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HELEN ISABEL DE FREITAS
ESTUDOS SOBRE DIRETRIZES E PRÁTICAS DE
ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Um enfoque nos procedimentos de avaliação inicial e
planejamento terapêutico em serviços substitutivos de Botucatu
Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de
Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, para a obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva (Área de concentração: Saúde Pública).
Orientador: Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr.
Botucatu
2006
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Aos meus pais,
responsáveis por tudo o que sou.
Pela inigualável e insuperável sabedoria,
e pelo amor.
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AGRADECIMENTOS
Gostaria que minha memória não me traísse para conseguir
agradecer, a cada pessoa que me acompanhou no processo de construção deste
trabalho, pela força que recebi. Houve momentos em que certamente elas não
sabiam o quanto estavam sendo importantes: espero que omissões sejam
perdoáveis.
Deixo aqui profundos agradecimentos a todos com quem convivi
durante este período, que direta ou indiretamente foram essenciais nos momentos
de conflitos e conquistas:
ao Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr, orientador deste trabalho, pela
solicitude em cada momento; pela confiança engrandecedora; pelo incentivo,
respeito e leveza na condução da pesquisa, e pelos inestimáveis ensinamentos
acerca do trabalho acadêmico-científico.
à Mariângela S. Quarentei, eterna mestra, companheira e amiga, pela
dedicação, incentivo, parceria e força, pelos imensuráveis ensinamentos e pelo
carinho, sempre. E a tudo e todos que compõem nosso ciclo de estudos,
alimentando o que acredito.
à Profª Sueli Terezinha Ferreira Martins, pela imprescindível
colaboração na realização deste trabalho, pelo exemplo de coerência ideológica,
pela proximidade e carinho.
à grandes colaboradores: Wilza Spiri, Luiz Roberto Oliveira, Vânia
Moreno, pelo cuidado, carinho e solicitude.
à meus pais Ednilson e Norma, meus exemplos de determinação e
vitória, por dedicarem suas vidas para que eu possa alcançar meus sonhos.
aos meus irmãos Helber e Henrique, pela união, amizade e
companheirismo.
à Marco, meu par, pelo amor e admiração; pelo aconchego, calma,
força e confiança; por me ajudar a manter o foco e por ser tão especial em minha
vida.
13
à todos os companheiros do programa que me felicitaram com
amizade, parcerias e calor durante este percurso, principalmente à Ana Cláudia
Ovile, Anderson dos Santos, Luiz Rogério Romero, André Borges, Alexandre
Oliveira, Tarcila Machado e Ludmila Braga. Especialmente a Marcelo Dalla Vecchia,
um dos maiores presentes que recebi neste processo, por sua cooperação
fundamental com o pensamento e escrita deste trabalho.
aos amigos: Carla (irmã por opção) pelos 9 anos compartilhando
todos os momentos; Rejane, pela amizade e ajuda quando minha gramática não
bastava; Priscila (flor), companheira sempre; Betina, Fernanda e Suzi, pela acolhida
num importante momento; Rodrigo (“Flato”), Vladimir, Marcela, Catia e Janaina, pela
ternura nas mais diferentes ocasiões e às TOzinhas queridas.
aos coordenadores, professores-tutores e alunos do Programa de
Interação Universidade-Serviço-Comunidade (IUSC), pela alegria, aprendizagem e
satisfação, ainda que turbulenta, de poder trabalhar pela formação mais coerente de
profissionais de saúde.
aos amigos do Hospital-dia de Psiquiatria e da Associação Arte e
Convívio, junto dos quais pude viver e refletir sobre a problemática da saúde mental,
o que foi imprescindível para pensar e desenvolver este trabalho.
principalmente aos profissionais das equipes de saúde mental
pesquisadas, pela disponibilidade, receptividade e colaboração, tornando possível o
desenvolvimento deste trabalho.
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior –
CAPES – pela concessão de bolsa de estudos.
aos funcionários da Seção de Pós Graduação, da Biblioteca do
Campus de Botucatu (especialmente Luciana) e do Departamento de Saúde
Coletiva, sempre gentis e prestativos.
e, em especial, aos dias de sol, às noites de lua, à chuva, às cores e
odores, que enfeitam minha vida. Às músicas que ouvi e dancei, aos alimentos que
saboreei enquanto pensava ou descansava, aos autores que li, enfim... à todas as
coisas sublimes, que quase desprezadas são fundamentais para construir pessoas e
trabalhos “sérios”.
14
...cheguei a desconfiar de doutrinas e professores,
a tal ponto que lhes virei as costas.
Desde então, porém, tive numerosos mestres.
[...]
Os conhecimentos podem ser transmitidos,
mas nunca a sabedoria.
Podemos achá-la, podemos vive-la;
podemos consentir que ela nos norteie.
[...]
O oposto de cada verdade é igualmente verdade.
[...]
Tudo aquilo o que é apenas um lado das coisas,
não passa de parte,
carece de totalidade, está incompleto, não tem unidade.
Hermann Hesse
(“Sidarta” - fragmentos)
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SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Capitulo I - Breve Revisão da Trajetória da Saúde Mental no Contexto do
Sistema de Saúde Brasileiro p. 10
1) Introdução p. 11
2) A Saúde Mental na República em seu processo de Democratização p. 14
2.1) Período Colonial p. 14
2.2) Período Republicano p. 16
2.3) Período Getulista p. 19
2.4) Período Desenvolvimentista p. 21
2.5) Período da Ditadura Militar p. 23
2.6) Período da Redemocratização p. 27
3) Período da Reforma Psiquiátrica Brasileira p. 31
3.1) Reestruturação da Assistência em Saúde Mental p. 37
4) Considerações finais p. 48
5) Bibliografia p. 50
Capitulo II - Algumas Considerações Críticas sobre as Diretrizes para a
Assistência em Saúde Mental no Brasil p. 52
1) Introdução p. 53
2) Diretrizes p. 56
2.1) Organização Mundial da Saúde e Saúde Mental: recomendações p. 56
2.2) Manual de Saúde Mental p. 60
2.3) Preceitos Legais Brasileiros p. 64
2.4) Centro de Atenção Psicossocial – CAPS p. 65
2.5) Hospital-Dia p. 68
2.6) Unidade Básica, Centro de Saúde e Ambulatório p. 69
3) Considerações finais p. 70
4) Bibliografia p. 71
16
Capitulo III - Avaliação Inicial e Planejamento Terapêutico: um estudo de
práticas em serviços substitutivos de saúde mental
do município de Botucatu p. 73
1) Introdução p. 74
2) Metodologia p. 75
2.1) Metodologia de análise dos dados p. 81
3) Resultados p. 82
3.1) Categorização p. 82
3.2) Apontamentos a partir dos Mapas p. 83
3.2.1) Avaliação Inicial – Encaminhamentos p. 83
3.2.2) Procedimentos de avaliação p. 85
3.3) Planejamento Terapêutico p. 88
3.4) Implantação dos Procedimentos p. 91
4) Considerações finais p. 95
5) Bibliografia p. 98
Anexos
17
FREITAS, H. I. Estudo sobre diretrizes e práticas de atenção à saúde mental: um
enfoque nos procedimentos de avaliação inicial e planejamento terapêutico em
serviços substitutivos de Botucatu. 2006. 1v. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2006.
Resumo
O presente trabalho revê a organização do sistema de saúde brasileiro ao
longo da história, com destaque para o desenvolvimento da assistência à saúde
mental dentro deste processo. São enfocados os movimentos sociais em busca de
mudanças, como o Movimento Sanitário e a Reforma Psiquiátrica no país, assim
como as políticas públicas que marcaram significativamente a situação atual.
Além disso, apresenta questões relativas às articulações existentes na
estrutura política do país que determinaram, de acordo com o modo de produção
adotado, o olhar para a doença e para o doente, resultando que a as ações no
campo da saúde estivessem ligadas e voltadas principalmente à condição produtiva
dos indivíduos.
A seguir apresentam-se algumas considerações sobre o contexto da
assistência à saúde mental contemporânea e seu processo de transformação a partir
de análise de documentos e revisão bibliográfica não exaustiva, com a proposta de
compreender aspectos preconizados pela Organização Mundial da Saúde e
Legislação Brasileira para o cuidado em saúde mental, apontando influências
internacionais. A partir desta breve compreensão, entende-se que informações sobre
os pressupostos para o tratamento são subsídios importantes para a construção da
luta pela saúde mental e cidadania.
Considera-se neste trabalho, que a reestruturação da prática cotidiana dos
serviços de saúde mental é condição essencial para a transformação proposta para
o modelo assistencial em nosso país. O presente estudo questionou profissionais de
equipes de serviços substitutivos de saúde mental do município de Botucatu, em
relação aos sentidos atribuídos por eles aos procedimentos de avaliação inicial e
planejamento terapêutico, como constituintes do tratamento oferecido nestes
serviços. Para tanto, utilizou-se a perspectiva das práticas discursivas e produção de
sentidos no cotidiano proposta por Spink. Observou-se diferenças conceituais e
paradoxos que explicitam o período de transição pelo qual o modelo está passando.
Tais observações mostram a necessidade de transformar não apenas a norma legal,
mas também os conteúdos implícitos nas ações diárias por parte dos profissionais,
possibilitando a ressignificação das relações sociais que ali se estabelecem.
Palavras Chave: Políticas de Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, Avaliação Inicial,
Planejamento Terapêutico, Práticas Discursivas.
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FREITAS, H. I. Estudo sobre diretrizes e práticas de atenção à saúde mental: um
enfoque nos procedimentos de avaliação inicial e planejamento terapêutico em
serviços substitutivos de Botucatu. 2006. 1v. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2006.
Abstract
The present study assesses Brazilian Health System (BHS) structuring
throughout its history, highlighting mental health assistance in this processes. Social
movements have been focused, such as `Sanitary Movement` and `Psychiatry
Reform`, as well as public policy that remarkably influenced the current situation.
Moreover, matters related to existing organization in the political structure
allowed the look at the disease and the patient loading the actions in the health field
towards a productive condition of the individual.
Some considerations about the context concerning mental health
assistance and its transformation processes was presented, as follow, based on
documents assessment and bibliographic review, making efforts for understanding
the aspects stated by World Health Organization and Brazilian Health Law for mental
health care, mentioning international influences. Based on this brief review study, it
was learned that information as a background for treatment is rather important to
struggle for high quality mental health assistance and citizenship.
In the present study, it has been considered that the restructuring of ordinary
practices of mental health assistance is an essential condition for the proposed
transformation of medical aid model in Brazil. Herein, interviews with professional
from replacement mental health service teams of Botucatu town occurred, regarding
the attributed senses by them to the procedures of initial assessment and therapeutic
planning, as part of the offered treatment in the medical aid services. For this, it has
been used the perspectives of discursive practices and the sense production for the
quotidian as stated by Spink. Conceptual differences and paradoxes found explain
the transition the model has been going through. Such observations show the need
to change not only the law, but also the contents implicit in the daily activities of the
professionals, permitting a new significance of the social relationships that have been
taking place in the health system.
Key-words: Mental Health Policy, Psychiatric Reform, First Assessment,
Therapeutic Project, Discursive Practices.
19
CAPÍTULO I
Breve Revisão da Trajetória da Saúde Mental no Contexto do Sistema de
Saúde Brasileiro
...é praticamente impossível pensar na transformação
ou na necessária destruição dos aparelhos de
controle das condutas consideradas desviantes
fora de uma análise, no plano político, da
relação Estado X classes subalternas.
(COSTA E TUNDIS, 1987)
Resumo
O presente trabalho revê a organização do sistema de saúde brasileiro ao
longo da história, com destaque para o desenvolvimento da assistência à saúde
mental dentro deste processo. São enfocados os movimentos sociais em busca de
mudanças, como o Movimento Sanitário e a Reforma Psiquiátrica no país, assim
como as políticas públicas que, marcaram significativamente a situação atual.
Além disso, apresenta questões relativas às articulações existentes na
estrutura política do país que determinaram, de acordo com o modo de produção
adotado, o olhar para a doença e para o doente, resultando que a as ações no
campo da saúde estivessem ligadas e voltadas principalmente à condição produtiva
dos indivíduos.
Palavras Chave: Políticas de Saúde, Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica,
Movimentos Sociais
Abstract
The present study assesses Brazilian Health System (BHS) structuring
throughout its history, highlighting mental health assistance in this processes. Social
movements have been focused, such as `Sanitary Movement` and `Psychiatry
Reform`, as well as public policy that remarkably influenced the current situation.
Moreover, matters related to existing organization in the political structure allowed the
look at the disease and the patient loading the actions in the health field towards a
productive condition of the individual.
Key-words: Health Policy, Mental Health, Psychiatric Reform, Social Movements
20
1) Introdução
Para se pensar no processo de reformulação do modelo de assistência à
Saúde Mental em nosso país, é necessário revisitar seu contexto histórico, uma vez
que têm ocorrido mudanças significativas no Sistema de Saúde, principalmente em
relação ao desenvolvimento da Saúde Pública.
A trajetória da Saúde Pública na colônia que conquistou a democracia
segue seu curso em uma estrutura determinante que produz inúmeros conflitos,
gerando importantes acontecimentos a serem interpretados rumo a ampliação de
sua compreensão.
Dentro das considerações a respeito do caráter constituinte do Sistema de
Saúde, inclusive no Brasil, é possível observar o processo pelo qual os indivíduos
vão sendo emaranhados pela rede, muitas vezes oculta, das determinações sociais,
assim como o modo pelo qual se dá a estratificação da sociedade, produzindo
reflexos no âmbito da saúde.
Segundo Iyda (1994), a organização do Sistema de Saúde construído no
país é resultado da evolução da Saúde Pública e sua relação com o processo de
reprodução do capital, em busca de legitimação, em distintas formas de Estado e na
constituição da ordem social.
Analisar tais implicações pode nos auxiliar a encontrar o fio condutor para
compreendermos a questão da saúde mental e visualizar como o sofrimento
psíquico passa, ao longo do tempo, do horror da loucura a ser caracterizado como
doença. O que levou a diferentes formas de organização das práticas de atenção à
saúde mental. Segundo Costa e Tundis (1987), os “indivíduos incapazes de edificar
uma estrutura simbólica e realizá-la na vida social [...] para o senso comum
21
merecem desprezo, hostilidade e outras sanções sociais. `A psiquiatria caberia a
tarefa de sancionar esses delitos como doença mental” (COSTA E TUNDIS, 1987 p
10).
Tendo em vista que as práticas e representações que a sociedade elabora
em torno da loucura são de natureza histórica e transitória, faz-se necessário um
redimensionamento destas práticas, uma vez que caminham concomitantemente às
transformações políticas e sociais no contexto em que estão inseridas, nas quais
existem inúmeros e intensos pontos de intersecção.
O presente trabalho pretende dar visibilidade às relações existentes entre
a evolução da assistência à saúde mental e a evolução histórica do sistema de
saúde brasileiro.
Para a seleção dos títulos que subsidiaram esta breve revisão foi feita uma
busca, não exaustiva, em sites da internet – Google e Scielo - utilizando os
seguintes termos: saúde pública e saúde mental, sistema de saúde brasileiro e
saúde mental.
Como base para discutir o assunto utilizamos os conceitos trazidos por
Iyda (1994). Nesta obra a socióloga discorre sobre a Saúde Pública no Brasil – em
sua evolução histórica – como sendo parte constituinte na formação de um Estado,
dentro do desenvolvimento capitalista tardio e dependente, integrado com o
processo de reprodução do capital, na constituição da ordem social.
A autora afirma que cotidianamente, um sistema de normas e regras
legalmente sancionadas estrutura a saúde pública no mundo, embora a
determinação desta estrutura permaneça oculta. Chama atenção para o fato de que
22
práticas reiterativas e imediatas impregnam a consciência dos indivíduos, pré-
estabelecendo a realidade existente como natural e independente dos homens.
A respeito da relação indivíduo-trabalho enquanto determinante da
condição de integração do homem ao processo produtivo e ao sistema de saúde,
Iyda (1994) explica:
É pelas relações sociais, pelo processo e pela divisão social do
trabalho que se constrói o objeto da Saúde Pública, encoberto,
ideologicamente, pelas inúmeras designações como: coletividade,
indigência, carência, ou seja, um grupo de indivíduos que,
aparentemente, não possuem, ou aos quais falta, algum atributo
necessário àquilo que a sociedade considera fundamental à
integração social. Se esse atributo essencial, na sociedade
capitalista é o trabalho, pode-se afirmar, a princípio, que esta massa
de indivíduos, parte do coletivo, tem como característica o não
trabalho, e está impedida de ter acesso aos bens de consumo e
serviços necessários à sua sobrevivência ou de ter saúde suficiente
para integrar-se no processo produtivo e/ou distributivo (IYDA, 1994,
p 20).
Diante do exposto, gostaríamos de destacar as questões de articulação
política e econômica como determinantes do processo de organização do sistema de
saúde brasileiro, e dentro dele da atenção à saúde mental, uma vez que a partir de
um novo tipo de organização social, o capitalismo, a não condição para o trabalho
torna-se um problema social, impondo às pessoas o preço da própria existência. Em
alguns casos, como por exemplo nos acometimentos por transtornos mentais, restou
por muito tempo, apenas o isolamento, a segregação e até mesmo, a morte.
23
Esta inserção no modo de produção por meio de um emprego determinou,
em certo período, a possibilidade do direito à assistência médica, fazendo com que a
saúde se tornasse um produto com valor de troca, um benefício concedido. Alguns
grupos privados e organizações de trabalhadores unidos passaram, por categorias
profissionais, a ser incorporados pelo Estado de acordo com seu poder de barganha
e pressão (RESENDE, 1987).
2) A Saúde Mental na República em seu processo de Democratização
2.1) Período Colonial
Em uma visão histórica das Políticas de Saúde Mental no Brasil, Heitor
Resende (1987) aponta que as raízes teóricas e práticas da assistência psiquiátrica
brasileira foram para cá transplantadas, sofrendo influências dos diversos ambientes
emocionais e intelectuais prevalentes em cada período histórico, assim como de
fatores econômicos, políticos e ideológicos.
