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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
FABIANA GRIECO CABRAL DE MELLO
A INTRODUÇÃO DA TELEVISÃO NA ESFERA FAMILIAR PAULISTANA
NOS ANOS 50:
As transformações nos vínculos comunicativos familiares
Mestrado em Comunicação e Semiótica
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Comunicação e
Semiótica, na área de concentração Signo e Significação nas
Mídias, sob a orientação do Prof. Dr. Norval Baitello Junior.
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
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Dedico este trabalho aos meus sobrinhos,
à nova geração de pessoas com brilho nos olhos
e que me ensinam algo novo todos os dias.
AGRADECIMENTOS
Agradeço por todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização
deste trabalho:
Aos meus pais Ernesto e Marilda, pelas infindáveis demonstrações de amor e ensinamentos
de valores que levarei por toda a vida.
Aos meus irmãos Gabriela, Alexandre e Eduardo, pelo suporte e companheirismo que têm
demonstrado por todos esses anos.
Ao namorado Fábio Vicente Vetritti Filho, pelo carinho, dedicação e coragem em me fazer
sonhar, sempre.
Aos amigos do mestrado Juliano Cappi, Martinho Alves da Costa Junior e Rodrigo Daniel
Sanches, pela frutífera amizade que traz boas idéias.
Aos valiosos relatos da especialista Maria Aparecida Baccega e das vovós Clarice Simões
Grieco, Tamar Simões Fragnam, Lucila Diniz Vetritti e Jacira Diniz Baños, pela emoção
que me levou a uma viagem ao passado.
Aos professores e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela
competência e prontidão que demonstraram nestes anos de convivência.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pelo incentivo
financeiro.
Aos colegas do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia - CISC, pelo
espaço e oportunidade de aprendizado.
À Profa. Dra. Malena Segura Contrera, pelos ensinamentos que me levaram a me aventurar
pelo universo da comunicação.
Aos examinadores da Qualificação Profa. Dra. Dieli Vesaro Palma e Prof. Dr. José
Eugenio de Oliveira Menezes, pela contribuição para a realização deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Norval Baitello Junior, orientador deste trabalho e amigo de todas as horas,
por me fazer acreditar no poder do conhecimento.
v
RESUMO
Esta pesquisa analisa o modo como ocorreu a introdução da televisão na esfera da família,
principalmente na de modelo patriarcal paulistano dos anos 50, e as conseqüências desse
processo nos vínculos comunicativos estabelecidos nessa esfera. Dessa forma, realizou-se
uma contextualização histórica do período, bem como uma contextualização do cenário da
família, em suas principais características do ponto de vista da comunicação. Além disso,
buscou-se definir a forma como ocorreu a disseminação desse novo meio de comunicação:
os principais temas inseridos nesse processo, os programas que marcaram a história da TV,
o surgimento dos astros e das estrelas e o início do agendamento de temas, conhecido como
"agenda-setting". Para tanto, a metodologia empregada foi constituída de pesquisa histórica,
pesquisa bibliográfica e entrevistas em profundidade. A pesquisa histórica consistiu em
investigação na seção de anúncios publicitários dos jornais “O Estado de São Paulo”, “A
Folha da Manhã” e “Folha de São Paulo. Por meio da pesquisa bibliográfica, a questão da
introdução da TV na esfera familiar e seus desdobramentos foi analisada sob a luz de
diversos estudiosos da comunicação, como Edgar Morin, Boris Cyrulnik e Harry Pross,
com especial ênfase para este último autor. Os trabalhos desses especialistas permitiram
discutir se a introdução da televisão no âmbito da comunicação familiar respeitou as
oportunidades e a capacidade de diálogo social entre os familiares, ao invés de ter investido
no desenvolvimento da multiplicidade que conduz ao isolamento e à perda da comunicação
social. O resultado da pesquisa constatou que a televisão interferiu na dinâmica dos
relacionamentos interpessoais e foi realmente capaz de transformar os vínculos
comunicativos familiares. Vale, assim, ressaltar a contribuição da Dissertação para os
estudos da Comunicação e Semiótica ao lançar um olhar sobre a nossa própria história e
ampliar o horizonte do conhecimento que possa melhorar o desempenho de nossas
habilidades comunicativas, tanto no seio da família, quanto nas mais diversas esferas
sociais.
Palavras-chave: Televisão; família; vínculos sociais; comunicação.
ABSTRACT
This research analyzes the way television was introduced in the family environment, mainly
in that one representing the patriarchal model of the 50´s in the city of São Paulo, Brazil, as
well as the consequences of this process in the established communicative bonds in this
sphere. Therefore, the historical period along with the family scenario were contextualized,
considering their main characteristics from a communication viewpoint. Moreover, a
definition of the ways and means of achieving the dissemination of this new media was
investigated: the main topics inserted in this process, programs that stood out in the history
of television, the making of stars and the beginning of the scheduling of subjects, known as
“agenda-setting”. In order to achieve such goal, the methodology used was that of historical
research, bibliographical research and in-depth interviews. The historical research was done
through study of the advertising section of the following newspapers: "O Estado de São
Paulo", "A Folha da Manhã" and “Folha de São Paulo”. Through bibliographical research,
the question of the introduction of the TV in the familiar sphere and its consequences was
analyzed according to the works of many communication experts, such as Edgar Morin,
Boris Cyrulnik and Harry Pross, with special emphasis on this last author. The ideas of
these specialists have allowed discussion as to whether the introduction of television in the
scope of familiar communication respected the chances and the capacity of social dialogue
among family elements, or if it invested in the development of the multiplicity that leads to
isolation and the loss of social communication. The result of the research evidenced that the
television intervened in the interpersonal relationships dynamics and was really able to
transform the family communicative bonds. It is worth, thus, to point out the contribution of
this paper to the studies of the Communication and Semiotics while casting an eye over our
own history and broadening the horizons of knowledge that can improve the performance of
our communicative abilities, in the midst of the family or in the most diverse social spheres.
Keywords: Television; family; social bonds; communication.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................1
1 DESVENDANDO O CENÁRIO HISTÓRICO E ANALISANDO O CENÁRIO
DAS FAMÍLIAS DOS ANOS 50.......................................................................................11
1.1 Cenário histórico: conhecendo os principais acontecimentos que possibilitaram
o surgimento da televisão.......................................................................................13
1.1.1 O universo político......................................................................................14
1.1.2 O capital estrangeiro frente às leis de regulamentação dos meios de
comunicação............................................................................................................18
1.1.3 A crise do papel e a liberdade de imprensa..............................................22
1.1.4 O início do declínio do rádio após décadas de apogeu.............................26
1.2 Cenário familiar: o modelo patriarcal da família da elite paulistana nos anos
50 e a comunicação na esfera familiar..................................................................34
1.2.1 O papel dos pais..........................................................................................37
1.2.2 As relações e vinculações estabelecidas entre os familiares pelo
nascimento...............................................................................................................45
1.2.3 A formação da noção de comunidade por meio dos vínculos.................48
1.2.4 Construção de vínculos familiares X troca de informações....................51
2 MODUS OPERANDI: O FUNCIONAMENTO DO APARELHO.....................57
2.1 Principais aspectos inseridos no processo de disseminação da televisão ao longo
da década de 50.......................................................................................................60
2.1.1 A magia da tecnologia e a onda do futurismo..........................................62
2.1.2 A divulgação dos bons costumes................................................................69
2.1.3 O desenvolvimento da televisão atrelado ao futebol................................75
2.2 Programas que marcaram a história da TV........................................................86
2.2.1 Teleteatro – TV de Vanguarda....................................................................88
2.2.2 Telenovela – Sua vida me pertence.............................................................92
2.2.3 Telejornal – Repórter Esso.........................................................................98
2.2.4 Programa de perguntas e respostas – O céu é o limite...........................102
3 SINTONIZANDO OS CANAIS: AS CONSEQÜÊNCIAS DO ADVENTO E
DO DESENVOLVIMENTO DA TELEVISÃO NA DÉCADA DE 50........................106
3.1 Conseqüências geradas pelo surgimento da televisão.......................................109
3.1.1 O surgimento dos astros e estrelas – os artistas e as garotas-
propaganda............................................................................................................111
3.1.2 Fenômeno agenda-setting..........................................................................118
3.2 Relação entre a introdução da televisão e a esfera da comunicação familiar
paulistana...............................................................................................................124
3.2.1 A interferência da televisão na comunicação primária.........................126
3.2.2 As modificações no tempo e no espaço....................................................131
3.2.3 As transformações nos vínculos familiares.............................................138
CONCLUSÃO...................................................................................................................146
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................155
ANEXOS...........................................................................................................................166
Anexo A - Roteiro da entrevista com especialista.............................................167
Anexo B - Roteiro das entrevistas com moradores da cidade de São Paulo dos
anos 50....................................................................................................................169
Anexo C - Entrevista com Maria Aparecida Baccega.......................................170
Anexo D - Entrevista com Lucila Diniz Vetritti.................................................179
Anexo E - Entrevista com Jacira Diniz Baños...................................................184
Anexo F - Entrevista com Clarice Simões Grieco..............................................189
Anexo G - Entrevista com Tamar Simões Fragnam..........................................193
INTRODUÇÃO
2
É curioso observar o grau de penetração da televisão no cotidiano dos
brasileiros das mais diversas regiões do país. Pesquisas mais recentes trazem dados
significativos sobre esse aspecto ao revelar que há 162,9 milhões
1
de pessoas que moram
em domicílios com televisão colorida, o que significa dizer que mais de 90 % da
população
2
tem acesso a esse meio de comunicação. Atualmente o acesso à televisão
parece ser um fator que independe da classe social, uma vez que famílias de classe alta e de
classe baixa conseguem assistir aos mesmos programas exibidos pela TV aberta.
Entretanto, essa questão do acesso à televisão não foi sempre assim.
O surgimento da televisão em 1950 foi um acontecimento que marcou a
história dos meios de comunicação do país. Apenas 200 televisores (MATTOS, 2002, p.
81) foram importados por Assis Chateaubriand e espalhados pela cidade de São Paulo,
instalados em estabelecimentos comerciais ou casas de famílias da elite. O difícil acesso
aos televisores foi um fator importante para a construção de um diferente cenário
comunicacional nos quais os aparelhos foram introduzidos. Na verdade, a questão do
acesso à TV na primeira década de sua implantação é um fator importante, porém
ineficiente para responder como foi o processo de introdução da televisão no Brasil.
Partindo da consideração de que nos dias de hoje os índices de acesso à
televisão são altos e tendo como interesse a verificação sobre a forma como os
telespectadores tiveram acesso às primeiras televisões do país, é que o desejo para a
realização desta pesquisa foi ganhando força. É evidente que apenas o desejo pessoal em
ler sobre determinado tema não teria garantido a realização deste trabalho. A vontade em
estudar o período de surgimento da televisão no país foi crescendo à medida que as leituras
avançaram sobre o vasto campo da comunicação.
Conforme a leitura começou a indicar, a maior parte dos livros sobre
televisão, comunicação e jornalismo tratava a questão do advento e do desenvolvimento da
TV a partir de uma ótica puramente histórica. E não há nenhum problema nesse tipo de
abordagem, já que muitos trabalhos que se ocupam desta temática pelo viés histórico o
1
Dado retirado do texto Brasil tem mais TV em cores do que esgoto, escrito por Talita Bedinelli e divulgado
no dia 19 de março de 2007. Encontra-se na seção de reportagens do site do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, disponível em: www.pnud.org.br. Os dados para o texto foram extraídos da PNAD
2005 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), realizada pelo IBGE.
2
Essa estimativa foi possível graças aos dados do Censo Demográfico de 2000: Resultados do Universo,
encontrados em: www.ibge.gov.br.
3
fazem com maestria. A grande questão é que o desejo pessoal de entender o processo de
surgimento da TV acabava buscando respostas que não estavam estampadas nos livros de
história. Porém, como conhecer o processo de surgimento da televisão no Brasil, se não há
nenhum tipo de estudo que analise de maneira relacionada esse advento e as pessoas que
viviam nos ambientes nos quais foram introduzidos esses novos meios de comunicação?
Esta foi a chave para a realização desta pesquisa. É possível encontrar livros
e estudos que analisam a televisão sob uma ótica histórica, bem como há materiais que
realizam esta análise sob a ótica publicitária, econômica, enfim, há inúmeros assuntos que
podem ser relacionados com a televisão. Acontece que há uma lacuna nos estudos da
Comunicação e da Teoria da Mídia, que visa ser preenchida com a realização desta
pesquisa ao fazer uma análise que relaciona o advento e o desenvolvimento da TV no país
com os grupos mais afetados pela introdução dos aparelhos em suas esferas
comunicacionais.
Logo, foi estabelecido o objetivo principal deste trabalho: verificar como
ocorreu o processo de introdução da televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50 e
quais foram as conseqüências desse processo nas estruturas comunicativas entre os
familiares. De forma mais específica, este trabalho pretende analisar se a introdução da
televisão nessa esfera foi capaz de transformar os vínculos comunicativos estabelecidos
entre os familiares. A partir dessa definição objetiva do que devia ser avaliado neste
trabalho, houve a escolha de uma metodologia que desse suporte para o desenvolvimento
da pesquisa.
É importante ressaltar que as escolhas, nesse momento, não partiram
simplesmente de uma questão de gosto pessoal. As leituras e a oportunidade de
conhecimento do tema antes da definição metodológica evitaram que uma metodologia
previamente estabelecida amputasse o objeto ou lhe colocasse em uma camisa de força.
Conforme as leituras foram sendo feitas, o próprio objeto foi determinando quais caminhos
deveriam ser seguidos para que a pesquisa ficasse mais completa e respeitasse a veracidade
dos acontecimentos ligados à televisão nos anos 50.
Dessa forma, o tema foi se revelando e demonstrando a necessidade de três
frentes de trabalho. A pesquisa bibliográfica estaria mais completa se houvesse uma
pesquisa histórica nos jornais da época e ganharia legitimidade a partir das entrevistas em
4
profundidade. A pesquisa bibliográfica foi, então, a primeira etapa e representou um
procedimento fundamental para o embasamento teórico dos conceitos desenvolvidos nos
capítulos a seguir. Dentre os muitos estudos e teorias consultadas, merecem destaque os
trabalhos do neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik, do sociólogo francês Edgar Morin e
do jornalista e teórico da comunicação alemão Harry Pross.
A utilização de alguns conceitos dos três autores acima citados parece ser a
adoção de uma medida abrangente, de acordo com as diferentes áreas nas quais cada um se
insere. No entanto, é fundamental ressaltar o caráter investigativo desta pesquisa ao avaliar
tópicos que são objetos de estudo de diferentes campos, mas que tenham feito parte do
processo de introdução da televisão na esfera social da família dos anos 50. Dessa forma,
os conceitos desenvolvidos por cada um desses estudiosos deram uma contribuição efetiva
no que diz respeito aos diferentes itens analisados nos três capítulos que dão corpo a este
trabalho.
De forma geral (e resguardando a apresentação dos principais assuntos
abordados em cada capítulo, como consta no fim desta introdução), a pesquisa foi divida
em três grandes partes: o retrato do cenário histórico-familiar dos anos 50, os temas e
programas característicos no período de surgimento da televisão e as conseqüências
geradas pelo processo de introdução da TV na esfera da família. Sendo assim, podemos
identificar que determinados conceitos desenvolvidos por esses estudiosos esclareceram
temas que acabaram por dar sustento a esta análise.
Por exemplo, Boris Cyrulnik desenvolve pesquisas muito interessantes
sobre o comportamento dos animais em seu meio natural, assim como avalia o ser humano
a partir de uma abordagem da psiquiatria, biologia, lingüística e outras áreas do
conhecimento. O que mais interessa nesta análise é a utilização de conceitos sobre o
vínculo, a noção de pertencimento ao clã, à família, enfim, à comunidade na qual o homem
está inserido e a necessidade do afeto. Esses conceitos desenvolvidos por Cyrulnik foram
essenciais no primeiro capítulo para que, tendo-os como base, fosse possível compreender
de que modo os meios de comunicação são capazes de atuar e interferir nas características
inerentes ao ser humano.
Já os livros de Edgar Morin, utilizados como bibliografia, estão mais
voltados para a questão do homem e seus paradigmas, partindo da concepção cultural dos
5
diferentes períodos da história. Os conceitos apresentados nos dois volumes da publicação
Cultura de Massas no Século XX foram primordiais para situar o homem em meio a um
conjunto de mudanças características dos anos 60 e 70 ao analisar “as conseqüências
sociais, psicológicas e espirituais da penetração da Tierce Culture ou da mass culture nos
aglomerados sociais
3
”. Ainda que possa parecer um equívoco a utilização dos livros que
analisam o cotidiano das pessoas nas décadas de 60 e 70, deve ficar claro que os conceitos
apresentados nessas obras não se encerram em si mesmos.
As obras de Edgar Morin deram embasamento teórico e possibilitaram uma
comparação entre seus escritos e os fenômenos observados na sociedade brasileira com o
surgimento da televisão nos anos 50. Essa comparação fica evidente em alguns itens, como
por exemplo, no momento em que os artistas e garotas-propaganda ganharam status de
astros e estrelas da TV. Ainda a respeito dos estudiosos que foram indispensáveis para a
realização desta pesquisa, é necessário apontar a importância vital das teorias de Harry
Pross. Esse teórico da comunicação elaborou conceitos que guiaram o percurso desta
pesquisa, partindo do pressuposto básico de que os meios de comunicação podem ser
definidos em três instâncias.
Somente por meio da compreensão sobre os conceitos de comunicação
primária, secundária e terciária tornou-se possível compreender a comunicação
interpessoal dos familiares e a introdução da televisão nessa instância. Isso porque o
diálogo, caracterizado pela comunicação interpessoal, presencial e marcada pela mesma
noção de tempo e espaço, ganhou um novo elemento quando a TV foi introduzida no
cenário comunicacional familiar. Com a televisão, a comunicação pautada no corpo, logo,
nos meios primários, foi transformada. A TV é um meio terciário, “isto é, os que
funcionam quando emissor e receptor possuem aparatos compatíveis, vinculados entre si
por ondas eletromagnéticas” (2000, p. 79), que modificou a dinâmica da comunicação e o
processo de vinculação na esfera familiar.
Além disso, o conceito de “economia de sinais”, definido como “a
tendência de superar no menor tempo possível os maiores espaços possíveis com o menor
gasto possível para a comunicação individual” (1989, p. 97), dá suporte para entendermos
a lógica do funcionamento da televisão e o interesse em superar no menor tempo as
3
Essa definição está na própria capa dos dois volumes da publicação.
6
maiores distâncias em função do menor gasto. Essas questões vão ao encontro das
indagações que surgem ao longo da pesquisa, como pode ser verificado nos capítulos
apresentados.
Deste modo, Boris Cyrulnik, Edgar Morin e Harry Pross foram
indispensáveis, embora os conceitos de muitos outros autores também tenham sido
importantes ao longo da pesquisa bibliográfica. Conforme a pesquisa bibliográfica foi
avançando, iniciou-se a pesquisa histórica. Essa atividade esteve focada na investigação de
anúncios publicitários veiculados nos jornais O Estado de São Paulo, A Folha da Manhã e
Folha de São Paulo durante a década de 50. Os anúncios que melhor ilustram o quadro de
surgimento da televisão, de venda dos aparelhos, de mudança de comportamento da
população e de qualquer aspecto relevante para o desenvolvimento desta questão, foram
fotografados e dispostos ao longo do corpo do texto desta pesquisa.
É importante ressaltar que os anúncios não foram colocados em anexo por
dois motivos principais. O primeiro se refere à capacidade ilustrativa que os anúncios
oferecem pela utilização do texto e das imagens, ou seja, os anúncios conseguem mostrar
como a publicidade da época tratou o surgimento da televisão. Segundo, o material
colocado em anexo neste trabalho diz respeito somente às entrevistas que aparecem
transcritas e editadas segundo a consistência das próprias informações.
Deve ser feita uma consideração sobre as entrevistas colocadas em anexo.
Foram realizadas cinco entrevistas em profundidade, sendo uma com a especialista Maria
Aparecida Baccega e as outras quatro com moradores da cidade de São Paulo que viveram
no período de surgimento da televisão. As entrevistas foram transcritas e editadas, segundo
a relevância das informações para a realização deste trabalho. Sendo assim, as entrevistas
não tendem a dar conta do tema da introdução da televisão na esfera familiar paulistana,
embora sejam de grande valia para a pesquisa. As entrevistas são enriquecedoras à medida
que trazem dados importantes e que, muitas vezes, estão diretamente relacionados aos itens
tratados neste trabalho.
Evidentemente surgirão questionamentos que verifiquem a utilização dessa
metodologia, se este procedimento foi realmente capaz de cumprir o objetivo de avaliar o
processo de introdução da televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50. A resposta
para tal indagação deve considerar que este trabalho visa o cumprimento de seu objetivo,
7
considerando o enfoque dado ao surgimento da TV e a interferência desse novo meio de
comunicação nos vínculos comunicativos estabelecidos entre os familiares. Porém, essa
resposta corresponde a uma parte da problemática sobre o advento da TV e seus
desdobramentos no cenário familiar.
Seguindo essa linha de raciocínio, devemos considerar que o
estabelecimento de um objetivo e a busca por seu cumprimento representa uma questão de
ordem teórica. A partir do momento em que se optou pela utilização das teorias de
determinados autores, conseqüentemente acabou ficando de fora uma série de outros
autores que também poderiam vir a acrescentar. Só que, essa agregação de um maior
número possível de teorias necessariamente não responderia aos questionamentos que
surgiram ao longo da análise.
Este é o caso, por exemplo, da maneira como foi tratada a questão da
linguagem trabalhada por Vigotski. Se de um lado, está a complexidade e a importância de
seus estudos, de outro, avaliou-se a necessidade de compreender o cenário comunicacional
da família dos anos 50 e a interferência da televisão nesse processo. O resultado dessa
ponderação foi o cuidado em não deixá-lo de fora desta análise, embora se haja evitado o
aprofundamento de suas teorias. Os professores que compuseram a Banca de Qualificação
deram contribuições valiosas com a citação de autores que poderiam dar suporte às idéias
apresentadas neste trabalho. No entanto, não foi possível desenvolver novas pesquisas que
contemplassem a profundidade dos autores e dos temas abordados por eles dentro do
cronograma previsto para a realização desta pesquisa. A fim de evitar o risco de utilizar
conceitos de forma equivocada, os estudos de recepção, a relação dialética/dialógica e as
teorias acerca da metáfora, desenvolvidas por George Lakoff, não foram incluídos nesta
pesquisa.
Talvez a recusa de certas teorias possa ser apontada como resultado da
limitação do tempo de pesquisa. A partir do momento em que é determinado um período
para a realização da mesma, é de fundamental importância cumprir as etapas previamente
estabelecidas pela metodologia e acabar privilegiando os autores que foram estudados com
mais afinco. Além desse fator, podemos apontar uma outra limitação que surgiu com a
realização das entrevistas, já citadas anteriormente nesta introdução.
8
As entrevistas foram de extrema importância para o delineamento do
cenário histórico e familiar nos quais os entrevistados estavam inseridas nos anos 50. A
limitação encontrada, no momento em que as perguntas estavam sendo formuladas, foi a
possível dificuldade que os entrevistados teriam para lembrar com exatidão determinados
aspectos que respondiam às perguntas feitas anteriormente. Diante dessa falha de memória
que dificultaria o andamento das entrevistas, foram tomadas duas medidas que acabaram
por facilitar essa atividade.
A primeira se refere à escolha dos entrevistados. Foram selecionados
entrevistados que fizessem parte da mesma família, ou seja, o caráter das entrevistas em
profundidade dá a possibilidade de tratar as mesmas questões com dois membros da
mesma família, o que diminui o risco de falta de informações. Outra medida que contribuiu
para a estrutura das entrevistas ficar mais clara foi a transcrição e a edição das
informações, como foi dito anteriormente.
A partir dessas considerações, podemos dar início a definição da estrutura
deste trabalho. Logo após esta introdução, há três capítulos que foram organizados de
modo a cumprir o objetivo, já sinalizado, de avaliar o processo de introdução da televisão
na esfera familiar paulistana nos anos 50 e as conseqüências desse processo nas estruturas
comunicativas entre os familiares. Essa estrutura, aparentemente enxuta, diminui o escopo
e aprofunda o tratamento das temáticas abordadas em cada capítulo.
Sendo assim, no primeiro capítulo serão apresentados os dois principais
cenários que dão suporte para o advento e o desenvolvimento da televisão. O cenário
histórico revela o universo político da década de 50, a constante mudança de presidentes, a
interferência do capital estrangeiro nos meios de comunicação e a crise do papel que afetou
a liberdade de imprensa. Ainda nesse item, é feita uma explanação sobre a importância do
rádio e o papel que vinha desempenhando no período chamado de “fase de ouro do rádio”.
A segunda parte desse primeiro capítulo ocupa-se do cenário mais restrito
no qual a televisão foi inserida. A abordagem do cenário das famílias dos anos 50 acabou
por delimitar o perfil da que foi atingida mais diretamente pela introdução da televisão,
pois se assim não o fosse, esta pesquisa avaliaria todos os modelos de família existentes
nesse período. Além disso, seria necessária uma relação do surgimento da televisão na
9
sociedade paulistana com cada uma dessas famílias. O que resultaria em uma abordagem
exaustiva e pouco esclarecedora.
O surgimento da televisão, representado por 200 aparelhos instalados nos
estabelecimentos comerciais e nas casas das famílias da elite, acabou definindo o modelo
de família a ser analisado. Na década de 50, o principal grupo social que teve acesso à
televisão foi a família de modelo patriarcal da elite paulistana e seus agregados, como
parentes, amigos e vizinhos. Nesse modelo de família patriarcal havia uma organização
própria de um núcleo pai-mãe, acrescido de filhos que se mantêm fiéis aos comandos do
chefe da família. Além disso, o capítulo apresenta o estabelecimento de relações
interpessoais através dos vínculos e sua importância para a noção de comunidade.
Após essa apresentação dos cenários histórico e familiar, o capítulo 2 trata a
questão do funcionamento do aparelho. Isto é, a partir do momento que se conhece o
cenário no qual a televisão foi inserida nos anos 50, é necessário conhecer a forma como
esse novo meio de comunicação começou a se desenvolver. Primeiro, o desenvolvimento
da televisão está relacionado a temas, como o da tecnologia, da divulgação dos bons
costumes e do futebol. Junto ao tema, estão os programas de diferentes gêneros que
marcaram a história da TV: o teleteatro – TV de Vanguarda, a telenovela – Sua vida me
pertence, o telejornal – Repórter Esso e o programa de perguntas e respostas – O céu é o
limite.
Por meio da análise sobre os principais temas que fizeram parte do processo
de introdução da televisão na esfera familiar paulistana e dos programas de grande sucesso
que chamaram a atenção do público, foi possível verificar o início da interferência da
televisão na organização da família de modelo patriarcal da elite paulistana dos anos 50. E
é exatamente essa relação entre a televisão e a comunicação característica do cenário
familiar que foi estabelecida no capítulo 3.
Na verdade, houve uma divisão entre dois aspectos que estiveram presentes
nesse processo de desenvolvimento da TV. O primeiro faz referência às conseqüências
geradas pela televisão, mas que estão em uma esfera mais relativa às produções do que
propriamente à interferência resultante da introdução desse novo meio de comunicação na
família. Deste modo, a primeira parte apresenta o surgimento dos astros e estrelas e o
fenômeno agenda-setting.
10
Na segunda parte é possível estabelecer uma conexão entre todos os pontos
que foram anteriormente apresentados no capítulo 1 e 2 e na primeira parte do capítulo 3.
A avaliação dos acontecimentos que deram suporte para o surgimento da TV e da forma
como esse meio foi se desenvolvendo, por meio de temas, programas e fenômenos gerados
em sua própria estrutura, é indispensável para que possamos compreender a atuação desses
fatores no processo de introdução da televisão na esfera familiar paulistana dos anos 50.
Nesse ponto, estabeleceu-se a relação entre o surgimento da televisão e a
esfera da comunicação familiar paulistana. Essa relação torna-se possível de acordo com os
estudos sobre a interferência da TV na comunicação primária e as modificações que
ocorreram nas noções de tempo e espaço no ponto de encontro dos familiares. Por fim, o
último item deste capítulo analisa como o processo de introdução da televisão na esfera
familiar paulistana transformou o estabelecimento de vínculos entre os familiares e
agregados envolvidos nas reuniões ao redor dos televisores.
11
1 DESVENDANDO O CENÁRIO HISTÓRICO
E ANALISANDO O CENÁRIO DAS
FAMÍLIAS DOS ANOS 50
12
A introdução da televisão na esfera familiar paulistana foi um processo
resultante do surgimento desse meio de comunicação no país. Na verdade, é fundamental
partir do princípio de que o advento da televisão e sua introdução na esfera familiar são
fatores que fazem parte de um conjunto de ações características de um período de
mudanças na estrutura econômica, social e política no Brasil (MATTOS, 2002, p. 27). A
fim de compreender com maior exatidão como ocorreu o surgimento da TV em meio a
essas mudanças, é necessário verificar quais eram os fatores, os acontecimentos e os
personagens que marcaram a história do país nesse período.
Conhecer os eventos mais relevantes desse período, desde as
movimentações políticas até as condições da imprensa e do rádio, é a única forma de
começarmos a identificar quais foram os fatores que possibilitaram o surgimento da
televisão. Sendo assim, a primeira parte deste capítulo ocupa-se dessa função, retomar o
quadro de mudanças sociais de acordo com uma visão que privilegie os acontecimentos
que acabaram por definir o modo e a forma como ocorreu o início da televisão brasileira.
Acontece que o início da televisão brasileira está diretamente associado às
pessoas que começaram a ter acesso a esse novo meio de comunicação. Havia uma
movimentação em torno da TV que suscitava interesse e curiosidade da população por
aquele novo veículo. Tanto é que, do início dos anos 50 ao início dos anos 60, houve um
salto representativo dos 200 primeiros aparelhos instalados pela cidade de São Paulo para
os quase 600 mil aparelhos espalhados por todo o país (MATTOS, 2002, p. 83).
O salto no número de aparelhos reflete uma mudança de mentalidade e de
comportamento da população que foi às lojas para comprar um televisor para colocá-lo em
sua casa. Essa atitude foi responsável pelo início de um processo que trouxe uma dimensão
diferente para as famílias que viviam nessa esfera. Logo, a questão da introdução da
televisão na esfera familiar acaba por levantar uma questão fundamental. Se a televisão
levada para dentro dos lares de muitas famílias brasileiras, inicialmente apenas das famílias
paulistanas, trouxe uma nova dimensão comunicacional, como era o cenário dessas
famílias antes desse acontecimento?
É exatamente essa questão que será tratada na segunda parte deste capítulo.
A análise do cenário familiar, principalmente da família de modelo patriarcal da elite
paulistana, dá condições para que se reconheçam as principais características desse grupo
13
social. O papel dos pais, as relações estabelecidas pelo nascimento e a noção de
comunidade por meio dos vínculos são fatores importantes a serem abordados, pois são
elementos fundamentais para compreender como se dava dinâmica dos relacionamentos
interpessoais antes e depois da introdução da TV nessa esfera.
1.1 Cenário histórico: conhecendo os principais acontecimentos que possibilitaram o
surgimento da televisão
A introdução da televisão no país ocorreu em um importante cenário
histórico brasileiro. De uma forma geral, podemos dizer que o período de origem e de
disseminação da TV é abrangente, o que poderia nos levar a um estudo que compreende
as últimas cinqüenta décadas. No entanto, o foco deste trabalho é analisar de uma forma
específica o impacto desse meio de comunicação na esfera da comunicação familiar na
primeira década de sua implantação, que compreende os anos entre a década de 50 e 60.
Essa delimitação pode parecer problemática em relação à compreensão
do desenvolvimento da televisão no país, chegando até a representar uma possível falha
metodológica ao estabelecer um intervalo de tempo que não fosse capaz de revelar os
principais acontecimentos responsáveis pela compreensão do processo de introdução
definido pelos objetivos. Na verdade, a delimitação de um período de dez anos não
representa o risco de não dar conta das metas relativas ao procedimento metodológico.
Ao contrário, a escolha pela avaliação de um período de dez anos é uma
decisão consciente em buscar os principais acontecimentos da época que dessem
condições para a introdução da televisão e justificassem a mudança do cenário
comunicacional. Isto é, diminuir o escopo da pesquisa e aprofundar os temas. Desta
forma, começamos a exploração de um cenário histórico delimitado que não apenas
oferece a análise dos acontecimentos, como também nos permite pensar em que medida
as reviravoltas em diferentes campos sociais colaboraram para o surgimento da TV.
14
1.1.1 O universo político
A implantação da televisão no Brasil começou em fevereiro de 1949 por
meio do suporte e incentivo de Assis Chateubriand. O jornalista iniciou as instalações, sob
muito mistério (MATTOS, 2002, p. 171), a fim de inaugurar a televisão antes de países
que também passavam por esse processo, como o México e Cuba. Apesar da sede da TV
Tupi no Rio de Janeiro ter sido inaugurada em janeiro de 50, algumas dificuldades técnicas
atrapalharam a transmissão de imagens, o que só foi ocorrer meses depois.
Exatamente no dia 10 de setembro, foi exibido um filme no qual Getúlio
Vargas fala sobre seu retorno à vida política. Ainda que de forma experimental, a
utilização das primeiras imagens transmitidas revela que o interesse por sua implantação
passa pela questão política. O fim do Estado Novo e a saída de Getúlio Vargas do poder,
após uma política populista que durou 15 anos, foram marcados pelo estabelecimento da
Constituição de 1946, que representou uma tentativa de redemocratização com o fim da
concentração de poderes na figura do chefe do Poder Executivo e o estabelecimento de
uma divisão dos Poderes mais alinhada aos ideais democráticos (MOTA e BRAICK, 1997,
p. 536).
O governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, de 1946 a 1951, teve dois
momentos principais. O primeiro, de 46 a 47, foi marcado pela política econômica liberal
do laissez-faire, em que o desenvolvimento seria alcançado pelo mercado, uma vez que
este regularia a economia. Já o segundo período, de 47 a 51, foi marcado por uma política
intervencionista estatal através do plano de metas conhecido como SALTE – saúde,
alimentação, transporte e energia. Ambas políticas estatais não obtiveram o êxito
planejado, em especial pela falta de verbas públicas.
Frente a isso, a disputa política que se organizava para o próximo governo
concentrava-se na disputa entre os próprios partidos políticos. Foi nesse momento de
disputa política entre os partidos da UDN, PSD e PTB (deixando de lado o PCB que havia
sido colocada fora da lei e seus parlamentares com mandatos cassados) em que a televisão
despontou. Eram muitos os acontecimentos: interferência da Guerra Fria, posicionamento
dos partidos políticos e corrida presidencial.
15
É por isso que o discurso de Getúlio Vargas em setembro de 1950 foi tão
importante. Não podemos atribuir sua vitória nas eleições presidenciais a essas imagens,
pois na época não havia condições necessárias para seu recebimento. O interessante é
verificar que Vargas atribuiu um importante papel aos meios de comunicação, ainda que a
exibição dessas imagens funcionasse de forma precária.
Para se ter uma idéia dessa precariedade, pouco antes da inauguração da TV
Tupi de São Paulo, Walther Obermüller, técnico americano responsável pela instalação dos
equipamentos RCA Victor se deu conta de que não havia nenhum televisor para captar as
imagens transmitidas na cidade (MATTOS, 2002, p. 80). Foi então que Chateubriand,
sabendo da dificuldade que o presidente e seu governo teriam para importar os televisores
por meio dos trâmites normais, ordenou que duzentos televisores fossem providenciados
por contrabando.
Foi assim que a cidade de São Paulo começou a organizar seu sistema de
televisão, instalando televisores em pontos comerciais e casas das famílias da elite. Em 18
de setembro de 1950 as primeiras imagens da televisão brasileira foram transmitidas pela
PRF-3 TV Tupi-Difusora de São Paulo, que se tornou a primeira estação de televisão da
América do Sul.
A TV Tupi de São Paulo transmitiu a apresentação do “Cisne Branco”
realizada pela orquestra do maestro Goerges Henry, que também era diretor da Tupi. A
programação inicial também contava com a cerimônia de inauguração dos estúdios,
esquetes e show de Hebe Camargo, encerrando suas funções às 9 horas da noite. O que
mais chama a atenção em relação ao funcionamento da TV Tupi é o improviso que driblou
a falta de profissionais e de recursos.
O improviso foi fundamental para que a televisão se desenvolvesse nos
primeiros anos da década de 50, quando em janeiro de 51 foi inaugurada a TV Tupi do Rio
de Janeiro, em 52 a TV Paulista, em 53 a TV Record, ambas em São Paulo, em 55 a TV
Rio no Rio de Janeiro, neste mesmo ano a TV Itacolomi em Minas Gerais, em 60 a TV
Excelsior e a TV Cultura, ambas em São Paulo, e a TV Itapoan em Salvador. Em uma
década houve um salto para a existência de vinte emissoras de televisão espalhadas pelo
Brasil (MATTOS, 2002, p. 176).
16
Esse improviso foi importante para o processo de surgimento e
desenvolvimento da TV nas primeiras décadas, mas não apenas de boa vontade dos
profissionais se sustentou esse modelo de comunicação. O início do novo Governo Vargas,
em 1951, foi um importante passo para o desenvolvimento dos meios de comunicação, na
medida em que deu continuidade à industrialização e lutou pelo que chamava de interesses
nacionais.
Apesar da criação de canais, do aumento dos estúdios de televisão e do
aumento do número de aparelhos, que de 200 foram para 598 mil (MATTOS, 2002, p. 83),
é necessário considerar que o período foi caracterizado como uma fase elitista, em que “o
televisor era considerado um luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso”
(MATTOS, 2002, p. 78). Em grande parte, o surgimento e a ampliação do sistema de
televisão se deviam ao modelo de industrialização.
A industrialização estava pautada na produção de bens de consumo e de
bens semiduráveis, mas com Vargas no poder defendendo a implantação de indústrias de
bens duráveis e de materiais pesados, tal como a indústria automobilística, o quadro mudou
de figura. De um lado a industrialização que crescia graças ao investimento estatal e
estrangeiro e, do outro, uma política nacionalista que unia intelectuais, militares,
estudantes, políticos, e líderes operários.
Independentemente do caráter da luta nacionalista, é importante ressaltar
que o desenvolvimento da televisão a partir de uma visão quantitativa dependeu
diretamente dos esforços políticos desse grupo. A compra de um televisor só era possível
pela importação de peças e de televisores produzidos em países mais desenvolvidos,
porém, em 1951, Bernardo Kogubeg iniciou a fabricação de televisores 100% brasileiros.
Era o começo da marca Invictus.
Apesar do ânimo para a indústria brasileira, a política nacionalista do
governo Vargas desagradava aos Estados Unidos, que a identificavam como uma
“inspiração comunista” (KOSHIBA e PEREIRA, 1987, 345), e as elites conservadoras. A
tensão era muito grande e a situação ficou insustentável, até que em agosto Vargas se
suicidou. Sua morte originou uma reviravolta no cenário político da época, uma vez que
passaram pela presidência Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos nos dezesseis meses
seguidos a sua morte.
17
Em 56, Juscelino Kubitschek chegou ao poder com seu discurso “50 anos
em 5”: era a proposta de cinco anos de governo representando 50 anos de
desenvolvimento. Seu Plano de Metas direcionado para os setores de energia, transporte,
alimentação, indústria de base e educação acabou esbarrando na mesma problemática
enfrentada por Vargas, uma vez que para realizar esse plano precisava do capital nacional e
do capital estrangeiro (MOTA e BRAICK, 1997, p. 539).
A oposição entre nacionalistas e entreguistas se tornou inevitável. Os
nacionalistas eram acusados de defender um desenvolvimento apoiado na indústria estatal,
assim como no tempo de Vargas, enquanto os entreguistas, também chamados de liberais,
eram a favor de um desenvolvimento alinhado ao capital estrangeiro, em vez do
intervencionismo estatal. Kubitschek administrou tal discordância ao fazer concessões para
as duas correntes e após seus cinco anos de mandato, em 61, ocorreu novamente a corrida
presidencial entre os diferentes partidos.
Dessa forma, conseguimos observar os principais acontecimentos políticos
no período dos anos 50 aos 60, o que nos dá condições de compreender como o cenário
histórico da época possibilitou a introdução da televisão no país. Na verdade, não foram
apenas esses fatores políticos que determinaram o desenvolvimento da TV. Como veremos
ao longo deste trabalho, seu surgimento e desenvolvimento inicial foram resultados de uma
série de acontecimentos na sociedade como um todo.
A política foi um fator importante porque a partir do interesse dos homens
do poder e as medidas adotadas por eles puderam ser modificados muitos aspectos sociais.
Tal como foi visto até aqui, a delimitação do cenário histórico político exerce um papel
fundamental para a compreensão dessa temática. No entanto, entender política apenas
como “os acontecimentos ligados à posse dos presidentes” não dá conta de explicar o
porquê da televisão ter surgido da maneira como surgiu.
É necessário entender política de um modo mais amplo, considerar as
variáveis econômicas resultantes das medidas adotadas, a interferência dessas decisões na
sociedade civil e as possíveis problemáticas provenientes de medidas que visam ao
desenvolvimento. Partindo dessas considerações, somos obrigados a analisar um outro
fator determinante para a introdução da televisão no país. Os meios de comunicação,
18
principalmente a imprensa, passaram por situações extremamente difíceis na década de 50
devido ao alto investimento de capital estrangeiro.
1.1.2 O capital estrangeiro frente às leis de regulamentação dos meios de
comunicação
“De instrumento de esclarecimento, a
imprensa capitalista se transformou em
instrumento de alienação, fugindo
inteiramente aos seus fins originários”.
Nelson Werneck Sodré
À primeira impressão, o investimento do capital estrangeiro nos meios de
comunicação nacionais pode ser considerado uma tendência de todos os países em
desenvolvimento. Em tese, os países mais ricos aplicam dinheiro em países que necessitam
de capital para seu desenvolvimento, porém, na prática, o alto investimento estrangeiro em
meios de comunicação pode representar o grau de interferência de determinado país na
cultura daquele que recebe o investimento.
Acontece que na instauração da Constituição do Estado Novo, comandado
pelo general Dutra, foi criado o artigo 160 que dizia:
“É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas
ou simplesmente noticiosas, assim como a de rádio-difusão, às sociedades
anônimas ao portador ou a estrangeiros. Nem esses, nem pessoas jurídicas,
excetuados os partidos políticos nacionais, poderão ser acionistas de
sociedades anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129,
números I e II) caberá, exclusivamente, a responsabilidade principal delas e
a sua orientação intelectual e administrativa”. (SODRÉ, 1999, p. 396).
Quando a nova Constituição estabeleceu que os meios de comunicação
deviam permanecer sob a propriedade dos brasileiros, estava claro que o interesse do
governo era manter o caráter nacional das empresas jornalísticas. Indo mais além, o
19
governo estabelecia uma regra de conduta para que os meios de comunicação não fossem
contaminados pela visão dos países ricos, mais especificamente os EUA.
De uma certa forma, a intenção deste artigo era legítima, já que conferia o
monopólio formal da imprensa aos brasileiros. Entretanto, a elaboração do artigo foi por si
só falha, pois de nada adiantava evitar a posse dos estabelecimentos jornalísticos pelos
estrangeiros se os brasileiros que eram donos dos negócios não tinham condições de
mantê-los, pois era necessária uma quantia significativa de capital que desse suporte a toda
estrutura da informação e do entretenimento.
A questão é paradoxal, pois ao mesmo tempo em que a lei beneficiava os
brasileiros, por outro os deixava sem alternativa para que pudessem dar andamento a
produção. Logo, a própria lei estabeleceu um sistema de simulação. Os donos das
empresas, de fato, eram brasileiros, mas os estrangeiros eram os responsáveis pela
manutenção dessas empresas. O dinheiro aqui investido lhes garantia participação nas
publicações e, em grande parte dos casos, as notícias já vinham prontas de uma agência
para as empresas nacionais.
Nos deparamos com a observação de dois aspectos sobre o mesmo
fenômeno. A imprensa se manteve graças aos investimentos estrangeiros, que
permaneciam no pano de fundo dos acontecimentos, enquanto a formalidade garantia a
liderança dos brasileiros nos postos de comando das instituições e a legitimidade dos
conteúdos recebidos através das agências internacionais de notícias. A gravidade não
estava no investimento por si só, mas em toda máquina que girava em torno dele.
A publicação de notícias estrangeiras no Brasil revelava que os meios de
comunicação estavam mais suscetíveis à política internacional do que ao interesse de
publicação daquilo que era importante a cultura nacional, já que nessa época havia a
passagem do poder de Dutra para Vargas. O discurso era outro, havia uma campanha
nacionalista, mas na contramão desses interesses estavam os EUA e seu discurso
antinacionalista contrário à política de Vargas.
Sendo assim, o que chegava de informação por meio das agências era
publicado nas empresas supostamente brasileiras como se fosse uma tradução de um
material que não interferiria na vida das pessoas. A imprensa se via obrigada a publicar
20
materiais que iam diretamente ao encontro do interesse dos imperialistas em usufruir o
petróleo disponível no Brasil e divulgar as idéias da Guerra Fria.
Na verdade, a questão da regulamentação dos meios de comunicação não
estava apenas ligada à obrigatoriedade da posse de uma empresa por um brasileiro ou a
divulgação de uma matéria proveniente de um país imperialista. A grande discussão
também se refere à existência de uma publicidade que não poupava esforços para se fazer
presente nos meios de comunicação. As agências de publicidade podiam atuar como as
agências de notícias, pois se as empresas investiam nos meios de comunicação era porque
tinham algum interesse nisso.
A publicidade impulsionava a produção de jornais, revistas, programas de
rádio, e com o advento da televisão, a programação da TV, mas também obtinha lucro com
esse investimento. As agências de publicidade passaram a exercer um papel de controle
sobre os meios de comunicação da época, assim como sobre o pensamento da população.
Talvez por isso é que durante o governo de Dutra, de Vargas e de Kubitschek,
desconsiderando um pouco a dança de cadeiras entre Café Filho, Carlos Luz e Nereu
Ramos, tenha havido uma separação clara entre os defensores da política pautada no
Estado e aqueles que acreditavam no alinhamento com os países que representavam o
imperialismo na Guerra Fria.
Abordar a temática da imprensa também é abordar a regulamentação dos
meios de comunicação como um todo, pois o fenômeno de investimento de capital
estrangeiro era inevitável. Todas as empresas jornalísticas dependiam do capital interno e
do capital externo para que mantivessem seu funcionamento. No caso da televisão é
fundamental considerar a efervescência desse meio de comunicação em detrimento da
imprensa que, mais do que nunca, se mantinha graças às agências de publicidade
estrangeiras.
Indo mais a fundo nessa questão, a imprensa brasileira passava por
dificuldades por falta de dinheiro para a manutenção de suas empresas, mas em âmbito
global, as empresas jornalísticas estrangeiras também contavam com o investimento da
publicidade. A diferença é que as empresas brasileiras dependiam de investimento interno
e externo, enquanto as empresas estrangeiras dependiam do investimento interno. Porém
ambas empresas jornalísticas estavam associadas à publicidade.
