas
colunas sociais, culturais, artísticas e outras. Faremos a seguir a análise nesta ordem:
primeiro, os textos sobre figuras da política e, depois, os que tratam das “celebridades”.
5.2.1. Textos sobre políticos
Esta primeira categoria de textos sincréticos irônicos tem com personagem
mais freqüente o Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Analisaremos, portanto, num
primeiro momento, textos que têm a figura do Presidente como alvo das ironias. Num
segundo momento, outros textos, que se referem a outros políticos, serão analisados.
Em 2002, o Brasil elegeu como Presidente da República Luís Inácio Lula da
Silva, líder da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT (Partidos dos
Trabalhadores). Esse fato foi um grande marco na história do país, pois levou pela
primeira vez um líder político da oposição a ocupar a primeira instância de poder no
Brasil.
Lula, no início de seu primeiro mandato teve muita credibilidade e acabou
trazendo novas esperanças à nação. Por outro lado, foi muito criticado por seus
opositores que se manifestaram das mais variadas formas e pelos mais variados meios,
mas suas críticas ecoaram especialmente nos órgãos de imprensa, seja nos jornais,
seja nas revistas, na televisão e no rádio. Entre as revistas teve destaque a voz da
revista Veja. Ela aderiu às fileiras da oposição desde a primeira hora, e sua ação contra
a candidatura de Lula foi contundente e, às vezes exagerada. Quando, enfim, Lula foi
eleito, manteve a sua coerência: assumiu prontamente a função de porta-voz da
85
oposição ao novo governo com a mesma intensidade. Não poupava nenhum aspecto
da figura do Presidente para desqualificá-lo. Desqualificava-o por características ou
marcas de seu corpo; pela forma informal de usar a língua portuguesa, quando,
freqüentemente infringia normas da gramática; por qualquer impropriedade de
construção de seus discursos, especialmente quando neles se registrassem lacunas de
conhecimentos sobre temas de domínio comum; por indefinições e vacilações de ordem
político-ideológicas; pela possibilidade de vê-lo atrelado a suspeitas de corrupção que
pesavam sobre seus correligionários políticos; enfim, por quaisquer outras razões que
pudessem comprometer a figura do Presidente, seja em seu âmbito particular, seja em
sua atuação político-administrativa.
Cada um dos textos a seguir analisados, que têm a figura de Lula como
personagem central, tornam a figura do Presidente alvo de ironia, em suas diversas
manifestações, a partir de um desses aspectos acima relacionados.
No primeiro texto (figura 7) como se verá, o Presidente é desqualificado, para
não dizer ridicularizado, por um defeito sico em sua mão esquerda. Na análise deste
texto e assim também procederemos nos próximos seguiremos os seguintes
passos: a) contextualização do texto; b) descrição dos elementos constituintes do texto,
isto é, a imagem e o componente verbal; c) análise da relação entre os componentes
para a constituição da unidade de sentido do texto; d) a explicitação de seu caráter
irônico
.
86
F
IGURA
7
Este texto, considerando a época de sua divulgação, situa-se no contexto das
discussões em torno da participação de Lula no Fórum dos países desenvolvidos,
realizado, em 2003, em Davos, na Suíça. A ida de Lula a Davos foi muito criticada no
Brasil, porque, nessa mesma ocasião, acontecia o Fórum Mundial Social no Rio Grande
do Sul, no qual o Presidente não compareceria, porque viajaria para a Suíça para
discutir os novos planos do FMI e lançar a campanha do Fome Zero. Como ele acabava
de ser empossado e a população aguardava grandes mudanças para país, pois a
oposição havia tomado o poder pela primeira vez no Brasil, Lula foi censurado e muitos
protestos ocorreram durante o Fórum no sul do país.
O texto, como todos os que vão ser estudados neste trabalho, organiza-se,
em sua unidade de sentido, por meio de uma fotografia e um segmento verbal. A
87
fotografia apresenta as seguintes características: Lula, formalmente vestido, aparece
em posição de quem está fazendo um pronunciamento. Com a mão esquerda, na qual
fica evidente a falta do dedo mindinho, segura o microfone. Com os dedos polegar e
indicador da mão direita faz um gesto que traduz idéia de tamanho, mais
especificamente de um pedaço.
Sob a imagem, disposta em fundo mais escuro, lê-se, em discurso direto “não
comeram nenhum pedaço de mim”. Abaixo dela, aparece a legenda explicativa que
contextualiza a citação, isto é, informa o seu autor e onde foi pronunciada.
Essa legenda, aparentemente informa que a fotografia efetivamente registra
um momento da fala de Lula em Davos, precisamente quando diz o que vem a seguir
citado. No entanto, como já dissemos anteriormente, é preciso chamar a atenção para o
fato de que o enunciador (a revista) que construiu o texto não teve nenhum
compromisso de trazer para ele uma imagem registrada no Fórum de Davos e uma
manifestação verbal que tivesse sido pronunciada. Tanto a imagem quanto a fala
podem ter como fonte qualquer arquivo da revista. Com isso queremos destacar que o
texto em análise é um texto construído para a seção “Veja essa”, com os objetivos que
tem essa seção na revista, sem nenhum compromisso com a informação jornalística,
finalidade das demais seções e reportagens da revista. Em outras palavras, nessa
construção, o enunciador escolheu cuidadosamente a imagem e uma citação,
provavelmente tiradas de contextos diferentes, e as integrou de forma a constituírem o
novo texto, com vistas a objetivos específicos em relação aos leitores da revista.
No que respeita ao texto em si, ele explicitamente busca desqualificar Lula
pelo defeito físico na mão esquerda. O enunciador quer chamar a atenção do leitor
justamente para a falta desse pedaço, com dois recursos: destacando o gesto com o
88
dedo polegar e indicador da mão direita e pondo na boca de Lula as palavras não
comeram nenhum pedaço de mim”. Esse é, sem dúvida, o primeiro propósito do
enunciador em relação ao enunciatário-leitor.
Por outro lado, para um leitor ingênuo que acredita que o texto efetivamente
registra um momento da presença de Lula em Davos, fica a idéia que não é o
enunciador do texto que revela sua “maldade” em relação ao Presidente, mas sim, que
é este próprio que se expressa ironicamente em relação a si mesmo, como que fazendo
humor em relação a seu defeito sico. Isso parece verdadeiro se considerarmos o
conceito de ironia do ponto de vista da enunciação, assim como foi apresentado por
Fiorin. efetivamente uma afirmação no enunciado verbal de Lula (“Não comeram
nenhuma pedaço de mim”), que é negada por este na enunciação, na medida em que,
ao falar, mostra aos que o vêem ou o conhecem que em sua mão esquerda falta “um
pedaço”. Com essa estratégia de construção do texto, a revista consegue, portanto, ao
menos na interpretação de um leitor ingênuo, livrar-se da responsabilidade da ironia,
transferindo-a ao próprio Presidente. Segundo essa interpretação ingênua, o objetivo da
revista somente teria sido o de informar o leitor do bom humor de Lula.
O segundo texto (figura 8) promove a desqualificação do Presidente por conta
de um problema de linguagem, que, no caso, consiste no uso de uma palavra
equivocada utilizada por Lula durante uma homenagem a judocas que participaram do
torneio mundial de Judô em outubro de 2005.
O componente visual desse texto (figura 8) nos mostra que, em algum
momento durante a homenagem aos atletas, o Presidente caracterizou-se como um
judoca vestindo um quimono, feito especialmente para ele, pois, vê-se também, que no
lado esquerdo desse quimono, existe uma identificação que diz Presidente Lula”. O
89
quimono é uma roupa especifica do esporte Judô que deve ser utilizada durante o
combate com o adversário.
