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CEBELA – CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS
Isabella Vieira Muntada
0BA internacionalização da Petrobras para a América do Sul:
1Bum tema de política externa
Dissertação de mestrado
Dissertação apresentada ao Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos (CEBELA) como
requisito necessário para a obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais na América do
Sul
Orientador: Antônio Carlos Peixoto
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Outubro de 2008
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ii
CEBELA – CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS
Isabella Vieira Tavares da Rocha Muntada
2BA internacionalização da Petrobras para a América do Sul:
3Bum tema de política externa
Dissertação de mestrado
Dissertação apresentada ao Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos (CEBELA) como
requisito necessário para a obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais na América do
Sul. Aprovada pela comissão examinadora abaixo
assinada.
Antônio Carlos de Faria Pinto Peixoto
Orientador
Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos - CEBELA
Glória Maria Moraes Costa
Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos - CEBELA
Ingrid Piera Andersen Sarti
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Outubro de 2008
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem autorização da instituição, da autora e do orientador.
Isabella Vieira Tavares da Rocha Muntada
Graduou-se em Relações Internacionais, com ênfase em Comércio
Exterior, na Universidade Estácio de Sá, na cidade do Rio de Janeiro,
em dezembro de 2001. Cursou a Pós-Graduação lato sensu em
Economia e Finanças Internacionais na Fudação Getúlio Vargas, na
cidade do Rio de Janeiro, em 2003.
Ficha Catalográfica
MUNTADA, Isabella Vieira Tavares da Rocha.
A internacionalização da Petrobras para a América do Sul: um
tema de política externa. [Rio de Janeiro, 2008]
VII; 131; 29,7 cm
Centro Brasileiro de Estudo Latino-Americanos, M.Sc.,
Mestrado em Relações Internacionais na América do Sul,
2008.
Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais para a
América do Sul) defendida no Centro Brasileiro de Estudos
Latino-americanos, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia.
1. Relações Internacionais – Teses. 2. Política externa 2.
Sistema Econômico Estatal. 3. Petrobras. 4. Economia Política.
iv
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Antônio Carlos Peixoto, por ter me ajudado a encontrar o rumo.
A Professora Glória Moraes pelas preciosas observações que me permitiram aprimorar este
trabalho, dia após dia.
Ao meu marido, pelos dias em que a casa teve que ficar em silêncio para que eu pudesse estudar;
pela paciência e cobranças positivas que me deram coragem e suporte emocional.
Ao meu pai, pelas palavras de apoio e estímulo para seguir em frente.
Em especial a minha mãe, grande responsável por eu ter iniciado esse curso, pela dedicação, amor e
pelas correções do português das numerosas versões que lhe foram enviadas.
Aos meus irmãos, pela boa vontade em digitar as correções de minha mãe e ajudá-la no manuseio
do computador.
Aos professores, funcionários e colegas do CEBELA, que contribuíram para meu amadurecimento
intelectual.
Aos colegas da Petrobras, pela ajuda na obtenção da bibliografia e pela compreensão, apoio e
paciência durante esses dois anos.
v
RESUMO
Resumo da Dissertação apresentada ao CEBELA como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do grau M.Sc.em Relações Internacionais na América do Sul.
Título: A internacionalização da Petrobras para a América do Sul: um tema de política externa.
Autor: Isabella Vieira Tavares da Rocha Muntada
Orientador: Antônio Carlos Peixoto
Programa: Relações Internacionais na América do Sul
Este trabalho apresenta a possibilidade de interpretar a expansão da Petrobras para a América do
Sul, a partir dos anos 1990, não só com uma visão mercadológica e estratégica, mas também como
parte do interesse nacional, que vislumbra na expansão e no fortalecimento da estatal petrolífera
uma forma de assegurar a defesa nacional e de expandir seu poder sobre o continente sul-
americano.
Para entender o que representa a indústria do petróleo para o desenvolvimento nacional, remontou-
se à criação da Petrobras e aos movimentos sociais e militares que a embasaram, ao fortalecimento
do Sistema Produtivo Estatal e à implementação de políticas liberais. Todos esses fatores ocorreram
durante o desenrolar do século XX e sustentam o período de pesquisa descrito neste trabalho.
vi
ABSTRACT
Abstract of Final Project presented to CEBELA
Title: Petrobras internationalization to South America direction: a theme of international policy
Author: Isabella Vieira Tavares da Rocha Muntada
Tutor: Antônio Carlos Peixoto
Program: International Affairs on Latin America
This work intend to present the possibility of interpret Petrobras expansion in direction to South
America, from the 1990’s, not only as a marketing strategy, but also as a part of national interest, to
catch a glimpse that the expansion and strengthen of a petroleum government company is one of the
ways to assure national defense and expand national power through South America continent.
To understand what the petroleum industry represents to national development, was necessary to
date back to Petrobras creation and social and military movements that supported it, to the
strengthen of Government Productive System and to the implementation of liberal politics. All this
factors occurred during XX century and supports the research period described on this work.
vii
SUMÁRIO
Introdução 08
1. A criação da Petrobras 20
1.1. O contexto histórico 21
1.2. Expansão do nacionalismo no aparelho de Estado 32
1.3. A Campanha “O Petróleo é Nosso” 41
1.4. A Criação da Petrobras 45
2. Internacionalização da Petrobras sob influências governamentais 48
2.1. A expansão da Petrobras 48
2.2. A criação da Braspetro 58
2.3 A criação da Interbrás 63
2.4 A expansão na América do Sul 68
3. A política externa brasileira na América do Sul 79
3.1. A tradição da descontinuidade 85
3.2. A aproximação regional 99
3.3. Os anos 1990 104
3.4. O caso da nacionalização das refinarias bolivianas 110
Conclusão 117
Bibliografia 124
Introdução
A partir dos anos 1940, foram criadas as empresas estatais do país e esse
movimento se expandiu até o final da década de 1970. A relação do setor produtivo
estatal com o Estado e o mercado é de natureza dupla, existindo duas faces: a estatal e a
empresarial. A face estatal orienta esse tipo de ator a realizar objetivos políticos e
macroeconômicos; a face empresarial os orienta a privilegiar interesses de natureza
capitalista, que visam ao lucro e à expansão da empresa.