No Brasil do período pré-republicano (assim como em outros países,
durante a Antiguidade e Idade Média) os doentes mentais encontravam-se em
diversos ambientes e a loucura podia ser experimentada com certo grau de
liberdade e sofria interferências do poder público apenas em assuntos de direito. O
tratamento ocorria, no caso dos doentes mentais mais abastados, em casa,
mantendo-os sob a vigilância de uma pessoa contratada para este fim e aos pobres
permitia-se que vagassem pelos campos ou mercados das cidades, e sua
sobrevivência dependia da caridade pública (RESENDE, 1987).
Havia, entretanto, na América colonial, um sistema precursor da chamada
assistência heterofamiliar (proposta séculos mais tarde como parte do armamentário
24
terapêutico psiquiátrico científico): uma remuneração que era oferecida pelos
governos municipais para famílias de lavradores, contanto que se dispusessem a
receber loucos pobres não totalmente incapacitados para o trabalho (JOINT
COMMISSION ON MENTAL ILLNESS AND HEALTH, apud RESENDE, 1987).
Até este momento podemos observar relativa tolerância com os doentes
mentais; porém, ao se aproximar da República, quando a inaptidão para o trabalho
passa a ser um critério importante na determinação do normal e do anormal, a
sociedade pré-capitalista brasileira começa a ver estes indivíduos como um
problema social. Esta visão pode estar diretamente relacionada à interferência da
organização do trabalho nas sociedades industriais capitalistas da Europa onde,
após as transformações nos modos de produção e dispersão dos dependentes
feudais, hordas de homens desesperados, sem trabalho, tornaram-se assaltantes e
vagabundos, sendo submetidos a inúmeras medidas coercitivas e punitivas. Dentre
elas foram criadas instituições destinadas a limpar as cidades dos mendigos e anti-
sociais em geral, prover trabalho para os desocupados, punir a ociosidade e
reeducar a moralidade mediante instrução religiosa e moral. Estas instituições não
podiam ser consideradas estritamente médicas, pois nelas a principal prática
voltava-se a criar hábitos necessários ao trabalho (RESENDE, 1987).
No Brasil, o que havia no período da colonização, eram hospitais de índios
e, depois da independência, os asilos e hospitais de caridade (GARCIA, 1984). Para
atender os doentes mentais, em 1852 (período precedente à República) foi
inaugurado no estado do Rio de Janeiro, um marco institucional da assistência
psiquiátrica brasileira, o Hospício Dom Pedro II, vinculado às Santas Casas de
Misericórdia. O hospício recolhia os que por algum motivo não respondiam às
25
exigências sociais e baseava sua ação em isolamento, vigilância, punição e
repressão (RESENDE, 1987).
No inicio do século XIX, as Santas Casas de Misericórdia acolhiam os
doentes mentais, mas estes, ao invés de receberem cuidados, eram levados muitas
vezes à morte por maus-tratos, desnutrição e doenças infecciosas, problema
crescente, que ganhou um tom de ameaça à ordem e à paz social, sob apelos de
caráter humanitário e reclamações pelo livre trânsito de “doidos”. Surge nesse
momento a necessidade de tratamento adequado aos doentes mentais legitimada
pela sociedade médica (DALMOLIN, 2000).
Reproduzia-se na assistência à saúde e à saúde mental a lógica do
capital, de exclusão, praticada pelos órgãos responsáveis pela saúde pública no
Brasil, onde a não condição para o trabalho, ou para recuperar habilidades
necessárias para tal, justificava isolamento social e sub-condição de existência.
2.2) Período Republicano
Entre 1880 e 1930 a produção capitalista voltava-se prioritariamente ao
mercado externo e nos países latino-americanos havia uma adaptação dos serviços
de saúde, para atender as necessidades deste modo de produção (GARCÍA, 1984).
A partir da crise econômica cafeeira, agudizada pela primeira guerra mundial, a
pobreza passa a ser identificada como incômoda e até perigosa, e também nesta
década ocorre uma fragmentação da política social, que dirigia-se diferentemente
aos trabalhadores em geral e aos trabalhadores urbanos ativos, assim como à
organização institucional de saúde. Até 1925, predominavam hospitais de
26
isolamento e de doentes mentais, e os serviços laboratoriais visavam o controle de
doenças específicas (IYDA, 1994).
A medicina não conseguiu se esquivar das determinações gerais impostas
pelo modo de produção dominante e na passagem da manufatura para a grande
indústria, se afirmou como arma na luta contra as doenças que justificavam
quarentena e estabeleciam grande perigo para populações e comércio. Fazia frente
às chamadas doenças debilitantes, assim como tomou a seu cargo as
conseqüências produzidas pela intensificação do trabalho, em razão do aumento da
produtividade (GARCÍA, 1984).
De acordo com o autor:
Em sua nova missão, a medicina controlava a parte humana da
atividade de produção e não poderia instaurar uma nova prática
sem antes realizar uma mudança radical na conceituação de saúde
e doença. Foi assim que surgiu a interpretação da doença como
variação quantitativa de uma norma, e a saúde como algo
quantitativamente aperfeiçoável [...] o que permitiu intervir no
indivíduo para levá-lo aos níveis mais altos possíveis de
produtividade (p.17).
Tendo como pano de fundo tal poder de intervenção sobre o indivíduo, é
importante observar como a medicina estava lidando, em nosso país, com uma das
doenças incapacitantes para o trabalho: a loucura.
Segundo Dalmolin (2000), após a proclamação da República em 1889, a
administração do Hospício Dom Pedro II passou a ser pública. Houve ascensão da
classe médica ao controle das instituições, e foi criada a primeira instituição pública
de saúde estabelecida pela república, a Assistência Médico-Legal aos Alienados.
27
Nesta ocasião surgiram também as duas primeiras colônias de alienados e a
ampliação dos asilos, além da sistematização da formação profissional para a
especialidade psiquiátrica.
É relevante considerar o desenvolvimento da Saúde Pública na
organização da Assistência à Saúde Mental, pois foi o Serviço Sanitário que, no
Brasil, se encarregou de oferecer os primeiros “cuidados” aos doentes mentais. Em
relação a esta ligação podemos citar a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental
em 1923, que influenciada pela corrente alemã, pelo biologicismo, elaborava
projetos que visavam à prevenção, à eugenia e educação dos indivíduos, como
trazem Dalmolin (2000) e Devera (2005).
Neste mesmo ano, é promulgada a lei Eloy Chaves, dando início à
Previdência Social no Brasil e entre este ano e 1930 surgem as Caixas de
Aposentadorias e Pensões – CAPs, organizadas por empresas de natureza civil e
privada, cabendo ao poder público apenas a resolução de conflitos. Este período é
marcado pelo surgimento do chamado “sanitarismo campanhista” (de
responsabilidade do Departamento de Saúde Pública, criado alguns anos antes, em
1920) que se pautava por uma visão de combate às doenças de massa, com estilo
de intervenção sobre os corpos individual e social, (CUNHA & CUNHA, 2001).
Apesar da tendência higienista o período entre as décadas de 1920 e
1940, contou na área da saúde mental, com o trabalho pioneiro de Ulisses
Pernambucano, que além de apresentar uma concepção diferenciada em relação ao
sistema assistencial, propôs a humanização do mesmo, lutando contra a violência
nos hospícios e criando uma rede de serviços para melhor acolher o sofrimento
psíquico.
28
2.3) Período Getulista
Após a revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, o período de 1930
a 1935 foi marcado por uma crise, com greves e manifestações. A legislação
adotada entre 1930 e 1945 tenta, de modo geral, diferenciar as atribuições de
benefícios e serviços de saúde, que passam a partir de então a ser entendidos como
concessão. Este período é marcado por corte nas despesas com saúde e pela
criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs – que são organizados
por categorias profissionais e não mais pelas empresas, contando com
administração bastante dependente do governo federal.
As organizações políticas e sociais em todo o mundo direcionavam
transformações no sistema de saúde, e dentro dele, na assistência à Saúde Mental,
que neste momento histórico permanecia sob reclusão, em asilos e colônias
agrícolas. Estas foram incorporadas pela maioria dos estados brasileiros à rede de
ofertas de serviços como complementos a hospitais tradicionais já existentes ou
como opção única ou predominante. Propunham solucionar o problema do louco,
recuperando-o pelo trabalho agrícola, para devolvê-lo à comunidade como cidadão
útil.
Segundo Resende (1987),
... restava ao hospital agrícola ater-se à única função que já
caracterizava a assistência ao alienado, no país, desde a sua
criação; a de excluir o doente de seu convívio social e, a propósito
de lhe proporcionar espaço e liberdade, escondê-lo dos olhos da
sociedade [...] nem sempre - para não dizer raramente – tinham em
29
sua essência um objetivo ou propósito que se pudesse classificar
como clínico ou terapêutico (p.52).
De acordo com Cunha & Cunha (2001), consolidava-se um modelo de
Previdência mais voltado à acumulação de capital que a ampla prestação de
serviços, passando a se configurar como sócio do Estado nos investimentos de
interesse do governo. Em 1937, caracterizado como auge do sanitarismo
campanhista, em relação às ações de saúde coletiva, é criado o primeiro órgão de
saúde de dimensão nacional, o Departamento Nacional de Saúde que, entre 1938 e
1945, é reestruturado e dinamizado, articulando as ações sanitárias de todo o país.
Em 1942 é criado o Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, neste período há
corte nas despesas médicas, passando os serviços de saúde à categoria de
concessão do sistema.
Nos anos 50, a Organização Mundial da Saúde, por meio de resoluções
do comitê de peritos em saúde mental, recomendou às nações membros que
investissem em ações de saúde mental, usando como argumento o alto custo da
doença mental para o processo produtivo. Porém, embora os beneficiários tivessem
a assistência médica garantida, a atenção psiquiátrica só foi incorporada às demais
especialidades e adquire caráter de prática assistencial de massa após 1964. Em
alguns estados, apenas certas categorias profissionais começavam a ter direito a
internações em sanatórios particulares e com número restrito de leitos (RESENDE,
1987). Neste período de pós-guerra, a assistência à saúde mental brasileira
resumia-se quase que completamente às estruturas manicomiais. Embora nesta
época tenham surgido os primeiros neurolépticos, e também algumas tentativas de
30
reprodução de experiências de psiquiatria reformada nos EUA e Europa
(DALMOLIN, 2000).
Nosso país, na década de 1950, conheceu iniciativas que questionavam o
regime vigente de tratamento, o qual mantinha as pessoas sob reclusão e
isolamento. Porém, embora brilhantes e importantíssimas, tais iniciativas
permaneciam isoladas e ressoavam muito pouco no cenário político da época.
Dentre elas podemos destacar o trabalho realizado por Nise da Silveira, que com a
colaboração de colegas e amigos fundou em 1956, a Casa das Palmeiras, uma
clínica de reabilitação para egressos de instituições psiquiátricas, em regime de
externato, utilizando atividades artísticas como principal método de tratamento.
2.4) Período Desenvolvimentista
Em razão da crescente industrialização do país, era importante, no
período do desenvolvimentismo, atuar sobre o corpo do trabalhador, mantendo e
restaurando sua capacidade produtiva. Entre 1945 a 1966, houve um acelerado
processo de urbanização e industrialização. O governo de Juscelino acreditava que
a solução para os problemas sociais estava mais no desenvolvimento que nas
políticas sociais e na constituição de 1946, a assistência sanitária é incorporada à
Previdência Social; em 1953 é promulgado o “Regulamento Geral dos Institutos de
Aposentadoria e Pensão”, formalizando a responsabilidade dos mesmos com a
assistência médica. (CUNHA & CUNHA, 2001; MENDES, 1995).
O modelo contencionista é derrotado com a promulgação, em 1960, da Lei
Orgânica da Previdência Social – LOPS, que estendia aos segurados um plano
amplo de benefícios e serviços para além da assistência médica. Neste modelo, o
31
médico assistencial privatista, a assistência médica vincula-se à previdência social e
tem como subsistema hegemônico o setor privado contratado e conveniado. A
contribuição dos segurados é progressivamente elevada, cabendo à União, a partir
de então, apenas gastos com administração e pessoal. Porém, o modelo entra em
crise no final dos anos 70 (CUNHA & CUNHA, 2001; MENDES, 1995).
De acordo com Rosa (2003), a expansão do capitalismo, que ocorre após
a segunda guerra mundial, 1945, assinala o crescimento econômico da sociedade
burguesa e, com base nas teorias de John Keynes (EUA), surge nos países do
primeiro mundo o Welfare State, expressando idéias de “secundarização da lógica
do mercado em prol das políticas de pleno emprego e de direitos sociais, associados
às idéias de justiça social, solidariedade e universalismo” (p. 54). Além de significar
a aceitação da democracia liberal em oposição ao facismo e ao bolchevismo, para
países periféricos, como o Brasil, consolida-se o Estado de colaboração nacional,
com vistas a organizar o capitalismo, instituindo serviços sociais intermediados por
cidadania regulada e seletiva, rumo à modernização do país.
Nesta conjuntura, são apontadas algumas condições históricas que
contribuíram para o processo de reforma psiquiátrica, como: escassez de mão de
obra; guerra / recuperação das pessoas; processos de democratização; políticas
neo-liberais ligadas a programas de desospitalização; modificações demográficas;
maior integração da psiquiatria à medicina; desenvolvimento de novas teorias e
práticas terapêuticas e psicofármacos. Dessa forma, passa a ocorrer forte crítica à
estrutura asilar em busca de um redimensionamento teórico e prático da psiquiatria,
levando, na década de 1960, ao início do processo de desconstrução do aparato
32
psiquiátrico, quando emergiram reformas em diferentes contextos históricos e
sociais (ROSA, 2003).
2.5) Período da Ditadura Militar
O golpe de 1964 instala um regime autoritário, que fecha os canais de
participação dos trabalhadores e discursa a favor da racionalidade técnica e
administrativa, o que repercute também nas ações de Previdência e saúde. Estas
ações passam a se caracterizar por esgotamento de reservas e déficits
orçamentários. Cria-se um vasto aparelho institucional visando desenvolvimento e
segurança nacional, e o governo, na figura do Presidente da República, passa a
legislar por Atos Institucionais e Leis Complementares, com plenos poderes para
suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos e imobilizar partidos
políticos ou qualquer possibilidade de representação dos direitos civis. Os
movimentos sociais, em várias instâncias, foram oprimidos através de prisões,
extermínios, torturas, exílios de lideranças e desmantelamento sistemático de suas
estruturas. Foram também promovidas pelo Estado, alterações constitucionais em
leis como a Lei de Imprensa e criadas outras como a Lei Antigreve e a Lei de
Segurança Nacional. O Regime passa a considerar a sociedade perigosa, passível
de tutela e vigia do Estado (MEDEIROS E GUIMARÃES, 2002).
Ainda nessa época o Brasil sofre influência de idéias de seguridade social,
discutidas no cenário internacional, após a segunda guerra mundial. Há construção
e compra de hospitais, ambulatórios e equipamentos pelos institutos, e celebração
de convênios para prestação de assistência médico-hospitalar aos segurados. Além
disso, ocorre fusão dos IAPs, com a criação do Instituto Nacional de Previdência
33
Social – INPS em 1966, e conseqüente crescimento dos serviços médicos próprios
da previdência e dos gastos com assistência médica em geral , o que expandiu a
cobertura previdenciária para a maioria da população urbana e rural como parte do
modelo médico assistencial privatista, dentro de uma visão de caráter curativo das
práticas médicas (DALMOLIN, 2000).
O período do chamado sanitarismo desenvolvimentista teve sua
contribuição mais voltada para as discussões conceituais relacionadas à saúde.
Foram estabelecidas relações entre saúde e economia nesta época, quando podem
ser apontados dois marcos: a criação da Comissão de Planejamento e Controle das
Atividades Médico-Sanitárias, com a função de integrar as atividades ao Plano
Nacional de Desenvolvimento e a realização da III Conferência Nacional de Saúde
que, entre outras coisas, sistematizou as propostas de descentralização e
municipalização da saúde. Além disso, neste período, houve também a expansão
dos serviços privados de saúde (CUNHA & CUNHA, 2001).
No campo da Saúde Mental, o período que se seguiu ao golpe foi
marcado por um crescimento das hospitalizações e da população internada. Houve
extensão da assistência à massa de trabalhadores e seus dependentes e,
justificando-se por razões econômicas, foram contratados leitos em hospitais
privados, que se multiplicaram rapidamente para atender à demanda. No
qüinqüênio 1965/70 houve um afluxo maciço de doentes para hospitais da rede
privada, a clientela das instituições conveniadas passou de 14.000 em 1965 para
30.000 em 1970. A população internada em hospitais públicos permaneceu estável
e na empresa hospitalar no ano de 1965 foram internadas 35.000 pessoas, sendo
que no ano de 1970 o número chegou a 90.000. Tal fato pode se esclarecer quando
34
sabemos que, no Governo Costa e Silva, primeiro qüinqüênio pós-golpe, o Ministério
da Saúde foi ocupado por Leonel Tavares Miranda de Albuquerque, um dos maiores
representantes da indústria hoteleira psiquiátrica, que através do Plano Pronta Ação
privilegia a função produtiva da psiquiatria (AMARANTE, 1995b). Esta tendência
enfrentou obstáculos e resistências, e foi contraposta por intensas denúncias contra
esta indústria, vindas principalmente dos setores de representantes da área de
saúde mental do país, que definiam o sistema como dispendioso e cronificador
(RESENDE, 1987). Neste período, de acordo com Dalmolin (2000) a Previdência
Social chegou a destinar 97% de todos os recursos da saúde para as internações na
rede hospitalar.
Apesar de um discurso voltado à política de benefícios sociais, na década
de 1970, havia aumento das tensões na sociedade, e o fortalecimento de vários
movimentos sociais que vinham resistindo aos regimes autoritários e lutando por
cidadania. Estes encampavam entre outras, a luta por uma sociedade sem
manicômios.
Pode-se observar neste momento que a Psiquiatria Preventiva (estratégia
resultante de um projeto apresentado pelo presidente Kennedy, nos Estados Unidos
em 1963, que redirecionava os objetivos da psiquiatria, no sentido de reduzir a
doença mental nas comunidades), vinha se refletindo em vários países, incluindo o
Brasil. Tal projeto marcou a adoção do preventivismo, não apenas pelo Estado
americano, mas também pelas organizações sanitárias internacionais – OPAS/OMS
e, conseqüentemente pelos países do denominado Terceiro Mundo, a exemplo da
conferência de Alma-Ata, em 1978, que legitimou a proposta norte americana de
descentralização (AMARANTE, 1995a).