Juntamente com a apresentação do componente visual que nos mostra a
fotografia do Presidente caracterizado para um combate, lemos a seguinte frase
proferida por ele: “Estou pronto para entrar no tapume”. Esta citação é parte do
componente verbal do texto e nos revela uma utilização equivocada da palavra
“tapume” que significa, segundo o dicionário Aurélio “vedação de um terreno feita com
madeiras ou outro material”. O equivoco da utilização do termo “tapume” se dá, em
primeiro lugar, num contexto do esporte judô, onde um solo específico, chamado
tatame, em que os atletas devem efetivar seu combate. No caso de o Presidente querer
dizer que está pronto para um combate de judô, deveria ele, então, ter utilizado o termo
tatame e não tapume. Em segundo lugar, Lula utilizou o termo tapume de forma
equivocada porque desconhece o significado desse termo; se o conhecesse, saberia
que tapume nada tem a ver com o contexto do esporte em questão.
O desconhecimento do Presidente quanto aos termos tatame e tapume
acaba evidenciando seu despreparo frente ao contexto da cerimônia de homenagem
dos judocas e também a utilização da norma culta da língua portuguesa. É nesse
despreparo em que se apóia o enunciador para desqualificar e ironizar, de forma
agressiva, seu alvo, o Presidente Lula. Cabe ao enunciatário perceber no texto esses
apontamentos irônicos propostos pelo enunciador.
90
F
IGURA
8
O próximo texto (figura 9) dessa categoria tem como alvo, ainda, o Presidente
Lula. Nesse texto, Lula, em um depoimento sobre a diminuição da maioridade penal no
Brasil, acaba construindo um discurso equivocado e que, do ponto de vista comum, é
também, um erro de conhecimento básico, que uma simples descrição numérica não
necessita de um vasto conhecimento intelectual.
É interessante observamos que, no componente visual, a fotografia evidencia
a disposição de suas mãos que aparecem por completo e, mais uma vez, o defeito
físico do Presidente é apresentado.
91
Apenas quando observamos o componente verbal é que percebemos a
natureza do erro de Lula: em suas colocações, ele, para justificar sua oposição à
diminuição da maioridade penal, em vez de, em ordem decrescente, diminuir sua
contagem de 10 para 9, ele acaba fazendo o contrário, diminui de 9 para 10. No que diz
respeito a contextualização da citação, notamos, ainda, a presença de uma opinião
implícita do enunciador, que atribuiu à diminuição confusa da contagem de Lula a
também uma confusa preocupação com a delinqüência juvenil nacional.
O enunciador, ao evidenciar o erro de Lula, invalida a opinião do Presidente
frente ao problema da maioridade penal, pois, se utiliza desse fato para atacar a
posição de Lula que, por meio da ironia, é ridicularizado e desqualificado. Esse
enunciador mostra para seu leitor que o Presidente não não detém conhecimentos
de ordem comum, como também, e talvez por esse motivo, não possua opiniões que
possam ser tidas como originais, verdadeiras.
F
IGURA
9
No texto abaixo (figura 10), é apresentado um encontro do Presidente com o
Primeiro Ministro espanhol José Maria Aznar, representante de um partido de oposição,
de um partido democrata, podendo ser visto também como conservador.
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Nesse texto a fotografia, componente visual, nos mostra a posição física dos
dois políticos no momento do encontro. Tal posição física revela que o gesto de
cumprimento dos dois é bem aproximativo, já que seus corpos aparecem bastante
próximos e seus rostos tão juntos que conotam até mesmo a possibilidade de um beijo.
No componente verbal, é apresentada uma declaração de Lula que diz achar
que o “Aznar era conservador”. Nesse sentido, podemos depreender, numa leitura que
se aproveite apenas do componente verbal, que a palavra conservador usada por Lula,
representa apenas a posição partidária de Aznar, mesmo porque, esse termo aparece
em contraposição a palavra esquerdista que remete a posição partidária de Lula.
No que diz respeito às relações estabelecidas entre os componentes verbal e
não verbal, o termo conservador pode se compreendido não mais como posição
partidária e sim como uma posição moral, uma atitude que converge aos chamados
“bons costumes” e regras ditadas por ordens sociais e religiosas que não aceitam
determinados comportamentos como por exemplo, atitudes que contradigam a ordem
heterossexual de relacionamentos.
A disposição da foto mais a citação, evidenciada pela palavra “conservador”
em nem ele (Aznar) é tão conservador assim”, nos remete a uma leitura do termo em
contextos morais e não mais políticos, pois nesse sentido, a posição muito próxima dos
dois chefes estadistas apresentada na fotografia, nos leva a perceber um suposto ato
homossexual, relacionamento não aceito por conservadores.
A ação física apresentada pela imagem e contrastada pela frase, nos revela
também a ironia. O enunciador do texto se aproveita do momento de encontro político
entre Lula e Aznar para transformá-lo em um encontro de ordem íntima estabelecendo
uma relação absurda entre eles, já que dois importantes representantes políticos não
93
deveriam aparecer público se comportando intimamente dessa maneira. Nesse sentido,
a ironia aparece para desqualificar Lula que, mais uma vez, é alvo da ironia que o
evidencia por uma atitude absurda e constrangedora para provocar efeito de humor no
leitor.
F
IGURA
10
O último texto sincrético selecionado que tem como alvo o Presidente Lula
(figura 11), nos mostra que ele, não é alvo apenas de Veja, mas também de outros
veículos de informação que se aproveitam de suas ações, declarações e atitudes para
fazerem piadas e críticas a seu respeito. Um dos veículos que se aproveita das ações
do Presidente é o televisivo “Casseta & Planeta”. Costumeiramente, era Bussunda que
fazia a personagem de Lula para recontar acontecimentos de forma humorística.
94
"As pessoas que erraram, a gente não tem de execrá-las. Errar é humano."
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, no jantar do 26º aniversário do PT,
justificando o erro dos seus correligionários corruptos derrubados por envolvimento no
escândalo do mensalão.
(Epa! Erramos a foto...)
F
IGURA
11
Nesse texto, no que respeita ao componente verbal, vemos a figura de
Bussunda interpretando Lula. O ator está caracterizado formalmente como o Presidente
se caracterizaria para um pronunciamento: de terno, com a faixa verde amarela sobre a
roupa. Além disso, o aspecto físico de Lula também é evidenciado pela utilização de
peruca e barba postiça e pela simulação da falta do dedo mindinho da mão direita.
Quanto ao componente verbal, o que nos chama a atenção é o fato de que a
citação não foi proferida pelo ator, mas sim pelo próprio Presidente Lula ao ser
questionado sobre o problema do mensalão, escândalo envolvendo políticos do mesmo
partido de Lula que se desculpa e perdoa os correligionários pelo fato de que errar é
humano”.
95
Ao lermos a legenda, notamos que sua contextualização, além de explicar o
porquê da declaração e em que momento foi proferida, apresenta também a seguinte
colocação: “Epa! Erramos a foto...” É nesse momento que percebemos a presença da
ironia, dessa vez apresentada pelo enunciador de forma mais agressiva, que se vale,
como dissemos anteriormente, de textos retirados de seus contextos originais para
formar o texto sincrético que, nesse caso (figura 11), representa bem esta composição.
O enunciador ataca, por meio da ironia, o caráter ético e político de Lula e o
desqualifica. Quando o Presidente afirma que “errar é humano o enunciador
acompanha seu pensamento e o ilustra e representa pela imagem de um humorista, um
palhaço, reforçando a idéia do erro, mas também questionando até que ponto pode-se
tomar essa colocação como verdadeira e não como uma atitude premeditada.
Selecionamos também, textos sincréticos irônicos da seção “Veja essa” que
têm como alvo outros políticos além do Presidente Lula. O texto que segue (figura 12) é
um dos exemplos que apresenta ironia como forma de atacar um alvo político.
"Quero pedir aos excelentíssimos senadores que não extrapolem os limites de sua área
de atuação invadindo a nossa."
Luiz Vasconcelos, o palhaço Xuxu, em protesto bem-humorado no Senado
F
IGURA
12
96
Um dos escândalos que ocorreram perto da data da publicação desse texto
em outubro de 2004, tinham os senadores da república brasileira como alvo na mídia
porque muitas irregularidades políticas vieram à tona. Protestos foram feitos por
pessoas revoltadas com o descaso desses governantes em relação à população.
O texto acima (figura 12) mostra um desses casos de protesto. Pelo
componente visual, notamos a presença de um homem vestido de palhaço numa
posição facial de que não está satisfeito.
