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UNIJUÍ
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamento de Estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESEN
VOLVIMENTO,
GESTÃO E CIDADANIA
ÉDEN HAINZENREDER GARIBALDINO
A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E A SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTABELECIMENTO DO DIREITO
AO DESENVOLVIMENTO
Ijuí
2006
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2
ÉDEN HAINZENREDER GARIBALDINO
A INTER
NACIONALIZAÇÃDO DOS DIREITOS HUMANOS E A SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTABELECIMENTO DO DIREITO
AO DESENVOLVIMENTO
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de mestre, Curso de
Mestrado em Desenvolvimento da Universidade
Regio
nal do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul, sob a orientação do Prof. Dr. Gilmar
Antônio Bedin.
Ijuí
2006
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3
Para Edem e Irene Garibaldino,
companheiros inseparáveis nessa jornada,
pelo apoio e dedicação nesses anos todos.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida, dom sublime.
Ao Professor Dr. Gilmar Antônio Bedin, meu orientador, por nunca ter desistido de
ver esse trabalho realizado, mesmo nos momentos em que parecia não ser possível concluí
-
lo.
À Professora Raquel Fabiana Lopes Sparemberger, pelas valiosas contribuições e
pelo grande auxílio com a parte metodológica.
A todos que, de alguma forma, colaboraram para a realização do presente trabalho.
5
RESUMO
O estabelecimento do direito ao desenvolvimento como um direito inerente aos seres
humanos é abordado no presente trabalho sob um enfoque diferenciado. Tendo como ponto de
partida o final da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, é
analisado o processo de internacionalização dos direitos humanos. Nesse ponto, grande
destaque é dado para a contribuição das Nações Unidas para a implementação desse processo,
bem como para a formação da legislação internacional sobre direitos humanos. Na seqüência,
a atenção é voltada para a análise da evolução dos instrumentos jurídicos sobre direitos
humanos. Para tanto, são abordados diversos documentos que compõem o Sistema
Internacional de Direitos Humanos: a Carta Internacional de Direitos Humanos, as
Convençõ
es Dirigidas a Grupos Específicos, chegando-se à Declaração Sobre o Direito ao
Desenvolvimento e à Declaração da Segunda Conferência Mundial Sobre Direitos Humanos.
As relações existentes entre o direito ao desenvolvimento e a implementação dos direitos
hu
manos também são examinadas, sob o ponto de vista da universalidade e da indivisibilidade
de todos os direitos internacionalmente consagrados, superando a distinção entre direitos civis
e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. Conclui-se, ao final, que a
implementação do direito ao desenvolvimento, mais do que uma categoria dos direitos
humanos, constitui-se em um instrumento para a implementação dos demais direitos
humanos.
Palavras
-
chave
: direitos humanos
Organização das Nações Unidas
direito ao
desenvolvimento
6
ABSTRACT
The establishment of the right to the development as a right of the human beings is
approached in this work under a different point of view. Being the start point the final of the
Second World War and the creation of the United Nations, it analyses the human rights
internalization process. In this point, a big detach is gave to contribution of the United
Nations to the implement of this process, as like to the formation of human rights
international
legislation. In the sequence, the attention is turned to the analysis of the
evolution of the legal instruments about human rights. For this, are approached diverse
documents that compose the Human Rights International System: the International Bill of
Hu
man Rights, the Conventions Direct to Specific Groups, arriving to Declaration of the
Right do Development and the Declaration of the Second Human Rights World Conference.
The relationships between the right to development end the implementation of the hum
an
rights also are examined, under the point of view of the universality and the indivisibility of
all rights internationally consecrated, exceeding the distinction between the civil and politics
rights and the economic, social and cultural rights. It concludes, at the end, that the
implementation of the right to development, more than a class of the human rights, constitutes
in a device to the implementation of the other human rights.
Key
-
words
: human rights
United Nations
right to development
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
................................
................................
................................
.......
9
1 A ONU E A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
......13
1.1 A Segunda Guerra e a Criação da ONU
................................
..........................
13
1.2 A Organização das Nações Unidas
................................
................................
..23
1.3 A ONU e a Internacionalização dos Direitos Humanos................................
..33
2 O SISTEMA INTERNA
CIONAL DE DIREITOS HUMANOS.......................
39
2.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos
................................
..............40
2.2 Os Pactos Complementares
................................
................................
.............47
2.2.1 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
................................
.
49
2.2.2 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
.......54
2
.3 As Convenções Dirigidas a Grupos Específicos
................................
.............58
2.3.1 A Convenção Contra a Discriminação Racial
................................
..............59
2.3.2 A Convenção Sobre os Direitos da Mulher
................................
.................
63
2.3.3 A Convenção Contra a Tortura
................................
................................
.....67
2.3.4 A Convenção Sobre os Direitos da Criança
................................
................
70
3 OS DIREITOS H
UMANOS E O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
.......74
3.1 A Origem e a Consagração Jurídica do Direito ao Desenvolvimento
.............75
3.2 A Crescente Convergência entre Direitos Humanos e Direito ao
Desenvolvimento
................................
................................................................
.................
83
8
3.3 A Convenção de Viena: a Vinculação Formal entre Direitos Humanos e
Direito ao Desenvolvimento Reconhecida
................................
................................
.......86
CONCLUSÃO
................................................................
................................
.......91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
................................
................................
..94
ANEXOS
................................
................................................................
...............
97
Anexo I
Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento
................................
.
98
Anexo II
Declaração e Programa de Ação de Viena (1993)
............................
103
9
INTRODUÇÃO
A promoção e defesa dos Direitos Humanos tem-se apresentado como um tema
constantemente presente na agenda da comunidade internacional. Da mesma forma, a
temática referente ao desenvolvimento vem ganhando relevo cada vez maior, especia
lmente
diante do atual cenário de globalização econômica.
Todavia, em que pese a atualidade de tais temas, muito pouco tem sido mencionado
no que se refere à conotação do desenvolvimento como um direito humano. Essa conotação
pressupõe o reconhecimento de que o desenvolvimento, antes de tudo, constitui-se em um
direito, do qual devem todos os indivíduos tomar parte e fruir de seus benefícios.
Assim, a presente dissertação tem como objetivo analisar o direito ao
desenvolvimento como direito fundamental do ser humano, procurando demonstrar que o
mesmo se constitui em instrumento indispensável para a promoção da dignidade dos
indivíduos. Ressalta-se que essa análise parte da constituição da Organização das Nações
Unidas, situando-se, assim, no plano histórico, no período que se segue ao final da Segunda
Guerra Mundial.
10
A partir da constituição da ONU, passa-se a analisar o papel desempenhado pela
mesma para a consolidação e a internacionalização dos direitos humanos. Da mesma forma, é
analisado o processo de expansão dos direitos humanos, até o estabelecimento do direito ao
desenvolvimento como um direito humano fundamental.
Por oportuno, impõe-se esclarecer que o presente trabalho não se preocupa com a
definição de direitos humanos. Sobre tal assunto, teve-se por bem adotar o entendimento de
Bobbio, para quem o grande desafio relativo aos direitos humanos não se constitui em
conceituá
-
los, mas sim em protegê
-
los (1992).
Outro ponto que não pode deixar de ser considerado na leitura e análise do presente
traba
lho diz respeito ao fato de não ser adotado, para fins de estudo dos direitos humanos, a já
tradicional classificação de tais direitos em eras ou gerações. Essa desconsideração não se
deu, todavia, ao acaso. Sua justificativa repousa no entendimento de que os direitos humanos
devem ser considerados como uma unidade indivisível e interdependente, tal como
consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado pela Declaração e
Programa de Ação de Viena. Esse entendimento, exaustivamente defendido por Cançado
Trindade, parece-nos mais adequado para a finalidade a que o presente trabalho se propõe,
uma vez que dissipa a errônea idéia de direitos que se sucedem no tempo, ao passo que a
consagração de novas categorias de direitos demonstram, justamente, o caráter expansionista
dos mesmos.
A análise do tema proposto está dividida em três capítulos. Essa divisão, adotada
meramente para fins metodológicos, segue um critério lógico que busca demonstrar o
estabelecimento dos direitos humanos, seu processo de internacionalização, a expansão da
11
proteção de tais direitos, chegando-se, por fim, ao reconhecimento do direito ao
desenvolvimento como um direito humano.
Assim, no primeiro capítulo é examinado o processo de criação da Organização das
Nações Unidas, ao final da Segunda Guerra Mundial. Na seqüência é efetuada uma análise
sobre a organização, seu estatuto e seus órgãos. O capítulo é encerrado com o estudo do papel
da ONU na internacionalização dos direitos humanos.
No segundo capítulo, é abordado o Sistema Internacional de Direitos Humanos. O
estudo é iniciado com a análise da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pilar desse
sistema internacional. Na seqüência, são analisados os Pactos Internacionais sobre direitos
humanos que, juntamente com a Declaração de 1948, formam a Carta Internacional dos
Direitos Humanos. A última parte deste capítulo é dedicada a alguns comentários acerca das
convenções destinadas a grupos específicos.
O terceiro e último capítulo tem como tema central o direito ao d
esenvolvimento
como um direito humano fundamental. Investiga-se a origem de tal direito e a sua
consagração jurídica, obtida com a Declaração das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento.
Na seqüência, é abordada a questão da crescente convergência entre direitos humanos e o
direito ao desenvolvimento. O presente trabalho se encerra com a análise da reafirmação do
direito ao desenvolvimento, promovida pela II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,
realizada em Viena, em 1993.
Quanto às obras produzidas originariamente em língua estrangeira, é importante
ressaltar que seus textos são incorporados a esta dissertação traduzidos livremente pelo
mestrando. Nesse trabalho, mantém-se uma constante preocupação em preservar o sentido
12
original das obras consultadas, de forma que não sejam distorcidos os pensamentos de seus
autores.
13
1 A ONU E A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
O reconhecimento dos direitos humanos constitui-se em um valor que foi ganhando
relevo com o decorrer do tempo. Entretanto, o processo de internacionalização dos direitos
humanos, assim entendido a atenção dedicada pela sociedade internacional ao tema em
questão e a tomada de consciência da necessidade de proteção dos mesmos em âmbito
internacional,
é bastante recente, remontando ao final da Segunda Guerra Mundial.
Para uma correta compreensão do fenômeno da internacionalização dos direitos
humanos, é imprescindível que esse processo seja analisado, tendo como ponto de partida a
criação da Organiza
ção das Nações Unidas.
1.1 A Segunda Guerra e a Criação da ONU
A primeira metade do século XX ficou registrada na história como o período no qual
as principais potências militares se digladiaram em duas guerras mundiais, além da eclosão de
vários conflitos regionais. Nesse cenário conflituoso, a Segunda Guerra Mundial ganha
destaque, não apenas pela vastidão de seus efeitos, mas principalmente pelas práticas atrozes
que foram reveladas ao mundo pelo regime nazista.
14
Sobre o regime vigente na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, cabe
lembrar a dizimação dos judeus nos campos de concentração, promovida por Adolph Hitler e
pelo exército nazista. Assim, como assevera Piovesan, a era Hitler foi marcada pela lógica da
destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no extermínio de 11 milhões
de pessoas (1999, p. 240). E prossegue a autora: O legado do nazismo foi condicionar a
titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada
raça
a raça
pura ariana (idem, p. 240).
Diante do cenário que se apresentava ao final da Segunda Guerra Mundial, no qual
imperava a lógica do terror e do medo, e onde a vida humana nada mais era do que
simplesmente descartável (MAZZUOLI, 2004, p. 346), surge no seio da comunidade
internacional uma preocupação cada vez maior em estabelecer mecanismos que pudessem
evitar a eclosão de novos conflitos e a repetição de fatos semelhantes ao holocausto
promovido por Hitler. Aliás, tal preocupação fora verificada ao final da Primeira Guerra
Mundial, sendo que em tal ocasião o mundo presenciou o surgimento da Sociedade das
Nações
1, a primeira organização internacional com objetivo específico de manter a paz entre
os países.
A Sociedade das Nações foi criada pelo Tratado de Versalhes, o qual pôs fim à
Primeira Guerra Mundial. Essa guerra, a maior desencadeada até aquele momento, apresentou
um perfil até então desconhecido em termos de operações bélicas. Para Ribeiro,
as potências que se envolveram nas hostilidades em Agosto de 1914 não esperavam
a evolução que o conflito veio a ter. Às expectativas de uma rápida vitória que todas
1 Em alguns textos, a Sociedade das Nações é apresentada pelo nome de Liga das Nações. Isso se deve ao fato
de ter sido o Tratado de Versalhes o primeiro documento internacional a ser elaborado em dois idiomas, o
francês e o inglês. Essa duplicidade de expressões decorre, assim, do idioma no qual foi elaborada a tradução do
Tratado de Versalhes
francês ou inglês. Para a elaboração do presente trabalho, preferiu-se adotar a
denominação Sociedade das Nações. Todavia, manteve
-
se a denominação Liga das Nações nas citações em que a
mesma é utilizada, destacando
-
se tratar
-
se da mesma organização.
15
alimentavam seguiu-se a realidade de um conflito quase estático em termos de
movimentação de forças, com inimagináveis sacrifícios para os comb
atentes.
Cedo se verificou que o desenvolvimento técnico dos armamentos privilegiara as
armas defensivas de tal forma que tornara obsoletas as técnicas ofensivas
conhecidas. A utilização da metralhadora e do arame farpado, bem como o
aperfeiçoamento da artilharia, tornaram inútil a cavalaria e tão mortíferos os ataques
de infantaria que, em alguns dos dias de guerra, se registraram dezenas de milhares
de mortos. (2001, p.15).
E conclui, afirmando que o saldo da Primeira Guerra Mundial foram os mais de
nov
e milhões de mortos em quatro anos de um conflito no qual ficou demonstrado que as
guerras de curta duração, com rápidas operações militares e sacrifícios limitados pertenciam
ao passado (2001, p. 16).
Diante desse cenário, a criação da Sociedade das Nações foi uma primeira resposta
da comunidade internacional a esse novo modelo de guerra, vivenciada na Europa entre 1914
e 1919. Seu objetivo era o de congregar os esforços das nações a fim de que o mundo não
voltasse a presenciar um conflito armado das proporções da Primeira Grande Guerra.
Esse objetivo restou explicitado no preâmbulo da Convenção da Sociedade das
Nações. O referido documento consagrava:
As partes contratantes, no sentido de promover a cooperação internacional e
alcançar a paz e a segurança internacionais, com a aceitação da obrigação de não
recorrer à guerra, com o propósito de estabelecer relações amistosas entre as nações,
pela manutenção da justiça e com extremo respeito para com todas as obrigações
decorrentes dos tratados, no que tange à relação entre povos organizados uns com os
outros, concordam em firmar este Convênio da Liga das Nações (in PIOVESAN,
1997, p. 134).
Verifica
-se, dessa forma, que a Sociedade das Nações foi estabelecida com base em
princípios idealistas
2
. Por conta desse paradigma, afirma Myamoto, acreditava-se [...] na boa
vontade e no espírito de cooperação de todos os governos (2004, p. 39). E acrescenta o
2
O idealismo constitui-se em um dos paradigmas das relações internacionais, o qual teve vez no período entre-
guerras. Um dos seus maiores representantes foi o presidente norte-americano Woodrow Wilson, o qual também
foi o principal idealizador da Sociedade das Nações. Para mais informações sobre o paradigma do idealismo,
ver: MYAMOTO, Shiguenoli. O ideário da paz em um mundo conflituoso. In BEDIN, Gilmar Antônio et alli.
Paradigmas das relações internacionais. Ijuí: Unijuí, 2004.
16
mesmo autor: quer dizer, providos de boa [os Estados que criaram a Liga das Nações]
julgavam que as relações internacionais marchariam continuamente, progredindo e atendendo
aos ditames da justiça e da fraternidade (idem, p. 38).
Dessa forma, verifica-se que a Sociedade das Nações surge como a primeira
organização intragovernamental de caráter político,
que buscava promover a cooperação, paz
e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e
independência política de seus membros (PIOVESAN, 1997, p. 134).
Todavia, em que pese a intenção que moveu as nações a constituírem a Sociedade
das Nações, esta não conseguiu atingir a sua principal finalidade
a manutenção da paz. As
tensões existentes no continente europeu, as quais, destaca
-se, mantiveram-
se desde o término
da Primeira Guerra Mundial, e a ausência de mecanismos de controle que pudessem garantir
efetivamente a manutenção da paz acabaram por acarretar a eclosão da Segunda Guerra
Mundial.
Na análise de Ribeiro, o fracasso da Sociedade das Nações restou evidenciado
quando os conflitos envolveram os planos expancionistas dos próprios membros
permanentes do Conselho, como no caso da invasão da Manchúria pelo Japão e da Etiópia
pela Itália (2001, p. 38). E acrescenta: Quando a Alemanha, contra as expressas disposições
do Tratado de Versalhes reocupou a Renânia, anexou a Áustria e, posteriormente, invadiu a
Checoslováquia, a Sociedade perdeu totalmente a credibilidade (2001, p. 38)
3
.
3
Ressalta
-se que o tema relacionado à Sociedade das Nações foi apresentado, no presente trabalho, apenas como
elemento informativo acerca dos precedentes da criação da ONU. Para maiores detalhes sobre esse tema, ver:
SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997
;
QUINTANA, Fernando. La ONU y la exégesis de los derechos humanos (una discusión teórica de la noción).
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
/UNIGRANRIO, 1999.
17
Assim, o sonho de uma organização internacional, ao redor da qual se agregassem
todas as nações, na busca de uma convivência pacífica, foi adormecido pelo despontar de um
novo conflito armado, envolvendo as principais potências militares do mundo. Apesar dos
horrores vivenciados vinte anos antes, dos quais a Europa ainda não estava totalmente refeita,
a Segunda Guerra Mundial gerou conseqüências ainda mais nefastas, com as práticas nazistas
e os campos de concentração do Terceiro Reich e o emprego de armas nucleares sobre o
território japonês.
Entretanto, mesmo diante do fracasso da Sociedade das Nações em seu principal
objetivo
a manutenção da paz e da segurança internacionais , permaneceu a idéia de
implantação de um sistema de segurança coletivo, formado em torno de uma organização
internacional de caráter geral. Em vista disso, mesmo antes do término da Segunda Guerra
Mundi
al os líderes dos principais países aliados, especialmente Estados Unidos, Inglaterra,
China e União Soviética, passaram a discutir a criação de um órgão que fosse capaz de atingir
tais objetivos. Era o início do que viria a ser, anos mais tarde, a Organização das Nações
Unidas.
O primeiro passo para a criação da organização internacional idealizada foi a
realização de uma encontro secreto entre o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt,
e o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill, a bordo de um cruzador norte-
americano, em alto-mar, no Oceano Atlântico. Nesse encontro, foi discutido um plano para a
construção de um mundo de paz. Ao término da reunião entre Roosevelt e Churchill, em 14
de agosto de 1941, foi firmada por ambos um documen
to, chamado de Carta do Atlântico.
18
A Carta do Atlântico apresentava uma série de princípios, que foram estabelecidos
por Roosevelt e Churchill como necessários para a construção de um mundo sem guerras. Em
resumo, os princípios afirmados pela Carta do Atlântico foram os seguintes:
1. O direito de todos os países à segurança de suas fronteiras;
2. O direito dos povos de escolherem a forma de governo sob a qual pretendem
viver.
3. A igualdade de todos os Estados, vitoriosos e vencidos, de acesso às matérias-
primas e de condições de comércio.
4. A promoção da colaboração entre as nações com o fim de obter para todos
melhores condições de trabalho, prosperidade e segurança social.
5. A liberdade de navegação.
6. O desarmamento. (RIBEIRO, 2001, p. 43)
Ressalta
-se que a Carta do Atlântico foi firmada antes mesmo da entrada dos Estados
Unidos nos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Mesmo assim, a importância desse
documento transcende o ideal de criação de uma entidade destinada a garantir a segurança e a
paz na sociedade internacional. Os princípios que foram nele enunciados, aponta
QUINTANA, serão interpretados como sendo a primeira formulação oficial dos objetivos da
guerra e os fundamentos da paz para os Aliados (1999, p. 37)
4
.
Em de janeiro de 1942 é assinada, em Washington, a Declaração das Nações
Unidas. Tratava
-se de um documento firmado por vinte e seis países em guerra contra o Eixo,
no qual os mesmos se comprometiam a ganhar a guerra e aceitavam a Carta do Atlântico.
Todavia, foram convidados a aderir à Declaração das Nações Unidas todos os Estados
empenhados na derrota do hitlerismo (RIBEIRO, 2001, p. 44). Essa foi a primeira vez que
a expressão Nações Unidas foi usada, criando-se, assim, o nome de uma das mais
importantes organizações inter
nacionais do século XX.
4
Los principios que fueron enunciados en la Carta Atlântica serán interpretados como siendo la primera
formulación oficial de los objetivos de la guerra y los fundamentos de la paz para los Aliados .
19
Destaca
-se que a Declaração das Nações Unidas apresentava princípios que, mais
tarde, seriam incorporados pelo documento que criou oficialmente a Organização das Nações
Unidas. Afirma Quintana que
esta Declaração estipulava também que uma vitória completa sobre os inimigos
resultava essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade
religiosa, tanto como para conservar os direitos humanos e a justiça (...). A
Declaração das Nações Unidas estabelecia, também, que estes direitos deviam ser
garantidos em todos os países e nações (...)
5
(1999, p. 38)
A necessidade de se criar uma organização de caráter mundial, a quem fosse
incumbida a missão de assegurar a manutenção da paz e da segurança internacionais voltou a
ser debatida em outubro de 1943, em uma reunião realizada em Moscou entre os
representantes dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da China e da União Soviética. A
concordância desses Estados em criar dita organização é registrada em uma declaração, que
recebeu o nome de Declaração de Moscou. Nesse encontro, restou ainda acertada a realização
de um novo encontro, em Dumbarton Oaks, a fim de elaborar o plano projetado com vistas a
criação de uma Organização internacional (QUINTANA, 1999, p. 40)
6
.
Diante do acerto resultante do encontro de Moscou, no ano seguinte, entre agosto e
outubro, é realizada a Conferência de Dumbarton Oaks, nos Estados Unidos, da qual
participaram representantes dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da China e da União
Soviét
ica. Desse encontro resultaram os primeiros planos finais de uma organização
internacional. Ressalta-se que os delegados governamentais destes países contavam com
uma série de projetos estabelecidos por diferentes associações não governamentais que
5
Esta Declaración estipulaba también que una victoria completa sobre los enemigos resultaba esencial para
defender la vida, la libertad, la independencia y la libertad religiosa, tanto como para conservar los derechos
humanos y la justicia (...). La Declaración de las Naciones Unidas establecía, asimismo, que estos derechos
debían ser garantidos en todos los países y naciones (...).
6
(...) la finalidad de elaborar el plan proyectado con vistas a la creación de una Organización internacional,
(...) .
20
defini
am de maneira bem detalhada os fundamentos, as metas e a estrutura que devia ter a
futura Organização internacional (QUINTANA, 1999, p. 40-
41)
7
.
Todavia, embora bastante detalhado, o projeto da futura organização ainda estava
incompleto. A fim de se chegar a um consenso sobre questões altamente sensíveis, realizou-
se, entre 4 e 11 de fevereiro de 1945, na União Soviética, a Conferência de Ialta, com a
participação das três maiores potências aliadas (Estados Unidos, Grã-Bretanha e União
Soviética). Nessa conferência restaram acordados os princípios do voto no Conselho de
Segurança, o voto plural da União Soviética e as bases de um regime internacional de tutela a
aplicar a determinados territórios coloniais (RIBEIRO, 2001, p. 44).
O êxito das discussões travadas entre os representantes de Estados Unidos, Grã-
Bretanha e União Soviética, acerca do projeto da organização internacional que se pretendia
criar ficou evidenciado ao final da Conferência de Ialta. Ao término do encontro, os
representantes das potências participantes (Roosevelt, Churchill e Stálin) se comprometeram
na instituição de uma Organização mundial, fundada esta em princípios liberais e
democráticos, com a finalidade de garantir a segurança coletiva e a evolução harmoniosa da
sociedade internacional de pós-Guerra (QUINTANA, 1999, p. 43)
8
. Por sua vez, o
documento adotado (Declaração sobre a Europa Libertada) consagrava a necessidade de
construir uma ordem mundial inspirada nas leis da paz, da segurança, da liberdade e do bem-
estar da human
idade em sua totalidade (idem, p. 44)
9
.
7
Los delegados gubernamentales de estos países contaban con una serie de proyectos establecidos por
diferentes asociaciones no gubernamentales que definían de manera bien detallada los fundamentos, las metas y
la estructura que debía tener la futura Organización internacional .
8
... y la institución de una Organización mundial, fundada ésta en principios liberales y democráticos, con la
finalidad
de garantizar la seguridad colectiva y la evolución harmoniosa de la sociedad internacional de pos-
Guerra .
9
... la necesidad de construir un orden mundial inspirado en las leyes de la paz, la seguridad, la libertad y el
bien
-
estar de la humanidad en su
totalidad .
21
Diante do consenso estabelecido em relação às bases da organização, os
representantes dos Estados participantes da Conferência de Ialta decidiram convocar uma
conferência internacional, a ser realizada em São Francisco, a partir de 25 de abril de 1945.
Essa conferência viria a alterar profundamente os rumos do Direito Internacional, uma vez
que durante a mesma viria a ser aprovado o documento que cria a Organização das Nações
Unidas.
Em que pese a Conferência de São Francisco tenha sido convocada com o objetivo
principal de discutir a manutenção da paz e da segurança internacionais (QUINTANA, 1999),
é de se destacar que, por ocasião do início dos trabalhos, a Segunda Guerra ainda não havia
cessado, já que a Alemanha
somente viria a se render em 8 de maio e o Japão em 14 de agosto
de 1945.
Na Conferência de São Francisco estiveram presentes os representantes de 50
Estados, que discutiram o projeto-base da constituição de uma nova organização
internacional, o qual havia sido negociado pelas principais potências nos encontros
antecedentes. Os trabalhos dessa conferência perduraram até 26 de junho de 1945, quando foi
assinada a Carta das Nações Unidas, e criada a Organização das Nações Unidas
ONU.
A Carta das Nações Unidas, tratado que estabelece o estatuto da Organização das
Nações Unidas, foi aprovado pela unanimidade dos representantes dos Estados participantes
da Conferência de São Francisco. Ficou acertado, ainda, que a Carta entraria em vigor após
ser ratificada pelas cinco potências (Estados Unidos, Grã-Bretanha, China, França e União
Soviética) e por dois terços dos Estados participantes, o que ocorreu em 24 de outubro de
1945.
22
Impõe
-se registrar que, na formação da Organização das Nações Unidas, pretendeu-
se evitar a repetição dos erros que foram considerados como a origem do fracasso da
Sociedade das Nações. Como afirma Ribeiro,
pretendeu
-se criar uma organização que, pelo consenso das principais potências
vencedoras assegurasse condições para uma paz efectiva através essencialmente da
prevenção dos conflitos, mas também que dispusesse de meios para responder
eficazmente aos que viessem a eclodir (2001, p. 21).
Contudo, conforme se verá mais adiante, o próprio documento de instituição das
Nações Unidas acabou atribuindo várias outras funções à organização, de tal forma que suas
atribuições superam muito a idéia inicial da necessidade de criação de órgão ao qual fossem
atribuídas a manutenção da paz e da segurança internacionais. Essa realidade acabou por
transformar a ONU na principal organização internacional de caráter geral e atuação mundial
criada no século XX. Ao mesmo tempo, com a constituição da ONU, o próprio Direito
Internacional passou por uma grande reformulação, na medida em que promoveu a ampli
ação
dos temas sobre os quais deveria recair a atenção da comunidade internacional. Piovesan
ilustra essa situação, afirmando:
ao lado da preocupação de evitar a guerra e manter a paz e a segurança
internacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentes
preocupações. A coexistência pacífica entre os Estados, combinada com a busca de
inéditas formas de cooperação econômica e social, caracterizam a nova configuração
da agenda da comunidade internacional (1997, p. 151).