35
Desde a segunda guerra mundial, no ocidente, as críticas ao modelo asilar
e à instituição psiquiátrica eram crescentes e em busca de novo alicerce teórico e
institucional para o tratamento em saúde mental. Foram criadas algumas
alternativas que influenciaram as transformações em nosso país, como: Psicoterapia
institucional e a Comunidade Terapêutica – tentando superar os mecanismos
patogênicos da própria instituição; Psiquiatria de Setor – buscando ampliar a rede de
dispositivos assistenciais. (mantendo a estrutura hospitalar); Psiquiatria Preventiva –
com enfoque principal na descentralização da atenção e promoção da Saúde Mental
(BEZERRA JR. 1994).
Bezerra Jr (1994) discute que estas iniciativas debruçavam-se mais sobre
as questões de forma que de conteúdo do sistema psiquiátrico e que, a partir dos
anos 60, o foco passou a ser a essência do modelo psiquiátrico, colocando as bases
e fundações do conhecimento sob análise.
Neste período, desenvolvia-se na Inglaterra a Antipsiquiatria, que
relacionava a loucura à realidade social e, atribuindo positividade e valor social à
experiência psicótica, acreditava que a revolução só ocorreria por meio das
transformações subjetivas individuais. Na Itália, construía-se a experiência da
Psiquiatria Democrática, que assinalava a necessidade de ocorrerem intervenções
em elementos de ordem social, política e cultural, além das transformações no
sistema assistencial. Centrando a questão nas relações e no corpo social em que a
experiência de sofrimento é vivida - não na doença e no doente - considerava a
oportunidade de atuação no nível da micropolítica, levantava bandeiras de lutas
políticas e promovia discussões teóricas. Criticava a medicalização da loucura e a
psiquiatrização do sofrimento. Levantava idéias de caráter intencionalmente político-
36
ideológico e formulou um projeto de desalienação da psiquiatria, inscrevendo
definitivamente a experiência subjetiva da dor psíquica no conjunto de
determinações que a existência social impõe ao sujeito (BEZERRA JR, 1994;
AMARANTE, 1995a).
Os acontecimentos internacionais influenciaram significativamente as lutas
por mudanças na estruturação do sistema de assistência à saúde mental no Brasil.
A segunda metade da década de 1970 foi determinante para a chamada reforma
psiquiátrica brasileira. Discutia-se o saber psiquiátrico, o direito de participação
social de portadores de transtornos mentais e formas de tratamento, além de
questões a respeito do papel das políticas públicas e do envolvimento de toda a
população.
2.6) Período da Redemocratização
Desde a criação do INPS foi implementada no país uma política de saúde
que levou ao desenvolvimento do complexo médico-industrial, dando prioridade à
terceirização de serviços e colocando em desvantagem os serviços próprios. De
1969 a 1975, as despesas do INPS com essa prática totalizaram 90% e, em 1976,
os gastos com saúde chegam a representar mais de 30% dos gastos totais. A
ênfase era dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento
das ações de saúde pública, de caráter preventivo e interesse coletivo. A partir de
convênios entre o INPS e empresas foi criada a medicina de grupo, ou seja, ficava
para as empresas a responsabilidade pela atenção médica de seus empregados
(CUNHA & CUNHA, 2001).
37
O país encontrava-se imerso em precárias condições de Saúde Pública,
pois as políticas de saúde possuíam caráter médico-hospitalar, o que trazia prejuízos
às ações médico-sanitárias, surgindo neste momento o Movimento Sanitário, cuja
principal bandeira de luta era a “Democratização da Saúde”.
Nos primeiros anos da década de 1970 surgiram novas propostas e ações,
oriundas tanto do Ministério da Saúde, como das Secretarias Estaduais de Saúde e
do Próprio INPS. O sistema acolhia as denúncias de seus críticos, o que sugere que
os interesses de ambos nesta fase não eram antagônicos. Além disso, muitos dos
críticos do sistema de livre empresa em saúde foram incorporados à administração
do INPS, Secretarias de Saúde e Ministério da Saúde. Vale lembrar que o ano de
1968 foi marcado por grande aquecimento da economia, com as taxas de Produto
Nacional Bruto - PNB em ascendência e redução da ociosidade da indústria, levando
em 1973, ao surgimento de um cenário no qual havia escassez de mão de obra,
inclusive de baixa qualificação (RESENDE, 1987).
Havia no campo da Saúde Mental, dentro do Ministério da Saúde, o
Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), que na primeira metade da década
de 70 transformou-se em Divisão Nacional de Saúde Mental – Dinsam. Este órgão
era responsável pela formulação de políticas de saúde do subsetor Saúde Mental, e
organizado em quatro unidades, no Rio de Janeiro. Sua criação redesenhou a
assistência psiquiátrica para os previdenciários e toda a população (DALMOLIN,
2000; AMARANTE, 1995a).
O Movimento Sanitário organizou-se em meados da década de 1970, a
partir da Universidade. Nos departamentos de Medicina Preventiva. Trabalhava
fundamentalmente com o método histórico-estrutural no campo da saúde, a fim de
38
compreender o processo de determinação social da doença e o da organização
social da prática médica. E além desta compreensão pretendia-se produzir práticas
alternativas ao modelo dominante, que se mostrava individualista e altamente
especializado, buscando novas práticas políticas e difusão de consciência sanitária
(YASUI, 1999).
Foram incorporadas ao movimento, na segunda metade dos anos 70,
organizações sociais médicas, que imprimiram dimensão política às reivindicações
por transformação do sistema de saúde, visando difundir uma nova consciência
sanitária bem como organizar e direcionar as diferentes manifestações de oposição
à política de saúde. Assim, nasce em 1976 o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
– CEBES - como instrumento de uma nova proposta para a organização do sistema
de saúde, inserido na luta pela democratização do país e articulando a rede de
relações, que envolvia intelectuais, setores da burocracia, lideranças populares e
sindicais e profissionais da saúde (YASUI, 1999).
O Movimento Sanitário, herdeiro de uma política de saúde extremamente
interventiva, individualizada e alienadora de seus processos,
Ainda que sem um apoio consistente dos usuários, [...] seguiu
uma estratégia de politizar as discussões sobre saúde, ocupar
espaços públicos e de organizar uma coalisão de forças da
oposição em torno de um projeto técnico e político de reforma do
sistema de saúde, contendo diretrizes e princípios para a
organização de um sistema público, universal e integral de atenção
à saúde, que foi sendo construído ao longo dos anos de forma cada
vez mais detalhada e abrangente (YASUI, 1999, p.23).
39
O Movimento, que em 1979 é estendido ao território nacional, amplia a
rede ambulatorial pública e constitui o movimento caracterizado como contra-
hegemônico, resultando no projeto de Reforma Sanitária brasileira nos anos 80,
quando os movimentos de trabalhadores de saúde estavam a todo vapor. Além do
CEBES há a criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
– ABRASCO e um crescente movimento pela municipalização da saúde (CUNHA &
CUNHA, 2001).
O CEBES e a ABRASCO, por meio de publicações, debates, simpósios e
outras atividades, tiveram um papel fundamental na sistematização de uma proposta
alternativa ao modelo médico-assistencial privatista (MENDES, 1995).
No final deste período, segundo diretrizes da IV Conferência Nacional de
Saúde, o Ministério da Saúde lançou o Plano Integrado de Saúde Mental, a fim de
qualificar médicos generalistas e auxiliares de saúde para atenderem distúrbios
psiquiátricos em nível primário, gerando resultados pouco significativos e até mesmo
produziu novas demandas (DALMOLIN, 2000).
A Reforma Sanitária, iniciada na década de 1980, constitui-se de um
conjunto de propostas políticas e técnicas, apresentando como princípio
constitucional a Saúde como direito de todos e dever do Estado. Houve portanto a
necessidade de transformação da norma legal no sentido de responsabilizar o
Estado pela proteção à saúde dos cidadãos e, materialmente, a necessidade da
criação de um sistema único em busca do direito universal à saúde (YASUI, 1999).
De acordo com Escorel (1995),
...o objetivo último e principal da Reforma Sanitária reside na
mudança substancial e substantiva das condições de saúde da
40
população (no nosso caso, brasileira), uma vez que essas
transformações permitirão o exercício da liberdade de poder mudar
a sociedade como um todo (p. 184).
Em relação à Reforma Sanitária a autora destaca que a luta pela
transformação da situação de saúde da população brasileira não é apenas uma luta
específica, mas sim parte da luta pela transformação de toda a sociedade brasileira.
Por ser a saúde, assim como outros direitos sociais, um elemento potencialmente
revolucionário.
Nesta conjuntura, dentre as intensas lutas travadas por melhores
condições de assistência à saúde, ganha força a questão da saúde mental e a
criação de estratégias para viabilizar a chamada Reforma Psiquiátrica brasileira.
3) Período da Reforma Psiquiátrica Brasileira
Em meio à falta de recursos das instituições psiquiátricas e,
conseqüentemente, às péssimas condições de atendimento e trabalho nestas
estruturas, ocorre no final da década de 1970 a crise da Dinsam, quando foi
deflagrada uma greve, em 1978, após a demissão de 260 estagiários e profissionais.
Durante a crise nasce o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental – MTSM, o
qual reuniu técnicos de diferentes categorias profissionais que se mobilizaram a fim
de denunciar a precariedade na qual trabalhavam e questionar o modelo assistencial
vigente na Saúde Mental. Este movimento impulsionou um olhar crítico sobre o
saber psiquiátrico e discussões políticas fundamentais no processo de reforma
psiquiátrica que viria a seguir (DALMOLIN, 2000; AMARANTE, 1995a).
Além dos acontecimentos descritos acima, outros eventos influenciaram
fundamentalmente o processo de reforma psiquiátrica brasileira, como a experiência
41
da Psiquiatria Comunitária norte americana e da Psiquiatria Democrática que vinha
ocorrendo na Itália, desdobrando-se em outros países. A ‘Rede de Alternativas à
Psiquiatria’, criada em Bruxelas no ano de 1975, foi fruto da articulação entre
produção teórica e ação política, alcançando repercussão internacional, inclusive no
Brasil.
Em 1978, foi realizado em Camboriú o V Congresso Brasileiro de
Psiquiatria, conhecido como “congresso da abertura” pois, pela primeira vez, os
movimentos de saúde mental participaram de um encontro dos setores considerados
conservadores. Foi estabelecida uma frente ampla, que deu caráter de discussão e
organização político-ideológica ao congresso, não apenas relativamente às políticas
de saúde mental, mas também tecendo criticas ao regime político nacional, uma vez
que a crise do setor era vista como reflexo da situação política geral do Brasil.
Ganhando um caráter democratizante, o congresso assume desde questões
relativas às mudanças hospitalares até as ligadas a atos arbitrários que envolvem
algumas categorias profissionais. E em meio a denúncias da situação de
mercantilização da saúde, percebe-se a “realização da abordagem psiquiátrica como
prática de controle e reprodução das desigualdades sociais” (AMARANTE, 1995,
p.54).
Ainda em 1978, o Brasil recebe através do I Congresso Brasileiro de
Psicanálise de Grupos e Instituições, os principais mentores da Rede de Alternativas
à Psiquiatria, do movimento Psiquiatria Democrática Italiana e Antipsiquiatria, ou
seja, das correntes de pensamento crítico em saúde mental, entre eles: Franco
Basaglia, Félix Guatarri, Robert Castel e Erving Goffman. Aproveitando a vinda dos
conferencistas, muitos outros debates ocorrem no país após este congresso,
42
Basaglia profere outras conferências e passa a influenciar fundamentalmente o
pensamento crítico do MTSM (AMARANTE, 1995a).
Em 1979 acontece o I Congresso Brasileiro de Trabalhadores em Saúde
Mental, no Instituto Sedes Sapientiae – S.P., no qual é fortalecida a idéia de que a
luta pela reestruturação do sistema de atenção à Saúde Mental “está vinculada à
luta dos demais setores sociais em busca da democracia plena e de uma
organização mais justa da sociedade pelo fortalecimento dos sindicatos e demais
associações representativas articuladas com os movimentos sociais” (p.55). Entre as
moções aprovadas, havia reivindicações trabalhistas e repúdio à manipulação da
instituição psiquiátrica como instrumento de repressão (MTSM, 1979 apud
AMARANTE, 1995a).
Ainda em 1979, acontece em Belo Horizonte o III Congresso Mineiro de
Psiquiatria, com presenças importantes como: Franco Basaglia, Antonio Slavich e
Robert Castel, além da participação do MTSM que tinha por características
principais: ser um movimento não institucionalizado, como estratégia proposital,
visando a manutenção da autonomia, sua multiplicidade e pluralidade; composto
internamente por profissionais de todas as categorias assim como simpatizantes não
técnicos da saúde; ter participação popular, não sendo identificado como um
movimento ou entidade de saúde, mas sim pela luta popular no campo da saúde
mental; ter dado origem a outros movimentos e entidades como a Articulação
Nacional de Luta Antimanicomial, que surgiu alguns anos depois como mais uma de
suas expressões; ocupar espaços em instâncias consultivas e decisórias dos
governos, federal, estaduais e municipais, em busca de influenciar a formulação das
políticas de saúde do país. (AMARANTE, 1995a).
43
No Congresso, avançam as discussões sobre a realidade assistencial, os
planos de reformulação propostos pelo INAMPS e de trabalhos alternativos,
propostos por grupos de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Porém,
são debatidos lado a lado temas clássicos e de enfoque social (AMARANTE, 1995a).
De acordo com Vasconcelos (1999), a década de 1970 foi marcada pela
insatisfação política da população e pela piora dos indicadores de saúde. Enquanto
isso a economia crescia e denunciava aprofundamento da desigualdade social.
O governo militar, politicamente ameaçado, passa então a buscar
alternativas ao modelo de saúde vigente, baseado no atendimento em hospitais
privados e financiado pela previdência pública: “assim, no final da década de 70,
diferentes propostas de reorganização do sistema de saúde brasileiro são trazidas
para o debate público” (VASCONCELOS, 1999 p.15).
A década de 1980 ficou conhecida como a década perdida, pois o país
passou por inúmeras dificuldades no campo de financiamento do setor público. O
Estado adotou medidas racionalizadoras para com o setor privado e os gastos com a
assistência médica, a fim de reorganizar o setor público para que passasse a ocupar
uma parcela da assistência que até o momento era destinada ao setor privado.
Ocorre então a chamada Co-Gestão, quando foi feito um convênio do Ministério da
Saúde – MS com o Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, de forma
que a Previdência Social colaborava no custeio, planejamento e avaliação das
unidades hospitalares do Ministério da Saúde. Este é o momento em que os setores
críticos da saúde mental passam a ser incorporados ao Estado (DALMOLIN, 2000 E
AMARANTE, 1995a).
44
Segundo Cunha & Cunha (2001), nesta década houve a “eclosão da crise
estrutural e consolidação das propostas reformadoras” (p.295), pois o país passava
por uma grande crise fiscal e inflacionária, ao mesmo tempo em que cresciam os
movimentos de oposição e o regime se dividia internamente. Era necessário
reestruturar e ampliar os serviços de saúde, inclusive no sentido de implantar
estratégias que levassem a atingir a meta “Saúde para todos no ano 2000”
(universalização), que foi a diretriz guia da Conferência do Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF e da Organização Mundial da Saúde – OMS sobre
atenção primária à saúde, realizada em Alma-Ata, URSS, no ano de 1978. Nesta, os
países participantes, dentre eles o Brasil, reconheceram como pontos principais para
a conquista da meta, a atenção primária e a participação comunitária. A conferência
foi um marco político dessa tendência (VASCONCELOS, 1999).
No ano de 1980, no campo da Saúde Mental foi realizado, no Rio de
Janeiro, o I Encontro Regional dos Trabalhadores de Saúde Mental, trazendo
discussões sobre, problemas sociais, política nacional, alternativas para
profissionais, condições de trabalho da área de saúde mental, bem como a
privatização da medicina, a realidade político social da população brasileira e as
denúncias de ‘barbaridades’ ocorridas nas instituições psiquiátricas. Em Salvador,
ocorreram no mesmo ano, paralelamente, o VI Congresso Brasileiro de Psiquiatria e
o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, momento em que a
Associação Brasileira de Psiquiatria e o MTSM experimentam um distanciamento por
ter sido a postura do MTSM considerada politizada, radical e crítica em sua trajetória
(AMARANTE, 1995a).
45
Em meio à crise político-institucional do país, foi criado, em 1981, o
Conselho Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária - CONASP, com o
intuito de “estudar e propor normas mais adequadas para a prestação de assistência
à saúde da população previdenciária” (DALMOLIN, 2000 pp.53-54), visando reduzir
gastos principalmente em atenção hospitalar (internações e tempo de
hospitalização). O plano ainda propunha regionalização, hierarquização e integração
dos serviços de saúde.
Dentro das propostas do CONASP foi criado o programa das Ações
Integradas de Saúde – AIS, como estratégia setorial para a reforma da política de
saúde que mais tarde se consolidaria no Sistema Unificado de Saúde.
Após a instalação da Nova República, a proposta das AIS é fortalecida e o
programa leva, para órgãos governamentais de saúde como o MS, MPAS e Inamps,
profissionais que vinham do Movimento Sanitário e com isso o projeto de reforma
sanitária é estendido para o nível institucional, o que permitiu o inicio de um
planejamento descentralizado e integrado.
No ano de 1986, em Brasília, ocorre a VIII Conferência Nacional de Saúde
- CNS, com participação ampla da sociedade civil, constituindo-se num marco para
as mudanças no setor saúde, apontando diretrizes que mais tarde, em 1988, seriam
incorporadas à Constituição Federal, para aprovação e criação do Sistema Único de
Saúde – SUS (DALMOLIN, 2000). O documento sistematizado incluía na definição
de saúde questões acerca de alimentação, educação, renda, habitação, meio
ambiente, transporte, trabalho, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a
serviços de saúde, assim como as formas de organização social com interferências
diretas no processo de saúde-doença. Ao mesmo tempo em que eram elaboradas
46
mudanças no setor saúde, conformava-se outro modelo: o chamado modelo neo-
liberal (CUNHA & CUNHA, 2001).