É no componente verbal que compreendemos a situação que o verbal
representa, pois, é no verbal que percebemos que, a citação proferida, remete a uma
opinião do palhaço da foto, Xuxu (Luiz Vasconcelos), em relação ao seu
descontentamento frente posição tomada pelos Senadores. Ainda no componente
verbal, temos a situação em que a frase foi proferida: “um protesto bem humorado no
Senado”.
Como forma desse protesto, esse homem vestido de palhaço, resolveu
exacerbar sua insatisfação com a situação tão escandalosa envolvendo representantes
da República: dizendo-se envergonhado, o palhaço pede que os Senadores não
invadam sua área de atuação, que não tentem ludibriar a população com ações
teatrais, mostrando-se ser o que não é e tentando fazer com que as pessoas se
divirtam mesmo sendo enganadas. Isso é papel de um palhaço num contexto circense.
Em meio a essa situação embaraçosa, o enunciador do texto sincrético
evidencia o momento em que foi proferida a citação de Vasconcelos e, ao mesmo
tempo, ilustra esta mesma situação como a figura de um palhaço. Com essas
colocações, podemos comparar as ações dos Senadores com as atividades circenses
do palhaço.
97
Como as posições das atividades profissionais dos palhaços e dos
Senadores são totalmente diferentes, podemos dizer que o enunciador torna essa
comparação absurda e em nenhum momento demonstra marcas que neguem esse
mesmo absurdo: como um Senador, profissional de extrema seriedade, detentor de um
dos poderes de decisão de uma nação, se sujeitaria a animar seu público por meio do
humor? Sem contar a apresentação sica deste mesmo profissional: traje formal e não
maquiagem e nariz vermelho.
Mais do que absurda, esta comparação, segundo Brait (1996), torna-se um
dos fatores que consideram-na como parte de um tipo de ironia cômica, sendo esta
ironia uma ridicularização de um alvo a ser atacado.
No caso da figura12, o alvo a ser atacado são os Senadores. O ataque,
evidenciado pelo enunciador, se por meio da comparação direta entre duas
atuações profissionais com finalidades bem distintas (política/ humorística). A atividade
política deveria ser mantida no nível da seriedade não fosse o escândalo que atordoou
a população, incluindo o palhaço Vasconcelos, que não acreditou estarem os
Senadores agindo de forma séria o suficiente exigido por sua obrigação profissional,
assim, acreditou o palhaço que, em oposição a esperada seriedade, poder-se-ia atribuir
uma não sinceridade tão intensa de forma a se tornar, a seriedade, humorística e até
mesmo divertida. Daí o absurdo, que ridiculariza o seu alvo e, mais uma vez,
caracteriza a ironia.
ainda incidências que remetem ao texto sincrético como uma ironia
verbal, pois este texto, além de tornar-se cômico irônico pelo absurdo que projeta nos
políticos brasileiros, ele apresenta três atores agindo entre si para ironizar um mesmo
alvo, sendo o enunciador o primeiro, o autor da ironia que é descrita para um receptor,
98
no caso o leitor de Veja, sendo que a ironia se destina a um terceiro ator, um alvo,
alguém que, por suas ações, mereceu maior atenção do enunciador, neste caso, o
enunciador se apropria da citação de um palhaço para atingir os políticos.
Ainda com relação a ironia evidenciando outros políticos, apresentamos o
próximo texto (figura13) que tem como alvo Jorge Bornhausen, um líder partidário do
PFL, partido político que agora integra o Partido dos Democratas.
F
IGURA
13
O PFL foi um partido político democrata, de direita. Os seus candidatos
estiveram, e ainda estão no poder por muitas vezes e em maioria, principalmente na
posição hoje ocupada pelo Presidente Lula que foi o primeiro candidato de partidos de
esquerda a ser eleito e re-leito. Por esse fato, o de na maioria das vezes estarem no
poder os democratas, é que os partidos de esquerda sempre foram considerados
partidos de oposição.
99
Com a reeleição de Lula em 2006, seus correligionários, partidários de
esquerda, já não estariam mais na oposição e sim, mais uma vez, no poder. Com isso,
as coisas mudariam novamente: os democratas, mesmo não acreditando na reeleição
de Lula, passaram a ser os partidários da oposição.
O texto sincrético (figura 13) apresenta, em seu componente não verbal, uma
fotografia de Bornhausen, num movimento corporal em que se percebe, pela posição
dos braços, um momento em que ele veste seu paletó.
O componente verbal nos mostra uma declaração de Bornhausen com
relação a sua nova posição partidária: a de oposição, então, ele admite que, “estar na
oposição pode ser uma boa oportunidade de realização humana”. Ainda com relação ao
verbal, notamos que a legenda não contextualiza quem é a personagem da
fotografia, como também nos traz elementos de opinião do enunciador em “descobrindo
as delícias de ser do contra uma vez na vida” e “vestindo a casaca” que remetem a
ironia.
Em “descobrindo as delícias de ser do contra uma vez na vida” verificamos
que o termo “delícias” está empregado na forma de antífrase, pois, o enunciador, com o
uso desse termo, afirma no enunciado ser positivo estar na oposição quando na
enunciação nega essa posição. Nada tem de delicioso, de apreciador, em ser
derrotado, duas vezes, pelo inimigo e ocupar uma posição secundária, no caso de
Bornhausen, a derrota se deu quando a Lula assumiu o poder.
a afirmação “vestindo a casaca” carrega uma ironia diferente. Em primeiro
lugar, essa afirmação dialoga com o não verbal convergentemente, pois, notamos que,
ao mesmo tempo em que o enunciador cita “vestindo a casaca”, a fotografia mostra
Bornhausen vestindo o paletó, o casaco. Nesse caso, vale a pena ressaltar o conceito
100
teórico de Teixeira (2002), a reiteração, explicitado no capítulo 2, que consiste em
apresentar os elementos componentes do texto sincrético em um nível de redundância
maior. Os elementos do componente verbal “vestindo a casaca” e a ação de vestir o
paletó, casaco, evidenciada no componente não verbal, se complementam no processo
da reiteração; eles praticamente se repetem, no caso de considerarmos o ato de vestir,
para que um ilustre o outro.
Por outro lado, ao considerarmos a expressão popular “vestir a casaca” no
sentido em que ela é utilizada para falar de alguém que mudou repentinamente de
opinião, teremos um caso de ironia mais agressiva, aquela desqualifica o alvo a que se
refere. Teria então, Bornhausen, que jamais pertencera a oposição, admitido estar na
posição ocupada, até então, por seu adversários; posição esta, não vista com bons
olhos pelos partidários democratas. “Vestir a casaca”, nesse caso, é rebaixar-se como
político; é estar na pior posição para um político que nunca ocupou esse lugar.
O próximo texto (figura14) traz no seu elemento não verbal, a fotografia de
uma representante partidária de esquerda, Heloísa Helena, reconhecida por seu
ativismo político, sua força em apresentar suas propostas e defender os pontos de vista
de seu partido.
101
F
IGURA
14
Heloísa Helena é uma candidata séria que se demonstra como uma mulher
forte frente aos outros candidatos que, em sua maioria, são sempre homens.
Na época em que esse texto foi publicado (2006), H. Helena era a única
candidata a concorrer para a Presidência. Muitas foram as críticas a seu respeito e
também muitos foram os ataques de outros partidários, mas ela sempre respondeu com
veemência e prontidão, prezando seu ativismo político, sua força em apresentar suas
propostas e defender os pontos de vista de seu partido.
O componente não verbal do texto acima (figura 14) apresenta H. Helena
sorridente e segurando um buquê de girassóis. A imagem representa uma mulher
simples, não muito preocupada vaidades, mas que de certa forma, ilustra delicadeza e
feminilidade.
No componente verbal verificamos que a afirmação de H. Helena remete a
características de uma mulher mais vaidosa, mais cuidadosa com sua aparência física,
102
pois, “fofinha, cheirosinha e limpinha” remete a preocupações de ordem das vaidades,
de um culto a beleza física.
