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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
PROPUR
A FLEXIBILIZAÇÃO DOS PADRÕES HABITACIONAIS E URBANÍSTICOS E
AS FORMAÇÕES SÓCIO-ESPACIAIS INFORMAIS
LÍVIA TERESINHA SALOMÃO PICCININI
PORTO ALEGRE, 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
PROPUR
A FLEXIBILIZAÇÃO DOS PADRÕES HABITACIONAIS E URBANÍSTICOS E
AS FORMAÇÕES SÓCIO-ESPACIAIS INFORMAIS
LÍVIA TERESINHA SALOMÃO PICCININI
Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção do título
de Doutora em Planejamento Urbano e Regional
Orientador: Professor Dr. Oberon da Silva Mello
PORTO ALEGRE, 2007
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P588e PICCININI, Lívia Teresinha Salomão
Estudo sobre a flexibilização dos padrões urbanísticos e as
formações sócio-espaciais informais/Lívia Teresinha Salomão
Piccinini; orientação do Prof. Dr. Oberon da Silva Mello. – Porto
Alegre: UFRGS, Faculdade de Arquitetura, 2007.
301p: il.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio grande do
Sul, Faculdade de Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em
DESCRITORES:
Unidades residenciais: Porto Alegre (RS): Padrão
711.58(816.51)(083.76)
Habitação popular: Porto Alegre (RS)
728.222(816.51)
Distribuição espacial
711.6
Morfologia urbana
711.41
Política social
304
Este trabalho, e tudo o que ele
representa de tempo, esperança e
vida, é dedicado ao meu filho
Humberto.
AGRADECIMENTOS
A conclusão de um trabalho acadêmico dessa ordem, além de
representar o término de um desafio que nos propusemos, diz respeito a
sentimentos, momentos e pessoas com os quais estivemos envolvidos ao
longo do percurso. E, embora toda a responsabilidade seja da autora, é um
trabalho que envolveu vários participantes, que, coletivamente, criaram as
condições, que transcendem ao trabalho individual, graças ao quê essa
pesquisa chegou ao seu final. A todos esses que, de diversas maneiras,
colaboraram criando condições para o desenvolvimento dessa pesquisa ou
para o seu aperfeiçoamento, o meu agradecimento.
Ao professor doutor Oberon da Silva Mello, meu orientador, por
ter aceitado orientar esse trabalho, e que ao longo de todo o período mostrou-
se incentivador e curioso, apoiando a elaboração das idéias e a formulação das
propostas, assim como lúcido e crítico, trazendo, ao longo da investigação,
discussões teóricas e caminhos oportunos. Agradeço pela amizade que se
estabeleceu durante a orientação da pesquisa e que traduz uma relação de
admiração e de confiança em sua capacidade e conduta ética e intelectual.
Aos professores Maria Soares de Almeida, Décio Rigatti e Juan
José Mascaro, membros da Banca do Exame de Qualificação, cujas críticas e
sugestões originaram reflexões metodológicas decisivas para o
desenvolvimento do trabalho, colocando possibilidades de abordagens
importantes e esclarecedoras.
Á professora Beatriz Feddrizzi, minha orientadora inicial no
doutorado e professora da disciplina de “Psicologia Ambiental”, que descortinou
um outro caminho de interpretação e de articulação entre as questões da
cidade e suas formas de análise e compreensão.
Ao Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a todos os colegas, e,
especialmente, ao professor Décio Rigatti, chefe do Departamento, que
permitiram, pelo período de um ano, minha dedicação exclusiva a este
trabalho, viabilizando sua conclusão nos prazos previstos.
Aos meus colegas João Rovatti e Leandro Andrade pela
disponibilidade e as discussões sobre arquitetura, o ensino e a
responsabilidade social do arquiteto. Aos colegas Célia Ferraz de Souza e
Gilberto Flores Cabral com quem ao longo desse último ano tive o prazer de
trabalhar e de dividir as ansiedades do caminho e a alegria de ver o trabalho
terminado, agradeço o incentivo e a camaradagem produtiva, que tornaram
meu trabalho mais prazeroso.
Aos professores e amigos Paul Nygaard e Glenda Pereira Cruz,
pela discussão e questionamento, especialmente das questões políticas e
ideológicas levantadas e pela sugestão de esclarecimento a respeito de
conceitos, o que contribuiu para maior clareza do trabalho.
À amiga Maria Tereza Albano, parceira em recorrentes
discussões sobre as questões do espaço, da habitação e sobre os rumos do
planejamento urbano em Porto Alegre.
Ao amigo Cláudio Ugalde, pela disponibilidade em refletir comigo
sobre as questões da pesquisa e discutir situações semelhantes da Região
Metropolitana de Porto Alegre, ajudando a esclarecer dúvidas e enriquecer
minha visão sobre a problemática da habitação. Seu auxilio e incentivo na
utilização dos mapas axiais foram, igualmente, inestimáveis.
Ao doutorando Fábio Lúcio Lopes Zampiere, interessado na
pesquisa sobre redes urbanas, que desenvolveu os mapas axiais de Hillier,
sobre os quais os assentamentos são avaliados.
À futura arquiteta Tamaris Pivatto, que organizou e editou os
textos, contribuindo para tornar a apresentação final mais fluída e a
representação gráfica mais clara. À advogada Mariluz Grando, secretária do
Propur, por sua disponibilidade em encontrar soluções com um sorriso
amistoso.
Agradeço ao Demhab, através das arquitetas Sílvia Carpenedo e
Denise Pacheco Till de Campos, que colaboraram com esse trabalho
fornecendo dados sobre as vilas de Porto Alegre e ao sociólogo Aldovan
Oliveira Moraes pelas discussões, os diversos textos e as informações
preciosas sobre as vilas estudadas. À socióloga Beatriz Morem da Costa, da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, pelo interesse
na pesquisa e a disposição em debater e esclarecer sobre o quadro da
violência em Porto Alegre, disponibilizando material de análise e dados sobre o
tema, dentre os quais os Relatórios de Indicadores Sociais. À Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, especialmente ao Gabinete de Pesquisa e
Estatística, na pessoa da estatística Maria Hortência Leonardo de Lima e do
administrador Gustavo Moller que gentilmente resgataram e disponibilizaram
informações e publicações sobre os investimentos da PMPA para consulta.
Agradeço, também, à Margareta Mohr que me auxiliou a cruzar os
muitos espaços das minhas “cidades invisíveis” e a trabalhar sobre a cidade
real.
À minha amiga Salma Cafruni, minha irmã de coração, cujo apoio
irrestrito foi definitivo para a finalização desse trabalho.
Finalmente agradeço à minha família. Aos meus cunhados César
e Rita Piccinini, Élvio e Elisa Piccinini, que estiveram durante esse período,
generosamente, me apoiando. À minha irmã, Ângela Salomão Pacheco que,
embora de longe, me incentivou com seu carinho. Ao Flávio Piccinini, meu
marido, cuja compreensão assim como os intermináveis debates sobre as
questões da habitação, das políticas sociais e do planejamento, foram
fundamentais na direção e na finalização deste trabalho. Ao meu filho Pedro,
companheiro de madrugadas de estudo, agradeço pelo apoio e o sorriso
animador e amoroso que muito me alimentaram. Ao meu filho Humberto, pelo
auxílio carinhoso com as “coisas do computador”, backups e recuperação de
arquivos perdidos, pelo companheirismo, bom humor e pela paciência nesse
período de ausência prolongada requerida pelo trabalho.
SUMÁRIO
Sumário .......................................................................................................................................... 7
Lista de figuras ............................................................................................................................. 10
Lista de tabelas ............................................................................................................................ 12
Resumo ........................................................................................................................................ 14
Abstract ........................................................................................................................................ 16
Apresentação ............................................................................................................................... 17
Introdução .................................................................................................................................... 19
CAPÍTULO 1 – O tema e os objetivos da pesquisa ..................................................................... 24
1.1 Introdução
.................................................................................................................................. 24
1.2 Contextualização do tema
....................................................................................................... 24
1.3 O contexto da pobreza urbana e a flexibilização ................................................................. 29
1.4 O problema de pesquisa e a justificativa ............................................................................... 34
1.5 Objetivos
..................................................................................................................................... 39
1.6 Metodologia ............................................................................................................................... 41
1.6.1 Os temas e a estrutura analítica .............................................................................. 42
1.6.2 Unidades de análise ................................................................................................ 47
1.6.3 As demais análises .................................................................................................. 47
1.7 Fundamentação teórica .................................................................................................. 48
1.7.1 Introdução ................................................................................................................ 48
1.7.2 Referencial teórico ................................................................................................... 49
1.8 Resumo do capítulo ........................................................................................................ 58
CAPÍTULO 2 – Políticas públicas para a população de baixa renda e os padrões
habitacionais e urbanísticos - marcos conceituais ...................................................................... 61
2.1 Introdução ..................................................................................................................................... 61
2.2 A relação habitação-saúde ........................................................................................................... 62
2.2.1 As instituições vinculadas à saúde e as conexões entre saúde e habitação .......... 65
2.3 Marcos conceituais ......................................................................................................... 73
2.3.1 Os padrões referendados à saúde .......................................................................... 73
2.3.2 As diversas visões da pobreza e a relação com a flexibilização ............................. 78
2.3.3 Qualidade de vida .................................................................................................... 79
2.3.4 Justiça social ............................................................................................................ 88
2.3.5 Informalidade ........................................................................................................... 92
2.4 Resumo do capítulo ........................................................................................................ 95
CAPÍTULO 3 – Desenvolvimento das análises ........................................................................... 97
3.1 Introdução ....................................................................................................................... 97
3.2 Desenvolvimento do Tema 1 .......................................................................................... 98
3.2.1 Introdução ................................................................................................................ 98
3.2.2 Os padrões e as políticas públicas ........................................................................ 100
3.2.3 O contexto no qual os padrões se estabelecem ................................................... 103
3.2.4 A relação entre espaço urbano e qualidade de vida ............................................. 107
3.2.4.1 As teorias, os padrões, a flexibilização e a espacialidade ........................... 107
3.2.5 O desenvolviimento da relação saúde - habitação ................................................ 113
3.2.6 Conclusões ............................................................................................................ 122
3.3 Desenvolvimento do Tema 2 ........................................................................................ 130
3.3.1 Introdução .............................................................................................................. 131
3.3.2 Os preços da regularização fundiária .................................................................... 141
3.3.3 Avaliação dos custos e da intervenção do planejamento através de um
marco analítico - teórico: as sete dimensões da análise ...................................... 151
3.3.4 Conclusões ............................................................................................................ 157
3.4 Desenvolvimento do Tema 3 ........................................................................................ 158
3.4.1 Introdução .............................................................................................................. 158
3.4.2 Apresentação dos assentamentos ....................................................................... 161
3.4.3 Leitura qualitativa espacial: as vilas com construção habitacional ....................... 163
3.4.3.1 Resultado da análise qualitativa dos assentamentos ................................. 179
3.4.4 A estrutura urbana e a sintaxe espacial: as vilas regularizadas que
mantiveram a estrutura original ............................................................................. 179
3.4.4.1 Apresentação do método de análise ........................................................... 179
3.4.4.2 Análise sintática das vilas selecionadas...................................................... 183
3.4.4.3 Avaliação dos resultados da aplicação das análises sintáticas .................. 184
3.4.4.4 Conclusões sobre a leitura dos mapas axiais: ............................................ 206
3.4.5 Conclusões do tema considerando a leitura qualitativa espacial e a análise
sintática .................................................................................................................. 206
3.5 Desenvolvimento do Tema 4 ........................................................................................ 208
3.5.1 Introdução .............................................................................................................. 208
3.5.2 A legislação em Porto Alegre ................................................................................ 215
3.5.2.1 Desde o século XIX até 1930 ....................................................................... 216
3.5.2.2 De 1930 até 1963 ......................................................................................... 222
3.5.2.3 De 1964 até 1988 ......................................................................................... 227
3.5.2.4 De 1988 até hoje .......................................................................................... 234
3.5.3 Quais padrões estão sendo flexibilizados no quadro das leis e políticas
locais? .................................................................................................................... 238
3.5.3.1 A flexibilização: vãos de iluminação e de ventilação .................................... 239
3.5.3.2 A flexibilização: áreas dos cômodos ............................................................ 244
3.5.3.3 A flexibilização promovida pelas AEIS ......................................................... 247
3.5.4 Conclusões ............................................................................................................ 249
3.6 Resumo do capítulo ...................................................................................................... 252
CAPÍTULO 4 – Conclusões finais e recomendações ................................................................ 254
Referências bibliográficas .......................................................................................................... 276
Anexo de informações sobre as vilas da pesquisa .................................................................... 298
Apêndice 1 .......................................................................................................................................
A
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: As políticas públicas e seus discursos. ....................................................................... 39
Figura 2: Autores e encadeamento teórico. ................................................................................ 58
Figura 3: Mapa da cidade de Porto Alegre ............................................................................... 171
Figura 4: Localização das vilas na cidade de Porto Alegre ...................................................... 172
Figura 5: Localização da vila Planetário ................................................................................... 173
Figura 6: Planta baixa da vila Planetário .................................................................................. 174
Figura 7: Localização da vila Lupicínio Rodrigues ................................................................... 175
Figura 8: Planta baixa da vila Lupicínio Rodrigues ................................................................... 176
Figura 9: Localização da vila Princesa Isabel ........................................................................... 177
Figura 10: Planta baixa da vila Princesa Isabel ........................................................................ 178
Figura 11: Localização da vila Cosme Galvão .......................................................................... 186
Figura 12: Planta baixa da vila Cosme Galvão ......................................................................... 187
Figura 13: Conectividade da vila Cosme Galvão antes da intervenção do DEMHAB.............. 188
Figura 14: Conectividade da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB................. 188
Figura 16: Integração Local da vila Cosme Galvão anterior à intervenção do DEMHAB ........ 189
Figura 17: Integração Local da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB ............ 189
Figura 19: Integração Global da vila Cosme Galvão anterior à intervenção do DEMHAB ...... 190
Figura 20: Integração Global da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB ........... 190
Figura 22: Localização da vila Graciliano Ramos ..................................................................... 191
Figura 23: Planta baixa da vila Graciliano Ramos .................................................................... 192
Figura 24: Conectividade da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do DEMHAB ......... 193
Figura 25: Conectividade da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB ............ 193
Figura 27: Integração Local da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do DEMHAB ..... 194
Figura 28: Integração Local da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB ........ 194
Figura 30: Integração Global da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do DEMHAB ... 195
Figura 31: Integração Global da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB ...... 195
Figura 33: Localização da vila Teresina ................................................................................... 196
Figura 34: Planta baixa da vila Teresina ................................................................................... 197
Figura 35: Conectividade da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB ....................... 198
Figura 36: Conectividade da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB .......................... 198
Figura 38: Integração Local da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB .................... 199
Figura 39: Integração Local da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB ....................... 199
Figura 41: Integração Global da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB .................. 200
Figura 42: Integração Global da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB ..................... 200
Figura 44: Localização da vila Dona Malvina ........................................................................... 201
Figura 45: Planta baixa da vila Dona Malvina........................................................................... 202
Figura 46: Conectividade da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB ............... 203
Figura 47: Conectividade da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB .................. 203
Figura 49: Integração Local da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB ........... 204
Figura 50: Integração Local da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB............... 204
Figura 52: Integração Global da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB .......... 205
Figura 53: Integração Global da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB ............. 205
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Estrutura analítica e fundamentação teórica do trabalho ............................................ 42
Tabela 2: Padrões de habitação e urbanísticos......................................................................... 105
Tabela 3: Necessidades básicas de Maderthaner em relação ao espaço urbano .................... 110
Tabela 4: Preços da terra em cidades latino-americanas ......................................................... 142
Tabela 5: Custos de urbanização em cidades brasileiras para conjuntos de
assentamentos* por unidade residencial/família ........................................................ 145
Tabela 6: Custos por família estimados a partir dos recursos previstos totais ......................... 148
Tabela 7: Informações sobre as Vilas da Pesquisa ................................................................... 162
Tabela 8: Vila Planetário ............................................................................................................ 165
Tabela 9: Vila Princesa Isabel.................................................................................................... 168
Tabela 10: Alteração nos padrões dos Códigos de Edificações de Porto Alegre ..................... 239
Tabela 11: Alteração nos padrões dos Códigos de Edificações de Porto Alegre ..................... 242
Tabela 12: Áreas mínimas admissíveis e desejáveis para cada função ................................... 246
Tabela A 1: Núcleos e vilas irregulares de Porto Alegre segundo números ............................. A 3
Tabela A 2: Núcleos e Vilas segundo número de domicílios, 1999 .......................................... A 4
Tabela A 3: IDH (1991 - 2000) ................................................................................................... A 4
Tabela A 4: Índice de Desenvolvimento Humano (2000) e necessidades habitacionais
por adensamento; infra-estrutura e índice de carência habitacional entre
as capitais brasileiras. ............................................................................................ A 5
Tabela A 5: Indicadores demográficos dos anos 1991 e 2000 .................................................. A 5
Tabela A 6: Percentagem da renda apropriada por estratos da população (1991 e
2000) ....................................................................................................................... A 6
Tabela A 7: Distribuição das áreas da vila Cosme Galvão anterior à intervenção do
DEMHAB ................................................................................................................ A 8
Tabela A 8: Distribuição das áreas da vila Cosme Galvão após a intervenção do
DEMHAB ................................................................................................................ A 8
Tabela A 9: Gabarito das ruas da vila Cosme Galvão ............................................................... A 8
Tabela A 10: Distribuição das áreas da vila Dona Malvina anterior à intervenção do
DEMHAB ............................................................................................................ A 10
Tabela A 11: Distribuição das áreas da vila Dona Malvina após a intervenção do
DEMHAB ............................................................................................................ A 10
Tabela A 12: Gabarito das vias da vila Dona Malvina ............................................................. A 10
Tabela A 13: Distribuição das áreas da vila Graciliano Ramos anterior à intervenção
do DEMHAB ....................................................................................................... A 12
Tabela A 14: Distribuição das áreas da vila Graciliano Ramos após a intervenção do
DEMHAB ............................................................................................................ A 12
Tabela A 15: Gabarito das vias da vila Graciliano Ramos ...................................................... A 12
Tabela A 16: Distribuição das áreas da vila Teresina anterior à intervenção do
DEMHAB ............................................................................................................ A 14
Tabela A 17: Distribuição das áreas da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB ........ A 14
Tabela A 18: Áreas das vilas ................................................................................................... A 16
RESUMO
A presente proposta parte do debate teórico-conceitual sobre os
campos da habitação e da saúde, onde a relação sócio-espacial é vista como
um dos determinantes da qualificação da moradia e da promoção da saúde.
Neste debate, os padrões habitacionais, apresentados sob a perspectiva da
pobreza e da flexibilização, e observados a partir das políticas públicas,
assumem a centralidade.
O objeto do estudo é uma reflexão sobre a problemática da
flexibilização dos padrões na configuração da habitação das populações de
baixa renda, questionando os limites das soluções que vêm sendo adotadas,
especialmente nas situações urbanas altamente complexas, por identificar na
realidade sócio-espacial o objeto da gestão e do planejamento urbano e o local
onde as ações devem ser socialmente eficientes e eficazes.
O objetivo geral é analisar a legislação urbana e de habitação que
orienta as políticas públicas de flexibilização de padrões, investigando suas
manifestações e possíveis efeitos, tendo como referência o caso de Porto
Alegre.
A metodologia utilizada - uma reflexão no plano histórico e
teórico-conceitual sobre os padrões, sobre as propostas do campo da saúde
para a habitação saudável, sobre os custos, o planejamento e as práticas das
políticas públicas que flexibilizam os padrões - aproxima os campos de
habitação e da saúde, através da intermediação dos padrões habitacionais e
urbanísticos, como referência para a saúde (enquanto critério médico) e para a
habitação (enquanto dispositivo legal, urbanístico ou habitacional), referidos ao
espaço.
15
E, finalmente, conclui sobre as políticas públicas de flexibilização
de padrões e sobre suas possibilidades ante o planejamento urbano, na
promoção da saúde e da qualidade de vida, como intervenções de políticas
públicas que considerem os efeitos de suas ações sobre os espaços criados.
Palavras-chave: flexibilização de padrões, relação habitação-
saúde, políticas públicas de habitação.
ABSTRACT
This thesis proposal is a theoretical and conceptual debate in the
fields of housing and health, taking the sociospatial relation as one the most
influential determinant in the housing qualification and in promoting health to its
inhabitants. From this perspective housing patterns are presented viewed
through the poverty and flexibilization point of view, and the realm where public
policies are the protagonists.
The study is aimed to be a housing patterns flexibilization reflexive
development in questioning the adopted current solutions to housing the poor in
developing countries. It is understood that in complexes urban situations the
sociospatial dimension should be the locus to efficient and effective actions to
both urban management and planning.
The general objective is to investigate the housing and urban
legislation through the public policies generated - verifying its possible effects -
refered to case-studies in Porto Alegre.
The methodology tries to put together the fields of housing and
health employing the housing and urban patterns as references to health (as a
medical criterion) and to housing (as a legal rule) in the urban space. This is
achieved by a reflection on the historical and theoretical-conceptual levels about
the “patterns” in an attempt to understand the flexibilization rationale which
guides public policies works in urban space, housing and health relations, costs,
and the urban planning itself.
And, finally, it concludes considering the flexibilization policies that
care for the results of their actions over the urban space as health and quality of
life effects for the poor people and the city as a whole.
APRESENTAÇÃO
A presente tese é desenvolvida em quatro capítulos. O Capítulo 1
- o Tema e os Objetivos da Pesquisa, identifica as interpretações e as idéias
principais que regem o trabalho, discutindo o papel dos padrões habitacionais e
urbanísticos nas estratégias adotadas pelas políticas sociais de habitação,
como depositários de critérios de saúde e importante elemento na ampliação
da ação sobre a pobreza. Nesse mesmo Capítulo, a secção 1.6 identifica os
Elementos e as Unidades de Análise e apresenta a Metodologia. Na secção
1.7, Fundamentação Teórica, são apresentadas as idéias dos principais
autores que norteiam as formulações da pesquisa, e as políticas públicas são
avaliadas quanto aos conceitos de qualidade de vida e de justiça social. Na
decorrência, desenvolvem-se as reflexões propostas sobre os efeitos da
flexibilização dos padrões e os âmbitos do planejamento urbano.
O Capítulo 2, Políticas Públicas para a População de Baixa Renda
e os Padrões Habitacionais e Urbanísticos - Marcos Conceituais, relaciona os
padrões à saúde e explicita a importância dos mesmos na busca da qualidade
de vida e da justiça social. A idéia de combate à pobreza através da ampliação
da abrangência das ações públicas sobre a habitação é discutida a partir das
inter-relações e dos conceitos de padrões, informalidade, qualidade de vida e
justiça social interpretados sob diversos olhares, na busca da inclusão social.
No Capítulo 3, desenvolvem-se os quatro temas da tese, onde as
atuais políticas sociais, baseadas em estratégias de flexibilização de padrões,
são avaliadas na visão representada pelas idéias de Sartori (Sartori, 1981)
sobre políticas públicas e ante as questões de combate à pobreza, que têm
como referência o trabalho de Fiori (Fiori et. al., 2004). Os temas são
trabalhados com o objetivo de identificar os desdobramentos da flexibilização
18
dos padrões na conformação espacial e seus efeitos sobre a qualidade de vida
e a justiça social, como repercussões, sobre os moradores das áreas informais
regularizadas e a cidade formal. As hipóteses são comprovadas a partir da
análise da legislação e de unidades empíricas, os assentamentos regularizados
de Porto Alegre.
No Capítulo 4, as avaliações particulares de cada um dos quatro
Temas desenvolvidos no Capítulo 3 são interpretadas e incorporadas,
passando a constituir a conclusão final e são apontadas as recomendações
finais.
O apêndice contém informações sobre as unidades de análise (as
vilas irregulares e/ou regularizadas da pesquisa), sobre o Programa de
Regularização Fundiária - (PRF) de Porto Alegre e breve resumo histórico das
políticas públicas de habitação no país.
INTRODUÇÃO
É reconhecido que a melhoria da qualidade de vida da população
tem sido, historicamente, produto do esforço e da intenção social positiva em
um processo de construção de representações concretas e simbólicas que
envolvem ganhos tanto materiais, físicos ou daquilo que se poderia chamar de
qualidade de vida (habitação, saúde, áreas, serviços, equipamentos, etc.)
quanto políticos e ideológicos, ou como o que se descreveria por justiça social
(democracia, participação, alteridade, etc.) (SOUZA, 2001).
Nesse processo, os padrões habitacionais e urbanísticos - cuja
localização histórica, modernamente, está nas cidades pós-Revolução
Industrial - passam a ser adotados pela diferentes sociedades e são
diretamente relacionados à tradição (social, econômica, religiosa, cultural,
ambiental) dos grupos ali presentes, a partir dos materiais, da geografia, da
tecnologia, das crenças e dos costumes, do reconhecimento do local e também
dos desejos de beleza e estética, de desenvolvimento, de conforto e de
promoção das formas sócio-espaciais de vida. Entende-se o aporte dos
padrões, na habitação, como a incorporação de especificações (técnicas,
culturais, econômicas, sociais, estéticas) construtivas, de infra-estrutura e de
serviços que vêm buscando, ao longo dos anos, promover e resguardar a
saúde e a segurança dos moradores. Na maioria das vezes, como produtos da
racionalidade técnica e da intenção do Estado em proteger os habitantes de
soluções especulativas, promovendo a segurança das populações; em outras,
como instrumentos coercitivos e a institucionalização de regras limitadoras das
localizações dos pobres na cidade.
Entendidos dessa maneira, padrões podem ser ferramentas de
análise das condições de vida de um determinado grupo social em determinado
20
período. Em uma avaliação crítica da flexibilização dos padrões ora adotada
pelas políticas públicas e dos possíveis efeitos sobre os habitantes, o presente
trabalho busca contextualizar a importância dos padrões habitacionais e
urbanísticos, tendo como referência, a gênese histórica dos mesmos,
associada, desde o início, a critérios de saúde.
Tendo essa leitura como pano de fundo para as análises,
identifica-se a origem das políticas públicas de habitação que adotam a
flexibilização dos padrões no surgimento da idéia da potencialidade da
flexibilização dos padrões como forma de incluir a pobreza urbana (Turner
(1972) e Koenisberg (1976)) - promovendo o critério de “desempenho” e a
diminuição das exigências regulatórias, em associação às interpretações e aos
objetivos das políticas macro-econômicas internacionais, que agem na
realidade dos Estados nacionais. Essas propostas, surgidas na década de 70,
tornaram-se mais eloqüentes com o peruano De Soto (1986) que passou a
defender a regularização fundiária massiva das áreas informais ocupadas pelas
populações de baixa renda. Esse procedimento, segundo o autor, estaria
transformando “capital morto” em “capital vivo”, o que permitiria enfrentar os
efeitos do sistema legal e político que, em muitos países, impede que a maioria
“ingresse no sistema” (De Soto, 1986).
A partir da visão de que os “anos dourados do capitalismo” (os
anos pós Segunda Guerra até a crise do petróleo, de 1978) se haviam
esgotado e que o Estado-de-Bem-Estar keynesiano não conseguia dar conta
da realidade, as novas ações das políticas públicas passaram a incorporar
exigências quanto aos critérios de affordability e de cost-recovery, colocando a
problemática da habitação de baixa renda a ser resolvida no âmbito do
suprimento e não mais da demanda, pelo mercado.
Esses princípios, somados às recentes conceituações sobre a
pobreza – nas quais a mesma passou a ser entendida como uma situação que
vai continuar perpetuada – constituíram uma formulação de consenso
internacional, respaldada e ratificada, a partir das declarações e dos
compromissos da Conferência da Habitação (HABITAT II), de 1996. Na
Conferência foi assumido um compromisso com a melhoria das condições de
vida das populações de baixa renda através da promoção de ações baseadas
na regularização fundiária e na urbanização das favelas, incluindo aí a infra-
21
estrutura básica e de serviços urbanos, (serviços sanitários e tratamento dos
resíduos sólidos) juntamente com o transporte sustentável, integrado e
acessível para todos, além de recomendações e propostas nas quais o Estado
resume sua intervenção e passa a promover e a facilitar as ações do mercado,
identificado como o que melhor aplica os recursos.
As diretrizes das políticas públicas na área da habitação,
apossando-se desse conjunto de interpretações – as novas concepções sobre
as formas de intervenção do Estado, a idéia da perpetuação da pobreza e as
possibilidades assumidas como resultantes da flexibilização –, passaram a
estabelecer um ideário e procedimentos diversos daqueles que vinham se
desenvolvendo ao longo dos últimos dois séculos, e que eram utilizados como
guias das ações sobre as cidades pós-Revolução Industrial, sob os paradigmas
moderno e modernista, propositores do desenvolvimento e de estatutos
jurídico-legais comuns para toda a população e toda a cidade.
Considerando as diferentes e importantes dimensões da moradia
em suas relações com a complexidade da vida urbana, busca-se construir uma
compreensão dessa realidade sócio-espacial, aliando-se o cotidiano e o
espaço residencial às dimensões que chegam ao espaço social. Analisa-se,
então, a flexibilização proposta por políticas públicas de habitação ante o
quadro do campo da saúde, onde as instituições vinculadas a essa área,
especialmente, à saúde pública, à percepção e à psicologia ambiental vêm, de
maneira crescente, privilegiando a habitação na promoção da saúde. A
identificação dos determinantes da saúde (biologia humana, o meio ambiente e
os estilos de vida) leva as ciências médicas a reivindicarem a articulação entre
políticas públicas de habitação e meio ambiente como forma de garantir a
qualidade de vida (Cohen, 2003) o que vem sendo também requisitado por
planejadores urbanos (Abramo, 2003; Smolka, 2003; Souza, 2001) e autores
das áreas do desenho urbano e da habitação (Salingaros, 2005; Mascaró,
2006) e inspirados na promoção do desenvolvimento humano e urbano
sustentáveis, cujos requisitos apresentam-se, dentre outros, como a ampliação
das escolhas, do desfrute de uma vida longa e saudável, de informação e
instrução, de participação e de poder de decisão na vida comunitária e do
acesso a recursos que permitam condições de vida digno. (ONU, Relatório de
Desenvolvimento Humano, 2001).
22
Procura-se, inicialmente, estabelecer as relações entre habitação
e saúde e entre habitação e padrões para, finalmente, estabelecer a relação
entre padrões, qualidade de vida e justiça social. A partir desse entendimento,
os possíveis efeitos da flexibilização dos padrões na conformação sócio-
espacial dos assentamentos informais, são interpretados à luz da legislação e
dos objetivos das políticas públicas em experiências de Porto Alegre (Sartori,
1981) e Fiori et al. (2005).
Na realidade das cidades dos países em desenvolvimento a
aplicação de padrões flexibilizados parece estar acontecendo em uma direção
oposta à buscada pelas idéias presentes na legislação que propõe a
flexibilização, cujo objetivo é permitir o acesso abrangente do pobre urbano à
cidade. Essa concepção é desenvolvida a partir da análise que identifica, nas
recentes políticas sociais urbanas e de habitação baseadas na diminuição dos
padrões urbanísticos e de construção, a criação de situações construtivas
concretas onde os mais pobres continuam sem opção, devido a uma
flexibilização absoluta dos padrões. A pesquisa, então, desenvolve-se tendo
como fio condutor a referência aos critérios de saúde, base e gênese para o
estabelecimento dos padrões e considerados elementos fundadores da
qualificação urbana, para a criação e a manutenção de condições propícias à
saúde e à segurança para os habitantes das cidades, ao longo dos anos.
A partir da revisão da bibliografia é identificada a evolução
histórica dos padrões, através de uma linha de análise que percorre a
incorporação de critérios médico-sanitários, assim como é observada a
institucionalização dos mesmos como exigências e dispositivos legais a serem
aplicados à moradia e à cidade. Paralelamente, com a intermediação de
autores selecionados, discute-se o papel da flexibilização dos padrões ante o
planejamento de longo prazo, os custos e os efeitos ampliados no combate à
pobreza, como possíveis efeitos sobre os moradores.
A pesquisa orienta-se por distintas perspectivas teóricas,
buscando integração analítica e formulações que levem a práticas urbanas de
“transformação social positiva” (SOUZA, 2001), a partir de avaliações de ordem
transdisciplinar e multisetorial na identificação de categorias relevantes para o
entendimento da complexidade dos processos sócio-espaciais que contemplam
as questões da habitação e da inserção das populações no meio urbano
23
(ambas determinantes da gestão da terra, da configuração e da construção do
território e da qualidade de vida das populações). Nessa perspectiva, busca-se
identificar os efeitos das políticas públicas de habitação que adotam a
flexibilização, efeitos esses que são avaliados para a população dos
assentamentos irregulares ante os objetivos de qualidade de vida e de inclusão
sócio-espacial.
CAPÍTULO 1 – O TEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA
1.1 INTRODUÇÃO
Este Capítulo identifica nas atuais visões sobre a pobreza e nas
propostas políticas para a urbanização, as bases sobre as quais são geradas
as políticas habitacionais com padrões flexibilizados, que são recomendadas
internacionalmente e adotadas pelo Estado, para abrigar os moradores pobres.
Reconhecendo os padrões de habitação e urbanísticos como
depositários de critérios médicos e sanitários que evoluem historicamente,
advoga-se, para a formulação das políticas públicas, um conceito de
transdisciplinaridade que amplie os olhares que avaliam a questão.
Entende-se que a contribuição proveniente de um conjunto de
elementos analíticos tende a ser mais abrangente e integrada e, portanto, com
mais condições de dar conta da complexidade da questão nos termos em que
a qualidade de vida e os princípios da sustentabilidade urbana vêm
requerendo, especialmente dadas às condições de pobreza, na realidade das
formações sócio-espaciais, nos países em desenvolvimento.
1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
As políticas públicas promovidas nas últimas décadas, dentro do
processo simultâneo de globalização e de aplicação das políticas de
desregulação, de ajuste fiscal e de reforma do Estado, embora alterando
profundamente as formas de legislação e de gestão urbana, não têm sido
capazes de promover habitação suficiente para a população de baixa renda.
Paralelamente, as metodologias e as teorias adotadas no contexto da
crescente urbanização têm tido dificuldade em apontar práticas efetivas no
contexto dos países em desenvolvimento, onde a pobreza continua a se
25
estabelecer sem que as ações efetuadas sejam suficientes para que a mesma
não ocorra.
Na realidade das cidades, identificadas há mais de uma década
como o local onde “[...] as forças mais dinâmicas do desenvolvimento
econômico e das economias nacionais estariam localizadas” (HARRIS, 1992,
p.12) e onde as contradições e as complexidades do urbano são descobertas e
expostas, há a constatação de que a problemática específica do pobre das
cidades sofre ainda pela presença de uma “[...] representação político-
institucional que mantém as condições que criam a exclusão”
1
(FLEURY, 1998,
p.135).
A situação de Porto Alegre, em relação à questão habitacional da
população de baixa renda, não foge à regra das demais cidades brasileiras e
latino-americanas, tendo sua paisagem constituída de espaços (territórios) que,
por suas características, são dessemelhantes daqueles da parte formal da
cidade: os assentamentos informais ou ilegais, ou seja, aqueles espaços que
constituem o que corriqueiramente é identificado como ocupações, invasões ou
favelas. Estes constituem parte do estudo empírico da presente pesquisa, que
busca identificar na espacialidade
2
permitida pelas políticas de flexibilização, a
relação com a qualidade de vida e a integração à cidade formal.
Estudo recente realizado pelo Observatório IPPUR-FEE (2003)
sobre os critérios estabelecidos pela Fundação João Pinheiro (FJP, 2001) a
respeito das condições de inadequação habitacional nas capitais brasileiras
3
1
Para Sonia Fleury, a relação entre o Estado e a sociedade na América Latina é baseada em três
características. São elas: o patrimonialismo, o autoritarismo e a exclusão. Essas características podem ser explicadas,
conforme a autora, da seguinte forma: enquanto a primeira e a segunda se caracterizam como o uso privado da coisa
pública e a relação entre Estado e sociedade, onde a democracia está ausente, a terceira, é descrita como: “ A
exclusão se refere à falta de incorporação, de parte significativa da população à comunidade social e política, negando-
se sistematicamente seus direitos de cidadania, como a igualdade ante a lei e as instituições públicas, e impedindo-se
seu acesso à riqueza produzida no país. Essa fratura sóciopolítica limita a constituição de uma dimensão nacional,
entendida como ‘pertencimento’ dos indivíduos residentes em um território, subordinados a um mesmo poder, a uma
ordem simbólica, econômica e política comum” (FLEURY, 1998, p. 183).
2
Sócio-espacial” é utilizado nesse trabalho, de acordo com a conceituação utilizada por Souza,
com o sentido de identificar as relações sociais não descoladas de seu espaço de interação físico, onde o espaço não
é apenas palco, mas é ator, é referencial simbólico, é localização, é condicionante, é substrato material, é lugar e
território (SOUZA, 2001), que é determinado e determinante da vida social. O termo “espacialidade” é utilizado com o
mesmo sentido e interpretação: de localização e de criação das formas de vida social.
26
aponta Porto Alegre como uma das capitais com menores índices de
inadequação conforme aqueles critérios. Para a cidade, em termos absolutos, a
inadequação por adensamento representa 20.454 moradias (valor total de
domicílios inadequados), significando 5 % do total de seus domicílios (um dos
mais baixos índices do País) e a inadequação em relação à infra-estrutura
corresponde a 41.888 domicílios, ou seja, 10 % do total das moradias da
cidade (índice igualmente baixo em relação ao resto do País). No entanto,
essa situação tem uma representação física onde determinadas áreas (ou
partes do território) apresentam uma maior incidência de pobreza e de
exclusão social, concentrando grupos populacionais em condições ambientais
deterioradas e espaços da vivência social marcados pela violência. Em termos
numéricos, os assentamentos irregulares, na cidade, passaram, no período
entre 1950-1999, de um total de oito em 1950, para 390 em 1996, e, em 1999
eram identificados 464 vilas e núcleos, com 77.392 unidades, representando
17,6% dos domicílios do Município e 22,2% da população (Demhab, 2000).
Quanto a indicadores de desenvolvimento e condições de vida,
verifica-se, para Porto Alegre, que entre 1991 e 2000, a renda média per capita
aumentou, passando de R$ 525,2 em 1991 para R$ 709,9 em 2000, no
entanto, no mesmo período, a pobreza absoluta - isto é, a medida pelo
percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50 por
mês, o equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000 -
cresceu de 11% em 1991 para 11,3%. No mesmo período, a intensidade da
3
O déficit para o País como um todo, na década de 90, foi estimada entre 5,5 (Fundação João
Pinheiro-FJP) e 15,4 milhões de unidades. Documento da Caixa Econômica Federal calculava o déficit, para 1991, na
ordem de 8.903.398 moradias (CEF, 1993), e um trabalho da CEPAL sobre déficit na América do Sul, Central e o
Caribe estimava o déficit brasileiro em 15.404.033 unidades (CEPAL,1993). A diferença nos valores encontrados
dificulta (para não dizer, inviabiliza) qualquer tentativa de trabalhar a questão. Em meados da década de 90, a FJP
apresentou uma estimativa de déficit de 5,5 milhões de unidades, considerando que há necessidade de intervenção
pública em outras áreas do habitat (saneamento, infra-estrutura, legalização, regularização) e a possibilidade de
urbanização e de melhorias das unidades existentes, o que levou a uma alteração do próprio conceito de déficit. É,
então, recomendada a flexibilização do conceito de déficit, considerando-o como parte de um conceito mais amplo de
necessidades habitacionais, que englobaria o déficit (a necessidade de construção de novas unidades) e o de
moradias inadequadas (que requer reformas devido às condições de adensamento excessivo e/ou infra-estrutura
inadequada). A mesma FJP identifica que houve, entre 1991 e 2000, um acréscimo no déficit habitacional da ordem de
21,7 % (ou 2,2 % ao ano), o que, em números, significou um aumento de 5.374.380 para 6.539.528 moradias. Esse
déficit foi encontrado através do “déficit habitacional ajustado”, uma compatibilização desenvolvida para permitir a
comparação entre as metodologias utilizadas em 1991 e 2000, respectivamente (FJP-PNUD, 2001).
27
pobreza aumentou de 39,24 em 1991 para 59,13 em 2000, com o índice de
Gini, (que mede a desigualdade de renda) passando de 0,57 para 0,61
4
(PMPA, MEIS, 2004).
Quando, nos anos 70, passaram a ser propostas, aos governos
nacionais, formas de intervenção para facilitar medidas que permitissem aos
pobres “prover para suas necessidades de serviços urbanos e de moradia
através da autoconstrução, de organizações comunitárias, de ONGs, do setor
privado, etc.”, iniciou-se o processo de desenvolvimento das políticas
chamadas “não convencionais”
5
direcionadas à habitação, baseadas em
interpretações que entendem ser esse o caminho para potencializar a
capacidade dos atores envolvidos (UN-Habitat Report, 2000).
A busca de soluções para a habitação das populações de baixa
renda, que é específica e diferenciada da situação do mercado formal, exige
ações abrangentes que se estendam para além da produção da casa. Para tal,
medidas endereçadas às condições do entorno, de saneamento básico e infra-
estrutura, de financiamento, de diminuição da densidade, de oferta de
equipamentos, de educação, de acesso ao transporte e ao comércio, ao
esporte e ao lazer e, fundamentalmente, a ações direcionadas à geração de
emprego e renda devem ser adotadas.
Essa interpretação admite como referência a estrutura analítica
que identifica a importância da relação saúde-habitação, na qual a habitação
desempenha um destacado papel na mediação e no gerenciamento das
desigualdades na saúde, pois está relacionada ao local onde a pessoa vive.
Como as pessoas passam mais de 50 % de suas vidas em casa, a moradia e o
seu ambiente expandido, o entorno, são as maiores influências na saúde e no
4
Na avaliação proposta no índice de Gini, quanto mais próximo de um for o valor do índice, mais
desigual é a renda de um dado local. Detalhado estudo sobre Porto Alegre é encontrado em PMPA-MEIS –Mapa de
Exclusão-Inclusão Social, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2004.
5
Souza identifica essa situação como se tratando de duas oposições fundamentais no
planejamento urbano: uma que corresponde ao período regulatório, que durou até a década de 70 com o Estado do
Bem Estar Social, e ao período oposto, pós-regulatório, o da nova fase neoliberal do capitalismo; e (2) uma outra
baseada no desenvolvimento urbano que moderniza a cidade (planejamento urbano fisco territorial e sistêmico), que
corresponde à fase regulatória e à subseqüente, que rompe com este tipo de planejamento, criando as formas de
planejamento identificadas como mercadológica, ecológico, social-reformista (ou politizada) nas suas variadas
manifestações. O autor faz a crítica de todos esses modos de planejamento, propondo a forma autonomista, apoiada
no pensamento de Castoriadis. (SOUZA, 2001).
28
bem-estar. A existência de uma extensa bibliografia e de grande volume de
estudos nesse campo permite afirmar que como objeto de pesquisa, o tema é
significativo, especialmente ao se contemplarem estudos da OMS /OPAS
(1998, 2000, 2002, 2005) e da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz (2003, 2005)
que abordam a relação saúde-habitação a partir de uma perspectiva latino-
americana, avaliando a pobreza e suas manifestações sócio-espaciais,
especialmente, nos assentamentos informais ou favelas.
No entanto, é possível questionar, com amparo no que Milton
Santos já descrevia na década de 80, sobre se estariam sendo feitas políticas
para a pobreza (SANTOS, 1980), e que vem sendo igualmente questionado por
autores latino-americanos em relação à realidade de exclusão crescente na
Região, onde políticas habitacionais baseadas exclusivamente na
regularização das áreas informais são incapazes de reverter a ordem
estabelecida, ou mesmo, de alterar as condições de moradia de maneira
significativa, e, ao contrário, reforçam a lógica da exclusão urbana, pois:
[...] consolidam os mais pobres onde o mercado permitiu que se
instalassem. A regularização não altera as condições perversas nas
quais a cidade se produz, nem elimina as práticas ilegais, e, se não é
acompanhada de propostas integrais de intervenção, as recria e as
retro-alimenta. (CLICHEVSKY, 2003, p. 64).
Essas questões são pertinentes a presente discussão, pois às
condições brasileiras de rápida urbanização e pobreza da população, se
somam grandes diferenças sociais, criadas pela extrema concentração de
renda e de terras.
Adotando a análise que busca tanto a perspectiva da privação, ou
seja, a que mede o desenvolvimento a partir da avaliação dos que se
encontram em situação de desvantagem social, como a perspectiva agregada,
que trabalha observando os avanços de todos, através das médias, e tendo
como base o entendimento de que a configuração espacial é socialmente
29
construída (UN-Habitat Report,2000), o presente trabalho coloca a necessidade
de uma reflexão sobre a problemática da flexibilização dos padrões na
configuração da habitação das populações de baixa renda. Questionam-se os
limites das soluções que vêm sendo adotadas, especialmente nas situações
urbanas altamente complexas, por identificar na espacialidade o objeto de
gestão e planejamento urbano e o local onde as ações devem ser eficientes e
eficazes.
Com certeza, o planejamento sozinho, não é responsável por
transformações radicais ou pela justiça social, no entanto, parece ser
apropriado que as políticas que geram oportunidades para a inclusão nas
cidades sejam exaustivamente pesquisadas, discutidas e experimentadas, a
partir tanto dos programas tentados internacionalmente, como das diferentes
experiências locais que recentemente vêm ocorrendo no Brasil.
1.3 O CONTEXTO DA POBREZA URBANA E A FLEXIBILIZAÇÃO
O ritmo da urbanização tem implicações importantes no tipo de
vida que todos nós iremos experenciar no futuro, assim como há disparidade
nas formas que a urbanização assume nos países desenvolvidos e nos países
em desenvolvimento, pois enquanto os primeiros se urbanizam a taxas de
1,4% ao ano, nos segundos, esse percentual é de 4,0%. Considerando que os
processos de urbanização vêm acompanhados de situações de aumento da
degradação ambiental e da pobreza, torna-se crítica a necessidade de regras e
instrumentos que dêem conta dessa realidade. É conhecido o fato de que, em
países em desenvolvimento como o Brasil, as populações urbanas alcançaram
altos índices de crescimento, devido tanto ao declínio da mortalidade infantil
quanto ao crescimento, da expectativa de vida, o que significa um aumento da
demanda por habitação, trabalho, alimento, serviços, educação, energia, água
potável, espaços para a deposição dos resíduos sólidos, transporte, enfim,
terra urbanizada, o que é atestado nas palavras de Cardoso (2001, p.2):
O solo urbano, por sua vez, deve ser compreendido como um bem de
caráter social, e, tal como a habitação, condição básica e
30
indispensável para a sobrevivência. Essa afirmação ganha maior
relevo quando se verifica que o acesso à terra implica o acesso a um
conjunto de equipamentos e serviços que lhe são próximos, física e
socialmente. Entende-se a moradia, portanto, de uma forma
ampliada, como a habitação em si e também como o solo e o
conjunto de equipamentos, serviços e amenidades, cuja
acessibilidade ela possibilita.
6
Todas essas demandas acarretam maior pressão sobre o
ambiente natural, impactos crescentes no aumento da violência e do crime, de
sem-tetos, de ameaças às condições de saúde e manifestações que exigem a
atenção dos governos locais na proteção do ambiente natural e da qualidade
de vida das populações, especialmente nas condições de pobreza.
A partir dos anos 80, avaliações político-econômicas,
desenvolvidas por organismos financiadores internacionais, passaram a
diagnosticar que o desenvolvimento exigiria a criação de um “ambiente
capacitador e de assistência técnica” que deveria ser incentivado tanto pela
ação do Estado como pela iniciativa privada e pelo terceiro setor, o que,
supostamente, facilitaria a ação dos habitantes das cidades, através de formas
de autoconstrução e do estabelecimento de padrões que as próprias pessoas
pudessem escolher.
7
Ribeiro (2003) refere-se a essas questões avaliando-as como
medidas posteriores à fase monopolista do capitalismo, em que o planejamento
público, no contexto do Estado do Bem Estar Social, provia as condições não-
6
Este trabalho utiliza o conceito de habitação nesse sentido ampliado, e utiliza também para
nomeá-lo, a designação habitat, com o mesmo sentido e a intenção de simplificar o entendimento na leitura e deixar
claro que habitação, quando referida aos pobres urbanos, necessariamente, inclui todos os serviços e a infra-estrutura,
além da casa propriamente dita.
7
Essas idéias apresentadas no workshop internacional promovido pela DPU e a Overseas
Development Administration, em Londres, novembro de 1991, buscavam responder: “o que nós estivemos fazendo
antes de 1991 e o que nós faríamos diferente agora?” e “como nós estamos nos organizando para o futuro da nova
agenda?” O primeiro ítem da agenda seria: propostas para a privatização dos serviços públicos municipais e a
insistência nas formas de utilização de trabalho intensivo, para aumentar a produtividade dos investimentos públicos e
privados na infra-estrutura; alteração no quadro regulatório; firmeza com o governo local e ações firmes sobre a
fragilidade do sistema financeiro, que é determinante no financiamento da urbanização e identificado como gerador de
grande parte da crise nas dívidas dos países em desenvolvimento (Harris, 1992, p. 2-4).
31
capitalistas de acumulação do capital e de reprodução social, produzindo infra-
estrutura, equipamentos e serviços urbanos através do fundo público, o que
teve como conseqüência o aumento da produtividade do trabalho e a
aceleração da acumulação do capital, melhorando as condições de vida do
conjunto da população. A fase atual, de globalização, requer novas fronteiras
para o capital, onde
[...] o planejamento público deixa de orientar-se pelo lado da
demanda e passa a fundar-se nas exigências da oferta. [...] A idéia de
plano para a cidade é substituída pela de projeto, e as preocupações
finalísticas são abandonadas em favor de uma concepção
instrumental na intervenção, através da qual se busca dotar a cidade
de elementos que melhor a adaptem aos requerimentos e
necessidades da flexibilidade e da competitividade (RIBEIRO, 2003,
p. 67).
A partir da década de 90, as concepções com respeito às
diferentes práticas urbanas começaram a insinuar um novo espaço para a
efetivação das políticas urbanas, inserindo os conceitos de participação popular
e de parcerias público-privado, de combate (ou diminuição) da pobreza, de
produção concertada da cidade, de direito e acesso à cidade, à moradia e à
terra urbana de maneira progressiva (como direito humano) integrados ao
conceito de desenvolvimento urbano sustentável. Essas propostas se
construíram sobre princípios que visavam uma maior independência do
governo local e práticas orientadas por uma legislação que, para responder às
novas demandas, passa a ser flexibilizada. Elas aparecem como propostas no
Movimento pela Reforma Urbana que ocorreu no País - assim como na maioria
dos países latino-americanos, com mais ou menos os mesmos formatos,
intenções e resultados - culminando com a elaboração do Capítulo de Política
Urbana da Constituição Federal de 1988, responsável pela geração de
importantes instrumentos de alteração da legislação existente, tais como o
Estatuto da Cidade, a Lei n.º 10. 257 de julho de 2001.
32
As cidades brasileiras de diferentes tamanhos vêm há muitas
décadas apresentando uma realidade que, como regra geral, mostra a
presença de assentamentos irregulares nos centros urbanos ou em suas
periferias, com índices que atingem, hoje, percentuais variando entre 20% e
40% das populações totais. Essas áreas, normalmente chamadas de áreas
“ilegais”, na verdade configuram parte importante do desenvolvimento real das
cidades (ou as cidades reais), determinando a morfologia mesmo dos menores
núcleos. Embora a problemática relacionando moradia-pobreza-cidade não
seja nova dentro do planejamento, mantém-se a discussão sobre a crise do
conhecimento na área das teorias que dão conta da problemática urbana.
Nessa problemática, a questão habitacional para as populações de renda
mínima, para as sem renda ou para as de renda promovida pela economia
informal, os habitantes das ocupações, invasões, vilas, ou seja, as formações
sócio-espaciais identificadas como “favelas” apresentam um delineamento e
propostas de solução dos mais críticos no espectro do planejamento urbano.
Da identificação desses espaços, emerge a questão: são eles
organismos estranhos à cidade legal ou deve-se pensá-los como o
desenvolvimento mais apropriado à cultura local, ao clima e às demais
condições do que os planos produzidos para essas cidades pelos governos?
Tal questão, colocada insistentemente por Hardoy e Satterhwaite (1989, 1990,
1991) surge de formulações iniciadas nos anos 70 sobre a problemática dos
espaços informais nos países em desenvolvimento, apoiada nas idéias de John
Turner. Esse autor, onde todos viam uma cidade em desagregação e miséria,
via uma forma autônoma de construir e morar: através da autoconstrução e do
gerenciamento de suas construções. Para ele, os pobres do Terceiro Mundo
estavam a caminho da independência na formação do ambiente construído. Ele
insistia
8
também no papel do Estado de garantir ao pobre o acesso, pessoal e
8
A partir das afirmações de Turner, Colin Ward no livro Freedom to Build (1972), organizou as três
leis de Turner. São elas: 1ª. Lei: Quando o morador controla as decisões mais importantes e estão livres para fazer
decisões pessoais sobre o projeto, a construção ou o gerenciamento da sua casa, tanto o processo quanto o ambiente
produzido estimulam o bem-estar individual e o bem-estar social. Quando as pessoas não têm controle ou
responsabilidade sobre as questões chave do processo da moradia, o ambiente habitacional pode se tornar uma
barreira à realização pessoal e um peso para a economia. //2ª. Lei: A coisa mais importante sobre a casa, não é o que
ela è, mas o que ela faz na vida das pessoas. //3ª. Lei: As deficiências e imperfeições na sua casa são infinitamente
mais toleráveis se são sua responsabilidade do que se fossem responsabilidade de outras pessoas (TURNER, 1991).
33
local, a recursos que possibilitassem a constituição do processo da construção,
assim como atribui a ela, a possibilidade de funcionar baseada em padrões de
“desempenho”, a partir da afirmação de que o controle do processo de
“desenhar, construir ou gerenciar” deve ser do morador e não ser restringido
pelas especificações impostas, ou seja, por padrões, regras e normas
presentes na legislação. Seus argumentos assentavam-se na idéia da
participação do habitante no processo de decisão, tanto no contexto da
moradia quanto em discussões sobre coisas da cidade, existindo, atualmente,
pouca divergência - se é que há alguma - sobre essa questão. A participação -
que incluiria os benefícios da inclusão social, cultural e política, reafirmando
uma relação do morador com a cidade - vai significar, também, a
responsabilização significativa do habitante no processo, incluindo o
estabelecimento de hierarquias, de prioridades e de critérios orçamentários e
políticos para a tomada de decisão.
Além de importante como referência inicial para o processo de
flexibilização dos padrões, a influência de Turner se estendeu sobre as
políticas públicas de habitação chamadas de “alternativas”. Seus pressupostos
auxiliaram na formulação da idéia de que, dada a premência de tempo, a
escassez de recursos e as escalas sem precedentes alcançadas em termos da
complexidade, do tamanho e do número dos problemas, a provisão de infra-
estrutura urbana está forçosamente relacionada à possibilidade de aquisição
de benefícios econômicos e sociais de baixo custo, ou seja, que consigam ser
pagos tanto pelos Estados nacionais (na sua relação com os credores
internacionais) como pelos municípios (no nível fiscal) e pelos usuários (de
acordo com seu poder de pagar). Embora o termo “alternativo” tenha
significado inicialmente a proposta de busca, desenvolvimento e aceitação de
materiais, técnicas e processos construtivos novos, mais eficientes e baratos,
na prática, traduziu-se na provisão de habitação, serviços, transporte e infra-
estrutura, ou seja, a cesta básica de necessidades urbanas para os moradores
das áreas informais (e igualmente para o setor urbano formal), obedientes aos
critérios colocados pela nova ordem econômica e reforçados nas políticas
advogadas pelos organismos multilaterais, presentes nas diferentes agendas
criadas, especificamente, para os países em desenvolvimento. Essas idéias,
suas propostas projetuais e suas metodologias tornaram-se referência na
34
formulação de políticas habitacionais para os países em desenvolvimento e
desposadas pelos organismos internacionais, tais como o Banco Mundial. No
Brasil elas passaram a ser comuns a partir dos anos 70, através das práticas
do BNH (1964-86). O trabalho de Turner marcou o início de uma nova visão
sobre políticas públicas de habitação, específicas para os pobres, promovendo
o processo de “informalização” das cidades, o qual vem sendo identificado de
maneira inequívoca nas análises de autores latino-americanos como Smolka
(2003), Clichevsky (2003) e, mais recentemente, Salas (2005).
1.4 O PROBLEMA DE PESQUISA E A JUSTIFICATIVA
Estudos recentes
9
, para os países desenvolvidos, identificam nos
padrões importantes elementos para a qualificação das políticas públicas, com
potenciais efeitos multi-setoriais sobre a vida do habitante urbano,
especialmente em relação à saúde, passando a retomá-los e a apontá-los
como promotores da qualidade de vida e da justiça social.
Os padrões são criados e empregados com o objetivo de garantir
níveis mínimos de higiene, saúde e segurança, para a qualificação do ambiente
construído em termos de habitabilidade e sua formalização passa a definir a
legislação urbanística e de habitação, sendo reconhecidos como a
representação de critérios mínimos (de saúde, sociais, econômicos, políticos,
culturais, técnicos, etc.) que, instituídos ao longo do tempo e transformados em
representações físicas através de dispositivos urbanísticos, dirigem-se a toda a
sociedade. Com o respaldo de estudos de impacto e de políticas de saúde, os
padrões têm sido tomados como referência nas áreas da saúde pública, da
percepção e da psicologia ambiental, sendo resgatados na proposição e na
construção das políticas públicas em saúde. Pesquisas provenientes das áreas
biomédicas e do comportamento (OMS-OPAS, 2005) identificam na moradia
um espaço que deve ser adequado para reduzir ao mínimo as tensões
psicológicas e sociais e recomendam que a mesma contemple serviços de
9
Atualmente, os Estudos de Impacto na Saúde ( HIA) são um conjunto de passos que constroem
de maneira qualitativa ou quantitativa um instrumento de avaliação potencial dos efeitos da saúde produzidos por
determinado projeto ou política antes de sua construção ou aplicação. Essa ação possibilita um cenário para a
interpretação dos possíveis efeitos de, por exemplo, políticas de uso do solo, de transportes ou habitacionais sobre a
saúde dos habitantes a quem as mesmas se dedicam (OMS-OPAS, 2005).
35
saneamento, educação, saúde, segurança e garantir a prevenção aos riscos
oferecidos por excesso de ruídos, desenho inconveniente, materiais de má
qualidade ou perigosos, falta de insolação, excesso de frio ou calor, umidade,
excesso de densidade, garantir a acessibilidade e a mobilidade, etc. A
existência de vínculo consistente entre más condições de habitação e más
condições de saúde e pobreza vêm sendo reiterada, além de reconhecerem,
através de estudos empíricos, que melhoras nas condições da moradia têm um
potencial para melhorar a saúde, e, em especial, a saúde mental (OMS-OPAS,
2005). Outras pesquisas afirmam ser o ambiente doméstico o lugar onde o
habitante se recupera do ciclo diário de atividades, através do convívio, do
relaxamento, do repouso e da digestão, sendo o espaço onde se criam estados
fisiológicos que aumentam a disponibilidade pessoal ao stress ambiental,
diminuindo a capacidade do sistema imunológico, o que demanda, portanto,
condições favoráveis ao descanso e à saúde (COHEN, 2004). Avaliações
comportamentais realizadas a partir das teorias de Percepção, da Psicologia
Ambiental, da Geografia Humana e da Sociologia Urbana têm apontado novas
dimensões e conexões entre o ambiente e a saúde (KAPLAN, KAPLAN,1989),
insistindo na necessidade de pesquisa transdisciplinar, que requer “[...] uma
colaboração intersetorial em todos os processos, não apenas para alcançar
metas de saúde, mas na verdade, para deter a atual situação de deterioração
da habitação” (OMS, Report – 1990).
Todas essas avaliações e seus variados argumentos redundam
na confirmação da relação habitação e saúde como extremamente significativa
para a qualificação da vida urbana e de seus moradores e validam o
questionamento sobre as formas da produção habitacional e de construção do
território produzidas pelas atuais políticas públicas promovidas pelo Estado,
especialmente em seus desdobramentos.
A moradia, especialmente quando referida a dos pobres das
cidades, é entendida de maneira abrangente como habitação stricto sensu e
também como solo, equipamentos e serviços, conformando os bairros, as
vizinhanças, o espaço (território) representado por redes de relações físicas e
sociais.
Desde muitas décadas se vem identificando como regra geral a
presença de assentamentos irregulares nos centros urbanos ou em suas
36
periferias, nas áreas normalmente chamadas de “ilegais”, “informais” ou
“favelas” e que estão, na verdade, configurando o desenvolvimento sócio-
espacial enquanto estrutura física e social que abriga os mais pobres. Esses
espaços, apesar da exclusão física e social a que estão submetidos seus
moradores, mais do que estarem na cidade são parte da cidade real. No
entanto, embora compartilhem um mesmo contexto social e econômico, há
distinções nítidas entre os espaços legais e ilegais, os espaços formais e
informais, os dos ricos e os dos pobres, o que afeta a todos e atinge, em
especial, os mais vulneráveis.
O mercado de terras, grandemente influenciado pelas condições
de pobreza, tem definido estratégias de produção de habitação, específicas
para os países em desenvolvimento, e, dentre as formas majoritárias
assumidas, podem ser identificadas três: a do mercado (formal ou informal); a
produção do Estado, e a produção dos grupos que, sem renda para participar
dos programas de financiamento estatais e do mercado formal ou informal de
terras, constroem suas casas e a cidade na ausência de instâncias jurídicas
legais, a partir da invasão (ou ocupação) de terras (públicas ou privadas) e da
construção da moradia através do mutirão comunitário ou da autoconstrução
10
.
O presente estudo dedica sua atenção a este último segmento.
Identifica-se no contexto econômico e político, internacional e
nacional, uma rede de declarações de direitos e princípios que objetivam
garantir o acesso à cidade e à sustentabilidade, os quais se instalam e
instituem como pressuposto básico das políticas sociais para a população de
baixa renda, a garantia da posse da terra, na intenção de promover as políticas
preconizadas, mesmo frente à incapacidade financeira dos Estados nacionais.
Esse processo denuncia que a informalidade passa a ser aceita como parte da
cidade real e que sua melhoria (ou cura) deve ser pesada e/ou resolvida
10
Essas formas de apropriação do solo são explicadas, por Abramo, a partir de três lógicas da
ação social. Segundo esse autor, há a lógica do Estado
, quando este define a forma, a localização e o público alvo que
terá acesso à terra urbana; a lógica do mercado
, onde a oferta e a demanda de terra se encontram, seja no mercado
formal – que obedece às normas jurídicas e urbanísticas formais -, seja informal; e a lógica da necessidade
, segundo a
qual a pobreza, que impede o atendimento das necessidades básicas a partir de recursos monetários, empurra os
moradores para ações coletivas de invasão ou para a ocupação das terras urbanas, públicas ou privadas (ABRAMO,
2003).
37
através de programas de flexibilização jurídica e/ou habitacional e de pequenas
intervenções, pontuais, urbanísticas e ambientais.
Verifica-se que, se por um lado, isso é o que atualmente tem sido
oferecido pelas políticas sociais dedicadas à habitação, por outro, identifica-se,
na literatura recente, um crescente e significativo volume de dúvidas acerca
destas propostas como sendo as melhores soluções para a habitação do pobre
urbano. Diversos estudos sobre experiências brasileiras e latino-americanas
baseadas na flexibilização de códigos e regras urbanísticas legais – e em
especial as políticas de regularização fundiária – têm propiciado discussões
inovadoras e apresentado resultados surpreendentes, ao questionarem as
presentes formas adotadas para abrigar os moradores (mais pobres) das
cidades.
Dentre essas abordagens, sublinham-se: os trabalhos que
abordam os possíveis efeitos perversos da regularização fundiária (SMOLKA,
2003) ou a importância dos debates jurídicos sobre a informalidade
(FERNANDES, 2003) ou ainda as experiências do Rio-Favela no Rio de
Janeiro, que não diminuem a pobreza nem a violência nos morros (ABRAMO,
2003; FIORI, 2005); o trabalho que identifica o aumento da informalidade no
Peru, após 40 anos de aplicação de políticas de regularização (SMOLKA apud
CALDERÒN, 1999); o estudo que conclui sobre a América Latina, em geral,
mostram que não há relação clara entre regularização e erradicação da
pobreza, mas, ao contrário, a densificação desses espaços e uma perspectiva
especulativa (CLICHEVSKI, 2003); o estudo de Salas, também para a América
Latina, que aponta a expansão incontrolável das favelas e os custos impostos à
cidade como um todo com a construção de redes de água, esgotos que duplica
os preços em relação a instalações em situações normais (SALAS, 2005); as
avaliações sobre os programas municipais aplicados a Porto Alegre,
específicos de regularização fundiária, e que alcançaram resultados débeis em
termos de cobertura (ALFONSIN, 2002; IBAM, 2004; BAIERLE, 2005); e,
ainda, pesquisas que identificam indícios de que tais programas tendem a
potencializar os problemas da cidade, inviabilizando as propostas básicas de
resgate da função social da propriedade e da cidade, reforçando os problemas
causados pela pobreza -, e muitas vezes tidos como intangíveis -, tais como a
estigmatização, o agravamento da segregação e o convívio com a violência
38
dos traficantes e com a “[...] economia do narcotráfico” (ABRAMO, 2003;
CLICHEVSKY, 2003).
Insiste-se, portanto, na intenção de entender, explicitar e explicar
o nexo que leva as ações do poder público a se efetuarem através da
flexibilização dos padrões, construindo uma cidade com uma visão de curto
prazo e desarticulada de um projeto mais amplo e de um entendimento coletivo
do processo de transformação social, subestimando as contradições sociais e
os conflitos espaciais que podem estar reproduzindo. A identificação de que as
atuais diretrizes que propõem a flexibilização podem estar incorrendo em uma
direção oposta à buscada pelas políticas progressistas, sendo criadoras de
mais pobreza, com mais invasões, aumento das taxas de densidade, novas
favelas nas periferias e descontrole social e jurídico, acrescidos da doença, da
violência e da não-constituição de alguma forma de pacto social pela
solidariedade, tende a invalidar a proposta que está sendo hegemônica no
País.
A partir desse reconhecimento identifica-se, como problema da
pesquisa, a necessidade de se re-situar a integridade dos padrões
habitacionais e urbanísticos. Interpreta-se que a reflexão sobre os efeitos da
flexibilização dos padrões urbanísticos e de habitação presentes nas políticas
públicas de habitação e aplicáveis a assentamentos informais, ao incidir sobre
as formas de gestão e uso do solo, se reveste de importância no contexto
brasileiro, pois contempla parcela significativa da população, o que justifica
este trabalho.
Na escolha do tema A Flexibilização dos Padrões Habitacionais e
Urbanísticos e as Formações Sócio-espaciais Informais tal justificativa é
reafirmada pois não há, na literatura especializada, análise e avaliação nos
termos propostos por este estudo. Esta pesquisa, então, pode iniciar um
processo transdisciplinar, conectando políticas públicas de habitação e políticas
de saúde, tendo como elemento de ligação os padrões, elementos identificados
como determinantes na constituição da qualidade de vida e de ambientes
sociais e físicos mais saudáveis.
Entende-se que essa opção pode ser identificada como desviante
do main stream, pois como diz Smolka, “[...] a crítica aos métodos tradicionais
de planejamento normativo muitas vezes leva à defesa da desregulamentação
39
e da ausência do Estado” (SMOLKA, 2006,p. 17) o que leva a identificar nos
padrões apenas empecilhos ao acesso à moradia, tendendo, de maneira
generalizada, à defesa da flexibilização dos mesmos.
Para o desenvolvimento pretendido nesta tese, a análise dessas
questões será desmembrada em momentos paralelos e complementares,
interpretando-se que a base sobre a qual as políticas públicas recentes para a
habitação são promovidas assenta-se, em relação aos discursos político,
econômico e físico, nos âmbitos e argumentos apresentados,
esquematicamente, a seguir:
Proposta econômica Discurso político Representação física
Mercado
Neoliberalismo
Globalização
Inclusão social
Democracia
Local
Flexibilização
Gravame da diferença
Duas cidades: a dos ricos e a
dos pobres
Figura 1: As políticas públicas e seus discursos.
1.5 OBJETIVOS
A presente pesquisa visa examinar a legislação orientadora das
atuais políticas de flexibilização dos padrões urbanísticos e de habitação,
aplicadas a Porto Alegre, que são avaliadas em relação a estudos que
reforçam o papel da habitação na promoção da qualidade de vida. Os estudos
empíricos oferecem a leitura em relação às condições de inclusão/exclusão.
A flexibilização é tomada em um conceito amplo, visto que se
depreende que, “antes” das políticas públicas, há a utilização, por parte da
população, de características construtivas ou de ocupação (já padrões
flexibilizados) como atos que prescindem de consultas a possíveis definições
estabelecidas ou estatuídas. Assim, identifica-se que essas políticas vêm, a
posteriori, mediar o status irregular com o regulado, e ao optarem pela
regularização, concedem que a flexibilização, ex ante, passe a um novo status
que é o da adoção, em grande parte, de seus condicionantes e características,
e, ao final, realiza-se uma das muitas faces da flexibilização. Cabe, então,
indagar e compreender as razões da cidade informal, tendo na referência à
40
flexibilização dos padrões uma questão significativa, pois ela (a cidade) se
compõe, - e, ou em parte, se descreve e se explica -, por significativa parcela
informal.