21
É interessante observar que a dificuldade de manutenção da imprensa no
Brasil fazia parte de uma onda internacional de menos leitores e de mais consumidores de
publicidade que começava a ser difundida pelo sistema de rádio-difusão. Na década de 50,
momento de pós-Segunda Guerra, a política brasileira visava ao desenvolvimento da
indústria de base e da organização dos centros urbanos que se voltavam para a produção.
Entretanto, o mesmo processo de urbanização e tentativa de reconstrução da
ordem, no caso dos países diretamente envolvidos na guerra, acontecia simultaneamente
em todo mundo. Nos EUA, por exemplo, “Os novos subúrbios (sem jornais próprios) e o
fato de os trabalhadores irem e voltarem de carro, diminui o hábito da leitura de jornais em
milhões de famílias” (BAGDIKIAN, 1993, p. 236).
Talvez a citação acima não expresse diretamente a realidade do Brasil nesse
período, já que as empresas automobilísticas estavam sendo implantadas. Apesar disso, a
citação é cabível neste contexto de avaliação de uma mudança no cenário social e suas
conseqüências nos meios de comunicação. O fim da Guerra Fria exigiu novas formas de
organização em torno da sociedade, seja ela nos EUA ou no Brasil.
A agravante no caso do Brasil é que as empresas jornalísticas necessitavam
de investimento, mas o próprio governo também necessitava de investimento. A saída era
pedir ajuda ao capital estrangeiro, enquanto nossas empresas, que divulgariam seus
produtos em publicidades locais, ainda engatinhavam. O quadro é extremamente
complexo, pois a política interna e externa, o desenvolvimento das empresas de bens
duráveis, as empresas jornalísticas e a publicidade estavam todos interligados.
“É evidente que não havia, como não há, originalidade nenhuma
nessa distribuição de dinheiro; na existência de empresas que manipulam a
opinião; na existência de outras empresas, as de publicidade, que se
especializam na propaganda e servem às primeiras. (...) as empresas de
publicidade que serviam de intermediárias, eram, na quase totalidade,
estrangeiras; finalmente, as empresas que assim manipulavam, e continuam
a manipular, a opinião, jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão,
acabavam por ser financiadas, mantidas, sustentadas, orientadas por aquelas,
e por refletir e defender os seus interesses, que não eram, e não são, os
nacionais”. (SODRÉ, 1999, p. 406)
22
Ainda a respeito da questão do investimento do capital estrangeiro nas
empresas jornalísticas, somos obrigados a citar a transmissão, em 1° de abril de 1952, da
primeira edição do Repórter Esso
4
(MATTOS, 2002, p. 172). Como o próprio nome
anunciava, o telejornal era patrocinado pela empresa líder no ramo de petróleo e
petroquímica, uma espécie de publicidade, mas que era capaz de garantir o tom jornalístico
do programa. O Repórter Esso foi uma sensação na produção de notícias para a televisão,
sendo mantido no ar por dezoito anos.
O Repórter Esso é o melhor exemplo de que a informação estava
diretamente associada ao sistema de capitais. O investimento do capital estrangeiro na
televisão fez parte de um movimento que abrangia todos os meios de comunicação.
Contudo, há uma peculiaridade na relação entre as empresas responsáveis pela publicação
de jornais e revistas e as empresas de televisão. As duas dependiam do capital estrangeiro,
a primeira em resposta à grave crise do papel e a segunda em resposta ao entusiasmo pela
introdução da televisão no país.
1.1.3 A crise do papel e a liberdade de imprensa
É interessante observar a multiplicidade de fatos importantes na década de
50. Esse período de pós-guerra foi decisivo porque os países eram obrigados a escolher que
rumo seguir para o desenvolvimento econômico resultante da ação de suas empresas. No
Brasil o período de redemocratização visava ao estabelecimento de uma ordem menos
independente dos estrangeiros e isso também estava voltado para as empresas jornalísticas.
Como foi visto até aqui, as empresas jornalísticas enfrentavam dificuldades
econômicas que acabavam por interferir diretamente na forma como se fazia jornalismo. A
imprensa dependia do capital estrangeiro para suas publicações, porém este capital vinha
imbuído de uma carga ideológica que defendia os interesses dos EUA e seu American way
of life. Dessa forma, o investimento de capital trazia consigo uma falta de liberdade de
imprensa nas empresas jornalísticas brasileiras.
A liberdade de imprensa era tolhida. A realidade para os profissionais do
jornalismo era triste, pois ao mesmo tempo em que a lei lhes garantia um sistema mais
4
O telejornal Repórter Esso será analisado no capítulo 2.
23
nacionalista, por meio do artigo 160, o esquema de produção estava completamente
amarrado ao capital estrangeiro. Mais ainda, um dos aspectos fundamentais para a difícil
situação da imprensa foi a crise do papel que se estendeu por mais de décadas.
Se considerarmos dois decênios, de 1943 a 1963, o aumento do preço do
papel importado para a imprensa foi de mais de 5744%. Isso significa que o preço do quilo
do papel de imprensa importado em 1943 era de 2,35 cruzeiros e em agosto de 1963
chegou a 135 cruzeiros (SODRÉ, 1999, p. 411-412). O aumento do preço do papel
acompanhou a ascensão do preço do dólar para essa importação e os valores de compra de
papel ficaram exorbitantes.
Podemos dizer que a falta de liberdade de imprensa não se restringiu ao
investimento de capital estrangeiro nas empresas e à utilização dos espaços de jornais e
revistas para a publicidade. Este é apenas um lado da questão se analisarmos que a
imprensa utilizava o papel impresso como meio de divulgação de seus produtos, mas não
tinha suporte para que a matéria-prima de suas publicações estivesse disponível no
mercado.
Ora, se para produzir jornais e revistas é necessário papel, então o governo
devia oferecer condições materiais para que as empresas tivessem quantidades suficientes
de tal material que possibilitassem trabalhar com o pouco de liberdade que lhes restava. De
uma certa forma, o governo não tinha condições de oferecer melhores condições para as
empresas jornalísticas, e isso passava pela questão do papel, porque dependia de um
esquema mais amplo entre o Brasil e os países investidores.
Porém, é necessário considerar que uma política pública que priorizava o
produto nacional podia, e devia, objetivar o bom desempenho de suas empresas. A crise do
papel atingia as empresas jornalísticas, mas também atingia os mais diversos grupos que
direta ou indiretamente estavam associados a ela. Os leitores conseguiam identificar que as
taxas cambiais de importação do papel dificultavam o trabalho final dos jornalistas e isso
podia ser visto na diminuição do número de páginas dos jornais e revistas.
Os leitores deram conta da diminuição do número de páginas dos jornais,
mas o principal foi a percepção de que por trás de uma publicação mais enxuta, estava uma
problemática de cunho social. Se em 1954 haviam sido consumidas 126.300 toneladas
24
métricas de papel e um ano depois a quantidade havia sido reduzida para 82.000 toneladas
métricas (SODRÉ, 1999, p. 411) é porque havia uma falha no sistema que disponibilizava
determinados bens de consumo.
Foi pensando nessa questão que os governos da época modificaram seu
discurso político, de acordo com o que foi descrito acima. Dutra, Vargas e JK foram
representantes de uma tentativa de controlar as taxas cambiais, a fim de facilitar o processo
de importação, e, principalmente, de ampliar a atuação das indústrias que operavam
timidamente, na maior arte dos casos na produção de bens de consumo não duráveis. A
lógica, até então, era de exportar matéria-prima e importar produtos manufaturados.
Para exemplificar alguns dos principais acontecimentos que iam ao
encontro dessa política, destacamos a inauguração do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE), em 52, no governo Vargas, e que nos anos 80 passa a ser chamado de
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O primeiro de muitos
financiamentos foi voltado para o setor de energia e o dos transportes, absorvendo 60% dos
créditos aprovados. Os outros 40% foram utilizados nos demais ramos da indústria, como
papel e metalurgia
5
.
Algumas das empresas beneficiadas por esses investimentos foram a
Suzano e a Klabin, importantes indústrias no ramo do papel. Para entender melhor como
essas empresas se desenvolveram com o passar das décadas, é interessante observar o
histórico
6
desses grupos:
HISTÓRICO DO GRUPO SUZANO
O grupo nasceu em 1923 com a criação da Leon Feffer & Cia, que
comercializava papéis nacionais e importados. À revenda seguiram-se uma gráfica e uma
pequena fábrica de artefatos de papel. Em 1939 a empresa iniciou a produção de papel e
em 1946, sob nova denominação, já operava três máquinas de papel, iniciando-se as
pesquisas de celulose com uso da base florestal nativa. Em1951 implantou seu primeiro
empreendimento florestal. A Cia. Suzano de Papel e Celulose surgiu em 1956. A planta
operava três máquinas de papel e cartão para embalagem e oferecia condições para
5
De acordo com dados disponibilizados em: www.bndes.gov.br
25
desenvolver em escala industrial a tecnologia de celulose de fibra curta. Em 1957 a Suzano
começava a produção pioneira de celulose de eucalipto, utilizada para fabricar papel de
imprimir e escrever. Nos anos do governo JK a unidade Suzano aumentou sua capacidade
produtiva em celulose alvejada e instalou uma quarta máquina, sendo os financiamentos do
BNDES importantes para essa expansão.
HISTÓRICO DO GRUPO KLABIN
A Klabin Irmãos e Cia. foi criada em 1899 para atuar nos setores de
tipografia e importação de materiais para escritório. Quatro anos depois, inicia a produção
de papel para impressos e invólucros pelo arrendamento de uma fábrica de papel. Em 1909
é criada a primeira fábrica do grupo, a Cia. Fabricadora de Papel. Na década de 30, durante
a industrialização acelerada, surgem dois empreendimentos. Primeiro, por aquisição, uma
fábrica de porcelanas (1931). Três anos depois é fundada a Klabin do Paraná (IKPC),
primeira fábrica integrada de papel e celulose do país, e adquirida a Fazenda Monte
Alegre, cuja reserva florestal serviu para suprir a IKPC. O início das operações, no entanto,
só ocorreria no imediato pós-guerra, em 1946. A produção de embalagens inicia-se seis
anos depois, na Fabricadora. Os anos do Plano de Metas da administração JK são de forte
expansão para o grupo com a ampliação da produção de celulose e implantação de novas
fábricas de papel. Novos investimentos ocorreriam apenas em 1967, com a aquisição de
nova fábrica de papel, junto com a constituição da Papelão Ondulado do Nordeste.
O histórico dos grupos Suzano e Klabin serve de exemplo para verificar
como a política governamental da década de 50 atuou de forma a beneficiar determinados
segmentos de produção. No caso, as indústrias produtoras de papel foram alvo de
investimentos que, dentre outras melhoras, facilitaram a capacidade produtiva em celulose.
O aumento de produção de celulose foi uma conseqüência direta dos investimentos
realizados pelo governo que demonstrou o interesse na modificação da estrutura
econômica existente.
A importação do papel gerou uma grave crise nas empresas jornalísticas,
mas antes disso, gerava uma crise proveniente da falta de investimentos em indústrias que
já atuavam, mas que não tinham condições de ampliar sua participação no mercado
6
O histórico das empresas aqui apresentado foi retirado do texto As estratégias dos grandes grupos
industriais brasileiros nos anos 90 disponível no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
26
nacional. Participando mais, produzindo mais e disponibilizando mais produtos no
mercado, as empresas geravam uma atividade que estimulava outros setores sociais.
Seguramente a ampliação da produção de papel não sanou os problemas
econômicos relativos à escassez que dificultavam a atuação das empresas jornalísticas. A
imprensa continuou tendo uma liberdade mais ou menos restrita, dependendo do grau de
interferência do capital estrangeiro. O mais importante é considerar que esses
investimentos do governo na produção de papel foram um primeiro passo em relação à
diminuição do grau de dependência dos estrangeiros.
Esse fenômeno de empresas jornalísticas em associação com o capital
estrangeiro foi um episódio que nos renderia muitos assuntos a serem tratados neste
trabalho. Principalmente nos anos 60, quando o Grupo Time-Life remeteu ao Grupo Globo,
liderado pela figura de Roberto Marinho, mais de 2.838.613, 28 dólares (SODRÉ, 1999, p.
439). No entanto, a presente pesquisa se atém às questões específicas da década de 50,
período em que ocorreu a introdução da televisão no país.
A questão suscitada pela crise do papel e todo o quadro das empresas
jornalísticas nos levam a considerar os fatores do cenário histórico que deram suporte para
o surgimento da televisão. Todos os pontos apresentados, a política governamental, o
capital estrangeiro, a publicidade, a liberdade de imprensa e a crise do papel foram, em
certa medida, fatores importantes que colaboraram no processo de introdução da TV no
país.
Além disso, a estrutura, o modo como os fatos foram se desenhando,
possibilitou o começo de uma nova era de comunicação que passava a contar com um
sistema de transmissão diferenciado. A televisão teve um processo de experimentação
muito peculiar, um jogo de erros e acertos, uma espécie de abertura para os meios de
comunicação que se viam no epicentro da crise, no caso dos jornais e revistas, ou no
apogeu de suas produções, no caso da fase chamada de “era de ouro” do rádio.
1.1.4 O início do declínio do rádio após décadas de apogeu
27
Apesar da crise que assolava a imprensa e a falta de liberdade dos
profissionais de jornalismo nos meios de comunicação, como um todo, o rádio vinha
seguindo um caminho trilhado pelo sucesso. De fato havia o investimento do capital
estrangeiro, mas a questão da divulgação ideológica ficava em segundo plano diante da
genialidade dos profissionais responsáveis pela grade de programação das emissoras.
A ideologia por trás da notícia até podia existir, mas essa interferência
direta entre a informação e o antinacionalismo era uma questão administrada com mais
facilidade pelos profissionais do ramo. No rádio havia sido descoberta uma fórmula de
sucesso na divulgação de notícias. Vale citar a primeira edição do Repórter Esso
transmitida pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro em 1941 (programa que seria
reproduzido em 52 com formato para televisão, como foi dito anteriormente). Durante 17
anos o programa estabeleceu uma nova forma de se fazer radiojornalismo, com uma maior
dedicação no tratamento das informações, um ritmo diferenciado e uma linguagem
acessível aos ouvintes.
Essa descoberta relativa ao radiojornalismo se estendeu por toda a
programação que ao invés de ficar amarrada na divulgação dos principais acontecimentos
no cenário político ou dissertar sobre os planos que tentavam modificar a estrutura das
indústrias, se voltou para o entretenimento. Os ouvintes queriam saber das notícias, mas
também queriam partilhar desse universo que lhes permitia sonhar.
O sonho vinha dos programas de humor, de esporte, de auditório e,
principalmente, das radionovelas. As radionovelas foram responsáveis por um alto índice
de audiência, de acordo com medições do período realizadas pelo IBOPE
7
, durante boa
parte de suas transmissões no rádio. Para se ter uma idéia desse sucesso, a primeira
radionovela apresentada em 41 foi uma versão da mexicana Em busca da felicidade e a
atração continuou no ar por três anos.
Na seqüência veio a adaptação da cubana O direito de nascer e a resposta
veio imediatamente com o interesse de inúmeros ouvintes, entre eles donas de casa, que
passaram a reservar as noites para acompanhar os capítulos da radionovela. “Tendo as
7
A possível contagem do número de ouvintes começou em 1942, por conta do surgimento do Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE.
28
donas de casa como público alvo, as histórias exageravam no drama, sem deixar de lado a
religião e o romance água com açúcar” (ALVES e MORAIS, 2004, p. 5).
O sucesso foi tamanho que, até meados da década de 50, o Rádio-Teatro
Nacional já havia transmitido 861 novelas
8
. Havia uma tendência do número de
radionovelas aumentar com o passar dos anos, considerando o caráter das produções em
atingir um grande público e lançar artistas que se tornavam celebridades. É interessante
observar como as novelas do rádio conseguiram fazer uso do imaginário popular e lançar
profissionais que foram “apadrinhados” pelo público, segundo uma lógica de heróis-
modelos que propõe mitos de nossa auto-realização (MORIN, 1997, p. 90).
Talvez o surgimento de bons profissionais por meio da prática de
determinado trabalho tenha sido o grande responsável pela reviravolta de sucesso, no que
diz respeito ao apogeu do rádio e ao início do declínio, com a introdução da televisão
quando o rádio vivia sua fase chamada de “era de ouro”. A televisão deu início a suas
atividades, assim como o rádio na década de 20, por meio de experimentações. No entanto,
havia um câmbio de profissionais que modificou a estrutura do rádio, uma vez que muitos
dos responsáveis pela programação decidiram se aventurar por terras desconhecidas em
estúdios de televisão.
Além dos profissionais responsáveis pela parte técnica e operacional, os
artistas “apadrinhados” pelo público se sentiram convidados a tentar outros tipos de
trabalho, com a possibilidade de se fazer telenovela e ter sua imagem conhecida pelo
público ouvinte que conferia suas atuações nas radionovelas.
“Não existe, no Brasil, anteriormente à formação destes meios, uma
tradição de radialistas ou escritores de radionovelas ou radioteatros. Alguns
produtores são importados de outros países, como Gloria Magadan, que
escreve roteiros de radionovelas e, posteriormente, de telenovelas. É
também assim com a televisão. Autores como José Castelar vêm do rádio
para TV; outros, como Durst, migram do cinema; outros ainda, como Lauro
César Muniz ou Dias Gomes, trazem, do teatro para a TV, a experiência
8
De acordo com dados divulgados pela Empresa Brasileira de Radiodifusão – Radiobrás.
29
dramatúrgica. É de maneira experimental que se constrói a história do rádio
e televisão no Brasil”. (BORELLI, 1996, p. 130)
A passagem desses profissionais para a televisão foi uma ação que anunciou
a necessidade de mudança do rádio. Não era possível manter a estrutura, apresentar a
mesma linha de programação e oferecer os profissionais remanescentes da “era de ouro”. A
introdução da televisão abalou a estrutura do rádio e obrigou que fossem tomadas medidas
enérgicas para que conseguisse manter os índices do IBOPE, sem que essa mudança de
postura significasse a perda das características principais desse veículo.
Por isso é pretensioso dizer que a introdução da televisão na década de 50
acabou com o rádio. O rádio não acabou e dificilmente vai acabar, pois a diferenciação
entre o que é produzido para o rádio e para a TV, o formato, a linguagem, a duração, entre
outros fatores, revelam que cada um mantém um público cativo. Além disso, o público
ouvinte e o telespectador conseguem reconhecer as diferenças entre os dois veículos.
Parece mais adequada a afirmação de que o surgimento de um meio de comunicação que
se apropriou dos profissionais e de muitas características de um outro meio, fosse capaz de
anunciar a transformação, que neste caso se refere ao início do declínio do rádio após
décadas de apogeu.
A modificação imposta ao rádio vai deixar ainda mais claro que era
necessário encontrar uma forma de se comunicar por este meio que já não fosse a fórmula
que vinha sendo utilizada desde 22. O impulso para essas mudanças veio com o passar do
tempo, fazendo uso, novamente, da experimentação em tentar levar ao ar uma
programação mais específica. Dessa forma, o rádio começou a se tornar um meio mais
segmentado, apresentando formatos distintos entre as emissoras e oferecendo mais estilos
de programas informativos, a fim de atrair um maior número de pessoas com diferentes
perfis.
Nesse momento de necessidade de modificação estrutural do rádio, é
importante destacar como atuou o pioneirismo de determinados profissionais. O melhor
exemplo dessa atuação foi a de Anna Khoury, que depois de seis anos de fundação da
Rádio Eldorado no Rio de Janeiro, que ocorreu em 1949, fundou a Rádio Imprensa FM. A
era da freqüência modulada ocorria por meio de receptores que funcionavam como se fosse
30
uma linha telefônica privada, na qual a onda de FM ligava os transmissores de rádio ao
estúdio.
O mais interessante dessa história é que a modificação na estrutura do rádio
não dependia somente da introdução da televisão no país, como se fosse um evento
isolado. Seu surgimento e disseminação estavam diretamente ligados aos fatos políticos do
período, assim como os acontecimentos no rádio ocorriam de forma concomitante. Isso
para dizer que a criação da Rádio Imprensa FM foi resultado de uma ação política, na qual
Anna Khoury havia sido espoliada da Rádio Eldorado AM em resposta ao interesse de
grupos jornalísticos politicamente influentes.
O surgimento da Rádio Imprensa FM foi tão inovador que a emissora
utilizou o primeiro transmissor construído no país e teve de começar a produção de rádios
receptores de FM. Com a fabricação dos receptores, os clientes passaram a locar esses
aparelhos e ouvir música durante a programação. Após duas décadas de domínio da Rádio
Imprensa, que liderava solitariamente o universo da FM, outras emissoras surgiram e a
grade musical passou a ser formada por momentos de locução.
A Rádio Imprensa FM é um dos casos que exemplifica a realidade do rádio
na década de 50 em ter de modificar a estrutura do veículo tal como existia. A
segmentação do rádio e a criação de uma FM musical foram medidas que driblaram as
perspectivas daqueles que anunciavam a morte do rádio. Na verdade, essa questão do rádio
e da televisão se inter-relacionam de modo a influenciar e sofrer influências. A introdução
da televisão nos anos 50 influenciou uma modificação no rádio, enquanto o modelo de
funcionamento do rádio era a principal estrutura de comunicação utilizada para o processo
de implantação da TV.
Sendo assim, o rádio e a televisão são veículos de comunicação que
apresentaram inúmeras semelhanças e, ao mesmo tempo, são meios que apresentaram
características peculiares. Embora muitos ouvintes tenham sido atraídos pela TV, o rádio
conseguiu manter um público fiel que dava sustento para a manutenção de suas atividades.
É correto dizer que houve um impacto da TV sobre a “era de ouro” do rádio, porém
também é correto afirmar que a televisão foi obrigada a encontrar um esquema, um modelo
de funcionamento que chamasse a atenção do público sem repetir exaustivamente as
fórmulas de sucesso dos programas de rádio.
31
Um dos fatores responsáveis pela co-existência desses dois meios de
comunicação foi essa capacidade quase que paradoxal de manter algumas características
em comum e estabelecer determinados pontos que fossem diferentes entre eles. O início do
declínio do rádio e o furor causado pela introdução da TV são aspectos que determinaram
uma convivência entre essas duas realidades. Uma convivência difícil de ser
compreendida, mas que conseguiu resistir ao longo dos anos, de acordo com o
entendimento por parte de seus profissionais de que cada veículo devia desenvolver um
tipo de mecanismo próprio de sua linguagem. O rádio procurou manter o número de
ouvintes e a televisão a chamar cada vez mais telespectadores.
Indo mais além, o reconhecimento de que o rádio e a televisão deviam
manter suas diferenças provenientes do caráter de cada um é uma estratégia apontada pela
reação do próprio público. Isso porque o rádio e a televisão são instâncias que competiram
de forma mais acentuada durante a década de 50, já que o rádio vinha desenvolvendo
trabalhos notórios e obtendo um alto índice de audiência, quando a televisão chegou e
diminuiu um pouco seu grau de atuação.
O surgimento de um aparelho que permitisse a transmissão de imagens por
meio de uma estrutura própria, que contava com receptores de TV, foi um grande impacto.
Na verdade, a sociedade como um todo passava por mudanças que visavam à
movimentação da economia, o crescimento das indústrias, a geração de empregos, o
desenvolvimento dos centros urbanos e isso também tem a ver com os bens de consumo
aos quais as famílias passavam a ter acesso.
O objeto de estudo deste trabalho é a televisão, mas é fundamental
esclarecer que a geladeira, o carro e, até mesmo, o rádio, passaram por uma fase em que
poucos podiam desfrutar de seus benefícios. Essa dificuldade encontrada pela população
em poder possuir determinado produto foi o que gerou um certo sentimento de desejo. E
não podia ser diferente. Os primeiros 200 televisores implantados no país não conseguiam
estar ao alcance de todos os que se interessava por esse novo aparelho, já que apenas na
cidade de São Paulo o número de habitantes era de 2,2 milhões (MELLO, 1998, p. 586).
Um grande número de pessoas interessadas em comprar a televisão,
enquanto poucos aparelhos eram vendidos a preços pouco convidativos foi a fórmula
necessária para que, em um curto espaço de tempo, a televisão houvesse se tornado um
32
objeto de desejo. Na verdade, a televisão se tornou um objeto de desejo por causa das
condições de compra, mas também porque a curiosidade das pessoas deu início a um
pequeno processo de mudança de comportamento das famílias que gostariam de saber do
que se tratava a televisão.
A comoção em torno de um novo “eletrodoméstico” foi um misto de
acontecimentos que levaram toda a situação do surgimento da televisão às páginas dos
jornais. Os anúncios da época apresentavam os novos aparelhos como criações
fundamentais para a possível distinção entre as classes sociais. De forma mais específica,
podemos dizer que houve uma certa valorização social daqueles estabelecimentos que
conseguiram comprar a televisão. Se para os estabelecimentos comerciais a posse da TV
era um grande diferencial, a questão se tornava muito mais relevante quando essa relação
de status se refere às famílias da época.
Figura 1: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.16 - Domingo, 28 de agosto de 1955.
Ainda acerca desse apontamento de que a televisão havia se tornado um
objeto de desejo, é interessante observar que não somente a condição financeira interferiu
nessa valorização do aparelho. Apesar do impacto, o grau de penetração da televisão na
sociedade ainda era muito pequeno pela questão financeira e pela manutenção de um
33
público cativo ao rádio. Até mesmo algumas famílias que tiveram condições financeiras
não se animaram logo no princípio para introduzir a televisão dentro de seus lares única e
simplesmente porque ainda não haviam pensado em introduzir esse novo costume
9
de
assistir à televisão em seus lares.
De imediato, a população não tinha condições financeiras, nem estava
habituada a uma forma de entretenimento e de informação que fosse diferente do rádio.
Porém, ao longo de dez anos, o número de aparelhos no país chegou a quase dois milhões
(MATTOS, 2002, p. 176) o que revela uma abertura, tanto em termos financeiros como em
termos de comportamento. Uma parcela maior da população conseguiu adquirir o televisor,
bem como ampliou sua noção de meio de comunicação quando passou a aceitar a
existência da televisão em sua esfera familiar.
Isso porque o número, que pode parecer relativamente pequeno se
pensarmos na proporção continental do território brasileiro, é um termômetro positivo. As
pessoas adotaram uma postura que representou umboom” na disseminação da televisão
se imaginarmos que, pouco tempo antes de sua implantação, não havia nenhum televisor
no país. Essa reação representada pela mudança nos costumes e no comportamento de
muitas famílias é notória, pois até mesmo aquelas famílias que não tinham condição de
comprar o televisor, tinham acesso à sua programação. Muitas famílias abriam suas casas
para a comunidade, para os parentes mais próximos, para os vizinhos e para os conhecidos
que queriam conhecer aquele aparelho e acabavam se interessando pelos programas
exibidos.
A partir do momento em que se conhecem alguns dos muitos fatores
responsáveis pelo surgimento da TV no país e das características da sociedade brasileira
nos anos 50, por meio do cenário histórico apresentado nesse primeiro item do capítulo 1,
podemos analisar qual era o ambiente em que esses televisores estavam sendo
introduzidos. A fim de que o trabalho conte com um embasamento teórico satisfatório,
além do cenário histórico da década de 50, serão apresentados o cenário familiar e a forma
como se dava a comunicação por meio de vínculos nesse ambiente. Todavia, é importante
ressaltar que o cenário familiar discutido nessa pesquisa parte de um modelo específico
9
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo,
especificamente nas entrevistas de Jacira Diniz Baños e de Clarice Simões Grieco.
34
que mais se aproxima ao modelo patriarcal existente no período, como poderá ser visto
adiante.
1.2 Cenário familiar: o modelo patriarcal da família da elite paulistana nos anos 50 e
a comunicação na esfera familiar
“_Eis o meu segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração. O
essencial é invisível para os olhos”.
Antoine de Saint-Exupéry
Compreender como a família se comunicava na década de 50 é lançar um
olhar sobre as bases da comunicação, pois é nessa relação entre os familiares que podemos
visualizar de maneira mais clara a forma como se dão os processos comunicativos entre as
pessoas. De forma mais específica, é necessário pontuar que a avaliação da comunicação
na esfera familiar a ser tratada nesse item está de acordo com as teorias desenvolvidas por
estudiosos da comunicação e do comportamento humano, tais como Harry Pross e Boris
Cyrulnik.
Os estudos desses especialistas, e de muitos outros, correspondem à
fundamentação teórica dos conceitos aqui utilizados, o que é de suma importância para a
ampliação do conhecimento. Porém, deve ser ressaltado que o atual trabalho não de limita
a comparar teorias distintas e estabelecer um raciocínio que dialogue somente com suas
teorias. O objetivo principal desse trabalho é verificar como ocorreu o processo de
introdução da televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50 e as conseqüências desse
processo nas estruturas comunicativas entre os familiares.
Visando ao cumprimento desse objetivo, se torna fundamental o
estabelecimento de um perfil que possa servir como base para o modelo de família
existente no período analisado. Há quem alegue que tal esclarecimento seja difícil de ser
realizado, uma vez que cada família tem uma estrutura e características próprias. De uma
certa forma, essa linha de raciocínio até faz sentido se pensarmos nos mecanismo de
funcionamento de cada família. No entanto, se partíssemos dessa concepção que salienta as
particularidades, não haveria o que desse suporte para a realização deste estudo.
35
A constatação de que a maioria das famílias da década de 50 compartilhava
das características dos padrões patriarcais, nos leva a identificar a existência relevante do
modelo patriarcal de família. Sendo assim, se estabelece um modelo de família patriarcal,
baseado na concepção de que há um homem e uma mulher, uma organização estática entre
o casal para o surgimento dos descendentes.
Utilizaremos parte do modelo de família patriarcal
10
para entender melhor
essa relação entre o pai e seus familiares (SAMARA, 1983, p.15).
FAMÍLIA PATRIARCAL
I
ESTRUTURA DUPLA
I
NÚCLEO CENTRAL – CAMADA PERIFÉRICA
I
CASAL
I
HOMEM MULHER
I
GENROS – FILHOS LEGÍTIMOS – NORAS
I
DESCENDENTES
Os agentes da camada periférica seriam os amigos, os parentes, os
agregados e outras classes, como os escravos e os trabalhadores migrantes, que não foram
aqui registradas pela falta de conexão com o período a ser analisado. A questão principal é
que a forma de estruturação do núcleo da família carrega características deste modelo,
apesar do distanciamento temporal que aparentemente dificultaria a realização da análise
da família regida por uma condição social e histórica completamente diferente.
Partindo desse modelo, podemos afirmar que a família dos anos 50 foi uma
construção que partiu da união de um homem e uma mulher que deram origem a uma
10
Modelo baseado nos estudos acerca da família no século XIX que estabelece a estrutura da família
patriarcal.
36
geração, eram progenitores de filhos que se agregavam a esse universo pelo nascimento.
De forma simplificada, a composição da família brasileira carrega alguns aspectos de um
mesmo modelo observado desde o século XIX pelos estudiosos, partindo de uma estrutura
dupla: um núcleo central acrescido de membros subsidiários (SAMARA, 1983, p.13).
É evidente que o estudo não pode se fechar e afirmar que há apenas uma
forma de estruturação da família brasileira. Desde a metade do século XX, e de forma mais
explicita no início do século XXI, o modelo de família sofreu alterações no que diz respeito
à hierarquia, ao modo de vida dos familiares, ao número de uniões sem vínculos legais,
enfim, houve uma série de mudanças nesse perfil de família.
Nos dias de hoje, é sabido que há muitas outras formas de organização das
famílias brasileiras, por exemplo, os vínculos entre os casais podem ser vulneráveis,
transitórios e depender da tomada de decisões por divórcios, separações e novos
casamentos. Assim como, o pilar de sustentação da família pode ser de somente uma
pessoa nas chamadas famílias monoparentais, em que apenas a mãe ou o pai se mantém
como núcleo da organização.
“Pode-se dizer que, do ponto de vista demográfico e estatístico,
mudanças e permanências vêm marcando a estrutura familiar brasileira nas
últimas décadas. O caráter nuclear da família, isto é, casal ou sem filhos,
continua predominante, mas o ‘tamanho’ da família diminuiu, e cresceu o
número de uniões conjugais sem vínculos legais e de arranjos monoparentais
– aqueles caracterizados pela presença do pai com filhos ou da mãe com
filhos, contando ou não com outros parentes habitando conjuntamente”.
(BERQUÓ, 1998, p. 414)
O que nos interessa é considerar que na década de 50 já despontavam outros
modelos de família com diferente estrutura característica do modelo patriarcal. Não se
descartam todas as outras possibilidades de organização familiar, tampouco se pretende
estabelecer o padrão patriarcal como modelo de família a ser seguido. A definição de um
modelo parte da análise de diversos estudos
11
que apontam o modelo patriarcal como o
11
A principal fonte de dados sobre os aspectos da família brasileira ao longo da segunda metade do século
XX é o IBGE.
37
mais freqüente na década de 50, identificado por meio de um vínculo de caráter mais
indissolúvel e uma casa comum dividida entre pais e filhos.
A fim de compreender melhor o modo de funcionamento dessa organização,
será realizada uma avaliação dos papéis exercidos pelos pais. Essa definição de papéis
também se baseia na noção de família patriarcal, como foi visto neste item. Os papéis do
pai e da mãe, respectivamente, serão avaliados de acordo com a realização de suas
atividades dentro da esfera familiar.
1.2.1 O papel dos pais
O primeiro ponto que deve ser considerado quando identificamos um modelo
de família característico da década de 50 e estabelecemos esse modelo como um objeto de
estudo, é que essa constatação se limita a criar os cenários no qual foi inseria a televisão. A
compreensão do cenário histórico, em um sistema mais macro, e do cenário familiar,
delimitando o foco em um sistema mais micro, serve para esclarecer algumas dúvidas que
poderiam vir a surgir ao longo deste trabalho.
Conhecer esse universo anterior a introdução da televisão é essencial para
entender o porquê de seus desdobramentos na sociedade e, especificamente, na esfera
familiar. Exatamente por esse caráter ilustrativo deste primeiro capítulo é que o
apontamento das funções do pai e da mãe será realizado de forma mais superficial. O
presente trabalho não presente entrar no mérito antropológico da questão, pois estaria
fadado a percorrer um percurso que não responderia ao objetivo do trabalho de avaliar o
processo de introdução da televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50.
O ponto de partida para essa avaliação do papel do pai e da mãe é o estudo
das principais atividades realizadas por eles e a representação simbólica que esses
comportamentos trazem consigo ao universo da família. O pai, por exemplo, tem a
responsabilidade de atuar em diversas frentes relativas à ordem da família, tal como ser o
provedor do sustento e a figura de identificação para com os filhos. Desta forma,
começamos a análise do papel do pai considerando que o chefe de família exerce duas
38
funções distintas, mas que se complementam para a criação da dinâmica que dará o tom dos
relacionamentos entre os familiares.
Até pode parecer um pouco redundante, e talvez o seja, porém é importante
frisar que na maior parte dos casos dentro do modelo patriarcal, o pai é o principal meio
pelo qual a família obtém seu sustento. Os gastos com a compra do imóvel, o aluguel, os
meios de transporte, a alimentação, a escolaridade, e uma infinidade de contas que vencem
todo mês, estão sob o olhar atento do pai de família. É ele quem cuida das finanças e que se
coloca no centro das atividades relacionadas ao dinheiro.
Não é à toa que sua posição lhe confere um certo grau de poder, pois o fato
de mexer com o fluxo de dinheiro da casa passa a interferir diretamente no tipo de
relacionamento que estabelece com os demais. A boa administração das finanças parece
lhe garantir o poder do estabelecimento das regras que regem a casa, os acontecimentos
organizados por ordem de importância, os horários, os pontos de encontro distribuídos
entre os diferentes cômodos da casa, etc. De forma mais acentuada, o modelo patriarcal
exposto representa o perfil de uma grande maioria das famílias da década de 50 que estão
inseridas nas camadas de classe média e alta, mas também havia famílias inseridas nos
extratos mais pobres da população que acabavam fugindo desse modelo quando a mulher
também tinha que trabalhar para colaborar, ou até mesmo arcar, com os gastos familiares.
Não há como negar que a mudança do cenário relativo ao período de
participação da mulher no mercado de trabalho, iniciado em meados do século XX,
acompanhando a onda de revoluções na forma de produção de bens de consumo, põe em
cheque o lugar da mulher na sociedade (MORIN, 2003, p. 156). Essa espécie de “crise
feminina” interferiu, de certo modo, na forma de estruturação do modelo de família
patriarcal, só que o homem buscou acompanhar esse processo de mudanças a fim de se
manter no centro do núcleo familiar e continuar atuando como chefe de família.
Isto é, apesar de toda mudança ocorrida na passagem do século XIX para o
século XX constatamos que esse modelo de organização do núcleo familiar se perpetuou. A
maior parte dos casais dos anos 50 se encaixa no perfil de que o pai e a mãe são peças
centrais que dão origem à família, aos filhos e seus descendentes. A prole herda as
39
características dos ascendentes e, por herança cultural, tende a manter esse modelo de
família coordenado pelo chefe de família.
Na verdade, esse é o primeiro ponto relativo ao papel do homem no núcleo
familiar, partindo de uma visão econômica que recai diretamente sobre o tipo de vínculos
estabelecido com os entes da família. O pai como provedor do sustento, trabalhador e chefe
de família é a figura com maior influência de decisão sobre o complexo jogo de relações
sociais. De um lado está o interesse do pai na manutenção de uma ordem social que lhe
assegure mais poder e que não ameace sua própria existência, do outro, está a descendência
que quer atuar nesse meio social, mesmo sabendo que faz parte de um universo familiar
previamente instituído.
O interesse do filho em querer atuar nesse meio social não é um jogo de
forças entre quem tem mais poder na esfera familiar, pois não se trata de um julgamento
sobre o funcionamento das famílias e a forma como o pai exerce seu papel de maneira a
estabelecer a ordem dentro dessa organização. A principal questão a ser considerada é que o
pai ocupa o posto mais alto da hierarquia estabelecida no modelo patriarcal, ele é o chefe da
família e o símbolo de uma figura que por sua influência pode ser imitado.
A imitação, o faz-de-conta, a brincadeira organizada pelas crianças para
imitar os adultos é exatamente essa capacidade que os filhos têm em se colocar no papel do
chefe de família. As crianças que se vestem com as roupas dos pais, sendo que esse
fenômeno também é observado nas crianças de sexo feminino e a imitação de suas mães,
porque se divertem ao imaginar como seria poder realizar as mesmas atividades que seus
pais exercem. Na verdade, essa brincadeira de imitação é uma criação de valores que regem
o universo dessa esfera familiar e é por causa dessa re-montagem da hierarquia do modelo
patriarcal que essa função de representação da ordem é conferida ao pai.
“(...) a brincadeira tem uma função significativa no processo de
desenvolvimento infantil. Ela também é responsável por criar ‘uma zona de
desenvolvimento proximal’, justamente porque, através da imitação realizada
na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores, modos de
agir e pensar se deu grupo social, que passam a orientar o seu próprio
comportamento e desenvolvimento cognitivo”. (REGO, 1999, p. 113)
40
Talvez nesse ponto seja importante considerar que a imitação é uma
característica observada em crianças tanto dos núcleos familiares regidos pelo casal
hierarquizado do modelo patriarcal quanto das famílias monoparentais, por exemplo. É
correto salientar que a brincadeira de imitar pode ser observada nas crianças de famílias
dos perfis mais variados, uma vez que o faz-de-conta da imaginação é livre para a criação.
“No homem, a representação de um mundo pode existir à revelia de qualquer percepção”
(CYRULNIK, 1995, p. 110).
O que acontece especificamente no caso do modelo da família patriarcal é
que o papel dos pais, mais notadamente do pai, está definido em uma hierarquia que lhe
confere certo grau de poder. Na hora do “ritual de cópia
12
”, a criança se apropria desse
modelo que está mais próximo á sua realidade e acaba por repeti-lo em suas brincadeiras.
O pai é, portanto, a figura central que dá sustento a toda organização da
família. Nele estão expressos os esforços de manutenção dos laços familiares, a busca pela
dinâmica entre o casal genitor e a insistente idéia de manutenção da linhagem da família
pelos filhos. O mais curioso é que a esfera familiar está em constante processo de
transição: o filho que cresce dentro desse ambiente se torna adulto e institui sua própria
família, com mulher e filhos. Se a família constituída estiver numa esfera pautada nos
moldes patriarcais, ele passa a ser o chefe de família.
“Mesmo depois que o indivíduo desenvolvido deixou seus genitores
e estabeleceu uma nova família, a sua relação com eles se mantém viva. Em
todas as sociedades primitivas, sem exceção, a comunidade local – clã ou
vilarejo – é organizada por meio de uma gradual extensão das ligações
familiares. A natureza social das sociedades secretas, das unidades
totêmicas e dos grupos tribais se apóia invariavelmente em concessões de
obséquios, associadas à localidade por meio do princípio de autoridade e de
hierarquia; mas, apesar de tudo isso, está ainda nitidamente vinculada à
relação familiar originária”. (MALINOWSKY, 1981, p. 137)
12
Como apresenta Teresa Cristina Rego em seu livro Vygotsky – uma perspectiva histórico-cultural da
educação, “ritual de cópia” é a terminologia empregada por Vigotski para fazer referência ao processo de
aprendizagem que amplia o repertório das crianças, diferentemente da proposta de imitação mecânica e literal
dos modelos fornecidos pelos adultos.
41
De uma forma geral, o filho que se torna homem e lança vôos para a criação
de sua própria família também pode ter filhos, que por sua vez, tende a perpetuar a ordem
da família anteriormente estabelecida. O filho que se torna pai procura manter a ordem da
família pela questão da autoridade e da hierarquia, além do poder de decisões que lhe é
conferido com o passar do tempo e o número de responsabilidades que assume para o
sustento da família. É necessário ressaltar que essa idéia de perpetuação de organização
familiar se refere à manutenção da estrutura característica do modelo patriarcal e que se
observa, de modo determinante, no período estudado neste trabalho. Um olhar atual, do
início do século XXI, acerca dessas considerações da busca pela perpetuação do modelo
patriarcal resultaria inviável.
Desse modo, observamos que o parentesco é fundamental para a idéia de
perpetuação da família. O pai é a figura representante do parentesco, que assegura o lugar
do filho no mundo por uma seqüência de vinculação do núcleo familiar pai – mãe – filhos.
Ser filho de determinado pai é o que garante o vínculo vital de pertencimento a um
determinado grupo social, suas ligações familiares e a forma como vai estabelecer e manter
outros vínculos com pessoas de camadas periféricas. “É preciso, pois, pertencer. Não
pertencer a ninguém é não se tornar ninguém”. (CYRULNIK, 1995, p. 75)
Seu papel de representação da manutenção da vida em uma determinada
ordem social, pela manutenção do número de integrantes que carregam os mesmos genes,
também pode ser visto como o de um guardião. Ele guarda, cuida e protege a família.
Exerce seu poder de decisão visando à manutenção dessa estrutura que o chama para que
seja um chefe de família, a fim de que continue existindo um determinado grupo social sob
seu simbolismo de ocupação do cargo mais alto do núcleo familiar. Essa é a grande
complexidade que gira em torno da questão do chefe de família, a necessidade de se
manter no topo da pirâmide do modelo familiar, ao passo em que o modelo só existe a
partir da figura paterna.
A figura do pai é fundamental do modelo patriarcal, contudo o papel
exercido pela mãe também merece destaque. É dela a responsabilidade do nascimento, na
medida em que possibilita trazer uma nova vida ao mundo através da geração, e do
desenvolvimento ao alimentar os filhos que a acompanham por todas as etapas de seu
42
desenvolvimento. Mais do que isso, a mãe está no centro das atividades que auxiliam no
desenvolvimento do bebê para o estabelecimento de condições de vida sadia.
Os primeiros meses de vida da criança são, em grande parte, responsáveis
por muitas das implicações pessoais que apresentamos depois de adultos. A forma como a
mãe se vincula com o bebê e possibilita a vinculação dele com outras pessoas da família dá
sustento aos relacionamentos que o situarão no mundo. É sabido que pelo nascimento já se
estabelecem uma série de conexões de pertencimento ao grupo. O universo no qual é
inserida a criança depende da maneira como a mãe coloca o filho dentro dessa colcha de
retalhos sociais.
“Esse amor da mãe e das outras pessoas, que desde a infância forma o
homem de fora ao longo de toda a sua vida, dá consistência ao seu corpo
interior. É verdade que não lhe proporciona uma imagem intuitivamente
evidente do seu valor externo mas lhe faculta um valor potencial desse corpo,
valor que só pode ser realizado por outra pessoa”. (BAKHTIN, 2003, p. 47)
Considerar que a família está além de um microssistema relacionado com
um macrossistema social, sendo uma estrutura que contém em si a esfera da cultura e a
esfera da natureza (CANEVACCI, 1981, p. 29), leva-nos a pensar que a mãe é a figura que
leva a cultura e a natureza à criança. Não há outra forma de relação tão verdadeira e forte
como o contato entre mãe e filho, pois a mãe é a principal ligação entre o recém-nascido e o
mundo exterior. Mais do que esse contato, a mãe é o principal vínculo estabelecido com o
mundo e pelo qual a criança expressa suas necessidades para a sobrevivência.
Se antes falávamos do papel do pai partindo de uma visão social
hierarquizada dentro do padrão familiar patriarcal, nesse momento devemos deixar um
pouco a estrutura fixa dos modelos familiares. Esse distanciamento momentâneo se deve ao
fato de que a conexão existente entre mãe e filho não se refere a um tipo de perfil social
familiar, não é uma questão de categorização. A criação dos vínculos existentes entre a mãe
e o filho é objeto de estudos da filogênese e da ontogênese humana.
Sendo assim, essa relação é o que de mais intrigante podemos encontrar na
comunicação da esfera familiar, uma vez que o recém-nascido, que não domina as
43
estruturas da comunicação verbal, consegue se comunicar com a mãe. Evidentemente a
forma de comunicação se dá por um viés diferenciado se observarmos que o bebê não
domina a fala e que ainda assim consegue expressar sua necessidade de sobrevivência por
meio do choro. Nesse caso, o choro do recém-nascido é comunicação.
Partir do princípio de que o choro é comunicação abre caminhos para a
consideração de que há outras possibilidades de comunicação. Isto é, implica na utilização
de artefatos que dependam menos do domínio de um código lingüístico como as palavras e
o processo de fala. A criança utiliza o processo de linguagem não-verbal, provavelmente
característico de “um período pré-linguístico do pensamento e um período pré-intelectual
da fala” (VIGOTSKI, 2003, p. 149).
Além do choro, a amamentação é um bom exemplo da capacidade de
comunicação entre mãe e filho. Como foi apresentado até aqui, cotidianamente as palavras
e os gestos apresentados no momento do encontro se tornam referências de comunicação
primeira entre aqueles que já possuem todo o arsenal para o desempenho de tal função
semântica visando ao entendimento. Só que, no caso do recém-nascido, não há a bagagem
necessária para que seu aparato pessoal, portanto o corpo, esteja em condições de
comunicar o que pretende de um modo direto e fácil de ser compreendido.