Ao relacionarmos ambos os componentes, verbal e não verbal, notamos que
um diálogo convergente entre eles pois, ao mesmo tempo que se afirma ter
características de uma mulher vaidosa afirma-se também, por meio da imagem, que
essa mulher se apresenta como “fofinha, cheirosinha e limpinha”, de uma forma
delicada e feminina.
Porém, quando pensamos na política H. Helena, lembramos que em muitos
momentos de sua carreira ela se apresentou por ser inteligente e mais preocupada com
questões políticas do que com questões de beleza. Nesse sentido, podemos dizer que
uma divergência entre enunciado e enunciação que caracterizam um tipo de ironia
antifrástica.
É por esta característica da antífrase que podemos analisar a ironia representada
no texto de H. Helena. Como primeira observação, temos de nos orientar por uma
colocação de ambivalência desse tipo de ironia antifrástica em que se afirma e se nega
um ponto de vista ao mesmo tempo.
A citação de H. Helena, traz afirmações cujas desinências se apresentam por
morfemas –inh, marca do grau diminutivo dos nomes na língua portuguesa que
utilizamos para tornar mais afetiva alguma coisa e até mesmo para que estas mesmas
coisas tenham uma certa meiguice.
Em “Sou fofinha, cheirosinha e limpinha”, o enunciador se apropria das
marcas de diminutivo afirmadas por H. Helena na citação, para justamente dizer o
oposto de sua afirmação. É como se ela não fosse nem um pouco “fofinha”, já que
demonstra em muitas de suas atuações como líder partidária, truculência e domínio
103
completo da situação. Quanto à “cheirosinha” e “limpinha”, a alusão ao estereotipo de
culto da beleza física proposta pela mídia televisiva, e até mesmo pela própria seção,
não cabe aos parâmetros de atuação desta mulher que não se apresenta por suas
características físicas e sim por sua intelectualidade.
5.2.2. Textos sobre celebridades
Dentre os textos selecionados para a análise do corpus encontram-se
aqueles que compõem a próxima categoria e tem como alvo da ironia celebridades
nacionais e internacionais.
Muitas dessas celebridades são alvo da seção “Veja essa” porque ela acaba
atacando por meio da ironia as afirmações que julga serem mentirosas, ações em que,
principalmente as atrizes, sejam julgadas como ingênuas ou ignorantes.
Como primeiro exemplo, tomemos o texto seguinte (figura 15), que tem como
alvo a atriz Fernanda Torres que nessa época interpretava a personagem Vani no
Programa Os normais. Este programa evidenciava as relações existentes entre um
casal e seus problemas conjugais.
No componente visual vemos a atriz com sua perna em uma posição em que
se exige bastante elasticidade. Apesar de estar com o corpo em uma posição
aparentemente desconfortável, Fernanda Torres não demonstra o menor incômodo em
sua expressão facial. Notamos, ainda, que ela aparece com poucas roupas que cobrem
a parte superior de seu corpo.
104
O elemento verbal nos traz a afirmação da atriz que jura não praticar ioga
com o objetivo de transar de diferentes formas. A contextualização nos revela que essa
afirmação foi dada por ela a uma revista.
F
IGURA
15
O texto nos revela uma ironia um pouco mais sutil do que aquela
apresentada na categoria anterior, que era mais agressiva, pois este apresenta, por
meio da sensualidade feminina, dos trejeitos faciais da personalidade fotografada, uma
105
forma de ironizar um ato saudável de uma atividade física como a ioga como sendo
medida de satisfação não apenas da saúde em si, mas de algo pessoal.
O alvo da ironia agora passa a ser uma mulher que declara sua posição
sobre sua atividade física preferencial, porém o elemento não verbal se coloca no
enunciado como divergente, recuperando a primeira noção da ironia discutida nesta
pesquisa, a antífrase negação no enunciado e afirmação na enunciação, Fiorin, 1988.
A negação feita no discurso direto “Juro que não faço” sugere uma outra interpretação
quando observada a fotografia que não confirma a citação, que a atriz Fernanda
Torres se posiciona diferentemente com seu corpo e produz um olhar provocante de
dúvidas quanto ao que já fora dito.
O enunciador aproveita-se das situações em que a atriz foi flagrada para
apontar uma marca apelativa da sexualidade. De um lado a situação da fotografia e de
outro a da citação. E assim, este mesmo enunciador faz com que uma personalidade
feminina se torne o alvo de um tema que não é comum no veículo.
A ironia ainda se projeta no campo da mentira, pois esse jogo de afirmação e
negação provocado pelo enunciador faz com que a atriz seja apresentada ao
enunciatário de forma desonesta: como uma mulher bonita, sensual, afirma não utilizar
todos os exercícios de alongamento muscular permitidos pela ioga numa relação mais
íntima e ainda conota um olhar de dúvida, mistério? Esta seria uma possibilidade de
leitura do enunciatário que espera ler nas entrelinhas o que a seção traz na semana.
Ainda com esta mesma temática, a seção apresentou o seguinte texto
(figura16) em que temos também uma atriz, Carolina Dieckman, disposta na fotografia
com muita sensualidade e na citação temos uma colocação dela que diverge do que
fora anteriormente apresentado pela imagem.
106
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IGURA
16
Carolina Dieckman, na época em que essa edição de Veja foi publicada,
interpretava, na novela Mulheres apaixonadas, uma personagem chamada Edwiges
que era pura, ingênua e que costumava não admitir que o ato sexual acontecesse antes
do casamento.
107
Na apresentação da fotografia, temos Dieckman em uma posição
extremamente sensual cujo corpo se expõe quase por inteiro, pois parte da roupa cobre
seu busto e outra parte a cobre da cintura para baixo.
Com relação ao elemento verbal, percebemos que a afirmação da atriz
remete a um discurso em que o corpo, num sentido de sexualidade, deve ser
preservado: “acho que transar por transar é perda de tempo. Nosso corpo é um
santuário”. Tal discurso dialoga convergentemente com as atitudes da personagem que
Dieckman interpretava, a Edwiges. A legenda contextualiza a atriz pelo papel que
interpretava e nos a informação de que a fotografia foi tirada para capa da revista
Nova, versão brasileira da revista internacional Cosmopolitan, que aborda assuntos do
interesse de uma mulher independente, dona de sua própria vida, que toma suas
próprias decisões e que encara o sexo como algo natural e não como um tabu.
Quando observamos o diálogo existente entre os elementos verbal e visual
no texto de Dieckman, verificamos que a fotografia também subverte o texto verbal
como no texto anterior, de Fernanda Torres, pois na frase a atriz a idéia de pureza
como ideal de vida que é reforçada pelo trecho “Nosso corpo é como um santuário”, ou
seja, o considera como sagrado; algo que seja intimamente cultuado. Além disso, a
idéia de algo sagrado nos remete a uma visão da igreja em que o sacro é venerado,
cultuado, puro e intocável. É a tudo isso que a atriz compara seu corpo.
Depois de observadas todas estas características entre os dois textos,
podemos dizer que ambos divergem um do outro subvertendo o sentido de um pelo
outro, ou melhor, a ambivalência comum à ironia onde se afirma e se nega ao
mesmo tempo: afirma-se ser o corpo sacro e nega-se essa sacralidade por causa da
exposição apelativa a sensualidade.
108
Além da ambivalência da ironia, tida como antífrase, podemos retomar os
termos teóricos do contraponto de Teixeira (2002 p. 7) em que os elementos
componentes do texto sincréticos atingem um nível tão díspar entre si, que provocam
uma redundância mínima, característica da ironia. Em seguida, o texto sincrético acaba
por apresentar também características de uma ironia verbal (Brait, 1996 p. 64) em que o
enunciador dirige uma crítica a um leitor sobre um alvo que é criticado.
O alvo criticado é a atriz que afirma, por meio do discurso direto, ser o seu
corpo sagrado, respeitosamente cultuado e, ao mesmo tempo, ilustra sua fala por meio
de uma fotografia em que expõe seu corpo de forma não sacralizada. O enunciador
então, se aproveita das colocações de Dieckman para deixar o leitor com dúvidas do
que seria o mais sincero: ser sagrado ou não. Assim, o alvo, a atriz, fica numa situação
bastante embaraçosa provocada pela ambivalência da ironia.