Essa intenção encontra respaldo na avaliação feita por Magela
Costa (2004) sobre a necessidade de que sejam desenvolvidos, além de
estudos empíricos sobre a realidade dos espaços sociais brasileiros de baixa
renda, estudos teóricos, que permitam interpretar os processos para
realimentar a passagem da teoria para a proposição de práticas de mudança
social (Magela Costa, 2004). O autor, embora reconheça avanços recentes no
conhecimento da urbanização, indica a necessidade de mais estudos sobre a
questão. Com o mesmo objetivo, Maricato (1995) coloca a importância do
compromisso com o empírico como maneira de romper com o
“desenvolvimento da desigualdade”, pois, ainda segundo a autora, é do
conhecimento da realidade que emergirão novos padrões de urbanização e
uma nova ordem legal extensiva a toda a cidade e a todos os cidadãos
(MARICATO, 1995).
A pesquisa, então, propõe como objetivo geral: analisar a
legislação urbana e de habitação que orienta as políticas públicas de
flexibilização de padrões, investigando suas manifestações, tendo como
referência o caso de Porto Alegre.
Como objetivos específicos, examinam-se os efeitos da
flexibilização segundo quatro aspectos determinantes da própria definição do
objeto que levam em conta suas manifestações físicas, econômicas e políticas:
- a gênese dos padrões, e suas contribuições, observadas sob o
ponto de vista histórico e a visão dos autores em relação ao
papel dos mesmos na qualificação das condições de vida
urbana, ante as propostas das políticas públicas;
- os objetivos de longo prazo do planejamento e os possíveis
efeitos obtidos quando, na construção da política pública, os
custos são privilegiados, através da diminuição dos padrões e
de soluções pontuais;
- as grandezas físicas, isto é, dimensões e limites, definidas
através de padrões (ou da flexibilização dos mesmos) em suas
manifestações nos assentamentos onde incide, avaliadas
41
segundo os espaços criados através da aplicação da
legislação, e
- as experiências empíricas, onde a qualificação do espaço é
verificada ante à exclusão-inclusão.
Espera-se que o produto dessa interpretação auxilie no
encaminhamento e na formulação de diretrizes, para as políticas públicas
urbanas, assentadas na relação saúde-habitação e capazes de orientar ações
constitutivas de espaços urbanos de qualidade.
1.6 METODOLOGIA
A metodologia do trabalho privilegia uma abordagem teórico-
conceitual que concilia diferentes paradigmas teóricos (conforme seção 1.7
Fundamentação Teórica) criando, a partir da concepção de vários autores e da
análise da lei, uma estrutura analítica que é aplicada às situações concretas,
onde a legislação, as políticas públicas e as formações sócio-espaciais
informais são interpretadas com vistas aos objetivos do trabalho. Busca-se
identificar os efeitos das políticas de flexibilização de padrões nos
assentamentos informais, efeitos esses que se estendem à qualidade de vida
dos moradores dos assentamentos informais, com repercussões na cidade
formal.
Essa identificação é realizada através de argumentações teóricas
e de comprovações empíricas, desenvolvidas de maneira independente, como
questões e hipóteses, no Capítulo 3, Desenvolvimento das Análises, cujas
conclusões são recompostas, de maneira a unificar as análises finais da
pesquisa, no Capítulo 4, Conclusões e Recomendações.
O desenvolvimento das questões teóricas está assentado em (a)
uma análise histórico-teórica sobre os padrões habitacionais em seu processo
de constituição e no recente processo de flexibilização e, (b) em interpretações
sobre os objetivos do planejamento, na relação planejamento-custos presente
nas políticas de flexibilização. Para a comprovação das hipóteses trabalham-se
exemplos da legislação urbana e habitacional assim como são avaliadas
unidades de análise empírica (assentamentos informais, antes e após a
42
intervenção da política de flexibilização), e ambos, legislação e unidades de
análise, são analisados com o objetivo de identificar os efeitos presentes, e os
possíveis efeitos, sobre as populações desses assentamentos assim como as
possíveis repercussões sobre a cidade formal.
1.6.1 OS TEMAS E A ESTRUTURA ANALÍTICA
A estrutura analítica do trabalho se desenrola conforme o
esquema apresentado na Tabela 1 abaixo, onde cada um dos temas, com base
na Fundamentação Teórica, sustenta o estudo das situações empíricas.
Tabela 1: Estrutura analítica e fundamentação teórica do trabalho
TEMA
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
UNIDADE DE ANÁLISE
1) A constituição de padrões
habitacionais e urbanísticos
é resultado de um processo
cumulativo e histórico no
qual os critérios de saúde
foram determinantes.Estará
a flexibilização de padrões
criando o “perigo oposto” de
Sartori?
Conceitos de padrões, saúde
e a relação saúde-habitação.
Salingaros e Souza sobre a
espacialidade. Sartori para a
discussão de políticas
públicas.
Legislação urbana e de
habitação no Brasil.
Propostas do campo da
saúde para tratar a relação
saúde-habitação e qualidade
de vida.
2) A flexibilização de
padrões vem sendo
justificada por visões de
curto prazo, assentadas
sobre custos, que negam o
desenvolvimento e o
planejamento e não atuam
de forma eficiente sobre a
pobreza que quer combater.
Conceitos de padrões. Os
custos da regularização
fundiária. Os objetivos do
planejamento. Mascaro,
Smolka, Abiko e Fiori para a
discussão de custos da
regularização fundiária e das
políticas de combate à
pobreza.
Dados sobre os custos da
regularização de favelas no
Brasil e América Latina.
O papel do planejamento de
longo prazo. Os elementos
das políticas de combate à
pobreza e seus
pressupostos.
3) A flexibilização dos
padrões, ao diminuir os
padrões habitacionais e
urbanísticos, grava a
diferença no espaço urbano
sobre o qual atua.
Conceitos de padrões.
Regularização fundiária.
Inclusão /exclusão.
Clichevsky para a discussão
de políticas públicas.
Mapas axiais (Hillier/Rigatti)
Dados empíricos e
secundários sobre as vilas
de Porto Alegre.
Mapas axiais, mapas,
imagens de satélite e fotos.
43
TEMA
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
UNIDADE DE ANÁLISE
4) As políticas públicas e a
regularização fundiária:
estará o informal sendo
assimilado como formal
através das políticas
públicas?
Conceitos de padrões, de
saúde e a relação saúde-
habitação. Turner e De Soto
para a origem das políticas
de flexibilização; Mascaro,
na avaliação técnico-política;
Sartori aporta a avaliação do
perigo oposto e Clichevsky
no debate teórico.
Legislação específica:
Código de Obras, AEIS e
Plano Diretor.
Dados empíricos e
secundários sobre as vilas
de Porto Alegre.
A escolha desses temas levou à constituição de um caminho de
análise onde os temas 1 e 2 foram desenvolvidos como questões teóricas a
serem respondidas a partir da argumentação baseada no exame da legislação
e nos pressupostos admitidos pelas políticas públicas de acordo com as idéias
e os argumentos explicativos de autores selecionados; os temas 3 e 4 foram
desenvolvidos como hipóteses a serem comprovadas a partir da análise da
legislação (1 º. PDDUA, Código de Edificações e a legislação para as AEIS) e
de situações empíricas concretas, os assentamentos irregulares antes e após a
intervenção pública ensejada pela flexibilização de padrões. Questões e
hipóteses são objetos interconectados cuja proposta metodológica pretende
criar o espaço necessário para as argumentações de acordo com as
abordagens escolhidas para o desenvolvimento final do trabalho.
Os procedimentos adotados, para o desenvolvimento de cada um
dos temas estabelecidos é a seguir apresentado em um roteiro sintético:
TEMA 1 - Esse tema é então desenvolvido na tese como a
seguinte questão: A constituição de padrões habitacionais e
urbanísticos é resultado de um processo cumulativo e histórico
no qual os critérios de saúde foram determinantes. Estará a
flexibilização dos padrões criando o que é identificado por
Sartori como “o perigo oposto”?
Para responder a questão, utiliza-se estudo histórico
dos padrões, através das políticas públicas, com a análise da
legislação habitacional e urbanística, em relação aos espaços
sócio-espaciais criados. Identifica-se o estabelecimento dos
44
padrões, a partir do século XIX até os dias atuais, examinados
através de elementos da legislação, no país. As propostas do
campo da saúde (OMS, OPAS, FIOCRUZ) são chamadas a
tratar a relação saúde-habitação, baseadas nas recentes
incorporações de critérios médicos às soluções habitacionais.
Utiliza-se o trabalho de Mascaró (2006), Salingaros (2006) e
Souza (2001) que, partindo de diferentes abordagens,
possibilitam os elementos teóricos que respaldam a formulação
pretendida para a relação entre espacialidade e qualidade de
vida, permeadas pela relação flexibilização-saúde. Sartori é
chamado com o objetivo de orientar a avaliação crítica das
políticas públicas efetivadas, respondendo à questão: Estará tal
procedimento criando “o perigo oposto”? Esse tema é explicado
através da relação: padrões - espacialidade - políticas públicas.
TEMA 2 - O presente tema é desenvolvido buscando
interpretar o planejamento (alternativo) urbano, através da
crítica à priorização dos custos na regularização e urbanização
dos assentamentos irregulares, e é respondido como a
seguinte questão: As justificativas para a flexibilização são
propostas com visão de curto prazo que supervalorizam
critérios relativos aos custos negando o planejamento e um
horizonte de desenvolvimento sócio-espacial mais justo e de
qualidade.
Considerando a relação das escolhas econômicas
ante os pressupostos do planejamento urbano, interpreta-se
que essa opção das atuais políticas públicas de habitação
tende a diminuir a amplitude e as repercussões das mesmas
em outros âmbitos, como instrumento de combate à pobreza.
Como resposta a essa questão teórica, Smolka (2003; 2006),
Abiko (2003), Mascaró (2006) e Fialho (2006) são trazidas para
a discussão das questões referentes aos custos das políticas
propostas. O trabalho de Fiori possibilita a leitura dos custos
em relação ao planejamento, através dos “sete elementos
45
analíticos” para a construção de políticas públicas de habitação
que trabalhem para diminuir a pobreza (FIORI et al., 2004).
Essa proposição é explicada através da relação: custos-
espacialidade- planejamento.
TEMA 3 - Esse tema é desenvolvido como a seguinte hipótese
de trabalho: As políticas públicas que promovem a flexibilização
através da regularização fundiária não atendem plenamente
aos objetivos de inclusão das populações baixa renda à cidade
formal.
No desenvolvimento da comprovação da hipótese,
as vilas são avaliadas utilizando imagens de satélites, mapas
geo-referenciados, mapas axiais, cartografia e visitas ao local
para a avaliação das áreas e das dimensões das vias de
circulação e acesso, em referência às condições de segurança
(segurança contra incêndio, recolhimento de lixo, ambulâncias,
etc.), identificação de espaços abertos de lazer, áreas verdes e
espaços comunitários. para os assentamentos urbanizados que
mantiveram a estrutura original é realizada avaliação “antes” e
“depois” da intervenção da política pública. nessas situações,
utilizam-se mapas axiais (Hillier, 1984 apud Rigatti, 2000) que
buscam interpretar as situações de exclusão/inclusão, a partir
do que poderão ser avaliadas as relações de integração ao
tecido urbano do entorno. para as áreas novas ou as que foram
muito alteradas (através de procedimentos de derrubada das
moradias pré-existentes e da criação de novas construções) a
espacialidade é avaliada através da relação entre espaços
abertos e fechados, acessos, densidades, dimensões e
localização das vias, espaços de lazer. para os dois tipos de
regularização identifica-se a existência/inexistência de código
de endereçamento postal. A análise empírica envolve
assentamentos irregulares de porto alegre e é desenvolvida
sobre os assentamentos: Planetário, Princesa Isabel, Lupicínio
Rodrigues, Batista Flores, Cosme Galvão, Teresina e Dona
46
Malvina. Clichevsky (2003) auxilia na constituição da
abordagem referente aos efeitos das atuais práticas enquanto
produtoras de uma cidade particular para os pobres, e no
aprofundamento da reflexão sobre a problemática habitacional
e sobre o alcance das alternativas tentadas. esta proposição é
explicada através da relação: flexibilização-espacialidade-
inclusão.
TEMA 4 - Os procedimentos para o desenvolvimento desse
tema permitem discutir a flexibilização em relação à
qualificação espacial e contemplam situações concretas da
legislação em Porto Alegre (Códigos de Obras (62, 72, 92),
AEIS, PDDUA). O tema é desenvolvido como a seguinte
hipótese: As políticas públicas e a exclusão / inclusão social:
estará o informal sendo assimilado como formal através das
políticas públicas?
A comprovação da hipótese é realizada através da
identificação e da avaliação de que ocorre a assimilação do
informal como aceito e aquilo que passa a ser entendido como
“formal” ou “regularizado” (agora flexibilizado). Mascaró (2006)
aporta avaliações e referências técnicas na constituição dos
espaços urbanos e da habitação de avaliação de padrões.
Sartori contribui com a questão “até que ponto é possível
fazer?” Referências de padrões para áreas habitacionais são
trazidas, através da bibliografia consultada, como exemplo e
para a demonstração de situações onde critérios médicos,
pertinentes à produção da casa e da cidade saudáveis, são
incorporados às soluções de habitação. Essa proposição é
explicada através da relação: flexibilização-espacialidade-
legislação.
Cada um dos temas propostos terá uma conclusão independente.
As conclusões assim elaboradas possibilitarão concluir em que medida as
políticas públicas que empregam a flexibilização se aproximam, ou não, dos
47
recentes conhecimentos promovidos e propostos pelos organismos
internacionais de saúde, que relacionam esta às condições de moradia, e o
quanto se guiam pelas análises que propõem soluções e alcançam efeitos no
nível da espacialidade, dos custos, do planejamento e da inclusão/exclusão
social, colocando efeitos e repercussões para os moradores.
1.6.2 UNIDADES DE ANÁLISE
As unidades de análise da pesquisa - as vilas urbanizadas –
foram escolhidas com base na possibilidade de colher informações o mais
completas e abrangentes possíveis, mais do que uma escolha determinada.
Dadas as informações existentes e disponibilizadas pelo DEMHAB, a pesquisa
é feita sobre as vilas: Planetário, Lupicínio Rodrigues, Condomínio Princesa
Isabel, Graciliano Ramos, Cosme Galvão, Dona Malvina e Terezina. A opção
pela Vila Planetário, sim, foi uma escolha inevitável, pois a mesma, dentre os
projetos de urbanização com regularização fundiária, foi a primeira área onde o
processo de regularização aconteceu, em Porto Alegre, e sobre a qual existem
estudos disponíveis, possibilitando a avaliação dos efeitos da regularização. As
demais vilas foram escolhidas com o objetivo de estabelecer dois tipos de
verificação: (1) as vilas com regularização, mas sem construção habitacional,
ou seja, as que mantiveram a estrutura original (caso das vilas Graciliano
Ramos, Cosme Galvão, Dona Malvina e Terezina) sobre as quais realizou-se
análises qualitativas, visuais e dos espaços abertos; e (2) as vilas
completamente alteradas, envolvendo a construção de moradias (as vilas
Planetário, Lupicínio Rodrigues, Condomínio Princesa Isabel), analisadas
através da utilização dos mapas axiais e da análise sintática. Em ambos os
casos se buscou verificar os efeitos da regularização sobre a exclusão/inclusão
social.
1.6.3 As demais análises
Além da análise das vilas regularizadas, a pesquisa realizou:
48
- a análise da legislação, observada de um ponto de vista da
constituição histórica dos padrões e da flexibilização dos
mesmos;
- a análise da legislação e de seus pressupostos, avaliando
especificamente os Códigos de Edificação de Porto Alegre para
os anos 1962, 1972 e 1992; o PDDUA e as AEIS. Escolheram-
se os padrões “vãos de iluminação”, “áreas dos cômodos” e a
legislação sobre as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS)
para o exame da flexibilização e dos possíveis efeitos sobre a
saúde e a qualidade de vida urbana;
- a análise dos custos baseou-se nos trabalhos de Abiko e
Smolka, para o Brasil, e na pesquisa de Fialho, para Porto
Alegre, associados às interpretações de Clichevsky, Mascaro,
Souza, Salingaros e Fiori et. al., na análise comparativa dos
efeitos e dimensões (amplitude) das políticas públicas no
combate à pobreza e na qualificação da vida urbana; e
- As análises da relação saúde-habitação e a relação e da
qualificação da moradia relacionada aos padrões.
1.7 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.7.1 INTRODUÇÃO
O presente estudo, ao entender como determinantes para a
gestão da cidade as formulações do planejamento urbano, buscou a
convergência de diferentes vertentes e perspectivas de análise, na tentativa de
compor um quadro explicativo, capaz de respaldar as questões e as hipóteses
da pesquisa.
Primeiramente, apoiou-se em Magela Costa-Fainstein (2004),
Souza (2001), Salingaros (2006) e Mascaró (2006) para orientar a abordagem
teórica referente às formações sócio-espaciais. Os passos específicos que
orientaram a avaliação das políticas públicas em relação à flexibilização foram
baseados no trabalho de Sartori (1981) que identifica no planejamento uma
linguagem que deve possibilitar a operação prática conduzida inteligentemente
49
para alcançar os objetivos a que se propõe. Na busca de um quadro
esclarecedor dos processos de exclusão-inclusão, possibilitados pelas políticas
de flexibilização, o modelo de análise de Bill Hillier-Rigatti foi utilizado na
abordagem empírica. As políticas sociais de habitação específicas para
combater a pobreza são explicadas através do trabalho de Fiori et al. (2004),
dentro de um quadro analítico que encaminha os sete elementos de análise,
propostos pelo autor, como referências no nível do planejamento urbano.
1.7.2 REFERENCIAL TEÓRICO
Dada a atual constituição das políticas macroeconômicas,
nacionais e internacionais presentes nos processos de globalização e de
internacionalização da economia, as soluções encontradas pelo planejamento
para a questão da moradia do pobre urbano têm sido pensadas a partir das
limitações dos custos, contando com a participação dos moradores para sua
consecução e dependentes das políticas públicas sociais. Nas condições
econômicas vigentes nos países em desenvolvimento essas soluções têm sido
propostas tendo como horizonte a flexibilização dos padrões de habitação e
urbanísticos, que, embora não seja declarada, está na base das políticas
públicas. Considerando os efeitos da flexibilização dos padrões sobre a
qualidade de vida e a justiça social - e baseando-se nos recentes estudos e
pesquisas em saúde - busca-se um entendimento dos “efeitos cumulativos e
secundários, que não são previstos nem desejados” (SARTORI, 1981) das
políticas públicas em suas formas manifestas de tratar a questão.
A construção de uma nova visão sobre a problemática urbana que
busca a superação das condições sócio-espaciais atuais, tendo como objetivo
a melhoria das condições de vida das populações de baixa renda através da
ampliação do direito de acesso à cidade e da promoção da sustentabilidade
urbana, vem sendo reivindicada internacionalmente. No país, essa busca se
apresenta com legislação específica, a Lei Federal 10.257, o Estatuto da
Cidade e com declaração no Capítulo de Política Urbana na Constituição
Brasileira. Reflexões preocupadas com soluções que atendam aos moradores
das cidades vêm-se desenvolvendo com múltiplas abordagens teóricas, com
várias interpretações e intenções políticas e, igualmente, com diversas
50
ideologias, interesses e metodologias, obtendo como conseqüência, resultados
diferentes, especialmente quando levadas à prática, isto é, à realização
concreta dos espaços de moradia
As perguntas sobre o que é o espaço, como o entender e agir
sobre o mesmo, numa perspectiva de transformação social positiva continuam
sendo tema das discussões teóricas e das indagações dos planejadores
críticos, especialmente nas situações onde a habitação informal tem presença
determinante na composição sócio-espacial.
Dentre os autores preocupados com o planejamento que
possibilite a transformação social positiva, Magela Costa (2004) introduz uma
síntese das diferentes formulações teóricas correntes sobre o espaço urbano,
questionando a existência de uma crise, ou impasse, no planejamento. Assim,
baseado em Fainstein
11
, propõe a “unificação de três abordagens” identificadas
como dominantes nas teorias de planejamento hoje. As três posições seriam: a
análise marxista e a estruturalista; as interpretações pós-estruturalistas ou pós-
modernistas e as avaliações provenientes do “populismo urbano” ou do
enfoque analítico que prioriza a democracia e os direitos individuais.
Entende-se, como Magela Costa, que a unificação das três
abordagens é o grande desafio de qualquer agenda que proponha a
transformação social e oriente-se na direção de uma construção
multiparadigmática para a análise dos processos sócio-espaciais e das várias
práticas políticas, como, por exemplo, as recentemente observadas no Brasil e
no nível local, em Porto Alegre. O argumento de Magela é importante para o
presente trabalho, na medida em que identifica a necessidade de se fundirem
11
Para Fainstein, o problema das análises do planejamento está baseado em correntes distintas
que não se unem de maneira complementar, sendo que todas elas são insuficientes para dar conta do urbano. De
acordo com a autora, essas tendências de análise teórica seriam: fundamentadas nas análises baseadas na
abordagem totalizante e economicista marxista e estruturalista, na qual se tem baseado a análise dos processos
espaciais protagonizados pela economia política, e que embora privilegie a base econômica, aliada a uma positiva e
abrangente análise, apresenta limitação na sua “insuficiência em incorporar as subjetividades que orientam o
comportamento humano”; as interpretações pós-estruturalistas ou pós-modernistas (em relação a este enfoque, a
crítica sobre as explicações reducionistas, que, embora incluam estudos de comunidade, cotidiano, identidade sócio-
espacial, gênero, raça e cultura em geral, etc. abandonaram “tanto a análise econômica quanto dos interesses de
classe” o que abre espaço para um número sem fim de agentes e grupos de interesse) e, as qualidades provenientes
do que é caracterizado por populismo urbano, o enfoque analítico que prioriza democracia e direitos individuais e que,
ao priorizar as preferências da população, existe, na verdade, mais na prática do que na teoria.
51
diferentes aportes na constituição de um aparato explicativo complexo que
auxilie na leitura das coisas da cidade. À essa leitura, uma visão que busca
orientar as ações do planejamento e as políticas públicas são apresentadas
com base nas análises de Marcelo de Souza (Souza, 2001). O autor identifica
a qualidade de vida e a justiça social como o parâmetro essencial do
desenvolvimento sócio-espacial e, portanto, como o conceito-guia para
orientar, do ponto de vista operacional, as ações do planejamento e seus
desdobramentos como políticas urbanas, na busca da melhoria das condições
de vida. Para o autor, a qualidade de vida está relacionada à esfera privada e
responde à crescente satisfação das necessidades básicas e não básicas das
populações (tais como habitação, alimentação, saúde, etc.), enquanto a justiça
social diz respeito à esfera pública, correspondendo às ações que identificam a
alteridade e ensejam a participação e a inclusão da diferença, evitando a
exclusão, a desigualdade sócio-econômica e respondendo às perguntas: o que
é justo? É justo em relação a quê?(SOUZA, 2001).
A partir de uma visão metodológica da ação do planejamento,
buscando resgatar as qualidades complexas e vivas do espaço a partir do
entendimento dos procedimentos que levam à sua (auto) criação enquanto
“espaço-desenho particular”, Salingaros identifica as favelas como organismos
auto-organizados capazes e responsáveis por compor uma complexa estrutura
espacial cheia de vida (“diferente dos espaços mortos e degradados das
propostas governamentais”) (Salingaros, 2006, p. 11) para abrigar a população
de baixa renda. Portanto, essa “competência” que o saber popular possui de
construir deve ser entendida, pesquisada, incentivada e utilizada para construir
boas cidades (SALINGAROS, 2006).
12
Essa abordagem vem ampliar a visão
pretendida para a avaliação do espaço urbano, somando-se às demais
interpretações e imprimindo-lhes formas de ação prático-metodológica.
Essas vertentes, – Magela Costa-Fainstein que identifica a
urgência de uma abordagem multiparadigmática para avaliar a complexidade
urbana e dar respostas às condições específicas; Souza, que identifica os
12
Outros autores também analisaram a relação entre espaço e relações sociais a partir de
diferentes abordagens, como: os arquitetos Lynch (1960), Doxiadis (1968), Alexander (2005); o físico e matemático,
urbanista Salingaros (2005); o filósofo Cassirer (1955) sobre o “espaço simbólico”, os geógrafos brasileiros Milton
Santos (1970, 1978, 1979, 1985, 1999, 2001) e Marcelo de Souza (2001, 1999).
52
elementos constituintes do que seja qualidade de vida e justiça social;
Salingaros que invoca a qualidade do desenho para qualificar a vida social e
Hillier-Rigatti que auxiliam na identificação do processo de inclusão oferecido
pelas políticas públicas, através da leitura propiciada pelo modelo de análise
sintática – são especialmente importantes no contexto do presente trabalho. É
aqui reivindicada a função constitutiva do planejamento urbano: a
espacialidade, e aí, a problemática estabelecida pelas políticas públicas é
invocada com referência à flexibilização dos padrões e discutida de maneira
crítica. Nesse caso específico, estuda-se a espacialidade criada pela
flexibilização dos padrões urbanísticos e de habitação e seus desdobramentos,
efeitos ou entraves, em relação à qualidade de vida e à justiça social.
No ambiente relacional da teoria versus ação geradora, ou no
itinerário que leva da teoria à prática social transformadora, interessa saber
como se dá a articulação entre os conceitos de qualidade de vida e justiça
social em relação ao desenvolvimento sócio-espacial, ou, dito de outra
maneira, como é que, no contexto de pobreza e flexibilização, a habitação
social oferece qualidade de vida urbana. Analisando uma forma de
desigualdade social, em sua representação espacial – as favelas – que reflete
a exclusão a que os moradores pobres das cidades estão submetidos,
interpreta-se como a ação pública se dá na sua intenção prática de promover a
inclusão, parte integrante dos processos que buscam a sustentabilidade urbana
e objeto declarado das políticas públicas, no país, como o Estatuto da Cidade.
A busca que se estabeleceu na sociedade moderna, pós-
Revolução Industrial, por padrões para a habitação é uma história promovida,
muitas vezes, com intervenções violentas do Estado, em ações de remoção
dos moradores e de demolição das habitações, estabelecidas com a intenção
de acompanhar e propor novos patamares habitacionais e urbanísticos que
continham como critérios geradores a incorporação de elementos (materiais,
dimensões, índices e taxas, alturas, larguras, etc.) identificados como capazes
de melhorar a saúde, a higiene, a segurança e a promoção social. Esse
processo se realizou com procedimentos semelhantes no Brasil, tais como os
promovidos por Pereira Passos, no Rio de Janeiro, em 1904 e a longa história
de remoções de favelas que passam a ser executadas a partir dos anos 70.
Embora as críticas e sua pertinência em relação aos excessos, essas mesmas
53
ações foram historicamente fundamentais na diminuição da mortalidade e da
morbidade relacionadas com doenças como cólera, tifo e tuberculose e,
atualmente, voltam a ser requisitadas como referendando ações mais
abrangentes da saúde, a partir da moradia e do ambiente urbano (OMS, 2002;
OPAS, 2005).
A forma adotada, hoje, pela crítica aos padrões é extremamente
significativa entre os argumentos do Estado para tratar, através do controle do
uso do solo, a solução para a habitação do pobre urbano nos países em
desenvolvimento. A necessidade de responder às agendas de ajuste fiscal e a
de garantia da propriedade incentiva o abandono dos padrões urbanísticos e
de moradia nas propostas de urbanização dos espaços das favelas, a partir
das variadas formas de regularização da informalidade, como resposta à
necessidade de reduzir custos.
Nesse novo processo, os padrões têm sido identificados como
razões que impossibilitam o pobre de acessar a cidade, assim como o seu
abandono (ou a flexibilização) é identificado como facilitador do acesso da
população pobre à formalidade. Isso se apresenta como uma contradição, pois,
se os procedimentos que ocorrem na cidade são de regularização, isso
significa uma busca de identidade com o que é formal, por identificação e
concordância com o que é aceito, certo, ou regular e, portanto, com o aceite
das normas que regem a cidade formal. Por outro lado, esse abandono dos
padrões é, também, visto como facilitador, ao poder público, da construção de
“[...] políticas de interesse social voltadas a minimizar a carência habitacional’’
(MAYER et al., 2006).
Buscando ferramentas teóricas para a avaliação dos efeitos
dessas políticas no contexto da habitação, entende-se, como Sartori (1981)
que “[...] o fim é uma prática de acordo com um saber”, exigindo, portanto, que
se vá buscar o entendimento sobre quais são os saberes necessários para
iluminar a intervenção. Sartori parte da pergunta que todos se fazem frente a
um problema prático: afinal, o que é possível e o que é impossível? Sua
resposta é que o possível é entendido como o não-impossível, sendo então o
possível o que é pensável, cogitável, não apenas como mera possibilidade
teórica, mas como possível na prática, e que deve ser conduzida de maneira
inteligente. Essa forma inteligente de conduzir as ações do planejamento
54
requer a atenção ao cálculo dos meios e a percepção do perigo oposto, e que
ambas as ações dependem de uma primeira avaliação das formas assumidas
pelas impossibilidades presentes para a realização da política pública. Sua
teoria explica que o que não é impossível na prática recai em duas categorias:
a da impossibilidade relativa (também chamada de contingente ou
condicionada pelos meios) e a da impossibilidade absoluta (ou incondicionada,
que é, ao mesmo tempo logicamente impensável e não se relaciona aos meios,
mas ao que é contraditório). A impossibilidade relativa tem a ver com as
condições de tempo e de lugar, sendo que “[...] qualquer programa para cuja
realização faltem, no momento, meios adequados e congruentes, é, naquele
momento, impossível”. Quanto aos meios materiais, o que é impossível hoje
pode ser possível amanhã, enquanto os meios instrumentais (que também
interessam a este estudo, pois a situação de acesso aos padrões não está
dependente dessa categoria de impossibilidade) significam acesso a
instrumentos e técnicas para sua realização. Há, ainda de acordo com Sartori,
a impossibilidade processual, ou seja, a que se refere ao procedimento de cada
método, ou técnica de atuação, com a característica de ser irreversível, pois
“[...] é impossível fazer antes o que deve ser feito depois, como começar pelo
teto e depois fazer as fundações” a partir do que o autor conclui que “[...] a
simples ordem da seqüência processual estabelece um tipo de impossibilidade
absoluta” (SARTORI, 1981). Essa impossibilidade também interessa ao
presente trabalho, pois orienta as etapas a serem obedecidas pelas políticas de
habitação em um processo de constituição progressiva do espaço da moradia.
E, por fim, haveria a impossibilidade absoluta, a que se refere à impossibilidade
de fazer duas (ou mais) coisas que se excluem mutuamente, tratando-se,
portanto, da impossibilidade de realizar o que é contraditório. Ela independe
das condições de tempo e de lugar, mas um programa com objetivos
contraditórios, ou mutuamente incompatíveis, é impossível, pois há uma
condição (contraditória, que é anterior) que não o permite. Para identificar
essas contradições práticas, é preciso considerar seus efeitos. Sartori conclui
serem fundamentais para conduzir uma ação (prática) inteligentemente, os
critérios de cálculo dos meios e a percepção do perigo oposto, e que o cálculo
dos meios já é um meio de avaliar o perigo oposto, e pode ser assim colocado:
o cálculo dos meios é uma avaliação de possibilidade (respondendo à
55
pergunta: o que é possível fazer?) e o perigo oposto é uma avaliação de
oportunidade (que responde à questão: até que ponto é conveniente fazer?).
Portanto, o cálculo dos meios funciona como uma forma de avaliar as
possibilidades de se levar a ação a cabo a partir dos meios disponíveis para tal.
Para isso, é possível articular o cálculo dos meios em quatro fases: (a) a
suficiência dos meios (os recursos materiais, financeiros disponíveis); (b) a
verificação da idoneidade dos meios (vontade política, os meios
administrativos, burocráticos ou a estrutura de poder); (c) a verificação dos
efeitos sobre outros fins e (d) a verificação da hipótese de que os meios
possam ultrapassar o objetivo proposto
13
(SARTORI, 1981).
Assim, o “princípio do perigo oposto”, demonstra a necessidade
de identificar qual é a configuração dos problemas políticos e qual o tipo de
“objeto” que está sendo manipulado para a configuração da política. Os
procedimentos das políticas públicas que ultrapassam um certo limite se
invertem, transformando-se no seu “oposto”, isto é, provocam efeitos contrários
aos que produzia quando de sua intenção primeira (SARTORI, 1981). Assim,
as ações das políticas públicas deveriam ser reproporcionadas e reajustadas à
realidade, para que a intervenção não leve ao perigo oposto. O autor chama a
atenção para o fato de que, quanto maior a escala, menos controle se tem
sobre o experimento e menos possibilidade de diminuir os erros. Isso se deve a
que, se tudo é alterado simultaneamente, não há referência ou grupo de
controle; é difícil avaliar os resultados das intervenções e a “queima” de capital
axiológico (que, quando é notada já é tarde demais); e é difícil ver o que está
acontecendo enquanto está acontecendo, perdendo-se os resultados visíveis e
invisíveis.
Além das avaliações de Sartori, identifica-se como necessário às
políticas públicas de habitação, que agreguem em seus objetivos um
determinante, na realidade dos países em desenvolvimento: a pobreza urbana.
13
As duas últimas fases (iii) e (iv) do cálculo dos meios são especialmente significativas para o
presente trabalho, pois como esclarece Sartori, significam (iii) a verificação dos efeitos secundários e cumulativos que
não são previstos nem desejados e (iv) a possibilidade de ultrapassar o objetivo proposta, tornando-se
contraproducente. Ambas verificações desejadas na presente pesquisa para a avaliação das políticas de flexibilizações
e seus efeitos.
56
Quando, em meados da década de 90, a problemática da pobreza
ressurgiu como preocupação e agenda das organizações internacionais (tais
como o Banco Mundial, as Nações Unidas e bancos de desenvolvimento), essa
atenção que ela passou novamente a receber trouxe consigo uma nova e mais
abrangente definição, baseada em uma interpretação qualitativa que entende
ser a pobreza muito mais do que apenas renda, mas um processo
multidimensional e histórico que envolve inúmeras outras instâncias. O
crescimento acelerado da pobreza e da desigualdade, verificado no período de
1980-90, em grande parte passou a ser atribuído, como crítica, às políticas de
ajuste estrutural intensamente aplicadas nos países em desenvolvimento como
o Brasil. Essas políticas ignoravam a problemática específica da pobreza,
como tema e objeto relevante e, igualmente, não endereçavam seus esforços
para buscar soluções amplas para os grupos mais atingidos, atribuindo ao
mercado a solução de todas as questões sociais e de acesso à cidade: terra e
habitação, saneamento e infra-estrutura, cultura e educação, etc. No entanto,
originadas de um mesmo processo, essas questões clarearam a separação
e/ou relação entre pobres e excluídos e ricos e incluídos, pois todos estão
vivendo e dividindo situações de indizível violência e problemas ambientais, já
não mais possíveis de serem ignoradas ou separadas, devido à densidade da
urbanização, que expõe tudo em um e mesmo local comum: a cidade.
Para a problemática da habitação, nas situações da complexidade
urbana, a pobreza tem sido identificada definitivamente como um dos
elementos mais abrangentes da explicação da informalidade urbana e da
necessidade de sua interpretação, onde vários autores, planejadores e
tomadores de decisão vêm-se debruçando sobre essa questão sob diferentes
interpretações e ideologias, arcabouços teóricos e políticos, na busca de uma
avaliação pertinente para iluminar a ação.
Nessa linha Smolka (2003, 2006) discute os custos da
urbanização e as vantagens e desvantagens da regularização fundiária. O
autor rejeita a proposta que tolera as soluções “informais” para obter terra e,
após, regularizar os assentamentos. Defendidas sob o argumento de que essa
é uma solução “barata”, no longo prazo, para as finanças públicas e a melhor
para os moradores de baixa renda, é interpretada pelo autor como uma das
causas da pobreza, e que exacerba as condições de carência e os custos da
57
terra.
Nessa linha de argumentação, Fiori et al. apresenta um marco
interpretativo exemplar nas ações para a “[...] diminuição da pobreza devido à
amplitude de sua intervenção” (FIORI et al., 2004). Segundo o autor, a escala
de intervenção presente na experiência do Programa Favela-Bairro, no Rio de
Janeiro, deveria ser a escala das políticas públicas, ou seja, mesmo tendo
como foco específico as favelas, a escala de intervenção deveria alcançar a
cidade. Avançando no que denomina sete dimensões (ou elementos) que
serviriam como “marco interpretativo” (marco analítico ou propositivo) para o
encaminhamento de políticas públicas que visam à diminuição da pobreza, o
autor introduz os sete elementos, cuja “combinação” entre eles e a “ênfase na
busca de um círculo virtuoso de relações sinergéticas” podem, interagindo
continuamente, se condicionar reciprocamente. Os sete elementos, ou
dimensões, das políticas públicas, seriam: a pobreza, fenômeno multifacetado
e complexo, composto de diferentes grupos que requerem atenção especial-
como crianças, mulheres e idosos - na busca de inclusão social; uma
abordagem multissetorial, no nível do projeto e no nível da política, que atenda
as múltiplas dimensões da pobreza (tais como educação, treinamento e
geração de emprego e renda); uma escala que gere impacto social e na
cidade, de maneira a diminuir a desigualdade entre bairros pobres e ricos (e
outros fatores tais como controle do tráfico de drogas e diminuição da
violência); um desenho urbano e arquitetônico de qualidade como veículo de
integração física e social (sem alterar as características identificadoras das
culturas presentes); parcerias-público-privado (PPP) que garantam ganhos de
eficiência e benefícios de custos para os setores pobres, envolvendo a
iniciativa privada na implementação dos serviços urbanos (na busca de
confiança mútua entre os atores de filantropia do setor privado); uma reforma
estatal que enfatize as reformas fiscais e legislativa, com descentralização,
eficiência, transparência e legislação urbana menos problemática e
contraditória (o que pode ser exemplificado como a constituição de zonas
especiais, experimentação sobre regularização de posse, busca da
sustentabilidade dos processos); e, por fim a participação e a democratização
do Estado, para garantir uma mudança duradoura e estável (através de
58
processos amplos de democratização das estruturas de governabilidade).
14
Os sete elementos constitutivos do marco analítico acima exposto
são interpretados nesta pesquisa como uma oportunidade de experimentação
(analítica) e somam-se à proposição de Magela Costa-Fainstein (2004) de
“unificação das três abordagens” na busca de um quadro geral de interpretação
da realidade que envolve as políticas públicas de habitação para as populações
de baixa renda, e, complementarmente, como um outro passo na direção de “ir
da teoria para a prática e da filosofia para formulações teóricas concretas”
(Magela Costa, 2004) na construção do espaço urbano.
MAGELA + FEINSTEIN
Integração dos Paradigmas de Análise
SOUZA + SALINGAROS + MASCARÓ
Abordagem da Qualidade de Vida sob o Ponto de
Vista da Espacialidade
SARTORI + FIORI + SMOLKA +
CLICHEVSKY + MARICATO
Sobre a Construção e Análise das Políticas
Públicas
Figura 2: Autores e encadeamento teórico.
1.8 RESUMO DO CAPÍTULO
A partir das argumentações acima, vimos, no presente capítulo,
um conjunto de interpretações e idéias que regem as atuais políticas públicas
de habitação, as quais vêm de maneira consistente, nos últimos anos,
desconsiderando os padrões habitacionais e urbanísticos, que incluem critérios
médicos de saúde.
Esse processo acontece com o aparecimento de novas propostas,
que, de modo contraditório, ao mesmo tempo em que se encaixam nas
análises e teorias que pregam o mercado e o neoliberalismo como competente
para explicar e organizar a cidade, fazem o discurso da inclusão social e dos
direitos à cidade. Identificam-se como sendo as razões, as bases e as práticas
sobre as quais este processo se instaura as seguintes:
14
A partir do ponto de vista dos estudos em saúde, têm-se chegado a interpretações
assemelhadas às colocadas pelos autores acima citados, como, por exemplo, o trabalho de Cohen que identifica as
sinergias que emergem da combinação de cinco elementos definidores da pobreza: o reconhecimento de sua
heterogeneidade e sensitividade ao vulnerável; a multisetorialidade nos projetos, nas políticas e no nível institucional; a
participação popular e as PPP; a municipalização das decisões; e a escala no nível da cidade. (COHEN, 2004).
59
- o crescente processo de urbanização e a atual interpretação
sobre a pobreza, geradoras de novas visões sobre o
significado político-econômico da produção das favelas;
- o abandono da visão que havia alcançado reconhecer a
importância dos padrões habitacionais e urbanísticos,
depositários de critérios médicos e sanitários e que os
integrava ao planejamento e ao desenho das cidades, com
resultados sobre a saúde;
- uma nova legislação, flexibilizada, que atende às necessidades
do Estado de alterar as regras e formulações pré-existentes
(urbanística e da habitação, no caso em estudo, mas que
perpassa todas as demais áreas como saúde, educação, etc.)
para criar, nas cidades, espaços “legalizados para os pobres”
sob o discurso da inclusão social, onde a flexibilização é
defendida sob a alegação de que os padrões são exigências
construtivas e urbanísticas muito altas e inacessíveis, cujo
rebaixamento estaria apontando num sentido de ‘incluir’ o
pobre urbano;
- uma crise na formulação de conceitos e teorias que se
debruçam sobre os processos e as práticas sócio-espaciais
urbanas, que aceitam os correntes processos como a “única”
solução possível;
- um momento de negação das práticas e dos prazos
estabelecidas pelo planejamento urbano;
- uma nova maneira de teorizar sobre os processos sócio-
espaciais que se apóia na gestão econômica;
- uma crítica ao movimento moderno, representada no
surgimento do pós-modernismo, do pós-estruturalismo e do
deconstrutivismo, movimentos paralelos e reciprocamente
alimentados pelo neoliberalismo; e, por último;
- uma interpretação de que é possível a construção de outros
olhares e de outras maneiras de pensar soluções para a
questão da habitação do pobre urbano, diferentes das atuais
teorias e de suas decorrentes práticas.
60
Apresentou-se a metodologia da pesquisa, que trabalha quatro
temas, desenvolvidos através da busca de resposta a duas questões teórico-
conceituais e na comprovação de duas hipóteses. Os temas são desenvolvidos
no capítulo de análise e centram-se no entendimento do papel dos padrões
habitacionais e urbanísticos na qualificação da vida urbana e no papel da
flexibilização proposta pelas políticas públicas de habitação para a população
de baixa renda. Isso é realizado analisando:
- o histórico da constituição dos padrões
- o papel dos custos da regularização fundiária no âmbito do
planejamento de longo prazo e sobre a pobreza urbana
- a assimilação do informal pelas políticas públicas
- o gravame da diferença, no espaço das cidades, devido à
incorporação da flexibilização dos padrões pelas políticas
públicas.
Foi visto, também, um conjunto de teorias e de conceitos que
constituem o referencial teórico do trabalho, auxiliando na formulação e no
entendimento da análise aqui proposta. Procurou-se:
- identificar os autores na constituição de uma abordagem
unificada, que funcione como pano de fundo das demais
análises, de acordo com a visão de Magela-Fainstein.
- avaliar as políticas públicas, considerando as teorias e as
concepções dos autores que vinculam a qualidade de vida à
espacialidade (Salingaros, Marcelo de Souza, Mascaro, Hillier);
- apresentar interpretações no nível do planejamento e das
políticas públicas (Sartori, Smolka, Fiori), em relação à
problemática habitacional dos pobres urbanos, aprofundando a
reflexão sobre as questões comuns do desenvolvimento nos
países em desenvolvimento e do alcance das alternativas que
vêm sendo tentadas, em relação à habitação, para as
populações de baixa renda, frente à flexibilização de padrões.
CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO DE
BAIXA RENDA E OS PADRÕES HABITACIONAIS E
URBANÍSTICOS - MARCOS CONCEITUAIS
2.1 INTRODUÇÃO
Busca-se, aqui, compor um quadro geral relacionando os padrões
habitacionais e urbanísticos à saúde, enfocando conceitos que explicam a
importância dos padrões, especialmente em um contexto de busca da
qualidade de vida e da justiça social, ambas, construções entendidas como
determinantes nas proposições de direito à cidade.
15
No enfoque desse tema complexo, uma ampla abordagem
interdisciplinar apóia a argumentação como resposta à construção do objeto, a
verificação e a comprovação das hipóteses. Procura-se esclarecer a rede de
leis que se configura, nacional e localmente, a partir de teorias econômicas e
urbanísticas centrais e que buscando soluções aos problemas identificados
com a urbanização e com a pobreza, é desenvolvida dentro das novas
propostas de descentralização administrativa, participação da população nas
decisões sobre a cidade e combate à pobreza. Nesse nicho relacional é
buscada uma articulação crítica, que se constitui referencia essencial na
argumentação que se segue, como apoio às argumentações suscitadas pela
pesquisa. Essa abordagem pretende explicitar um nexo entre habitação e
saúde - já estabelecido via estudos nas áreas da saúde e do comportamento -,
mas aqui, desde o ponto de vista do planejamento urbano e em suas relações
15
Ou, colocado de outra maneira, entendendo-se padrões como elementos que possuem
influência de determinação nos âmbitos da qualidade de vida, não apenas da superestrutura ideológica - como
participação política, cidadania, direito à transparência e aos diferentes direitos - mas como acesso a espaços
saneados e saudáveis, livres da violência e dos excessos de densidade, com habitabilidade e acesso aos serviços e ao
lazer, etc. Dessa maneira, os padrões, perpassando esses âmbitos são também constituintes da sustentabilidade.
62
com os padrões habitacionais e urbanísticos. Os conceitos de padrões, de
informalidade, de qualidade de vida e de justiça social são apresentados com o
intuito de balizar e de referendar a discussão proposta, especialmente porque é
assumido que qualidade de vida e justiça social são os produtos que devem
determinar as ações sobre a habitação, especialmente quando referentes à
população de baixa renda (ou de renda nenhuma).
2.2 A RELAÇÃO HABITAÇÃO-SAÚDE
Nos anos 60 do século XX, Foucault trouxe a discussão da
relação habitação-saúde orientada sob o ponto de vista da medicina social,
onde as intervenções do Estado foram desde cedo criticadas como sendo a
busca inadequada de um higienismo moralista (FOUCAULT, 1993)
16
, assim
como foi denunciado o caráter político-repressivo da saúde pública, do qual as
obras de Haussmann, em Paris, e a ação de Pereira Passos, no Rio de
Janeiro, são exemplos clássicos. As intervenções públicas sobre a habitação,
baseadas na remoção, na demolição, na limpeza, na homogeneidade e na
moralidade, foram consideradas, segundo a aguda observação de Foucault,
ações devidas ao “medo urbano”: das aglomerações, das doenças, da reunião
dos operários, dos açougues, dos cemitérios, dos esgotos, das casas altas
demais. Essas intervenções sofreram interpretações e inúmeras críticas
negativas, sob diferentes argumentações: na Inglaterra, porque estavam sendo
implementadas por razões morais; na França, por razões políticas; no Brasil
(Rio de Janeiro), por razões comerciais, pois os navios não queriam mais
aportar para comercializar nos portos da capital, com medo da febre amarela e
da cólera (FALCÃO, 1971).
16
Foucault identifica “três direções” assumidas pela medicina social em seu início. São elas: (a) a
medicina estatal alemã, que busca a melhoria do nível de saúde da população; (b) a medicina social inglesa que
aparece no século XIX e “[...] que é essencialmente um controle da saúde e do corpo das classes mais pobres para
torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas para as classes mais ricas”; e (c) na França, “[...] onde em fins do
século XVIII, aparece uma medicina social que tem por suporte a urbanização, em contato com as ciências extra
médicas; ela é uma medicina das coisas: do ar, da água, da decomposição e ela busca a salubridade, de onde
aparecem as noções de higiene pública”. A crítica de Foucault sobre as formas da medicina social é devida ao seu
entendimento de que seja o discurso. Ele não se constitui apenas das palavras, mas é o conjunto do que é dito e do
não dito, de regras e de afirmações científicas, políticas e morais, incluindo, entre seus dispositivos, os arquitetônicos
(como o panóptico de Bentham, por exemplo, ou o mapa da sala de aula) (FOUCAULT, 1993, p. 80).
63
Não é intenção deste trabalho tomar partido do ideário sanitarista,
higienista ou da salubridade na busca ou na justificativa das ações sobre o
urbano. Mesmo porque uma nova interpretação, surgida na área da saúde
pública, nos anos 70, passou a incluir no âmbito da saúde o envolvimento
comunitário, ou seja, a incorporação das relações sociais, políticas e da
expressão democrática como indicadores e determinantes da saúde. A nova
visão passa a valorizar a participação nas decisões da vida coletiva, atribuindo
expressivo significado ao que veio mais tarde (anos 90) a se constituir no
modelo do “campo da saúde”, que inclui em seu âmbito as relações com os
meios físico e social. A ênfase com que aparece a questão “saúde” no presente
trabalho deve-se à importância concedida ao papel dos padrões urbanísticos e
habitacionais, estes sim identificados como determinantes das formas de
apropriação e de ocupação dos espaços da cidade em sua participação na
relação saúde-habitação.
Muitos dos princípios básicos da relação saúde-habitação foram
elucidados há mais de 60 anos, nos trabalhos de grupos que buscavam
soluções habitacionais para abrigar a população depois da Segunda Guerra,
nos EUA e na Europa. Em 1938, nos EUA, já se havia criado os Princípios
Básicos para uma Casa Saudável
17
que, desde então, incluem, além do
17
Medidas e índices sobre os elementos determinantes da qualidade das habitações existem nos
Estados Unidos e para os países europeus desenvolvidos desde meados do século XIX. No entanto, para os países
em desenvolvimento, mesmo para os considerados “intermediários”, como o Brasil e o México, estudos específicos que
dêem conta dessas realidades são esparsos, incompletos e tímidos na amplitude da abordagem. Recentemente
(2003), foi desenvolvida para Gana, na África, com auxílio metodológico e econômico do Banco Mundial e aportes da
UNDP, da Unicef e da ILO, uma pesquisa, realizada em todo o país, sobre as condições habitacionais, a qual ajudou
na identificação dos determinantes significativos da qualidade habitacional em termos físicos e em termos da satisfação
dos moradores em relação ao acesso e à utilização de serviços, a partir do conceito de que a moradia é uma
mercadoria composta de vários determinantes. O estudo identificou um conjunto de 13 itens para a avaliação
pretendida (material das paredes externas; material da cobertura; tipo de energia utilizada para cozinhar; tipo de
energia para iluminação; tipo de abastecimento de água; tipo de serviço de esgoto; propriedade da terra e as distâncias
à água potável, ao mercado de alimentos, ao transporte público, à escola primária, à escola secundária e ao posto de
saúde), junto às informações socioeconômicas de renda, gênero, estado civil, emprego, idade, números de moradores,
escolaridade, etc. O resultado da pesquisa (Core Welfare Instrument Questionary) revelou a renda como o mais
importante indicador na determinação da qualidade habitacional. Identificou, igualmente, a importância da
superocupação como tendo sérias implicações para a saúde dos moradores e para o planejamento urbano, no curto e
no longo prazo. Dentre as recomendações, o trabalho reafirma a importância da habitação para a economia do país e
indica a criação de mais postos de trabalho no setor da construção civil como maneira de assegurar o emprego e a
renda e de aumentar as possibilidades de acesso à habitação digna e de qualidade (Core Welfare Instrument
Questionary, WHO, 2006).
64
atendimento das necessidades físicas básicas (proteção contra as doenças,
contra fogo, contra gases explosivos e tóxicos e contra acidentes),
recomendações sobre necessidades fisiológicas e psicológicas. A partir desses
estudos iniciais, pesquisas mais aprofundadas e abrangentes vêm sendo feitas
para abordar a relação saúde-habitação avaliando os reflexos da habitação
sobre a saúde dos indivíduos e das comunidades de uma maneira ampla.
Enquanto um dos escritórios europeus da Organização Mundial da Saúde
(OMS) nessa área - o grupo (HEN)
18
- busca quantificar as respostas para a
questão “É a melhora na habitação uma estratégia potencialmente efetiva na
melhora da saúde?”, um outro programa da mesma organização pesquisa
sobre a relação saúde e habitação. Esse segundo grupo, LARES
19
, considera
que a “casa saudável” é um amplo conceito que engloba tanto a provisão de
condições funcionais físicas, sociais e mentais para a saúde como também a
segurança, a higiene, a privacidade e o conforto e que existem atualmente
padrões suficientemente desenvolvidos e bons exemplos, cuja produção é
(apenas) uma questão da aplicação dos princípios já validados.
A presente pesquisa utiliza os conceitos, as determinações
analíticas e os estudos empíricos, desenvolvidos por agências especializadas
internacionais que trabalham para a realidade dos países europeus e da
América do Norte (a OMS e seus grupos de estudos HEN, LARES, etc.),
relacionando saúde e habitação, em termos dos critérios e das diretrizes
elencadas na constituição do ambiente saudável: casa, comunidade, cidade.
Para os países em desenvolvimento, as recomendações das agências
nacionais e os estudos da Organização Pan-americana de Saúde, OPAS, para
a América Latina e da Fiocruz, para o Brasil são as referências para esta
análise. Em termos de autores, utilizam-se especialmente Cohen (2004) e
Carvalho (1999).
18
O grupo HEN trabalha com a investigação dos fatores ambientais e da habitação que
apresentam suficiente evidência para identificar problemas criados na saúde, devido às inadequações habitacionais
(housing standards), com o objetivo de estabelecer uma “rede causal” e de promover as necessárias recomendações e
alterações (WHO-HEN, 2005).
19
LARES designa o grupo de trabalho que pesquisa os impactos da habitação nas condições de
saúde física e de bem-estar mental das populações na Europa, a partir da avaliação destas condições em oito países.
A sigla LARES significa Large Analysis and Review of European Housing and Health Status (WHO-LARES, 2005).
65
2.2.1 AS INSTITUIÇÕES VINCULADAS À SAÚDE E AS CONEXÕES ENTRE
SAÚDE E HABITAÇÃO
A incorporação do paradigma ambiental às pesquisas da saúde,
internacionalmente, explica que os aspectos físico, social e a saúde permitem
uma conexão dinâmica entre os moradores, as habitações e as comunidades,
e, portanto, os mesmos devem ser avaliados em conjunto, como maneira de se
obter uma visão de todos os âmbitos e os desdobramentos (efeitos) da ação
inicial (OMS, 2004). Estudos realizados pela OMS/OPAS/Fiocruz para a
América Latina e específicos para o Brasil trabalham com os mesmos
conceitos, adaptando-os a essas realidades e apontando elementos que
servem como critérios para o estabelecimento de padrões, ao apresentarem
metodologias, dados e análises que se constituem em referência internacional
para pesquisadores e fonte de apoio político, técnico e financeiro às linhas de
pesquisas e à criação de políticas públicas.
Os questionamentos sobre a ligação entre saúde e habitação e as
importantes relações e conseqüências encontradas levaram, na área de saúde
pública, ao desenvolvimento de mecanismos de avaliação dos impactos da
habitação na saúde, o que definiu o Estudo de Impacto na Saúde (EIS)
20
, um
conjunto de passos que constroem, de maneira qualitativa ou quantitativa, um
instrumento de avaliação objetiva do potencial dos efeitos sobre a saúde
produzido por um determinado projeto, ou política, antes de sua construção ou
aplicação.
As condições de vida e saúde têm melhorado de forma contínua e
sustentada na maioria dos países, desde o último século, graças aos
progressos políticos, econômicos, sociais e ambientais e aos avanços na
saúde pública e na Medicina que, a partir de uma abordagem mais complexa e
20
O Estudo de Impacto na Saúde (no original em inglês, Health Impact Assesment (HIA)), inclui os
seguintes passos: a identificação das políticas, dos programas ou projetos onde o EIS pode ser útil; dos efeitos na
saúde a serem considerados; das pessoas que podem ser afetadas e de que maneira; a realização de um relatório
para os tomadores de decisão e a avaliação dos efeitos do EIS no processo de tomada de decisão (em inglês,
screening, scoping, assessing risks and benefits, reporting and evaluating).
Fonte: desenvolvido pela autora com base em textos disponíveis em: <www.ph.ucla.edu/hs/health-
impact/>; <www.dph.sf.ca.us/eh/phes/Activities_Main.htm>; <www.hiagateway.org.uk> e <www.ihia.org.uk>. Acesso
entre 28.10.06 e 02.11.06.
66
abrangente do homem e do planeta, buscam relacionar as diferentes variáveis
que influenciam positivamente para aumentar a qualidade de vida urbana. Na
América Latina, por exemplo, a expectativa de vida cresceu, desde a idade de
50 anos, estimados logo após a Segunda Guerra Mundial, para 67 anos, em
1990, e para 69 anos, em 1995, e espera-se que deva alcançar 71 anos em
2010. Entretanto, os mesmos estudos são taxativos ao informar que ainda que
tal melhoria seja incontestável, também o é a permanência de profundas
desigualdades nas condições de vida e saúde entre os países e, dentro deles,
entre regiões e grupos sociais.
Tratando das relações entre a habitação e a saúde, a
Organização Mundial da Saúde – OMS, relaciona os fatores necessários para
proteger os cidadãos contra a transmissão da doença, traumatismos,
envenenamentos e enfermidades crônicas, indicando que o espaço
habitacional deve ser adequado para reduzir ao mínimo as tensões
psicológicas e sociais; conter serviços de saneamento, educação, saúde e
segurança além de garantir a prevenção aos riscos oferecidos por excesso de
ruídos, desenho inconveniente, materiais de má qualidade ou perigosos, falta
de insolação, excesso de frio ou calor, umidade, excesso de densidade, etc.
Identificando a existência do vínculo consistente entre habitação, saúde e
pobreza. A instituição passa a reconhecer que investir na saúde é uma das
maneiras de diminuir a “intensidade à exposição” aos riscos, físicos, morais e
da violência. Nessa análise, a moradia aparece como o foco da ação e dos
investimentos recomendados pelos organismos multilaterais, especialmente
quando continua a identificação de que doenças como a tuberculose, o
sarampo e a diarréia ocorrem mais nos bairros de maior densidade e de rendas
mais baixas, demonstrou que a intensidade de exposição tem séria relação
com a incidência das doenças (UN - Health Report, 2000).
A OMS recomenda que os projetos incentivem as relações
familiares e de vizinhança e relatórios sobre a saúde mundial (OMS, 1998) e da
região das Américas (OPAS, 1998) são conclusivos em que a privação
habitacional tem reflexos ao longo da vida de uma pessoa, onde fatores, ou
padrões habitacionais, representados por alta densidade, umidade e frio, por
exemplo, causam tão severos efeitos na saúde quanto os efeitos do fumo ou
do álcool. Estudos também têm documentado que uma sociedade mais
67
igualitária em relação à riqueza apresenta resultados em termos de uma
sociedade mais harmoniosa e coesa, onde os membros tendem a ser menos
violentos, cometem menos homicídios e confiam mais uns nos outros.
A American Public Health Association (APHA), que fundada em
1872, trabalha desde então com associações governamentais e não-
governamentais, nos Estados Unidos, com a intenção de prevenir as doenças e
garantir a saúde pública, diz que é urgente a revisão das legislações da saúde
pública para garantir a coordenação nas políticas de saúde física, mental, de
drogas e as ações relacionadas com a habitação e os serviços (APHA, 2005).
A APHA identifica três necessidades fundamentais à saúde que estão
associadas à habitação: as fisiológicas, as psicológicas e as necessidades de
proteção contra as doenças. As necessidades fisiológicas: exigem ambiente
com proteção contra as perdas de calor; atmosfera com pureza química
razoável; adequada iluminação solar e que evite a luz do dia não desejada; luz
solar direta; iluminação artificial adequada e sem excesso de reflexos; proteção
contra ruídos excessivos; lugar adequado para exercícios e para as crianças
brincarem. As necessidades psicológicas são de privacidade adequada para o
indivíduo; oportunidade para a vida familiar normal e para uma vida
comunitária; áreas que possibilitem o desempenho das tarefas caseiras diárias
sem excesso de fadiga física e mental; áreas para a manutenção da limpeza da
casa e das pessoas; possibilidade de satisfação estética na casa e no entorno;
habitação de acordo com os padrões sociais prevalecentes na comunidade
local. A necessidade de proteção contra as doenças determina que haja
provisão de água potável de boa qualidade; proteção do suprimento de água
contra a poluição; áreas de sanitários que minimizem o perigo de transmissão
de doenças; proteção contra a contaminação de esgotos no interior da
moradia; boas condições de higiene no entorno da moradia; exclusão de
vermes que possam transmitir doenças (mosquitos, moscas, larvas); áreas
para a manutenção de alimentos frescos e provisão de espaços suficientes nos
dormitórios para evitar o perigo de infecção de contato. (A identificação dessas
necessidades tem obrigado as instituições norte-americanas envolvidas com a
habitação a buscarem soluções para a moradia que as contemplem,
desenvolvendo critérios e padrões de referência para a habitação,
especialmente dos pobres urbanos).
68
Em 2004, no encontro da OMS (Second Technical Meeting, em
Roma), foram apresentados os Indicadores da Relação Habitação-Saúde
constituídos 17 elementos capazes de integrar a construção do Conjunto de
Indicadores Ambientais de Saúde e que são identificados como: temperaturas
internas extremas; emissão de radiações de radônio; medidas de proteção e de
segurança contra acidentes na moradia; proteção contra umidade e fungos
(mofo, bolor); acessibilidade (especialmente para idosos); capacidade de pagar
(affordability) dos moradores, e que criando a necessidade de identificar
aqueles que não podem pagar padrões adequados baseados no preço da
construção e comparados ao nível de pobreza do país; provisão de
refrigeração para a guarda de comida, e boas condições para cozinhar;
condições sanitárias e de higiene; segurança contra incêndios; excesso de
densidade, contabilizada em termos de números de pessoas por dormitório;
proteção em relação ao crime e ao medo do crime (violência). O estudo
considera que o abastecimento de água está contemplado no item condições
sanitárias e de higiene adequadas e, portanto, não aparece identificado
independentemente. Da mesma maneira, os problemas referentes à infestação
com ácaros e vermes e os problemas com ruído, não aparecem, pois de
acordo com a instituição, há um conjunto de indicadores independentes para
ruídos, vermes e ácaros. Os requisitos básicos das novas habitações e dos
assentamentos humanos, - que embora desenhados para as condições
européias e americanas, servem como orientação geral na determinação da
qualidade das habitações na sua relação com a saúde humana -, recomendam
ainda alguns requisitos específicos para o saneamento básico, indicando
dimensões mínimas, alturas, materiais e acabamentos, áreas de ventilação e
iluminação, etc. (HEN, 2004).
Uma outra instituição americana orientada à investigação e ao
estabelecimento de estratégias relativas à relação saúde-habitação, Center for
Healthy Housing, identifica na habitação um importante determinante da saúde
e nas moradias com baixos padrões um grande problema para a saúde pública,
passando a requerer casas mais saudáveis, baseadas em melhores padrões. A
referida associação afirma que é urgente que seja feito um refinamento nos
códigos habitacionais (padrões) que reflitam o corrente conhecimento de uma
casa saudável, entendendo que a revisão dos padrões pode reforçar as linhas
69
gerais que abrem o caminho para um papel mais expandido da saúde pública
em reforçar, questionar e educar sobre a importância da qualidade da
habitação (KRIEGER et al., 2002). Esta entidade, fundada em 1992, tem como
objetivo específico a avaliação das condões habitacionais tendo como foco
principal a saúde das crianças. Estas propostas e determinações muito se
assemelham ao que é identificado como padrões sanitários e de saúde, de
acordo com a descrição do SCOPE (SCOPE, 1978).
Os desdobramentos desses estudos em relação à casa têm sido
de grande importância para a melhoria das condições de vida urbana. A partir
de estudos sobre a relação saúde-habitação, sabe-se que o ambiente
doméstico, local privilegiado para o habitante recuperar-se do ciclo diário de
atividades e que se relaciona ao convívio, ao relaxamento, ao repouso e à
digestão cria estados fisiológicos que aumentam a disponibilidade pessoal ao
stress ambiental e diminui a capacidade do sistema imunológico. Esses
processos fazem da moradia um local que demanda condições favoráveis ao
descanso e à manutenção da saúde (OPAS-CEPIS, 2005).
No âmbito dos estudos comportamentais, a partir das teorias de
percepção, da psicologia ambiental, da geografia humana e da sociologia
urbana tem sido possível apontar novas dimensões e conexões, além de
reforçar a necessidade de pesquisa transdisciplinar. É a partir de investigações
com esse tipo de conclusão que a Organização Mundial da Saúde orienta os
países a organizar seus programas habitacionais tendo o critério de promoção
da saúde como um dos objetivos das políticas públicas. Isso é visto no relatório
Housing: the implications for health, onde é afirmada a necessidade de que os
organismos responsáveis pela habitação não tentem resolver somente os
problemas da habitação, pois é grande o número de elementos que afetam a
vida familiar e a saúde dos moradores sendo, portanto, “[...] necessária uma
colaboração intersetorial tanto para alcançar metas de saúde como para deter
a atual situação de deterioração da habitação” (OMS, Report - 1990).
Em 1988, no Brasil, a Constituição Federal reconheceu o direito à
moradia digna, à cidade e à sustentabilidade ambiental, ou seja, o direito ao
acesso às benesses da urbanização, tais como a infra-estrutura da cidade e
seus serviços. Esses benefícios são traduzidos por acesso à moradia servida
por água encanada, eletricidade residencial e pública, esgoto cloacal e pluvial,
70
vias e transporte acessível, educação, saúde, emprego e renda, segurança
pública, áreas públicas de lazer, etc.
A saúde está comprovadamente associada às classes sociais,
isto é, indivíduos colocados nas mais altas posições da estrutura social ficam
menos doentes e vivem mais do que aqueles que estão nas classes sociais
menos favorecidas. Existem estudos comprobatórios de que os diferenciais
econômicos entre os países são também determinantes para as variações nas
tendências dos indicadores básicos de saúde e desenvolvimento humanos
(OPAS, 1998), ajudando a compor um quadro onde é claramente identificável
que condições sanitárias (acesso à água e ao saneamento básico), assim
como o gasto em saúde, a fecundidade global e o incremento na alfabetização
de adultos são função direta do Produto Nacional Bruto dos países
21
. Essas
constatações trazem para a agenda da discussão sobre a relação saúde-
habitação um componente econômico determinante especialmente quando é
identificado que o tipo de política que impulsionou a economia urbano-industrial
ao longo do Século XX aprofundou a desigualdade social, os danos ambientais,
os ambientes sociais mórbidos e geradores de sociopatias e de psicopatias
(violência, drogas, etc.) (BUSS, 2000).
No Brasil, a partir de 1994, um programa de saúde pública, o
Programa de Saúde Familiar - PSF, passou a incentivar a conciliação das
questões básicas da saúde com a habitação, sob coordenação da Organização
Pan-Americana de Saúde - OPAS. O objetivo era reforçar a saúde familiar
através de iniciativas na habitação, ou seja, a valorização da habitação
saudável como forma de otimizar os resultados das ações na saúde. Para o
PSF, como metodologia, o conceito de habitação saudável se aplica ao ato de
elaborar o desenho, a micro-localização e a construção, o uso e a manutenção
da moradia e está relacionado ao território geográfico e social onde a habitação
se assenta; os materiais utilizados; a segurança e a qualidade dos elementos
combinados; o processo construtivo; a composição espacial; a qualidade dos
21
Dados sobre “Saúde na América Latina”, do Relatório de Desenvolvimento Mundial, do Banco
Mundial, informam que os gastos em saúde pública, no Brasil, representavam, em 2003, 1.9 % do PIB nacional, um
dos mais baixos na região, acima apenas da Venezuela (1.0 %), do Haiti (1.2 %), da Guatemala (1.7 %) e do Paraguai
e Honduras, ambos com 1.8 % de investimentos dos seus PIBs nacionais (Relatório sobre Desenvolvimento na
América Latina, Banco Mundial, 2003).
71
acabamentos; o contexto do entorno (comunicações, energia, vizinhança); a
educação e a saúde ambiental dos moradores a respeito dos estilos e
condições de vida saudável. O ambiente do entorno saudável incorpora,
especificamente, a necessidade de equipamentos urbanos, espaços físicos
limpos e redes de apoio para conseguir hábitos psico-sociais sãos e seguros,
isentos de violência (abusos físicos, verbais e emocionais) (COHEN, 2004). A
habitação é o locus do PSF e o conceito de habitação saudável possui como
ponto central a preocupação com o processo gradual de melhoria da qualidade
de vida, consolidando a intervenção sobre os fatores que determinam a saúde
no ambiente construído: a biologia humana, o meio ambiente e o estilo de vida.
Para enfrentar estes fatores, é necessário articular as políticas públicas de
habitação-saúde-ambiente-infra-estrutura urbana e formar alianças
intersetoriais e uma visão holística, integradora e multidisciplinar.
A constituição da Rede Brasileira da Habitação Saudável - RBHS
tem apresentado projetos e estudos para explicitar seu objetivo de articular as
instituições, a sociedade civil e o Estado para gerar conhecimento e
capacidade de intervenção técnico-política para agir sobre os fatores
determinantes da relação moradia-saúde-ambiente. O grupo Rede Brasileira de
Habitação Saudável – RBHS, tem trabalhado em conjunto com diversas
instituições e o Estado (vinculado principalmente ao Programa de Saúde
Familiar) formulando programas e projetos para políticas públicas que
incorporem os campos de ação e as estratégias, em redes de promoção da
saúde, do ambiente e da habitação, desenvolvendo conceitos e marcos
analíticos que venham a servir de ferramenta para as operações efetivas de
políticas que promovam a saúde, vinculados e no âmbito da habitação. O
conceito de habitação utilizado pelo grupo (“espaço de múltiplas dimensões
que incorpora as dimensões cultural, ecológica e de saúde humana”) está
assentado no conceito de ‘padrão de habitabilidade’, entendido como a adoção
de
[...] tipologias e correspondências aos requisitos mínimos que
garantam morar com desfrute da saúde e do bem-estar e propicie
dignidade humana. Padrões que propiciem convívio harmônico
72
através da reflexão e do aprimoramento do lugar/objeto/habitação.