Porém, havia dificuldades entre o MS e o MPAS. As AIS não conseguiam
superar o caráter de política social compensatória, nem construir mudanças no
Sistema Nacional de Saúde. Em 1987, durante o processo de elaboração da
constituição federal, um decreto substituiu as AIS pelo Sistema Unificado
Descentralizado de Saúde - SUDS, indicando que os serviços do INAMPS fossem
transferidos para estados e municípios – estadualização dos serviços.
A década de 1980 pautou-se pela hegemonia do projeto neo-liberal e
definiu um sistema de atenção à saúde prioritariamente hospitalocentrico, no qual
prevalecia a compreensão reducionista da atenção primária, onde funções no campo
social, que eram assumidas pelo Estado, são devolvidas para o indivíduo,
principalmente através dos programas de medicina simplificada ou estratégias de
sobrevivência de grupos de risco. Porém, desenvolveu-se nesta época um
movimento contra-hegemônico, o Movimento Sanitário, conformando-se mais tarde,
como a Reforma Sanitária brasileira (MENDES, 1995).
3.1) Reestruturação da Assistência em Saúde Mental
Neste contexto, o MTSM crescia dentro do Movimento Sanitário,
discutindo a reestruturação da assistência psiquiátrica e o que deveria ser feito para
alcançar a superação do modelo hospitalocêntrico. Pois desde 1985, uma parte
significativa dos postos de chefia de programas estaduais e municipais da saúde
mental, assim como a direção de importantes unidades hospitalares públicas estava
sob a condução de fundadores e ativistas do MTSM (AMARANTE, 1995a).
47
Outro acontecimento importante no âmbito da saúde mental foi, no ano de
1987, a realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental - CNSM, convocada
pelo Ministério da Saúde sob pressão do MTSM. O relatório final da conferência
enfocou, entre outros pontos, questões acerca da “cidadania e doença mental em
termos de direitos, deveres e legislação, reafirmando os princípios de reverter a
tendência hospitalocêntrica e dando prioridade aos serviços comunitários”
(DEVERA, 2005 p.63). Além disso, também neste ano houve o II Congresso
Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru - SP agregando ao
movimento usuários e familiares, constituindo-se um Movimento Social na luta “por
uma sociedade sem manicômios”, contra a exclusão e descriminação. O congresso
encerrou-se com uma passeata pelas ruas da cidade e desde então, o dia 18 de
maio é comemorado em diversos lugares do país como “Dia Nacional da Luta
Antimanicomial” (YASUI, 1999).
O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental era inspirado
teoricamente, neste momento, pelos italianos Franco Basaglia e Franco Rotelli, e
tomava como base para as propostas de reorganização da assistência à saúde
mental o conceito de desinstitucionalização, proposto por Rotelli. Em diferentes
municípios e estados havia iniciativas que se propunham a substituir o modelo
hospitalocêntrico/manicomial, ao mesmo tempo em que surgiu o projeto de lei do
deputado Paulo Delgado, em 1989, que objetivava “a extinção progressiva dos
hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros recursos assistenciais, bem
como a regularização da internação compulsória” (DALMOLIN, 2000 p.54). Porém
este projeto de lei, apesar de ter sido rapidamente aprovado pela Câmara de
48
Deputados, permaneceu por mais de uma década no Senado, mas ainda assim foi
base para outros projetos de lei em todo o país.
Durante a década de 1980 arrastaram-se propostas para inovação dos
modelos de organização do setor saúde, buscando a expansão do modelo de
atenção primária. As tendências apontavam por um lado para a proposta do médico
de família, inspirada por experiências cubanas, e por outro para as alternativas de
saúde comunitária gestadas nas décadas de 1970 e 1980, principalmente junto à
ação pastoral da igreja católica em estreita relação com os movimentos sociais
emergentes, baseadas no trabalho de equipe e na relação educativa com a
população. No início da década também foram criados cursos e especialidades
médicas na área de medicina geral comunitária, aglutinando profissionais
provenientes das experiências alternativas de saúde comunitária (VASCONCELOS,
1999).
Segundo Cunha & Cunha (2001), como resultante de embates
relacionados à saúde na Assembléia Nacional Constituinte, foi aprovada em 1988 a
criação do Sistema Único de Saúde – SUS, “reconhecendo a saúde como um direito
a ser assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade,
equidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e
com participação da população” (p. 298).
Na opinião dos autores acima, era necessário, de acordo com o SUS,
enfrentar a situação historicamente construída da saúde, vista restritivamente como
ausência de doenças e que deixou um legado não só das próprias doenças, mas
também de desigualdades, insatisfação dos usuários, exclusão, baixa qualidade e
falta de comprometimento profissional. Em busca de transformar a concepção de
49
saúde, de serviço de saúde e, até mesmo de sociedade e conceber a atenção à
saúde como um projeto que iguala saúde com condições de vida. A fim de manejar
princípios através dos quais “o direito à saúde se confunde com o direito à vida”
(CUNHA & CUNHA, 2001, p. 298).
Em 1989, concluiu-se o processo de redemocratização, com a eleição
direta para Presidente da República de Fernando Collor de Melo.
Na década de 1990, após a criação do SUS, houve uma revalorização do
tema família no setor saúde e neste contexto ocorreram transformações em toda a
constituição do sistema. Até este momento havia sido implantado o programa
médico da família (pontualmente, em alguns municípios) e expandia-se também o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Mas em busca de superação do
modelo médico tradicional, em 1993, o Ministério da Saúde, após reunião com
coordenadores de experiências da atenção primária à saúde, discutiu um projeto
nacional de reorientação dos serviços básicos de saúde, sendo lançado o Programa
Saúde da Família, que visava deslocar o eixo de preocupação centrada na figura do
médico (como ocorria no programa Médico da Família) para uma preocupação com
toda a equipe de saúde, num modelo de atuação em nível local que buscava
influenciar todo o sistema de saúde (VASCONCELOS, 1999).
No campo da saúde mental, na mesma década, pôde-se observar
intensas mudanças. Foram realizadas iniciativas no sentido de transformar não só as
instituições/serviços e ações relativas à assistência como também, diretrizes
políticas que apontavam para a transformação da mentalidade da sociedade a
respeito do doente mental e as possibilidades de tratamento do mesmo.
50
Como uma das iniciativas mais importantes que ocorreram neste período
pode-se destacar a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência
Psiquiátrica na América Latina, em Caracas, realizada pela OPAS/OMS, no ano de
1990. Tal conferência resultou na Declaração de Caracas, a qual declara que a
assistência deverá estar ligada ao atendimento primário de saúde, reconhecendo
ineficácia e ineficiência na assistência psiquiátrica, além de propor uma revisão em
relação ao papel da instituição psiquiátrica, visando salvaguardar a dignidade
pessoal, os direitos humanos e civis das pessoas, entre muitas outras atribuições
(TRANCAR NÃO É TRATAR,1997). Ainda em 1991, de acordo com Dalmolim
(2000), foram definidos, após declaração da ONU, princípios para Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à
Saúde Mental, o que viabilizou a reestruturação dos serviços de saúde mental em
diversos níveis de complexidade por meio de portarias, através da Coordenação de
Saúde Mental – Ministério da Saúde, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo
SUS.
No ano de 1992, ocorreu a II Conferência Nacional de Saúde Mental, na
qual foram discutidos temas referentes ao modelo de atenção e aos direitos de
cidadania da pessoa portadora de sofrimento psíquico, além da importância de se
constituir uma rede de atenção integral à saúde, envolvendo recursos formais e
informais, transformando as práticas dos trabalhadores de saúde mental, em busca
da desinstitucionalização e da participação efetiva das pessoas nas questões que
lhes digam respeito. Houve preocupação com os órgãos formadores, como as
universidades, no sentido de recomendar que fossem promovidas mudanças
profundas, em relação à introdução de temas de saúde mental sob a ótica da saúde
51
coletiva nos diversos cursos e âmbitos de formação, como a pesquisa e a extensão.
Em relação à assistência, o Ministério da Saúde estabeleceu o limite de 0,5 leito
psiquiátrico por mil habitantes e tempo médio de internação de 30 dias (DALMOLIN,
2000).
Durante este período havia um processo de implantação de novos
serviços em diversos lugares do país apoiado por portarias ministeriais e
mobilização de associações de usuários em todo o território nacional, o que
configurou mudanças em diversos âmbitos como assistencial, jurídico, institucional e
cultural. O Movimento da Reforma Psiquiátrica ganhava espaço dentro do aparelho
estatal sem se afastar de suas origens (YASUI, 1999).
Ainda em 1992 foram estabelecidas, através da portaria n° 224,
importantes diretrizes para orientar a assistência à saúde mental no país. A portaria
previa organização dos serviços baseada nos princípios do SUS com vistas a atingir
os vários níveis de complexidade, contando com equipes multiprofissionais e
também com a participação social para a formulação e execução de políticas de
saúde mental. Para tanto estabelecia que a assistência deveria ser prestada nos
âmbitos ambulatorial, por meio de unidades básicas, centros de saúde,
ambulatórios, núcleos/centros de atenção psicossocial - NAPS/CAPS; e hospitalar,
através de hospitais-dia, serviços de urgência psiquiátrica em hospitais gerais, leitos
ou unidades psiquiátricas em hospitais gerais e hospitais especializados em
psiquiatria.
Tendo em vista a necessidade de humanização da assistência, bem como
a preservação dos direitos de cidadania dos pacientes internados, é ressaltada a
proibição de espaços restritivos (celas fortes), a importância de garantia da
52
privacidade em relação às correspondências dos pacientes e de registro adequado
de procedimentos realizados. Esta portaria marca um avanço legal na consolidação
da reforma psiquiátrica (TRANCAR NÃO É TRATAR, 1997).
Enquanto isso, em setembro de 1993, aconteceu o I Encontro Nacional da
Luta Antimanicomial, em Salvador, no qual o tema principal era ‘O Movimento
Antimanicomial, Enquanto um Movimento Social’, retornando a uma característica do
Movimento da Reforma Psiquiátrica no final dos anos 70, privilegiando a cena social
(YASUI, 1999).
Na opinião de Yasui (1999), há um reflexo dos pensamentos do
Movimento da Luta Antimanicomial - MLA no relatório dos temas do encontro, pois
este conclui que a situação social, política e econômica do país são produtoras de
sofrimento, inclusive o psíquico e, portanto as ações em saúde mental devem
possuir caráter político, propiciando a construção da atenção em nível integral, num
processo coletivo que contemple a cultura, a interdisciplinaridade, os movimentos
populares, sindicais, comunitários e legislativos; ter a rua como espaço de troca com
a sociedade visando seu compromisso e envolvimento; apontar a via legal como
instrumento de luta, segundo a análise de que no Brasil as políticas sociais estão em
segundo plano, quando o que domina são as políticas públicas no contexto do neo-
liberalismo, em busca de relações de mercado e reprodução do capital.
Pode-se considerar como mais uma marca do caráter social desta luta a
realização em Dezembro de 1993, na cidade de Santos, SP o III Encontro Nacional
de Entidades de Usuários, Familiares da Luta Antimanicomial, seguindo o 1
O
.
realizado em 1991 em São Paulo e o 2
O
. realizado no Rio de Janeiro em 1992. O 3
o
.
encontro produziu a ‘Carta de direitos dos Usuários Trabalhadores e Familiares de
53
Serviços de Saúde Mental’, documento marcante e de suma importância, pois foi
elaborada a partir de discussões entre familiares e usuários. E nas palavras de Yasui
(1999, p160), “o louco, destituído de sua condição de cidadão, afirma-se como
sujeito de seu tempo e escreve, literal e simbolicamente, uma página de sua
história”.
Em relação às políticas públicas de saúde mental, em 1994, o Poder
Executivo criou, de acordo com as diretrizes da II Conferência Nacional de Saúde
Mental, a Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica, da qual participavam diversas
instâncias de envolvidos com esta problemática, de usuários a gestores de saúde. O
que resultou na constituição, no mesmo ano, pelo Ministério da Saúde, de um
subsistema de supervisão, controle e avaliação da assistência em saúde mental,
para atuar nos estabelecimentos prestadores de serviço do SUS no sentido de
garantir a correta aplicação das normas em vigor. O que já vinha ocorrendo através
dos Grupos de Acompanhamento e Avaliação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar
– GAPH desde 1993. A gestão do Ministério da Saúde 1994-1998 elabora
estratégias e diretrizes que apontam para o aprofundamento da Reforma Psiquiátrica
brasileira, através da Coordenação de Saúde Mental – COSAM, dirigindo-se em
linhas gerais para a substituição progressiva do modelo hospitalocêntrico e para a
revisão jurídico-legal dos direitos civis e de cidadania dos portadores de transtornos
mentais (DALMOLIN, 2000).
Pode-se observar na década de 1990 uma grande movimentação em
direção à transformação do modelo assistencial psiquiátrico. Após o I Encontro
Nacional da Luta Antimanicomial – ENLA em 1993, ocorreu em 1995, na cidade de
Belo Horizonte, o II ENLA congregou mais de 1000 participantes entre
54
trabalhadores, usuários e familiares, discutindo questões acerca da organização do
movimento; da exclusão cultural, assistencial, trabalhista, jurídica; do caráter
autônomo do movimento; da necessidade de atuação junto à formação profissional
visando a construção de práticas efetivamente antimanicomiais, de acordo com os
princípios do SUS e maior participação nas instâncias de planejamento das políticas
sociais.
Em 1997, Porto Alegre, acontece o III ENLA, marcando organização e
crescimento do movimento (YASUI, 1999). O IV ENLA ocorreu em 1999 em Alagoas,
seguido pelo V ENLA, que avançando ao século XXI, discute, em 2001 no Rio de
Janeiro as posições e objetivos do movimento.
Com um ano de atraso, é realizado em São Paulo, 2005, o VI ENLA, que
reuniu cerca de 500 participantes, de 15 estados, em número equilibrado de
profissionais, usuários e familiares, integrando ao movimento também os estudantes.
No ultimo ENLA, foram discutidas questões sobre a autonomia do movimento, do
fortalecimento de seus ideais e da revisão de suas práticas atuais.
Além destes, foram realizados ao longo deste período, encontros
nacionais, estaduais, regionais, locais de usuários, familiares, trabalhadores,
entidades, em diferentes pontos do país, mantendo o movimento antimanicomial na
luta pela reestruturação da assistência e pela conquista da cidadania em todo o
país. O movimento antimanicomial é social e de caráter popular e interessa-se em
agregar toda à sociedade à discussão sobre a saúde mental e os conceitos
referentes à mesma, aliando-se à outras áreas para construir estratégias de ação
inclusive no âmbito jurídico e político, além de enfocar a formação desde os
estudantes aos profissionais já integrados nos serviços.
55
A questão da superação do modelo manicomial da assistência à saúde
mental ganha visibilidade e repercussão em 2001, momento da III Conferência
Nacional de Saúde Mental no Brasil. A Organização Mundial da Saúde - OMS
discutiu e elaborou um importante relatório sobre uma relevante questão no campo
da Saúde Pública, a Saúde Mental. No Relatório Sobre a Saúde no Mundo-Saúde
Mental: Nova Concepção, Nova Esperança – são abordadas inúmeras questões
referentes à problemática da Saúde Mental em todo o mundo.
Entre as questões levantadas, o relatório declara que a Saúde Mental é
essencial para o bem estar geral das pessoas, das sociedades e dos países,
renovando a ênfase aos princípios da Organização das Nações Unidas - ONU sobre
os direitos dos Doentes Mentais, proteção e assistência (que em 2001 comemorou
seu 10
o
aniversário). Traz também considerações acerca do estigma e da
discriminação; dos fatores sociais envolvidos; das ações práticas de tratamento,
recomendando formas menos restritivas ou intrusivas; das enfermidades e também
estimativas de acometimento por Doença Mental em todo o mundo. O documento
traz como base para estas considerações: a multifatorialidade da doença mental e
sua indissociabilidade da saúde física. E adota neste mesmo ano, para o Dia
Mundial da Saúde, o slogan: ‘Cuidar Sim. Excluir Não’ (OMS, 2001).
Em 2004 foi realizado o I Congresso Brasileiro de Centros de Atenção
Psicossocial - CAPS, em São Paulo, no qual de acordo com Devera (2005) foi
divulgada a extinção da Coordenadoria Estadual de Saúde Mental e
conseqüentemente do Colegiado Estadual de Saúde Mental, o que foi percebido
pelos articuladores estaduais e municipais presentes no evento como um retrocesso
56
para a continuidade da articulação das ações políticas e gerenciais principalmente
no interior do estado.
Em relação aos atos normativos, houve conquistas importantes desde a
dácada de 1990, como em 1993, a formação de vários núcleos nos estados e
aprovação da lei estadual de Reforma Psiquiátrica do RS. Em 1994, a aprovação de
leis estaduais de Reforma Psiquiátrica de PE, CE, DF e RN, um anteprojeto do RJ e
6 projetos em tramitação (MS, GO, SC, MG, PR E SP). Em 1995, a aprovação das
Leis de Reforma dos Estados de Minas Gerais e São Paulo e de outros municípios
brasileiros, alem de apresentar anteprojetos de lei, e discutir, através da Comissão
Nacional de Reforma Psiquiátrica o Programa de Apoio e Desospitalização (PAD).
No ano de 2001, embora tendo sofrido modificações, é aprovada, no
Brasil, a Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Em 2003, a Lei nº 10.708 cria o Programa De Volta para Casa e institui o
auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais
egressos de internações;
Em 2005, o Ministro da Saúde, Humberto Costa publica a PORTARIA Nº
1.169 que destina incentivo financeiro para municípios que desenvolvam projetos de
Inclusão Social pelo Trabalho, voltados a pessoas portadoras de transtornos mentais
e/ou de transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Tal portaria vem reafirmar, ainda hoje, a valorização das condições de
trabalho como fator decisivo à inclusão dos indivíduos em sociedade. O que mostra
a importância do modo de produção adotado, como determinante das políticas
públicas, inclusive no âmbito da saúde.
57
4) Considerações finais
É necessário refletirmos e considerarmos o peso do interesse econômico
existente em ações políticas na área da saúde.