O alvo desta categoria agora é uma atriz internacional, Sharon Stone (figura
17). Ela ficou muito conhecida por protagonizar o filme Instinto Selvagem e tornou-se
uma das mulheres mais bonitas dos anos 90. Toda sua beleza fez com que sua idade
fosse questionada porque ela sempre aparentou ter menos idade do que de fato tinha.
Da mesma forma que as outras atrizes foram apresentadas e ilustradas pela
seção por uma afirmação duvidosa e comprovadamente por uma fotografia causadora
de veracidade, e uma veracidade oposta ao que foi dito na citação, Sharon Stone
também será apresentada em uma fotografia controversa ao afirmado no discurso
direto.
A fotografia, que é representada pelo componente não verbal, ilustra a atriz
em muito boa forma, magra, com o abdômen praticamente reto, com uma pele sem
nenhuma marca de idade e ainda, em uma posição bastante sensual.
109
"Não quero ser uma daquelas atrizes com cara de menininha aos 90 anos. É
preciso renunciar com elegância às coisas da juventude. Não concordo com a
idéia de não falar da idade.”
Sharon Stone, atriz, que posou no esplendor de seus 46 anos para a revista Rolling
Stone
F
IGURA
17
Sua citação, constituinte do componente verbal, nos revela uma posição
em que a atriz é contra qualquer mudança física para continuar sendo bonita e sensual
como antes. Enquanto ela afirma que “que não quer ser mais uma daquelas atrizes com
cara de menininha” a legenda nos apresenta a idade de Sharon Stone: 46 anos.
Realmente ela já não é mais uma menininha.
A ambivalência de sentidos provocada pela ironia se na maneira como
Stone expõe seu ponto de vista com relação ao culto da beleza do corpo: “É preciso
renunciar com elegância às coisas da juventude”. Já o componente visual não confirma
esta colocação, apesar de Stone não esconder sua idade, ela é apresentada na
fotografia como uma jovem e não como aquela senhora que afirma renunciar sua
juventude.
110
Mais uma vez, a seção apresenta uma forma lúdica de mostrar a beleza
feminina ao jogar com as palavras citadas e as imagens das atrizes, elementos
divergentes entre si.
ainda um tema comum a mulheres proposto pela seção: a ingenuidade
como marca do caráter feminino. Tal ingenuidade está associada a decisões e pontos
de vista femininos de forma negativa, daí a ironia. Este tipo de ironia remete a ironia
cômica apresentada por Brait (1996 p. 55) que julga como absurdo um dos pontos de
vista representados no enunciado, desde que este absurdo não esteja representado
pela ação do enunciador, que no caso da seção, é próprio o veiculo. Com isso, o
enunciador passa o caráter do absurdo para o proclamador da citação, seu alvo de
ironia, e deixa de lado o comprometimento de acusação, do absurdo.
O texto abaixo (figura 18) nos mostra a ex-cantora do grupo Spice Girls, e
atual esposa do jogador inglês de futebol David Beckham, Victoria Beckham. Ela fez
bastante sucesso como cantora, como esposa de jogador de futebol e, ultimamente,
lançou-se na mídia como escritora. Já lançou mais de um livro.
Por meio de seu caráter representativo e ilustrativo, a fotografia, componente
não verbal do texto sincrético, aparece evidenciando o livro escrito por Victoria
Beckham, que aparece também na foto. A capa e a contra capa do livro são ilustradas
também por fotografias de Victoria.
O componente verbal, por sua vez, evidencia o fato de Victoria declarar
nunca ter lido um livro na vida, por não ter tido tempo. A legenda contextualiza a autoria
da frase, não pela “escritora Victoria Beckham” ou “cantora Victoria Beckham”, mas sim
por “Victoria Beckham, mulher de David Beckham” quem nada mais é hoje do que
esposa de jogador de futebol.
111
F
IGURA
18
Os elementos que compõem o texto sincrético acima dialogam
divergentemente acentuando o caráter mínimo de redundância, nível onde se apresenta
a ironia e revelam uma forma de desqualificar o alvo Victoria, que é julgada por sua
intelectualidade; intelectualidade questionada pelo fato da falta de leitura.
No caso desse texto (figura18), o fator absurdo se pelo diálogo produzido
entre o livro aberto que ela carrega e sua afirmação em “nunca ter lido um livro antes”,
talvez nem mesmo aquele que carrega fatos de sua própria vida. Mais absurdo ainda
do que nunca ter tido tempo de ler um livro, é fazer tal afirmação com um livro em
mãos. Como é marca da seção construir um texto sincrético, não podemos afirmar se
112
os dois momentos, o da fotografia e o da citação, correspondem a um mesmo momento
histórico. Assim, os termos tornam-se antifrásticos e marcam o primeiro sinal da ironia:
a ambivalência entre os sentidos, neste caso a leitura ou o leitura de um livro que
pode ser autobiográfico.
A ingenuidade, tema comum entre os próximos textos, pode ser atribuída à
ironia que faz com que a pessoa seja apontada por um absurdo feito por ela mesma. Se
a ex-cantora não tivesse feito tal afirmação, ninguém poderia questioná-la quanto a
seus hábitos de leitura.
O texto que segue (figura 19) traz uma outra personagem internacional, a
atriz Meg Ryan que interpretou vários papéis no cinema os quais muitos foram de
caráter romântico em que uma mulher apaixonada procura o homem perfeito, seu
príncipe encantado, como por exemplo a comédia romântica Mensagem para você em
que a atriz interpreta uma personagem que se apaixona por um homem via internet e
este mesmo homem é seu pior inimigo, um homem por quem jamais se sentiria atraída.
O componente não verbal nos mostra Meg Ryan em uma foto simples com a
mão esquerda na cabeça e um olhar e sorriso descontraído como quem está pensando
numa resposta, em algo que não tem certeza.
Na situação expressa pelo componente verbal, vemos que a afirmação
expressa em discurso direto, mostra o ponto de vista sentimental da atriz que afirma
estar à procura do homem perfeito. A legenda mostra, por meio de uma
contextualização tendenciosa, e já antifrástica, que a afirmação da atriz compete às
colocações de suas personagens ingênuas. Ao se afirmar que a atriz garante não ser
ingênua como suas personagens, o enunciador nega este fato na enunciação e se
utiliza da antífrase para causar esse efeito de sentido.
113
"Eu continuo procurando o homem perfeito. Ele deve ser íntegro e cumprir o que
promete. Acho isso sexy."
Meg Ryan, atriz americana, que interpretou muitas loiras ingênuas no cinema, mas garante: na vida real
é outro papo
F
IGURA
19
Quando lemos os elementos que compõem o texto sincrético em conjunto,
notamos que, além de o enunciador apresentar na fotografia a atriz em um momento de
reflexão, o ele atribui o caráter de ingenuidade a uma característica física anteriormente
explorada (figura 5 p.79): a relação da coloração loira do cabelo e a opinião ingênua da
pessoa por meio desta característica.
O absurdo presente no texto acima é evidenciado e hiperbolizado pela frase
dita pela atriz. É como se fosse impossível um homem ser “íntegro e cumprir o que
promete” e sexy ao mesmo tempo, mesmo porque todas essas características
atribuídas ao mesmo homem o tornaria perfeito, como sugere ainda Meg Ryan.
114
também marcas lingüísticas evidenciadas na contextualização que
confirmam o absurdo de perfeição dito pela atriz, porém, este absurdo é colocado em
pauta pela ironia por outra marca, aquela primeira marca que coloca o comentário
absurdo no mesmo nível de um comentário de uma loira ingênua hollywoodyana. Como
a fotografia ilustra Meg Ryan, ainda uma atribuição da ironia que faz o absurdo
parecer ser maior ainda, pois ela não se refere a uma de suas personagens e sim a sua
própria vida. É neste momento que o enunciador brinca com as colocações de Ryan e
aponta como absurda suas colocações.