(RBHS, 2003,p.36).
22
A opção pelo “paradigma do ambiente construído” como
determinante da saúde, reconhece a habitação como constituindo um espaço
de construção da saúde e de consolidação do desenvolvimento. A habitação,
como o espaço da família, é determinante na consolidação dos fatores
determinantes da saúde no espaço construído, onde se faz necessária a
articulação das políticas públicas de habitação, saúde, meio ambiente e infra-
estrutura urbana.
A identificação de que as decisões em qualquer campo das
políticas públicas têm influências favoráveis ou desfavoráveis sobre a saúde da
população e se materializam através de diversos mecanismos
complementares, que incluem legislação, medidas fiscais, taxações e
mudanças organizacionais assim como ações intersetoriais coordenadas que
apontem para a eqüidade em saúde, distribuição mais eqüitativa da renda e
políticas sociais, na criação de ambientes favoráveis à saúde implica o
reconhecimento da complexidade das sociedades e das relações de
interdependência entre diversos setores. A proteção do meio ambiente e a
conservação dos recursos naturais, o acompanhamento sistemático do impacto
que mudanças no meio ambiente produzem sobre a saúde, bem como a
conquista de ambientes que facilitem e favoreçam a saúde, como o trabalho, o
lazer, a escola e a própria cidade, passam a compor centralmente a agenda da
saúde. Cohen, buscando a integração saúde-habitação, explica que o conceito
de habitação saudável deve ser aplicado desde o início do projeto e deverá
incluir: o entorno (vizinhança, comunicações, energia), a localização, a
construção (materiais, técnicas e processo construtivo, a qualidade dos
22
Desde 1988, com a Carta de Ottawa, a OMS identifica a habitação como o principal espaço de
promoção da saúde na comunidade. O desenvolvimento desta conceituação levou ao estabelecimento de outras
medidas de controle e de proteção, como a “atenção primária ambiental” que identifica e refere-se à necessidade de
compromissos dos estados nacionais com ações e políticas que garantam qualidade do ambiente de trabalho e do
domicílio a proteção da qualidade da água, a poluição sonora, o controle de vetores e doenças, a vigilância
epidemiológica, a erosão dos solos, a urbanização, as áreas verdes e outros (BUSS, 2000).
73
elementos combinados), a segurança, o uso e a manutenção, além de manter
relação com o território geográfico e social (COHEN, 2004).
2.3 MARCOS CONCEITUAIS
Os discursos e as visões referidos até aqui sugerem a utilização
de categorias específicas para o encaminhamento das proposições de análise
pretendidas a partir do entendimento de que as ações sobre as cidades
requerem uma crítica ético-política, na perspectiva de serem adotadas para
encaminhar a ação da política pública.
Conceitos mudam ao longo dos anos, incorporando novos
conhecimentos, nos contextos que se vão alterando, de acordo com os
interesses com que são estabelecidos ou julgados e com os distintos objetivos
com que são desenvolvidos, articulados e utilizados. Assim, na forma como são
aqui apresentados ao mesmo tempo em que servem como referências e
demarcam o âmbito da bibliografia analisada, criam e reforçam a base da
fundamentação teórica, como marcos referenciais.
2.3.1 OS PADRÕES REFERENDADOS À SAÚDE
Na primeira metade do Século XX diferentes ações sobre as
cidades passaram a ser estabelecidas e discutidas com intenções sanitárias.
Muitas delas são desenvolvidas e vão estar presentes nos endereçamentos
modernistas da Carta de Atenas que preconizava, além da separação das
funções, medidas em relação à salubridade e à habitabilidade. Essas propostas
assumiam um sentido radicalmente higiênico da busca das “condições
naturais” entendidas então como “sol, espaço, vegetação” e de “desenho” para
a ocupação e utilização das áreas urbanizadas, tais como a fixação de áreas
para parques, áreas verdes, etc. e vieram a ter grande reconhecimento do
significado de sua importância.(Carta de Atenas, Habitação, Art. 12, 1939).
Idéias higiênicas também estão presentes, e auxiliam a entender de um ponto
de vista histórico, as primeiras idéias que guiaram as tentativas iniciais de
pensar e formular determinações conceituais para a sustentabilidade, e que
iniciaram com as discussões sobre poluição ambiental, propondo o crescimento
zero e o retorno ao campo, como no Relatório do Clube de Roma (1972) e na
74
Conferência Habitat de 1976, respectivamente
23
e continuam a se desenrolar
sobre as cidades como busca da infra-estrutura, serviços, embelezamentos e
demais ações que objetivam a melhoria e o desenvolvimento da vida urbana.
Os padrões habitacionais e urbanísticos adotados pelas
sociedades, em cada período, estão diretamente relacionados com a história
(social, econômica, política, cultural, técnica, tecnológica, etc.) dos grupos ali
presentes, com a identificação do local e dos desejos de beleza, conforto e
avanço das condições materiais, sociais, morfológicas e funcionais da vida
política. A história acumula valores através de princípios morais, tradições
religiosas, hábitos sociais, normas e boa fé, regras do jogo: as coisas que não
podem ser trocadas.
24
Assim entendidos, os padrões podem ser vistos como
uma ferramenta de análise das condições ou da qualidade de vida de um
determinado grupo social.
Desta forma, os padrões constituem referências que se vão
construindo ao longo do tempo, carregando em si representações de várias
ordens, que organizam uma formulação estética, social e espacial, servindo de
referência para a casa e a cidade, ao mesmo tempo em que garantem critérios
sanitários e de segurança, melhorando aspectos da vida urbana.
Enquanto nos países desenvolvidos os padrões habitacionais e
urbanísticos surgem, inicialmente na Inglaterra pós-Revolução Industrial, (como
forma do Estado proteger os mais pobres em relação aos donos das terras que
produziam moradias mínimas, sem segurança, higiene ou privacidade e a partir
da incorporação do conhecimento médico-sanitário que gerou critérios para
assegurar a qualidade da habitação e da urbanização) essa mesma
identificação de suas origens, nos países em desenvolvimento, é mais difícil.
Primeiro, porque muitos dos padrões foram cópias ou reprodução dos padrões
23
A Carta de Atenas criticava as altas densidades (600-1000 habitantes por hectare), criadoras do
‘cortiço’ caracterizado por: “insuficiência de superfície habitável por pessoa; mediocridade das aberturas para o
exterior; ausência de sol; vetustez e presença permanente de germes mórbidos (tuberculose); ausência ou insuficiência
de instalações sanitárias; promiscuidade proveniente das disposições internas da moradia, da má orientação do imóvel
e da presença de vizinhança desagradável.” (Carta de Atenas, Habitação, Art. 9).
24
É o que Sartori chama de capital axiológico, e cabe a cada geração administrar os capital
axiológico herdado de gerações precedentes, logo, não basta apenas condições materiais, mas é importante avaliar “a
vitalidade e a solidez de uma civilização, é fazer seu balanço axiológico, verificando o consumo de capital estocado e a
produção de novo capital” (SARTORI, 1981).
75
dos países estrangeiros, utilizados desde o período colonial e, posteriormente,
seguindo efeitos do movimento moderno, adotaram-se outros igualmente sem
compromisso com a realidade e a tradição cultural, social, climática,
econômica, etc., local. Depois, porque são muito poucos os estudos que
garantem ou determinam como, ou o que, deve ser um padrão, e estes acabam
se estabelecendo mais por ‘tentativa e erro’ do que por decisão consciente ou
proveniente da necessidade de alguma ordem racional (ou razoável). Por
último, porque a desigualdade econômica e social exclui muitos cidadãos do
acesso aos padrões estabelecidos pela lei, e, portanto, estabelecê-los não faz
diferença para a grande parte da população, que vive na informalidade.
(TASCHER, 2003; SMOLKA, 2003).
No entanto, do ponto de vista da legislação, e, portanto, da
formalidade, os padrões estendem-se à sociedade como uma regulação, um
dispositivo urbanístico e de habitação legal, baseado em uma generalização
probabilística e em regras aplicáveis a todos os habitantes. Ao longo dos anos
e do desenvolvimento do conhecimento técnico-científico sobre os ânimos
fisiológicos e comportamentais humanos, esses elementos vêm sendo
agregados à construção das habitações e das cidades com a intenção de
promover melhores condições de saúde e de bem-estar em geral, incluídos aí,
aspectos técnicos, culturais, psicológicos, de relação, etc., passando a ser
agregados como proxy dos critérios médico-sanitários, aos padrões, que são a
própria representação destas dimensões. De uma maneira geral, os padrões
tornaram-se medidas normativas que especificam o que é aceitável e têm o
poder de apresentar sanções, estabelecendo relações entre o propositor e o
endereçado. O propositor (o Estado, a autoridade) na expectativa de que elas
sejam cumpridas, e o endereçado (o habitante) com a expectativa de que elas
possam ser obtidas ou construídas, num pacto legal-social de constituição da
casa e da cidade que garanta requisitos mínimos de habitabilidade. Padrões
são também normas e regras gerais que organizam as formas de utilização dos
espaços privados e públicos através de especificações sobre áreas, taxas de
ocupação, dimensões, etc. (como, por exemplo, as que são identificadas nas
legislações municipais do tipo plano diretor e /ou código de edificações).
76
Uma publicação do SCOPE
25
de 1978, sobre a provisão de
habitação para os países em desenvolvimento - e que se tornou um clássico da
literatura sobre padrões -, após desenvolver estudos pioneiros sobre os
padrões habitacionais e urbanísticos na América Latina, Ásia e África,
apresentou subsídios para um corpo de diretrizes que identificassem os
padrões existentes e em vigor e constituíssem os padrões para os países em
desenvolvimento. O grupo organizador definiu padrões em três categorias: os
de uso do solo e densidade; os de saúde e saneamento e os de equipamentos
comunitários e de serviços.
Segundo essa definição os padrões de uso do solo e densidade
seriam aqueles que definem a quantidade de espaço disponível, os direitos de
uso e as maneiras de uso, e constituiriam os tamanhos de lotes, as áreas
construídas por lote, os números de pessoas por peça, os números de
habitantes ou de domicílios por hectare, iluminação, conforto térmico,
ventilação, etc. Os padrões de equipamentos comunitários e de serviços
seriam aqueles que definem a qualidade do ambiente e do acesso a serviços
comunitários: recreação, comércio, espaços abertos e seriam definidos por:
códigos de edificações, número de leitos por habitantes, número de shoppings
por 1000 habitantes, etc. Os padrões sanitários e de saúde seriam os que se
referem às necessidades mais cruciais em termos habitacionais das
populações: qualidade da água (vinculada às doenças infantis, à morbidade até
os cinco anos, etc.), esgotos, resíduos sólidos, ruídos, poluição, etc. (SCOPE,
1978).
No caso do Brasil, os padrões foram pouco a pouco sendo
introduzidos com o objetivo de melhorar as condições da moradia e a qualidade
urbana, passando a ser legalmente exigidos para as moradias a partir dos anos
25
O SCOPE, Scientific Committee on Problems of the Environment, desenvolve a revisão
científica do estado-da-arte de questões chave relacionadas aos problemas ambientais, com a avaliação de um corpo
de cientistas de vários países que trabalham através de associações governamentais e não-governamentais. Seu
programa científico consiste de projetos focados e que buscam contribuir com as práticas e os conceitos de
sustentabilidade e de utilização de recursos renováveis. Apresentam a proposta de que os recursos existentes devem
ser gerenciados de acordo com as mais consistentes bases científicas, com sensibilidade cultural e justiça social. Seu
livro-texto número 11, Shelter Provision in Developing Countries – the influence of standards and criteria, coloca a
importância da revisão dos padrões oficiais (os estabelecidos por legislação) e os culturais (os que as populações
utilizam no seu dia-a-dia, na auto-construção) especialmente considerando que na realidade dos países em
desenvolvimento “grande parte da habitação será auto-produzida” (MOBAGUNJE et. al. 1978).
77
1900, quando a República interfere no planejamento das novas residências,
através da legislação restritiva dos códigos e exigências ligadas à higiene na
habitação e ao controle das epidemias (febre amarela), com a intenção de que,
junto à salubridade, o meio social fosse recuperado. Até então (durante o
Período Colonial) os padrões importados da matriz, eram mais cobiçados do
que propriamente impostos, e os padrões nativos, compostos com as regras e
os padrões locais, eram identificados como inferiores, ao menos para as
classes médias e altas.
Em 1906, três anos após o estabelecimento do governo saneador
de Pereira Passos, no Rio de Janeiro, a cidade e os profissionais passam a
demonstrar preocupação com as casas dos pobres e também o interesse com
a qualidade urbanística do sítio. Engenheiros trabalhavam com o objetivo de
elevar o espírito dos moradores, propondo soluções para os traçados viários e
os demais padrões urbanos referenciados às relações entre ambos, propondo
que a luz penetrasse nas casas, identificando que os ambientes fossem
higiênicos e agradáveis e insistindo na necessidade de arborização e na
criação de parques e jardins próximos às moradias, recomendando o traçado
não ortogonal, com curvas suaves e largas, bem como iluminação pública
abundante. É no período que se inicia com a República, que surge a
construção de propostas que visavam estabelecer os padrões definidores da
casa mínima, e que, dentre outras tinha as seguintes características: não
deveria ser localizada na periferia (para diminuir os custos de locomoção /
circulação dos trabalhadores), deveria ser composta de “sala, quartos, latrina,
quintal e jardim”, adotar elementos construtivos que protegessem a casa contra
as intempéries (tais como porões não habitáveis, alpendres, portas e janelas
amplas e altas e telha vã e calhas nos beirais) (CORREIA, 2004).
A partir de então, os padrões foram se desenvolvendo e
passaram a ser instituídos por agências próprias, nacionais, além de manterem
como referências os padrões e critérios estabelecidos pelas agencias
internacionais especializadas (OMS, BID, BM, PNUD-Habitat e outros). Essas
referências muitas vezes funcionam como apoio para garantir as bases para os
acordos e empréstimos patrocinados pelas agências financiadoras, pois
possuem uma certa aura de respeitabilidade científica, especialmente na falta
de estudos locais que estabeleçam limites (MOBAGUNJE et al., 1978).
78
2.3.2 AS DIVERSAS VISÕES DA POBREZA E A RELAÇÃO COM A
FLEXIBILIZAÇÃO
As alterações nos conceitos de pobreza e suas conseqüências,
ao serem introduzidas como elemento determinante das políticas públicas, são
ilustradas aqui, através das idéias de Milton Santos. Sua conceituação e as
etapas atribuídas ao entendimento da pobreza nos países em desenvolvimento
e as decorrências dessa interpretação constituem premissa básica desse
trabalho. O autor identificou, nos países em desenvolvimento, pelo menos três
interpretações para a pobreza, em períodos distintos. A primeira, que ocorria
ao redor dos anos 50 e era identificada como possível de ser incluída, por ser
acidental, social
26
. Depois nos anos 70, diferentemente do período anterior, ela
era tida como um problema do processo econômico, onde o pobre era visto
como marginal. Esses dois tipos de pobreza levaram o Estado a buscar
soluções para o problema que era considerado grave, mas não insolúvel. Nas
duas situações, a pobreza era encarada como possível de ser incluída ou
corrigida, por ser uma doença da civilização e, portanto, curável. O atual
período, identificado como o que inicia a partir dos anos 80, trouxe um terceiro
tipo de pobreza, a identificada como dos excluídos. Esses, produto da
globalização, são pensados e aceitos como tal, ou seja, como “[...] uma dívida
social para a qual não se buscam remédios” (SANTOS, 2000)
27
Para as Nações Unidas, a pobreza tem muitas faces e manifesta-
se de maneiras variadas: falta de renda; fome e má nutrição; doenças e alta
mortalidade; moradia inadequada e falta de moradia; ambientes inseguros;
26
E, aqui, há se que relembrar que, nos anos 60, as teorias sobre a “marginalidade” do
subdesenvolvimento afirmavam a necessidade de “integrar os marginais ao sistema moderno” como estratégia de
desenvolvimento para os países latino-americanos, colocando que, se a informalidade existia em relação ao sistema
estabelecido, era necessário conhecê-la para integrá-la, ou torná-la legal.
27
Esses períodos poderiam ser resumidos, quando referidos às maneiras de tratar a moradia dos
pobres e dos sem tetos urbanos, na forma apresentada por Salas como “evolução esquemática” das políticas de
habitação recentes na América Latina e que seriam comuns, de maneira genérica, a todos os países da região.
A referida “evolução” obedeceria à seguinte periodização: anos 60 , “dar moradia aos pobres”; anos
70, [...] colocadas em prática as políticas não convencionais de habitação; anos 80, “políticas de tolerância permissiva
com os processos informais de habitação” e, anos 90, - “nova estratégia facilitadora para acesso a uma moradia digna
para todos”. (SALAS, 2005, p. 78).
79
exclusão e discriminação social e falta de participação na tomada de decisões
importantes sobre suas vidas. Para a instituição, as atuais políticas
“facilitadoras” que contemplam a pobreza constituem um sistema de novos
princípios orientadores para as políticas de habitação, propiciando suporte aos
processos espontâneos, com recomendações que estimulam o financiamento
de ações de pequeno porte e pontuais, assistência técnica à gestão,
flexibilização das normas e das regras construtivas e a garantia de provisão de
terra (UNCS, 1997).
A partir da Conferência do Habitat II, de Istambul, em 1996, esses
mesmos princípios foram afirmados como recomendação de ações de
facilitação para o funcionamento do mercado, significando que o Estado, ao
mesmo tempo em que se recolhe da intervenção direta, é instado a promover e
a facilitar o mercado (no caso, da habitação), que passa a ser reconhecido
como o que melhor aplica os recursos.
A impossibilidade de acesso de grandes contingentes da
população ao mercado formal gera uma intervenção do Estado na legislação, o
que possibilita a degradação das leis e das conseqüentes formas de
implementação técnico-construtivas, enquanto constituição e representação de
padrões que passam a ser identificados como elitistas e impeditivos de os
pobres acessarem a habitação (e outros serviços, tais como educação, saúde,
etc., assim como a sustentabilidade).
2.3.3 QUALIDADE DE VIDA
Embora a expressão “qualidade de vida” faça parte da literatura
corrente e mais ou menos todos sabem o que é, julga-se importante, no
contexto do presente trabalho, o resgate de estudos e interpretações que
buscam identificar um quadro de referência conceitual e descritivo sobre a
qualidade de vida nas cidades. Esse quadro é aqui abordado considerando os
padrões e /ou a regulação urbanística e de habitação. A intenção é chamar
atenção para uma regulação (ou um regulado) que tenha sentido não apenas
de um ponto de vista legal e quantitativo, mas que, ao introduzir objetivos de
80
longo prazo e de referência às relações sociais e à ampliação das condições
de saúde, qualifique a vida no ambiente das cidades.
Um trabalho clássico desenvolvido (1975) pela ONU, através do
Committee for Housing Building and Planning, para a então Comissão
Econômica Européia (precursora da atual Comunidade Européia), criou um
framework para a discussão do conceito de “qualidade de vida” objetivando
orientar pesquisas nesse campo para os assentamentos humanos, ou seja,
visando identificar e descrever princípios válidos para a melhoria da qualidade
de vida no meio urbano, a partir das ações do planejamento urbano. Após a
realização de pesquisas empíricas e entrevistas com a população, o grupo
conceituou qualidade de vida a partir de duas explicações. A primeira identifica
qualidade de vida baseada na noção de que os seres humanos têm
necessidades inatas e aprendidas, e o bem estar é alcançado na medida em
que essas necessidades são atendidas, pelo acesso a mercadorias, a serviços,
pelos contatos com o outro e com o ambiente do entorno, ou seja, tudo aquilo
que seria responsável pelas medições de “satisfação das necessidades,
desenvolvimento de padrões ou especificações de qualidade para o ambiente
físico”. A outra explicação conceitual refere-se à qualidade de vida
fundamentada na possibilidade e na competência dos indivíduos e dos grupos
de mudarem e influírem sobre circunstâncias e seus destinos.
28
A partir dessa
avaliação, estudos e pesquisas buscaram medir e desenvolver padrões ou
especificações de qualidade, mostrando o grau em que as necessidades dos
indivíduos são satisfeitas à medida que os mesmos são capazes de mudar,
influenciar e decidir sobre suas vidas. Essa parte do conceito subdivide-se em
outras duas: a primeira, denominada “recursos” representando os meios que o
próprio indivíduo controla, e uma outra chamada de “determinantes”, que são
os meios que ele não consegue mudar e aos quais tem que se adaptar. A
combinação entre recursos e determinantes decide a “latitude” ‘ do indivíduo,
isto é, sua gama de possibilidades para agir. Esse desenvolvimento conceitual,
elaborado ainda na década de 70, explicaria, por exemplo, a ineficiência do PIB
como índice geral de bem-estar (tanto well-being como welfare): seria uma
média que não diz nada sobre as especificidades e escolhas de cada um, nem
28
Em inglês, a primeira explicação do conceito é chamado de well-being, e a segunda de welfare.
81
os esforços feitos pelo Estado ou pelos indivíduos para alcançarem o bem-
estar.
Essas visões são muito próximas das colocações devidas a
Amartya Sen, nos anos 80, sobre a importância do bem-estar na constituição
das “capacidades pessoais” (entitlements), em geral, e para quem, a pobreza é
um mundo complexo e multifacetado, com forte determinação individual, que
requer uma análise maior das suas dimensões do que a referência à linha de
pobreza, pois ela não se aplica a todos sem que sejam consideradas as
características e circunstâncias de cada indivíduo. O autor identifica, também,
fatores geográficos, sociais e biológicos que ampliam ou reduzem o impacto da
falta de renda para cada pessoa. Embora reconheça que “ser pobre” significa a
falta de vários elementos tais como educação, acesso à terra, saúde, justiça,
família, crédito, longevidade, acesso a oportunidades e aos meios de produção,
viver abaixo da linha de pobreza não significa apenas viver abaixo de uma
renda de um ou dois dólares por dia, mas viver com uma renda que não
permita ao indivíduo cobrir certas necessidades básicas, considerando suas
circunstâncias e os requerimentos do ambiente onde vive (SEN, 1998). A
dificuldade em precisar o que são necessidades básicas não estaria, segundo
Sen, no entendimento do que sejam as necessidades básicas materiais (como,
por exemplo, moradia, alimentação, vestuário), mas em definir o que é básico e
tudo aquilo que entra no rol das necessidades básicas imateriais - cultura,
lazer, participação, inclusão, etc. - e que deveria estar presente na ação pública
para a constituição das “capacidades pessoais”. O atendimento às
necessidades, portanto, deveria ser constituinte das políticas de
desenvolvimento preconizadas pelos organismos financiadores internacionais
atualmente.
Recentemente, estudos da Psicologia Ambiental têm resgatado as
idéias expressas por Maslow, nos anos 50, através da Pirâmide das
Necessidades (Maslow, 1950). Aquela estrutura de análise identificou a
existência de vários tipos de necessidades que precisam ser atendidas para
que a pessoa se sinta bem, saudável e em desenvolvimento pessoal. Para
Maslow, à medida que uma necessidade mais básica, ou fisiológica, é atendida
(alimento, abrigo, sono, sexo), uma outra, mais elevada (de conforto
psicológico, de segurança, de pertencer à família, ao grupo, de estima, de auto-
82
estima, de poder, de busca pelo belo, pela cultura, o prazer estético)
chegando, finalmente, à necessidade de meditação, de integração com a
natureza, de busca de Deus e da espiritualidade que também surgem para
serem atendidas.
Em 1999, a Organização Mundial da Saúde, apresentou um
estudo sobre qualidade de vida, onde o conceito foi apresentado nos seguintes
termos:
[...] qualidade de vida é a percepção que um indivíduo tem de sua
posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores no
qual ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões
e preocupações. É uma ampla gama de conceitos que incorpora de
maneira complexa a saúde física de uma pessoa, o seu estado
psicológico, o seu nível de independência, as suas relações sociais,
as suas crenças pessoais e sua relação com o ambiente. (Relatório-
OMS, 1999).
Muitos outros autores, na Europa, na América Latina e no Brasil,
têm-se debruçado sobre a questão da qualidade de vida e as mais variadas
abordagens estão disponíveis.
Um apanhado geral, com certeza incompleto, mas suficiente para
os propósitos deste trabalho, pode ser resumido como segue:
- as análises de qualidade de vida baseadas em necessidades
normalmente adotam a hierarquia de necessidades de Maslow
como ponto de partida;
- a qualidade de vida tem uma parte “objetiva”, que pode ser
medida e uma parte “subjetiva” difícil de avaliar, e ainda, entre
essas duas partes, há uma grande área cinza relacionada ao
propósito da análise que se quer fazer (por exemplo, educação,
bem-estar psicológico, segurança pessoal, etc.);
- os maiores impactos sobre a qualidade de vida ainda são
aqueles classicamente considerados (renda, educação,
83
emprego), sendo que gênero, idade e família têm impactos
menores;
- embora o papel determinante representado pela renda,
identifica-se que a situação pessoal que mais prejudica a
qualidade de vida (agindo sobre a auto-estima) é a baixa
educação, seguida de emprego não qualificado;
- em relação ao ambiente urbano, qualidade de vida refere-se à
avaliação e à busca da solução para a desigualdade, a
iniqüidade, a pobreza, ao acesso à habitação de qualidade, a
saúde e a educação, ao ar, à água, a espaços verdes, ao
patrimônio natural, à democracia, aos direitos à cidade, ao
sentimento de pertencer, valores a estéticos, ao patrimônio
histórico, ao emprego e à renda.
Para fins do presente estudo, é importante que se registrem esses
elementos, pois compõem, de maneira ampla, o quadro que configura a
concepção desenvolvida por Marcelo de Souza (estabelecido sobre o conceito
de autonomia de Castoriadis) (Souza, 2001), componentes dos requisitos de
qualidade de vida e de justiça social.
Há ainda que ressaltar a presença de um novo pensamento que
liga os países do sul e os do norte - ainda que de maneira não explicitamente
declarada e mesmo que baseada apenas em diferenças de consumo e
financeiras, mas reconhecendo as divergências existentes -, que permite a
introdução e da respaldo e validade política ao debate sobre os padrões em
relação ao habitat e ao papel dos mesmos na sustentabilidade urbana. Este
conceito (sustentabilidade urbana) é interpretado aqui, como o conjunto de
ações e processos que permitem o completo desenvolvimento do morador das
cidades em situação que garanta qualidade de vida e justiça social.
No Brasil, o desenvolvimento da Agenda 21 Brasileira - Bases
para a Discussão, é entendido como “a primeira etapa do processo de
incorporação do conceito de sustentabilidade ao desenvolvimento brasileiro”
(Agenda 21 Brasileira) e parte de diagnósticos sobre seis temas eleitos como
amplos o suficiente para cobrir as áreas prioritárias de avaliação e de
intervenção (agricultura sustentável, cidades sustentáveis, infra-estrutura e
84
integração regional, gestão dos recursos naturais, redução das desigualdades
sociais e ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável). Esse
diagnóstico elenca os problemas e as diretrizes gerais para a busca de
soluções sustentáveis, cabendo, agora, à sociedade a “definição de como
enfrentá-los”. Em 2003, a Conferência das Metas do Milênio para a América do
Sul e o Caribe, já assentada sobre o ideário da Agenda 21, identificou a
necessidade de iniciativas para combater a pobreza e as desigualdades
regionais.
A criação desses fóruns de debates e de busca de soluções para
a pobreza e a sustentabilidade urbana coloca a necessidade cada vez mais
emergente de abrigar, alimentar, fazer circular e reproduzir contingentes
maiores da população, o que pressiona o ambiente natural a procurar recursos,
espaços, produtos e consumo no complexo ambiente urbano.
Os questionamentos trazem à tona a incapacidade das políticas
públicas de darem conta das necessidades cotidianas e das demandas das
populações urbanas, assentadas, segundo Acselrad nas diversas “matrizes
discursivas da sustentabilidade urbanas”, constituídas por uma matriz com
discurso sobre a eficiência – que a defende no uso dos recursos do Planeta e
que apresenta propostas de “mercado” para lidar com isso; por uma matriz de
escala, cujas propostas estão baseadas na capacidade de suporte do Planeta,
nos limites ecológicos e no consumo per capita possível; por uma matriz
designada de eqüidade, que considera que a raiz da degradação ambiental é a
mesma da desigualdade social e que os pobres são as principais vítimas da
degradação; por um discurso da auto-suficiência, que defende as comunidades
tradicionais e as unidades domésticas das relações capitalistas; por uma
vertente articuladora do discurso sobre ética, que tenta ignorar as
preocupações com as situações de desigualdade social e econômica atuais em
nome de buscar fins socialmente desejáveis, desenvolvendo um discurso sobre
“deveres e obrigações morais.” Todos esses discursos buscam uma relação
de “causalidade teleológica”, ou seja, a causa é definida pelo fim. Isso significa,
em relação à sustentabilidade, a promoção, a partir de hoje, das práticas
produtoras da sustentabilidade futura. Essa proposição é questionada por
Acselrad, pois, segundo o autor, o objetivo é o de ”[...] reconstruir o presente à
luz de supostas exigências do futuro [...], e, historicamente, esse tipo de opção
85
é discutível, pois são os mesmos protagonistas da crítica da insustentabilidade
do modelo de desenvolvimento os que ocupam posição dominante e
“[...]privilegiada para dar conteúdo à própria noção de sustentabilidade”
(ACSELRAD, 2001, p.30).
Em outra abordagem política do discurso “sustentável”
Boaventura de Souza formula um conceito apontando os sete aspectos que
devem ser considerados para o desenvolvimento sustentável: democracia
participativa produção solidária, diálogo intercultural, intersexos e inter-
religioso; gerenciamento financeiro feito pelos cidadãos; pacto ambiental; pacto
sobre a terra (terra urbana) e pacto educacional. Essa “agenda” auxilia na
formação de um background explicativo para a crítica que se pretende sobre a
problemática da flexibilização dos padrões da habitação e urbanos, pois se
apresenta como um respaldo teórico, com referências técnicas e dados que
amarram de maneira clara e consistente as deliberações do Estado em relação
às suas ações de promoção da habitação, assim como de suas deliberações
econômicas em relação a salário e renda (BOAVENTURA DE SOUZA, 2004).
Entende-se, como o autor Marcelo de Souza, que o
desenvolvimento sócio-espacial é um tratamento conceitual, em um plano mais
abstrato, do desenvolvimento em conexão com o ambiente urbano. Nesse
sentido, ele ocorre quando há uma melhoria da qualidade de vida com justiça
social. Logo, a mudança social positiva é o desenvolvimento sócio-espacial,
aquele que contempla as relações sociais e o espaço.
Assim, melhorar a qualidade de vida é atender à crescente
satisfação das necessidades (básicas e não básicas, materiais e imateriais) de
parcelas cada vez maiores da população. E a busca da qualidade de vida tem
como norte e objetivo a justiça social, sendo essa uma complexa discussão,
pois tem múltiplos entendimentos do que seja “o justo”. Então, é importante
identificar algumas leituras e conceituação sobre a questão da justiça social,
especialmente a partir do conceito de autonomia, na reflexão de Marcelo de
Souza sobre o trabalho de Castoriadis
29
, que conjuga, no conceito, “[...]a busca
da igualdade com o respeito à alteridade” (SOUZA, 2001, p. 64).
29
Cornelius Castoriadis (1922-1997): economista e filósofo greco-francês, foi o fundador do grupo
de pesquisa e da revista francesa Socialism ou Barbárie (1948), no mesmo período em que rompeu com o marxismo.
86
Para esse autor, a necessidade de operacionalizar o
desenvolvimento sócio-espacial (a criação de parâmetros regradores) guia-se
pelo conceito de autonomia:
Mais justiça social e melhor qualidade de vida, são, de um ponto de
vista operacional, parâmetros subordinados àquele que é o parâmetro
essencial do desenvolvimento sócio-espacial: a autonomia. (SOUZA,
2001, p. 64).
A autonomia teria duas determinantes: uma individual e uma
coletiva. A autonomia individual determina a capacidade dos indivíduos de
estabelecerem metas próprias e perseguí-las, de refletirem sobre sua própria
situação, condições físicas e psicológicas e possuírem instituições que
garantam a igualdade de oportunidades, as condições materiais e as
informações para tal. A autonomia coletiva dependeria das instituições sociais
que garantam a justiça, da possibilidade de pensamento crítico sem opressão
sobre os indivíduos, que estes defendam as instituições e que seja garantido o
direito à diferença. Ambas as faces possuem valor instrumental e valor
intrínseco, sendo “constructos abstratos imprescindíveis” que agem associados
e referentes à esfera pública e à esfera privada. Assim, para que os parâmetros
Sua obra A Instituição Imaginária da Sociedade (1975) apresenta o ponto culminante de suas idéias: o conceito de
autonomia, segundo o qual, todas as sociedades produzem seus próprios imaginários (leis, instituições, crenças e
comportamentos), mas a diferença entre uma sociedade heterônoma e uma sociedade autônoma é que, nesta última,
os seus membros têm consciência e auto-instituem as mesmas. Sua concepção, que buscou inspiração na herança
grega clássica da polis e nas experiências do movimento operário francês, tem importante papel na idéia de
“refundação” da democracia. Sua sociedade autônoma é aquela onde os dirigentes desapareceriam, e seria gestionada
por todos os cidadãos conscientes, mas não estaria nunca livre do conflito e do poder. A citação a seguir, mostra muito
de suas idéias: [...]uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas para sempre. Uma sociedade justa
é uma sociedade onde a questão da justiça permanece constantemente aberta, ou seja, onde existe sempre a
possibilidade socialmente efetiva de interrogação sobre a lei e sobre o fundamento da lei. Eis aí uma outra maneira de
dizer que ela está constantemente no movimento de sua auto-instituição explícita (SOUZA, 2002). (Citação retirada de
Marcelo de Souza, 2003, pág 175. Texto composto pela autora a partir de Marcelo de Souza e de pesquisa na Internet,
em de páginas da web, em especial, nos sites: <www.aigis.com/dn/castoriadis.html
>;
<www.chronicle.com/free/v50/i29/29a01401.html
>; <www.marxists.org/français/general/castoriadis> e
<www.castoriadis.org/fr/default.asp
>.) Consultas realizadas em setembro e outubro de 2006.
87
sejam adaptados à realidade histórica, cultural, econômica e espacial
particulares dos grupos existentes em determinada sociedade, eles devem ser
realizados pelos indivíduos envolvidos com o planejamento e a gestão em
determinado tempo e espaço, e não apenas pelo planejador e o pesquisador
profissional. Isso não significa que se vá “perder a referência teórico-conceitual
e metodológica mais geral”, mas que os grupos beneficiários não serão “[...]
recebedores passivos dos benefícios materiais, mas, sim, os agentes
controladores do próprio processo” (SOUZA, 2001, p. 68).
A idéia de que os indivíduos e grupos definam os conteúdos e
proponham suas prioridades é o que garantirá uma maior qualidade de vida e
uma justiça social e identifica que ambos os conceitos estão subordinados à
autonomia, que alcançá-los é determinante no desenvolvimento sócio-espacial
e que preciso manter-se a busca da autonomia como horizonte para a ação,
sendo parâmetro determinante do desenvolvimento sócio-espacial. Justiça
social e qualidade de vida têm uma complementaridade essencial: qualquer
uma das duas é insuficiente sem a outra, para a avaliação e as estratégias de
desenvolvimento sócio-espacial. Enquanto a justiça social é medida pelos
parâmetros responsáveis por exclusão-inclusão, desigualdade socioeconômica,
oportunidade de participação e de decisão sobre fatores importantes da própria
vida, os parâmetros associados à qualidade de vida são aqueles relativos à
satisfação das necessidades individuais, tais como alimentação, habitação
saúde, educação. O objetivo fundamental do planejamento urbano seria, então,
a busca da qualidade de vida, tendo como horizonte, ou guia, a autonomia. O
autor avança a idéia de que uma sociedade justa requer uma outra
conformação espacial, embora esta sozinha não determine as relações sociais.
Uma sociedade mais justa pressupõe instituições econômicas e sociais que
produzam a delegação direta do poder, a descentralização territorial, a
utilização de novas tecnologias de comunicação e de informação e, também,
novas formas espaciais.
A importância assumida por essa conceituação e a necessidade e
o desejo de utilização do conceito como um elemento de avaliação e/ou
medição real para a tomada de decisões das políticas públicas de caráter
social levaram à criação e à utilização dos “Indicadores de Qualidade”. Esses
são uma forma simplificada de se referir ao fenômeno complexo de interação
88
entre as variadas concepções, análises, técnicas, e componentes que são
levados em conta, no entendimento e na formulação de uma avaliação da
qualidade de vida na cidade e têm sido crescentemente utilizados.
Internacionalmente, são usados pelo Banco Mundial, pela ONU e por seus
órgãos especializados, pela CEPAL, pela OECD e, no Brasil, pelo IBGE e pelo
IPEA e, no Rio Grande do Sul, têm sido desenvolvidos e utilizados pela FEE.
2.3.4 JUSTIÇA SOCIAL
Originalmente, o conceito de justiça está baseado nas idéias
desenvolvidas por Tomás de Aquino (1225-1274), que a definiu como “[...] uma
certa retidão da mente, que leva o homem a fazer o que deve ser feito nas
circunstâncias enfrentadas[...]”, o que reflete a visão cristã de que os homens
são iguais perante Deus, e, devem tratar-se uns aos outros a partir desse
entendimento, portanto, com respeito. Reflete, também, a necessidade de se
obedecer princípios de moralidade para atender à responsabilidade devida a
Deus. A expressão justiça social, expressa pela primeira vez pelo Jesuíta Luigi
Taparelli, em 1840, em crítica ao capitalismo e ao socialismo, hoje admite
diferentes significados e interpretações, como a feita por Marion Young
(YOUNG, 1990), que a define por oposição à opressão, assumindo ampla
extensão sobre diferentes dimensões da vida social, desde o cotidiano até às
relações internacionais. A interpretação de Young dá ensejo ao que David
Harvey (HARVEY, 1999) identifica como o atual papel do planejador nesse
âmbito: o de pensar sobre os resultados de suas ações sobre o ambiente (e
buscar ações sustentáveis).
Duas encíclicas papais, especificamente, referem-se à questão da
justiça social: em 1891, a Rerum Novarum, sobre a Condição da Classe
Trabalhadora, rejeitou tanto o capitalismo como o socialismo, mas defendeu os
sindicatos e a propriedade privada, vendo nesses organismos espaços para a
defesa da justiça social. Em 1931, a Quadragesimo Anno, sobre a Restauração
da Ordem Social, colocou a justiça social como uma virtude individual, portanto,
só poderia ser justa uma sociedade onde os indivíduos fossem justos.
Recentemente (2006) o Papa Bento XVI, na encíclica Deus Caritas Est – Deus
é Amor- defende que a justiça social é uma questão política, e não da Igreja,
89
para a qual a questão central é a caridade e a formação moral daqueles
envolvidos com a política.
Para o pensador liberal John Locke, as pessoas possuem
bondade e beleza inatas, e, portanto, se individualmente cada um busca seu
prazer, sua felicidade e seus interesses, os interesses gerais da sociedade
serão alcançados no longo prazo, e, a justiça social será atingida.
A justiça social, desde as últimas quatro décadas, tem estado
associada, dentre outros, ao pensamento de John Rawls. Esse autor, em seu
livro A Theory of Justice (1971), afirma que a legitimidade da justiça está
baseada no contrato social e a interpreta como um conceito filosófico apolítico.
Para o autor, todas as sociedades possuem um conjunto de estruturas
econômicas, sociais e políticas, formais e informais, as quais são justas, se as
pessoas concordam em se submeter a elas. Esse aceitar, ou submeter-se, é
expresso pelo poder representativo, seja de um pequeno grupo, seja a
representação política através do governo nacional. Se o governo falha em
garantir o bem-estar de seus cidadãos, de acordo com os princípios da justiça
(que concordam com os “direitos humanos”), então, ele não é representativo.
Essa visão, bastante de acordo com as políticas distributivas e de diminuição
da pobreza atualmente promovidas (ABRAMO, 2003), sofre críticas de Marcelo
de Souza, que interpreta ser a perspectiva rawlsiana muito “[...] apropriada para
a tarefa nada ambiciosa de melhorar um pouco a qualidade de grupos
desprivilegiados nos marcos das sociedades capitalistas[...]” e contrapõe a
essa visão a de Castoriadis, que apresenta uma possibilidade muito mais
completa para a autonomia individual e coletiva (SOUZA, 2001, p. 153).
A justiça social é também entendida como um dos “quatro pilares”
do Partido Verde (sendo os outros três: a sustentabilidade, a democracia
participativa e a não-violência) e defendida mundialmente pelas vertentes
nacionais do partido, para o qual todas as pessoas devem ter as necessidades
humanas básicas atendidas. A justiça social, para esses grupos, é
desenvolvida dentro da herança filosófica do movimento pacifista, dos direitos
civis, dos movimentos dos trabalhadores e ambientalista e significa a luta pela
não-discriminação devido à classe, ao gênero, a etnia ou à cultura, incluindo a
erradicação da pobreza, do analfabetismo, o estabelecimento de uma política
90
ambiental efetiva e a igualdade de oportunidades para o um desenvolvimento
pessoal e social saudável.
Para Marion Young, baseando-se em Habermas, a justiça social
não se refere somente à distribuição e à quantidade (de renda, de direitos, de
participação), mas às condições (inclusive institucionais) necessárias ao
desenvolvimento das capacidades individuais, da cooperação e da
comunicação cooperativa, e, para isso, devem estar ausentes a opressão e a
dominação da sociedade (YOUNG, 1990)
30
. A autora identifica um
estreitamento no escopo do conceito de justiça nos atuais movimentos
políticos, que originalmente identificavam “[...] a virtude de uma sociedade
como um todo, que trabalhavam para o bem-estar de todos e para a promoção
da felicidade e da harmonia entre os cidadãos[...]” ou da política como co-
extensiva do conceito de justiça. Isso levou o conceito a se limitar às questões
distributivas e quantitativas, promovendo uma desvalorização das questões de
tomada de decisão, de divisão do trabalho e de cultura, focos da atenção de
Young, que questiona sobre as condições institucionais que os promovem. A
não-realização desses valores significa opressão e dominação, ambas,
identificadas como conceitos que se justapõem, (embora a opressão inclua a
dominação). A autora explicita sua visão, indicando que a injustiça se manifesta
através das cinco faces da opressão, e identificadas como: exploração,
marginalização, falta de poder, imperialismo cultural e violência.
Um importante texto de David Harvey, Justiça Social, Pós-
Modernidade e a Cidade , de 1999, interpreta a visão das cinco faces da
opressão cunhada por Young, do ponto de vista de uma forma de planejamento
urbano que pense “[...]cidades onde se possa viver e trabalhar no século XXI”
(Harvey, 1999, p.21). À interpretação de Young sobre a questão da exploração
(vista como uma situação de injustiça crônica para com os desempregados e
os sem-tetos; como falta de poder de compra para atender as necessidade e
de serviços básicos de substanciais parcelas da população). Harvey aponta
que
30
Seguidora da teoria crítica e vinculada a Habermas e Foucault, a cientista política Marion Íris
Young (1990) pertenceu ao novo movimento social norte-americano, foca seu debate no conceito de opressão, que é
interpretado como “central para o discurso dos movimentos sociais emancipatórios”(Young, 1990).
91
[...] as práticas de planejamento e as políticas que se pretendam
justa, precisam confrontar diretamente o problema de criar formas de
organização política e social e sistemas de produção e consumo que
minimizem a exploração da força de trabalho tanto no local de
trabalho como no local de moradia[...](Harvey, 1999, p. 31).
A segunda face é a marginalização, que, conforme Young se
manifesta naquelas pessoas que o sistema de trabalho não utiliza e não
utilizará, devido a questões culturais, de idade, de gênero, de etnia e similares.
Harvey identifica aí uma oportunidade para o planejamento urbano e para as
práticas políticas “[...] enfrentarem o fenômeno e encontrarem maneiras de
organizar e de militar de modo a liberar os grupos cativos deste tipo de
opressão “[...]. Em relação à falta de poder, Young refere-se ao direito de as
pessoas serem escutadas com respeito, o que abrange desde as relações
pessoais até as relações entre os países. David Harvey coloca, sobre essa
terceira face da opressão, a proposição de que práticas políticas que se
pretendam justas precisam “[...] empoderar o oprimido, para a participação
política e para a auto-expressão [...]”. A quarta face da opressão, expressa
como imperialismo cultural por Young, relaciona-se às formas como os
significados de um grupo dominante o formam hegemônico, fazendo com que o
outro grupo seja O OUTRO. Para Harvey, o planejamento e as práticas
políticas justas devem buscar “[...] eliminar a atitude imperialista tanto das
formas de consulta popular como da formulação de projetos [...]“. A quinta face
é a violência, que tem suas bases materiais nas condições do capitalismo de
mercado, em intrincadas relações com o Estado e com o crime organizado,
gerando espaços urbanos militarizados e defensivos. Na interpretação de
Harvey, o planejamento e as práticas políticas que se pretendem justas devem
buscar formas “[...] não militarizadas e não excludentes de controle social, que
não destruam o empoderamento nem a capacidade de auto-expressão [...]”
(Harvey, 1999).
92
Nessa reinterpretação específica para as ações de planejamento,
a partir dos estudos críticos de justiça social de Young, Harvey acrescenta uma
sexta proposição: a de que o planejamento e as práticas sociais que se
pretendem justas devem reconhecer as conseqüências ambientais de suas
ações e agir de maneira a garantir a diminuição de seus impactos negativos
O presente trabalho adota a concepção de justiça social na forma
como é enunciada por Marcelo de Souza em sua interpretação associada à
qualidade de vida, a qual foi desenvolvida pelo autor a partir do conceito de
autonomia de Cornelius Castoriadis (SOUZA, 2001) e cuja definição completa
está na secção 2.3.3 – Qualidade de Vida.
2.3.5 INFORMALIDADE
No caso da habitação da população de baixa renda, o termo
informal representa a oposição ao “legal” ou ao “regido pela lei”, seja ela a lei
da propriedade da terra ou a legislação urbanística, sendo a expressão,
propriamente, definida por oposição ou em referência ao “formal”.
Originalmente a expressão “setor informal” é atribuída à
economista norte-americana Tina Wallace que a utilizou em um estudo que
aparece em 1973 sobre a Uganda. A denominação veio substituir a utilização
de termos como “setor não estruturado”, “setor de transição” e “economia de
bazar” este último utilizado com referência ao comércio de pequena escala do
Oriente. Em termos da economia, o setor informal é entendido a partir do setor
dominante, ou “formal”, e é assim definido por Coraggio:
O setor informal costuma ser delimitado conceitualmente, justapondo
- com ponderação variável – diversos critérios: atividade econômica
ilegal, áreas pequenas; tecnologia intensiva de mão-de-obra; baixa
produtividade do trabalho; trabalho por conta própria com baixa
renda; comércio ambulante; artesanato; serviço doméstico; baixa ou
nenhuma capacidade de poupança; domínio das relações pré-
93
modernas com relações de parentesco ou de mestre-aprendiz;
valores solidários, etc. (Coraggio, 1991, p. 13)
31
Milton Santos diz que a noção de “organização informal” surge do
conceito de racionalidade de Max Weber, segundo o qual ‘[...] somente a
organização formal seria eficaz [...]’, a partir de normas e procedimentos
burocráticos, controle, busca de eficiência e das finalidades propostas, enfim,
da burocracia. O termo passou a ser incorporado por muitos pesquisadores e
autores desde meados dos anos 70, quando o Banco Mundial passou a adotar
a expressão (SANTOS, 1979, p. 47).
Para a América Latina, a informalidade é uma grande fonte
geradora de renda para a população, especialmente para os mais pobres e os
sem nenhum tipo de formação ou especialização de trabalho. A Organização
Mundial do Trabalho informa que, no período 1990-2000, cerca de 85% dos
postos de trabalho criados estavam na economia informal, o que revela seu
papel de importância na economia nacional e regional. É baseado nesta
realidade, De Soto promove suas idéias, basicamente no Peru, pois a
economia informal não tem uma infra-estrutura de mercado que lhe permitiria
resolver os problemas da produção (ou da habitação, isto é, de acordo com De
Soto, ter um endereço, ter direito de propriedade claro e universal dá acesso ao
mercado. Isso, então, colocaria a produção informal, artesanal, habitacional
dos pobres, no mercado. No entanto, essa ideologização da informalidade e
das formas milagrosas, descritas por De Soto, de como o pobre pode ir ao
mercado, somente esconde a verdade de que as leis que um país faz são o
reflexo do poder político, e que este é determinado pelo poder econômico.)
31
O texto no original: “El“setor informal” suele delimitar-se conceptualmente yuxtaponiendo – com
ponderación variable – diversos critérios: atividade econômica ilegal; establecimientos de tamaño pequeño; tecnologia
intensiva em mano de obra; baja produtividad del trabajo; trabajo por cuenta própria, com bajos ingresos; comercio
callejero, artesanías, servicio doméstico; bajo o ninguna capacidad de acumulación; predomínio de relaciones pré-
modernas, como las relaciones de parentesco o las de maestro-aprendiz; valores solidários, etc. (CORAGGIO, 1991,
p.13).
94
Do ponto de vista da habitação, autores concordam que o setor
informal ou ilegal se refere à ilegitimidade da propriedade da terra e ao não
atendimento das normas legais urbanísticas. Isso pode ser visto na afirmação:
[...] o único critério uniforme que distingue as áreas invadidas dos
outros tipos de moradia na cidade é o fato de constituírem uma
ocupação ‘ilegal’ da terra, já que sua ocupação não se baseia nem na
propriedade da terra nem no seu aluguel aos proprietários legais [...]
(TASCHNER, 2003, p.19).
Assim, a nomenclatura foi sendo alterada, aos poucos, para o de
“informal”, e a nomeação anterior foi sendo abandonada. Embora continue a
situação de ilegalidade, a identificação como “informalidade” foi se constituindo
a partir da identificação desses espaços como os lugares destituídos da
regulação jurídica formal e, portanto, área informal. A autora também identifica,
em estudos da Prefeitura de São Paulo e do IPT-FUPAM, definições para as
favelas consideradas como:
[...] conjunto de unidades domiciliares construídas em madeira, zinco,
lata, papelão ou alvenaria, em geral distribuídas desorganizadamente
em terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para
aqueles que os ocupam [...] (TASCHNER, 2003, p.21).
Novamente, a propriedade da terra é a constante na identificação
do assentamento chamado favela, o que permite a Taschner também concluir
que “[...] a variável mais adequada à definição de favela é o estatuto jurídico da
terra” (TASCHNER, 2003). O aspecto verdadeiramente formal da propriedade
da terra ocorre quando um indivíduo, proprietário de um terreno, tem essa
propriedade registrada em seu próprio nome, em um Cartório de Registro de
Imóveis. Isso constitui a legalidade, na forma jurídica, em relação à propriedade
da terra e atribui, por contraste, às áreas ocupadas ou invadidas o caráter
jurídico de ilegal. Baseada em estudos do IBGE para São Paulo, a autora
95
observa que o Instituto vem descrevendo as áreas de favelas, ao longo dos
anos, mantendo como critério a avaliação do estatuto jurídico da terra, ou seja,
a invasão ou a ocupação de terras de maneira ilegal.
A partir de 2000, ao considerar as favelas, o IBGE passou a
identificá-las como aglomerados subnormais, que são assim descritos pelo
órgão: “[...] um setor especial do aglomerado urbano formado por pelo menos
50 domicílios, na sua maioria carentes de infra-estrutura e localizados em
terrenos não pertencentes aos moradores “ (IBGE, Censo, 2000).
A segregação espacial promovida pelas classes de altas rendas
gera a conformação dos espaços da informalidade, que são os piores lugares
das cidades: as áreas alagáveis, as áreas com altas declividades, sem redes
de serviços (água, esgoto, transporte), em espaços invadidas e sem a posse
da terra, nas casas com altas densidades, insegurança e proximidade com a
violência. Podemos ver uma descrição do que seria a habitação informal, na
crítica de Maricato à falta de políticas públicas para a moradia da população de
baixa renda:
[...] Na ausência de alternativa habitacional regular a população apela
para seus próprios recursos e produz a moradia como pode. As
conseqüências desse universo de construção, completamente
desregulado, ignorado pelo Estado, são trágicas, dadas as suas
dimensões. (MARICATO, 2001, p.71)
2.4 RESUMO DO CAPÍTULO
O presente capítulo foi desenvolvido buscando:
- revisar a bibliografia, apontando os marcos conceituais e os
paradigmas sob os quais o trabalho se desenvolve;
- apresentar um quadro geral de formação dos padrões que
incorporam critérios médicos de saúde à habitação;
- identificar que, ante novos conceitos de pobreza no âmbito de
acelerado processo de urbanização e de políticas liberais de
mercado, os padrões passam a ser flexibilizados;
96
- estabelecer uma relação entre habitação e saúde, mostrando
os padrões frente ao campo da saúde pública, que privilegiae
insiste no papel da habitação na obtenção da saúde física e
mental;
- explicitar, nos padrões, a relação com a saúde, bem como
reivindicar e articular a importância das ligações entre política
habitacional, padrões e os campos da saúde;
- apresentar os conceitos de pobreza e sua relação com a
flexibilização dos padrões;
- conceituar qualidade de vida e justiça social no quadro sócio-
espacial e as interconexões com a sustentabilidade, referida no
quadro da legislação representada pelo Estatuto da Cidade,
que promove o direito à cidade e à sustentabilidade urbana.
CAPÍTULO 3 – DESENVOLVIMENTO DAS ANÁLISES
3.1 INTRODUÇÃO
O presente Capítulo 3, Desenvolvimento das Análises, responde
às questões e comprova as hipóteses da tese através dos quatro Temas
descritos na Metodologia e apresentados na Seção 1.6.1, Tabela 1, Estrutura
analítica e fundamentação teórica.
Iniciando no Tema 1, é estabelecida a relação entre habitação e
saúde, primeiro passo para a interpretação da relação entre habitação,
qualidade de vida e justiça social permeada pela referência aos padrões. A
questão é respondida a partir de um estudo histórico dos padrões que busca
explicitar como os mesmos evolveram, ao longo dos anos, e seu papel na
qualificação espacial. São discutidos tanto os avanços devidos às alterações
nos conceitos e critérios de saúde, promovidos pela saúde pública e áreas
afins, como as alterações nos dispositivos urbanísticos, no intuito de garantir
segurança e saúde, através do controle das condições da habitação. A
flexibilização dos padrões é questionada ante a possibilidade de perigo,
colocada pela análise de Sartori (1981), de que as atuais políticas públicas
estejam criando o oposto de suas intenções originais. Essa possibilidade é
avaliada contraposta aos ganhos - de qualidade de vida e de justiça social -
assentados na incorporação dos padrões às soluções habitacionais, ao longo
do tempo.
O Tema 2 questiona o planejamento urbano que, com visão de
curto prazo, entrega às escolhas econômicas a determinação das políticas de
regularização fundiária e de urbanização de favelas, agindo pontualmente e
desconsiderando as demais possibilidades presentes nas políticas públicas de
habitação, dentre elas, a potencialidade para aumentar as sinergias e as
98
repercussões positivas, latentes, de combate à pobreza e abrangência em
outros níveis da qualificação espacial.
O Tema 3 traz a hipótese de que a flexibilização dos padrões
grava a diferença no espaço urbano, perpetuando a situação existente de
exclusão sócio-espacial. A comprovação dessa hipótese é feita através da
avaliação de situações empíricas após a aplicação da política pública de
regularização fundiária que identifica a ocorrência de integração/não-integração
do assentamento ao tecido urbano do entorno e internamente. Essa
comprovação é feita com a intermediação de mapas axiais / análise sintática
(Hillier-Rigatti) e pela leitura qualitativa dos assentamentos já regularizados.
O último Tema desenvolvido discute a flexibilização dos padrões
em situações concretas através da análise da legislação e dos possíveis efeitos
dos padrões e dispositivos urbanísticos flexibilizados nos moradores das áreas
regularizadas e as repercussões sobre a cidade formal. Busca-se a
comprovação dessa hipótese pela identificação de que ocorre a assimilação do
informal que passa a ser um “regularizado”, abrindo mão dos dispositivos
urbanísticos (ou padrões) que foram, historicamente, desenvolvidos sobre
critérios de saúde.
3.2 DESENVOLVIMENTO DO TEMA 1
A constituição de padrões habitacionais e urbanísticos é resultado
de um processo cumulativo e histórico no qual os critérios de saúde
foram determinantes. Estará a flexibilização dos padrões criando o
que é identificado por Sartori como “o perigo oposto”?
3.2.1 INTRODUÇÃO
Com o objetivo de identificar os critérios de saúde sobre os quais,
ao longo dos anos, os padrões têm sido estabelecidos, desenvolve-se a
presente questão ante a possibilidade de integrar e estender olhares distintos
que buscam soluções para a habitação e o espaço urbano. Acompanham-se as
alterações nos dispositivos urbanísticos presentes na legislação e que
99
representam as concepções que se sucederam, transformando as cidades,
como instrumentos que regulam e controlam o espaço, no Brasil.
Entende-se por aporte dos padrões a incorporação de
especificações (técnicas, culturais, econômicas, sociais, estéticas) construtivas,
de infra-estrutura e de serviços que vêm buscando, ao longo dos anos,
promover e resguardar, na habitação, a saúde e a segurança dos moradores.
Na maioria das vezes, como produtos da racionalidade técnica e da intenção
do Estado em proteger os habitantes de soluções especulativas, promovendo a
segurança das populações; em outras, como instrumentos coercitivos e a
institucionalização de regras limitadoras das localizações dos pobres na
cidade.
A partir da avaliação de um quadro histórico que contempla a
constituição e a flexibilização dos padrões, ao longo da estruturação da
legislação urbanística e das políticas públicas de habitação, busca-se juntar
dois circuitos do conhecimento: o das áreas da saúde (que implica avaliações
sobre a importância dos espaços para a saúde dos habitantes) e o do
planejamento e da arquitetura, onde o espaço, na sua relação com a vida
social, é determinante na garantia da qualidade de vida e da justiça social.
É encontrada uma significativa convergência de olhares e
propostas, entre os autores, em relação à importância do espaço urbano e da
moradia na qualidade de vida, e, desse ponto de vista, as políticas públicas são
avaliadas sob a perspectiva de Sartori (1981), buscando verificar se, para a
situação de Porto Alegre, as mesmas consideram o cálculo dos meios e o
perigo oposto, ou seja, as condições que possibilitam, a formulação e a prática
conseqüente da política proposta, assim como a possível ocorrência de efeitos
inesperados e indesejados, produzidos a partir desta prática, sobre os
moradores dos assentamentos irregulares e suas extensões e reflexos na
cidade formal.
Para responder a esse quadro, são percorridos os seguintes
passos: (i) o estabelecimento dos padrões e as políticas públicas; (ii) um
arrazoado teórico dos significantes políticos da relação entre qualidade de vida
e espaço urbano, que possibilita uma análise crítica quanto à constituição do
espaço e os efeitos deste nas populações; (iii) estudos das áreas da saúde que
buscam referência na habitação para a promoção da saúde; (iv) uma
100
interpretação, à guisa de conclusão sobre as práticas e as formulações das
políticas públicas em Porto Alegre. Essa interpretação é feita acompanhando
as visões do espaço lidas à luz das idéias de autores (Souza, Salingaros,
Mascaró), assim como se busca identificar, na fundamentação da legislação
flexibilizada, a referência ao cálculo dos meios e aos efeitos de suas ações, de
acordo com a interpretação sobre a formulação de políticas públicas de Sartori
(1981).
3.2.2 OS PADRÕES E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
No presente estudo, o estabelecimento de um valor para um
padrão ocorre a partir da identificação de uma necessidade referente à saúde
que pode ser respondida através de um dispositivo habitacional ou urbanístico.
Como exemplo da complexidade envolvida neste processo verifica-se a
constituição do padrão “área de dormitório”, que é fixado pela lei nº. 3427 de
novembro de 1929, em relação à área de um quarto de dormir, e que gerou
grande polêmica, à época. No presente exemplo, o padrão, que visava a
construção da moradia econômica no país, assume vários sentidos: 1)
demonstra que a casa econômica ou para os pobres, era pensada como
constituída de vários elementos além dos custos; 2) apresenta a forma como
um padrão pode ser constituído, sob a perspectiva da saúde, como é aqui
pretendida; e 3) pode ser lido como o momento em que os técnicos da
construção “passaram a ocupar o espaço político-institucional” ao realizarem
discussões para a moradia dos trabalhadores, ou a “casa econômica”.
Em 1931, São Paulo sediou o Primeiro Congresso de Habitação,
onde engenheiros, arquitetos e médicos apresentaram projetos, para serem
aplicados às cidades brasileiras, partindo de um conjunto de conhecimentos
técnicos que acompanhavam preceitos morais e higiênicos provenientes de um
conjunto de idéias sobre a “influência do meio” no comportamento dos
indivíduos. O Congresso ensejou uma crítica às favelas e às cabeças-de-porco
identificadas como o “empecilho absoluto ao reerguimento físico e moral da
classe operária” a partir do pressuposto de que o ambiente é responsável pela
vida e saúde da população de baixa renda, gerando, então, propostas para a
habitação econômica (Carpintero, 1997) porque a preocupação com a higiene
se fazia acompanhar por uma outra preocupação: a dos custos para a
101
construção. Um projeto econômico, considerava à época, os seguintes
parâmetros: um número mínimo de compartimentos da casa (que deveria ser
três: quarto, cozinha e banheiro); que as portas e janelas deveriam possuir 1/5
da área a iluminar; o pé-direito com um mínimo de 4m; os assoalhos
levantados a 0.50m do solo; beiral com 0.30m de saliência e outras
determinações.
Desses elementos, o pé-direito era considerado um elemento
importante sob um outro aspecto: dizia respeito à circulação de ar na
habitação. Essa consideração gerava uma polêmica entre os engenheiros e os
construtores. Os primeiros, defendendo que as razões higiênicas e estéticas
exigiam um pé-direito de 4m e os construtores, que as razões econômicas dos
custos da construção requeriam um pé-direito menor, contexto onde o famoso
engenheiro Bachheuser declarava que “em um paiz tropical, há necessidade de
um grande volume de ar para não morrer abafado” e calculava que “se
colocarmos uma pessoa em um local com uma dimensão de 2m³ e fechado, o
ar estará viciado em 2h e 39 minutos” (Eng. Backheuser(1906) apud
Carpintero, 1997).
Essas colocações geraram um série de estudos para encontrar a
fórmula capaz de assegurar o volume necessário de ar para cada aposento,
desde tirar o forro, colocar outra janela para garantir a ventilação cruzada,
aparelhos elétricos, etc.: a justificativa era que tendo ar em movimento se
poderia ter um pé-direito menor (de até 2.60m, mais econômicos e não mais os
4m, em vigor, à época) garantindo a renovação do ar, e, portanto, a higiene.
Mas as áreas mínimas dos cômodos também eram fundamentais
para os custos da construção. Quando a lei nº. 3427/29 fixou a área mínima do
dormitório em 12m² para as casas de um dormitório para a população de baixa
renda, e 10m² e 8m² para as casas com mais de um dormitório, os construtores
passaram a criticar. Argumentavam ser “inadmissível que um quarto de 10m²
pudesse abrigar três pessoas, enquanto era proibido “a aprovação de plantas
com quartos de 9m² e 7m² “destinados a uma só pessoa (Carpintero, 1997). E
isso era interpretado como a lei proibindo 18m³ para uma só pessoa isolada
(6m² de área de piso x 3m de altura do pé-direito - valor escolhido por ser
menor do que o mínimo proibido para dormitório de 7m²), mas permitindo 30m³
para três pessoas juntas ou seja, 10m³ para cada uma: com essa crítica, os
102
engenheiros concordavam que era necessário garantir uma circulação
constante do volume de ar. Era calculado, à época, que “o homem precisa para
respirar de 6m³ a 7m³ por hora; assegurando-se uma boa ventilação, isto é, a
renovação constante do ar viciado, pode-se agrupar diversas pessoas, desde
que essa renovação seja proporcional ao número de pessoas” (Fagulin, (1942)
apud Carpintero, 1997).
“Baseados nesses dados, os técnicos concluíram que a área de
7m² era suficiente para os quartos” e essa redução do tamanho dos dormitórios
decorria da necessidade de incorporar nas plantas das casas econômicas, um
segundo dormitório, para os filhos, pois segundo eles “de nada adiantava
construir um dormitório de 12m² ou 14m² se a família vivesse em total
promiscuidade” (Carpintero, 1997, pág. 117).
Estas informações e dados permitem que se interprete o
estabelecimento de padrões e dos dispositivos urbanísticos e habitacionais,
como assentados sobre vários critérios e podendo ser avaliados sob vários
ângulos. No presente trabalho, optou-se por uma avaliação sob o ponto de
vista da saúde. A teoria que estabeleceu a necessidade de um volume
específico de ar para a respiração (e, portanto, para a saúde), produziu estudos
e medições que estabeleceram o volume mínimo necessário por hora, por
pessoa, o que tem uma representação como espaço construído: área e volume
de construção. Áreas menores, portanto, poderiam causar todos os problemas
relacionados à falta de oxigênio. E, mais do que isto, não permitindo a
renovação do ar, poderia aumentar os perigos relacionados ao contágio de
doenças transmissíveis pelo ar, especialmente em um período em que a
tuberculose era uma ameaça presente e constante (como está acontecendo
presentemente, com malária, dengue e a própria tuberculose).
Verifica-se, então, que a partir do estabelecimento de uma teoria,
que é entendida como tendo efeitos decisivos sobre a saúde (quantidade de ar
necessária para garantir a respiração), esses requerimentos sanitários são
transpostos a referências técnico-construtivas (quantidade de área (de piso),
altura (de pé-direito) e de abertura (área de vão de ventilação)), estabelecendo-
se um padrão. Esse padrão criado (no presente caso, volume de ar x área) é
transposto aos dispositivos urbanísticos, aparecendo na legislação como área
de um dormitório.
103
A presente situação poderia ser avaliada sob outros pontos de
vista, como a passagem da área de pesquisa das áreas médicas que
identificaram os 7m³ ar-pessoa-hora, para a área da engenharia, onde a
identificação do valor de 7m³ ar/pessoa/hora deveu-se à construção de
instrumentos que permitiram esta aferição. A partir dessas constatações, esse
critério passou a ser incorporado às disciplinas de engenharia e arquitetura,
como critério para o padrão habitacional “área de dormitório” onde 7m², tornou-
se uma área (mínima) possível de ser utilizada para dormitório.
Assim como o presente exemplo, outras pesquisas e a
incorporação de demandas sociais e valores étnicos, de gênero, culturais e da
tradição, de direitos de acessibilidade universal têm dado respaldo para o
estabelecimento de outros padrões, representados por dispositivos urbanísticos
e de habitação, tais como o conhecimento da tecnologia de concreto armado,
de tijolos e telhas de barros, de formas inovadoras de utilizar ferro, pedra,
areia, vidro, azulejos, madeira e outros, na constituição das variadas formas e
expressões da arquitetura, das engenharias e suas obras de arte.
A importância desses aportes parciais, importantes para o
reconhecimento da relação saúde-habitação, permeada pelos padrões, pode
ser exemplificada, como referência histórica, em relação às ações que
passaram a ser tomadas, na casa e na cidade, quando da incorporação da
“teoria dos miasmas” à elaboração dos padrões urbanos e de habitação.
Embora a teoria fosse errada, (como foi constatado anos depois) as ações
desencadeadas na cidade (limpeza do lixo, varreção das ruas, caiação das
moradias e demais medidas de limpeza que impediam o depósito e o acúmulo
do lixo) para fugir aos “efeitos” que lhe eram atribuídos (as emanações
putrefatas do lixo, ou os “miasmas”, eram encaradas como causadoras de
doenças), surtiram efeitos surpreendentes, ao diminuir as causas das
enfermidades, criando um “processo sanitário”, embora a teoria não
descrevesse corretamente o que acontecia.
3.2.3 O CONTEXTO NO QUAL OS PADRÕES SE ESTABELECEM
104
A moradia vem sendo pensada por vários especialistas
32
como
uma questão de saúde, e embora só mais recentemente tem surgido estudos e
pesquisas vinculados às áreas sanitárias e da saúde pública que relacionam,
de maneira inequívoca, a saúde à habitação, a importância da relação e a
insistência na promoção da habitação para a obtenção de ganhos na saúde
tem sido fortemente reivindicada.
No campo da habitação, embora os objetivos específicos de
busca e de obtenção da saúde tenham estado presentes na origem do
estabelecimento dos padrões habitacionais e urbanísticos, aparecendo no
detalhamento dos dispositivos urbanísticos legais, nos códigos de edificações,
nas leis de parcelamento do solo, nas regulações e nos códigos urbanos, nos
planos diretores e nas demais especificações para a construção da casa e da
cidade, como critérios para a sua constituição, os padrões vêm, nos últimos
anos, sendo abandonados pelas políticas públicas que se dirigem às
populações de mais baixas rendas.