Ribeiro também se ma
nifesta no mesmo sentido, complementando:
o Sistema das Nações Unidas, como se designa o conjunto formado pela própria
ONU e pelas organizações especializadas criadas por iniciativa dos seus órgãos após
1945 e ainda por outras que embora tenham surgido autonomamente, estabeleceram
com ela laços institucionais, constitui hoje um domínio das relações internacionais
que, sem se substituir às formas tradicionais de diplomacia, preenche um espaço que
se tornou indispensável. Mesmo para os maiores críticos da ONU, um mundo sem
ONU, ou melhor, sem uma organização de características universais, é dificilmente
imaginável (2001, p. 22).
23
1.2 A Organização das Nações Unidas
Conforme ressaltado, a Organização das Nações Unidas foi estabelecida pela Carta
das Nações Unidas, tratado firmado ao final da Conferência de São Francisco por todos os
Estados presentes. Todavia, conforme previsto na própria Carta de São Francisco, a
organização somente restou efetivamente instituída após a ratificação do tratado, o que veio a
ac
ontecer no dia 24 de outubro de 1945.
A ONU surgiu como uma resposta da comunidade internacional às duas Guerras
Mundiais que eclodiram na primeira metade do século XX. Sua instituição representa o ponto
culminante de um longo período de discussão em que se buscavam mecanismos que
garantissem a manutenção da paz e a solução pacífica de controvérsias.
Entretanto, sem perder de vista a finalidade precípua que motivou o debate em torno
da necessidade de uma organização internacional, o documento final consagra um organismo
com objetivos bem mais amplos do que a manutenção da paz e da segurança internacionais.
Questões como o respeito aos direitos humanos e a promoção do progresso econômico e
social acabaram por ser elencadas entre as preocupações dos membros
das Nações Unidas.
A preocupação da comunidade internacional do pós-Guerra, bem como a esperança
na construção de novas relações entre os Estados se encontram expressos no Preâmbulo da
Carta das Nações Unidas. Esse preâmbulo representa, segundo Ribeiro, a profissão de dos
fundadores da ONU (2001) e se encontra assim redigido:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no
espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a
nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na
igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e
24
pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações
decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser
mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de
uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS,
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir
as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela
aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será
usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para
promover o progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO
DESSES OBJETIVOS.
Esses objetivos se encontram delineados no art. da Carta das Nações Unidas, que
es
tabelece os propósitos das Nações Unidas. Nesse artigo foi estabelecido:
Artigo 1
Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente,
medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra
qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os
princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das
controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da p
az;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio
de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas
apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses
objetivos comuns.
Assim, verifica-se que os propósitos estabelecidos pela Carta das Nações Unidas
apresentam
-se bem mais ambiciosos do que aqueles que permearam os primeiros debates
sobre a criação de uma organização de caráter mundial. Sobre o primeiro artigo da Carta
refere Quintana:
O artigo da Carta de São Francisco relativo às metas das Nações Unidas pode ser
resumido ao seguinte tríptico: paz, liberdade e desenvolvimento. Sendo que a meta
das metas está dada pelo primeiro princípio: a paz. Isto se deve, (como foi
assinalado) ao contexto em que a Organização internacional foi constituída,
imediatamente depois da Segunda guerra (2001, p. 56)
10
.
10
El artículo 1 de la Carta de San Francisco relativo a las metas de las Naciones Unidas puede ser resumido al
siguiente tríptico: paz, libertad y desarrollo. Siendo que la meta de las metas está dada por el primer principio: la
paz. Esto se debe, (como fué señalado) al contexto en que la Organización fué constituida, inmediatamente
después de la Segunda guerra .
25
Com vista à consecução desses objetivos, a ONU foi dotada de seis órgãos
constitucionais: Assembléia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social,
Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça e Secretariado. A composição e as
atribuições de cada órgão foram taxativamente delimitadas pela Carta das Nações Unidas, a
fim de se evitar a confusão entre as competências dos mesmos, tal como ocorria com a
Sociedade das Nações (RIBEIRO, 2001).
A Assembléia Geral é o órgão central das Nações Unidas, no qual todas as naç
ões
podem falar e ser ouvidas sobre qualquer assunto. Nela estão representados todos os Membros
das Nações Unidas (art. 9º da Carta das Nações Unidas). Todos os membros possuem direito a
um voto (art. 18, 1). As decisões em questões importantes são tomadas por uma maioria de
dois terços dos votos (art. 18, 2).
A Assembléia Geral pode debater e fazer recomendações sobre qualquer assunto que
for objeto da Carta das Nações Unidas (art. 10). Todavia, quando uma determinada
controvérsia ou situação estiver sendo analisada pelo Conselho de Segurança, a Assembléia
Geral somente poderá efetuar qualquer recomendação por solicitação do próprio Conselho de
Segurança (art. 12, 1).
São, também, atribuições da Assembléia Geral receber relatórios do Conselho de
Seguranç
a e dos outros órgãos principais da ONU, bem como do Secretário-Geral (art. 15),
admitir novos Membros, mediante recomendação do Conselho de Segurança (art. 4º, 2) e
nomear o
Secretário
-
Geral,
mediante recomendação do Conselho de Segurança (art. 97).
26
O Conselho de Segurança foi projetado para ser o principal órgão relacionado com a
manutenção da paz e da segurança internacionais. Essa característica se encontra
explicitamente prevista na Carta das Nações Unidas em seu art. 24, 1, que assim estabelece:
Ar
tigo 24
1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus
Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na
manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no
cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de
Segurança aja em nome deles.
Para Ribeiro, o esse Conselho constitui-se no principal órgão do dispositivo
constitucional destinado a assegurar às grandes potências um direito de controlo sobre a
evolução da organização, bem como a sua preponderância no domínio da paz e da seguranças
internacionais (2001, p. 73).
Diante da relevância das funções que lhe foram atribuídas, todos os membros da
ONU concordaram em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança (art. 25). Da
mesma forma, a Assembléia Geral poderá solicitar a atenção do Conselho para situações que
possam constituir ameaças à paz e à segurança internacionais (art. 11, 3).
O Conselho de Segurança é composto por quinze membros, sendo cinco m
embros
permanentes
e dez não permanentes. Os membros permanentes são a China, a França, os
Estados Unidos, a Grã-Bretanha e, desde 1992, a Rússia, que sucedeu à União Soviética. Os
dez membros não permanentes são eleitos pela Assembléia Geral, considerando a
contribuição dos membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança
internacionais e para os outros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica
eqüitativa (art. 23, 1). O mandato dos membros não permanentes é de dois anos
, sendo vedada
a reeleição de um membro para o período imediato (art. 23, 2).
27
Cada um dos membros do Conselho de Segurança tem direito a um voto (art. 27, 1).
Para ser aprovada no Conselho qualquer resolução importante é preciso o voto favorável de
nove de seus membros, incluindo o voto afirmativo dos cinco permanentes (art. 27, 3). Isso
significa que os membros permanentes possuem poder de veto em relação às matérias que são
submetidas ao Conselho de Segurança. Assim, havendo a oposição de qualquer um dos cinco
membros permanentes, a resolução não é aprovada
11
. O sistema de vetos não é aplicável às
questões processuais, nas quais a aprovação depende do voto afirmativo de nove membros do
Conselho (art. 27, 2). Por outro lado, quando um membro do Conselho for parte uma
controvérsia, deverá se abster de votar (art. 27, 2).
O Conselho Econômico e Social é o órgão das Nações Unidas incumbido de analisar
assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e
conexos, podendo fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembléia Geral, aos
Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas (art. 62, 1). Possui,
igualmente, o poder de fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos (art. 62, 2). Ribeiro destaca
que
as competências do CES [Conselho Econômico e Social] tal como as define a Carta
nos artigos 62 a 66 é mais definível por exclusão que por inclusão. Estão excluídos
os assuntos estritamente políticos e os assuntos puramente administrativos. Estão
incluídos todos os assuntos relativos à cooperação económica, social e cultural, o
que representa um universo de matérias (2001, p. 71).
Em vista dessa amplitude de atribuições, Quintana afirma que essa instância da ONU
foi investida, assim, de uma missão crucial de coordenação e programação em todos esses
11
Muito se tem discutido sobre o poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança no âmbito
das Nações Unidas. Ribeiro assevera que e através dessa atribuição, bem como a própria qualidade de membro
permanente do Conselho, que da Carta estabelece a única distinção entre Estados (2001, p. 76). Para mais
detalhes sobre o poder de veto no Conselho de Segurança, ver: OLIVEIRA, Odete Maria de. Organizações
internacionais e a ONU: o paradoxo do poder de veto do Conselho de Segurança, in MERCADANTE, Araminta;
MAGALHÃES, José Carlos de (org.). Reflexões sobre os 60 anos da ONU.
Ijuí: Unijuí, 2005.
28
setores, consultando a ele órgãos autônomos e as Agências ou Organismos especializados da
ONU (1999, p. 58)
12
.
O Conselho Econômico e Social é composto por 54 membros, todos eles eleitos pela
Assembléia Geral por períodos de três anos (art. 61). Ao contrário do que ocorre com o
Conselho de Segurança, não impedimento de que um membro seja reeleito para o período
imediat
o (art. 61, 2). Cada membro do Conselho possui direito a um voto e suas decisões são
tomadas por maioria de votos (art. 67).
De acordo com o art. 68 da Carta das Nações Unidas, o Conselho Econômico e
Social deverá criar comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos
humanos, assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas
funções. Dentre essas comissões, merece destaque a Comissão de Direitos Humanos,
responsável pela atuação das Nações Unidas nas matérias relativas a direitos humanos. Como
enfatiza Quintana,
para dar um alcance real e efetivo ao estipulado neste dispositivo [art. 62, 2, da Carta
das Nações Unidas] os legisladores de São Francisco decidiram [...] criar um Órgão
específico: a Comissão de direitos humanos (CDH), a qual se consagrará
exclusivamente a essa matéria, e desempenhará um papel fundamental na tarefa de
codificação dos mesmos (1999, p. 65)
13
.
O Conselho de Tutela é o órgão das Nações Unidas que, sob a autoridade da
Assembléia Geral, auxilia a organização no desempenho das atribuições do sistema
internacional de tutela (art. 85). Esse sistema é destinado à administração e fiscalização dos
territórios tutelados, que assim eram entendidos determinados territórios não autônomos.
12
Dicha instancia de la ONU fué investida, así, de una misión crucial de coordinación y programación en todos
esos sectores, consultando para ello a órganos autónomos, y a las Agencias u Organismos especializados de la
ONU .
13
Para dar un alcance real y efectivo a lo estipulado en este dispositivo los legisladores de San Francisco,
decidieron [...] crear un Órgano específico: la Comisión de derechos humanos (CDH), el cuál se consagrará
exclusivamente a esa materia, y desempeñará un papel fundamental en la tarea de codificación de los
mismos .
29
As disposições relativas ao Conselho de Tutela, tais como composição e atribuições,
se encontram disciplinadas nos artigos 86 a 91 da Carta das Nações Unidas. Todavia, como
informa Ribeiro, o Conselho de tutela,
em 1 de Novembro de 1994[,] suspendeu a sua actividade, após a independência de
Palau, o último território sob tutela, em 1 de Outubro desse ano. anteriormente,
em Maio de 1994, o Conselho alterara as suas regras processuais, que previam a
obrigatoriedade de uma reunião anual, passando a se reunir apenas quando
necessário, por sua própria decisão, do seu presidente, da maioria dos seus membros,
da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança (2001, p. 72)
E conclui o autor, afirmando que com o cumprimento da sua tarefa, o órgão perdeu
totalmente a sua expressão, sendo de prever que desapareça numa próxima emenda à Carta
(idem, ibidem).
A Corte Internacional de Justiça, nos termos do art. 92 da Carta de São Francisco, é o
principal órgão judiciário das Nações Unidas. Seu funcionamento é disciplinado pelo estatuto
da Corte, que faz parte integrante da Carta das Nações Unidas.
O art. 93 da Carta estabelece que todos os membros das Nações Unidas adquirem,
ipso facto, essa qualidade em relação à Corte Internacional de Justiça. Quando aceitarem
submeter
algum caso à jurisdição da Corte, os membros se comprometem a acatar a decisão
proferida (art. 94)
14
.
Por sua vez, o Secretariado caracteriza-se como o órgão administrativo da ONU. É
composto de um Secretário
-
Geral e do pessoal exigido pela organização. E
m razão da elevada
importância do cargo, o Secretário-Geral é o principal funcionário administrativo das Nações
14
Para maiores informações sobre a Corte Internacional de Justiça, ver: RIBEIRO, Manuel de Almeida. A
Organização das Nações Unidas. Lisboa: Almedina, 2001.
30
Unidas (art. 97), sendo indicado pela Assembléia Geral, mediante a recomendação do
Conselho de Segurança (art. 97), por um período de 5 anos
15
.
As atribuições imputadas pela Carta das Nações Unidas ao Secretário-Geral
revestem
-se de caráter nitidamente administrativo, com exceção da previsão contida no art.
99, que permite ao Secretário-Geral chamar a atenção do Conselho de Segurança para
qualque
r assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança
internacionais, a qual apresenta um certo caráter político
16
. Assim, compete ao Secretário-
Geral atuar nesse caráter em todas as reuniões da Assembléia Geral, do Conselho de
Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela, bem como
desempenhar outras funções que lhe forem atribuídas por estes órgãos. O Secretário-
Geral
ainda deve apresentar à Assembléia Geral um relatório anual sobre os trabalhos da
Organização (art. 98). É também o responsável pela nomeação do pessoal do Secretariado, de
acordo com as regras estabelecidas pela Assembléia Geral (art. 101).
É importante ressaltar que a ONU possui, ainda, outros órgãos, comissões e
programas, os quais se ocupam de assuntos específicos, sob a autoridade da Assembléia
Geral, do Conselho de Segurança e do Conselho Econômico e Social. Esses órgãos, criados a
partir das permissões contidas nos artigos 7º, parágrafo 2, 22, 29, 57, parágrafos 1 e 2, e 68,
juntamente com os
órgãos constitucionais, compõem o Sistema das Nações Unidas.
15
Desde a sua fundação, a ONU teve sete Secretários-Gerais: Trygve Lie, da Noruega (1946 a 1952), Dag
Hammarksjold, da Suécia (1953 a 1961), U Thant, da Birmânia (1961 a 1971), Kurt Waldheim, da Áustria (1972
a 1981), Javier Pérez de Cuéllar, do Peru (1982 a 1991), Boutros Boutros
-
Ghalli, do Egipto (1992 a 1996) e Kofi
Annan, de Gana (1997 até o final de 2006). No dia de janeiro de 2007, toma posse o oitavo Secretário-
Geral
da ONU, Ban Ki
-
moon, da Coréia do Sul.
16
Embora a Carta tenha lhe atribuído competência para tratar de questões políticas de forma bastante limitada,
Ribeiro analisa a influência política do Secretário-Geral das Nações Unidas. Segundo o autor, é difícil afirmar
qual das suas duas qualidades, de homem político ou de agente administrativo, é mais relevante (2001, p. 83).
Esse binômio é acentuado ao se considerar o papel desempenhado pelo Secretário-Geral como diplomata,
quando, por vezes, em resultado da sua mediação ou dos seus "bons ofícios", os problemas o resolvidos sem
terem que ser submetidos ao Conselho de Segurança ou à Assembléia Geral. Para maiores informações sobre o
Secretariado e o Secretário-Geral das Nações Unidas, ver: RIBEIRO, Manuel de Almeida. A Organização das
Nações Unidas. Lisboa: Almedina, 2001.
31
O Sistema das Nações Unidas surgiu, segundo Ribeiro, da necessidade [que se
sentiu] de criar um conjunto de organizações que, no novo quadro internacional do pós-
guerra, correspondesse às neces
sidades de cooperação (2001, p. 47). Araújo complementa:
As atividades da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS são de grande
amplitude, pois que sua ação abrange uma área imensa no conjunto internacional.
Destarte, para que possa exercer as suas diligências, a ORGANIZAÇÃO se vale da
cooperação de vários organismos criados por acordos intergovernamentais e a ela
vinculados e que aspiram a melhorar as condições econômicas, sociais, culturais,
educacionais e sanitárias de todos os Estados, mesmo os não pertencentes à entidade
nascida em 26 de junho de 1945 na cidade de San Francisco (USA) (2005, p. 368)
Dessa forma, objetivando atender a todas as demandas que lhe são submetidas, as
quais, registre-se, tiveram notável incremento no último quartel do século XX, a ONU
acabou, segundo Ribeiro, desenvolvendo três estratégias de atuação para suas ações de
cooperação, a saber:
a) pela própria organização, através do Conselho Económico e Social, da
Assembleia Geral e do Secretariado ou, ainda, da criação de uma comissão es
pecial
pelo Conselho Económico e Social.
b) através da criação de uma nova organização, mediante um tratado redigido pela
Assembleia Geral ou através de uma Assembleia de plenipotenciários, nos termos do
art. 59 da Carta.
c) pela criação de um organismo especializado, sem a natureza de uma instituição
especializada, mas com uma estrutura orgânica e competências comparáveis. (2001,
p. 57).
São várias as funções que podem ser desempenhadas pelos órgãos ou comissões que
integram o Sistema das Nações Unidas. E
ntre eles, Ribeiro exemplifica:
a) Facilitar o trabalho do órgão que os cria, como acontece com as grandes
comissões da Assembleia Geral e as comissões de sessão desta.
b) Desempenhar tarefas transitórias, actividades judiciais, realização de estudos, etc
.
c) Desempenhar funções muito diferentes das do órgão que as cria, como acontece,
por exemplo, no caso do Tribunal Administrativo das Nações Unidas.
d) Ter um nível político comparável ao de uma organização autónoma, como é o
caso, por exemplo, do UNCTAD.
e) Serem um complexo de órgãos intergovernamentais e integrados, como acontece
com o PNUD e a ONUDI. (2001, p. 56)
17
.
17
O tema relativo ao Sistema das Nações Unidas é bastante complexo, de tal forma que não se afigura oportu
no
aprofundar sua análise no presente trabalho. Para maiores informações sobre o Sistema das Nações Unidas, ver:
RIBEIRO, Manuel de Almeida. A Organização das Nações Unidas. Lisboa: Almedina, 2001, e ARAÚJO, Luiz
32
Diante desse contexto, a atuação da ONU ganhou relevo no decorrer da segunda
metade do século XX. A participação da instituição nas discussões sobre temas relevantes,
sendo que em alguns casos essas discussões foram iniciadas no seio da própria ONU, aliado
ao fato de contar, atualmente, com a participação de quase duas centenas de membros, além
de ter sido a maior incentivadora do processo de descolonização de territórios africanos e
asiáticos, garantiram às Nações Unidas um papel de destaque no cenário das relações
internacionais contemporâneas.
É de se destacar, conforme referido, que a Carta das Nações Unidas acabou por
conferir à organização objetivos e atribuições muito mais amplas que a instalação de um
órgão a quem fosse confiada a tarefa de garantir a existência de um mundo de paz. Lafer
refere que esse teor teórico [da Carta das Nações Unidas] [...] vincula-se a valores como a
pa
z, enquanto valor positivo, que vai além da mera ausência de guerra, abrangendo direitos
humanos, a democracia, a tolerância, a cooperação e a legitimação da aspiração pelo
desenvolvimento econômico (1999, p. 156). Essa idéia é complementada por Ribeiro,
para
quem a Carta contém em si própria, efectivamente, as bases de uma ideologia de vida
internacional (2001, p. 236). Em vista disso, a criação e a consolidação da ONU exerceram
forte influência nos rumos do Direito Internacional.
A atuação das Nações
Unidas foi decisiva para a internacionalização de vários temas,
os quais até então, configuravam-se como temas restritos à atenção interna dos Estados. Entre
esses temas, destaca-se o papel que a ONU exerceu na internacionalização dos direitos
humanos e su
a contribuição para a formação do Sistema Internacional de Direitos Humanos.
Ivani de Amorim. Os organismos especializados da ONU, in MERCADANTE, Aramita; MAGALHÃES, Jo
Carlos de (orgs.). Reflexões sobre os 60 anos da ONU.
Ijuí: Unijuí, 2005.
33
1.3 A ONU e a Internacionalização dos Direitos Humanos
A ONU exerceu um papel decisivo para o estabelecimento e o desenvolvimento dos
direitos humanos. Com efeito, a Carta das Nações Unidas expressa a preocupação daquele
organismo com a promoção e o respeito dos direitos fundamentais dos seres humanos. Essa
preocupação encontra-se inserta em vários artigos da Carta, como o art. 1º, parágrafo 3, que
estabelece como propósito das Nações Unidas promover e estimular o respeito aos direitos
humanos; o art. 13, parágrafo 1, alínea b, que comete à Assembléia Geral iniciar estudos e
fazer recomendações destinados a favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião; o art. 55, relativo à cooperação internacional econômica e social, que estabelece que
as Nações Unidas promoverão o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das
libe
rdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; o art. 62,
parágrafo 2, que estabelece ser função do Conselho Econômico e Social fazer recomendações
destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais para todos; e o art. 68, que determina ao Conselho Econômico e Social a
criação de comissão para a proteção dos direitos humanos.
Nesse aspecto, merece destaque a participação da ONU no que se refere à
consolidação de tais direitos no âmbito do Direito Internacional. Conforme anteriormente
referido, as Nações Unidas prestaram uma valiosa contribuição ao Direito Internacional, ao
trazer para o cenário mundial temas que passaram a preocupar a comunidade internacional
após a Segunda Guerra Mundial. A proteção e defesa dos direitos humanos a nível global foi
um desses temas.
34
Sobre tal questão, é preciso ter em mente que, apesar de, no plano histórico, os
direitos humanos apresentarem uma longa trajetória até serem consolidados, a sua
aparição no
cenário internacional é bastante recente. Efetivamente, o processo de internacionalização dos
direitos humanos é um resultado imediato da Segunda Guerra Mundial e dos horrores
cometidos durante tal período.
A contextualização desse processo de internacionalização dos direitos humanos é
muito bem apresentada por Menezes. Segundo o autor,
O movimento de internacionalização dos direitos humanos não ocorreu ao acaso da
História, mas por necessidade de redefinição de princípios que moldassem e fo
ssem
a premissa ideológica da sociedade internacional após a Segunda Grande Guerra
Mundial. Nesse contexto, os Estados vencedores renunciaram ao modelo de
sociedade internacional até então existente e procuraram redefinir os princípios que
seriam os ideais, que a partir dali regeriam as relações estatais e do Estado com o
indivíduo (2005, p. 58)
Esse pensamento é complementado pela lição de Hauser, que afirma:
A introdução das cláusulas de direitos humanos na Carta das Nações Unidas está
claramente relacionada com a terrível experiência da segunda guerra mundial. Esta
foi palco das mais terríveis barbáries, em que se cometeram verdadeiras atrocidades
contra os direitos mais elementares do ser humano (2002, p. 110)
18
.
E prossegue a autora:
Como conseqüência destes feitos aberrantes, a comunidade internacional teve
consciência de que as questões relativas aos direitos humanos não podiam pertencer
exclusivamente à competência dos Estados e que era fundamental internacionalizar-
la, para que nos casos de viola
ção por parte dos Estados de suas obrigações com esta
matéria, a comunidade internacional pudesse adotar medidas (idem, ibidem)
19
.
18
La introducción de las cláusulas de derechos humanos em la Carta de las Naciones Unidas está claramente
relacionada con la terrible experiencia de la segunda guerra mundial. Esta fue palco de las más terribles
barbaries, en que se cometió verdaderas atrocidades contra los derechos más elementares del ser humano .
19
Como consecuencia de estos hechos aberrantes, la comunidad internacional tubo conciencia de que las
cuestiones relativas a los derechos humanos no podían pertenecer exclusivamente a la competencia de los
Estados y que era fundamental internacionalizarla, para que en los casos de violación por parte de los Estados de
sus
obligaciones en esta materia, la comunidad internacional pudiera adoptar medidas .
35
Tal argumentação decorre do fato de que, no período anterior ao término da Segunda
Guerra Mundial, a proteção dos direitos humanos estava reservada essencialmente aos
direitos internos dos Estados (HAUSER, 2002, p. 110)
20
. Assim, os Estados podiam fazer o
que quisessem com os que se encontravam sob sua jurisdição, posto que esta era uma matéria
que pertencia exclusivamente a s
ua jurisdição interna (idem, ibidem)
21
.
Todavia, com a criação da ONU, esse cenário foi profundamente alterado. Surge,
nesse período, a consciência de que a tutela dos direitos fundamentais exclusivamente pelos
Estados foi uma das principais causas dos ac
ontecimentos verificados durante a era Hitler.
A preocupação crescente com a proteção e defesa dos direitos humanos revela o
surgimento de uma nova moral no plano das relações internacionais, construída a partir das
experiências vivenciadas em escala global pelo desenrolar de duas guerras de proporções
mundiais. Dela decorre a concepção de que
O Estado nacional deveria deixar de ser o centro absoluto das preocupações
jurídicas, ao mesmo tempo em que deveria ser reconhecida, ao homem, uma esfera
de direitos inatingíveis pela ordem jurídica estatal, ao mesmo tempo em que o
Estado deveria garantir sua efetividade e inviolabilidade, situando, assim, o homem
como centro maior da criação do Direito (MENEZES, 2005, p. 58).
É a partir desse novo
ethos
que tem lugar o processo de internacionalização dos
direitos humanos. Esse processo traz, segundo Mazzuoli,
a criação de uma sistemática internacional de proteção, mediante a qual tornou-
se
possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internamente, os
órgãos competentes não apresentarem respostas satisfatórias na proteção dos seres
humanos protegidos (2001, p. 103).
20
... la protección de los derechos humanos estaba reservada esencialmente a los derechos internos de los
Estados .
21
... los Estados podían hacer lo que quisieran con los que se encontraban bajo su jurisdicción, puesto que ésta
era una materia que pertenecía exclusivamente a su jurisdicción interna, ... .
36
Em decorrência dessa nova realidade, o Direito Internacional, como não poderia
deixar de ser, sofreu uma grande mudança. O sistema internacional vestfaliano, que se
estabeleceu com a assinatura da Paz de Vestfália, em 1648, pondo fim à Guerra dos Trinta
Anos, e que estabeleceu a sociedade internacional moderna, fundada no conceito da soberania
dos Estados
22
, sofreu um profundo impacto diante da elevação do indivíduo como sujeito de
direitos no âmbito internacional. O sistema vestfaliano, como observa Alves,
matriz do sistema internacional até o estabelecimento da Liga das Nações [...]
tinha como único sujeito de direito o Estado sob
erano e como axiomas a soberania, a
autodeterminação, a igualdade entre as Partes Contratantes e a reciprocidade entre
Estados no cumprimento das obrigações (1997, p. 15).
Entretanto, a ascensão do indivíduo a sujeito do Direito Internacional não se
carac
teriza como o único avanço que culminou com transformações no sistema internacional.
O surgimento de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos, ao qual os
Estados estavam submetidos, acabou por afetar o próprio conceito de soberania, axioma
fundamental da sociedade internacional vestfaliana.
Desde a consolidação do Estado moderno, a soberania fora considerada elemento
fundamental no conceito clássico de Estado. Em seu aspecto externo, a soberania era
entendida como a inexistência de um poder superior ao poder do próprio Estado. Todavia,
com a internacionalização dos direitos humanos, esse princípio cede espaço para a instalação
de um sistema de controle de violações de tais direitos. Consoante a lição de Mazzuoli,
A doutrina da soberania es
tatal absoluta, assim, com o fim da Segunda Guerra, passa
a sofrer um abalo dramático com a crescente preocupação em se efetivar os direitos
22
A Paz de Vestfália caracteriza-se como o instrumento que consolida a sociedade internacional moderna, ao
consolida
r o Estado moderno como o principal ator, senão o único, das relações internacionais. Essa situação irá
perdurar por trezentos anos, até a criação da ONU e a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
quando surgem no cenário internacional novos atores: as organizações internacionais e os indivíduos. Uma
abordagem detalhada sobre a Paz de Vestfália e a sociedade internacional moderna é encontrada em BEDIN,
Gilmar Antônio. A sociedade internacional e o século XXI: em busca da construção de uma orde
m mundial justa
e solidária.
Ijuí: Unijuí, 2001.
37
humanos no plano internacional, passando a sujeitar-se às limitações decorrentes da
proteção desses mesmos direitos
(2001, p. 72).
