Freind: — É verdade, senhor, que a sua conversão foi um grande prodígio. Confesso
que, segundo os Atos dos Apóstolos, fora ele o mais cruel satélite dos inimigos de Jesus.
Dizem os Atos que assistira à lapidação de Santo Estêvão; ele próprio diz que, quando os
judeus condenavam à morte um seguidor de Jesus, era ele quem levava a sentença, detuli
sententiam. (3)
Confesso que Abdias, seu discípulo, e Júlio Africano, seu tradutor, o acusam de ter
mandado matar a Tiago Oblia, irmão de Nosso Senhor;(4) mas a sua fúria ainda mais
admirável lhe torna a conversão, e não o impediu de achar mulher. Era casado, digo-vos,
como expressamente o declara S. Clemente de Alexandria.
O bacharel: — Mas no entanto era um digno, um excelente homem, esse S. Paulo! Sinto
muito que ele haja assassinado a S. Tiago e a Santo Estêvão, e muito me surpreende que
tenha ido ao terceiro céu; mas continuai, por favor.
Freind: — S. Pedro, pelo que diz S. Clemente de Alexandria, teve filhos; e até se
encontra entre estes uma Santa Petronilha. Na sua História da Igreja, diz Eusébio que S.
Nicolau, um dos primeiros discípulos, tinha uma belíssima mulher, e que os apóstolos lhe
censuraram preocupar-se muito com ela e parecer ciumento. “Pois tome-a quem quiser –
respondeu-lhes o santo, – eu a cedo aos senhores.” (5)
Na economia judaica, que devia durar eternamente, e à qual no entanto sucedeu a
economia cristã, o casamento era, não só permitido, mas expressamente ordenado aos
sacerdotes, pois que deviam ser da mesma raça; e o celibato era uma espécie de infâmia.
Em verdade o celibato não deve ter sido considerado uma situação muito pura e honrosa
pelos primeiros cristãos, pois, entre os hereges anatematizados pelos primeiros concílios,
encontram-se especialmente aqueles que se revoltavam contra o casamento dos padres,
como os saturnianos, os basilidianos, os montanistas, os encratistas, e outros anos e istas.
Eis porque a mulher de S. Gregório Nazianzeno deu à luz a outro S. Gregório Nazianzeno e
teve a inestimável ventura de ser esposa e mãe de um canonizado, o que não aconteceu nem
mesmo a Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho. Eis por que vos poderia eu nomear igual
ou maior número de antigos bispos casados do que o que tivestes, outrora, de bispos e
papas concubinários, adúlteros, ou pederastas, coisa que já não se encontra em nenhum
país. Eis por que a Igreja grega, mãe da Igreja Latina, quer ainda que os curas sejam
casados. Eis afinal porque eu, que vos falo, sou casado, e tenho o mais belo filho do mundo.
E dizei-me, meu caro bacharel, não tendes vós na vossa Igreja sete sacramentos, que são
todos sinais visíveis de uma coisa invisível? Ora, um bacharel de Salamanca desfruta das
vantagens do batismo logo que nasce, da crisma, logo que começa a usar calças; das
confissão, logo que faz algumas loucuras, ou compreende as dos outros; da comunhão,
embora um pouco diferente da nossa, logo que chega aos treze ou catorze anos, da
ordenação quando é tonsurado e lhe dão um benefício de vinte, ou trinta, ou quarenta mil
piastras de renda, e enfim, da extrema-unção, quando chega a hora. Deveremos privá-lo do
sacramento do matrimônio, quando se acha em plena saúde, e sobretudo depois que o
próprio Deus casou Adão e Eva: Adão, o primeiro dos bacharéis do mundo, pois tinha
ciência infusa, segundo a vossa escola; Eva, a primeira bacharela, pois conheceu a árvore
da ciência antes do marido?
O bacharel: — Mas, se assim é, acabo com os mas. Está feito, sou da vossa religião;
faço-me anglicano.
Quero casar com uma boa mulher que sempre fingirá amar-me, enquanto eu for jovem, que
cuidará de mim na velhice, e a quem enterrarei com todas as honras, se lhe sobrevivo; mais
vale isso do que queimar homens e desonrar raparigas, como fez o meu primo dom