Identificados apenas como atributos diretos do valor econômico
da moradia, os padrões, a partir das novas conceituações sobre pobreza que
passam a dominar as políticas públicas nos anos 90, vêm sendo desprezados
como “empecilhos burocráticos” para a obtenção da casa pelos moradores
pobres urbanos. Neste novo espaço conceitual os aspectos físicos, os
conteúdos econômicos e de classe relativos à habitação passam a ser
conscientemente negligenciados no acesso à moradia e outros elementos
tomam evidência, tais como as interpretações pós-estruturalistas ou pós-
modernistas, que incluem a importância e o papel da comunidade, do cotidiano,
da identidade sócio-espacial, de gênero, de raça e da cultura em geral, assim
como o populismo urbano, que, ao priorizar as preferências da população,
passa a privilegiar ações pontuais, sem expressão e significado, na escala da
32
O PHS americano trabalhou, entre 1936 e 1972, investindo na identificação daqueles fatores
sociais e físicos do ambiente residencial relacionados a doenças ou à insegurança na moradia, com o objetivo de “[...]
prover critérios para padrões e outros conselhos técnicos para o Estado e as agencias públicas de saúde levarem em
consideração nas suas ações quanto à higiene pública e igualmente para que se pudessem planejar diretrizes para a
intervenção no ambiente construído por planejadores, arquitetos, loteadores, assistentes sociais e moradores” [grifo
meu]. Esse talvez seja o período onde a pesquisa das implicações da relação habitação-saúde-regulação pública
aparece mais explícita em relação ao tema. Os trabalhos seqüentes do PHS, e de outros organismos e instituições
públicas, não são tão específicos e diretos em fazer a ligação entre as três variáveis e elementos esparsos da relação
são pinçados para análise (GOOT, 1977).
105
cidade. Essa abordagem parcial da complexa gama de relações constitutivas
do ambiente urbano e das formas assumidas pela pobreza,
contemporaneamente, ao mesmo tempo em que desconsidera os padrões,
passa a instituir tanto uma nova forma de política para a moradia, quanto uma
nova cidade dentro da cidade: a cidade específica para os pobres.
Os termos “padrão” e “critério” foram definidos, já em 1972, na
Conferência sobre o Ambiente Humano, que aconteceu, em Estocolmo, sob a
coordenação da ONU, com o objetivo de estabelecer uma referência conceitual
comum a todos os países e membros para discussão. O quadro abaixo segue
as determinações da Conferência:
Tabela 2: Padrões de habitação e urbanísticos
CATEGORIAS O QUE DEFINEM REPRESENTAÇÃO
USOS DO SOLO
E DENSIDADES
(padrões de
espaço e de
densidades)
Espaços e quantidades de área
disponíveis, o direito de uso e as
restrições ao uso. Definem a
intensidade com que a produção
de habitação pode ser
conduzida, ou seja, o acesso à
terra urbanizada.
Formas e tipos de uso, tamanhos
de lotes e taxas de ocupação; lei
de loteamentos, número de
habitantes por peça; número de
habitantes por m²; número de
unidades residenciais por km²,
densidades.
EQUIPAMENTOS
E SERVIÇOS
(padrões de
tecnologia ou
desempenho)
A qualidade da construção, dos
materiais, códigos construtivos e
regulação da qualidade da água,
controle do ruído, tolerância à
poluição e proteção ambiental,
proteção contra fogo, etc.
Códigos e regulações de
edificação, iluminação,
ventilação, conforto térmico,
número de vagas de
estacionamento por área de piso
de comércio ou unidade de
moradia; recuos, alturas, etc.
SAÚDE E
SANEAMENTO
(padrões de
limitação e de
amplitude dos
usos)
As distâncias e o tamanho da
população a ser servida por
determinado serviço; os limites
inferiores e superiores.
Oferta, consumo e qualidade de
água per capita; número de leitos
de hospital por número de
população; número e espaços
para áreas verdes, área ou
número de população atendida
por determinado equipamento,
etc. Rede de esgotos, resíduos
sólidos, poluição do ar.
Fonte: MABOGUNJE, 1978.
A Conferência identificou critério como “[...] guias para os padrões
e podem estar relacionados a valores sociais ou serem recomendações
técnicas, oferecidas por corpos científicos e baseados em pesquisa, estudos de
106
caso ou julgamento profissional” (CAH, 1972). A mesma Conferência definiu
padrão como sendo de dois tipos: cultural e oficial. Os oficiais são aqueles
oferecidos por legislação, regras, regulações e recomendações, e os culturais
são os derivados da prática tradicional, aceitos e tolerados por um grande
número de pessoas. Sobre a questão toda, a Conferência constatou que é fácil
concordar que padrões são ferramentas convenientes para o planejamento e a
administração da provisão habitacional, no entanto, identificar a racionalidade
que está por trás dos padrões utilizados é muito difícil, especialmente nos
países em desenvolvimento. A recomendação, então, foi para que, ao se
avaliar a qualidade dos assentamentos com referência a padrões, essa
avaliação os considere sob os seguintes argumentos ou rationales: (a)
científico, isto é, identificando em que medida eles estão estabelecidos sobre
conhecimento científico, o que é desejável; (b) cultural, ou seja, se representam
um produto que se desenvolveu através das gerações e de experimentações
até se estabelecerem, partindo das condições naturais, da organização social e
do know-how tecnológico locais ou regionais; (c) e social, ou em que medida
eles melhoram a qualidade de vida dos mais pobres. Como conclusão, os
membros definiram que “[...] qualquer padrão operacional, nos países em
desenvolvimento, deverá estar baseado em uma mistura destes três
argumentos ou rationales: científico, cultural e social” (MABOGUNJE, 1978).
Padrões, então, constituem-se em elementos chave na
manutenção da relação homem-habitação-ambiente, e, portanto, a sua
utilização pelas sociedades deve garantir, além de tudo, o patamar de
segurança em relação ao uso de recursos naturais, os efeitos das localizações,
o consumo de energia, a produção de resíduos, etc. Justamente aí é que as
dimensões científica, cultural e social dos padrões devem ser observadas,
possibilitando avaliar o quanto os mesmos são capazes de garantir qualidade
de vida aos assentamentos humanos. Pois, se as pessoas criam o ambiente e
este as cria, embora a engenharia e os materiais, as áreas e os espaços não
sejam suficientes para garantir a felicidade, é também inegável a evidência da
correlação entre qualidade de vida e qualidade do ambiente físico, o que tem
sido exaustivamente discutido pela Sociologia, pela Psicologia, pela Arquitetura
e o Urbanismo. Tema este que recentemente vem ganhando espaço nas áreas
da saúde pública, que buscam, através da habitação, ganhos na saúde. Por
107
outro lado, embora não se pretenda elencar aqui todas as especificações e
razões técnicas, econômicas ou políticas, que levam a que novos padrões
sejam incorporados através da legislação que os oficializa, ou os altera, é
evidente que transformações no âmbito da economia, culturais e sociais estão
relacionadas e influenciam a construção da moradia (econômica) da população
de baixa renda (e nesta, dos padrões) o que sugere, se não reforça, a
importância das diferentes formas de conhecimento na constituição das
políticas públicas, especialmente as de caráter social.
3.2.4 A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO URBANO E QUALIDADE DE VIDA
Os padrões para a moradia e seus desdobramentos na saúde
estão de um ponto de vista histórico, e objetivamente, de maneira indissociável
ligados à busca da qualidade de vida, que tem sido referida e aceita como
assentada em um referencial às necessidades básicas, ou mínimas.
Uma vez aceito o princípio de atendimento às necessidades
humanas como base para a discussão, o presente trabalho busca elaborar uma
amarração entre os autores Souza e Salingaros, que interpretam as questões
do espaço urbano como reciprocamente dependentes e responsáveis pela
qualidade de vida urbana e pela justiça social. Essa amarração é intermediada
pela avaliação de Mascaró sobre as decisões projetuais, e a flexibilização dos
padrões é interpretada, de maneira temporal, em relação à legislação e nos
seus possíveis efeitos sobre a população, através dos estudos das
organizações de saúde. A conclusão final do capítulo traz o aporte de Sartori
(1981) sobre as maneiras de evitar que as políticas públicas promovam o
“perigo oposto” ou seja, como agir para que estas não realizem exatamente o
contrário de seus objetivos, ao partirem de avaliações e pontos de partida que
não consideraram os meios existentes em relação aos fins desejados.
3.2.4.1 As teorias, os padrões, a flexibilização e a espacialidade
De acordo com várias interpretações (ver Tabela 3), existem
diferentes tipos de necessidades que precisam ser satisfeitas para que as
pessoas se sintam bem. As necessidades mais básicas são as fisiológicas de
ar, água, alimento, sono, sexo, segurança do lar, da família, proteção,
necessidade de pertencer, ser aceito em grupos, na gang, na comunidade,
108
todas essas situações onde o abrigo e a proteção contra as intempéries
encontram, na habitação, uma das formas de serem atendidas.
No entanto, as recentes alterações do papel do Estado e razões
econômicas e de gestão em condições de pobreza, encaixam a problemática
da habitação no âmbito dos direitos humanos que reivindicam moradia digna,
assentada sobre os princípios democráticos de justiça social e qualidade de
vida. De uma maneira geral, essas questões se agudizam na realidade urbana,
exigindo ações e práticas reflexivas do planejamento urbano e do pensamento
crítico.
Dentre os autores que propõem a reflexão sobre a problemática
da qualidade de vida e de justiça social a partir do planejamento urbano Souza
(2001) contribui com a visão segundo a qual a questão sócio-espacial é um
tratamento conceitual, em um plano mais abstrato, do desenvolvimento em
conexão com o ambiente urbano. Ou, dito de outra forma, para o autor há um
desenvolvimento sócio-espacial quando há uma melhoria da qualidade de vida
com justiça social. A melhoria da qualidade de vida, ou mudança social positiva
estaria vinculada ao desenvolvimento sócio-espacial que contempla tanto as
relações sociais quanto o espaço. Assim, melhorar a qualidade de vida seria
atender, de maneira crescente, à satisfação das necessidades (básicas e não
básicas, materiais e imateriais) de parcelas cada vez maiores da população. E
a busca da qualidade de vida teria como norte e objetivo a justiça social, em
um percurso de mudança social positiva. Essa é uma complexa discussão, pois
existem múltiplos entendimentos do que seja o “justo” ou a “justiça”, mas, para
a reflexão de Souza, a autonomia (como é interpretada por Castoriadis)
conjuga “a busca da igualdade com o respeito à alteridade”, que é
representada nos conceitos de qualidade de vida e justiça social. Dessa
maneira, surge a necessidade de operacionalizar o desenvolvimento sócio-
espacial, com a criação de parâmetros regradores, que seriam, de novo,
guiados pelo conceito de autonomia:
[...] Mais justiça social e melhor qualidade de vida, são, de um ponto
de vista operacional, parâmetros subordinados àquele que é o
109
parâmetro essencial do desenvolvimento sócio-espacial: a autonomia
(SOUZA, 2001, p.62)
33
.
Justiça social e qualidade de vida têm, portanto, uma
complementaridade essencial: qualquer um dos dois é insuficiente, sem o
outro, para a avaliação e as estratégias de desenvolvimento sócio-espacial.
Nesse pensamento, enquanto a justiça social é respondida pelos parâmetros
responsáveis por exclusão-inclusão, desigualdade sócio-econômica,
oportunidade de participação e de decisão sobre fatores importantes da própria
vida, os parâmetros associados à qualidade de vida são aqueles relativos à
satisfação das necessidades individuais, tais como alimentação, habitação,
saúde, educação.
Com o objetivo de dar consecução explicativa aos conceitos de
justiça social na cidade e às conseqüências (ou os efeitos negativos) do não-
atendimento dos requerimentos de qualidade de vida, Souza apresenta uma
adaptação do trabalho de Rainer Maderthaner (1995), relativa às necessidades
básicas urbanas, constituídas por dez conjuntos de necessidades a serem
satisfeitas, e por seus efeitos, quando isso não ocorre. Dentro da elaboração
de Maderthaner, o desenvolvimento de necessidades básicas para o espaço
urbano traz a sua identificação (enquanto regeneração, privacidade,
segurança, etc.) e os resultados que o não-atendimento da necessidade podem
vir a causar para as populações envolvidas (esgotamento físico,
33
Ambas as faces da autonomia (justiça social e qualidade de vida) possuem valor instrumental e
valor intrínseco, sendo “constructos abstratos imprescindíveis, agindo associados à esfera pública e privada”. Assim,
para que os parâmetros sejam adaptados à realidade histórica, cultural, econômica e espacial particulares dos grupos
existentes em determinada sociedade, eles devem ser realizados pelos indivíduos envolvidos com o planejamento e a
gestão em determinado tempo e espaço, definindo os conteúdos e propondo suas prioridades. A elaboração
desenvolvida por Marcelo de Souza interpreta que as adaptações singularizantes dos conceitos, para se adequarem às
situações concretas “mediante escalas de avaliação e classificações ad hoc”, “ajeitando o figurino à situação”, devem
anteceder qualquer intervenção, “avaliando as reais necessidades, a cultura e os sentimentos dos beneficiários”, sem
que, por outro lado, “[...] se perca de vista ou se esqueça a referência teórico-conceitual e metodológica mais geral”. É
isso que garantirá alcançar maior qualidade de vida e maior justiça social, mas vai, igualmente, requerer manter a
busca da autonomia como horizonte para a ação, sendo parâmetro determinante do desenvolvimento sócio-espacial. O
objetivo do planejamento urbano é, então, a busca da qualidade de vida, tendo como horizonte, ou guia, a autonomia.
O autor avança a idéia de que uma sociedade justa requer uma outra espacialidade. Identificando-se que a
espacialidade sozinha não determina as relações sociais, ela, no entanto, pressupõe instituições que produzam a
delegação direta do poder, a descentralização territorial, a utilização de novas tecnologias de comunicação e de
informação, gerando, então, também novas formas espaciais (SOUZA, 2001, p. 68).
110
vulnerabilidade a doenças, stress, etc.).
Tabela 3: Necessidades básicas de Maderthaner em relação ao espaço urbano
Necessidades Aspectos particulares
Possíveis conseqüências da
não-satisfação
1. Regeneração Insolação, luz do dia, ar,
proteção contra ruído, espaço
para esportes e brincadeiras.
Esgotamento físico e psíquico,
vulnerabilidade a doenças,
insônia, stress, depressão.
2. Privacidade
3. Segurança
Proteção da esfera privada,
proteção contra roubos e
assaltos.
Raiva, medo, stress, agressão,
isolamento, atrito com vizinhos,
fraca topofilia.
4. Funcionalidade
5. Ordem
Necessidade de espaço,
conforto, senso de orientação.
Raiva, desperdício de tempo e
dinheiro, desorientação,
insatisfação com a moradia e a
vida, fraca topofilia
6. Comunicação
7. Apropriação
8. Participação
Conversas, ajuda dos vizinhos,
participação e engajamento.
Preconceitos e conflitos sociais,
insatisfação com a moradia,
vandalismo, segregação.
9. Estética
10.Criatividade
Aspectos dos prédios e
fachadas, arruamentos,
presença de praças e parques.
Fraca topofilia, insatisfação com
a moradia, mudança de local,
vandalismo.
Fonte: Reproduzido de Madethaner (1995) apud Souza, In: Mudar a Cidade - uma introdução
crítica ao planejamento e à gestão urbanos. (Souza, 2001, p.78).
A elaboração representada na Tabela 3 tem o importante papel de
fazer a intermediação, para o nível concreto (ou os “aspectos particulares”),
das respostas espaciais às necessidades de insolação, espaço, conforto,
fachadas, arruamentos, etc., que são associadas aos possíveis resultados
negativos (ou às conseqüências) do seu não atendimento, auxiliando na
compreensão do conceito de qualidade de vida. Embora o estudo de
Maderthaner tenha sido realizado tomando como parâmetro países
desenvolvidos (especificamente, a Áustria), esse olhar, a partir dos
conhecimentos da Psicologia Ambiental, pode servir de subsídio ao
entendimento dos processos sociais na realidade de países em
desenvolvimento, como o Brasil: afinal as necessidades humanas estão
condicionadas dentro de um quadro de referências que remete à própria
característica da espécie humana, portanto, com limitações nas diferenças
entre etnias, países, climas e culturas. É por isso que, mesmo sem se referir
especificamente à pobreza ou às condições de exclusão e de degradação
111
espacial - mais contundentes nos países do Terceiro Mundo -, as associações
que são feitas pelo autor permitem extrapolações e inferências especulativas
para essa realidade, sem prejuízo ou degradação de sua perspectiva de
análise. Entende-se que, sendo a Psicologia Ambiental o seu instrumental
analítico, a interpretação proposta foge às análises que entregam toda a
responsabilidade às razões de ordem econômica e abre espaço para focar a
atenção nas relações entre o homem e o ambiente, em termos de sua
percepção, seus sentimentos e suas emoções, assim como em seus valores
estéticos, éticos e culturais, respaldando interpretações a partir de outros
olhares sobre a avaliação de fenômenos urbanos em sua espacialidade.
O presente estudo associa o trabalho de Souza, em sua
interpretação sobre os problemas sócio-espaciais gerados pelo não-
atendimento das necessidades espaciais, com a abordagem de Salingaros
34
,
que, tendo na espacialidade o objeto de suas análises, criou uma metodologia
que propõe a intervenção sobre as áreas de baixa renda.
O trabalho de Salingaros parte da interpretação das práticas
tradicionais de abrigo, desenvolvidas ao longo dos séculos, sobre as formas
que a moradia assume nas diferentes culturas, as quais são tomadas como
evidências empíricas para o apoio de suas análises
35
. Discutindo
especificamente a questão da habitação social na América Latina, Salingaros,
considera que o espaço de sucesso é aquele capaz de garantir aos residentes,
bem-estar físico e emocional e propõe um back-ground científico e filosófico
34
Nikos Salingaros, físico e matemático, pesquisador e professor da Universidade do Texas,
EUA, é o mais próximo colaborador de Christopher Alexander, com quem trabalha sobre a problemática urbana e da
habitação desde os anos 80. Na companhia de outros autores (latinos, europeus e norte-americanos, dentre os quais
Andrés M. Duany, do México, pesquisador da moradia de baixa renda naquele país; David Brain e Michael W. Mehaffy
norte-americanos e Ernesto Philibert-Petit, espanhol), compõe o Environmental Structure Research Group (ESRG) na
pesquisa da habitação.
35
Diferentemente de Turner, Salingaros aponta a espacialidade, criada pelas formas orgânicas
das favelas, como a qualidade dessas áreas. Sua teoria, baseada nas estruturas das redes complexas, explicativas
das cidades, das relações espaciais e das relações sociais, coloca que a complexidade morfológica incorporada à
complexidade social é capaz de agregar qualidade à vida das populações e auxiliar no resgate do espaço de sucesso:
aquele que garante bem-estar físico e emocional aos moradores, sendo, portanto, o tipo de arquitetura que deve ser
buscada.Sua crítica é forte em relação as propostas do movimento modernista para as populações de baixa renda, e
para as cidades em geral, principalmente em relação aos conjuntos habitacionais baseados naquelas propostas e
promovidos pelos Estados nacionais (SALINGAROS, 2006).
112
para a elaboração teórica sobre a habitação social. A construção é tomada
como um processo que, quando e se controlado pela população moradora (a
participação dos moradores no processo é determinante, ou os moradores “não
irão amar o lugar”) e desenvolvido a partir do entendimento da complexidade
tanto da forma urbana como das relações sociais, é capaz de gerar
determinações físicas ricas e complementares, incorporadas à complexidade
social. Essa dialética da complexidade sócio-espacial é identificada pelo autor
nos assentamentos auto-produzidos, compostos de redes sociais complexas
que requerem uma morfologia complexa, não mono-funcional, não
desconectada do resto da cidade, mas capaz de garantir o mix social, a
qualidade e a sustentabilidade urbana. Nesses assentamentos - contrariamente
às formas rígidas e inumanas, de terríveis impactos ambientais, desenvolvidas
por programas estatais, com soluções formais do desenho “modernista”
monótono e repetitivo, com áreas específicas e imensas, designadas
exclusivamente para a moradia dos pobres -, há espaços “vivos”. O autor
defende que, na organização espacial das áreas das populações de baixa
renda, produzidas autonomamente, a geometria e a qualidade da superfície
auxiliam na conexão emocional, onde forma e padrão desempenham o papel
de criar a conexão. Com esse entendimento e o auxílio dos princípios da
biofilia, o autor propõe o desenvolvimento de estruturas orgânicas que
estabeleçam uma relação complexa com os padrões organizacionais de seus
moradores.
36
36
O processo (de reurbanização e/ou regularização) é iniciado com a identificação do “lugar
sagrado” no sítio do assentamento, e, a seguir, os passos a serem dados, que determinarão a ordem de construção, o
que construir primeiro e, na seqüência, um ordenamento considerado como possuindo poder definidor da qualidade
final alcançada no projeto e em termos da relação do morador com o lugar. O trabalho de Salingaros identifica a
necessidade de que os projetos de reurbanização de favelas, assim como o estabelecimento de novos assentamentos,
(sejam eles para as populações de baixa renda, ou não), permitam procedimentos (ou práticas sociais) tradicionais
como um dos princípios constitutivos do processo que garantirá qualidade ao espaço da moradia. Esse primeiro passo
inicia com a integração da comunidade, a ponto de definirem conjuntamente o “lugar sagrado”, ou seja, um espaço
público e coletivo de significado, onde a comunidade moradora irá interagir coletivamente e que é tomado como
referência do lugar, passando a ser respeitado e protegido pelos moradores. A própria capacidade de juntar-se para
eleger este espaço significante já coloca a interação entre os residentes, e o processo de integração social entre os
mesmos aí inicia, sendo, por si, só definidor do processo de qualificação espacial, que devem atender aos objetivos da
ação proposta, de resgatar os “espaços vivos que garantam bem-estar físico e emocional dos habitantes”
(SALINGAROS, 2006).
113
Interpreta-se que as abordagens adotadas por Souza e
Salingaros, que partindo da avaliação espacial, condicionam as questões do
desenho da cidade e do abrigo das populações de baixa renda ao bem-estar
físico e emocional dos moradores, aproximam-se das abordagens
desenvolvidas por organizações e autores que voltados ao atendimento da
saúde, incluem o papel definitivo da habitação nas ações que buscam estas
mesmas condições de saúde física e emocional dos moradores. Essa
verificação pode ser feita ante as recomendações da OMS
37
, nas propostas da
OPAS para a América Latina (desde a Rede Interamericana de Habitação
Saudável, criada em 1995) e da Fiocruz para o Brasil (Programa de Saúde da
Família, Cidades Saudáveis, Rede Brasileira de Habitação Saudável
38
, etc.).
3.2.5 O DESENVOLVIIMENTO DA RELAÇÃO SAÚDE - HABITAÇÃO
Os programas recentes desenvolvidos por organismos
internacionais e vinculados à saúde, e as políticas públicas aos quais
pertencem, têm como referência a década de 70, com o novo modelo de
“campo da saúde”
39
. O novo modelo, alternativo à tradição explicativa
microbiológica ou ecológica, é baseado na realidade sanitária, nova e
37
A ONU, o FMI e o BM endossam a Carta de Ottawa (1986) e as declarações médico-sanitárias
promotoras de medidas que têm como princípio diminuir a pobreza e a doença no planeta, identificando que a
concentração da renda é “[...] um círculo vicioso que corrompe o processo social e a economia. A tuberculose, a AIDS
e a malária estão adoecendo e matando as faixas etárias mais produtivas, que se concentram nos países pobres,
retardando seus crescimentos econômicos”, e reconhecem que “[...] a saúde é chave da prosperidade; as boas
condições de saúde levam ao crescimento econômico, enquanto as más conduzem à pobreza” Essas organizações
reconhecem a urgência de “atender ao princípio de a todos segundo suas necessidades como um patrimônio essencial
da paz e transcendência humana” e juntam esforços com o objetivo de alcançar metas de saúde, como, por exemplo, a
de, até o ano 2010, reduzir 25% da infecção HIV/AIDS dos jovens; 50% das mortes e prevalência da tuberculose e
50% da malária em todo o mundo (FUNASA, 2002, p. 21).
38
A RBHS congrega a OPAS, a Fundação Oswaldo Cruz, a Escola Nacional de Saúde Pública, a
Escola de Governo em Saúde (RJ) e o Projeto Universidade Aberta, liderando estudos, no Brasil, que buscam a
promoção da saúde no âmbito da habitação e aproximar os setores de habitação e saúde, valorizando políticas que se
relacionem com as estratégias de promoção da saúde, enfocando “a qualidade do espaço construído
(fundamentalmente, a moradia) e sua influência na saúde e na vida” (COHEN, 2004).
39
A saúde também passou por uma alteração significativa nas suas formas de abordagem entre
os anos 80 e 90, com a substituição do paradigma da saúde pública para o de economia da saúde. “Resultam daí
políticas sanitárias minimalistas, empobrecidas em sua racionalidade técnica e amesquinhadas em seu compromisso
social [...] O objetivo da saúde pública deixa de ser o coletivo humano, histórica e socialmente constituído, e se
restringe ao coletivo dos socialmente excluídos” (CARVALHO, 1999).
114
complexa, devida às transformações sociais, culturais e econômicas que
ocorreram nas sociedades urbanas e à exposição aos fatores patogênicos
típicos dessas realidades: drogas, violência, distúrbios mentais e problemas de
várias ordens decorrentes do contato ou do consumo de produtos físicos e
químicos próprios das grandes aglomerações
40
.
A OMS, a OPAS e a Fiocruz propõem ações na habitação para a
garantia das ações em saúde.
41
Essas organizações, na determinação das
ações básicas garantidoras da saúde do indivíduo e dos grupos sociais,
identificam nas habitações e nas relações sociais, os elementos essenciais
para a obtenção de saúde física e emocional, associando à participação dos
moradores nas decisões sobre a casa e a cidade uma das formas mais
importantes de inclusão social e de manutenção da saúde. Os
questionamentos sobre as relações entre saúde-habitação e as importantes
conseqüências encontradas levaram, na área de saúde pública, ao
desenvolvimento de mecanismos de avaliação dos impactos da habitação na
saúde, o que definiu o Estudo de Impacto na Saúde - EIS
42
. Esse é um
40
Embora sejam declarações a partir de uma área médica particular, estudos sobre o
desenvolvimento da tuberculose no País e as formas de tratar a doença, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia, reconhecem o crescimento da tuberculose no Brasil, (anualmente estima-se que ocorram 100.000 novos
casos, com 6.000 óbitos, sendo que 26% destes entre jovens) e revelam que, entre as formas principais de evitar e
reduzir a tuberculose, estão: a paz, a habitação, a educação, a alimentação, a renda, o ecossistema, os recursos
sustentáveis, a justiça e a eqüidade (SBTT, 2006).
41
Esses estudos passam a ser cada vez mais significativos e sérios, a partir dos resultados
obtidos para a Inglaterra, em pesquisas que concluíram sobre as variações nos índices de doenças e morte entre
moradores de casas alugadas do Estado (mais altos percentuais) e proprietários (percentuais menores). O estudo,
então, passa a discutir as propriedades “curativas” da habitação; a dificuldade de pessoas doentes manterem
adquirirem a moradia; e quais as alternativas à propriedade atraentes aos doentes (morar com a família, morar em uma
clínica, invadir uma casa, etc.) e pelas quais estes optariam antes de comprar uma casa. O estudo avança com a
posição de que casas alugadas podem ser uma opção favorável aos doentes como uma intervenção na saúde,
especialmente quando é identificado o stress do financiamento em um potencial proprietário doente (SMITH, 2003).
42
O Estudo de Impacto na Saúde - EIS (no original em inglês, Health Impact Assesment – HIA), é
definido pela OMS como baseado em quatro valores: democracia (permitindo às pessoas participarem no
desenvolvimento e na implementação das políticas dos programas ou dos projetos que tem impacto em suas vidas);
equidade (verificando a distribuição do impacto de uma proposta em toda a população, com cuidado especial aos
grupos mais vulneráveis – em termos de idade, gênero, etnia e status sócio-econômico); desenvolvimento sustentável
(considerando os impactos de curto e de longo prazo) e o uso ético das evidências (pressupõe que uma ampla gama
de evidências, quantitativas e qualitativas, seja coletada e utilizada no estudo de impacto) que agem avaliando os
fatores além dos específicos de saúde que agem influenciando e determinando a saúde.
115
conjunto de passos que constroem, de maneira qualitativa ou quantitativa, um
instrumento de avaliação objetiva do potencial dos efeitos sobre a saúde
produzidos por um determinado projeto ou política antes de sua construção ou
aplicação. Tal avaliação pode antecipar recomendações que venham a
aumentar as potencialidades do programa ou da política (sinergias que têm
importante papel nas cidades) sobre os resultados de suas ações. Os EIS têm
sido definidos como
[...] uma combinação de procedimentos, métodos e ferramentas pelos
quais uma política, um programa ou projeto pode ser julgado em
relação aos seus potenciais efeitos e distribuição dos efeitos na
saúde da população, mitigando seus efeitos negativos e maximizando
seus efeitos positivos. (Gothenburg Consensus Paper, 1999).
Essa definição descortina um amplo campo para a ação dos
tomadores de decisão, que podem incluir nas análises das políticas públicas de
saúde e de habitação questões normalmente ignoradas, tais como o uso da
terra, os transportes, as redes de abastecimento, circulação e infra-estrutura,
etc.
Em 1996, a OMS publicou um relatório insistindo na importância
de investimentos multisetoriais para resgatar e garantir a saúde, onde
identificou os determinantes das ações em saúde: educação; alimentação e
nutrição; moradia e vizinhança; apoio e atenção social; trabalho e transporte.
Neste contexto, tem sido chamada a atenção para os resultados das políticas
que impulsionaram a economia urbano-industrial ao longo do século XX, cuja
identificação dos produtos sociais gerados (“desigualdades sociais, danos
ambientais irreparáveis, ambientes sociais mórbidos, geradores de sócio-patias
Fonte: desenvolvido pela autora com base em textos que podem ser acessados nos sites:
<www.ph.ucla.edu/hs/health-impact/
>; <www.dph.sf.ca.us/eh/phes/Activities_Main.htm>; <www.hiagateway.org.uk> e
<www.ihia.org.uk.com
>. Aacessados entre 28/10/2006 e 02/11/2006.
116
e psicopatias – tais como violência, drogas, etc.”) deve ser orientadora das
próximas ações a serem tomadas (BUSS, 2000, pág. 163).
Os requisitos básicos das novas habitações e dos assentamentos
humanos, que embora desenhados para as condições européias e americanas,
servem como orientação geral na determinação da qualidade das habitações
na sua relação com a saúde humana, recomenda ainda alguns requisitos
específicos para o saneamento básico, indicando dimensões mínimas, alturas,
materiais e acabamentos, áreas de ventilação e iluminação, etc. (HEN, 2004;
APHA, 2005)
43
.
A Declaração de Bogotá, específica para a América Latina,
assinala que o “desafio da promoção da saúde consiste em transformar as
relações excludentes, conciliando os interesses econômicos e os propósitos de
bem-estar para todos, assim como trabalhar pela solidariedade e a eqüidade
social, condições indispensáveis para o desenvolvimento” (OPAS, 1992).
O PSF, no Brasil, sob a coordenação da OPAS e da Fiocruz,
insiste no objetivo de alcançar a saúde familiar através de ações na moradia. O
programa, que é prioritário na saúde pública no Brasil e para a OPAS, valoriza
a habitação saudável com o fim de otimizar os resultados das ações na saúde.
Assumindo o paradigma de que o ambiente construído é determinante na
saúde, a habitação passa a se constituir em um espaço da construção da
saúde e de consolidação de seu desenvolvimento. A família tem seu assento
na habitação, e com isto, a moradia é um espaço essencial, o veículo da
construção e do desenvolvimento da saúde da família e mostra-se cada vez
43
A Apha diz que é urgente a revisão das legislações da saúde pública para garantir a
coordenação nas políticas de saúde física, mental, de drogas e as ações relacionadas na habitação e nos serviços.
(APHA, 2003). Apha é a sigla da American Public Health Association, que fundada em 1872 trabalha hoje com
associações governamentais e não-governamentais nos Estados Unidos com a intenção de prevenir as doenças e
garantir a saúde pública. Outra instituição americana orientada à investigação e ao estabelecimento de estratégias
relativas à relação saúde-habitação é o Center for Healthy Housing. O órgão identifica na habitação um importante
determinante da saúde, e as moradias com baixos padrões são um grande problema para a saúde pública: “Agora é
tempo para a saúde pública criar casas mais saudáveis confrontando as habitações de baixos padrões (substandards
housing)”. A associação afirma que é urgente que seja feito um refinamento nos códigos habitacionais (padrões) que
reflitam o corrente conhecimento de uma casa saudável, entendendo que a revisão dos padrões pode reforçar as
linhas gerais que abrem o caminho para um papel mais expandido da saúde pública em reforçar, questionar e educar
sobre a importância da qualidade da habitação. (KRIEGER et. all., 2002). Esta entidade, fundada em 1992, tem como
objetivo específico a avaliação das condições habitacionais tendo como foco principal a saúde das crianças.
117
mais determinante as articulações entre as políticas públicas de habitação,
saúde, saneamento, meio ambiente e infra-estrutura, como pode ser visto na
afirmação de Cohen:
O conceito de habitação saudável se aplica desde o ato de
elaboração de seu desenho, microlocalização e construção,
manutenção e uso. Está relacionado com o território geográfico e
social onde a habitação se assenta, os materiais de construção, a
segurança e a qualidade dos elementos combinados, o processo
construtivo, a composição espacial, a qualidade dos acabamentos, o
contexto do entorno (comunicações, vizinhança, energia) e a
educação em saúde ambiental de seus moradores sobre seus estilos
e condições de vida saudável (COHEN, 2003, p.26).
A habitação passa a ser entendida como um espaço onde “a
função principal é ter a qualidade de ser habitável”, o que faz com que a
análise da habitação passe a incorporar a visão das múltiplas “dimensões que
a compõem: cultural, econômica, ecológica e de saúde humana”. Para tanto, é
importante que um “padrão mínimo de habitabilidade” contemple a adoção de
tipologias que apresentem requisitos mínimos para morar com o “desfrute da
saúde e do bem estar” e que proporcione “dignidade humana”, com padrões
que propiciem o “convívio harmônico, através da reflexão e do aprimoramento
do lugar, do objeto e da habitação”. A habitação é neste contexto
compreendida como a moradia e o ambiente do entorno, o que significa que os
habitantes tenham “acesso a equipamentos urbanos básicos com saneamento,
espaços físicos limpos e estruturalmente adequados e redes de apoio
suficientes para que alcancem hábitos psico-sociais sãos e seguros, isentos de
violência (abuso físico, verbal e emocional)” (COHEN, 2004, p.47). Bonduki
estabelece um conceito de “habitabilidade na unidade habitacional” que se
refere ao atendimento das necessidades e comodidades dos habitantes,
enfocando os elementos visíveis ou físicos do ambiente urbano/habitacional,
118
tais como: salubridade, segurança, ventilação, o ambiente do entorno,
condições térmicas e acústicas da moradia, etc. (BONDUKI, 2002).
Estes estudos têm sido especialmente importantes quando
pesquisas sobre a realidade brasileira identificam, quanto à violência urbana,
que “a concentração de indivíduos residentes em favelas se mostra relevante
para os homicídios” onde dados mostram uma piora adicional das condições de
saúde devido à deterioração das interações comunitárias, com aumento da
criminalidade e análises geo-epidemiológicas apontam para “o vínculo entre
piores condições de saúde e concentração residencial da pobreza”
44
e
concluem sobre a urgência de ações de políticas públicas compensatórias para
diminuir os efeitos da desigualdade social (Szwarcwald, 1999).
No nível internacional, o grupo LARES, dentre outros grupos
45
que trabalham na discussão e proposições para as políticas de saúde ligadas à
habitação, da OMS, pesquisando sobre os impactos do ambiente do entorno
imediato (Immediat Housing Environment, ou IHE) sobre a saúde, identifica que
44
Recente estudo sobre a Rocinha, a maior favela da América Latina, denuncia a situação de
saúde dos moradores, onde a tuberculose assume índices assustadores, com uma incidência avaliada em 120 vezes o
índice preconizado pela OMS, que é de cinco casos para cada 100.000 pessoas. Mesmo sendo o índice da doença no
Estado do Rio de Janeiro extremamente alto (104 casos por 100.000 habitantes), a situação na favela é ainda pior,
apresentando índices seis vezes superiores ao da cidade. “As ruelas úmidas e pouco ventiladas da Rocinha não
recebem a incidência de raios solares. Estes são fatores mais do que preocupantes e estimulantes desta situação”, diz
vereador carioca representante da Comissão de Saúde da Câmara (REIS, 2007).
45
Grupos de estudos, como o que desenvolve o Estudo Pan-europeu sobre habitação e saúde,
desenvolvido pela OMS em sete cidades européias, cujos resultados busca “estabelecer uma ligação causal entre
saúde e habitação, buscando com isto, identificar o valor econômico dos ganhos com a melhoria da saúde que podem
ser alcançados, com a melhoria das condições habitacionais”. O estudo estabelece ligações entre os espaços urbanos
e a habitação (distancia de parques, número de moradores, tipo de problemas na moradia – mofo, ruído, densidade,
área das moradias e outros -, etc.) com os estilos de vida (peso dos moradores, tipo de exercício físico desenvolvido,
tipo de doenças encontradas, etc.) (Bennefoy, X. et al., 2003). Outro conjunto de autores e grupos ligados à saúde está
medindo os impactos causados à saúde a partir das intervenções das políticas públicas, cujo objetivo é o de encontrar
evidências para o desenho de novas políticas que determinem caminhos efetivos de melhorar a saúde, a partir das
fortes evidências que ligam a má saúde às más condições de habitação (WHO, 1999; Macintyre et al., 2000: SMITH,
2003). Thomson vem fazendo uma revisão exaustiva de estudos sobre a relação habitação - saúde, iniciando a partir
do ano de 1887 na Inglaterra, tomando pesquisas que tratam desde as doenças produzidas pelas moradias até
estudos sobre os grupos de estudo que tratam do tema, as instituições envolvidas, jornais e revista, livros e pesquisas
em andamento, os diferentes resultados entre casas e apartamentos, áreas rurais e urbanas, etc. cujos resultados
parciais estão disponibilizados e cujo resultado final deverá aparecer em 2007.(Thomson et.al., 2001; Thomson et al.,
2002; Thomson et al., 2003). Os estudos verificam as características da casa relacionadas com más condições (ou
insuficientes) de saúde, buscando relações entre as condições de propriedade, o desenho da casa, a satisfação com a
casa e as ameaças do tipo: ruído, mofo, condições do ar, ácaros, ventilação, umidade, calor, frio,etc.
119
o mesmo não pode ser separado dos aspectos do comportamento, pois o
desenho do ambiente espacial é capaz de afetar o comportamento dos
residentes. O programa considera que “o habitat é baseado em um modelo de
‘quatro camadas’ que leva em conta desde a estrutura física da casa até o
significado de lar, e que pode ser assim descrito: (1) o lar como um espaço
seguro e íntimo, que traz benefícios psico-sociais; (2) as condições físicas da
casa que trazem efeitos sobre a saúde física dos moradores; (3) a comunidade
que traz aspectos relevantes à saúde, em termos de confiança e sentimento de
segurança e relaciona-se às interações sociais em espaços públicos e
serviços, e, finalmente (4) o ambiente do entorno ou a qualidade do desenho
urbano, onde áreas verdes, play-grounds, espaços para exercício e
caminhadas são excepcionalmente importantes para adolescentes, crianças,
idosos, e pessoas com limitações funcionais.
Áreas segregadas socialmente, isoladas da circulação e do
transporte, ou deterioradas, com deposição de lixo, graffiti, poluição do ar e
ruído, etc. tendem a aumentar os problemas de aprendizagem, de socialização,
de violência, de obesidade. O eixo da pesquisa (condições de saúde -
atividades - fatores do contexto) busca uma ligação convincente entre os
impactos do ambiente do entorno imediato e as condições de habitação, criou
uma definição para o ambiente do entorno imediato, genérica o suficiente para
adequar-se às diversas situações e realidades: o ambiente do entorno imediato
consiste nos espaços coletivos, utilizados ao redor dos prédios da moradia,
acrescidos dos espaços abertos privados, tais como jardins e sacadas (LARES,
2003). O espaço coletivamente utilizado pode ser definido com base nos limites
e nas diferenças administrativas (gerenciamento, responsabilidade econômica);
jurídicas (aspectos legais da propriedade); físicas (arquitetura, paisagem) e do
comportamento (simbólicas). A partir dessa definição, é recomendado
identificar os potenciais ganhos em saúde considerando os impactos do
ambiente do entorno imediato; criar uma ligação direta com os programas da
OMS em saúde e habitação com foco na área residencial; identificar os
significados para a saúde dos moradores das áreas verdes públicas e privadas;
a acessibilidade e uso dos espaços coletivos; a adequação entre as
necessidades dos habitantes, o uso dos ambientes e as conseqüências na
saúde.
120
O desenvolvimento de um Sistema de Indicadores Ambientais de
Saúde pelos organismos envolvidos com a determinação da relação saúde-
habitação da OMS, permitiu uma forma de descrever o estado da habitação
relacionado a referências comuns (no nível da Comunidade Econômica
Européia, e que a organização pensa em estender para analisar as condições
da relação habitação-saúde, internacionalmente) e determinantes das
condições assumidas pela moradia em prover mais ou menos saúde aos
moradores, são constituídos de um todo de 9 indicadores, apresentados em
três grupos: (i) Indicador de economia ou de uso (possibilidade de pagar ou
affordability, densidade, acessibilidade); (ii) Indicador de conforto (extremos de
temperatura interna, umidade ou bolor, higiene da habitação radiação de
radônio) e (iii) Indicador de segurança (segurança da casa e segurança aos
acidentes na moradia, crime ou medo de crime, contra a pessoa ou contra a
propriedade.
A aproximação de dois campos do conhecimento, o campo da
saúde pública (e a importância da relação com a habitação) e a visão do
planejamento urbano e da arquitetura, que tenta identificar a qualidade do
espaço que promove a saúde é aqui invocada com o objetivo de identificar os
efeitos da flexibilização sobre a cidade e a vida das pessoas, quando é
identificado que a constituição dos padrões evolve, nas sociedades, na
configuração de condições de segurança e na busca de melhores condições de
saúde. É certo que áreas reduzidas podem abrigar um maior número de
pessoas, que casas menores são mais econômicas, que maiores densidades
diminuem a necessidade de expandir a infra-estrutura urbana, que a utilização
de menos área e menos material de construção tem efeitos sobre o ambiente
natural e que a habitação é a mais cara das aquisições para a maior parte da
população, exceto os muitos ricos. No entanto, no âmbito dos processos que
admitem a flexibilização dos padrões como um instrumento importante na
organização da cidade e da habitação, quando o que se objetiva é prover
moradia para os mais pobres, entende-se que algumas questões que atentem
para os desdobramentos e para a amplitude (ou as sinergias) criadas, a partir
das formas de intervenção destas propostas sobre a qualidade de vida urbana
podem ser consideradas. Isto é posto, principalmente, pela compreensão de
que o estabelecimento de padrões surge a partir das “necessidades sanitárias”,
121
originárias das primeiras ações que qualificariam a moradia e melhorariam a
saúde, e por conseqüência, a qualidade de vida dos moradores. O significado
dos papéis assumidos pela casa, ao longo da história, tem sido discutido,
recentemente, e cada um deles significa formas como a moradia influenciou
seus habitantes e a relação deles com “[...] seu corpo, a vida familiar, o uso dos
espaços públicos, e especialmente a relação do indivíduo com sua casa”
(CORREIA, 2004) demonstrando o profundo significado, para a psique, da
habitação.
É importante que se tenha em mente que embora a divisão do
trabalho que levou à especialização espacial (criação da escola, hospital,
creche, clube, escritório, salão de beleza, etc. rompendo com a estrutura que
assegurava aos membros da família nascer, crescer, estudar, casar, procriar,
adoecer e morrer em casa), e que é identificada no Brasil dos anos 1930 como
uma revolução da habitação, conseguiu reduzir o tempo passado no interior da
moradia apenas para as classes médias e altas, pois a especialização das
funções não chegou às moradias mínimas das populações de baixas rendas.
Estas continuam a contar com o espaço habitacional para cuidar dos seus
doentes, manter as crianças até a idade mínima escolar, fazer a maior parte
das refeições, lavar e passar as roupas e ter o descanso no fim-de-semana.
Igualmente, para estes grupos sociais, são os espaços do entorno imediato à
moradia onde ocorre a socialização das crianças, os primeiros contatos fora da
família, as primeiras relações de vizinhança, as brincadeiras e os jogos nos
espaços abertos das ruas e praças locais, e onde a solução modernista de
diminuição do espaço da moradia em troca de espaços diversificados e de um
novo estilo de vida não se realizou. Menos ainda para os de rendas muito
baixas, ou renda nenhuma, que vivem nas invasões, nas vilas e nas favelas do
país.
Entende-se que o propósito de um modelo de análise é funcionar
como um framework para as relações potenciais indicadas, para a coleta de
dados e para a reflexão sobre a problemática que se quer entender. É assim
que as distintas abordagens de diferentes autores e de variados órgãos de
pesquisa internacionais, apresentados sucintamente, compareceram no intuito
de esclarecer o pano de fundo da análise, com o objetivo de contribuir com
elementos que permitam responder à questão colocada, de identificar o aporte
122
dos padrões para a moradia e seus desdobramentos na saúde. Isto se cobre
de maior importância, quando começa a aparecer que embora muitos países
utilizem códigos construtivos e controle da construção de maneira muito estrita,
os países mais pobres passam a abandonar estes códigos, obtendo como
resultado, os efeitos adversos da não regulação da habitação que são mais
pronunciados nestes países, especialmente entre os grupos mais vulneráveis
(WHO-HEN, 2005).
3.2.6 CONCLUSÕES
A atual forma adotada pelas políticas de flexibilização de padrões,
é uma parte extremamente significativa, dentre os argumentos do Estado, para
tratar, através do controle do uso do solo, da solução para a habitação do
pobre urbano, nos países em desenvolvimento. A necessidade de responder às
agendas de ajuste fiscal e de garantir a propriedade incentiva o abandono dos
padrões urbanísticos e de moradia nas propostas de urbanização dos espaços
das favelas, através das variadas formas de regularização da informalidade
como resposta à necessidade de reduzir custos. E, embora se verifique um
amplo espectro de agentes envolvidos na estruturação dos espaços urbanos
(desde os agentes financiadores, agentes imobiliários, proprietários,
especuladores, as condições econômicas, de emprego, as tecnologias, etc.) no
contexto do qual a legislação é apenas um dos âmbitos de referência e de
organização das dimensões, oportunidades e dos custos, a legislação tem sido,
reiteradamente, responsabilizada por impedir o acesso à moradia do pobre
urbano, e, nesse processo, os padrões têm sido identificados como razões que
impossibilitam o pobre de acessar a cidade, assim como o abandono dos
padrões é identificado como facilitador do acesso da população pobre à
formalidade
46
.
46
O que é uma contradição: se os procedimentos que ocorrem na cidade são de regularização,
isto significa a busca da identidade com o que é formal, por identificação e concordância como o aceito ou certo, ou
regular e, portanto, com o aceite das normas que regem a cidade formal. Se a regularização tem esse nome, mas
regulariza uma coisa diferente disto, o que é que está acontecendo? Clichevsky questiona: tais programas aliviam a
pobreza? Ou são apenas paliativos e parciais? São somente para pobres e indigentes? Garantem apenas a posse da
terra? Porque as áreas compradas para funcionarem como áreas especiais (AEIS ou ZEIS) não possuem espaços para
atividades coletivas, ou de serviços, e, portanto, não fazendo nenhuma diferença, no padrão de urbanização, em
relação a uma ocupação irregular? (CHICHEVSKY, 2005).
123
Em Porto Alegre, o processo de diminuição das exigências e do
abandono dos dispositivos urbanísticos tem sido defendido sob diferentes
alegações, tais como
‘”A regularização urbanística representa, muitas vezes, um poderoso
obstáculo à regularização fundiária” e o instrumento das AEIS [...]
representa um mecanismo ágil e flexível para reconhecer, por um
lado, “o direito à igualdade” da população moradora (direito à
moradia) e por outro, “o direito à diferença” (pela utilização de
padrões que, ainda que distintos dos estabelecidos pela lei,garantam
dignidade e habitabilidade aos assentados. O gravame das AEIS
funciona como um apagador do regime urbanístico existente e
estabelece um regime e padrões urbanísticos “condizentes com a
realidade do assentamento”’. (ALFONSIN, 2006,p.31)
Ou conforme Mayer (Mayer et all, 2006) como possibilidade de
“[...]facilitar ao poder público a construção de políticas de interesse social
voltadas a diminuir a carência habitacional”.
O espaço é altamente significativo na obtenção da qualidade de
vida urbana, e retornamos a Magela Costa (2004) que argüe sobre a
necessidade de instrumental analítico e teórico para a avaliação dos processos
espaciais, como é apresentado na fundamentação teórica do trabalho.
Baseado em Lefebvre, Magela apresenta o que chama de três momentos do
espaço social (a prática espacial (o espaço cotidiano da produção e da
reprodução), as representações do espaço (o espaço verbalizado dos
cientistas, urbanistas, etc.) e o espaço das representações (o espaço
associado à imaginação, aquele que se procura mudar)). As relações
dialéticas, entre estes três espaços-momentos, são vistas como o foco de uma
tensão através do qual “a história das práticas sociais pode ser lida”, e do ponto
de vista do conhecimento, o espaço social embora seja um produto para ser
usado, é também um meio de produção, que incorpora uma política do espaço,
124
mas vai além, “pois pressupõe uma análise de toda a política espacial e da
política em geral”. (LEFEBVRE, (1993) apud MAGELA (2004)).
A essas análises soma-se a de Souza (2001) para quem os
problemas sócio-espaciais surgem a partir do não atendimento das
necessidades espaciais e Salingaros, que identifica na absorção da
complexidade sócio-espacial de novos projetos, ou na manutenção das formas
orgânicas, existentes nas favelas, a maneira de criar espaços de sucesso, que
os moradores vão amar e defender. A interpretação possibilitada pelos
organismos vinculados à saúde que entendem ser a habitação o local que
incorpora múltiplas dimensões e que a casa deve adotar requisitos que
garantam um “padrão mínimo de habitabilidade” e de “dignidade humana”,
todas propostas teóricas e metodológicas que identificam o espaço como um
dos mais importantes elementos que deve ser analisado e considerado na
constituição de políticas públicas. Assim, as propostas e metodologias são
identificadas nessa pesquisa como metas que se superpõem, concordando, e
se complementam, ampliando, os âmbitos requeridos à moradia que possibilita
qualidade de vida, onde a qualidade do espaço é identificada como o
denominador comum a todos.
Em continuidade a estas interpretações e agregando às mesmas
os enunciados de Sartori (1981)
47
sobre políticas comparadas, percorre-se
situações da legislação e das propostas das políticas públicas que propõem a
regularização fundiária, em Porto Alegre, buscando ajustar a estas
interpretações e dadas as avaliações de que o espaço é determinante das
relações sócio-espaciais e da qualidade de vida e da justiça social, responder
às questões: o que fazer? e como fazer? Não com a intenção de responder em
um sentido propositivo acabado, de dar solução para a problemática, mas de
encaminhar com Sartori, a reflexão, que auxilie a formular e a promover
“política pública que funcione na prática” de acordo com os princípios de que
47
Marcelo de Souza, (baseado nos trabalhos de Cilling-worth (1997)), identifica 4 elementos
fundamentais para qualquer atividade de planejamento, que seriam (i) o pensamento orientado para o futuro, (ii) a
escolha entre alternativas; (iii) consideração dos limites, restrições e potencialidades; consideração de prejuízos e
benefícios e (iv) possibilidade de diferentes cursos de ação, os quais dependem de condições e circunstancias
variáveis. O autor acrescenta, ainda, como quinto elemento, a preocupação com a resolução com conflitos de interesse
(SOUZA, 2002). Esta indicação, embora sucinta, reafirma a pertinência de responder à questão “o que fazer?”,
importante para qualquer ação coletiva e programática, voltada à mudança social positiva (SOUZA, 2002).
125
“não há incompatibilidade entre conhecimento científico e fins práticos”, pois, o
“científico é um modo de conhecer e o fim é uma prática, de acordo com aquele
saber” que busca responder como conseguir que uma intervenção consiga
efetivamente seus objetivos. Verifica-se que a ciência política, como um saber
operativo, busca constatar as possibilidades de os meios, em cada caso, serem
adequados aos fins propostos, ou entender que a escolha dos fins está
condicionada pela disponibilidade dos meios. Com base em Sartori, pergunta-
se, então: em relação à flexibilização dos padrões, estão as mesmas sendo
suficientes (além de necessárias) ou estão elas precisando ser
reproporcionadas e reajustadas à realidade, para que não sejam
contraproducentes e provoquem o perigo oposto? As ações estão acontecendo
em ‘combinação’ (ou seja, há um efeito exitoso em relação ao que se queria ou
uma ‘combinação’ correta dos princípios?) ou estão ocorrendo efeitos
inesperados e indesejados?
A avaliação da regularização fundiária, em Porto Alegre, permite
as seguintes interpretações:
1) Se a opção pela flexibilização é uma opção do momento,
isto é, uma impossibilidade relativa, condicionada pelos meios
materiais e de atuação efetivos, então, neste momento existe a
impossibilidade de que as condições oferecidas pelos
programas de regularização fundiária sejam melhoradas, mas
trata-se de uma situação provisória, e, portanto, em um futuro
breve será possível alcançar um outro patamar (ou padrão) de
habitação para todos, assentada sobre padrões (melhores, ou
mais próximos dos atuais, formais). Então, a ordem seqüencial
adotada nas práticas de reurbanização e de regularização
fundiária, que iniciam gravando a diferença no espaço é uma
má orientação para o início da política pública, pois a
regularização “formaliza” o irregular (com respeito aos
padrões), congelando uma situação difícil de reverter
posteriormente, e tornando a impossibilidade relativa em
impossibilidade. A regularização fundiária privilegia e fixa no
espaço padrões flexibilizados, a solução que é possível
126
(agora), impossibilitando “a maneira processual” que permitiria
melhores condições acontecerem no tempo (tais como serem
substituídas por construções ou situações urbanas que
voltassem a incorporar os padrões e suas exigências em
relação à saúde, à qualidade de vida e à justiça social). A
situação descrita legaliza o informal, que não será
abandonado, derrubado ou alterado (e se o for irá se constituir
em grave questão do ponto de vista da sustentabilidade, do
consumo dos recursos ambientais e da energia, pois passarão
a ser utilizados em duplicação). Neste caso, os programas
desenvolvidos estão praticando ações que, desperdiçando
meios e inviabilizando a qualificação espacial no futuro,
impedem o deslocamento dos limites, sendo contraditório, e,
portanto, impedindo, que em um futuro próximo, uma condição
melhor (ou, em combinação) aconteça, pois ela se torna
impossível de realizar desde agora.
Essa impossibilidade processual está presente nas
formas como estão sendo adotadas as políticas de
regularização em Porto Alegre, onde a reurbanização e a
regularização, não admitem a remoção/transferência de
moradias para “fazer espaço” para aumento de tamanho dos
lotes, para a diminuição das densidades, para a criação de
áreas verdes. Alguma remoção, que disponibilizasse áreas
mínimas para a criação de espaços para o convívio e o lazer
comunitários, para a alocação de equipamentos, para pátios e
jardins para as moradias e que fosse acordada com os
moradores seria imprescindível, para a qualificação da área e a
legalização formal. Ou, então, assume-se que as propostas se
resumem a ‘melhorar a informalidade’, impedindo melhorias
futuras e a futura legalização, e reforçando as duas cidades.
2) Considerando os meios disponíveis para a aplicação dos
projetos e dos programas habitacionais, de acordo com o
cálculo dos meios, é identificado que “faltam os meios” para tal
127
(como, por exemplo, a morosidade dos órgãos públicos que
não dão conta da enorme demanda, a inexistência de
orçamentos e financiamentos determinados para os programas,
contradição com o poder, ou outros tipos de insuficiência de
meios), então, esta não é uma prática de acordo com um
saber, e, conseqüentemente, não irá conseguir seus objetivos
(de abrigar a população ou de melhorar as condições de vida
urbana), pois não é conduzida de maneira inteligente. Em Porto
Alegre, o PRF está estruturado sem formar um corpo legal,
agindo pontualmente, em cada caso. Além disso, sem estar
estabelecido como lei, é dependente da vontade (ou não
vontade) política, o que tem implicações sérias sobre a
continuidade dos trabalhos iniciados, em decorrência das
alternâncias de poder. As fontes de financiamento devem ser
acessadas anualmente (OP) e as ações em andamento não
têm a garantia de continuidade. Neste sentido, a política
pública está sendo desenvolvida sem considerar os meios, e,
portanto, não sendo conduzida de maneira inteligente, e, então,
dificilmente alcançará seus objetivos de inclusão social. E de
qualificação urbana.
3) Por outro lado, se para a prática da política pública, os
meios estão disponíveis para realizar as ações pretendidas,
então a próxima questão é: o que acontecerá se realizarmos o
que queremos? Este é um ponto chave para a reflexão sobre
os efeitos da flexibilização dos padrões: o que acontecerá com
as práticas de flexibilização de padrões? Responder essa
questão permite a avaliação das possibilidades de levar a ação
adiante, identificando seus efeitos ou conseqüências, enquanto
que, não sendo colocada, não permite a reflexão sobre os
resultados alcançados pelas suas ações. Assim, perguntas
importantes e decisivas para a continuidade, o aprimoramento
ou a suspensão do processo, na forma como ele é
estabelecido, não acontece. Nos casos estudados, não há
128
avaliação das condições criadas nas vilas após a
regularização, portanto, os efeitos pretendidos e os efeitos
possíveis (inesperados e indesejados) não são identificados
(IBAM, 2004). Nem tampouco é sabido se: aumentou a
densidade, ou os moradores são os mesmos da ocupação
original, ou se a renda da população moradora foi alterada, ou
se houve o estabelecimento de um mercado “extra-muros” com
gentrificação da área reurbanizada, ou o que aconteceu com a
saúde dos moradores? quais são as novas condições de
integração com a cidade? como estão as condições de
violência e narcotráfico?
Não há estudos específicos que demonstrem que os
efeitos pretendidos - inclusão social e melhoras nas condições
de vida, com acesso à cidade e aos serviços públicos,
distribuição de terra e facilitação do acesso ao trabalho, ao
crédito e à renda – estejam sendo alcançados. Assim, a
‘solução’ pode estar acontecendo apenas no nível político-
ideológico
48
da proposição, sem uma concretização eficaz para
tal.
Na condução das políticas públicas, para conhecer a
impossibilidade prática de uma ação, devem ser conhecidos
seus efeitos. Quando na política “evitamos fazer uma escolha,
considerando um problema de escolha como se não se
tratasse de escolher”, a partir do cálculo dos meios (que
responde à questão o que é possível fazer?), o perigo oposto já
48
Ideológico é aqui utilizado no sentido de Chauí, como das idéias fundamentais desenvolvidas
pela classe dominante, ou pelos grupos de poder, que faz com que os homens acreditam que suas vidas são como são
por que “há forças” que exigem que assim seja e às quais é legítimo submeter-se, o que se junta às idéias de Gramsci,
para quem há uma ideologia enquanto “não houver um conhecimento da história real, enquanto a teoria não mostrar o
significado da prática imediata dos homens, enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem
pensamento” (CHAUI, 1981, p.87 apud DÉAK et al., 1999). Neste sentido, a reflexão sobre a flexibilização de padrões
também pode ter significado, ao auxiliar na identificação de opções significativas no nível ideológico, mas que não
possuem correspondência material, mantendo as populações ocupadas “fazendo coisas” que não resultam. Ver neste
sentido os trabalhos de Alfonsin e Baierle que colocam os ganhos ideológicos e organizacionais das populações
(ALFONSIN, 2004) e o ganhos permitidos pela regularização fundiária, como uma revolução branca que ofereceu
acesso à terra (BAIERLE, 2005).
129
está colocado, e o perigo oposto é uma avaliação de
oportunidade, que responde à questão: até que ponto é
conveniente fazer? Esta questão, que deveria ser contínua à
questão anteriormente colocada (o que acontecerá se
realizarmos o que queremos?) não está sendo feita pelos
programas de reurbanização e de regularização, que não
questionam até que ponto é possível (ou conveniente)
flexibilizar os padrões.
A opção pela regularização e reurbanização é, com
certeza, uma posição humanitária e unânime, pois não há
como abandonar as populações de baixa renda à sua própria
sorte. No entanto, em que medida, ou qual é a medida (em
relação ao perigo oposto) de aceitação da flexibilização? Ou
colocado de outra maneira: se a regularização é uma afirmação
do existente, chamado de legal, quais são os efeitos desta
opção ou qual é a oportunidade desta ação? Se,
objetivamente, não há alteração dos espaços, e na maioria das
vezes também não há regularização jurídica da posse, o que é
que as populações auferiram? Qual é propósito de tal ação? E,
portanto, se nada muda, até que ponto é conveniente fazer?
Quais são os ganhos, e para quem há ganhos?
A partir da articulação dos argumentos de Sartori para a
construção de políticas públicas, verifica-se que:
a) ao optar pela regularização fundiária e sem garantir a
suficiência dos meios, as políticas públicas de habitação, em
Porto Alegre, sofrem descontinuidades e tornam-se
inconsistentes com seus objetivos;
b) sem avaliar os efeitos das ações propostas, as políticas de
regularização fundiária podem estar causando o efeito oposto
aos objetivos propostos;.
c) sem considerar a importância da verificação dos efeitos sobre
outros fins (tais como sua significação na qualificação da saúde
física e mental dos moradores, na produtividade dos habitantes
130
e urbana, na configuração espacial, na segregação sócio-
espacial, na relação com a sustentabilidade e nos efeitos sobre
a mobilidade) a regularização fundiária perde em amplitude e
nas sinergias positivas que poderia estar promovendo junto à
moradia, assim como pode estar gerando situações de risco,
não identificadas na formulação da política.
Se de um ponto de vista teórico a flexibilização seria uma maneira
possível de abrigar mais população devido à diminuição de áreas, dimensões,
espaços, etc. e, assim, possibilitando acesso à moradia (mínima) para um
maior número de pessoas, quando aplicada apenas como padrões diminuídos
está levando à negação daqueles elementos e critérios sanitários que foram,
historicamente, incorporados para garantir a saúde. Nesse movimento perde
sua potencialidade como promotora da qualidade de vida e da justiça social e
ao ignorar os efeitos da flexibilização pode estar ignorando os efeitos da
habitação sobre essas dimensões, gerando uma desconstituição da
qualificação que, ao longo dos anos, foi buscada e passou a ser reconhecida
como imprescindível aliado pelas áreas do campo da saúde.
Assim, essas verificações permitem concluir, respondendo à
questão, que nas condições das políticas públicas de Porto Alegre, há uma
necessidade de esclarecer a diferença entre “flexibilidade dos limites dos
padrões” e “flexibilização sem nenhum limite”, pois, um limite flexível é
completamente diferente de “limite nenhum” e, portanto, os atuais programas
de regularização fundiária correm o risco de estarem criando o “perigo oposto”
(Sartori, 1981), interpretado aqui como a possibilidade de, embora promovendo
a habitação, não estarem promovendo qualidade de vida.
3.3 DESENVOLVIMENTO DO TEMA 2
As justificativas para a flexibilização são propostas com visão de
curto prazo que supervalorizam critérios relativos aos custos
negando o planejamento e um horizonte de desenvolvimento sócio-
espacial mais justo e de qualidade.
131
3.3.1 INTRODUÇÃO
A reflexão crítica aqui proposta, não se pretende uma negação, a
priori, das políticas públicas que vêm sendo praticadas ultimamente, nem um
resgate burocrático dos padrões, ou um apegar-se aos dispositivos
urbanísticos inacessíveis para os pobres, e, menos ainda, a tentativa de
invalidar propostas de intervenção sobre áreas ocupadas, baseadas na
regularização fundiária. O objetivo é buscar uma maior compreensão das
formas de constituição das políticas públicas em relação a seus efeitos. Parte-
se da interpretação do planejamento como uma ação orientada para o futuro e
que pensa seus limites, possibilidades e cursos de ação. Identificando o
“caráter curativo”
49
das propostas de intervenção do poder público na
promoção de diversas formas de regularização urbana, para a população de
baixa renda, procura-se respostas à colocação: “As justificativas para a
flexibilização são propostas com visão de curto prazo que supervalorizam
critérios relativos aos custos negando o planejamento e um horizonte de
desenvolvimento sócio-espacial mais justo e de qualidade” no âmbito do
planejamento urbano e dos custos das políticas de flexibilização.
Na constituição de um pensamento que guie essa reflexão e para
a discussão dos preços da legalização da informalidade, são utilizados os
estudos de Abramo (2003) e de Smolka (2003; 2006) que apresentam dados
para a América-latina, para o Brasil e para Porto Alegre, na interpretação das
questões econômicas relativas à terra e às conseqüências dos programas de
reurbanização e de regularização fundiária; nos trabalhos de Mascaró (2006) e
Abiko (2003) com o objetivo de investigar custos da regularização fundiária e
da reurbanização; e apóia-se em Sartori (1981) para a verificação da
“disponibilidade e a suficiência dos meios” (SARTORI, 1981) na realização das
políticas públicas. Especificamente para Porto Alegre utilizam-se dados e
pesquisas do DEMHAB e de estudo recente do Instituto Lincoln of Land Policy
49
A expressão refere-se à intenção das políticas públicas em diminuir o déficit habitacional,
atuando apenas na promoção da reurbanização de assentamentos irregulares consolidados, sem agir sobre as causas
que geram o déficit, [...] nem sendo neutros em relação aos processos responsáveis – em primeiro lugar – por estes
‘problemas’ (SMOLKA, 2003).
132
(ILLP)
50
utilizado para a identificação dos valores da terra urbanizada e da
terra crua, em glebas na cidade, e, pesquisa do IBAM específica sobre
regularização fundiária e realizada em capitais brasileiras, incluindo Porto
Alegre. Finalmente, o trabalho analítico de Fiori et. al. sobre as sete dimensões
para o combate da pobreza é chamado a interpretar a amplitude do
planejamento nas políticas públicas de habitação, como elemento estruturador
da discussão sobre os custos da regularização fundiária e da urbanização de
favelas e, sob esse pano de fundo, a regularização fundiária, em Porto Alegre,
é avaliada enquanto possibilidade de ampliação de sua ação no combate à
pobreza.
são de Sartori, para quem as políticas públicas devem
evitar o “perig
com o objetivo de investigar os custos da regularização fundiária, o material
Os custos da regularização fundiária e da urbanização de favelas
são avaliados com o objetivo de buscar o nexo entre a amplitude das
intervenções na sua relação com os custos e o planejamento urbano, inferindo
e identificando os possíveis efeitos dessas ações sobre a cidade. Essa
perspectiva alinha-se à vi
o oposto”.
Ressalva-se que, das informações buscadas para Porto Alegre
51
50
O trabalho foi realizado com o objetivo de levantar preços e ter disponível para a PMPA, o
instrumento Urbanizador Social (US). O US é uma tentativa de experiência fundiária nova que procura incorporar os
arranjos informais variados já existentes, e em vigor na cidade, para a comercialização de lotes sociais. A proposta
busca atrair o pequeno investidor privado, através da participação do poder público como facilitador do processo,
reduzindo a legislação excessiva e promovendo a redução dos custos de produção dos lotes urbanizados. Este
processo disponibilizaria terrenos a preços mais acessíveis à população de baixa renda, tendo como um de seus
objetivos controlar a informalidade (FIALHO, 2006).
51
A busca de informações sobre os custos das intervenções de regularização fundiária e das
urbanizações de ocupações foi realizada junto ao Demhab e em pesquisa nas publicações dos Planos de
Investimentos e Serviços, da PMPA, entre os anos 1992 e 2005. O objetivo era recolher informações para avaliar os
custos das construções e da infra-estrutura implantada pelos programas de regularização fundiária e de urbanização,
na cidade, mas mostraram-se tentativas infrutíferas. Mostrou-se inviável identificar tanto a informação do valor global
dos investimentos sobre cada um dos assentamentos, individualizadamente, como a possibilidade de estabelecer um
custo médio das intervenções por unidade habitacional. Nas publicações pesquisadas, os orçamentos municipais, ano
a ano, apresentam os percentuais atribuídos às diferentes Regiões da cidade, aos projetos de investimentos e
atividades, por microrregião do Orçamento Participativo (regularização fundiária, saneamento, pavimentação,
transporte, esportes, cultura, etc.), no entanto, a forma como são discriminadas as informações não permitem que se
relacione a atividade, os custos, a localização e a extensão do investimento (sejam eles tomados em medidas - linear
ou quadrada ou à qualidade/tipo dos materiais empregados ou, até mesmo, devido à dificuldade de identificar a
localização, dentro do assentamento, onde ocorreu a intervenção). Outra interferência na contabilização dos custos se
deveu a que apesar de ser atribuídos valores orçamentários (relativos a custos em reais –R$) para determinado
133
obtido é constituído de informações difíceis de compatibilizar de maneira a
formar um quadro claro e eficiente para a leitura. Dessa maneira, optou-se por
uma abordagem mais amplae generalista, que oferece uma visão geral dos
custos das propostas da regularização fundiária, onde Porto Alegre esta
incluída.
Essas constatações reforçam a idéia de que as ações de caráter
“curativo” (mas não “preventivo”) dessas políticas, ao agir apenas sobre as
conseqüências da informalidade habitacional, reforçam o ciclo da pobreza
(SMOLKA, 2003), onde, na realidade do país, a dinâmica das cidades parece,
cada vez mais, ser determinada pela lógica do que Milton Santos chamou de
“espaço nacional da economia internacional” (SANTOS, 2001). Nessas
condições, o Estado Nacional reduz o seu papel de provedor dos meios
necessários ao desenvolvimento urbano e aos municípios são exigidas maiores
responsabilidades na solução dos problemas locais. Paralelamente, o papel da
cidade se altera e crescem as pressões sobre o território físico e sobre o poder
municipal, que em uma dialética cruel, é, cada vez menos, capaz de
proporcionar soluções para abrigar seus moradores mais pobres.