Melhor dizendo, o recém-nascido tem condições de comunicar o que está
sentido ao utilizar um aparato que não são as palavras. Seu corpo como um todo é uma
forma de comunicação que dá o alerta para a mãe de que está precisando de carinho,
aconchego ou leite, ainda que inconscientemente. A consciência da mãe, de que todo o
corpo do bebê comunica, transforma o levar o bebê ao seio para a alimentação num ato de
amor e de pura comunicação. A amamentação é o momento ápice em que mãe e filho se
põem em contato, se unificam e compartilham um momento único de vinculação. Talvez,
seja a forma mais explícita de representar o vínculo quando se define como “o capturar e o
deixar-se ser capturado
13
”.
A mãe se deixa ser capturada pelo bebê, pelo corpo que pede calor, pelos
dedos que se mexem numa dança incessante, pela boca que lhe agarra o seio. O
13
A definição da vinculação como um ritual de captura foi desenvolvido por Boris Cyrulnik.
44
recebimento de alimento passa a ser uma representação da comunicação em sua forma mais
pura de vínculo dentro da família. Essa construção da mãe de um lado, e do bebê de outro,
que compartilham uma mesma realidade no momento da amamentação é um exemplo de
como a comunicação pode atingir um âmbito mais amplo daquilo que conhecemos como
comunicação verbal, propriamente dita.
Um último aspecto que deve ser levado em conta nessa questão da
amamentação foi o desenvolvimento dos centros urbanos nas últimas décadas. A
conseqüente variação de hábitos fez com que, entre outras coisas, a mãe tivesse que
trabalhar para colaborar com a sustentação da casa no mesmo período em que o recém-
nascido ainda precisa ser amamentado. O conflito entre a mãe, que tem de trabalhar, e o
filho, que tem de ser amamentado, gera uma série de questões que ainda não foram
avaliadas. Ainda não se sabe quais foram e serão as conseqüências das transformações
ocorridas a partir da segunda metade do século XX, tanto para a comunicação como para a
transformação das famílias de modelo patriarcal, características dos anos 50, e que hoje
estão se organizando em torno de outros pilares estruturais.
“A consciência extraordinária da ligação entre o início da
comunicação semântica e os processos de pensamento, de um lado, e as
primeiras relações mãe-criança, de outro, deve ser uma advertência para que
se reflita. Bem podemos nos interrogar sobre até que ponto a alimentação dos
bebês com leite artificial e mamadeira pode ter influenciado o
desenvolvimento da mente ocidental nos últimos cinqüenta a oitenta anos. É
relativamente fácil demonstrar tal influência no desenvolvimento individual.
Mas a questão mais importante é como isso pode ter influenciado mudanças
no homem ocidental, nos seus modos de comunicação, e se influenciou, e
como, suas relações com o ambiente, seus símbolos verbais e não-verbais e,
talvez, também seus processos de pensamento”. (SPITZ, 1998, p. 81)
A partir dessa análise sobre os diferentes papéis do pai e da mãe no núcleo
originário é que podemos dar continuidade ao trabalho. Notamos a importância de cada um
deles, principalmente do pai no caso da família patriarcal dos anos 50, para então
compreendermos a forma como se estabelece a relação dos familiares. Essas noções
45
básicas a respeito das figuras fundamentais para a família dão suporte para que sigamos
rumo à compreensão da comunicação no âmbito da família nos anos 50, partindo de uma
visão que contemple a criação dos vínculos comunicativos.
1.2.2 As relações e vinculações estabelecidas entre os familiares pelo nascimento
Os vínculos são fundamentais para o estabelecimento dos laços entre os
indivíduos, pois é nesta estrutura social que começamos a estabelecer contato com os
comuns e a ensaiar o ritual que envolve a aproximação com o outro, aspectos que fazem
parte de sua natureza. Falar em natureza do vínculo é uma questão complicada, já que o
mais relevante para tal trabalho não é a discussão de suas características associadas aos
estudos de biologia e psicologia. O que se busca na utilização de conceitos de vínculos é
sua conexão direta com a comunicação e o apontamento de suas conseqüências para essa
relação entre o eu e o outro.
Os estudos realizados pelos biólogos e pelos psicólogos merecem
consideração, à medida que trazem grandes contribuições para o campo das humanidades.
O conhecimento propiciado por tais estudos é fundamental para o conceito de vínculo aqui
utilizado, uma definição em construção que visa orientar o entendimento da comunicação
dentro do universo da família. De uma forma geral, a sociedade está hierarquicamente
organizada de modo a estabelecer grupos que compartilham de uma determinada realidade
social.
Isto é, as pessoas estabelecem contato, se vinculam com outros, que por
algum motivo tenham de vivenciar determinadas situações dentro de uma estrutura social,
assim acabam por se organizar em grupos de interesse e garantir lugar dentro dessa
organização. Analisando a questão do pertencimento sob essa ótica dos grupos sociais,
podemos imaginar que a escolha pessoal em fazer parte de um determinado grupo social
seja determinante.
Acontece que essa estrutura sugerida por uma definição consciente da
vinculação entre o eu e o outro não é exatamente o que se pode verificar na formação da
família. Há indícios de que o nascimento seja o primeiro aspecto que nos alerta sobre essa
visão restritiva de poder escolher o grupo social ao qual vamos fazer parte. Nascer em um
46
determinado ambiente não parte de uma escolha individual, mas da aceitação em partilhar
de uma determinada realidade na qual se está sendo inserido.
O recém-nascido é recebido por uma estrutura previamente estabelecida,
com papéis sociais bem definidos e com condições que já lhe indicam o modo como será
seu desenvolvimento. Tais condições para o desenvolvimento são determinantes para o
bebê, pois são elas que garantem sua sobrevivência dentro do núcleo familiar. O vínculo
estabelecido pelo nascimento é a garantia de que um novo indivíduo fará parte de um
grupo, compartilhará de sua hierarquia e estará inserido em sua estrutura de uma forma
ambivalente. Por um lado, o nascimento é a representação de que aquele grupo social
ganha força e se manterá vivo por meio das novas gerações, por outro, a vinculação da
criança com o grupo social que lhe acolhe é a garantia de sua sobrevivência.
O homem só sobrevive porque logo após o nascimento é inserido num
contexto que lhe permite estabelecer vínculos e se desenvolver sadiamente. O ambiente da
acolhida do recém-nascido é o que define a forma como esse indivíduo se relacionará com o
mundo, seus valores, suas crenças e seus dogmas. A vinculação é uma condição essencial
para que a identificação com seu povo e com seu lugar de origem também lhe assegure
direito à cidadania.
“A criança nasce em determinado território social e geográfico.
Imediatamente recebe o direito à cidadania: é natural de algum lugar. Este
lugar será incluído na sua definição, na sua identidade. A criança nasce,
portanto, em uma comunidade. ‘Sou filho de tais pessoas e sou de tal lugar’.
São duas coordenadas que permitem a qualquer um situar-se no mundo”.
(VICENTE, 2000, p. 48)
A cidadania está geralmente associada à questão dos direitos humanos e isso
faz certo sentido se considerarmos que uma das principais pautas de discussão em encontros
e debates das organizações competentes, tais como a ONU, se voltam para essa temática.
Não há como haver garantia de direitos humanos sem cidadania, nem cidadania sem
garantia de direitos humanos – direitos inerentes à pessoa humana – pois o exercício da
cidadania é o exercício dos direitos humanos e vice-versa. De uma certa maneira os direitos
humanos respondem à necessidade da discussão do cidadão dentro da sociedade, só que a
47
cidadania também compreendida como o situar se no mundo, implica em considerar as
relações estabelecidas por meio da vinculação.
O direito à família ultrapassa a noção de cidadania pelo pertencimento. O
poder pertencer a uma família, logo a uma estrutura social bem definida, é um dos aspectos
da cidadania, juntamente com a necessidade da sobrevivência. Mas se o nascimento garante
um lugar de mundo na hierarquia da família e possibilita a sobrevivência e a cidadania por
meio da vinculação, então podemos arriscar um palpite e dizer que a comunicação existente
em tal universo, por meio da relação – vinculação entre os familiares, é o que garante a
sobrevivência do recém-nascido.
De fato, essa colocação vai ao encontro com a definição de comunicação
como a ponte entre dois corpos distintos (BAITELLO, 2005, p. 70) quando temos por base
a consideração do momento específico em que os corpos Eu - Outro se mantêm em contato
para o ritual de captura. Pode ser chamado de ritual de captura o processo de aproximação
do outro em busca de um contato, geralmente realizado através do olhar, e uma
possibilidade de comunicação entre esses dois corpos.
“A criança compreende, aos dois ou três anos, que ao olhá-la o outro
a captura. Se deseja essa captura, ela sorri e se precipita de encontro ao
outro, cujo olhar adquire então sua função de apelo. Se recusa essa captura,
vai se esconder para evitar o outro, cujo olhar assume então sua função de
intrusão”. (CYRULNIK,1995, p. 42)
Só que a discussão da criação das relações familiares apenas pelo viés do
nascimento se limita a uma, entre várias, das questões da comunicação. A forma como a
criança é introduzida em um determinado ambiente, é fundamental para que se possa
compreender o processo de desenvolvimento da comunicação em sua primeira instância.
A partir do nascimento e com o passar dos anos, o homem se torna capaz de
desenvolver novas formas de relacionamento e de se comunicar, tanto na família, que é o
primeiro ambiente comunicacional no qual é posto em contato, como nos mais diversos
ambientes. O homem vai criando novas artimanhas para o contínuo processo de
desenvolvimento da comunicação ao garantir um maior número de relações – vinculações.
Além disso, suscita o sentimento de que está sendo cada vez mais acolhido pelas
48
instituições que se balizam pelas relações pessoais, seja em nível familiar, pessoal ou
profissional.
“A comunicação evolui para tornar-se um substituto adequado da
ação na relação social, quando a criança começando a andar torna-se
consciente de que está dirigindo uma mensagem ao ‘outro’. Símbolos,
gestuais ou verbais, são agora empregados para transmitir não apenas
conteúdos ideacionais, mas também operações mentais da natureza de
processos dinâmicos. (...) Cada um dos sucessivos passos desse processo é
marcado pela criação de um novo corpo de padrões de comportamento
visando à comunicação”. (SPITZ, 1998, p. 142-143)
1.2.3 A formação da noção de comunidade por meio dos vínculos
A relação estabelecida entre os familiares é um dos fatores para a construção
dessa ordem social intitulada família. Nessa ordem social, o complexo jogo das relações
garante uma troca que permite a transformação dos vínculos entre os familiares e a estrutura
da própria família. Isto é, a comunicação estabelecida confere a seus realizadores o poder de
mudança dessa estrutura social que lhes agrega; assim como a estrutura social interfere
diretamente no modo como seus entes se comunicam. A agregação de diversas identidades
em um comum confere a essa instituição um corpo vivo e mutante.
Partindo da consideração de que a forma como se dão os relacionamentos
entre os familiares gera um corpo organizacional vivo e mutante, podemos começar a
analisar a maneira como se dão os vínculos entre os familiares. O complexo jogo de
relações – vinculações estabelece uma “dialética da família”
14
que parte para o
estabelecimento de uma dinâmica própria, desde o nascimento de um novo membro, até o
rompimento de vínculos por meio da perda de um familiar.
A questão é que pouco importa a natureza deste vínculo, se ele começa
dentro da família, no caso específico do modelo patriarcal, ou surge pelo apadrinhamento
de uma pessoa de fora desta ordem social e que passa a fazer parte desse universo. O
14
A terminologia “dialética da família” faz referência à publicação intitulada Dialética da Família, de 1981,
introduzida e organizada por Massimo Canevacci.
49
princípio de toda a organização dos relacionamentos interpessoais é que ninguém pode
viver isolado. O vínculo é uma das condições da vida humana, juntamente com a função e o
sentido que atribuímos às coisas (CYRULNIK, 2005, p.57). Sem a vinculação não haveria a
construção da ordem social familiar e dos relacionamentos de um modo geral.
A noção dos vínculos está além da interpretação da união dos comuns, pois a
simples idéia de juntar um determinado número de pessoas sob uma mesma ordem não
funciona para a criação de relacionamentos. A fim de estabelecer uma noção mais precisa,
devemos utilizar o termo vinculação sob a ótica da comunidade, para qual utilizaremos a
definição abaixo explicitada:
“A ‘comunidade’, cujos usos principais são confirmar, pelo poder do
número, a propriedade da escolha e emprestar parte de sua gravidade à
identidade a que confere ‘aprovação social’, deve possuir os mesmos traços.
Ela deve ser tão fácil de decompor como foi fácil de construir. Deve ser e
permanecer flexível, nunca ultrapassando o nível ‘até nova ordem’ e
‘enquanto for satisfatório’. Sua criação e desmantelamento devem ser
determinados pelas escolhas feitas pelos que as compõem - por suas decisões
de firmar ou retirar seu compromisso. Em nenhum caso deve o compromisso,
uma vez declarado, ser irrevogável: o vínculo constituído pelas escolhas
jamais deve prejudicar, e muito menos impedir, escolhas adicionais e
diferentes”. (BAUMAN, 2003, p. 62)
O vínculo como uma construção de laços, entre aqueles que permanecem sob
a composição da comunidade, é o que garante a sobrevivência do homem ao longo do
tempo. A humanidade se manteve e se mantém graças às comunidades criadas como ordens
sociais de confirmação de sua existência através do número de pertencentes a tal ordem. Na
verdade, o número de pessoas que fazem parte da comunidade é importante na medida em
que suas identidades são preservadas perante os outros e o compartilhamento de suas
experiências pessoais assegura aprovação social.
A questão apresenta um alto grau de complexidade, pois ao mesmo tempo
em que os homens se relacionam e se vinculam criando uma comunidade, a comunidade se
apresenta como uma ordem social que parece delimitar o campo de ação de cada um de seus
pertencentes. Como é visível nas estruturas das famílias patriarcais, essa ordem social é
50
flexível, uma espécie de corpo em constante construção que se modifica conforme o
desenrolar das relações estabelecidas dentro de seu campo social, mas também segue uma
certa conduta que exige a manutenção desses vínculos tal como um organismo vivo.
A manutenção dos vínculos exige cuidado daqueles que estabeleceram laços
sob a ordem dos relacionamentos interpessoais. Da mesma forma como o conjunto de
regras estabelecidas na comunidade e a dinâmica própria das relações - vinculações
permitem a sobrevivência daqueles mantidos por tal organização social, os vínculos devem
ser mantidos por uma série de condições próprias da comunidade. Quer dizer, o vínculo
perpetua a comunidade, que por sua vez perpetua o homem, porém a comunidade também
deve perpetuar os vínculos.
Uma das formas que a comunidade oferece para a perpetuação dos vínculos
é o encontro. Mais do que isso, “é do encontro com o outro que nasce o amor e a
comunicação, e é do encontro com o outro que construímos, desde o início, nossa própria
identidade” (CONTRERA, 2005, p. 47). O encontro é a mais significativa forma de
vinculação, pois “o ser capturado e o deixar se capturar” por alguém da comunidade é a
construção de uma forte ligação de identificação entre o eu e o outro. Naquele exato
momento de reiteração da identidade, os homens não apenas se põem em contato, mas
estabelecem um vínculo de captura e de comunicação.
Chegamos ao ponto crucial sobre a discussão de vinculação e comunidade,
pois é esse debate que oferece condições para a interpretação da comunicação sob a forma
como pretendemos trabalhar: comunicação é vínculo. Somente a partir do princípio de que
comunicação e vínculo, de que compartilham da mesma realidade semântica, é que
podemos desenvolver as questões apontadas pelo presente estudo. Seria muito difícil tratar
a introdução da televisão na esfera da família paulistana nos anos 50 se o vínculo
estabelecido entre os familiares deste período não fosse considerado comunicação.
Todos os aspectos apresentados até aqui são relativos a este interesse de
propor o diálogo entre dois aspectos que, inicialmente, parecem estar diametralmente
opostos. De um lado está a comunicação, do outro está a família e seus estudos amplamente
realizados pela linha da biologia e da psicologia. O que se pretende neste estudo é a análise
conjunta destes dois fatores, pois a comunicação provavelmente não existiria se não
houvesse a família. Na verdade, há uma forte ligação entre a comunicação e os vínculos
51
mantidos pelos familiares, a noção de comunidade e a família, o ambiente comunicacional e
o momento em que se dá a comunicação por meio do ponto de encontro, entre outros
fatores.
É interessante observar a importância da família para a construção dos
vínculos e para a realização da comunicação. Fazendo uso da difundida colocação de que a
comunicação começa e termina no corpo
15
, poderíamos nos arriscar ao dizer que, em termos
sociais da família de modelo patriarcal encontrada em grande escala na década de 50, a
comunicação começa e termina na família. Somos introduzidos nessa ordem social no
nascimento, pertencemos a ela durante todo o período em que permanecemos vivos e
continuamos carregando traços das experiências tidas nessa esfera durante os últimos anos
de vida. Estabelecemos uma identidade pessoal e desenvolvemos nossas capacidades
comunicativas a partir da vivência que experimentamos neste ambiente comunicacional.
1.2.4 Construção de vínculos familiares x troca de informações
A consideração de que a comunicação em nível social começa e termina na
família nos obriga a analisar o pensamento que dá origem a tal citação. Logo, somos postos
diante da teoria da mídia primária, que dá sustentação ao desenvolvimento da máxima de
que a comunicação começa e termina no corpo. Primeiramente, é necessário analisar o
significado de mídia primária a fim de compreender melhor esta questão acerca da família e
do corpo.
A mídia primária é constituída pelo conjunto de palavras e simbolizações
corporais humanas que não exige nenhum outro modus material além do próprio sujeito que
se comunica, ou seja, sem instrumentos e aparelhos. Essa comunicação se dá mediante a
adoção de símbolos verbais e não verbais, sendo o principal meio de entendimento entre os
homens devido a sua intencionalidade e indicação de estabelecer o contato com o outro. O
resultado deste tipo de comunicação, que tende a ser franca e aberta, depende da forma
como está organizada a comunidade que a sustenta e o código do grupo no uso relativo dos
símbolos e dos lingüísticos. (PROSS e BETH, 1990, p.162)
15
Apresentada pelo jornalista e teórico da comunicação alemão Harry Pross.
52
Na verdade, a palavra mídia em português é uma tradução equivocada para a
terminologia medien do texto original em alemão de Harry Pross. Talvez a tradução mais
próxima de seu significado seja a do espanhol medios e que de forma literal para o
português seria meios. Logo, o que definimos com a terminologia mídia primária deveria
ser meios primários. O que faz mais sentido se pensarmos no corpo como um meio, uma
passagem, uma posição intermediária, uma possibilidade de estar com o outro e estabelecer
alguma forma de contato no momento do encontro.
“Na língua da qual vem o latim e quase todas as outras famílias
lingüísticas européias, o indo-europeu, essa palavra já existia, ‘medhyo’, e já
significava ‘meio’, ‘espaço intermediário’. E ela poderia ser traduzida hoje,
em tradução livre por ‘meio de campo’. Assim, a mídia não é outra coisa
senão o meio de campo, o intermediário, aquilo que fica entre uma coisa e
outra”. (BAITELLO, 2005, p.31)
A interpretação do termo mídia primária muda de figura, pois não é o corpo
por si só que como mídia emite uma informação. O corpo passa a ser esse “meio de
campo”, uma possibilidade de comunicação que surge nas mais diferentes formas de
apresentação com função semântica, no caso das palavras, da linguagem e da fala, e
representativa, quando consideramos essenciais os elementos que estão inseridos no ato da
comunicação primária como os gestos, o meneio de cabeça
16
, as expressões faciais, o tom
de voz, as articulações, a forma de movimentar os braços e as pernas, etc.
Essa maneira particular de analisar a comunicação em nível interpessoal nos
leva a crer que o corpo é o ponto de partida e de chegada, bem como o meio pelo qual a
comunicação da mídia primária se torna possível. Assim, nos parece possível desenvolver
melhor os aspectos anteriormente apresentados no que diz respeito à família. O paralelo
entre a importância do corpo para a realização da comunicação em mídia primária e a
organização da família em termos sociais só pode ser traçado a partir do momento em que
se define especificamente cada elemento envolvido neste processo.
Os conceitos de mídia primária, de corpo, de comunicação e de vínculos
devem seguir a lógica da maneira como foram explicitados até aqui para, então,
16
Terminologia empregada por René Spitz para fazer referência à movimentação da cabeça para os lados, o
que dá origem ao gesto proibitivo do “não”.
53
abordarmos todos esses aspectos de forma integrada. O corpo é fundamental para o
encontro no qual o eu e o outro se tornam acessíveis e acessáveis num momento específico
de tempo e espaço determinados. Já que “a comunicação entre duas mentes é impossível
(...), a comunicação só pode ocorrer de uma forma indireta” (VIGOTSKI, 2003, p. 186). A
acessibilidade se dá por meio da mídia primária com a possibilidade do surgimento da
comunicação entre esses dois corpos que se relacionam – vinculam dentro de uma ordem
social, que no caso é a ordem da família.
É importante ressaltar que este trabalho não tende a buscar fórmulas que
dêem conta de todas as temáticas que possam surgir no âmbito da comunicação familiar,
pois estaríamos sujeitos a reduzir o complexo conjunto de características dessa esfera.
Como foi visto anteriormente, a forma como se estabelece a dinâmica da família e de seus
familiares está em processo de formação, de mudança, de crescimento e sob ajuste
permanente. O interesse principal é de verificar apenas uma faceta desse vasto universo já
muito explorado. Essa faceta a ser compreendida é exatamente instância da família
enquanto primeiro ambiente comunicacional em que os vínculos são estabelecidos.
Tendo por base este pensamento, torna-se fundamental assegurar que a
comunicação estabelecida na esfera da família considera os fatores que estão ao redor dela
no macrossistema social, de acordo com um viés sócio-cultural. Diferentemente das teorias
elaboradas pelos estruturalistas dos anos 60, representados pela figura de Marshall
McLuhan
17
, que acabavam por reduzir a complexidade dos processos comunicativos em
uma troca de mensagens por um canal que liga emissor ao receptor.
A comunicação não pode (e nem deve) ser entendida como um processo
mecânico que se define muito mais pela facilidade de transição da mensagem pelo canal, do
que pela consideração de que na ponta desse sistema há dois corpos que se comunicam.
“Essa abordagem gira em torno de um modelo onde dois ou mais
indivíduos interagem, trocando mensagens contra um pano-de-fundo
necessário (o medium), embora teoricamente pouco relevante, já que o maior
17
Marshall McLuhan é autor de diversos livros, tais como Os meios de comunicação como extensões do
homem e A galáxia de Gutenberg - a formação do homem tipográfico, e um dos principais divulgadores de teorias
que defendem
o meio como mensagem, a existência de meios quentes e frios, entre outras.
54
cuidado acadêmico visa às motivações individuais e coletivas, as
performances e os resultados”. (SODRÉ, 2002, p. 227)
Por essa razão é que a análise sobre a comunicação mantida pela criação de
vínculos valoriza o cenário da esfera familiar. O interessante é o que está por detrás da
informação, a atuação da linguagem não-verbal e sua contribuição para a construção dos
vínculos entre os familiares. Nesse sentido, é fundamental considerar as ações das pessoas
e os rituais que fazem parte do universo da comunicação, por exemplo, quando os
familiares se encontram para jantar ao redor da mesa da cozinha e colocar a conversa em
dia.
A família é o cenário perfeito para a constatação de que a mídia primária e
suas características intrínsecas de comunicação pelo contato espacial e temporal estão no
“outro lado da moeda”. Os estudos que se dedicam exclusivamente à informação, acabam
por estabelecer suas ações a um plano limitado de verificar os resultados da comunicação
entre os indivíduos partindo de uma política de ganhos. Ora, a comunicação pode ser
analisada sob qualquer estrutura paradigmática. No entanto, devemos ter cautela ao afirmar
que comunicar significa ganhar ou perder alguma coisa.
Essa visão da comunicação pensada em ganhos e perdas é, de uma certa
forma, uma maneira atual de pensar os meios de comunicação. Acontece que os meios de
comunicação estão além da exaustiva análise do ibope da televisão e da internet. O corpo
dos indivíduos que fazem parte da família é um meio de comunicação, tal qual a televisão,
mas exige ressalvas. E é exatamente essa investigação que será realizada ao longo deste
trabalho, se a forma como a TV foi introduzida no modelo de família patriarcal nos anos 50
utilizou as características da comunicação em nível primário, ou não, para estender seu
alcance aos telespectadores por meio de telas e infinitos suportes.
Entretanto, para chegarmos a essa análise avançada sobre os meios de
comunicação, temos que desmistificar a idéia de que a informação é o componente
essencial no processo que envolve a mídia primária. O pressuposto para a comunicação
entre duas pessoas, por exemplo, é a vinculação que está balizada pelos pilares da captura e
do encantamento existentes no momento do encontro. É como se houvesse um ritual que
permitisse o enlace momentâneo daqueles que se comunicam; o arrebatamento de dois
corpos que se mantêm unidos por uma ponte que converge em sentido, sentido de amar.
55
Podemos considerar o amor como uma das condições fundamentais para o
estabelecimento da comunicação nos mais diversos ambientes. “É do encontro com o outro
que nasce o amor e a comunicação (...)” (CONTRERA, 2005, p. 47). Especificamente no
caso da família, é muito difícil tratar da constrão de vínculos entre os familiares se faltar
o amor e a atribuição de sentido que tal sentimento evoca no âmbito da família. As reuniões
de domingo, a revelação de segredos entre irmãos, as conversas íntimas e infindáveis entre
mães e filhos, todas essas situações que implicam em alguma forma de comunicação estão
diretamente relacionadas à construção de vínculos entre os familiares. Isso é vinculação.
Até podemos considerar a informação importante neste processo se
considerarmos sua função informativa de ser a configuração de um determinado assunto a
ser abordado numa conversa. Apesar disso, a informação é verificada em contextos nos
quais o objetivo principal de sua emissão não é a construção e a manutenção de vínculos
que possam agregar sentido e função social, no ponto de vista da comunicação que engloba
o amor. A informação pode ser qualquer coisa emitida no contexto do encaminhamento no
modelo emissor – mensagem – canal – receptor, sem que esteja revestido de uma porção de
significado.
“No contexto destas determinantes do processo de comunicação se
revela com toda clareza porque sociologicamente <<informação>> se
entende como mensagem que é reduzível. (...) A relação entre informação e
incerteza (estar desinformado) nos remete às condições comunicativas, pois é
evidente que a informação depende de formas que estão revestidas de
significado.” (PROSS e BETH, 1990, p. 116/117)
Na verdade, a informação vem a ser uma mensagem que deveria suprir a
necessidade primeira do homem do desconhecimento, de estar desinformado, e por
conseqüência da incerteza gerada pela desinformação. É interessante essa visão sobre a
informação, pois podemos verificar uma mesma questão sob duas óticas distintas. A
primeira defende a informação enquanto mensagem capaz de suprir, responder as dúvidas
sobre as incertezas do mundo e da vida cotidiana. Por outro lado, a segunda ótica, defendida
por estudiosos como Pross, considera que a informação por si só pode ser entendida como
uma mensagem reduzida que para comunicar necessita de um revestimento de significado.
56
Somos compelidos a pensar no papel da informação dentro da estrutura
social da família, como ela poderia vir a interferir nesse universo, sua colaboração para a
aproximação dos entes e a manutenção de vínculos. Chegamos à observação de que a
informação isolada e desprovida de significado não é capaz de partilhar dessa complexa
estrutura na qual se origina e se mantém a comunicação. A troca de informações tende mais
ao contexto mercantil das empresas que trabalham com a produção de informação e são
sustentadas pelas teorias regidas por números voltados à lucratividade, do que à sua
aplicação em contextos que consideram a função do relacionamento e da vinculação dentro
de suas estruturas.
57
2 MODUS OPERANDI:
O FUNCIONAMENTO DO APARELHO
58
O surgimento da televisão no Brasil foi resultado de uma somatória de
fatores. Do ponto de vista histórico, a década de 50 foi um período marcado por
acontecimentos que anunciavam diversas mudanças na sociedade. Podemos citar, de forma
mais específica, a movimentação em torno de uma política nacionalista e o interesse pelo
desenvolvimento das indústrias de bens duráveis. Essa onda de investimentos, também por
parte dos planos políticos apresentados pelos presidentes da época, foi um fator importante
do processo que permitiu a introdução da televisão no país. No entanto, foi sob a
responsabilidade de Assis Chateaubriand e seu interesse em ampliar o setor de
comunicação que o advento da televisão se tornou possível.
Como foi visto na primeira parte do capítulo 1, é inevitável afirmar que o
cenário histórico contribuiu para essa ocorrência. A crise do papel e o grau de interferência
do capital estrangeiro nas produções, por exemplo, foram fatores colaboradores para os
principais acontecimentos que deram abertura para o surgimento da televisão no país. É
correto afirmar que houve uma série de outras ações que também influenciaram nesse
processo, porém os mais relevantes no que se referem aos meios de comunicação foram
apresentados anteriormente.
É sabido que essa explosão de acontecimentos fez com que a introdução da
televisão no país ocorresse de uma maneira definitiva e interferisse diretamente na
estrutura social da família. Contudo, ainda não foi discutida a forma como ocorreu o
processo de introdução da televisão na sociedade, dando ênfase ao advento e
desenvolvimento desse meio de comunicação no âmbito da família que vivia na cidade de
São Paulo.
É por isso que uma análise mais superficial talvez concluísse que houve
uma pressão dos profissionais envolvidos nesse processo para que a televisão começasse a
fazer parte da realidade comunicacional do período, incluindo a esfera familiar. No
entanto, uma avaliação mais cuidadosa pondera que a televisão até poderia ter surgido
como fruto do interesse de um determinado grupo social, porém esse meio não conseguiria
se fixar nos ambientes familiares se a população não fizesse parte desse processo, já que no
início das transmissões as pessoas se agregavam em torno dos duzentos aparelhos
disponíveis na cidade.
59
O furor causado pela manifestação popular verificada nos centros urbanos
do eixo Rio – São Paulo foi o demonstrativo que indica a aceitação desse meio de
comunicação dentro das distintas esferas sociais. Talvez valha dizer que a principal
dificuldade no período de seu surgimento foi o preço de compra dos aparelhos, o que
dificultava o acesso das famílias mais pobres. Apesar disso, o fator financeiro não foi
empecilho para o desenvolvimento dos mercados em torno desse aparato.
A
Folha da Manhã - Vida Social e Doméstica p.12
D
omin
g
o, 22 de
f
evereiro de 1953.
A
Folha da Manhã - Assuntos Especiais p.6
D
omin
g
o, 27 de setembro de 1953.
60
Figuras 2 e 3: Os anúncios mostram que o preço total da televisão é equivalente
ao valor da entrada de um apartamento na Av. Ipiranga.
Nesse ponto, a pesquisa se volta para a forma como algumas camadas da
população se sentiram levadas a tornar-se público das produções exibidas, ainda de forma
experimental. É necessário verificar o que chamava a atenção do público para que ele se
deslocasse de seu ambiente do cotidiano para compartilhar momentos de lazer com aqueles
que tinham condição de comprar o aparelho televisor. Ainda não estamos falando da
introdução da televisão nos lares, de forma propriamente dita, pois, devido ao número de
aparelhos, a maior parte deles se encontrava em estabelecimentos comerciais.
No entanto, não demorou muito para que o caráter das produções chamasse
a atenção do público e um número cada vez maior de pessoas quisesse ter seu próprio
aparelho em casa. Esse interesse pela televisão está associado ao caráter de inovação que
traz consigo toda e qualquer mudança, como também está relacionado com as estratégias
utilizadas pelos profissionais da área para atingir cada vez mais público para suas
produções. É importante compreender que os poucos aparelhos instalados na cidade de São
Paulo não davam conta de atingir um grande número de pessoas. O cenário era bem
diferente do que conhecemos hoje, não havia tamanha facilidade de entrar em contato com
os bens de consumo, principalmente com a televisão.
Os aparelhos foram colocados em locais estratégicos, estabelecimentos
comerciais e pontos de encontro, onde a passagem de um certo número de pessoas fosse
garantida. Seria precipitado falar que o número de aparelhos pudesse interferir na estrutura
da família, logo no momento de sua introdução no país. No entanto, a pesquisa caminha de
modo a avaliar se na primeira década de implantação da TV no país, houve uma
modificação na estrutura comunicacional das famílias. Enquanto diversos fatores do
cenário histórico colaboraram para que tal evento acontecesse, é necessário verificar que o
público que participou dessas mudanças não tem interesse consciente em dar suporte para a
criação de um novo cenário comunicacional.
Somente a partir de alguns anos após o momento inicial em que os
aparelhos foram colocados nos pontos comerciais, a televisão passou a ser vista como um
bem a ser consumido pela população, já que o público se sentia mais familiarizado com o
objeto em si e sua programação. Desse modo, a família passa a ser o principal cenário de
61
atuação da televisão, com uma dinâmica diferenciada ao ser influenciada diretamente pelo
início da existência de um meio eletrônico em seu ambiente de comunicação.
2.1 Principais aspectos inseridos no processo de disseminação da televisão ao longo da
década de 50
O segundo capítulo é muito importante para a compreensão do processo
chamado de introdução da televisão na esfera familiar paulistana, exatamente porque uma
camada da população foi diretamente atingida pela forma como foi se estabelecendo esse
novo meio de comunicação. O público que participou dessas mudanças não teve interesse
consciente em dar suporte para a criação de um novo cenário comunicacional,
principalmente no que diz respeito à introdução da televisão nos lares das famílias. O
advento da televisão gerou uma grande movimentação em diferentes níveis de atuação.
Deve ser feita uma avaliação de dois níveis distintos de mobilização social
em torno do advento da televisão. De um lado, os profissionais do rádio e do teatro que
acabaram migrando para a televisão e experimentando novas formas de apresentação
artísticas ao fazer uso da imagem. Sob um outro aspecto de movimentação, estava o
estabelecimento de um público que começava a lidar com o surgimento da TV, a instalação
de um aparelho que anunciava a necessidade de espaço para a visualização de seus
programas e uma re-organização da posição física de cada um dos telespectadores que
necessitava ouvir e enxergar ao mesmo tempo.
Mais do que isso, o processo de introdução da televisão nas esferas sociais
contou com uma estrutura que lhe permitisse criar uma relação com o público. A fim de se
entender esse procedimento, pelo qual a televisão começou a fazer parte da vida das
pessoas na década de 50, é necessário que percorramos um caminho pautado pela avaliação
de determinados aspectos. E são exatamente esses aspectos a serem abordados neste
capítulo: verificar os temas inseridos no processo de disseminação da televisão e os
programas de maior destaque na rede de programação das emissoras.
Sendo assim, o primeiro passo para a compreensão de como uma grande
parte da população começou a entrar em contato com a televisão é avaliar o tipo de
anúncio que era feito acerca desses aparelhos. Podemos dizer que a forma como a própria
62
televisão e os jornais da época, especificamente os jornais A Folha da Manhã, posterior
Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, abordavam essa questão é um dos aspectos
principais considerado como estratégia de disseminação que influência o desenvolvimento
da televisão. Na verdade, não é apenas uma questão de disseminação do aparelho,
apontando sua porção meramente física, os temas inseridos nesse processo também estão
associados ao caráter das produções dos programas e a divulgação de uma escala de
valores.
2.1.1 A magia da tecnologia e a onda do futurismo
Na década de 50 havia uma grande comoção em torno dos eletrodomésticos
que chegavam às lojas. De forma mais acentuada, esse fenômeno podia ser identificado na
cidade de São Paulo. Houve um pequeno decréscimo do número de habitantes nos bairros
populares mais centrais, como ocorreu no Brás, Mooca, Bom Retiro e Bela Vista, enquanto
os bairros mais distantes passaram a aglomerar mais moradores, como no caso do Ipiranga,
Jd. Paulista, Penha, Casa Verde, entre outros (SANTOS, 1997, p. 52). Esse dado sobre o
crescimento das regiões suburbanas de São Paulo retrata a expansão da moradia além das
regiões centrais e a ampliação da utilização dos espaços, configurando uma nova forma de
organização da cidade.
Essa nova organização da cidade é um aspecto complementar a observação
de que as atividades comerciais realizadas nas regiões centrais da cidade, também deviam
passar por uma expansão. O aumento do número de habitantes em regiões distantes levava
consigo a possibilidade de ampliação do cenário mercadológico. Apesar desse relativo
crescimento, o foco deve ser mantido na perspectiva de que as regiões centrais da
metrópole ainda eram os principais pontos de concentração de moradia e de comércio. Por
isso, nessas regiões, era possível observar uma grande concentração de lojas que ofereciam
diferentes tipos de produtos à população.
63
Figura 4: A Folha da Manhã - Assuntos da Vida Social II - p.2 - Domingo, 1 de junho de 1958.
Como foi visto no capítulo 1, o cenário histórico característico da década de
50 foi marcado pelas mudanças. A mais relevante, nesse ponto, foi a de produção de bens
de consumo duráveis pelas empresas brasileiras, pois essa medida político-econômica fez
com que o comércio da época começasse a vender uma variedade maior de produtos
nacionais. É importante analisar que a produção industrial nacional passou a ter maior
representatividade, mas a disponibilidade de bens importados foi mantida nas lojas. Isso
quer dizer, não houve uma substituição dos produtos, mas um acréscimo.
Na década de 50, houve uma produção considerável de bens que
começavam a substituir aqueles que eram considerados menos modernos. As indústrias
nacionais passaram a produzir quase tudo, sem esquecer que houve a utilização do capital
estrangeiro em alguns ramos das produções industriais, por exemplo, da indústria pesada:
indústria automobilística, de material eletroeletrônico, de eletrodomésticos, de produtos
químicos e farmacêuticos e de matéria plástica (KOSHIBA e PEREIRA, 1987, p. 346).
A maior produtividade e oferta de bens refletem o momento de mudanças
pelo qual o Brasil passava. Na verdade, as mudanças de âmbito social encontram terreno
fértil nos hábitos da população, à medida que as pessoas podiam ir às compras e desfrutar
de uma série de benefícios resultantes de suas compras. O caso mais notável dessas
facilidades é a venda dos eletrodomésticos que pareciam começar a exercer um papel
fundamental dentro dos lares dos brasileiros e, mais preponderantemente, nos lares dos
paulistanos, que viviam na metrópole onde estava concentrado um grande número de lojas
de eletrodomésticos.
64
“Dispúnhamos, também, de todas as maravilhas eletrodomésticas: o
ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão; o fogão a gás de botijão, que
veio tomar o lugar do fogão elétrico, na casa dos ricos, ou do fogão a
carvão, do fogão a lenha, do fogareiro e da espiriteira, na dos remediados ou
pobres: em cima dos fogões, estavam, agora, panelas – inclusive a de
pressão – ou frigideiras de alumínio e não de barro ou de ferro; o chuveiro
elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a geladeira; o secador de
cabelos; a máquina de barbear, concorrendo com a gilete; o aspirador de pó,
substituindo as vassouras e o espanador; a enceradeira, no lugar do escovão;
depois veio a moda do carpete e do sinteco; a torradeira de pão; a máquina
de lavar roupa; o rádio a válvula deu lugar ao rádio transistorizado, AM e
FM, ao rádio de pilha, que andava de um lado para o outro junto com o
ouvinte; a eletrola, a vitrola hi-fi, o som estereofônico, o aparelho de som, o
disco de acetato, o disco de vinil, o LP de doze polegadas, a fita; a TV
preto-e-branco, depois a TV em cores, com controle remoto; o videocassete;
o ar-condicionado”
18
. ( MELLO e NOVAIS, 1998, p. 564)
As lojas de eletrodomésticos aumentavam a oferta de eletrodomésticos que
eram vendidos com a promessa de que as atividades realizadas para a manutenção do lar
ficariam mais fáceis. De fato, os eletrodomésticos, tais como fogão, geladeira e aspirador,
facilitaram a vida das donas de casa. Só que, nessa categoria de eletrodomésticos, também
estão incluídos o aparelho de som e de TV.
18
A citação exemplifica a questão da ampliação da produção dos bens de consumo na década de 50;
entretanto, alguns dos itens fazem referência a um período mais abrangente, que vai da década de 30 à de 70.
65
Figura 5: A Folha da Manhã - Assuntos Gerais - p. 20 - Domingo, 7 de novembro de 54.
Essa idéia de que os eletrodomésticos facilitariam a vida das pessoas foi
ampliada pela noção de que determinados bens também podiam servir como meios de
informação e de entretenimento. No caso da vitrola, do rádio e da televisão fica mais fácil
compreender como a função do eletrodoméstico se multiplica. O aumento na produção de
eletrodomésticos e a possibilidade de auxílio nas tarefas domésticas, bem como da
disseminação da informação e do entretenimento dentro dos lares, nos leva a pensar em
uma outra questão referente aos eletrodomésticos. Quando a dona de casa utiliza a
geladeira, por exemplo, ela sabe que os alimentos ficam em uma temperatura mais baixa e
duram mais tempo. Embora consciente de suas vantagens, a dona de casa não conhece os
mecanismos utilizados para a criação dessas propriedades do aparelho.
Dessa forma, para a dona de casa e para aqueles que fazem uso da geladeira,
esse aparelho recebe uma dimensão incompreensível, difícil de ser desvendada e, até certo
ponto, mágica. A magia que esses eletrodomésticos trazem consigo não está no âmbito
físico e processual de sua estrutura de funcionamento, pois se assim o fosse, um técnico em
geladeiras, por exemplo, estaria dotado de um dom sobrenatural para com esses objetos.
Podemos dizer que a magia dos eletrodomésticos na década de 50 estava mais associada ao
repertório das representações, do que ao próprio aparelho.
66
A chegada da geladeira representou um avanço da forma como os
mantimentos eram guardados sem estragar. Dando um passo adiante, e limitando o
universo dos eletrodomésticos ao presente estudo que tem como objeto a televisão, o
surgimento do aparelho de TV foi uma novidade que representou a magia da visibilidade.
Com o aparelho de televisão foi como se as coisas imateriais tomassem forma e pudessem
ser vistas por meio da tela, sem que isso significasse visualizar aquilo que estava sendo
produzido em um estúdio. Na verdade, a publicidade da época se encarregava de mostrar
que a TV tornava possível o sentimento de estar em um estúdio de televisão.
Figura 6: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.5 - Quinta, 3 de junho de 1954.
Na verdade, as pessoas não sabiam exatamente do que se tratava a televisão,
o que ela fazia e, principalmente, o que a imagem podia mostrar. Era visível que o aparelho
era formado por um suporte físico que tinha uma tela, acontece que a existência de uma
tela não estabelecia a forma como as imagens seriam trabalhadas para serem apresentadas
por esse suporte. Nesse período era comum ouvir
19
a afirmação de que com a televisão se
pode ver o “outro lado”, o “lado de lá”. Não se sabia exatamente o que era poder ver o
“lado de lá”.
19
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo.
67
Nesse caso, a magia estava inserida no contexto do desconhecimento de
como funcionava o aparelho, além disso, ganhava uma aura de mistério graças à idéia de
que podia ser vista alguma coisa além do que rodeava as pessoas em seu cotidiano. A
televisão tornou possível a visão do que estava além e por isso passou a ser encarada como
se fosse uma espécie de bola de cristal
20
que tudo podia mostrar. A publicidade da época
era um misto que ora trabalhava com a mágica proveniente da tecnologia, ora se
preocupava em enaltecer a televisão ao destacar que não era somente um aparelho.
Figura 7: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.3 - Sexta, 21 de setembro de 1956.
O aparelho era fundamental para a emissão das imagens, mas era a última
instância de um processo que começava nos estúdios de televisão. Assim sendo, grande
parte da publicidade buscava ressaltar a definição e a clareza das imagens que haviam sido
gravadas nos estúdios. Ao longo da primeira década de implantação da televisão houve
uma mudança na mentalidade da população que foi acompanhando o processo de
surgimento e desenvolvimento desse meio de comunicação na sociedade.
20
A colocação “sonhos que se realizaram através da energia elétrica da bola de cristal” se encontra no
anúncio da Companhia Light, publicado no dia 21 de setembro de 56 no caderno principal do jornal O Estado
de São Paulo.
68
“Apesar de todas as deficiências e improvisações, a televisão foi
saudada pela imprensa como sendo o novo e poderoso instrumento com que
‘conta nossa terra’”. (MATTOS, 2002, p. 82)
No início, grande parte da população ficou maravilhada pela possibilidade
de ver o que estava longe dos olhos, uma tecnologia que, até então, não era acessível ao
público e que era mais associada à magia do que aos benefícios do eletrodoméstico. Com o
passar do tempo, os anúncios e a própria programação foi mostrando que o “lado de lá”
nada mais era do que a exibição das imagens gravadas nos estúdios ou nos ambientes
externos. Inclusive, os programas de auditório foram importantes para a desmistificação da
exibição do “além”, já que o público começou a fazer parte desse processo quando ia aos
estúdios e conhecia as instalações das emissoras. Mesmo para quem somente conhecia um
participante de um programa de auditório, a sensação de poder fazer parte da televisão era
maior.
O processo mágico da televisão acontecia em duas esferas distintas e
complementares. Se por um lado, a magia da tecnologia diminuía à medida que se
conhecia o mecanismo de apresentar o “lado de lá”, por outro, ela se perpetuava na
elaboração de novos aparatos que fizessem parte da televisão. O aparelho por si só não era
capaz de dizer muita coisa, mas o universo de possibilidades que vinha junto ao aparelho
trazia a magia para dentro dos estabelecimentos nos quais estavam inseridos seus suportes.
O desenvolvimento da tecnologia e a busca por definições de imagens e som cada vez mais
realísticos continuavam a manter o caráter mágico.
“A reduzida oportunidade perceptiva que oferece a televisão, os
rápidos passos, as mudanças de som e imagem, que com freqüência não se
pode seguir, a variação da câmera e a ignorância dos processos de produção
com seus antecedentes escritos e horários, a disponibilidade de material de
rodagem, pessoal e iluminação fazem que a televisão seja impenetrável para
o telespectador (...)” (PROSS, 2000, p. 305)
A tecnologia e os processos de aperfeiçoamento dos mecanismos
tecnológicos na década de 50 são fatores que ampliaram a noção de realidade da população
69
da época. O público era chamado a ser tele-espectador
21
de uma realidade outra que estava
além do que os olhos podiam ver, por isso a necessidade de um suporte com função
semelhante à de uma bola de cristal.
Figura 8: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.2 - Domingo, 6 de abril de 1952.
A criação de eletrodomésticos modernos e a magia da tecnologia deram
origem a uma onda de futurismo, uma idéia sustentada pela impressão de que a tecnologia
do futuro já estava acessível. No caso da TV, a utilização da tecnologia para a busca
constante da criação de melhores aparelhos, que oferecessem mais funções no mesmo
suporte, mais definição e maior grau de realismo das imagens e do som, são características
que marcaram a onda do futurismo.