Corolário da queda da doutrina da soberania absoluta dos Estados, outro princípio
caracterizador do modelo vestfaliano perde espaço no âmbito do Direito Internacional: o
princípio da não intervenção em assuntos de outros Estados. Essa limitação decorre do
compromisso assumido pela comunidade internacional de respeitar e fazer respeitar os
direitos humanos.
Esse cenário de grandes transformações na sociedade internacional moderna é
sintetizado por Piovesan, que aponta duas importantes cons
eqüências das mesmas, a saber:
1. A revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer
um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no
plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permitem-
se
formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos
humanos forem violados.
2. A cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera
internacional, na condição de sujeito de direitos. (
1999, p. 241).
E complementa a autora: prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma
pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição
doméstica, decorrência de sua soberania (idem, ibidem).
Para a consolidação deste quadro, salutar foi a participação da Organização das
Nações Unidas, que foi criada com a resolução de, entre outras, reafirmar a nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano (Preâmbulo da Carta das
Nações Unidas). Desde a sua instituição, em 1945, a ONU trabalhou para, em cumprimento à
norma estabelecida pelo art. 55 da Carta de São Francisco, promover o respeito universal e
efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de r
aça,
sexo, língua ou religião.
38
A esse respeito, Ribeiro é enfático ao afirmar que
a questão dos direitos do homem aparece, desde logo, nos documentos preparatórios
das Nações Unidas. Ainda durante a II Guerra Mundial o denominador comum dos
aliados foi a oposição contra o nazismo e o facismo, exactamente identificados
nesses documentos com o desrespeito maciço dos mais elementares direitos do
homem. Assim, a Carta contém um vasto conjunto de disposições sobre a matéria ...
(2001, p. 237).
Aliado a isso, surge a noção de que para a realização da primeira meta das Nações
Unidas (a manutenção da paz e segurança internacionais) é necessário a exigência do
respeito
aos direitos fundamentais da pessoa humana, estabelecido por sua vez como o outro grande
objet
ivo da Organização (QUINTANA, 1999, p. 53)
23
.
A criação da ONU constituiu-se, assim, no passo inicial para o estabelecimento do
Sistema Internacional de Direitos Humanos. Da mesma forma, sua atuação foi decisiva para a
instituição de uma legislação internacional relativa aos direitos humanos, conforme será
abordado no capítulo seguinte.
23
... la idea de que para la realización de la primera meta de las Naciones Unidas (el mantenimiento de la paz y
seguridad internacionales) es necesario la exigencia del respeto a los derechos fundamentales de la persona
humana, establecido a su vez como el otro grande objetivo de la Organización .
39
2 O SISTEMA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Com a internacionalização dos direitos humanos, cuja trajetória foi analisada,
surge o sistema internacional de direitos humanos. Esse sistema é o conjunto de normas
estabelecidas internacionalmente que visam à proteção e defesa dos direitos elementares dos
seres humanos. A consolidação desse sistema deu origem a um novo ramo do direito, o
Direito Inter
nacional dos Direitos Humanos.
A formação do sistema internacional iniciou-se em 1948, com a adoção da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além da Declaração, formam o sistema
internacional o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (documentos esses que, juntamente com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos formam a Carta Internacional dos Direitos
Humanos), juntamente com uma série de convenções e declarações destinadas a questões ou
grupos específicos.
Ao lado da formação e consolidação do sistema internacional de direitos humanos,
houve a instauração de sistemas regionais, os quais trazem, em sua concepção, a pretensão de
promover e fazer respeitar os direitos humanos em nível regional. Esses sistemas regionais
40
passam a interagir com o sistema internacional, formando um complexo aparato de proteção
dos direitos humanos
24
.
Na seqüência, serão examinados alguns dos principais instrumentos que compõe o
sistema
internacional dos direitos humanos.
2.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos
O documento mais importante do sistema internacional de direitos humanos é, sem
dúvidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com sua promulgação, tem-se início
o processo de consolidação de um sistema de proteção dos direitos humanos em nível
internacional.
Essa declaração foi elaborada com a finalidade de ser cumprida, no âmbito das
Nações Unidas, as disposições referentes à promoção e defesa dos direitos human
os,
constantes da Carta de São Francisco. Entrementes, em que pese haver várias referências
sobre a necessidade de serem observados os direitos fundamentais dos seres humanos,
verifica
-se que, na Carta das Nações Unidas, esta não apresenta uma definição de direitos
humanos. De fato, como assevera Quintana
o documento [Carta de São Francisco] se limita a mencionar a promoção e/ou
estímulo dos mesmos considerados como uma meta das Nações Unidas, junto ao
24
Destaca-se que o sistema internacional e os sistemas regionais apresentam um caráter de complementaridade.
Como assevera Piovesan, os diversos sistemas de proteção dos direitos humanos interagem em benefício dos
indivíduos protegidos. Adotando o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam,
interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e
promoção de direitos fundamentais (1999, p. 243). Para maiores informações sobre os sistemas regionais de
proteção dos direitos humanos, ver: Cançado Trindade, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos
direitos humanos
, 2. ed. Port
o Alegre: Sergio Antonnnio Fabris, 2003, v. 3.
41
outro grande objetivo da Organização: a manutenção da paz e seguridade social.
Ademais, determina em várias oportunidades que os direitos e liberdades devem ser
respeitados e protegidos. (1999, p. 52)
25
Assim, em 10 de dezembro de 1948, durante a terceira sessão da Assembléia Geral
da ONU, foi proclamada e adotada, pela Resolução 217-A, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, mediante o voto favorável de quarenta e oito membros das Nações Unidas,
com oito abstenções
26
. Trata-se do primeiro instrumento jurídico relativo a direitos humanos
elaborado por uma organização internacional. Sua adoção representa o estabelecimento da
primeira etapa da internacionalização dos direitos humanos, correspondente à etapa de
definição e codificação das normas de direitos humanos (QUINTANA, 1999)
27
.
É de se ter presente que, elaborada em um período de tempo relativamente curto, a
redação da Declaração de 1948 é enxuta e secular, desprovida de referências metafísicas
(ALVES, 1997, p. 26). Essa característica apresenta-se bastante clara, ao se observar que a
Declaração Universal evita fundamentá-los [os direitos humanos] do ponto de vista religioso
ou filosófico, atribuindo-os tão-somente à dignidade inerente a todos os membros da família
humana (idem, ibidem).
Esse entendimento é compartilhado por Piovesan, para quem
a
Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial
fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais.
Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda a pessoa humana,
titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a
25
... el documento se limita a mencionar la promoción y/o estímulo de los mismos considerados como una de
las metas de las Naciones unidas, junto al otro grande objetivo de la Organización: el mantenimiento de la paz y
seguridad internacionales. Además, determina en varias oportunidades que los derechos y libertades deben ser
respetados y protegidos .
26
Computados os votos e abstenções, chega-se a um total de 56 Estados presentes na votação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Todavia, a ONU era composta, naquele momento, por 58 Estados. Não
votaram Honduras e Iêmen (ALVES, 1997, p. 30).
27
O autor destaca em sua obra as três etapas da consolidação do sistema internacional de proteção dos direitos
human
os: as etapas de definição, de promoção e de proteção dos mesmos.
42
condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. [...]
A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é concepção que,
posteriormente, vem a ser incorpo
rada por todos os tratados e declarações de direitos
humanos, que passam a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos
Humanos (2002, p. 187)
A partir do reconhecimento da dignidade humana como fundamento dos direitos
humanos, pode
-
se afirmar qu
e a Declaração consolida a afirmação de uma ética universal, ao
consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados
(PIOVESAN, 1997, p. 155-156). Nesse mesmo sentido manifesta-se Alves, ao afirmar que
contrariamente do que se costuma afirmar, a Declaração não representa um mínimo
denominador comum de distintos sistemas e culturas. Ela se proclama o ideal comum a ser
atingido por todos os povos e todas as nações (1997, p. 27).
A Declaração configura-se, assim, como um instrumento que, primordialmente,
estabelece os direitos humanos como uma categoria de direitos inerentes às pessoas. Essa
idéia de inerência dos direitos humanos apresenta
-
se clara no preâmbulo da Declaração, ao ser
afirmado que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da
paz no mundo . Com base em tal princípio, Cançado Trindade assevera que
subjacentes aos esforços e iniciativas desencadeados a partir da elaboração e adoção
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estavam as premissas básicas de
que os direitos proclamados eram claramente concebidos como inerentes à pessoa
humana, a todos os seres humanos (e portanto anteriores a toda e qualquer forma de
organização política ou social), e de que a ação de proteção de tais direitos não se
esgotava
não poderia se esgotar
na ação do Estado (1997, p. 15).
Composta por um preâmbulo e por 30 artigos, nos quais estão definidos de m
aneira
clara e singela os direitos essenciais, iguais e inalienáveis de todos os seres humanos como
alicerces da liberdade, da justiça e da paz no mundo (ALVES, 1997, p. 26), a Declaração
Universal constitui-se em um marco para todo o Direito, não apenas por inaugurar o sistema
43
internacional de proteção dos direitos humanos, como também por reconhecer que entre os
direitos fundamentais figuram tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos
econômicos, sociais e culturais. Ademais, a Declaração situou essas duas categorias de
direitos no mesmo plano, de forma que não mais se admitem alegações de prevalência de uns
sobre os outros.
Nesse contexto, a Declaração combina o discurso liberal e o discurso social da
cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade (PIOVESAN, 1997, p.
156), em uma linguagem de direitos até então inédita. Surge, assim, no âmbito do Direito
Internacional, a certeza da indivisibilidade dos direitos humanos, de tal forma que revela-
se
esvaziado o direito à liberdade quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez,
esvaziado revela
-se o direito à igualdade quando não assegurada a liberdade (idem, p. 160).
Nesse esteio, ao caráter de indivisibilidade é associado o caráter de
complementaridade entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e
culturais. Segundo a lição de Piovesan,
sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis se
reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a realização dos direitos
civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais
amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira
significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça socia
l,
como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma,
todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em
que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são
interdependen
tes entre si (2002, p. 190
-
191).
Seguindo a mesma linha, Cançado Trindade preleciona que
não como buscar a realização de uma categoria de direitos em detrimento dos
demais; tampouco há como postergar a um amanhã indefinido a realização de
determina
dos Direitos Humanos. No presente domínio de proteção impõe-se maior
44
rigor e precisão conceituais, de modo a tratar, como verdadeiros direitos que são, os
Direitos Humanos em sua totalidade. Todos os direitos para todos, é o único
caminho seguro (1998, p.
12)
Ao lado do caráter de indivisibilidade, a Declaração estabelece, ainda, o caráter de
universalidade dos direitos humanos. Essa dimensão universal configura-se com a outorga da
titularidade dos direitos humanos a todos os membros da família humana . A esse respeito,
cabe destacar o magistério de Bobbio, para quem
com a Declaração de 1948 tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação
dos direitos é ao mesmo tempo universal e positiva: universal no sentido de que os
destinatários dos princípios nela contidos não o mais apenas os cidadãos deste ou
daquele Estado, mas todos os homens [...] (1997, p. 30).
As duas categorias de direitos contempladas pela Declaração Universal se encontram
agrupadas, de forma que os direitos civis e políticos estão elencados nos artigos a 21, e os
direitos econômicos, sociais e culturais estão elencados nos artigos 22 a 28. Ou seja, na
primeira parte, como observa Alves, a Declaração estabelece os direitos do ser humano como
indivíduo , enquanto na segunda parte é introduzido o conceito da pessoa como ser social
(1997, p. 28).
Impõe
-se destacar que, a partir da adoção da Declaração Universal, o sistema
internacional de proteção dos direitos humanos se consolidou, ao mesmo tempo em que se
estabeleceram os sistemas regionais de proteção
28
. Ela representa o ponto de partida de uma
atuação internacional que busca uma proteção cada vez mais ampla dos direitos humanos, o
que resta evidenciado pela numerosa quantidade de tratados, convenções e declarações
dirigidas
a grupos específicos que são adotadas na segunda metade do século XX.
28
A exceção que se registra fica por conta da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que
precedeu em alguns meses a Declaração Universal, tendo sido proclamada em abril de 1948. Para mais
informações sobre esse assunto, ver: CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos, 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, v. II.
45
Todavia, em que pese a sua vital importância para o sistema internacional de direitos
humanos, a Declaração Universal constitui-se em um documento que, de acordo com as
normas de Direito Internacional, não é dotado de observância obrigatória por parte dos
Estados. Isso se deve ao fato de que, conforme anteriormente visto, a Declaração foi adotada
sob a forma de Resolução, e não de um tratado internacional. Esse fato, entretanto, nunca se
constituiu em fator para o descumprimento de seus postulados.
Essa singularidade é apontada por Menezes, que, ao discorrer sobre o tema, destaca
que
não obstante sua flexibilidade, a Declaração produziu um efeito nunca antes visto,
em se tratando de nor
ma internacional: os Estados, em sua grande maioria, acabaram
não por adotar aquelas normas como princípios basilares de suas relações
internacionais, mas também [...] reproduziram em seus ordenamentos jurídicos e
suas normas fundamentais estatais dispositivos contidos da Declaração (2005, p.
60).
Uma possível explicação para esse fenômeno é apontada por Alves. Para o referido
autor
além de assinalar ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo
império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão , os redatores da Declaração incluíram no
preâmbulo referências incisivas a disposições da Carta de São Francisco
esta, sim,
obrigatória
, recordando que os Estados-membros se comprometeram a promover,
em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades .
Acrescentaram, ainda, que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é
da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso (2003, p.
48).
Diante de tal quadro, a Declaração assume a concepção de interpretação autorizada
da expressão direitos humanos, constante da Carta das Nações Unidas (Piovesan, 1997,
Cançad
o Trindade, 2003(a), Alves, 2003). Essa circunstância tem levado alguns intérpretes a
atribuir à Declaração a mesma eficácia jurídica de um tratado internacional. Por outro lado,
46
diante da reiterada reprodução de suas normas nas Constituições dos Estados que a adotam e a
constante referência das mesmas nos tratados de proteção dos direitos humanos e na
jurisprudência relativa a tal matéria, a Declaração tem assumido, gradativamente, o caráter de
norma consuetudinária, conferindo à mesma caráter de obrigator
iedade.
Tal posicionamento é defendido por Piovesan. Com efeito, a autora é enfática ao
ponderar que
a natureza jurídica vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de
na
qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e polític
os do século XX
ter se transformado, ao longo desses quase cinqüenta anos de sua adoção, em
Direito costumeiro internacional e princípio geral do Direito Internacional.
Com efeito, a Declaração se impõe como um código de atuação e de conduta para os
Esta
dos integrantes da comunidade internacional. Seu principal significado é
consagrar o reconhecimento universal dos direitos humanos pelos Estados,
consolidando um parâmetro internacional para a proteção desses direitos. (1997, p.
165
-
166).
Não obstante as discussões sobre possuir a Declaração a natureza jurídica de tratado
internacional ou norma consuetudinária, deve-se ter presente a lição de Alves sobre o assunto.
Argumenta o referido autor que
independentemente da doutrina esposada, o que se verifica na prática é a invocação
generalizada da Declaração Universal como regra dotada de jus cogens, invocação
que não tem sido contestada sequer pelos Estados mais acusados de violações de
seus dispositivos (2003, p. 48).
A fim de conferir o caráter de observação obrigatória em relação aos direitos
assegurados pela Declaração Universal, a Organização das Nações Unidas passou a trabalhar
na elaboração dos Pactos Complementares, que vieram à luz anos mais tarde,
complementando a Carta de Direitos Humanos.
47
2.2 O
s Pactos Complementares
A Carta Internacional de Direitos Humanos, inaugurada pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos, é complementada por dois pactos internacionais: o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Uma vez terminada a tarefa considerada mais importante
a elaboração
de uma declaração afirmando e estabelecendo os direitos humanos, passou a Comissão de
Direitos Humanos a trabalhar na elaboração e aprovação de um instrumento jurídico
destinado a regular e conferir caráter obrigatório aos direitos reconhecidos na Declaração.
Todavia, em contraposição ao tempo relativamente curto necessário para a
elaboração e adoção da Declaração Universal, os Pactos Internacionais levaram quase vinte
anos para serem adotados, somente tendo sido concluídos em 1966. Além disso, foram
necessários mais dez anos até que os mesmos recebessem o mero mínimo de ratificações,
entrando, assim, em vigor na esfera internacional.
O principal motivo para tal demora reside no fato de que, devido a sua natureza
jurídica, os Pactos possuem observância obrigatória por parte dos Estados. Diante disso, o
processo de negociação das cláusulas que deveriam constar dos instrumentos mostrou-s
e
bastante controvertido.
O primeiro obstáculo que surgiu para a elaboração do segundo elemento da Carta
Internacional dos Direitos Humanos referiu-se ao dissenso sobre a forma que o mesmo
deveria adotar. Como observa Alves (2003), alguns países ocidentais eram contrários à idéia
da regulamentação dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais
48
em um único tratado, enquanto os países socialistas pretendiam a adoção de um único
documento. O referido autor aponta, ainda, as justificativas para as posições adotadas por
cada lado, asseverando que
Os opositores à proposta de uma única convenção, que nela viam uma ameaça à
noção individualista dos direitos humanos, arrolavam três argumentos substantivos.
O primeiro era o de que os direitos correspondiam a espécies distintas: os civis e
políticos seriam
jurisdicionados
, passíveis de cobrança, o que não se aplicaria aos
direitos econômicos e sociais. O segundo era o de que os direitos civis e políticos
seriam de aplicação imediata, enquanto os econômicos, sociais e culturais somente
poderiam ter realização progressiva. O terceiro dizia respeito ao acompanhamento:
para os direitos civis e políticos o melhor mecanismo seria um comitê que atendesse
a petições e queixas através de investiga
ções e bons
-
ofícios, instrumento inadequado
para os direitos econômicos e sociais. Para os que defendiam a idéia de um único
instrumento jurídico, a separação poderia significar uma diminuição da importância
relativa dos chamados direitos de segunda geração (2003, p. 49).
Ao final, acabou prevalecendo a proposta de adoção de dois pactos distintos.
Todavia, a Assembléia Geral das Nações Unidas determinou a preparação de dois
instrumentos com tantas disposições similares quanto possível (ALVES, 2003, p.
49).
Entretanto, essa não foi a principal causa da demora da adoção dos pactos. A maior
divergência verificou-se em relação aos mecanismos de supervisão que deveriam ser
estabelecidos para a implementação dos pactos. Tal divergência, segundo Alves, era re
sultado
da recusa de muitos governos das mais diferentes ideologias em aceitar qualquer tipo de
controle externo sobre o que se passava dentro das respectivas fronteiras (1997, p. 34).
Em que pesem todas as controvérsias existentes entre os diversos países, os dois
Pactos Internacionais foram adotados e abertos à assinatura e ratificação e adesão por
unanimidade pela Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1966, pela resolução
2200
-A. Os referidos instrumentos possuem algumas disposições semelhantes ou idênticas,
tais como os preâmbulos, os quais, aliás, seguem a linguagem da Declaração Universal; o
49
artigo 1º, que estabelece o direito dos povos à autodeterminação (direito, aliás, sonegado na
redação da Declaração Universal); o artigo 3º, que contém o compromisso dos Estados em
garantir aos homens e mulheres igualdade no gozo dos direitos estabelecidos pelo respectivo
documento; e o artigo 5º, que objetiva salvaguardar os direitos de cada um dos Pactos contra
interpretações distorcidas, além de outros direitos previstos em leis, regulamentos,
convenções e costumes, sob a alegação de que tais direitos não se encontram previstos no
respectivo Pacto (ALVES, 1997).
Com a adoção dos Pactos Internacionais, resta consolidada a Carta Internacional de
Direitos
Humanos. Com a vigência desses últimos instrumentos, efetiva-se o sistema
internacional de proteção dos direitos humanos, uma vez que enquanto a Declaração de 1948
proclama os princípios gerais de direitos humanos, os dois Pactos de 1966 consolidam esses
princípios em normas jurídicas obrigatórias para os Estados Partes (HAUSER, 2002, p.
112)
29
.
2.2.1 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembléia
Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966, pela Resolução 2200-A, é um tratado que
objetiva regulamentar os direitos civis e políticos delineados na Declaração Universal. Por
meio do referido Pacto, os Estados partes comprometem
-
se a
respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que
estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem
discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
29
... la Declaración de 1948 proclama los principios generales de derechos humanos, los dos Pactos de 1966
consolidan esos principios en normas jurídicas obligatorias para los Estados Partes ...
50
ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
qualquer outra condição (art. 2º do Pacto).
Todavia, como explica Alves, o Pacto descreve, aprofunda, modifica e amplia o
conjunto de direitos do indivíduo consagrados na Declaração Universal (1997, p. 35),
exercend
o, dessa forma, uma função notadamente mais ampla do que a simples regulação
daqueles direitos. E explica o mesmo autor, ao defender que o Pacto
abrigou novos direitos e garantias não incluídos na Declaração Universal, tais como
os direitos das crianças a medidas de proteção por parte da família, da sociedade e
do Estado, de serem registradas e terem um nome e a adquirirem uma nacionalidade
(Artigo 24); o direito das minorias de manterem sua identidade cultural, religiosa e
lingüística (Artigo 27); e a proibição de prisão pelo não-cumprimento de obrigações
contratuais (Artigo 11). (2003, p. 52).
Com essa acepção, o Pacto regulamenta a quase totalidade dos direitos contemplados
pelos artigos 3º a 23 da Declaração de 1948. Entre esses direitos, destacam
-
se:
-
o direito à vida;
- o direito de não ser submetido a tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes;
-
o direito de não ser escravizado, nem submetido a servidão;
- os direitos à liberdade e à segurança pessoal e de não ser sujeito a prisão
ou
detenção arbitrárias;
-
o direito a julgamento justo;
-
à igualdade perante a lei;
-
à proteção contra interferência arbitrária na vida privada;
-
a liberdade de movimento;
-
o direito a uma nacionalidade;
-
o direito de casar e de formar família;
-
as
liberdades de pensamento, consciência e religião;
-
as liberdades de opinião e de expressão;
-
o direito a reunião pacífica;
-
a liberdade de associação e o direito de aderir a sindicatos;
-
o direito de votar e de tomar parte no Governo (ALVES, 2003, p. 5
1-
52).
Impõe
-se ressaltar que esses direitos consagrados pelo Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos são de implementação imediata. Tal caráter resta evidenciado na
determinação de que os Estados-partes devem adequar suas legislações internas às
disposições contidas no Pacto (art. 2º, 2)
51
O Pacto estabeleceu, ainda, um instrumento para o monitoramento da implementação
das disposições nele contidas. Para tanto, foi criado o Comitê dos Direitos Humanos, órgão
composto por dezoito peritos de nacionalidades distintas. Esses peritos são eleitos pelos
Estados signatários do Pacto, mas exercem seus mandatos a título pessoal. Dessa forma, os
mesmos não representam os governos dos países dos quais são originários.
Para a realização desse monitoramento, os Estados signatários devem apresentar ao
Comitê de Direitos Humanos relatórios sobre as medidas adotadas para dar efeito aos direitos
reconhecidos no Pacto, bem como sobre os progressos no gozo desses direitos, de acordo com
a previsão contida no art. 40, parágrafo , do Pacto. Os relatórios apresentados pelos
Estados
-partes são analisados pelo Comitê de Direitos Humanos, em sessão aberta, a qual
conta com a participação de representantes do Estado cujo relatório está sendo objeto de
análise, sendo que os representantes devem estar habilitados a responder os questionamentos
que são feitos pelos peritos. Após o estudo dos relatórios, a Comissão os transmite aos
Estados, com os comentários gerais que entender apropriados. A análise do relatório é
também t
ransmitida ao Conselho Econômico e Social.
Existe, ainda, a possibilidade de um Estado apresentar, perante o Comitê de Direitos
Humanos, uma comunicação contra outro Estado, acerca do não
-
cumprimento das disposições
contidas no Pacto (art. 41). Todavia, para que um Estado possa apresentar uma comunicação,
é necessário que esse tenha feito, anteriormente, declaração expressa aceitando tal
competência do Comitê quanto a comunicações a seu próprio respeito (ALVES, 2003, p.
53).
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é complementado por dois
Protocolos Facultativos. O primeiro, adotado juntamente com o Pacto, em 1966, permite que
52
os Estados signatários daquele reconheçam a competência do Comitê de Direitos Humanos
para receber e analisar queixas e comunicações individuais acerca da violação de direitos
humanos. Os requisitos de admissibilidade são estabelecidos pelo Protocolo, entre as quais se
destacam
a de que o caso não esteja sendo objeto de consideração por outro procedimento
internacio
nal de investigação e conciliação e a do esgotamento dos recursos
internos, ou seja, a de que processos judiciais domésticos sobre o assunto tenham
sido dados por encerrados sem reparação de dano para a vítima da violação ou seus
familiares (ALVES, 1997, p
. 39).
Por sua vez, o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, adotado pela Assembléia Geral da ONU em 15 de dezembro de 1989 pela
Resolução 44/128, é destinado a abolir a pena de morte. Neste documento, os Es
tados
-
partes
reconhecem acreditar que a abolição da pena de morte contribui para a valorização da
dignidade humana e o progressivo desenvolvimento dos direitos humanos , bem como que
estão convencidos de que todas as medidas que levem à abolição da pena de morte seriam
consideradas como progresso no gozo do direito à vida , conforme descrito em seu
preâmbulo.
O Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos também prevê a possibilidade de serem apresentadas, perante o Comitê de Direitos
Humanos, comunicações acerca do não-cumprimento do Protocolo, tanto pelos Estados, tais
como previsto no Pacto, como pelos indivíduos, da mesma forma como previsto no Primeiro
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Todavia, ao
contrário daqueles instrumentos, tais previsões são automaticamente aplicáveis aos Estados
signatários do Segundo Protocolo, a menos que tenham feito declaração expressa em sentido
contrário no momento da ratificação ou adesão ao mesmo.
53
Com a adoção do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e de seu
Primeiro Protocolo Facultativo, teve início o sistema internacional de implementação dos
direitos humanos. Assim, conforme apontado por Cançado Trindade,
o quadro geral de implementação finalmente adotado em 1966 compreendia três
medidas principais: o sistema de relatórios, comuns a ambos os Pactos; o sistema de
comunicações inter-estatais, constante do Pacto de Direitos Civis e Políticos (sendo
seu órgão de supervisão, o Comitê de Direitos Humanos estabelecido pelo Pacto,
dotado de competência facultativa para recebê-las e examiná-las); e o sistema de
comunicações individuais (ao Comitê, consagrado no Protocolo Facultativo do Pacto
de Direitos Civis e Políticos)
. (2003, p. 61).
Sobre o sistema de implementação, convém registrar a opinião de Alves, para quem
as disposições do Pacto e do Protocolo são bastante respeitosas às soberanias
nacionais, restringindo a capacidade de atuação do Comitê para resolver pendên
cias
ou para interferir de maneira substantiva no sentido de corrigir situações contrárias
aos direitos estabelecidos (2003, p. 53)
Todavia, adverte o mesmo autor que
até mesmo essa modalidade de controle [exame de relatórios nacionais pelo Comitê
de Direitos Humanos] foi de difícil aceitação na fase de negociações na Comissão
dos Direitos Humanos. A aceitação de queixas interestatais, mais heterodoxas em
termos de soberania nacional, e menos adequada à especificidade da matéria dos
direitos humanos, exige declaração expressa de sua aceitação por acusadores e
acusados (Artigo 41). Na prática, não foi a hoje utilizada. A possibilidade de
acolhimento de queixas individuais, mais delicada para governos que nessa época
ainda encaravam os direitos humanos como domínio reservado dos Estados, não
pode sequer ser incluída no corpo do Pacto, ficando consignada em documento
separado (o Protocolo Facultativo) que exige adesão formal específica, elaborado
no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas
não na Comissão dos Direitos
Humanos (1997, p. 40
-
41).
Todavia, em que pese tais reservas, a adoção do Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos consistiu em um grande avanço para a promoção e defesa dos direitos
humanos, na medida em que, diferentemente da Declaração Universal sobre os Direitos
Humanos, se constitui em um instrumento jurídico de observância obrigatória.
54
2.2.2 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Adotado pela Assembléia Geral da ONU juntamente com
o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais é o instrumento que visa a regulamentar os direitos da pessoa humana como ser
social, estabelecidos nos Artigos 23 a 27 da Declaração de 1948 (ALVES, 1997, p. 44).