Importa destacar que entre 1940 e 2000, o PIB do país cresceu
cinco vezes (Dieese, 2000; MARICATO, 2001) sem, no entanto, alterar o
quadro de desigualdade social, sendo significativo o fato que, no mesmo
período, o salário mínimo real, tenha diminuído quatro vezes (Dieese, 2004).
Nesse mesmo espaço de tempo a população cresceu mais de quatro vezes -
passando de 41.236.315 para 169.544.443 habitantes -, o que significou uma
taxa de crescimento de 25 % por década, fato este que transformou o país,
alterando a taxa de urbanização que, em 1940, correspondia a 26,3% do total
projeto, e este estivesse aprovado em instância decisória do OP, o recurso poderia não ter sido ser utilizado em sua
totalidade no ano considerado, reaparecendo no ano seguinte, como uma parcela, para o mesmo projeto. Pode
acontecer, ainda, situações em que os recursos foram investidos, mas, devido a contratempos no projeto/construção, a
obra não foi terminada, e não havia mais recurso disponível. Dificuldades desse tipo são reconhecidas nas tentativas
de verificação de custos para a regularização fundiária em todo o país. Verifica-se que os estudos que alcançaram
êxito identificar um valor para os custos – mesmo que aproximado – têm sido realizados sobre situações de
investimentos de grande vulto, envolvendo um mesmo projeto que contemple vários assentamentos, como os casos do
Guarapiranga, em São Paulo e do Favela- Bairro, no Rio de Janeiro, e que têm um gerenciamento unificado dos
diferentes atores envolvidos. Para os efeitos do presente estudo, então, as referências dos custos dos investimentos
em regularização fundiária e em urbanização dos assentamentos, são feitas, basicamente, assentados sobre os
valores encontrados em trabalhos de: Abiko (2003), Smolka (2003), Clichevsky (2003), Ibam (2004), Fialho (2006) e
Demhab (2006)
134
da população para 81,2 %, no ano 2000. Dados mostram também que a
concentração de renda vem aumentando no país (Dieese, 2004). Enquanto em
1981, os 50 % mais pobres detinham 14,5 % da renda nacional e os mais ricos
(1% da população) eram responsáveis por 13,4 % da renda; e em 1995, os 50
% mais pobres detinham 13,3 % da renda, enquanto os mais ricos (1%)
dispunham de 14,4 % da renda (Dieese, 2004). O exame detalhado desses
dados mostra que o maior crescimento populacional ocorre nas periferias dos
grandes centros, onde a pobreza e a necessidade de infra-estrutura e serviços
urbanos são mais prementes, o que se traduz por um aumento relativo da
pobreza nessas áreas. No período de 60 anos acima considerado, entre 1940 e
2000, embora a mudança dramática da taxa de natalidade (no mesmo período,
a diminuição da média do número de filhos para mulheres em idade fértil
passou de 4,4 para 2,2), o país teve que produzir as condições (basicamente
terra urbanizada) para abrigar uma população urbana de 125.000.000 de
pessoas (MARICATO, 2001).
E, embora alguns indicadores de qualidade mostrem alterações
positivas nas condições de vida da população - diminuição da mortalidade
infantil e aumento da expectativa de vida - a maneira como isso acontece não é
homogêneo para o país como um todo, ocorrendo melhoras significativas em
áreas e regiões mais ricas, sem resultados positivos significativos na alteração
da desigualdade social. As melhoras, quando acontecem, estão mais
associadas à incorporação do “paradigma sanitário” (CARVALHO, 1999),
quando a saúde pública é incorporada às políticas sociais do Estado e se
traduzem por programas urbanos de vacinação, de atendimento à gestante, de
acesso a antibióticos, de informação, de educação e, em especial, de acesso à
água potável e ao saneamento, mais do que a políticas urbanas específicas
para a moradia. As áreas de favelas, antes consideradas como anomalias - e,
por isso, interpretadas como um perigo para o sistema à espera de serem
corrigidas pelo desenvolvimento -, hoje, segundo esses mesmos intérpretes,
são entendidas como (sub) mercados específicos para uma habitação que
melhora processualmente, ao longo dos anos, e que já não representa perigo
para a ordem econômica dominante.
Às alterações nessas ordens, outras são ainda associadas, como
as modificações no modo de vida, que se transformou de rural em urbano,
135
produzindo grandes desigualdades entre as regiões e os municípios, as
alterações nas densidades e o crescimento de um número maior de cidades,
em um amplo território. Essa nova organização geo-espacial da população
significou, também, a alteração de necessidades e a exigência de um novo
leque de ofertas, características deste viver moderno e urbano. No entanto,
essas alterações sócio-espaciais não implicaram em “desenvolvimento humano
igualitário” e um dos indicadores mais expressivos e definitivos da piora das
condições de vida urbana é o aumento da violência, a taxas nunca antes
experimentadas no país (MARICATO, 2001).
Apesar das ações para diminuir o déficit habitacional, objeto das
preocupações e das intervenções dos governos, recente estudo do Ministério
das Cidades (FJP, 2006) informa que o déficit habitacional, no país, para todas
as faixas de renda, subiu de 7,2 milhões de unidades em 2000, para 7,9
milhões em 2006. Desse total, 86% é constituído de pessoas de renda entre
zero a três salários mínimos, sendo identificado que “embora parte do déficit
tenha relação com o crescimento vegetativo, a maior parte do mesmo se deve
ao desemprego e outras questões sociais, que têm relação direta com o déficit”
(Ministério das Cidades, 2007).
Em Porto Alegre, entre 1980-90, o aumento da população foi de
12,2%, com uma taxa de crescimento de 1,1% ao ano. Nesse mesmo período,
a probabilidade de morte violenta, na cidade, aumentou a uma taxa média de
13,1% ao ano, passando de 5,7 homicídios por 100.000 habitantes, em 1980,
para uma taxa de 20,0 homicídios por 100.000 habitantes, em 1990 (SMDHSU,
2006, p.9). Ainda neste espectro da violência na cidade, as Delegacias da
Mulher, da Criança e do Adolescente registram altos índices de ocorrência de
violência, com lesões corporais e diferentes tipos de abuso contra esses dois
grupos vulneráveis (SMDHSU, 2006, p. 15)
52
. Essas situações, paralelamente
à delinqüência e às formas de resolução violenta dos conflitos grupais e
52
A taxa de homicídios é considerada a medida da violência em uma sociedade, e as taxas têm
sido associadas às rendas dos países, e das populações. A América-latina apresenta altos níveis de violência, com
índices que atingem 25 óbitos por 100.000 habitantes, onde a Colômbia destaca-se com 68 óbitos por homicídio por
100.000 habitantes. Para uma visão comparativa, os países africanos e apresentam taxas de homicídio que variam
entre 17 e 20 óbitos por 100.000 habitantes, enquanto a Europa e o Canadá apresentam índices de 3 a 7 mortes por
homicídio por 100.000 habitantes, a América do Norte apresenta índices que giram em torno de 10 a 12 óbitos por
100.000 habitantes, o que é o mais alto entre os países desenvolvidos. (SMDHSU, 2006, p.7)
136
interpessoais, têm sido uma preocupação crescente dos governos locais, pois
seu desenvolvimento significa, normalmente, associações ao crime organizado,
ao tráfico e ao consumo de drogas.
Entendendo que a discussão sobre os caminhos a serem
tomados pelas cidades, ou as soluções para os problemas urbanos, por si só
complexa quando se pensa as questões enfrentadas pelos moradores da
cidade formal, o quanto mais difíceis são as soluções possíveis para os
moradores pobres das cidades, estes, que diferentemente dos moradores da
cidade formal, não conseguem “ir ao mercado”? Como abrigar os que,
dependentes dos serviços públicos e morando nas periferias das cidades
tendem a sofrer mais efetivamente a falta de infra-estrutura – traduzida na
forma de atrasos e ausências no trabalho, maiores tempos de deslocamento,
maiores distâncias aos serviços essenciais, menos assistência à saúde e à
educação e várias ordens de violência - o que gera situações tanto de queda
na produtividade dos investimentos públicos como na produtividade da
sociedade como um todo, num processo insustentável para a realização da
cidade?
As questões territoriais e urbanísticas são disputas econômicas e
sociais, e não simplesmente questões de ordem e funcionalidade, onde a
habitação é um fator essencial na manutenção da vida e das condições de
reprodução social. Individualmente, faz parte de um conjunto de necessidades
básicas a serem atendidas, que abrangem desde o mais elementar abrigo até
as diferentes satisfações no nível psicológico. Mas no nível da cidade,
referenda-se a um todo sócio-espacial que requer a atenção das mais variadas
disciplinas e a interferência em âmbitos distintos e determinantes das funções
realizadas no urbano. É exatamente este o mais expressivo âmbito do
planejamento como pensamento orientado para o futuro que embasa a escolha
entre alternativas, considerando diferentes cursos de ação, restrições e
potencialidades, limites e potencialidades, avaliadas as circunstâncias (Souza,
2001; Sartori, 1981).
Os problemas de acesso à terra tendem a ser ainda mais
complexos quando a eles são agregadas a condição de pobreza, a aceleração
nas taxas de crescimento urbano e da informalidade, onde a atenção com
essas questões se apresenta como um dos pontos principais no papel
137
representado pelos governos locais e pelo planejamento, em promover o
desenvolvimento e a qualidade de vida urbana. O acesso à mercadoria terra -
como solo urbano - se dá no nível dos custos e da possibilidade de pagar, que
é determinado pela demanda e pelo poder de compra dos usuários, muitos dos
quais, sem rendas ou com rendas provenientes dos setores informais, não
conseguem referências para financiamentos (SMOLKA, 2003). Identifica-se a
existência, por um lado, de um mercado estabelecido que é acessado pelos
setores de rendas altas e médias altas, independente das políticas do Estado e
que utiliza a produção da iniciativa privada, e, por outro lado, há o grupo dos
setores de rendas médias baixas que se vale dos programas de financiamento
e dos subsídios estatais, ambos configurando os espaços da cidade formal. No
entanto, para os grupos sem renda suficiente para poder participar dos
programas de financiamento do Estado ou do mercado formal e que constrói
suas casas na ausência de instâncias legais apesar do consenso de que a
habitação é fundamental para o processo de desenvolvimento, para a
qualidade de vida e a justiça social, as políticas públicas têm sido insuficientes
para garantir o acesso à terra e à moradia.
Nos países latino-americanos, embora muitas vezes haja terra
vazia (à espera de valorização especulativa da terra) e o mercado imobiliário
ofereça diferentes opções (áreas, localizações, serviços, infra-estrutura,
acessibilidade, etc.) essas parcelas da população não conseguem acessar a
terra, comprar ou alugar uma moradia, mesmo que seja a menor e mais
distante das áreas centrais ou do trabalho. Assim, a ocupação irregular da terra
é tolerada, pois ao mesmo tempo em que serve às populações de baixas
rendas ou sem rendas, por seu caráter fundamental de substrato para a
produção e reprodução da força de trabalho, permite que o mercado de terra
continue concentrando a terra e mantendo seu lucro e livra o Estado de ter que
arcar com soluções político-econômicas de difícil aceitação pelos diferentes
grupos de interesse.
É assim que os moradores mais pobres e os sem renda são os
que ocupam os vazios urbanos, as terras públicas e privadas desocupadas, as
áreas de risco e de preservação, as áreas inundáveis e os demais espaços
desprezados pelo mercado imobiliário ou descuidados pelo poder público e
pelos proprietários privados.
138
É assim, também, que o Estado, face à sua incapacidade de
responder às necessidades cada vez mais complexas das populações urbanas
e reconhecendo o papel que a urbanização, irreversível, volta-se para formas
alternativas de resolver os problemas das cidades, entre elas, as maneiras
possíveis de abrigar a população pobre, através dos programas que propõem
as “políticas não convencionais”. São políticas genéricas que ignoram os
mecanismos de subordinação dos governos locais à realidade
macroeconômica das nações, interferindo nas administrações municipais e nas
formas de planejamento e de gestão urbana, segundo um modelo do tipo fit to
al., no curso do qual, as verbas para as políticas públicas que, no caso do
Brasil, vinham sendo desenvolvidas de maneira mais ou menos eficaz, desde
os anos 40, para as populações de baixa renda, vêm diminuindo
consistentemente, resultando nas propostas de flexibilização de padrões.
Essas soluções, baseadas nas propostas de regularização fundiária e
urbanização das ocupações, buscam, sem sucesso acabar, ou diminuir, com o
círculo vicioso da informalidade, e, no entanto, cada vez percentuais maiores
da população se encontram fora do mercado formal e fora das políticas sociais
do Estado.
A conjugação desses vários fatores criou as situações nas quais,
atualmente, o tamanho das moradias e os espaços do entorno à casa,
especialmente as dos mais pobres, atendem apenas ao mínimo requerido para
o abrigo, sem o qual a casa não poderia ter tal designação, chamando a
atenção a miniaturização tanto dos espaços de viver, como a ausência de
espaços públicos de convivência e de lazer. Este processo de flexibilização de
padrões - que não fica restrito à população de baixa renda, pois ao gravar a
segregação urbana, atinge, de maneira indiscriminada, todos os habitantes da
cidade – se assenta sobre o discurso que identifica nos supostos altos padrões
propostos pela legislação para a cidade formal, a razão da irregularidade na
habitação dos pobres urbanos. Estes, não conseguindo adquirir os padrões
formais ou legais, autorizados pelo Estado, e exigidos pela legislação,- que é
interpretada como excludente e elitista, criadora de dispositivos urbanísticos e
habitacionais inalcançáveis, - vão morar onde lhes é possível: nas ocupações
feitas sobre as áreas vazias das cidade, as favelas. (SAULE Jr. 1997,
MENEGASSI, 2001; MARICATO 2003; ABRAMO, 2003).
139
Em trabalho de 1987, Carrion identificou que ainda em 1985,
cerca de 54% da área urbana de Porto Alegre estava desocupada, o que a
levou a concluir que “não é por falta de espaço que contingentes significativos
da população são relegados a áreas longínquas, distantes dos pontos de
acesso necessários, carentes de serviços básicos” (CARRION, 1986). A
distância maior e a menor regulação, paralelamente aos custos mais baixos
dos terrenos, compensariam o alto custo dos transportes, e assim, o gasto com
transporte seria vantajoso em relação ao preço da terra. A outra opção, para os
moradores de baixa renda, será ocupar áreas vazias e disponíveis na cidade:
as ocupações, com a criação de favelas. A conclusão apresentada afirma os
papeis determinantes da terra e da localização na constituição das condições
da habitação da população de baixa renda, além de reafirmar uma tendência
histórica, no comportamento da população, especialmente a de baixa renda, de
compensar as distâncias e o tempo gasto nos deslocamentos com o valor
menor pago pelo preço da terra (CARRION, 1986).
Essa mesma conclusão de Carrion é apontada por Smolka, para
quem “a incapacidade de compra explica a razão pela qual as famílias de baixa
renda são empurradas para as periferias urbanas” (SMOLKA, 2003) onde os
custos altos de deslocamento, embora significando distâncias maiores,
funcionam como estratégias substitutivas à ausência de capacidade de compra
e de crédito nas áreas centrais mais valorizadas.
Desta forma, frente às condições das atuais políticas públicas,
onde o elemento identificado como o mais importante para a moradia tem sido
acesso à terra urbanizada
53
, entende-se que algumas considerações devem
ser feitas.
Quando, nos anos 60, Henry Lefebvre cunhou a expressão
“direito à cidade” isto aparecia para os urbanistas como uma crítica e ao
mesmo tempo a tentativa de resgatar um ideário estético-social que de alguma
forma se havia perdido com o racionalismo-funcionalismo, modernos, de Le
Corbusier, da Carta de Atenas, dos Ciams e que objetivamente configuravam a
53
Isto é, a terra servida de infra-estrutura e de serviços urbanos - dimensão da moradia altamente
valorizada ante o argumento de que para a casa “o morador dá um jeito”
140
(perdida) beleza da cidade do encontro, da cidade da política, da cidade do
ágora. Reler a cidade contemporânea sob o olhar de Lefebvre significava
perceber a cidade distanciada do diálogo e do convívio, vazia de significados, a
cidadania e a democracia desestruturadas, a res publica perdida. Nessa
perspectiva, a cidade coisificada, de consumo, não mais de troca, a urbanidade
sem sentido era criticada pelo filósofo: devia ser modificada, devia criar
felicidade. Essa enormidade desconcertante para a reflexão teórica passará a
ser “o laboratório do homem” e a direção a ser tomada na busca de seu
conhecimento, seria, ainda segundo o autor, a da entrada para a prática de um
direito: o direito à cidade, isto é, à vida urbana, condição de “um humanismo e
democracia renovados”. O autor reafirmava a necessidade da sistematização
especulativa para dar conta da ligação entre a vida urbana e o pensamento
filosófico, retomando o pensamento da ‘totalidade’, ou nas suas próprias
palavras, “a pesquisa de uma concepção ou de uma visão global” porque
embora surgindo entre as primeiras e fundamentais divisões do trabalho - a
divisão social do trabalho entre campo e cidade, que corresponde à divisão
entre trabalho intelectual e trabalho material, e conseqüentemente, entre
trabalho natural e espiritual - a filosofia não admite a separação. O filósofo não
concebe que o mundo, a vida, a sociedade possam não constituir um Todo. E é
nessa direção, isto é, da sua relação com a cidade que a filosofia deve ser
retomada, assim como a formulação da problemática urbana e as estratégias a
serem concebidas na e para a cidade devem ser articuladas no contexto dos
conceitos filosóficos: “os conceitos filosóficos não têm nada de operatório e, no
entanto, situam a cidade e o urbano - e toda a sociedade - como uma unidade,
aquém e além das fragmentações analíticas” (Lefebvre, 1969, p.37)
Assim, o presente trabalho argumenta que as políticas
proponentes da diminuição dos padrões - e, portanto, da flexibilização -
abordam de maneira parcial a problemática habitacional. Ora supervalorizam a
localização e desprezam padrões urbanísticos e construtivos; ora implantam-se
conjuntos habitacionais em localizações distantes dos fatores de interação
próprios do meio urbano e, alguns casos, cumulativamente, com qualidade
construtiva precária. Nas duas situações a qualificação dos espaços da
moradia fica prejudicada, pois ao abrir mão dos dispositivos urbanísticos e
habitacionais, ou ao aceitar a diminuição dos mesmos, os padrões são
141
flexibilizados, e os critérios médico-sanitários sobre os quais os mesmos foram
estabelecidos, passam a ser ignorados.
3.3.2 OS PREÇOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
No nível concreto, a moradia pode ser entendida “de uma forma
ampliada, como a habitação em si e também o solo e o conjunto de
equipamentos, serviços e amenidades, cuja acessibilidade ela possibilita”
(CARDOSO, 2001). Esta afirmação é uma conceituação fundamental na
estruturação do presente estudo. A terra é o principal insumo e produto do
processo de transformação de glebas em lotes ocupados pelas funções e
atividades urbanas, e é uma mercadoria que se realiza através do pagamento
de um preço de mercado. Diferentemente da casa, que o morador pode
construir, a terra, é caracterizada pela inelasticidade da oferta e pela
singularidade das localizações. Por estas características, quando se trata da
terra urbanizada, esta depende da oferta do mercado para ser acessada, e,
nas circunstâncias do planejamento urbano, no país, também depende das
ações do Estado.
Smolka (2003) e Abramo (2003) baseados em estudos sobre o
mercado de terras no Rio de Janeiro (SMOLKA, 2003; ABRAMO, 2003) e em
uma postura crítica às atuais formas dos processos de intervenção nas áreas
irregulares, reivindicam uma política pública que auxilie a diminuir o preço da
terra como forma de diminuir a pobreza, identificando, na informalidade, uma
alternativa não vantajosa para tal. Smolka vê na regularização fundiária uma
maneira de exacerbar a pobreza, e seus argumentos redundam sobre os
custos da regularização fundiária: são altos. O processo de permitir a ocupação
e então regularizar a terra, que tem sido aceito - e até mesmo incentivado pelo
Estado, como forma de garantir o “direito à cidade” - é questionado sob dois
argumentos: (1) as condições físicas desses assentamentos são inaceitáveis
como abrigo humano onde “os baixos padrões de uso do solo e de densidade
são toleráveis porque o mal já está feito” e (2) a infra-estrutura, muitas vezes
utilizando tecnologias alternativas, que parecem interessantes no início dos
processos de regularização, apresentam desempenho inaceitável, no longo
prazo (SMOLKA, 2003). Esses argumentos são reforçados através de estudos
142
empíricos para o Rio de Janeiro
54
, onde é encontrado que os preços da terra
“informal” é mais cara do que os lotes formais, embora aqueles se tornem mais
acessíveis para os mais pobres porque possuem menos infra-estrutura,
oferecem áreas menores, não respondem aos códigos construtivos e às
legislações urbanas ou estão localizados em áreas não desejadas pelo
mercado, condições estas que, na maioria das vezes, estão conjugadas em um
mesmo assentamento. Essas análises colocam a questão da habitação do
pobre urbano e os correntes procedimentos de regularização fundiária no
âmago do planejamento urbano, enquanto local privilegiado para a formulação
e a discussão das questões das cidades.
O preço do m² da terra (urbanizada e no mercado informal), em
algumas cidades na América Latina, mostra uma variação significativa dos
preços entre países e, no Brasil, entre capitais.
Tabela 4: Preços da terra em cidades latino-americanas
Capital
Terra urbanizada
US$
Mercado informal
US$
Porto Alegre
#
55 -
Rio de Janeiro
58-130**
70-143*
5,2
18-39**
Belém 72,50 -
Lima 54,12 20-33
Cusco - 25
Buenos Aires 12 *** 8
Bogotá 91 15,8-19
Cochabamba - 25-30
Quito 38-60 3-36
San Salvador - 5-15
Vale do Chalco - 5
A. Latina 27-172* 27
Fonte: Elaborado a partir de Clichevsky (2003); Smolka (2003)
* - dado de Smolka, 2003
** - valores dependem da localização e dos serviços existentes
54
Experiências no Rio de Janeiro (1999) estimam o custo da regularização entre US$ 70,00 e US$
143,00 o m², e a Secretaria de Planejamento do Município (RJ) estima ser possível urbanizar terra crua por US$ 55,00
o m². Estudo de Smolka, também para o Rio de Janeiro, identifica ser possível urbanizar terra crua por US$ 25,00 o m².
143
*** - sem infraestrutura
# - demais valores para Porto Alegre estão descriminados no texto
Esses valores dos preços de mercado para a terra urbanizada são
bastante diferentes entre os países da região e entre as capitais brasileiras. Em
relação à terra comercializada ilegal, estudos em 10 países latino-americanos
mostram uma mediana de R$ 27,00 o metro quadrado, enquanto o metro
quadrado da terra nua varia entre R$ 5,00 a R$ 10,00 (SMOLKA, 2003). Esses
valores encontrados para a região, encontram um paralelo no Brasil, onde o
lote “ilegal” também é encontrado no mercado por um valor menor do que o
lote regularizado. Diferenças nos valores dos lotes e da terra, aparecem,
também, dentro da mesma cidade, com variações devidas à localização, à
infra-estrutura e à área oferecida (quanto maior o terreno, menor o preço) como
tem sido verificado para Porto Alegre. Recente levantamento realizado pelo
Institute Lincoln of Land Policy (ILLP), em 2005, para estudo sobre o preço da
gleba de terra crua, indicou um valor médio de R$ 3,71 o m², com os preços
variando entre R$ 1,00/m² na Restinga (gleba com 45.000m², em 2005) e R$
3.546,52/m² no Bairro Moinhos de Vento (preço de um terreno com 45m²
ofertado por imobiliária, em 2005). A pesquisa demonstrou que as variações
nos preços se devem à localização - áreas mais bem servidas por infra-
estrutura e serviços, mais centrais, mais caras - e à oferta em grandes áreas de
terra não desmembrada: quanto maior a área, menor o preço do m² (FIALHO,
2006).
Em relação aos preços dos loteamentos formais, em Porto Alegre,
os lotes urbanizados, localizados na região sul da cidade, com área de 125m² e
infraestrutura completa, podem ser adquiridos por R$ 10.000,00, e é estimado
que as moradias nesses loteamentos tenham área média de 60 m² e possam
ser construídas a um custo aproximado de metade do Custo Unitário Básico
(CUB)
55
, com um custo final de aproximadamente, R$ 30.000,00 incluindo o
terreno (dados de 2001) (PMPA-Demhab, 2006).
55
Na formação dos custos unitários básicos (CUB) não são considerados os seguintes itens, que
deverão ser levados em conta na determinação dos preços por m² de construção, de acordo com o estabelecido no
projeto e especificações correspondentes a cada caso particular: fundações especiais, elevadores, instalações de
incêndio, ar condicionado, calefação, telefone interno, fogões, aquecedores, "playgrounds", equipamentos de garagem,
etc; obras complementares de terraplanagem, urbanização, recreação, ajardinamento, ligações de serviços públicos,
144
Nas áreas informais da cidade, os preços dos lotes irregulares,
sem dimensões definidas e sem infra-estrutura, têm sido avaliados entre R$
4.500,00 e R$ 6.500,00 (PMPA-Demhab, 2006), o que é um valor bem acima
dos valores encontrados nos loteamentos irregulares, da periferia, que
possuem área de 125m² e que são, igualmente, sem infra-estrutura. Nesses
loteamentos irregulares, lotes com área de 125 m², em localização periférica,
sem infra-estrutura e com difícil acesso a serviços públicos, são vendidos a R$
2.500,00 que é um quarto do valor de um lote de mesma área em loteamentos
formais, aprovados pela Prefeitura Municipal. Levantamento recente da
Prefeitura mostrou que as residências construídas nesses lotes têm, em média,
30 m² e, é estimado que, se construídas a um custo equivalente à metade do
CUB, resultam em um valor total de aproximadamente R$ 12.500,00 incluindo
o terreno. Restaria estimar o valor adicional a ser investido para dotá-los de
infra-estrutura completa e que varia de caso a caso
56
.
As dificuldades em acessar a terra e a habitação, no país, tem
gerado as políticas habitacionais e os programas de habitação para a
população de baixa renda com propostas de flexibilização, como as
reurbanizações e as regularizações da terra. O preço da regularização, no
Brasil, tem variado entre US$ 3000,00 e US$ 5000,00 por família, o que
significa um valor ao redor de R$ 6.000,00 e R$ 8.000,00 (Abiko, 2003;
Smolka, 2003) embora possa chegar a valores muito mais altos em situações
de risco geotécnico ou de muita densidade, pois um dos fatores que mais influi
no custo é o traçado das redes, e estas são muito difíceis em situações de
etc; despesas com instalação, funcionamento e regulamentação de condomínio, além de outros serviços especiais;
impostos e taxas, projetos incluindo despesas com corretagem e publicidade, entre outros.
56
De acordo com os dados apresentados pelo estudo do IBAM, no quadro “Custos por Família
estimados a partir dos recursos previstos totais”, para a obtenção dos valores do lote urbanizado, seria possível
adicionar ao valor do lote, o custo de R$ 4.997,78. Este é o valor identificado pelo trabalho do IBAM para a infra-
estrutura, em Porto Alegre, o qual somado ao valor de R$ 12.500,00 alcançaria o valor (aproximado) total de R$
17.500,00 para a unidade lote em loteamento da periferia, com área de 125m² e infra-estrutura. (Este valor da
infraestrutura deve ser entendido com todas as ressalvas referidas acima, no corpo do texto, referentes às condições
de obtenção do mesmo).
Uma publicação da PMPA-Demhab, de junho de 2004, apresenta um quadro geral sobre os
investimentos totais do PRF, entre 1990-2004, como atendendo um total de 52.797 famílias, e destas, 36.650 com
regularização fundiária e 16.041 famílias concomitantemente com regularização fundiária e a construção de moradias,
com um custo geral total de R$ 312 milhões (Demhab-PMPA, 2004).
145
declividades acentuadas e de risco. Esses mesmos valores têm sido os
praticados na maioria dos países latino-americanos, muito provavelmente
porque, para a região, são esses os valores máximos estabelecidos pelos
financiamentos promovidos por organismos internacionais.
57
A avaliação de 14 projetos, em sete cidades brasileiras (Abiko,
2003) revelou custos de reurbanização entre US$ 510,00 e US$ 6400,00 por
unidade, com uma média de US$ 3400,00 de acordo com a complexidade
física das obras (devido às localizações, às densidades, ao fato das áreas
estarem ocupadas, etc.). Para o Rio de Janeiro, em 35 favelas, das 100
inscritas no Programa Favela –Bairro, o custo médio investido por unidade
habitacional foi avaliado em US$ 5043,00 (FIORI, 2005; ABIKO, 2003).
Tabela 5: Custos de urbanização em cidades brasileiras para
conjuntos de assentamentos* por unidade residencial/família
Conjunto de Assentamento Custo
Guarapiranga
(São Paulo)
R$ 9701-10623
Favela-Bairro
(Rio de Janeiro)
US$ 5043,00
Conjunto de 14 ocupações
(em sete cidades)
US$ 510-6400
Fonte: Tabela montada a partir dos trabalhos de Abiko, (2003);
Smolka, (2003).
*As intervenções, foram promovidas por Prefeituras Municipais, com
financiamento internacional (BID), durante diferentes períodos e por vários
anos (entre 1989 e 2003). Os valores apresentados são médias de
valores obtidos em pesquisas realizadas em períodos diferentes (entre
2000 e 2003) e se compõem de diversas referências (desde valores para
CUB, redes e equipamentos, pavimentação, terraplanagem, etc.
acompanhando a variação de dólar) atualizadas de maneira a obter a
informação
.
57
Os programas financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento na região
apresentam valores semelhantes para os diferentes países. No limite superior, os empréstimos para o Uruguai (US$
7000,00) e no limite inferior a Colômbia (US$ 1948,00) por unidade familiar (ou habitacional). Para os demais países as
médias giram em torno de: Argentina, US$ 6.500,00; Brasil, US$ 3.600,00-4.500,00; Bolívia, US$ 4.200,00; Chile, US$
3.900; Guatemala, US$ 3.100,00 (BRAKARZ, 2002; CLICHEVSKY, 2005).
146
Estudo de Abiko (2003)
58
sobre os custos de urbanizar uma
favela, com o objetivo de subsidiar intervenções, mostrou unanimidade em
relação ao pouco conhecimento existente sobre o desempenho das ações
efetuadas na reurbanização de favelas no país, tendo o autor concluído que as
informações, devido aos critérios para apropriar custos, os vários órgãos e
atores envolvidos, as variadas maneiras da participação da população, a
intensidade da intervenção e os objetivos, em cada situação, dificultam a
compactação das informações, que são dispersas e pouco sistematizadas.
Aspecto significativo a ser considerado, quando intervindo, diz
respeito às variações dos custos entre uma favela e outra, assumindo
proporções realmente significativas, quando as diferenças chegam a 50% e até
mesmo 57% entre um e outro assentamento, mesmo dentro da mesma cidade,
com uma variação de 30% em torno da média. Entre os fatores referidos para
cálculos tão distintos, estão os diferentes serviços executados em cada um dos
assentamentos, a variação do custo do mesmo serviço, os padrões
urbanísticos diferenciados entre uma e outra favela, as áreas de risco, o grande
número de agentes intervenientes e a presença da população durante a
execução das obras. Abiko (2003) observa, também, que outros tantos fatores
influenciam no custo, tais como: o número de famílias, o tamanho da favela, a
situação da infra-estrutura do entorno e a topografia, as condições geotécnicas
e a localização ao longo, ou não de riachos, já o que é determinante nos custos
para as áreas formais é o desenho do sistema viário e a densidade de
ocupação (ABIKO, 2003)
59
. A partir dessas constatações, Abiko relaciona os
custos teóricos de implantação de infra-estrutura em favelas com os custos de
implantação de infra-estrutura em áreas formais, verificando que, em ordem de
58
O trabalho referido foi realizado sobre os estudos de vários autores sobre as áreas: Favelas da
Bacia do Guarapiranga (São Paulo, 18 assentamentos e 100.000 pessoas), do Programa Favela-Bairro (Rio de
Janeiro, 150 assentamentos e 500.000 pessoas) e do Programa Ribeira Azul (Salvador, 20 assentamentos e 40.000
pessoas). Abiko avaliou e comparou os trabalhos dos diferentes autores buscando identificar similitudes e
potencialidades que permitissem a construção de uma forma metodológica de tratar a avaliação de custos e favorecer
a intervenção nas favelas (ABIKO, 2003).
59
Para as áreas formais, de acordo com Mascaró (1987) para a área urbanizada como um todo, a
mais alta influência nos custos é dada pelo tipo de traçado das redes - quanto maior a extensão do traçado, maior o
custo da rede, enquanto que, por unidade habitacional, as densidades e os traçados das redes são os determinantes
(MASCARÓ, 1987). Para as áreas informais, já ocupadas esses fatores são importantes, mas são agregados outros
determinantes importantes, como visto acima, com Abiko, e que aumentam os custos da urbanização (ABIKO, 2003).
147
grandeza, o custo de implantação de infra-estrutura em uma favela, é de duas
a três vezes os custos teóricos de implantação de infra-estrutura em uma área
formal. “Nesse sentido, o patamar de custos da urbanização de favelas é mais
elevado, quando comparado com as referências de custos de urbanização de
áreas formais” (ABIKO, 2003). Outra questão importante em relação aos
custos, é que enquanto nas áreas formais, a urbanização se restringe à infra-
estrutura, nas favelas as redes são apenas um dos componentes da
urbanização.
Em termos de valorização da área, a alteração promovida pela
regularização é mínima, e considerando que, após a regularização a área, esta
continua, ainda, irregular por um longo período de tempo, ou é estigmatizada, a
opção por regularizar é “uma política curativa” cujos “efeitos não são neutros”
Smolka (2003). De acordo com estudos de Abramo (1998), a valorização média
dos imóveis, nas áreas reurbanizadas, varia entre 15.3% a 42.5%, o que é
bastante próximo do valor investido para a urbanização. Uma área que
anteriormente à urbanização era avaliada em R$ 14.000,00, e após a
urbanização passa a valer R$ 18.000,00, simplesmente agregou o valor
investido no valor total, sem haver aumento significativo no valor do imóvel.
Esse tipo de avaliação realmente questiona as propostas de regularização
fundiária, especialmente, quando são comparados ao mercado formal popular,
onde investimentos em áreas de expansão urbana produzem valorização
acima de 100%. Um outro fator vem, recentemente, incidindo sobre os custos e
o desenho, e é a resistência dos traficantes às ações que possam gerar
insegurança para suas atividades, tais como iluminação pública, a abertura e o
alargamento de vias.
Entre 1990 e 2004, o Programa de Regularização Fundiária (PRF)
de Porto Alegre, investiu em regularização fundiária um total de R$
312.000.000,00 (DEMHAB, 2006). Atuando junto a 48% da população de
moradores das vilas informais de Porto Alegre, esse valor total, investidos ao
longo de 14 anos, demonstra um investimento médio (genérico) de R$ 5.900,00
por família beneficiada (DEMHAB, 2006)
60
e o preço médio do lote urbanizado
60
A diferença nos números entre famílias e lotes se deve a que, muitas vezes, mais de uma
família habita o mesmo lote.
148
pelo PRF, estimado entre R$ 8.000,00 e R$ 10.000,00, (de acordo com dados
de 2001) contemplando a terra e a infra-estrutura - rede de abastecimento de
água, esgoto sanitário, drenagem de águas pluviais, rede de energia elétrica e
iluminação pública. Dentro do PRF, as remoções de famílias para outras áreas
são avaliadas com um custo em torno de R$ 18.000,00 (IBAM, 2004), embora
nas situações em que a remoção ocorreu tratava-se de situações de risco para
as famílias, de remanejamento para abrir espaço para vias e para a diminuição
da densidade. Ainda segundo o Demhab, esses investimentos beneficiaram um
total de 52.797 famílias (138.000 pessoas) distribuídas em 124 assentamentos,
sendo que destas, 16.041 famílias receberam, além de infra-estrutura,
produção habitacional. As unidades habitacionais oferecidas pelo PRF são
casas térreas e sobrados, construídos por empreiteiras privadas e utilizando
tecnologia e materiais convencionais. As casas térreas possuem área que varia
entre 20 a 30m² e sobrados de 30 a 40m² sendo que, em média, as unidades
habitacionais são de 36.52m² e custam, também em média, R$ 11.836,71,
valor este que cobre o terreno e a parcela de infra-estrutura relativa ao lote.
Confirmando as variações nos valores dos investimentos,
pesquisa realizada pelo IBAM, sobre a experiência brasileira de regularização
fundiária entre 1990 e 2001 (IBAM, 2004), apresenta os preços atribuídos em
algumas capitais a cada família a partir dos recursos totais previstos em cada
programa. (Observe-se que, como a autora se referiu a “Período considerado”,
os valores podem transcender o ano que aparece na tabela).
Tabela 6: Custos por família estimados a partir dos recursos previstos totais
Município
Investimento
previsto
A
Família alvo
B
Custo total por
família
R$ (A/B)
Período
considerado
Belém 10.890.990 1537 7.085,23 Set 2001
Belo Horizonte 138.801.509 121132 1.145,87 Desde 1997
Goiânia 34.577.061 3144 10.997,79 2000
Porto Alegre 176.951.508 15406 4.997,78 1990
Rio de Janeiro 926.000.000 129.553 7.147,65 1994
Salvador 61.480.000 10.000 6.148,00 1995
Santo André 31.690.229 3637 8.713,29 1998
Teresina 74.800.000 38.852 1.925,25 1997
149
Município
Investimento
previsto
A
Família alvo
B
Custo total por
família
R$ (A/B)
Período
considerado
Vitória 134.734.000 24.703 5.454,16 1998
Recife ND* 131.331 ND* 1987
Fonte: IBAM - Fernandes, M. Estudo de Avaliação da Experiência Brasileira sobre Urbanização
de Favelas e Regularização Fundiária. Relatório Final de Análise. IBAM, Rio de Janeiro, 2004.
* Não Declarado
Considerando todas essas variáveis, bastante diferenciadas para
as capitais, devido tanto às especificidades regionais e locais como às
particularidades próprias dos assentamentos informais, o custo médio da
regularização fundiária, tomados os dados acima seria em torno de R$
5.957,22. (O valor médio encontrado foi calculado como média dos valores
“A/B” da tabela). Os valores referem-se aos custos de implantação de infra-
estrutura e os valores mais altos realizados em Goiânia, incorporam a
construção da unidade habitacional.
Os valores apresentados na tabela esclarecem pouco sobre os
valores reais dos investimentos realizados. Além das razões acima referidas
sobre as variações entre os custos devidas às variações regionais e locais, há
que considerar, ainda, as variações devidas às diferenças entre os custos e os
preços realizados pelas empresas envolvidas com os serviços de infra-
estrutura e de construção, as variações nos custos e preços dos materiais, os
períodos distintos em que foram realizadas as obras. A essas variáveis, é
acrescido um fator que, embora possa ser marginal, é importante, neste tipo de
trabalho: quando há uma verba definida, atribuída a uma comunidade, as
dimensões das propostas e os padrões, são imediatamente adequados para
atender à totalidade da população e diminuindo a amplitude da obra - antes
mesmo que o projeto seja definido -, em função do orçamento, mínimo, já
conhecido de antemão. Isto produz a situação em que se diminuem ou
eliminam dimensões e áreas das moradias, larguras de vias, escadarias e
acessos, áreas de lazer e esportes, e tudo aquilo que, além infra-estrutura
básica (e, eventualmente, da casa), possa ser considerado, minimamente,
supérfluo. Tomando-se como base um valor calculado de 15% de custo de
infra-estrutura (valor tomado de orçamentistas, por Abiko, 2003), para uma
unidade padrão de 60m² de área construída, com CUB arbitrado em R$ 500,00
150
teríamos um valor total médio, aproximado, para o custo da infra-estrutura por
unidade, de R$ 4.500,00. Esse valor se aproxima daquele encontrado como
média dos custos, de R$ 5.957,22 (no Tabela 11, acima), exceto para os
valores extremos contidos na tabela (de R$ 1.145,87 para Belo Horizonte e de
R$ 10.997,79 para Goiânia, este último contendo custos com a habitação).
Esse conjunto de informações sobre os custos, além de
possibilitar uma avaliação genérica sobre os custos da regularização fundiária,
presta-se à interpretação dos procedimentos de regularização fundiária no
escopo do planejamento. Uma pesquisa recente, baseada em levantamento
realizado na Secretaria de Planejamento Municipal (SPM), em projetos de
loteamentos aprovados pela lei n.° 316/94
61
mostrou que, apesar da ocorrência
de flexibilização dos padrões proposta pela legislação, os preços dos lotes,
para a venda, não resultaram em valores menores do que os promovidos pelo
mercado formal. A lei buscava beneficiar a população de baixa renda, com a
expectativa de que os novos loteamentos passassem a apresentar um menor
custo de mercado, e, portanto, ampliar o acesso à terra urbanizada. A pesquisa
levantou 20 loteamentos constituídos de lotes cujas áreas variavam entre 125
m² e 150 m² e verificou que os mesmos eram vendidos por valores entre R$
120,00 e R$ 178,00 o metro quadrado. Essa avaliação permitiu verificar que,
embora a aprovação dos loteamentos tivesse sido feita como para projeto de
“interesse social”, os mesmos não se direcionavam à população de baixa
renda. A constatação vai ao encontro das colocações da presente tese,
segundo a qual, o processo de flexibilização de padrões, além de não
promover a disponibilização de terra, reforça a mais valia fundiária ao diminuir
o tamanho dos lotes e aumentar as densidades.
Além disso, a flexibilização de padrões não fica restrita à
população a que se destina, mas percola toda a sociedade, com propostas e
intervenções sobre a gestão da cidade e da terra urbana que atendem a
distintos interesses sem servir à população de baixa renda, empurrando os
61
Essa lei (n.° 316/94), com a intenção de promover o acesso de população de renda mais baixa
ao mercado de terras, na cidade, promoveu a flexibilização dos padrões, alterando o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano, de 1979, o PDDU/79. Essa alteração na lei passou a permitir lotes formais com áreas de 125m² em Porto
Alegre e a promover a flexibilização das demais exigências urbanísticas, como dimensões de vias e das áreas
destinadas ao Município para áreas verdes e demais equipamentos urbanos.
151
limites flexibilizados para toda a sociedade, com desdobramentos futuros
negativos sobre aquilo que pretendia melhorar: o acesso à cidade e a
sustentabilidade urbana, presentes nos objetivos das leis que promovem a
flexibilização.
3.3.3 AVALIAÇÃO DOS CUSTOS E DA INTERVENÇÃO DO
PLANEJAMENTO ATRAVÉS DE UM MARCO ANALÍTICO - TEÓRICO: AS
SETE DIMENSÕES DA ANÁLISE
Fiori et al. (2004) identifica, nos estudos de diferentes organismos
internacionais (governamentais e não governamentais) uma convergência das
análises sobre as razões e soluções para a pobreza urbana, sobre quais
seriam as medidas cabíveis, dentro da realidade dos países em
desenvolvimento, para equacionar (ou diminuir) a pobreza. Nessa seleção
aparecem como unânimes: a busca de crescimento econômico; as reformas
legislativas; a descentralização; os investimentos em saúde e educação, e,
também, a infra-estrutura.
A partir dessa identificação, é criado um marco analítico -
baseado na experiência do Programa “Favela Bairro”, o programa de
regularização e de urbanização de favelas do Rio de Janeiro, com o objetivo de
torná-las “bairros” da cidade. O programa é examinado devido à amplitude de
sua intervenção e da forma de interferência na diminuição da pobreza -, como
medida que auxilia no acúmulo de experiência para as organizações que nele
participaram e para experiências de intervenção com objetivos semelhantes
(FIORI et al., 2004): a grande área física de intervenção; o número expressivo
de moradores envolvidos; a dimensão dos recursos humanos e financeiros
alocados; o trabalho conjunto dos diversos órgãos e instituições, nacionais e
internacionais e a participação da comunidade. Esse conjunto de fatores criou
uma escala de intervenção, que é interpretada pelo autor como aquela a ser
buscada nas intervenções das políticas públicas, porque, embora agindo com
foco específico sobre as favelas, a escala da intervenção amplia sua
abrangência, buscando efeitos sobre a cidade. Avançando a explicação sobre
o que é denominado por sete dimensões (ou elementos) que serviriam como
“marco interpretativo” para o encaminhamento de políticas públicas, as
mesmas, identificadas individualmente, são elencadas de maneira a permitir
152
uma estrutura de análise, ou marco interpretativo. Embora individualmente,
cada uma delas, seja bastante conhecida, trazem como novidade “a
combinação” entre elas e a [...] ênfase na busca de um círculo virtuoso de
relações sinergéticas” (FIORI et al., 2004) que podem, interagindo
continuamente, condicionar reciprocamente, umas às outras. As dimensões
são identificadas como: a pobreza, fenômeno multifacetado e complexo,
composto de diferentes grupos que requerem atenção especial, como crianças,
mulheres e idosos, na busca de inclusão social; a abordagem multi-setorial, ao
nível do projeto e ao nível da política, que atenda as múltiplas dimensões da
pobreza, tais como educação, treinamento e geração de emprego e renda; a
escala que gere impacto social e na cidade, de maneira condicionada a
diminuir a desigualdade entre bairros pobres e ricos, e outros, tais como,
controle do tráfico de drogas e diminuição da violência; o desenho urbano e
arquitetônico de qualidade como veículo de integração física e social, sem
alterar as características identificadoras das culturas presentes; as parcerias-
público-privado que garantam ganhos de eficiência e benefícios de custos para
os setores pobres, ao envolver a iniciativa privada na implementação dos
serviços urbanos, na busca de confiança mútua entre os atores e filantropia,
ante o setor privado; a reforma estatal que enfatize a reforma fiscal e
legislativa, descentralização, eficiência, transparência e legislação urbana
menos problemática e contraditória, que pode ser exemplificada como a
constituição de zonas especiais, experimentação sobre regularização de posse,
busca da sustentabilidade dos processos e, finalmente, a participação e a
democratização do Estado, para garantir uma mudança duradoura e estável,
através de processos amplos de democratização das estruturas de
governabilidade.
62
Esses sete elementos são interpretados, nesta pesquisa, como
aportando uma oportunidade de experimentação teórico-analítica condizente
com o que a pesquisa propõe:
62
A partir do ponto de vista dos estudos em saúde tem sido avançadas interpretações
assemelhadas às colocadas pelos autores acima citados, como por exemplo, o trabalho de Cohen que identifica as
sinergias que emergem da combinação de cinco elementos definidores da pobreza: o reconhecimento de sua
heterogeneidade e sensitividade ao vulnerável; a multisetorialidade nos projetos, políticas e no nível institucional; a
participação popular e as PPPs; a municipalização das decisões, e a escala ao nível da cidade. (COHEN, 2004).
153
- no âmbito dos custos, identificados como determinantes das
atuais intervenções;
- ante a dimensão do planejamento urbano, devido à
necessidade de uma escala ampla de intervenção e aos
requerimentos de uma integração das ações. E ambos, ante a
necessidade de um pensamento orientado para o futuro e
pensada no longo prazo, que unifique as ações com o objetivo
de constituir uma cidade única.
A proposta é de, com o auxílio dos sete elementos de Fiori,
interpretar e analisar as ações das políticas públicas de flexibilização. Busca-se
identificar para os grupos diretamente atingidos pelas políticas específicas, e
em seus efeitos e desdobramentos na cidade formal, como a regularização
fundiária supervaloriza critérios relativos aos custos, negando o planejamento,
e, em conseqüência, um horizonte de desenvolvimento sócio-espacial mais
justo e de qualidade. Entendendo-se as ações do planejamento como
garantidoras de ações de longo prazo orientadas para o futuro e guias da
gestão pública. Dessa forma, é feita uma avaliação crítica das políticas públicas
de regularização fundiária propostas para Porto Alegre, tendo como guia e
estrutura analítica, os sete elementos apresentados por Fiori.
1) A questão da pobreza deve ser interpretada como a mais
premente das demandas sociais. (FIORI et al. 2004). Com essa
interpretação, pensar os custos de reurbanização deve
contemplar a intervenção sobre a pobreza de maneira ampla,
especialmente reforçando os mecanismos que possibilitem e
reforcem as diferentes formas de inclusão, dentre as quais a
sócio-espacial. O espaço, “palco e ator” (Santos, 1987), requer
ações que respondam à complexidade das situações e dos
objetivos presentes, onde diferentes escalas e significados
tomam lugar, em processos que não são plenamente
previsíveis, requerendo do planejamento a avaliação dos
resultados de suas ações.Avaliações que são também
consistentes com as intenções de diminuir os custos das
154
intervenções. Ao priorizar os custos, abrindo mão de um
horizonte mais amplo de combate às demais dimensões da
pobreza, a regularização fundiária realizada em Porto Alegre
perde a oportunidade de explorar as sinergias que tal amplitude
possibilitaria.
2) A abordagem multi-setorial, interpretada como o
atendimento das múltiplas dimensões da carência, tais como
educação, treinamento e geração de emprego e renda (FIORI
et al.. 2004). Essa abordagem esclarece a possibilidade da
política de habitação em resgatar ações sobre a moradia e a
cidade, que se preocupam de maneira ampla em promover
desdobramentos trans-setoriais, atuando na habitação com
forte ênfase nos âmbitos da saúde física e mental dos
habitantes. As ações do planejamento, sendo coerentes com a
promoção de ganhos nesses setores, tendem a gerar, de modo
correlato, desdobramentos e efeitos sobre os orçamentos
municipais. Nessas experiências, pensar a gestão da habitação
com o objetivo de obter melhorias também na saúde, tende a
articular os ganhos nos dois âmbitos - habitação e saúde - e,
portanto, a gerar efeitos nos custos (melhor saúde, propiciada
pelas condições de moradia, significa menos gastos do
orçamento municipal com a saúde dos moradores, por
exemplo).
3) A escala que gere impacto social e na cidade, é
interpretado como a maneira de agir diminuindo a desigualdade
entre bairros pobres e ricos, controlando o tráfico de drogas e
diminuindo a violência (FIORI et al. 2004). Esse elemento do
marco analítico privilegia a espacialidade como determinante
das variadas manifestações e requerimentos na promoção das
condições de produção e de reprodução humanas, dentro de
uma visão de planejamento que abarque toda a cidade. Esses
requerimentos têm representações espaciais específicas, que
155
são lidas no saneamento básico, nos serviços, nas facilidades
de circulação, na presença de espaços verdes e de lazer, em
dimensões mínimas, nos desenhos e nas formas da habitação,
nas alturas, materiais e acabamentos, em áreas de ventilação e
iluminação, etc. Ressalta-se a premência requerida às novas
ações sobre os assentamentos, que sejam orientadas e se
voltem à diminuição dessas diferenças entre os espaços
formais e informais, com especial atenção aos danos
ambientais e aos ambientes degradados geradores de
sociopatias e psicopatias (tais como distúrbios do aprendizado,
violência, drogas e narcotráfico, baixa estima, estigmatização,
etc.). Ações nesses âmbitos tendem a diminuir, no longo prazo,
os custos para o Estado, gerando maior produtividade e
sustentando os habitantes naquelas coisas que eles são
capazes de fazer por si próprios. Essas ações tenderiam a
diminuir a tendência ao estabelecimento de duas cidades: a
dos pobres e a dos ricos, garantindo o acesso à cidade
sustentável.
4) O desenho urbano e arquitetônico de qualidade, como
veículo de integração física e social (FIORI et al. 2004). O
desenho de qualidade deveria ser capaz de criar espaços de
promoção do bem-estar físico e emocional, em uma ‘dialética’
da complexidade sócio-espacial, agindo sobre os moradores e
garantindo a sustentabilidade das diferentes manifestações da
vida urbana, e assim, funcionando como potencializador das
competências urbanas. Para tal, ao desenho é requerido a
visão e o pensamento orientados para o futuro e os custos
deveriam ser interpretados como investimentos de longo prazo.
5) As parcerias-público-privado (PPP), que garantam ganhos
de eficiência e benefícios de custos para os setores pobres
(FIORI et al. 2004). A expectativa de facilitar o acesso à terra
para as populações de baixa renda, experimentada em Porto
156
Alegre através da lei n.° 316/94
63
que flexibilizou os
requerimentos urbanísticos para a produção de loteamentos,
foi frustrada com a verificação de que os lotes não estavam
beneficiando a população de baixa renda, pois não estavam
sendo comercializados por um menor custo. Essa experiência
demonstra a apropriação privada de uma forma de mais valia
urbana em uma ação promovida pelo Estado, que tentou criar
um projeto de “interesse social” sem verificar a possibilidade do
“perigo oposto” de que fala Sartori (1981), e, portanto, sem
atender à população a que se destinava, a política pública não
está atingindo o seu objetivo: ao contrário, realiza o oposto do
desejado. O Urbanizador Social é uma possibilidade de PPP,
declarada como instrumento urbanístico no PDDUA de Porto
Alegre. Essa forma de parcelamento de terra, que serviria tanto
como uma maneira de acesso à terra, para as populações de
menores rendimentos, como um modo de controle da
informalidade, para o poder público, não tem sido utilizada
pelos pequenos empreendedores a quem se destina. Sendo
uma forma de intermediação entre o setor público e o setor
privado, o instrumento, se e quando utilizado, deverá passar
por rigoroso controle, pois é importante identificar até que
ponto os interesses públicos e privados podem ser
compatibilizados na produção de soluções de interesse social.
6) A reforma estatal: que enfatiza a descentralização, a
reforma fiscal e das estruturas que tornem o governo mais
transparente e a legislação urbana menos problemática e
contraditória (FIORI et al. 2004). O recente aumento do poder
local, que incide sobre mecanismos administrativos,
63
A lei, com a intenção de promover o acesso de população de renda mais baixa ao mercado de
terras, na cidade, promoveu a flexibilização dos padrões, alterando o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, de
1979, o PDDU/79. Essa alteração na lei passou a permitir lotes formais com áreas de 125m² em Porto Alegre e a
promover a flexibilização das demais exigências urbanísticas , como dimensões de vias e das áreas destinadas ao
município para áreas verdes e demais equipamentos urbanos.
157
institucionais, fiscais e decisórios, abriu ampla gama de
possibilidades, de acordos e de formas de implementação das
políticas públicas. Entende-se, portanto, que os mecanismos de
flexibilização dos padrões utilizados exaustivamente na
implementação do planejamento local - e manifesto nos
programas de regularização fundiária e de urbanização -,
podem ser revistos e reapropriados, permitindo que os atuais
critérios decisórios, baseados apenas nos custos, abram
espaço para as soluções ampliadas na escala da cidade e
atentas à realização do “perigo oposto” e que garantam “a
suficiência dos meios” para alcançar os fins desejados
(SARTORI, 1981); e
7) A participação e a democratização do Estado como forma
de dar aos pobres e à sociedade civil poderes de tomada de
decisão (FIORI et al. 2004). Os processos participativos,
quando realizados com real transferência de poder para as
populações, garantem a qualificação da tomada de decisão e a
durabilidade dos processos, e, então, não se caracterizam
como somente instrumentais na divisão da responsabilidade,
na decisão sobre as hierarquias orçamentárias e nos objetivos
de diminuição dos custos: tornam-se, intrinsecamente,
movimentos de democratização. Na constituição dessas
relações, o papel do Estado se mantém como gestor do
planejamento, enquanto ator que orienta as ações no longo
prazo e que pensa o futuro, onde o fortalecimento político (para
o processo de participação) depende de ganhos reais tanto
organizacionais e cooperativos, como na implementação bem-
sucedida de projetos (especialmente nas situações de
descrédito da participação, nas áreas de conflito promovido
pela violência e o tráfico de drogas).
3.3.4 CONCLUSÕES
158
Internacionalmente, do ponto de vista das políticas públicas,
identifica-se uma unanimidade de pensamento sobre quais deveriam ser as
ações para a diminuição da pobreza (crescimento econômico; reformas
legislativas; descentralização administrativa; investimentos em saúde e
educação, e infra-estrutura). No entanto, as políticas públicas de habitação vêm
sendo desenvolvidas focadas apenas em dar soluções para as ocupações,
ignorando os âmbitos ampliados da pobreza, de seus requerimentos e de seus
efeitos sobre a vida dos moradores e os seus desdobramentos sobre a cidade
formal, como possíveis “efeitos opostos” dos objetivos de qualificação e justiça
social que se propõe alcançar.
Nas intervenções atualmente realizadas em Porto Alegre,
identifica-se que as soluções pontuais impedem que sinergias - características
das cidades - ocorram de maneira positiva, pois a intenção de apenas
“melhorar a informalidade” coloca seu foco exclusivamente no assentamento,
e, neste, na infra-estrutura, sem almejar desdobramentos outros, além dos
limites físicos da área considerada. Dessa maneira, a oportunidade de
integração dos vários aspectos e âmbitos onde a política pública atua, é
perdida.
A cooperação entre os pressupostos colocados pelo marco
analítico (Fiori et. al., 2004) adicionada às avaliações realizadas no âmbito do
presente trabalho permite uma ampliação das análises críticas sobre as atuais
políticas públicas baseada na reurbanização e na regularização dos
assentamentos irregulares, com flexibilização de padrões.
3.4 DESENVOLVIMENTO DO TEMA 3
As políticas públicas que promovem a flexibilização através da
regularização fundiária não atendem plenamente aos objetivos de
inclusão das populações de baixa renda à cidade formal.
3.4.1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da presente hipótese tem a intenção de
explicitar os efeitos alcançados, em relação aos objetivos de inclusão social e
159
física dos assentamentos regularizados, após a intervenção da política pública
de regularização fundiária e de urbanização das ocupações.
As propostas de flexibilização dos padrões urbanísticos e
habitacionais, geradores das políticas públicas de regularização fundiária e de
urbanização, surgem com o objetivo de realizar e de promover a solução das
necessidades habitacionais dentro de um ideário de direito à cidade e à
sustentabilidade urbana (Estatuto da Cidade, Lei nº. 10.257, 2001).
De um ponto de vista político-ideológico essas propostas para a
moradia dos pobres urbanos têm sua gênese em duas “vertentes” claras e
diferenciadas. Por um lado são provenientes das soluções que nos anos 70
foram propostas por John Turner (e reforçadas por De Soto nos anos 80-90),
passando a ser promovidas internacionalmente, pelos órgãos financiadores,
como solução para a necessidade de diminuir o papel do Estado e introduzir o
mercado, na produção de habitação, mesmo para os pobres urbanos. As
justificativas de ordem econômica que embasam essas propostas as tornam
em instrumento das políticas onde o mercado é determinante das relações e a
participação do Estado é mínima.
Ante a reconhecida ineficiência das produções estatais no setor,
paralelamente à busca da redemocratização e às dificuldades financeiras
protagonizadas pelas questões referentes à dívida externa, aos altos juros, à
inflação e ao arrocho salarial que caracterizaram a década de 80, o surgimento
das possibilidades vislumbradas pela flexibilização apareceu como uma tábua
de salvação, tanto pelo “lado social” como pelo “lado econômico”, no país.
A conjugação desses fatores junto à complexidade do problema
representado pela informalidade habitacional fomentou o substrato onde essas
idéias se desenvolveram e se avolumaram, passando a ser promovidas por
governos de todos os matizes políticos e de todas as tendências ideológicas,
nas atuais formas hegemônicas de intervenção pública para a habitação social,
no país e internacionalmente. No Brasil, as lutas pela democratização e o
Movimento de Reforma Urbana, que aconteceram nos anos 80, levaram a uma
série de alterações no quadro legal - dentre as quais, a nova Constituição -, o
que oportunizou uma outra série de medidas legais de democratização e de
busca da inclusão social, que assumiram as formas de declaração de direitos à
160
cidade e à sustentabilidade urbana, que vieram se somar e acelerar, de
maneira sinergética, às políticas que entraram em vigor, à época, no país.
Interpretando esses fatos como os pressupostos das atuais
políticas de flexibilização para a habitação, busca-se um entendimento das
soluções promovidas quanto ao alcance das mesmas, na promoção da
inclusão sócio-espacial.
Partindo dessa reflexão, são reforçadas as propostas gerais do
trabalho de questionar os limites das soluções propostas dentro de uma
interpretação que identifica, nos objetivos do planejamento urbano a gestão de
situações complexas - como as que são colocadas para as condições de
pobreza encontradas nas cidades dos países em desenvolvimento – e que
requerem ações eficazes e eficientes para a promoção do desenvolvimento
sócio-espacial.
A opção de análise privilegia o olhar que, sob o ponto de vista da
saúde, verifica os efeitos da flexibilização dos padrões nas políticas de
regularização fundiária. A perspectiva da saúde pública orienta a qualificação
dos espaços da moradia e de seu entorno, determinantes para a obtenção e a
manutenção da saúde física e mental das populações, especialmente em
condições de pobreza.
Através dessa visão é entendido que a vida urbana requer
suportes de qualificação espacial que vão desde a infra-estrutura e a
acessibilidade à promoção do encontro, tanto das comunidades entre si, como
entre os diferentes grupos, com a possibilidade de trocas, acessos, interações
e conexões de várias ordens. E, dessa perspectiva se examinam os efeitos das
políticas públicas referidas aos objetivos de exclusão/inclusão dos
assentamentos, em Porto Alegre. Internamente, na área regularizada, e entre
esta e a cidade formal, através de princípios reconhecíveis, como as conexões
viárias e a acessibilidade.
Para tal, se busca verificar a situação dos assentamentos, de
maneira comparativa, antes e depois da intervenção da regularização,
identificando as propostas habitacionais e as soluções em relação a áreas,
densidades, espaços de esporte e lazer, áreas verdes, equipamentos e
serviços, espaços comunitários e circulação (acessos e vias internas). Para
alcançar esses objetivos são utilizados análise qualitativa com a leitura de
161
imagens de satélite, mapas geo-referenciados, cartografia e o instrumental
analítico possibilitado pelos mapas axiais e a análise sintática (HILLIER, 1984
apud RIGATTI, 2000). Busca-se, também, identificar a existência de código de
endereçamento postal (CEP) para as áreas regularizadas como um importante
elemento relacionado à obtenção da inclusão sócio-espacial.
O tema, desenvolvido como hipótese da pesquisa, é tratado em
cinco partes: (i) apresentação dos assentamentos - estudo de caso; (ii) leituras
e as análises qualitativas espaciais sobre áreas, equipamentos, serviços,
densidades e estrutura urbana com o auxílio de dados cadastrais, onde se
investigam as ações da regularização alterando a área existente, com a
construção de novas moradias e o estabelecimento de uma estrutura urbana
nova; (iii) princípios básicos da sintaxe espacial e análises. Essa parte da
análise empírica é realizada sobre as vilas urbanizadas que tiveram infra-
estrutura implantada, onde a estrutura do traçado original é mantida, com a
continuidade da maioria das unidades habitacionais; (iv) reconhecimento, para
todas as vilas estudadas, sobre a existência, ou não, de Código de
Endereçamento Postal (nome da rua, número das moradias e código) e
apresenta-se uma conclusão sobre o tema desenvolvido; e (v) conclusões e
comprovações da hipótese.
3.4.2 APRESENTAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS
64
A análise dos assentamentos é feita para situações “antes” e
“depois” da intervenção da política pública.
Foram verificadas duas formas de atuação da política de
regularização fundiária: (1) as situações em que a regularização agiu alterando
64
As informações, existentes no Demhab, sobre os assentamentos informais de Porto Alegre, não
estão completas para cada assentamento. Embora muitas, a partir de 2003, estejam em meio digital, apenas para
alguns assentamentos existe o levantamento topográfico e cadastral e o estudo de viabilidade urbanística, o EVU (que,
normalmente, representa o que vai ser implantado). Outros, no entanto, não possuíam as informações desejadas, tais
como: as vilas que foram reconstruídas e os levantamentos anteriores à intervenção, que não existem. Outra
dificuldade para obter as informações se deve às formas de armazenamento das informações, que são distribuídas
entre os diferentes setores do órgão, os mesmos que são responsáveis por cada uma das atividades desenvolvidas:
projeto viário, habitação, custos, etc. Além disso, muitas vezes, uma parte da vila, ou um beco, é urbanizado, não
abarcando todo o assentamento, mas a informação existente não esclarece que seja somente uma parte que está
regularizada. Outra dificuldade é a identificação pelos nomes dos assentamentos, que variam mesmo dentro das
publicações e dos mapas do órgão. Dessa maneira, as opções para o estudo ficam dependentes das informações
disponíveis e diponibilizadas, e que se resumem, basicamente, aos pequenos assentamentos que vêm sendo
urbanizados mais recentemente.
162
o assentamento com a construção de novas moradias e o estabelecimento de
uma estrutura urbana completamente nova, sobre a área de um assentamento
pré-existente (ou em uma área nova) do qual não há registro da formação física
pré-existente (pois não houve levantamento anterior da área realizada pelo
órgão público). Estas áreas são representadas no trabalho pelos casos da Vila
Planetário, Vila Lupicínio Rodrigues e Condomínio Princesa Isabel; e (2) esta
parte da análise empírica é realizada sobre as vilas urbanizadas, que tiveram
infra-estrutura implantada, onde a estrutura do traçado original é mantida, com
a continuidade da maioria das unidades habitacionais. São as situações
clássicas em que a vila é urbanizada, com a instalação de infra-estrutura
sanitária e pequenas alterações no traçado de vias e arruamentos, e,
eventualmente, a remoção de algumas moradias (das áreas de risco) e/ou a
construção de alguma moradia nova. Essa é a situação estudada para as vilas
Graciliano Ramos, Dona Malvina, Cosme Galvão e Teresina.
Tabela 7: Informações sobre as Vilas da Pesquisa
VILA ROP BAIRRO POPULAÇÃO
Lotes/
Unidades
JARDIM
PLANETÁRIO
Centro Santana 493 hab 88 sobrados
LUPICÍNIO
RODRIGUES
Centro Cidade Baixa 340 hab 84 sobrados
PRINCESA
ISABEL
Centro Azenha 1000 hab
230
apartamentos
GRACILIANO
RAMOS
Glória Cascata 390 hab 87 moradias
DONA MALVINA Santa Tereza Cruzeiro 160 hab 38 moradias
COSME GALVÃO Passo DÁreia Passo DÁreia 330 hab 80 moradias
VILA TEREZINA Medianeira Cruzeiro 400 hab 81 moradias
Fonte: DEMHAB/PUR; do Relatório de Indicadores Sociais de Porto Alegre, 2001 - PMPA;
Áreas do DEMHAB e Conexas, DEMHAB, 2005.
As análises específicas para cada um dos dois tipos identificado
são feitas nos itens 3.4.3 - Leitura qualitativa espacial: as vilas com construção
habitacional e 3.4.4 - A estrutura urbana e a sintaxe espacial: as vilas
regularizadas que mantiveram a estrutura original.
163
Os assentamentos do estudo de caso são, a seguir, localizados
na cidade em relação aos bairros e de Região do Orçamento Participativo
(ROP), elementos relevantes no processo de regularização fundiária, na forma
como é adotada pelo PRF. Uma apresentação de dados mais detalhados é
apresentada no Apêndice.
3.4.3 LEITURA QUALITATIVA ESPACIAL: AS VILAS COM CONSTRUÇÃO
HABITACIONAL
Essa parte da análise empírica é feita sobre os procedimentos de
regularização fundiária que, mantendo apenas a localização original do
assentamento, criaram nesses espaços, novas moradias. Trata-se da
construção de sobrados ou apartamentos, em terrenos anteriormente ocupados
pela população (situação da Vila Planetário e da Vila Lupicínio Rodrigues) ou
em áreas novas, com reassentamento de moradores de diferentes vilas do
entorno (esse é o caso Vila Princesa Isabel, que abriga moradores de diversos
assentamentos localizados no entorno da atual área, como a Vila Zero Hora,
Vila Casas Tigre e a Vila Princesa Isabel).
As vilas estão localizadas no mapa geral da cidade (Figura 1), e
individualmente, estão localizadas em imagens de satélite (Google) e em
plantas do Demhab, como segue: Vila Planetário - Figura 2 (Google) e Figura 3
(planta Demhab); Vila Lupicínio Rodrigues – Figura 4 (Google) e Figura 5
(planta Demhab);Vila Princesa Isabel – Figura 6 (Google) e Figura 7 (planta
Demhab). Demais detalhes sobre os assentamentos em termos de áreas,
áreas verdes e sistema viário estão localizadas no Apêndice.
A análise qualitativa desses assentamentos identifica as
propostas habitacionais da política de regularização fundiária (as soluções para
áreas das unidades habitacionais, densidades, espaços de esporte e lazer,
áreas verdes, equipamentos e serviços, espaços comunitários e circulação,
acessos e vias internas), com o objetivo de avaliar os padrões propostos
quanto à espacialidade alcançada, entendida como determinante da qualidade
de vida.
Vila Planetário
164
A área onde está localizada a Vila Planetário é uma ocupação
identificada desde 1939 e foi a primeira vila regularizada pelo PRF de Porto
Alegre, em 1992. É identificada no PRF como uma AEIS I (ocupação sobre
área pública), com a garantia de Concessão de Direito Real de Uso. As
unidades são concedidas por um valor de pagamento mensal de 10% do
salário mínimo, e os moradores estão sem direito de alienar a moradia a
terceiros sem a intervenção do poder público municipal.
A Vila é no Bairro Azenha, com fácil acesso à Av. Ipiranga, e
localizada na esquina da rua Olinto de Oliveira com Jacinto Gomes, tendo
acesso para a rua Santa Terezinha e para a João Manoel através de passagem
de pedestre. O assentamento possui uma creche e 88 unidades, construídas
em lotes de 51.15m², que recebem três tipos de moradias: casas térreas de um
dormitório e sobrados, com dois e três dormitórios.