A instituição capitalista denominada de empresa estatal foi desenvolvida como
uma alternativa encontrada pelo Estado para, diante da falta de interesse dos
investidores privados internacionais, diante de um quadro de recessão internacional e
proximidade da II Guerra Mundial, e falta de capital dos investidores nacionais,
estimular o desenvolvimento nacional e, ainda, reter sob sua rede de influência setores-
chave da economia. A migração da principal atividade de controle dos meios de
produção, para uma atividade de inserção efetiva no meio produtivo, pode ser encarada
como um grande desafio que permeia o comportamento governamental até os dias
atuais.
A linha que define se as empresas estatais devem privilegiar o público ou o
privado é muito tênue. Nos primórdios da criação das estatais, seu papel na economia
nacional estava bem definido e toda sociedade, inclusive os burocratas, sabiam qual era
a natureza de sua atuação. Entretanto, com o desenvolvimento do país, essa atuação do
sistema produtivo estatal dentro da sociedade foi se tornando duvidosa. As empresas
tiveram que se desenvolver para competir no mercado nacional e começaram a visar ao
lucro, como qualquer empresa capitalista. Iniciaram um movimento de autonomia em
relação ao Estado, mas que nunca poderia chegar a ser completa. Portanto, apesar de
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atuarem no mercado como qualquer empresa capitalista, as estratégias empresariais do
sistema produtivo estatal sempre estarão, embrionariamente, ligadas às governamentais.
É importante esclarecer que esse não é um movimento específico nacional. Na Europa,
onde esse tipo de instituição se desenvolve, sempre houve a questão dos setores
estratégicos, principalmente porque o território esteve permanentemente em guerra, e,
também, devido à escala econômica exigida, notadamente, na criação da malha
ferroviária, cabeamento de telefonia e de energia elétrica.
A utilização de empresas estatais como instrumento econômico e político não é
uma particularidade brasileira. Esse tipo de instituição capitalista dominou o modelo de
atuação estatal mundial em todo o século XX, com início no século XIX, na França, na
Inglaterra, na Alemanha e no Japão. As sociedades capitalistas contemporâneas
incentivaram com vigor o crescimento de suas estruturas estatais, procuraram alcançar
rapidamente níveis de prosperidade inéditos, como forma de fortalecer o sistema
capitalista diante da divisão ideológica mundial. A economia política vigorava na
Europa desde o século XVIII, entretanto a competição bipolar levou a ideologia para a
economia política, mas a competição entre Estados, esta sim, acirrada depois das duas
grandes guerras, “economizou” a política.
O desenvolvimento industrial passou a indicar o poder de influência interna e
externa do Estado, principalmente depois que as empresas capitalistas, privada ou
estatal, saíram de seus territórios originários e tomaram o feitio de multinacional.
Internamente, julgava-se a capacidade dos Estados de administrar o exercício político e
prover o bem-estar necessário à população em geral. Externamente, passou a constituir
um fator determinante do poder de inserção no sistema internacional, e influenciou na
capacidade de gerenciamento de conflitos e cooperação. No sistema capitalista do
século XX, a visibilidade do Estado-empresário imprimia o símbolo de liderança,
9
levava em consideração as devidas assimetrias, tanto nos países desenvolvidos, quanto
nos países em desenvolvimento. Dessa forma, o setor produtivo estatal foi alocado em
um patamar de profunda importância interna e externa para os países que conseguiam
desenvolvê-lo.
O desenvolvimento das estatais, principalmente naqueles segmentos que
exigiam uma extensa rede de distribuição, passava pelo inevitável controle de capital,
necessário em razão do volume de recursos essenciais para investir em redes de
distribuição que cobrissem e atingissem todo o território. Assim, o ponto a ser
enfatizado é a disseminação, nos grandes centros, da concessão de monopólio. Nos
EUA, por exemplo, os setores estratégicos foram agraciados com o duopólio privado,
regulamentado pelo Estado. Já na Europa, prevaleceu o monopólio, geralmente sob
controle estatal.
Para entender os movimentos da economia política mundial, é necessário rever,
sucintamente, o que ocorreu nos grandes centros, durante os anos 1930 e 1940, e fazer
distinção entre o que, depois, seria denominado de modelo europeu e de modelo norte-
americano. Na Europa, a presença do Estado produtor, capaz, inclusive, de possuir
centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) se fez necessária por sua história de
numerosas guerras, mais esparsas com o avançar do século XIX e acirradas até o meio
do século XX. Os setores estratégicos de energia, transportes, telecomunicações e
armamentos (aí se inclui a matriz da indústria automobilística, do rádio, da televisão, da
aeroespacial, etc.) foram importantes não apenas para as economias européias, mas
também como uma fonte de defesa nacional. Não havia razão para criar concorrências
ou inserir o capital privado em setores importantes para o interesse nacional.
Nos EUA, como o território era grande, foram constituídos monopólios
regionais privados, uma vez que certos setores eram desprovidos da necessidade de
10
concorrência. Não havia sentido ter mais de uma ferrovia que ia para o mesmo lugar,
mais de uma empresa que fornecesse energia ou rede de telecomunicações. O Estado
atuava com o fornecimento de subsídio e legislava para criar barreiras a novos entrantes.
Após a Crise de 1929, com o New Deal, as empresas privadas foram agraciadas com
subsídios, como recentemente o FED (Federal Reserve) vem fazendo com o setor
financeiro. Logo em seguida, os subsídios foram justificados pelo esforço de guerra,
pois, antes mesmo de os EUA entrarem na II Guerra Mundial, havia o compromisso de
fornecer armas, suprimentos e transportes, inclusive navios, para a Inglaterra e para a
Rússia.
A história da II Guerra conta que a Inglaterra de Churchil e os EUA de
Roosevelt articulavam a “sucessão hegemônica”, a fim de neutralizar as pretensões da
Rússia naquele momento. Apesar da oposição do Congresso americano, Roosevelt sabia
que a única forma de conter o avanço da Alemanha sobre a Europa era ajudar Stalin a
manter a frente de combate em seu território, proporcionando tempo à Inglaterra de se
recompor, a fim de, com os EUA, empurrarem os alemães de volta ao território deles.