Constitui
-se em um tratado internacional, de observância obrigatória por parte dos Estados
signatários.
Da mesma forma como acontece com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, Alves afirma que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais descreve, aprofunda e amplia os direitos de tal natureza consagrados na
Declaração Universal (1997, p. 44). Todavia, por se referirem a direitos de natureza distintas,
as disposições constantes d
os dois Pactos são também distintas.
Entre essas distinções verificadas nas disposições constantes dos Pactos, ganha
relevo a que se refere à implementação dos direitos neles estabelecidos. Assim, enquanto os
direitos reconhecidos no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos devem ser
implementados imediatamente após a adoção do mesmo pelos Estados, os direitos
estabelecidos no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são de
implementação progressiva. Isso significa que, ao aderirem a este Pacto, os Estados
signatários comprometem-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela
assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os
55
meios apropriados , o pleno exercício dos direitos nele reconhecidos, conforme estabelecido
no art. 2 º do Pacto.
Tal previsão de implementação gradual dos direitos econômicos, sociais e culturais é
critic
ada por Alves. Ressalta o autor que tal previsão propicia aos governos a possibilidade
de relegar os direitos econômicos e sociais a um segundo plano, atribuindo-lhes o caráter de
objetivos a serem alcançados quando factível (1997, p. 45). E prossegue o autor, concluindo
que nessas condições, acaba-se assumindo, ainda que involuntariamente, em termos práticos,
a interpretação liberalista tradicional de que eles não seriam efetivamente direitos, mas
simples metas a serem perseguidas (idem, ibidem).
A esse entendimento, entretanto, contrapõe-se Hauser. Com efeito, afirma a autora
que
o compromisso de adotar medidas não se encontra limitado nem condicionado por
nenhuma outra consideração. Embora o alcance da plena satisfação da maioria dos
direitos compreendidos no Pacto somente será possível através de um processo
paulatino, as medidas para alcançar este objetivo têm que ser adotadas dentro de um
prazo razoavelmente breve, após a entrada em vigor do Pacto, por cada um dos
Estados Partes (2002, p. 114)
30
.
Independentemente da discussão acerca das medidas necessárias à implementação
dos direitos consagrados no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, o certo é que o mesmo constitui-se no primeiro instrumento jurídico de caráter
universal destinado a garantir os direitos do homem considerado como ser social. Aliado à
30
El compromiso de adoptar medidas no se encuentra limitado ni condicionado por ninguna otra
consideración. Aunque el alcance de la plena satisfacción de la mayoría de los derechos comprendidos en el
Pacto sólo será posible a través de un proceso paulatino, las medidas para alcanzar este objetivo tienen que ser
adoptadas dentro de un plazo razonablemente breve, tras
la entrada en vigor del Pacto, por cada uno de los
Estados Partes .
56
Declaração Universal de 1948, o Pacto destaca-se por enumerar os direitos econômicos,
sociais e culturais, entre os quais se sobressaem os seguintes:
-
[direito] ao
trabalho;
- [direito] à remuneração justa (inclusive, para as mulheres, pagamento igual para
trabalho igual);
-
[direito] de formar e de associar
-
se a sindicatos;
-
[direito] a um nível de vida adequado;
-
[direito] à educação (com a introdução progressiva
da educação gratuita);
-
para as crianças, [o direito] de não serem exploradas (os Estados devem estabelecer
uma idade mínima para a admissão em emprego remunerado);
-
[direito] à participação na vida cultural da comunidade (ALVES, 2003, p. 51)
Semelhant
emente ao disposto no seu homólogo sobre direitos civis e políticos, o
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabeleceu a
obrigatoriedade de os Estados signatários submeterem relatórios sobre as medidas que
tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos
direitos reconhecidos no Pacto (Art. 16, 1). Segundo a previsão original, esses relatórios
deveriam ser submetidos à apreciação do Conselho Econômico e Social. Todavia, em 1982,
foi
criado o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, composto por dezoito
peritos que atuam a título pessoal, o que faz com que o referido Comitê se assemelhe com o
Comitê dos Direitos Humanos, criado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e
Políticos. Ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi atribuída a
competência de analisar os relatórios submetidos pelos Estados signatários do Pacto e de
formular comentários aos relatórios ou comentários gerais sobre a situação dos dire
itos
econômicos, sociais e culturais dos mesmos.
Em que pesem as semelhanças entre o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e o Comitê de Direitos Humanos, Alves destaca uma diferença fundamental entre os
dois órgãos. Segundo o autor o Pacto não prevê a possibilidade de queixas interestatais ou
petições individuais, nem conta com protocolos facultativos internacionais (1997, p. 47).
57
Dessa forma, quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais, verifica-se que o sistema de
supervisão limi
ta
-
se à análise dos relatórios submetidos pelos Estados.
Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a adoção
dos Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, completou-se a Carta Internacional dos Direitos Humanos. A Carta
Internacional representa o primeiro passo para o reconhecimento internacional dos direitos
humanos, inaugurando um período no qual se manifesta a consciência da necessidade da
promoção e defesa de tais direitos por toda a sociedade internacional.
A adoção da Carta Internacional dos Direitos Humanos não exauriu, entretanto, as
medidas de proteção dos direitos fundamentais do ser humano. Diversamente, após sua
promulgação, a crescente preocupação da comunidade internacional com as questões
relacionadas aos direitos humanos resultou na adoção de uma grande quantidade de
documentos destinados a resguardar os direitos de pessoas pertencentes a grupos específicos.
Assim, foi ganhando corpo o Sistema Internacio
nal de Direitos Humanos.
O cenário da proteção dos direitos humanos, desenhado no âmbito do Direito
Internacional, é descrito por Cançado Trindade. Para o autor
ao longo dos anos passariam a existir inúmeros instrumentos internacionais de
proteção, de origens, natureza e efeitos jurídicos distintos ou variáveis (baseados em
tratados e resoluções), de diferentes âmbitos de aplicação (nos planos global e
regional), distintos também quanto aos seus destinatários ou beneficiários (tratados
ou instrumentos gerais, e setoriais), e quanto a seu exercício de funções e a seus
mecanismos de controle e supervisão (essencialmente, os métodos e petições ou
denúncias, de relatórios, e de investigações). Formou-se, assim, gradualmente, um
complexo corpus juris, em que, no entanto, a unidade conceitual dos direitos
humanos veio a transcender tais diferenças, inclusive quanto às distintas
formulações de direitos nos diversos instrumentos (1997, p. 21).
58
Todavia, merece destaque o fato de que, em que pese o Sistema Internacional de
Direitos Humanos ser composto por vários instrumentos, cada vez mais ressalta o aspecto de
universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos. Surge, dessa forma, o espectro da
proteção de todos os direitos fundamentais, através da proteção de
direitos específicos.
2.3 As Convenções Dirigidas a Grupos Específicos
Paralelamente à Carta Internacional dos Direitos Humanos, a qual teve por objetivo
estabelecer os direitos concernentes a todos os homens e mulheres, considerados tanto em seu
aspect
o de ser individual como no aspecto de ser integrante de um grupo social, propugnando
o caráter de universalidade, indivisibilidade e complementaridade entre as diversas espécies
de direitos reconhecidas, iniciou-se um processo de proteção especializada, destinada a coibir
violações e proteger determinados grupos, cujas situações foram sendo consideradas
vulneráveis. Para tanto, foram sendo adotadas, com o passar do tempo, diversas convenções
dirigidas a grupos específicos, as quais, somadas à Carta Internacional dos Direitos Humanos,
completam o Sistema Internacional de Direitos Humanos.
Esse conjunto de instrumentos, ao qual Alves se refere como a Arquitetura
Internacional dos Direitos Humanos (1997), é composto por mais de sessenta declarações
ou convenções sobre direitos humanos, algumas sobre novos direitos, outras relativas a
determinadas violações, outras, ainda, para tratar de grupos vulneráveis, de minorias e da
mulher (ALVES, 2003, p. 54). Entretanto, em que pese conferir um caráter de especial
ização
à defesa dos direitos humanos, tais declarações e convenções não desconfiguram a
indivisibilidade das diversas categorias de direitos reconhecidas pela Declaração Universal de
59
1948. Contrariamente, as mesmas servem para reforçar a idéia de que a dignidade do ser
humano somente pode ser garantida com a promoção de todos os direitos fundamentais.
Na seqüência, serão analisadas a convenção contra a discriminação racial, a
convenção sobre os direitos da mulher, a convenção contra a tortura e a convenção sobre os
direitos da criança.
2.3.1 A Convenção Contra a Discriminação Racial
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional demonstrou
uma grande preocupação com as conseqüências advindas da discriminação racial, em especial
diante
das práticas nazistas. A concepção de igualdade entre os indivíduos,
independentemente de raça ou de origem, de sexo ou de língua, de religião ou de filosofia
política, foi um dos pilares que sustentaram a criação da ONU
31
. Por tal motivo, desde a sua
orige
m, a ONU procurou estabelecer mecanismos de combate ao racismo e à discriminação
racial. Tal intento mostrou-se presente na redação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e dos Pactos Internacionais.
À reminiscência dos atos perpetrados pelo regime nazista, ainda bastante presente
nas décadas de 1940 e 1950, agregou-se o sentimento anticolonialista, decorrência do
movimento de descolonização dos países africanos e asiáticos que se manifestou na década de
1960. Juntamente com o movimento de descolonização, surgiu um forte movimento
pugnando o fim do racismo e da discriminação racial, cujo exemplo mais nítido configurava-
se no regime do apartheid, vigente na África do Sul.
31
Essa questão foi abordada no Capítulo 1 da presente dissertação, ao ser abordado item referente ao final da
Segunda Guerra Mundial e a criação da ONU.
60
Com a união de tais motivos, em 21 de dezembro de 1965, a Assembléia Geral da
ONU
adotou, pela Resolução 2106-A, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial. A referida convenção representa a primeira
grande convenção das Nações Unidas na área de direitos humanos (ALVES, 1997, p. 89),
bem como o primeiro instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos a contar
com mecanismo próprio de supervisão (idem, ibidem).
A Convenção apresenta como base legislativa a Carta das Nações Unidas e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, destacando, em seu preâmbulo, que ambos os
documentos reconhecem a todos a garantia dos direitos humanos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião. Afirma, ainda, o preâmbulo que qualquer doutrina de superioridade
baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente
injusta e perigosa, e que não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na
prática . Destaca, por outro lado, que a discriminação entre os homens por motivos de raça,
cor ou origem
étnica é um obstáculo a relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz
de disturbar a paz e a segurança entre povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado até
dentro de um mesmo Estado .
O art. da Convenção define a expressão
discriminaç
ão racial. Essa definição é
feita de forma ampla, significando
qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de
condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.
61
Contudo, a Convenção não considera discriminação racial as chamadas ações
afirmativas, assim consideradas pelo parágrafo 4º do art. 1º as
medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado
de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que
possa
ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou
exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas
não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes
grupos raciais
e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.
Outro aspecto relevante da Convenção refere-se à proibição da propaganda e de
organizações racistas, constante do art. . Essa questão, segundo Alves (1997), foi objeto de
muitas discussões na Assembléia Geral, uma vez que vários Estados afirmavam tratar-se a
mesma de um cerceamento do direito de liberdade de expressão. Todavia, a proibição acabou
prevalecendo, uma vez que a própria Declaração Universal condiciona os direitos e liberdades
funda
mentais garantidos a cada um aos deveres para com a comunidade e para com os direitos
e liberdades aos outros asseguradas.
Por outro lado, a Convenção estabelece aos Estados signatários várias condições.
Entre estas, Alves destaca:
- buscar eliminar a discriminação racial e promover o entendimento entre todas as
raças, fazendo com que todas as autoridades púbicas atuem dessa maneira;
- abolir quaisquer leis ou regulamentos que efetivamente perpetuem a discriminação
racial;
- condenar toda a propaganda baseada em teorias de superioridade racial ou
orientada para promover ódio ou discriminação racial;
-
adotar medidas para erradicar toda a incitação à discriminação;
- garantir o direito à igualdade perante a lei para todos, sem distinção de raça, cor ou
orig
em nacional ou étnica;
- assegurar proteção e recursos legais contra atos de discriminação racial que violem
direitos humanos;
- adotar medidas especialmente nas áreas de educação, cultura e informação, com
vistas a combater o preconceito (2003, p. 56).
62
A Convenção estabelece, ainda, um mecanismo de supervisão, destinado a verificar a
implementação dos direitos nela assegurados. Essa função é desempenhada pelo Comitê para
a Eliminação da Discriminação Racial, órgão composto por dezoito peritos independent
es,
que exercem seus mandatos a título pessoal, nos moldes do Comitê dos Direitos Humanos,
estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Da mesma forma que previsto nos Pactos Internacionais, os Estados signatários da
Convenção devem submeter relatórios periódicos ao Comitê para a Eliminação da
Discriminação Racial, os quais são analisados em sessão pública, com a participação de
delegação do Estado, que deve ser apta a responder os questionamentos efetuados pelos
peritos. Posteriormente, os peritos enviam ao respectivo Estado as conclusões do Comitê
sobre os relatórios apresentados.
Entretanto, a Convenção atribui, ainda, ao Comitê, competência para examinar
comunicações e queixas apresentadas tanto por Estados quanto por indivíduos, relacionadas à
violação dos direitos protegidos pela Convenção. Porém, diferentemente do que acontece com
o Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, para
que o Comitê possa examinar uma comunicação apresentada por um Estado, não a
necessidade de que o mesmo tenha aceito a mesma competência do Comitê para examinar
comunicações contra si, uma vez que, no âmbito da Convenção, tal competência é aceita
automaticamente pelos Estados com sua adesão ao instrume
nto.
63
2.3.2 A Convenção Sobre os Direitos da Mulher
A preocupação com a situação das mulheres esteve presente no âmbito da
Organização das Nações Unidas desde a sua criação. Tomando por base seu princípio de não-
discriminação por qualquer motivo, entr
e eles o referente ao gênero, as Nações Unidas sempre
estiveram abertas à participação das mulheres, de acordo com a previsão contida no art. da
Carta de São Francisco. Todavia, o papel da ONU não se limitou a aceitar a participação das
mulheres em seus
órgãos principais e subsidiários, estendendo
-
se para uma atuação tendente a
buscar a eliminação da discriminação contra estas.
A primeira ação realizada com esse objetivo foi a criação, em 1946, pelo Conselho
Econômico e Social, de uma Subcomissão para a Situação da Mulher, integrada por sete
peritas que exerciam suas funções a título pessoal, subsidiária à Comissão de Direitos
Humanos. Essa Subcomissão, em sua segunda sessão, ainda no ano de 1946, resolveu
autodissolver
-se, propondo ao Conselho Econômico e Social a criação de um outro órgão,
intergovernamental e a ele diretamente ligado, nos moldes da Comissão dos Direitos
Humanos.
Assim, em 21 de junho de 1946, através Resolução 2 (II) do Conselho Econômico e
Social, foi criada a Comissão Sobre a Situação da Mulher, composta por quarenta e cinco
Estados, representados por delegadas governamentais, constituindo-se no principal órgão
internacional com competência sobre a matéria. Dos trabalhos dessa Comissão resultaram
vários instrumentos internacionais de proteção dos direitos da mulher, tais como a Convenção
Sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1952, a Convenção Sobre a Nacionalidade da
64
Mulher Casada, de 1967 e a Convenção Sobre o Consentimento para o Casamento, a Idade
Mínima para o Casamento e o Re
gistro de Casamentos, de 1965.
Todos os avanços obtidos na área de proteção dos direitos das mulheres foram
consolidados na Declaração Sobre a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, adotada
pela Assembléia Geral, por unanimidade, em 7 de novembro de 1967, através da Resolução
2263 (XXI). Essa Declaração, de caráter referencial e não-obrigatório, consubstanciou-se no
passo inicial para a elaboração de um instrumento jurídico de caráter obrigatório, o qual se
consolidou com a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher, de 1979.
Abordando tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais e
culturais, a Convenção é composta de um preâmbulo e trinta artigos. Apresenta, como base
legislativa, não apenas a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal, mas todos os
documentos elaborados e aprovados pelas Nações Unidas que se referem à não
-
discriminação.
O preâmbulo ressalta que a discriminação contra a mulher
viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana,
dificulta a participação da mulher nas mesmas condições que o homem na vida
política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento
do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das
potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade.
O art. da Convenção determina a definição jurídica da discriminação contra a
mulher. Igualmente como na Convenção Contra o Racismo, essa definição é bastante ampla,
significando
65
toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da
mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil, ou em qualquer outro campo.
Todavia, da mesma forma como previsto em sua congênere sobre a eliminação da
discriminação racial, a Convenção não considera discriminação as ações afirmativas. Essas
ações são definidas pelo parágrafo do art. como sendo medidas especiais de caráter
temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher . Entretanto,
tai
s medidas devem cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e de tratamento
houverem sido alcançadas .
A Convenção estabelece uma série de deveres aos Estados signatários,
caracterizando
-se esses como medidas a serem adotadas e direitos a serem protegidos. Dessa
forma, os Estados
-
partes se obrigam a assegurar à mulher:
-
o direito ao voto;
- os direitos de ser elegível para órgãos públicos preenchidos por votação e de
exercer funções públicas de todos os níveis;
-
o direito de participar da f
ormulação de políticas governamentais e de organizações
não
-
governamentais voltadas para a vida pública e política;
-
a igualdade perante a lei;
-
direitos iguais no que concerne à nacionalidade;
-
o direito ao trabalho e a oportunidades de emprego iguais
às dos homens, incluindo
a remuneração igual por igual trabalho;
- acesso igualitário aos serviços de saúde pública, incluindo os de planejamento
familiar;
-
direitos iguais a benefícios financeiros e serviços;
-
direitos e responsabilidades iguais no casa
mento e com relação aos filhos;
-
proteção contra o casamento infantil (ALVES, 2003, p. 56
-
57).
Os Estados ainda se comprometem a adotar medidas apropriadas para modificar os
padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres , objetivando alcançar a
eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que
estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em
66
funções estereotipadas de homens e mulheres (art. 5º, a ), bem como para suprimir todas
as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher (art. 6º).
A Convenção estabelece, também, um mecanismo de supervisão, que segue o
modelo do Comitê dos Direitos Humanos e do Comitê Para a Eliminação da Discriminação
Racial. O órgão que exerce essa supervisão é o Comitê Sobre a Eliminação da Discriminação
Contra a Mulher, composto de vinte e três peritos eleitos pelos Estados-partes a título
individual.
Em que pese seguir o modelo do Comitê dos Direitos Humanos e do Comitê Para a
Eliminação da Discriminação Racial, o Comitê Sobre a Eliminação da Discriminação Contra
a Mulher diferencia-se daqueles no que se refere as suas atribuições. Sua ação restringe-se ao
exame de relatórios periódicos apresentados pelos Estados sig
natários. Dessa forma, o Comitê
não está autorizado a receber denúncias estatais ou comunicações individuais sobre violações
à Convenção.
A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher foi adotada pela Resolução 34/180
da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18 de
dezembro de 1979. Sua aprovação deu-se por unanimidade, com onze abstenções. Entretanto,
mesmo considerando a inexistência de votos contrários, a Convenção Sobre os Direitos da
Mulher é hoje a que possui o menor número de ratificações e a que apresenta o maior número
de reservas.
67
2.3.3 A Convenção Contra a Tortura
Caracterizando
-se como uma das mais repulsivas formas de violação dos direitos
humanos, a tortura constituiu-se em preocupação constante da Organização das Nações
Unidas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu, em seu art. 5º, a
proibição de serem os indivíduos submetidos a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante .
Em virtude de tal preocupação, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, foi a primeira grande convenção
especializada contra um tipo particular de violação (ALVES, 1997, p. 134). Por ser a tortura
uma prática largamente utilizada pelos Estados, em especial por regimes totalitários e
ditatoriais, coube às organizações não-governamentais demonstrar a sua prática e exigir uma
postura da ONU sobre o tema.
A Convenção, composta por um preâmbulo e trinta artigos apresenta como base
jur
ídica o art. 55 da Carta das Nações Unidas, o art. da Declaração Universal e o art. do
Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos. Ressalta o preâmbulo que os Estados se
declaram desejosos de tornar mais eficaz a luta contra a tortura e ou
tros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes em todo o mundo .
De igual forma como verificado nas Convenções contra o racismo e sobre os direitos
da mulher, o art. da Convenção Contra a Tortura define o significado da tortura. Segundo
ess
e artigo, tortura significa
68
qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira
pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcioná
rio público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.
Dessa definição, verifica-se que a tortura somente se caracteriza mediante a
conjugação de três elementos: a imposição intencional de dores ou sofrimentos físicos ou
mentais; o objetivo de obter informações ou confissão, aplicação de castigo, intimidação ou
coação; a prática do ato por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções
públicas, caracterizando o vínculo
dessa com o Estado.
Segundo o parágrafo do art. da Convenção, os Estados-partes se comprometem
a tomar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza,
a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição . A
alegação de circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade
política interna ou qualquer outra emergência pública não podem ser invocadas como
justificação para a tortura (art. 2º, parágrafo 2º). Igualmente não pode ser invocada como
justificação a obediência a ordem superior ou de uma autoridade pública.
Outra regra de grande destaque encontra-se no art. da Convenção. De acordo com
tal dispositivo todos os Estados signatários devem assegurar que todos os atos de tortura
sejam considerados crimes segundo a legislação penal , devendo os mesmos ser punidos
com penas adequadas que levem em conta a sua gravidade .
A Convenção estabelece os deveres dos Estados-partes para a erradicação da tortura.
Como leciona Alves, por ela os Estados se obrigam:
69
-
a assegurar a proibição total da tortura e a punição de tal ofensa;
- a proibir a extradição de pessoas para Estados onde corram risco substancial de ser
torturadas;
- a cooperar com outros Estados para prisão, detenção e extradição de possíveis
torturadores;
- a educar os encarregados da manutenção da ordem a propósito da proibição da
tortura;
- a rever, sistematicamente, os procedimentos e métodos de interrogatório de
pessoas detidas;
-
a inv
estigar prontamente alegações de tortura;
-
a compensar as vítimas de tortura (2003, p. 58)
Destaca
-se, ainda, a norma contida no art. 15 da Convenção, que estabelece a
inadmissibilidade de declarações obtidas através de tortura como meio de prova. Esse m
esmo
dispositivo permite, entretanto, que tais declarações sirvam de prova, contra pessoa acusada
de tortura, de que a declaração foi prestada.
O órgão de supervisão da Convenção é o Comitê Contra a Tortura, o qual tem por
modelo o Comitê dos Direitos Humanos. O Comitê Contra a Tortura, composto por dez
peritos eleitos pelos Estados signatários a título pessoal, possui como atribuições o exame de
relatórios periódicos submetidos pelos Estados-partes, com base nos quais faz comentários e
recomendações ao Estado respectivo (ALVES, 1997, p. 142). Semelhante ao Pacto
Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Contra a Tortura possibilita,
ainda, ao Comitê Contra a Tortura, funções conciliatórias em queixas interestatais sobre o
não
-
cumpriment
o da Convenção, as quais somente são aceitas quando ambos os Estados
tenham declarado expressamente tal competência, bem como funções quase judiciais, nos
casos de comunicações individuais, as quais somente são acolhidas em relação a Estados que
tenham exp
ressamente manifestado a aceitação desse tipo de atuação.
A novidade estabelecida pela Convenção Contra a Tortura diz respeito à
possibilidade de o Comitê efetuar investigações no território de qualquer Estado-parte, nos
casos de haver o recebimento de informações fidedignas da prática sistemática de tortura em
70
determinado Estado. Havendo a confirmação do caráter sistemático da tortura, o Comitê irá
procurar a cooperação do Estado envolvido e, desde que autorizado a tanto pelo governo,
poderá estender a investigação a visitas de inspeção in loco. Todavia, esse procedimento é
facultativo, devendo existir, para a sua realização, a expressa concordância dos Estados-
partes.
A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas
ou Degradantes foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas pela Resolução 39/46,
de 10 de dezembro de 1984. Entrou em vigor internacionalmente em 26 de junho de 1987.
2.3.4 A Convenção Sobre os Direitos da Criança
A proteção das crianças foi objeto de preocupação por parte da comunidade
internacional muito antes da criação da ONU. Ainda no ano de 1924, a Liga das Nações
adotou uma Declaração Sobre os Direitos da Criança, embora esse documento apresentasse
uma linguagem muito mais assistencialista do que definidora de direitos (ALVES, 1997, p.
162).
Com a criação da ONU, e considerando a situação das crianças em um mundo pós-
guerra, em 1959 a Assembléia Geral adotou, através da Resolução 1386 (XIV), de 20 de
novembro, uma nova Declaração, em consonância com os direitos humanos então
proclamados pela Declaração Universal. Essa Declaração é composta por um preâmbulo e por
dez princípios, a serem observados e seguidos pelos pais, indivíduos, organizações
voluntárias, autoridades locais e governos nacionais.
71
Co
ntudo, em que pese a remota origem das disposições referentes à criança, foi
somente em 1989 que houve a adoção de um instrumento jurídico de caráter obrigatório sobre
o tema, com a promulgação da Convenção Sobre os Direitos da Criança. A Convenção,
compos
ta de um preâmbulo e cinqüenta e quatro artigos dispositivos, constitui-se como o
primeiro instrumento internacional que efetivamente eleva a criança à condição de sujeito de
direitos.
A Convenção apresenta como base normativa a Carta das Nações Unidas, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Declarações dos Direitos da Criança de
1924 e de 1959, além de outros documentos internacionais para situações específicas. Seu
preâmbulo reconhece que a criança deve crescer no seio da família, em um ambiente de
felicidade, amor e compreensão , bem como que deve estar plenamente preparada para uma
vida independente na sociedade . Afirma, ainda, que a criança deve ser educada de acordo
com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz,
dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade .
O art. da Convenção apresenta a definição legal de criança. De acordo com tal
normativa, criança é todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que,
em conformidade com a Lei aplicável a criança, a maioridade seja alcançada antes . Com tal
ressalva, possibilitou-se que a questão relativa à maioridade fosse disciplinada pela legislação
de cada Estado.
Por meio da Convenção, os Estados se comprometem a reconhecer às crianças uma
grande quantidade de direitos. Considerando tal aspecto, adotar
-
se
-
á, para fins de enumeração,
72
o resumo elaborado pela própria ONU em sua campanha mundial de divulgação da
Convenção, apontado por Alves. Esses direitos são relacionados
da seguinte maneira:
- toda criança tem o direito inerente à vida e os Estados assegurarão ao máximo a
sobrevivência e o desenvolvimento da criança;
-
toda criança tem, desde que nasce, direito a um nome e a uma nacionalidade;
- quando os tribunais, as instituições de bem-estar social ou as autoridades
administrativas adotarem medidas concernentes a crianças, deverão levar em
consideração primordial o interesse superior da criança, dando atenção a suas
próprias opiniões;
- os Estados garantirão às crianças o pleno gozo de seus direitos, sem qualquer
forma de discriminação ou distinção;
- as crianças não deverão ser separadas de seus pais, exceto quando as autoridades
competentes determinarem que a separação é necessária a seu bem
-
estar;
- os Estados facilitarão a reunião familiar, permitindo, para tanto, que a criança e
seus pais entrem e saiam dos respectivos territórios;
- cabe aos pais a responsabilidade primordial sobre a criação dos filhos. Os Estados
prestarão assistência apropriada aos pais e criarão instituições para assistência às
crianças;
- os Estados protegerão a criança contra as agressões físicas ou mentais, a
negligência e o abandono, inclusive o abuso, a violência e a exploração sexual;
- os Estados garantirão às crianças sem família proteção alternativa conveniente. O
processo de adoção será meticulosamente regulado, devendo os Estados procurar
celebrar acordos internacionais que assegurem garantias e legalidade aos
procedimentos pertinentes quando os pais adotivos tencionarem levar a criança
para
fora de seu país de origem;
- as crianças portadoras de deficiências terão direito a tratamento, educação e
cuidados especiais;
- a criança tem direito ao nível mais elevado possível de saúde; os Estados
garantirão cuidados médicos a todas as crianças, conferindo prioridade a medidas
preventivas, à educação sanitária e à redução da mortalidade infantil;
- o ensino primário será obrigatório e gratuito. A disciplina escolar deve respeitar a
dignidade da criança. A educação terá por objetivo preparar a criança para a vida
dentro de um espírito de compreensão, tolerância e paz;
- as crianças terão tempo para o descanso e o lazer, bem como acesso a atividades
culturais e artísticas em condições de igualdade;
- os Estados protegerão a criança contra a exploração econômica e contra todo o
trabalho que comprometa sua educação ou possa ser nocivo a sua saúde e bem
-
estar;
- os Estados protegerão a criança contra o uso ilícito de drogas e contra sua
participação na produção e no tráfico de drogas;
- tomar-
se
-ão todas as medidas necessárias para impedir o seqüestro e o tráfico de
crianças;
- não serão impostas nem a pena capital, nem a de prisão perpétua, para delitos
cometidos por infratores com menos de dezoito anos de idade;
- as crianças em detenção devem ser separadas dos adultos e não serão submetidas a
torturas ou outros tratamentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes;
- nenhuma criança com menos de quinze anos de idade participará de ações
militares; as crianças afetadas por conflito armado receberão prot
eção especial;
- as crianças que pertençam a populações minoritárias ou indígenas terão direito a
sua própria vida cultural, à prática de sua religião e ao uso livre da sua língua;
- as crianças implicadas em delitos penais têm direito a tratamento que con
tribua
para o desenvolvimento de seu sentido de dignidade e valor pessoal e vise a
capacitá
-
las para a reintegração social (1997, p. 167
-
169).