As casas térreas de um dormitório possuem área de 25.60m²
(12.80 m² por pessoa); os sobrados de dois dormitórios possuem área total de
51.16m² (12.79 m² por pessoa) e os sobrados com três dormitórios apresentam
57.88 m² (9.65m² por pessoa). O assentamento conta com uma área vazia
central, à guisa de praça, que é mínima e seca e não tem nenhuma outra área
de lazer ou área verde. Embora entre a rua Olinto de Oliveira e a Av. Ipiranga
haja um faixa de grama com alguns equipamentos de play-ground, devido à
velocidade e ao trânsito da Avenida, esse espaço não é utilizado pelas crianças
e pelos moradores de uma maneira geral, que parecem preferir ficar na lateral
da vila, entre a rua Jacinto Gomes e a cerca do Planetário da Universidade
Federal, onde estão localizados os lotes que apresentam atividade comercial.
Verifica-se que como nos demais assentamentos, as áreas das
unidades residenciais estão aquém dos requerimentos para a constituição da
casa confortável e saudável. No presente caso, a parte superior do sobrado
não apresentava divisões quando foi entregue aos moradores, para permitir
que os mesmos as construíssem, com o tempo, e conforme suas rendas lhes
possibilitasse. Embora não haja dados oficiais ou uma avaliação sistemática da
evolução desses assentamentos, há indicações (conforme técnicos do
Demhab) de ocorrência de um adensamento nas unidades habitacionais, o que
teria levado a divisões internas, sem ventilação e iluminação, que passaram a
165
acomodando um número surpreendentemente grande de pessoas em cada um
dos cômodos criados.
Tabela 8: Vila Planetário
NÚMERO
DORMITÓRIOS
ÁREA DA CASA
(m²)
ÁREA POR PESSOA
(m²)
1 25.60 12.80
2 51.16 12.79
3 57.88 9.65
FONTE: elaboração a partir de dados do DEMHAB.
Avaliação feita localmente, no assentamento, identifica
modificações nas condições da Vila, que demonstram o amadurecimento do
assentamento. Há algumas casas que foram gradeadas pelos moradores, que
parecem se desconectar do restante dos residentes da Vila. Essas casas,
vistas de fora, parecem apresentar melhores condições do que as demais, com
cortinas nas janelas e vasos com flores no jardim. As demais moradias não
aparentam ter melhorado desde a ocupação, mas, ao contrário parecem ter
decaído bastante.
No entanto, o que mais chama a atenção é a ocupação dos
espaços vazios, as vias e áreas de circulação da Vila. Como a ocupação
principal dos moradores é de papeleiros, há um acúmulo dos materiais
coletados, nos acessos da Vila. São carrinhos de papeleiros e feixes de papel e
de papelão, amarrados em fardos e empilhados para o recolhimento (que
deveria ser quinzenal) pela companhia que compra o papel recolhido para
reciclagem. Junto a esses fardos, lixo, ratos e cachorros circulam junto com as
crianças que brincam nos únicos espaços existentes próximos das casas.
Quando a empresa não vem recolher, o material nos prazos estipulado, o
acúmulo de material depositado, somados ao lixo e à eventual chuva,
transformam os espaços internos de circulação em verdadeiras lixeiras, no
meio das quais os moradores têm que circular para acessar suas casas ou as
ruas, para o trabalho. Novamente, a produção espacial oferecida é falha em
proporcionar espaços “vivos” (conforme Salingaros, 2006) capazes de
166
despertar, nos moradores, o sentimento de defesa de seus espaços, e que, em
retorno, promovam a qualificação da vida dos moradores.
O assentamento Vila Planetário foi regularizado em 1992,
portanto, há 15 anos, tempo esse, que, segundo Smolka (2003) é o necessário
para que uma regularização amadureça e se estabilize. No entanto, a avaliação
realizada, qualitativa e visual, não permitiu identificar a integração da Vila ao
entorno, ou seja, mesmo após 15 anos, não apenas o estigma de
irregularidade persiste, mas persistem também as formas irregulares e a não
valorização da área. Esta constatação, por si só, demonstra a exclusão sócio-
espacial, mesmo após um longo período da ocorrência da regularização.
Então, e ainda de um ponto de vista da análise qualitativa, poderia ser
perguntado se essa continuidade no tempo, da não integração - ou exclusão -
ao entorno não estaria sendo dificultada exatamente devido à pouca eficácia
dos padrões flexibilizados em promover a integração do assentamento e de
seus moradores de maneira significativa à cidade formal do entorno e de
alavancar e promover melhoras significativas na qualidade de vida.
Essa colocação permite fazer a pergunta, novamente, e mais
claramente, sobre as hipóteses do presente trabalho: seriam os padrões
flexibilizados efetivos para a integração sócio-espacial esperada das políticas
de regularização fundiária?
Vila Lupicínio Rodrigues
A Vila Lupicínio Rodrigues está localizada no Bairro Cidade Baixa,
no quarteirão entre as ruas Tasso B. Correa, Av. Getulio Vargas, Av. Érico
Veríssimo e rua Almirante Mota e Silva, sendo que a fachada e os acessos
situam-se nesta última. O conjunto inteiro constitui-se de 82 sobrados em fita e
de uma creche, localizados em terreno pertencente à Prefeitura. Os moradores
são remanescentes da Favela da Ilhota, que permaneceram na área quando os
demais moradores da mesma foram transferidos para a Restinga, ainda na
década de 70.
A Vila possui 82 unidades habitacionais (aproximadamente 340
moradores) com a área média de 46 m² por unidade, o que oferece uma área
de 11,50m² por pessoa. No conjunto, não há nenhuma área de lazer, área
167
verde ou espaço de convívio coletivo, apresentando-se como um espaço seco
e pouco integrador e, embora os cinco acessos para a rua Almirante Mota e
Silva e uma rua interna (todas as vias são nomeadas por letras A, B, C, D, E), a
implantação das moradias e as localizações das aberturas não permite o
estabelecimento de conexões com a rua ou algum tipo de integração com a
praça existente em frente. A disposição dos blocos das casas em fita,
perpendiculares à testada do terreno, não permite a abertura de janelas para a
rua, somente para o interior do conjunto, e essa impossibilidade de conexão
com a rua, faz do entorno, um espaço de difícil controle social, pois não pode
ser acessado a partir das casas, visualmente, ou, fisicamente, sem a
intermediação das ruas internas do condomínio. Essa constituição tende a criar
espaços “de ninguém” que se tornam inseguros, embora existam acessos
diretos para a rua.
Por outro lado, a exígua distância entre uma e outra fita de casas
(variando entre 3.30m até 4.60m) produz uma convivência forçada entre os
moradores e retira a privacidade. A situação fica agravada para as condições
da moradia quando é identificada a inexistência de espaço suficiente para o
atendimento das funções rotineiras da casa, especificamente para a lavagem e
secagem de roupas, tal o tamanho diminuto da área de serviço das unidades
de moradia - não é à toa que os moradores secam suas roupas nas cercas da
praça em frente – que unidas duas a duas, colaboram para criar situações
onde a privacidade é ainda mais diminuída.
Embora não haja avaliações oficiais sobre o grau de inserção
urbana e sócio-econômica dos moradores (através de identificação de
localizações e tipos de trabalho e renda, ou outras melhorias, após a mudança
para a área), informações esparsas nos jornais locais, informam sobre a
presença do narcotráfico na Vila, que expulsou moradores e que abriga e
polariza intenso comércio de drogas em toda a região central da cidade.
Esse mesmo tipo de informação informal é encontrado junto às
imobiliárias e aos corretores de imóveis do Bairro, que identificam uma maior
dificuldade em vender e alugar imóveis no entorno da Vila, e descrevem a
mudança de perfil e de hábitos da população na vizinhança: passam a morar
no entorno pessoas sem filhos, e as praças passam a não ser mais utilizadas
pelas crianças moradoras de prédios vizinhos.
168
Vila Princesa Isabel
A Vila Princesa Isabel aparece nos levantamentos
aerofotogramétricos da Prefeitura de Porto Alegre a partir de 1982. O terreno,
pertencente ao município, originalmente comportava um terminal de transbordo
de ônibus, apresenta um lote com a testada maior frontal e acessos para a rua
Princesa Isabel, e limites laterais com as avenidas João Pessoa e Bento
Gonçalves, por onde também possui acessos. A área é gravada como AEIS I
(ocupação em terra pública, com concessão de direito real de uso).
A constituição do novo assentamento contempla moradores
originários da Vila Princesa Isabel (ocupação desta mesma área) e de
moradores removidos da Vila Zero Hora e Vila Terminal Azenha. No conjunto,
além das unidades de moradia, há uma creche, um centro comunitário e nove
lojas térreas. A área total do terreno do conjunto Vila Princesa Isabel é de
8.403,52 m² de terreno, com uma área construída de 10.404,54 m², constituído
de 230 unidades habitacionais (abrigando aproximadamente 1000 moradores)
distribuídos em blocos de quatro pavimentos. São ao todo 186 apartamentos
de dois dormitórios, quarenta apartamentos de três dormitórios e quatro
apartamentos para deficientes, com dois dormitórios. Essa organização
estabelece uma densidade de 125 habitantes por hectare e um índice de
aproveitamento do terreno de 1.2.
Tabela 9: Vila Princesa Isabel
NÚMERO
DORMITÓRIOS
ÁREA DO
APARTAMENTO
(m²)
ÁREA POR PESSOA
(m²)
2 41,48 10,28
3 50,70 8,45
2 (deficiente) 41,48 10,28
FONTE: elaboração a partir de dados do DEMHAB.
A tabela acima indica as áreas dos apartamentos de acordo com
o número de dormitórios e as áreas por pessoa.
Atualmente, vários pesquisadores (assim como também as
recomendações presentes na Agenda 21, no Capítulo 7), consideram o
169
indicador “área por pessoa” um dos elementos-chave na qualificação
habitacional, pois mede a adequação dos espaços das moradias ao número de
habitantes, onde, um indicador baixo mostra densidade excessiva.
No caso observado do Condomínio Princesa Isabel, os valores de
“área por pessoa” encontrados estão bem abaixo dos valores que atualmente
são considerados como sendo áreas saudáveis pelos organismos
internacionais (em torno de 14 -15m² por pessoa), assim como a área mínima
para a moradia de quatro pessoas é considerada como um mínimo de 60m²
(FOLZ, 2003; MASCARÓ, 2006). Estudos realizados na França indicam que
abaixo de 14m² por pessoa há maior probabilidade de perturbação à saúde
física e mental; entre 12 m² e 14 m² está o limite crítico e entre 8 m² e 10 m² o
limite patológico e abaixo de 8 m², as condições físicas e mentais são
fatalmente prejudicadas. (FOLZ, 2003).
A situação menos conveniente é o apartamento de três
dormitórios, exatamente os que possuem mais moradores, o que amplia os
possíveis malefícios para um número maior de pessoas, sendo ainda mais
grave a influência das áreas sobre as crianças. Embora tenha sido visto que os
arquitetos modernistas propusessem áreas menores para a “vida moderna”,
suas propostas assentavam-se sobre outros ganhos para a vida cotidiana,
como áreas de lazer, parques e praças e mais vida ao ar livre, possibilitada no
entorno da moradia (os princípios de “sol, espaço, vegetação” da Carta de
Atenas). Analisando os espaços abertos do condomínio Princesa Isabel,
verifica-se que as áreas abertas são áreas residuais, a maior parte das quais,
circulações, que não se prestam à suprir a necessidade de espaço para o
descanso e o relaxamento após o dia de trabalho. Junte-se a isso a presença
de crianças e os jogos infantis e de bola, as necessidades dos adolescentes e
dos idosos e verifica-se que a população do conjunto fica desatendida em
vários níveis.
Outra observação importante é sobre os acessos à área:
dificilmente, dadas as dimensões dos acessos, será possível a entrada, nas
áreas internas do conjunto de ambulância, de caminhões de bombeiros, de
mudanças, de abastecimento de gás. Além das questões da segurança –
fundamentais – aparece a inconveniência ante as dificuldades de
abastecimento.
170
Essas razões apontam para dificuldades futuras na convivência
comunitária no condomínio, pois se conjugam as condições para a desarmonia
dos usos e a insuficiência dos espaços para o atendimento das funções.
171
Porto Alegre
Figura 3: Mapa da cidade de Porto Alegre
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA)
172
Porto Alegre
Figura 4: Localização das vilas na cidade de Porto Alegre
Fonte: Prefeitura Municipa de Porto Alegre (PMPA)
173
Planetário
Figura 5: Localização da vila Planetário
Fonte: Google Earth
174
Figura 6: Planta baixa da vila Planetário
Fonte: PMPA - DEMHAB
175
Lupicínio Rodrigues
Figura 7: Localização da vila Lupicínio Rodrigues
Fonte: Google Earth
176
Figura 8: Planta baixa da vila Lupicínio Rodrigues
Fonte: PMPA - DEMHAB
177
Princesa Isabel
Figura 9: Localização da vila Princesa Isabel
Fonte: Google Earth
178
Figura 10: Planta baixa da vila Princesa Isabel
Fonte: PMPA - DEMHAB
3.4.3.1 Resultado da análise qualitativa dos assentamentos
A avaliação qualitativa das vilas regularizadas indica que áreas
regularizadas não são verdadeiramente incorporadas à cidade, pois continuam
diferentes e fisicamente segregadas, sem espaços que promovam a
convivência. Isso indica que as atuais políticas públicas de regularização
apresentam soluções incompletas e insuficientes que tendem a manter as
condições de informalidade sócio-espacial.
Os espaços mínimos criados e a flexibilização dos padrões
urbanísticos e de habitação passam a oferecer condições que, embora
saneadas, não garantem espaços e áreas, acessos, mobilidade e demais
exigências que, estabelecidas e assentadas sobre os dispositivos legais,
visavam promover a saúde e a segurança.
Essas fragilidades do processo de regularização fundiária acabam
funcionando como risco e descrédito nas formas de intervenção do programa,
pois não há demonstração de que ganhos e direitos dos moradores estejam
assegurados. Isso tanto como continuidade de desenvolvimento e de melhoria
sócio-econômica após a mudança para a área, como de melhoria e de
qualificação sócio-espacial, com afastamento das diferentes formas de
exclusão a que os pobres urbanos são submetidos, em Porto Alegre.
3.4.4 A ESTRUTURA URBANA E A SINTAXE ESPACIAL: AS VILAS
REGULARIZADAS QUE MANTIVERAM A ESTRUTURA ORIGINAL
3.4.4.1 Apresentação do método de análise
A teoria e a metodologia da sintaxe espacial são utilizadas no
trabalho para o exame da estrutura espacial do setor urbano delimitado a partir
de um raio de 3 km no entorno do assentamento, antes e após a intervenção
decorrente da política de flexibilização.
Entender em que medida os espaços do entorno de uma moradia
(a vizinhança) são utilizados pelos moradores, ou como os moradores
identificam os espaços aos quais pertencem e como identificam os espaços
como sendo “seus” ou “dos outros” vem desde longa data sendo buscado.
180
Interpretar como os espaços são utilizados ou o quanto as pessoas têm a
sensação em comum de dividirem uma coisa que é simbólica (espaços) são
leituras difíceis de serem compreendidas e decodificadas. Qual é a dimensão
que faz com que as pessoas se sintam integradas a um espaço e fazendo
parte dele? Ou que os espaços lhes pertence? Essa tem sido uma constante
discussão entre planejadores urbanos e tem um enorme significado na relação
inclusão/exclusão e nas relações de alteridade, ambas questões determinantes
da qualificação da vida urbana.
Nessa discussão, Lynch (1980) mostrou ser possível uma leitura
do espaço quando as pessoas dividem experiências comuns, e, ainda, que
haveria uma relação entre a realidade física e a fisiologia básica humana.
Salingaros (1999) vem discutindo a apropriação do espaço a partir de
diferentes escalas e de uma relação emocional, que faz o morador entender e
amar os espaços, e, onde, especialmente para as populações de baixa renda,
a participação e a eleição de um espaço simbólico coletivo cria laços na
comunidade e compactação da experiência espacial no nível coletivo
(SALINGAROS, 2006). Nesse conjunto de análises, dada uma configuração
espacial, Hillier & Hanson (1984), propõem a medição e a identificação dos
espaços com maior e menor probabilidade de encontro entre moradores e
estranhos.
Na estrutura analítica dos modelos de análise espacial, através da
análise sintática, a estrutura urbana é entendida como um sistema complexo
segundo o qual são dispostos os elementos de composição urbana e o
conjunto de relações estabelecidas entre eles. O objetivo do instrumento é
descrever os assentamentos com base em certos padrões, de natureza
topológica, que demonstram como um todo se relaciona com cada uma de
suas partes e como essas múltiplas relações produzem uma estrutura
relacionada (RIGATTI, 2000). Na tipologia urbana, as dimensões referentes
aos padrões local e global são determinantes da análise, o que é representado
pelo instrumento mapa axial
, cuja apreensão é possibilitada pela leitura das
referidas dimensões. Ele é representado pela configuração dos espaços
abertos e contínuos da malha urbana através das linhas axiais
, que são as
linhas de acessibilidade, e de suas conexões, que representam os movimentos
para e através do sistema considerado.
181
A técnica, proposta por Bill Hillier (1984) assenta-se sobre dois
fundamentos básicos, que são assim apresentados (RIGATTI, 2000):
- todo assentamento é formado por um sistema contínuo de
espaços abertos, cuja forma resulta do arranjo/agrupamento de
células primárias (edifícios) e limites secundários (quintais,
jardins, etc.) que intervém e se superpõem entre edifícios e o
espaço não limitado do assentamento;
- todo assentamento é entendido como uma seqüência de
espaços abertos, células primárias e limites secundários, que
contempla a interface de dois tipos de pessoas que utilizam os
mesmos: os estranhos (ou visitantes) e os habitantes. O
assentamento é também entendido como palco das relações
que se estabelecem entre essas duas categorias: as relações
entre os habitantes do sistema entre si, e as relações entre
habitantes e visitantes.
O objetivo da análise sintática é, pois, descrever um sistema,
explicitando como o todo (do sistema) se relaciona com cada uma das partes
que o constituem, que é analisado considerando a criação de um outro “todo”
que é uma estrutura representativa dessas relações. A descrição do sistema,
possibilitada pelo modelo, é feita através de suas propriedades sintáticas - de
natureza topológica e não geométrica - com base em um padrão “medido”.
Dessa forma, a morfologia do espaço é entendida como cada espaço é
acessado a partir de todos os outros (espaços) do sistema, o que é dado pelo
número de mudanças de direção (a profundidade) necessárias para alcançar
um outro determinado espaço. Ou seja, o que é identificado pela sintaxe
espacial como acessibilidade ou permeabilidade do sistema é a forma como o
arranjo das barreiras e entradas controla o acesso e o movimento local
(RIGATTI, 2000).
O presente trabalho vale-se da sintaxe espacial e de seu
instrumental, utilizando o mesmo com o objetivo de visualizar a integração do
assentamento tanto do ponto de vista interno como em relação a globalidade
do sistema, representado pelo recorte feito com base em critérios técnicos
182
preconizados. Tendo em vista o reconhecimento de uma diferenciação
espacial, é possível identificar a estrutura espacial urbana e suas modificações
decorrentes de alterações realizadas nos assentamentos em estudo. Esse
conceito (de integração) é fundamental para a sintaxe espacial e está
relacionado à noção de profundidade que verifica e mostra a acessibilidade e
as conexões de todas as linhas axiais entre si. Interpreta-se que cada linha
está ligada a todas as outras através de um número de passos topológicos, os
quais intermedeiam a passagem de um espaço a outro: mais passos, mais
profundidade, menos integração. Essa aparece no modelo de Hillier, por cores,
como se verá adiante, na seqüência de mapas.
Assim, o trabalho busca verificar a integração existente nos
assentamentos estudados - tanto internamente, como globalmente -, utilizando
como instrumento de “medida” as possibilidades oferecidas pelo modelo.
Entende-se que o primeiro objetivo da política pública – e
declarado nas intenções das legislações flexibilizadas – é a integração das
populações e dos espaços informais à estrutura urbana (formal) da cidade
como um todo, na busca de “direito à cidade” e de acesso à “terra urbanizada”,
nessas circunstâncias, o modelo serve, então, para apontar a integração ou a
segregação que continua, ou se altera, após a intervenção pública na área.
A integração pode ser identificada de duas formas principais:
- verificando a posição relativa de cada espaço em relação a
todos os outros (integração global ); e
- ao invés de considerar a relação entre os espaços e a
integração local, identifica-se verificando a posição relativa de
cada espaço com os demais, até uma dada profundidade, ou
um número dado de passos, (integração local). Essa limitação
permite observar a estruturação de uma parte mais restrita do
espaço total observado, como, por exemplo, a identificação de
um centro de bairro (RIGATTI, 2000).
A integração espacial - que interessa ao presente trabalho –diz
respeito à noção de simetria, ou assimetria, de uma dada morfologia: quanto
maior a simetria, maior a integração espacial, porque significa maior
183
acessibilidade relativa entre os diferentes espaços do sistema considerado. E,
inversamente, há uma menor integração quanto maior for a profundidade
(maior número de passos topológicos), o que caracteriza uma maior
segregação. Hillier identifica a simetria / assimetria, também no sentido
sociológico, tomada em relação às conexões espaciais urbanas, onde
evidências empíricas sugerem que os espaços mais integrados são os que
permitem maior probabilidade de movimento e de encontro entre moradores
em movimento e visitantes (em lugares de comércio) e as áreas mais
segregadas, usualmente mais ocupadas com residências (Hillier, 1984 apud
Rigatti, 2000, p. 14).
No modelo, a integração é representada por um gradiente de
cores que corresponde, onde as linhas de maior integração são representadas
por cores quentes, que iniciam no vermelho, (passando pelo laranja, amarelo,
verde, azul em vária tonalidades) até a representação dos espaços mais
segregados, em roxo.
3.4.4.2 Análise sintática das vilas selecionadas.
As vilas analisadas através dos mapas axiais foram Cosme
Galvão, Terezina, Graciliano Ramos e Dona Malvina.
A análise sintática está a seguir exposta em uma seqüência de
imagens que aparecem no corpo do texto: (1) imagem de satélite (Google) para
localização do assentamento no entorno imediato; (2) a planta baixa do
assentamento com os lotes, as vias e as habitações (mapas do Demhab); (3) a
seqüência de mapas axiais, de conectividade, de integração local e de
integração global, com o assentamento localizado no centro do mapa axial, que
é aplicado em uma área de 3Km por 3Km do mapa, dimensão (3Km por 3Km)
considerada, normalmente, como contendo um número suficiente de passos
topológicos necessários para verificar a integração global. Para cada um dos
mapas axiais há o gradiente explicativo das cores relativas à integração, e o
mapa do assentamento é expandido, aparecendo em uma escala maior, o que
possibilita a visualização. Demais detalhes sobre os assentamentos em termos
de áreas, áreas verdes e sistema viário e a complementação das informações
sobre os mapas axiais, (gráficos de inteligibilidade), estão apresentados no
Apêndice.
184
3.4.4.3 Avaliação dos resultados da aplicação das análises sintáticas
Cosme Galvão
A Vila Cosme Gavião está situada junto à divisa norte do Country
Club de Porto Alegre. A análise da integração global do sub-sistema
configuracional na qual está inserida destaca as avenidas João Wallig, Nilo
Peçanha, Roque Calage, Antonio C. Berta como sendo os espaços mais
integrados. Trata-se de uma ocupação razoavelmente integrada à cidade uma
vez que boa parte das habitações fazem frente para ruas consolidadas do
ponto de vista de infra-estrutura e ocupação. A Rua Acélio Daudt é, das vias de
acesso a vila, a que apresenta maior índice de integração global, o que
confirma essa condição. Apesar da área do Country Club, lindeira à vila,
impedir o estabelecimento de ligações desta com o restante da cidade, pode-se
dizer que, pela interface que possui com as ruas Luiz Cosme e Acélio Daudt e
pela pouca profundidade das ruas internas, não se encontra propriamente
segregada em relação ao setor analisado, quer anterior ou posteriormente a
sua regularização.
Do ponto de vista local, não se detecta alterações significativas do
ponto de vista da integração dos espaços públicos a não ser pela elevação do
índice relativo à Rua Luiz Cosme, influenciada pelo aumento de sua
conectividade após a intervenção realizada, com a criação de três novos
espaços.
Graciliano Ramos
Situada no bairro Glória, a Vila Graciliano Ramos possui acesso
pela Av. Oscar Pereira, cujo índice de integração global em relação ao
subsistema analisado é dos mais elevados. Observa-se que antes da
intervenção, a Rua A, conectada diretamente com a Av. Oscar Pereira,
estendia, não só para o interior da vila, uma boa condição de acessibilidade
formando uma anelaridade importante com a Rua B e retornando à avenida,
mas também para espaços contíguos pertencentes à Vila Nossa Senhora de
Lourdes. Embora espaços mais ao fundo da vila tenham diminuído sua
185
profundidade em relação ao conjunto, observa-se um decréscimo de integração
global da vila como um todo após as transformações físicas.
Quanto à integração local dos espaços da vila, percebe-se que
houve um câmbio de importância entre a Rua B, mais integrada antes da
intervenção e da via (sem nome) que faz a interface com a mencionada vila
lindeira e que adquiriu um índice de integração local maior após as
modificações que resultaram no aumento de sua conectividade. Isso significa
uma tendência a que um comércio de abastecimento e serviços de demanda
diária se localizem, com maior intensidade, na referida via.
Teresina
A Vila Teresina está localizada no bairro Medianeira, próxima ao
Estádio Olímpico. Possui três acessos: um pela Av. Oscar Pereira e dois pela
Av. Teresina. Ambas as ruas encontram-se bem integradas do ponto de vista
global, em especial a Av. Oscar Pereira. Entretanto pela maneira com que a
vila se configura, com seu interior marcado por uma fragmentação axial,
permanece segregada em relação ao setor analisado, mesmo depois de sua
regularização.
Do ponto de vista local, mesmo com o aumento da conectividade
dos espaços internos não são observadas diferenças significativas que coloque
em evidência eixos específicos com tendência a implantação de usos não
residenciais.
Dona Malvina
Está localizada no Bairro Santa Tereza, entre as ruas Dona
Malvina e Dona Otília, ambas mostrando-se bastante integradas globalmente
no subsistema examinado. Apesar dos acessos à vila acontecerem através das
ruas Dona Otília e Idelfonso Pinto e, portanto, topológicamente próximos de
espaços bem integrados, o assentamento encontra-se segregado em relação
ao conjunto permanecendo apresentando baixa probabilidade de co-presença
entre moradores e pessoas de fora da vila. Também, do ponto de vista local, as
mudanças implementadas pouco favoreceram o surgimento de centralidades
no assentamento.
186
Cosme Galvão
Figura 11: Localização da vila Cosme Galvão
Fonte: Google Earth
187
Figura 12: Planta baixa da vila Cosme Galvão
Fonte: PMPA - DEMHAB
188
Figura 13: Conectividade da vila Cosme Galvão antes da intervenção do DEMHAB
Figura 14: Conectividade da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB
189
Figura 15: Integração Local da vila Cosme Galvão anterior à intervenção do DEMHAB
Figura 16: Integração Local da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB
190
Figura 17: Integração Global da vila Cosme Galvão anterior à intervenção do DEMHAB
Figura 18: Integração Global da vila Cosme Galvão após a intervenção do DEMHAB
191
Graciliano Ramos
Figura 19: Localização da vila Graciliano Ramos
Fonte: Google Earth
192
Figura 20: Planta baixa da vila Graciliano Ramos
Fonte: PMPA - DEMHAB
193
Figura 21: Conectividade da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do DEMHAB
Figura 22: Conectividade da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB
194
Figura 23: Integração Local da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do DEMHAB
Figura 24: Integração Local da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB
195
Figura 25: Integração Global da vila Graciliano Ramos antes da intervenção do
DEMHAB
Figura 26: Integração Global da vila Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB
196
Vila Teresina
Figura 27: Localização da vila Teresina
Fonte: Google Earth
197
Figura 28: Planta baixa da vila Teresina
Fonte: PMPA - DEMHAB
198
Figura 29: Conectividade da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 30: Conectividade da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB
199
Figura 31: Integração Local da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 32: Integração Local da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB
200
Figura 33: Integração Global da vila Teresina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 34: Integração Global da vila Teresina após a intervenção do DEMHAB
201
Dona Malvina
Figura 35: Localização da vila Dona Malvina
Fonte: Google Earth
202
Figura 36: Planta baixa da vila Dona Malvina
Fonte: PMPA - DEMHAB
203
Figura 37: Conectividade da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 38: Conectividade da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB
204
Figura 39: Integração Local da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 40: Integração Local da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB
205
Figura 41: Integração Global da vila Dona Malvina antes da intervenção do DEMHAB
Figura 42: Integração Global da vila Dona Malvina após a intervenção do DEMHAB
206
3.4.4.4 Conclusões sobre a leitura dos mapas axiais:
- As vilas estudadas tendem a se localizar próximas a espaços
globalmente bem integrados e, portanto, de um modo geral,
gozam de boa acessibilidade em relação à cidade;
- Os arranjos espaciais produzidos pelas intervenções das
políticas de regularização fundiária alteram muito pouco a
situação existente, não apresentando resultados significativos
que sejam favoráveis a uma maior integração com o restante
da cidade. Do ponto de vista sintático, facilitam muito pouco o
surgimento de centralidades internas, ou seja, espaços nos
quais sejam maiores as possibilidades de encontro, em relação
aos demais.
Assim, nas atuais condições em que a regularização ocorre, as
conclusões da análise axial mostram que as intervenções não têm sido
eficientes para atender seus objetivos de inclusão espacial.
3.4.5 CONCLUSÕES DO TEMA CONSIDERANDO A LEITURA
QUALITATIVA ESPACIAL E A ANÁLISE SINTÁTICA
As ocupações são, na sociedade brasileira, uma forma de vida
urbana consolidada como patrimônio sócio-espacial. Do ponto de vista espacial
são representações formais dessa sociedade; do ponto de vista econômico,
mostram as distorções na distribuição da renda e dos recursos institucionais;
de um ponto de vista histórico, contam uma longa história de segregação e de
exclusão espacial e social que se prolonga.
Além disso, observadas da perspectiva do trabalho humano, de
consumo de tempo e de energia acumulados, conservá-las, faz sentido. Do
ponto de vista do Estado, removê-las é impossível, pois não existe orçamento
que consiga reassentá-las em outros locais, sem altos custos. Portanto mantê-
las possui um sentido econômico. Para as populações residentes, muitas vezes
existem redes de solidariedade e relações familiares que auxiliam na condução
das rotinas diárias e nos momentos de crise; há situações, no entanto, em que
207
as populações sofrem com a presença do narcotráfico, que ameaça e assusta
moradores não envolvidos, que alicia os jovens para o vício e o trabalho junto
às drogas. Há, ainda, a importância da localização em relação aos demais
elementos da estrutura urbana (como comércio, serviços e lazer), que
realmente significa acesso às ofertas e benesses urbanas, às facilitações da
mobilidade, a proximidade com os hospitais e postos de saúde e às diversas
formas de comércio. E, finalmente, o acesso aos postos de trabalho. Embora
pareça que este seja um dos aspectos menos significativos da manutenção das
localizações, pois os moradores das favelas, pelo caráter informal de suas
ocupações, acrescido da característica de serem trabalhos temporários e em
locais que se alteram (construção civil, empregos domésticos, serviços)
poderiam morar em outras áreas e “comutar” Essa possibilidade, de viajar mais
longe para o trabalho, não aparenta ser um problema intransponível,
especialmente nas circunstâncias de Porto Alegre, em que as tarifas urbanas
do transporte coletivo são as mesmas para todas as distâncias e percursos.
Todos esses elementos giram em torno do “circulo vicioso da
informalidade”, já exposto por Smolka, com enorme significado em uma
abordagem ampla e consistente de planejamento, e, que, na complexidade das
relações sócio-espaciais, deveria ser a extensão requerida pelo planejamento.
Verificou-se, para as vilas estudadas, que os objetivos de acesso
à cidade não ocorrem em sua plenitude. Embora alguns serviços e infra-
estrutura, antes inexistentes passem a ser usufruídos, e a situação se altere e
melhore, nessas novas condições, a exclusão continua manifesta nas formas
espaciais oferecidas.
Além da exclusão físico-espacial que continua acontecendo, uma
outra referência importante da vida urbana, continua sem ser oferecida aos
moradores das vilas regularizadas: a ausência de nomeação das ruas e de
endereçamento postal. Essa simples ausência, inimaginável no âmbito da
cidade formal, funciona como uma outra maneira de impedir a integração e o
acesso à formalidade habitacional e é corrente em todos os assentamentos
208
estudados.
65
Assim, as novas vias abertas, e as existentes regularizadas,
continuam com as denominações anteriores (Beco 2, Acesso 3 e outras
designações semelhantes) embora a extrema importância para qualquer
habitante, do endereço. A falta dessa identificação significa maior dificuldade
de acesso a emprego e crédito, além da (quase) impossibilidade de receber
correspondência e da estigmatização, que afeta significativamente a
população, e, especialmente aos jovens, por não possuírem um endereço
“formal”, quando é verificado que para as áreas formais, a numeração predial e
a nomeação das ruas são obrigatórias. Tal situação é ainda mais crítica,
quando se identifica a possibilidade, dada por lei, da numeração de lotes de
terrenos, coletivamente, desde que estejam com todas as divisas demarcadas
(conforme o Código de Edificações de Porto Alegre, Seção VII, Da Numeração
Predial, art. 38). Conclui-se, pois que a inexistência de tal procedimento
mantém a situação existente anteriormente à regularização fundiária,
reforçando os espaços de moradia dos pobres como guetos de pobreza e
espaços da diferença.
3.5 DESENVOLVIMENTO DO TEMA 4
As políticas públicas e a exclusão-inclusão social: estará o informal
sendo assimilado como formal através das políticas públicas?
3.5.1 INTRODUÇÃO
As primeiras referências à flexibilização dos padrões podem ser
encontradas na década de 1970, quando uma nova visão surgiu sobre a
problemática dos espaços informais nos países em desenvolvimento,
advogadas por John Turner
66
, que observando as favelas do Peru identificou,
65
No caso da Vila Lupicínio Rodrigues essa situação é contornada pela forma da implantação das
moradias nos lotes. As casas podem ser identificadas pela rua de acesso e o endereço pode ser escrito Rua Almirante
Mota, número 71, acesso A, casa 3 (ver no fim do capítulo, mapas das vilas).
66
Em 1966, Turner apresentou um artigo para um seminário da ONU, na Universidade da
Pensilvânia, sobre os problemas e as políticas para a urbanização, chamado Uncontrolled Urban Settlements:
Problems and Policies. Neste trabalho Turner descreve “o triunfo” da auto-ajuda praticada nas favelas do Peru, que,
segundo ele, superavam a cultura da pobreza integrando seus ocupantes na economia urbana e transformado as áreas
ocupadas ilegalmente em terra urbanizada. É nesse artigo que Turner formula que a satisfação do morador não está
necessariamente relacionada a padrões, pois, para ele, o mais importante sobre a casa não é o que ela é, mas o que
209
ali, uma forma autônoma de construir e morar. Seu entendimento era de que
através da auto-construção ou do gerenciamento de suas construções, os
pobres do terceiro mundo estavam a caminho da independência na formação
do ambiente construído. Dentre suas afirmações, uma ficou especialmente
conhecida: “a coisa mais importante sobre a casa não é o que ela é, mas o que
ela faz na vida das pessoas”, que é interpretada em relação às repercussões
da casa e das conseqüências de admitir o acesso do morador informal à cidade
formal, isto é, o papel da casa em fazer (do morador informal) um residente –
lato senso – da cidade (formal).
Este pensamento teve grande influência nas formulações das
políticas habitacionais para o terceiro mundo propostas pelos organismos
internacionais, desde então, sendo especialmente importante na formulação
das chamadas “políticas alternativas” muito comuns no Brasil, através dos
programas do BNH, nos fins dos anos 1970, e que continuaram a evoluir nesta
direção, com repercussões profundas nas políticas públicas para a habitação
praticadas no país, ainda hoje.
Um outro promotor da vida nas favelas, o peruano De Soto, nos
anos 1980 passou a reafirmar as idéias de Turner, a partir de uma outra
perspectiva. Para De Soto, através da legalização jurídica das áreas faveladas,
se estaria criando uma forma de “capital vivo” e, portanto, permitindo que os
pobres, com suas moradias apropriadas legalmente pudessem ir ao mercado e,
através de hipoteca e/ou financiamento bancário, gerar outras formas de ganho
e renda. As idéias e propostas de De Soto também tiveram grande repercussão
internacional, mas foram implementadas especialmente no Peru, onde políticas
específicas foram desenvolvidas sobre esses arrazoados teórico-políticos
67
.
ela faz na vida das pessoas. Este trabalho foi, talvez, a maior influência na formulação de políticas públicas baseadas
no sistema de site-and-services e demais propostas de flexibilização de padrões (TURNER, 1972).
67
O peruano De Soto, (fundador do Institute for Liberty and Democracy), tem sido um dos mais
importantes economistas-teóricos do liberalismo recente. Seu discurso, contra o planejamento integrado, defensor do
mercado e da propriedade, introduz a noção de que há uma necessidade de leis, contratos, direitos de propriedade e
meios para criar negócios produtivos. Para ele, os moradores pobres não conseguem representar o valor econômico
de suas posses, pois constroem ilegalmente, sem lei, sem ordem e, portanto, não contam como capital. A legalização
de seus espaços e a constituição da propriedade, tornaria, a eles e ao país, mais ricos e mais eficientes. As casas
ilegais - portanto, capital morto – se transformariam em capital vivo, representado por um documento, um atributo
meta-físico, que permitiria a aquisição de empréstimos, financiamentos, letras, etc. aumentando a riqueza pessoal e do
210
A partir dessas visões, os olhares de Turner e De Soto
convergem, quando ambos passam a propor a aceitação dessa forma diferente
de viver nas cidades: as favelas. As propostas de ambos identificam a
legalização das favelas como forma de assegurar, aos pobres urbanos, um
endereço que oportunizaria a referência para o trabalho, para o crédito, para a
escola dos filhos, etc., possibilitando a inserção na malha urbana, aos
transportes e acesso (circulação) aos diferentes espaços da cidade.
Essas interpretações são parte importante das políticas públicas,
que, hoje, utilizam e priorizam os processos decisórios baseados em
hierarquias, prioridades e critérios orçamentários para a tomada de decisão
68
,
guiados pela opção política de priorizar o acesso à terra, através de programas
de reurbanização e de regularização fundiária e onde a construção da moradia
é baseada na auto-construção. Surge, claramente, então, a partir dos anos 90,
um novo quadro legal, que busca atingir os muito pobres, assumindo a
formulação mínima para a casa e para o espaço urbano, baseando-se nas
propostas de regularização fundiária e de urbanização de favelas, e obtendo
resultados igualmente mínimos na criação do espaço e da moradia para as
populações necessitadas.
Apesar do discurso eloqüentemente democrático - sobre o direito
e a responsabilidade de decisão do morador no projeto, construção e
gerenciamento da casa e do direito de acesso ao financiamento bancário –
ambas, propostas elogiáveis – estas, na verdade, desconsideram as condições
objetivas da vida dos trabalhadores dos países em desenvolvimento: a
pobreza, tanto a clássica e estrutural (devida ao crescimento populacional, à
rápida urbanização, à falta de investimentos, à falta de saúde e educação, à
baixa produtividade, etc.) como a pobreza devida aos ajustes e às mudanças
país. A partir dessas idéias, propõe a legalização e a regularização das ocupações dos pobres dos países em
desenvolvimento (De Soto, 1986).
68
Esta importante questão da democratização dos processos de decisão nas cidades tem sido
interpretada por Souza da seguinte forma:“Seja como for, em uma época em que a capacidade regulatória e de
investimento do Estado se acha, muito particularmente no que tange aos Estados super endividados da periferia e da
semi -periferia capitalistas, bastante reduzida, adotar modelos menos centralizadores e rígidos de planejamento não é
apenas uma opção ideológica: é uma necessidade econômica e política” (SOUZA, 2001, pág 68).
211
econômicas, ao endividamento do país e à falta de investimentos daí
provenientes. Desta maneira, esses discursos, embora defendam a democracia
dos “direitos”, ao ignorar a realidade do subemprego, dos baixos salários, da
economia informal que impedem ao morador a tomada de decisões baseadas
em escolhas ou decisões “racionais” - do ponto de vista do mercado, devido às
distorções próprias do sistema capitalista e que deixa o pobre sem escolha -,
acabam consagrando a exclusão e gravando a diferença no espaço.
Com base no acima exposto, essas propostas vêm sendo
recentemente criticadas, pois apesar do alcance político das mesmas, sua
implementação tem sido sem êxito em alcançar os objetivos meramente físicos
de tais postulados
69
, ou seja, a construção e o acesso à moradia. Algumas
outras interpretações insistem mesmo em que as propostas de regularização
fundiária, não são respostas apropriadas para a diminuição pobreza, agindo
mais no sentido de reforçá-la do que de diminuí-la (SMOLKA, 2003).
No entanto, têm sido formulações suficientemente fortes para
apresentar mudanças no quadro regulatório, alterando os dispositivos
urbanísticos e habitacionais, produzindo a desregulação dos códigos
construtivos e dos sistemas de infra-estrutura, enfim, abandonando os padrões,
que vêm sendo paulatinamente substituídos por um novo quadro, agora
específico, para os pobres, sem considerar os critérios sobre os quais os
mesmos foram, originalmente, estabelecidos.
As propostas sugeridas, que compreendem soluções sem
remoção de população, onde, por conseqüência, não é ‘criado espaço’,
impedem a regularização habitacional e urbanística formal. Embora na maioria
das vezes as áreas ocupadas sejam terras públicas (praças, vias, reservas
ambientais), mesmo nas situações de terra privada (normalmente em situação
de risco por declividade excessiva, inundação, etc.) criam-se situações de difícil
69
Uma crítica importantes a esses processos tem sido desenvolvida por técnicos da latino-
americanos (CEPAL, IBAM, LILP) baseada em que tais programas não contemplam toda a complexidade do tecido
sócio-espacial sobre o qual as mesmas políticas agem, como na citação abaixo: “Em síntese: no contexto regional de
exclusão social crescente, as políticas habitacionais fundadas exclusivamente na regularização dos assentamentos
ilegais, têm muitas limitações e provocam diversos efeitos contraditórios. Por um lado quando fazem somente a
regularização dos assentamentos ilegais, os governos, reforçam a lógica da exclusão urbana: ou seja, consolidam os
mais pobres onde o mercado lhes permite instalar-se” (CLICHEWSKY, 2003, p. 57).
212
legalização jurídica (usucapião ou direito real de uso). Então, a área é
legalizada ‘informalmente’, isto é, embora ocorra a ação da política pública, não
são criadas condições efetivas de regularização habitacional e urbanística, nem
de legalização jurídica.
70
Identifica-se que o concretamente oferecido é infra-
estrutura básica: rede de abastecimento de água, de iluminação, esgotamento
pluvial e pavimentação.
Embora os defensores dessa visão de planejamento afirmem o
papel de inclusão desse tipo de política, identifica-se que o processo tende a
reafirmar a segregação urbana que quer combater, com efeitos sérios no nível
psicológico e físico dos moradores (baixa-estima, diminuição do
aproveitamento escolar, doenças de contágio, etc.) (OMS-OPAS, 2005). A
exclusão - que até então acontecia com formas de representação espacial e
perspectivas de integração em um tempo futuro - passa a acontecer sob uma
nova forma: a garantia de acesso à terra urbanizada, o que se aproxima da
regulação nos termos pretendidos por De Soto, mas mais incompleta. O ato de
“aceder” à cidade é um movimento a ser feito sem real distribuição de terra ou
de renda, onde a integração (física e social) já não é mais possível: a ocupação
assume a hegemonia.
Para as populações faveladas, isto é, para aqueles habitantes das
áreas informais da cidade, que vivem sem renda, ou com rendas muito baixas,
a infra-estrutura ofertada significa uma melhoria nas condições físicas da
habitação: é inegável que entre morar no lodo, em áreas sem água encanada e
nas moradias características das favelas e passar a viver em um espaço
saneado, faz toda a diferença, e deste ponto de vista, a regularização fundiária
é uma necessidade que não pode ser contestada, sob pena de se estar
postergando as mínimas ações e adotando práticas desumanas.
70
Estas situações mostram a ineficiência e levam à falência as propostas de De Soto, as bases
teóricas que alimentam soluções deste tipo. Embora a ação pública atue sobre o assentamento, o espaço da moradia
não se transforma em uma mercadoria que possa ser levada ao mercado e tornar-se “capital vivo”. Nem, tampouco, os
habitantes destas áreas teriam acesso bancário para tal investimento, pois sem trabalho e/ou renda formal, os
contratos dessa ordem são praticamente impeditivos. Mesmo que as áreas sejam reurbanizadas, a situação da
habitação não se transforma, constituindo o que Ramirez consagrou chamando de situações de “comodificação
impossível”, isto é, as moradias que são impossibilitadas - por diversas razões, tais como a localização na cidade, os
materiais e o desenho, a situação legal, etc.- de agregar valor para o mercado (RAMIREZ, 1992).
213
O que é discutido, e é para esta questão que se volta a reflexão
aqui pretendida, são os efeitos das políticas de regularização, baseadas na
flexibilização dos padrões, tanto para os habitantes destes espaços, agora
regularizados, como os efeitos possíveis para a cidade formal. Para os
moradores das áreas legalizadas, onde se mantém a diferença que inicia na
morfologia e se estende para os serviços e equipamentos ofertados, para o
desenho e o tamanho das unidades e dos lotes, cuja composição e imagem se
diferenciam da cidade formal à qual estes espaços querem se integrar. Para a
cidade formal porque esses espaços diferenciados, de urbanização frágil e de
interpretação da habitação que exige uma elasticidade, tanto operativa quanto
para a imaginação, demonstram a complexa realidade e as contradições
colocadas para o habitante urbano no país.
A realidade urbana passa a ser vista de maneira atomizada, em
porções que não permitem uma visão ampla e abrangente, desafiando um
único código formal ou padrão unificado, que, portanto, não pode ser instituído,
buscado ou esperado que ocorra. A diferença passa a ser a regra. Assim, a
opção pela flexibilização apresenta e coloca para a realidade situações de
experimentação, como se esta (a realidade) fora, novamente, um enorme
objeto de pesquisa de campo, ou laboratório, para as diferentes políticas
(internacionais e globalizadas, produtos das políticas características do pós-
modernismo e da desconstrução), desnudando a contínua
confluência/influência dos modelos e das práticas políticas e teóricas
internacionais na realidade do país. Passa-se do desenvolvimento de um
modelo nacional do “moderno”, que não chegou a se completar como Estado-
do-bem-estar social, para uma mutação assentada em outros paradigmas e
desígnios do mercado.
A política habitacional que se formou ao longo dos anos, no
Brasil, e os dispositivos urbanísticos correspondentes, são produtos dos
diversos processos de democratização e de transformação das condições
cotidianas da sociedade, que buscaram ampliar e universalizar o acesso do
pobre à habitação. As novas formas de regulamentação
71
são produtos do
71
Um trabalho recente, desenvolvido pelo Departamento de Habitação (Housing) da Universidade
de Harvard, EUA, coloca explicitamente que para a habitação popular a regulação é uma forma de garantir condições
214
conjunto de modificações e períodos que se sucederam, como a criação de
órgãos e institutos, o desenvolvimento de tecnologias, a substituição das
importações e o crescimento da indústria nacional, a técnica do concreto
armado, a inserção no movimento da arquitetura moderna, a ideologia de cada
partido político no poder, a entrada da mulher no mercado de trabalho,
conceitos morais dominantes em cada época, acontecimentos na cultura e nas
artes, o avanço nos transporte e nas comunicações, no conhecimento sobre as
questões de saúde e ambientais, na racionalização da produção, e, portanto,
não se pode atribuir à lei, que seja o simples resultado de decretos, legislação
e de regulamentos, nem tampouco o produto puro das interpretações
provenientes das teorias ou das escolas de urbanismo, arquitetura ou das
engenharias e de seus arrazoados estéticos ou funcionais.
O presente trabalho não pretende aqui detalhar o contexto
histórico e a totalidade das leis que regem os padrões, as normas e os códigos
de habitação e urbanos, no Brasil, ou em Porto Alegre, mas, busca identificar
as mudanças e alguns dos acontecimentos que originaram o ambiente gerador
do tipo de legislação e os dispositivos legais, existentes hoje. Com base nesta
interpretação, é estabelecida uma relação entre a questão que se propõe
responder, os contextos que se alteram e os padrões/políticas/dispositivos
legais, urbanos e da habitação, criados nos respectivos períodos.
Para os trabalhadores formais, moradores das cidades (no Brasil,
como em toda a América-latina), os baixos salários permitem um acesso
limitado à moradia, mesmo quando ela é produzida pelas políticas públicas de
habitação e ofertadas pelo Estado através do mercado formal. Mas há ainda os
habitantes urbanos que, assim como os demais moradores das áreas
periféricas do capitalismo, não conseguem acessar os programas
governamentais de habitação: (i) são os trabalhadores formais de rendas muito
baixas; (ii) os trabalhadores informais que não conseguem comprovar a renda
e (ii) os que não tem renda nenhuma, os “sem-teto urbanos”. Estes são os
moradores urbanos que promovem as invasões e ocupações, construindo seus
mínimas de qualidade da habitação, especialmente quando o mercado não funciona e entende que os atuais critérios
de capacidade de pagar (affordability) existem para preencher as lacunas das coisas que não são - e não serão -
resolvidas pelo mercado. Esses estudos colocam uma perspectiva completamente diferente para os critérios
econômicos atualmente em uso no país e relativos à habitação de baixa renda (HSD, 2004).
215
abrigos em áreas de propriedade alheia, identificadas como favelas. Para
estes, as políticas públicas têm sido as que preconizam os programas de
regularização fundiária e a reurbanização, onde a flexibilização dos padrões é o
“instrumento” urbanístico e de habitação mais empregado na busca da solução
habitacional.
Especificamente, a legislação da habitação e urbanística ao
reformular, propor e aceitar a diminuição de área dos lotes, as áreas mínimas
das unidades habitacionais, vias e demais elementos construtivos, busca a
constituição e a representação física proposta pelo critério de “desempenho”
onde abrigar a população de muito baixa renda, ou de renda nenhuma, passa a
ser um exercício do “mínimo possível” que funcione cumprindo o papel (mínimo
e pontual). Desta forma, a política pública desconsidera, sem verificar, seus
efeitos sobre outros ângulos, como a hipótese de que os meios possam
ultrapassar os objetivos propostos, com efeitos inesperados e não desejados
(SARTORI, 1981) ao negar os processos geradores dos padrões urbanos e de
habitação. Sob um discurso que pretende a inclusão, passa a desconstituir o
conhecimento, criando espaços onde a socialização não é possível.
O impulso para a ação, devido ao seu arrazoado político-
ideológico de busca da integração e da inversão das prioridades para incluir,
briga com a realidade, afirmando, por um lado, o já existente nomeado agora
de regular e, por outro lado, requerendo e dizendo defender o direito ao
diferente, que é negado assim como está (ou seja, o existente) pois a
qualificação que não acontece como deveria (referendada aos padrões) é
assim mesmo regularizada, em situações nas quais a oferta de redes de
esgoto cloacal é reduzida, as dimensões das vias são diminuídas, os lotes são
aceitos e mantidos com qualquer dimensão e a oferta de casas passa a ser
ínfima em relação ao déficit existente e crescente, pois não há remoção de
população para a regularização habitacional e urbanística. Essa é a situação,
por exemplo, das regularizações permitidas nas áreas de ocupação declaradas
como AEIS, onde a regularização fundiária verificada acontece apenas como
direito de permanência no local, e pequena alteração física ou na regularização
da propriedade acontece.
3.5.2 A LEGISLAÇÃO EM PORTO ALEGRE
216
A partir de 1880, passaram a se instalar, em Porto Alegre, através
de legislação específica, ações sanitárias, que buscavam impedir a construção
dos cortiços no centro. Surgiam com medidas indiretas, tais como o aumento
do preço dos impostos urbanos, o que empurrava os pobres para a periferia
(PESAVENTO, 1994; BAKOS, 1986) demonstrando que esse tipo de ação do
poder público era mesclada com uma não-declarada intenção de afastar a
pobreza dos olhos e do centro urbano, cercando-a, distanciando-a da cidade
bonita e formal. Isso se constituirá em um processo recorrente nas ações
públicas para a habitação, no país, ao longo dos anos.
Para apresentar a legislação municipal desenvolvida para a
cidade, é traçada, aqui, uma breve evolução histórica da legislação urbanística
e das propostas construtivas, mostradas em uma periodização que tem como
ponto de partida o final do século XIX, e é apresentada em quatro momentos
ou períodos consecutivos. Partindo do século XIX e até 1930, verifica-se o
urbanismo monumental embelezador, base dos trabalhos e da legislação na
cidade, quando os primeiros padrões específicos são discutidos para a
habitação do pobre, onde a idéia de ‘embelezar” passa a ser substituída pela
de torná-la ‘eficiente’ e parece constituir-se a idéia de uma forma de vida
‘urbana’ com o crescimento das populações nas cidades. Um outro período vai
de 1930 até 1964, quando o planejamento é visto como uma técnica científica
capaz de resolver os “problemas urbanos” e que finda com a criação do BNH,
embora a migração campo-cidade do período tenha tornado as periferias
urbanas o local da vida dos pobres e as favelas crescessem cada vez mais; um
terceiro período entre 1964 e 1988, que é controlado pelas políticas do BNH se
estende até a Constituição de 1988, contemplando a criação da lei nacional de
loteamentos, a Lei 6766/79, específica para a ordenação do espaço em todo o
território nacional e traz o começo do processo de flexibilização dos padrões.
Um outro momento, que inicia em 1988, apresenta uma nova visão do
planejamento urbano, mais discurso político-ideológico e menos constituição do
espaço e que junto às novas visões sobre a pobreza e a urbanização,
promovem a aceleração do processo de flexibilização dos padrões.
3.5.2.1 Desde o século XIX até 1930
Além dos limites urbanos que foram fixados antes mesmo da
217
proclamação da República (Ato n.º 2 de 13 de março de 1892), outras normas
são também instituídas, desde logo pela legislação municipal, como a Lei nº.2,
de 13 de março de 1893, quando o Intendente Augusto Azevedo, cria o
primeiro Código de Posturas do Período Republicano, em meio à Revolução
Federalista, que iniciou neste mesmo ano, fixando os limites urbanos da
cidade.
As leis municipais passam a regular a construção da cidade
através do alinhamento das moradias, arejamento dos cômodos, espessura
das paredes, obrigatoriedade de construção de latrinas, ordenando também as
moradias coletivas (pensões ou cabeças-de-porco) que deveriam passar a ter:
quintal, latrina, tanque e esgotos, separados por família, com o objetivo de
satisfazer condições de higiene, segurança e embelezamento. Assentado no
ideário positivista, a legislação passa a interferir na organização dos espaços
privados e da cidade, através da institucionalização de 42 artigos que
demonstram a intenção do poder público exigindo a adequação das edificações
às novas regras (ALMEIDA, 1999) na busca da melhoria da infra-estrutura, do
saneamento e da higiene.
A legislação municipal, como as demais que passam a se
estabelecer, no resto do país, identifica as “marcas do passado colonial”
responsáveis pela falta dos diversos serviços públicos e reconhecem a
existência da pobreza, passando a ocupar-se destas questões (SOUZA, 1999).
Relatos da época contam sobre os cortiços existentes - o Censo
de 1909 havia identificado 1210 cortiços na cidade - e as exigências da
Intendência para que os pobres saíssem do centro, podendo continuar apenas
aqueles que “se sujeitassem às regras da higiene e da moral” e que se
dispusessem a pagar os “décimos urbanos” ao governo (PESAVENTO, 1992),
deixando clara uma deformação que acontece, ainda hoje, nas cidades
brasileiras: a cidade legal dos ricos e os arrabaldes da informalidade
reservados aos pobres.
Em 1913, o Ato n.° 96, publica o Regulamento Geral de
Construções, que passa a “exercer severa fiscalização sobre as construções”,
e, publicado pelo Intendente Municipal, José Montauri, expande a ação do
governo sobre a cidade, reconhecendo que a situação de habitabilidade das
áreas públicas e privadas estava muito degrada, mantendo os velhos
218
problemas de higiene e de saneamento, principalmente nas áreas das
moradias da população de baixa renda (pensões, cortiços, casas de cômodos e
avenidas). Defendendo o bem público e o controle social, o Intendente organiza
a forma urbana e o espaço privado, facilitando a acumulação capitalista, onde a
ideologia positivista dita as regras, como bem observa Maria Soares de
Almeida:
Nesta ótica cabia a melhoria das condições de higiene e de
salubridade, o embelezamento das praças e a abertura de novas
vias, como também o ordenamento do espaço privado, traduzido no
controle da ocupação dos lotes, nas regras mínimas de aeração dos
compartimentos, na regularização das interfaces entre o espaço
público e privado. (ALMEIDA, 1999, p.104)
Especificamente em relação à moradia dos pobres, o documento
legal proíbe a divisão de casas para a formação de pensões e estabelece
regras para a constituição de cortiços, que deverão: localizar-se fora do 1º.
Distrito; possuir as áreas abertas vazias de no mínimo 1/3 da área do terreno
(mantendo a taxa de ocupação de 2/3, como para o resto da cidade);
apresentar para cada casa um pátio mínimo de 4m; rua interna com, no
mínimo, 4m e ser cercado e ter um portão que possa ser fechado para a via
pública. Novamente, identifica-se aqui a preocupação do Poder Público com as
questões do saneamento, da saúde e da higiene, e igualmente de esconder e
de conter (com portões passíveis de serem fechados para a cidade) os
moradores pobres. O Regulamento é explícito também em relação a que os
prédios que não se adequassem às posturas estabelecidas e viessem a
prejudicar a saúde e a regulação pública, poderiam ser desocupados e
fechados pela municipalidade.
Dentro desse ideário, o Código determina, no Art.3º, “As
condições essenciais a que estão sujeitas as edificações”, onde a relação entre
altura das edificações e a largura das vias demonstra uma intenção de
determinar a morfologia e a salubridade da cidade que se expande, e de
219
controlar a densidade, estipulando taxas de ocupação dos terrenos; determina
áreas mínimas de portas e janelas para iluminação e ventilação dos cômodos
(que deveriam ter, no mínimo, um quinto da área de cada compartimento);
exige que as habitações com mais de 20m de fundo passem a ter uma área de
iluminação lateral; determina as alturas de pés direitos (5m para o primeiro
pavimento, diminuindo gradativamente para o segundo e terceiro); proíbe a
construção de casas de madeira geminadas, e estabelece as larguras de ruas
e passeios, atribuindo a conservação dos passeios à municipalidade.
Determina, ainda, que as áreas mínimas dos compartimentos não deverão ser
menores do que 7m², o que, para uma altura de 5m, nas casas térreas, a
cubagem do ar deveria ser de 35 m³.
Esta regulação da cidade de Porto Alegre de 1913 mostra um
avanço nas regras construtivas exigidas pela municipalidade e a intenção de
assegurar a melhoria das condições da cidade e das moradias, incorporando
razões de segurança, de higiene e padrões (alturas, larguras, afastamentos,
materiais, segurança ao fogo, drenagem, iluminação e ventilação, etc.) que ou
não apareciam no código de 1893 ou apareciam de maneira insipiente.
Em 1914, o engenheiro João Moreira Maciel, conclui para Porto
Alegre o Plano de Melhoramentos, que procura planejar a cidade nos princípios
identificados pela influência francesa de Haussmann, traçando um novo
desenho para a cidade. O Plano Maciel busca atender as necessidades
crescentes de trânsito, beleza e higiene sob o critério de “melhorar,
conservando”
72
, formulador do urbanismo do período, e baseado na abertura
72
Maciel inicia seu Relatório do Projeto de Melhoramentos, afirmando que não é possível a
abertura de vias largas no centro de Porto Alegre devido às despesas que isto acarretaria, mas recomenda a atenção
da intendência para a parte suburbana da cidade e as demais áreas não compreendidas no seu Plano. Este identifica
as vias existentes e de acordo com um planejamento que privilegia o embelezamento e a circulação (“procurando o
pittoresco”) e assim explicado pelo engenheiro:“Não podemos applicar senão em parte as idéias que acabamos de
expor, devido aos excassos recursos de que dispõe a Municipalidade, à difficuldade de introduzir certos
melhoramentos, pela disposição topographica especial da cidade, que não permitte pequenos embellezamentos senão
a custa de enormes despesas; de modo que nos cingimos ao que era praticável, esperando, porém, que o projecto
actual possa satisfazer em muitos pontos às necessidades crescentes de trânsito, belleza e hygiene da Capital”. (Plano
Maciel, 1914, p. 4).
As ‘idéias que acabamos de expor’ a que se refere o engenheiro Maciel expressam sua
preferência (“somos partidários”) de uma proposta com amplas avenidas (“com o mínimo de 22m e arborizadas”), os
round-abouts (“estabelecendo de quando em quando rond-points”) e os alinhamentos curvos das vias (“só deixando a
220
de novas vias, interligando o centro às áreas das periferias situadas para além
dos muros da cidade, com ações de saneamento (higiene, redes de água e
esgoto, aterros), circulação (alargamento de vias, avenidas, ligações viárias, o
cais) e embelezamento (jardins e parques ajardinados). O plano tratou,
também, de reforçar o papel comercial da cidade e do saneamento da área
próxima à atual Usina do Gasômetro (antiga Ponta da Cadeia) e da Praia de
Belas, e, embora não legislasse especificamente sobre códigos construtivos,
estabeleceu ordenamentos urbanos importantes, como por exemplo a proposta
de ajardinamento da Avenida Marginal (atual Praia de Belas), considerando ter
a via o “único fim a belleza e a higyene da cidade, e institue por esta forma um
agradável passeio” (Plano Maciel, 1914, p.11).
Este Plano e o Código de 1913 formulam muitas das propostas
urbanísticas que direcionarão nos próximos anos a cidade, que cada vez mais
fica complexa, com a presença de edifícios públicos importantes como a Igreja
Matriz, o Teatro São Pedro, as Faculdades (Farmácia, Medicina, Engenharia,
Direito), as redes de infra-estrutura, as canalizações, os aterros, com a
presença da linha férrea (que liga Porto Alegre a São Paulo) e de bondes
elétricos, deixando marcas e delineando uma morfologia que se mantém até
hoje, com bairros que se consolidavam paralelamente ao comércio e à
indústria, que ampliavam suas atividades (SOUZA, 1999).
Em 1926, em Porto Alegre, o Decreto de nº 53, altera o
Regulamento Geral sobre Construções, determinando o número de pavimentos
no centro e estabelecendo para pé direito as medidas de 3.20m, 3.00m, 2.80m
e 2.60m, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto pavimentos,
respectivamente, e continuando a partir daí a 2.60m. O código altera também a
cubagem exigida para os compartimentos, que passa de 30m³ para 25m³ para
cada uma das peças. Mas a grande novidade do Decreto nº 53, é o de
estabelecer novas alturas para as construções no centro da cidade, que não
poderão ter menos de três pavimentos (é bom lembrar que a lei de 1913 havia
recomendado, a construção de dois andares para a Rua dos Andradas),
assumindo a estética do prédio de apartamentos como determinante da
linha reta para certos casos”) (Plano Maciel, 1914, p.1) o que demonstra o caráter de embelezamento e de circulação
viária presentes do Plano, o que é adequado às formulações higiênicas características do período.
221
morfologia da cidade. Na nova regulamentação, é definido também que as
novas construções ficarão “sujeitas ao exame arquitetônico por parte da
Intendência” o que demonstra as preocupações com a estética e o
embelezamento da cidade que a municipalidade começa a ter e que é
reforçado pelo Artigo 6º, que cria um prêmio anual, em dinheiro, “para a
fachada do edifício que melhor estética apresentar”.
Em 1927, o Intendente Octavio Francisco da Rocha, criou regras
para o lançamento e a regulamentação de vias, que obedeciam “as regras e
princípios do urbanismo, de comodidade de tráfico e de salubridade” (Decreto
nº. 108 de 10 de setembro de 1927), decretando que “só será permitida a
abertura de vias de comunicação com prévia licença da Intendência e quando o
respectivo traçado não contrariar o “Plano Geral de Melhoramentos” e de
expansão da cidade”. O Art.8º determina uma faixa de domínio municipal nas
margens de estradas de ferro e de cursos d´água, cujas dimensões serão
estabelecidas pelo município e o Art.9º do decreto determina as dimensões das
vias principais da cidade, que variavam entre 12m e 25m, para ruas
residenciais e avenidas, respectivamente, especificando que as mesmas,
quando abertas no perímetro urbano, deveriam atender às exigências de meio
fio, infra-estrutura para escoamento de águas pluviais e correntes, redes de
esgotos e pluviais, iluminação pública e arborização nos passeios e /ou central
e a nomenclatura das vias abertas, cujos nomes deverão ser indicados pela
Intendência. A cidade ficou pronta para um novo momento, onde a hegemonia
rural foi substituída por uma insipiente burguesia urbano-industrial, que
necessitava do planejamento urbano para sua organização espacial e sua
constituição no país que se urbanizava.
Porto Alegre, no próximo período, continuou a se expandir e a
estabelecer ordens de embelezamento e padrões morfológicos determinados
para as áreas centrais (a derrubada dos velhos casarões e a construção de
prédios de três pavimentos). Em 1930, Alberto Bins sucedeu Otávio Rocha na
administração municipal (1924-1927) dando continuidade aos trabalhos de
Rocha e utilizando a mesma legislação, pois não se tem notícia de que até
1930, outra lei ou instrumento da administração municipal, determinante de
dimensões urbanísticas ou da habitação, tenha sido criado na cidade.
222
3.5.2.2 De 1930 até 1963
No Rio Grande do Sul, especificamente entre 1897 e 1937,
período em que um único partido governou o estado, o Partido Republicano
Riograndense – PRR, os governantes, fortemente inspirados pela ideologia
positivista, estimularam a modernização e os princípios promotores do
progresso e da ciência, e o Estado incentivou e buscou desenvolver as forças
produtivas, com a “defesa do bem público e a imposição da ordem urbana”.
Devido à sua preponderância constitucional sobre o município, o período se
manteve com notável continuidade administrativa e do ideário político, o que foi
importante para as obras públicas no município, que instituiu ações de
modernização e saneamento, enquanto “[...] postulava-se como representante
de todos os grupos sociais e oferecia às camadas médias urbanas um padrão
de moralidade política e de austeridade de governo” (NYGAARD, 1993) o que
era bastante discutível, devido às contradições entre os discursos e as práticas
estabelecidas. Anteriormente à década de 1940 não havia registros claros
sobre favelas em Porto Alegre, sendo que a designação inicial, quando as
mesmas são identificadas, no período entre 1945 e 1946, é o de conjunto de
‘malocas’
73
, sendo que o IBGE não identificou até 1940 ‘casebres
permanentes” o que permite a suposição de que as primeiras ‘malocas’ tenham
surgido entre os anos de 1945 e 1946. A identificação desses assentamentos
na cidade levou à constituição da Comissão da Casa Popular, cujos trabalhos,
coordenados pelo industrial A. J. Renner, levaram à criação da Companhia de
Materiais Pró-casa Popular, um “banco de materiais” que fabricava material de
construção para a habitação da população pobre (tijolos, telhas, esquadrias,
etc.). É também neste período que a cidade começa a alterar novamente sua
legislação urbana, marcando seu papel no estado. Entre 1940-1950 a
população da cidade cresceu 78%, tendo, dentre outras razões, a atração,
73
De acordo com Lúcia Mascaró, em seu trabalho Espaço e Uso no Habitat Popular, há indícios de
que o nome “maloca” referia-se às casas dos índios, passando mais tarde, após a Abolição da Escravatura, a designar
as moradias de negros libertos, e, após, pouco a pouco, vindo a designar a moradia pobre das favelas (MASCARÒ,
1993, apud DÁvila, 2000). De acordo com D´Ávila encontra-se em registro do Demhab, de 1966, referência a ‘maloca’
como “todos os aglomerados marginais habitacionais erguidos em terrenos baldios devolutos ou mesmo de
propriedade pública ou privada, sem arruamento, sem higiene (...) e sua construção é, na maioria das vezes, de
madeira”. (D´AVILA, 2000, p.15) No sentido estrito, maloca refere-se à habitação precária do ponto de vista construtivo,
de insuficiência de serviços urbanos e de irregularidade na propriedade, usualmente erigida em terreno alheio. A
referência a um núcleo de malocas significa o mesmo que favela (IPEA, 2001).
223
produzida pelo comércio e pelos serviços, para os trabalhadores. O
crescimento da população levou a PMPA a disciplinar as atividades dos
especuladores imobiliários, através da Lei 1233/1954 que regulou os
loteamentos urbanos. Isso levou ao aumento dos preços dos lotes no centro,
onde havia melhor infra-estrutura e as moradias dos mais ricos, deslocando os
trabalhadores para a periferia sem regulação e que não interessava à
especulação imobiliária, fazendo surgir novos núcleos na cidade e fora dela
(Alvorada, Cachoeirinha), o que aliado à política de remoção de moradias
precárias (iniciada em 1949), obrigava os trabalhadores a buscar outras
localizações para morar (CARRION, 1987).