Apresentamos agora, o texto seguinte (figura20) que tem como seu alvo uma
celebridade masculina: o ator, Patrick Stewart, que interpretou por muito tempo o
capitão Jean-Luc Picard, comandante da nave interestelar Enterprise, veículo da série
Jornada nas Estrelas.
"
Eu sou um pouco pessimista quanto a esse negócio de viagem espacial."
Patrick Stewart, ator que encarna o capitão Jean-Luc Picard, comandante da nave Enterprise da série
Jornada nas Estrelas
F
IGURA
20
115
O ator é representado pela fotografia de sua personagem que está vestida
como uniforme dos tripulantes da nave, em sua posição de capitão, sentado a frente da
nave, no comando da Enterprise.
O componente verbal nos mostra uma afirmação de Stewart que nega
acreditar “nesse negocio de viagem espacial”. A legenda contextualiza a atuação do
ator e deixa claro que a citação é de Stewart e não de Picard, personagem o qual ele
interpreta.
Mais uma vez, notamos que os elementos que constituem o texto sincrético
divergem entre si. A fotografia evidencia o capitão da nave Enterprise, Jean-Luc Picard,
mas a citação, agora do ator e não da personagem em evidência, nega acreditar em
viagem espacial.
Aproveitando-se da discórdia existente entre a fotografia e a citação, o
enunciador do texto sincrético, pune Stewart como sua própria afirmação: se você não
acredita em viagens estelares porque está vestido e se comportando como um capitão
de uma nave? Mais uma vez a antífrase se aproxima da mentira porque, com a
ambivalência de sentidos (afirmação no enunciado/negação na enunciação), apresenta
como duvidosa a frase do ator.
A antífrase faz o jogo entre a afirmação do enunciado “Eu sou um pouco
pessimista quanto a esse negócio de viagem espacial" e a negação dessa mesma
afirmação na enunciação. O que comprova a real intenção do enunciador é o fato de
ele ilustrar a citação do ator com Jean-Luc Picard, a personagem que, não acredita,
como também participa de viagens espaciais.
116
F
IGURA
21
Aproveitando-se do caso anterior de ocorrência da ironia como antífrase,
temos também um texto (figura 21) que justificará sua ironia por meio da ambivalência
de sentido entre afirmação/negação.
Kill Bill foi um filme que marcou bastante a carreira de seu diretor, Quentin
Tarantino, e também a de Uma Thurman que protagonizava uma personagem
extremamente violenta. A ênfase a esta personagem foi dada por sua força e não
por sua beleza. No texto sincrético que apresentamos agora, temos Thurman ilustrada
por sua personagem, mas a citação é da atriz.
Na citação a atriz coloca que a violência apresentada no filme Kill Bill não foi
sua opção, mas sim do diretor. O que coloca a atriz em contradição é que a fotografia
apresentada pelo componente verbal, expressa um momento de luta de sua
117
personagem, basta observarmos sua posição estática a espera do inimigo, armada e
com vestígios de sangue em sua roupa.
A antífrase é representada pela afirmação da não violência no enunciado e
pela negação dessa não violência na enunciação. O enunciador contesta a veracidade
da citação e também da fotografia. Se ambos componentes do texto sincrético podem
ter sido deslocados de seu contexto original, qual seria o real ponto de vista da atriz?
A idéia de rebaixamento e de desqualificação de um alvo por causa de um
erro, de uma informação errada, também será evidenciada pela ironia. Nesse sentido
será observada uma celebridade do gênero feminino. Desta vez perceberemos que o
enunciador desqualifica seu alvo por meio de um sentido perverso de ignorância.
Três textos que tem em comum um mesmo alvo, a apresentadora Luciana
Gimenez, foram selecionados para serem analisados quanto a uma ironia
desqualificatória frente a suas posições equivocadas.
"Pra que taxa de lixo, se a gente já
paga INSS?”
Luciana Gimenez, da Rede TV!, confundindo a
contribuição previdenciária federal com a taxa
municipal do lixo
F
IGURA
22
118
A apresentadora Luciana Gimenez ficou famosa, antes de qualquer coisa,
por ter tido um filho com o cantor da banda Rolling Stones, Mick Jagger. Na época ela
foi acusada de ter engravidado de propósito e ter se aproveitado da situação para
enriquecer e ficar famosa. Depois de ter tido o bebê, Gimenez passou a apresentar um
programa na Rede TV! e, com essa exposição diária, a mídia começou a evidenciar
suas afirmações equivocadas.
No primeiro exemplo de texto (figura 22) temos como elemento não verbal,
uma fotografia ilustrativa de um momento em que Gimenez é fotografada
artisticamente: muito bem vestida, faz pose e se apresenta muito bonita.
O elemento verbal se apresenta por uma declaração da apresentadora em
que é evidenciada uma confusão com relação às contas blicas pagas por pessoas
físicas: “Para que pagar taxa de lixo se a gente paga INSS?” O desígnio da taxa do lixo
não tem a mesma finalidade do INSS.
então, um jogo irônico cômico em que o enunciador se vale de um ponto
de vista absurdo: como poderia um contribuinte confundir a taxa do lixo com o sistema
previdenciário? O enunciador se utiliza da ironia e faz com que o ponto de vista absurdo
(taxa de lixo = INSS) seja atribuído a Gimenez, autora da citação e não do enunciado
sincrético, e ainda toma este ponto de vista absurdo como recurso para ridicularizar a
apresentadora e colocá-la em uma situação desagradável, porém, com provas que
reforçam a veracidade dos fatos apresentados pela citação, que revela pelo discurso
direto o absurdo e ilustra com uma fotografia, simulacro de realidade.
O segundo texto (figura23) que tem como alvo a apresentadora Luciana
Gimenez apresenta uma fotografia que parece ter sido retirada do mesmo ensaio
fotográfico que a foto do texto anterior (figura 22). A apresentadora aparece muito bem
119
vestida com um vestido que exalta sua beleza física. O componente não verbal parece
estar presente apenas para ilustrar a autora da frase, como se a afirmação absurda
bastasse por si só e não precisasse de algo a mais para ser identificada.
"Estão dizendo que faço dos meus
erros um marketing. Que tipo de
gênia sou eu para falar errado e
achar que é marketing?”
Luciana Gimenez, apresentadora da RedeTV!,
em entrevista ao jornal carioca O Dia
F
IGURA
23
O componente verbal, na citação, destaca um equívoco de construção do
discurso de Gimenez: ela diz que não declara coisas erradas para fazer marketing
porque não é nenhuma nia, ou seja, gênia é empregada do sentido de gênio, alguém
que é brilhante, demasiadamente inteligente. Com a negação da genialidade em sua
própria citação, a apresentadora mesma constrói um sentido ambíguo para sua
afirmação. É desse momento de confusão que se aproveita o enunciador para criar o
texto sincrético.
A ironia é acaba sendo apresentada pelo enunciador como absurda e
desqualifica a apresentadora, que ela mesma afirma não ser uma gênia, não ser tão
120
inteligente a ponto de fazer de seus desconhecimentos algo que seja lucrativo ou
positivo para sua imagem artística.
"Eu posso ser desligada, mas burra,
nunca! Falo francês, italiano, alemão,
espanhol e inglês. Deixe-me ver,
porque não sei contar muito bem:
são uma, duas, três... são cinco
línguas!”
Luciana Gimenez, apresentadora da
Rede TV!, linda como sempre, em
entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Figura 24
No último texto (figura 24) que evidencia a ironia frente aos erros de Luciana
Gimenez, temos mais uma vez a disposição do componente não verbal evidenciando
suas qualidades físicas. Nesse texto, vemos a apresentadora em trajes de banho e em
boa forma fazendo pose para a fotografia. Enquanto o verbal evidencia uma
colocação de Gimenez, no caso dessa citação, a apresentadora se confunde na hora
de determinar a contagem de quantos idiomas fala. Na legenda notamos ainda, a
opinião do enunciador: no momento em que ele afirma “linda como sempre” ele ressalta
a opinião de que a apresentadora se vale mais de sua beleza do que de suas
colocações.