O futurismo em torno do suporte da televisão, e a magia que tal aparato
sustentava, são traços fundamentais encontrados no processo de introdução da televisão no
país, embora a fase conhecida pelo desenvolvimento tecnológico, propriamente dita, tenha
ocorrido somente no período de 1975 a 1985 (MATTOS, 2002, p.79). No entanto, uma
21
“Você será um tele-espectador” é a afirmação encontrada no anúncio da Loja Cássio Muniz S.A. publicado
70
análise mais específica sobre os conteúdos apresentados nesse período vão em uma direção
diferente do caminho tomado pela onda de futurismo e o avanço nas técnicas que
melhorassem as condições de uso dos aparelhos.
Figura 9: A Folha da Manhã - Assuntos Gerais - p.2 - Terça, 20 de agosto de 1957.
A onda de futurismo sustentada pela tecnologia buscou novas formas de
explorar as possibilidades da união entre som e imagem a fim de beneficiar o público.
Enquanto isso, a experimentação quanto aos conteúdos, formatos e abordagens de temas
estava disposta sob uma rígida visão mantenedora dos bons costumes da época.
2.1.2 A divulgação dos bons costumes
Na década de 50, acontecia a divulgação de uma escala de valores
através da utilização dos meios de comunicação existentes na época. Os jornais, as
revistas, os folhetins e o rádio exerciam um papel importante na vida da população ao
divulgarem padrões sociais, comportamentais e morais que visavam a manutenção de
um determinado modelo eleito. De forma mais específica, podemos dizer que o modelo
no dia 6 de abril de 1952 no caderno principal do jornal O Estado de São Paulo.
71
eleito nesse período era o do lar burguês (SARTI e MORAES, 2005, p.21), um misto de
condições materiais e espirituais que iam de acordo com o momento histórico do país.
O modelo de lar burguês é um retrato que une os dois principais cenários
apresentados no capítulo 1 deste trabalho, o cenário histórico e o cenário familiar. O
cenário histórico interferia nessa construção simbólica da família, quando a
movimentação em torno do capitalismo e da compra de bens de consumo determinava
um modelo de lar habitado por moradores-consumidores. Ao mesmo tempo, o cenário
familiar, mais bem representado pela família rica que tinha em comum o modelo
patriarcal da elite, é o melhor exemplo para a observação de determinados fenômenos
no que se refere ao lar da família burguesa.
A definição do modelo patriarcal é fundamental para que este trabalho
possa caminhar rumo ao entendimento da escala de valores difundida pelos meios de
comunicação da época. Isso quer dizer que, a partir do momento em que um modelo
social é eleito, o comportamento e os padrões de conduta que norteiam esse grupo social
acabam por fazer parte dessa escolha. Os outros modelos familiares, pautados nas
figuras monoparentais, matriarcais ou, ainda, as famílias mais pobres em que pai e mãe
trabalhavam para sustentar seus descendentes, são deixados de lado nessa avaliação
sobre a família e os valores exibidos na televisão.
“Nas camadas populares urbanas ‘exigia-se um cotidiano em que era
vital a repartição de tarefas ou a transferência de papéis para a sobrevivência
do grupo doméstico’ e cabia às mulheres a administração da casa, do
pequeno comércio ou até da ocupação com os negócios do companheiro. É
possível constatarmos, nas descrições históricas, que as mulheres pobres
sempre realizaram outras atividades, além das domésticas, as quais se
misturavam ao trabalho produtivo, gerando itens para o consumo interno e
abastecimento da população circundante”. (MAGALHÃES apud
FIGUEIREDO, 2001, p. 84)
Essa decisão pode parecer equivocada. Muitos deverão pensar: como
restringir a definição da família que recebe determinados padrões de conduta se a televisão
foi um meio de comunicação tão poderoso logo em seu surgimento? O primeiro fator que
responde a essa pergunta é muito claro, pois o período examinado por esse trabalho
72
restringe-se objetivamente ao intervalo de tempo iniciado em 50 e finalizado em 60. Esse
intervalo de tempo, definido neste trabalho, está inserido no período nomeado como fase
elitista, que vai de 1950 a 1964 (MATTOS, 2002, p.79).
Como o próprio nome identifica, na fase elitista era apenas uma pequena
parcela da população que conseguia ter acesso aos televisores instalados pela cidade de
São Paulo. Ora, se apenas uma pequena parcela da população tinha acesso ao aparelho
televisor, somos levados a pensar que esse grupo social fazia parte da elite burguesa,
formada por famílias ricas, cujo modelo de organização era pautado no modelo patriarcal.
Geralmente o homem trabalhava fora e obtinha o sustento, enquanto a mulher ficava
cuidando de seus afazeres domésticos e da educação dos filhos.
O segundo aspecto que responde a questão feita anteriormente se refere ao
poder exercido pelos meios de comunicação da época. É evidente que o surgimento da
televisão nos anos 50 foi um grande impacto para a sociedade. Acontece que a força
exercida pela TV e o poder das imagens veiculadas por ela ocorriam de forma muito
distinta da maneira como estamos habituados a avaliar atualmente, pois temos como
parâmetro as organizações responsáveis pelas emissoras de TV nos dias de hoje.
O começo da televisão foi marcado pelas experimentações, pelo improviso
e pela audácia dos profissionais, mas não havia uma avaliação da influência desse meio
sobre toda a sociedade, até mesmo porque era um pequeno e específico grupo social que
tinha acesso ao aparelho. A definição da família que entrou em contato com a televisão é a
única forma, ou talvez a mais apropriada, pela qual podemos começar a entender a relação
entre a televisão e a família na década de 50.
O terceiro, e último, aspecto que responde à questão é o fato da
penetração da televisão no âmbito da família patriarcal da elite estar diretamente
associada ao papel da mulher nessa esfera social. Quando a televisão começou a ditar os
padrões sociais, morais e comportamentais houve um interesse na manutenção da ordem
estabelecida na sociedade. Já dissemos anteriormente que o homem era o chefe da
família que saía para trabalhar, enquanto a mulher ficava em casa para cuidar do lar e
para assistir à televisão.
73
Enfim, é primordial a avaliação de que a televisão foi introduzida em um
período, a fase elitista, e de uma forma, mais especificamente com acesso possível
apenas às famílias patriarcais da elite, que estabeleceu como público principal as
mulheres. Logo, a divulgação de valores feita pela televisão estava sob um constante
regimento do que era modelo para as famílias patriarcais da elite. Mais ainda, do que
servia como modelo para as mulheres donas de casa que mantinham a ordem das
atividades e uma certa subserviência ao marido.
Aqui cabe uma curiosidade
22
sobre a instalação dos aparelhos de televisão:
“Conta Dermival Costa Lima
23
que, por ocasião da inauguração da
TV Tupi, Assis Chateaubriand presenteara alguns amigos com aparelhos
que ele importara diretamente dos Estados Unidos. Entre as famílias
agraciadas com um desses aparelhos destacava-se uma, conhecida por sua
profunda religiosidade e a rigidez de seus princípios morais. Senhor e
Senhora constituíam figuras do maior respeito e uma simples palavra deles
transformava-se logo em lei. Essa família estabeleceu uma espécie de
censura na televisão. A TV, segundo o distinto e venerável casal, teria por
obrigação prioritária respeitar o decoro familiar”. (SILVA, 1981, p. 18)
Até aqui havíamos considerado a instalação dos aparelhos de TV nos
estabelecimentos comerciais e a possibilidade de compra de tais aparatos somente pela
elite que podia ir às lojas. A principal curiosidade é que, de acordo com o depoimento
acima expresso, a questão das famílias patriarcais da elite não se refere somente ao
papel que exercem como telespectadores da televisão. O papel dessas famílias era tão
importante, do ponto de vista político-econômico-social, que Chateaubriand selecionou
um número de famílias e os presenteou com a televisão.
Essas famílias que faziam parte da elite eram importantes agentes sociais,
pois, ao receberem a televisão em seus lares, faziam questão de avaliar os conteúdos dos
programas e dar uma resposta aos responsáveis por essas realizações. No caso citado, o
casal Senhor e Senhora, cujos nomes não foram divulgados, agia como um espécie de
22
Essa informação foi encontrada nos Cadernos 4 intitulado O teleteatro paulista nas décadas de 50 e 60,
organizado pela Prefeitura do Município de São Paulo e publicado em 1981.
74
censor dos programas que estavam sendo exibidos. O decoro familiar era a instância
máxima a ser protegida pela escalada de valores divulgada pela televisão.
A divulgação devia ser realizada de tal modo que deixasse clara a existência
de um modelo familiar que seguisse as rígidas regras de conduta para cada um de seus
componentes. O homem era o chefe de família, responsável pelo sustento e que exercia o
poder das decisões. A mulher era a dona de casa, mãe dedicada aos filhos e aos afazeres
domésticos. Os filhos homens eram educados de modo a herdar os bens da família. Já as
filhas mulheres aprendiam com as mães como realizar as atividades do lar e sonhavam com
a possibilidade de encontrar um amor verdadeiro ainda na juventude.
Para se ter uma idéia sobre esse modelo de família patriarcal e o papel da
mulher, que era público-alvo da escala de valores difundida pela televisão, podemos traçar
um paralelo baseado no perfil da leitora da revista Cláudia. A revista Cláudia, introduzida
no país na década de 50, foi a primeira revista de texto para mulheres, especialmente
voltada para a mulher dona de casa/esposa/mãe. Devido ao nível privilegiado de renda,
essa mulher não necessitava trabalhar fora e ainda dispunha de outras mulheres para a
execução do trabalho doméstico (SARTI e MORAES, 2005, p.25).
O perfil da mulher que se tornava leitora da revista Cláudia é muito
parecido com o das telespectadoras mulheres desse período, isso para não dizer idêntico. A
mulher dona de casa/esposa/mãe era a típica “rainha do lar” que zelava por seu ambiente
doméstico. Isso quer dizer que os meios de comunicação da época, especificamente a
televisão, ocupavam-se em divulgar uma série de valores que vinham de acordo com o
interesse social em manter as estruturas do funcionamento dos lares das famílias patriarcais
da elite.
A programação era elaborada para a apresentação de programas de gêneros
distintos, como será visto no próximo item deste capítulo; no entanto, havia um fio
condutor que devia ser respeitado em nome da moralidade e dos bons costumes defendidos
por essas famílias nos anos 50. Os profissionais da televisão tentavam cumprir essas
exigências, mas como foi visto anteriormente, nem sempre o caráter das experimentações
23
Depoimento de Dermival Costa Lima ao IDART – Departamento de Informação e Documentação
Artísticas, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1977.
75
respeitava todos os alicerces desse grupo social. Nessas horas, a própria família que
exercia influência social podia vir a reclamar sobre os conteúdos da programação.
Talvez possamos dizer que as famílias deviam fazer o papel de censores
sociais à medida que os padrões sociais da década de 50 foram mudando. Já no início do
século XX, “as elites trocaram a vida fechada e isolada do mundo rural e dos pequenos
núcleos urbanos, que tinha a igreja como principal espaço de sociabilidade, pelas novas
formas de reunião social e de diversão abertas com a modernização das cidades” (RAGO,
1997, p. 586). Nesse sentido, a família também observou uma certa mudança na exibição
de programas como O mundo é das mulheres
24
, comandado por Hebe Camargo e exibido
pela TV Paulista, em que cinco mulheres entrevistavam um homem famoso.
As novas formas de reunião social dessas famílias suscitavam o debate
sobre as formas de vida no campo e na cidade, os valores mantidos e os adaptados aos
novos tempos, os valores da família que deviam ser mantidos para a perpetuação da ordem
hierárquica e os valores que, pouco a pouco, iam sendo incorporados pelos membros das
famílias tradicionais. Na verdade, a divulgação de uma nova escala de valores, proveniente
dos ares de mudanças do próprio momento histórico, fazia parte de uma estrutura maior. A
escala de valores estava inserida na exibição dos programas que eram feitos com base nos
momentos de lazer passados em família e que, por conseqüência, fazia parte do cotidiano
da mulher que ficava grande parte do tempo em casa.
A fim de ampliar a visão sobre a televisão, que divulgava uma escala de
valores que atingia diretamente as mulheres, é necessário verificar que há uma outra
instância quando falamos de criação e disseminação da televisão na sociedade. Neste
item foi abordada a relação entre a escala de valores e a mulher, porém não é menos
importante sua relação com o universo masculino, em especial quando falamos de
futebol. O esporte é uma das maneiras utilizadas pela televisão para aproximar a
família. Por isso, uma visão panorâmica ganha espaço neste momento em que é
verificada uma íntima relação entre o desenvolvimento da televisão no país e o futebol.
24
A informação sobre o programa O mundo é das mulheres foi encontrada no texto de Edgard Ribeiro de
Amorim e está disponível no www.sampa3.prodam.sp.gov.br, site do PRODAM - Empresa de Tecnologia da
Informação e Comunicação do Município de São Paulo.
76
2.1.3 O desenvolvimento da televisão atrelado ao futebol
Quando começamos a analisar a relação entre o futebol e as transmissões
realizadas pela televisão brasileira, somos levados a considerar essa questão de forma mais
abrangente, ao invés de unicamente classificar o esporte como uma medida favorável ao
desenvolvimento desse meio. Isto é, a importância dessa temática extrapola a questão do
fanatismo dos brasileiros a partir do momento em que consideramos o futebol uma
ferramenta que marca o início de todo um período de mudanças.
Como foi visto no capítulo anterior, na década de 50 o Brasil estava
passando por um período caracterizado por modificações nas mais diversas áreas. O
discurso desenvolvimentista ganhava forças com a adoção de medidas econômicas que
favoreciam a produção industrial e, conforme essa produção se ampliava, os
eletrodomésticos invadiam os lares dos brasileiros e traziam consigo uma exigência de
mudança comportamental. Esse quadro é fundamental para que possamos compreender
que as modificações sociais ocorriam fervorosamente em âmbito nacional.
Embora essas constatações sejam referentes ao Brasil, é importante verificar
que tais mudanças não aconteciam de forma isolada diante dos acontecimentos mundiais.
A ocorrência da 2º Guerra Mundial em um período de 12 anos, de 1938 a 1950, foi em
grande parte responsável por essa movimentação no cenário nacional, assim como pode ser
apontado como fator preponderante para as questões de reestruturação dos países que
buscavam estabilidade no pós-guerra. O mundo passava por um período de mudanças e tal
situação pode ser verificada se tomarmos como base os acontecimentos relativos aos
eventos do futebol.
É essa visão mais humanística do futebol que nos possibilita considerá-lo
como um agente importante na construção social que engloba os estágios iniciais da
televisão. O aspecto mais importante dessa análise é a constatação de que a popularização
do futebol no Brasil está diretamente associada à forma como a cultura se organiza em
determinados períodos da história. Vale ressaltar que uma análise do futebol em si mesmo
77
poderia ser de imensa riqueza em termos de conhecimentos técnicos próprios desse
esporte. Porém, não cabe neste espaço discutir o que foi relevante do ponto de vista
técnico, pois o que nos interessa é o viés cultural do futebol.
O que mais nos chama a atenção é um possível entrelaçamento entre essas
duas esferas do ponto de vista histórico e social, da esportiva e dos meios de comunicação
no período em que o futebol e a televisão começavam a desenvolver suas atividades. O
futebol já era conhecido desde o início do século XX pelas famílias da elite,
especificamente na cidade de São Paulo, onde foram registradas partidas no Clube Atlético
Paulistano (AQUINO, 2002, p. 41), mas voltou com força total após forçosamente não ter
sido realizado um Mundial desde 1930. Por sua vez, o advento da televisão em 1950
engatinhava com suas primeiras experimentações até se estabelecer como um meio de
comunicação presente nos lares dos brasileiros.
O recomeço do futebol e o começo da televisão inseriam-se nas atividades
de crescimento adjuntas ao desenvolvimento da cultura de massa
25
. Podemos dizer que
nesse período havia um conjunto de atividades que andavam pelos mesmos caminhos ao
buscarem o desenvolvimento financeiro e a incorporação dos hábitos de consumo, apesar
das diferentes medidas adotadas para a ampliação de cada uma dessas atividades.
“Afinal de contas, a ‘cultura de massa’ no Brasil se plasmou e se
desenvolveu quase concomitantemente ao surgimento, desenvolvimento e
popularização do futebol no país”. (HELAL, 1997, p.16)
Na verdade, o estabelecimento de uma conexão entre futebol e televisão só
se torna possível se os registros históricos relevantes ao presente estudo estiverem
presentes. Sendo assim, e indo ao encontro dos primeiros registros dos jogos de futebol no
Brasil, devemos considerar que as pesquisas sobre documentos históricos datados do início
do século XX apontam um nítido quadro de preconceito entre o futebol elitizado e o mais
popular.
25
A terminologia cultura de massa é utilizada a partir das definições de Edgar Morin em Cultura de Massas
no século XX – volume 1, página 42. Neste contexto, cultura de massa define a nova cultura inscrita no
complexo sociológico constituído pela economia capitalista, a democratização do consumo, a formação e o
desenvolvimento do novo assalariado e a progressão de determinados valores.
78
A distinção entre os jogos de futebol da elite e os dos homens mais
populares nada mais era do que a separação dos grupos que se mantinham em classes
sociais mais ou menos privilegiadas. Os mais ricos se organizavam por meio dos clubes
aristocráticos, enquanto os menos ricos recorriam aos clubes populares das cidades.
Diferentemente do que se podia imaginar, de que o futebol era capaz de separar os grupos
sociais, o olhar mais atento do leitor observa que a separação entre grupos mais elitizados e
mais populares era um reflexo da sociedade da época.
Mais ainda, a sociedade não dividia os grupos de pessoas somente pela
classe social. A raça era um fator determinante para que somente os brancos pudessem
desfrutar dos jogos organizados pelos clubes. Os negros e mulatos não tinham vez e
dificilmente chegavam a ter chance de mostrar o talento que poderiam vir a ter com a
prática do jogo. Não é toa que o futebol, que “no Brasil pode ser visto como um poderoso
instrumento de integração social” (HELAL, 1997, p.25), começa a exercer um papel muito
importante na sociedade.
“Na cidade de São Paulo houve algo parecido: a Associação Paulista
de Esportes Atléticos reunia clubes aristocráticos enquanto clubes populares
estavam filiados à Liga Paulista de Futebol. Apesar de tudo isso, pobres,
negros e mulatos acabaram fascinados pelo futebol, muitas vezes assistindo
aos jogos disputados pelos brancos. Claro que não podiam penetrar nos
fechados clubes onde os confrontos ocorriam, mas, empoleirados em
telhados e árvores próximos aos campos, olhando por sobre os muros,
vibravam com os lances da partida”. (AQUINO, 2002, p. 38)
Como foi mostrado, o futebol era um reflexo da sociedade da época que se
dividia em grupos sociais e marginalizava os negros e mulatos. Com o passar do tempo e o
poder de integração do esporte, as regras quanto aos freqüentadores dos clubes que podiam
jogar já não faziam muito sentido, pois os interessados na prática desse esporte começaram
a organizar “peladas” nas ruas com bola de meia ou de borracha (AQUINO, 2002, p. 39).
O interesse dos marginalizados em jogar bola e organizar seu próprio jogo está acima da
definição de regras claras sobre quem pode ou não pode jogar.
A popularidade do futebol transforma a questão social de exclusão em uma
prática que traz divertimento e senso de comunidade, deixando de lado a separação dos
79
grupos sociais e as condições financeiras que possuem para realizar as partidas. A
marcação no chão se torna o campo, a rua ganha ares de clube e a bola de meia ou de
borracha são perfeitas substitutas para as bolas “oficiais” que geralmente eram importadas.
Mas essa consideração sobre o encontro de raças, uma possível miscigenação, apoiada pela
máxima de que o futebol congrega, deve ser feita com cautela.
De fato, o futebol é um esporte que propicia o encontro de pessoas que se
juntam para a formação das equipes que se enfrentam durante a partida. No caso da
metrópole, a cidade de São na década de 50, o fenômeno da comunidade é ainda mais
perceptível quando os moradores de uma determinada região se organizam para enfrentar
adversários que defendem uma outra camisa proveniente de uma outra região da cidade.
Melhor dizendo, “o esporte é uma instituição que mantém a união dos habitantes de uma
metrópole e aumenta sua afeição pelo local em que vivem” (LEVER, 1983, p. 36).
O futebol tem essa capacidade de agregação de pessoas, porém há outros
aspectos que interferem na construção de uma noção de comunidade que agregue pessoas
de diferentes classes sociais e etnias. As mudanças no corpo de determinadas estruturas
sociais são processos que podem levar muito tempo e dependem da forma como se dão em
cada lugar de manifestação cultural. Por exemplo, a classe alta carioca manteve hegemonia
sobre os clubes de futebol até 1923. Nesta data surgiu o time Vasco da Gama formado por
uma predominante mistura de negros e mulatos que ocupavam cargos de operários e
balconistas (LEVER, 1983, p. 36). Com essa aparição de um time composto por pessoas de
perfis tão distintos, pode-se pensar que o cenário dos esportes se tornou mais receptivo.
A receptividade demonstrada pela aceitação de jogadores negros, mulatos e
pobres é um exemplo válido nesse sentido. Só que a sociedade não se transformou de um
dia para outro, como se pudéssemos classificar a sociedade esportiva elitizada até 1923 e
depois um salto para o não preconceito nos esportes. Os fatores que constroem o cenário
no qual se dão as mudanças sociais estão interligados de modo a favorecer movimentos e
rupturas que tendem a ocorrer com o passar do tempo; contudo essas mudanças culturais
levam tempo.
Um caso que exemplifica esse processo de mudança como um processo
lento é que a criação do Vasco em 23 não impediu que os cartolas pressionassem o técnico
Feola, na Copa do Mundo de 58, para que fossem mantidos os brancos Joel, Mazzola e
80
Dida e não escalasse Garrincha, Vavá e Pelé. Por sorte tais jogadores entraram e
demonstraram um ótimo rendimento, o que auxiliou na conquista do título. Veja, mesmo
depois de três décadas do surgimento de um time “fora dos padrões” da elite, ainda havia
pessoas que representavam o pensamento da separação entre negros e brancos.
Graças ao pensamento de que os negros também podiam jogar bola, o país
foi bem representado nas Copas realizadas naquele período. O time da seleção brasileira
foi uma figura muito importante no momento em que o discurso nacionalista difundia a
idéia de que o Brasil devia avançar. O povo admirava os heróis que partiam em busca dos
títulos em defesa da camisa que representava a nação brasileira. O surgimento da expressão
seleção “canarinho” segue essa linha de raciocínio, já que os jogadores vestiam camisas
amarelas na Copa de 1954.
Vejamos a seguinte tabela
26
com informações sobre as Copa de Futebol:
Copas do Mundo
Ano Campeão País Organizador
1930 Uruguai Uruguai
1934 Itália Itália
1938 Itália França
1950 Uruguai Brasil
1954 Alemanha Suíça
1958 Brasil Suécia
1962 Brasil Chile
Embora o Brasil tenha sediado a 1º Copa do Mundo do período pós-guerra,
em 1950, a seleção “canarinho” conquistou seu primeiro título somente oito anos mais
tarde. Na edição seguinte, de 1962, o time repetiu o feito e levou o título de bicampeão da
Copa do Mundo. Os dados contidos na tabela acima servem como base para as
observações de que a união de diferentes perfis de jogadores no mesmo time, com classe
81
social e raças distintas, foi capaz de lançar a popularidade dos brasileiros associada ao
futebol.
Indo um pouco além, a consideração de que a equipe do Brasil conseguiu
conquistar dois títulos na Copa também foi um dos aspectos a serem enumerados como
atuantes no processo de mudanças da sociedade brasileira. A derrota em nos anos 50 e 54 e
as vitórias em 58 e 62 foram responsáveis por uma movimentação da população que
extrapolava a questão da bola apenas no âmbito do esporte. Os resultados das partidas
interferiam, e interferem ainda nos dias de hoje, na maneira como se comporta a
população. As derrotas da 4º e 5º Copa, por exemplo, trouxeram uma onda de tristeza que
assolou o coração dos brasileiros e atingiu os sonhos daqueles que acreditavam no
crescimento do país.
“Parecia que o mundo tinha acabado. O sonho acalentado por
milhões transformou-se no pesadelo de um povo. Para muitos era a
comprovação de constituirmos uma sociedade de incompetentes e
fracassados. (...) O novo fracasso na Copa de 1954 aprofundaria ainda mais
o amargor da tragédia vivida em 1950 no Maracanã. Foram precisos mais
oito anos para que começássemos a esquecer essa tragédia”. (AQUINO,
2002, p. 71-72)
É exatamente a essa sensação de que “a sociedade brasileira era
incompetente e fracassada”, que se faz referência quando afirmamos que os resultados
interferem no comportamento da população. A maneira mais palpável de constatar esses
fenômenos do futebol foi a apresentação de dados históricos sobre esse esporte. Com
efeito, essas considerações, que dão suporte ao presente trabalho, fazem parte de uma
esfera mais abrangente que conta com a influência das Copas no quadro social e com a
existência de uma série de eventos acerca dessa temática em diversas regiões do país.
Em muitas regiões do país eram realizadas partidas organizadas por órgãos
nacionais que movimentavam a cena do futebol em determinados núcleos de cidades e
estados. A criação do Conselho Nacional de Desportos (CND) em 1941 pelo programa do
presidente Vargas é um exemplo disso, já que supervisionava o esporte brasileiro através
26
A tabela com dados sobre as sete primeiras Copas do Mundo foi organizada para este trabalho a partir de
informações contidas na obra Enciclopédia: todas as Copas do Mundo, de Orlando Duarte.
82
de diversas organizações, como a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje
chamada de Confederação Brasileira de Futebol (CBF) (LEVER, 1983, p. 84).
O mais importante dessa identificação de que havia uma agitação em torno
dos torneios e partidas realizadas por todo o país é que o futebol era um tema
razoavelmente importante para a sociedade da época. Importância que pode ser verificada
pelo interesse em transmitir os jogos interestaduais, por exemplo, e que se torna uma
realidade em 22 de fevereiro de 56 com a exibição do jogo Brasil X Itália no estádio do
Maracanã
27
. Devido ao caráter de relevância nacional é de se esperar que os meios de
comunicação da década de 50 fizessem referência a esse esporte. O rádio, as revistas, os
jornais e, com seu surgimento, a televisão, todos se empenhavam em manter o público
informado sobre as principais notícias do mundo esportivo. A divulgação do futebol
ganhava espaço conforme os meios de comunicação iam se desenvolvendo.
Figura 10: O Estado de São Paulo - Notícias Diversas - p.18 - Domingo, 28 de agosto de 1955.
O rádio utilizava o som para narrar os feitos dos jogadores e isso aguçava a
curiosidade dos ouvintes que podiam criar os cenários onde se passavam esses jogos. Por
outro lado, quebrando um pouco essa lógica da criação, ao exigir menos esforço para a
construção de cenas pela imaginação, a televisão introduziu a imagem. Com a imagem
83
veio a descoberta dos personagens daqueles feitos heróicos, pois se tornava possível
identificar a partida, o campo, o jogador e suas peripécias.
É muito interessante a forma como os próprios anúncios encontrados nos
jornais da década de 50 faziam uso dessa questão inovadora da televisão em poder mostrar
os jogos de futebol. As “horas de emoções
28
” adaptavam-se aos ouvintes que já eram
apaixonados pelo futebol e que se entusiasmavam com sua visualização na tela da TV.
Figura 11: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.8 - Domingo, 23 de setembro de 1956.
Deixemos claro que a definição de uma adaptação que ocorreu, em certa
medida, deve-se ao fato de que a televisão conquistava corações dos adeptos do rádio, mas
não pode ser apontada como uma constatação absoluta. Primeiro, porque a televisão vivia
seu período elitista e não era acessível a uma camada significativa da população. Segundo,
27
A informação sobre a transmissão do primeiro jogo em nível interestadual foi encontrada na sessão dos
acontecimentos históricos da década de 50 disponível em: www.tudosobretv.com.br.
28
“Horas de emoções” é uma expressão que aparece no anúncio do aparelho de TV Stromberg-Carlson. O
anúncio foi publicado no Caderno Principal do jornal O Estado de São Paulo no dia 23 de setembro de 1956.
84
o desenvolvimento da televisão e o conseqüente aumento do número de aparelhos não
representavam a substituição do rádio pela TV.
O advento da televisão e a disseminação do aparelho na década de 50 vão
ao encontro das necessidades da população em querer saber o que ocorria no mundo dos
esportes. Para se ter uma idéia, “o Brasil acompanhou o Mundial de 1938, disputado na
França, por transmissões de som difícil de ser recebido, via rádio” (DUARTE, 1998, p.
XVIII). Logo, é possível observar que não é nova a relação entre os meios de comunicação
e o futebol. Embora na década de 50 as Copas
29
não tenham sido exibidas pela televisão
com a eficiência dos dias de hoje, o efeito dos Mundiais movimentava o cenário dos meios
de comunicação.
O surgimento da televisão no país representou a possibilidade dos assuntos
a respeito do futebol serem acompanhados por meio da imagem. Um exemplo disso foi a
criação do programa Mesa Redonda, em 1954 na TV Record
30
, apresentado por Geraldo
José de Almeida e Raul Tabajara. Conforme os aparelhos melhoravam a nitidez e definição
das imagens e a qualidade do som, mais próximos daquelas imagens exibidas pela
televisão os telespectadores pareciam estar. Sendo assim, poderíamos chegar a dizer que o
desenvolvimento da televisão na primeira década de sua implantação estava diretamente
associado ao andamento dos jogos e das temáticas geradas a partir dos elementos que
faziam parte do universo do futebol.
Aqui parece ter ficado nítida a noção de que havia uma relação entre a
televisão e o futebol no período de busca do desenvolvimento da sociedade brasileira nos
anos 50. Assim como os itens anteriores apresentados neste capítulo, como a onda de
futurismo, como a divulgação dos bons costumes dirigidos ao público feminino, o futebol é
um aspecto que está intrinsecamente embutido no processo de introdução da televisão no
país. Apesar dessa nítida relação, devemos considerar o cuidado que devemos ter ao
afirmar que há uma conexão entre televisão e futebol.
29
A primeira transmissão da qual se tem registro foi realizada em 11 de junho de 1958, quando a emissora
TV Rio transmitiu um jogo de Copa do Mundo (Brasil 3X0 Áustria) realizado no dia 8 de junho na Suécia. O
equívoco foi que a TV Tupi comprou os direitos de exibição por cinco mil dólares, mas o material foi por
engano para a TV Rio. Essa informação está disponível em: www.tudosobretv.com.br.
30
A informação sobre a criação do programa Mesa Redonda foi encontrada na sessão dos acontecimentos
históricos da década de 50, disponível em: www.tudosobretv.com.br.
85
Esse cuidado em determinar uma relação entre esses dois aspectos se deve à
constatação de que muito se fala sobre o poder do futebol em ampliar o número de venda
dos aparelhos na década de 50. Ora, assegurar que o futebol, por si só, haja tido o poder de
levar às lojas uma quantidade cada vez maior de compradores é um exagero. O futebol
pode ter sido um fator que colaborou para o aumento do número de vendas de aparelhos,
mas não é o único fator que tenha determinado essa ação.
Observemos a tabela da página 79 em comparação com a tabela
31
do
número de aparelhos em uso na década de 50:
31
A tabela com dados sobre o número de televisores P & B e a cores em uso no Brasil foi reduzida para este
trabalho. O quadro completo pode ser encontrado no livro História da televisão brasileir, de Sérgio Mattos, e
teve como fonte a ABINEE – Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletrônicos.
Copas do Mundo
Ano Campeão País Organizador
1930 Uruguai Uruguai
1934 Itália Itália
1938 Itália França
1950 Uruguai Brasil
1954 Alemanha Suíça
1958 Brasil Suécia
1962 Brasil Chile
86
Número de televisores P & B e a cores em uso no
Brasil
Ano Aparelhos
1950 200
1952 11.000
1954 34.000
1956 141.000
1958 344.000
1960 598.000
De fato, houve um crescimento significativo do número de aparelhos na
década de 50. Acontece que há muitos fatores que podem ser apontados como
colaboradores para essa disseminação dos televisores que começaram a fazer parte do
cotidiano das pessoas e foram instalados dentro dos lares das famílias. Cabe dizer que o
futebol desempenhou um papel fundamental dentro dos meios de comunicação na medida
em que observamos que gera uma conversa, uma espécie de discussão que é, na verdade,
uma diversão (LEVER, 1983, p. 31). A conversa discussão/diversão em torno da televisão
é uma condição que cria uma lógica de acompanhamento dos eventos esportivos por parte
dos meios de comunicação.
O rádio, os jornais e as revistas destinavam um espaço para a divulgação
dos principais acontecimentos dos esportes e, notoriamente, do futebol. A reserva de
espaço e de tempo, no caso do rádio, era uma preocupação de âmbito nacional, uma vez
que essas notícias reforçavam a idéia de que o Brasil podia se tornar o país do
crescimento e a nação dos vencedores. O clima de avanço desenvolvimentista era
legitimado pelos meios de comunicação que mostravam o bom futebol jogado pela
87
seleção “canarinho” e se encarregavam de glorificar as conquistas dos brasileiros em
outras atividades.
“Foi nesse ano que João Gilberto dedilhou nas cordas do seu violão
um samba que marcou época. Chamava-se ‘Chega de saudade’, e foi
apontado por muitos como ponto de partida da Bossa Nova. Em 1958 Éder
Jofre também despontou como campeão brasileiro. (...) O ano de 1958
assistiu a Maria Esther Bueno, considerada “Rainha do Tênis”, conquistar o
prêmio de uma série de títulos nas quadras de Wimbledon, na Inglaterra. E
ainda em 1958 a sociedade brasileira olhou extasiada para Adalgisa
Colombo, belo tipo de mulher que ganhou o concurso de Miss Brasil. Nas
artes plásticas, nas letras, na música, na televisão, em suma, em todos os
segmentos da sociedade brasileira havia uma febre de renovação, uma forte
esperança no amanhã, uma firma crença no Brasil”. (AQUINO, 2002, p. 77)
O futebol, assim como a onda de futurismo e a divulgação dos bons
costumes, está entre os fatores que podem ser apontados como os mais relevantes para a
disseminação da televisão no período caracterizado como fase elitista. Contudo, o
levantamento dessas questões corresponde a apenas uma parte da questão. A partir do
momento em que a televisão é inserida na sociedade, as temáticas e os assuntos por ela
abordados deviam utilizar um formato, ou melhor, deviam estar inseridos em programas
adaptados para esse novo meio. Por isso, o próximo item deste capítulo é destinado à
análise dos programas que fizerem sucesso junto aos telespectadores na década de 50.
2.2 Programas que marcaram a história da TV
Tendo por base o que foi apresentado neste trabalho, é possível observar a
introdução da televisão no país e os principais aspectos inseridos nesse processo de duas
formas complementares: os temas e os formatos. Do ponto de vista temático, a primeira
parte deste capítulo se encarregou de apontar os três principais aspectos inseridos na
introdução da televisão na esfera familiar paulistana: a magia da tecnologia que intrigava a
população, a intenção de perpetuação do modelo da família patriarcal da elite,
88
reproduzindo as condições de sua permanência como grupo dominante (CAPARELLI,
1982, p. 11), e a intrínseca relação entre o futebol e a televisão.
Do ponto de vista do formato, é necessário observar uma diferenciação
entre a forma dos programas. Essa diferenciação é o resultado mais nítido do grau de
experimentação dos profissionais em utilizar novos recursos apresentados por esse novo
meio de comunicação unidos aos métodos já utilizados em outras produções. Isto é, as
funções de som e imagem apresentados pela TV fizeram com que os profissionais que
vinham do rádio e do cinema, isso sem falar dos absolutamente inexperientes, utilizassem
muitos dos recursos técnicos e lingüísticos já conhecidos.
Essa adaptação de recursos técnicos e lingüísticos foi fundamental para o
processo de introdução da televisão, já que as pessoas envolvidas nesse momento não
haviam pensado no que viria depois da primeira exibição. Houve muita movimentação
para que, no dia 4 de julho de 1950, Homero Silva e Walter Forster apresentassem o Frei
José Francisco de Guadalupe Mojica que cantou hinos religiosos. Houve ainda mais
movimentação no dia 18 de setembro do mesmo ano, data em que houve a inauguração
oficial da televisão.
A inauguração oficial contou com a benção dos estúdios e de uma das
câmeras por Dom Paulo Rolim Loureiro, bispo auxiliar de São Paulo, com o discurso de
Assis Chateaubriand e uma oração da poetisa Rosalina Coelho Lisboa Larragoiti, a
madrinha da televisão. Após a cerimônia, houve a abertura do show TV na Taba e a
apresentação de quadros que iam do humor à música. O apontamento dessas duas datas, da
primeira apresentação oficial e da inauguração oficial, é um exemplo de como a exibição
de imagens havia sido pensada como o começo de um espetáculo.
O começo de uma atividade para a qual não se havia pensado na
continuidade. A definição das atrações, dos programas, dos convidados, dos apresentadores
e, principalmente, da forma como tais números seriam exibidos, ocorreu de uma maneira
quase que instintiva. Em termos de organização dos programas, verifica-se que sofriam
intensa modificação na grade de horários e de dias de semana.
“A maioria dos programas transmitidos nesses primeiros meses tinha
apenas uma ou duas apresentações, desaparecendo logo após sem deixar
89
continuidade. Mesmo os que logravam atingir maior número de
transmissões, mudavam frequentemente de dia e horário ou sofriam
interrupções. Outros sofriam modificações, sendo absorvidos por propostas
mais ambiciosas”. (SILVA, 1981, p. 18)
Já em relação à produção dos programas, havia uma tendência em buscar
novas táticas de apresentação aliadas a alguns dos conteúdos e formatos provenientes do
rádio e do cinema. A mistura do novo aos modelos de produção mais difundidos e
utilizados anteriormente em outros meios gerou programas de cunho experimental, sem
uma definição absoluta dentro de um modelo específico de programa. Por exemplo, no
primeiro momento em que a encenação de uma peça de teatro foi gravada e exibida pela
televisão, era visível que o padrão de espetáculo teatral havia sido levado para a TV.
“A idéia de realizar um teleteatro foi uma decorrência lógica dentro do
processo evolutivo da programação da televisão” (SILVA, 1981, p. 18). A principio, todas
as atrações envolviam um certo desafio no que diz respeito às técnicas que deveriam ser
elaboradas a partir das necessidades que o próprio meio impunha. Foi em resposta ao
desafio técnico desse meio, com todos os aparelhos e mecanismos envolvidos desde a
captação até a exibição das imagens no aparelho de televisão, que os mais diversos gêneros
de programas foram ao ar.
Com o tempo, conforme determinadas técnicas foram sendo conquistadas,
alguns formatos de programas começaram a ser detectados com maior freqüência na grade
de programação das emissoras. Essa repetição de registros na programação evidenciou a
existência de diferentes gêneros de programas, o que torna possível a verificação de que
havia distintos formatos de apresentação de conteúdos. Sendo que, para cada conteúdo a
ser abordado pelo programa, haveria um tratamento mais adequado a essa exibição.
A conseqüência direta dos experimentos que desenvolviam técnicas
apropriadas na captação de imagens e do estabelecimento de determinados modelos na
grade de programação é a identificação de que cada programa tem um formato e apresenta
uma temática através de um determinado recurso técnico. Na década de 50, podemos
identificar a existência de uma série de programas de temáticas e formatos bem distintos. A
fim de aprofundar a questão dos formatos dos programas exibidos na primeira década de
90
introdução da televisão no país, serão apresentados quatro modelos que estão inseridos em
diferentes gêneros de produção e que marcaram a história da TV.
Primeiro será analisado o programa TV de Vanguarda, representante do
teleteatro, em segundo lugar a telenovela Sua vida me pertence, em seguida o telejornal
Repórter Esso e, por fim, o programa de variedades O céu é o limite. Através da análise
desses quatro modelos de programas apresentados no início da televisão brasileira, é
possível traçar um panorama sobre a disseminação da televisão nesse período. Desse
modo, por meio do conhecimento sobre alguns dos programas de maior sucesso, torna-se
possível compreender o fenômeno de desenvolvimento da TV e as conseqüências da
introdução desse meio na esfera familiar.
2.2.1 Teleteatro – TV de Vanguarda
O programa TV de Vanguarda foi um marco na história da televisão. De
modo mais específico, podemos dizer que o TV de Vanguarda foi um marco na história da
televisão paulista, se considerarmos o cenário no qual estava inserida a televisão. É sabido
que a primeira emissora do país foi a PRF-3 Tupi, fundada na cidade de São Paulo em 18
de setembro de 1950. Tal fato fez com que as principais ações em torno desse advento
ocorressem na mesma cidade, assim como a realização dos programas.
A realização dos programas e o desenvolvimento da televisão mais
concentrado na cidade de São Paulo são fatores que suscitam a afirmação de que o TV de
Vanguarda foi um marco na história da televisão paulista
32
. Seria difícil enumerar o
principal motivo pelo qual seja reconhecido como um marco na história da televisão,
porém se pode dizer que tamanho sucesso é resultado de uma união de fatores que estavam
atrelados à produção do TV de Vanguarda.
O TV de Vanguarda foi escolhido para ser objeto deste estudo por uma
característica que parece fundamental. Apesar de não ser o primeiro teleteatro da televisão
(o Grande Teatro Tupi foi ao ar em 21 de maio de 1951); foi em 1952 que o teleteatro se
32
A mesma afirmação está presente nos Cadernos 4, intitulado O teleteatro paulista nas décadas de 50 e 60,
um caderno coordenado por Flávio Luiz Porto e Silva, organizado pela Prefeitura do Município de São Paulo
e publicado em 1981.
91
consolida como gênero. Isso quer dizer que o começo das transmissões do TV de
Vanguarda em 1952 é fundamental para que se possa identificar a existência de um gênero
de televisão chamado teleteatro.
Como o próprio nome identifica, teleteatro é um gênero televisivo
caracterizado pela adaptação e encenação de peças de teatro na televisão. Este gênero
reinou de forma absoluta na televisão durante 12 anos até que, em 1963, surgiu a
telenovela diária. Para se ter uma idéia desse reinado, “entre 1951 e 1963 foram produzidos
1.890 teleteatros (incluindo os teatros na TV) contra apenas 164 telenovelas” (ORTIZ,
1989, p. 53). Durante a década de 50 todas as emissoras paulistas: Tupi, Paulista, Record,
Cultura e Excelsior - produziram programas de teleteatro. Podemos dizer que o TV de
Vanguarda teve participação significativa nesse número de teleteatros, uma vez que foi
exibido de 1952 a 1967.
Além do alto número de exibições, o TV de Vanguarda deve ser
considerado como um dos mais importantes teleteatros devido ao tipo de preocupação dos
profissionais envolvidos em adaptar a forma de encenação do teatro para a televisão. Uma
comparação entre o TV de Vanguarda e os outros dois programas de maior relevância
dentro da TV Tupi, O Grande Teatro Tupi e o TV de Comédia, aponta essa busca dos
profissionais em utilizar um formato e uma linguagem que estivessem mais adequados para
a TV, considerando as novas possibilidades ofertadas pelo uso da imagem.
O Grande Teatro Tupi, por exemplo, regularmente exibido às segundas-
feiras, é mais conhecido pela encenação de peças por grupos de teatro que não tinham
nenhuma relação com a televisão. Inclusive, como a segunda-feira costumava ser o dia de
folga das companhias e grupos de teatro, os artistas iam ao estúdio para ensaiar somente no
dia da própria apresentação. Essa forma de encenar uma peça, sem que os atores tivessem
tempo para a adaptação ao estúdio, acabou por limitar a utilização dos recursos da
televisão.
“Apesar de um diretor de TV, geralmente Luiz Gallon, acompanhar
o ensaio e procurar dar ao espetáculo uma forma mais compatível com a
televisão, o que resultava era um trabalho teatral. A própria estrutura do
programa contribuía para isso: o grupo que iria se apresentar só comparecia
à televisão para o ensaio no estúdio na tarde de segunda-feira. Não havia,
92
portanto, tempo para ajustar-se a forma teatral à linguagem da televisão e as
câmeras terminava por permanecer estáticas, comportando-se como
espectadores na platéia”. (SILVA. 1981, p. 60)
Dos três programas citados, o TV de Comédia foi o último a ingressar na
televisão, sendo exibido pela primeira vez em 1957. O mais curioso em relação a esse
programa é que seu principal produtor, Geraldo Vietri, começou a trabalhar na televisão
sem ter experiência prévia com o rádio ou com a televisão (SILVA, 1981, p. 65). Dessa
forma, diante da comparação entre os três programas de maior expressividade do teleteatro
paulista na TV Tupi, podemos notar que cada um deles tinha uma característica marcante
que lhe garantia exclusividade. No entanto, é o TV de Vanguarda que buscou se apropriar
das muitas linguagens possíveis na televisão.
Os recursos de voz, de postura, de ensaio com os atores, de posicionamento,
de angulação de câmera, enfim, uma série de adaptações começou a ser feita com base nas
peças de teatro. O interesse em trabalhar a encenação de grandes peças na televisão a partir
da utilização de muitas técnicas inovadoras colocou o TV de Vanguarda como um
programa que anunciou a capacidade da televisão em apresentar encenações arrojadas,
ainda que o início dessas encenações não tivesse sido um primor.
Essa busca em utilizar uma linguagem própria de televisão, tendo como
base a ousadia dos profissionais envolvidos nesse processo, foi uma faceta revelada em
toda a existência do TV de Vanguarda. Essa característica ficou ainda mais evidente
quando, em 1958, foi utilizado pela primeira vez no Brasil o videoteipe
33
na apresentação
do teleteatro Duelo de Guimarães Rosa. A utilização do videoteipe foi o fator que
influenciou diretamente na divisão da primeira e da segunda fase do TV de Vanguarda.
“Historicamente o TV de Vanguarda pode ser dividido em três fases
distintas: a das transmissões ao vivo (de 1952 a 1960); a do videoteipe (de
1960 a 1962) e a fase que se seguiu à saída de Walter George Durst e de
grande parte do elenco para a TV Excelsior, quando então a produção e
direção do programa passaram para Benjamin Cattan, elemento que vinha
do teatro (de 1962 a 1967)”. (SILVA, 1981, p. 36)
33
A informação sobre a primeira utilização do videoteipe no Brasil foi encontrada na sessão dos
acontecimentos históricos da década de 50, disponível em: www.tudosobretv.com.br.
93
É importante saber que a história do TV de Vanguarda foi dividida em três
períodos, mas não cabe neste trabalho a análise de cada fase do programa. A relevante
presença do videoteipe, que marca o início da segunda fase, se deu na década de 60 e foi
até 62, data que extrapola o período que orienta este estudo. O mais importante em relação
à definição de fases do TV de Vanguarda é que o programa foi acompanhando as
mudanças no cenário das produções.
Os quinze anos de duração do TV de Vanguarda foram marcados por uma
série de modificações na forma como se fazia televisão. Ainda na primeira fase, era
possível observar como os profissionais do teatro tiveram que encarar a televisão de uma
maneira mais acessível e aceitar o fato de que surgia um novo meio de comunicação que
abria as portas para os artistas dos palcos. O intercâmbio entre os atores também pôde ser
observado como um processo existente em outros gêneros da televisão, como a telenovela.