Em 1939 é instalada a primeira reunião do Conselho do Plano de
Porto Alegre, integrado por representantes do empresariado e profissionais
ligados à arquitetura e à engenharia e onde o engenheiro Gladosch,
encarregado de produzir um plano urbano “definitivo” (DEÀK & SCHIFFER,
1999, p.209), demonstrando um discurso que entende o planejamento como
um conjunto de ações integradas que necessita de informações de varias áreas
para constituir o plano que irá ‘desenvolver’ a cidade.
Alterações significativas dos dispositivos urbanísticos em termos
de padrões, acontecem em 1940, com a determinação do lote mínimo de 120
m², com testada mínima de 10m, e a alegação, consistente, feita pelo Poder
Público para propor tal alteração, assenta-se sobre os investimentos realizados
em infra-estrutura, a qual deveria ser melhor e mais utilizada por uma
população maior, capaz de pagar, através do impostos urbanos, pelas
melhorias criadas
74
.
74
É interessante verificar, que quase 60 anos depois, em 1999, o 1.º PDDUA de Porto Alegre,
propõe a mesma ação, quando altera as alturas das construções em Porto Alegre. Sob a alegação que a densificação
propiciada pela maior construção em altura, traria mais oferta de moradia nas áreas já servidas por infra-estrutura -
que, em certas áreas da cidade estaria ociosa, enquanto a baixa densidade, em outras áreas, era insuficiente para
pagar a própria infra-estrutura e sua manutenção – o novo Plano Diretor aumenta os índices construtivos, para a
cidade, estabelecendo maiores possibilidades construtivas, especialmente em altura. Era igualmente intenção Plano
conseguir que a maior oferta de habitações viesse a diminuir o preço da oferta da unidade habitacional, baseado em
que a infra-estrutura seria melhor paga (diminuindo os impostos) e que o município não necessitaria estender a rede de
infra-estrutura para atender ao requerimento de novas áreas de expansão (baseado na expectativa de que a
densificação cobriria as exigências de novas áreas servidas por infra-estrutura, para abrigar a população,
especialmente as de baixas rendas, o que não ocorreu, ficando os lucros com a diminuição dos custos de infra-
estrutura e do aumento da densidade, - se é que houve - com os empreendedores imobiliários.
224
Embora o discurso remeta à preocupação com a moradia popular,
as medidas majoritárias tomadas e enfrentadas pela administração municipal
são direcionadas a outras questões e à problemática geral da cidade, sem que
a questão da moradia da população de baixa renda assuma a predominância
dos investimentos ou da ação municipal, exceto no discurso. Como pode ser
visto nas palavras de Maria Almeida:
[...] A cidade formal permite, ainda hoje, muitos fragmentos de suas
estruturas morfológicas idealizadas pelos planejadores em cada
época. A esta se associam os espaços da cidade informal, a moradia
dos pobres, que sem renda não se capacitam a pagar pelos custos
de urbanização e cuja imagem não corresponde à nenhuma regra
urbanística que os planos preconizaram. (ALMEIDA, 1999, p.117)
Entre 1951 e 1961, houve alterações significativas, na legislação
urbana porto-alegrense. É nesse período que foram desenvolvidas as diretrizes
urbanísticas de Ubatuba de Farias e de Edvaldo Paiva sobre o conceito de
perímetro de irradiação e de descentralização urbana no pré-plano diretor de
1951, que é elaborado como um plano de desenvolvimento, baseando-se em
exaustiva pesquisa demográfica e sócio-econômica, na evolução urbana, nas
condições físicas e na oferta de serviços, no uso do solo, nos aspectos
históricos. De acordo com Nygaard, o plano de Paiva “[...] pode ser
considerado como o principal resultado de todo um esforço intelectual iniciado
em fins da década de 30” (NYGAARD, 2005, p.183), e propõe a instituição dos
zoneamentos de uso, além de propor uma reforma tributária e de sugerir um
conjunto de ações de gestão para o município, incluindo formas de
arrecadação para a obtenção de recursos.
Talvez ainda com base nas mesmas necessidades verificadas
anteriormente, o Poder Público decreta, em 1952, um outro aumento da
densidade, afirmando, de maneira definitiva, a opção pela verticalização
(embora tímida) da cidade nas áreas centrais, passando a permitir a
225
construção de 2 pavimentos em todo o centro e a construção de 30m em altura
na Rua dos Andradas e de 70m na Av. Salgado Filho.
Dois anos mais tarde (1954) parece que a cidade necessitava de
mais áreas de expansão para além da área central, já servida por infra-
estrutura, e o Poder Público passa a legislar sobre os novos loteamentos,
determinando, dentre outras exigências que os loteamentos urbanos deverão
ser contíguos à área urbana consolidada; oferecer redes de infra-estrutura
básicas (à época, abastecimento de água, esgoto cloacal e pluvial e energia
elétrica); não estarem localizados em áreas alagadiças ou com declividades
maiores do que 30%; os arruamentos deveriam ser doados à municipalidade e
conter o nome das ruas e a numeração que serão aprovados pelo município;
determinava área verde mínima de 10% do total de gleba e o lote mínimo de
300m² com testada mínima de 10m, determinando, ainda, que as vias dos
loteamentos deveriam adequar-se ao traçado viário existente na cidade.
Em 1959 é aprovado o Plano Diretor de Porto Alegre,
desenvolvido por Edvaldo Paiva entre 1954 e 1959, e que finalmente é
efetivado no governo de Leonel Brizola, e aprovado pela Câmara de
Vereadores sob a Lei n.º 2.046 de 1959 e alterado pela Lei n.º 2.330 de 1961.
O Ante-projeto de Lei, enviado à Câmara de Vereadores, em
outubro de 1961, dando nova redação ao Plano Diretor de 1959, para
aprovação, tem a Justificativa e a Apresentação já aprovadas pelo Conselho do
Plano Diretor e pela Comissão do Código de Obras, feita pelo Engenheiro
Walter Haetinger, Secretário de Obras e Viação do Município à época,
reivindicando que o crescimento da população exigia “planejamento global”, tal
como:
[...] dispor de novas reservas para verdes públicos, pois a cidade só
conta com 8% de áreas destinadas a praças, do total urbanizado; a
previsão e de reserva de novas áreas para colégios e para mercados
públicos; a previsão de áreas para a realização de novas obras
especiais de interesse viário: rótulas, túneis, viadutos, etc.; a previsão
de abertura ou alargamento de vias públicas destinadas ao desafogo
do tráfego cada vez mais intenso, face ao crescimento de 13.620
226
veículos automotores em 1950, para 29.521 de passageiros e 4.662
de carga em 1960, sem falar na densidade do transporte coletivo, e, o
que é muito importante, a fixação de um zoneamento de uso e da
densidade populacional, estabelecendo limites de aproveitamento
para os lotes, nas diversas zonas e para diversos usos. (Ante-projeto
de Lei do Plano de 1961, outubro de 1961, p. 6).
Haetinger discute as críticas que o Plano vinha sofrendo a partir
do setor imobiliário, segundo as quais, a Lei estaria “reduzindo o lucro que
advinha do terreno”, rechaçando a crítica e enfatizando que não houve
retraimento da construção civil e que o novo Plano “não elevou o custo da
construção, e sim, condicionou a níveis razoáveis o valor dos terrenos, nas
diversas zonas da cidade”. O plano, partindo da análise da cidade sob os
aspectos físicos, econômicos e sociais, passa a propor zoneamentos de uso
residencial, comercial e industrial, sob a inspiração modernista de habitar,
trabalhar, circular. Como neste ano (1959) é aprovado o Código de Obras de
Porto Alegre, Lei 2046/59, ambos passam a estipular, em conjunto, as taxas de
ocupação e alturas das edificações e são criados centros de bairros, definidas
as localizações de grandes equipamentos urbanos e discutida a problemática
da metropolização devida ao crescimento da urbanização da cidade. O plano,
baseado nos princípios da Carta de Atenas, estabelece também a organização
dos espaços através das unidades de vizinhança, áreas configuradas por
unidades de moradia delimitadas pelas vias locais, criando uma unidade
escolar, uma praça - espaço aberto público com verde e play-ground e as
alturas das edificações passam a ser estabelecidas a partir das dimensões dos
terrenos e das larguras das vias, dando uma outra face à cidade.
Mantendo aproximadamente estas mesmas determinações por
um longo período, as propostas da lei de loteamentos municipal, de 1954,
perduram até 1979, quando foram criados: a Lei 6766/79, lei de loteamentos de
caráter nacional, a qual todos os loteamentos passam a submeter-se no país,
e, localmente, o PDDU, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto
Alegre de 1979.
227
3.5.2.3 De 1964 até 1988
A partir de 1964, o Banco Nacional de Habitação BNH, criado pelo
governo militar, passa a produzir moradias para promover a aquisição da casa
própria e a construção habitacional para as populações de baixa renda, com
atuação que abrange o espaço urbano, o planejamento das cidades e outros
setores da economia, tornando-se o mais importante promotor das ações na
área da habitação entre 1964 e 1986.
A política habitacional assentada sobre as práticas preconizadas
pelo Banco Nacional da Habitação, passa a promover a remoção das
populações de baixa renda para as periferias, (como a remoção da população
da área da Ilhota para a Vila Restinga
75
e os programas de recuperação
urbana, como os Projetos Renascença e Padroeira) assim como a fazer a
recuperação viária, redes de infra-estrutura, tráfego intra-metropolitano (como o
Trensurb) e obras de infra-estrutura como o Porto Seco e os corredores de
ônibus. As ações locais, aplicadas pelo órgão municipal, o Demhab mostram o
incentivo da administração local à expansão da área urbana, induzindo a
ocupação das periferias quer pelas remoções produzidas pelas Vilas do
Demhab, quer através dos re-assentamentos como o da Restinga. Este tipo de
ação vai se manter constante até a década de 70.
Novamente se coloca o papel do poder público de afastar dos
olhos do resto da população, a população pobre, em uma tentativa de erradicar
a pobreza das áreas mais valorizadas, limpando o espaço urbano central. Este
procedimento, além de gravar a diferença no espaço que vai ser reproduzido,
agora na periferia, produz a mais acabada forma de segregação física: ao
localizar a população em áreas de difícil acesso devido a dificuldade de
acesso-circulação promovida pela falta de transporte público, tornando a
mobilidade urbana dificultada, quando não impedida. Dados apontam que no
período entre 1971-1976, o Demhab assentou 7.744 famílias, sendo 747 na vila
Restinga Nova; 2.519 em Vilas de Porto Alegre, e o restante das famílias,
75
O projeto da Vila Restinga Nova é um projeto de grande vulto, implantado pelo Demhab com
recursos do SFH, com início em 1971, instalado em uma área periférica da zona sul da cidade, localizada a quase 30
km do centro urbano, sem transporte e sem emprego e cuja instalação de infra-estrutura se estende até hoje, este
assentamento é a segunda parte do Projeto Restinga Velha, implantado nos anos 60, pelo Demhab na mesma área.
Esta segunda fase foi dividida em 4 etapas, onde famílias foram assentadas em casas (3.508) e apartamentos (1.216),
embora muito diferentemente das fases iniciais, quando os removidos eram moradores das ‘malocas’.
228
foram localizadas nos municípios da Região Metropolitana. (IPEA, 2001 apud
CRUZ, 1981). O Censo municipal, realizado pela PMPA-Demhab, em 1973,
identifica 124 assentamentos, que abrigavam 20.152 unidades de moradia e
105.833 habitantes, que representavam 10.67 % da população. O relatório de
conclusões do Censo afirma a importância de reassentar as populações das
áreas de sub-habitação. (CENSO 1973, PMPA-Demhab), o que demonstra as
formas de tratamento, dadas à época, para a população das áreas irregulares.
Entre 1971-1976, o poder público municipal removeu 57.8% das famílias que
viviam em favelas de Porto Alegre, para outras áreas da RMPA, especialmente
Alvorada, Canoas, Cachoeirinha, Gravataí e Viamão. (Relatório III, 2000).
Estes procedimentos eram baseados na Lei Orgânica Municipal, n.° 2902/65,
onde o slogan “Remover para Promover” descrevia bem o que era estabelecido
na lei municipal: “retirar das habitações marginais urbanas seus atuais
moradores, proporcionando melhores moradias” ou seja, a lei preconizava a
retirada das populações para serem reassentadas na periferia (MAYER et. all.,
2006).
Em termos gerais para o país, até 1964, os governos haviam
construído, entre os diversos órgãos de provisão habitacional (FCP, IAPIs e
CEF), 138.000 unidades habitacionais, para dar conta de um déficit
habitacional que, em 1960, fora estimado em 8 milhões de moradias. O ritmo
de construção considerado normal para a cobertura do déficit habitacional, é a
produção de 1 a 3 unidades habitacionais para cada 1000 habitantes.
76
Até 1970, o Demhab trabalhou com a Cohab-RS, produzindo
habitações com recursos do SFH em Porto Alegre, com uma produção que em
1976 alcançou 2.881 unidades, contemplando neste número os conjuntos
Ruben Berta e Costa e Silva. Neste período, Demhab, opera sob a orientação
do BNH, que não trabalhava especificamente com reurbanização de favelas ou
lotes urbanizados, mas afiançava o princípio de remoção
77
e de erradicação
76
Um estudo da ONU, em 1963, estimava-se para a América Latina um déficit habitacional de 20.3
milhões de unidades. Para dar conta dessa realidade seria necessária, nos próximos 30 anos, a produção de 10
unidades para cada 1000 habitantes, portanto, uma variação de três a dez vezes maior do que as estimativas
consideradas dentro da “normalidade” (SCOPE, 1978).
77
Entre 1971 e 1976, foram removidas 7.744 famílias para áreas da periferia ou outros municípios,
a partir de Porto Alegre, e essa remoção fez parte de um grande projeto de “recuperação urbana”, o Projeto CURA, de
229
das favelas. A partir de 1981, as ações se dão dentro dos programas Profilurb
e Promorar, que surgem respectivamente de 1974 e de 1979, já com padrões
flexibilizados, especificamente em relação a tamanho dos lotes ofertados e às
áreas dos cômodos.
78
Estes programas específicos do Banco, e adotados pelo
Demhab, passam a financiar os site-and-services, ou seja, lotes urbanizados
com água, luz, esgotos e serviços comunitários (escolas e postos de saúde) e
com financiamento por 25 anos (o Profilurb), retraindo-se desta faixa de renda,
as casas completas, do tipo chave-na-mão. O outro programa, Promorar, único
que atuou no próprio sítio onde se localizava o assentamento informal, permitia
a permanência da população no local, e, portanto, fazendo, já na década de
1980, reurbanização de favelas e assumindo a não-remoção. Deste ano (1981)
até o fechamento do Banco, os dois órgãos, juntos, produziram 7.948 unidades
no município; iniciaram a recuperação de áreas com urbanização precária;
recuperaram vilas já existentes, programaram e executaram mutirões;
promoveram redes de iluminação pública, esgotos e pavimentação.
No entanto, a atuação dos projetos do Banco em Porto Alegre
(como de resto, em todo o país) não se fez sentir de maneira significativa em
relação à diminuição do déficit habitacional para a baixa renda. Sua atuação,
ao longo do tempo, transformou-se para atuar mais amplamente, no
planejamento urbano, ao perceber que apenas ações localizadas na moradia
não surtiam os efeitos esperados. Além disso, seus financiamentos, cada vez
mais, distanciaram-se das populações de rendas mais baixas.
Em 1979, a Lei Federal 6766/79 foi promulgada, e naquele
mesmo ano, também, em Porto Alegre foi promulgado o 1.º PDDU, o Primeiro
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre, criado pela Lei
Complementar nº. 43/79 de 21 de julho de 1979, que consolida a legislação
urbanística de Porto Alegre, através da organização de um modelo espacial, de
controle das atividades a partir do zoneamento de usos, do controle das
revitalização da área central da cidade e que envolveu desapropriações e a abertura de espaço para a construção da
IIª Perimetral.
78
O Profilurb (1974) foi um programa habitacional bastante acessível e inovador, que propunha o
financiamento de lotes urbanizados, oferecendo água, luz e esgoto para população de 0-3 salários mínimos. O
programa Promorar (1979) propunha a reurbanização de favelas, com a substituição dos barracos por casas de
alvenaria de 25 m² (um cômodo polivalente e um banheiro) com possibilidade de ampliação, em um terreno de 75 m².
230
edificações (ou regime urbanístico), de zonas especiais, da especificação do
perímetro urbano e dos padrões para a expansão territorial (ou seja, os
padrões para os loteamentos). Durante a vigência do 1º. PDDU (1979-1999)
ocorre o maior crescimento no número das construções na cidade, o que faz
com que o mesmo deixe sua marca não apenas na extensão territorial que
abrangeu, mas devido à morfologia proposta, à influência na formação dos
bairros, nos corredores de circulação e nas propostas de sistema viário e de
loteamentos. Os zoneamentos foram propostos através de lista de atividades
permitidas nas deferentes áreas da cidade, associadas a uma circulação viária,
criando unidades residenciais cercadas por corredores de serviços, com alturas
maiores e tráfego mais intenso e localizando pólos de comércio e serviços. A
proposta permitia um conjunto de equipamentos e serviços complementares
que apoiavam a unidade de vizinhança, como uma área relativamente
autônoma proposta para suporte às necessidades do dia-a-dia. O controle das
edificações contava com os instrumentos: índice de aproveitamento, taxa de
ocupação, alturas e recuos (laterais, de frente e de fundos). Desta maneira o
Plano consegue ter um controle sobre a densidade, através do índice de
aproveitamento, que procura encontrar a relação adequada entre a área
construída e a área do terreno. O instrumento ‘zonas especiais’ permitiu a
adaptação ás necessidades específicas de determinadas áreas da cidade,
gerando uma apropriação do instrumento para a designação de espaços
necessários ao tratamento do patrimônio histórico, áreas de recuperação
urbana e o patrimônio ambiental. O Plano diretor físico, além de propor uma
divisão do território em duas zonas, a intensiva (as áreas ocupadas mais os
vetores de crescimento), as zonas de ocupação extensiva (a área periurbana,
que conteria a expansão urbana intensiva) e a zona rural, baseada em uma
proposta de ocupação rarefeita
79
. A zona urbana intensiva foi dividida em
79
Os limites de perímetro urbano de Porto Alegre foram muitas vezes ajustados devido à
necessidade de edificação ou parcelamentos normalmente em situações de continuidade com a malha urbana.
Trabalho do IPEA identifica que apenas em duas situações alterações significativas ocorreram na vigência do Plano de
1979, com grandes alterações envolvendo áreas rurais. Uma delas foi a transformação de um vazio rural de um único
proprietário em área urbana, o que foi aprovado pela Câmara Municipal. O outro caso que levou anos de tramitação é o
da Vila Restinga, para a adequação de novos limites devido à necessidade de reconhecer assentamentos irregulares
promovidos no entorno da vila, por particulares (loteamentos clandestinos ou irregulares). Há uma outra situação que é
a da Lomba do Pinheiro, que deseja a incorporação de áreas rurais ocupadas à área urbana intensiva. Os órgãos
231
setores denominados de Unidades Territoriais de Planejamento (UTPs) e o
regime urbanístico e os dispositivos de controle das edificações foram definidos
como conseqüência da ocupação prevista para cada setor (Unidades
Territoriais Residenciais, Mistas, de Comércio/ Serviços e Industriais). Também
foram criadas as chamadas Unidades Territoriais Funcionais para áreas
especiais e que deveriam, por esta razão, contar com um regime urbanístico
próprio. Desta maneira ficam determinados os tamanhos mínimos dos lotes
(com os lotes urbanos mínimos com 300m² para os loteamentos novos, com
determinação de 15% das áreas destinadas a verdes públicos ou áreas de
lazer, ou 10m², por habitante), as larguras das ruas, o traçado viário e
hierarquia de vias, as áreas a serem doadas à municipalidade para
equipamentos públicos, os equipamentos e suas posições, especificando
dimensões e destinações de áreas dos novos loteamentos urbanos, vindo a
juntar-se às determinações da Lei Federal n. 6766/79, a Lei de Loteamentos
recentemente criada.
Levando-se em conta que, segundo Mascaró, o sistema viário
consome entre 20 a 25% da área total de uma gleba, conclui-se que somando
os 15% acima referidos, chega-se à parcela de 35 a 40% para uso privativo,
isto é, efetivamente destinados aos lotes. A Lei 6766/79 previa no mínimo 35%
de área doada ao minicípio. O plano é pensado para todo o município, e dota a
cidade, além de um Conselho do Plano (que passa a discutir, implementar ou
alterar as ações e direções propostas para a cidade com a participação de
diversos setores representados no Conselho), com um outro instrumento, o
[...]Fundo do Plano Diretor, cujos recursos estavam vinculados às
finalidades do plano, segundo lista de prioridades anualmente
organizadas pelo Conselho, e com as quais foram realizadas as
primeiras desapropriações para implantação da Iª. Perimetral e para
municipais têm identificado a dificuldade de impedir a ocorrência de loteamentos irregulares, e nos dois casos acima
mencionados, “embora a incidência de pobreza urbana nessas áreas seja elevada” há preponderância dos loteamentos
clandestinos em ambas as áreas. Outra situação que tem sido identificada na cidade, na zona de ocupação extensiva e
nas de interesse ambiental, mesmo sob a vigência do 1.º PDDUA, tem sido os loteamentos clandestinos, que tendem a
criar um adensamento não recomendado pelas diretrizes do Plano (IPEA, 2002).
232
a ampliação da rede escolar do município. (SALENGUE, 1993, p.
159).
Muitas críticas foram (e continuam sendo) feitas ao PDDU de
1979, sendo talvez mais constantes as acusações sobre a “abordagem
tecnocrática que baseada na racionalidade técnica”, que apenas atende “aos
interesses dos que podem pagar pelos padrões irreais” colocados pelo plano,
cujos instrumentos servem “aos interesses dos grupos privados, financeiros e
da construção” e que geram ações públicas que primam por “intervir nas áreas
mais aptas ao capital”. Em 1986, é identificado, em Porto Alegre que 54% dos
terrenos urbanos estavam desocupados e embora o Plano tenha criado
diretrizes e possibilidades para a criação de “loteamentos de interesse social”
que poderiam ser produzidos pela municipalidade, cresciam tanto as invasões
quanto a população favelada do município (taxa média de crescimento de
9.8%, entre 1980 e 1985, totalizando 270.000, o que significou um acréscimo
de aproximadamente 4% se comparada à taxa de crescimento médio anual da
população moradora em assentamentos irregulares nos anos 1970). Além
disso, é entendido que o fato de o Plano ter passado a exigir infra-estrutura
urbana completa para a aprovação de loteamentos convencionais, acrescido
da inflação do preço da terra no período, inviabilizava, na prática, a produção
de loteamentos dirigidos à população de baixa renda. Essas críticas ao 1.°
PDDU são bastante semelhantes aos questionamentos e interpretações que
vem sendo feitas à Lei de Parcelamento do Solo Urbano, a Lei Federal
6766/79.
No entanto, entre 1981 e 1982 o percentual da população vivendo
em favelas, em Porto Alegre, era 11.9 % da população total (perfazendo um
total de 134.110 pessoas distribuídas em 21.480 moradias) não tendo
diminuído em relação à década anterior, quando censo realizado pelo Demhab,
em 1973, indicava a presença de 20.152 moradias e de 105.833 moradores, o
que significou uma taxa de crescimento 1.2% entre as décadas de 1970 e de
1980. Em termos de localização, dos 90 núcleos informais identificados na
época, 56% das vilas estavam em áreas invadidas pertencentes a proprietários
233
privados e 29.4% localizadas em áreas públicas, a maioria delas, praças e
parques
80
. É verificado também que 78.8% das vilas irregulares concentravam-
se em assentamentos constituídos de 1-300 unidades de moradia, com tempo
médio de existência de 8 anos (IBGE- PMPA, 1982)
81
.
Expandindo a visão sobre os assentamentos irregulares aos
limites da RMPA, o trabalho de Carrion
82
traz um amplo estudo da situação
habitacional dos operários industriais da Região Metropolitana de Porto Alegre,
focalizando muitos aspectos vinculados ao habitat, desde a renda familiar até
as dimensões da moradia e do lote, materiais e despesas com transporte e
alimentação. Esses elementos, acrescidos do preço da terra são analisados
contra o valor e a evolução de valores, no tempo, do Salário Mínimo, no
período entre 1954 e 1985. A autora identifica que tão recentemente quanto
1985, cerca de 54 % da área urbana de Porto Alegre estava desocupada, o
que a leva a concluir que “não é, portanto, por falta de espaço que contingentes
significativos da população são relegados a áreas longínquas, distantes dos
pontos de acesso necessários, carentes de serviços básicos” (Carrion, 1987). A
distância maior, e a menor regulação, paralelamente aos custos mais baixos
80
Talvez nesse momento já se estivesse iniciando o processo, reconhecido recentemente, de
invasão, pela população de baixa renda, das áreas dos loteamentos, naqueles percentuais estabelecidos através da
Lei 6766/79, os 35% das terras deixadas vazias para uso público, de praças e serviços, as quais não trabalhados pelo
município, foram pouco a pouco sendo ocupadas, impedindo a posterior regularização dos assentamentos e
constituindo parte significativa, em termos de área, da informalidade atual da cidade (ALFONSIN, 2002; CLICHEVSKY,
2005).
81
Taschner (1997) mostra, para São Paulo, que as condições gerais das moradias das favelas
tendem a melhorar ao longo dos anos, de existência, com a casa substituindo o barraco (ou a maloca), e apresenta
dados onde é possível identificar que o número de casas de chão batido, nas favelas, passou 46.3% em 1973 para
4.5% em 1993; assim como em 1973, apenas 1.3% das moradias eram construídas de alvenaria e em 1991, este
número passou a ser de 75% das casas. Em relação às áreas (m²), em 1973, a área média do domicílio era de 16.2 m²
e em 1987 este valor era de 28.82 m², enquanto que a área por habitante passou de 3.92 m², em 1973, para 5.72 m²,
em 1987. A renda média dos salários das famílias também aumentou nas áreas estudadas, onde em 1973, era de 1.2
SM e passou para 3.85 SM, em 1987. Para a situação de Porto Alegre, o único item em que se pode fazer uma
comparação com o trabalho de Taschner para São Paulo, e, mesmo assim, uma comparação simplesmente numérica,
aparece uma similaridade entre as áreas verificadas para as moradias: no ano de 1981, a área das unidades de
moradia nas favelas de Porto Alegre, apresenta o valor médio de 27.44 m² por unidade de moradia, enquanto para São
Paulo, era de 28.9 m², em 1987.
82
O estudo referido é a tese de doutorado intitulada “Custo de Consumo Final da Habitação – O
Caso da Região Metropolitana de Porto Alegre” apresentada à Universidade de São Paulo, em 1987, por Otília Beatriz
Kroeff Carrion (CARRION, 1987).
234
dos terrenos, compensaria o custo dos transportes, e assim, o gasto com
transporte seria vantajoso em relação ao preço da terra. A outra opção seria
ocupar áreas vazias e disponíveis na cidade (as invasões e a criação de
favelas). A conclusão apresentada afirma os papeis determinantes da terra e
da localização na constituição das condições da habitação da população de
baixa renda, além de reafirmar uma tendência histórica, no comportamento da
população, especialmente a de baixa renda, de compensar as distâncias e o
tempo gasto nos deslocamentos, com o valor menor pago pelo preço da terra.
3.5.2.4 De 1988 até hoje
Após 1988, as políticas municipais nas cidades brasileiras,
passaram a apresentar um conjunto de medidas que são produto das
propostas de reforma urbana incorporadas pela Constituição. Novas
perspectivas e concepções são propiciados por novos instrumentos legais, e
representados, em Porto Alegre pela LOM de 1990, pelas AEIS de 1995 e pela
nova abordagem ideológica que pesa seriamente sobre a visão que se
estabelece em relação às questões urbanas e da habitação. O foco da
discussão da questão da moradia enquanto abrigo e espaço para a reprodução
das condições de vida do morador das cidades, é substituído por elaborações
jurídicas, pela primazia da discussão sobre a importância da participação nas
decisões sobre a cidade, pelas disputas pelos recursos financeiros para os
municípios e pela hierarquia a ser dada aos problemas em relação às
disponibilidades orçamentárias existentes.
Em 1988, a Frente Popular assume o poder político em Porto
Alegre, com propostas de mudanças democráticas nas formas de gerir a
cidade, buscando alternativas de gestão pública mais transparentes e
participativas. O governo, formado por uma frente de partidos, sob a
hegemonia do Partido dos Trabalhadores, em face às dificuldades
orçamentárias e ao comprometimento dos investimentos para dar conta das
propostas e das reivindicações dos movimentos populares, passa a
desenvolver a gestão pública municipal através da orientação dada pelo
Orçamento Participativo, onde fração disponível para investimento do
orçamento público municipal é discutida, entre os grupos organizados por
regiões geográficas da cidade, e as prioridades dos investimentos são
235
decididas.
83
Durante o governo da Frente Popular que esteve, com diferentes
composições partidárias, na gestão de Porto Alegre, por 16 anos (1988-2002)
importantes procedimentos foram imprimidos à cidade, dentre os quais a
criação da nova LOM de 1990 e o novo Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano e Ambiental, o 1º. PDDUA. Do ponto de vista da política habitacional, a
gestão pública assume o princípio da não remoção das populações de baixa
renda, a recuperação urbana e das moradias e principalmente a regularização
fundiária, agindo de maneira determinada através dos instrumentos AEIS e do
PRF, como de resto é o que acontece no país como um todo.
A Lei Orgânica Municipal (LOM) passa a atuar com um conjunto
de medidas que vem antecipar em uma década os instrumentos que serão
propostos e estabelecidos para todo o país pelo Estatuto da Cidade, em 2001,
e que são reafirmadas, no município, pelo PDDUA. Segundo a LOM são
objetivos do desenvolvimento urbano: o atendimento das necessidades básicas
da população; a participação popular; o ordenamento do uso e ocupação do
solo em consonância com a Função Social da Propriedade – FSP e a
democratização da ocupação, uso e posse do solo urbano. Define ainda como
meta prioritária para a política habitacional municipal a superação da falta de
moradia para a população desprovida de poder aquisitivo familiar suficiente
para obtê-la no mercado, e que as ações do município consistirão em
regularizar, organizar e equipar as áreas habitacionais irregulares formadas
espontaneamente, dando prioridade às necessidades sociais de seus
habitantes; participando com terra urbanizada inalienável pertencente ao
Município, na oferta e cessão de espaço edificável a cooperativas habitacionais
ou outras formas de organizações congêneres. E a Lei, em seu Art. 208, afirma
o estabelecimento de diretrizes e normas de desenvolvimento urbano,
garantindo
83
Foge aos objetivos deste trabalho a apresentação das formas de funcionamento e constituição
do Orçamento Participativo em Porto Alegre de maneira alongada e analítica. Muitas análise e interpretação do OP
existem atualmente, a partir de trabalhos de pesquisa, teses e dissertações e de análises de vários autores, brasileiros
e internacionais, e material pode ser encontrado no Conselho de Relações com a Comunidade (CRC) da PMPA.
236
[...] A urbanização, a regularização e a titulação das áreas faveladas
e de baixa renda, sem remoção de moradores, exceto em situação de
risco de vida ou à saúde, ou em caso de excedentes populacionais
que não permitam condições dignas à existência [...] a regularização
dos loteamentos irregulares, clandestinos, abandonados e não-
titulados; a participação ativa das respectivas entidades comunitárias
no estudo, encaminhamento e solução dos problemas [...] a criação
de áreas de especial interesse urbanístico, social, ambiental, turístico
e de utilização pública. (LOM, 1990)
É importante que se chame atenção para a constatação de que a
Lei Orgânica Municipal de Porto Alegre tem, objetivamente, se constituído no
conteúdo e na forma como as políticas municipais têm se desenvolvido,
especialmente a partir de 1990, com a institucionalização do Programa de
Regularização Fundiária. O discurso hegemônico que se estabelece é o que
promove e defende a flexibilização, que passa inclusive a ser invocada como
forma de defesa da sustentabilidade urbana e ambiental, diminuindo as
exigências da legislação e forçando a diminuição dos padrões. O PRF passa a
ser instituído como política pública municipal, constituindo-se no principal
programa de regularização do município, atuando nas ocupações urbanas
consolidadas, que requerem a participação no processo via demanda do
Orçamento Participativo, OP. A regularização fundiária de loteamentos é
desenvolvida pelo departamento municipal de habitação, Demhab, que trabalha
com a regularização nas vilas e ocupações e desenvolve os estudos de
viabilidade urbanística para as áreas a serem regularizadas. As regularizações
não se constituem como parte de um programa: são procedimentos
administrativos estabelecidos a partir de um decreto, com a coordenação da
Procuradoria Geral do Município e a participação da Secretaria de
Planejamento Municipal, que passa a agir com o entendimento de que
regularização fundiária
237
[...] é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico,
físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações
moradoras de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de
habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano
do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da
população beneficiária (ALFONSIN, 199, p. 23.)
onde é explícito que a opção pela flexibilização de padrões urbanísticos faz
parte da própria definição do programa, que se refere às melhorias no
ambiente urbano do assentamento como uma preocupação “acessória” da
ação pública, o que mostra a concepção da proposta assentada sobre forte
dimensão jurídica, que busca a garantia da permanência das populações nos
locais onde as mesmas se encontram, sem priorizar aspectos e âmbitos da
materialidade física da moradia e do entorno urbano. A estratégia adotada pelo
PRF, de busca de viabilização do assentamento e de sua manutenção nas
áreas consolidadas da cidade formal, dentro das localizações regidas pelos
padrões urbanísticos vigentes, como fator de viabilização jurídico-financeira,
exemplifica uma das fragilidades do processo: a manutenção da diferença
entre a cidade formal e a informal, esta, agora, legalizada, embora sob a forma
de padrões não formais.
Na experiência de Porto Alegre, PRF não desenvolveu nenhum
tipo de sistematização orçamentária (os recursos para a regularização devem
ser disputados nas Audiências do OP, ano a ano), a maior parte das áreas
ocupadas e das áreas regularizadas está em terras públicas (o que se por um
lado não exige desembolso imediato do município, por outro lado, além de
descapitalizar a municipalidade, tende a criar futuros problemas com a falta de
áreas para equipamentos e serviços, áreas verdes, áreas de expansão, etc.
Este aspecto é ainda mais reforçado devido à manutenção dos assentamentos,
nas áreas das ocupações, sem as remoções que possibilitariam a abertura de
espaço para a expansão das vias e das conexões necessárias à mobilidade
urbana e à acessibilidade, para as novas áreas regularizadas). Esta forma de
ação do PRF funciona no sentido de reforçar a segregação ou a não-integração
dos assentamentos regularizados, de duas maneiras principais: internamente,
238
pela inexistência de espaços (praças, verdes, parques), equipamentos e
serviços com dimensões que permitam a integração e a inserção social e na
relação com o entorno imediato dificultando a mobilidade e as possibilidades de
troca e acesso ao resto da cidade.
No ano de 1992, a Lei Complementar n°. 284 de 27 de outubro de
1992, instituiu o novo Código de Edificações de Porto Alegre, cujo objetivo é
“garantir níveis mínimos de qualidade nas edificações” o que é traduzido nas
exigências de “1) habitabilidade, compreendendo adequações de uso, higiene,
conforto higrométrico, térmico, acústico e lumínico; 2) durabilidade; e 3)
segurança”. O Artigo 11, em seu parágrafo 1º. identifica que são excluídas das
exigências da lei “as obras que por sua natureza e simplicidade, dispensarem a
intervenção de profissional qualificado, conforme definição legal”.
Considerando as informações (legais) que interessam ao presente trabalho, o
Art. 96, no parágrafo 1º. identifica que os vãos (aberturas/janelas,etc.) deverão
permitir a renovação do ar dos cômodos (ou seja, apresentarem aberturas ou
possibilidade de serem abertas) no mínimo em 50% da área mínima exigida,
sendo que as aberturas para ventilação, em qualquer compartimento, não
poderão ser inferiores a 0.40m² da área (exceto dutos ou lavabos, residenciais
ou não, com apenas lavatório e sanitário, quando a abertura poderá ser de 0,25
m²).
3.5.3 QUAIS PADRÕES ESTÃO SENDO FLEXIBILIZADOS NO QUADRO
DAS LEIS E POLÍTICAS LOCAIS?
Para organizar a resposta, escolhemos três elementos para o
estudo da moradia: a área dos cômodos; as áreas de ventilação e de
iluminação; e as possibilidades construtivas e de dimensionamento dadas
pelas AEIS.
Utilizou-se, a definição clássica admitida pelo SCOPE (SCOPE,
1978), que estabeleceu três categorias para os padrões: (i) os de uso do solo e
densidade, que indicam a quantidade de espaço disponível, os direitos de uso
e as maneiras de uso e constituiriam os tamanhos de lotes, as taxas de
ocupação, áreas construídas por lote, os números de pessoas por peça, os
números de habitantes ou de domicílios por hectare, iluminação, conforto
térmico, ventilação, etc.; (ii) os de saúde e saneamento, que se referem às
239
necessidades mais cruciais em termos habitacionais das populações, tais como
qualidade da água (vinculada às doenças infantis, à morbidade até os 5 anos,
etc.), esgotos, resíduos sólidos, ruídos, poluição, etc. e (iii) os de equipamentos
comunitários e de serviços, que definem a qualidade do ambiente e do acesso
a serviços comunitários, como recreação, comércio, espaços abertos, número
de leitos por habitantes, número de shoppings por 1000 habitantes, etc. e que
são definidos pelos códigos, planos e demais leis de edificação e de
regramento urbanístico.
Verifica-se que as três categorias de padrões são alteradas, nos
últimos anos, em Porto Alegre, com sua representação legal, como dispositivo
urbanístico, modificada na legislação municipal. Verifica-se, aqui, a
flexibilização dos padrões em relação ao Código de Obras, Ao Plano Diretor e
às AEIS.
3.5.3.1 A flexibilização: vãos de iluminação e de ventilação
Os dispositivos urbanísticos, vão de iluminação e de ventilação,
foram escolhidos por representarem padrões presentes ao longo de toda a
legislação urbanística e habitacional permitindo, portanto, que a avaliação
tangencie os aspectos urbanísticos e da moradia ao mesmo tempo, pois é
vinculado aos dois âmbitos. O estudo baseia-se nos dispositivos propostos
pelos três Códigos de Edificações, que são examinados, enquanto padrões,
para os anos 1962, 1972 e 1992, conforme abaixo.
Tabela 10: Alteração nos padrões dos Códigos de Edificações de Porto Alegre
Anos 1962, 1972, 1992
Uso
Padrão
Dormitório
Cozinha Sanitário
Vão de Iluminação e de
Ventilação
Iluminação
1962
1/5 da área do piso
(min 0.60 m²)
1/7 área do piso
(min. 0.60 m²)
1/12 área do piso
(min 0.60 m²)
1972
1/5 da área do piso
(min. 0.60 m²)
1/7 área do piso
(min. 0.60 m²)
1/12 área do piso
(min. 0.60 m²)
1992
1/6 área do piso
(min. 0.40 m²)
1/6 área do piso
(min. 0.40 m²)
Mín: 0.25m²
Ventilaçã
1962
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
1972
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
240
Uso
Padrão
Dormitório
Cozinha Sanitário
1992
1/12 área do piso 1/12 área do piso
Pé-direito
(m)
1962
2.80 2.50 2.10
1972
2.60 2.40 2.20
1992
2.60 2.40 2.20
Área do
Cômodo
(m
2
)
1962
12; 9; 9; 7.5; 5 5 1.5
1972
12; 9; 9; 7.5; 5 5 1.5
1992
– –
1.5
Volume Ar
(m
3
)
1962
33.6; 25.2; 21;
14
12.5
3.15
1972
31.2; 23.4; 19.5;
13
12 3.15
1992
– –
3.15
Fonte: elaboração própria a partir do Código de Construções de 1962 e 1972 e Código
de Edificações de 1992 de Porto Alegre.
A comparação entre o que é estabelecido nas três leis,
especificamente para os padrões observados, evidencia que:
1) Entre os anos de 1962 e 1972 houve pouca alteração nos
Códigos no que diz respeito aos padrões de ventilação e
iluminação, às áreas dos cômodos e aos volumes de ar
(cubagem) dos cômodos, devido à alteração dos dispositivos
regradores das determinações sobre áreas e sobre as
dimensões das aberturas (vãos).
2) Uma alteração significativa acontece nas alturas, com a
diminuição do pé-direito dos dormitórios de 2.80m para 2.60m e
das cozinhas de 2.60m para 2.40m, e para os sanitários, com o
aumento do pé-direito passando de 2.10 para 2.20, entre os
anos de 1962 e 1972.
3) Estas alterações são significativas sob dois aspectos: (i)
produzindo a diminuição dos custos de construção devido à
diminuição das alturas e conseqüente diminuição na utilização
241
de material e mão-de-obra, em um dos elementos que é
considerado, por Mascaró, como um dos mais caros na
construção: os elementos (paredes) verticais; (ii) por
aumentarem os índices de iluminação e de ventilação dos
cômodos. Embora a diminuição do pé-direito, as áreas dos
vãos não foram alteradas, o que significa um incremento nos
índices de iluminação e ventilação por m² de piso. Tal situação
(o aumento relativo destas áreas) é muito significativo na
situação climática de Porto Alegre, onde a umidade do período
de inverno requer ventilação para garantir a salubridade dos
espaços da casa;
4) Houve, também, uma significativa alteração entre os anos
de 1972 e 1992 nos padrões de ventilação e iluminação e nas
áreas dos cômodos. Nestes, as alterações (ou flexibilização),
acontecem não apenas em termos das áreas, mas também nas
formas que os cômodos podem passar a assumir: a exigência,
presente no código anterior, de inscrição de um círculo de
diâmetro determinado para cada área e função, (cujo
estabelecimento, na década de 1970, tinha por objetivo
estabelecer uma boa relação entre as duas dimensões dos
cômodos e o conseqüente favorecimento na acomodação das
funções e dos móveis), é abandonada. Além disso, esta
solução abandonando a proposta anterior de busca da
otimização das relações geométricas das áreas das plantas,
não garante a melhor relação entre área x perímetro, o que é
importante especialmente nas moradias de baixa renda, por
garantir os critérios de compacidade. (Mascaro, 2006).
Para avançar na análise, uma nova tabela é composta, mostrando
os padrões especificamente para os anos de 1972 e 1992, onde são facilmente
identificáveis as diferenças na legislação e torna-se visível a ausência de
regulação que passa a acontecer a partir de 1992:
242
Tabela 11: Alteração nos padrões dos Códigos de Edificações de Porto Alegre
Anos 1972 e 1992
Uso
Padrão
Dormitório
Cozinha Sanitário
Vão Iluminação
Ventilação
Iluminação
1972
1/5 da área do piso
(min. 0.40 m²)
1/7 área do piso
(min. 0.40 m²)
1/12 área do piso
(min. 0.40 m²)
1992
1/6 área do piso
(min. 0.40 m²)
1/6 área do piso
(min. 0.40 m²)
Ventilaçã
1972
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
Min 50% vão
ventilação
1992
1/12 área do piso 1/12 área do piso
Pé-direito
(m)
1972
2.60 2.40 2.20
1992
2.60 2.40 2.20
Área do
Cômodo
(m
2
)
1972
12; 9; 9; 7.5; 5 5 1.5
1992
– –
1.5
Volume de
Ar
(m
3
)
1972
31.2; 23.4; 19.5;
13
12
3.15
1992
– –
3.15
Fonte: elaboração própria a partir do Código de Construções de 1972 e Código
de Edificações de 1992 de Porto Alegre.
As alterações que acontecem, entre os Códigos de 1972 e 1992,
podem ser melhor entendidas a partir dos cálculos das áreas de ventilação,
para uma e outra lei, e das interpretações daí tiradas:
De acordo com o Código de 1972, para um cômodo de 12m² de
área, o vão de iluminação seria de 1/5, portanto, para atender à exigência da
lei, teríamos um vão de 2.4m². Deste vão, deveríamos ter 50% de área para
ventilação, o que representa uma abertura de 1.2m². A partir de 1992, esta
mesma área de 12m² teria como área de iluminação 12/6, ou seja, 2m² e como
área de ventilação 12/12, portanto, 1m² de área aberta para ventilação. Para as
áreas menores onde, por exemplo, em um dormitório de 9m² teríamos para o
Código de 1972 uma área de 1.80m² de vão de iluminação e de 0.90² de
ventilação e pelo Código de 1992 passa-se a dispor de 1.5m² e de uma área de
243
ventilação de 0.75m², valores que correspondem a 20% a menos de área de
ventilação. No caso de cozinhas, por exemplo, para uma área de 5m², o vão de
5/7, e, portanto, 0.71m². Sendo a área de ventilação igual a 50% da área do
vão, teríamos 0.36m², no entanto, como a área mínima de ventilação admitida
na época era de 0.40m², esta seria a medida do vão. Para as dimensões de
1992, teríamos: 5m² divididos por 6, com a área do vão de 0.83m² e a área de
ventilação de 5/12, e teríamos a área aberta para a ventilação de 0.41m².
Estas alterações são importantes especialmente considerando as
diferentes funções requeridas, pela estética e pelas funções arquitetônicas e
urbanas, aos elementos vãos de abertura, tais como:
- as possibilidades estéticas de constituição de fachadas;
- as representações internas de ambiência (referentes às formas
como o usuário percebe o espaço e com ele se relaciona);
- a transparência (os efeitos e possibilidades de relação com o
espaço “de fora” e da relação deste com o espaço “de dentro”);
- a iluminação; e
- a ventilação.
Todos esses elementos constitutivos da própria arquitetura e
garantidores da qualificação espacial, para os quais o dimensionamento
adequado é fundamental para assegurar a funcionalidade, como desenho,
como orientação solar, como ventilação e todas as atividades desempenhadas
no cômodo considerado.
84
Durante a elaboração do 1.º PDDUA, Mascaró (1998) chamou a
atenção para certas propostas, que foram identificadas como capazes de
promover efeitos desaconselháveis sobre as habitações e a cidade, sendo que
dentre estas, há referência explícita, às aberturas dos vãos das unidades
84
Para o atendimento das diferentes funções, “os vãos poderiam até mesmo estar representados
em diferentes elementos e deveriam ser dimensionados para a tender às demandas mínimas de cada função”
especialmente considerando o metabolismo, o tempo de permanência no recinto, a atividade desenvolvida, etc. Silva
sublinha a importância da relação entre o vão e a dimensão da parede e estabelece as dimensões mínimas das
aberturas para as diferentes orientações solares, em Porto Alegre: parede de orientação Sul, vão da janela com
dimensões entre 5-15% da área da fachada; parede de orientação Leste, vão da janela com dimensões entre 15-25%
da área da fachada; parede de orientação Oeste, vão da janela com dimensões entre 5-15% da área da fachada e
parede de orientação Norte, vão da janela com dimensões entre 25-40% da área da fachada (SILVA, 1994).
244
residenciais. O autor esclareceu que as aberturas de vãos propostas para os
pátios de iluminação e de ventilação nos termos colocados pelo Plano, (e que
certamente serão utilizadas de maneira significativa na cidade, devido às
possibilidades de construção, que são oportunizadas para ocorrerem até os
limites do lote), estavam em desacordo com as necessidades de eficiência e de
desempenho esperados. Na situação climática de Porto Alegre, de clima sub-
tropical úmido, o ar que circula nestes espaços (referindo-se às áreas internas
para iluminação e ventilação dos cômodos, nos prédios de apartamentos)
“constitui o espaço exterior mais escuro, úmido mal ventilado e barulhento
possível de imaginar” (MASCARÓ, 1999), apresentando eficiência limitada no
verão e no inverno. Nos edifícios, onde o sol tem sido excluído, durante o dia
acontece uma “inversão térmica que impede a total renovação do ar: ele chega
a ser úmido e fétido”, o que é desastroso, pois nos recintos urbanos, é a
ventilação que pode “diminuir a temperatura interior e a umidade relativa do ar”
(MASCARÓ,1999).
Chama-se a atenção aqui para as situações onde a legislação
flexibilizada opera potencializando possíveis danos aos moradores, e em
situações (como a acima delineada) onde os efeitos, de uma das leis, tem
incidência sobre a outra, somando-se os mesmos e surgindo sinergias, com
desdobramentos inesperados e não desejados, sobre as moradias, a cidade e
a saúde dos moradores.
3.5.3.2 A flexibilização: áreas dos cômodos
Outra importante alteração que ocorre no Código de 1992 é com
relação às áreas mínimas dos cômodos. Enquanto a Lei de 1972 estabelecia
as áreas para os cômodos de diferentes usos (dormitórios, cozinhas, estares e
sanitários) e as demais condições para os mesmos (especificamente a
possibilidade de inscrição de um círculo de diâmetro determinado, o que
estabelecia uma boa relação entre as duas dimensões das paredes e os vãos
de iluminação e de ventilação) e, incluía em seu escopo as moradias
populares, o novo Código não mais determina as áreas.
No Código de 1972, a seção I define Habitação popular como
“economia residencial urbana, destinada à moradia e constituída apenas de
245
dormitórios, sala, cozinha, banheiro, circulação e área de serviço”, com as
seguintes peças e dimensões:
- casa popular – primeiro dormitório, com 9m²; segundo com
7.5m²; terceiro com 9m²; quarto dormitório com 10.50m² e sala
com 9m², esta moradia é ainda identificada como a habitação
do tipo popular de um só pavimento e de uma só economia.
- apartamento popular – definido na seção II, no Artigo 174, o
apartamento popular poderá contar com três dormitórios, a
área útil mínima da sala passará a ser de 10.50m² e se contar
com 4 dormitórios, a área da sala passará a ser de 12m² e
esclarece que os prédios de apartamentos populares não
poderão atingir o número de pavimentos que cria a
obrigatoriedade de instalação de elevadores.
O abandono que acontece, nas especificações para as áreas
formais da cidade, entre um código e outro, em um período de 20 anos, é
realmente importante, especialmente para a habitação popular. Tal
determinação (ou indeterminação) legal funciona subtraindo referências de
qualificação habitacional, questão determinante para as populações de baixa
renda. O novo Código, passa a atribuir a cada ‘unidade autônoma’ uma área
mínima relacionada ao número de ‘compartimentos principais’ e que são 20m²,
25m², 30m² e 39m² para unidades respectivas de 1, 2, 3 e 4 compartimentos
principais, especificando, para as unidades com 5 ou mais compartimentos
principais, acréscimos de área por cada compartimento principal acrescentado.
Estudos sobre vários países e organizações técnicas
especializadas em pesquisas sobre habitação apresentam indicações de que
áreas mínimas têm significado de qualidade de vida e de economia, e até
mesmo eficiência, ao garantir a funcionalidade dos espaços e o bom
desempenho das funções em cada aspecto da moradia.
Folz refere que as habitações populares para os órgão
financiadores, estão apresentando áreas entre 30m² e 50m² , e chama a
atenção sobre os efeitos “psicossociais de repercussões imprevisíveis” para as
populações nessas circunstâncias. (FOLZ, 2003).
246
Baseado em estudos desse tipo, Mascaró apresenta um
apanhado sobre as áreas mínimas e suas possibilidades para habitação da
população de baixa renda, identificando mínimos admissíveis e as áreas
desejáveis, na condução da boa construção.
Tabela 12: Áreas mínimas admissíveis e desejáveis para cada função
Tipo de uso
Área mínima
Admissível (m²)
Área mínima
Desejável (m²)
Dormitório casal 10.50 12.00
Dois filhos 9.00 11.00
Um filho 6.00 7.00
Jogo/Leitura 10 a 8.00 10 a 8.00
Estar 11.00 14.00
Copa 8.00 11.00
Cozinha estrita 4.40 5.20
Cozinha completa 5.20 6.80
Cozinha com lugar
para refeição
7.60 9.00
Cozinha com
lavanderia conjugada
8.60 10.00
Fonte: PORTAS (1996) apud MASCARÓ (2006).
Além da determinação das áreas mínimas, calculadas para
efetivar o bom desempenho das funções da moradia, sabe-se que a eficiência
está associada à relação entre área e função. Considerando a necessidade de
otimização das relações geométricas das áreas das plantas, as propostas da
flexibilização criam situações em que o espaço fica sacrificado em sua
qualidade, quando questões orçamentárias extremas levam a que a solução
seja diminuir, por economia, todos os itens, o que tem resultado em perdas da
qualidade, na solução alcançada, que são mais significativas do que a
economia atingida. Mascaró sugere a possibilidade da utilização do princípio da
convertibilidade das áreas (de dia é estar e à noite é dormitório, como Gropius
e Le Corbusier já haviam proposto nos CIAMs, em 1929) para as situações de
espaço muito restrito, chamando a atenção para que “o caminho de
247
miniaturizar o espaço é uma alternativa errada”, pois os custos diminuem
menos de metade da área quando a compartimentação é a mesma
(MASCARÓ, 2006) demonstrando que em relação aos custos, o ‘coração’
mínimo da casa (as áreas molhadas e os espaços mínimos de dormir)
apresenta especificidades e dimensões irredutíveis, fazendo com que algumas
diminuições, ou aumentos, das áreas tenham efeitos insignificantes sobre os
custos totais da unidade, reforçando a afirmação acima de que a diminuição
indiscriminada de áreas e funções, serve apenas para perturbar o uso, sem
garantir real economia.
3.5.3.3 A flexibilização promovida pelas AEIS
No entanto, a grande flexibilização da moradia e dos padrões
urbanos acontece com a instituição das AEIS, em Porto Alegre. Esta nova
proposta, que ocorre a partir de 1995 (lembrando que a flexibilização inicia, no
país, nos anos 70 e que os padrões flexibilizados para a moradia já estavam
sendo implementados na cidade desde 1990) possibilita o estabelecimento de
padrões diferenciados para cada projeto, compatibilizando os padrões mínimos
aceitáveis
85
(para cada caso), com a definição de situações de maneira
pontual, onde o Município passa a regularizar as construções clandestinas,
irregulares as invasões e as ocupações, “mesmo em desacordo com os
dispositivos de controle do próprio município”.
A intervenção nas áreas ocupadas passa a acontecer com a
efetiva flexibilização dos padrões e com propostas assentadas sobre os
seguintes critérios:
85
O Grupo de Gerenciamento das AEIS, desenvolveu certos padrões de referência, construídos
para dar base tanto às AEIS quanto ao PRF, tais como o estabelecimento de dimensões mínimas e aceitáveis. Estas
dimensões são encontradas no trabalho “AEIS - Critérios para a Regularização”, (desenvolvido pelo Grupo de
Gerenciamento das AEIS, da PMPA, sob a coordenação da SPM e representantes de diversos órgãos municipais) e
constituído para elaborar os parâmetros e procedimentos a serem adotados nas AEIS de acordo com as
determinações do grupo de trabalho GT4 e aprovadas no II Congresso da Cidade, durante o processo de
reformulação do PDDU/79”. Uma das principais determinações do grupo de trabalho foi a identificação de que “na
solução da questão habitacional o que deve ser, de fato, garantido é o igual direito de acesso ao urbano, e não igual
forma de morar”. Este procedimento e estas conclusões passaram, então, a estabelecer as bases para o
desenvolvimento dos critérios para a regularização fundiária em Porto Alegre, tanto através dos programas
desenvolvidos pelo Demhab como pelo próprio PRF que já vinha se desenvolvendo desde 1990 (GT-AEIS, 1997).
248
- dimensões mínimas e aceitáveis para as vias, que são
apresentadas por descrição de usos, em planilha de
características geométricas, com definição das pistas de
rolamento, de quais vias recebem, ou não posteamento, e os
comprimentos máximos: dimensão da via principal de 9m e
dimensão aceitável de 7.20m; via secundária com 5.20m e
dimensão aceitável de 4.10m (não permite circulação de
transporte coletivo); vias de pedestres (que poderão ser
utilizadas “como áreas de lazer”) com 3m e as servidões,
(“áreas de domínio privado ou comum que possibilitam acesso
domiciliar desde a via pública ao lote encravado”) de 2m;
- dimensões mínimas para os lotes: áreas aceitáveis estão entre
50m² - 60m². O grupo de trabalho determina a possibilidade de
utilização do critério de desempenho: por tal meio, passa a ser
aceito um lote com área qualquer, desde que seja estabelecida
uma dimensão (mínima) de afastamento (lateral e de fundos)
suficiente para garantir a ventilação e a iluminação dos
cômodos. Os lotes mínimos de 50-60m² permitiriam
construções de 35-50m² ou admitindo “dois pavimentos,
serviriam a construções de 70-100m².”
- testada mínima: com dimensão de 3m como aceitável, embora
recomende testadas de 4 -6m. A proposta prevê recuo de
fundos de 1.50m, recuos laterais mínimos de 1.20 (se maior de
1.50m, poderão ser fechados).
- regime urbanístico ou regularização urbanística: fica
“estabelecido nos padrões do EVU – Estudo de Viabilidade
Urbanística elaborado e pelos índices indicados para controle
da edificação no lote”.
Verifica-se nas propostas das AEIS que, devido à intenção de
“garantir acesso ao urbano”, não há a preocupação com o estabelecimento de
um regime urbanístico, ou de diretrizes que garantam minimamente, padrões.
249
O pensamento dominante que guia esses procedimentos considera impossível
o estabelecimento de índices ou taxas a priori para as situações de
intervenção, que ocorrem em áreas já “consolidadas”. E isso é realmente
tornado impossível devido a um dos critérios estabelecidos, de antemão, para a
reurbanização e a regularização: a não remoção de nenhuma parte da
população para adequação urbanística. Ou seja, a remoção (mínima) com o
objetivo de ‘abrir espaço’ para o estabelecimento de uma ‘urbanização mínima’
(isto é, a criação de espaços comunitários, praças, parques, equipamentos,
comércio, serviços e vias de circulação), não acontece. Evidencia-se que
apesar dos objetivos de inclusão, tentando garantir o acesso à cidade, a
flexibilização da lei permite que tudo seja possível, e dessa forma, nada está
sendo acrescentado, pois a “localização” já existia antes da aplicação da lei.
3.5.4 CONCLUSÕES
Através da análise comparativa entre os Códigos demonstra-se a
ocorrência de modificações significativas nos padrões. Ao diminuir os
dispositivos urbanísticos (as áreas dos vãos) se está atuando sobre as
possibilidades de exposição dos cômodos à luz e ao calor do sol, diminuindo os
tempos de exposição e obrigando a utilização de formas mecânicas de
iluminação e aquecimento, com mais dispêndio de energia. Isso é
especialmente significativo nas condições climáticas de Porto Alegre onde os
períodos úmidos de inverno e as altas temperaturas de verão trazem
requerimentos para a ventilação, que são fundamentais para garantir a
renovação do ar, dissipar poluentes e odores, ácaros e fungos e prevenir os
contágios, dispersando vírus e bactérias.
Identifica-se que o PDDUA, também com os padrões
flexibilizados, cria situações que interagem com as propostas do Código, em
uma forma de sinergia onde as duas leis funcionam aumentando problemas de
ventilação, de iluminação, de insolação e de umidade, e, portanto impedindo
condições satisfatórias de habitabilidade para as moradias. A interação entre
as legislações, na construção física da cidade, reforça o desacordo com os
requerimentos da habitabilidade, diminuindo a eficiência e o desempenho dos
vãos que são flexibilizados e que não funcionam bem, nem para o inverno nem
para o verão.
250
Por um lado, as atuais referências, mínimas e inespecíficas,
contidas no Código de Edificações, possibilita à construção e ao empreendedor
imobiliário uma independência completa ante uma legislação que libera a
arquitetura/construção da regulação formal, permitindo à indústria da
construção trabalhar livremente, atribuindo mais espaço construído àquelas
áreas da moradia que tornam o empreendimento mais rentável para o mercado
que serve às camadas de mais altas rendas. Isso se torna claro quando se
verifica que até 4 compartimentos principais as áreas (em m²) são projetadas
sob parâmetros determinados pelo construtor, e a partir daí, embora apareça a
determinação legal de que mais área seja acrescida ao projeto, elas não são
determinadas (quais áreas serão aumentadas ou cômodos serão
acrescentados?).
Por outro lado, as propostas das AEIS, que poderiam permitir
soluções mais significativas de ganhos de qualidade de vida para a população
de mais baixas rendas, ao restringir-se à não remoção, produzem soluções de
qualidade discutível. A determinação de não remoção da população, regra
básica obedecida nos assentamentos objeto dos programas de regularização
fundiária, cria situações em que após a atuação da política pública sobre o
assentamento, as condições materiais das moradias e dos espaços urbanos
são muito semelhantes às condições originais da ocupação.
As dimensões propostas e mantidas para as ruas e os lotes, para
evitar a remoção, são tão exíguos, que tendem a não permitir a circulação do
ar nem a insolação, ambos necessários à manutenção das condições
sanitárias mínimas, tanto quanto nas áreas formais da cidade. As áreas
diminutas que passam a ser aceitas para as moradias, permitem e tendem a
aumentar as densidades, tanto da unidade habitacional como dos cômodos,
onde são criadas situações de convívio forçado e não-saudável, o que vem
sendo reconhecido nas áreas da saúde como altamente problemático e
desaconselhável, especialmente para os grupos mais vulneráveis (mulheres,
idosos e crianças). A liberação dos dispositivos urbanísticos promove uma
utilização espacial que retira a privacidade dos moradores, outra determinação
de qualidade de vida. Nestas situações, a proximidade entre as paredes das
unidades habitacionais, a pouca distância entre as aberturas entre uma e outra
moradia, o pouco espaço dos pátios e quintais e a falta de oferta de espaços
251
coletivos de lazer e convívio, reforçam a convivência não desejada, ou forçada,
em todos os momentos, afastando do morador o direito à privacidade e à
individualidade. As áreas dos assentamentos, e da moradia em particular, têm
reafirmado o caráter de segregação sócio-espacial que pretende recuperar. O
espaço criado compromete aspectos da qualidade de vida da população local e
dos demais moradores da cidade no curto prazo, tendendo a não apresentar
soluções sustentáveis, pois não há possibilidade de que intervenções,
melhorando, aconteçam com o tempo, porque objetivamente, o espaço físico
(ou, mais claramente, área em m²) é insuficiente para qualquer tipo de
ampliação da moradia ou para a instalação de novos equipamentos e serviços
coletivos.
Esses aspectos das propostas de regularização mostram como
nenhuma forma de limitação à flexibilização é prevista, ao mesmo tempo em
que os resultados de suas ações em relação aos objetivos pretendidos e aos
possíveis efeitos indesejados, sobre a população e a cidade, não são
verificados. Tendem, assim, a criar situações que podem configurar o que
Sartori (1981) define como perigo oposto, ou seja, a possibilidade de estar
produzindo efeitos opostos aos objetivos da política. Por isso a importância da
pergunta: “até que ponto é possível fazer” a flexibilização? A falta de limites à
flexibilização e o descuido com os resultados alcançados pelas soluções
propostas, pode gerar o que Clichevsky questiona: se estará criando duas
cidades, uma para os pobres e outra para os ricos? (Clichevsky, 2003).
Conclui-se, então, comprovando a hipótese, que a flexibilização
não diz respeito, ou afeta, somente à população de baixa renda, sendo uma
condição que estende seus efeitos também à cidade formal. Seus efeitos
podem ser sentidos pelas más condições de habitabilidade, pela minimização
das áreas de apartamentos e de casas, pelas condições que impedem a
circulação de ar nas vias públicas, auxiliando na criação das ilhas de calor. As
situações identificadas para ‘vãos de iluminação e ventilação’ e para ‘áreas dos
cômodos’ comprovam que a flexibilização percola toda a legislação, não
ficando restrita à ação específica de caráter social direcionada às populações
de mais baixa renda, às quais, na teoria, a diminuição dos padrões estaria
auxiliando e, nesse caminho, serve aos procedimentos de especulação da terra
e imobiliária.
252
3.6 RESUMO DO CAPÍTULO
O presente capítulo buscou:
- analisar, de um ponto de vista histórico, os padrões e a
flexibilização a partir de vários ângulos (legislação, políticas
públicas, critérios sanitários, mapas axiais, espacialidade,
estudos empíricos, custos, planejamento urbano) identificando
seus possíveis efeitos sobre a qualidade de vida e a justiça
social. Essa avaliação é assentada sobre pressupostos
provenientes das áreas da saúde e busca resgatar o papel dos
padrões habitacionais e da moradia na manutenção da saúde
física e mental dos habitantes das cidades;
- interpretar a análise de maneira a “conciliar diferentes
paradigmas”;
- ressaltar a importância das políticas públicas que buscam
intervenções abrangentes que pretendem acelerar as sinergias
urbanas e o desenvolvimento sócio-espacial, demonstrando,
através do modelo de sete elementos analíticos de Fiori et all.,
a importância da ampliação dos âmbitos de ação da política de
habitação que busca o combate à pobreza, a qualidade de vida
e a justiça social.
- identificar as alterações ocorridas nos assentamentos após a
intervenção da política pública, a partir dos estudos empíricos,
avaliando seus possíveis efeitos sobre a exclusão-inclusão
social, elemento determinante da saúde, da qualidade de vida
urbana e da justiça social;
- identificar os efeitos da flexibilização dos padrões na
conformação espacial dos assentamentos informais e as
alterações da legislação que atua na cidade formal,
253
identificando efeitos possíveis sobre a saúde, a qualidade de
vida e a justiça social, provocados pela flexibilização dos
Códigos de Edificações, Plano Diretor e AEIS, como perda da
qualificação e de sinergias positivas;
- esclarecer o significado adotado para o termo informalidade.
CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
A partir da identificação do espaço urbano como altamente
significativo na obtenção da qualificação sócio-espacial, como produto para ser
utilizado e também como um meio de produção que incorpora uma política do
espaço, a presente tese é uma reflexão crítica sobre as atuais políticas
públicas assentadas sobre a flexibilização dos padrões. Essa reflexão buscou
um instrumental analítico e teórico-metodológico, baseado em autores e em
estudos empíricos, que auxiliasse na avaliação dos atuais processos de
criação do espaço habitacional para a população de baixa renda, em Porto
Alegre.
A análise privilegiou o olhar sob o ponto de vista da saúde,
identificando e examinando as políticas públicas referidas aos objetivos da
legislação quanto aos efeitos na exclusão/inclusão, tanto internamente, na área
regularizada, quanto entre esta e a cidade formal, através de princípios
reconhecíveis e correntes: as conexões viárias, a acessibilidade, as dimensões
e as áreas, os serviços disponibilizados. Discute-se, e para essa questão se
volta a análise pretendida, o produto final alcançado que se concretiza como a
legalização da informalidade e seus efeitos sobre os habitantes destes espaços
e, de maneira ampla, sobre instâncias da cidade formal. Entende-se que para
os moradores dos assentamentos legalizados se mantém a diferença que
iniciando nos serviços e equipamentos ofertados, se estende ao desenho e ao
tamanho de unidades e lotes, apresentando composição e imagem que muito
se diferenciam dos espaços da cidade formal à qual querem ser integrados.
Essa diferença, nas áreas da ação da política pública, passa a representar
efeitos - que não têm sido identificados ou analisados, nos estudos de
viabilidade e na pós-ocupação - sobre a saúde física e mental dos moradores,
se estendendo a diversas circunstâncias associadas ao urbano: violência,
255
narcotráfico, contágios, problemas de convivência forçada, altas densidades,
gentrificação, depressão, baixa estima, etc. (como referido no Capítulo 3, Tema
1, seção 3.2.5). Para os moradores da cidade formal os efeitos surgem quando
os padrões - que são flexibilizados para garantir o acesso dos mais pobres à
moradia, mesmo sem atender aos moradores mais pobres, passam a reger
também instâncias da cidade formal através dos dispositivos urbanísticos que
permitem o aumento de índices e taxas construtivas e de densidades, a
diminuição de áreas e de exigências construtivas (áreas de vãos de iluminação
e ventilação, áreas dos cômodos, vias, lotes mínimos, etc.).
Ao percorrer situações da legislação e propostas das políticas
públicas de regularização fundiária, em Porto Alegre, buscou-se responder à
questão: como conseguir que a intervenção da política pública de habitação
consiga efetivamente seus objetivos? A intenção não possui um sentido
propositivo acabado - o que seria falta de juízo - mas pretende encaminhar
uma forma de pensar a ação do planejamento que auxilie a formular e a
promover a “política pública que funcione na prática” de acordo com os
princípios de que “não há incompatibilidade entre conhecimento científico e fins
práticos” e onde a ciência política, como um saber operativo, busca orientar as
ações no entendimento de que os meios, em cada caso, sejam adequados aos
fins propostos (Sartori, 1981).
As ocupações de terras realizadas pelas populações de baixa
renda são, na sociedade brasileira, uma forma de vida urbana consolidada
como patrimônio sócio-espacial e que do ponto de vista histórico descrevem
um passado de segregação e de exclusão espacial e social que se prolonga.
Os assentamentos irregulares são, do ponto de vista espacial, uma das
representações formais dessa sociedade e do ponto de vista econômico,
mostram as distorções na distribuição da renda e dos recursos institucionais.
Além disso, observadas do ponto de vista da sustentabilidade ambiental são
representações do trabalho humano, do consumo de tempo e de energia
acumulados, e, então, conservá-las, faz sentido. Do ponto de vista do Estado,
removê-las é impossível, pois não existe orçamento que consiga reassentá-las
em outros locais, sem altos custos. Portanto, mantê-las possui um sentido
econômico, além do significado humano, das avaliações que atribuem
importância à manutenção da localização dos assentamentos regularizados em
256
relação aos demais elementos da estrutura urbana, como garantia de acesso
democrático ao espaço da cidade, às ofertas de serviços, a proximidade às
diversas formas de comércio e, especialmente, às redes de solidariedade e
relações familiares que auxiliam na condução das rotinas diárias e nos
momentos de crise. E, finalmente, há a questão dos deslocamentos referentes
ao acesso aos postos de trabalho. Embora esse pareça ser um dos aspectos
menos significativos da manutenção das localizações, pois os moradores das
favelas, devido ao caráter informal de suas ocupações, acrescido da
característica de serem trabalhos temporários e em locais que se alteram
(construção civil, empregos domésticos, serviços) absorveriam a mudança de
localização, ante situações mais favoráveis, de moradia e de facilidade de
mobilidade.