Com essa sobreposição de valores de beleza sobre valores intelectuais, a
apresentadora foi mais uma vez ridicularizada pelo enunciador que, em vez de declarar
como elogio em sua contextualização algo do tipo “inteligente como sempre”, num
121
sentido antifrástico, ele declara “linda como sempre” como se a beleza dela fosse algo
mais marcante que sua intelectualidade e merecesse destaque. Além disso, notamos
também que com a afirmação “linda como sempre”, o enunciador afasta a idéia de que
a beleza é um valor que pode estar acompanhado de inteligência. Assim, mais uma vez
o enunciador desqualifica uma mulher por sua beleza e evidencia um caráter de
ingenuidade.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acabamos de fazer um estudo de textos sincréticos irônicos. Nessas
considerações finais queremos, depois de retomar brevemente a trajetória teórica,
comentar aspectos que consideramos particularmente relevantes no estudo feito: a
discussão da natureza do texto sincrético e aspectos de sua análise; o estudo do
conceito de ironia e as observações de sua análise nos textos sincréticos do corpus; e
conseqüências possíveis para qualificar o trabalho com o texto na escola.
Três etapas foram seguidas para que esta pesquisa pudesse ser feita. A
primeira foi discutir o que é texto e atentar para as questões dialógicas e heterogêneas
que definem sua natureza. Dentre os postulados do que é texto, discutidos neste
trabalho, existem diversas manifestações evidenciadas, principalmente, por elementos
que compõem seu enunciado, sejam eles de natureza verbal, não verbal ou sincrética.
Como o interesse desta pesquisa eram os enunciados compostos por elementos
verbais e não verbais cujo significado depreendido necessitava da complementaridade
de ambos os elementos, foi necessária, numa segunda etapa, a discussão do texto
sincrético em si. Uma vez definido esse texto, houve então, em terceiro lugar, a
necessidade apresentar a noção de texto irônico. A partir dela, estabelecemos, então,
as bases para podermos fazer a análise dos textos do ponto de vista de sua expressão
123
irônica. Todo esse caminho teórico foi traçado para que a análise fosse desenvolvida e
nela pudéssemos descrever as ações do enunciador ao enunciar este tipo de texto,
perceber também o caráter ideológico proposto pelo veículo e definir os diferentes tipos
de ironia utilizados.
Comentemos, agora, os três aspectos referidos que consideramos
especialmente relevantes no estudo feito. No que se refere ao primeiro aspecto,
pudemos perceber que a ocorrência do discurso irônico na seção “Veja essa” da revista
Veja, se pela junção de dois componentes de natureza semiótica distinta: o verbal e
o não verbal. Quando observados juntamente, o verbal e o não verbal promovem a
possibilidade de formação de um texto chamado sincrético, gerando um novo
significado para as relações entre os diferentes elementos. Dissemos que os dois
componentes constituintes do novo texto podem ter origem em textos e situações das
mais variadas. Eles compõem o novo texto na seção de “Veja essa” daquela semana,
mas, isoladamente, não se referem necessariamente a eventos que tenham ocorrido
nesse período. Muitas vezes, esses componentes são extraídos de arquivos da revista.
Enfim, não importa a origem da imagem ou o texto relativo a ela, o que importa para a
revista é que esse texto de alguma forma tenha a ver com a personagem representada
na imagem. E especialmente, é importante para a revista que a junção da fotografia e
do segmento de fala escolhidos produzam um texto novo cujo sentido faça ou permita
fazer uma alusão a um evento da semana em que o personagem retratado esteve
envolvido.
Por parte do enunciador dos textos, isto é, por parte da revista, a forma de
constituir os textos produz um forte efeito de sentido de realidade. Esse efeito é
produzido principalmente pela fotografia e pelo pronunciamento do personagem
124
transcrito entre aspas. Vimos, quando explicamos as características dos constituintes
do texto na perspectiva do conceito de signo, que a fotografia é um signo que traduz
uma semelhança com o objeto representado, ou seja, a fotografia é um ícone. E, em
princípio, os componentes icônicos produzem efeitos de realidade nos textos. É o que
se pode verificar nos jornais, nas revistas em geral, na televisão. Esse efeito de
realidade tem múltiplas funções na atuação dos meios de comunicação sobre os seus
destinatários. Destacam-se entre elas três funções: atrair os leitores ou telespectadores
para a reportagem ou para a notícia; ilustrar e com isso concretizar o texto verbal que
acompanha o elemento icônico; e, por fim, conseguir que o destinatário se deixe
persuadir, isto é, acredite na reportagem ou na notícia.
No caso dos textos sincréticos de nossa análise, a fotografia é o grande fator
de atração do leitor pelo texto. Convém assinalar que essa foto nunca é estática nesses
textos, isto é, nunca traduz uma pose da personagem. Ela sempre é a imagem da
personagem em movimento, como mostram, por exemplo, os textos centrados no
Presidente Lula, nos quais ele aparece, em geral, falando, em diferentes contextos.
Esse caráter dinâmico da fotografia acentua ainda mais o efeito de realidade produzido
pelo componente icônico.
A essa representação icônica da ação de falar junta-se o segmento verbal
entre aspas. Essas aspas sinalizam para o leitor de que o texto verbal que acompanha
o componente visual são palavras efetivamente pronunciadas pelo personagem
naquele momento que a imagem registra. Portanto, vincular um enunciado em discurso
direto a uma personagem que, na foto, aparece falando, produz para o leitor a ilusão de
que essa personagem está dizendo exatamente essas palavras colocadas entre aspas.
125
Acrescente-se a isso ainda a legenda, depois do segmento entre aspas, que
situa a cena do texto em algum contexto. No caso, para retomar o exemplo da figura 7,
o fato de o enunciador a revista contextualizar na legenda que o enunciado de Lula
foi proferido ao deixar Davos, produz outra ilusão de realidade e, por conseguinte de
verdade, pois estabelece um lugar concreto do discurso. E um outro recurso do
enunciador para imprimir maior efeito de realidade às falas é o fato de em muitas delas
o personagem se manifestar em primeira pessoa. Quando no enunciado o narrador diz
“eu”, o leitor tem a falsa impressão de que ele está falando aqui e agora. E produzir
essa impressão é uma forma de convencer o leitor, fazendo-o acreditar que a cena
retratada no texto sincrético realmente aconteceu, assim como ela está, ou seja, a
personagem, nessa situação retratada, disse efetivamente essas palavras.
O leitor ingênuo, isto é aquele que não sabe como o enunciador – a revista –
constrói o texto, considera-o como qualquer outro texto informativo da revista. Ou seja,
uma imagem que ilustra uma informação verbal, como tantas outras que
aparecem na revista. De certa forma os efeitos produzidos pelos textos sincréticos da
seção Veja essa” também são os produzidos pelos demais textos sincréticos da
revista, o que implica dizer que a verdade jornalística (o fato jornalístico) não está fora
do jornal, mas construída na elaboração e montagem do texto, seja ele verbal, seja
ele sincrético. Comparando, então, os textos sincréticos da seção “Veja essa” com os
demais textos sincréticos da revista, podemos dizer que ambos são construídos para
produzirem efeitos de verdade. O que talvez os distinga entre si é o fato de os primeiros
produzirem esses efeitos por meio de uma manipulação mais explícita dos
componentes textuais, deixando pistas no texto que permitem um leitor menos ingênuo
126
perceber essa manipulação. Já nos textos jornalísticos em geral e nos da revista
também, há uma preocupação em esconder essa manipulação.
Sem dúvida, a grande pista que revela que o processo de construção dos
textos sincréticos da seção “Veja essa” é explicitamente manipulado é o fato de eles, ao
menos os que analisamos, serem irônicos. Fundamentamos a nossa análise definindo,
em síntese, a ironia como uma manifestação de linguagem em que, no enunciado lido
ou ouvido, afirma-se algo que, no propósito da enunciação (na intenção do enunciador),
é negado. O que se afirma no enunciado é, explicitamente, uma referência positiva ao
alvo da ironia, mas pretende ser uma referência negativa a ele na intenção de quem
ironiza. O que se chama propriamente de ironia é, portanto, uma acusação, uma
denúncia, uma difamação, uma avaliação negativa, em síntese, uma desqualificação do
alvo, camuflada de louvor, consagração, elogio, avaliação positiva. Esse caráter da
ironia ficou evidente em nossa análise, particularmente em relação ao Presidente Lula,
quando a ironia, em muitos casos, chega ao grau de sarcasmo, isto é, reveladora de
preconceito ou discriminação. Consideramos o sarcasmo como um grau extremo de
expressão irônica.
