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Tendo em vista que nossos propósitos eram verificar os fatores identitários
e culturais do homem brasileiro por meio do ethos discursivo e da cena de
enunciação, a AD mostrou-se uma metodologia adequada e relevante para essa
dissertação. Ao pertencer ao campo da Lingüística, ainda que de modo não
exclusivo, ela explora a língua como portadora da ideologia de uma determinada
formação discursiva. Assim, as marcas lingüísticas identificadas na fonética, na
sintaxe, no léxico, e na própria enunciação, nos permitiram analisar como o
discurso do enunciador, representante do homem caipira, se materializa.
Como a AD faz uma ligação com a História, pudemos verificar as condições
em que esse discurso foi produzido, mobilizando não só os fatos sócio-históricos,
mas também a memória discursiva. Nesse sentido, o discurso da letra de
composição de raiz se constitui um material propício para isso, pois resgata
valores, hábitos e crenças cultuados por uma geração passada e que nos
chegam, hodiernamente, por meio dos nossos pais e avós.
Verificamos, ainda, nos discursos materializados nas seis letras
selecionadas, uma relação entre os sujeitos-autores e enunciadores porque
ambos nasceram na roça, em sua maioria, no interior de São Paulo- berço da
música de raiz; embora saibamos que o enunciador é uma instância construída
pelo discurso. Essa relação permite uma identificação entre ambos, em que o
primeiro, tendo vivenciado a cultura caipira, tem seu discurso autorizado para
tratar sobre as temáticas recorrentes nos discursos.
A topografia e a cronografia, então, desses discursos reascendem a
memória porque compuseram o cenário do qual o Brasil, caracterizado como um
país rural até meados do século XX, fez parte. Assim, os lugares citados no
discurso das letras é sempre o campo, a roça ou o rancho onde o caipira vive com
a família. Muitas vezes, esse ambiente é contraposto com a cidade de São Paulo,
vista como lugar de infortúnios, tristeza, desilusão e desagregação dos costumes
e hábitos do homem caipira.
Quanto à tematização, predomina a do confronto entre o homem do campo
e o homem citadino, no qual este desvaloriza o primeiro. A construção da cena,
como observamos no apólogo A caneta e a enxada e em Terra Roxa, reforça