73
A Convenção, com um texto extenso, no qual se pretendeu resguardar os mais
variados direitos e implementar uma verdadeira proteção à infância, apresenta de forma
bastante clara a grande evolução que o Direito Internacional dos Direitos Humanos
apresentou em uma década. Essa particularidade é visível na abordagem global feita em
relação aos direitos protegidos, superando a distinção entre direitos civis e políticos e direitos
econômicos, sociais e culturais. A visão integrada dos direitos humanos é contemplada no
primeiro parágrafo do art. 27 da Convenção, o qual dispõe que os Estados-
partes
reconhecem o direito de toda criança a um nível de vida adequado a seu desenvolvimento
físico, mental, espiritual, moral e social .
A Convenção possui um órgão de supervisão, previsto no primeiro parágrafo de seu
art. 43. Esse órgão, o Comitê dos Direitos da Criança, é formado por dezoito peritos, eleitos
pelos Estados-partes a título individual. Sua função consiste no exame de relatórios
apresentados periodicamente pelos Estados signatários. Por não haver previsão no texto da
Convenção, o Comitê não possui atribuições de examinar denúncias interestais ou
comunicações individuais.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança foi adotada em 20 de novembro de 1989
pela Resolução 44/25 da Assembléia Geral das Nações Unidas, entrando em vigor
internacionalmente em 2 de setembro de 1990. Embora seja a mais recente das Convenções
dirigidas a grupos específicos, é a que mais adesões recebeu.
74
3 OS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
Conforme pode ser até aqui observado, a promoção e a defesa dos direitos humanos
foram sendo gradativamente implementados, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, em
um processo que teve a ONU como principal condutora. Esse processo, que teve seu início
marcado com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é cara
cterizado
por uma relação de ampliação progressiva dos direitos reconhecidos em instrumentos
específicos.
A ampliação das bases normativas do Sistema Internacional de Direitos Humanos
decorre, principalmente, do caráter de universalidade, indivisibilidade e complementaridade
das diversas categorias de direitos humanos, propugnado pela Declaração Universal de 1948.
Tendo como norte os princípios contidos na Carta das Nações Unidas e na própria Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a comunidade internacional, com o passar do tempo, vai
reconhecendo a necessidade de serem não apenas reconhecidas as diversas categorias de
direitos humanos, mas também de serem as mesmas implementadas.
Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha reconhecido o e
streito
vínculo existente entre a promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais com o respeito
aos direitos civis e políticos, conforme se observou da análise do capítulo anterior, as
75
primeiras atividades das Nações Unidas referiam-se tão-somente a esta última categoria de
direitos. Essa situação começou a se alterar a partir da década de 1960, quando passaram a
integrar as Nações Unidas os países africanos e asiáticos que conquistaram a independência,
deixando de ser colônias de países europeus. Tendo vivido um longo período sob o domínio
dos colonizadores, esses países passaram a pugnar uma maior atenção aos direitos
econômicos, sociais e culturais. Nesse contexto, o direito ao desenvolvimento passa a ser
objeto da atenção da comunidade internacional, vindo a ser afirmado como um direito
fundamental do ser humano.
3.1 A Origem e a Consagração Jurídica do Direito ao Desenvolvimento
O tema referente ao progresso social e à consecução de melhores condições de vida
para os indivíduos sempre foi uma preocupação das Nações Unidas. Prova de tal preocupação
é a inserção desses temas no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, bem como no art. do
mesmo documento, que registra ser um dos propósitos da organização conseguir uma
cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico,
social, cultural ou humanitário .
Na parte que trata da cooperação internacional, a Carta de São Francisco foi ainda
mais objetiva, dispondo nos artigos 55 e 56:
Art. 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às
relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da
igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, as Nações Unidas
favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, de trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b) a solução de problemas econômicos, sociais, sanitários e conexos, a cooperação
internacional, de caráter cultural e educacional; e
76
c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Art. 56. Para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os membros
da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou
separadamente.
Assim, verifica-se que uma das primeiras referências em relação ao desenvolvimento
encontra
-se no documento que constituiu a ONU. E a participação desta Organização na
afirmação do direito ao desenvolvimento é ainda mais amplo.
A base jurídica do direito ao desenvolvimento se encontra na Declaração Universal
dos Direitos do Homem. O documento, que estabeleceu o caráter de indivisibilidade dos
direitos humanos, assentou em seu art. 22 que
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de su
a personalidade.
A previsão contida na Declaração de 1948 foi reafirmada com a adoção do Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966, pela Assembléia
Geral das Nações Unidas. O art. 1º, parágrafo 1, do Pacto estabelece que todos os povos têm
direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto
político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural .
Partindo desse suporte legal, as discussões sobre o direito ao
desenvolvimento
ganharam relevo a partir da década de 70 do século passado (BEDIN, 2003). Como informam
Perrone
-Moisés (1999) e Delgado (2001), a primeira referência ao direito ao desenvolvimento
foi feita pelo jurista senegalês Keba M Baye, ao situar, em conferência inaugural proferida no
Instituto de Direitos Humanos de Estrasburgo, em 1972, o direito ao desenvolvimento como
77
um direito humano. Todavia, somente na segunda metade da década de 80 o direito ao
desenvolvimento seria efetivamente reconhecido.
Em que pese a afirmação de Cançado Trindade de que a relação íntima entre os
direitos humanos
mormente os direitos econômicos e sociais
e o desenvolvimento não
parece requerer maior esforço de demonstração (2003b, p. 263), o reconhecimento dessa
rela
ção demandou um trabalho gradual, que se estendeu por três décadas. E foi justamente na
Comissão de Direitos Humanos da ONU que o direito ao desenvolvimento teve seu
reconhecimento explícito, por meio da Resolução 4 (XXXIII), de 21 de fevereiro de 1977
(BE
DIN, 2003, p. 133).
Segundo Alves, através da Resolução 4 (XXXIII), a Comissão de Direitos Humanos
assinalava que
A persistência do colonialismo, de agressões e ameaças contra a soberania nacional,
(...) assim como a recusa em se reconhecer o direito fundamental de todas as nações
a exercer plena soberania sobre suas riquezas e recursos minerais constituem,
inter
alia
, obstáculos essenciais à realização plena dos direitos econômicos, sociais e
culturais (1997, p. 206).
A resolução recomendou a realização de um estudo pelo Secretário-Geral, em
cooperação com a Unesco e outras agências especializadas competentes, sobre o seguinte
tema:
as dimensões internacionais do direito ao desenvolvimento como direito humano em
relação a outros direitos humanos, baseados na cooperação internacional, incluindo
o direito à paz, levando em consideração as exigências de uma Nova Ordem
Econômica Internacional e as necessidades humanas fundamentais (idem, ibidem).
O estudo realizado por recomendação da Comissão dos Direitos Humanos efetuou a
análise das normas jurídicas, indicando, ao final, existir um
78
conjunto de princípios baseados na Carta das Nações Unidas e na Carta
Internacional dos Direitos Humanos, reforçados por outros instrumentos, que
demonstravam a existência de um direito humano ao desenvolvimento no direito
internacional (ALVES, 1997, p. 206).
A partir da resolução da Comissão dos Direitos Humanos e do estudo elaborado sob
recomendação da mesma, seguiram
-
se, no âmbito da própria Comissão, outros atos afirmand
o
a existência de um direito ao desenvolvimento e situando o mesmo como um direito humano
fundamental. Com a crescente preocupação das Nações Unidas sobre o tema, em março de
1981 é criado um Grupo de Trabalho para examinar o escopo e o conteúdo do direito ao
desenvolvimento e os meios mais apropriados para a sua promoção (ALVES, 1997, p. 207).
Nas três reuniões do Grupo de Trabalho, realizadas entre julho de 1981 e janeiro de 1982,
seus integrantes chegaram à conclusão da conveniência de elaborar uma declaração sobre o
direito ao desenvolvimento. Mesmo diante da divergência de posições verificadas entre os
países integrantes do grupo e da inexistência de conclusões por parte do mesmo, uma vez que
não houve sequer a apresentação de um anteprojeto de declaração para a Assembléia Geral
32
,
a idéia de elaboração de uma declaração sobre o direito ao desenvolvimento continuou sendo
defendida pelos países subdesenvolvidos. Assim, em 4 de dezembro de 1986, a Assembléia
Geral das Nações Unidas adotou a Declaração sob
re o Direito ao Desenvolvimento, através da
Resolução 41/128, com 146 votos favoráveis, 1 contrário e 8 abstenções.
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, segundo Bedin, é um
documento bastante denso, mas relativamente enxuto em sua estrutura (2003, p. 136),
contando com dezessete parágrafos preambulares e dez artigos dispositivos. E prossegue o
autor, afirmando que entre outros aspectos, os parágrafos preambulares, destacam os
vínculos existentes entre a Declaração e os propósitos e princípios da Carta das Nações
32
Para uma visão mais detalhada do assunto, ver: ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional
dos direitos humanos. São Paulo: FTD, 1997.
79
Unidas e entre a Declaração e vários outros instrumentos legais anteriores criados pela ONU
(2003, p. 136).
O art. 1º da Declaração estabelece e define o direito ao desenvolvimento como
um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os
povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural
e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais possam ser plenamente realizad
os.
Observa-se, assim, que a Declaração adotou um conceito bastante amplo para o
desenvolvimento. Por isso, afirma Bedin,
o segundo parágrafo preambular reconhece que o desenvolvimento é um processo
econômico, social, cultural e político abrangente, qu
e visa o constante incremento do
bem
-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua
participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa
dos benefícios daí resultantes (2003, p. 136).
o parágrafo do art. 1º estabelece a vinculação entre o direito ao
desenvolvimento e o direito à autodeterminação dos povos, o qual se constituiu no primeiro
direito de natureza coletiva reconhecido, estabelecido pelos Pactos Internacionais sobre
direitos humanos. Dessa forma, como afirma Alves, apresentam-se, [...] desde o início da
Declaração, estreitamente interdependentes e indivisíveis esses dois direitos (1997, p. 208).
Por sua vez, o art. situa a pessoa humana como o sujeito central do
desenvolvimento . Essa disposição, segundo Delgado, fez com que a pessoa humana
deixasse de ser vista como mero fator de produção e passasse a ocupar uma posição central no
processo de desenvolvimento (2001, p. 92). Além da pessoa humana, a Declaração situa
como beneficiá
rios do direito ao desenvolvimento os povos, enquanto os sujeitos passivos são
os Estados. A esse respeito, oportuna é a lição de Cançado Trindade, para quem
80
desde a Declaração das Nações Unidas de 1986, tem-se esclarecido que os sujeitos
ativos ou beneficiários do direito ao desenvolvimento são os seres humanos e os
povos, e os sujeitos passivos são os responsáveis pela realização daquele direito,
com ênfase especial nas obrigações atribuídas aos Estados, individual e
coletivamente. As medidas contempladas para tal realização se estendem aos níveis
tanto nacional quanto internacional (2003b, p. 277).
Sobre a responsabilidade dos Estados citada por Cançado Trindade, bastante
esclarecedor é o comentário de Delgado. Para a autora, a Declaração
dispõe em vários de seus dispositivos sobre as responsabilidades dos Estados no
sentido de criar condições nacionais e internacionais favoráveis à realização do
direito ao desenvolvimento de forma a tomar medidas econômicas e sociais capazes
de oferecer igualdade de oportunidades para todos em acesso aos recursos básicos,
educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição
eqüitativa de renda (2001, p. 93)
Outro fator que ganha relevo na Declaração diz respeito ao dever de cooperação
entre os Estados, a fim de ser garantido o direito ao desenvolvimento. Tal dever apresenta-
se
como uma ratificação dos dispositivos da Carta das Nações Unidas que tratam da cooperação
internacional. Sobre o dever de cooperação estabelecido pela Declaração, Delgado afirma que
o mesmo é considerado
poderoso instrumento para eliminar todos os obstáculos que obstem ao
desenvolvimento, com vistas à erradicar a pobreza e todas as injustiças comerciais
existentes, assegurando, assim, por meio de cooperação, o efetivo exercício do
direito ao desenvolvimento, de modo a proporcionar a todos os Estados, sobretudo
aos países juridicamente iguais, mas economicamente desiguais, oportunidades
idênticas para alcançar o desenvolvimento (idem, ibidem).
Dessa forma, observa-se que a grande responsabilidade da implementação do direito
ao desenvolvimento foi conferida pela Declaração aos Estados. Não por outro motivo, a estes
foi conferida um conjunto de direitos e deveres bastante amplo, os quais são sintetizados por
Bedin da seguinte
forma:
81
1º) Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas
para o desenvolvimento que visem o constante aprimoramento do bem-estar de toda
a população e de todos os indivíduos (art. 2º, item 3);
2º) Os Estados têm a responsab
ilidade primária pela criação das condições nacionais
e internacionais favoráveis à realização plena do direito ao desenvolvimento (art. 3º,
item 1);
3º) Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o
desenvolvimento e eliminar todos os obstáculos ao processo de desenvolvimento
(art. 3º, item 3);
4º) Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar todas as medidas
para formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a
plena realização do di
reito ao desenvolvimento (Art. 4º, item 1);
5º) Os Estados devem promover a realização plena dos direitos humanos e eliminar
todas as formas de sua violação, superando os obstáculos à plena realização do
direito ao desenvolvimento e possibilitando a igualdade de oportunidades e o acesso
aos recursos básicos (Art. 5º, 6º e 8º);
6º) Os Estados devem promover o estabelecimento, a manutenção e o fortalecimento
da paz e da segurança internacionais (art. 7º). (2003, p. 137
-
138).
Finalizando, o art. reconhece que todos os aspectos do direito ao desenvolvimento
estabelecidos na Declaração são indivisíveis e interdependentes, devendo cada um deles ser
considerado no contexto do todo. Assevera, ainda, que nenhum dispositivo da Declaração
deverá ser interpretado como contrário aos propósitos e princípios das Nações Unidas e aos
direitos humanos reconhecidos na Declaração Universal de 1948 e nos Pactos Internacionais.
Sobre o caráter de indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos,
novamente afirmado pela Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, Cançado Trindade
chama a atenção para o fato de que
a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 houve
por bem salientar que, a fim de promover o desenvolvimento, deve-se dar a
tenção
igual e urgente à implementação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais (dadas suas indivisibilidade e interdependência), e a observância de
determinados direitos humanos não pode assim justificar a denegação de outros
(2003b,
p. 280).
Esse caráter de universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos viria a ser retomada e consolidada na II Conferência Internacional de Direitos
Humanos, realizada em Viena em 1993. Na referida conferência, o direito ao
82
de
senvolvimento ganha posição de destaque, corroborando a cristalização desse direito como
um direito inerente aos seres humanos.
Todavia, impõe-se atentar para a observação feita por Cançado Trindade. Refere o
autor que
a cristalização do direito ao desenvolvimento como um direito humano deve-se em
grande parte à perspectiva globalista avançada pelas Nações Unidas, acarretada
pelas mudanças fundamentais experimentadas pela sociedade internacional
contemporânea (inter alia, descolonização, imperativos da justiça social, capacidade
de destruição maciça, crescimento populacional, sustentabilidade ambiental, padrões
de produção e consumo, remodelando o cenário mundial da era do pós-guerra fria).
No contexto das iniciativas desenvolvimentistas, o direito ao d
esenvolvimento
reforça os direitos pré-existentes, e proscreve a invocação dos chamados requisitos
do desenvolvimento material para tentar justificar restrições ao exercício dos direitos
humanos garantidos (2003b, p. 281).
Percebe
-se, dessa forma, que a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
corresponde a uma resposta da comunidade internacional aos anseios que ganharam relevo no
âmbito das Nações Unidas com o ingresso dos Estados recentemente descolonizados.
Todavia, como sustenta Alves,
na esfera doutrinária, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento consolida a
tendência histórica à expansão dos direitos humanos rumo a uma nova categoria, de
titularidade coletiva e responsabilidade difusa. Tais direitos, não-
jurisdicionados
nem exigíveis em tribunais, têm por sujeitos os indivíduos que compõem povos e
nações. São cobrados, em última instância, da comunidade internacional como um
todo (1997, p. 210).
Surge, portanto, a consciência de que os direitos humanos constituem-se em mais do
que proteções contra a atuação arbitrária do Estado. Reconhece-se que os direitos humanos
correspondem a garantias de efetivo bem
-
estar aos indivíduos.
83
3.2 A Crescente Convergência entre Direitos Humanos e Direito ao Desenvolvimento
A adoção da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento pela Assembléia Geral
das Nações Unidas coroou o reconhecimento do direito ao desenvolvimento como um direito
humano fundamental. Conforme visto anteriormente, esse processo de vinculação teve início
ainda na década de 60. Porém, no decorrer desse período, o direito ao desenvolvimento foi
recebendo diferentes conotações.
Nesse sentido, Cançado Trindade efetua uma análise histórica sobre o
desenvolvimento. Para o autor,
nos anos sessenta voltavam-se as atenções ao desenvolvimento econômico
internacional a fim de superar o agravamento dos desequilíbrios e a alta
concentração de renda. Nos anos setenta deu-se ênfase no atendimento das
necessidades humanas básicas e na redistribuição mediante o crescimento
econômico. Na década de oitenta passou-se a se preocupar cada vez mais com os
efeitos dos ajustes estruturais das necessidades sociais e condições de vida. E agora,
nos anos noventa, parece emergir um consenso universal voltado à erradicação da
pobreza e à busca e realização do desenvolvimento humano sustentável (2003b, p.
265).
Constata
-se, dessa forma, que a abordagem efetuada sobre o desenvolvimento foi
ganhando contornos diferenciados no decorrer das décadas. Com isso, o próprio entendimento
sobre o desenvolvimento sofreu alterações, de modo que se pode estabelecer o direito ao
desenvolvimento como um direito fundamental inerente a todas as pessoas e todos os povos.
Nesse sentido é a lição de Perrone
-
Moisés. Com efeito, afirma a autora que
o direito ao desenvolvimento é um conceito antigo mas que vem assumindo novo
significado no contexto internacional. O próprio termo desenvolvimento , antes
entendido como puramente econômico, hoje ganha outras conotações, pressupondo
uma aproximação integrada (econômica e social) e um
a ação global (1998, p. 49).
84
Esse panorama conduz a uma crescente convergência entre direitos humanos e
direito ao desenvolvimento. A relação entre ambos acabou sendo reconhecida pelas Nações
Unidas, através da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Com esse documento, a
ONU pretendeu estabelecer a conexão entre direito ao desenvolvimento e a promoção e
defesa dos direitos humanos, além da manutenção da paz e da segurança internacionais,
reportando
-se aos aspectos consagrados na Carta de São Francisco e na Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Essa participação da ONU na afirmação do direito ao desenvolvimento e sua
vinculação como direito humano não se encerrou com a adoção da Declaração sobre o Direito
ao Desenvolvimento. Como assevera De
lgado,
no mundo contemporâneo, o direito ao desenvolvimento vem adquirindo um espaço
cada vez mais importante na agenda internacional, passando da condição de
princípio ao status de direito humano. Ele se insere no contexto dos direitos
humanos de titularidade coletiva que vêm sendo elaborados pela ONU, também
denominados de direitos dos povos ou de direitos de coletividade, direitos estes
relativos à cidadania pós-material, reivindicada em face da dramática e complexa
realidade que envolve mormente os pa
íses subdesenvolvidos (2001, p. 85).
Deve
-se, ainda, atentar para o fato de que a convergência entre os direitos humanos e
o direito ao desenvolvimento ganha maior relevo com a afirmação cada vez mais consagrada
da indivisibilidade dos direitos humanos. I
sso conduz a um novo cenário, no qual se adquire a
consciência de que a impossibilidade da fruição do direito ao desenvolvimento conduz a
crescentes violações dos demais direitos humanos. Da mesma forma, se observa que nos
países pouco desenvolvidos o desrespeito aos direitos humanos, mormente os direitos
econômicos, sociais e culturais, é maior.
85
A íntima relação entre o respeito aos direitos humanos e o direito ao
desenvolvimento, nesse contexto, é analisada por Cançado Trindade. Afirma o autor que a
aus
ência de condições mínimas de sobrevivência é causa de massivas violações de direitos
humanos, em especial os deslocamentos internos, a imigração em busca de trabalho e de
melhores condições de vida, o que em grande parte dos casos ocorre de forma ilegal, e a
marginalização e exclusão sociais. (2003b).
É nesse sentido que se desenvolve a interdependência entre os direitos humanos e o
direito ao desenvolvimento. A afirmação da necessidade de observação e implementação do
direito ao desenvolvimento como forma de garantir o respeito a todos os direitos humanos se
assenta no caráter de indivisibilidade consagrado pela Declaração das Nações Unidas.
Nesse sentido, salutar é a lição de Cançado Trindade. Assevera o autor que
o direito ao desenvolvimento teve o propósito de fortalecer, jamais restringir, os
direitos pré-existentes. Assim ocorre em razão da natureza complementar de todos
os direitos humanos. Todos os aspectos do direito ao desenvolvimento, por sua vez,
são do mesmo modo interdependentes e hão de ser levados em conta como um todo.
Assim, uma denegação do direito ao desenvolvimento há de acarretar conseqüências
adversas para o exercício dos direitos civis e políticos, assim como dos direitos
econômicos, sociais e culturais. O reconhecimento e a cristalização do direito ao
desenvolvimento puderam ter ocorrido à luz da unidade de concepção e
indivisibilidade dos direitos humanos (2003b, p. 281).
Assim, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento caracteriza-se como um
importante instrumento jurídico no âmbito do Sistema Internacional de Direitos Humanos, ao
estabelecer um elo de ligação entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos,
sociais e culturais.
86
3.3 A Convenção de Viena: A Vinculação Formal entre Direitos Humanos e Direito ao
Desenvolvimento Reconhecida
O direito ao desenvolvimento, consagrado na Declaração de 1986, foi reafirmado na
II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em 1993, em Viena. Na referida
Conferência, restou reconhecida a vinculação formal entre os direitos humanos e o direito ao
desenvolvimento. Além disso, o direito ao desenvolvimento foi definitivamente incorporado
ao Direito Internacional positivo dos Direitos Humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Nesse contexto, vale ressaltar a observação de Delgado sobre a II Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos. Para a autora, a Conferência
por ter sido realizada em um momento de profundas transformações em nível
mundial, trouxe importantes avanços conceituais no tocante à preocupação
internac
ional com os direitos humanos, tratando de ponderar questões relacionadas à
universalização desses direitos; à sua indivisibilidade; à proteção dos grupos
vulneráveis; ao diálogo entre os governos e organizações não-governamentais; ao
direito ao desenvolvimento; e à relação entre o desenvolvimento, a democracia e os
direitos humanos (2001, p. 100).
O documento final da II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, a Declaração
e Programa de Ação de Viena, teve uma seção dedicada ao direito ao desenvolvime
nto. Nessa
seção, da mesma forma que estabelecido pela Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, restou reconhecido o direito ao desenvolvimento como um direito
universal e inalienável e parte integrante dos direitos humanos fundamentais. Também resto
u
reafirmado que a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento (parágrafo 10).
A Declaração de Viena trouxe um aspecto inovador em relação à Declaração de
1986. Estabeleceu o documento de 1993 que embora o desenvolvimento facilite a realização
87
de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento não poderá ser invocada como
justificativa para se limitarem os direitos humanos internacionalmente reconhecidos . Essa
previsão aponta para a preocupação com os casos de violação dos direitos humanos por parte
dos países subdesenvolvidos. Com ela, o subdesenvolvimento não pode ser invocado para
justificar o desrespeito aos direitos já reconhecidos.
Na Declaração de Viena novamente é afirmado o dever de cooperação internacional
entre os Estados, com vistas a garantir o desenvolvimento e eliminar os obstáculos à
implementação desse direito. Todavia, esse dever foi estendido à toda comunidade
internacional, que deve promover uma cooperação internacional eficaz, visando à realização
do direito ao desenvolvimento e à eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento. Em
complemento, afirmou, ainda que os Estados e as organizações internacionais, em regime de
cooperação com organizações não-governamentais, devem criar condições favoráveis nos
níveis nacional, regional e internacional para garantir o pleno e efetivo exercício dos direitos
humanos.
As conclusões extraídas da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada um ano antes, no Rio de Janeiro, também foram reafirmadas na
De
claração de Viena. Nesse sentido, o parágrafo 11 estabelece que o direito ao
desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer eqüitativamente as necessidades
ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e futuras. Com isso, o conceito de
di
reito ao desenvolvimento foi ampliado, abrindo caminho para a afirmação do direito ao
desenvolvimento sustentável.
88
Como forma de implementação do direito ao desenvolvimento, a Declaração insta à
comunidade internacional a empreender todos os esforços para ajudar a aliviar a carga da
dívida externa dos países em desenvolvimento. Esses esforços, por sua vez, possuem o
objetivo de complementar os esforços dos Governos desses países para garantir plenamente os
direitos econômicos, sociais e culturais de seus povos. Para Delgado, tal previsão constitui
um grato momento da Declaração (2001, p. 102).
Por outro lado, a Declaração e Programa de Ação de Viena ressaltou a interrelação
entre a democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos, destacando que
esses conceitos são interdependentes e se reforçam mutuamente, nos termos de seu parágrafo
8º. Essa relação, segundo Delgado, se justifica no fato de que os direitos humanos e o
próprio direito ao desenvolvimento, enquanto direito humano, se realizam através da real
participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle de decisões (2001, p. 102).
E prossegue a autora, afirmando que
uma das peças-chaves para alcançar o efetivo gozo dos direitos humanos e do
desenvolvimento consiste na participação democrática através da qual as pessoas
possam determinar os sistemas econômicos, políticos, sociais e culturais que
nortearão as suas vidas (idem, ibidem).
A ligação entre os direitos humanos e o direito ao desenvolvimento foi enfatizada n
o
parágrafo 14 da Declaração de Viena. Esse dispositivo reconheceu que a existência
generalizada de situações de extrema pobreza inibe o pleno e efetivo exercício dos direitos
humanos. Tal reconhecimento retoma a tônica da Declaração das Nações Unidas sobre o
Direito ao Desenvolvimento, no qual já era sustentado que a observância do direito ao
desenvolvimento é fundamental para a garantia dos direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais.
89
Essa estreita preocupação da Declaração de Viena com os direitos econômicos,
sociais e culturais apresenta-se por todo o documento. Nesse sentido, Cançado Trindade
afirma que tendo sido os direitos econômicos, sociais e culturais reconhecidamente
negligenciados no passado, no tocante a sua real implementação, em nada surpreende que
tivesse a Declaração e Programa de Ação de Viena dedicado atenção especial aos mesmos
(2003b, p. 304).
Tendo em vista a situação descrita por Cançado Trindade, a grande preocupação da
Declaração e Programa de Ação de Viena foi reafirmar o caráter de indivisibilidade dos
direitos humanos. Para tanto, restou expressamente reconhecido, no parágrafo 5º, que todos os
direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-
relacionados.
Asseverou, ainda, que a comunidade internacional deve tratar os direitos humanos
globalmente, de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.