Apesar do intercâmbio ter um caráter um pouco mais difícil na realização dessas
produções.
A televisão era encarada pelo artista de teatro, considerado na época
intelectualmente superior, com um certo desprezo (SILVA, 1981, p. 33). E esse julgamento
do artista de teatro era ainda pior no caso das telenovelas. Dentro da televisão ainda havia
o teleteatro, que era uma espécie de consagração das obras clássicas, um programa cultural
mais elitizado, ao contrário da telenovela, que não tinha esse diferencial de produção
artística. Isso dificultava ainda mais o intercâmbio entre os artistas que julgavam a
telenovela um gênero menos politizado.
Por meio dessa consideração, de que a telenovela era julgada como um
gênero de menor importância, é que damos seqüência ao trabalho. O próximo ponto deste
mesmo item de gêneros que marcaram a história da TV analisa a primeira telenovela
brasileira e as características que fizeram parte dessa produção inovadora.
2.2.2 Telenovela – Sua vida me pertence
Primeiramente, a afirmação de que no início da década de 50 a telenovela
era um gênero de menor importância requer cautela. Na verdade, deve ser esclarecido que
94
o início da televisão foi marcado pelo jogo de tentativas dos profissionais que começavam
a trabalhar no setor, fossem eles novatos, advindos do rádio ou do cinema. Fica claro que o
caso das experimentações com os novatos, como foi o caso do produtor do programa TV
de Comédia, não implicam em julgamentos de qualidade ou de afinidade do profissional
em relação ao programa.
No entanto, no início da televisão foi observado que os profissionais que
migraram do teatro, do rádio e do cinema e começaram a trabalhar com televisão tinham
impressões e opiniões sobre os programas exibidos durante a programação. Ao longo da
primeira década de introdução desse novo meio no país, a TV viveu seu período elitista em
que os valores da família de modelo patriarcal da elite eram reproduzidos através dos
conteúdos e formatos dos programas. Como foi visto anteriormente, os formatos dos
programas foram se desenhando ao longo do tempo, segundo o interesse em manutenção
de determinados gêneros a serem exibidos e a organização dos programas em grades com
horários definidos.
O teleteatro foi um gênero que agradou mais os profissionais que vinham do
teatro, como, por exemplo, os artistas que preferiam trabalhar em programas que
encenassem peças de obras clássicas da literatura. Essa preferência por um gênero
considerado “culto” passava por um processo mais ou menos inverso no caso da
telenovela. Poderíamos enumerar uma lista de fatores que possam ter dificultado o
investimento na produção das telenovelas, mas essa não seria uma medida que ajudaria a
discussão sobre o porquê da telenovela não ter recebido o mesmo tipo de incentivo que
recebeu o teleteatro.
“Deixando de lado o julgamento de valor, o testemunho revela uma
tensão real entre um grupo oriundo do rádio e outro próximo do teatro e do
cinema. Tudo se passa como se a escala de prestígio crescesse na razão
inversa de sua aproximação à herança radiofônica; ora, o teatro e o
teleteatro se afastam desta presença incômoda. O primeiro devido a seu
passado clássico, o segundo na sua insistência em se aproximar ao máximo
do ideal cinematográfico que lhe serve como modelo. Dentro deste
contexto, a telenovela surge como uma continuidade da radionovela, e a ela
se impõe o sinal de desqualificação. A novela era percebida, tanto pelos
95
produtores, pelos financiadores, como por aqueles que a realizavam, como
um gênero menor”. (ORTIZ, 1989, p. 44-45)
Na verdade, talvez seja menos importante identificar qual foi o fator
determinante para tal ocorrência, pois muitos fatores podem ser apontados: a pouca
experiência dos profissionais envolvidos em fazer novela, o preconceito de alguns em
relação a esse gênero que vem como continuidade do rádio, o desprezo dos artistas. Enfim,
pode-se apontar uma infinidade de fatores responsáveis pelo pouco desenvolvimento do
gênero telenovela na primeira década de implantação da televisão no país.
O mais importante nesse caso é identificar que o potencial das telenovelas
só tenha sido desenvolvido no período seguinte, nos anos 60/70. Nas décadas seguintes a
telenovela começou a ser produzida em maior escala, ocupando o espaço que vai ser
deixado com o fim do teleteatro e se tornando um fenômeno que cai no gosto do público,
gerando altos índices de audiência. Enquanto essa potencialidade não foi percebida, foram
poucas as telenovelas exibidas na década de 50. Vejamos as tabelas
34
:
34
Tabelas baseadas no Quadro IV – Número de telenovelas apresentadas em São Paulo por emissora: 1951-
1963, da página 51 do livro Telenovela história e produção de Renato Ortiz, Silvia Helena Simões Borelli e
José Mario Ortiz Ramos. A tabela do livro tem como fonte o IDART – Departamento de Informação e
Documentação Artísticas.
96
De acordo com os dados das tabelas, a telenovela foi um gênero pouco
trabalhado nas emissoras ao longo dos anos 50. No entanto, devemos considerar a
existência de uma produção que foi extremamente importante para o surgimento desse
gênero no Brasil. A telenovela Sua vida me pertence foi eleita neste trabalho como
representante do gênero telenovela, pois foi a primeira a ser exibida na TV Tupi em 1951.
Número de telenovelas apresentadas em São Paulo por emissora:
1951-1960
Ano Tupi Excelsior Record Paulista Cultura
1951 1 0 0 0 0
1952 9 0 3 0 0
1953 9 0 1 0 0
1954 6 1 0 0 0
1955 11 1 0 0 0
1956 9 0 3 0 0
1957 8 4 1 0 0
1958 15 6 1 0 0
1959 7 4 3 0 0
1960 11 4 1 0 0
Total de telenovelas em cada emissora ao longo desse período
Tupi Excelsior Record Paulista Cultura TOTAL
86 20 13 0 0 119
97
De dezembro de 1951 a fevereiro de 1952 foi ao ar a primeira telenovela
brasileira, escrita por Walter Forster e encenada por atores de grandes nomes do radioteatro
e radionovela, tais como Lia de Aguiar, Walter Forster, Vida Alves, Lima Duarte, José
Parisi, Dionísio Azevedo, Néa Simões, João Monteiro, Tânia Amaral e Astrogildo Filho
(SILVA, 1981, p. 22). Geralmente, os capítulos com duração média de 20 minutos, eram
exibidos duas vezes por semana, mas dependendo da oportunidade, podia haver uma
apresentação em outro dia da semana (SIMÕES, 1986, p. 52).
“A decadência do gênero
35
se acelera e, em seu lugar, surge o
folhetim, ou melhor, a telenovela, que desde 1951, com ‘Sua vida me
pertence’ (TV TUPI/SP), estiveram hibernando num plano secundário,
transmitida duas vezes por semana (e a cada oportunidade sendo necessário
montar de novo todo o cenário, convocar o elenco, a equipe técnica etc.),
sem maior repercussão”. (SIMÕES, 1986, p. 52).
Sua vida me pertence surgiu no período em que os teleteatros faziam muito
sucesso junto ao público, porém essa concomitância não foi determinante para que um fato
dentro da telenovela chamasse a atenção do público. O par romântico formado por Vida
Alves e Walter Forster deu o primeiro beijo da televisão brasileira, o que marcou a história
da TV e gerou uma discussão sobre os conteúdos nela exibidos, a partir da escala de valores
que regiam o estilo de vida dos telespectadores inseridos no modelo de família patriarcal
elitista.
A questão do beijo torna-se banal nos dias de hoje. Contudo, nos anos 50, a
exibição do primeiro beijo na televisão foi uma situação que movimentou o cenário
comunicacional na própria televisão e, consequentemente, na sociedade da época. É muito
interessante observar o que o beijo na telenovela representou, mais do que o ato em si, a
linha pela qual sua produção iria seguir. Enquanto os teleteatros tratavam da adaptação de
peças, em muitos casos estrangeiras, a telenovela mostrava essa capacidade, que iria ser
desenvolvida mais fortemente na década seguinte, de abordar questões que estavam
presentes na cultura nacional, no cotidiano das pessoas.
35
A citação faz referência aos anos 60, quando o gênero teleteatro perdeu força e a telenovela começou com
um ritmo intenso de produções graças ao uso do videoteipe.
98
Curiosamente esse é um dos fatores que podem ser identificados na
primeira telenovela brasileira e que será detectado nas produções atuais. Hoje, podemos
utilizar a seguinte definição para a telenovela: “Trata-se de uma narrativa popular,
reconhecida por todos e que admite tanto o entrelaçamento das fronteiras entre cultura
popular e cultura de massa quanto a emergência de relações de mediação entre produtores,
produtos e receptores, que dialogam entre si, mediante um repertório ficcional e documental
compartilhado” (BORELLI e PRIOLLI, 2000, p. 32).
Esse caráter da telenovela atual de ser uma narrativa popular tem a ver com
o cotidiano e a vida dos brasileiros, e essa colocação pode ser comparada com a situação do
beijo na primeira telenovela da década de 50. Claro, é necessário considerar a intensa
transformação social que ocorreu nas últimas décadas no país. Não podemos dizer que o
cenário não mudou e por isso a telenovela manteve suas características principais.
Definitivamente, não é isso. O que acontece é que a telenovela de hoje pode ser entendida
como um retrato que se aproxima da realidade das pessoas que compartilham desse cenário
atual. Na telenovela Sua vida me pertence houve o beijo, um fator que representou a
aproximação ao cotidiano da vida das pessoas.
O beijo foi uma ousadia, um experimento, uma situação do cotidiano que
ganhou espaço na televisão e que demonstrou a capacidade desse meio em chamar a atenção
do público para um determinado fato. Esta telenovela foi importante porque introduziu um
novo gênero na televisão. Mais do que a coragem em dar início à telenovela no momento
em que o teleteatro começava a despontar, Sua vida me pertence marcou a história com o
primeiro beijo exibido pela televisão.
Nesse ponto parece que a análise se contradiz. De um lado, apontamos que
a telenovela era um gênero sem muita credibilidade, de outro, está o beijo que marcou a
história da televisão. A partir dessa dicotomia, é possível que surja a dúvida de como a
telenovela tenha se mantido em segundo plano se trazia questões, como no caso do beijo,
que eram polêmicas para a sociedade da época. A primeira consideração que deve ser feita
frente a essa pungente dúvida é que a forma como enxergamos a telenovela hoje é
totalmente distinta da forma como se enxergava esse gênero nos anos 50.
Como foi visto anteriormente, no início da televisão o gênero de maior
sucesso era o teleteatro. Enquanto isso, a telenovela começava a dar os primeiros passos a
99
fim de se firmar como gênero na televisão, já que sua herança histórica está diretamente
ligada às novelas que haviam feito sucesso no rádio. Foi com o passar dos anos e com o
cansaço do público diante dos teleteatros que a telenovela começou a ganhar espaço.
O beijo foi uma demonstração de que a televisão era um meio inovador e
que, por conseqüência, alguns de seus gêneros experimentavam mais do que outros. A
telenovela foi um desses gêneros que experimentou trabalhar uma série de temas que já
haviam sido trabalhados nas radionovelas, porém a possibilidade de visualização das
histórias fez com que determinadas ações gerassem polêmica. É exatamente essa
constatação que responde à dicotomia da telenovela que estava em segundo plano e o beijo
que marcou a história da TV.
“Mas não podemos esquecer que foi com simplicidade e
despretensão que o gênero se instalou no Brasil. E que as primeiras
telenovelas apenas copiavam o esquema das radionovelas – na forma e no
conteúdo. Só que, nas imagens, o resultado foi outro – de extraordinária
repercussão. Essa repercussão gerou uma popularidade inimaginável e
duradoura, o que incentivou os homens de TV a investirem mais na
telenovela”. (FERNANDES, 1987, p. 21)
A partir da constatação de que o uso da imagem associado à determinados
temas era capaz de gerar uma grande repercussão na sociedade, outros fenômenos
começaram a fazer parte da história da televisão. De uma maneira generalista, o
acontecimento que mais reflete esses fenômenos é a existência da publicidade em
determinados gêneros televisivos. Se a exibição do beijo na televisão na telenovela, que
neste período era considerado um gênero de menor importância, foi capaz de trazer uma
discussão em âmbito público, imagine o que a exibição de produtos dentro da programação
era capaz de fazer.
Foi seguindo essa linha de raciocínio que os anunciantes identificaram o
poder das imagens em prol do consumo. Eles identificaram que a inserção do anúncio
dentro da grade de programação era uma forma eficaz de exibir os serviços e os produtos a
serem consumidos pelos telespectadores. Só que o fato de não haver uma fórmula que
indicasse como os anunciantes deveriam inserir suas marcas e produtos na televisão gerou
uma busca por programas que pudessem deixar clara a ligação com o anunciante. Dessa
100
forma, o melhor exemplo de como a publicidade estava associada a um programa de
televisão é o telejornal Repórter Esso.
2.2.3 Telejornal – Repórter Esso
No dia 1 de abril de 1952 foi transmitida a primeira edição do Repórter
Esso (MATTOS, 2002, p. 172), o segundo telejornal brasileiro. O primeiro telejornal foi
Imagens do dia que começou a ser exibido na TV Tupi no dia 19 de setembro de 1950,
apresentado pelo radialista Ribeiro Filho e com texto e reportagem de Rui Rezende. O
primeiro telejornal exemplifica muito bem essa questão da publicidade, pois no primeiro
ano da televisão não se sabia exatamente como a programação podia ser utilizada a favor
do consumo e o que representaria a publicidade na televisão considerando o pequeno
número de aparelhos existentes na cidade.
No ano de surgimento da televisão, havia um certo receio por parte das
agências de publicidade em investir nesse meio, pois ainda não havia nenhuma certeza de
que a TV traria resultados compatíveis em resposta aos investimentos nela feitos. Apesar
dessa falta de garantia com o uso da publicidade na televisão, o comércio varejista
começou a dar sinais de interesse no tipo de retorno que lhes poderia ser dado.
“Apesar da confusão da programação, apareciam os
primeiros patrocinadores. As firmas varejistas União Comercial de Tecidos
e os Tecidos Princesa, de propriedade dos irmãos Emílio William e Jean
Haidar, assinaram com a PRF-3 TV Tupi o primeiro contrato de publicidade
pela TV em dezembro de 1950. As grandes agências de publicidade,
entretanto, hesitavam em aderir ao novo veículo, em razão do pequeno
número de aparelhos existentes em São Paulo. Desta forma, foi o comércio
varejista quem primeiro resolveu anunciar”. (SILVA, 1981, p. 18)
No embalo do comércio varejista, em 1951 as agências de publicidade
36
McCann Erikson e a J. W. Thompson, que haviam sido instaladas no Brasil, começaram a
36
As informações sobre as agências de publicidade, a criação e o desenvolvimento dos telejornais foram
encontradas na sessão dos acontecimentos históricos da década de 50, disponível em:
www.tudosobretv.com.br.
101
utilizar a televisão brasileira como veículo publicitário. Esse foi o gérmen que deu início a
uma série de programas que levavam o nome do patrocinador, como Ginkana Kibon,
Teleteatro Cássio Muniz, Divertimentos Ducal, Sabatina Maizena, Concertos Matinais
Mercedes Benz, Grande Teatro Monções, Teatrinho Trol, etc. No caso específico dos
telejornais, essa onda começou em 1952, quando surge o Repórter Esso e, dois anos após o
começo da transmissão de Imagens do dia, o programa foi substituído por Telenotícias
Panair.
Nesse mesmo quadro de telejornais com nomes de patrocinadores, podemos
incluir alguns outros, como Telejornal Bendix, Reportagem Ducal e Telejornal Pirelli. O
mais curioso desse caso, em que os patrocinadores se identificam no nome dos programas,
é que não havia uma relação puramente financeira entre essas duas instâncias, pois cabia
ao patrocinador determinar qual era o programa que ia ao ar e quais eram os profissionais
que estariam envolvidos nesse processo. (MATTOS, 2002, p. 70)
“A agência cuidava de tudo: escrevia, produzia, contratava
elenco e até mesmo completava o salário do pessoal técnico da
emissora, que se limitava a entrar com o parco equipamento
existente no horário”. (CAPARELLI apud SODRÉ, 1982, p. 81)
A interferência direta das agências de publicidade na produção dos
programas estabeleceu um novo contexto na televisão. Um contexto que parecia repetir um
quadro, conforme foi visto no capítulo 1, que já existia na imprensa e que ia diretamente de
encontro com o plano nacionalista. Ao mesmo tempo em que os planos políticos nacionais
visavam ao desenvolvimento industrial e reforçavam o discurso da nação brasileira, é
fundamental verificar que tais acontecimentos estavam ligados aos investimentos externos.
Os investimentos externos são visíveis no caso dos programas realizados
pelas agências de publicidade e ainda mais evidentes nos telejornais. Apesar da variedade
de telejornais que em muito poderiam engrandecer essa temática, devemos ter em mente a
necessidade de um foco mais restrito a fim de cumprir os objetivos deste trabalho. Sendo
assim, nos atenhamos especialmente ao caso do Repórter Esso, que ilustra brilhantemente
o panorama das produções de telejornais brasileiros na década de 50.
102
O programa Repórter Esso foi uma produção que permaneceu no ar por
dezoito anos, de 1º de abril de 1952 a 31 de dezembro de 1970 (MATTOS, 2002, p. 85),
sendo exibido pela TV Tupi. Esse telejornal foi resultado de uma criação baseada no
programa Repórter Esso. O programa apresentado na Rádio Nacional havia sido criado em
1941 com nome inspirado no da empresa americana patrocinadora “Esso Brasileira de
Petróleo” e “para dar notícias da guerra e também, na verdade, para atrair o povo brasileiro
para a causa aliada porque o Getúlio, nessa época, estava ainda em cima do muro entre o
nazifascismo e os americanos
37
”.
Nesse sentido, é possível dizer que os meios de comunicação eram
atingidos por um certo prestígio da ‘civilização americana’ na fase do pós-guerra
(SIMÕES, 1986, p.39). A criação do Repórter Esso no rádio em 1941 e a exibição do
Repórter Esso na televisão em 1952 são eventos que refletem a interferência de uma
ação externa, principalmente americana, nos meios de comunicação através das
agências de publicidade. Talvez as agências de publicidade tenham conseguido um
grande grau de influência nos meios de comunicação de acordo com a abertura em
termos de experimentação encontrada nos meios.
É por isso que as experimentações na televisão e o despreparo dos
profissionais podem ser apontados como aspectos colaboradores na produção de um
telejornal patrocinado por uma agência de publicidade, como é o caso do telejornal
Repórter Esso. O fato das agências de publicidade terem começado a acreditar no potencial
da publicidade na televisão gerou o patrocínio de programas instruídos de acordo com o
interesse da linha ideológica das agências internacionais. Enquanto isso, os brasileiros que
apareciam na tela da TV davam o veredicto de que tudo o que havia sido exibido era
verdade.
Para se ter uma idéia da credibilidade do Repórter Esso, houve uma época
em que se difundia o jargão "Se o Repórter Esso não deu, não aconteceu
38
". O Repórter
Esso foi durante muito tempo sinônimo de verdade absoluta, tanto é que nunca foi emitida
uma nota ou apresentada uma errata que dissesse que o telejornal houvesse falhado na
37
Trecho retirado do depoimento de Roberto Salvador, professor de rádio e televisão que trabalhou na Rádio
Nacional e no noticiário Repórter Esso. Está disponível no www.radiobras.gov.br, seção Rádio na Rádio
Nacional.
103
divulgação de uma notícia. Claro, não podemos acreditar nesta colocação irrefutável de
veracidade sem considerarmos antes o contexto em que está situado esse telejornal na
década de 50.
O telejornal atuava com precisão e seriedade, mas parece arriscado afirmar
que nunca tenha sido apresentada uma falha no Repórter Esso. Nos dias de hoje, uma
notícia que seja divulgada em qualquer telejornal será verificada pelo próprio público que
tem acesso a outros telejornais em um curto período de tempo. No entanto, na década de
50, a TV Tupi era a emissora de maior expressão, logo seu telejornal era o programa de
caráter noticioso com maior notoriedade entre os programas do mesmo gênero.
Os outros telejornais também eram fontes de informação, porém o Repórter
Esso era a fonte que parecia determinar a ocorrência dos acontecimentos, e isso vinha
desde a época do rádio. Esse aspecto se confirma no depoimento
39
de Roberto Salvador,
professor de rádio e televisão que trabalhou na Rádio Nacional e no noticiário Repórter
Esso, colocado abaixo:
“Em 1945, quando a guerra acabou, os japoneses já estavam
praticamente para se render. O Heron (referindo-se ao locutor Heron
Domingues) mudou para a rádio, botou cama de campanha, levou escova de
dente, roupa e ficou morando na Radiobrás. ‘Acabou a guerra! Acabou a
guerra! Acabou a guerra!’. O Heron tinha este disco guardado, mostrou pra
todo mundo e disse: ‘olha, se eu estiver lá fora, vocês botam este disco’.
Assim foi, até que ele resolveu ir a um restaurante. Quando estava lá, escuta
um foguetório na rua, chama o garçom e diz: ‘o que está acontecendo?’. Aí
o garçom olhou pra ele, levou um susto: ‘Ué, o senhor não está sabendo!?.
Acaba de dar no Repórter Esso que acabou guerra’. Ele saiu esbaforido,
pegou um táxi e veio para a rádio e ai sim, em sucessivas edições
extraordinárias, ele começou a dar detalhes da rendição japonesa.
Acontece, que na hora que vieram os telegramas dizendo que os japoneses
tinham assinado a rendição, procura daqui, cadê o disco? Nesta história
38
Jargão encontrado na biografia do locutor Gontijo Theodoro, extraída do depoimento dado ao Museu da
Televisão Brasileira em 1999. Disponível em: www.museudatv.com.br.
39
Depoimento disponível em: www.radiobras.gov.br, seção Rádio na Rádio Nacional.
104
toda, a Rádio Tupi, com o locutor Dércio Luiz, deu a notícia primeiro.
Acontece que o povo não acreditou. Muita gente dizia ‘Olha, escutei na
Rádio Tupi. Mas só acredito quando der no Repórter Esso’. Tamanha era a
credibilidade do noticiário do Esso. Isso é histórico. Foi um fato marcante.
Enquanto o Repórter Esso não deu, o público não acreditou. Isso, na época,
foi muito comentado. Teve até um jornal que disse assim: ‘A guerra só
acabou depois que o Repórter Esso noticiou’”.
Dessa forma, o Repórter Esso pode ser apontado como um dos telejornais
mais importantes para a história da televisão brasileira. O papel desse telejornal torna-se
ainda mais relevante quando analisamos o fato das agências de publicidade terem
patrocinado o programa que passou a ser visto como sinônimo de credibilidade. Seguindo
esse raciocínio da influência americana por meio das agências de notícias, somos levados à
análise do O céu é o limite, um dos programas de maior sucesso nos Estados Unidos e que
teve seu modelo importado pela TV nacional.
2.2.4 Programa de perguntas e respostas O céu é o limite
A escolha do programa O céu é o limite para completar o quadro dos
programas que marcaram a história da televisão no período em que esse meio estava sendo
introduzido no país não é por acaso. Assim como foi visto no item anterior, o O Céu é o
limite foi um dos programas que seguia a influência norte-americana e que teve uma
adaptação de sucesso no Brasil.
Na verdade, o O céu é o limite não foi o único representante do gênero
variedades
40
tipo importação na televisão, pois junto a ele estava o Esta é a sua vida, que
foi um programa que seguiu o modelo específico do This is your life, no qual havia uma
pessoa cuja trajetória representava o estilo American way of life (SIMÕES, 1986, p. 39).
Isto é, alguém que obtivera o sucesso em determinada área era homenageada pelos amigos,
40
É importante a constatação de que em 1956 Abelardo Barbosa, mais conhecido como Chacrinha, estreou o
programa Rancho Alegre e que dois anos depois estreou o Discoteca do Chacrinha. No entanto, este estudo
não avalia o trabalho desse profissional porque os programas apresentados por ele eram exibidos pela TV
Tupi do Rio de Janeiro.
105
professores de escola, colegas de profissão, enfim, os indivíduos que eram ou tinham sido
do convívio do homenageado contavam a sua história de superação.
Enquanto o Esta é a sua vida homenageava alguém com uma história de
sucesso pessoal, O céu é o limite era um programa que dava a oportunidade para o
desconhecido conseguir o sucesso diante do público. Sob um certo aspecto, os dois eram
representantes que exemplificavam o modelo dos programas de variedade dos Estados
Unidos, que acabavam por reforçar o estilo de vida americano como meio para se vencer
na vida. Nesse caso, a principal diferença entre eles é que um enfocava os feitos do
passado e o outro dava a oportunidade para que o participante pudesse desempenhar um
bom trabalho diante das câmeras.
E é exatamente esse diferencial que chama a atenção. No período em que a
televisão vivia à base de experimentações e tentativas, surgiu um programa com modelo
importado dos norte-americanos que fez muito sucesso no Brasil. Em 1955 foi ao ar o
primeiro programa de perguntas e respostas da televisão brasileira (MATTOS, 2002, p.
174) e com ele veio a oportunidade de consagração do convidado que conseguisse
responder o maior número de perguntas possíveis.
O mais interessante de toda essa movimentação em torno do mais novo
programa de perguntas e respostas é o modo pelo qual a adaptação de um programa
importado à cultura brasileira conseguiu cair no gosto dos telespectadores. A consideração
de que a adaptação de um programa de sucesso nos EUA também tenha obtido sucesso no
Brasil levanta a discussão: O céu é o limite foi um marco na história da televisão devido à
importação da fórmula dos programas norte-americanos de perguntas e respostas ou devido
à adaptação dessa fórmula de acordo com a experimentação que se desenvolvia no país?
Talvez seja possível identificarmos qual foi o principal motivo pelo qual o
O céu é o limite tenha sido um marco na história da TV, mas podemos apontar dois
aspectos concomitantes que discutem essa questão. É possível afirmar que a fórmula dos
programas de perguntas e respostas constitui um estilo do gênero de variedades que
oferece ao público a chance de participar e obter sucesso através dessa atração. A
possibilidade de participação no programa, seguida pela consagração de uma pessoa que
até então não era conhecida pelo público, a coragem e a determinação demonstrada pelos
participantes, talvez sejam os principais fatores de audiência desses programas.
106
De forma mais objetiva, poderíamos dizer que o sucesso obtido pelos
participantes movimenta o debate público de acordo com o desempenho do participante. E,
de uma certa forma, gera um sentimento que impulsiona a busca do público por uma
trajetória de sucesso pessoal, de acordo com a propagação das conquistas possíveis pelo
american way of life. Partindo sob esse aspecto, o sucesso do O céu é o limite também
seria obtido em qualquer país no qual um programa com esse perfil, de perguntas e
respostas, fosse exibido.
O segundo aspecto referente ao êxito desse programa estaria mais ligado
ao fato da adaptação desse gênero no Brasil. As experimentações que marcaram o estilo
das produções nacionais também estiveram presentes no O céu é o limite. Um exemplo
dessa adaptação foi a concomitância de exibição em dois lugares diferentes, em São Paulo,
apresentado por Aurélio Campos, e no Rio de Janeiro, apresentado por J. Silvestre
(SIMÕES, 1986, p. 40). A simultaneidade na apresentação do mesmo programa em dois
locais distintos mostra a capacidade da televisão em utilizar essa fórmula de programa de
perguntas e repostas de acordo com o público que assiste a essas produções em âmbito
local.
A resposta para a questão levantada anteriormente, sobre a chave do
sucesso do programa O céu é o limite, seria uma junção da importação de uma fórmula
consagrada nos EUA e o talento dos profissionais brasileiros na adaptação desse gênero de
variedades. Se fôssemos traçar uma linha do tempo visando identificar o alcance do
programa, verificaríamos que esse modelo foi exaustivamente repetido, com diversas
roupagens e em diferentes programas de televisão nas últimas décadas. E hoje sabemos que
é impossível afirmar com clareza o alcance desse tipo de programa de perguntas e
respostas, gênero iniciado em 1955.
O alcance do programa junto ao público nos leva novamente à questão da
publicidade, já analisada neste trabalho, pois o sucesso do programa causou uma grande
movimentação daqueles que queriam patrocinar a atração.
“Um dos programas que causou a maior guerra publicitária havida
no Brasil, ‘O céu é o limite’, com uma audiência de 98% nas noites de
sexta-feira, fez subir rapidamente o preço de inserção nos minutos que
antecediam a sua apresentação (e os custos de patrocínio). Votorantim era a
107
patrocinadora da apresentação paulista”. (ÁVILA apud PROPAGANDA,
1982, P. 31)
Esse ciclo de sucesso: programa de perguntas e repostas Ù consagração de
participante Ù alto índice de audiência Ù movimentação publicitária – parece ser uma
estrutura desenvolvida em um contexto que deu suporte para que O céu é o limite
realmente fosse um marco na história da TV brasileira. Mais do que isso, o primeiro
programa de perguntas e respostas apresentado nos anos 50 foi um acontecimento que
permanece na memória
41
de muitos paulistanos.
41
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo.
108
3 SINTONIZANDO OS CANAIS:
AS CONSEQÜÊNCIAS DO ADVENTO
E DO DESENVOLVIMENTO
DA TELEVISÃO NA
DÉCADA DE 50
109
O surgimento da televisão no Brasil nos anos 50 foi um acontecimento
muito importante, pois o advento e o desenvolvimento de TV foram caracterizados por um
processo muito peculiar. Essa peculiaridade se deve ao fato de que, no momento em que
começamos a falar de televisão, é quase impossível não inseri-la em duas instâncias de
abrangência distintas. A primeira se refere ao papel desse meio de comunicação na
sociedade brasileira em nível mais amplo. A segunda instância está associada ao papel da
televisão na sociedade paulistana, com um enfoque mais direcionado ao cenário familiar.
É fundamental destacar a importância dessas duas instâncias que estão
intrinsecamente associadas, pois essas esferas em nível macro e micro são complementar
uma à outra. Quando falamos da história do surgimento da TV no Brasil, somos levados a
avaliar os primórdios desse meio na cidade de São Paulo. Assim como, a referência sobre a
atuação da televisão ao longo das décadas de sua implantação traz a história dos estados
brasileiros que começam a ter acesso ao número de aparelhos que cresce em ritmo
vertiginoso em diversas regiões do país.
Apesar dessa característica de complementaridade entre a história da
televisão no país e na cidade de São Paulo, o trabalho se ocupa em avaliar de forma mais
direcionada os eventos da cidade de São Paulo na década de 50. Seria possível afirmar que
esse enfoque fez parte de uma escolha pessoal em identificar a história de uma cidade
isolada, a fim de facilitar a análise. Acontece que a determinação em analisar somente a
cidade de São Paulo foi, na verdade, uma exigência do próprio objeto em questão.
São Paulo foi o berço da televisão no país com a inauguração da TV Tupi
em 18 de setembro de 1950. Além de ter sido o cenário principal no qual foram criadas as
primeiras emissoras de televisão, como pode ser visto na tabela a seguir:
110
Criação de emissoras no eixo Rio-São Paulo
Ano de criação Emissora Canal Cidade
18/9/1950 PRF-3 TV Tupi-Difusora canal 3 São Paulo
20/1/1951 PRG-3 TV Tupi canal 6
Rio de
Janeiro
14/3/1952 TV Paulista canal 5 São Paulo
27/9/1953 TV Record canal 7 São Paulo
15/7/1955 TV Rio canal 13
Rio de
Janeiro
7/9/1960 TV Excelsior canal 9 São Paulo
20/9/1960
42
TV Cultura canal 2 São Paulo
Tendo como base a noção de que a cidade de São Paulo foi o principal local
de criação e desenvolvimento da TV no país, é que damos continuidade ao presente
trabalho. O capítulo 3 avalia as conseqüências do advento e do desenvolvimento da
televisão na cidade de São Paulo e como esses fatores interferiram na comunicação
interpessoal dos familiares que faziam parte do universo comunicacional do período.
Todos os itens vistos até aqui são indispensáveis para a construção desta análise que visa o
cumprimento do objetivo principal: avaliar se a introdução da televisão na esfera familiar
paulistana nos anos 50 transformou os vínculos entre os familiares.
No capítulo 1, a apresentação do cenário histórico do país e do cenário
familiar na década de 50 possibilitou uma visão geral sobre os principais acontecimentos,
em ambas as esferas, que deram condições para o surgimento e o desenvolvimento da
televisão. No capítulo 2, houve uma divisão entre os aspectos que estiveram presentes
nesse processo e os programas que marcaram a história da TV. Neste último capítulo será
traçado um paralelo entre os dois capítulos anteriores, tendo como foco principal as ações
42
Em 1958 os Diários Associados obtiveram o sinal que lhes dava a oportunidade de começarem a exibição
dos conteúdos de uma nova emissora no canal 2; porém, foi somente em 1960 que a TV Cultura estreou
oficialmente.
111
que geraram conseqüências na esfera da família que vivia na cidade de São Paulo no
período de introdução da televisão.
3.1 Conseqüências geradas pelo surgimento da televisão
“Viver é tentar negar a morte. Viver é fazer de
conta que não há morte”.
Vilém Flusser
A primeira constatação a ser feita é que o advento e o desenvolvimento da
televisão ao longo da década de 50 representaram uma mudança na esfera dos meios de
comunicação. Antes de apontarmos as possíveis modificações na estrutura dos grupos
sociais, como é o caso do estabelecimento de vínculos na família, parece fundamental
considerar quais foram os aspectos, os fenômenos criados pelo próprio meio que fizeram
parte desse processo de surgimento da televisão.
A primeira parte do capítulo 3 destina-se ao estudo dos fenômenos que
despontaram no momento em que a televisão começou a se firmar. Essas observações são
muito importantes para que possamos compreender a mudança que foi ocorrendo no
cenário comunicacional conforme a televisão foi se desenvolvendo. É possível dizer que a
televisão inovou quando se valeu das experimentações técnicas, mas não há como negar
que essa experimentação estava atrelada a diversas técnicas que já eram utilizadas por
outros meios de comunicação. Nesse caso, a estrutura do próprio aparelho, unindo som e
imagem, fez com que essas características se acentuassem. Talvez, a melhor forma para
que possamos entender essa questão da potencialização de determinados fenômenos dos
meios de comunicação da época seja analisar alguns eventos do rádio.
O rádio vinha sendo um veículo de comunicação de grande sucesso. As
famílias costumavam colocar seus aparelhos na sala ou na cozinha
43
para ouvir as músicas
e as radionovelas transmitidas na programação. As pessoas desconheciam os profissionais
responsáveis pelas atrações, mas conheciam de nome as estrelas do rádio. Para se ter uma
idéia, em 1940 começaram a existir os fã-clubes. Dez anos depois, em 1950, os que
43
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo.
112
estavam mais organizados conseguiam acompanhar seus ídolos em qualquer aparição
pública (SAROLDI, 2005, p. 122).
É interessante observar esse ponto de virada em que a imagem dos astros da
Rádio Nacional passava a ser reconhecida pelos ouvintes. O aparelho de rádio era marcado
por essa característica de transmissão de sons e isso nos levaria a pensar que os
profissionais do rádio eram reconhecidos somente pela voz. A partir do momento em que o
sucesso do rádio gerava uma curiosidade nos ouvintes, começava a haver organização dos
fã-clubes e o acompanhamento dessas personalidades da época. Essa nova situação
representou um fenômeno que aumentou a projeção dos profissionais do rádio como
celebridades.
Foi nesse sentido que dissemos que a televisão se apropriou de
determinadas características de outros meios de comunicação e que nela se tornaram ainda
mais evidentes. A criação de ídolos no rádio deu sustento para a criação de ídolos na
televisão que, se antes eram reconhecidos por uma minoria interessada em associar a voz à
imagem, passaram a contar com o recurso da imagem. Claro, não se pode afirmar que
houve o reconhecimento imediato dessas personalidades advindas do rádio, do cinema ou
do teatro se pensarmos que a nitidez e o grau de definição das televisões ainda eram muito
precários.
Ao longo da década de 50, a qualidade das imagens foi melhorando e a
técnica se aperfeiçoando. Essa evolução técnica acabou auxiliando no processo de
identificação dos artistas. Os astros do rádio, do cinema e do teatro juntavam-se aos poucos
novatos nas produções televisivas e passaram a ser identificados como profissionais de
televisão. Dependendo do caso, o sucesso obtido pelo programa podia lançar-lhe ao
estrelato, sendo reconhecido por seu trabalho nas ruas e ganhando status de celebridade.
A mesma fama que cercava muitos profissionais da televisão também
cercava as temáticas abordadas por determinadas produções de televisão. À medida que os
programas eram apresentados, os telespectadores sentiam-se tocados pelos artistas ou pela
trama das produções. O que antes era um fenômeno verificado no rádio por intermédio de
determinados grupos que se organizavam para seguir os donos das poderosas vozes
transmitidas na programação, passa a ser um fenômeno verificado na televisão e
potencializado pela exibição do som e da imagem ao mesmo tempo.
113
O reconhecimento dos profissionais da televisão na rua fez com que o
fenômeno de identificação entre o público e o artista fosse potencializado. Isso já acontecia
no rádio, mas foi com a televisão, e a possibilidade de conferir a atuação dos artistas
através das imagens, que esses profissionais puderam sentir o gosto da fama. Assim como
a fama obtida pelos artistas de maior apelo junto ao público, determinados assuntos
trabalhados na televisão também tiveram seu alcance potencializado.
O rádio como meio de divulgação de notícias também gerava discussão.
Acontece que a imagem apresentada pelo aparelho de TV transformou essa relação entre o
acontecimento e a discussão gerada por ele. Como foi visto no capítulo anterior, o primeiro
beijo da televisão transmitido na telenovela Sua vida me pertence, por exemplo, foi um
acontecimento que gerou muita polêmica e que marcou a história da TV brasileira.
Enquanto as radionovelas faziam sucesso, não era freqüente que transformassem um
romance acompanhado pelos ouvintes em um debate de grandes proporções.
A imagem trazida pelos televisores ganhou uma dimensão muito grande,
enquanto o rádio tentava se manter como principal meio de comunicação somente pelo
recurso do som. Realmente, a batalha era desleal. A televisão era um veículo novo, cercado
de mistério, com uma magia trazida pela tecnologia e visto com curiosidade por parte das
pessoas que não tinham acesso aos televisores. Logo, se o fenômeno do surgimento dos
astros e do agendamento de temas na sociedade já ocorria no rádio, é inevitável considerar
que os mesmos fenômenos estiveram presentes na primeira década de introdução da
televisão no país de forma acentuada.
3.1.1 O surgimento dos astros e estrelas – os artistas e as garotas-propaganda
Como foi dito anteriormente, o processo de reconhecimento do artista pelo
público não foi uma situação nova. A criação dos fã-clubes em 1940 é um bom exemplo
disso, pois apontou essa tendência do público começar a se identificar com um
determinado artista e querer acompanhar seus passos na carreira. Tanto no rádio, quanto na
televisão, os ouvintes e os telespectadores mantinham um interesse em reconhecer os
artistas que apareciam nesses veículos. Apesar disso, é necessário fazer uma distinção
crucial na forma como esse artista vai ser reconhecido pelo público.
114
Os ouvintes podiam eleger seus astros no rádio, de acordo com a
desenvoltura de cada artista, o modo de falar, o jeito de se expressar, enfim, havia uma
série de fatores que faziam parta desse universo dos ouvintes que os levava a eleger seus
ídolos. Só que a forma como esses ouvintes se relacionavam com seus astros se dava de
uma maneira menos visual e mais imaginária. O fato do rádio não trabalhar com a imagem
foi determinante para que os ouvintes criassem a imagem de muitos artistas, de acordo com
a impressão que eles faziam dessas pessoas.
Essa questão da não visualização do artista era tão forte nessa época de
sucesso do rádio, que um dos programas de grande êxito da Rádio Nacional oferecia como
atração máxima o contato pessoal com a cantora Emilinha Borba
44
.
“Nesse programa
45
, o esquema mais sofisticado de transmissão
incluía um furgão devidamente equipado que percorria os bairros do Rio de
Janeiro levando o apresentador à procura do ouvinte que tivera sua carta
sorteada no auditório. Localizado o felizardo (e se ele comprovasse o uso de
produtos da União Fabril Exportadora), iniciava-se uma série de
comemorações em que o atrativo máximo era a presença da cantora
Emilinha Borba”. (SAROLDI, 2005, p. 119-120).
Com a televisão essa curiosidade em saber quem era o artista mudou de
figura, pois a curiosidade em relação ao artista não diminuiu. O que aconteceu foi uma
substituição de preferências. Com o rádio era possível imaginar quem era o artista, a
associação da figura da pessoa à voz. Com a imagem da televisão não havia mais o que
imaginar em relação ao físico do artista que interpretava determinado personagem. A
curiosidade acabou se transformando em um interesse pela vida pessoal do artista.
A essa altura do trabalho, é essencial pontuar o momento desses
acontecimentos. O período do rádio ao qual fazemos referência foi o da “era de ouro”, nos
anos 40, e que se arrastou por alguns anos na década de 50, concomitantemente ao período
do advento e do desenvolvimento da televisão no país. Isso porque o processo de
44
Emilinha Borba foi uma cantora de grande sucesso nos anos 40, tendo sido citada na entrevista de Maria
Aparecida Baccega. Quando a especialista soube da chegada de um aparelho que podia mostrar o “lado de lá”
(no momento do surgimento da televisão), ela disse: “Meu Deus, eu vou poder falar com a Emilinha Borba”.
45
O programa estreado em 1951 chamava-se A Felicidade Bate à sua Porta.
115
introdução da televisão na sociedade brasileira começou timidamente com apenas 200
televisores, aos quais somente as famílias da elite paulistana tinham acesso.
Dessa forma, é mais correto afirmar que o fenômeno do surgimento de
astros e estrelas da televisão tenha sido mais relevante em 1956, quando o número de
aparelhos disponíveis no Brasil deu um salto para 141 mil
46
. O grande número de
aparelhos no país refletiu um maior acesso à televisão e, conseqüentemente, um maior
acesso aos artistas que faziam parte da programação das emissoras. É nesse ponto em que
podemos considerar a relação entre o trabalho desenvolvido pelo artista de televisão e o
interesse pela vida pessoal dessas “destacadas figuras da vida paulista
47
”.
Figura 12: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.10 - Domingo, 4 de outubro de 1959.
46
De acordo com a tabela apresentada na página 84.
47
“Destacadas figuras da vida paulista” é a maneira como o anúncio se refere aos “políticos, cientistas,
artistas, intelectuais, esportistas, homens de negócio ou de sociedade”. O anúncio é relativo ao programa
116
Através do processo de criação de astros da televisão, verificamos o
complexo jogo de projecção-identificação
48
do telespectador com o artista. É difícil
especificar qual tenha sido o principal fator responsável pela criação desse fenômeno dos
astros de televisão. Dando um passo adiante, torna-se ainda mais difícil apontar a razão
pela qual esse complexo projecção-identificação tenha marcado a relação do telespectador
com o artista. O que pode servir como resposta talvez seja a identificação existente entre
essas duas esferas, uma espécie de troca entre o que assiste e o outro que está na televisão.
“A mais banal <<projecção>> sobre outrem – o <<eu ponho-me no
seu lugar>> - é já uma identificação de mim com o outro, identificação essa
que facilita e convida a uma identificação do outro comigo: esse outro
tornou-se assimilável.
Não basta, pois, isolar a projecção de um lado, a identificação do outro e,
por último, as transferências recíprocas. É necessário considerar igualmente
o complexo de projecção-identificação, que implica essas mesmas
transferências”. (MORIN, 1997, p. 109)
Podemos afirmar que é essa espécie de troca de lugares, entre o outro da TV
e o público, que garante o processo de criação dos astros da televisão, pois há uma
projeção e uma identificação com o artista que ultrapassa a noção do corpo. A partir do
momento em que falamos em corpo, entra o conceito de mídia primária, exposto no
capítulo 1. A relação entre o os artistas de televisão e os telespectadores é estabelecida de
uma forma que mistura a projeção/identificação com um pouco do real/imaginário.
Essa questão da criação dos astros da TV, por meio da mistura
projeção/identificação com um pouco do real/imaginário, fica mais nítida quando
analisamos o caso das garotas-propaganda. As garotas-propaganda surgiram com o
advento da televisão, isso para não dizer que as garotas-propaganda foram um dos frutos
da precariedade da televisão. A falta de recursos técnicos no momento em que a televisão
começou a desenvolver suas atividades no país originou essa função de garota-propaganda.
TVisita Siemens, exibido pela TV Tupi, e foi encontrado no Caderno Principal do O Estado de São Paulo no
dia 4 de outubro de 1959.
48
“Complexo de projecção-identificação” é uma terminologia criada por Edgar Morin e está contida em sua
obra O Cinema ou o Homem Imaginário.
117
Figura 13: A Folha da Manhã - Vida Social I - p.15 - Domingo, 22 de novembro de 1959.
Na verdade, o real motivo pelo qual surgiu a garota-propaganda foi a
necessidade de anunciar marcas e produtos, principalmente aqueles que patrocinavam os
programas e as atrações. A publicidade e a falta de recursos técnicos. É apropriado afirmar
que as garotas-propaganda vieram fazer um meio de campo entre a publicidade e a falta de
recursos técnicos. No tempo em que o videoteipe ainda não era utilizado como recurso
técnico, diariamente as garotas faziam demonstrações dos produtos ao vivo, sem cortes ou
montagens.
A publicidade investia muito dinheiro nessas garotas, uma vez que
representavam a imagem das empresas anunciantes. Na verdade, quando essas garotas
apareciam nos comerciais ao vivo, elas vendiam uma imagem que também estava
associada a elas. A imagem pessoal que elas acabavam vendendo ganhava força pelo fato
de estarem na televisão dividindo o mesmo espaço ocupado pelos astros dos programas de
auditório ou dos teleteatros.
“Ao aparecerem os primeiros comerciais ao vivo, surge no Brasil o
primeiro mito da Televisão: a garota-propaganda. (...) As garotas-
118
propaganda chegaram a ser o ponto mais importante das programações,
ganhavam vultuosos salários e muitas vezes passavam a participar do
quadro de artistas de outros programas”. (ÁVILA, 1982, P. 31)
Dessa forma, verificamos que a imagem introduziu uma nova concepção de
popularidade entre os telespectadores e os profissionais da televisão. Tanto os astros dos
programas, como as garotas-propaganda, eram reconhecidos pela visibilidade que as
imagens dos aparelhos lhes oferecia. Diferentemente do rádio, por exemplo, em que a
maior parte dos ouvintes conhecia o artista somente pela voz. O grau de popularidade dos
artistas do rádio foi grande, porém ficava reduzido a um âmbito muito menor do que a
popularidade alcançada pelos astros e estrelas da televisão.
É como se os astros e estrelas da TV, que eram os artistas e as garotas-
propaganda, estivessem em uma condição quase sobrenatural. A popularidade e o processo
de projecção-identificação legitimariam essa condição adquirida pelas pessoas que estão na
televisão. Sendo assim, a televisão seria o “Olimpo moderno”, o ambiente em que os
“deuses olimpianos” da cultura de consumo atuariam de modo a representar o mais alto
posto de reconhecimento social (MORIN, 1997, p. 109).