Na busca das soluções para a habitação da população de baixa
renda, desnuda-se, no entanto, a contínua confluência e/ou influência dos
modelos e das práticas políticas e teóricas internacionais que são adotadas, na
realidade do País, onde a partir do desenvolvimento de um modelo nacional
“moderno”, que não chegou a se completar como Estado-do-Bem-Estar-Social,
assumem outros paradigmas e desígnios, que elegem o mutante, o temporário
como o novo “modelo” a ser seguido. As variadas propostas e formas de
regularização da informalidade surgem, então, como resposta à necessidade
de reduzir custos e de responder às agendas de ajuste fiscal, garantindo a
propriedade e se configurando dentre os argumentos do Estado como uma
parte extremamente significativa para tratar, através do controle do uso do solo,
da solução para a habitação do pobre urbano.
Para essa parte numericamente significativa da população
urbana, a fração informal, possuidora de múltiplos aspectos que desafiam um
único código ou padrão unificado (que já passa a não ser mais instituído,
buscado ou esperado que ocorra) e onde a diferença é a regra, a opção pela
flexibilização coloca soluções de experimentação. No entanto, tanto as
explicações e justificativas para a existência da informalidade, como para a
manutenção de suas localizações assim como para as recentes propostas de
“cura” apóiam-se nesses conjuntos de validações que não vêm sendo
analisadas de maneira critica, embora venha crescendo o questionamento de
sua validade, ante a identificação de situações em que as populações sofrem
257
devido a presença do narcotráfico que ameaça e assusta moradores não
envolvidos, aliciando jovens para o vício e o trabalho junto às drogas, e,
particularmente, devido a que as “curas” propostas pelas políticas públicas não
estão conseguindo diminuir a informalidade.
E embora se verifique um amplo espectro de agentes envolvidos
na estruturação dos espaços urbanos (desde os agentes financiadores,
agentes imobiliários, proprietários, especuladores, as condições econômicas,
de emprego, as tecnologias, etc.) em um processo no qual a legislação é
apenas um dos âmbitos de referência e de organização das dimensões,
oportunidades e custos, ela (a legislação) tem sido, reiteradamente,
responsabilizada por impedir o acesso à moradia do pobre urbano. Nessa
avaliação os padrões têm sido identificados como as razões que impossibilitam
o pobre de acessar a cidade, assim como o abandono dos padrões passa a ser
identificado como facilitador do acesso da população pobre à habitação
formalizada
86
. Embora aqui não se busque detalhar o contexto histórico e a
totalidade das leis que regem os padrões, as normas e os códigos de habitação
e urbanos, no Brasil, ou em Porto Alegre, identificaram-se mudanças,
tendências e alguns dos acontecimentos que originaram o ambiente gerador do
tipo de legislação e os dispositivos legais existentes hoje.
Com base nesta interpretação é estabelecida uma relação entre
as questões que se propõe responder e os contextos que se alteram nas
visões sobre pobreza e políticas públicas de habitação: os padrões/dispositivos
legais, urbanos e de habitação, criados nos respectivos períodos e os efeitos
sobre a população. Como foi visto ao longo de todo o trabalho, a política
habitacional que se formou no Brasil e os dispositivos urbanísticos
correspondentes, são produtos dos diversos processos de democratização
social e do Estado e de transformação das condições cotidianas da sociedade,
86
O que é uma contradição: se os procedimentos que ocorrem na cidade são de regularização,
isto significa a busca da identidade com o que é formal, por identificação e concordância como o aceito ou certo, ou
regular e, portanto, com o aceite das normas que regem a cidade formal. Se a regularização tem esse nome, mas
regulariza uma coisa diferente disto, o que é que está acontecendo? Clichevsky questiona: tais programas aliviam a
pobreza? Ou são apenas paliativos e parciais? São somente para pobres e indigentes? Garantem apenas a posse da
terra? Porque as áreas compradas para funcionarem como áreas especiais (AEIS ou ZEIS) não possuem espaços para
atividades coletivas, ou de serviços, e, portanto, não fazendo nenhuma diferença, no padrão de urbanização, em
relação a uma ocupação irregular? (CHICHEVSKY, 2005).
258
em formas de regramento da construção da casa e da cidade. A constituição
de um conjunto legal que normatiza os padrões não pode ser atribuído
puramente às soluções no âmbito do regime jurídico do país, pois não é
simples resultado de decretos, leis e de regulamentos, nem tampouco o
produto puro das interpretações provenientes das teorias ou das escolas de
urbanismo, arquitetura, engenharia ou de arrazoados estéticos ou funcionais. A
constituição de um corpo de padrões, aceito socialmente, é produto de
modificações em períodos que se sucederam na história do país, com a criação
de órgãos e institutos, da substituição das importações e do crescimento da
indústria nacional, da técnica do concreto armado e demais tecnologias, da
inserção no movimento da arquitetura moderna, da ideologia de cada partido
político no poder, da entrada da mulher no mercado de trabalho, de conceitos
morais dominantes em cada época, dos acontecimentos na cultura e nas artes,
do avanço nos transporte e nas comunicações, do conhecimento sobre as
questões de saúde e ambientais, da racionalização da produção, enfim, de
elementos e âmbitos com importâncias diferenciadas nessa construção.
Em Porto Alegre, o processo de diminuição das exigências e do
abandono dos dispositivos urbanísticos tem sido defendido sob diferentes
alegações, tais como
A regularização urbanística representa, muitas vezes, um poderoso
obstáculo à regularização fundiária” e o instrumento das AEIS [...]
representa um mecanismo ágil e flexível para reconhecer, por um
lado, “o direito à igualdade” da população moradora (direito à
moradia) e por outro, “o direito à diferença” (pela utilização de
padrões que, ainda que distintos dos estabelecidos pela lei, garantam
dignidade e habitabilidade aos assentados. O gravame das AEIS
funciona como um apagador do regime urbanístico existente e
estabelece um regime e padrões urbanísticos “condizentes com a
realidade do assentamento (ALFONSIN, 2006, p.31).
Ou conforme Mayer (Mayer et. all., 2006) como possibilidade de
“facilitar ao poder público a construção de políticas de interesse social voltadas
a diminuir a carência habitacional”.
Discordando dessas avaliações, que são assentadas sobre
princípios jurídicos e ideológicos, sem correspondência na concretude física do
259
assentamento e da cidade, apontamos que as atuais ações das políticas de
regularização fundiária tendem a avaliar os resultados de suas ações apenas
em um nível ideológico, ou político, onde a realidade passa a se constituir em
um enorme objeto de pesquisa de campo (ou laboratório) para as diferentes
políticas internacionais globalizadas, para as propostas do pós-modernismo e
da desconstrução, negando o conhecimento e as práticas existentes e
passando a afirmar a hegemonia do mercado.
Alinhamos nossa análise à de Souza (Souza, 2001) para quem os
problemas sócio-espaciais surgem a partir do não atendimento das
necessidades espaciais e às avaliações de Salingaros (Salingaros, 2006), que
identifica na absorção da complexidade sócio-espacial de novos projetos
desenvolvidos de baixo-para-cima e na manutenção das formas orgânicas
existentes nas favelas, a maneira de criar espaços de sucesso - que os
moradores vão amar e defender - a orientação metodológica para o desenho
das políticas de habitação.
Esses autores apresentam visões que vão ao encontro das
interpretações possibilitadas pelos organismos vinculados à saúde (OMS,
OPAS, Fiocruz) e que colocam na habitação o centro de múltiplas dimensões,
devendo, pois, a casa, ser dotada dos requisitos que garantam um padrão
“mínimo de habitabilidade” e de “dignidade humana”. Essas análises
identificam o “espaço” como um dos mais importantes elementos a ser
analisado e considerado na constituição de políticas públicas sociais, e assim,
são aqui identificadas como interpretações, procedimentos e metodologias que
superpõem e complementam, concordando e ampliando, os âmbitos requeridos
à moradia capaz de oferecer qualidade de vida e justiça social, onde a
qualificação espacial é identificada como o denominador comum.
Em continuidade a essas interpretações são agregados os
enunciados de Sartori (1981)
87
sobre políticas comparadas que afirmam ser a
87
Marcelo de Souza, (baseado nos trabalhos de Cilling-worth (1997)), identifica 4 elementos
fundamentais para qualquer atividade de planejamento, que seriam (i) o pensamento orientado para o futuro, (ii) a
escolha entre alternativas; (iii) consideração dos limites, restrições e potencialidades; consideração de prejuízos e
benefícios e (iv) possibilidade de diferentes cursos de ação, os quais dependem de condições e circunstancias
variáveis. O autor acrescenta, ainda, como quinto elemento, a preocupação com a resolução com conflitos de interesse
(SOUZA, 2002). Esta indicação, embora sucinta, reafirma a pertinência de responder à questão “o que fazer?”,
importante para qualquer ação coletiva e programática, voltada à mudança social positiva (SOUZA, 2002).
260
ciência política um saber operativo que busca constatar as possibilidades de os
meios, em cada caso, serem adequados aos fins propostos, ou entender que a
escolha dos fins está condicionada pela disponibilidade dos meios, única
maneira da política obter os fins desejados.
Assim, partindo da análise histórica da constituição dos padrões,
como foco da avaliação dos efeitos da flexibilização dos padrões nas políticas
aplicadas localmente, identifica-se que o espaço, elemento determinante na
qualidade de vida, tem sido preterido e, pergunta-se: estão as políticas públicas
de habitação sendo suficientes (além de necessárias) ou estão elas precisando
ser reproporcionadas e reajustadas à realidade, para que não sejam
contraproducentes e provoquem o perigo oposto, criando as situações em que
os efeitos pretendidos se contrapõem aos objetivos de inclusão e de
desenvolvimento sócio-espacial? As ações estão acontecendo em
‘combinação’ (ou seja, há um efeito exitoso em relação ao que se queria ou
uma ‘combinação’ positiva dos princípios utilizados ou estão ocorrendo efeitos
inesperados e indesejados, ou mesmo “opostos”?
Ante as afirmações dos autores Souza, Salingaros e Sartori e dos
organismos internacionais que lidam com as questões de saúde pública e das
relações entre saúde e o espaço da habitação, os quais sob distintas tradições
e perspectivas apontam o espaço como instância determinante da qualificação
da vida urbana e da justiça social, são permitidas interpretações sobre o
processo de regularização fundiária baseada na flexibilização de padrões, em
Porto Alegre.
O desenvolvimento sócio-espacial está associado à melhoria da
qualidade de vida e ao aumento da justiça social e baseia-se no atendimento
de necessidades humanas. No âmbito urbano essas necessidades requerem
condições nas quais as pessoas possam usufruir situações de regeneração
ante o cansaço e o stress e que significa acesso à insolação, luz do dia,
proteção contra ruídos, espaços para lazer e esportes e brincadeiras; de
situações de privacidade e segurança, identificadas com proteção da esfera
privada, contra roubos e assaltos e contra o medo de roubos e assaltos; de
situações de funcionalidade e ordem, traduzidas por situações promotoras de
conforto, senso de orientação e suficiência de espaço; de situações de
comunicação, apropriação e participação que são definidas como a
261
participação em conversas com vizinhos, a ajuda comunitária, engajamento e
estética e criatividade, ligadas aos aspectos físicos das moradias, das fachadas
e arruamentos, a presença e a estética devida à presença de praças e
parques, da beleza urbana e da moradia. Esse conjunto de situações geram as
bases para a mudança social positiva, ou o desenvolvimento sócio-espacial
através da autonomia individual.
Para Salingaros há a criação de uma espacialidade adequada
quando são respeitadas a complexidade das formas orgânicas e suas relações
com a complexidade social. Para tal, forma, padrão e biofilia devem interagir
desempenhando o papel de criar conexões entre os moradores e entre a
estrutura física do assentamento e a cidade formal, através das estruturas
orgânicas complexas. Quando essa condição não se realiza, ou seja, quando
não se estabelece a morfologia complexa das estruturas físicas e sociais, há
terríveis efeitos ambientais, pois são criadas formas inumanas e rígidas,
monofuncionais e desconectadas onde as pessoas são obrigadas a viver.
A ausência dessas condições - que é identificada nos casos
estudados para Porto Alegre -, cria situações onde apesar da ação da política
social o desenvolvimento sócio-espacial não é desencadeado, pois não
acontece como promoção e atendimento das necessidades humanas e a
política pública torna-se inócua em relação ao desenvolvimento pretendido,
pois a ação pública não permite o estabelecimento de conexões (mínimas)
necessárias para resgatar a dialética sócio-espacial produtora de “espaços
vivos” que os moradores amam e defendem (Salingaros, 2006).
A regularização fundiária privilegia e fixa no espaço, como
padrões flexibilizados, a solução que é possível agora e impossibilita uma
maneira “processual” de alcançar melhores condições no longo prazo, tal como
a futura incorporação de padrões e suas exigências na busca da saúde, da
qualidade de vida e da justiça social. Essa forma de ação, não representa uma
prática de acordo com um saber, e, conseqüentemente, não pode conseguir
seus objetivos (de abrigar a população ou de melhorar as condições de vida
urbana, de maneira processual, na direção de um futuro planejado), pois não é
conduzida de maneira inteligente (Sartori, 1981): embora utilizando a
flexibilização dos padrões não promove, nem tira proveito das sinergias
possibilitadas pela situação urbana. A análise das políticas públicas praticadas
262
identifica, na opção pela flexibilização, uma escolha do momento, isto é, uma
impossibilidade relativa, condicionada pelos meios materiais e de atuação
efetivos. Ou seja, existe, neste momento, a impossibilidade (financeira e de
renda) de que as condições oferecidas pelos programas de regularização
fundiária sejam melhores, tratando-se de uma situação provisória, e, então,
talvez em um futuro breve será possível alcançar um outro patamar de
habitação, assentado sobre padrões. Assim sendo, entende-se que a ordem
seqüencial adotada atualmente nas práticas de reurbanização e de
regularização fundiária é uma má orientação para o início da política pública,
pois a regularização “formaliza” o irregular (com respeito aos padrões),
congelando uma situação difícil de reverter posteriormente, tornando a
impossibilidade relativa em impossibilidade. A situação atual legaliza o informal,
que não será abandonado, derrubado ou alterado (e se o for irá se constituir
em grave questão do ponto de vista da sustentabilidade, do consumo dos
recursos ambientais e da energia, utilizados em duplicação). Neste caso, os
programas desenvolvidos estão praticando ações que desperdiçam meios e
inviabilizam a qualificação espacial no futuro, impedem o deslocamento dos
limites, sendo contraditórios, e, portanto, negam a possibilidade de que em um
futuro próximo uma condição melhor aconteça: ela se torna impossível de
realizar desde agora. A impossibilidade está posta nas formas adotadas pelas
políticas de regularização em Porto Alegre, onde a reurbanização e a
regularização não admitem a remoção/transferência de moradias impedindo o
aumento das áreas das unidades e das vias, a diminuição das densidades e a
criação de áreas verdes, ao contrário, agem na direção da diminuição dos
espaços verdes, de lazer e da moradia. Alguma remoção, propiciada a partir de
acordos entre os moradores e que disponibilizasse áreas mínimas para a
criação de áreas de convívio e lazer comunitários, para a alocação de
equipamentos, para pátios e jardins das moradias, seria imprescindível para a
qualificação da área e a legalização formal. Estando estruturada sem formar
um corpo legal e agindo pontualmente em cada caso, a ação pública torna-se
capturada pela vontade política com implicações sérias sobre a continuidade
das ações de regularização iniciadas em decorrência das alternâncias de
poder. E, como as fontes de financiamento devem ser acessadas anualmente
(através do Orçamento Participativo) os trabalhos em andamento não têm a
263
garantia de continuidade. Projetada sem considerar os meios existentes, a
política pública dificilmente alcança os objetivos de inclusão social e, menos
ainda, de qualificação urbana, portanto, não atinge o desenvolvimento sócio-
espacial esperado. Identificar os efeitos, ou conseqüências, das ações públicas
efetivadas permite uma reflexão sobre os resultados alcançados e pode
orientar, ou redirecionar, essas ações. Nos casos estudados não há avaliação
das condições criadas nas vilas após a regularização, portanto, os efeitos
pretendidos e os efeitos possíveis (inesperados e indesejados) não são
identificados. Nem tampouco é sabido se aumentou a densidade ou se os
moradores são os mesmos da ocupação original; se a renda da população
moradora foi alterada ou se houve o estabelecimento de um mercado; ou se na
área reurbanizada há situações de gentrificação; quais são as novas condições
de integração com a cidade ou como estão se alterando as condições de
violência e narcotráfico ou o que acontece com a saúde dos moradores dessas
áreas. Não há estudos específicos que demonstrem que os objetivos
pretendidos - inclusão social e melhoras nas condições de vida, com acesso à
cidade e aos serviços públicos, distribuição de terra e facilitação do acesso ao
trabalho, ao crédito e à renda - estejam sendo alcançados.
A articulação dos argumentos dos três autores (Souza,
Salingaros, Sartori) com os objetivos de organismos vinculados à saúde pública
(OMS, OPAS, Fiocruz) aplicados à situação de Porto Alegre, identifica que as
políticas públicas de habitação, ao optarem pela regularização fundiária, sem
garantirem a suficiência dos meios, sofrem descontinuidades e tornam-se
inconsistentes com seus objetivos, causando o efeito oposto aos objetivos
propostos, onde o desenvolvimento sócio-espacial não é desencadeado, pois
não acontece como promoção e atendimento das necessidades humanas,
tornando-se inócuo em relação ao desenvolvimento pretendido. Assim, a
“solução” pode estar acontecendo apenas no nível político-ideológico
88
sem
88
Ideológico é aqui utilizado no sentido de Chauí, como das idéias fundamentais desenvolvidas
pela classe dominante, ou pelos grupos de poder, que faz com que os homens acreditam que suas vidas são como são
por que “há forças” que exigem que assim seja e às quais é legítimo submeter-se, o que se junta às idéias de Gramsci,
para quem há uma ideologia enquanto “não houver um conhecimento da história real, enquanto a teoria não mostrar o
significado da prática imediata dos homens, enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem
pensamento” (CHAUI, 1981, p.87 apud DÉAK et al., 1999). Neste sentido, a reflexão sobre a flexibilização de padrões
também pode ter significado, ao auxiliar na identificação de opções significativas no nível ideológico, mas que não
264
real integração sócio-espacial dos moradores e as ações se resumem a
melhorar a informalidade impedindo melhorias futuras e a futura legalização,
reforçando a diferença entre as duas cidades: a dos ricos e a dos pobres.
Do ponto de vista das análises teóricas que embasam a
flexibilização, esta seria a maneira possível de abrigar mais população, pois a
diminuição de áreas, dimensões, espaços, etc., possibilitaria o acesso à
moradia (mínima) para um maior número de pessoas. No entanto, aplicada
apenas como padrões flexibilizados - cuja diminuição refere-se apenas aos
custos da ação, e não a estratégias de desenvolvimento sócio-espacial - está
tão somente produzindo situações urbanas que abandonam os elementos e
critérios sanitários que foram, historicamente, incorporados para garantir a
saúde, e, nesse movimento, perde sua potencialidade como promotora da
qualidade de vida e da justiça social.
Ao ignorar os efeitos da flexibilização, a ação pública abandona
(ou nega), a importância dos efeitos da habitação sobre as demais dimensões,
gerando a desconstituição da qualificação buscada ao longo dos anos e que é,
atualmente, absolutamente reconhecida como imprescindível aliada pelas
áreas do campo da saúde.
Apresenta-se, então, a situação em que é determinante
esclarecer a diferença entre “flexibilidade dos limites dos padrões” e
flexibilização sem nenhum limite”, pois, um limite flexível é completamente
diferente de “limite nenhum”. No âmbito urbano, a moradia referenda-se a um
todo sócio-espacial onde o planejamento - pensamento orientado para o futuro
-, embasa a escolha entre alternativas, considerando diferentes cursos de
ação, restrições e potencialidades, limites e potencialidades, avaliadas as
circunstâncias (Souza, 2001; Sartori, 1981).
As questões territoriais e urbanísticas são disputas econômicas e
sociais, onde a habitação é um fator essencial na manutenção da vida e das
condições de reprodução social. Mas diferentemente da casa, que o morador
pode construir, a terra, é caracterizada pela inelasticidade da oferta e pela
possuem correspondência material, mantendo as populações ocupadas “fazendo coisas” que não resultam. Ver neste
sentido os trabalhos de Alfonsin e Baierle que colocam os ganhos ideológicos e organizacionais das populações
(ALFONSIN, 2004) e o ganhos permitidos pela regularização fundiária, como uma revolução branca que ofereceu
acesso à terra (BAIERLE, 2005).
265
singularidade das localizações. Por estas características, quando se trata da
terra urbanizada, esta depende da oferta do mercado para ser acessada, e,
nas circunstâncias do planejamento urbano no país, também depende das
ações do Estado.
Internacionalmente, do ponto de vista das políticas públicas,
identifica-se uma unanimidade de pensamento sobre quais deveriam ser as
ações para a diminuição da pobreza (crescimento econômico; reformas
legislativas; descentralização administrativa; investimentos em saúde e
educação, e infra-estrutura). No entanto, as políticas sociais de habitação vêm
sendo desenvolvidas focadas apenas em dar soluções para as ocupações,
ignorando os âmbitos ampliados da pobreza e de seus requerimentos. A ação
pública se estabelece sem considerar efeitos e possibilidades, enquanto
sinergias positivas, sobre uma ampla gama de aspectos da vida dos
moradores, nem avalia seus desdobramentos sobre a cidade formal, e dessa
maneira, ignora possíveis “efeitos opostos” aos objetivos de qualificação e
justiça social que se propõe alcançar.
É nesse ambiente que Smolka (2003) critica o caráter curativo (e
não preventivo) das atuais políticas públicas de habitação, apontadas como
ações que reforçam a pobreza, agindo sobre suas conseqüências, sem
combatê-la. Isso é particularmente claro a partir da incorporação da idéia de
que as favelas não apresentam mais um perigo à ordem econômica dominante,
mas se constituem em sub-mercados específicos para a habitação, e, portanto,
possuem a “permissão” do Estado para que ocorra a ocupação, que será
“curada” futuramente, através da posterior ação pública de “regularização”. Os
atuais programas de regularização fundiária mostram uma abordagem limitada,
reflexo dos objetivos pragmáticos iniciais,baseados simplesmente na
flexibilização dos padrões, cujos resultados são identificados como
procedimentos caros, a partir das experiências desenvolvidas em várias
cidades brasileiras e latino-americanas. Esses procedimentos, além de não
garantirem a melhora das condições de vida das populações das áreas
ocupadas, mostram a realidade de um déficit crescente, onde altos percentuais
da população (86 %, para o país) constituem-se de famílias com renda entre
zero e três salários mínimos, vivendo em localizações onde a violência e o
narcotráfico aumentam drasticamente (Ministério das Cidades, 2006). Smolka e
266
Abramo (2003) reivindicam uma política pública que auxilie a diminuir o preço
da terra e identificam na informalidade uma alternativa não vantajosa, que é
questionada pelos autores sob dois argumentos: (1) as condições físicas
desses assentamentos são inaceitáveis como abrigo humano e (2) a infra-
estrutura, muitas vezes utilizando tecnologias alternativas que parecem
interessantes no início dos processos de regularização, apresentam
desempenho inaceitável, no longo prazo. Estudos empíricos reforçam essas
idéias, mostrando preços mais altos da terra “informal” ante os lotes formais,
embora aqueles se tornem mais acessíveis para os mais pobres, pois possuem
menos infra-estrutura, oferecem áreas menores, não respondem aos códigos
construtivos e às legislações urbanas e/ou estão localizados em áreas não
desejadas pelo mercado (Smolka, 2003; Abramo, 2003; Abiko, 2003; Fialho,
2006).
Nas intervenções das políticas sociais de habitação realizadas em
Porto Alegre identifica-se que as soluções pontuais impedem que sinergias
características das cidades ocorram de maneira positiva, pois a intenção de
apenas “melhorar a informalidade” coloca seu foco exclusivamente no
assentamento sem almejar desdobramentos outros além dos limites da área
considerada. Essa abordagem tem como resultado principal apenas a garantia
de um menor risco legal de remoção, e dessa maneira, a oportunidade de
integração dos vários aspectos e âmbitos onde a política pública atua, é
perdida, com base nas visões de curto prazo que supervalorizam critérios
relativos aos custos e negam o planejamento e um horizonte de
desenvolvimento sócio-espacial. Além disso, os resultados obtidos para Porto
Alegre, com a utilização do PRF na formulação atual, podem ser alcançados
através de outras formas de intervenção pública com a participação da
população, que não estejam, necessariamente, baseadas nos instrumentos
promovidos e usados pelo programa.
Insiste-se na necessidade de ampliação dos âmbitos de ação da
política de habitação que busca o combate à pobreza, abraçando aspectos
identificados como determinantes na qualificação da própria ação pública, tal
como a abordagem multisetorial proposta por Fiori et. all. (2004) nos sete
elementos de qualificação da política pública de combate á pobreza através da
habitação. Ao reinterpretar a proposta do autor, utilizando os sete elementos,
267
entende-se que: (1) a pobreza deve ser abordada em suas múltiplas
dimensões, não apenas como falta de renda, mas nas mais diversas formas de
manifestação da exclusão; (2) abordagem multisetorial, com ações do
planejamento habitacional coerentes e a promoção de ganhos nos setores da
saúde física e mental, que tendem a articular os ganhos nos dois âmbitos -
habitação e saúde - e, portanto, a gerar efeitos sobre os custos (melhor saúde,
propiciada pelas condições de moradia significa menos gastos do orçamento
municipal com a saúde dos moradores, e, se inicialmente os custos são mais
altos, no longo prazo as conexões com a saúde e demais sinergias urbanas
atingem dimensões em outras áreas com reflexo e validade ampliadas sobre
grande espectro de âmbitos urbanos; (3) a ação da política pública em uma
escala que gere impacto social e na cidade como maneira de privilegiar a
espacialidade, que é determinante das variadas manifestações e
requerimentos na promoção das condições de produção e de reprodução
humanas. Esses requerimentos têm representações espaciais específicas
(saneamento básico, serviços, facilidades de circulação, presença de espaços
verdes e de lazer, dimensões mínimas, desenhos e formas da habitação,
materiais e acabamentos, áreas de ventilação e iluminação, etc.) e que
deveriam agir na direção da diminuição das diferenças entre os espaços
formais e informais. Ações nesses âmbitos tendem a diminuir, no longo prazo,
os custos para o Estado, gerando maior produtividade e sustentando os
habitantes naquelas coisas que eles são capazes de fazer por si próprios.
Outro âmbito da ação seria (4) o desenho urbano e arquitetônico de qualidade,
capaz de criar espaços de promoção do bem-estar físico e emocional, em uma
‘dialética’ da complexidade sócio-espacial, agindo sobre os moradores e
garantindo a sustentabilidade das diferentes manifestações da vida urbana e
funcionando como potencializador das competências urbanas. Em uma visão
de planejamento de longo prazo os custos deveriam ser interpretados como
investimentos de longo prazo. Outra contribuição poderia ser das (5) parcerias-
público-privado (PPP) como auxiliar do poder público na resolução do acesso à
terra para os mais pobres. No entanto, sendo uma forma de intermediação
entre o setor público e o setor privado, o instrumento, se e quando utilizado,
deverá atuar sob rigoroso controle do Estado, para identificar se os objetivos
propostos estão sendo alcançados. Um outro aspecto que tem sido elencado
268
como importante amparo à política pública de combate à pobreza é a (6) a
reforma estatal que abre ampla gama de possibilidades, acordos e formas de
implementação para as políticas públicas, permitindo que discussões amplas e
transparentes sobre os programas de regularização fundiária possibilitem que
as mesmas sejam revistas e reapropriadas, absorvendo soluções ampliadas na
escala da cidade e atentas à realização do “perigo oposto”. E, finalmente, a
participação e a democratização do Estado. Esse elemento incorpora a idéia de
que os processos participativos realizados com real transferência de poder
para as populações tornam-se, intrinsecamente, movimentos de
democratização do Estado. E o Estado é assumido como gestor do
planejamento, o ator que orienta as ações no longo prazo e que pensa o futuro.
Nesse procedimento, o fortalecimento político (para o processo de
participação) depende de ganhos reais tanto organizacionais e cooperativos,
como na implementação bem-sucedida de projetos (especialmente nas
situações de descrédito da participação, nas áreas de conflito promovido pela
violência e o tráfico de drogas).
A necessidade de reinterpretação e de reajuste das formas de
atuação das políticas de regularização fundiária em relação aos padrões
urbanísticos e de habitação flexibilizados tem, no exemplo que segue, um forte
argumento. Recente pesquisa (Fialho, 2006) realizada sobre projetos de
loteamentos aprovados pela lei n.° 316/94 – esta lei, ao alterar as propostas do
PDDU de Porto Alegre, de 1979, buscava beneficiar a população de baixa
renda com a expectativa de que os novos loteamentos passassem a
apresentar um menor custo de mercado, e, portanto, ampliar o acesso à terra
urbanizada -, mostrou que apesar da flexibilização dos padrões permitida pela
referida lei, os preços dos lotes para a venda não resultaram em valores
menores do que os promovidos pelo mercado formal. Na situação estudada,
verificou-se que embora a aprovação dos loteamentos houvesse sido feita para
projeto de “interesse social”, os mesmos não se direcionaram a populações de
baixas rendas, entrando no mercado de terras com preço de “terra formal”.
Essa constatação vai ao encontro das colocações da presente
tese, segundo as quais o processo de flexibilização de padrões, além de não
disponibilizar mais terra, reforça a mais valia fundiária ao diminuir o tamanho
dos lotes e aumentar as densidades das formas de ocupação da terra. Além
269
disso, a flexibilização de padrões não fica restrita à população a que se destina,
mas percola toda a sociedade, com propostas e intervenções sobre a gestão
da cidade e da terra urbana que atendem a distintos interesses. Na verdade, é
identificada pela pesquisa, que, sem servir à população de baixa renda,
empurra os limites flexibilizados para toda a sociedade, com desdobramentos
futuros negativos sobre aquilo que pretendia melhorar: o acesso à cidade e a
sustentabilidade urbana, presentes nos objetivos das próprias leis que
promovem a flexibilização.
Todos esses elementos giram em torno do “circulo vicioso da
informalidade”, já exposto por Smolka, com enorme significado em uma
abordagem ampla e consistente e que, na complexidade das relações sócio-
espaciais, deveria ser a extensão requerida pelo planejamento.
A análise comparativa entre os Códigos de Edificação, para os
anos de 1962, 1972 e 1992, em Porto Alegre, realizada pela presente tese,
demonstrou a ocorrência de modificações significativas nos padrões devidas à
diminuição das exigências construtivas. Ao alterar os dispositivos urbanísticos
(por exemplo, a diminuição das “áreas dos vãos”) a legislação atuou sobre a
exposição dos cômodos à luz e ao calor do sol, diminuindo os tempos de
exposição e obrigando a utilização de elementos mecânicos de iluminação e
aquecimento, com mais dispêndio de energia. Isso é especialmente
significativo nas condições climáticas de Porto Alegre onde os períodos úmidos
de inverno e as altas temperaturas de verão trazem, por exemplo, grandes
requerimentos para a ventilação, que é fundamental para garantir a renovação
do ar, dissipar poluentes e odores, ácaros, fungos e prevenir os contágios,
dispersando vírus e bactérias.
Identificou-se também que certas modificações ocorridas nas
disposições do 1º. PDDUA - que igualmente flexibilizou padrões -, interagem
com as propostas do Código de Edificações, em uma forma de sinergia, na
construção da estrutura física da cidade, onde as duas leis funcionam
aumentando os problemas. Essa interação entre as duas legislações reforça o
desacordo com os requerimentos da habitabilidade ao diminuir a eficiência e o
desempenho dos elementos representados pelos dispositivos urbanísticos, e,
no caso, impedem o estabelecimento de condições satisfatórias de qualificação
ambiental e de promoção da saúde. Na verdade promovem áreas deficitárias
270
quanto às condições de habitabilidade, perdendo a oportunidade de promover
a qualificação espacial.
No âmbito estrito da unidade habitacional as atuais referências,
mínimas e inespecíficas, contidas no Código de Edificações possibilitam à
construção e ao empreendedor imobiliário uma independência completa ante
uma legislação que libera a arquitetura/construção da regulação formal,
permitindo à indústria da construção decidir livremente, atribuindo mais espaço
construído àquelas áreas da moradia que tornam o empreendimento mais
rentável para o mercado que serve às camadas de mais altas rendas. Isso se
torna claro quando se verifica que até 4 compartimentos principais as áreas
(em m²) são projetadas sob parâmetros determinados pelo construtor, e a partir
daí, embora apareça a determinação legal de que mais área seja acrescida ao
projeto, elas não são determinadas (quais áreas serão aumentadas ou
cômodos serão acrescentados?). Nas situações identificadas para ‘vãos de
iluminação e ventilação’ e para ‘áreas dos cômodos’ no Código de Edificações
é comprovado que a flexibilização percorre toda a legislação, não ficando
restrita à ação específica de caráter social direcionada às populações de mais
baixa renda às quais, na teoria, a diminuição dos padrões estaria auxiliando.
Os códigos de edificação, como legislação municipal, têm aplicação à toda a
população, e seus efeitos, a partir da flexibilização são sentidos nas más
condições de habitabilidade, na minimização das áreas de apartamentos e de
casas e nas demais situações urbanas onde a renovação e a circulação de ar
nas vias públicas são dificultadas reforçando a criação de ilhas de calor para a
cidade como um todo. (A análise realizada concentrou-se especificamente na
leitura e na crítica à flexibilização da dimensão dos vãos, embora âmbitos tão
importantes como relação interno-externo, fechado-aberto, dentro-fora, de
controle do espaço e as questões relativas à forma e à estética não tenham
sido aqui estudadas).
Na avaliação dos espaços especificamente atribuídos às
populações mais carentes, as propostas das Áreas Especiais de Interesse
Social, as AEIS - que passam a assumir variadas possibilidades construtivas,
devido ao caráter “especial” -, verifica-se que ao restringir a remoção de
moradias e de moradores, acabam por produzir soluções de qualidade
discutível, embora intrinsecamente, pudessem permitir soluções mais
271
significativas em termos de ganhos de qualidade de vida para os mais pobres.
A opção pela não-remoção, via de regra determinação básica obedecida nos
assentamentos objeto dos programas de regularização fundiária, cria situações
em que após a atuação da política pública sobre o assentamento, as condições
materiais das moradias e dos espaços urbanos são muito semelhantes às
condições originais da ocupação. As dimensões propostas e mantidas para as
vias e os lotes são tão exíguas que tendem a dificultar a adequada circulação
do ar e a insolação, ambos necessários à manutenção das condições
sanitárias mínimas. As áreas diminutas que passam a ser aceitas para as
casas, com o aumento das densidades, tanto da unidade habitacional como
dos cômodos, criam situações de convívio não-saudável, identificadas pelos
especialistas dos campos da saúde como altamente problemáticas e
desaconselháveis, especialmente para os grupos mais vulneráveis (mulheres,
idosos e crianças). Nessas situações fica claro que a liberação dos dispositivos
urbanísticos promove uma utilização espacial que retira a privacidade dos
moradores, pois a proximidade entre as paredes das unidades habitacionais, a
pouca distância das aberturas entre uma e outra moradia, a pequena dimensão
dos pátios e quintais e a falta de oferta de espaços coletivos de lazer e
convívio, reforçam a convivência não desejada, ou forçada, em todos os
momentos, afastando do morador o direito à privacidade e à individualidade. As
áreas dos assentamentos, e da moradia em particular, têm reafirmado o caráter
de segregação sócio-espacial que pretende recuperar, onde o espaço criado
compromete aspectos essenciais de qualificação sem apresentar soluções
sustentáveis, pois não há possibilidade de que novas intervenções (no longo
prazo) aconteçam melhorando a situação da casa e do entorno porque
objetivamente, o espaço físico (ou, mais claramente, área em m²) é insuficiente
para qualquer tipo de ampliação ou para a instalação de novos equipamentos e
serviços coletivos. Nessas áreas regularizadas, de uma maneira geral é
constatado que alguns serviços e infra-estrutura, antes inexistentes passem a
ser usufruídos e a situação se altere e transforme, no entanto, as condições
anteriores de exclusão continuam manifestas e persistem nas formas espaciais
promovidas. Além dessa forma de exclusão físico-espacial que se mantém,
uma outra referência importante nas condições da vida urbana permanece
inacessível aos moradores das vilas regularizadas: a nomeação das ruas e o
272
endereçamento postal. Essa privação, que parece ser mínima e simples no
âmbito dos assentamentos regularizados, é, no entanto, inimaginável no âmbito
da cidade formal. A falta de endereçamento formal funciona como uma outra
maneira de impedir a integração e o acesso à formalidade habitacional,
reforçando tanto a situação quanto a sensação de exclusão, embora seja
recorrente nos assentamentos estudados.
89
Assim, as novas vias abertas, e as
existentes regularizadas, continuam com as denominações anteriores (tais
como Beco 2, Acesso 3 e outras designações semelhantes) embora a extrema
importância e todo o significado, para qualquer habitante, de possuir um
endereço. A falta dessa forma de identificação traz maiores dificuldades para o
acesso ao emprego e ao crédito, a (quase) impossibilidade de receber
correspondência, além da estigmatização que afeta os moradores,
especialmente quando é verificado que, para as áreas formais, a numeração
predial e a nomeação das ruas são obrigatórias. Tal situação é ainda mais
crítica quando existe a possibilidade, dada por lei, da numeração de lotes de
terrenos ser feita coletivamente, desde a área esteja com todas as divisas
demarcadas (conforme o Código de Edificações de Porto Alegre, Seção VII, Da
Numeração Predial, art. 38). A inexistência de tal procedimento mantém a
situação existente anteriormente à regularização fundiária, reforçando os
espaços de moradia dos pobres como guetos de pobreza e espaços da
diferença.
Identificou-se, ao longo do trabalho, na nova forma de intervenção
do poder público municipal que mantém os moradores nas áreas ocupadas,
que embora essa seja uma alteração significativa - pois permite que os pobres
fiquem próximos da cidade organizada e sobre a terra urbanizada -, os
resultados desses procedimentos continuam bastante acanhadas, com as
regularizações infringindo as regras de qualificação espacial.
Os vários aspectos das propostas de regularização fundiária
mostram que nenhuma forma de limitação à flexibilização é prevista.
Paralelamente, não são verificados, através de avaliações pós-ocupação e
estudos de impacto, os resultados de suas ações em relação aos objetivos
89
No caso da Vila Lupicínio Rodrigues essa situação é contornada pela forma da implantação das
moradias nos lotes. As casas podem ser identificadas pela rua de acesso e o endereço pode ser escrito Rua Almirante
Mota, número 71, acesso A, casa 3 (ver no fim do capítulo, mapas das vilas).
273
pretendidos e aos possíveis efeitos indesejados sobre a população alvo e suas
áreas. A política pública tende, assim, a estar produzindo efeitos
desconhecidos e indesejados, e, até mesmo, efeitos opostos aos seus
objetivos declarados de inclusão sócio-espacial e de atendimento à
sustentabilidade urbana.
A ação da política pública desconsiderando os efeitos sobre
outros fins - tal como a influência, aqui estudada, dos efeitos da habitação na
qualificação da saúde física e mental dos moradores, na produtividade urbana
e dos habitantes, na configuração espacial, na segregação sócio-espacial, na
relação com a sustentabilidade, nos efeitos sobre a mobilidade e instâncias da
pobreza sobre as quais poderia influir - resulta na distorção dos seus próprios
objetivos, de garantir o direito à cidade e à sustentabilidade urbana e
estabelecidos nos projetos e nos termos da lei (e que fica ainda mais evidente
no contexto em que as legislações combinam entre si, como nos exemplos
apresentados no desenvolvimento do TEMA 3, sobre a relação entre o 1°.
PDDUA e o Código de Edificações de Porto Alegre). As soluções, ao
abandonarem completamente o controle técnico, onde a falta de limites à
flexibilização e o descuido com os resultados alcançados produzem as
soluções observadas de precária habitabilidade, permitindo que a pergunta de
Clichevski - estarão sendo criadas duas cidades, uma para os pobres e outra
para os ricos? (Clichevsky, 2003) - seja respondida de maneira afirmativa.
Ressaltando que a opção pela regularização e a reurbanização é
uma posição humanitária - não há como abandonar as populações de baixa
renda à sua própria sorte -, impõe-se a questão: em que medida, ou qual é a
medida (em relação ao perigo oposto) de aceitação da flexibilização, pois, sem
a determinação de contornos limitadores sobre o quanto de informalidade é
aceito para ser mantido, o limite inferior é a própria ocupação tal como ela
ocorre, ou seja, a diferença gravada (ou mantida) no espaço urbano,
consagrando a exclusão que quer combater. Assim, a presente tese avança a
idéia de que é necessário o estabelecimento de um referencial metodológico,
ou vetores, para a política de regularização que inclua estudos de impacto
sócio-ambiental, de saúde, urbanístico, econômico, etc. já no desenho dos
programas e das políticas sociais, assim como avaliações após a utilização e a
ocupação dos espaços tratados pela política social. Tais estudos,
274
desenvolvidos de maneira democrática e transparente, deveriam contar com a
participação de todos os setores envolvidos (moradores, poder local, técnicos,
população do entorno e organizações da sociedade civil) em procedimentos
que verificariam os efeitos dos programas e dos projetos habitacionais sobre a
saúde e a qualificação espacial, tanto para os moradores dos assentamentos
objeto das intervenções, de maneira estrita, como mais amplamente, sobre as
diversas ordens de impacto desencadeadas na cidade formal, envolvendo a
avaliação de índices e taxas de morbidade e mortalidade e das incidências de
doenças endêmicas e epidêmicas; avaliação dos índices de violência contra
mulheres, crianças e idosos; narcotráfico; as alterações e a mobilidade da
população no núcleo - a população original e dos novos moradores,
densidades, emprego e renda, gentrificação e a participação em redes
comunitárias, nível de satisfação com os serviços e com a moradia e estudos
de avaliação do entorno.
Avança-se, também, a idéia de que a gestão e a prática das
políticas públicas sejam orientadas pela ampla abrangência, contemplando os
diversos âmbitos da pobreza. Assim, a política habitacional, assentada na
multisetorialidade, passaria a agir na escala da cidade a partir da moradia,
promovendo diferentes âmbitos de qualificação da vida: atuando na saúde
física e mental, nos espaços e no desenho da casa e da cidade, na integração
com níveis da educação e da cultura (como qualidade de vida) e na busca da
participação e da democratização, na criação de redes e de associações da
comunidade (como justiça social). A promoção de cuidadosas parcerias
público-privadas (PPP) e uma reforma estatal guiada e conduzida sob a
orientação e controle do Estado, tenderiam a aumentar a eficiência e a
efetividade da política social de habitação. Essa elaboração tenderia a reforçar
as competências das políticas públicas de habitação no combate à pobreza e
na promoção da qualidade de vida e da justiça social apontando a necessidade
de que os padrões habitacionais e urbanísticos passem a ser resgatados como
importantes elementos da qualificação espacial e da promoção da saúde física
e mental dos habitantes das cidades e elementos garantidores da relação
histórica entre habitação e saúde. Essas são questões em aberto que podem
orientar a continuidade dessa investigação
275
E, finalmente, identifica-se que a atual forma das propostas
habitacionais para os pobres urbanos, a regularização fundiária assentada
sobre a flexibilização dos padrões, permite concluir que a ação social, embora
oferecendo aos moradores pobres urbanos situações habitacionais que
resgatam alguns elementos de cidadania (através dos processos de
participação, discussão, manutenção das redes de vizinhança, etc.) os
aspectos relacionados à qualidade de vida (garantida pela obtenção de
situações concretas de habitação, saúde, educação, etc.) não acompanham
esse resgate de maneira suficiente e a política social consagra a situação em
que o desenvolvimento sócio-espacial não é concretizado de maneira positiva.
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Código de Obras de Porto Alegre, Lei nº. 2358 de 17 de maio de 1962, que
altera a redação do art. 309, da lei nº. 2.047, Código de Obras de 30/12/1959.
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PMPA, 1972.
Código de Edificações de Porto Alegre, Lei nº. 284, de 27 de outubro de 1992,
que revoga a lei 3.615 de 10 de janeiro de 1972 e a lei complementar nº.172,
de 8 de janeiro de 1988. PMPA, 1992.
Decreto n. 53 de 1926, que altera o Ato n. 96, de 1913, o Regulamento Geral
sobre as Construções de Porto Alegre.
Decreto n.108, de 10 de setembro de 1927 – regras e regulamentos para vias,
faixas de domínio, redes de esgotos e pluviais, iluminação pública e
arborização das vias.
Lei Orgânica do Município (LOM), - Lei n. 2 de 02 de abril de 1992. PMPA,
1992.
Lei Municipal n. 316/94 – altera o PDDU/79, propondo a flexibilização de
padrões relacionados a tamanho de lotes e exigências urbanísticas,
pavimentação e largura de vias. SPM-PMPA, 1994.
Plano Geral de Melhoramentos – Plano Moreira Maciel, de 26 de agosto de
1914.
Plano Diretor de Porto Alegre, (PD/59), lei n.º 2046/59, de 30 de janeiro de
1959. PMPA, 1961.
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre (PDDU/79). Lei
complementar n. 43, de 21 de julho de 1979 e decreto n. 6921 de 29 de agosto
de 1979. PMPA, 1980.
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre
(PDDUA/99) – Lei complementar n. 434/99, entrou em vigor em 27 de março
de 2000. PMPA, 2000.
Estatuto de Cidade, lei n. 10257 de 10 de julho de 2001.
ANEXO DE INFORMAÇÕES SOBRE AS VILAS DA PESQUISA
Vilas da Pesquisa – localização, ROP, bairro, população e número de unidades
VILA ROP BAIRRO POPULAÇÃO
Lotes/
Unidades
JARDIM
PANETÁRIO
Centro Santana 493 hab 88 sobrados
LUPICÍNIO
RODRIGUES
Centro Cidade Baixa 340 hab 84 sobrados
PRINCESA
ISABEL
Centro Azenha 1000 hab
230
apartamentos
GRACILIANO
RAMOS
Glória Cascata 390 hab 87 moradias
DONA
MALVINA
Santa Tereza Cruzeiro 160 hab 38 moradias
COSME
GALVÃO
Passo
DÁreia
Passo
DÁreia
330 hab 80 moradias
VILA
TEREZINA
Medianeira Cruzeiro 400 hab 81 moradias
Fonte: criação própria a partir de informações do DEMHAB/PUR; do Relatório de Indicadores
Sociais de Porto Alegre, 2001- PMPA; Áreas do DEMHAB e Conexas, DEMHAB, 2005.
Vila Planetário
ROP: Centro
Bairro: Santana
População bairro (2000): 25.028 habitantes
Área bairro: 1.8 Km²
Densidade bairro: 139,044 hab/ Km²
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): 0.7%
299
% do total da população da cidade: 1.84%
População total Vila Planetário: 493 habitantes
Número de lotes da Vila Planetário: 94 lotes e 88 moradias construídas.
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Alto
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Baixo
Custos: O custo total da obra foi de U$ 1.2 milhões (1.2 milhões de dólares), ou
uma média de U$ 12.765 por unidade construída (no total construiu-se 3787
CUBs, a um custo de 0.82 do valor do CUB, na época). As unidades são
concedidas por um valor de pagamento mensal de 10% do salário mínimo, e os
moradores estão sem direito de alienar a moradia a terceiros sem a
intervenção do poder público municipal.
Vila Lupicínio Rodrigues
ROP: Centro
Bairro: Cidade Baixa
População bairro (2000):18.523 habitantes
Área bairro: 0.93 Km²
Densidade bairro: 199,17 hab/ Km²
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): -0.5%
% do total da população da cidade: 1.36%
População total da Vila: 340 habitantes
Número de moradias: 82
Obra concluída: 2001
Custo: R$ 951.777,00
ICV (Índice de Condições de Vida): Alto
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Baixo
Vila Princesa Isabel
ROP:Centro
Bairro: Azenha
População bairro: 10.475 habitantes
Área bairro: 1.15 Km²
Densidade bairro: 91,08hab /ha
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): - 4.2%
% do total da população da cidade: 0.77 %
População total Vila Princesa Isabel: 230 famílias, aproximadamente 1000
habitantes
Início da intervenção: 29/03/ 2004
Término: 24/11/2006 (últimas famílias mudaram-se em março de 2007).
Custo total: R$ 9.332.126,75 (mais uma parcela de R$ 31.534,76 de trabalhos
sociais). Custo por m² construído: R$ 896,97
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Baixo
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Baixo
300
Vila Graciliano Ramos
ROP: Glória
Bairro: Cascata
População bairro: 27.784 habitantes
Área bairro: 759 ha
Densidade bairro: 36,60 hab/ha
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): 3.7 %
% do total da população da cidade: 2.04 %
Data de ocupação: 1941
Endereço: Rua A
Limites: Rua A à direita (à esquerda da Rua A fica a Vila São Francisco)
Lotes: 192
Domicílios: 87
Obras realizadas: Rede de eletricidade domiciliar e pública, esgotos pluvial e
cloacal, vias, acessos e escadarias, muros de contenção e de arrimo,
reconstrução de casas.
Obra realizada com custo total de R$ 402.953,00.
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Muito baixo
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Alto
Vila Dona Malvina
Bairro: Santa Tereza
ROP: Cruzeiro
População bairro:59.222 habitantes
Área bairro: 556 ha
Densidade bairro: 106,51 hab/ha
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): 3.9 %
% do total da população da cidade: 4.35 %
Data de ocupação: 1996
Endereço: Rua Dona Malvina n° 413
Limites: Rua Dona Malvina n° 393 (exclusive) e 413 (inclusive) e 433
(exclusive)
Lotes: 40
Domicílios: 38
Inscrita no PRF, o assentamento faz parte do conjunto de vilas que compõem a
Grande Cruzeiro e que receberam melhorias (levantamento topográfico e
cadastral, e urbanização) dentro do programa. É um terreno de 22m X 110m,
de propriedade da PMPA. PDDUA: situação não disponível. Custos: não
disponíveis.
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Muito baixo
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Alto
Vila Cosme e Galvão
Bairro: Passo da Areia
301
ROP: Noroeste
População bairro:20.880 habitantes
Área bairro: 253 ha
Densidade bairro: 82,53 hab/ha
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000): -0.70 %
% do total da população da cidade:1.53 %
Data de ocupação: 1971
Endereço: Rua André Arjonas Guillen n° 25, Rua Luiz Cosme n° 425, Rua
Ramis Galvão n° 133
Limites: Rua André Arjonas Guillen n° 25 (exclusive), Rua Luiz Cosme n° 425
(inclusive), Rua Ramis Galvão n° 133 (exclusive) e 162 (inclusive)
Lotes: 75
Domicílios: 81
Identificação no PDDUA: área verde, não edificável, junto ao Arroio Passo da
Areia. Regularizada como AEIS I. Recebeu melhorias:levantamento topográfico
e cadastral, vias e escadarias e infra-estrutura, esgotos, eletricidade, rede de
água.
Identificada a construção de onze unidades habitacionais.
Custos: R$ 155.298,00.
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Média
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Baixo
Vila Terezina
Bairro: Medianeira
ROP: Cruzeiro
População bairro:10.701 habitantes
Área bairro: 126 ha
Densidade bairro: 84,92 hab/ha
Taxa de crescimento do bairro (1990-2000):-2.5 %
% do total da população da cidade: 0.79 %
Data de ocupação: 1971
Endereço: Rua André Arjonas Guillen n° 25, Rua Luiz Cosme n° 425, Rua
Ramis Galvão n° 133
Limites: Rua André Arjonas Guillen n° 25 (exclusive), Rua Luiz Cosme n° 425
(inclusive), Rua Ramis Galvão n° 133 (exclusive) e 162 (inclusive)
Lotes: 53
Domicílios: 81
Identificação no PDDUA: área verde, regularizada como AEIS I. Recebeu
melhorias de levantamento topográfico e cadastral, vias e infra-estrutura (rede
de esgotos cloacal e pluvial, de eletricidade e rede de água).
Identificada a construção de sete unidades habitacionais.
Custos: R$ 314.082,00
ICV (Ìndice de Condições de Vida): Muito baixo
IVS (Índice de Vulnerabilidade Social): Alto
APÊNDICE
Porto Alegre
População: 1.360.590 habitantes (Censo IBGE, 2000)
1980, a PMPA dividiu a cidade em 16 ROP, correspondendo aos 86 bairros da cidade (oficiais
e não oficiais)
Área: 496.1 Km²
Área urbana: 352 Km²
Área rural: 144.08 Km²
Densidade: 2745 hab/ Km²
Razão de dependência: 45.8 %. (Razão de dependência indica o número total de crianças
entre 0-14 anos e de idosos acima de 65 anos para cada 100 pessoas em idade produtiva. No
RS este índice é de 49.85 e no BR é de 54.9%).
Em Porto Alegre, a população com menos de 19 anos é de
33.7%, sendo o total dos menores de 5 anos, 7.6% e os menores de 19,
26.1%. Os bairros mais pobres são os que concentram a mais alta natalidade,
de crianças com baixo peso e de mães com baixa escolaridade (Ruben Berta,
Protásio Alves, Sarandi, Restinga, Santa Teresa, Partenon, Lomba e Bom
Jesus). As regiões com concepção mais elevada antes dos 20 anos: Restinga,
Sarandi, Ruben Berta, Protásio Alves, Santa Teresa e Lomba.
A causa de morte entre jovens por acidentes e homicídios é de
24.1 por 100.000 habitantes (Rio: 59/100.000 e São Paulo: 55/100.000).
A mortalidade infantil está diminuindo. As doenças de criança
responsáveis por internações hospitalares são asma e pneumonia (18%),
doenças do aparelho digestivo (17.3%) e lesões e envenenamentos (8.6%).
Das internações entre 15 e 19 anos, 50% delas são devidas a parto.
O PSF atenda 8.8% da população do município, tendo postos na
Vila Batista Flores e Vila Brasília e na Vila dos Sargentos e Vila São Vicente
Mártir.
Os dados do Censo Demográfico de 2000 indicam para Porto
Alegre um total de 33.436 unidades de moradia em aglomerados subnormais, o
A
A 2
que significava 8.8% do total de domicílios existentes na cidade e 72.7% dos
domicílios em situação de irregularidade fundiária.
A pesquisa realizada pelo DEMHAB em 1999 identificou 464 vilas
e núcleos irregulares com um total de 73.392 domicílios, representando 17.6%
dos domicílios do município e 22.2% da população, sendo que a metade das
áreas ocupadas possuía entre e 2 e 50 domicílios. A maior concentração está
nos assentamentos que possuem entre 500-1000 moradias, em número de 27
assentamentos e que possuem 18.185 unidades de habitação (24.7% do total),
enquanto 101 vilas possuem entre 100 e 300 moradias, com 17.088 unidades
de habitação (23.2% do total).
O PRF
Entre 1990 e 2004, o PRF investiu em regularização fundiária em
Porto alegre, um total de 312.000.000,00. Isso beneficiou um total de 52.797
famílias, sendo que destas, 36.650 famílias receberam algum tipo de benefício
(ex. vilas que receberam escadarias, ou pavimentação, ou posto de saúde, ou
creche, etc.) e 16.041 famílias receberam produção habitacional, isto é, a
moradia. O valor total (312 milhões de reais, investidos ao longo de 14 anos)
significa que houve um investimento de R$ 5.900,00 por família beneficiada.
Estes números indicam também que, em média, houve a construção de 1450
casas por ano de atuação do programa.
O programa busca atender demandas reais da comunidade dos
núcleos e vilas irregulares da cidade, e o Censo de 2000 identificou para a
população de 1.360.590 habitantes, um total de 21.74% (287 161 habitantes)
vivendo na informalidade. Em 2002 o DEMHAB identificava 744 assentamentos
informais, sendo 508 núcleos e vilas e 236 loteamentos irregulares.
Com início em 1990, o PRF vinculado à SPM (passando para o
DEMHAB em 1993)disponibiliza verbas para viabilizar o programa, inicialmente
fazendo levantamentos, que visavam atender ao objetivo de regularizar a
posse da terra e urbanizar as áreas ocupadas, públicas ou privadas. O
programa orientou-se para atender originalmente 124 assentamentos (dos
quais 78 em áreas privadas) com um total de 138 083 moradores, em 35 406
domicílios e que perfaziam aproximadamente 50% da população vivendo em
assentamentos irregulares, à época.
A 3
Os critérios para a seleção dos assentamentos eram, dentre
outros mais flexíveis: ser assentamento consolidado até janeiro de 1989;
possuir no mínimo 25 unidades domiciliares; não possui lotes com áreas
superiores a 125m²; estarem preferencialmente localizados em áreas públicas;
não estar localizado em área de risco; se em área privada, deveria ter 5 ou
mais anos.
No total do programa, em 2000, 86 áreas eram determinadas
como AEIS I, ou seja, áreas públicas ocupadas para fins de moradia e 9 do tipo
AEIS II, área particular ocupada para fins de moradia. Para cada assentamento
é realizado um EVU e os padrões de urbanização baseiam-se no documento
“Critérios para a Regularização de AEIS”, de 1987, e as soluções admitem o
reassentamento (remoção para a viabilidade urbanística) de um total entre 5%
a 8% das unidades de moradia, pois o PRF não busca realizar melhorias
habitacionais, mas resolver a regularização fundiária.
Para o programa atender determinada área, os recursos deverão
ser buscados ano a ano nas discussões do OP, pois o PRF não tem recursos
assegurados para o programa, de antemão, nem consegue garantir a
continuidade dos trabalhos iniciados de um ano para o outro.
O valor médio gasto para o tipo de regularização efetuado em
Porto Alegre tem sido estimado em R$ 19.718,00 por família, sendo R$
16.000,00 o custo da unidade unifamiliar e o restante para a regularização
fundiária, redes de abastecimento de água e de esgotamento pluvial e cloacal e
energia elétrica (domiciliar e pública), escadarias, muros de arrimos, pequenas
pontes, etc. As unidades de moradia construídas podem ser casas térreas com
área entre 20 e 30 m² e sobrados com área entre 30 e 40 m², construídas com
tecnologia e materiais convencionais.
Tabela A 1: Núcleos e vilas irregulares de Porto Alegre segundo números
Região do ROP
Núcleos e Vilas Domicílios
número % número %
1. Humaitá,
Navegantes, Ilhas
27 5.82 4.147 5.65
2.Noroeste 18 3.88 1.947 2.65
3.Leste 54 11.64 8.634 11.77
A 4
Região do ROP
Núcleos e Vilas Domicílios
número % número %
4. Lomba do
Pinheiro
40 8.62 4.160 5.67
5.Norte 33 7.11 9.329 12.71
6. Nordeste 23 4.96 4.915 6.70
7. Partenon 44 9.48 10.983 14.97
8. Restinga 24 5.17 1.799 2.45
9. Glória 18 3.88 4.273 5.82
10. Cruzeiros 39 8.41 8.512 11.60
11. Cristal 20 4.31 2.197 2.99
12. Centro Sul 36 7.76 3.054 4.16
13. Extremo Sul 14 3.02 1.280 1.74
14. Eixo Baltazar 24 5.17 3.994 5.44
15. Sul 26 5.60 3.066 4.18
16. Centro 24 5.17 1.102 1.50
TOTAL 464 100.0 73.392 100.0
Fonte: PMPA/Demhab/UPE (citado no RIS, 2000, p.311).
Tabela A 2: Núcleos e Vilas segundo número de domicílios, 1999.
Número de
domicílios por
núcleo e vila
Número de
núcleos e
vilas
%
Número de
unidades
habitacionais
%
2 a 9 66 14.22 378 0.51
10 a 50 160 34.48 3.989 5.44
51 a 100 66 14.22 5.014 6.83
101 a 300 101 21.77 17.088 23.28
301 a 500 32 6.90 12.535 17.08
501 a 1000 27 5.82 18.185 24.78
1001 a 2000 11 2.37 13.981 19.05
2001 e mais 1 0.22 2.222 3.03
TOTAL 464 100.0 73.392 100.0
Fonte: PMPA/Demhab/UPE .
Tabela A 3: IDH (1991 - 2000)
IDH - Município IDH - Renda IDH - Educação IDH -
Longevidade
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
0.824 0.865 0.818 0.869 0.907 0.951 0.748 0.775
Fonte: FEE –RS,2000.
A 5
Tabela A 4: Índice de Desenvolvimento Humano (2000) e necessidades habitacionais por
adensamento; infra-estrutura e índice de carência habitacional entre as capitais
brasileiras.
Capital IDH
Necessidades habitacionais
Por
adensamento
Por Infra-
estrutura
Déficit habitacional Índice de
carência
habitacional
unidades %
Porto Alegre 0.865 5 % 10 % 26.340 6 % 0.966
Vitória 0.856 5 % 5 % 6.067 7 % 0. 990
Curitiba 0.856 4 % 9 % 25.147 5 % 0.973
Brasília 0.844 7 % 16 % 62.904 11% 0.932
São Paulo 0.841 11 % 11 % 173.388 6 % 0.964
Belo
Horizonte
0.839 6 % 9 % 47.997 8 % 0.973
Belém 0.806 18 % 31 % 62.432 21% 0.852
Salvador 0.805 11 % 40 % 70.173 11% 0.918
Recife 0.797 9 % 44 % 47.327 13% 0.835
Manaus 0.774 21 % 38 % 53.656 16% 0.791
Fonte:IDH – Municipal 2000, Baierle, p. 6.
Tabela A 5: Indicadores demográficos dos anos 1991 e 2000
Ano
Esperença de
Vida ao Nascer
Mortalidade
Taxa de
Fecundidade*
até 1 ano até 5 anos
1991 69.87 21.12 24.74 2.03
2000 71.42 18.06 18.33 1.79
*número de filhos por mulher
Coeficiente de Gini - Porto Alegre, 2000
O valor do coeficiente de Gini em 1991 era de 0.57, passando
para 0.61 em 2000. A leitura deste coeficiente indica significativa desigualdade
no município, o que torna importante identificar as desigualdades por regiões,
através de indicadores sócio-econômicos básicos.
Para a pesquisa, interessa estes indicadores associados às
condições físicas do espaço construído, observados a partir dos padrões: no
caso, o espaço das populações de baixas rendas, no conjunto da cidade e em
relação aos bairros, ROP e setores censitários.
Serviços urbanos:
A 6
- Água encanada (população atendida): 97.8 %
- Energia elétrica domicilia (população atendida): 99.3 %
- Coleta de lixo (população atendida): 99.3 %
Renda per capita (1991-2000), [Real = agosto 2000 / SM = R$
151,00]
- 1991 – R$ 525.2 = 3.5 SM
- 2000 – R$ 709.9 = 4.7 SM, crescimento da renda per capita de
35.2 % no período.
Pobreza absoluta:
- 1991 – 9 % da população
- 2000 – 11.3 % da população, com crescimento de 2.81 % da
pobreza absoluta.
Tabela A 6: Percentagem da renda apropriada por
estratos da população (1991 e 2000)
Estratos da População 1991 (%) 2000
(%)
20 % mais pobres 2.6 1.9
40 % mais pobres 8.7 7.0
60 % mais pobres 19.5 16.7
80 % mais pobres 39.7 36.0
20 % mais ricos 60.3 64.0
Fonte: PNUD, Atlas de Desenvolvimento Humano, 2003
Segundo a ONU, se pode observar os contrastes do
desenvolvimento humano de duas maneiras:
1) de uma perspectiva agregada: observando os valores de todos,
através das médias;
2) sob a perspectiva da privação: onde o desenvolvimento é
avaliado considerando a situação dos desavantajados, em
cada sociedade. Utilizar as duas perspectivas é uma ética
A 7
universalista, e permite uma maior identificação do que
acontece nos distintos territórios da cidade, a partir de uma
interpretação baseada em uma análise espacial.
Índice de Condições de Vida – ICV- e Índice de Vulnerabilidade Social –
IVS para Porto Alegre
São dois índices sintéticos que hierarquizam o território em uma
escala variando de zero (0) a um (1), identificando patamares superiores e
inferiores de condições de vida e de desenvolvimento social, segundo a
seguinte classificação:
1) valores menores do que 0.50: ICV muito baixo
2) 0.50 até menores do que 0.70 : ICV baixo
3) 0.70 até menores de .80: ICV médio
4) 0.80 até 1.0: ICV alto
As cores indicam: verde (melhores índices); amarelo / laranja
(índices médios); vermelho (piores índices).
Os mapas são gerados a partir da análise dos índices que são
montados:
ICV – baseado em 5 dimensões (renda, educação,
longevidade, infância e adolescência e condições
habitacionais) e em 13 indicadores, que para condições
habitacionais incluem a avaliação de:
- % de domicílios com abastecimento adequado de água,
- % de domicílios com esgotamento sanitário adequado e
- % de domicílios com recolhimento de adequado de lixo.
IVS – baseado em 6 dimensões (renda, educação,
longevidade, vulnerabilidade infanto-juvenil, desenvolvimento
infantil e habitação) e em 16 indicadores, sendo que o de
habitação inclui a avaliação de:
- % de domicílios em aglomerados sub-normais
- % de domicílios em situação de irregularidade fundiária.
A 8
Informações e gráficos de inteligibilidade
Cosme Galvão
Tabela A 7: Distribuição das áreas da vila Cosme
Galvão anterior à intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 402,622 4,59%
Lotes 8375,908 95,41%
Total 8778,53 100,00%
N° de lotes 63 unidades
Tabela A 8: Distribuição das áreas da vila Cosme
Galvão após a intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 515,14 5,87%
Lotes 8263,39 94,13%
Total 8778,53 100,00%
N° de lotes 75 unidades
Tabela A 9: Gabarito das ruas da vila Cosme Galvão
Nome da Rua Largura (m)
A 2,00
B 2,00
C 2,00
D 3,00
E 3,00
F 4,00
Nota: Não possui área pública ou verde.
A 9
ANÁLISE DOS MAPAS AXIAIS MAPAS DE INTELIGIBILIDADE
A 10
Dona Malvina
Tabela A 10: Distribuição das áreas da vila Dona
Malvina anterior à intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 2994,81 21,80%
Lotes 10744,75 78,20%
Pública 0
Total 13739,56 100,00%
N° de lotes 87 unidades
Tabela A 11: Distribuição das áreas da vila Dona
Malvina após a intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 2725,09 19,83%
Lotes 10985,2 79,95%
Pública 29,27 0,21%
Total 13739,56 100,00%
N° de lotes 88 unidades
Tabela A 12: Gabarito das vias da vila Dona
Malvina
Nome Largura (m)
Acesso 5, 6, 7, 9, 10 2,00
Acesso 1 3,00
Acesso 8 4,00
Acesso 2, 3, 4 4,20
Rua 3 5,20
A 11
ANÁLISE DOS MAPAS AXIAIS MAPAS DE INTELIGIBILIDADE
A 12
Graciliano Ramos
Tabela A 13: Distribuição das áreas da vila Graciliano
Ramos anterior à intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 4497,43 14,18%
Lotes 27211,9 85,82%
Pública 0 -
Total 31709,33 100,00%
N° de lotes 178 unidades
Tabela A 14: Distribuição das áreas da vila
Graciliano Ramos após a intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 4994,931 15,75%
Lotes 26478,55 83,50%
Eq.
Comunitario
(lote 89)
235,85 0,74%
Total 31709,33 100,00%
N° de lotes 176 unidades
Tabela A 15: Gabarito das vias da vila Graciliano Ramos
Tipo Nome Largura (m)
Pedestres
A-1,2,3,4; C-1; D-1,2,3; F (parcial); G-
1; H
2,00
A (Parcial); B-1; C; D; E; F (parcial);
G; I
3,00
A (Parcial) 4,00
Ruas A; B; F 5,20
A 13
ANÁLISE DOS MAPAS AXIAIS MAPAS DE INTELIGIBILIDADE
A 14
Teresina
Tabela A 16: Distribuição das áreas da vila
Teresina anterior à intervenção do DEMHAB
Área (m²) Área (%)
Vias 2575,1 37,25%
Lotes 4337,74 62,75%
Total 6912,84 100,00%
N° de lotes 37 unidades
Tabela A 17: Distribuição das áreas da vila
Teresina após a intervenção do DEMHAB
Área
(m²)
Área (%)
Vias Projetadas 2.342,24 33,88
Área de Lotes 3.989,42 57,71
Área Verde 49,92 0,72
Área de Lazer 531,26 7,69
Área matrícula 6.912,84 100
Adicionado
Área passagem
de pedestre
376,64
Total 7.289,48
N° de lotes 53 unidades
A 15
ANÁLISE DOS MAPAS AXIAIS MAPAS DE INTELIGIBILIDADE
A 16
Tabela A 18: Áreas das vilas
Vila
Area
Total
(m
2
)
Área
ocupada
(habitação)
(m
2
)
Area ocupada
(equipamentos)
(m
2
)
Area
circulação
(m
2
)
Area
Verde
(m
2
)
Princesa
Isabel
8403,52 3603,31 694,13 - 584,14
Lupicinio
Rodrigues
2658,11 1871,27 786,84 - -
Planetário
5709,52 4077,0 216,91 - -
Cosme
Galvão
8778,5 94,3 - 515,14 -
Teresina
7289,48 54,72 - 376,64 531
Graciliano
31709,33 83,38 - 5032,64 235,85
Malvina
12892,66 71,72 - 2800,19 -
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