Após um longo período, em que estas eram direcionadas e concedidas
aos indivíduos de acordo com a produtividade no trabalho e do controle de doenças
de massa incapacitantes para tal, passa a ser reconhecida, na década de 1950, pela
Organização Mundial da Saúde, a necessidade de se investir em cuidados também
a portadores de transtornos mentais, que há muito estavam isolados do esquema
produtivo.
O discurso, produzido durante a expansão do capitalismo, volta-se ao alto
custo do tipo de assistência à saúde mental prestada até então, para o processo
produtivo dos países, visando seu desenvolvimento exatamente no período do pós-
guerra e da difusão de políticas neo-liberais. Porém este direito só é concedido, a
beneficiários, na próxima década.
Outra consideração importante deve ser feita acerca da indústria da
loucura, na década de 1960, quando um vasto aparelho institucional é criado e o
aparato psiquiátrico torna-se um grande negócio para empresas privadas e alguns
governantes.
Já na década de 1970, durante um período de crescimento econômico e
escassez de mão de obra no Brasil, surge o Movimento Sanitário, que luta por
cidadania e busca reorganizar e democratizar o sistema de saúde, além de difundir a
consciência sanitária. O que culminou com a Reforma Sanitária nos anos 80, quando
alguns líderes do movimento foram integrados ao governo.
58
A reforma consolidou mudanças em relação ao caráter público da
assistência à saúde e à necessidade da criação de um sistema único.
Neste período, embora muito se falasse a respeito de cidadania e
melhores condições de saúde, o que havia era sua mercantilização.
A abordagem psiquiátrica voltava-se essencialmente à práticas de controle
e produzia desigualdades sociais, embora demonstrasse empenho curativo. Este
fato suscita questões sobre o interesse do sistema, somente neste momento, em
promover a cura destas pessoas, mantê-las na comunidade e não afasta-las do
vínculo com o trabalho.
De acordo com a trajetória histórica da organização do sistema de saúde
até os dias atuais, vemos que o processo vem reproduzindo práticas, tanto no
sistema de saúde em geral como na saúde mental, que precisam ser
reconsideradas, como: promulgação de leis importantes, que legitimam mudanças
que já vinham sendo discutidas e/ou praticadas pelos movimentos sociais, porém de
forma que não desinteressem completamente o Estado; orientação de reformas no
sentido da lógica econômico-administrativa de acordo com a ideologia dominante;
implantação de projetos “de cima para baixo”, determinando ações e
desconsiderando, muitas vezes, a necessidade de mudanças conceituais e
ideológicas por parte dos atores dos processos; cooptação de líderes dos
movimentos da base, unindo paradoxalmente enfraquecimento de reivindicações e
efetivação de ações; determinação de lugares de inclusão e exclusão social dos
indivíduos, de acordo com condições e comportamentos esperados; adoção de
medidas insuficientes na superação de mecanismos de exclusão do sistema
59
capitalista, onde as transformações no funcionamento da assistência não são
suficientes para promover a saúde de modo efetivo.
Depois de iniciada a Reforma Psiquiátrica, da criação de serviços
substitutivos ao modelo asilar, da criação do SUS, do Programa Saúde da Família e
das determinações da OMS, em relação a considerar a multifatorialidade das
doenças, inclusive da doença mental a qual é necessário cuidar e não excluir, somos
chamados a uma reflexão sobre as determinações políticas e sociais
contemporâneas, pois olhar para elas torna-se mais difícil, uma vez que a estamos
construindo dia a dia.
Portanto devemos aprofundar nossas discussões a respeito das
limitações, falhas e desvios do sistema de saúde atual, desde a promoção de saúde
à de cidadania. Pois a organização do sistema de saúde brasileiro resulta da
evolução da saúde pública e sua relação com o processo de reprodução do capital,
que legitima as formas de Estado e a manutenção da ordem social.
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CAPÍTULO II
Algumas Considerações Críticas sobre as Diretrizes para a Assistência em Saúde
Mental no Brasil
Resumo
Apresento algumas considerações sobre o contexto da assistência à saúde
mental contemporânea e seu processo de transformação. Realizado a partir de análise
de documentos e revisão bibliográfica não exaustiva, este estudo procura compreender
aspectos preconizados pela Organização Mundial da Saúde e Legislação Brasileira
para o cuidado em saúde mental, apontando influências internacionais. A partir desta
breve compreensão, entende-se que informações sobre os pressupostos para o
tratamento são subsídios importantes para a construção da luta pela saúde mental e
pela cidadania.
Palavras Chave: Saúde Mental, Diretrizes de Saúde Mental, Cidadania.
Abstract
Some considerations about the context concerning mental health assistance and
its transformation processes was presented, as follow, based on documents assessment
and bibliographic review, making efforts for understanding the aspects stated by World
Health Organization and Brazilian Health Law for mental health care, mentioning
international influences. Based on this brief review study, it was learned that information
as a background for treatment is rather important to struggle for high quality mental
health assistance and citizenship.
Key-words: Mental Health, Mental Health Guidelines, Citzenship
62
1) Introdução
Podemos considerar como precursores do processo de transformação da
assistência psiquiátrica brasileira, iniciativas como: a proposta de tratamento em regime
de externato, de Nise da Silveira, utilizando atividades expressivas como principal
método terapêutico na década de 50; mais intensamente nas décadas de 70 e 80 as
lutas de trabalhadores, usuários e familiares de saúde mental, as Conferências de
Saúde Mental; o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental; o Movimento de Luta
Antimanicomial e o trabalho de Luiz Cerqueira, que no início dos anos 70, integrando a
Coordenaria de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde, apresentou
inovadoras propostas de assistência à saúde mental (YASUI,1999).
Tais propostas preocupavam-se em construir uma discussão sólida em
relação à hegemonia do pensamento psiquiatrizante do sofrimento psíquico e à
assistência psiquiátrica no país. As discussões e lutas colocavam em pauta não apenas
questões referentes à forma de tratamento e organização de serviços, mas também ao
significado da doença mental, concebida por séculos como algo delinqüente, profano,
perigoso, digno de coerção, tutela, indignidade, falta de direitos civis; merecendo
reclusão, isolamento e abandono (DEVERA, 2005).
Como influência para este processo é possível apontar principalmente o
movimento de “desinstitucionalização” ligado a desospitalização (modelo americano –
Psiquiatria Comunitária) e o de “transformação cultural” (modelo italiano - Psiquiatria
Democrática) (Amarante &Torre, 2001). O segundo de forma mais intensa contou
inclusive com a vinda para o Brasil de representantes importantes das correntes de
pensamento crítico em saúde mental, como Franco Basaglia, Félix Guattari, Robert
Castel, Erving Goffman, dentre outros (AMARANTE, 1995).
63
A atenção à saúde mental passa a ser pensada sob o prisma da Reabilitação
Psicossocial, que discute uma mudança total nas políticas dos serviços de saúde
mental, incluindo profissionais e todos os demais envolvidos no processo saúde-
doença. Como afirma Saraceno, (2001): “essa política geral de serviços de saúde
mental são os programas, através dos quais tais políticas se aplicam, se realizam e são
estas que tem que ser modificadas” (p.14).
Um marco dos processos de reestruturação da assistência em saúde mental
nas Américas foi a Declaração de Caracas - produzida na Conferência Regional para a
Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no Continente – promovida pela
Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, em novembro de 1990. Momento este
em que, também no Brasil, iniciou-se legalmente o processo de Reforma Psiquiátrica. É
possível observar na Legislação em Saúde Mental publicada no ano de 2001, pelo
Ministério da Saúde, o reconhecimento sobre a importância da atenção a este setor e o
intenso vigor do processo de reforma Psiquiátrica Brasileira na década de 1990
(BRASIL, 2001).
A instalação de tal processo deu-se a partir de 1991, quando atendendo às
recomendações da Declaração de Caracas, o governo expediu regulamentos para
viabilizar a reestruturação da assistência psiquiátrica, com o fechamento de hospitais
psiquiátricos e a implantação de serviços substitutivos ao modelo tradicional. Iniciativas
que buscavam construir, num futuro próximo, “uma atenção em saúde mental que
garanta os direitos e promova a cidadania dos portadores de transtornos mentais,
favorecendo sua inclusão social” (BRASIL, 2001 p. 6).
A organização e publicação, pelo Ministério da Saúde, deste documento
contendo leis, decretos, portarias e deliberações, justifica-se segundo a mesma, pelo
64
“caráter híbrido e singular do processo brasileiro, aliando iniciativas dos legisladores e
dos executivos nos três níveis, além da forte mobilização social em torno da Reforma
Psiquiátrica” (p. 6). A Legislação compila atos normativos, do período de 1990 a 2001,
referentes à reestruturação da assistência em saúde mental no Brasil, a fim de
contribuir com a “efetiva implementação dessas medidas no âmbito do Sistema Único
de Saúde” (p. 7).
É possível observar mudanças na compreensão da Saúde Mental, e
conseqüentemente de seu cuidado, também através de um documento de alcance
mundial elaborado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, o Relatório sobre a
Saúde no Mundo. Este documento, publicado em 2001, traz a discussão da OMS sobre
a saúde mental, chamando atenção para sua multifatorialidade e indissociabilidade da
saúde física. E ainda, ao considerá-la como um relevante campo da saúde pública,
declara que é essencial para o bem estar geral das pessoas, das sociedades e dos
países, destacando que deve ser encarada sob uma nova luz (OMS, 2001).
Outro documento importante publicado no Brasil, em 2001, escrito por
Saraceno et al (2001) é o Manual de Saúde Mental, no qual são levantadas questões
relativas à saúde mental e as diversas implicações para o indivíduo acometido por
transtornos mentais, além de apresentar, no âmbito do tratamento, uma proposta
abrangente e integrada a outros equipamentos do sistema de saúde, principalmente à
rede básica.
O manual, destinado às equipes de saúde mental, pretende nas palavras dos
autores: “ser um conjunto de indicações que procure diminuir a separação, às vezes
muito grande, entre os conhecimentos teóricos e a realidade do que acontece nos
serviços de atenção psiquiátrica” (SARACENO et al, 2001, p. 11).
65
Tais documentos vêm reafirmar o que as lutas para modificar os paradigmas
na saúde mental construíram ao longo de décadas e fortalecer a idéia de que o efetivo
tratamento de pessoas portadoras de algum dos diversos tipos de transtornos mentais
depende de um olhar minucioso e de uma conduta que possa abranger tantos quantos
forem os aspectos incapacitantes adquiridos.
Assim,
a doença mental deve ser pensada no campo da saúde coletiva,
levando-se em conta os contextos micro e macro social, como a família,
o trabalho e seu contexto histórico, tentando produzir uma
reinterpretação de elementos culturais; buscar um cuidado
personalizado (AMARANTE & TORRE, 2001).
Desse modo, é de extrema importância que se valorize os fatores individuais,
pois as implicações estão intimamente ligadas ao contexto no qual a pessoa está
inserida no momento atual (de crise ou mesmo no decorrer do tratamento), bem como
com sua história de vida.
Para tal é imprescindível uma avaliação que contemple estes múltiplos
aspectos, associada à avaliação diagnóstica médica, para que se possa ter o
planejamento mais completo do tratamento.
2) Diretrizes
2.1) Organização Mundial da Saúde e Saúde Mental: recomendações
A OMS vem desenvolvendo instrumentos que visam garantir a “qualidade da
assistência à saúde mental, cobrindo desde a política de saúde mental e do programa
66
de saúde mental até os diversos tipos de serviços gerais e especializados”
(BERTOLOTE, 1995 p.154).
Recentemente a OMS apresentou uma iniciativa voltada à ampliação do
conceito de saúde e doença e de seus modos de diagnóstico e tratamento, a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, publicada
oficialmente no Brasil em 2003. A CIF se propõem a direcionar as intervenções, por
meio de instrumentos de avaliação adequados para a classificação de doenças e
estados de saúde. Traz também atualizações e novas diretrizes, que levam em conta a
pessoa e seu ambiente, visando a elaboração de estratégias práticas mais completas,
que integrem diversos fatores.
No mesmo período em que foi produzida a CIF, houve a publicação no Brasil,
pela OMS do Relatório Sobre a Saúde no Mundo (OMS/OPAS, 2001), o qual afirma a
existência de “uma nova compreensão que oferece uma esperança real aos
mentalmente enfermos: a compreensão de como fatores genéticos, biológicos, sociais e
ambientais se unem para causar doenças da mente e do cérebro” (p. 13). O relatório
considera o desenvolvimento de ações voltadas à saúde mental, com enfoque de saúde
pública, “o método de resposta mais apropriado” (p. 42) para reduzir a carga estimada
de pessoas com transtornos mentais e comportamentais, que é de 450 milhões.
O mesmo vem renovar a ênfase aos princípios da ONU, afirmando que não
deve existir discriminação, que a todo paciente deve ser concedido o direito de ser
tratado e atendido em sua própria comunidade, num ambiente menos restritivo e de
forma menos intrusiva. Traz uma revisão da carga atual e futura dos transtornos
mentais e dos principais fatores que para eles contribuem, trata de questões referentes
à efetividade da prevenção; disponibilidade e obstáculos do tratamento, além de
67
enunciar políticas necessárias ao fim do estigma e da discriminação e referentes à
implantação de trabalhos preventivos e financiamento adequado. Porém, concentra a
discussão nos transtornos mentais e comportamentais muito mais do que no conceito
mais amplo de saúde mental. (OMS/OPAS, 2001).
Ao discutir tratamento, o Relatório aponta a importância de haver intervenção
nas áreas de prevenção, tratamento e reabilitação, incluindo além dos medicamentos,
abordagem psicológica e psicossocial. Aponta como requisito fundamental à
intervenção apropriada no nível individual, oferecendo cuidados específicos para
diagnóstico e necessidades de cada pessoa. De modo que haja diagnóstico preciso;
intervenção precoce; participação do usuário; parceria com a família; envolvimento da
comunidade local e inclusão na atenção primária. Tudo isso de forma integrada e
realizada por equipes multidisciplinares, considerando que: “As equipes
multidisciplinares são particularmente relevantes no manejo de transtornos mentais,
dadas as complexas necessidades dos pacientes e suas famílias em diferentes etapas
no curso da sua doença” (OMS/OPAS, 2001 p. 87).
No que tange o manejo dos transtornos mentais coloca que é preciso haver
uma “combinação equilibrada de três ingredientes fundamentais: medicação,
psicoterapia e reabilitação psicossocial” (p.91), dosados de forma habilidosa. O
tratamento deve ser dimensionado segundo as necessidades do indivíduo, ponderando
que estas mudam com a evolução da doença e com a mudança das condições, de vida
do paciente. O documento chama atenção para o fato de que cada intervenção tem
uma indicação específica; deve ser usada numa quantidade determinada, proporcional
à gravidade da afecção; ter duração determinada, segundo a natureza e gravidade da
afecção e suspensa logo que possível; ser monitorizada periodicamente quanto à
68
adesão ao tratamento, lembrando que “a pessoa que recebe a intervenção deve ser
sempre um parceiro ativo nessa monitorização” (OMS/OPAS, 2001p.91).
Ainda referindo-se à adesão ao tratamento, o relatório destaca que há casos
crônicos nos quais é necessário tratamento extensivo por toda a vida adulta. Apresenta
também relação comprovada entre distúrbios mentais ou de comportamento e a falta de
observância rigorosa dos regimes de tratamento. Entre os fatores que melhoram a
adesão, salienta:
Gasto de tempo e energia na educação do paciente com respeito
às metas da terapia e conseqüências da má adesão
Plano de tratamento negociado
Envolvimento de familiares e amigos para apoiar o plano
terapêutico e sua implementação
(OMS/OPAS, 2001 p. 92).
Para finalizar, o Relatório trata de questões referentes às políticas públicas,
chamando atenção para a importância do suprimento adequado de provedores de
serviço, bem como sua monitorização e avaliação contínuas. E faz uma advertência em
relação às barreiras à implementação de intervenções efetivas, ao destacar entre as
principais, a falta de sensibilidade, treinamento e supervisão para a saúde mental
(OMS/OPAS, 2001).
Em relação a normatização, é importante ressaltar que para os usuários dos
serviços, a qualidade do tratamento, o respeito de seus direitos e a melhoria da
qualidade de suas vidas é mais importante que apenas o local onde os cuidados são
prestados. Assim como uma adequada utilização de estratégias de avaliação – que
69
inclua o usuário – pode ser extremamente vantajosa, tanto do ponto de vista de tempo
como do respeito aos direitos dos usuários (BERTOLOTE, 1995).
2.2) Manual de Saúde Mental
No manual de saúde mental, escrito por Saraceno et al, (2001) são
apresentadas indicações de ações e discutidas variáveis que interferem na evolução e
tratamento das enfermidades. Destaca-se que a intervenção psiquiátrica correta é
possível desde que haja contribuições diversas e integradas entre si.
Em relação a diagnóstico, os autores são enfáticos ao dizerem que existem
variáveis importantes para determinar a estratégia de intervenção, e ainda para o
desenvolvimento da doença, porém que as mesmas não são exclusivamente oferecidas
pelo diagnóstico, senão também por outras variáveis extraclínicas, incluindo a família e
o contexto sócio-cultural. Dentre as variáveis que denominam extraclínicas, lembram
que são muitas, mal conhecidas e determinantes das enfermidades mentais, de sua
evolução e das estratégias de intervenção.
Os autores colocam que, o diagnóstico permite instruir a terapia
farmacológica, mas que por outro lado “os sintomas e os dados a respeito do contexto
familiar e social permitem determinar uma estratégia de intervenção mais articulada”
(SARACENO et al, 2001 p.16). Ressaltam que utilizar uma metodologia que considera
exclusivamente o diagnóstico como indicador de estratégias de intervenção e evolução
da enfermidade, constitui uma prática “equivocada e irracional” (SARACENO et al, 2001
p. 21).
As variáveis que os autores consideram “deixadas à sombra” são: os
recursos individuais do paciente; os recursos do contexto do paciente; os recursos do
70
serviço de atenção e de seu contexto. Afirmam que apesar de considerados
irrelevantes, a falta de todos ou de alguns destes recursos, pode fazer com que um
paciente piore muito mais que pelo tipo de enfermidade que ele possua.
O Manual recomenda que após o processo diagnóstico a equipe deve
encarregar-se de:
Avaliar os recursos do paciente e do serviço – prognóstico
Elaborar projeto de intervenção
Desenvolver intervenções
Realizar avaliações periódicas para alcançar os resultados esperados.