Durante toda a II Guerra Mundial, o Departamento de Estado com o
Departamento de Defesa comandaram o esforço de guerra, subsidiando e incentivando o
setor privado a desenvolver inovações - centros de P&D das empresas, das forças
armadas e das universidades - e a produzir com alto grau de produtividade e ganho de
escala. Finda a guerra, as empresas americanas se viram diante do desafio de sobreviver
na escala anterior, sem a ameaça constante de um inimigo nacional. Solucionaram o
dilema com exportação do excedente e, em um passo posterior, saíram do território
nacional, exportando suas matrizes obsoletas.
Já as grandes empresas inglesas e francesas também se viram diante da
necessidade de suprir a demanda, que aumentou com o fim da II Guerra Mundial.
11
Entretanto essas empresas já estavam em todo o mundo, pois a periferia era formada por
suas colônias ou zonas de influência, como a América Latina, mercados quase sempre
cativos das empresas européias. Aliás, não é por acaso que o processo de
descolonização se iniciou após o fim da II Guerra Mundial, pois seria mantida a
dependência econômica, embora se rompesse o vínculo político.
O sistema liberal, assim definido pela Escola Clássica fundada por Adam Smith,
perdeu muito sua rigidez, à medida que as maiores potências mundiais passaram a
adotar normas protecionistas, ou alterar o regime econômico vigente. As transformações
começaram a ocorrer com a I Guerra Mundial e a Revolução Bolchevista (1917-20) na
Rússia, que adotou o regime socialista coletivista. A seguir, o regime econômico
imposto pela Revolução Fascista (1922) à Itália e pela Revolução Nazista (1933) à
Alemanha. Ainda que conservassem do capitalismo, os princípios do lucro e da
propriedade privada, a Itália e a Alemanha eram desprovidas da liberdade dos mercados.
A Grande Depressão (1929), que repercutiu profundamente na economia mundial na
primeira metade dos anos 1930, provocou uma revisão do pensamento econômico
clássico liberal, com a difusão do protecionismo comercial e do nacionalismo
econômico.
A Grande Depressão foi, de forma geral, provocada pelos grandes grupos
econômicos norte-americanos que, estruturados sob a forma de monopólios e
oligopólios e atuando de acordo com seus interesses, elevaram o preço de seus produtos,
por meio de uma diminuição artificial da oferta, mesmo quando esta, na realidade,
aumentava mais do que a demanda. Os estoques aumentaram nos Estados Unidos,
apesar do crescimento das exportações, amplamente financiadas pelos bancos norte-
americanos. A flexibilidade dos controles bancários, por outro lado, permitiu a expansão
dos meios de pagamento a taxas bem acima do crescimento do produto real. O dinheiro
12
fácil gerou uma euforia que, além de provocar um aumento extraordinário de consumo,
estimulou, notadamente a partir de 1927, um maior crescimento das operações
financeiras de cunho especulativo. Em 1929, na última semana de outubro, ocorreu o
colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Foi o marco inicial de uma ampla e
profunda crise econômica, que se alastrou por 1930 e 1931, uma vez que, ao menor
sinal de risco, havia crise de desconfiança, que enfraquecia o sistema bancário e
financeiro.
Os efeitos da crise foram imediatos na economia norte-americana: queda
violenta das cotações das ações, quebra de numerosos bancos, declínio das atividades
comerciais, paralisação de fábricas e serviços, e desemprego em massa. Diante desse
quadro depressivo e da impotência do setor privado em realizar investimentos que
reativassem a economia, o governo Roosevelt, ao iniciar sua administração em 1933,
pôs em execução um plano econômico de longo alcance, conhecido como New Deal,
que envolvia medidas de efeito econômico e social. O Estado passou, então, a intervir
na economia nacional, em detrimento das tradicionais liberdades federativas, com o fim
precípuo de baixar os níveis de desemprego e, desse modo, elevar a renda nacional,
mantendo a oferta em padrões aceitáveis.
Além do abandono do padrão-ouro e da desvalorização da moeda, o governo
norte-americano adotou uma série de medidas de proteção quanto à agricultura e à
indústria. O plano começou a alcançar os resultados desejados logo após o início de sua
execução, com o aumento, insignificante mas progressivo, da oferta de empregos. A
partir de 1937, a economia norte-americana apresentava sinais evidentes de
recuperação, e o número de empregos passou a aumentar. No decorrer da Segunda
Grande Guerra, em meio ao esforço de guerra, aproximou-se de uma situação de pleno
emprego.
13
A Inglaterra, mesmo antes de se precipitar a Grande Depressão, sofreu os efeitos
do obsoletismo de sua indústria e da sobrevalorização de sua moeda, o que tornou o
custo de seus produtos muito elevados para competir no mercado internacional. Com a
crise de 1929, a libra esterlina foi desvalorizada; em 1931, a Inglaterra abandonou mais
uma vez o padrão-ouro e o câmbio passou a flutuar, como ocorrera no período
compreendido entre a I Guerra Mundial até 1925. Abandonado o livre-cambismo,
ressurgiram as tarifas protecionistas e o dumping de mercadorias inglesas.
Na Alemanha, a fase mais aguda da depressão compreendeu os anos de 1932-
1933, quando o desemprego atingiu 44% da força de trabalho, o que propiciou
profundas mudanças estruturais na economia, inclusive, a adoção de um programa para
intensificar a indústria armamentista o qual possibilitou a queda do desemprego entre
1933 e 1938. Em 1938, ano anterior ao do início da II Guerra Mundial, a economia
alemã estava recuperada e com índice de 25% acima do registrado antes da Grande
Depressão.
A desarticulação do sistema monetário internacional agravou, ainda mais, a
situação do comércio mundial. A dificuldade de pagamento e, principalmente, de
conversibilidade de moeda levou alguns países, entre eles o Brasil, a estabelecer canais
de troca comerciais, mediante acordos bilaterais, os quais praticamente eliminavam os
pagamentos em dólar ou libra esterlina.
Os resultados alcançados pela política econômica adotada por Roosevelt, nos
Estados Unidos, e por Hjalmar Schacht, ministro da Economia da Alemanha (1934-37),
cujo traço comum era a intervenção do Estado na economia, no sentido de eliminar os
efeitos da recessão sobre o nível de desemprego, serviram de base para John Maynard
Keynes reafirmar sua teoria do emprego. Keynes, mesmo convicto de que o capitalismo
era o melhor regime econômico, defendeu a maior intervenção do Estado na economia
14
nacional, sempre que houvesse falta de investimento por parte do setor privado, de
modo a evitar crises cíclicas da economia e o desemprego por elas causado. Embora
fortemente contestado pelos liberais ortodoxos e prejudicado pelo componente
inflacionário nele contido, o keynesianismo floresceu em diversos países, inclusive no
Brasil.