A preocupação das Nações Unidas em afirmar a indivisibilidade, interdependência e
inter
-relação entre os direitos humanos, bem como entre estes e o direito ao desenvolvimento,
é sustentada por Perrone
-
Moisés. Para a autora,
a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos trazem como
conseqüência a necessidade de os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
cu
lturais serem tratados sempre conjuntamente. O direito ao desenvolvimento pode
ser considerado não como um direito à parte, mas como o direito que proporcionará
os meios necessários para que se realizem os demais. Pode-se dizer que se trata de
uma síntese de todos os direitos humanos, que tem como objetivo tornar concreto o
art. XXVIII da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo a qual todo
homem tem direito a uma ordem social e internacional em que todos os direitos e
liberdades possam ser plena
mente realizados (1999, p. 192).
Na mesma esteira é o posicionamento de Delgado. Sustenta a mesma que face ao
caráter de indivisibilidade dos direitos humanos, o direito ao desenvolvimento também
contribuirá significativamente para a promoção dos outros direitos (2001, p. 99).
90
Alves chama a atenção para o significado da reafirmação do direito ao
desenvolvimento pela II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena. Para o
autor, ela ajudou a introduzir o componente dos direitos humanos em todas as atividades da
Organização na esfera econômica (1997, p. 210). Acrescenta, ainda, o autor que
ao colocar a pessoa humana como sujeito central do processo desenvolvimentista,
ela modificou a própria noção de desenvolvimento, antes medido exclusivamente
por critérios econômicos de crescimento e indicadores do tipo renda nacional e
renda per capita , que nada informavam sobre a real situação das populações
(idem, ibidem).
Cançado Trindade complementa a análise de Alves, destacando que
a aprovação da inserção da seção sobre o direito ao desenvolvimento como um
direito humano na Declaração e Programa de Ação de Viena representou a
superação de um impasse e um considerável avanço no exercício de elaboração e
adoção do documento (2003b, p. 306).
Dessa forma, o direito ao desenvolvimento passa a ser encarado como um caminho
para a efetiva promoção dos demais direitos humanos, reforçando-se ainda mais a noção de
complementaridade e interdependência entre todos os direitos fundamentais.
91
CONCLUSÃO
A promoção e defesa dos direitos humanos no âmbito internacional constitui-se em
um fato verificado na segunda metade do século XX. Com efeito, essa matéria somente ganha
corpo com as massivas violações de direitos humanos verificadas durante a Segunda Guerra
Mundial, na era Hitler. Após a vitória sobre o regime nazista, a comunidade internacional,
liderada pelos Estados aliados, que travaram a luta contra os países do eixo, sentiu a
necessidade de serem tomadas medidas para a proteção dos direitos fundamentais dos seres
humanos em escala internacional.
Paralelamente a esse despertar de consciência, surgiu entre as principais potências da
época (aquelas que venceram a guerra) o ideal de constituir uma organização internacional
incumbida da manutenção da paz e da segurança internacionais. Com a união desses
propósitos, é criada, em 1945, a Organização das Nações Unidas.
Desde a sua fundação, a ONU demonstrou uma grande preocupação com o respeito
aos direitos humanos. Uma das suas primeiras realizações nessa área foi a elaboração e
adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Com tal feito, estabeleceu-
se o Sistema Internacional de Direitos Humanos, base de toda a proteção dos direitos
fundamentais do ser humano.
92
A partir da elaboração da Declaração Universal, os trabalhos da ONU na área de
direitos humanos foram ganhando dimensão expansionista. Seguiram-se, à Declaração de
1948, os Pactos Internacionais sobre direitos humanos e um grande número de convenções e
declarações destinadas a promover a defesa de determinados direitos ou de grupos
específicos. Ao mesmo tempo, foram sendo implementados os mecanismos de supervisão,
visando tornar efetivos os direitos reconhecidos.
Destaca
-se, dessa forma, o papel desempenhado pela ONU na consolidação dos
direitos humanos e na elaboração da legislação sobre tal matéria. A esse trabalho, seguiu-
se,
pari passu, uma crescente atuação para a afirmação da universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos direitos humanos. Com base em tal perspectiva, verifica-se que sem a
implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos
também não se realizam. Por outro lado, sem a garantia dos direitos civis e políticos, os
direitos econômicos, sociais e culturais não são suficientes para garantir o pleno
desenvolvimento do ser humano.
É justamente com base nesses princípios que surge a noção de direito ao
desenvolvimento. O direito ao desenvolvimento constitui-se em um direito humano
fundamental, dirigido a cada um dos seres humanos e realizado coletivamente. Essa noção foi
consagrada na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, e
reafirmada por ocasião da II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em
Viena, em 1993.
A promoção do direito ao desenvolvimento encontra-se intimamente relacionada
com o respeito aos direitos humanos. Essa relação foi amplamente tratada pela Declaração
93
sobre o Direito ao Desenvolvimento, especialmente ao considerar a pessoa humana como o
dest
inatário do direito ao desenvolvimento. Essa acepção introduz um novo fator na questão
relacionada ao desenvolvimento: o fator humano. Com isso, surge a consciência de que o
verdadeiro desenvolvimento não é aquele que é mensurado por indicadores econômicos. Para
a avaliação do desenvolvimento, que se levar em consideração a forma como as pessoas
desfrutam do progresso econômico.
Esse panorama conduz à conclusão de que a implementação do direito ao
desenvolvimento constitui-se em fator indispensável para a promoção e a garantia de todos os
direitos humanos. Uma vez que tal direito se encontra reconhecido, urge que seja dada
efetividade ao mesmo, tal como proposto pela Declaração e Programa de Ação de Viena.
Como asseverado nessa obra, não se pode deixar a implementação de determinadas categorias
de direitos para um futuro incerto. A dignidade da pessoa humana, reconhecida e apontada
como valor fundamental desde a Carta de o Francisco, impõe que seja possibilitado o
desenvolvimento integral de todos os indivíduos, seja em seus aspectos civis e políticos, seja
em seus aspectos econômicos, sociais e culturais.
94
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97
98
Anexo I
-
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
Adotada pela Resoluçã
o n.
º 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de
dezembro de 1986.
A Assembléia Geral,
Tendo em mente os propósitos e os princípios da Carta das Nações Unidas
relativas à realização da cooperação internacional para resolver os problemas
intern
acionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e
encorajar o respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião;
Reconhecendo que o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural
e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população
e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no
desenvolvimento e na distribuição justa dos b
enefícios daí resultantes;
Considerando que sob as disposições da Declaração Universal dos Direitos
Humanos todos m direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e as
liberdades consagrados nesta Declaração possam ser plenamente realizad
os;
Recordando os dispositivos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;
Recordando ainda os importantes Acordos, Convenções, Resoluções,
Recomendações e outros instrumentos das Nações Unidas e de suas agências
especializadas relativos ao desenvolvimento integral do ser humano, ao progresso
econômico e social e desenvolvimento de todos os povos, inclusive os instrumentos
relativos à descolonização, à prevenção de discriminação, ao respeito e observância dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais, à manutenção da paz e segurança
internacionais e maior promoção das relações amistosas e cooperação entre os Estados de
acordo com a Carta;
Recordando o direito dos povos à autodeterminação, em virtude do qual eles têm
o direito de determinar livremente seus
status
político e de buscar seu desenvolvimento
econômico, social e cultural;
Recordando também o direito dos povos de exercer, sujeitos aos dispositivos
relevantes
de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, soberania plena e
completa sobre todas as suas riquezas e recursos naturais;
Atenta à obrigação dos Estados sob a Carta de promover o respeito e a
observância universais aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de qualquer natureza, tal como de raça, cor, sexo, língua, religião, política ou
outra opinião nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro
status
;
99
Considerando que a eliminação das violações maciças e flagrantes dos direitos
humanos dos povos e indivíduos afetados por situações tais como as resultantes do
colonialismo, neocolonialismo,
apartheid
, de todas as formas de racismo e discriminação
racial, dominação estrangeira e ocupação, agressão e ameaç
as contra a soberania nacional,
unidade nacional e integridade territorial, e ameaças de guerra, contribuiria para o
estabelecimento de circunstâncias propícias para o desenvolvimento de grande parte da
humanidade;
Preocupada com a existência de sérios obstáculos ao desenvolvimento, assim
como à completa realização dos seres humanos e dos povos, constituídos, inter alia, pela
negação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e considerando que
todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e
interdependentes, e que, para promover o desenvolvimento, devem ser dadas atenção igual
e consideração urgente à implementação, promoção e proteção dos direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais, e que, por c
onseguinte, a promoção, o respeito e
o gozo de certos direitos humanos e liberdades fundamentais não podem justificar a
negação de outros direitos humanos e liberdades fundamentais;
Considerando que a paz e a segurança internacionais são elementos essenciais à
realização do direito ao desenvolvimento;
Reafirmando que existe uma relação íntima entre desarmamento e
desenvolvimento, que o progresso no campo do desarmamento promoveria
consideravelmente o progresso no campo do desenvolvimento, e que os recursos
liberados
pelas medidas de desarmamento deveriam dedicar-se ao desenvolvimento econômico e
social e ao bem-estar de todos os povos e, em particular, daqueles dos países em
desenvolvimento;
Reconhecendo que a pessoa humana é o sujeito central do processo de
desenvolvimento e que essa política de desenvolvimento deveria assim fazer do ser
humano o principal participante e beneficiário do desenvolvimento;
Reconhecendo que a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento dos
povos e indivíduos é a responsab
ilidade primária de seus Estados;
Ciente de que os esforços em nível internacional para promover e proteger os
direitos humanos devem ser acompanhados de esforços para estabelecer uma nova ordem
econômica internacional;
Confirmando que o direito ao desenvo
lvimento é um direito humano inalienável e
que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das
nações quanto dos indivíduos que compõem as nações;
Proclama a seguinte Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento:
Artigo 1º
§1
. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do
qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento
econômico, social, cultural e político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
100
§2
. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do
direito dos povos à autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de
ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito
inalienável à soberania plena sobre todas as sua riquezas e recursos naturais.
Artigo 2º
§1
. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser
participante ativo e
beneficiário do direito ao desenvolvimento.
§2
. Todos os seres humanos m responsabilidade pelo desenvolvimento,
individual e coletivamente, levando-se em conta a necessidade de pleno respeito aos seus
direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a
comunidade, que sozinhos podem assegurar a realização livre e completa do ser humano e
deveriam por isso promover e proteger uma ordem política, social e econômica apropriada
para o desenvolvimento.
§3
. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas
para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a
população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e
significativa, e no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos benefícios daí
resultantes.
Artigo 3º
§1
. Os Estados têm a responsabilidade primária pela criação das condições
nacionais e internacionais favoráveis à realização do direito ao desenvolvimento.
§2
. A realização do direito ao desenvolvimento requer pleno respeito aos
princípios do direito internacional, relativos às relações amistosas de cooperação entre os
Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas.
§3
. Os Estados m o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o
desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento. Os Estados deveriam
realizar seus direitos e cumprir suas obrigações, de modo tal a promover uma nova ordem
econômica internacional, baseada na igualdade soberana, interdependência, int
eresse
mútuo e cooperação entre todos os Estados, assim como a encorajar a observância e a
realização dos direitos humanos.
Artigo 4º
Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar medidas para
formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena
realização do direito ao desenvolvimento. É necessária ação permanente para promover
um desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento. Como complemento
dos esforços dos países em desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é
essencial para prover esses países de meios e facilidades apropriados para incrementar seu
amplo desenvolvimento.
Artigo 5º
101
Os Estados tomarão medidas firmes para eliminar as violações maciças e
flagrantes dos direitos
humanos dos povos e dos seres humanos afetados por situações tais
como as resultantes do
apartheid
, de todas as formas de racismo e discriminação racial,
colonialismo, dominação estrangeira e ocupação, agressão, interferência estrangeira e
ameaças contra a soberania nacional, unidade nacional e integridade territorial, ameaças
de guerra e recusas de reconhecimento do direito fundamental dos povos à
autodeterminação.
Artigo 6º
§1
. Todos os Estados devem cooperar, com vistas a promover, encorajar e
fortale
cer o respeito universal à observância de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
§2
. Todos os direitos humanos e liberdades fundamentais o indivisíveis e
interdependentes; atenção
igual e consideração urgente devem ser dadas à implementação,
promoção e proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
§3
. Os Estados devem tomar providências para eliminar os obstáculos ao
desenvolvimento resultantes da falha na observância dos direitos civis e políticos, assim
como dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Artigo 7º
Todos os Estados devem promover o estabelecimento, a manutenção e o
fortalecimento da paz e segurança internacionais e, para este fim, deveriam fazer o
máximo para alcançar o desarmamento geral e completo do efetivo controle internacional,
assim como assegurar que os recursos liberados por medidas efetivas de desarmamento
sejam usados para o desenvolvimento amplo, em particular o dos países em via de
desenvolvimento.
Artigo 8º
§1
. Os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias
para a realização do direito ao desenvolvimento, e devem assegurar, inter alia, igualdade
de oportunidade para todos no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde,
alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda. Medidas efetivas
devem ser tomadas para assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de
desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com
vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.
§2
. Os Estados devem encorajar a participação popular em todas as esferas, como
um fator importante no desenvolvimento e na plena realização de todos os direitos
human
os.
Artigo 9º
§1
. Todos os aspectos dos direito ao desenvolvimento estabelecidos na presente
Declaração são indivisíveis e interdependentes, e cada um deles deve ser considerado no
contexto do todo.
§2
. Nada na presente Declaração deverá ser tido como s
endo contrário aos propósitos
e princípios das Nações Unidas, ou como implicando que qualquer Estado, grupo ou pessoa
tenha o direito de se engajar em qualquer atividade ou de desempenhar qualquer ato voltado à
102
violação dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos.
Artigo 10º
Os Estados deverão tomar medidas para assegurar o pleno exercício e o
fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, incluindo a formulação, adoçã
o
e implementação de políticas, medidas legislativas e outras, em níveis nacional e
internacional.
103
Anexo II
-
Declaração E Programa De Ação De Viena (1993)
A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos,
Considerando que a promoção e proteção dos direitos humanos são questões
prioritárias para a comunidade internacional e que a Conferência oferece uma oportunidade
singular para uma análise abrangente do sistema internacional dos direitos humanos e dos
mecanismos de proteção dos direitos humanos, para fortalecer e promover uma maior
observância desses direitos de forma justa e equilibrada,
Reconhecendo e afirmando que todos os direitos humanos têm origem na dignidade e
valor inerente à pessoa humana, e que esta é o sujeito central dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, razão pela qual deve ser a principal beneficiária desses direitos e
liberdades e participar ativamente de sua realização,
Reafirmando sua adesão aos propósitos e princípios enunciados na carta das Nações
Un
idas, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
Reafirmando o compromisso assumido no âmbito do artigo 56 da carta das Nações
Unidas, de tomar medidas conjuntas e separadas, enfatizando adequadamente o
desenvolvimento de uma cooperação internacional eficaz, visando à realização dos propósitos
estabelecidos no artigo 55, incluindo o respeito universal e observância dos direitos humanos
e liberdades fundamentais de todas as pessoa,
Enfatizando as responsabilidades de todos os Estados, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas, de desenvolver e estimular o respeito dos direitos humanos e liberdades
fundamentais de todas as pessoas sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião,
Lembrando o Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, particularmente a
deter
minação de reafirmar a nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor da
pessoa humana e nos direitos iguais de homens e mulheres das nações grandes e pequenas,
Lembrando também a determinação contida no Preâmbulo da Carta das Nações
Unidas, de
preservar as gerações futuras do flagelo da guerra, de estabelecer condições sob as
quais a justiça e o respeito às obrigações emanadas de tratados e outras fontes do direito
internacional possam ser mantidos, de promover o progresso social e o melhor padrão de vida
dentro de um conceito mais amplo de liberdade, de praticar a tolerância e a boa vizinhança e
de empregar mecanismos internacionais para promover avanços econômicos e sociais em
beneficio de todos os povos,
Ressaltando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que constitui uma
meta comum para todos os povos e todas as nações, é fonte de inspiração e tem sido a base
utilizada pelas Nações Unidas na definição das normas previstas nos instrumentos
internacionais de direitos humanos existentes, particularmente no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais,
Considerando as importantes mudanças em curso no cenário internacional e as
aspirações de todos os povos por uma ordem internacional baseada nos princípios
consagrados na Carta das Nações Unidas, incluindo a promoção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais de todas as pessoas e o respeito pelo princípio dos direitos iguais e
104
autodeterminação dos povos em condições de paz, democracia, justiça, igualdade, Estados de
Direito, pluralismo, desenvolvimento, melhores padrões de vida e solidariedade,
Profundamente preocupada com as diversas formas de discriminação e violência às
quais as mulheres continuam expostas em
todo o mundo,
Reconhecendo que as atividades das Nações Unidas na esfera dos direitos humanos
devem ser racionalizadas e melhoradas, visando a fortalecer o mecanismo das Nações Unidas
nessa esfera e promover os objetivos de respeito universal e observância das normas
internacionais dos direitos humanos,
Tendo levado em consideração as Declarações aprovadas nas três Reuniões
Regionais, realizadas em Túnis, San José e Bangkok e as contribuições dos Governos, bem
como as sugestões apresentadas por organizações intergovernamentais e não
governamentais e os estudos desenvolvidos por peritos independentes durante o processo
preparatório da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,
Acolhendo o ano Internacional dos Povos Indígenas de 1993 como a afirmação do
compromisso da comunidade internacional de garantir-lhes os direitos humanos e liberdades
fundamentais e respeitar suas culturas e identidades,
Reconhecendo também que a comunidade internacional deve conceber os meios para
eliminar os obstáculos existentes e superar desafios à realização de todos os direitos humanos
e para evitar que continuem ocorrendo casos de violações de direitos humanos em todo o
mundo,
Imbuída do espírito de nossa era e da realidade de nosso tempo, que exigem que
todos os povos do mundo e todos os Estados
membros das Nações Unidas empreendam
com redobrado esforço a tarefa de promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais, de modo a garantir a realização plena e universal desses direitos,
Determinada a tomar novas medidas em relação ao compromisso da comunidade
internacional de promover avanços substanciais na área dos direitos humanos, mediante
esforços renovados e continuados de cooperação e solidariedade internacionais,
Adota solenemente a Declaração e o Pro
grama de Ação de Viena
I
1. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o compromisso solene
de todos os Estados de promover o respeito universal e a observância e proteção de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais a todas as pessoas, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas, outros instrumentos relacionados aos direitos humanos e o direito
internacional. A natureza universal desses direitos e liberdades está fora de questão.
Nesse contexto, o fortalecimento da cooperação internacional na área dos direitos
humanos é essencial à plena realização dos propósitos das Nações Unidas.
Os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos naturais aos seres
humanos; sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos
Governos.
105
2. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito,
determinam livremente sua condição política e promovem livremente o desenvolvimento
econômico, social e cultural.
Levando em consideração a situação particular dos povos submetidos à dominação
colonial ou outras formas de dominação estrangeira, a Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos reconhece o direito dos povos de tomar medidas legítimas, em conformidade com a
Carta das Nações Unidas, para garantir seu direito inalienável à autodeterminação. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera que a negação do direito à
autodeterminação constitui uma violação dos direitos humanos e enfatiza a importância da
efetiva realização desse direito.
De acordo com a Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional Relativos à
Relações Amistosas e à Cooperação entre Estados em conformidade com a Carta das Nações
Unidas, nada do que foi exposto acima será entendido como uma autorização ou estímulo a
qualquer ação que possa desmembrar ou prejudicar, total ou parcialmente, a integridade
territorial ou unidade política de Estados soberanos e independentes que se conduzam de
acordo com o princípio de igualdade de direitos e autodeterminação dos povos e que possuam
assim Governo representativo do povo como um todo, pertencente ao território, sem qualquer
tipo de distinção.
3. Devem ser adotadas medidas internacionais eficazes para garantir e monitorar a
aplicação de normas de direitos humanos a povos submetidos a ocupação estrangeira, bem
como medidas jurídicas eficazes contra a violação de seus direitos humanos, de acordo com
as normas dos direitos humanos e o direito internacional, particularmente a Convenção de
Genebra sobre Proteção de Civis em Tempo de Guerra, de 14 de agosto de 1949, e outras
normas aplicáveis do direito humanitário.
4. A promoção e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
devem ser consideradas como um objetivo prioritário das Nações Unidas, em conformidade
com seus propósitos e princípios, particularmente o propósito da cooperação internacional.
No contexto desses propósitos e princípios, a promoção e proteção de todos os direitos
humanos constituem uma preocupação legítima da comunidade internacional. Os órgãos e
agências especializados relacionados com os direitos humanos devem, portanto, reforçar a
coordenação de suas atividades com base na aplicação coerente e objetiva dos instrumentos
internacionais de direitos humanos.
5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-
relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global,
justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades
nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos
históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e
culturais.
6. Os esforços do sistema das Nações Unidas, para garantir o respeito universal e a
observância de todos direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas,
contribuem para a estabilidade e bem
estar necessários à existência de relações pacíficas e
amistosas entre as nações e para melhorar as condições de paz e segurança e o
desenvolvimento social e econômico, em conformidade com a Carta das Nações Unidas.
7. O processo de promoção e proteção dos direitos humanos deve ser desenvolvido
em conformidade com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e o direito
internacional.
106
8. A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se
baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas
políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos de
suas vidas. Nesse contexto, a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais, em níveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A
comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção de democracia e o
desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro.
9.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que os países menos
desenvolvidos que optaram pelo processo de democratização e reformas econômicas, muitos
dos quais situam-se na África, devem ter o apoio da comunidade internacional em sua
transição
para a democracia e o desenvolvimento econômico.
10. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao
desenvolvimento, previsto na Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, como um direito
universal e inalienável e parte integral dos d
ireitos humanos fundamentais.
Como afirma a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana é o
sujeito central do desenvolvimento.
Embora o desenvolvimento facilite a realização de todos os direitos humanos, a falta
de desenvolvimento não poderá ser invocada como justificativa para se limitar os direitos
humanos internacionalmente reconhecidos.
Os Estados devem cooperar uns com os outros para garantir o desenvolvimento e
eliminar obstáculos ao mesmo. A comunidade internacional deve promover uma cooperação
internacional eficaz, visando à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de
obstáculos ao desenvolvimento.
O progresso duradouro necessário à realização do direito ao desenvolvimento exige
políticas eficazes de desenvolvimento em nível nacional, bem como relações econômicas
eqüitativas e um ambiente econômico favorável em nível internacional.
11. O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer
eqüitativamente as necessidades ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e
futuras. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que a prática de
descarregar ilicitamente substâncias e resíduos tóxicos e perigosos constitui uma grave
ameaça em potencial aos direitos de todos à vida e à saúde.
Con
seqüentemente, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela a todos os
Estados para que adotem e implementem vigorosamente as convenções existentes sobre o
descarregamento de produtos e resíduos tóxicos e perigosos e para que cooperem na
prevenção do
descarregamento ilícito.
Todas as pessoas têm o direito de desfrutar dos benefícios do progresso científico e
de suas aplicações. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos observa que
determinados avanços, principalmente na área das ciências biomédicas e biológicas, podem
ter conseqüências potencialmente adversas para a integridade, dignidade e os direitos
humanos do indivíduo e solicita a cooperação internacional para que se garanta pleno respeito
aos direitos humanos e à dignidade, nessa área de inter
esse universal.
12. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela à comunidade
internacional, no sentido de que a mesma empreenda todos os esforços necessários para
ajudar a aliviar a carga da dívida externa dos países em desenvolvimento, visando a
107
co
mplementar os esforços dos Governos desses países para garantir plenamente os direitos
econômicos, sociais e culturais de seus povos.
13. Os Estados e as organizações internacionais, em regime de cooperação com as
organizações não
governamentais, devem criar condições favoráveis nos níveis nacional,
regional e internacional para garantir o pleno e efetivo exercício dos direitos humanos. Os
Estados devem eliminar todas as violações de direitos humanos e suas causas, bem como os
obstáculos à realização dess
es direitos.
14. A existência de situações generalizadas de extrema pobreza inibe o pleno e
efetivo exercício dos direitos humanos; a comunidade internacional deve continuar atribuindo
alta prioridade a medidas destinadas a aliviar e finalmente eliminar s
ituações dessa natureza.
15. O respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem distinções de
qualquer espécie, é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos
humanos. A eliminação rápida e abrangente de todas as formas de racismo de discriminação
racial, de xenofobia e de intolerância associadas a esses comportamentos deve ser uma tarefa
prioritária para a comunidade internacional. Os Governos devem tomar medidas eficazes para
preveni
-las e combatê-las. Grupos, instituições, organizações intergovernamentais e não -
governamentais e indivíduos de modo geral devem intensificar seus esforços de cooperação e
coordenação de atividades contra esses males.
16. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos com bons olhos o progr
esso
alcançado no sentido de pôr fim ao apartheid e solicitar que a comunidade internacional e o
sistema das Nações Unidas prestem auxílio nesse processo.
Por outro lado, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos deplora os atos
persistentes de violência que têm por objetivo frustar o desmantelamento pacífico do
apartheid.
17. Os atos, métodos e práticas terroristas em todas as suas formas e manifestações,
bem como os vínculos existentes entre alguns países e o tráfico de drogas, são atividades que
visam
à destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia e que
ameaçam a integridade territorial e a segurança dos países, desestabilizando Governos
legitimamente constituídos. A comunidade internacional deve tomar as medidas necessá
rias
para fortalecer a cooperação na prevenção e combate ao terrorismo.
18. Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem
parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação das
mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural nos
níveis nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação,
com base no sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional.
A violência e todas as formas de abuso e exploração sexual, incluindo o preconceito
cultural e o tráfico internacional de pessoas, são incompatíveis com a dignidade e valor da
pessoa humana e devem ser eliminadas. Pode-se conseguir isso por meio de medidas
legisla
tivas, ações nacionais e cooperação internacional nas áreas do desenvolvimento
econômico e social, da educação, da maternidade segura e assistência à saúde e apoio social.
Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das
Naçõe
s Unidas na área dos direitos humanos, que devem incluir a promoção de todos os
instrumentos de direitos humanos relacionados à mulher.
108
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Governos,
instituições governamentais e não
governamentais
a intensificarem seus esforços em prol da
proteção e promoção dos direitos humanos da mulher e da menina.
19. Considerando a importância da promoção e proteção dos direitos das pessoas
pertencentes a minorias e a contribuição dessa promoção e proteção à estabilidade política e
social dos Estados onde vivem, a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos reafirma a
obrigação dos Estados de garantir a pessoas pertencentes a minorias o pleno e efetivo
exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sem qualquer forma de
discriminação e em plena igualdade perante a lei, em conformidade com a Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa Pertencentes a Minorais Nacionais, Étnicas,
Religiosas e Lingüisticas.
As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de desfrutar de sua própria cultura,
de professar e praticar sua própria religião e de usar seu próprio idioma privadamente ou em
público, com toda a liberdade e sem qualquer interferência ou forma de discriminação.
20. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece a dignidade inerente
e a contribuição singular dos povos indígenas ao desenvolvimento e pluralidade da sociedade
e reafirma vigorosamente o compromisso com a comunidade internacional em relação ao
bem
-estar econômico, social e cultural desses povos e ao seu direito de usufruir dos frutos do
desenvolvimento sustentável. Os Estados devem garantir a plena e livre participação de povos
indígenas em todos os aspectos da sociedade, particularmente nas questões que lhes
dizem
respeito. Considerando a importância da promoção e proteção dos direitos dos povos
indígenas e a contribuição dessa promoção e proteção à estabilidade política e social dos
Estados onde vivem, os Estados devem tomar medidas positivas e harmonizadas, em
conformidade com o direito internacional, para garantir o respeito a todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais dos povos indígenas em bases iguais e indiscriminatórias,
reconhecendo o valor e a diversidade de suas distintas identidades, culturas e formas de
organização social.
21. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, acolhendo positivamente a
pronta ratificação da Convenção sobre Direitos da Criança por parte de um grande mero de
Estados e observando o reconhecimento do direitos humanos das crianças na Declaração
Mundial sobre a Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento das Crianças, e no Plano de
Ação adotado na Cúpula Mundial sobre a Criança, solicita vigorosamente a ratificação
universal da Convenção até 1995 e sua efetiva implementação por todos os Estados
partes
mediante a adoção de todas as medidas legislativas, administrativas e de outra natureza que se
façam necessárias, assim como mediante a alocação do máximo possível de recursos
disponíveis. A não-discriminação e o interesse superior das crianças devem ser considerados
fundamentais em todas as atividades dirigidas à infância, levando em devida conta a opinião
dos próprios interessados. Os mecanismos e programas nacionais e internacionais de defesa e
proteção da infância dev
em ser fortalecidos, particularmente em prol de uma maior defesa das
meninas, das crianças abandonadas, das crianças de rua, das crianças econômica e
sexualmente exploradas, incluindo as que são vítimas da pornografia e prostituição infantis e
da venda de órgãos, das crianças acometidas por doenças, inclusive a síndrome da
imunodeficiência adquirida, das crianças refugiadas e deslocadas, das crianças detidas, das
crianças em situações de conflito armado, bem como das crianças que são vítimas da fome, da
sec
a e de outras emergências. Deve-se promover a cooperação e solidariedade internacionais,
com vistas a apoiar a implementação da Convenção e os direitos da criança devem ser
prioritários em todas as atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos.
109
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza também que o
desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos meninos e das meninas exige que
eles cresçam em um ambiente familiar que merece, por conseguinte, mais proteção.
22. Deve-se dar atenção especial às pessoas portadoras de deficiências, visando a
assegurar
-lhes um tratamento não
discriminatório e eqüitativo no campo dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, garantindo sua plena participação em todos os aspectos
da sociedade.
23.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que todas as pessoas,
sem qualquer distinção, têm direito a solicitar e gozar de asilo político em outros países em
caso de perseguição, bem como a retornar a seu próprio país. Nesse particular, enfatiza a
importância da Declaração do Direitos Humanos, da Convenção sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1951, de seu Protocolo de 1967 e dos instrumentos regionais. Expressa seu
reconhecimento aos Estados que continuam a aceitar e acolher grandes meros de
re
fugiados, em seus territórios e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
pela dedicação com que desempenha sua tarefa. Expressa também seu reconhecimento ao
Organismo de Obras Públicas e Socorro das Nações Unidas para Refugiados Palestinos no
Oriente Próximo.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que violações flagrantes
de direitos humanos, particularmente aquelas cometidas em situações de conflito armado,
representam um dos múltiplos e complexos fatores que levam ao deslo
camento de pessoas.
Em vista da complexidade da crise mundial de refugiados, a Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos reconhece, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com
os instrumentos internacionais pertinentes e em sintonia com o espírito de solidariedade
internacional e com a necessidade de compartilhar responsabilidades, que a comunidade
internacional deve adotar um planejamento abrangente em seus esforços, para coordenar
atividades e promover uma maior cooperação com países e organizações pertinentes nessa
área, levando em consideração o mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados. Esse planejamento deve incluir o desenvolvimento de estratégias que abordam as
causas e os efeitos dos movimentos de refugiados e de outras pessoas deslocadas, o
fortalecimento de medidas preparatórias e mecanismos de resposta, a concessão de proteção e
assistência eficazes, levando em conta as necessidades especiais das mulheres e das crianças,
e a identificação de soluções duradouras, preferencialmente a repatriação voluntária de
refugiados em condições de segurança e dignidade, incluindo soluções como as adotadas
pelas conferências internacionais sobre refugiados. Nesse contexto, a Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos enfatiza as r
esponsabilidades dos Estados, particularmente no que diz
respeito aos países de origem.
À luz de tal abordagem global, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
enfatiza a importância de se prestar atenção especial, particularmente por meio de
organizaç
ões inter governamentais e humanitárias, e de se encontrar soluções duradouras,
para a questão das pessoas deslocadas internamente, incluindo seu retorno voluntário e
reabilitação.
Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direit
o
humanitário, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza também a importância
e a necessidade da assistência humanitária às vitimas de todos os desastres, sejam eles
naturais ou produzidos pelo homem.
24. É extremamente importante que se enfatize a promoção e proteção dos direitos
humanos de pessoas pertencentes a grupos que se tornaram vulneráveis, como os
110
trabalhadores migrantes, visando à eliminação de todas as formas de discriminação contra os
mesmos e o fortalecimento e implementação mais eficaz dos instrumentos de direitos
humanos existentes. Os Estados têm a obrigação de criar e manter mecanismos nacionais
adequados, particularmente nas áreas de educação, saúde e apoio social, para promover e
proteger os direitos de setores vulneráveis de suas populações e garantir a participação de
pessoas desses setores na busca de soluções para seus problemas.
25. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos afirma que a pobreza extrema e
a exclusão social constituem uma violação da dignidade humana e que devem ser tomadas
medidas urgentes para se ter um conhecimento maior do problema da pobreza extrema e suas
causas, particularmente aquelas relacionadas ao problema do desenvolvimento, visando a
promover os direitos humanos das camadas mais pobres, pôr fim à pobreza extrema e à
exclusão social e promover uma melhor distribuição dos frutos do progresso social. É
essencial que os Estados estimulem a participação das camadas mais pobres nas decisões
adotadas em relação às suas comunidades, à promoção dos direitos humanos e aos esforços
para combater a pobreza extrema.
26. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos com bons olhos o progresso
alcançado na codificação dos instrumentos de direitos humanos, que constitui um processo
dinâmico e evolutivo, e recomenda vigorosamente a ratificação universal dos tratados de
direitos humanos existentes. Todos os Estados devem aderir a esses instrumentos
internacionais e devem evitar ao máximo a formulação de reservas.
27. Cada Estado deve ter uma estrutura eficaz de recursos jurídicos para reparar
infrações ou violações de direitos humanos. A administração da justiça, por meio dos órgãos
encarregados de velar pelo cumprimento da legislação e, particularmente, de um poder
judiciário e uma advocacia independentes, plenamente harmonizados com as normas
consagradas nos instrumentos internacionais dos direitos humanos, é essencial para a
realização plena e não discriminatória dos direitos humanos e indispensável aos processos de
democratização e desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, as instituições responsáveis
pela administração da justiça devem ser adequadamente financiadas e a comunidade
internacional deve oferecer um nível mais elevado de assistência técnica e financeira às
mesmas. Cabe às Nações Unidas estabelecer, como prioridade, programas especiais de
serviços de consultoria, com vistas a uma administração da justiça forte e independente.
28. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos expressa sua consternação
diante do registro de inúmeras violações de direitos humanos, particularmente na forma de
genocídio, limpeza étnica e violação sistemática dos direitos das mulheres em situações de
guerra, que criam êxodos em massa de refugiados e pessoas deslocadas. Ao mesmo tempo
que condena firmemente essas práticas abomináveis, a Conferência reitera seu apelo para que
os autores desses crimes sejam punidos e essas práticas imediatamente interrompidas.
29. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos expressa profunda preocupação
com as violações de direitos humanos registradas em todas as partes do mundo, em
desrespeito às normas consagradas nos instrumentos internacionais de direitos humanos e no
direito internacional humanitário, e com a falta recursos jurídicos suficientes e eficazes para
as vítimas.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos es profundamente preocupada
com as violações de direitos humanos durante conflitos armados, que afetam a população
civil, particularmente as mulheres, as crianças, os idosos e os portadores de deficiências;
portanto, a Conferência apela aos Estados e a todas as partes em conflitos armados para que
observem estritamente o direito internacional humanitário, estabelecido nas Convenções de
Genebra de 1949 e consagrado em outras normas e princípios do direito internacional, assim
111
como os padrões mínimos de proteção dos direitos humanos, estabelecidos em convenções
internacionais.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito das vítimas à
assistência oferecida por organizações humanitárias, como prevêem as Convenções de
Genebra de 1949 e outros instrumentos pertinentes ao direito internacional humanitário, e
apela para que o acesso a essa assistência seja seguro e oportuno.
30. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos expressa também consternação
diante da persistência, em diferentes partes do mundo, de violações flagrantes e sistemáticas
que constituem sérios obstáculos ao pleno exercício de todos os direitos humanos. Essas
violações e obstáculos incluem, além da tortura e de tratamentos ou punições desumanos e
degradantes, execuções sumárias e arbitrárias, desaparecimentos, detenções arbitrária, todas
formas de racismo, discriminação racial e apartheid, ocupação estrangeira, dominação
externa, xenofobia, pobreza, fome e outras formas de negação dos direitos eco
nômicos,
sociais e culturais, intolerância religiosa, terrorismo, discriminação contra as mulheres e a
ausência do Estado de Direito.
31. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela aos Estados para que não
tomem medidas unilaterais contrárias ao direito internacional e à Carta das Nações Unidas
que criem obstáculos às relações comerciais entre os Estados e impeçam a plena realização
dos direitos humanos enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
instrumentos internacionais de dire
itos humanos, particularmente o direito de todas as pessoas
a um nível de vida adequado à sua saúde e bem-estar, que inclui alimentação e acesso a
assistência de saúde, moradia e serviços sociais necessários. A Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos afirma que a alimentação não deve ser usada como instrumento de pressão
política.
32. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma a importância de se
garantir a universalidade, objetividade e não seletividade na consideração de questões
relativas
aos direitos humanos.
33. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o dever dos Estados,
consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e em outros instrumentos internacionais de direitos
humanos, de orientar a educação no sentido de que a mesma reforce o respeito aos direitos
humanos e liberdades fundamentais. A Conferência sobre Direitos Humanos enfatiza a
importância de incorporar a questão dos direitos humanos nos programas educacionais e
solicita aos Estados que assim procedam. A educação deve promover o entendimento, a
tolerância, a paz e as relações amistosas entre as nações e todos os grupos raciais ou
religiosos, além de estimular o desenvolvimento de atividades voltadas para esses objetivos
no âmbito da Nações Unidas. Por essa razão, a educação sobre direitos humanos e a
divulgação de informações adequadas, tanto de caráter teórico quanto prático, desempenham
um papel importante na promoção e respeito aos direitos humanos em relação a todos os
indivíduos, sem qualquer distinção de raça, idioma ou religião, e devem ser elementos das
políticas educacionais em níveis nacional e internacional. A Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos observa que a falta de recursos e restrições institucionais podem impedir a
realização imediata desses objetivos.
34. Devem ser empreendidos esforços mais vigorosos para auxiliar países que
solicitem ajuda, no sentido de estabelecerem condições adequadas para garantir a todos os
indi
víduos o exercício dos direitos humanos universais e das liberdades fundamentais. Os
Governos, o sistema das Nações Unidas e outras organizações multilaterais são instados a
aumentar consideravelmente os recursos alocados a programas voltados ao estabelecimento e
112
fortalecimento da legislação, das instituições e das infra-estruturas nacionais que defendem o
Estado de Direito e a democracia, a assistência eleitoral, a promoção da consciência dos
direitos humanos por meio de treinamento, ensino e educação e a participação popular e da
sociedade civil.
Deve
-se fortalecer e tornar mais eficientes e transparentes os programas de
consultoria e cooperação técnica do Centro de Direitos Humanos, para que os mesmos se
tornem importantes meios de promover mais respeito aos direitos humanos. Solicita-se aos
Estados que aumentem suas contribuições a esses programas, promovendo a alocação de mais
recursos do orçamento regular das Nações Unidas por meio de contribuições voluntárias.
35. A execução plena e efetiva das atividades das Nações Unidas voltadas à
promoção e proteção dos direitos humanos deve refletir a elevada importância atribuída aos
direitos humanos na Carta das Nações Unidas e a demanda por atividades das Nações Unidas
na área dos direitos humanos, conforme o mandato conferido pelos Estados
membros. Para
esse fim, as atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos devem contar com
mais recursos.
36. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o importante e
construtivo papel desempenhado pelas instituições nacionais na promoção dos direitos
humanos, particularmente no assessoramento das autoridades competentes, na reparação de
violações de direitos humanos, na divulgação das informações sobre esses direitos e na
educação em direitos humanos.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos estimula o estabelecimento e
fortalecimento de instituições nacionais, tendo em vista os "Princípios relativos ao estatuto
das instituições nacionais", reconhecendo o direito de cada Estado de estabelecer a estr
utura
que melhor convenha às necessidades particulares em nível nacional.
37. Os acordos regionais desempenham um papel fundamental na promoção e
proteção dos direitos humanos. Eles devem reforçar as normas universais dos direitos
humanos, consagrados nos
instrumentos internacionais de direitos humanos, e sua proteção. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos endossa os esforços que estão sendo
empreendidos no sentido de fortalecer esses acordos e melhorar sua eficácia, ao mesmo tempo
que enfatiza a importância de os mesmos cooperarem com as atividades das Nações Unidas
na área dos direitos humanos.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reitera a necessidade de se
considerar a possibilidade de estabelecer, onde não existam, acordos regionais e sub-
regionais, visando à promoção e proteção dos direitos humanos.
38. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece o importante papel
desempenhado por organizações não
governamentais na promoção dos direitos humanos e
em atividades humanitárias em níveis nacional, regional e internacional. A Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos aprecia a contribuição dessas organizações no sentido de
tornar o público mais consciente da questão dos direitos humanos, desenvolver atividades de
educação, treinamento e pesquisa nessa área e promover e proteger todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais. Reconhecendo que a responsabilidade primordial pela adoção de
normas cabe aos Estados, a Conferência aprecia também a contribuição oferecida por
organizaç
ões não- governamentais nesse processo. Nesse contexto, a Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos ressalta a importância da continuidade do diálogo e da cooperação
entre Governos e organizações não
-
governamentais. As organizações não
-
governamentais
e
seus membros efetivamente ativos na área dos direitos humanos devem desfrutar dos direitos
e liberdades reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e gozar da proteção
113
da legislação nacional. Esses direitos e liberdades não podem ser exerci
dos de forma contrária
aos propósitos e princípios das Nações Unidas. As organizações não
governamentais devem
ter liberdade para desempenhar suas atividades na área dos direitos humanos sem
interferências, em conformidade com a legislação nacional e em sintonia com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
39. Ao enfatizar a importância de se dispor de informações objetivas, responsáveis e
imparciais sobre questões humanitárias e de direitos humanos, a Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos encoraja uma maior participação dos meios de comunicação de massa
nesse esforço, aos quais a legislação nacional deve garantir liberdade e proteção.
II
A. Maior coordenação nos sistema das Nações Unidas na área dos direitos humanos
1. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda uma maior
coordenação em apoio aos direitos humanos e liberdades fundamentais, no âmbito do sistema
das Nações Unidas. Com essa finalidade insta todos os órgãos e organismos especializados
das Nações Unidas, cujas atividades envolvem os direitos humanos, a cooperarem uns com os
outros, no sentido de fortalecer, racionalizar e simplificar suas atividades, levando em
consideração a necessidade de evitar duplicações desnecessárias. A Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos recomenda também ao Secretário Geral que, em suas reuniões
anuais, funcionários de alto nível de órgãos ou organismos competentes das Nações Unidas,
além de coordenarem suas atividades, avaliem também o impacto de suas estratégias e
políticas sobre a fruição d
e todos os direitos humanos.
2. Além disso, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita às
organizações regionais e às principais instituições internacionais e regionais de financiamento
e desenvolvimento que avaliem o impacto de suas políticas e programas sobre a fruição dos
direitos humanos.
3. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que os organismos
especializados e órgãos e instituições competentes do sistema das Nações Unidas, assim como
outras organizações intergovernamentais cujas atividades envolvem direitos humanos,
desempenham um papel vital na formulação, promoção e implementação de normas relativas
aos direitos humanos sob suas respectivas competências, e que esses organismos, órgãos e
organizações devem levar em consideração os resultados da Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos nas áreas de sua competência.
4. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda vivamente que se
empreenda um esforço coordenado, no sentido de estimular e facilitar a ratificação e
adesão
ou sucessão dos tratados e protocolos internacionais de direitos humanos adotados no âmbito
do sistema das Nações Unidas, visando a torná-los universalmente aceitos. Em regime de
consultas com os órgãos estabelecidos em virtude desses tratados, o Secretário Geral deve
considerar a possibilidade de iniciar um diálogo com Estados que não aderiram aos ditos
tratados de direitos humanos, visando a identificar obstáculos e maios para superá
-
los.
5. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita que os Estados
considerem a possibilidade de limitar o alcance de quaisquer reservas que porventura tenham
adotado em relação a instrumentos internacionais de direitos humanos, que formulem tais
reservas de forma mais precisa e estrita possível, que não adotem reservas incompatíveis com
114
o objeto e propósito do tratado em questão e que reconsiderem regularmente tais reservas com
vistas a eliminá
-
las.
6. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, reconhecendo a necessidade de
manter consistência com a elevada qualidade dos padrões internacionais existentes e evitar a
proliferação dos instrumentos de direitos humanos, reafirma as diretrizes par a elaboração de
novos instrumentos internacionais, consagradas na Resolução n. 41/120, de 4 de dezembro de
1986, da Assembléia Geral das Nações Unidas e solicita aos órgãos de direitos humanos das
Nações Unidas que, ao considerarem a possibilidade de elaborar novas normas internacionais,
levem em consideração essas diretrizes, consultem os órgãos de direitos humanos criados por
tratados sobre a necessidade de elaborar novas normas e solicitem à Secretaria que elabore um
exame técnico dos novos instrumentos propostos.
7. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que, mediante
solicitação dos Estados membros interessados, sempre que necessário, sejam designados
funcionários graduados aos escritórios regionais das Nações Unidas para divulgarem
informações e oferecerem treinamento e outras formas de assistência técnica na área de
direitos humanos. Deve-se organizar cursos de treinamento na área de direitos humanos para
funcionários internacionais designados para trabalhar em áreas relacionadas a esses direitos.
8. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera positiva a iniciativa de
realizar sessões de emergência no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e solicita aos
órgãos competentes do sistema das Nações Unidas que considerem outros meios de responder
a violações flagrantes de direitos humanos.
Recursos
9. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, preocupada com a crescente
disparidade entre as atividades do Centro de Direitos Humanos e os recursos humanos,
financeiros e de outra natureza disponíveis para a sua execução, e levando em consideração os
recursos necessários para a implementação de outros programas importantes das Nações
Unidas, solicita ao Secretário Geral e à Assembléia Geral que tomem medidas imediatas, no
sentido de aumentar substancialmente os recursos disponíveis a programas de direitos
humanos nos orçamentos existentes e futuros das Nações Unidas, bem como medidas
urgentes para obter mais recursos extra
-
orçamentários.
10. Nesse contexto, deve-se alocar uma proporção maior do orçamento regular ao
Centro de Direitos Humanos, visando a cobrir seus custos e outros custos por ele assu
midos,
incluindo os correspondentes aos órgãos de direitos humanos das Nações Unidas. O
financiamento voluntário das atividades de cooperação técnica do Centro deve reforçar esse
incremento orçamentário; a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicit
a
contribuições voluntárias ao fundos fiduciários existentes.
11. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita ao Secretário Geral e à
Assembléia Geral que forneçam uma quantidade suficiente de recursos humanos, financeiros
e de outra natureza ao Centro de Direitos Humanos, para que o mesmo possa desempenhar
suas tarefas de forma eficaz, eficiente e rápida.
12. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, observando a necessidade de
garantir a disponibilidade de recursos humanos e financeiros para o desempenho das
atividades de direitos humanos, em conformidade com o mandato atribuído por órgãos
intergovernamentais, solicita ao Secretário Geral, de acordo com o artigo 101 da Carta das
Nações Unidas, e aos Estados
membros, que adotem critérios coerentes para garantir a
disponibilidade dos recursos necessários em virtude da ampliação dos mandatos da Secretaria.
115
A Conferência Mundial dos Direitos Humanos convida o Secretário Geral a considerar a
necessidade ou utilidade de modificar os procedimentos do ciclo orçamentário, no sentido de
garantir a oportunidade e efetiva implementação de atividades de direitos humanos, em
conformidade com os mandatos outorgados pelos Estados
membros.
Centro de Direitos Humanos
13. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza a importância de se
fortalecer o Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas.
14. O Centro de Direitos Humanos deve desempenhar um papel importante na
coordenação de todo o trabalho desenvolvido pelo sistema das Nações Unidas na área dos
direitos humanos. A melhor forma de viabilizar o papel focal do Centro é permitir que o
mesmo coopere plenamente com outros organismos e órgãos das Nações Unidas. O papel
coordenador do Centro de Direitos Humanos exige também que o seu escritório em New
Yor
k seja fortalecido.
15. Deve-se fornecer ao Centro de Direitos Humanos meios adequados para o
sistema de relatores temáticos e, por países, peritos, grupos de trabalho e órgãos criados por
tratados. O exame da aplicação das recomendações deve ser uma questão prioritária para a
Comissão dos Direitos Humanos.
16. O Centro de Direitos Humanos deve assumir um papel mais abrangente na
promoção dos direitos humanos. Pode-se moldar esse papel em cooperação com os Estados
membros e ampliar os programas de consultoria e assistência técnica. Os fundos voluntários
existentes devem crescer substancialmente para que esses objetivos sejam logrados, bem
como administrados de forma mais eficiente e coordenada. Todas as atividades devem
observar normas administrativas rápidas e transparentes no âmbito dos projetos e devem-
se
fazer avaliações periódicas regulares dos programas e projetos. Com esse fim, os resultados
dessas avaliações e outras informações pertinentes devem ser regularmente divulgados. O
Centro deve, particularmente, organizar reuniões informativas pelo menos uma vez por ano,
aberta a todos os Estados membros e organizações diretamente envolvidas nesses projetos e
programas.
Adaptação e fortalecimento dos mecanismos das Nações Unidas na área dos direitos
human
os, incluindo a questão da criação de um cargo de Alto Comissário das Nações Unidas
para os Direitos Humanos
17. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos reconhece a necessidade de
se adaptar continuamente os mecanismos das Nações Unidas na área dos direitos humanos às
necessidades presentes e futuras de promoção e defesa dos direitos humanos, em
conformidade com a presente Declaração e no contexto do desenvolvimento equilibrado e
sustentável de todos os povos. Em particular, os órgãos de direitos humanos das Nações
Unidas devem melhorar sua coordenação, eficiência e eficácia.
18. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda à Assembléia Geral
que, ao examinar o relatório da Conferência em seu quadragésimo
-
oitavo período de sessões,
comece
a analisar prioritariamente a questão da criação de um cargo de Alto Comissário para
os Direitos Humanos, visando à promoção e proteção de todos os direitos humanos.
B. Igualdade, dignidade e tolerância
1. Racismo, discriminação racial, xenofobia e outra
s formas de intolerância.
116
19. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera a eliminação do
racismo e da discriminação racial, particularmente em suas formas institucionalizadas como o
apartheid ou as resultantes de doutrinas de superioridade ou exclusividade racial ou formas e
manifestações contemporâneas de racismo, um objetivo primordial da comunidade
internacional e um programa mundial de promoção no campo dos direitos humanos. Os
órgãos e organismos das Nações Unidas devem fortalecer seus esforços para implementar um
programa de ação relativo à terceira década de combate ao racismo e à discriminação racial e
desenvolver ações subsequentes, no âmbito de seus mandatos, com a mesma finalidade. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita vigorosamente à comunidade
internacional que faça contribuições generosas ao Fundo do Programa para a Década de Ação
de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial.
20. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Governos a
tomarem medidas imediatas e desenvolverem políticas vigorosas no sentido de evitar e
combater todas as formas de racismo, xenofobia ou manifestações análogas de intolerância,
onde seja necessário, promulgando leis adequadas, adotando medidas penais cabíveis e
estabelecendo instituições nacionais para combater fenômenos dessa natureza.
21. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos acata a decisão da Comissão de
Direitos Humanos de designar um Relator Especial para examinar formas contemporâneas de
racismo, discriminação racial, xenofobia e manifestações análogas de intolerância. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita também a todos os Estados
partes na
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
que considerem a
possibilidade de fazer a declaração prevista no artigo 14 da Convenção.
22. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita a todos os Governos que
tomem todas as medidas adequadas, em conformidade com suas obrigações internacionais e
levando em devida conta seus respectivos sistemas jurídicos, para fazer frente à intolerância e
formas análogas de violência baseadas em posturas religiosas ou crenças, inclusive práticas de
discriminação contra as mulheres e a profanação de locais religiosos, reconhecendo que todos
os indivíduos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência, de expressão e de
religião. A Conferência convida também todos os Estados a aplicarem, na prática, as
disposições da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e
Discriminação Racial Baseadas em Religião ou Crenças.
23. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos enfatiza que todas as pessoas
que cometem ou autorizam atos criminosos de limpeza étnica são individualmente
responsáveis por essas violações dos direitos humanos e devem responder pelas mesmas, e
que a comunidade internacional deve empreender todos os esforços necessários para entregar
à justiça as pessoas responsáveis por essas violações.
24. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita a todos os Estados que
tomem medidas imediatas, individual ou coletivamente, para combater a prática da limpeza
étnica e eliminá
-
la rapidamente.
As vítimas da prática abominável de limpeza étnica têm direito de exigir reparações
adequadas e efetivas
.
2. Pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e ingüísticas
25. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita à Comissão de Direitos
Humanos que examine formas e meios para promover e proteger eficazmente os direitos das
pess
oas pertencentes a minorias previstos na Declaração sobre Direitos das Pessoas
Pertencentes a Minorias Étnicas, Religiosas e Lingüísticas. Nesse contexto, a Conferência
117
Mundial sobre Direitos Humanos solicita ao centro de Direitos Humanos que forneça,
medi
ante solicitação de Governos interessados e no âmbito de seu programa de consultoria e
assistência técnica, peritos qualificados em questões de minorias e direitos humanos, assim
como na prevenção e solução de controvérsias, para ajudar esses Governos a re
solver
situações existentes ou potenciais que envolvam minorias.
26. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta os Estados e a comunidade
internacional a promoverem e protegerem os direitos das pessoas pertencentes a minorias
nacionais, étnicas, religiosas ou lingüísticas, em conformidade com a Declaração sobre os
Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Étnicas, Religiosas e Lingüísticas.
27. As medidas a serem tomadas devem incluir a facilitação de sua plena
participação em todos os aspectos da vida política, econômica, social, religiosa e cultural da
sociedade e no progresso econômico e desenvolvimento de seu país.
Povos indígenas
28. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela ao Grupo de Trabalho
sobre Populações Indígenas da Subcomissão de Prevenção da Discriminação e Proteção das
Minorias, no sentido de que o mesmo conclua o projeto de declaração sobre os direitos dos
povos indígenas no seu décimo
primeiro período de sessões.
29. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que a Comissão de
Direitos Humanos considere a possibilidade de renovar e atualizar o mandato do Grupo de
Trabalho sobre Populações Indígenas, uma vez concluída a elaboração de uma declaração
sobre os direitos dos povos indígenas.
30. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda também que os
programas de consultoria e assistência técnica no âmbito do sistema das Nações Unidas
respondam positivamente às solicitações pelos Estados de formas de assistência que possam
produzir benefícios diretos para os povos indígenas. A Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos recomenda ainda que recursos humanos e financeiros adequados sejam colocados à
disposição do Centro de Diretos Humanos, dentro do objetivo geral de fortalecer as atividades
do Centro, c
omo prevê o presente documento.
31. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Estados a
garantirem a plena e livre participação dos povos indígenas em todos os aspectos da
sociedade, particularmente em questões de seu interesse.
32. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que a Assembléia
Geral proclame uma década internacional dos povos indígenas do mundo a partir de janeiro
de 1994, que compreenda programas de ação a serem definidos em parceria com povos
indígenas. Deve-
se
estabelecer um fundo adequado para tal fim. No contexto dessa década,
deve
-
se considerar a criação de um foro de povos indígenas, no âmbito do sistema das Nações
Unidas.
Trabalhadores migrantes
33. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Estados a
garantirem a proteção dos direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e suas
famílias.
34. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera particularmente
importante a criação de condições que estimulem uma maior harmonia e tolerância entre
trabalhadores migrantes e o resto da sociedade do Estado onde residem.
118
35. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos convida os Estados a
considerarem a possibilidade de assinar e ratificar, na maior brevidade possível, a Convenção
Interna
cional sobre os Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e seus Familiares.