São enfatizadas questões acerca do diagnóstico, considerando que, no
sentido da qualificação diagnóstica e segundo classes de enfermidades, ofereça uma
parte limitada do processo diagnóstico. Ou seja, ”Entre o processo diagnostico e a
intervenção é necessário encarregar-se do paciente como instrumento para analisar
todos os elementos do processo diagnóstico, avaliar os recursos do paciente e do
serviço, fazer um prognóstico e um projeto” (SARACENO et al, 2001).
Portanto, a equipe tem um papel fundamental e deve garantir continuamente
atitudes básicas em relação à comunidade, aos demais membros da equipe e ao
paciente, pois “qualquer medida terapêutica tem que ser parte de um projeto (ainda que
mínimo) de intervenção” (idem p.25).
Algumas variáveis estão estreitamente correlacionadas à organização e ao
estilo de trabalho da equipe, podendo constituir-se em elementos favoráveis ou
desfavoráveis para o desenvolvimento da enfermidade e eficácia da intervenção. Uma
equipe integrada pode minimizar os riscos de produzir variáveis desfavoráveis.
71
Esta integração deve ser tanto externa, quanto interna, ou seja: aos outros
serviços de saúde e à comunidade (externa) e, a atender os pacientes, manejar-se
enquanto equipe e favorecer a formação dos trabalhadores (interna). O que significa:
Possuir um projeto terapêutico para cada paciente: estabelecido,
conhecido e realizado por todos os membros da equipe.
Realizar o primeiro contato com o paciente por um ou dois
membros da equipe, independente do papel profissional.
Apresentar o caso a toda a equipe
Projetar a intervenção utilizando maneira não burocrática os
recursos humanos da equipe e da comunidade
Avaliar periodicamente o desenvolvimento do caso e do estilo de
trabalho da equipe.
(SARACENO et al, 2001 p.27).
A equipe deve envolver a comunidade em seu trabalho, facilitando o caráter
psicossocial e desse modo permitir maior integração e coordenação para
desenvolvimento de atenção em saúde mental. Algumas das características do modo
psicossocial são:
Ultrapassar a organização exclusivamente médica do trabalho e da
atenção;
Racionalizar a distribuição do trabalho na equipe: delegar e
ultrapassar a rigidez dos papéis;
Utilizar todas as medidas terapêuticas: não somente os
psicofármacos como também o manejo psicoterapêutico e a
intervenção no meio;
72
Envolver o trabalho da equipe em toda a vida social e de relações
do paciente;
(SARACENO et al, 2001 p.28-29).
No que tange a equipe, em relação aos pacientes é recomendado que haja,
em cada momento do relacionamento entre o serviço e o paciente, uma “atitude
carinhosa e segura para com o paciente de maneira que desde o primeiro momento ele
se sinta aceito, reconhecido como sujeito, para que possa confiar na pessoa que o
atende, na equipe e no serviço” (idem p.30), com destaque especial para a capacidade
de escutar o paciente.
É importante que se construam atitudes reabilitatórias, cujas ações devem
ocorrer tanto com pacientes institucionalizados quanto com os atendidos pelo sistema
ambulatorial, porém é imprescindível que haja, em ambos os casos, um trabalho de
desinstitucionalização e de socialização.
Saraceno et al, (2001) definem como desinstitucionalização: “trabalhar para
eliminar a realidade e cultura institucional (manicômio) e suas conseqüências: violência,
miséria, isolamento, falta de dignidade, injustiça e ampliação da enfermidade
institucional, seja dos pacientes, seja dos que cuidam deles” (p.32).
Desse modo, pode-se observar que o manual constitui-se como um guia
básico, que traz recomendações claras acerca das ações de cuidado. Entretanto não se
resume a atitudes isoladas de mudanças conceituais, sugere que se repense a questão
da saúde mental de forma o mais abrangente possível, integrando serviço/equipe,
usuário/familiar e rede social/comunidade.
73
2.3) Preceitos Legais Brasileiros
Na atual proposta de assistência dos serviços substitutivos no Brasil, baseada
nas idéias principalmente de Franco Basaglia, entende-se que: “abrir o manicômio não
é apenas abrir as suas portas, mas ao abri-las, abrir as nossas cabeças para a
realidade de vida dos pacientes” (AMARANTE & TORRE, 2001). A proposta traz como
eixo a desconstrução do manicômio, constituindo práticas e saberes que não
segreguem e não excluam; visando a lógica da produção de saúde.
Os denominados serviços substitutivos de saúde mental, de acordo com a
Legislação de Saúde Mental brasileira de 2001, compreendem leitos psiquiátricos em
hospitais gerais e os chamados serviços de atenção diária, de base comunitária,
abrangendo os graus: intensivo, semi-intensivo e não intensivo de amplitude para o
tratamento. E de acordo com as recomendações da Declaração de Caracas, os
serviços substitutivos devem compreender os níveis de prevenção, tratamento,
reabilitação. Segundo o documento, “a expectativa é de que o conhecimento da
legislação auxilie a adoção das novas práticas em saúde mental, permitindo uma
abordagem mais humanitária que priorize a inclusão social” (BRASIL, 2001 p.09).
O início do processo legal de reforma psiquiátrica pode ser apontado a partir
do projeto de lei do Deputado Paulo Delgado, de 1989, que dispunha sobre a extinção
progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais, além
de regulamentar a internação psiquiátrica compulsória.
As três modalidades de serviço que ilustram estas considerações fazem parte
da rede substitutiva em saúde mental, sendo: Centro de Atenção Psicossocial - CAPS,
Hospital Dia - HD e Atendimento Ambulatorial Unidade Básica – Centro de Saúde, cujas
atividades são orientadas por portarias ministeriais. As portarias ministeriais são
74
definidas como “instrumentos pelos quais, ministros, secretários de governo ou outras
autoridades editam instruções sobre a organização e funcionamento de serviços”
(BRASIL, 2001 p.07).
2.4) Centro de Atenção Psicossocial - CAPS
Os CAPS foram criados para substituir às internações em hospitais
psiquiátricos, de acordo com, Humberto Costa (Ministro da Saúde em 2004),
constituem-se como “componente estratégico de uma política destinada a diminuir a
ainda significativa lacuna assistencial no atendimento a pacientes com transtornos
mentais mais graves” (BRASIL, 2004 p.10).
Segundo Amarante & Torre (2001), em seu projeto original, o Caps pode ser
definido como:
estrutura intermediária entre o hospital e a comunidade, que oferece às
pessoas um espaço institucional que busque entendê-las e
instrumentaliza-las para o exercício da vida civil (...) uma estrutura de
continência multiprofissional que busque estimular múltiplos aspectos
necessários ao exercício da vida em sociedade respeitando-se a
singularidade dos sujeitos (p.29).
De acordo com a Portaria 336, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002),
poderão constituir-se em modalidades – CAPS I, CAPS II e CAPS III por ordem
crescente de porte/ complexidade e abrangência populacional. Integram a rede do
Sistema Único de Saúde, tem a missão de dar um atendimento diurno às pessoas que
75
sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, oferecendo cuidados clínicos e
de reabilitação Psicossocial.
Os CAPS “Preocupam-se com o sujeito e sua singularidade, sua história, sua
cultura e sua vida quotidiana” (BRASIL, 2004 p.14).Em relação aos objetivos, visam
“substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o
exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias” (idem p.12).
A modalidade CAPS I prevê:
Funcionamento no período de 08 às 18 h, em dois turnos, durante
os cinco dias úteis da semana.
Possuir um quadro de recursos humanos, com equipe técnica
mínima para atendimento de no mínimo 20 e no máximo 30
pacientes/dia, por turno, em regime de atendimento intensivo composta
por:
01 - Médico com formação em saúde mental
01 - Enfermeiro
03 – Profissionais de nível superior: psicólogo, assistente social,
terapeuta ocupacional, pedagogo, ou outro necessário ao projeto
terapêutico.
04 – Profissionais de nível médio
(BRASIL, 2001).
Este serviço deve oferecer cuidados intermediários entre o regime
ambulatorial e a internação hospitalar e atividades como:
atendimento individual e grupal
visitas domiciliares
atendimento à família
76
atividades comunitárias, enfocando inserção familiar e social
assembléias ou reuniões de organização do serviço
alimentação
(BRASIL, 1992; BRASIL, 2004).
O trabalho nos CAPS deve realizar-se em um “meio terapêutico”, construído
por meio de um ambiente facilitador, estruturado e acolhedor, abrangendo várias
modalidades de tratamento. Ao inicio do acompanhamento é necessário que se trace
um projeto terapêutico com o usuário e um profissional, na maioria das vezes, o de
referência. Cada usuário deve ter um projeto terapêutico individual personalizado,
respeitando suas particularidades. O profissional de referência é geralmente o que
acolhe o usuário e tem por responsabilidade monitorar, junto com o mesmo, seu projeto
terapêutico; ter contato periódico com a família do usuário; avaliar periodicamente as
metas traçadas no projeto terapêutico, dialogando com o usuário e com a equipe
técnica (BRASIL, 2004).
Os recursos oferecidos por este tipo de serviço caracterizam o que vem sedo
denominado de clínica ampliada, (re)construída nas práticas de atenção psicossocial,
provocando mudanças nas formas tradicionais de compreensão e de tratamento dos
transtornos mentais. É necessário, ao se definir estratégias terapêuticas no CAPS, que
se repense conceitos, práticas e relações, os quais constituem-se em promotores de
saúde entre as pessoas. Técnicos, usuários, familiares e comunidade precisam estar
envolvidos nessas estratégias, questionando e avaliando permanentemente os rumos
da clínica e do serviço (BRASIL, 2004).
77
2.5) Hospital-Dia
O Hospital-dia é mais um tipo de serviço criado como substituto ao modelo
asilar. Segundo a portaria 224, de 1992, deve apresentar as seguintes características:
Recurso intermediário entre a internação e o ambulatório,
desenvolvendo programas de atenção de cuidados intensivos por
equipe multiprofissional, visando substituir a internação integral.
Abranger um conjunto diversificado de atividades desenvolvidas em até
cinco dias da semana, por 8h diárias para cada paciente.
Equipe mínima, por turno de 4 h, para cada 30 pacientes, composta por:
01 - Médico psiquiatra
01 - Enfermeiro
04 – Profissionais de nível superior: psicólogo, assistente social,
terapeuta ocupacional, e/ou outro necessário à realização dos
trabalhos.
Profissionais de nível médio e elementar necessários ao
desenvolvimento das atividades.
Incluindo as seguintes atividades:
atendimento individual e grupal
visitas domiciliares
atendimento à família
atividades comunitárias, enfocando inserção familiar e social
refeições
(BRASIL, 1992 p.44,45).
78
De acordo com Quarentei, (2003), ao descrever o Hospital-Dia de Saúde
Mental da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, a modalidade de atenção em
saúde mental em Hospital-Dia tem como objetivos gerais:
oferecer cuidados profissionais multidisciplinares para pessoas
portadoras de transtornos mentais que necessitem de atenção intensiva
para esclarecimentos didáticos, tratamento, reabilitação e inserção
social, num contexto que preserve os laços familiares e comunitários do
indivíduo e envolva-os nesse processo. Porém para cada indivíduo é
necessário detalhar, especificar e singularizar esse objetivo geral, o que
é feito estabelecendo o plano terapêutico de cada um. Não existem
planos terapêuticos idênticos, condutas padrão; existem parâmetros,
princípios que são norteadores (p.1).
Este tipo de serviço é muito semelhante ao CAPS, possuindo muitas
características e parâmetros em comum, tanto em relação ao funcionamento quanto às
formas de tratamento.
2.6) Unidade Básica, Centro de Saúde e Ambulatório
O atendimento à saúde mental em Centros de Saúde e ambulatórios como
parte da atenção prestada por Unidades Básicas de Saúde deve ser desenvolvido por
equipes multiprofissionais e incluir, segundo a portaria 224, de 1992:
atendimento individual (consulta, psicoterapia, dentre outros);
atendimento grupal (grupo operativo, terapêutico, atividades
socioterápicas, grupos de orientação, atividades de sala de espera,
atividades educativas em saúde).
79
visitas domiciliares por profissional de nível médio ou superior
atividades comunitárias, especialmente na área de referência do
serviço de saúde.
(BRASIL, 1992 p.42,43).
A equipe técnica de saúde mental para atuação nas unidades básicas/centros
de saúde pode contar com equipe composta por:
médico psiquiatra, psicólogo e assistente social
ou integrada por: médico generalista, enfermeira, auxiliares,
agentes e saúde.
(BRASIL, 1992 p.42,43).
Esta modalidade de atenção deve integrar em suas práticas, recursos
relativos ao paciente, o serviço e seus respectivos contextos; encarregando-se de
realizar uma eficiente processo diagnóstico, bem como a elaboração de um projeto de
intervenção que seja periodicamente avaliado e modificado (Saraceno et al, 2001).
Procedimentos estes, imprescindíveis ao alcance de bons resultados para o tratamento.
3) Considerações finais
Durante o processo de reforma psiquiátrica podemos observar um processo
ativo por parte dos envolvidos com os transtornos mentais, sejam eles trabalhadores,
familiares ou usuários. Estes atores afirmam seu papel de cidadãos, lutando por direitos
e melhorias nas condições da assistência à saúde mental no Brasil.
Por conta dos diversos interesses implícitos nas questões legais, e
implementações de diretrizes internacionais, por vezes estes atores encontram-se de
80
mãos atadas, ou tornam-se expectadores, mesmo que suas reivindicações tenham sido
apenas minimamente atendidas.
Conhecer as leis e diretrizes vigentes é o primeiro passo que possibilita às
pessoas participarem da construção dos ambientes de cuidado, opinarem no
tratamento e elaborarem direções de luta, apropriadas de seus direitos e necessidades.
Tais leis e diretrizes, no que se refere à reforma psiquiátrica, muitas vezes apontam um
caminho coerente para as transformações propostas, mas seu desconhecimento deixa
os profissionais e usuários do sistema de saúde mental desamparados e desorientados.
Assim, é imprescindível produzir material teórico conciso, que apresente
linhas gerais dos pressupostos para tratamento, para que estes constituam-se em
instrumento para iniciar discussões que subsidiem a luta, não só por atenção à saúde,
mas principalmente a luta por cidadania, uma vez que a conquista da cidadania é uma
das metas a serem alcançadas no tratamento em saúde mental.
4) Bibliografia
AMARANTE.(Org) Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio
de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1995. 132p. (a)
AMARANTE, P. D. C. e TORRE, E. H. G. A constituição de novas práticas no
campo da Atenção Psicossocial: Análise de dois projetos pioneiros na Reforma
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26-34
BERTOLOTE, J.M. Legislação relativa à saúde mental: revisão de algumas
experiências internacionais. Rev. Saúde Públ., 29 (2) 152-156, 1995.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial
– Brasília: Ministério da Saúde , 2004 86p.: il. Color. – (série F. Comunicação e
Educação em Saúde).
81
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Subsecretaria de Assuntos
Administrativos. Coordenação –Geral de Documentação e Informação. Legislação em
saúde mental 1999/2001 2
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ed. Brasília: Ministérioda Saúde 2001, 110p. (serie E.
Legislação de Saúde ; n.4).
DEVERA, D – A reforma psiquiátrica no interior do Estado de São Paulo:
Psiquiatria reformada ou mudança de paradigma. 2005 182p. – Dissertação de
Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CIF – Clasisficação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde / [Centro Colaborador da Organização
Mundial da Saúde para a Família de Classificações Internacionais, org.; coordenação
de tradução Cássia Maria Buchalla]. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
2003, 325 p.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório sobre a saúde no mundo 2001
Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Suíça: 2001, 173 p.
QUARENTEI, M. S. Apontamentos sobre princípios do trabalho terapêutico no
hospital dia de saúde mental da FMB/UNESP Texto digitado – 2003.
RESENDE, H. Política de Saúde Mental no Brasil: uma visão histórica – Cidadania e
loucura – Políticas de Saúde Mental no Brasil - Rio de Janeiro: Vozes, 1987 288p.
ROSA L 2003. Transtorno mental e o cuidado na família. Cortez, São Paulo.
SARACENO, B. et al Manual de Saúde Mental. 3
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.ed. São Paulo: Hucitec, 2001. 83p.
VASCONCELOS, E.M. A priorização da família nas políticas de saúde – Saúde em
Dabate, Rio de Janeiro, v.23, n. 53, p.6-19, set/dez.1999.
YASUI, A. S. A construção da reforma psiquiátrica e o seu contexto histórico.
1999. 183p. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis. 1999.
82
CAPÍTULO III
Avaliação Inicial e Planejamento Terapêutico: um estudo de práticas em serviços
substitutivos de saúde mental do município de Botucatu
Resumo
A reestruturação da prática cotidiana dos serviços de saúde mental é condição
essencial para a transformação proposta para o modelo assistencial em nosso país. O
presente estudo questionou profissionais de equipes de serviços substitutivos de saúde
mental do município de Botucatu, em relação aos sentidos atribuídos por eles aos
procedimentos de avaliação inicial e planejamento terapêutico, como constituintes do
tratamento oferecido nestes serviços. Para tanto, utilizou-se a perspectiva das práticas
discursivas e produção de sentidos no cotidiano proposta por Spink. Observou-se
diferenças conceituais e paradoxos que explicitam o período de transição pelo qual o
modelo está passando. Desta forma, faz-se necessário transformar não apenas a norma
legal, mas também os conteúdos implícitos nas ações diárias por parte dos profissionais,
possibilitando a ressignificação das relações sociais que ali se estabelecem.
Palavras Chave: Saúde Mental, Avaliação Inicial, Planejamento Terapêutico, Práticas
Discursivas.
Abstract
In the present study, it has been considered that the restructuring of ordinary
practices of mental health assistance is an essential condition for the proposed
transformation of medical aid model in Brazil. Herein, interviews with professional from
replacement mental health service teams of Botucatu town occurred, regarding the
attributed senses by them to the procedures of initial assessment and therapeutic
planning, as part of the offered treatment in the medical aid services. For this, it has
been used the perspectives of discursive practices and the sense production for the
quotidian as stated by Spink. Conceptual differences and paradoxes found explain the
transition the model has been going through. Such observations show the need to
change not only the law, but also the contents implicit in the daily activities of the
professionals, permitting a new significance of the social relationships that have been
taking place in the health system.