Diante do cenário exposto, é possível concluir que o Estado com face
empresarial surgiu no Brasil em um contexto de estrangulamento externo das
exportações que atingiu gravemente a economia nacional, incontestavelmente agrário-
exportadora; impossibilidade de suprir o mercado com as importações tradicionais, caso
do aço que deu origem à criação da Companhia Siderúrgica Nacional; falta de
capacidade financeira por parte dos investidores privados nacionais; e, também, falta de
disponibilidade financeira dos investidores internacionais. Com a crise mundial e após a
percepção estatal de que o fomento à industrialização nacional seria o melhor caminho a
seguir, o desenvolvimento industrial foi estimulado por intensas políticas econômicas
que visavam à substituição de importações. Apesar da industrialização tardia, o
processo de substituição de importações foi primordial para driblar a desvantagem em
vista da dinâmica capitalista mundial que já estimulava a internacionalização da
produção proveniente dos países centrais.
Não foram apenas os fatores internacionais que compeliram o Estado a adquirir
uma vertente produtiva. Analisando-se a criação da Petrobras e da Vale do Rio Doce,
verifica-se que fatores internos influenciaram fortemente essa virada de rumo: os
interesses nacionais e as estratégias de desenvolvimento do país. A Vale do Rio Doce
foi criada para explorar o mercado de minério de ferro, mesmo que não houvesse
capacidade de absorção pela demanda interna. O Estado incorporou, nesse caso, uma
personalidade marcadamente capitalista, ao criar uma empresa estatal apenas para
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explorar sua capacidade produtiva e limitar o acesso de investidores privados ao
abundante minério de ferro que brotava no solo de Minas Gerais, matéria-prima
desejada por quem enfrentava esforço de guerra como, por exemplo, os EUA.
A Petrobras também pode ser incluída na vertente de projeto estratégico do
Estado, uma vez que o principal interesse ao criar a empresa e, conseqüentemente, o
monopólio da exploração, foi o de conceder autonomia energética ao Estado. É preciso
perceber que existiu, sim, um impulso, nos anos 1930, que revelou a face produtiva do
Estado, mas as razões que levaram à criação das diversas estatais foram diferentes.
As ações do Estado brasileiro como agente produtor se iniciaram de forma
preliminar nos anos 1930 e 1940, por meio de empreendimentos nos campos da
siderurgia, transportes, energia e minério. A partir da década de 1950, a iniciativa de
construção de uma economia de base industrial no Brasil tornou-se cada vez mais
marcante. Nesse sentido, a formação do Estado, que daí deriva, contém o
desenvolvimento de uma burocracia que busca seus próprios interesses e que cresce
com a ampliação do intervencionismo estatal.
Nos países de industrialização tardia, o sistema produtivo nacional sofre grande
influência da presença de atores internacionais que também concorrem pelo controle de
parte do sistema produtivo nacional, mas não se caracterizam como empresas
“nacionais”. A falta de infra-estrutura e de capital destinado ao seu desenvolvimento faz
com que o Estado sempre se comprometa e interfira no setor produtivo.
Todas essas características reunidas possibilitam o entendimento do papel
decisivo do Estado nessas sociedades. A função do Estado consiste em estimular o
desenvolvimento, gestar a estrutura nacional e organizar uma sociedade que ainda está
aprendendo a lidar com as características positivas e negativas do capitalismo. Diante
do papel proeminente e decisivo na economia, é compreensível que o Estado passe a
16
atuar como produtor direto. Nesse sentido, o Estado brasileiro adquiriu características
de produtor após a Grande Depressão que assolou o mercado mundial em 1929.
De fato o Estado que emerge no Brasil a partir da Revolução de 30,
e se consolida no curso do processo de industrialização, é um
Estado que não se limita a garantir a ordem capitalista (quer dizer:
manter as condições sociais externas necessárias à produção
capitalista), mas que passa a atuar internamente ao sistema de
produção para organizar a acumulação, tornando-se ao mesmo
tempo promotor e ator da industrialização. (MARTINS, 1985, p.
34)
É importante observar, atento ao aspecto sociológico, que, com o Estado que
surge a partir dos anos 1930 e que perdura até os anos 1960, nasce também o
nacionalismo político, interventor nos conflitos de classe, atuante no direcionamento das
ações operárias e burguesas. Ao privilegiar, no seio das decisões de Estado, a
acumulação capitalista nacional, impôs limites à presença do capital estrangeiro.
A partir do seu desenvolvimento e consolidação, as empresas públicas formaram
uma organização que preserva o público sem esquecer, entretanto, sua condição de
grande empresa capitalista. O que ocorreu com a Petrobras é um símbolo da capacidade
de expansão e autopreservação, pois os controles exercidos pelo Estado devem passar
por debate com a crescente burocracia interna e com a elite empresarial.
A legitimidade da influência governamental sobre a empresa pública não está de
forma alguma vinculada à dependência financeira. Se inicialmente houve um esforço
coletivo que possibilitou o desenvolvimento das empresas, nada mais justo que o poder
político seja agora beneficiado e possa influenciar suas decisões empresariais. Como
coisa pública, as empresas estatais, apesar de inseridas no grande mundo das empresas
capitalistas que visam ao lucro, fazem parte do conjunto de instituições que devem
atender ao interesse nacional.
Da mesma forma, cabe a análise da atuação das empresas públicas no âmbito
internacional. A influência do Estado nas decisões das empresas abrange toda sua área
17
de atuação, seja ela interna ou externa, e a busca por autonomia por parte da elite
empresarial também se expande para a atuação no exterior. O alcance de um equilíbrio
entre o trabalho para aumentar a competitividade versus a atuação para atender às
políticas de governo é o grande desafio das estatais. Ao se alinhar todos os conceitos e
ponderações aqui apresentados, é possível analisar em que medida uma estatal pode
escolher seus próprios caminhos de forma autônoma.