Mostramos também que um outro efeito produzido pela ironia é o humor. O
enunciador, seja na forma de construir o texto, seja na escolha da personagem
ironizada ou no comportamento que é objeto da ironia, provoca esse humor no
enunciatário, isto é, no leitor. Como acontece no humor em geral, ele costuma ser
desencadeado por uma quebra de expectativa em relação ao alvo do discurso. Isso se
revela, por exemplo, no texto da figura 8, em que o Presidente troca “tatame por
“tapume”. Pelo fato de haver, ao menos em princípio, uma expectativa de que o
Presidente da República não pode ou não deve trocar palavras desse tipo, a quebra
127
dessa expectativa causa riso. O riso é causado, portanto, porque a ironia envolve uma
pessoa destacada de quem não se admite cometer o referido engano. É por esse
motivo que a maioria dos textos sincréticos de nosso corpus envolve personagens de
destaque na política e na sociedade em geral, às quais são atribuídas gafes ou
afirmações que contrastam com o perfil político, social ou cultural dessas personagens.
Não haveria nem ironia nem humor se uma pessoa simples, sem evidência social ou
outra, tivesse trocado as duas palavras que mencionamos acima.
Quanto ao humor e o riso, é preciso lembrar que eles também podem estar
relacionados a razões político-ideológicas. Na medida em que o leitor não simpatiza
com o Presidente Lula por razões políticas, por exemplo, as suas gafes causam certa
satisfação a esse leitor. Já um outro leitor, simpatizante político do Presidente, não
achará graça na ironia, chegando mesmo a se ofender com ela, pois se sente
indiretamente atingido. Essas considerações estão relacionadas também à posição
político-ideológica da revista Veja que, como comentamos em outra passagem deste
trabalho, tem sido de explícita oposição ao Presidente. Essa é, sem dúvida, uma das
razões para a revista incluí-lo tantas vezes em textos de natureza irônica.
Desqualificando-o por meio desses textos, a revista entra em sintonia com leitores de
mesmo perfil político-ideológico dela.
Sobre a ironia destacamos ainda em nosso estudo que, para o destinatário
poder perceber o texto como irônico, exige-se que o enunciador, isto é, o autor do texto,
deixe nele alguma sinalização ou marca que permita essa percepção por parte do leitor
ou do ouvinte. Como vimos, é a presença dessa sinalização da natureza irônica do
texto que o distingue da mentira. Isso quer dizer que um pretenso texto irônico sem
marcas que permitam identificá-lo como tal, é recebido como um texto mentiroso.
128
Nas conversas do dia a dia, a ironia é sinalizada por diferentes formas,
lingüísticas ou extralingüísticas. Os falantes têm pleno domínio dos recursos para se
manifestarem ironicamente, pois internalizaram esse saber do mesmo modo que
aprenderam a usar a língua para outras finalidades. Entre as formas lingüísticas são
freqüentes as hipérboles, as variações entonacionais e rítmicas da fala e, entre as
extralingüísticas, são comuns aspectos do contexto, gestos, mímicas, trejeitos do
falante. Nos textos escritos, já não é tão simples criar efeitos de ironia que sejam
percebidos com clareza. O autor, quando quer produzir um texto irônico, precisa avaliar
se o seu provável leitor tem a competência para perceber os traços que revelam o
caráter irônico do texto. Caso contrário, o autor não alcançará o objetivo que busca com
o seu texto. A ironia política, por exemplo, surtirá efeito se o leitor tiver um
conhecimento de mundo no qual o fato ou o comportamento ironizado seja
reconhecido. Nesse sentido, a percepção da ironia se assemelha à compreensão de
uma anedota. Esta provocará riso no indivíduo que tiver algum conhecimento do
tema de que ela trata.
Por isso, podemos afirmar que os textos de nosso corpus o produzir o
efeito irônico desejado em leitores que tiverem um conhecimento de mundo do qual
façam parte os personagens focalizados nesses textos. Em outras palavras, isso quer
dizer que a revista ironiza essas personagens porque sabe que o seu público leitor, em
termos gerais, tem conhecimento delas. Sob esse ponto de vista, deve-se também
admitir que, a partir das características dos textos de “Veja essa”, é possível definir o
perfil dos leitores da revista Veja. São pessoas bem informadas, interessadas em saber
o que acontece no Brasil e no mundo, em diferentes contextos da ação humana.
129
Por fim, dissemos que um dos motivos que nos levou a desenvolver este
trabalho foi buscar maior qualificação no ensino da língua portuguesa, especialmente
no trabalho com a leitura e a interpretação de textos. Sabemos que cada vez mais
insiste-se, na formação dos professores, que o ensino vivo da língua tem de partir do
texto e chegar ao texto. O que significa que, todas as atividades de gramática e
exercícios que levam ao domínio das estruturas da língua devem ter origem em textos e
precisam apresentar-se como atividades que, em última instância, levem os alunos a
elaborar textos.
Mas antes que o aluno use o texto para fazer trabalhos com a gramática da
língua, cabe ao professor levá-lo a ler, a compreender e interpretar esse texto. Ou seja,
antes de tudo, o papel da escola no ensino da língua portuguesa é levar o aluno a
apreciar o texto, a gostar dele. depois ele poderá servir como fonte de aprendizado
gramatical.
Na apreciação de textos, entram os PCN ensinam isso os mais variados
gêneros e tipos de textos. Entre eles estão os sincréticos e os irônicos. O aluno, a
nosso ver, precisa saber que texto não é somente uma organização de sentido
produzida por palavras. Um mesmo conteúdo pode ser comunicado para alguém, por
meio de palavras ou por meio de imagens. Além disso, há conteúdos que só se
transmitem ou, ao menos, se transmitem com mais eficiência se o texto for
constituído simultaneamente por palavras e imagens, isto é, se ele for um texto
sincrético. A maioria dos textos com os quais os alunos entram em contato no dia a dia
tem essa característica, como mostram, por exemplo, os textos publicitários, e as
reportagens e notícias de jornal, que costumam estar vinculadas a fotografias. Se esses
textos são tão freqüentes no dia a dia dos alunos, eles precisam ser analisados em sala
130
de aula, com base em princípios de análise definidos. E nesse sentido, pensamos que o
nosso trabalho pode prestar alguma contribuição. Um aspecto, por exemplo, que pode
ser explorado na análise dos textos sincréticos é a relação entre o componente verbal e
o componente icônico, mostrando como um determina o outro e vice-versa para
constituírem um único texto. Além disso, pode-se explorar também a importância do
texto sincrético como recurso de persuasão do leitor ou do consumidor, quando se trata
do texto publicitário.
No que se refere à ironia, pode-se admitir que ela é uma função muito
presente no uso da linguagem cotidiana e, também, nos textos em geral, nos jornais,
nas revistas, nos programas de televisão e até mesmo na literatura. Há autores que são
reconhecidos pelo caráter irônico de seus textos, como é o caso de Machado de Assis,
Luis Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes e muitos outros. O professor que, em suas
aulas, queira dar um enfoque especial à linguagem e aos textos irônicos precisa
mostrar ao aluno como o texto irônico é construído, quais são as suas características e
funções. Precisa especialmente destacar que ironizar alguém, em princípio, implica
sempre avaliar negativamente e, por isso, desqualificar esse alvo. Em síntese, o falante
ou quem escreve precisa saber em que ocasião cabe e não cabe o uso de uma
linguagem irônica.
Pensamos que, embora reconhecendo os limites deste trabalho, ele possa
contribuir com algumas idéias para melhor entender os textos em geral e os sincréticos
e irônicos em particular.
131
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