“Nesse sentido, as estrelas, em suas vidas de lazer, de jogo, de espetáculo,
de amor, de luxo, e na sua busca incessante da felicidade simbolizam os
tipos ideais da cultura de massa. Heróis e heroínas da vida privada, os astros
e as estrelas são a ala ativa da grande corte dos olimpianos, que animam a
imagem da verdadeira vida”. (MORIN, 1997, p. 108)
Neste item poderia ser apresentada uma série de elementos referentes à
imagem que estão sob o viés das Teorias
49
da Imagem. Acontece que uma análise focada
no poder das imagens da cultura de massa poderia representar um equívoco irreparável no
corpo deste trabalho. A imagem no contexto inicial da introdução da televisão na cidade de
São Paulo foi apenas um fator que complementou esse processo. O número de aparelhos
começou a ser significativo apenas na segunda metade dessa década (MATTOS, 2002, P.
83) e, mesmo com o aumento do número de aparelhos em uso, não é possível atribuir um
49
Tomando como referência as Teorias da Imagem desenvolvidas por estudiosos como Dietmar Kamper,
Vilém Flusser e Hans Belting.
119
grande poder às imagens dos televisores devido à precariedade notoriamente marcante no
momento da exibição.
Considerando que o presente trabalho se atem à análise de um período de
dez anos, a partir do advento da televisão, torna-se impraticável atribuir sentido
determinante da imagem no processo de introdução da televisão no país. O que devemos
fazer é considerar a imagem como um elemento inserido nesse novo cenário dos meios de
comunicação que complexificou a relação entre o telespectador e os artistas/garotas-
propaganda. A imagem complexificou, porém não determinou a forma como esses
artistas/garotas-propaganda passaram a ser vistos pelo público. Até mesmo a questão
numérica, de poucos aparelhos exibindo imagens de pouca definição, reforça esse
argumento.
O que se pretende dizer com a questão da imagem trazida pelos aparelhos
de TV é que, se antes a popularidades dos artistas de rádio limitava-se ao uso da voz,
depois, com o avento da televisão, tornou-se possível visualizar a imagem desse
profissional. E é por meio desse raciocínio que podemos entender a criação dos “deuses
olimpianos”. Poderíamos afirmar que, no caso da televisão, “as estrelas são econômicas
porque facilitam ao público construir as tomadas percebidas como imagens de memória e
representações da realidade”. (PROSS, 2000, p. 322)
A imagem do artista e da garota-propaganda na televisão trouxe uma nova
aura aos programas, que além da preocupação com os conteúdos, também utilizavam o
recurso visual como atrativo. Os programas de televisão começavam a utilizar a imagem
dos “olimpianos” como chamariz, ao passo em que os próprios artistas e garotas-
propaganda mantinham seu alto grau de popularidade através do trabalho na televisão.
Verificamos que havia uma via de mão dupla nesse procedimento: os artistas e garotas-
propaganda se beneficiavam da imagem que trazia popularidade enquanto a imagem era
utilizada nos programas para atrair o público. Na verdade, podemos observar que essa via
de mão dupla não se limitava ao âmbito do surgimento dos astros e estrelas da televisão.
A produção dos programas e as agências de publicidade (isso quando as
agências não faziam a própria produção) utilizavam exaustivamente o fenômeno de
surgimento dos astros e estrelas da televisão, já que não havia dúvida de que a produção e
as agências lucravam com esse artifício. Porém, havia uma determinada questão que estava
120
diretamente relacionada à criação dos astros e estrelas da televisão. A preocupação com a
imagem que pautava a maneira como determinados conteúdos eram apresentados na TV
elevou um fenômeno, que já vinha ocorrendo no rádio, a um estágio mais perceptível: o
agendamento de temas na sociedade.
3.1.2 Fenômeno agenda-setting
No período em que a televisão surgia no país, uma série de fatores estava
inserida na introdução de um novo meio de comunicação na sociedade paulistana. Os
principais programas e aspectos que marcaram o início da TV, como foi apresentado no
capítulo 2, trouxeram conseqüências que se configuraram como fenômenos característicos
desse meio de comunicação. Sendo assim, as duas principais conseqüências geradas por
esse processo na sociedade foram a criação dos astros e estrelas e o agendamento de temas.
Esse primeiro parágrafo parece repetir o que já havia sido dito
anteriormente, porém é fundamental essa recorrente colocação para que tenhamos em
mente que as conseqüências resultantes do advento e do desenvolvimento da televisão não
ocorreram de uma hora para outra. A televisão não pode ser avaliada sem um contexto
prévio, já que existiam os jornais, os folhetins, o rádio... Mais do que isso, é fundamental
reconhecermos que os fatores inseridos no processo de desenvolvimento da televisão e os
fenômenos gerados por esse meio são, na verdade, uma continuação de determinadas
ocorrências verificadas nos outros meios que estavam à disposição da população antes da
chegada da TV.
Essa idéia de “continuidade” entre os meios de comunicação deve ficar
mais ou menos clara para que seja possível avaliar como a forma de apresentação dos
programas exigiu uma mudança nos conteúdos da televisão. Por meio das mudanças nos
conteúdos e na forma como os programas deviam ser apresentados, é que se torna mais
visível a observação de que os fenômenos que também ocorriam nos outros meios de
comunicação ganharam visibilidade com a TV. Talvez a criação dos astros e estrelas seja
mais perceptível, nesse sentido, enquanto a noção do agendamento de temas nos jornais e
no rádio seja mais difícil.
121
O rádio, por exemplo, era um veículo de grande poder nos anos anteriores
ao surgimento da televisão. Até mesmo na primeira década da televisão, e considerando
seu perfil elitista em que “poucas pessoas de alto poder aquisitivo podiam se dar ao luxo de
possuir um televisor” (ÁVILA, 1982, p. 31), o rádio continuou exercendo um papel muito
importante no cenário da comunicação. As produções ficcionais, como as radionovelas, e
os noticiários transmitidos pelo rádio traziam um novo universo para dentro dos
estabelecimentos onde estavam instalados.
O novo universo trazido para dentro dos estabelecimentos comerciais e dos
lares dos brasileiros é, na verdade, a apresentação de temas que necessariamente não
estavam ligados ao cotidiano dos ouvintes. As transmissões das notícias da 2º Guerra
Mundial, por exemplo, fazem parte da possibilidade de conhecimento de assuntos que
podiam, ou não, estar atrelados ao contexto da população. A consideração mais importante
acerca desse tema não é a discussão sobre a existência de uma relação entre os assuntos
abordados pelo rádio e a vida das pessoas.
Pretendemos mostrar que o rádio, através de sua programação, era capaz de
apontar determinados assuntos que iriam ser discutidos pelos ouvintes. No exemplo da
guerra, esse efeito das transmissões sobre os temas que seriam tratados na conversas entre
as pessoas é evidente. Partindo dessa consideração, de que os meios de comunicação eram
(e são) capazes de apontar assuntos a serem tratados na informalidade da conversa do
público, seguimos avaliando o surgimento da televisão na cidade de São Paulo.
A televisão não criou uma situação do nada. Esse novo meio aproveitou a
bagagem vinda de outros meio de comunicação e adaptou alguns aspectos que podiam ser
experimentados. Foi essa mescla entre algumas das características de outros meios e as
experimentações de formatos e conteúdos que surtiam melhor efeito na tela que
caracterizou o advento e o desenvolvimento da TV. E é exatamente isso que aconteceu
com a televisão e o fenômeno de agendamento de temas na sociedade.
Os 200 aparelhos instalados nos principais estabelecimentos comerciais e
presenteados por Assis Chateaubriand às famílias da elite paulistana representaram o início
da introdução física dos aparelhos nos grupos sociais. A questão meramente física, do
surgimento dos suportes, de uma caixa que unia a função do rádio e das telas do cinema,
foi o primeiro passo para a constatação de que havia chegado um novo meio de
122
comunicação. Com essa constatação física, veio a questão do ambiente criado a partir
desses aparelhos.
Os estabelecimentos comerciais e as casas nos quais foram inseridos esses
aparelhos sofreram uma modificação em dois sentidos. O primeiro, e que será trabalhado
nos próximos itens deste capítulo, se refere ao ambiente físico propriamente dito e à
modificação na dinâmica desses espaços. O segundo está mais associado à questão dos
conteúdos apresentados pela televisão. Aquela característica inicialmente relacionada ao
rádio, também se fez presente na forma como os conteúdos de cada programa começaram a
gerar assuntos na conversa dos telespectadores.
O surgimento da televisão foi um fator que por si só gerou discussão em
âmbito público. As pessoas queriam saber do que se tratava esse novo aparelho mágico que
permitia ver determinadas coisas que não estavam ao alcance das pessoas. Nesse sentido, o
advento da televisão foi uma forma de tema trazido para o âmbito da esfera pessoal. Só que
o principal ponto não foi o surgimento do aparelho e a repercussão que tal evento trouxe na
sociedade.
O agendamento de temas é um fenômeno que caracterizou as produções,
melhor dizendo, que caracterizou os programas como teleteatros, telenovelas, telejornais e
programas de variedade. A partir do momento em que um programa ia ao ar, ele
apresentava uma determinada temática que acabava gerando como conseqüência uma
discussão nas esferas em que foi exibido. Isto é, o agendamento de temas, também
conhecido como agenda-setting, é um fenômeno por meio do qual as atrações apresentadas
pelos meios de comunicação trariam temas que seriam discutidos na agenda pública.
“As pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função do
que a mídia veicula. É o que sustenta a hipótese do agenda-setting
50
. Trata-
se de uma das formas possíveis de incidência da mídia sobre o público. É a
hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de
suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e
discutirá”. (FILHO, 1995, p. 169)
50
Nota do próprio autor: O uso do termo em inglês deve-se à dificuldade de tradução (“fixação” ou
“determinação” não satisfazem) e à sua aceitação universal.
123
O fenômeno do agenda-setting foi apresentado neste trabalho como um
item que marcou a história do início da televisão, mas cabe dizer que o fenômeno já
ocorria em outros meios de comunicação. Na verdade, o agenda-setting ganhou uma nova
dimensão com a televisão e isso é nítido quando avaliamos o processo de seleção do que ia
fazer parte da programação e o que devia ficar de fora.
Os programas desenvolvidos durante a primeira década da televisão
foram marcados pelas experimentações e pela precariedade dos recursos técnicos. A
técnica foi importante, contudo, ela representou uma parte do processo de produção. Essa
foi apenas uma faceta no que diz respeito ao trabalho dos profissionais envolvidos com a
televisão. A outra parte que completou esse trabalho se refere ao tipo de seleção do assunto
que seria abordado.
Os profissionais tinham que pensar como os programas iam ao ar e quais
seriam os recursos técnicos mais adequados para cada um deles, de acordo com o perfil das
atrações a serem apresentadas. Por exemplo, quando os responsáveis pela realização da
telenovela Sua vida me pertence decidiram exibir o primeiro beijo da televisão brasileira,
acabaram trabalhando com uma temática que ainda era tratada com cautela pela sociedade.
As radionovelas já haviam utilizado o recurso do beijo e do namoro, só que existe uma
grande diferença entre um beijo imaginado e a imagem de um beijo transmitido pela TV.
Logo, o beijo se tornou um tema que saiu da esfera da televisão e passou
a ser discutido na esfera pública. Hoje em dia, parece uma bobagem falar que o primeiro
beijo mostrado pela televisão tenha causado tamanho furor. Porém, devemos considerar a
questão dos temas apresentados na TV de acordo com a conduta da população inserida em
um determinado quadro histórico. Nesse sentido, podemos dizer que o fenômeno agenda-
setting, que já estava presente nos outros meios de comunicação, ganhou visibilidade com
a televisão por causa da força da imagem e pela forma como o próprio tema estava situado
nesse período histórico.
É por isso que o tema dentro do fenômeno do agenda-setting faz parte da
seleção, disposição e incidência de um determinado tema na esfera pública. Os
telespectadores passaram a discutir o que havia sido apresentado pela televisão porque os
profissionais que produziam os programas haviam selecionado e disposto um determinado
tema que poderia incidir na agenda pública. Esse raciocínio é o que explica o furor criado
124
pelo primeiro beijo mostrado na TV, como também contribui para que possamos entender
a construção dos astros e estrelas da televisão.
“(...) através do imaginário, através da informação romanceada ou
vedetizada, através dos contatos e dos conselhos, através da publicidade,
efetua-se o impulso de temas fundamentais que tendem a se encarnar na
vida vivida”. (MORIN, 1997, p. 104)
A seleção e a forma como os temas serão dispostos em um meio de
comunicação são fatores que levam à sua discussão na esfera pública. Enquanto os
telespectadores eram chamados a assistir aos programas, eles também eram chamados a
partilhar um conteúdo que era exibido pela televisão e que de alguma forma seria
posteriormente tratado no âmbito da esfera pessoal. E para que esse tema fosse abordado
na esfera pessoal, é primordial que tenhamos em mente a utilização de um repertório mais
vasto do que somente a criação da televisão.
A criação da televisão e sua introdução na sociedade geraram
movimentação. Para que houvesse movimentação em torno do advento e do
desenvolvimento da TV, foi necessário que as pessoas tivessem um repertório que lhes
permitisse incorporar a chegada desse novo meio. A decisão
51
sobre a compra do aparelho
de TV ao longo da primeira década de sua implantação dependia do fator financeiro e do
comportamento das pessoas. Havia famílias da elite paulistana que tinham condições
financeiras para comprar uma televisão, mas que não o fizeram por uma questão
comportamental.
Figura 14: A Folha da Manhã - Assuntos Gerais - p. 3 - Terça, 20 de dezembro de 55.
125
O mesmo ocorreu com o fenômeno do agenda-setting. Os temas
selecionados e dispostos na televisão somente passavam a ser discutidos em âmbito
público se encontravam terreno fértil
52
para essa discussão. Alguns temas que não iam ao
encontro dos valores e costumes dos telespectadores, grupo majoritariamente formado
pelas famílias de modelo patriarcal da elite, não eram alvo de discussão nas comunicações
interpessoais. “Nesse sentido, sem medo de errar, podemos afirmar que as pessoas
conversam muito mais sobre temas não-mediatizados que sobre temas mediatizados”.
(FILHO, 1995, p. 170)
As comunicações interpessoais somente abrem espaço para que os
conteúdos transmitidos pela televisão sejam tópicos de discussão quando estão de acordo
com o repertório e o lugar de mundo ocupado por essas pessoas. Quando isso acontecia,
podemos observar que um tema inserido no âmbito da televisão começava a fazer parte da
esfera pública e, por conseqüência, da agenda pessoal (FILHO, 1995, p. 170). E é
exatamente a partir desse ponto, em que os conteúdos da televisão interferiam na agenda
pública e pessoal, que podemos começar a analisar a relação entre o
advento/desenvolvimento da televisão e a esfera da comunicação familiar.
O aspecto principal a ser tratado no próximo item utiliza como base os
fenômenos de criação dos astros e estrelas e o agenda-setting. A questão dos fenômenos
inseridos no processo de introdução da televisão na esfera das comunicações interpessoais
é importante, mas a pesquisa vai além. Conforme os aparelhos televisores foram sendo
introduzidos nos estabelecimentos comerciais e nas casas das famílias, também é
necessário analisar que tipo de relação foi estabelecida entre a TV e a esfera
comunicacional familiar. Desse modo, a análise segue um caminho que pretende avaliar
como os conteúdos exibidos pela TV e os aparelhos televisores instalados dentro dos lares
atuaram na esfera da comunicação das famílias que viviam na cidade de São Paulo em
1950.
51
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo.
52
A especialista Maria Aparecida Baccega discute essa questão em sua entrevista e avalia a importância dos
estudos de recepção. Apesar da importância dos estudos de recepção, o trabalho não entra nesse mérito a fim
de avaliar somente os tópicos que estão diretamente relacionados à transformação dos vínculos
comunicativos no período de introdução da televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50.
126
3.2 Relação entre a introdução da televisão e a esfera da comunicação familiar
paulistana
O advento da televisão em 1950 marcou o início do processo de um novo
meio de comunicação que se desenvolveu ao longo da primeira década de sua implantação,
tornando-se mais acessível à população. Poderíamos avaliar como esse processo foi
importante para o cenário da comunicação em âmbito nacional, entretanto, como o
surgimento da televisão ocorreu de forma mais centralizada na cidade de São Paulo com a
criação da TV Tupi, este item está focado na análise do cenário dos paulistanos.
A definição de avaliar somente a cidade de São Paulo é muito importante,
pois é por meio do cenário que podemos avaliar os grupos que fizeram parte do processo
de introdução da televisão na sociedade. A partir desse enfoque na esfera paulistana, é
necessário retomar um aspecto apresentado no primeiro capítulo deste trabalho, quando foi
realizada uma explanação sobre o cenário histórico e o cenário das famílias nos anos 50. A
retomada de que a introdução da televisão ocorreu mais incisivamente entre as famílias da
elite nos leva a pensar que os aspectos inseridos nesse processo atuaram diretamente sobre
o modelo familiar.
O fato dos 200 televisores terem sido um novo meio de comunicação pouco
acessível à população local foi determinante para o caráter de suas produções. As
produções podiam ser vistas por pessoas que se aglomeravam nos estabelecimentos
comerciais ou por quem fazia parte do ciclo social das famílias de modelo patriarcal da
elite paulistana. Como essas pessoas pertencentes às famílias ricas eram aquelas que
exerciam maior poder dentro da esfera dos grupos sociais, é possível dizer que eles
atuavam como censores do que era apresentado pela televisão (SILVA, 1981, p. 18).
É como se a escala de valores dessas famílias da elite paulistana fosse capaz
de julgar as produções do período e ditar a manutenção ou a exclusão de um determinado
conteúdo. As famílias pareciam poder ditar as regras de comportamento e de conduta do
que era apresentado na televisão, ao mesmo tempo, essa forma de poder ia na contramão
da força com a qual a TV se instalava dentro de seus lares. É como se as famílias fossem
irremediavelmente atingidas por uma condição própria da televisão. Isto é, sob um certo
aspecto, as famílias de modelo patriarcal da elite paulistana pareciam não ter autoridade
127
necessária para retroceder os acontecimentos que começavam a ocorrer dentro de suas
casas.
A televisão surgiu como um meio de comunicação da elite. A instalação dos
aparelhos de TV dentro dos lares das famílias da elite paulistana foi a consagração de um
modelo em que apenas os ricos podiam desfrutar desse novo meio de comunicação, já que
o número de aparelhos era muito pequeno em relação à população de 51.944.400 de
habitantes, em âmbito nacional (ÁVILA, 1982, p.29). Foi com essa mentalidade de
diferenciação de status perante os outros grupos sociais que as famílias da elite abriram
suas casas para a televisão, trouxeram um novo aparelho para os ambientes da casa e
começaram a se organizar para que não somente o rádio fosse um objeto utilizado pelos
familiares.
“Essa explosão demográfica é propiciada pelo fim da Segunda
Guerra Mundial e pela reconstrução do pós-guerra, caracterizando uma
geração na qual a televisão tem um papel fundamental, sendo esse grupo
fortemente impactado pela revolução nas comunicações, pela ascensão da
TV em detrimento do rádio, o que muda hábitos e relações sociais e
familiares”. (PALMA e MENDES, 2006, p. 142-143)
A forma como ocorreu a instalação do aparelho que atuava com condições
diferentes das do rádio exigiu que essas famílias mudassem a dinâmica dos ambientes de
suas casas. O telespectador devia se sentar diante do televisor para poder enxergar as
imagens na tela. Foi assim, ganhando espaço e avançando lentamente sobre o ambiente
onde se davam as conversas características da comunicação interpessoal, que ocorreu a
introdução da televisão.
Nos anos 50, as mudanças no cenário da comunicação familiar foram
ocorrendo num processo longo e continuo, de tal modo que não pudessem ser revertidas. A
introdução dos televisores havia modificado a dinâmica dos ambientes do ponto de vista
físico, enquanto os conteúdos apresentados foram, pouco a pouco, modificando as
condições de comunicação dos membros das famílias. É por isso que os fenômenos de
criação dos astros e estrelas e do agenda-setting foram destacados neste estudo, havia
fatores relativos à própria televisão que começaram a fazer parte do dia-a-dia dos
familiares.
128
Sendo assim, é fundamental apontar o estabelecimento de uma relação entre
o processo de introdução da televisão e a esfera da comunicação familiar paulistana. A fase
elitista, de 1950 a 1964, foi caracterizada pela noção de que o televisor era considerado um
luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso (MATTOS, 2002, p. 78). Além disso,
essa fase deve ser lembrada como um período no qual a televisão trouxe novas condições
para o cenário comunicacional. Essas novas condições atingiram proporções maiores, de
acordo com o desenvolvimento das emissoras em outras regiões
53
como em Belo
Horizonte, em 1955, Porto Alegre, Ribeirão Preto e Bauru, em 1959, e, Recife, Salvador,
Curitiba, Fortaleza, Brasília e Guaratinguetá, em 1960 (RAMOS e BORELLI, 1989, p. 56).
Entretanto, é inevitável afirmar que a atuação da televisão atingiu mais diretamente a
cidade de São Paulo e as famílias de modelo patriarcal da elite que tiveram acesso aos
primeiros televisores.
Podemos dizer que o primeiro aspecto a ser analisado na introdução da
televisão na esfera familiar paulistana nos anos 50 é a interferência desse novo meio de
comunicação nos relacionamentos interpessoais dos familiares. É sabido que a introdução
da televisão e os aspectos inseridos nesse processo: a onda de futurismo, a divulgação dos
bons costumes voltados especialmente às mulheres, os avanços técnicos e sociais por meio
do futebol, os principais programas, os fenômenos de criação dos astros e estrelas e do
agenda-setting – trouxeram novas características para o cenário comunicacional. Agora, é
necessário avaliar até que ponto essas modificações no cenário comunicacional atuaram no
âmbito da comunicação primária dos familiares.
3.2.1 A interferência da televisão na comunicação primária
A comunicação primária é a constituição de uma comunicação a partir da
mídia primária que, de acordo com que foi apresentado no capítulo 1, parte do próprio
corpo do sujeito que se comunica através de símbolos verbais e não verbais (PROSS e
BETH, 1990, p.162). É nessa instância, do corpo que se comunica com o outro, que
podemos considerar o início dos relacionamentos interpessoais dos familiares. O pai, a mãe
53
O quadro da bibliografia que serviu como base para essa colocação teve como fonte a Revista Brasileira de
Geografia, publicada em 1975 no Rio de Janeiro.
129
e os filhos começam a se comunicar com o corpo e pelo corpo que traz determinadas
formas de linguagem inerentes a ele.
Tudo o que foi apresentado no capítulo 1 vai ao encontro dessa concepção
de que a família é um organismo vivo mantido pelos relacionamentos das pessoas inseridas
nesse grupo social ao fazer uso da comunicação primária. Ora, o que foi visto sobre a
organização hierárquica das famílias pautadas pelo modelo patriarcal nos anos 50 é
importante para que compreendamos a forma de organização dessa instituição, mas é ainda
mais importante a constatação de que a família é a esfera primeira onde o homem nasce e
se desenvolve.
O homem nasce com um arsenal comunicativo que lhe permite se
comunicar com os familiares logo nos primeiros dias de vida. No caso dos recém-nascidos,
podemos dizer que a comunicação não-verbal, identificada nos comportamentos básicos,
também constitui uma forma de comunicação (SPITZ, 1998, p. 15). Sendo assim, é
imprescindível a consideração de que a família é a principal instância em que o homem
começa a desenvolver suas habilidades comunicativas. Ele é agente e paciente das
atividades no cenário comunicacional da família.
“O homem não é uma entidade estanque em relação a essa totalidade
complexa: é um sistema aberto, em relação de autonomia/dependência
organizadora no seio de um ecossistema”. (MORIN, 1979, p. 31)
Partindo do princípio de que o homem é agente e paciente, um sistema
aberto em desenvolvimento, parece ficar mais clara a importância da comunicação
primária na relação entre o ser humano e o mundo que o cerca. A comunicação primária
estabelecida na família é o principal meio pelo qual os familiares se comunicam entre eles
e conseguem, a partir de então, se relacionar com pessoas de diferentes grupos sociais.
Porém, antes de avaliar essa interação do homem com seu entorno, é
necessário verificar que a comunicação a nível pessoal parte de um pressuposto básico. Se
os familiares têm de se comunicar através do próprio corpo, utilizando a linguagem verbal
e não verbal, é imprescindível que esses corpos estejam dividindo uma mesma condição
espacial e temporal. O ponto de encontro é a principal maneira que permite cada familiar
dividir o mesmo espaço e tempo para fazer parte do grupo.
130
O ponto de encontro só existe porque as pessoas têm a necessidade de se
vincular umas às outras. O estabelecimento de vínculos é o que supre, em certa medida, a
necessidade de pertencimento a um determinado grupo social (CYRULNIK, 1995, p. 75).
Os vínculos estabelecidos a partir do encontro com o outro são “os alimentos do afeto
54
”,
são laços que indicam as condições de pertencimento do indivíduo e, principalmente, é o
que garante nosso lugar no mundo.
“Precisamos de uma enorme quantidade e variedade de vínculos
biofisioquímicos para viver, e de uma quantidade e variedade maiores ainda
de vínculos sociais para continuarmos vivos; vínculos capazes de nos nutrir,
que possam alimentar suficientemente nosso sistema. Esses vínculos, como
sabemos, são a matéria-prima de toda a comunicação humana, as veias por
onde circulam as informações, e que garantem a sobrevivência do indivíduo
e do grupo”. (CONTRERA, 2002, p. 41)
A criação de vínculos, que alimenta o sentimento de pertencimento a uma
determinada família, é essencial para que a noção de relacionamento seja renovada no
ponto de encontro. O ponto de encontro é um complexo conjunto de fatores que atuam
concomitantemente entre o indivíduo e o grupo, uma forma de vinculação presencial no
qual a comunicação primária faz a ponte entre os que se comunicam num mesmo tempo e
espaço. É como se o ponto de encontro fosse o momento ápice do relacionamento entre os
familiares, uma vez que a comunicação primária e os vínculos estabelecidos asseguram o
pertencimento do indivíduo a um grupo social.
Retomando a questão do homem e seu entorno, é necessário considerar que
a comunicação primária tem o corpo como primeiro e último reduto da experiência
humana (CONTRERA, 2002, p. 60). O corpo é o ponto de partida e de chegada da
comunicação. Logo, a comunicação primária é o que permite o ponto de encontro,
especificamente neste trabalho, da família de modelo patriarcal da elite paulistana nos aos
50. Esse modelo de família partilhou dos pressupostos básicos da comunicação primária,
pois verificamos que havia o estabelecimento de vínculos e o sentimento de pertencimento
que garante a sobrevivência em um determinado lugar no mundo.
54
Essa colocação faz referência ao livro de Boris Cyrulnik intitulado Os alimentos do afeto.
131
É muito interessante observar o que aconteceu com a comunicação primária
nas famílias de modelo patriarcal quando surgiu a televisão nos anos 50. A introdução da
televisão na esfera familiar paulistana interferiu no cenário comunicacional e na forma
como as pessoas se organizavam no ponto de encontro, já que o aparelho de televisão
representa um meio terciário
55
. A partir do momento em que a família da elite paulistana
começou a fazer uso da televisão, identificamos o primeiro aspecto básico dessa
modificação no cenário comunicacional.
Se antes os familiares se comunicavam por meio do corpo, e do arsenal
referente à mídia primária, com a televisão ficou nítida a interferência do aparelho junto ao
processo de comunicação. Nesse ponto, é necessário que observemos a mesma questão sob
duas óticas diferentes, porém complementares. A primeira diz respeito ao advento da
televisão e à utilização de um suporte físico para a transmissão dos conteúdos exibidos por
esse meio. Identificamos que houve a introdução do televisor na casa da família, mas antes
disso, é necessário ter como ponto de partida a existência do rádio nesses locais.
Seria ingênuo acreditar que o televisor foi o primeiro meio que exigiu um
suporte físico para a transmissão de seus conteúdos, já que o rádio dependia do aparelho de
pilha ou conectado à energia elétrica. Isso para não falar dos jornais e revistas
56
que, em
certa medida, também dependem do suporte das folhas de papel para exibir seus
conteúdos. O que acontece é que houve um grande salto do rádio para a televisão, à medida
que consideramos o suporte do rádio como um transmissor de som e o aparelho de
televisão como um transmissor de som e imagem. Sem um suporte que transmita som e
imagem não existe televisão
Foi a televisão, melhor dizendo, foi o aparelho televisor que modificou a
maneira como os familiares se organizavam nos ambientes em que se comunicavam. O
rádio era colocado nas casas das famílias em locais que nem sempre eram de fácil acesso,
como em cima da geladeira, em uma prateleira no alto de uma parede, ou ainda, em um
canto da sala. Diferentemente do rádio, a televisão não podia ser colocada em qualquer
55
“Meios terciários” foi a expressão criada por Harry Pross para conceituar os aparelhos “que funcionam
quando emissor e receptor possuem aparatos compatíveis, vinculados entre si por ondas eletromagnéticas”
(2000, p. 79).
56
Harry Pross define os meios impressos como secundários. Esse tipo de comunicação pressupõe um corpo
que utiliza uma ferramenta para se comunicar com o outro.
132
lugar sob o risco dos telespectadores não conseguirem visualizar as imagens, como será
visto no próximo item deste capítulo.
O segundo ponto sobre a questão da introdução da televisão na esfera
familiar é que os familiares passaram a utilizar como ponto de encontro o momento de
assistir à televisão. Mais uma vez, surge a comparação inevitável com o rádio. Sabemos
que o rádio era um meio que costumava agregar os ouvintes em torno dos aparelhos. As
famílias se reuniam em torno da mesa para jantar
57
, por exemplo, e depois da refeição
ficavam em seus lugares para ouvir as radionovelas.
No caso da TV, a ação da família reunida para aproveitar um momento de
lazer no ponto de encontro é uma questão mais complexa. Eram pouquíssimas as famílias
que tinham acesso à televisão frente ao grande número de pessoas curiosas para saber do
que se tratavam esses aparelhos, como tais suportes funcionavam, quais eram os programas
transmitidos, enfim, havia muita gente interessada em ter acesso à televisão. Por isso, o
fácil acesso por um grande número de famílias, característico do rádio, mudou com a
escassez dos televisores. O núcleo da família de modelo patriarcal da elite, composto por
pai, mãe e filhos, foi acrescido de parentes, vizinhos e amigos próximos.
A esfera da família paulistana de modelo patriarcal da elite era regida por
uma hierarquia que se mantinha rígida, mas o núcleo formado por pai, mãe e filhos se
ampliava quando as pessoas de fora desse grupo iam às casas das famílias para conferir a
programação. Por esse motivo, não é possível dizer que a televisão na primeira década de
sua implantação tenha sido responsável pelo processo de modificação da estrutura familiar,
no sentido de separação dos familiares. Pelo contrário, a introdução da televisão nos lares
de pouquíssimas famílias fez com que houvesse agregação.
É muito interessante observar que a televisão na década de 50 atuou como
um elemento que trouxe união aos lares das famílias paulistanas. Na verdade, não
poderíamos nem dizer que foi uma agregação somente do núcleo da família, uma vez que
todos os grupos sociais que circundavam essa esfera, incluindo parentes, vizinhos e
amigos, também se achegavam à ela; Essa reunião em torno da TV representou o
surgimento dos televizinhos
58
. A família de modelo patriarcal da elite paulistana legitimou
57
Essa questão foi abordada pelos entrevistados e pode ser encontrada na seção de entrevistas em anexo.
58
O surgimento dos televizinhos também foi citado pela especialista Maria Aparecida Baccega.
133
seu status de possuir uma televisão, ao mesmo tempo em que dividiu esse benefício com as
pessoas mais próximas de seu convívio social.
“Os hábitos de vizinhança, os passeios familiares, as cadeiras na
beira da calçada, vão cedendo lugar na paisagem urbana brasileira –
destacadamente nas grandes cidades – a novas práticas e sistemas de
relacionamento, e nesse contexto a televisão tem papel importante, uma vez
que contribui para a atomização, para o enclausuramento das pessoas em
suas casas. (...) O televizinho, por exemplo, é uma dessas ‘composições
híbridas entre o antigo e o novo
59
’, que surgem nos anos 50 para desaparecer
na década seguinte, quando a aquisição do aparelho receptor é incentivada e
facilitada”. (SIMÕES, 1986, p. 27)
Apesar da televisão ter sido responsável pelo agrupamento dos familiares e
das pessoas mais próximas, não podemos ficar com a visão de que a proximidade criada a
partir desse novo meio de comunicação interferiu somente no aspecto físico. Há muitos
outros fatores que se referem ao processo de introdução da televisão na esfera familiar
paulistana nos anos 50 e que estão associados à questão da interferência da TV na
comunicação primária. A televisão como um aparelho representante da mídia terciária
apresentou outros fatores relativos à mudança no tempo e no espaço do cenário da
comunicação familiar. Além do que, não podemos simplesmente acreditar que a agregação
de pessoas para assistir à TV tenha representado uma criação de vínculos por meio do
diálogo característico da comunicação primária.
3.2.2 As modificações no tempo e no espaço
Como foi visto anteriormente, a introdução da televisão foi um processo
iniciando nos anos 50 que representou uma mudança significativa no cenário
comunicacional da família de modelo patriarcal da elite paulistana. Talvez a abordagem
sobre a interferência da televisão focada nesse modelo de família nos leve a pensar, por
exemplo, se a mudança no cenário da comunicação também não atingiu as famílias de
59
Nota do próprio autor: ‘Composições híbridas entre o antigo e o novo’ foi uma afirmação baseada no texto
de Luiz Augusto Milanesi em Paraíso via Embratel, de 1978.
134
classe média. Em resposta a esse pensamento, devemos levar em consideração o fato de
que na década de 50, período definido como fase elitista da televisão, as primeiras famílias
que tiveram acesso a esse meio foram as da elite paulistana.
Porém, essa informação faz parte de um quadro mais amplo. Não
pretendemos encerrar a questão da televisão somente pela definição de que as famílias de
modelo patriarcal da elite paulistana foram as primeiras a entrarem em contato com os
televisores. Devemos verificar que as famílias de menor poder aquisitivo que tinham
contato com as famílias da elite, pouco a pouco, começaram a ter acesso aos aparelhos por
meio da reunião, do ponto de encontro entre as famílias e os televizinhos. Toda a questão
da aglomeração em torno da televisão aponta que, com o passar dos anos, foi sendo criado
um cenário com o estabelecimento de um hábito.
O sentar-se todos os dias para acompanhar a transmissão dos programas,
ainda que tal programação fosse marcada pela falta de recursos e pelas improvisações
(MATTOS, 2002, p. 81), foi o estabelecimento de um hábito que começou a impor ritmo à
vida dos telespectadores. Quando a televisão começou a fazer parte do cotidiano das
pessoas, podemos identificar o início de um processo no qual o tempo do relógio, que é o
tempo cronológico, ganhou uma dimensão maior. As produções da televisão passaram a
funcionar como uma espécie de sincronizador de tempo por meio do qual os
telespectadores se organizavam para efetuar suas tarefas diárias.
“É essa imersão num tempo ‘outro’, criado e criador, que a Mídia
sutilmente acaba por propor no momento em que estabelece uma pontuação
própria – sincronizadora – ao impingir um ritmo à vida representada”.
(CONTRERA, 1996, p. 42)
O que pôde ser visto é que o ato de assistir à televisão foi o estabelecimento
de um hábito que também modificou a dinâmica espacial dos ambientes da casa: houve a
introdução do aparelho de TV. A partir desse momento, a televisão começou a exercer um
papel muito importante dentro dos lares dos brasileiros. Conforme o status da televisão
crescia, mais gente queria ter acesso às atrações. De um modo mais específico, podemos
dizer que a família de modelo patriarcal da elite paulistana era levada a re-arranjar os
espaços das casas, o que resultou em um grande impacto sobre sua estrutura interna.
135
Com esse enfoque sobre a esfera da família de modelo patriarcal que vivia
na cidade de São Paulo nos anos 50 é que se busca analisar o modo como a introdução da
televisão alterou a dinâmica desse ambiente comunicacional. Aparentemente, o surgimento
e a disseminação dos aparelhos de TV trouxeram a possibilidade do ponto de encontro da
família para desfrutar de sua programação. No entanto, a introdução desse meio de
comunicação que propunha momentos de lazer juntos aos familiares, acabou por interferir
na forma como ocorria a comunicação anteriormente. Com essa interferência, veio a
modificação do tempo e do espaço dentro da dinâmica do cenário familiar.
É fundamental verificar que a questão da modificação do tempo trazida pela
televisão se apresenta de duas formas. A primeira, e já apresentada neste estudo, se refere
ao ritmo da programação que acabou por estabelecer um ritmo na vida dos telespectadores.
Este primeiro ponto diz respeito à adaptação do cotidiano das pessoas de acordo com os
horários dos programas exibidos pela TV, e esse aspecto é nitidamente observado com a
criação da primeira telenovela diária em 1963 (RAMOS e BORELLI, 1989, p. 58). A
segunda forma de modificação do tempo, verificada no momento de introdução da
televisão na esfera familiar, está mais relacionada à maneira como a televisão utilizou
determinados artifícios para que as imagens fossem capaz de levar o telespectador a um
tempo outro, a uma situação diferente da sua, ou ainda, a um tipo de “mundo perfeito”.
Com a televisão ficou nítida a relação entre o tempo de exibição dos
programas e a possível magia de levar o telespectador a pensar que faz parte dos conteúdos
televisivos. Isto é, o tempo de duração dos programas utilizava processos para que os
telespectadores pudessem vivenciar uma experiência diferente de seu cotidiano. Seria uma
espécie de experimentação de uma realidade perfeita por parte dos telespectadores que, por
sua vez, dependem da doação de tempo de suas vidas pessoais para a partilha de um tempo
outro.
“Mas o Tempo mítico que o homem se esforça por reatualizar
periodicamente é um Tempo santificado pela presença divina, e pode-se
dizer que o desejo de viver na presença divina e num mundo perfeito
(porque recém-nascido) corresponde à nostalgia de uma situação
paradisíaca”. (ELIADE, 1992, p. 82)
136
A questão é muito complexa, pois a televisão utilizou a estrutura mítica para
reatualizar um tempo em que a presença divina estivesse simbolizada na idéia de que o
mundo exposto sob a lógica ficcional das novelas e das séries, por exemplo, pode ser um
mundo perfeito. Por meio dessa estrutura, as pessoas passariam a fazer parte do universo
da ficção e a partilhar uma mesma realidade espaço-temporal na divisão de ambientes
comunicacionais em que todos os membros da família estariam reunidos. No entanto, o
ponto de encontro marcado pela presença da TV não tinha como força motriz o
estabelecimento de vínculos para o possível momento de comunicação. A motivação
principal para o encontro dos familiares e dos televizinhos em um mesmo ambiente foi a
de assistir ao conteúdo exibido pelas emissoras.
Antes da introdução da televisão na casa das famílias da elite paulistana, o
ponto de encontro era marcado pela conversa e pela divisão espaço-temporal que
respeitavam o cerimonial que envolvia a construção dos vínculos. Acontece que a
introdução da televisão fez com que os vínculos entre os familiares ganhassem uma nova
dimensão. Sabemos que para haver relações entre os que se comunicam por meio do corpo,
de acordo com a comunicação primária, é fundamental que o tempo
60
seja uma medida que
vá ao encontro do objetivo de estabelecer vínculos entre os próximos (PROSS, 2000, p.
73).
É interessante observar que a televisão exerceu uma função distinta em
relação ao estabelecimento de vínculos durante sua exibição. Identificar que a TV teve a
capacidade de reunir os familiares por mais tempo juntos, a fim de contemplarem sua
programação, não quer dizer que tenha havido a criação de um ambiente comunicacional
propício ao vínculo.
“A TV é fator de reunião dentro de um espaço delimitado. De
reunião e não de união. De coexistência e não de convivência”. (SIMÕES,
1986, p. 26)
Se antes os familiares se encontravam para conversar na sala de estar,
depois do advento da televisão, o encontro passou a ser em torno dela. Os momentos de
lazer, que contavam com a escuta do rádio e da leitura dos folhetins, passaram a contar
60
Pross define esse tempo de vida como “biotempo”: “Uma pessoa tem que possuir o ‘biotempo’ de outras
com signos antes de adquirir poder sobre elas” (PROSS, 2000, p. 73).
137
com os programas exibidos pela TV. Sendo assim, é inegável que a televisão tenha
transformado o ponto de encontro dos familiares num momento de reunião no qual a
televisão é o elemento central.
A introdução da televisão na sala de estar foi a condição necessária para
que a família adquirisse um novo hábito de se manter fiel à sua programação por um
determinado número de horas, sob o encantamento de uma realidade-ficção que levaria o
telespectador a um tempo outro. O número de pessoas que se encontravam em torno da
televisão podia até ser maior em número de participantes, já que havia muita gente
interessada em acompanhar o conteúdo exibido. Só que a comunicação marcada pelo ponto
de encontro entre os familiares, que seria pautado no corpo enquanto mídia primária e que
possibilitaria a criação de vínculos, ficou mais restrita ao âmbito da reunião e ao
acompanhamento da programação.
A complexidade do tema está nessa relação díspar da televisão ao
chamar cada vez mais os familiares, atrair um número cada vez maior de público, enquanto
o diálogo que alimenta o vínculo entre as pessoas acabava ficando em segundo plano. Isso
porque a relação estabelecida entre a televisão e os telespectadores é diferente da relação
interpessoal dos familiares. O tempo supostamente mítico da televisão não pode, e nem
deve, ser avaliado sob a mesma ótica do tempo de doação que existe nas relações da mídia
primária. O corpo tem um ritmo de aproximação, de estabelecimento de contato e de
vinculação diferente do ritmo frenético das produções dos meios de comunicação de
massa.
“Segundo a lógica do mito, o tempo mata. Logo, temos de matar o
tempo antes mesmo que pressintamos sua ação, o que justifica o ritmo
acelerado com que, cada vez mais, sobrecarregamo-nos de afazeres,
incluindo aqui a linguagem de velocidade da mídia eletrônica. Mas como
matar o tempo? Sendo possível atingi-lo como identidade autônoma,
atacamos o suporte através do qual o experenciamos – a concretude, o
corpo”. (CONTRERA, 2002, P. 53)
Exigir uma sincronização entre o tempo real dos encontros e o tempo mítico
da televisão é admitir que o espaço no cenário da comunicação tamm foi modificado. O
que foi visto na primeira década de implantação da televisão é que os espaços nos quais a
138
comunicação se fazia presente foram modificados pela introdução do aparelho de televisão
dentro das casas das famílias da elite paulistana. A casa foi re-configurada de modo a
deixar o aparato no centro das atenções.
É difícil fazer uma definição específica de como os espaços da casa tenham
sido reorganizados porque cada família estabeleceu uma relação muito particular com o
aparelho
61
. Como não há meio de afirmar com absoluta certeza o posicionamento da
televisão dentro dos espaços físicos da casa, podemos apenas identificar os lugares de
mediação desse meio. De uma forma geral, os três lugares de mediação da televisão são: a
cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural. No caso específico
da cotidianidade familiar, a televisão e sua capacidade de mediação assumem um papel
importante em relação à simulação de contato (MARTÍN-BARBERO, 2001, p.304-305).
A simulação de contato se refere ao modo como, possivelmente, a
comunicação tenha sido estabelecida na dinâmica familiar após a introdução da televisão
no ambiente comunicacional. Os indivíduos que se mantinham vinculados uns aos outros
por meio da comunicação interpessoal passaram a dividir um mesmo espaço para ficar
“duas ou três horas, olhos fixos no vídeo, assistindo a alguns programas bastante
improvisados” (SIMÕES, 1986, p. 27). Dessa forma, o pequeno número de aparelhos e seu
alto preço de comercialização acabaram por criar ambientes com um grande número de
pessoas, porém que necessariamente não conversavam entre si.
Podemos chamar de simulação esse transporte para uma realidade distinta
com tempo e espaço definidos numa instância diferente da qual se encontrava a família e
na qual os contatos pessoais eram forjados por uma vinculação estabelecida entre homem e
suporte técnico. A simulação de contato é o que levava os familiares e televizinhos a se
agrupar para assistir à televisão ao acreditarem que essa seria uma forma eficaz de manter
contato e estabelecer um forte laço entre as pessoas que doavam um determinado tempo de
suas vidas para a divisão daquele espaço comum da casa.
No entanto, a noção de divisão de espaço na casa das famílias da elite
paulistana nos anos 50 é delicada, de acordo com lógica da construção de vínculos.
Quando os familiares se reuniam para assistir à televisão em um mesmo espaço físico, a
61
As diferentes formas de reorganização dos espaços podem ser encontradas na seção de entrevistas em
anexo.
139
comunicação interpessoal terminava e dava lugar a uma “vivência” da realidade ficcional
simulada pela televisão. Os familiares pareciam compartilhar um mesmo ambiente
favorável à comunicação quando, na verdade, estavam envolvidos em um outro ambiente,
uma espécie de espaço virtual.
Nesse sentido, a comunicação definida como um processo de tentativa
contínua de superação dos limites da palavra instituída pelo código lingüístico, no qual o
indivíduo deve renunciar, para falar, e aceitar o código externo, a voz do outro (SODRÉ,
1984, p. 50), perde o sentido. Com o espaço virtual e o tempo acelerado das produções
televisivas, a possibilidade de vinculação dos familiares era muito pequena se comparada
às possíveis vinculações inseridas no processo de comunicação primária.
Como foi apresentado, o tempo é fundamental para que a relação entre os
familiares seja mantida e se estabeleça um ambiente favorável à comunicação. Só que este
“ladrão de tempo”
62
acabou por roubar as horas necessárias para tal procedimento e gerou
um grande vazio comunicacional no seio dessas instituições. O vazio afetou toda a
estrutura da família e, de um certo modo, percebemos seu reflexo na sociedade dos anos 50
e na incorporação dos hábitos de consumo.
“A televisão, a imprensa, o rádio a ela trazem não apenas as
informações, os divertimentos, os espetáculos, mas os conselhos, os
incitamentos de toda ordem relativos à arrumação da residência. A
publicidade assegura a mediação entre a indústria de grande consumo e a
casa, mantém vivo o tema obsessivo da vida doméstica, fundada sobre o
bem-estar e a multiplicação dos objetos, que são também sinais, símbolos e
instrumentos do bem-estar”. (MORIN, 1997, p. 111)
62
Termo criado por Harry Pross para se referir ao rádio e à televisão em seu livro Introducción a la ciência
de la comunicación.
140
Figura 15: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.8 - Terça, 27 de dezembro de 1960.
3.2.3 As transformações nos vínculos familiares
Na década de 50, a escala de valores da família tendia a ser pautada pelo
conteúdo exibido na programação da televisão, não apenas no sentido de produtos a serem
consumidos segundo a lógica da cultura de massa
63
. Como foi visto no capítulo 2, a escala
de valores ditou os bons costumes que deviam ser cultivados pela elite, as regras, as
condutas, os caminhos a serem seguidos e as fórmulas de sucesso para o desenvolvimento
das habilidades individuais que poderiam gerar o bem-estar social. Socialmente falando, a
televisão seria responsável pela difusão da lógica de produção adaptada aos moldes de vida
das famílias de modelo patriarcal da elite paulistana.