A relação entre governo e empresa estatal e as razões que levaram a usar esse
tipo de empresa para ampliar o poder e influência no continente sul-americano
consistem em um tema capaz de ser estudado a partir de uma análise teórica profunda,
mas esse tipo de estudo pode se perder em divagações confusas sobre teoria social e
relações internacionais. Nesse sentido, um estudo de caso revela-se facilitador, pois a
tarefa de reunir elementos explicativos oriundos de estratégia empresarial e estratégia de
política externa e macroeconômica se torna consistente, se fundamentada no exame de
um caso específico.
Assim, pode-se dividir essa pesquisa em três partes. A primeira parte apresenta o
contexto político e econômico que levou à criação da Petrobras. Analisa-se a política
desenvolvimentista de Vargas, estuda-se o importante papel dos militares ao
impulsionar a criação da Petrobras e o papel da sociedade ao eleger a Petrobras como
seu principal símbolo de desenvolvimento e prosperidade. O estudo dos movimentos
políticos pretende inserir o leitor na realidade das relações entre governo e empresa e
demonstrar como a Petrobras está atrelada ao Estado desde sua origem. O estreitamento
dessas relações possui raízes fortes e arraigadas por décadas que indicam a importância
dessa estatal para as políticas econômicas governamentais.
No segundo capítulo, analisa-se a estratégia de expansão da Petrobras e sua
utilização como instrumento de política externa, além de inserir a discussão da
18
19
possibilidade de sobreposição da autonomia empresarial sobre estratégias
governamentais. Para desenvolver esse capítulo, estudam-se os movimentos de
expansão da Petrobras por meio da Braspetro e da Interbrás e o elo com a estratégia de
expansão na América do Sul, observada nos anos 1990.
No terceiro capítulo, pretende-se discutir alguns aspectos relevantes da política
externa brasileira na América do Sul. Para tanto, será necessária uma explanação sobre
a tradição dessa política externa, o relacionamento com a América do Sul até o início
dos anos 1980 e o que mudou nesse tratamento.
Finalmente, a conclusão destina-se a agrupar todo o estudo dos capítulos
anteriores e a uma análise teórica sobre se, num mundo globalizado e cada vez mais
competitivo, ainda há a possibilidade do Estado exercer seu poder e estender sua mão
sobre o setor produtivo como forma de defender interesses econômicos e políticos. O
objetivo é analisar se a Petrobras, mesmo como grande empresa capitalista, possui
vínculos com o governo que ultrapassam sua vertente capitalista e remontam à sua
natureza estatal.
Capítulo 1. A CRIAÇÃO DA PETROBRAS
Procura-se, nesta seção, entender o processo de desenvolvimento brasileiro, no
período de 1930 a 1950, a fim de contextualizar a criação da Petrobras como empresa-
chave no projeto de industrialização nacional e na proposta política e econômica que se
desenhava para o Brasil nesse período. A expansão e o progresso da empresa,
posteriormente, devem ser entendidos como uma evolução da política adotada na sua
criação e dos esforços nacionais empreendidos nessa empreitada.
Para alcançar seu objetivo industrializante, o Estado utilizou diversas estratégias
capazes de custear a criação e o desenvolvimento das empresas estatais. A mais marcante
foi a extração de recursos orçamentários baseada na tributação indireta, direta e na
poupança forçada. São casos que exemplificam essa afirmativa: o Fundo de
Reaparelhamento Econômico, o adicional do Imposto de Renda utilizado no BNDE, o
Fundo de Eletrificação, que financiou a criação da Eletrobrás, o Imposto Único sobre
Combustíveis que financiou a criação da Petrobras, e o uso de recursos da previdência
social no caso da siderurgia. É importante esclarecer que o Estado não se empenhou
apenas em administrar o crescimento das estatais, mas também lançou mão de incentivos
fiscais e outras vantagens concedidas ao setor privado.
Nota-se, com os movimentos rumo à industrialização, que o objetivo não foi
somente a criação de empresas, mas a expansão do Estado como um todo. A expansão
das atividades estatais no país se deu por intermédio da chamada administração indireta
representada por empresas públicas, fundações, autarquias e fundos. A ampliação da ação
empresarial do Estado, entendida como a exploração da atividade econômica e própria de
20
um Estado moderno capitalista, é apenas mais uma estratégia de expansão de seu poder e
influência sobre a sociedade.
Inserida na ideologia do Estado, fosse ele classificado como nacionalista,
desenvolvimentista ou estatizante, sempre houve uma ideologia de intervenção,
extremamente conectada à idéia de nação. A própria criação da Petrobras se relacionou a
um fator determinante no pensamento presente nas elites, ou seja, os agentes que
possuíam inserção na camada de poder: a necessidade de exercer controle nacional sobre
os recursos estratégicos do país, nesse caso o petróleo. A idéia de que a empresa servia à
nação lhe dava sempre a dimensão de coisa pública.
A ação empresarial se forma no Brasil com um projeto definido de longo prazo
vinculado à ideologia de construção da nação. A inserção do Estado no setor produtivo
foi fruto de uma longa discussão política que envolveu, algumas vezes, uma intensa
mobilização popular em seu apoio, como foi a campanha “O Petróleo é Nosso”, por
ocasião da criação da Petrobras. Essas condições deram legitimidade de ação,
indispensável na criação de um arcabouço seguro que fornecesse tranqüilidade na
alocação inicial de recursos de grande monta, que deveriam ser politicamente
justificados.
1.1 - O contexto histórico
O início do século XX foi marcado por crises políticas e econômicas que afetaram
toda a periferia do sistema, a qual, se não era colônia, notadamente era área de influência
européia, à exceção dos EUA e do Japão, ambos em processo de industrialização
acelerada. No período compreendido entre as duas grandes guerras, de 1914 a 1945, as
21
economias latino-americanas sofreram fortes abalos decorrentes de seguidas interrupções
nos fluxos de comércio, já que todas eram de estrutura agrário-exportadora. Vale lembrar
que a crise de 1929 lançou o mundo em grande depressão econômica e incertezas, e
provocou nas balanças comerciais dos países periféricos grave deficit comercial.
Nesse cenário, a economia brasileira passou por prolongada crise nos anos 1930.
