príncipe, pois ela “exibe um tal esplendor que na sua falta todas as demais
virtudes dos reis e príncipes empalidecem”
564
. Os espelhos de príncipe (como o
livro de Patrizi, dedicado ao papa Sixto IV) acrescentam ainda, ao lado dessas,
quatro outras virtudes que não deveriam faltar aos governantes: a liberalidade, ou
generosidade, a magnificência, a clemência, e a honra, que soma a capacidade de
manter a palavra dada à qualidade de nunca mentir – para Patrizi, um rei “nunca
deve iludir, nunca mentir, nunca permitir que outros mintam”
565
. Em 1573,
François Hotman, autor da já citada Epistre envoiée au Tigre de la France (1560),
afirma, na sua Histoire des massacres et horribles cruautez commises en la
personne de messire Gaspar de Colligny grand Amiral de France, que
Les plus recommandables vertus à un Roi son justice, bénignité et clémence,
l’inhumanité et cruauté sont à condamner en toutes personnes, mais surtout aux
Roi
566
.
564
Apud id., ibid., p.147.
565
Apud id., ibid., p.149. Dentre as virtudes revistas e criticadas por Maquiavel, este entendimento
acerca da honra será talvez o mais atingido. Maquiavel transforma a virtus composta por uma série
de virtudes que deveriam ser seguidas pelo príncipe, na virtù, cuja principal função era domar a
fortuna e assim manter o estado, o poder. Segundo Senellart, no Príncipe Maquiavel realiza um
deslocamento do conceito ético-político de virtus para o de virtù (Senellart, op.cit., p.224), que “ne
designe plus une forme supérieure de qualification éthique, mais l’attitutde créative, propre à
l’homme d’État” (id., ibid., p.225). Obrigado a operar em um mundo regido pelo tempo, e portanto
em constante mutação, o príncipe deveria poder adaptar-se à realidade que são as necessidades do
tempo, e agir de acordo com as demandas de cada momento, ao invés de permanecer estático,
preso à obrigação a ser clemente, generoso, prudente, justo... Quando não for conveniente ao
príncipe, para a conservação do seu poder, agir de forma generosa, ele simplesmente não deve
fazê-lo, pois às vezes é preciso “agir contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a
religião” (Maquiavel, 1997, XVIII, p.103). Da mesma forma, apesar de ser comumente
reconhecido que honrar a palavra dada é louvável em um príncipe (id., ibid., XVIII, p.101), “vê-se
nos nossos tempos, pela experiência, alguns príncipes terem realizado grandes coisas a despeito de
terem tido em pouca conta a fé da palavra dada” (id., ibid., XVIII, p.101). Em um mundo
impregnado pela idéia da virtude, Maquiavel aconselha ao príncipe parecer ser justo, clemente e
generoso, mas estar preparado para não o ser quando necessário. Para o autor florentino, a adesão
do príncipe às virtudes cardeais e às teologais e cristãs não estava em questão, mas sim o resultado
que ele seria capaz de produzir com o objetivo de manter-se e ao seu estado. Iludir, parecer ser
ganham então status de virtudes, fazem parte da virtù do príncipe. A honra, no sentido da
manutenção da palavra dada, perde espaço para a honra que se associa à glória e à fama que
provinham de conquistar a fortuna, vencer e manter um estado (id., ibid., XVIII, p.103). Mesmo
nessa relação conflituosa entre fortuna e virtù, Navarra sai vencedor: o autor do Advis d’un
Francois à la Noblesse catholique de France (1590), que se discute ainda hoje se era Philippe
Duplessis-Mornay ou Étienne Pasquier, afirma a um dado momento, sobre Navarra, que “il semble
que la fortune le contrarie lui donnant pour âpres ennemis, ceux qui lui devaient être sujets
affectionnés” (Advis d’un Francois à la Noblesse catholique de France, sur la remonstrance d’un
Ligueur, auquel le devoir des Catholiques, à la mémoire du feu Roy, & envers le Roy à présent
régnant, ensemble la conjuration de la Ligue contre l’Etat, ses traités & alliances avec l’Espagnol
sont déclarés, 1590, p.8), e assim, se sua virtude não fosse tanta, e tamanha a sua coragem, ele não
teria forças para andar de cerco em cerco, com armas às costas, caçando e perseguindo inimigos –
mas esses são percalços que a fortuna lhe impinge para fortalecê-lo, “ce sont exercices qu’elle lui
donne pour faire mieux paraître sa vertu” (ibid., p.8)
566
“As mais recomendáveis virtudes para um Rei são justiça, benignidade e clemência, a
inumanidade e a crueldade devem ser condenadas em todas as pessoas, mas sobretudo nos Reis”,
Hotman, 1573, p.XXXVIII. A Histoire des massacres et horribles cruautez commises en la
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