A partir de então, verificamos que família da elite paulistana se deparou
com uma situação nova dentro de seus lares, de acordo com a mudança da comunicação
63
Neste contexto, entende-se cultura de massa como constituída pela economia de mercado,
desenvolvimento tecnológico, comunicação multiplicada à distância e por uma quase-indústria cultural, de
acordo com a definição dada por Edgar Morin em seu livro Cultura de Massas no século XX: necrose.
141
primária, e fora deles, com a apresentação de diferentes valores sociais que eram
apresentados pela TV. Este complexo jogo entre a esfera familiar e a televisão é um grande
emaranhado de relações que ora pende para a impressão de uma possível ampliação da
capacidade comunicativa de seus membros, considerando o papel da simulação, ora tende a
representar uma comunicação pautada em um suporte que poderia levar à redução do
diálogo entre os familiares.
A introdução da televisão e seus desdobramentos na esfera familiar
paulistana propiciaram uma espécie de novo ambiente comunicacional. Podemos dizer que
no momento em que a televisão passou a ser o suporte que representava o ponto central do
processo de comunicação da família, um diferente paradigma de comunicação foi se
desenhando dentro dos lares das famílias da elite paulistana. Desta forma, a televisão
passou a transmitir programas, como os teleteatros, as telenovelas, os telejornais e os
programas de variedades, que levavam consigo aspectos inseridos nessa atmosfera, tais
como a criação de astros e estrelas e o fenômeno agenda-setting.
Nesse sentido, a análise surpreende quando revela que o fenômeno da alta
veiculação de informações gerada pelos meios de comunicação não seja atual. Com o
início da televisão nos anos 50 e a necessidade de apresentar atrações que preenchessem os
horários livres, houve o início deste fluxo informacional. Em parte, o fluxo informacional
foi resultante do grande número de informações exibidas por meio desses programas que
visavam preencher um vazio que havia sido gerado na esfera familiar. Isso porque a
comunicação pautada pela televisão fez com que os familiares mudassem suas posturas e
não dialogassem mais entre si enquanto assistiam à televisão.
A introdução da televisão nos lares das famílias paulistanas de modelo
patriarcal da elite paulistana gerou uma dinâmica pautada no suporte da televisão. Desta
forma, a comunicação pautada no corpo, compreendida como comunicação primária,
acabou ficando em segundo plano. É como se a comunicação entre dois corpos que se
vinculam e se mantêm relacionados pelo diálogo no ponto de encontro tivessem se
esvaziado de sentido, já que a introdução da televisão no ambiente do diálogo familiar
acabou ocupando um espaço muito importante para a manutenção desses vínculos.
O surgimento de um vazio na comunicação entre os familiares
estabeleceu uma dinâmica que legitimou, ainda mais, a interferência da televisão dentro da
142
esfera familiar. Ao invés do vazio servir como um alerta para que os familiares investissem
no diálogo e na manutenção dos vínculos partindo da comunicação primária, a dinâmica
foi estabelecida de modo a responsabilizar a televisão pelo preenchimento do vazio na
esfera da comunicação familiar. Acontece que a saída para o vazio gerado no âmbito dos
relacionamentos entre os familiares estava dentro desta própria esfera: a comunicação é
vínculo. E o vínculo entendido como comunicação primária só pode ser estabelecido entre
as pessoas que fazem parte desse universo familiar.
“Todo processo comunicativo tem suas raízes em uma demarcação
espacial chamada corpo. O que se denomina ‘comunicação’ nada mais é que
a ponte entre dois espaços distintos. (...) É com o corpo, gerando vínculos,
que alguém se apropria de seu próprio espaço e de seu próprio tempo de
vida, compartindo-os com outros sujeitos” (BAITELLO, 2005, p. 70/71)
A introdução da televisão na esfera da família de modelo patriarcal da elite
paulistana alterou a dinâmica da comunicação interpessoal. Evidentemente, é necessário
apontar que o rádio já havia interferido na comunicação interpessoal dos familiares quando
foi introduzido nessa esfera. Uma comparação entre esses dois meios revela que o processo
de introdução, tanto do rádio como da TV, gerou uma situação diferente da dinâmica de
comunicação interpessoal dentro dos lares das famílias. Só que com a televisão o processo
de reunião em torno de um suporte que servia como meio de comunicação gerou muito
mais movimentação.
Se antes os familiares se reuniam para conversar e faziam uso do rádio após
as refeições, depois desse advento os momentos de lazer tornaram-se sinônimos de assistir
à televisão. Os vínculos interpessoais já não eram os principais fios condutores por meio
dos quais os familiares mantinham seus relacionamentos. Os vínculos ainda estavam lá,
mas de uma forma distinta. Os familiares se reuniam em um determinado ambiente
propício à manutenção de vínculos, contudo o vínculo estabelecido entre eles ficava
restrito.
143
Figura 16: O Estado de São Paulo - Caderno Principal - p.15 - Domingo, 23 de setembro de 1956.
Os familiares estavam ao mesmo tempo em um mesmo espaço, mas a
principal atividade não era o diálogo. Os corpos postos em contato começaram a doar seu
“biotempo” para o acompanhamento de programas exibidos pelo novo meio de
comunicação. A questão dessa relação entre televisão e família é muito complexa, pois ao
mesmo tempo em que a televisão une os familiares, os parentes, os vizinhos e os amigos
em um mesmo ambiente, essas pessoas não estabelecem uma comunicação que parte do
corpo e chega ao corpo do outro construindo vínculos.
No meio do processo de comunicação interpessoal entrou a televisão e
todos os aspectos envolvidos nesse processo de desenvolvimento, o que por um lado gerou
um vazio no seio da família e que, por outro, pareceu ser a solução a essa problemática. No
entanto, a riqueza que está nos relacionamentos estabelecidos entre os familiares é a chave
para toda essa problemática, já que o vínculo criado entre as pessoas é o que garante a
144
sobrevivência da espécie humana ao longo do tempo. Partindo desse princípio, o vínculo é
o que possibilita o reconhecimento do eu no grupo da família e que, posteriormente, vem a
ser uma condição essencial para que sejamos capazes de estabelecer conexões que
desenvolvam nossa habilidade comunicativa em todos os ambientes sociais.
A comunicação partindo do homem e voltada para o homem quebra o
esquema de uma via de mão única que tem a televisão, por exemplo, como geradora de
informação e o telespectador como receptor. Partindo desse princípio, de um lado temos a
televisão e seus padrões de conduta que visam ao consumo. De outro, está a massa de
telespectadores, receptores dispostos a doarem grande parte de seu “biotempo” para a
criação de um vínculo com o aparelho e seus programas. Como foi visto anteriormente, a
televisão foi um meio de agregação de pessoas dentro dos lares das famílias da elite
paulistana. Além disso, foi um agente responsável pela modificação na dinâmica da
comunicação interpessoal desses familiares e de seus televizinhos.
Na verdade, a questão suscitada na relação entre a televisão e seus
telespectadores não está somente na veiculação das informações que visam preencher o
vazio desse ambiente comunicacional. Partindo do princípio de que a comunicação é um
vínculo que deve ser estabelecido entre dois corpos relacionados em um tempo e espaço
específicos e que trocam impulsos, sinais, símbolos e imagens (PROSS, 2000, p. 73),
podemos nos perguntar se essa comunicação não deve sustentar distintos elementos
conectados que, ao estabelecerem um vínculo, sejam ao mesmo tempo emissor e receptor.
O cenário em que foi introduzida, tal como foi apresentado até aqui, revela
uma forma distinta de comunicação ao manter um suporte de um lado e o telespectador de
outro. Essa forma básica de distribuição de apenas um emissor falando para mais de
milhões de pessoas é uma problemática que suscita a avaliação da economia de sinais. A
economia de sinais definida por Harry Pross (1989, p. 97) como “a tendência de superar no
menor tempo possível os maiores espaços possíveis com o menor gasto possível para a
comunicação individual” é uma faceta da comunicação introduzida pelo rádio e largamente
difundida pela televisão.
145
A economia de sinais pode ser analisada como um avanço, já que a
tecnologia empregada nesse sistema de informação desenvolveu o videotexto
64
que permite
a exibição de um programa gravado há mais de meses de forma atual e que traz novas
temáticas para o cotidiano das pessoas.
O videotexto, “uma combinação de aparato de distribuição e mediação”
(PROSS, 1989, p. 97), foi de extrema importância para o desenvolvimento da televisão,
pois foi por meio dessa tecnologia que as emissoras passaram a se organizar melhor e não
mais fazer uso de uma apresentação ao vivo, mais suscetível ao erro e menos eficaz para a
publicidade. Organização em TV significa ter mais tempo para melhorar as condições de
exibição da programação, ideologicamente preparada a fim de cumprir determinados
objetivos pré-estabelecidos. De um modo menos detalhista, podemos dizer que o avanço
do videotexto, aliado a melhora da programação, viria a garantir uma comunicação
ecologicamente mais benéfica em relação aos telespectadores. Só que não é exatamente
isso que acontece.
A economia de sinais que poderia colocar as facilidades da superação das
diferenças de tempo e de espaço com um menor gasto de energia em prol da comunicação,
acabou trazendo mais tensão nessa relação entre emissor-receptor. “Imobilidade e distância
é a condição imposta ao corpo do homem contemporâneo midiatizado por infinitas telas”
(CONTRERA, 2005, p. 57). Em ambientes diretamente afetados pelo vazio dos vínculos,
a TV acaba desempenhando um papel importante de comunicação através do processo de
abstração.
“A rede midiática aperfeiçoa a abstração. (...) A dramaturgia pode se
meter na pele e desatar estímulos. Mas segue sendo uma ilusão, um vazio
moral, um elemento no curso do aparelho comunicacional. Seus deuses
dirigem os fios atrás dos cenários, como fazem os manipuladores de
fantoche, fios que são, por sua vez, abstratos, títulos de empresas, balances,
estruturas de mando...” (PROSS, 2000, p. 89)
Afirmar que o suporte da televisão surgiu na década de 50 sendo pensado
para a realização de uma economia de sinais é um pouco precipitado. Além do espaço e do
64
Utilizado pela primeira vez em 1958, como foi visto no capítulo 2.
146
tempo, temos que considerar o gasto de energia empregado para a realização da
comunicação, o que se torna um fator extremamente vulnerável e que não representa muita
coisa em termos reais. Afinal, quando se propõe uma economia de sinais, o que se entende
por gasto? Podemos estabelecer que gasto seja referente ao dinheiro empregado neste
sistema de emissão de informações, também pode ser um gasto em termos de produções
que mantêm relação direta com o sistema do videotexto, por exemplo, ou ainda, gasto pode
ser entendido como uma medida de cálculo para a quantidade de energia gasta pelos
telespectadores.
Independentemente da definição do que é gasto em economia de sinais, é de
fundamental importância reconhecer que a televisão fez uso (e continua fazendo) dessa
fórmula de menos tempo, espaço e gasto para atingir suas metas comerciais e ideológicas.
A questão ideológica na televisão nos força a analisar de que modo os meios de
comunicação podem desempenhar um papel no ambiente comunicacional da família,
quando estão regidos por uma dinâmica diferente da que se estabelece entre os familiares.
Por trás da divulgação de uma escala de valores utilizada na comunicação dirigida por este
meio de comunicação, estão algumas necessidades básicas.
O vínculo, a função e o sentido (amar, trabalhar e construir uma
história), essas três condições de uma vida humana acabam de mudar de
significado. O vínculo é cada vez mais formado fora da família ou do clã do
vilarejo. Aprendemos a amar em instituições frias, onde a idolatria do
desempenho contradiz o piedoso discurso igualitário”. (CYRULNIK, 2005,
p. 57)
Considerando o vínculo, a função e o sentido que damos às coisas como
condições básicas para a vida, devemos questionar se a criação de uma comunicação
pautada nos meios de comunicação eletrônicos de fato esteja de acordo com a necessidade
do desenvolvimento humano. Mais do que isso, devemos analisar se o não cumprimento
dessas premissas vitais pode nos levar ao “empobrecimento sensorial por um embotamento
de percepções (...) uma visão de mundo imprecisa” (CYRULNIK, 2005, p. 18). Com um
embotamento de sentidos e uma conseqüente visão de mundo imprecisa se torna mais
difícil identificar a problemática da introdução da televisão na esfera da família de modelo
patriarcal da elite nos anos 50 e seus desdobramentos na comunicação.
147
O advento e o desenvolvimento da televisão trouxeram consigo toda uma
estrutura que modificou as bases dos modelos de comunicação pautados no corpo. A
comunicação primária, definida por Harry Pross como a comunicação que envolve o corpo
e suas linguagens, começou a se perder em meio à utilização das imagens essencialmente
criadas e pensadas em termos de suportes e telas. A comunicação pautada no corpo e o
processo de vinculação possível nos relacionamentos interpessoais acabaram ficando em
segundo plano em relação à novidade da televisão e seus programas de grande sucesso.
Desse modo, a introdução da televisão na esfera da família de modelo patriarcal da elite
paulistana nos anos 50 modificou a dinâmica comunicacional nesses ambientes e
transformou os vínculos comunicativos estabelecidos entre os familiares.
“Sem habilidades comunicativas para se fazer entender, o homem
acaba por se esconder atrás de telas e monitores que cada vez mais invadem
seus lares e alteram a dinâmica de aproximação dos familiares. A falta de
tempo, de espaço e de esforço energético empregado nos encontros
interpessoais transformam a carência afetiva inata ao ser humano, num
vazio sem começo e sem fim. Não se sabe o que poderia saciar o
desejo/necessidade de comunicação quando os vínculos já não comunicam
ou estabelecem laços entre as pessoas de um determinado grupo social”.
(CYRULNIK, 2005, p. 121).
148
CONCLUSÃO
149
Por meio desta pesquisa foi possível avaliar que a introdução da televisão na
esfera familiar paulistana foi um processo que interferiu na forma como os familiares se
comunicavam. Acontece que esta afirmação só é possível se partirmos da premissa de que
este trabalho avaliou uma parte do processo relativo ao desenvolvimento da TV no país.
Na verdade, o principal aspecto que leva a esta conclusão foi a maneira como os objetivos
foram previamente estabelecidos. O interesse em verificar se houve uma transformação nos
vínculos dos familiares que se deparavam com a televisão dentro de seus lares estabeleceu
um foco específico a ser analisado.
Sendo assim, foi necessário verificar que a história da televisão no Brasil
começou em 1950 graças ao pioneirismo de Assis Chateaubriand e aos profissionais que
experimentaram diversas formas e linguagens para esse novo meio de comunicação. A
contextualização histórica foi fundamental para que se conhecesse o cenário histórico e o
cenário das famílias que viviam nesse período na cidade de São Paulo. Foi mantido um
enfoque nessa fase elitista a fim de que este trabalho pudesse verificar o grau de
interferência da televisão na comunicação interpessoal dos familiares.
Primeiramente, o que deve ser levado em consideração, a fim de
estabelecermos um panorama final sobre esta temática da história da TV e sua interferência
na estrutura da comunicação familiar, é a dificuldade na compra dos aparelhos. Os 200
televisores instalados nos estabelecimentos comerciais e doados às famílias da elite
paulistana por Assis Chateaubriand foram considerados símbolos de status. No começo, “o
televisor é uma atração para a vizinhança, um símbolo de prestígio e diferenciação social”
(SIMÕES, 1986, p. 26). Mesmo sabendo que após uma década de seu surgimento o
número de televisores em uso no Brasil chegou a 598 mil
65
, é importante lembrar que até
1964 a televisão viveu seu período elitista. Houve um aumento considerável do número de
aparelhos no país, mas isso não significa que a televisão tenha se tornado um bem tão
acessível a ponto de perder o poder de diferenciar os grupos sociais.
No caso dos estabelecimentos comerciais, a questão da instalação desses
aparelhos foi importante na medida em que ofereceu ao público o acesso a essa novidade.
Só que a principal forma de diferenciação dos grupos sociais não era ter contato com os
aparelhos distribuídos pela cidade, pois, dependendo da localização do ponto comercial,
65
De acordo com a tabela da página 84.
150
ele podia ser freqüentado por pessoas de diferentes classes sociais. O mais relevante se
refere à introdução da televisão nos lares das famílias paulistanas, pois foi essa escolha das
famílias que podiam ter acesso ao novo meio de comunicação que gerou uma
movimentação na ordem dos grupos sociais.
As famílias que receberam os primeiros televisores já eram famílias de
notoriedade social. A melhor forma de exemplificar essa notoriedade foi o episódio, citado
anteriormente no capítulo 2, em que o senhor e a senhora de uma determinada família de
prestígio ligavam para a emissora quando acreditavam que uma determinada atração
atentava contra o decoro familiar. O recebimento desses aparelhos acabou legitimando o
status social que determinada família exercia dentro da estrutura social da época.
O que deve ser levado em consideração não é somente esse momento
histórico dos primeiros televisores disponíveis na cidade de São Paulo. A partir desse
princípio, que havia sido determinado pela posição social ocupada pelas famílias, foi
verificado um processo que ampliava um pouco as condições de acesso aos aparelhos.
Embora o televisor ainda estivesse associado a uma oferta às elites, é interessante observar
que os aparelhos começavam a disputar o mercado dos eletrodomésticos. Em 1951, era
possível encontrar televisores importados e televisores de marca Invictus, produzidos no
Brasil.
Em 1950 apenas algumas famílias eleitas por Chateaubriand podiam
desfrutar das atrações exibidas pelos televisores no conforto de seus lares. Apenas um ano
depois, as famílias da elite paulistana que se interessavam por essa novidade podiam ir às
compras para escolher qual televisor comprar. Foi nesse momento, em que a televisão se
tornou um eletrodoméstico disponível nas lojas, que o processo de introdução da televisão
na esfera familiar paulistana ganhou força, tal como foi analisado neste trabalho.
O comportamento das famílias que foram às lojas de eletrodoméstico e
trouxeram a televisão para dentro de suas casas representou a mudança na organização de
um ambiente comunicacional dentro desses lares. Não se pode dizer que a introdução dos
televisores nas casas das famílias da elite tenha representado a criação de um novo cenário
comunicacional. Utilizar a expressão “novo cenário” seria precipitado. O que se pode dizer
é que a introdução da televisão nos lares das famílias paulistanas da elite foi o início de um
processo que modificou a forma como os familiares se comunicavam nesse ambiente.
151
Partindo dessa consideração de que a incorporação da televisão na esfera
familiar foi uma mudança no cenário da comunicação interpessoal, retomamos um aspecto
verificado nesta pesquisa no que diz respeito ao cenário das famílias que se enquadravam
no cenário familiar apresentado anteriormente. No capítulo 1, foi apresentada a estrutura
principal das famílias que participaram desse processo no qual a introdução da televisão na
cidade de São Paulo se iniciou. Não foi uma decisão movida por interesses pessoais que
tenha determinado a análise de um determinado modelo de família.
A análise da família de modelo patriarcal da elite paulistana foi uma
necessidade apontada pelo próprio objeto, uma vez que a introdução da TV ocorreu
prioritariamente em um determinado grupo social. Essa família foi o principal grupo social
atingido pelo processo de introdução da televisão na sociedade brasileira, já que havia uma
relação entre o surgimento da televisão na cidade de São Paulo e a possibilidade do acesso
aos televisores por uma determinada classe social. A família de modelo patriarcal da elite
paulistana despontou como o principal grupo social que participou da primeira década de
implantação da televisão no país.
A família de modelo patriarcal da elite paulistana é o principal grupo social
envolvido no tema desta pesquisa, por conseqüência, esta análise se estendeu para o
ambiente da casa desse grupo social. A introdução da televisão nos lares dessas famílias
fez com que a dinâmica dos familiares fosse alterada a partir do momento em que todos se
reuniam para assistir aos conteúdos da programação da TV. Entretanto, o capítulo 3 desta
pesquisa revelou que, além da família que vivia na casa em que o televisor tinha sido
instalado, havia uma movimentação de outras pessoas que não eram necessariamente do
núcleo familiar.
O núcleo formado por pais e filhos de uma família era acrescido de
parentes, amigos e vizinhos que iam à casa das famílias da elite que possuíam a televisão.
O que foi apresentado na pesquisa sobre a televisão que custava caro e servia como um
símbolo de status perante os grupos sociais é retomado nessa questão dos televizinhos;
pois, se a televisão era um sinal de que a família ocupava um outro patamar social devido à
sua posse, as pessoas mais próximas à família que tinham acesso a esse meio de
comunicação também usufruíam desse status.
152
A pesquisa constatou que a televisão interferiu na dinâmica do núcleo pai-
mãe-filhos das famílias da elite paulistana. Além disso, observa que havia outras pessoas
próximas a esse núcleo que compartilhavam dessa dinâmica. Nesse contexto, cabem
questões sobre a forma como a televisão foi se desenvolvendo ao longo da década de 50,
seu funcionamento e os temas envolvidos nesse processo de reunião da família e dos
televizinhos. Como foi visto no capítulo 2, a tecnologia, a divulgação dos bons costumes e
a exibição dos eventos ligados ao futebol foram fatores que interferiram diretamente nesse
momento de reunião em torno da televisão.
No caso da tecnologia, a característica que tornou possível a reunião dos
familiares e dos televizinhos na sala parece ser mais visível, já que muitas dessas pessoas
estavam curiosas para conhecer o aparelho e acompanhar os procedimentos tecnológicos
que envolviam as experimentações realizadas pelos profissionais da TV. Já a divulgação
dos bons costumes foi uma artimanha envolvida nesse processo de desenvolvimento da
televisão. Não há uma definição clara de que os bons costumes, dirigidos principalmente às
mulheres, tenham sido responsáveis pela aglomeração do público diante dos televisores,
porém é inevitável identificar que no momento em que as pessoas estavam reunidas, os
bons costumes eram divulgados pela televisão de modo a reforçar a estrutura social dessas
famílias.
Vale dizer que os bons costumes não se referiam somente às ações dos
familiares dentro de seus núcleos, mas estimulavam certo tipo de conduta mais adequada
para as pessoas da elite, de acordo com os valores vigentes no período analisado. Por
exemplo, em 1950, quando a programação ainda não era previamente estabelecida, a
televisão acompanhava o ritmo cultural da cidade, aproximando-se de um modelo de TV
cultural
66
(SILVA, 1981, p. 18). Em 1958, quando as verbas publicitárias aplicadas na
televisão atingiram aproximadamente 8% (ORTIZ, 1989, p. 41), a divulgação dos bons
costumes também se ocupava em divulgar hábitos que estimulassem o consumo de
determinados produtos.
Ainda a respeito de alguns dos fatores que levavam à reunião dos
telespectadores, é extremamente importante citar os eventos ligados ao futebol. O público
66
Apesar dessa aproximação ao modelo de TV Cultural, vale ressaltar que “desde o seu início, a televisão
brasileira se caracterizou como veículo publicitário, seguindo o modelo norte-americano” (MATTOS, 2002,
p. 70).
153
habituado às narrações esportivas dos jogos pelo rádio ficava maravilhado com a
possibilidade de assistir às partidas por meio da tela da televisão. Embora as imagens
fossem precárias e falhas, as famílias e os televizinhos se juntavam para acompanhar os
acontecimentos do mundo esportivo, principalmente do futebol. Sabendo disso, os
profissionais da TV buscavam melhorar as condições de transmissões dos jogos e
acabavam experimentando uma série de novidades, como as transmissões ao vivo das
partidas de futebol realizadas pelo programa Mesa Redonda da TV Record em 54
67
.
Além desses fatores, também devemos considerar a exibição de
determinados programas que movimentavam o ambiente no qual a televisão havia sido
inserida. No capítulo 2 foram apontados quatro programas que marcaram a história da TV:
o teleteatro – TV de Vanguarda, a telenovela – Sua Vida me Pertence, o telejornal –
Repórter Esso e o programa de perguntas e respostas – O céu é o limite. Esses programas
são capazes de ilustrar o cenário histórico de desenvolvimento da televisão em sua
primeira década, uma vez que “a ausência de uma estrutura comercial e a pequena
audiência formada pela elite foram fatores determinantes que levaram a TV a enfatizar
certos tipos de programas” (MATTOS apud SODRÉ, 2002, p. 81).
O TV de Vanguarda, Sua vida me pertence, Repórter Esso e O céu é o
limite foram programas importantes para a história da televisa brasileira. Cada atração,
com suas peculiaridades e características de seu próprio gênero, trouxe um aspecto novo
para as produções e representou um avanço nas conquistas de público. As pessoas tinham
interesse em saber o que acontecia nessas atrações, acabavam por se identificar com as
histórias ou, ainda, queriam manter-se informadas dos principais acontecimentos do
mundo. Foi por meio dessas características experimentais e inovadoras dos programas
exibidos pela TV que o público acompanhou o desenvolvimento da televisão em sua
primeira década e observou as conseqüências geradas nesse processo.
Como foi visto no capítulo 3, o desenvolvimento da televisão possibilitou o
surgimento dos astros e estrelas da TV e o fenômeno do agenda-setting. Na verdade, a
televisão não foi a única responsável pela notoriedade dos astros e estrelas que passaram a
ser reconhecidos pelos telespectadores. A televisão ampliou uma situação que vinha do
rádio, quando na chamada “fase de ouro”, os artistas eram reconhecidos pelo trabalho
67
Informação disponível em: www.tudosobretv.com.br.
154
desenvolvido nesse meio de comunicação. Assim como o fenômeno dos astros e estrelas, o
agenda-setting ganhou força com a televisão, pois não somente o telejornal era fonte de
temas a serem discutidos na sociedade. A seleção, disposição e incidência das notícias, que
passam da agenda da mídia para a agenda pública, é um fenômeno das produções
televisivas como um todo. O teleteatro, a telenovela, o programa de perguntas e respostas e
o telejornal são gêneros que abordavam determinadas questões que posteriormente seriam
tratadas pelos telespectadores.
Nesse ponto vale uma observação de uma situação paradoxal e, ao mesmo
tempo, concomitante. Tal como foi apresentado no último capítulo, a televisão nos anos 50
foi um meio de comunicação que atingiu diretamente a instância da família de modelo
patriarcal da elite paulistana e as pessoas que circundavam esse núcleo. Os parentes,
vizinhos e amigos desfrutavam do status de ter acesso à televisão na casa de uma família
da elite, ao mesmo tempo em que compartilhavam do ambiente no qual a televisão havia
sido inserida.
O maior número de pessoas reunidas em torno da televisão parece apontar o
poder de agregação desse meio de comunicação. No entanto, a observação de que a TV é
fator de reunião dentro de um espaço delimitado; de reunião e não de união; de
coexistência e não de convivência (SIMÕES,1986, p. 26), esclarece esse paradoxo. A
televisão inserida nos lares das famílias da elite paulistana trazia status e representava a
diferenciação das classes sociais. Movidos pela novidade e possibilidade de ascensão
social, as pessoas mais próximas iam às casas dessas famílias para conhecer o televisor, um
eletrodoméstico que era meio de comunicação.
Conhecendo o televisor e incorporando o hábito de assistir à televisão, as
pessoas começavam a se tornar público daquelas produções. E como telespectadores, os
familiares e agregados passavam a querer acompanhar o ritmo das produções, por
exemplo, a seqüência dos teleteatros, os capítulos das telenovelas, o desfecho dos
acontecimentos noticiados pelos telejornais e as curiosidades dos programas de variedades.
Além disso, é necessário apontar o gosto por determinadas atrações e a identificação com
certos artistas, que também serviam como fatores que estimulavam o acompanhamento dos
programas exibidos durante a primeira década de desenvolvimento da televisão no país.
155
Acontece que a reunião da família, dos parentes, dos amigos e dos vizinhos
para acompanhar as produções não implica, necessariamente, em diálogo. O fenômeno
agenda-setting pode gerar uma discussão em torno dos conteúdos apresentados pela
televisão, mas nesse tipo de conversa houve a interferência direta do que foi exibido pela
televisão. Logo, a comunicação continua existindo nessa esfera que se organiza ao redor da
TV. O principal ponto dessa questão, e que o complexifica, é que a comunicação,
estabelecida entre os familiares a partir do momento em que a televisão foi introduzida em
seus lares, é caracterizada pela interferência do televisor.
Isto quer dizer, a comunicação primária, definida por Harry Pross como um
processo pautado no corpo, ganha uma nova dimensão. Essa nova dimensão está mais
associada à existência de uma pessoa que assegure a doação de seu “biotempo” para o
funcionamento do suporte televisivo do que ao possível estabelecimento de uma
comunicação entre os telespectadores que dividem uma mesma condição espaço-temporal.
Se antes os familiares se reuniam para ter uma comunicação pautada no corpo e na criação
de vínculos, depois da introdução da TV nessa esfera, o aparelho passou a ser o principal
elemento dentro do processo da comunicação.
Esta reunião de um maior número de pessoas em um lugar e tempo
específico poderia gerar uma comunicação que tendesse à criação de vínculos. Ou seja, a
introdução da televisão na esfera familiar paulistana representou a criação de um cenário
comunicativo aparentemente favorável à criação de vínculos que assegurassem uma das
condições da vida humana. A complexidade está no fato de que, apesar desse aparente que
tornaria a comunicação interpessoal mais acessível, o processo de introdução da televisão
no ambiente em que se dava a comunicação interpessoal interferiu de modo a dificultar a
criação de vínculos comunicativos.
Indo mais além, de acordo com o que foi apresentado no capítulo 3, a
televisão não somente dificultou a criação dos vínculos comunicativos como começou a
simular essa ação com o telespectador. A “simulação de contato” (MARTÍN-BARBERO,
2001, p.304-305) das pessoas que dividem o ambiente no qual foi inserida a televisão não
cumpre a função do vínculo. Dessa forma, a introdução da televisão na esfera familiar
paulistana, que abrange o núcleo da família de modelo patriarcal da elite, os amigos,
156
parentes e vizinhos, transformou os vínculos comunicativos que eram estabelecidos nessa
esfera.
A interferência da televisão na comunicação primária, a simulação de
contato e as modificações no tempo e no espaço fizeram com que os vínculos fossem
transformados em um elemento da comunicação de menor importância. Enquanto isso, a
televisão foi ganhando força para se tornar uma espécie de meio de comunicação que atua
como uma companhia, uma espécie de “meio de companhia” (PROSS, 2000, p. 87) que
seria capaz de preencher o vazio gerado pela falta de comunicação interpessoal.
A falta de comunicação interpessoal e, conseqüentemente, o
enfraquecimento dos vínculos familiares geraram um grande vazio no seio da família
paulistana de modelo patriarcal. Mais do que isso, o vazio se instalou nesse modelo de
família e nas relações estabelecidas com os próximos que também partilhavam dos
momentos de encontro. A introdução da televisão na esfera familiar paulistana foi o início
de um processo que modificou a estrutura da comunicação interpessoal, transformou os
vínculos entre os familiares e gerou um vazio que parece ter se instalado nas estruturas das
famílias de maneira irreversível.
157
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168
ANEXOS
169
Anexo A – Roteiro da entrevista com especialista
68
1. É interessante observar duas visões diferentes e, ao mesmo tempo, complementares da
introdução da televisão nos anos 50. A apresentação histórica da introdução da televisão,
no artigo Televisão e educação: a escola e o livro, e a confissão da experiência pessoal do
pai anunciando o funcionamento de um ‘aparelho’ que permite ver o que está acontecendo
do “lado de lá” do rádio que estamos ouvindo, em Televisão: desafio permanente. Para
você, como dialogam essas duas impressões?
2. Utilizo a citação de Jesus Martín-Barbero contida no artigo Comunicação: interação
emissão/recepção que diz que a televisão catalisa a ‘experiência doméstica’ e domesticada
com os cidadãos exercendo sua participação na cidade ‘a partir da casa’, diferentemente da
‘experiência da multidão’. Será que essa colocação não vai ao encontro da idéia de que
“com as imagens não é preciso ir para estar”, contida nesse mesmo artigo, e com seu
primeiro pensamento “de poder ver e conversar com a Emilinha Borba”, do artigo
Televisão: desafio permanente?
3. No artigo Televisão e educação: a escola e o livro há um momento em que aparece:
“Com a imagem as coisas se passam diferentemente. A leitura da imagem é mais livre, o
poder de absolutizar o entendimento fica restringido. Por isso, o medo que a escola tem da
imagem e, portanto, da televisão, que se utiliza de uma linguagem que sincretiza o verbal e
o não-verbal”. Poderíamos transportar essa realidade da escola que vai sentir medo da
imagem e da televisão para muitas famílias que passam a sentir medo da TV (ou de não
saber fazer uso dela)?
4. Além do medo, foram citados a veneração e o respeito excessivo em relação aos meios
de comunicação, no texto Comunicação e Cultura: a construção de significados. Você
acredita que o respeito excessivo, que resulta em um olhar para cima ao enxergar esses
meios, esteja mais relacionado à falta de análises complexas e permanentes no
acompanhamento da discussão dos temas apresentados pelos programas ou ao fascínio
exercido pela tecnologia dos suportes? Ou seria uma combinação de diversos fatores?
68
Apesar da prévia organização de perguntas elaboradas de modo a seguir a aplicação metodológica de
entrevista em profundidade, o roteiro sofreu modificações de acordo com o interesse em desenvolver
determinadas temáticas abordadas pelo entrevistado.
170
5. No artigo Comunicação: interação emissão/recepção consta a observação “recepção é
um processo lento e contínuo e não se mede apenas pela quantidade”. No entanto, muitos
estudos sobre o processo de introdução da televisão no país se preocupam em valorizar o
salto do número de 200 televisores nos anos 50 para mais de 500 mil após uma década de
seu surgimento. Considerando que os receptores tornam-se co-produtores do produto
cultural, não seria mais correto dizer que a forma como se deu a recepção está mais
vinculada à construção da realidade social daquele período, do que avaliar a TV apenas
como um bem de consumo?
6. “A televisão é um aparelho doméstico que compõe o cenário dos lares”. Essa citação do
artigo Televisão e educação: a escola e o livro leva-nos a considerar como a televisão
alterou a comunicação descrita como “da própria natureza do ser humano”, apresentado em
Comunicação e Cultura: a construção de significados. Podemos dizer que o surgimento da
televisão, com sua tecnologia e suportes, tenha dado uma nova dimensão à comunicação?
Podemos falar em uma nova forma de comunicar?
7. Em seu livro Televisão e Escola: uma mediação possível? aparece que “comunicação é
produção social de sentido e esse sentido se constrói nas relações sócio-históricas dessa
sociedade nesta fase contemporânea do capital”. É possível considerar que a introdução da
televisão nas agências de socialização (p. 55), como a família e a escola, tenha ampliado
essa noção de produção social de sentido?
8. “Os meios de comunicação, principalmente a televisão, são responsáveis pela produção
e circulação de formas simbólicas”, mas a “operacionalização da ideologia também se dá
nas falas despreocupadas do cotidiano”, como foi visto em Comunicação: interação
emissão/recepção. Como essa ideologia passou a transitar no âmbito do relacionamento,
entre os familiares, colegas de escola e pessoas da vida cotidiana frente ao avanço e à
coexistência da televisão nesses ambientes?
9. Podemos apontar a mediação no âmbito da produção e o fenômeno da agenda temática,
agenda-setting, como possíveis aspectos a serem debatidos para viabilizar o papel da TV
de costurar as diferentes realidades? Mais ainda, é possível enxergar “um caminho para se
concretizar um processo educativo aberto ao diálogo com o outro?”, como é apontado no
livro Televisão e Escola: uma mediação possível?.
171
Anexo B – Roteiro das entrevistas com moradores da cidade de São Paulo dos anos
50
69
1. Como era seu ambiente familiar? Onde viviam, quantas pessoas havia na casa e como
eram seus momentos de lazer?
2. Você se lembra do período em que surgiu a televisão?
3. Como foi a mobilização da sociedade da época, as notícias que saíram nos jornais, o que
foi falado no rádio e, ao mesmo tempo, qual foi a reação da sua família a esse advento?
4. A partir de que período você teve acesso à televisão pela primeira vez?
5. Como ficou a disposição dos móveis na casa quando alguém da família, um amigo ou
um vizinho comprou o aparelho de TV?
6. Como foi o processo de introdução da televisão na esfera familiar?
7. Sentiu alguma mudança no ambiente familiar no momento de introdução da televisão
nessa esfera?
8. O que aconteceu com os momentos de lazer? Mudou muita coisa das atividades
realizadas nos momentos de lazer antes e após a televisão?
9. Quais eram os programas que mais gostava?
10. Qual foi a impressão, a memória mais marcante que ficou desse período?
69
Apesar da prévia organização de perguntas elaboradas de modo a seguir a aplicação metodológica de
entrevista em profundidade, o roteiro sofreu modificações de acordo com o interesse em desenvolver
determinadas temáticas abordadas pelo entrevistado.
172
Anexo C – Entrevista com Maria Aparecida Baccega
Perfil: Livre-Docente em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. Professora titular da Escola Superior de Propaganda e
Marketing. Membro de corpo editorial de diversos periódicos, com destaque para: Revista
Brasileira de Ciências da Comunicação e Revista USP. Autora de vários artigos e livros,
entre os quais Televisão e Escola: uma Mediação Possível?, Editora Senac; Gestão de
processos comunicacionais (org.), Editora Atlas; Comunicação e linguagem: discursos e
ciência, Editora Moderna.
Entrevista com Maria Aparecida Baccega:
Fabiana: É interessante observar duas visões diferentes e, ao mesmo tempo,
complementares da introdução da televisão nos anos 50. A apresentação histórica da
introdução da televisão, no artigo Televisão e educação: a escola e o livro, e a confissão da
experiência pessoal do pai anunciando o funcionamento de um ‘aparelho’ que permite ver
o que está acontecendo do “lado de lá” do rádio que estamos ouvindo, em Televisão:
desafio permanente. Para você, como dialogam essas duas impressões?
Maria Aparecida: Eu era muito pequena e me lembro que meu pai chegou dizendo: “Vai
chegar aí um aparelho, que a gente vê do lado de lá...” Nossa, aquilo foi... Abriu o mundo.
Meu Deus, eu vou poder falar com a Emilinha Borba. Era meu sonho de consumo; Eu fui
ver o auditório da Rádio Nacional em 1960... Não, 57, não, 60... Fomos lá com uma
excursão ao Programa César de Alencar no sábado à tarde, que era um dos meus sonhos de
consumo. Ai, que decepção... Eu queria dizer o seguinte, primeiro que eu nasci em 43 e
sou de Ribeirão Preto. Recebi essa notícia pela primeira vez em casa, quando eu tinha mais
ou menos sete anos. Saiu a notícia no jornal e meu pai veio dar a notícia para a família.
Não tinha em Ribeirão nada disso... Eu não sei exatamente quando que a televisão, que a
primeira televisão foi comprada em Ribeirão. Foi em 52, 53, mas foi logo no começo. Quer
dizer, algumas, televisão era uma coisa muito cara. Então... Era o tempo dos televizinhos.
Você tinha uma televisão e as pessoas vinham ver televisão na sua casa, vinham
acompanhar as novelas... Agora, eu quero deixar claro que Ribeirão teve uma
particularidade. Aliás, o interior do Estado teve uma particularidade com relação à
televisão. Nós só conseguíamos acompanhar a TV Tupi, as novelas da TV Tupi. Então
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televisão para nós, até a década de 60, era sinônimo de TV Tupi, porque era a única que
entrava. Era o indiozinho, sabe? Não era outra coisa. Agora, o que me marcou nessa época
foi que se procurou fazer uma cobertura; até hoje se defende, mas não... Acaba não sendo
feito... Chama televisão mais regional. E com isso se abriu um mercado pra gente. Um
mercado pra alguns trabalharem, como garota-propaganda, quem era bonitinha ia trabalhar
como garota propaganda, porque não tinha VT. Cada propaganda era feita ao vivo e em
cores. Sem cores (rs). Então as moças mais bonitinhas da minha geração, lá de Ribeirão,
iam fazer garota- propaganda ao vivo. Quer dizer, a gente não imaginava que um dia não
seria. E começavam também a fazer programas de... Intelectuais, mas eu não lembro o
nome. Então, um dos programas era sobre português, língua portuguesa. E eu me lembro
que eu e o Haquira Osakabe, que era professor da Unicamp... Nós estávamos no colégio
estadual e nós éramos ótimos em língua, eu particularmente era ótima em língua e ele era
bem melhor do que eu em literatura. E eles fizeram um programa para quem iria querer
responder sobre Camões, sobre Os Lusíadas. Conclusão da história, nós fomos... E fomos
ficando... E o dinheiro foi aumentando e fomos ficando e aí, aí ficou chato. Você ligava a
televisão pra ver todo dia a Baccega e o Haquira... Você começa a perder audiência. Era
até você errar, entendeu? E a gente não errava. Então nós acabamos sendo convidados.
Não, mesmo no ar, nós fomos convidados a não ir mais.
Fabiana: Desconvidados...
Maria Aparecida: Pois é. Nós não fomos e nem recebemos tudo aquilo que era pra receber.
Quer dizer, tudo aquilo foi reduzido a um décimo, mais ou menos. Mas de qualquer modo,
aquilo movimentou a minha geração. Mais ou menos em 57, 58... Movimentou essa
geração. Então tinha as novelas que eram feitas em São Paulo, mas tinha alguns esquetes,
algumas coisas que eram feitas lá em Ribeirão Preto. Você tinha também um programa de
música, muito bonito. Lá em Ribeirão tinha um pessoal que cantava muito, que cantava
música e que se profissionalizou. Então tinha programa de música.
Fabiana: No artigo Televisão e educação: a escola e o livro há um momento em que
aparece: “Com a imagem as coisas se passam diferentemente. A leitura da imagem é mais
livre, o poder de absolutizar o entendimento fica restringido. Por isso, o medo que a escola
tem da imagem e, portanto, da televisão, que se utiliza de uma linguagem que sincretiza o
verbal e o não-verbal”. Poderíamos transportar essa realidade da escola que vai sentir medo
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da imagem e da televisão para muitas famílias que passam a sentir medo quando se dá a
entrada da televisão na esfera familiar? Dizem que a televisão pode acabar com o diálogo
familiar...
Maria Aparecida: Olha, eu não sei. Eu acho que não. Nunca pensei nisso. Por que eu acho
que não? Porque essa coisa de que vai acabar com o diálogo familiar é uma coisa que vem
depois. O que eu quero dizer? Eu quero dizer que, num primeiro momento, a televisão
congrega; é o momento do televizinho, é o momento em que toda família se reúne pra ver
uma novela ou um programa de música... Em geral, novela. A novela sempre foi o carro-
chefe da televisão no Brasil. Por isso que nós temos titulares em novela, no sentido
acadêmico. Não tinha isso, sinceramente não tinha. Não me lembro. Minha tia tinha, ela
tinha televisão, mas era nesse sentido. A gente ficava assistindo em família ou então... Eu
muito cedo percebi... A minha geração percebeu que novela não precisava assistir todo dia.
Bom, mas enfim. O que eu quero dizer aí é o seguinte. Não existe, da parte da imagem,
essa substituição da linguagem não-verbal pela linguagem verbal. Não é isso. Eu não
concordo com isso. O não-verbal é interpretado a partir de uma determinada cultura. Ele
tem uma interpretação prévia, um eixo de interpretação a partir do qual você vai
acrescentar coisas. Então, ele é um pouco mais livre, ele é mais livre do que a escrita, nesse
sentido. Nessa interpretação você pode acrescentar mais coisas do que você pode
acrescentar na escrita, ou pelo menos o jovem que está na escola. Só que os professores
têm medo disso, quer dizer, eles têm medo dessa concorrência, primeiro. Segundo, a
televisão tem uma, uma linguagem que atrai muito o jovem. Então, eu falei pra você antes
de começar a entrevista que quando eu nasci não tinha televisão, quer dizer, eu tinha sete
anos quando eu ouvi que ela ia chegar. É... Quando meu filho mais velho nasceu tinha
televisão; portanto ele é diferente de mim. Uma criança que nasce hoje, ela nasce com o
computador, satélite... Então, as sensibilidades são diferentes. O que acontece, na verdade,
é que essas crianças que estão na escola, que têm de 6 a 18 anos, essas crianças nasceram
certamente com a televisão... Eu não vou dizer que nasceram com o computador porque se
você levar em consideração que a maioria da população brasileira não tem acesso ao
computador... Então não dá pra dizer isso. Mas dá pra dizer, sim, que eles nasceram com a
televisão porque a televisão está em 90, mais de 95% dos lares brasileiros. Ou seja, a
sensibilidade deles é outra, a linguagem a que ele está acostumado é aquela porque antes
dele ir para a escola ele fica vendo televisão. Que é uma maneira de dar uma certa
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tranqüilidade pra mãe, ou porque ela vai trabalhar, ou porque ela quer fazer alguma coisa
em casa, e ele fica perturbando... Enfim, daí ele se acostuma com aquela linguagem, aquela
linguagem é atraente. A sensibilidade dele é outra com relação a nós, com relação ao
professor. E o que vai acontecer é que vira uma disputa entre o que o professor está falando
na classe, que normalmente só usa o giz e a saliva, e o que o aluno gostaria de estar vendo.
Então essa disputa é uma coisa que... O professor perde, invariavelmente. Então ele não
gosta. Só que ao invés dele tentar trazer pra usar, utilizar como seu planejamento dessa
outra linguagem... Ele não traz, quer dizer, ele simplesmente resolve da maneira que ele
considera mais fácil, que é impedir. Enquanto ele impede... O que acontece? Os alunos
ficam falando clandestinamente sobre isso... No pátio, nas entradas e nas saídas. Ou seja, o
efeito dessa linguagem sobre o jovem é muito maior e ele é descontrolado, entre aspas,
porque não tem diálogo com eles sobre isso. Ele é clandestino. Então, eu acho que a
televisão gosta muito de que as pessoas continuem a dizer que ela aliena, que precisa por
um chip na televisão... Enquanto nós vamos falando isso, nós ficamos muito tempo sem
sequer permitir que as universidades fizessem pesquisas, por exemplo, sobre telenovela.
Pegava mal, era desprestígio.
Fabiana: No artigo Comunicação: interação emissão/recepção consta a observação
“recepção é um processo lento e contínuo e não se mede apenas pela quantidade”. No
entanto, grande parte dos estudos consultados para a elaboração dessa pesquisa se
preocupa mais em quantificar, por exemplo, o salto do número de televisores durante a
primeira década de sua implantação. Não seria mais correto considerar como se deu a
construção da realidade social daquele período com a introdução da televisão, do que
avaliar a TV apenas como um bem de consumo e o número de aparelhos?
Maria Aparecida: Eu acho importante saber o número de aparelhos. Isso é, digamos assim,
um dado, a meu ver, acessório... Não é exatamente acessório, mas... O que eu coloco sobre
recepção é o seguinte, você só pode estudar recepção, se você efetivamente conseguir
conhecer as práticas sociais e culturais das pessoas a quem você quer comunicar alguma
coisa. Se você não conhece essas práticas sociais, essas práticas culturais, você não tem
recepção, você não tem entendimento. E a recepção é um processo lento. Quando eu estou
falando isso, eu estou pensando mais naquela história “temos tanto de audiência”. A novela
tem não sei quanto de audiência, alcança a novela das oito... Bom, eu acho importante.