Essa fase pode ser considerada como o ponto de estrangulamento do modelo primário-
exportador e determinante na mudança do papel do Estado brasileiro na economia. Os
fluxos de exportação diminuíram seguidamente, principalmente os do café, ao mesmo
tempo em que seu preço despencava no mercado internacional, graças à crise e, também,
à entrada de novos competidores, aumentando muito a oferta.
A crise de superprodução do café, em 1929, e, em seguida, a Grande Depressão
agravaram a situação política nacional, a ponto de precipitar a revolução de outubro de
1930. Aproveitando-se do vácuo de poder que emerge com o enfraquecimento dos
produtores de café, ascende ao poder um grupo de militares e profissionais civis,
chefiados por Getúlio Vargas. Termina a chamada República Velha, chega ao fim a
alternância de poder entre Minas e São Paulo, a “política do café-com-leite”, em que os
presidentes e os interesses dos cafeicultores desses estados se faziam representar,
alternadamente, na Presidência da República.
Se, por um lado, se abriu um espaço político novo, por outro, isso foi também
determinante na mudança do papel do Estado brasileiro na economia. Até então, o Estado
assegurava as operações do mercado, inclusive agia como contentor de demanda ou
oferta, comprava e estocava produtos com o objetivo de assegurar os preços. Após a
Grande Depressão, como forma de conter a devastação social provocada pela queda das
receitas de exportação e pela drástica diminuição da capacidade de importar, o Estado
22
passou a adotar numerosas medidas que pretendiam defender o mercado interno das
oscilações do mercado internacional.
A primeira reação do governo foi adotar medidas que minorassem os efeitos do
profundo desequilíbrio externo, como restrição às importações e seu controle , com a
elevação da taxa de câmbio, compra de excedentes e/ou financiamento de estoques. O
processo que se iniciou a partir daí definiu a industrialização que marcou a economia
nacional no século XX.
A posição vulnerável do Brasil como país exportador de matérias-
primas passou também a ser encarada como algo indesejável. A
Grande Depressão, no plano internacional, e a crise do café, no plano
nacional, levaram os líderes políticos brasileiros a ver com mais
otimismo a expansão do mercado interno, e sobretudo a encorajar a
industrialização de produtos anteriormente importados. A Segunda
Guerra acentuou essa tendência, ao forçar o país a produzir para o
consumo interno. (CARVALHO, 1976, p. 10)
No período de 1929-1937, apesar da profunda depressão e da enorme fuga de
capital internacional, o Brasil pôde contar com maior liberdade em termos Internos.
Diante do cenário econômico mundial, agravado pelo início da Segunda Guerra e pela
escassez de divisas, observou-se a necessidade do país se voltar para si mesmo e
desenvolver atividades produtivas que antes eram atendidas através de importações.
Assim, se iniciou um processo de substituição de importações que possibilitou
diversificação industrial e elevou a taxa de crescimento econômico. Wilson Cano faz
referência a esse processo no trecho abaixo:
Embora a Segunda Guerra nos tenha imposto inúmeros sacrifícios, o
período 1937-1945 possibilitou a ampliação e um certo
aperfeiçoamento desse processo, aumentando, até mesmo, a
percepção nacional da possibilidade real de avanços na
industrialização. (CANO, 2000, p.19)
A confiança excessiva nas exportações se revelou um problema e um perigo para
a economia nacional. Entretanto, a substituição de importações pela produção interna não
23
foi alvo de prioridade no início do governo Vargas e, embora o câmbio valorizado
conferisse uma proteção ao mercado interno, particularmente, à indústria, os problemas
com o pagamento das dívidas e a escassez de divisas persistiram durante a década de
1930. A substituição de importações se mostrou uma alternativa à teoria das vantagens
comparativas e revelou a necessidade do crescimento do mercado interno e de um
processo de industrialização.
A ação do Estado, ao implementar a política de substituição de importações, foi
direcionada para o encontro de respostas políticas e econômicas que encaminhassem a
produção nacional a setores específicos. Nesse sentido, o Estado teve que encontrar
formas de orientar e solucionar os conflitos de interesses que envolviam vários setores da
sociedade atingidos pelo processo de substituição de importações e por uma postura
interventora. Havia, antes de tudo, interesses divergentes, no âmbito territorial, e entre
segmentos sociais específicos. Nesses se situam a própria burocracia estatal, o núcleo
militar, os capitais privados nacionais e os capitais estrangeiros. Porém, aliados também
surgiram no curso do desenvolvimento do país: a população, que se beneficiava com os
novos padrões econômicos; uma nova elite empresarial do Estado, representada pelos
burocratas das empresas estatais; uma nova elite industrial e comercial, e de profissionais
liberais. No trecho a seguir, Wilson Cano relata a formação da burocracia estatal na
primeira metade do século X X :
As políticas de defesa da economia e o novo manejo da política
econômica foram também gerando o aprendizado de uma futura
burocracia planejadora e de um Estado intervencionista, ao contrário
do Estado Liberal. (CANO, 2000, p. 19)
É preciso, entretanto, perceber a extensão da mão do Estado como fomentador
direto do desenvolvimento. Aos olhos daqueles que entendem a teoria econômica em sua
24
formulação mais simples, o fenômeno da industrialização pode parecer uma simples lei
da oferta e da procura, ou seja, se há diminuição da oferta de importados, cria-se o
ambiente para aumento da produção local. Entretanto, a industrialização brasileira era
insípida, havia, inclusive, a falta de indústrias elementares e total ausência de infra-
estrutura básica, setores em que não existia a menor intenção de investimento por parte
do capital nacional, por total falta de recursos, e do capital internacional, por total falta de
interesse e atratividade. Nesse ponto, a intervenção do Estado, primordial como
financiador dessa nova capacidade produtiva e instigador da industrialização, conduziu o
país a índices de crescimento industrial antes não alcançados.