Key-words: Mental Health, First Assessment, Therapeutic Project, Discursive Practices
83
1) Introdução
A transformação do modelo assistencial em saúde mental é bastante recente,
encontrando-se num intenso processo de construção em diversos lugares do mundo.
Inserida em diferentes realidades, esta transformação deve ser acompanhada de
muitas mudanças, considerando as particularidades existentes, que vão desde a visão
de homem, saúde e doença até a integração dos diversos tipos de práticas de equipe
multidisciplinar, necessárias para a inclusão destas pessoas na sociedade (cujo direito
foi anteriormente restrito pela adoção de normas e práticas coercitivas e excludentes).
Porém, estas mudanças precisam ocorrer não apenas entre os profissionais da saúde
mental como também em todos os estratos da comunidade.
No que tange tal setor, o Brasil vem buscando ao longo do tempo, através de
iniciativas e lutas independentes das instâncias governamentais, a construção de uma
mudança paradigmática na compreensão da enfermidade psiquiátrica e do cuidado de
pessoas portadoras de transtorno mental.
Os serviços tomados como objetos desta pesquisa, fazem parte de um
panorama de assistência à saúde mental que vem se desenvolvendo de forma
regulamentada por lei, principalmente a partir de diretrizes da OMS e de atos
normativos do país, possuindo características e pressupostos específicos, segundo
previsões e objetivos pré-estabelecidos.
Neste trabalho, pretende-se conhecer instrumentos e estratégias de avaliação
inicial e planejamento terapêutico, utilizados em três serviços substitutivos de saúde
mental do município de Botucatu e compreender os sentidos produzidos por
profissionais das diferentes equipes, acerca dos procedimentos enfocados pela
pesquisa e a maneira como se posicionam a respeito dos mesmos em suas práticas
84
profissionais. O foco nestes procedimentos justifica-se por considerarmos que
demonstram como a equipe entende que deva ser o seguimento do tratamento, bem
como a abordagem das questões relativas ao sofrimento psíquico/adoecimento e
tratamento.
2) Metodologia
A metodologia deste trabalho constituiu-se de pesquisa empírico-qualitativa,
do tipo estudo de caso.
A realização de pesquisa qualitativa se justifica considerando-a adequada ao
estudo proposto, uma vez que pretende formular um conhecimento acerca das
propriedades que lhe são inerentes, buscando apresentá-las em sua essência
(TURATO, 2003); melhor compreender o comportamento, a experiência e o processo
pelo qual as pessoas constroem significados e os descrevem (BOGDAN & BIKLEN,
1994).
Pesquisa Qualitativa em Saúde segundo Minayo:
"trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variável" (1994 p.21-22).
O estudo de caso de natureza qualitativa envolve, segundo Bruyne et al,
(1991), uma análise completa e em profundidade de um indivíduo, grupos, instituições
ou outra unidade social, reunindo informações numerosas e detalhadas, para que
possamos apreender e nos aproximar da totalidade da situação.
85
Gil (1988), caracteriza o estudo de caso como sendo bastante flexível, ou
seja, sendo inadequado estabelecer um roteiro rígido que determine com precisão
como deverá ser desenvolvida a pesquisa. E distingue quatro fases para a maioria dos
estudos: a) delimitação da unidade-caso; b) coleta de dados; c) análise e interpretação
dos dados; d) redação do relatório.
Para a realização do estudo, de acordo com as fases enumeradas pelo autor
acima citado, foram delimitadas três unidades-caso, no município de Botucatu - SP,
sendo estas serviços Substitutivos de Assistência em Saúde Mental:
Hospital-dia de Psiquiatria.
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
Centro de Saúde Escola
Elaboramos um questionário – auto-aplicativo – composto por três questões
abertas (anexo 1) a serem respondidas por três profissionais da cada serviço. A partir
das respostas, analisamos os procedimentos de avaliação inicial e a forma como é feito
o planejamento terapêutico de seus usuários.
As questões elaboradas buscaram explorar a compreensão dos profissionais
em relação aos temas estudados. Procuramos usar termos genéricos e proporcionar
espaço para emergirem conteúdos subjetivos, a partir dos quais houvesse, nos
conceitos utilizados, o máximo de proximidade com a vivência dos profissionais em
suas práticas.
A compreensão do termo subjetividade, aqui utilizado, refere-se a concretude
do vivido, como coloca Rivoredo (2004):
Subjetividade, que não pode ser confundida com inexatidão, ou como
oposição à concretude. O que é subjetivo não é objetivo, mas isto não
86
significa afastamanto da realidade e sim aproximação de uma certa
realidade de difícil apreensão pela objetividade que, nas abordagens
quantitativas, resulta de matematização (p. 208).
Em relação ao pesquisador, segundo Spink & Medrado (2000), há uma
questão de foco, do que se elege como figura/fundo. A maneira que este trabalha,
como escolhe o método, dá ao trabalho a possibilidade de ganhar focos distintos,
objetos diferentes, rompendo dessa forma com o habitual, o que possibilita visibilidade
aos sentidos. Assim,
as perguntas tendem a focalizar um ou mais temas que, para os
entrevistados, talvez nunca tenham sido alvo de reflexão, podendo
gerar práticas discursivas diversas, não diretamente associadas ao
tema originalmente proposto. Estamos, a todo momento, em nossas
pesquisas, convidando os participantes à produção de sentidos. (p.45)
A pesquisa obteve aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa da
FMB - UNESP (anexo 2) e somente após este procedimento foi iniciada.
A escolha dos profissionais, que responderam o questionário, ocorreu da
seguinte forma: o coordenador/responsável pelo serviço foi convidado, (presumindo-se
que este seja o maior conhecedor dos procedimentos nele realizados) e os outros dois
profissionais foram sorteados entre a equipe, de modo que houvesse ao menos um
representante de cada categoria profissional, como previsto pelas portarias de
funcionamento. Embora os profissionais de nível médio façam igualmente parte da
equipe, não foram sujeitos da pesquisa, por não desenvolverem de maneira direta os
procedimentos abordados.
87
Os questionários foram entregues após concordância do responsável pelo
serviço, por meio de uma autorização (anexo 3) e dos profissionais, por meio de Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 4). Estes foram apresentados e
disponibilizados em formulário e respondidos individualmente.
A escolha de questionário auto-aplicativo justifica-se, considerando que
poderia proporcionar maior liberdade para os profissionais debruçarem-se sobre o tema
o quanto lhes parecesse suficiente, em termos de quantidade e profundidade das
informações solicitadas e que pudessem escolher o momento que julgassem mais
oportuno para responder.
O objetivo da coleta dos dados não era o de se confirmar hipóteses
constituídas previamente, por considerarmos mais relevante o processo da pesquisa,
enfocando o modo como as definições se formam. As abstrações se compõem à
medida que os dados particulares recolhidos são agrupados, o que pode ser
considerado de acordo com Glaser & Straus (1967), uma teoria desenvolvida de “baixo
para cima”, com base em peças individuais de informação recolhida, que são inter-
relacionadas (BOGDAN & BIKLEN, 1994).
Após leitura repetida das respostas, iniciamos o processo de análise e
interpretação dos dados utilizando a perspectiva das Práticas Discursivas e Produção
de Sentidos, proposta por Mary Jane Spink (2000). A autora propõe, como abordagem
teórica, dentro da Sociologia do Conhecimento, a qual valoriza o conhecimento que as
pessoas tem da realidade e vê o ser humano como um produto social. A Psicologia
Social, contribuindo com o conceito de investigação construcionista, apresenta "a
explicação dos processos por meio das quais as pessoas descrevem, explicam ou dão
88
conta do mundo (incluindo a si mesmos) em que vivem" (Gergen, 1985 apud Spink &
Frezza, 2000 P. 26).
Nesta abordagem, tem-se o foco no sentido, definido por Spink & Medrado
(2000), como: "uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente
interativo, por meio do qual as pessoas constroem os termos a partir dos quais
compreendem e lidam com situações e fenômenos a sua volta" (p. 41).
Além deste conceito, Spink & Frezza (2000) introduzem o conceito de
desfamiliarização, em relação ao de desconstrução. As autoras consideram que é
necessário um trabalho reflexivo a fim de possibilitar “uma desfamiliarização com
construções conceituais que se transformam em crenças e, enquanto tais, colocam-se
como grandes obstáculos para que outras possam ser construídas”, criando espaço
para novas construções. Porém, as antigas constituem um “acervo de repertórios
interpretativos disponíveis para dar sentido ao mundo” (p.27). Disto decorre o que
denominam “a espiral dos processos de conhecimento, um movimento que permite a
convivência de novos e antigos conteúdos (conceitos, teorias) e a ressignificação
contínua e inacabada de teorias que já caíram em desuso” (p. 27).
Desse modo Spink & Medrado (2000), caracterizam as Práticas Discursivas
como uma metodologia que investiga a maneira a partir da qual as pessoas produzem
sentidos, e o modo como se posicionam em suas relações sociais. Esta caracterização
remete a ressignificações, rupturas, produção de sentidos; momentos ativos do uso da
linguagem, nos quais convivem tanto a ordem quanto a diversidade. E definem:
práticas discursivas como linguagem em ação, isto é, as maneiras a
partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em
relações sociais cotidianas. (...) tem como elementos constitutivos: a
89
dinâmica, ou seja, os enunciados por vozes; as formas; e os conteúdos,
que são os repertórios interpretativos. (SPINK, 2000 p.45)
Diante do exposto concluímos que, de acordo com os autores, adotar a
postura construcionista implica invariavelmente em abdicar da diferenciação interno-
subjetivo-mente de externo-objetivo-mundo. Seu foco situa-se no espaço da
interpessoalidade, da relação com o outro, a fim de:
identificar processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e/ou
compreendem o mundo em que vivem, incluindo elas próprias, (...) o
foco de estudo passa das estruturas sociais e mentais para a
compreensão das ações e práticas sociais e, sobretudo, dos sistemas
de significação que dão sentido ao mundo. (SPINK & MEDRADO 2000
p. 60)
A análise dos conteúdos discursivos realiza-se após sua digitação e leituras
repetidas, iniciando-se a partir do momento em que são categorizados de acordo com
os sub-temas emergentes após as leituras. Pois durante a definição das temáticas
organizadoras dos conteúdos, já está ocorrendo o processo de interpretação (SPINK,
2004).
Feita a categorização organizam-se os mapas de associação de idéias, mais
recentemente denominados apenas como Mapas, os quais constituem-se em uma das
técnicas utilizadas para a realização de análise sob o prisma das Práticas Discursivas
Spink, (2000).
Os mapas constituem-se de instrumentos de visualização, ou seja, são feitas
tabelas onde as colunas são definidas tematicamente e cujos temas geralmente
refletem o roteiro utilizado para a obtenção do material discursivo. Objetivam
90
sistematizar e orientar a análise permitindo que sejam observadas relações entre os
processos de organização dos conteúdos, sendo esta uma interação discursiva muito
peculiar pois foi gerada pelo procedimento da pesquisa (SPINK, 2004).
2.1) Metodologia de análise dos dados
Após a apreensão global das entrevistas foi possível a categorização dos
conteúdos discursivos obtidos através das respostas, deste modo realizou-se a primeira
etapa de interpretação, onde de acordo com os processos descritos emergiram os sub-
temas. Estes foram agrupados dando origem às categorias teóricas, as quais refletem
os objetivos da pesquisa: compreender a utilização dos procedimentos de avaliação
inicial e planejamento terapêutico por diferentes serviços substitutivos de saúde mental
do município de Botucatu, na visão de diferentes profissionais que compõem as
equipes dos mesmos. Esta primeira etapa é apresentada no início da sessão de
resultados.
Buscamos discriminar sobre o que falam os entrevistados à medida que
descrevem os procedimentos. Entrar em contato com as práticas discursivas onde, de
acordo com Spink & Medrado, 2000, encontra-se a linguagem em ação, ou seja, as
maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em
relações sociais; os elementos constitutivos: a dinâmica – enunciados e conteúdos.
Os trechos das entrevistas foram transcritos, e distribuídos respeitando-se a
seqüência de enunciação, em colunas correspondentes às categorias.
Para facilitar a compreensão, a seguir pode-se observar um dos mapas
utilizados nesta pesquisa:
91
PLANEJAMENTO TERAPEUTICO
Como descreve Quem participa Para que é feito
o mais abrangente possível e baseado em
sua história de doença, condição atual,
situação familiar, econômica, cultural,
associado a sua história de vida.
Para todo paciente é estabelecido um
projeto/proposta terapêutica
O objetivo do projeto terapêutico é
proporcionar a melhora do paciente da
forma mais abrangente possível. Melhora
clínica com remissão total de sintomas
(quando possível), melhora dos recursos
do indivíduo para lidar com sua doença e o
que ela representa em termos de perdas,
dificuldades limitações; melhora nas
relações interpessoais; melhoras nas
questões laborativas.
Ao final da construção dos mapas, deu-se a continuidade do processo
interpretativo, uma vez que “os mapas não são técnicas fechadas. Há um processo
interativo entre a análise dos conteúdos (e conseqüente disposição desses nas
colunas) e elaboração das categorias (...) gerando aproximação paulatina com os
sentidos vistos como atividade-fim” (LIMA & SPINK, 2000, p.107). Assim, foi possível
visualizar e relacionar o conteúdo das entrevistas e realizar as análises que se seguem.
3) Resultados
É importante esclarecer que, além das perguntas, foi solicitado que houvesse
a apresentação de um caso para exemplificar as respostas, porém como nem todos os
profissionais o forneceram, os disponibilizados não foram utilizados. E ainda que,
termos ou trechos que pudessem identificar os serviços foram suprimidos, ou
substituídos por palavras utilizadas entre chaves, para que houvesse sentido na frase.
3.1) Categorização
92
A primeira fase de análise, quando o conteúdo discursivo foi categorizado,
deu origem, de acordo com os temas principais apresentados nas perguntas, aos
seguintes sub-temas:
Tema: Avaliação Inicial
Encaminhamentos: de onde vem; para onde vão.
Avaliação Inicial: como descrevem; quem participa; para que é feito.
Tema: Planejamento Terapêutico
Como descreve
Quem participa
Para que é feito
Tema: Implantação dos procedimentos
Implantação
Treinamento ou supervisão
A quem atribui
Vale ressaltar que será utilizada a denominação usuários para fazer
referência às pessoas atendidas pelos serviços, por considerá-la condizente com as
políticas atuais de Saúde Mental. E ainda que, para melhor compreensão dos exemplos
citados, identificamos os serviços como A, B e C e em cada um deles os profissionais
de 1 a 3.
3.2) Apontamentos a partir dos Mapas
3.2.1) Avaliação Inicial – Encaminhamentos
O sub-tema que encaminhamentos foi destacado por aparecer
freqüentemente quando os profissionais se referiam ao procedimento de avaliação
inicial, relacionando-o principalmente ao caminho percorrido pelos usuários até a
93
chegada ao serviço em que trabalham e à adequação do caso ao tipo de assistência
prestada nele.
Exemplos:
os pacientes que chegam para iniciarem um tratamento no [serviço]
geralmente vem encaminhados pelo pronto socorro (...) ou pelo hospital
psiquiátrico. Também (...) do[s] ambulatório[s] de psiquiatria. (...)
Quando concluímos que não procede a internação, (...) propomos
algum tipo de encaminhamento.
Profissional 2 – A.
[encaminha-lo] a outros recursos existentes de acordo com as
necessidades do usuário.
Profissional 3 – B
Ainda dentro deste sub – tema chama-nos a atenção a questão da autonomia
do profissional na admissão do caso ao serviço. Em alguns deles fica claro que esta é
uma decisão tomada em equipe e em outros que depende de quem recebe o usuário.
Exemplos:
Quando ao final da discussão de cada caso, concluímos que não
procede a internação, discutimos isso com o paciente e familiar e
propomos algum tipo de encaminhamento (retornar às vezes para o
serviço de onde veio encaminhado ou agendamos em algum outro
serviço).
Profissional 2 - A
94
Se o “triador“ tem dúvidas diagnósticas ou de conduta, leva o caso para
discussão em reunião de equipe.
Profissional 1 – B
Se, nesse primeiro contato o profissional avaliar que não é um caso que
estará se beneficiando da assistência prestada no [serviço], fará
orientações necessárias e encaminhamento a outros serviços de
referência.
Profissional 1 – C
3.2.2) Procedimentos de avaliação
Neste sub – tema os profissionais definiram o procedimento em si, variando
de entrevista com o usuário e seu acompanhante; observação e estudo de caso
durante um primeiro período; triagem para ocupar a lista de espera do serviço. A prática
pode envolver desde 1 (um) profissional até toda a equipe.
Exemplos:
A avaliação inicial realizada pela equipe é um complexo de
procedimentos estruturados, pode-se dizer, em três momentos distintos.
(...) DISCUSSÃO DO ENCAMINHAMENTO ao [serviço] realizada na
reunião de equipe (...) ENTREVISTA DE ADMISSÃO (...) atualmente é
realizada pelo assistente social e um médico residente (quando
possível). (...) estabelecido um primeiro contato com o indivíduo e
família (...) AVALIAÇÃO INICIAL inicia-se após a admissão no [serviço]
e constitui-se num ESTUDO MULTI E INTERDISCIPLINAR do caso por
meio de diferentes procedimentos com prazo em aberto e que se
95
espera seja concluído no máximo em 30 dias, havendo porém
exceções.
Profissional 3 – A
Todo paciente que vai à consulta pela primeira vez no [serviço] passa pela
entrevista de triagem (...) feita por qualquer dos profissionais da equipe que
esteja escalado para aquele “plantão” de triagem (três vezes por semana).
Após essa primeira entrevista, é marcado Caso Novo – CN (se houver vaga)
ou aguarda na lista de espera (se não caracterizar uma situação de intenso
sofrimento com riscos) para o CN
Profissional 1 - B
Os profissionais trazem também os objetivos do procedimento, que incluem
acolhimento de sofrimento, diagnóstico (doença ou situação de vida) e aproximação da
equipe com o caso (algumas vezes reconhecido como indivíduo).
