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Seu Mário justifica sua permanência no lugar quase exclusivamente pela razão
afetiva. Com o passar dos anos, a relativa segurança que o pequeno comércio dá permite
a opção por ficar morando no local, mesmo mediante alguma desvalorização e
desprestígio do lugar e região. Seu Mário apontava inúmeras vantagens de morar ali,
mesmo que as muitas razões para morar noutro local não fossem por ele levantadas, ou,
caso fossem, tais razões não fariam com que o bairro deixasse de ser privilegiado para
ele. Ou seja, a razão simbólica em permanecer na região é forte, porque ele continuou
morando ali apesar das mudanças, do abandono e esvaziamento que o lugar teve, sendo
o trabalho, através do comércio do armazém, seu fator de adesão.
Seu Dante conta que seu avô veio da Itália com o irmão dele e foram
primeiramente atraídos para São Paulo. Ao contar-me pergunta se eu via a novela Terra
Nostra, pois esta contaria toda a sua saga:
Os brasileiros contratavam estrangeiros pra trabalhar porque diziam
que o pêlo-duro era vagabundo. Bom, o meu avô veio com o irmão
dele pra trabalhar no negócio de plantação de café, colheita do café,
sei lá. Então, eles começaram a concluir que estavam sendo
explorados. Aí então... Mas lá, nos fazendeiros, em São Paulo, faziam
trabalho escravo, então eles tinham que fugir. Um irmão dele fugiu,
mas ele não ficou sabendo de nada mais que aconteceu com ele,
acredito que ele tenha sido até devorado por feras. O meu avô
conseguiu fugir e veio pro Sul, aqui pro Rio Grande do Sul, aí
conheceu a minha avó que era italiana também, conheceram no Brasil
e se casaram. E o meu avô plantou, ele era agricultor, ali onde era a
Fábrica Renner, depois ele plantou uma outra área mais pra lá.
Como deu, teve dois anos de insucesso com as enchentes, era um
baixio muito grande, então ele resolveu ir pra Itália, mas já tava
casado aqui, e tinha três filhos brasileiros, onde a minha mãe era
brasileira, a minha mãe era a terceira; primeiro veio os filhos homens
depois minha mãe. Aí foram pra Itália. Na Itália, eles ficaram oito
anos, e como todo italiano que volta do Brasil pra Itália, eles não
dizem do Brasil, volta da América, eles acham que veio rico, voltou
rico né. Então ele, no começo, começou a ficar enjoado dos patrícios
dele, achar que ele era rico, só viviam pedindo dinheiro emprestado, e
ele se incomodou, voltou pro Brasil. Mas aí trouxe dois filhos
italianos [risos]. Então, a minha mãe contava, quando ele chegou no
porto, ele veio pra ir pra Argentina. Foi lá, de navio, foram pra
Buenos Aires. Chegou lá, não gostou. Ele disse “quer saber de uma
coisa, vou voltar pra Porto Alegre”. Ele levou três filhos brasileiros
pra lá, voltou com três filhos brasileiros e dois filhos italianos.
Depois seguiu os filhos brasileiros. Ele tinha doze filhos... É!!!
Quando ele chegou em Porto Alegre, a minha mãe contava, quando
ele desceu do navio, ele chegou, fez a mesma coisa que o papa
aquele, João Paulo II: se ajoelhou, beijou o solo, e dizendo “Terra
abençoada o Brasil!”. Aí ele continuou, trabalhando aí, criou a