Mas não é o mais importante. Porque, como você disse, o mais importante, eu acho que
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tem que ser uma afirmação que eu costumo fazer sempre: A comunicação é o fio mais
grosso do tecido da cultura. É isso. Ela ocupa um espaço muito grande na construção dos
significados sociais, portanto, da cultura. Muito grande. Então é isso que nós temos que
saber. O que ela está fazendo? Não é que ela determine, note bem. Absolutamente, eu não
estou dizendo isso. Eu não acho que as mulheres deixaram de ter filhos no Brasil porque a
televisão fala que as mulheres na novela têm dois filhos. Não é isso. Mas, de qualquer
modo, nós não vamos negar que a construção cultural de que uma família pode se
constituir de pai, mãe, dois ou três filhos apenas, foi ajudada. Essa construção foi ajudada
pela televisão. Claro que nós não podemos negar. O que nós não podemos afirmar é que
ela fez isso. Sozinha ela não faz nada. Não precisa ter molde fixo do que é uma família,
como foi a da minha avó, provavelmente a da sua... Com menos de cinco, naquele tempo,
não era família. Então, você vê que também se pode constituir uma família com esse valor,
esse conceito que é cultural que, isso sim, a televisão ajuda a passar. Mas por que ela
encontra terreno fértil? Por causa de todo o resto. Porque você tinha uma entidade que
buscava esterilizar novas mulheres, como de fato esterilizou, porque você tinha, teve
durante muito tempo e continua a ter, mas de maneira mais grave, crises econômicas...
Problema de desemprego... Você tem uma série de coisas. Não se deve menosprezá-la, mas
também não sobrevalorizá-la.
Fabiana: Além do medo, foram citados a veneração e o respeito excessivo em relação aos
meios de comunicação, no texto Comunicação e Cultura: a construção de significados.
Você acredita que esse respeito excessivo tenha uma criação, um motivo específico pelo
qual aconteça? Ainda que os telespectadores sejam alfabetizados pela imagem, estejam
acostumados à linguagem da televisão, ainda assim tenham o costume de olhar para a
televisão como se estivessem debaixo, olhando para cima ao enxergar esse meio?
Maria Aparecida: Aliás, está. Eu não tenho visto nenhuma pesquisa que envolva isso, mas
até recentemente você tinha e isso continua. Se você tiver somente uma televisão na casa, a
televisão estará na sala. E a TV ficava acima, você tinha que olhar para cima. Além disso,
a veneração vem também porque ela trouxe um certo... Como é que eu vou dizer? É mais
ou menos a idéia de que “eu não acredito em bruxas, mas que las hay, las hay”. Na
verdade, não é bem isso o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é o seguinte, de
repente, não mais que de repente, para quem já estava vivo, você passa a ter um objeto na
sua casa que te mostra ao vivo e em cores, agora em cores, mesmo, a guerra do Iraque, o
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enforcamento de Saddam... Assim, entendeu? Você está jantando. Ou seja, é uma coisa que
vai intuitivamente mexer com o mundo. Isso tem poderes, além do que eu consigo
imaginar. Poderes extraterrestres. Poderes de Deus, dos deuses... Não Deus, dos deuses.
Então eu acho que essa veneração acaba levando a um certo, certo não, com certeza, a uma
falta de diálogo. Porque, então, se você venera, você não dialoga. A não ser que... Se você
tem veneração por alguma coisa, você tem um respeito, não sei se a palavra é adequada,
mas você não dialoga. Você se coloca no seu canto.
Fabiana: “A televisão é um aparelho doméstico que compõe o cenário dos lares”. Essa
citação, do artigo Televisão e educação: a escola e o livro, leva-nos a considerar como a
televisão alterou a comunicação descrita como “da própria natureza do ser humano”,
apresentado em Comunicação e Cultura: a construção de significados. Podemos dizer que
o surgimento da televisão, com sua tecnologia e suportes, tenha dado uma nova dimensão à
comunicação? Podemos falar em uma nova forma de comunicar?
Maria Aparecida: Calma! O que aconteceu com a entrada da televisão é que passou a se
confundir aparato tecnológico com comunicação. Ou seja, o suporte, a chamada mídia com
o meio de comunicação. Não, comunicação não é a mídia. Comunicação é também a
mídia. E a comunicação supõe cultura comum, supõe diálogo, supõe respeito... Certo? Isso
é a comunicação que existe desde que o homem saiu das cavernas, não, desde que ele...
Desde Adão e Eva, vamos dizer assim, existe a comunicação. E a tecnologia, o que é que
fez? A tecnologia amplificou o que todo ser humano já nascido ou em concepção neste
momento tem, que é o aparelho fonador. O que é o aparelho fonador? É uma adaptação dos
órgãos nos animais vertebrados, pulmão, boca... E outros aparelhos, digestivo, circulatório
e tal. Essa é a base da comunicação, o aparelho fonador. Só que, o que a tecnologia foi
fazendo, veio fazendo e vem fazendo? É amplificar. Eu falo com você aqui neste escritório
e se houvesse um certo aparelho aqui, que eu nem sei o nome, poderia levar a imagem para
o mundo todo, levaria a imagem para uma outra faculdade, onde haveria pessoas em
oficinas, videoconferências...
Fabiana: Em seu livro Televisão e Escola: uma mediação possível? aparece que
“comunicação é produção social de sentido e esse sentido se constrói nas relações sócio-
históricas dessa sociedade nesta fase contemporânea do capital”. É possível considerar que
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a introdução da televisão nas agências de socialização (p. 55), como a família e a escola,
tenha ampliado essa noção de produção social de sentido?
Maria Aparecida: Por parte dos professores, dos alunos, dos pais, etc?
Fabiana: Por parte das pessoas envolvidas.
Maria Aparecida: A noção? Não. Eles pensarem que, efetivamente, essa produção social
de sentido tem a ver com a televisão? Não. Se você quer dizer, se você estiver querendo
perguntar, se eu acho que as pessoas acham que a televisão influencia, que a televisão
determina significados, a televisão bem maniqueísta mesmo... Eu acho que sim. É o que
pensam. Agora, se as pessoas tem condições de saber que o sentido, o significado é
produzido socialmente e que a televisão também faz parte dessa produção... Não, as
pessoas não têm essa noção, infelizmente. Seria muito bom se tivessem... Nem os
professores. Porque eu acho que os professores tinham a obrigação de ter. Agora, quando
eu digo que os professores tinham a obrigação de ter, eu quero também... Fica parecendo
que eu quero falar mal dos professores... Não é isso. Eu acho que os professores tinham
que ter, sim, um curso de atualização durante o horário em que eles estão recebendo. Não é
só esse negócio, ele dá 44 aulas por semana... Não é de aula, que a gente resolveu entrar na
sala de aula... Mas em horário pago. Quer dizer, faz parte da profissão, das obrigações do
profissional professor ter esses cursos, como faz parte dar aula, como faz parte preparar
aula, corrigir trabalho... Faz parte, o curso também faz parte. Então, é nesse sentido que eu
acho que os nossos professores estão absolutamente deficitários.
Fabiana: Não sei se é possível, mas a gente poderia apontar a mediação no âmbito da
produção e o fenômeno da agenda temática, considerando o agenda-setting, como
possíveis aspectos a serem debatidos para viabilizar o papel da TV de costurar as diferentes
realidades?
Maria Aparecida: Sim, com certeza. Primeiro, eu quero fazer uma distinção. Primeiro,
você está se referindo à narrativa que eu chamei de mediação organizativa, que foi um
título... Eu não sabia o que pôr e não sei até hoje... O que eu estou querendo dizer é o
seguinte: é verdade que nós entendemos as mensagens de acordo com a nossa cultura.
Tudo bem. Mas, aquelas que chegam até nós. Existe uma mediação, eu já usei muito a
expressão “edição do mundo”, existe uma edição... Então, por exemplo, num certo
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momento da minha vida ia chegar a televisão a cabo. Ora, pra quem tem o mínimo de
crítica, evidentemente, aquela TV que a gente tinha, é uma TV pasteurizada... Ah, mas
você acessa outros pontos de vida. É claro que não. A minha televisão, como a sua, e a de
quem pode pagar, tem cerca de cem canais. E eu perguntaria a você: Por um acaso há
algum canal que discrepe, efetivamente, do ponto de vista que você vê nas nossas TVs? É
claro que não. Porque você tem fortes fatos que são divulgados e quando eles são
divulgados, eles já são divulgados com o ponto de vista, a partir do qual eles querem que
você reconheça que ele passa. A segunda coisa que você coloca é a questão do agenda-
setting. O agenda-setting começa como uma pesquisa, uma posição bastante funcionalista
que não é exatamente o que a gente prefere ou a que a gente adere, mas também vai
caminhando. Você tem o primeiro momento, você tem o segundo momento de agenda-
setting e hoje a gente está caminhando muito pro lado das questões da recepção, tamm,
como nós, onde nós estávamos já há mais tempo. Então o agenda-setting, da maneira mais
simplificada, é o fato de você ter uma seleção dos fatos que é feita pela mídia hoje, que é
feita pelas agências de notícias e... Dentro das agências de notícias a mídia pauta umas
tantas. E isso deve formar os seus assuntos. Sim e não. Sim, dependendo da percepção do
seu universo cultural. Não é verdade que ela pauta conversas. Ela ajuda a pautar as
conversas, mas o que pauta as conversas é a sua percepção, é a sua recepção. Ela agenda os
temas, sim, porque ela faz a escolha... No sentido do que foi escolhido, sim. Agora, se
esses assuntos serão os assuntos discutidos, aí, já entra uma outra variável que é a questão
do universo cultural.
Fabiana: Eu tinha pegado uma frase do texto Comunicação: interação emissão/recepção
que dizia “a operacionalização da ideologia também se dá nas falas despreocupadas do
cotidiano”, que é exatamente isso.
Maria Aparecida: É.
Fabiana: Seria possível apontar a mediação, no âmbito dessa agenda temática, e enxergar
“um caminho para se concretizar um processo educativo aberto ao diálogo com o outro”?
Como foi colocado no livro Televisão e Escola: uma mediação possível?.
Maria Aparecida: Bom, claro que eu acho que sim... Quer dizer, eu acho que nós temos
desenvolvimento científico suficiente para conseguirmos isso, nós temos quadros nas
universidades, não abundantemente, mas nós temos quadros dispostos a fazer isso. Você
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sabe dos projetos sobre comunicação e educação... Mas não temos vontade política. Isso aí
não cai do céu. Você tem que mostrar como é feito o meio de comunicação, o que é que
existe do outro lado. É só compreendendo... Eu acho que a nossa preocupação, nós que
somos de nível universitário, é passar para os professores para que eles passem para os
alunos. Conhecer o que está por trás da mídia. Não é no sentido de que a mídia manipula...
Não, não é isso. É que a mídia tem um jeito de... É uma fábrica que funciona assim ou que
funciona assado. Só que nós não sabemos. Ela continua sendo uma coisa meio
paranormal... Ela continua sendo uma coisa que vai desviar o meu aluno, que vai roubar a
atenção do meu aluno... Eu continuo a disputar com ela e a perder... Enfim, ela continua a
ser isso aí... Isso é grave, mas eu insisto no que eu disse antes, eu acho que falta vontade
política. Eu não vou dizer para você que tem um monte de professores na universidade...
Mas você tem professores que estão dispostos a fazer isso. Mas é isso, acabou a vontade
política. Acabou... Quer dizer, precisa ter vontade política. E não tem. Por que não tem?
Aí, eu que acho que entra mais um pedaço da história... Por que não tem? Porque do jeito
que está, está bom pra eles. Do jeito que está, está bom. A televisão distrai, você não tem
que pensar como é que ela é feita. Você relaxa, não tem que pensar quais são as notícias
que o Jornal Nacional está dando, por que são montadas daquele modo. Então está bom,
do que jeito que está, está bom... Para a classe dominante... Eu acho que dificilmente nós
vamos ter essa vontade política, efetivamente.
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Anexo D – Entrevista com Lucila Diniz Vetritti
Perfil: Lucila Diniz Vetritti nasceu em 09/02/1935 na região do Ipiranga. Teve quatro
filhos, aos 72 anos é dona de casa aposentada e continua morando no bairro Ipiranga. É
vizinha de bairro de sua irmã Jacira, também entrevistada neste trabalho.
Entrevista com Lucila:
Fabiana: Como era seu ambiente familiar? Onde viviam, quantas pessoas havia na casa e
como eram seus momentos de lazer?
Lucila: Era uma família de quatros irmãos, pai e mãe. E tinha, vizinha à minha casa,
morava a minha avó, na outra casa, a minha tia. Então, a gente era... Primos, avós e tios
muito unidos. A família era muito unida. Todo mundo junto... Tudo o que um passava, os
outros passavam também, não era nada dividido, não era nada de ninguém, era tudo de
todos.
Fabiana: E nos momentos de lazer... Vocês costumavam ler?
Lucila: Não. A gente ouvia notícias no rádio... Muitas notícias pelo rádio... Comentava-se,
assim, quando meu irmão estudava, tinham notícias de política... Mas eu nunca fui
interessada nisso. Nunca fui dada muito à leitura. Teve um período da minha vida, quando
eu era adolescente, que começou a sair uns romances tipo revistinha e eu fiz uma coleção...
Meu irmão me comprava, toda semana saía uma... Era novela em quadrinho, mas não era
figura, era desenho... Lindo. Eu tinha duas caixas desses romances. Eu era muito
romântica. Depois passou. Aí eu casei, não tive mais tempo de ler.
Fabiana: E você lembra da época das radionovelas?
Lucila: Ah, lembro. Eu amava... Na rádio Record no domingo era assim, a gente terminava
de almoçar, todo mundo ficava na mesa porque ia começar a novela. Então, era uma hora
uma hora e meia de novela. Não era uma novela... Era um romance, um conto... Todo
domingo era um. Então eles faziam, todo domingo era uma história... De família.
Fabiana: E as pessoas se reuniam pra ouvir essas histórias?
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Lucila: Sim, até meus irmãos gostavam. No começo eles criticavam, mas depois
começaram a se interessar. Ás vezes vinha a minha tia, a minha avó, ficava todo mundo
sentado na mesa, chupando uma fruta, tomando um cafezinho e a gente ficava ouvindo...
Fabiana: Por que seus irmãos criticavam no começo?
Lucila: Ah, porque era novela. Eles achavam que... Eles diziam: “Imagina que eu vou
ouvir isso. Eu vou embora, vou sair daqui”. Depois acabaram gostando, eles ficavam junto.
Ficavam escutando.
Fabiana: Você se lembra do período em que surgiu a televisão? Quantos anos você tinha,
onde estava...
Lucila: Eu devia ter uns 16, 17 anos, mais ou menos. Estava na mesma casa. Nós não
tínhamos televisão. O primeiro a ter televisão foi um tio meu, que era dentista... Então, ele
tinha um poder aquisitivo melhor. Foi a primeira televisão da família. Aí, a gente ia ver os
programas lá. Era novela, já começou na Rede Tupi e a gente ia pra lá assistir às novelas.
Chegava o horário da novela e ia todo mundo pra lá. Fechava a sala pra nós, ele ficava
trabalhando no gabinete dele e nós lá, assistindo televisão.
Fabiana: A família inteira se juntava pra ir lá?
Lucila: Não todos... Mas era assim, a minha mãe, eu, a minha irmã, aí, ia uma outra tia
minha e a minha tia que morava lá, mais a minha prima. Não toda a família. Era mais a
gente, mesmo, que ficava lá... Todo dia. Era sagrado... Ah, novela a gente não perdia. Era
um horário que já tinha feito tudo. Morava a um quarteirão de casa. Então a gente ia pra lá.
Fabiana: Além da novela, quais eram os programas que passavam? O que você mais
gostava?
Lucila: Era novela, mesmo... Tinha capítulos... Tinha Irmãos Coragem, mas isso já foi
mais... Direito de Nascer... Tinham outras, mas agora eu não lembro. Ah, lembro muito
pouco... Lembro que tinha programa de calouros... Jornal... Depois a gente já ia embora,
não tinha muito mais...
Fabiana: Como foi o processo de introdução da televisão na sua família? Vocês tiveram
vontade de comprar o aparelho também?
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Lucila: Tínhamos, mas não tínhamos condições. O aparelho entrou na minha casa quando
eu me casei em 56, 57... Eu casei e fui morar vizinha à minha mãe, aí meu marido viajava e
a minha mãe saía de casa pra ver a novela na casa da irmã. E o meu marido falava assim:
“Não, você vai ficar sozinha? Eu estou viajando...”. Aí ele comprou uma televisão e pôs na
casa da minha mãe. Então a senhora vai ficar em casa pra ela poder ficar. Aí minha mãe já
ficava. E eu ia assistir à novela lá com ela. Nós éramos vizinhas e não tinha problema.
Fabiana: O que você sentiu quando ganhou essa televisão? Por exemplo, era sinal de status
ter a televisão em casa?
Lucila: Não. Nunca senti essa coisa. Nunca senti isso. É, eu senti... Eu gostava de ter... A
gente sentia prazer em ter. Mas status, assim? Não. Nunca comentei: “Ah, eu tenho uma
televisão”. Não, a gente simplesmente usava... Convidava quem não tinha pra ir assistir.
Fabiana: Quando vocês colocaram a televisão na sala, o que aconteceu com os móveis?
Mudaram a disposição, fizeram uma sala de TV?
Lucila: Não. Ficou a mesma coisa. Nós tínhamos... Na casa da minha mãe tinha um sofá
que era a cama à noite, a mesa de jantar, as cadeiras, a televisão ficou num canto...
Compramos uma mesinha e lá ficou a televisão. Não mudou nada.
Fabiana: E vocês tinham rádio?
Lucila: O rádio era pequeno, então estava na cozinha, em cima de uma prateleirinha. Aí
quando veio a rádio-vitrola, aí, “boom”, arrasta os móveis... Tinha aquela pedra mármore
com a cristaleira em cima... Encostou um pouquinho e pôs a vitrola. Dava... Tinha uma
sala grande, não tinha quarto pequeno naquela época, era tudo grande.
Fabiana: Muita coisa mudou depois que entrou a televisão na sua família? Você achava
que vocês conversavam menos pra assistir à televisão ou todo mundo se juntava e era a
maior bagunça?
Lucila: Mudou, mudou sim, porque... Eu já tinha saído da minha casa, estava casada e não
tinha muito tempo pra ficar lá. Ficava mais na minha casa. Aí ficou minha mãe, minha
irmã e meu pai. Meu irmão também já tinha casado... Então, eles conversavam um pouco e
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quando conversavam era a respeito da televisão. Mudou, mudou bastante. Aquela família
unida, aquela coisa toda, já não tinha mais.
Fabiana: E vocês continuavam se encontrando para ouvir a radionovela ou passaram a ver
telenovela?
Lucila: Só a televisão. O rádio era só pra futebol, música... A gente ouvia muito rádio...
Mas era mais televisão, mesmo. Mas era à noite, também. Durante o dia era difícil ligar
porque todos trabalhavam, tinham seus afazeres... Ninguém sentava pra ver televisão à
tarde. Era muito difícil... Era quando tinha tempo.
Fabiana: Qual foi a impressão, a memória mais marcante que tenha ficado desse período?
Pode ser em relação a sua família ou a um programa que você gostasse muito... O que
ficou para você da década de 50?
Lucila: O que ficou marcado? Marcou muita coisa na minha vida... Na década de 50 foi
quando eu perdi meu avô, depois o meu tio, que era o irmão único da minha mãe e ele
freqüentava muito a casa, por causa da minha avó. E depois que minha avó faleceu...
Acabou isso, também. Então a gente sentia falta dessa família que estava se dispersando.
Minha avó morrendo... Uma prima minha casou, foi morar na casa junto com a mãe; a
gente já não podia entrar muito porque ela não gostava... A gente foi se afastando... A vida
foi mudando porque todo mundo mudou, casou ou teve filhos... A gente foi se dispersando.
Teve muita mudança... Dos meus 15 até os 20 anos, a vida foi mudando bastante.
Fabiana: E em relação à família? Você disse que mudou muita coisa de lá pra cá, você
acha que a televisão interferiu nesse processo?
Lucila: Mas muito... Mudou mesmo, bastante... Ninguém mais saía pra visitar ninguém.
Era muito difícil. Eu, minha mãe e meus irmãos ainda mantínhamos, no começo, porque a
gente cresceu com essa coisa de família. Mas quando vieram meus filhos, já não. Ninguém
mais, quase, se visitava. Minha mãe fazia questão dos filhos ficarem sempre juntos,
principalmente no domingo... E eu consegui manter isso até um bom tempo da minha vida,
mas de uns dez anos pra cá, acabou. Não tem mais aquela reunião de família todo domingo
como era, que a gente fazia questão de ficar junto. Aquele tempo era muito mais família,
muito mais união. Todo mundo tinha mais tempo... Hoje em dia, ninguém tem tempo pra
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família. Não é por falta de amor, de carinho... É por falta de tempo. Tem que trabalhar
muito, tem que desenvolver, então não tem tempo pra família. Minha leitura é essa.
Fabiana: E o que você acha dos programas hoje? Tem alguma coisa a ver com aquilo que
você via no começo?
Lucila: Nada... Não tem nada... Televisão pra mim é um preenchimento do vazio que eu
tenho. Eu procuro, mas não acho. Não me preenche. Eu tento me apegar em alguma coisa,
então eu me apego em uma novela, que é única coisa que tem pra poder... Sei lá, viver.
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Anexo E – Entrevista com Jacira Diniz Baños
Perfil: Jacira Diniz Baños nasceu em 01/02/1927 na região do Ipiranga. Teve dois filhos,
aos 80 anos é dona de casa aposentada e continua morando no bairro do Ipiranga. É
vizinha de bairro de sua irmã Lucila, também entrevistada neste trabalho.
Entrevista com Jacira:
Fabiana: Como era seu ambiente familiar? Onde viviam, quantas pessoas havia na casa e
como eram seus momentos de lazer?
Jacira: Eu nasci no Ipiranga, mas não tenho lembrança... Porque mudou tudo, as casas
eram diferentes, era só casa antiga, agora são casas novas. Aí eu fui pra rua Costa Aguiar,
eu acho que eu tinha uns cinco, seis anos. Morava com meus pais e tinha meu irmão mais
velho, era eu, depois meu irmão Sid, que faleceu, depois veio a Lucila. O último foi o
Sérgio, o caçula... A Lucila já nasceu naquela casa...
Fabiana: O que você lembra da década de 50? Quantos anos você tinha?
Jacira: Ah, eu nasci em 28, em 50 eu já era bem grandinha, trabalhava... 22 anos. A
família se reunia muito. Meus tios... Os irmãos da minha mãe, os irmãos do meu pai já
eram falecidos nessa época, mas meus irmãos que já tinham casado. A Lucila já tinha
casado, meu irmão mais velho já tinha casado, o mais novo, o caçula tinha casado, mas já
era falecido... Mas a gente reunia muito a família.
Fabiana: O que vocês faziam nos momentos de lazer? Vocês liam, escutavam rádio...
Jacira: Naquela época eu não lia muito, não. Eu tamm não era muito de sair de casa.
Meu pai não deixava. Tinha que sair, oito horas da noite sempre estar em casa. Agora eles
saem às 11 horas... Quando era 8 horas já tinha que estar em casa. Mas eu também não
namorava muito. Namorei um só, foi meu marido... Eu casei... Mas a gente ficava com a
família. Eu era mais assim, tipo caseira.
Fabiana: Você lembra quando surgiu a televisão na década de 50?
Jacira: A primeira da família que teve foi uma irmã da minha mãe... Que o marido era
dentista. Eles estavam melhor financeiramente, ela comprou... A primeira televisão da
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família foi dela. Inclusive ela tinha uma filha jovem... Eu também era solteira, ainda, e eu
lembro que eu ia lá assistir... Tinha a TV Tupi, porque eram poucas as emissoras. Depois,
quem trouxe a televisão pra minha casa foi o marido da Lucila. Primeira televisão que veio
pra minha casa. Depois a família já... Os jovens foram casando, já foram montando as suas
casas, já tinham suas televisões. Porque a minha família, assim, da parte da minha mãe e
do meu pai, a gente era uma família mais humilde e não tinha televisão. Só tinha rádio. No
princípio, as primeiras televisões não foram a gente, porque a gente também não tinha... Eu
acho que nem era pela condição de comprar, a gente não tinha costume, era só rádio.
Depois que teve mais influência... Daí todas as casas tinham televisão.
Fabiana: O que vocês costumavam ouvir no rádio?
Jacira: O rádio tinha... Eu lembro que a rádio, eu acho que era rádio Cultura, tinha
radioteatro. Que eu conheço, assim... Eu lembro dos artistas que faziam como na televisão
agora, as novelas, faziam os seriados... Bom, no princípio da televisão, tinha aquele O céu
é o limite. O moço que fazia esse programa... Morreu tamm... A gente esquece o nome...
Mas o rádio era... Programa de músicas brasileiras e tocava muita música italiana. Eu
conhecia mais as músicas italianas do que as brasileiras. Porque houve um tempo que só
tocava música de fora, estrangeira. Aí houve uma... Como eu posso explicar? Uma
manifestação dos próprios radialistas... Acharam que a gente não ouvia quase música
brasileira aqui. Então eles começaram a fazer programas brasileiros, a divulgar. Tinha
programa sertanejo. Naquela época era caipira... Agora é sertanejo. Então começaram a
surgir as duplas e os programas caipira, e tinha A hora da saudade... Esse eu nunca me
esqueço, era o Dárcio Campos, à noite... Era um programa muito bom, gostoso, de músicas
boas. O rádio era muito ouvido.
Fabiana: Você chegou a conhecer alguém que tenha participado os programas do rádio, ou
mesmo da televisão?
Jacira: Uma prima minha, já falecida... Ela me levou pra assistir um programa... Era ao ar
livre. Era um palco aberto, só tinha uma cobertura e um pouquinho de...Uns degrauzinhos,
o palco... Nós ficávamos tudo lá no terreno, aberto, de pé. E os calouros ficavam cantando
lá e o locutor que... Ah, não lembro o nome dele... Naquele tempo foi uma novidade esse
programa. Nesse programa apresentavam os calouros, eles davam os pontos. Ah... Depois
essa mesma minha prima me levou uma ocasião, eu acho que foi na rádio Record... Eu fui
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assistir o programa do Milton Tico... Ele fazia diversos personagens. A professora dona
Olinda, os alunos, o Tião, o italiano, não me lembro o nome do menino... Era o brasileiro,
o italiano, o português e o japonês, parece. Era assim, ela tinha o microfone aqui,
pendurado, era um quadradinho, cercado com umas madeiras... Ele ficava naquele
quadradinho e nós ficávamos na sala tudo de pé assistindo aquele programa porque era
pelo rádio, não era pela televisão.
Fabiana: Você ficou decepcionada quando conheceu essas instalações, o quadradinho?
Jacira: Não... Você sabe que eu não fazia idéia de como seria... Eu fui lá assistir... Pelo
rádio você ficava só ouvindo, era gostoso porque você fazia a imagem da pessoa que ele
estava criando. Cada um era uma voz diferente. Era uma pessoa só que fazia tantos
personagens. Era gostoso pelo rádio... Era muito gostoso.
Fabiana: Com a televisão você acha que perdeu essa coisa de imaginar quem era a pessoa?
Jacira: A televisão mudou tudo. Com a televisão você vê tudo que você quer... As
imagens, os cenários, uma praça, um lago, uma floresta, você vê tudo aí. Eles vão lá no
local e filmam. No tempo do rádio, não. Você tinha que imaginar como era...
Fabiana: Quais eram os programas que você mais gostava de ver na televisão? De
auditório ou das novelas?
Jacira: Bom, aí a televisão tem uma influência... A televisão entrou na casa da gente com a
imagem... O que eu posso dizer dos programas? Tinha programas muito bons, muito úteis,
instrutivos... Programa que prendia a gente, mesmo... O céu é o limite... Eu tenho a
imagem dele na minha cabeça. Era um programa muito bom. Era um programa de
auditório. Ele fazia as perguntas e tinha os candidatos que iam dar as respostas... Tinha o
debate, pessoas que iam lá, e cada um fazia as perguntas na sua área, no seu
conhecimento... E teve um que foi esplêndido, ele foi brilhante, ele chegou... O céu é o
limite, ele chegou no limite. Ele ganhou prêmio porque teve uma capacidade
extraordinária.
Fabiana: Você disse que o marido da Lucila trouxe a televisão para dentro da sua casa.
Como foi isso? Mudou a dinâmica da casa?
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Jacira: Aos pouquinhos... Foi envolvendo... Ai, deixa eu lembrar aqui... Tinha um
programa... Eu quero lembrar, de domingo. Nem todas as casas tinham televisão e tinha
um vizinho, um casal vizinho que eles iam à minha casa assistir...Tinha o... O TV de
Vanguarda de domingo... E o TV de Comédia no sábado. Eles iam assistir porque
passavam peças boas, os artistas... No sábado era comédia e no domingo era drama. E era
muito bonito, prendia a gente. A gente não saía de casa pra assistir, pelo menos eu.
Fabiana: E os vizinhos iam à casa de vocês para assistir à televisão?
Jacira: É. Porque eles não tinham, eles iam pra minha casa assistir o TV de Vanguarda.
Fabiana: Vocês conversavam enquanto viam televisão?
Jacira: Às vezes a gente dava uns palpites em algumas coisas, mas a televisão prende
muito. Prendia muito a atenção da gente... Tinha bons programas... A televisão
desenvolveu muito, mas... Aliás, nas técnicas, nas montagens, na iluminação, tudo isso
melhorou bastante. Mas naquela época, sendo o início da televisão, tinha bons programas.
E bons artistas, também.
Fabiana: Você lembra como é que ficou o ambiente com a televisão? Vocês tiveram que
afastar os móveis, tinha espaço para fazer uma sala de TV...
Jacira: Na minha casa tinha porque nós tínhamos a sala e... Tinha a cozinha e a mesa de
jantar na sala quando a gente recebia mais pessoas. E ficavam todos ali, juntos em volta da
mesa, tinha um sofá, que a sala da minha casa era grande... E cada um sentava num lugar,
se acomodava. E a televisão ficava num canto à direita e a gente ficava assistindo os
programas até tarde.
Fabiana: E o rádio?
Jacira: Não, na época o rádio ficava na cozinha... A mesa da sala era só pra quando tinha
mais pessoas, mais visitas. O almoço e o jantar eram na cozinha, era só família. E o rádio
ficava num suporte... O primeiro rádio foi um amigo do meu pai que montou, eles
trabalhavam na mesma firma, na Bayton, naquela época... Já não existe mais a Bayton... E
ele montava rádio, ele fez um rádio... Porque o rádio tamm era novidade. Não era toda
casa que tinha rádio. E meu pai tinha aquele amigo que montou um rádio e... Ficava na
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cozinha. Depois quando veio a televisão, a televisão foi pra sala, porque o lugar era mais
amplo e a gente assistia melhor. Quem não tinha televisão ia a minha casa assistir.
Fabiana: O que foi que mais te marcou? Uma memória de um momento em família... Se
antes vocês conversavam com os pais e, depois que entrou a televisão, se vocês pararam de
dialogar...
Jacira: Não, eu acho que não... Não paramos. Agora, sim. Não se conversa quase... Um
está na televisão, o outro no computador, o outro no telefone, o outro vai sair... Mas
naquela época não. A gente reunia a família e a gente conversava. No começo, a televisão
reuniu mais a família... Primeiro o rádio... E depois a televisão, mas televisão reuniu a
família... Como era novidade e não tinha tanta coisa como tem agora, que chama os jovens
pra barzinho, pra um lado, pra outro... Meus irmãos não eram de baile... Então reuniu mais
a família porque tinha os bons programas, no princípio da televisão. Ah, era tudo novidade.
Então a família reuniu... Mas a televisão não une a família mais, em casa... Não segura.
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Anexo F – Entrevista com Clarice Simões Grieco
Perfil: Clarice Simões Grieco nasceu em 05/03/24 na rua Peixoto Gomide, no bairro
Cerqueira César. Teve quatro filhas, aos 83 anos é dona de casa aposentada e mora no
bairro de Perdizes.
Entrevista com Clarice:
Fabiana: Como era seu ambiente familiar? Onde viviam, quantas pessoas havia na casa e
como eram seus momentos de lazer?
Clarice: A gente vivia numa casa na Avenida Rebouças. Eu, minha mãe, meu pai e meus
irmãos, a gente vivia numa casa grande, boa, que era do meu avô...
Fabiana: O que você lembra dos anos 50? Quantos anos você tinha? O que fazia?
Clarice: Bom, eu nasci em 24... Tinha vinte e poucos anos. Eu casei em 42. Quando eu
casei, eu morava no Paraíso. Aí eu fui morar na Bela Vista... Na casa do meu sogro, mas
era tudo separadinho. Ele tinha uma venda e tinha uma padaria. Nós ficamos um ano lá.
Depois, nós compramos aquela padaria... Onde fica o Hospital São Luís, hoje... Nos anos
50... A gente foi morar na rua Aimberê. Tinha a padaria embaixo e em cima o sobrado. Eu
trabalhei bastante porque tinha a padaria... Trabalhava no balcão. Eu tive a primeira filha
com dezoito anos, depois de um ano e meio, a segunda, que foi a Marilucy... Depois de
quatro anos veio a Marily e depois de mais um ano veio a Marilda.
Fabiana: O que você fazia nos momentos de lazer?
Clarice: Nada. Não tinha lazer. Não tinha tempo pra nada. Eu trabalhava domingo,
feriados. Naquele tempo eu tinha uma empregada, a Dona Alzira...
Fabiana: Na sua casa tinha rádio?
Clarice: Tinha. Eu ouvia aquela novela Renascer. Então, o rapaz... Ele chamava Carlos
Alberto. Disso eu lembro... E a mocinha chamava Maria Teresa. Aí eu coloquei o nome na
minha primeira filha: Maria Teresa. E a minha sogra, que era avó dela, que morreu com 28
anos, chamava Teresa também. Eu, pra não colocar só Teresa, coloquei Maria Teresa...
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Fabiana: E o que você lembra do período em que surgiu a televisão?
Clarice: Olha, ele fazia assim... Formava uma padaria, vendia, depois comprava outra...
Nesse período a gente saía muito, na casa dos... Da família. Sempre foi muito unida. E eu
lembro do pessoal falando. Só que nós compramos depois de cinco anos... seis anos.
Fabiana: Em 56 vocês compraram uma televisão?
Clarice: Isso. A Admiral. Ela chamava Admiral, isso eu lembro. Era grande, uma televisão
grande, branco e preto.
Fabiana: Mas antes de comprar, vocês tiveram acesso à televisão na casa de alguém?
Clarice: Sim. Na casa do irmão dele, do meu cunhado. Quando eles não vinham em casa
no sábado à noite, com os dois filhos... A gente jogava carta...
Fabiana: Quando vocês compraram o aparelho de TV, como é que ficou a disposição dos
móveis nesse ambiente?
Clarice: Era uma sala de jantar e a televisão ficou em cima do buffet. Um móvel
comprido... E a gente guardava as coisas dentro... Eu quase não via televisão, mas minhas
filhas viam bastante. Elas sentavam nas cadeiras pra ver televisão. Não tinha sofá... Acho
que ficou nisso uns três anos... Mas elas não viam o dia inteiro porque nem tinha
programação. Não tinha muita coisa pra gente ver. O que assistia era mais à noite... Tinha
TV de Comédia da Tupi... Só tinha Tupi... Tinha aquele programa da Hebe... A garota
Toddy, que ela começou como calouro. Isso eu lembro bem.
Fabiana: E depois desses três anos?
Clarice: Ah, a gente trocou a sala... Era uma sala verde, um sofá... Elas deitavam no chão
da sala e ficavam vendo o Cirquinho do Arrelia, todo domingo. Aí tinha Ginkana Kibon...
Mas eu não assistia porque a padaria ficava aberta domingo. Feriado, tudo.
Fabiana: Como foi o processo de introdução da televisão na esfera da família? Todo
mundo queria assistir junto ou as pessoas não se uniam...
Clarice: É, ficava... As meninas ficavam mais... As quatro. Mas foi difícil... A minha
família era protestante... Congregação Cristã do Brasil... Meu pai, minha mãe, eu, meu
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marido... E era pecado ver televisão. Era pecado. Pro pessoal, televisão era coisa do
demônio. Foi uma rejeição porque era uma coisa... Depois nós saímos (da igreja), mas na
época... Não tínhamos nem tempo de ir à igreja... E como todo mundo tinha (televisão), a
gente também comprou.
Fabiana: Mas como foi esse processo? Deixaram um pouco a igreja e aceitaram a
televisão?
Clarice: Olha, eu não lembro dele (o marido) assistir televisão. Ele estava sempre cansado.
Chegava e ia deitar. Ele levantava de madrugada... Eram as meninas que assistiam mais.
Mas demorou...
Fabiana: Como assim, demorou?
Clarice: Demorou pra aceitar... Antes, a minha tia, a tia Julieta... A gente não tinha TV e
elas iam pras casas dos vizinhos. Elas iam pra casa dessa tia assistir... Acho que era A hora
do sete. No canal sete, às sete horas... Passava desenho. A gente tinha rádio e eu preferia
escutar rádio.
Fabiana: Mesmo com a televisão, você preferia escutar rádio?
Clarice: Música... Ouvia bastante. Mesmo depois da TV.
Fabiana: Quando surgiu a televisão, havia algum programa que chamasse a atenção?
Clarice: Não... Porque a gente não tinha televisão. E eu não tinha tempo de sentar numa
poltrona pra ficar vendo televisão. Era uma vida corrida.
Fabiana: Qual foi a impressão, a memória mais marcante que tenha ficado desse período?
O que você mais lembra da década de 50? Ou depois, de quando entrou a televisão na sua
casa?
Clarice: Em 50... Nossa família não tinha televisão. Não tinha... Era novidade. A gente
gostava até de ir à casa da cunhada pra assistir. Era assim... A gente ia de sábado à noite na
casa da Leonor... Era uma semana na nossa casa e uma semana na casa deles. Quando era
na casa deles, a gente ia ver televisão. Quando era na nossa casa, jogava carta... Porque não
tinha televisão... E, você sabe... Quando chegou a televisão, a gente deixou de ir lá. Porque
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tinha televisão, a gente não ia visitar. De vez em quando ia almoçar lá, de domingo... Mas
de ver toda semana? A gente se reunia pra ver televisão. Depois disso... Da televisão,
tudo... Hoje eu assisto... Novela à noite, uma entrevista, programa de culinária... Não fico
grudada... O que eu gosto, mesmo, é de música.
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Anexo G – Entrevista com Tamar Simões Fragnam
Perfil: Tamar Simões Fragnam nasceu em 29/04/36 na Avenida Rebouças. Teve dois
filhos, aos 71 anos é escrevente aposentada e mora no bairro Vila Cordeiro, ao lado do
bairro do Brooklin.
Fabiana: Como era seu ambiente familiar? Onde viviam, quantas pessoas havia na casa e
como eram seus momentos de lazer?
Tamar: Era eu, o Zecão (marido), meus dois irmãos, meu pai e minha mãe. A gente
morava na Rua Godoi Colaço 213, no Brooklin. Aqui mesmo...
Fabiana: O que vocês faziam?
Tamar: Nessa época... Eu tinha um vizinho que... Somos ligados até hoje. O
relacionamento era muito bom, mas eu logo comecei a trabalhar. Saía de manhã, voltava à
noite. Aí esfriou um pouco. Não que esfriou a amizade, esfriou o contato.
Fabiana: Quantos anos você tinha na década 50? Você começou a trabalhar nessa época ou
ainda ficava em casa?
Tamar: Trabalhava... Eu comecei a trabalhar com 13 anos. Nessa época eu já trabalhava,
mas quando eu era criança a gente brincava. Tinham umas duas menininhas que moravam
em frente e a gente brincava junto de roda, de recitar... Depois, mais pra frente um
pouquinho, a gente pulava corda. Meu Deus... Pulava corda até... E era isso. Umas
amizades muito boas.
Fabiana: Você lembra quando surgiu a televisão nos anos 50?
Tamar: Eu lembro, eu lembro quando surgiu a televisão, mas não sei o que contar... Porque
eu não tinha televisão. Eu só pude comprar depois de dez anos, eu já era casada, já tinha
meus dois filhos... Pra falar a verdade, eu não sou muito ligada em televisão. Eu gosto
muito de ler, eu gosto de escutar música. Na televisão tem uma ou outra coisa que eu
assisto... E naquela época já era assim.
Fabiana: Você comprou a televisão somente dez anos depois que ela surgiu, mas nesse
meio tempo você ia à casa de algum vizinho que tinha TV para assistir a algum programa?
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Tamar: Tinha... Eu ia assistir quando estava na época das Olimpíadas, Copa... Esses
negócios, assim. Aí, já foi bastante tempo depois... Porque daí apareceu a televisão
colorida... E a gente tinha uma vizinha que tinha televisão e chamava a gente pra ir lá
assistir. A gente assistia principalmente essas coisas de esporte... Que a gente gostava
muito... Agora, na época em que eu comprei a branca e preta, porque não existia a colorida,
tinha um plástico; eles vendiam um plástico colorido... Mas não era só branco, só amarelo,
era assim, em faixas. Então, tinha uma faixa amarela, outra faixa azul, outra faixa cor-de-
rosa... E punha no quadro da televisão. Você imagina o que era aquilo... E a gente falava
assim: “Bom, vamos assistir, né”. Agora que tem televisão colorida... Mas a gente acabou
enjoando daquele negócio e acabamos tirando.
Fabiana: Era um plástico que tinha faixas de cores diferentes?
Tamar: Isso. Era listrado, uma faixa de cada cor. E punha na frente do quadro da televisão,
ali. Então tinha coisa que você via colorido, via verde... Não é que nem agora... Então no
fim acabou cansando e ninguém mais queria ver aquilo. Mas surgiu esse negócio e eles
vendiam esse plástico que a gente colocava, assim, no quadro da televisão.
Fabiana: Como era a sua primeira televisão? Você lembra a marca?
Tamar: Era uma Philips usada. Ah, não tinha condição de comprar nova. De jeito nenhum.
Então, quando surgiu essa pessoa que queria vender porque ela já havia passado pra
colorida... Não, colorida foi depois... Não sei, porque comprou alguma coisa melhor... A
gente comprou, foi o único jeito que deu para comprar.
Fabiana: E você lembra das coisas que saíam nos jornais? O que as pessoas falavam
quando surgiu a televisão?
Tamar: Foi um espanto pra todo mundo. Primeiro, ninguém achava possível um negócio
daqueles... E raras pessoas tinham porque custava bastante. Era caro. Depois que... Hoje
virou... Virou carne de vaca. Todo mundo tem. Aqui em casa, você vê, tem uma, duas, três,
quatro televisões. Nós estamos em três pessoas. Uma em cada lugar. Quer dizer... Virou
um negócio... E outra coisa, você tem possibilidades, te facilitam... Antigamente não tinha
muito disso. Era difícil, poucas pessoas podiam ter... Aquilo parecia um assombro, mas
todo mundo se acostumou.
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Fabiana: Quando você começou a assistir à televisão, do que você mais gostava? Um
programa, uma atração...
Tamar: Ah, eu gostava de assistir... Eu assisti uma novela. A primeira novela que eu assisti
foi Redenção... Com Francisco Cuoco... Eu gostava de assistir à Família Trapo. Ah, esse
eu adorava, Família Trapo... Acho que esse foi depois um pouco... Acho que mais isso...
Tinha também O céu é o limite com o J. Silvestre.
Fabiana: Você gostava do O céu é o limite?
Tamar: Gostava. Sabe, eu gosto de perguntas e respostas. Esses negócios, eu gosto.
Fabiana: Quando vocês compraram o aparelho de TV, como é que ficou a disposição dos
móveis? Precisou mudar alguma coisa para arranjar espaço?
Tamar: Não. Eu tinha duas salas. Uma sala grande de almoço e uma outra pequenininha,
que depois virou um quarto quando meu pai e minha mãe ficaram doentes... Mas era uma
outra saletinha. Então, tinha dois sofás-cama de cada lado, foi só colocar uma mesinha e
pôr a televisão lá. Não precisou arranjar espaço porque já tinha.
Fabiana: Sentiu alguma mudança no ambiente familiar no momento de introdução da
televisão nessa esfera?
Tamar: Não, na minha casa não teve. Na minha casa não teve mudança. Meu pai e minha
mãe não se interessavam muito pelo negócio. Eu comecei a trabalhar naquela época... Não
teve como reunir todo mundo pra assistir, não teve. A gente assistia, mas nunca foi aquela
coisa... “Ó, ainda bem que a gente comprou”... Não, não foi. Mas... É o que eu digo, até
hoje, a televisão... Vai muito de cada pessoa. Tem gente que consegue assistir um
programa o dia inteiro. Eu não. Se a coisa me interessa, eu assisto aquilo e já vou saindo.
Agora, tem gente que gosta, que fica o dia inteiro assistindo. Quer dizer, aquilo prende. Eu
não sou assim... Achei que foi uma evolução muito grande, você aprende muita coisa...
Mas, sabe... Eu não sou fanática por televisão.
Fabiana: O que aconteceu com os momentos de lazer? Mudou muita coisa das atividades
realizadas nos momentos de lazer antes e após a televisão?
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Tamar: Continuaram os mesmos... Aliás, quase não tinha momentos de lazer. Não dava
tempo, eu trabalhava a semana inteira. Quando chegava sábado e domingo tinha tanta coisa
pra fazer que não, não mudou. Não mudou em nada.
Fabiana: E os seus filhos? Eles assistiam à televisão?
Tamar: Ah, assistiam. Tinha uns desenhinhos que eles gostavam. Na época eles assistiam
bastante televisão. O Zé Ari devia ter uns quatro anos... Ele tinha quatro anos quando ela (a
filha) nasceu... Então ele devia ter uns oito e ela uns quatro, eles assistiam bastante. Eu
lembro porque até hoje eles falam: “Ah, lembra daquele desenho assim, assado?”. Quer
dizer, foi uma coisa que marcou. Pra eles foi muito bom.
Fabiana: Qual foi a impressão, a memória mais marcante que tenha ficado desse período?
Tamar: Ah... Tinha a luta livre. Eu assistia... O Telecat. Sabe aquelas brigas, assim, tudo
fingidas? Tinha um juiz que era meio bobo. Um colocava o dedo no olho do outro e... A
minha mãe falava assim: “Se eu tivesse um telefone”. Naquela época não tinha nem
telefone...
Fabiana: Por que sua mãe queria ligar para lá?
Tamar: Pra dar parte... Onde já se viu um negócio desses? Ninguém via nada (rs). Naquela
luta livre tinha uns que faziam isso... Um que enfiava o dedo no olho... E ela ficava muito
possessa. Ela falava: “Se eu tivesse um telefone, ia ligar pra lá e dizer pra tirar esse juiz”.
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