Exemplos:
tem por finalidade escutar a angústia ou problemas do indivíduo que
busca atendimento e direcionar sua forma de tratamento.
Profissional 2 – B
O profissional do [serviço] que realizará o contato num primeiro
momento fará o acolhimento ao usuário e familiar quando estiver
acompanhado. Ouvirá sua história de vida, seu sofrimento, suas
demandas imediatas.
Profissional 1 – C
96
A triagem possibilita levantamento de dados, para avaliação da equipe.
Profissional 2 – C
nesta entrevista são obtidos diretamente com o paciente e familiar
história da doença, situação atual, medicação em uso, antecedentes
pessoais e familiares, tratamentos realizados, entre outros.
Profissional 1 – A
Os objetivos gerais desse processo completo de avaliação inicial são:
a)Conhecer o indivíduo, sua história de vida e a problemática
considerada relacionada a um possível transtorno mental/patologia
psiquiátrica ou outra categoria de problemas e/ou sofrimentos
psíquicos.
b)Discernir se o encaminhamento para o [serviço] procede (...)
c)Estabelecer e/ou esclarecer o diagnóstico psiquiátrico e
psicodinâmico.
d)Estabelecer os objetivos iniciais da abordagem terapêutica do
indivíduo pela equipe do [serviço], bem como de seus familiares e
propor seu programa específico (...) colher percepções e informações
sobre o modo de ser do indivíduo, (...) dificuldades e potencialidades
humanas, seus desejos, suas necessidades, bem como avaliar a
extensão dos seus possíveis agravos psíquicos.
Profissional 3 – A
97
Em alguns discursos pode-se perceber certa tendência a imposição de
tratamento, e outras vezes a busca de uma construção conjunta usuário – serviço.
Exemplos:
É através desta triagem que direcionamos qual melhor tipo de
tratamento podemos oferecer
Profissional 2 – B
para acompanhamento e definição do seu PTI (Projeto Terapêutico
Individual).
Profissional 3 – C
No final é feita a proposta de tratamento com orientação e
esclarecimentos quanto ao modelo – [do serviço]. É feito um contrato.
Profissional 1 – A
Busca-se, além de despertar o interesse do indivíduo no tratamento,
investigar com quais abordagens terapêuticas mais se identifica e quais
melhor aproveita como recurso no seu processo pessoal de
acompanhamento no [serviço].
Profissional 3 – A
3.3) Planejamento Terapêutico
Neste tema há diversidade de descrições e modos de compreender em que
consiste o procedimento, dentro da rotina dos serviços. Os pontos de concordância
dizem respeito principalmente à importância da avaliação inicial para estruturar o
98
planejamento e da adequação de cada caso ao serviço, ou seja, pode-se notar um
olhar mais individualizado para o usuário, considerando inclusive os espaços extra-
serviço.
Exemplos:
Tem por objetivo adequar a proposta de tratamento em internação
parcial para cada usuário.
Profissional 2 - A
Busca identificar as conquistas e o restabelecimento do indivíduo
buscando assim torná-lo cada vez mais autônomo do [serviço], voltando
sua atividade cotidiana para os espaços extra-serviço como: casa,
escola, trabalho, família, serviços ambulatoriais e comunitários e etc.
Garantindo, porém, ao indivíduo acolhimento profissional e institucional
sempre que necessário.
Profissional 3 – A
... a equipe se reúne para discutir os casos atendidos na triagem e
acertar a conduta de acordo com as necessidades do usuário. Discute-
se com o paciente (...) O que neste momento é possível atender e em
média quanto tempo será seguido.
Profissional 3 – B
O PTI é realizado pelo profissional de referência juntamente com o
usuário e familiares.
Profissional 3 – C
99
O projeto terapêutico individual dos usuários são definidos com base no
que o serviço e/ou a comunidade pode oferecer
Profissional 2 – C
Além disso, alguns profissionais mostram clareza de como os serviços em
que trabalham realizam este procedimento e o lugar que ele ocupa na organização dos
mesmos. E também o forte pressuposto de que ele deve constituir-se de construção
conjunta (usuário – serviço) e possuir caráter flexível.
Outros demonstram certa confusão, dificuldade em pensa-lo fora de sua
prática específica, citando desarticulação entre a equipe.
Exemplos:
tende a ser estabelecido em parceria com o indivíduo, a ser acordado
entre a equipe nesse sentido e mais interdisciplinar.(...) proposta é
apresentada ao indivíduo e aos familiares e, também, recebe sugestões
destes. Estabelecer uma parceria com indivíduo e família é uma meta
perseguida pela equipe do [serviço] (...) Cabe apontar que do
planejamento terapêutico de cada indivíduo participam, também, seus
pares em tratamento no [serviço].
Profissional 3 – A
Não há planejamento terapêutico em meu atendimento.(...) Não há
planejamento médico conjunto com o psicoterápico. Não há propostas
conjuntas e na maioria dos casos graves que o serviço (...) Acredito que
100
planejamento deva envolver todos os profissionais da equipe em
conjunto, mas isto não ocorre no [serviço] na realidade.
Profissional 2 – B
que são passíveis de mudanças, considerando-se a evolução,
necessidades, demandas, do caso.
Profissional 2 – C
Outra descrição que chama atenção, diz respeito à compreensão do
procedimento não como estratégia para tratamento dos usuários, mas como uma forma
de auxiliar na organização do serviço em si.
Planejamento terapêutico como atividade sistemática para cada
paciente não há. O que temos é a discussão de casos em equipe (...)
tentando articular uma resposta de equipe levando em conta as
habilidades e preferências dos profissionais. Demandas não só da
clientela como também das outras áreas do [serviço]. (...) Uma
conseqüência imediata foi a diminuição da lista de espera e
informações para caracterizar o perfil da clientela, expectativas e por
conseqüência o que oferecer como resposta. (...) Outros produtos da
discussão em equipe foram: a montagem do grupo de dependentes de
benzodiazepínicos (...) montagem de grupo de senhoras idosas.
Profissional 1 – C
101
3.4) Implantação dos Procedimentos
O tema implantação revela, além de diferenças nas situações vividas em
cada serviço, compreensões distintas entre o que seja formação para se realizar algum
tipo de procedimento dentro de uma prática profissional, incluindo bases teóricas e
conceituais para tal.
Exemplos:
são ações implantadas e desenvolvidas desde sua criação há 25 anos.
sempre nortearam-se pelos princípios de transformação da assistência
psiquiátrica, de desinstitucionalização e de trabalho multidisciplinar. Os
profissionais da equipe do [serviço] estão em processo de formação
constante
Profissional 3 – A
todos fomos treinados no ambulatório de psiquiatria. Ainda hoje, os
profissionais que compõem a equipe alguns são da equipe inicial e os
outros foram aprimorandos ou residentes no Departamento de
Psiquiatria da UNESP.
Profissional 2 – B
Desde o início do [serviço], na elaboração do projeto, já constava sobre
a avaliação inicial e projeto terapêutico. Avaliação inicial e projeto
terapêutico são diretrizes que permanecem.
Profissional 1 – C
Estamos no momento realizando uma “oficina de trabalho” que visa
justamente resgatar (discutir; estabelecer; ensinar; aprender.) com toda
102
a equipe um pouco da história do nosso serviço, bem como os
princípios técnicos, legais e ideológicos do modelo [do serviço]
Profissional 1 – A
dentre outros temas, abordamos a base conceitual que embasaria
nossos planos e ações terapêuticas no serviço. Uma delas é o
referencial da Reabilitação Psicossocial (RPS) e outra importante
ferramenta foi o PTI.
Profissional 3 – C
É importante, neste tema, perceber como os profissionais percebem o início
da utilização dos procedimentos nos serviços em que trabalham e de onde vem a
formação para utiliza-los.
Colocam o quanto houve de investimento pessoal e/ou de instituições
responsáveis por estes serviços de saúde em sua formação.
Exemplos:
O PTI foi trazido como uma ferramenta importante do cuidar (...) Já
aconteceram três supervisões. A primeira, inicial, foi realizada logo após
a constituição da equipe e visava a discussão do Projeto Terapêutico,
população-alvo, enfim da dinâmica que teria o [serviço]. depois de
algum tempo, foi direcionada para a discussão dos casos.
Profissional 1 – C
Essa transformação ocorreu com discussões com a própria equipe mas
sem treinamento ou supervisão.
Profissional 2 – A
103
Estas supervisões foram na sua maioria realizadas de modo privado
e/ou financiado pelo antigo convênio de Saúde Mental da Secretaria de
Estado da Saúde (...) os profissionais realizavam supervisões
individuais específicas em suas áreas de interesse.
A supervisão coletiva
da equipe, (...) só aconteceu em um curto período (aprox. 1 ano)
Profissional 3 – A
Toda equipe já trabalhava junto e antes de iniciar o trabalho no [serviço]
nos reunimos com a direção para o planejamento das atividades e a
avaliação inicial era parte deste planejamento.
Profissional 2 – B
Em 2003, fizemos solicitação para Secretaria de Saúde do Estado, a
qual aprovou por um ano supervisão clínica para a equipe do [serviço],
e esta foi remunerada.
Profissional 1 – C
Além disso, fazem referência à necessidade de haver supervisão periódica
para as equipes, e ao importante papel formador que muitas vezes é exercido pelos
serviços.
Exemplos:
...esse serviço faz parte das experiências pioneiras, como já dito, e
forjou na prática esses processos sendo no período dos anos 80 e 90,
um grande treinador e supervisor para a Secretaria de Estado da Saúde
104
implementar a transformação do modelo assistencial psiquiátrico no
estado de São Paulo.
Profissional 3 – A
Sabemos da necessidade e da importância da supervisão para a
equipe, mas isso não está acontecendo em nosso serviço.
Profissional 1 - C
4) Considerações finais
O presente estudo ateve-se ao desvelamento de alguns dos conceitos que
norteiam, as práticas profissionais nas equipes dos serviços substitutivos de saúde
mental do município de Botucatu. Ao expressarem-se a respeito do que entendem sobre
os procedimentos de avaliação inicial e planejamento terapêutico realizados nos
serviços nos quais trabalham, os profissionais explicitam os processos por meio dos
quais dão conta de si mesmos e do mundo em que vivem, como é enunciado pela teoria
das práticas discursivas (Spink, 2000).
Nos prendemos à produção de sentidos no cotidiano de trabalho dos
profissionais, e encontramos formas de definir procedimentos, muitas vezes diferentes,
entre membros de uma mesma equipe. Visualizamos a transposição de ação em
linguagem, conhecendo o modo como as pessoas produzem sentidos e se posicionam
em suas relações sociais cotidianas, o que, num momento de transição conceitual e
prática, como acontece atualmente na saúde mental, revela pontos de força e
fragilidade, clareza e confusão.
105
Os sentidos afirmados pelos profissionais em relação aos procedimentos
estudados transitam entre concepções pessoais, referências teóricas e diretrizes legais
sem deixar de considerar o importante papel constituinte das últimas sobre as primeiras.
Foi possível notar a utilização de termos atuais como “usuário” (para definir o
indivíduo atendido pelo serviço) ao lado de outros como “hospitalidade” (referindo-se ao
tratamento ao qual é submetido no serviço, nos remetendo a práticas mais
ultrapassadas). E ainda, a convivência paradoxal de palavras como “paciente” e
“autonomia” num mesmo discurso, constituindo o que Spink (2000) chama de “espiral
dos processos de conhecimento”, onde conteúdos novos e antigos convivem e são
ressignificados continuamente, após terem sido abertos espaços de ruptura com o
habitual, ou seja, o primeiro passo para “desfamiliarização” de noções naturalizadas.
Esta transição abrange questões que, entrelaçadas, constituem as práticas
cotidianas: questões acerca da política de saúde mental atual; dos paradigmas
existentes dentro das teorias norteadoras de práticas; do tipo de organização dos
serviços e até mesmo envolvendo temas como a significação e a ressignificação do
transtorno mental e de seu cuidado.
Em algumas expressões de sentidos podemos perceber claramente
momentos ativos no uso da linguagem, chamando atenção para um dos exemplos:
Planejamento terapêutico como atividade sistemática para cada
paciente não há. O que temos é a discussão de casos em equipe (...)
tentando articular uma resposta de equipe levando em conta as
habilidades e preferências dos profissionais. Demandas não só da
clientela como também das outras áreas do [serviço]. (...) Uma
conseqüência imediata foi a diminuição da lista de espera e
106
informações para caracterizar o perfil da clientela, expectativas e por
conseqüência o que oferecer como resposta. (...) Outros produtos da
discussão em equipe foram: a montagem do grupo de dependentes de
benzodiazepínicos (...) montagem de grupo de senhoras idosas.
Em que se explicita a necessidade, vista por um dos profissionais, de cuidar
dos serviços. Esta elaboração se faz presente quando fala sobre o planejamento
terapêutico, ou a falta dele, no serviço, momento em que o profissional passa a
descrever os processos de planejamento de funcionamento do mesmo.
Outra manifestação da transição citada anteriormente está no reconhecimento
da importância da participação de usuários e familiares (assim como de outras pessoas
envolvidas em seu cotidiano) no processo de tratamento. Esta importância, descrita em
muitas enunciações sobre o projeto terapêutico, aponta um avanço significativo em
relação às práticas de tratamento que haviam mudado apenas de nome.
A partir das questões apontadas, mostra-se necessário realizar estudos que
se proponham a refletir sobre o conhecimento de senso comum, que permeia, entre
outros ambientes, nas práticas em saúde por parte dos profissionais. Pois estes
conceitos tornam-se habituais, adquirem autonomia e institucionalizam-se como o que é
objetivamente percebido sendo, desta forma, internalizados.
Finalmente, nas palavras de Spink, (2000) é preciso “tranferir o lócus da
explicação dos processos de conhecimento internos à mente para a exterioridade dos
processos e estruturas da interação humana” (p.26), uma vez que “a realidade não
existe independente do nosso modo de acessá-la” (p.28). De acordo com a proposta de
Spink (2000) para efetivamente transformar as práticas nos serviços de saúde mental, é
imprescindível, além das mudanças legais e institucionais já em curso, que se
107
estabeleçam novas práticas no contexto da assistência e que os profissionais possam se
apropriar delas. Para que a partir desta apropriação possam ressignificar as relações
sociais que ali se estabelecem.
5) Bibliografia
BRUYNE, P. et al Dinâmica da pesquisa em ciências sociais 5
a
. ed Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1991
BOGDAN, R. & BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação. Uma introdução à
Teoria e aos Métodos. Portugal: Porto Editora, 1994. p. 47 – 51.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Ed. Atlas, 1988. p.121 –
125.
LIMA, H. SPINK, M. J. Rigor e visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação In
Spink, M.J. (Org) Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano:
aproximações teóricas e metodológicas 2
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MEDRADO, B. SPINK, M. J. Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem
teórico metodológica para análise das práticas discursivas In Spink, M. J. (Org)
Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e
metodológicas 2
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. ed São Paulo: Cortez 2000 296p
MINAYO, M.C.S. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade 12
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RIVOREDO, C.R.S.F Um modelo de organização, análise e interpretação de dados
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qualitativa em saúde: múltiplos olhares. Publicação do “ I Seminário de Pesquisa
Qualitativa em Saúde” FCM – UNICAMP 2004.
FREZZA, R.M, SPINK, M. J. Práticas discursivas e produção de sentidos: a
perspectiva da psicologia social In SPINK, M. J. (Org) Práticas discursivas e
produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas 2
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São Paulo: Cortez 2000 296p.
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SPINK, M. J. (Org) Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano:
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SPINK, M. J Linguagem e produção de sentidos no cotidiano Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004 87p.
TURATO, E.G. Tratado da metodologia clínico qualitativa: construção teórico
epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Rio
de Janeiro: Vozes, 2003 685p.
109
Anexos
QUESTIONÁRIO:
1) Há avaliação inicial dos usuários neste serviço? (em caso de resposta
negativa, justificar).
1.1) Como e para que é realizada a avaliação inicial neste serviço?
1.2) Exemplifique com um caso.
2) Há planejamento terapêutico para os usuários neste serviço? (em caso de
resposta negativa, justificar).
2.1) Como e para que é realizado o planejamento terapêutico neste serviço?
2.2) Exemplifique com um caso.
OBS: Não identificar os casos.
3) Neste serviço, como se deu a implantação da avaliação inicial e do
planejamento terapêutico?
3.1) Foi realizado algum tipo de treinamento ou supervisão? (em caso de
resposta positiva, descrever).
110
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
A pesquisadora Helen Isabel de Freitas, aluna do curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
da Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP, sob orientação do Prof. Alfredo Pereira Jr., vem por meio
deste solicitar sua valiosa colaboração no Projeto "Avaliação Inicial e Planejamento Terapêutico em
Serviços Substitutivos de Saúde Mental em Botucatu: uma discussão a partir das diretrizes da OMS.",
tendo como objetivo: Conhecer os procedimentos e/ou estratégias de avaliação inicial e planejamento
terapêutico nos serviços substitutivos para tratamento em Saúde Mental de Botucatu ( CAPS, Hospital-
dia, Centro de Saúde Escola).
Para tal recorreremos à entrevista por escrito - Questionário. Gostaríamos de deixar
documentado o total sigilo de suas respostas.
Como entrevistado(a) declaro que fui devidamente esclarecido(a) sobre o estudo e seus
respectivos objetivos e tenho consciência e total liberdade de abandonar a pesquisa ou negar
informações. Expresso minha espontânea participação em colaborar com a referida pesquisa científica
respondendo individualmente às questões e autorizo o uso de minhas respostas em futuras publicações
de informações e dados, mantendo anonimato, com garantia de não sofrer nenhum prejuízo em minhas
atividades profissionais ou em nível pessoal. Caso não me sinta atendido, poderei entrar em contato com
o Prof. Alfredo Pereira Júnior, no Depto. de Educação do Instituto de Biociências da UNESP, Campus de
Rubião Jr., Botuactu-SP, CEP18618-000, ou pelo telefone 14-3882-2459 (resid.) ou 14-3811-6065
(Depto. Educação), ou pelo e-mail
Botucatu, ___de__________2004.
______________________________ _____________________________
Entrevistado: Helen Isabel de Freitas
Aluna do Programa de Pós Graduação
em Saúde Coletiva – Saúde Pública
FMB/UNESP
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