3. A igualdade de condição e os direitos humanos das mulheres
36. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta firmemente que as
mulheres tenham acesso pleno e igual a todos os direitos humanos e que isto seja uma
prioridade para os Governos e as Nações Unidas. A Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos enfatiza também a importância da integração e plena participação das mulheres
como agentes e beneficiárias do processo de desenvolvimento e reitera os objetivos
estabelecidos em relação à adoção de medidas globais em favor das mulheres, visando ao
desenvolvimento sustentável e eqüitativo previsto na Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento e no capítulo 24 da Agenda 21, adotada pela Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 3 a 14 de junho de
1992).
37.A igualdade de condição das mulheres e seus direitos humanos devem ser
integrados nas principais atividades do sistema das Nações Unidas como um todo. Essas
questões devem ser regular e sistematicamente abordadas em todos os órgãos e mecanismos
competentes das Nações Unidas. Particularmente, devem-se tomar medidas no sentido de
aumentar a cooperação e promover uma maior integração de objetivos e metas entre a
Comissão de Condição Jurídica e Social da Mulher, a Comissão de Direitos Humanos, o
Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o Fundo das Nações Unidas de
Desenvolvimento para a Mulher, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e
outros órgãos das Nações Unidas. Nesse contexto, deve-se fortalecer a cooperação e
coordenação entre o Centro de Direitos Humanos e a Divisão do Promoção da Condição da
Mulher.
38. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza particularmente a
importância de se trabalhar no sentido de eliminar todas as formas de violência contra as
mulheres na vida pública e privada, de eliminar todas as formas de assédio sexual, exploração
e tráfico de mulheres, de eliminar preconceitos sexuais na administração da justiça e erradicar
quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher e as conseqüência nocivas
de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras, do preconceito cultural e do extremismo
religio
so. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela à Assembléia Geral para que
adote o projeto de declaração sobre a violência contra a mulher e insta os Estados a
combaterem a violência contra a mulher em conformidade com as disposições da declaração.
As violações dos direitos humanos da mulher em situações de conflito armado são violações
de princípios fundamentais dos instrumentos internacionais de direitos humanos e do direito
humanitário. Todas as violações desse tipo, incluindo particularmente assassinatos, estupros
sistemáticos, escravidão sexual e gravidez forçada, exigem uma resposta particularmente
eficaz.
39. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta vigorosamente a
erradicação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tanto abertas quanto
veladas. As Nações Unidas devem promover a meta da ratificação universal, por parte de
todos os Estados, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher até o ano 2.000. Deve-se estimular formas e meios para solucionar a questão
do número particularmente elevado de reservas à Convenção. Entre outras medidas, o Comitê
para Eliminação da Discriminação contra a Mulher deve continuar examinando as reservas à
Convenção. Os Estados são instados a retirar todas as reservas contrárias ao objeto e
119
propósito da Convenção ou que de outra maneira são incompatíveis com o direito
internacional convencional.
40. Os órgãos de monitoramento de tratados devem divulgar informações necessárias
para que as mulheres possam recorrer mais eficazmente aos procedimentos de implementação
disponíveis, em seus esforços para exercer seus direitos humanos plenamente, em condições
de igualdade e sem discriminação. Deve-se adotar também novos procedimentos para
fortalecer a concretização do compromisso de promover a igualdade da mulher e seus direitos
humanos. A Comissão sobre o Estatuto da Mulher e o Comitê para a Eliminação a
Discriminação contra a Mulher devem examinar rapidamente a possibilidade de introduzir o
direito de petição, por meio de um protocolo facultativo à Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. A Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos acolhe a decisão da Comissão de Direitos Humanos de considerar a possibilidade
de designar um relator especial para o tema da violência contra a mulher, no seu
qüinquagésimo período de sessões.
41. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece a importância do
gozo de elevados padrões de saúde física e mental por parte da mulher, durante todo o ciclo
de vida. No contexto da Conferência de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
assim como da Proclamação de Teerã de 1968, a Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos reafirma com base no princípio de igualdade entre mulheres e homens, o direito da
mulher a uma assistência de saúde acessível e adequada e ao leque mais amplo possível de
serviços de planejamento familiar, bem como ao acesso igual à educação em todos os níveis.
42. Os órgãos criados em virtude de tratados devem incluir a
questão da condição das
mulheres e dos direitos humanos das mulheres em suas deliberações e verificações,
utilizando, para esse fim, dados discriminados por sexo. Os Estados devem ser estimulados a
fornecer informações sobre a situação de jure e de facto das mulheres em seus relatórios a
órgãos de monitoramento de tratados. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
observa com satisfação que a Comissão de Direitos Humanos adotou, em seu quadragésimo -
nono período de sessões, a Resolução n. 1993/46, de 8 de março de 1993, a qual afirma que
relatores e grupos de trabalho envolvidos com questões de direitos humanos devem também
proceder da mesma maneira. A Divisão para a Promoção da Condição da Mulher também
deve tomar medidas, em regime de cooperação com outros organismos das Nações Unidas,
particularmente com o Centro de Direitos Humanos, para garantir que as atividades de
direitos humanos das Nações Unidas abordem regularmente os direitos humanos das
mulheres, particularmente os abusos motivados pela condição feminina. Deve-se estimular o
treinamento de funcionários das Nações Unidas especializados em direitos humanos e ajuda
humanitária para ajudá-los a reconhecer e fazer frente a abusos de direitos humanos e
desempenhar suas tarefas sem preconceitos sex
uais.
43. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta os governos e
organizações regionais e internacionais a facilitarem o acesso das mulheres a cargos
decisórios e a promoverem uma participação maior das mesmas no processo decisório.
Defende também a adoção de outras medidas no âmbito da Secretaria das Nações Unidas, no
sentido de designar e promover funcionários do sexo feminino, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas, e solicita firmemente a outros órgãos principais e subsidiários das Naç
ões
Unidas que garantam a participação das mulheres em condições de igualdade.
44. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos acolhe com satisfação a
Conferência Mundial sobre a Mulher a se realizar em Beijing em 1995 e insta a que os
direitos humanos da mulher ocupem um papel importante em suas deliberações, em
120
conformidade com os temas prioritários da Conferência Mundial sobre a Mulher, a saber,
igualdade, desenvolvimento e paz.
4. Os direitos da criança
45. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reitera o princípio da "Criança
Antes de Tudo" e, nesse particular, enfatiza a importância de se intensificar os esforços
nacionais e internacionais, principalmente no âmbito do Fundo das Nações Unidas para a
Infância, para promover o respeito aos direitos da criança à sobrevivência, proteção,
desenvolvimento e participação.
46. Deve-se também tomar medidas no sentido de garantir a ratificação universal da
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança até o ano de 1995 e a assinatura
universa
l da Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da
Criança e do Plano Mundial de Ação adotados na Conferência Internacional de Cúpula sobre
a Criança, bem como sua efetiva implementação. A Conferência Mundial sobre Direitos
Hu
manos insta os Estados a retirarem reservas à Convenção sobre os Direitos da Criança, que
sejam contrárias ao objetivo e propósito da Convenção ou de outra maneira contrárias ao
direito internacional convencional.
47. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os países a
colocarem em prática, no grau máximo permitido pelos recursos disponíveis, medidas
voltadas para a realização das metas do Plano Mundial de Ação da Conferência Internacional
de Cúpula, com o apoio da cooperação internacional. A Conferência apela aos Estados no
sentido de que integrem a Convenção sobre os Direitos da Criança em seus planos nacionais
de ação. Mediante esses planos nacionais de ação e esforços internacionais, deve-se dar
prioridade especial à redução das taxas de mortalidade materno - infantis, à redução das taxas
de desnutrição básica. Sempre que necessário, os planos nacionais de ação devem ser
projetados para combater emergências devastadoras resultantes de desastres naturais e
conflitos armados e o problema igualmente grave das crianças que vivem em situação de
extrema pobreza.
48. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Estados a
abordarem, com o apoio da cooperação internacional, o agudo problema das crianças que
vivem em circunstâncias particularmente difíceis .A exploração e o abuso de crianças devem
ser ativamente combatidos, atacando-se suas causas. Deve-se tomar medidas eficazes contra o
infanticídio feminino, o emprego de crianças em trabalhos perigosos, a venda de crianças e de
órgã
os, a prostituição infantil, a pornografia infantil e outras formas de abuso sexual.
49. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apoia todas as medidas tomadas
pelas Nações Unidas e seus órgãos especializados, no sentido de garantir a proteção e
promo
ção efetivas dos direitos humanos das meninas. A Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos insta aos Estados a repelirem leis e regulamentos discriminatórios e prejudiciais às
meninas e a eliminarem costumes e práticas da mesma natureza.
50. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apoia firmemente a proposta de
que o Secretário Geral inicie um estudo sobre meios para melhorar a proteção de crianças em
conflitos armados. Deve-se implementar normas e medidas visando a proteger e facilitar a
assistência
de crianças em zonas de guerra. Essas medidas devem incluir proteção criança
contra o uso indiscriminado de armas de guerra, particularmente minas antipessoais. A
necessidade de cuidados posteriores e reabilitação de crianças traumatizadas por guerras é
um
a questão a ser abordada em regime de urgência. A Conferência apela ao Comitê dos
Direitos da Criança, no sentido de que o mesmo estude a possibilidade de aumentar a idade
mínima de recrutamento das forças armadas.
121
51. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que questões
relacionadas aos direitos humanos sejam regularmente examinadas e acompanhadas por todos
os órgãos e mecanismos competentes do sistema das Nações Unidas e pelos órgãos
supervisores dos organismos especializados, no âmbito de seus mandatos.
52. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece o importante papel
desempenhado por organizações não
governamentais na efetiva implementação de todos os
instrumentos de direitos humanos, particularmente da Convenção sobre os Direitos da
Criança.
53. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que o Comitê dos
Direitos da Criança, com a assistência do Centro de Direitos Humanos, seja dotado de meios
necessários para cumprir seu mandato rápida e eficazmente, particularmente em vista do
alcance sem precedentes de ratificações e apresentações subsequentes de relatórios nacionais.
5. Direito a não ser submetido a tortura
54. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos celebra a ratificação, por parte
de muitos Estados
memb
ros, da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras
Formas de Tratamento ou Punição Cruéis, Desumanas ou Degradantes, e encoraja sua pronta
ratificação por todos os demais Estados
-
membros.
55. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos assinala que uma das violações
mais atrozes da dignidade humana é o ato da tortura, que destrói a dignidade e prejudica a
capacidade das vítimas de retomarem suas vidas e atividades.
56. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que, no âmbito das
normas de direitos humanos e do direito internacional humanitário, o direito de não ser
torturado deve ser protegido em todas as circunstâncias, mesmo em períodos de distúrbios
internos ou internacionais ou de conflitos armados.
57. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta, portanto, a todos os
Estados a eliminarem imediatamente a prática da tortura e a erradicarem esse mal para
sempre, mediantes a plena implementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e
das convenções pertinentes, fortalecendo também, quando necessário, os mecanismos
existentes. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela a todos os Estados no
sentido de que cooperem plenamente com o Relator Especial para a questão da tortura no
cumprimento de seu mandato.
58. É particularmente importante que se garanta o respeito universal e a efetiva
implementação dos Princípios da Ética Médica aplicáveis ao Pessoal da Saúde, especialmente
Médicos, na Proteção de Prisioneiros e Pessoas Detidas contra a Tortura e Outras Formas de
Tratamento ou Punição Cruéis, Desumanas ou Degradantes adotadas pela Assembléia Geral
da Nações Unidas.
59. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza a importância de outras
medidas concretas no âmbito das Nações Unidas, no sentido de se prestar assistência a
vítimas de tortura e garantir recursos mais eficazes para sua reabilitação física, psicológica e
social. Deve-se dar alta prioridade ao provimento dos recursos necessários para esse fim,
particularmente mediante contribuições adicionais para o Fundo Voluntário das Nações
Unidas para as Vítimas de Tortura.
60. Os Estados devem ab-rogar leis conducentes à impunidade de pessoas
responsáveis por graves violações de direitos humanos, como a tortura, e punir criminalmente
essas violações, proporcio
nando, assim, uma base sólida para o Estado de Direito.
122
61. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que os esforços para
erradicar a tortura devem, acima de tudo, concentrar-se na prevenção e, portanto, solicita a
pronta adoção de um protocolo facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Formas e
Tratamento ou Punição Cruéis, Desumanos ou Degradantes, para que se estabeleça um
sistema preventivo de visitas regulares a locais de detenção.
Desaparecimentos forçados
62. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, acolhendo a adoção, pela
Assembléia Geral, da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra
Desaparecimentos Forçados, apela a todos os Estados no sentido de que tomem medidas
legislativas, administrativas, judiciais ou de outra natureza para prevenir, eliminar e punir
eficazmente os desaparecimentos forçados. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
reafirma que é dever de todos os Estados, em qualquer circunstância, abrir investigações
sempre que surgirem suspeitas de desaparecimento forçado em um território sob sua
jurisdição e, sendo confirmada as suspeitas, processar criminalmente os responsáveis.
6. Os direitos das pessoas portadoras de deficiências
63. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais são universais e, portanto, aplicáveis sem qualquer
reserva às pessoas portadoras de deficiências. Todas as pessoas nascem iguais e com os
mesmos direitos à vida e ao bem-estar, à educação e ao trabalho, à independência e à
participação ativa em todos os aspectos da sociedade. Qualquer discriminação direita ou outro
tratamento discriminatório negativo de uma pessoa portadora de deficiência constitui,
portanto, uma violação de seus direitos. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
apela aos Governos no sentido de que, se necessário, adotem leis ou modifiquem sua
legislação para garantir o acesso a estes e outros direitos das pessoas portadoras de
deficiências.
64. As pessoas portadoras de deficiências devem ter acesso igual a todo e qualquer
lugar. Devem ter a garantia de oportunidades iguais, mediante a eliminação de todas as
barreiras socialmente determinadas, sejam elas físicas, financeiras, sociais ou psicológicas,
que excluam ou restrinjam sua plena p
articipação na sociedade.
65. Recordando o Programa Mundial de Ação para as Pessoas Portadoras de
Deficiências adotado pelo Assembléia Geral no seu trigésimo - sétimo período de sessões, a
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela à Assembléia Geral e ao Conselho
Econômico e Social, no sentido de que em suas reuniões de 1993 adotem o projeto de
diretrizes sobre a igualdade de oportunidades para as pessoas portadoras de deficiência.
C. Cooperação, desenvolvimento e fortalecimento dos direitos humanos
66. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que se prioridade
à adoção de medidas nacionais e internacionais para promover a democracia, o
desenvolvimento e os direitos humanos.
67. Deve-se enfatizar, particularmente, medidas para estabelecer e fortalecer
instituições de direitos humanos, promover uma sociedade civil pluralista e proteger grupos
vulneráveis. Nesse contexto, a assistência prestada em resposta a solicitações de Governos
para a realização de eleições livres e justas, inclusive a assistência relacionada a aspectos de
direitos humanos das eleições e informações públicas sobre eleições, é de particular
importância. Igualmente importante é a assistência a ser prestada no sentido de consolidar o
123
Estado de Direito, promover a liberdade de expressão e a administração da justiça e a
verdadeira e efetiva participação do povo nos processos decisórios.
68. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza a necessidade de se
fortalecer os serviços de consultoria e as atividades de assistência técnica do Centro de
Direitos Humanos. O Centro deve prestar assistência técnica em relação a temas específicos
na área dos direitos humanos a países que a solicitarem, inclusive na preparação de relatórios
de tratados de direitos humanos e na implementação de planos de ação coerentes e
abrangentes, para promover e proteger os direitos humanos. Serão elementos desses
programas o fortalecimento das instituições de direitos humanos e da democracia, a proteção
jurídica dos direitos humanos, o treinamento de funcionários e de outras pessoas, uma ampla
educação e o fornecimento de informações para promover o respeito aos direitos humanos.
69. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda firmemente o
estabelecimento de um programa abrangente, no âmbito das Nações Unidas, para ajudar os
Estados na tarefa de criar ou fortalecer estruturas nacionais adequadas que tenham um
impacto direto na observância geral dos direitos humanos e a manutenção dos Estado de
Direito. Esse programa, que será coordenado pelo Centro de Direitos Humanos, deverá
oferecer, mediante solicitação dos Governos interessados, assistência técnica e financeira a
projetos nacionais de reforma de estabelecimentos penais e correcionais, de educação e
treinamento de advogados, juizes e forças de segurança, em direitos humanos, e a projetos em
qualquer outra esfera de atividade relacionada ao bom funcionamento da justiça. O programa
deve oferecer assistência aos Estados na implementação de planos de ação e na promoção dos
direitos humano
s.
70. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita ao Secretário Geral das
Nações Unidas que apresente propostas à Assembléia Geral das Nações Unidas, com
sugestões para o estabelecimento, estrutura, modalidades operacionais e financiamento do
pr
ograma proposto.
71. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que cada Estado
considere a conveniência de elaborar um plano nacional de ação, identificando medidas,
mediante as quais o Estado em questão possa melhor promover e proteger os di
reitos
humanos.
72. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos reafirma que o direito
universal e inalienável ao desenvolvimento, previsto na Declaração sobre Direito ao
Desenvolvimento, deve ser aplicado e concretizado. Nesse contexto, a Conferência
Mundial
sobre Direitos Humanos acolhe a indicação, por parte da Comissão de Direitos Humanos, de
um grupo de trabalho temático sobre o direito ao desenvolvimento e insta o Grupo de
Trabalho a formular prontamente, em regime de consultas e cooperação com outros órgãos e
organismos das Nações Unidas, para consideração imediata da Assembléia Geral das Nações
Unidas, medidas abrangentes e eficazes para eliminar obstáculos à aplicação e concretização
da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento e propor formas e meios para garantir o
direito ao desenvolvimento a todos os Estados.
73. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que as organizações
não
governamentais e outras organizações de base atuantes na área do desenvolvimento e/ou
dos direitos humanos tenham espaço para desempenhar um papel substancial, em níveis
nacional e internacional, no debate e nas atividades relacionadas ao desenvolvimento e, em
regime de cooperação com os Governos, em todos os aspectos pertinentes da cooperação para
o
desenvolvimento.
124
74. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela aos Governos, órgãos
competentes e instituições, no sentido de que aumentem consideravelmente os recursos
aplicados no desenvolvimento de sistemas jurídicos eficazes para proteger os
direitos
humanos e em instituições nacionais atuantes nessa área. Os protagonistas da cooperação para
o desenvolvimento devem levar em consideração as relações mutuamente complementares
entre o desenvolvimento, a democracia e os direitos humanos. A cooperação deve basear-
se
no diálogo e na transparência. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita
também o estabelecimento de programas abrangentes, com bancos de dados e pessoal
especializado, para fortalecer o Estado de Direito e as instituições de
mocráticas.
75. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos encoraja a Comissão de Direitos
Humanos, em regime de cooperação com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, a continuar examinando protocolos facultativos ao Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Socais e Culturais.
76. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que sejam
canalizados mais recursos para o fortalecimento ou estabelecimento de acordos regionais
visando a promoção e proteção dos direitos humanos no âmbito da consultoria e assistência
técnica prestada pelo Centro de Direitos Humanos. Os Estados devem solicitar assistência
para atividades regionais e sub-regionais, como a realização de workshops, seminários e
intercâmbio de informações, visando a fortalecer os acordos regionais para a promoção e
proteção dos direitos humanos, em conformidade com os padrões universais dos direitos
humanos, consagrados nos instrumentos internacionais de direitos humanos.
77. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apoia todas as medidas tomadas
pelas Nações Unidas e seus órgãos especializados competentes para garantir a efetiva
promoção e proteção dos direitos sindicais previstos no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e em outros instrumentos internacionais pertinentes. Solicita
ainda que todos os Estados observem plenamente suas obrigações nessa área, em
conformidade com os instrumentos internacionais.
D. Educação em direitos humanos
78. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera a educação, o
treinamento e a informação pública na área dos direitos humanos como elementos essenciais
para promover e estabelecer relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades e para
fomentar o entendimento mútuo, a tolerância e a paz.
79. Os Estados devem empreender todos os esforços necessários para erradicar o
analfabetismo e devem orientar a educação no sentido de desenvolver plenamente a
personalidade humana e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita a todos os Estados e
instituições que incluam os direitos humanos, o direito humanitário, a democracia e o Estado
de Direito como matérias dos currículos de todas as instituições de ensino dos setores formal
e
informal.
80. A educação em direitos humanos deve incluir a paz, a democracia, o
desenvolvimento e a justiça social, tal como previsto nos instrumentos internacionais e
regionais de direitos humanos, para que seja possível conscientizar todas as pessoas em
relação à necessidade de fortalecer a aplicação universal dos direitos humanos.
125
81. Levando em conta o Plano Mundial de Ação para a Educação em prol dos
Direitos Humanos e da Democracia, adotado em março de 1993 pelo Congresso Internacional
sobre a Educaç
ão em prol dos Direitos Humanos e da Democracia da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, bem como outros instrumentos de direitos
humanos, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda aos Estados que
desenvolvam programas e estratégias visando especificamente a ampliar ao máximo a
educação em direitos humanos e a divulgação de informações públicas nessa área, enfatizando
particularmente os direitos humanos da mulher.
82. Os Governos, com a assistência de organizações intergovernamentais,
instituições nacionais e organizações não - governamentais, devem promover uma maior
conscientização dos direitos humanos e da tolerância mútua. A Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos enfatiza a importância de se intensificar a Campanha Mundial de
Informação Pública sobre Direitos Humanos lançada pelas Nações Unidas. Os Governos
devem iniciar a apoiar a educação em direitos humanos e efetivamente divulgar informações
públicas nessa área. Os programas de consultoria e assistência técnica do sistema das Nações
Unidas devem atender imediatamente às solicitações de atividades educacionais e de
treinamento dos Estados na área dos direitos humanos, assim como às solicitações de
atividades educacionais especiais sobre as normas consagradas em instrumentos
internacionais de direitos humanos e no direito humanitário e sua aplicação a grupos
especiais, como forças militares, pessoal encarregado de velar pelo cumprimento da lei, a
polícia e os profissionais de saúde. Deve-se considerar a proclamação de uma década das
Nações Unidas para a educação em direitos humanos, visando a promover, estimular e
orientar essas atividades educacionais.
E. Métodos de implementação e controle
83. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta os Governos
a
incorporarem as normas consagradas em instrumentos internacionais de direitos humanos na
legislação interna e a fortalecerem as estruturas e instituições nacionais e órgãos da sociedade
atuantes na área da promoção e salvaguarda dos direitos humanos.
84.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda o fortalecimento das
atividades e programas das Nações Unidas de assistência aos Estados desejosos de estabelecer
ou fortalecer sua próprias instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos
humanos
e que solicitem assistência para tal fim.
85. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos estimula também o
fortalecimento da cooperação entre instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos
humanos, particularmente por meio de intercâmbio de informações e experiências, bem como
da cooperação entre estas e as organizações regionais e as Nações Unidas.
86. Nesse contexto, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda
vigorosamente que representantes de instituições nacionais de promoção e proteção dos
direitos humanos realizem reuniões periódicas, sob os auspícios do Centro de Direitos
Humanos, para examinar formas e meios para aperfeiçoar seus mecanismos e compartilhar
experiências.
87. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda aos órgãos criados
por tratados, às reuniões dos presidentes desses órgãos e às reuniões de Estados
partes que
continuem tomando medidas visando a coordenar as múltiplas normas e diretrizes aplicáveis à
preparação dos relatórios que os Estados devem apresentar em virtude das convenções de
direitos humanos, e que estudem a sugestão da apresentação de um relatório global sobre as
126
obrigações convencionais assumidas por parte de cada Estado, o que tornaria esses
procedimentos mais eficazes e aumentaria o seu impacto.
88. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos recomenda que os Estados
partes em instrumentos internacionais de direitos humanos, à Assembléia Geral e o Conselho
Econômico e Social considerem a possibilidade de analisar os órg
ãos criados por tratados e os
diversos mecanismos de procedimentos temáticos existentes, com vistas a promover sua
eficiência e eficácia, mediante uma melhor coordenação entre os diversos órgãos, mecanismos
e procedimentos, levando em consideração a necessidade de evitar duplicações ou
sobreposições desnecessárias de seus mandatos e tarefas.
89. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda a realização de um
trabalho contínuo para melhorar o funcionamento dos órgãos criados por tratados e suas
tar
efas de controle, levando em consideração as inúmeras propostas apresentadas nesse
sentido, particularmente aquelas apresentadas pelos próprios órgãos. Deve-se também
encorajar o enfoque nacional abrangente adotado pelo Comitê dos Direitos da Criança.
90.
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que os Estados
partes em tratados de direitos humanos considerem a possibilidade de aceitar todos os
procedimentos facultativos para a apresentação e o exame de comunicações.
91. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos com preocupação a questão
da impunidade dos autores de violações de direitos humanos e apoia os esforços
empreendidos pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Prevenção da
Discriminação e Proteção de Minorias, no sen
tido de examinar todos os aspectos da questão.
92. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que a Comissão de
Direitos Humanos examine a possibilidade de melhorar a aplicação de instrumentos de
direitos humanos existentes em níveis internacional e regional e encoraja a Comissão de
Direito Internacional a continuar seus trabalhos visando ao estabelecimento de um tribunal
penal internacional.
93. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela aos Estados que ainda não
aderiram às Convenções
de Genebra de 12 de agosto de 1949 e seus Protocolos, no sentido de
que o façam e tome todas as medidas nacionais necessárias, incluindo medidas legislativas,
para fazê
-
los vigorar plenamente.
94. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda a rápida finalização
e adoção do projeto de declaração sobre o direito e responsabilidade de indivíduos, grupos e
instituições de promover e proteger direitos humanos e liberdades fundamentais
universalmente reconhecidos.
95. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos salienta a importância de se
preservar e fortalecer o sistema de procedimentos especiais, relatores, representantes, peritos e
grupos de trabalho da Comissão de Direitos Humanos e da Subcomissão de Prevenção da
Discriminação e Proteção de Minorias, para que os mesmos possam desempenhar seus
mandatos com os recursos humanos e financeiros necessários. Esses procedimentos e
mecanismos devem ser harmonizados e racionalizados por meio de reuniões periódicas.
Solicita
-se a todos os Estados que cooperem plenamente com esses procedimentos e
mecanismos.
96. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que as Nações
Unidas assumam um papel mais ativo na promoção e proteção dos direitos humanos e nas
medidas destinadas a garantir a plena observância do direito internacional humanitário em
127
todas as situações de conflito armado, em conformidade com os propósitos e princípios da
Carta das Nações Unidas.
97. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, reconhecendo o importante
papel desempenhado por componentes de direitos humanos em determinados acordos
relativos a operações das Nações Unidas para a manutenção da paz, recomenda que o
Secretário Geral leve em consideração os relatórios, a experiência e a capacidade do Centro
de Direitos Humanos e dos mecanismos de direitos humanos, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas.
98. Para fortalecer os direitos econômicos, sociais e culturais, deve-se examinar
outros enfoques, como a aplicação de um sistema de indicadores para medir o progresso
alcançado
na realização dos direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Deve-se empreender um esforço harmonizado, visando a
garantir o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais em níveis nacional,
region
al e internacional.
F. Atividades de acompanhamento dos resultados da Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos
99. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que a Assembléia
Geral, a Comissão de Direitos Humanos e outros órgãos e agências do sistema das Nações
Unidas relacionados aos Direitos Humanos considerem formas e meios de garantir a plena
aplicação, sem demora, das recomendações contidas na presente Declaração, incluindo a
possibilidade de se proclamar uma década das Nações Unidas dos Direitos Humanos. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda também que a Comissão de
Direitos Humanos avalie anualmente o progresso alcançado nesse propósito.
100. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos solicita ao Secretário Geral das
Nações Unidas que, por ocasião do qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, convide todos os Estados, órgãos e agências do sistema das Nações
Unidas a lhe apresentarem um relatório sobre o progresso alcançado na aplicação da pr
esente
Declaração e a apresentarem um relatório à Assembléia Geral no qüinquagésimo
terceiro
período de sessões, por meio da Comissão de Direitos Humanos e do Conselho Econômico e
Social. Além disso, as instituições de direitos humanos regionais e nacionais, assim como as
organizações não
governamentais, poderão apresentar ao Secretário Geral seus pontos de
vista sobre o progresso alcançado na aplicação da presente Declaração. Deve-se prestar
atenção especial na avaliação do progresso alcançado rumo à ratificação universal de tratados
e protocolos internacionais de direitos humanos adotados no âmbito do sistema das Nações
Unidas.
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