Particularmente no processo de industrialização tardia brasileira, sob
a égide nacional - desenvolvimentista, foram intensamente utilizados
instrumentos de planejamento e mecanismos de financiamento
públicos, coordenados por agências de fomento, para que se
implantassem setores considerados estratégicos para o
desenvolvimento. Especialmente os setores de infra-estrutura
sofreram esse tipo de intervenção, acelerando o processo de
industrialização baseado na substituição de importações. (COSTA,
2000, p. 15)
A modernização do Estado brasileiro implicou a criação de novas instituições e,
também, a concepção de instrumentos de controle e de fomento econômico até então
inexistentes. As condições de financiamento, perante uma situação de grave
estrangulamento externo, forçaram, apesar do nacionalismo existente no núcleo do
governo, a aproximação com os EUA que responderam com o envio de missões de
cooperação econômica, como a Missão Cooke. Se no primeiro governo Vargas vieram
poucos recursos, por outro lado, a instalação da Cia. Siderúrgica Nacional em território
brasileiro e a criação da Cia. Vale do Rio Doce atestaram que as relações com
Washington não eram hostis.
25
Desde junho de 1939, antes mesmo de os EUA entrarem na II Guerra Mundial,
era clara a intenção de participarem do projeto de renovação dos equipamentos militares
e industriais brasileiros, já manifestada em visita do chefe do Estado-Maior do Exército
brasileiro, general Góes Monteiro ao governo norte-americano. Depois de negociações
conturbadas, em razão da criação de um novo Código de Minas, que vetava a
participação do capital estrangeiro na siderurgia e as pretensões da United States Steel,
em 1940 foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que decidiu
pela localização da usina, a ser construída, em Volta Redonda. Por meio da embaixada
brasileira em Washington, foi solicitado ao Eximbank um crédito de US$ 20 milhões,
obtidos com o compromisso brasileiro de maior cooperação econômica e militar entre os
dois países, cujas negociações só se completariam em 1942, quando os EUA já se
encontravam em guerra. Em abril de 1941, já estava criada a Cia. Siderúrgica Nacional
(CSN), uma sociedade anônima de economia mista e controle de capital era pelo governo
federal. A criação da Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), também de economia mista, em
junho de 1942, seguiria os mesmos passos, obedecendo aos preceitos do Código de
Minas, que vedava a exploração do subsolo brasileiro ao capital estrangeiro e barrava as
pretensões da Itabira Iron Ore Company.
Em que pese a orientação nacionalista então manifestada pelo
governo brasileiro, a criação da CVRD contou com a colaboração
dos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, obtida no contexto
da aproximação do Brasil com as potências aliadas na Segunda
Guerra Mundial. A própria incorporação do patrimônio da Itabira
Iron à nova empresa se deu graças a um entendimento com o
governo britânico. (FGV: CPDOC)
1
1
FGV:CPDOC. Disponível em <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45> Acesso
em: 10 abr. 2008.
26
Encerrada a Guerra já durante o segundo governo Vargas, outro setor relevante
constituiria a origem de uma nova empresa estatal. Desde a Constituinte de 1946 que
nacionalistas se mostravam insatisfeitos por não poderem impedir a participação do
capital estrangeiro na exploração do petróleo. Sem dúvida, o Estatuto do Petróleo deixava
claro que esse setor era estratégico e de utilidade pública, mas a escassez de recursos e a
falta de tecnologia impediam a sua nacionalização. Ainda no governo Dutra, segmentos
nacionalistas, principalmente militares, se manifestaram favoráveis à total nacionalização
e à criação de uma empresa estatal. Precedida por intensa campanha popular, em 1953,
após 7 anos de disputas, foi criada a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), empresa de
controle majoritário da União, que detinha o monopólio de todas as etapas da exploração
e refino, excluída apenas a distribuição.
De todas as empresas governamentais é sem dúvida a Petrobras a que
melhor reflete os esforços dos políticos brasileiros no sentido de
assegurar ao Estado um maior controle sobre a exploração e o
desenvolvimento dos recursos naturais do país. Suas atribuições
legais definiram-se, portanto, em função de nacionalismo econômico,
cuja premissa básica era a de que a indústria do petróleo, dada a sua
importância, não deveria ser confiada a estrangeiros. Se de um lado a
ideologia contribuiu para que os brasileiros aceitassem o ônus de
desenvolver a indústria do petróleo, do outro impediu, até meados da
década de setenta, que capitais e tecnologia de risco vindos do
exterior se somassem aos esforços internos de exploração e
produção. (CARVALHO,1976, p. 9)
De forma geral, a política governamental concentrou sua atenção em duas
direções principais: política de comércio exterior e a política de investimentos. A
primeira pode ser relacionada, sobretudo, à política cambial que manteve discriminação
efetiva entre as importações, com tratamento preferencial aos bens de capital e aos
insumos essenciais. A segunda resultou na criação de empresas estatais e na eliminação
sistemática dos principais pontos de estrangulamento nos setores de infra-estrutura e
27
financiamento e orientação de investimentos de base, por meio de uma agência financeira
estatal: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
O elemento reitor da política econômica do período foi, sem dúvida,
a política cambial e o controle de importações. Além da
desvalorização, o governo também praticou durante vários anos o
monopólio de câmbio. As restrições às importações e a notável
expansão da produção industrial fizeram baixar o coeficiente global
de importações, de 19,8% em 1928 para 10,5% em 1939. O país
substituíra parte de suas antigas importações, cuja pauta já mostrava
participação bem menor dos bens de consumo e um gradativo
aumento dos bens de capital, dos combustíveis e lubrificantes.
Contudo, no período de 1939-1945 a economia submeteu-se a
enormes pressões internas em face das restrições do abastecimento
externo. Isso dificultou a industrialização, fazendo que a indústria e a
agricultura fossem submetidas a maiores esforços produtivos
gerando até pressões inflacionárias. Ao longo da década de 1930 e,
mais especificamente, após o golpe do “Estado Novo” em 1937, o
Estado brasileiro começava a se organizar para enfrentar as
transformações em curso. Várias instituições estatais foram criadas e
o Estado foi implementando novos mecanismos para a programação
e a execução de seu novo papel, que atingiria complexidade ainda
maior no pós-guerra. (CANO, 2000, pp. 168 e 169).
Por outro lado, a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), não como um banco público, mas como um banco de investimento, se arrastou
de 1942 a 1952, quando, finalmente, foi criado.
Notadamente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico –
BNDE, criado em 1952, ainda no governo de Getúlio Vargas, teve
papel fundamental em todo o processo de planejamento econômico e
industrial brasileiro. Lessa (1981) destaca que a política econômica
durante o período que vai de 1948 a 1950 esteve condicionada a
comportamentos externos e que não havia uma preocupação definida
com o desenvolvimento industrial, mas que as decisões eram
tomadas para compensar os desequilíbrios internos e externos,
denominando a industrialização existente de não intencional.
(COSTA, 2000, pp. 15 e 16)
Os relatórios das missões de cooperação, os quais culminaram com o da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), instalada no período de 1951 a 1953,
foram importantes para treinar e formar os técnicos que iriam compor o novo aparelho de
Estado e para mapear os pontos e setores que dificultavam o desenvolvimento industrial
28
brasileiro, mormente os de infra-estrutura relativos à energia, transportes e comunicações.
Entretanto, o Brasil enfrentaria forte crise cambial e postergaria muitos projetos
aprovados no âmbito da CMBEU, que só seriam resgatados, posteriormente, no Plano de
Metas.
As principais implicações das reformas cambiais que foram implantadas no
processo de industrialização, com substituição de importações, de acordo com Costa
(2000), podem ser resumidas em: reserva de mercado, mediante o encarecimento relativo
das importações incluídas nas categorias não prioritárias, que tiveram taxas de câmbio
mais elevadas; concessão de subsídios, com taxas de câmbio favorecidas, principalmente
para a importação de bens de capital e de insumos requeridos pelas indústrias em
instalação; o Estado, por meio das operações de compra e venda de divisas, passou a
participar financeiramente das rendas de intercâmbio comercial, haja vista que realizava
leilões.
Ainda de acordo com Costa (2000), Juscelino Kubitschek, no seu Programa de
Governo, reafirma que o projeto, que seria implantado, seguiria o curso do nacional-
desenvolvimentismo sem, contudo, se afastar do movimento capitalista mundial. Dos
projetos definidos para o Plano de metas, participariam o capital estatal, o capital privado
nacional e estrangeiro, sob orientação estratégica do governo, consubstanciada por
intermédio do BNDE e do Conselho do Desenvolvimento, órgão informal criado e
subordinado diretamente à Presidência da República. Pelo Plano, válido para os 5 anos
seguintes, seriam prioridades a construção dos estágios superiores da pirâmide industrial,
verticalmente integrada, e a construção da infra-estrutura básica necessária ao processo
de industrialização, a fim de conferir continuidade ao de substituição de importações, já
iniciado. O Plano de Metas apenas fazia alusão à educação e tampouco se preocupou com
29
a distribuição de renda. As questões relativas à Reforma Agrária só ganhariam
visibilidade em 1959, com o crescimento do movimento social no Nordeste que levou à
criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE.
O Plano, além de prever investimentos que incorriam em uma
elevação dos gastos do setor público, propunha mecanismos de
financiamento e fundos parafiscais, mas acarretaria ainda, ao longo
de sua execução, uma ampliação das importações de equipamentos e
insumos industriais. Explícita ficava a opção por uma situação de
endividamento externo, com fortes desequilíbrios de natureza
financeira. Ao invés de contemplar uma política de estabilização, o
Plano de Metas apontava para o desenvolvimento, mesmo com
desequilíbrio, ao contrário de outros países latino-americanos que,
em processo de estrangulamento, adotaram políticas recomendadas
pelo Fundo Monetário Internacional – FMI: centradas na
estabilização e na diminuição de suas taxas de crescimento.
(COSTA, 2000, p.19)
O estratagema de desenvolvimento que encaminhou, ao longo do século XX, à
criação das estatais é crucial para entender o papel político e econômico dos principais
atores econômicos e sociais, afinal o interesse nacional influenciou sobremaneira suas
decisões estratégicas. A construção do Brasil industrial se fortaleceu com as medidas
realizadas durante o segundo governo Vargas, avançou com o Plano de Metas de
Juscelino e se desenvolveu aceleradamente até o governo Geisel, quando havia um
ambiente favorável à expansão das empresas produtivas estatais. O governo tomou as
rédeas do desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, alargou o poder do Estado sobre
a sociedade. Nos governos que entremearam aqueles citados acima, houve uma
comunhão de objetivos que propiciaram a proteção e o desenvolvimento das companhias.
Entretanto, após o crescimento do setor produtivo estatal e com a percepção de
estabilidade das empresas estatais no mercado, novas questões surgiram nas relações
desse setor com o Estado e a sociedade em geral. A elite empresarial estatal, apesar de
30
seu duplo papel de agente político do Estado e agente capitalista do mercado, procurou
estabelecer, desde cedo, uma autonomia de ação. O grau de autonomia alcançado por
cada agente dependeu de vários fatores e pode-se afirmar que algumas empresas
alcançaram maior autonomia que outras. Fatores como o setor em que se inseria, sua
criação e inserção no mercado nacional e mundial, o crescimento econômico e setorial, o
grau de monopólio, e a possibilidade de auto-sustentação sem necessidade de
financiamento governamental foram fundamentais para alimentar a ambição interna das
empresas estatais por maior autonomia.
Sem dúvida, entre as estatais brasileiras, a trajetória da Petrobras é o melhor
exemplo daquela que soube mobilizar recursos para implementar, a longo prazo, uma
política direcionada à autonomia e crescimento das atividades. A posição política da
empresa, nos primórdios de sua existência, foi emblemática para a sociedade que
aprovava o dispêndio com a sua criação. Esse procedimento determinou uma identidade
com a empresa, orgulho por seu crescimento econômico e por sua expansão
internacional, e, de certa forma, corroborou com um exercício de liberdade institucional.
Entretanto, é preciso notar que a autonomia de uma empresa estatal é sempre relativa,
pois, apesar da ambição econômica, devido à sua natureza, o sistema produtivo estatal se
insere em um contexto político, cujo regime de criação e crescimento exige um pacto
permanente de cooperação com as políticas governamentais.
Durante sua história, a Petrobras adotou estratégias empresariais de alto calibre,
que permitiram uma inserção, cada vez maior, em vários setores da cadeia produtiva,
como a prospecção, o refino, a comercialização, a distribuição, o transporte marítimo, a
petroquímica e fertilizantes. A dinâmica de ampliar o campo de atuação imprimiu uma
notável expansão interna e externa às empresas do grupo, o que provocou resistência,
31
interna e externa, à companhia, às mudanças ocorridas nos anos 1980/1990. Houve
fortalecimento do poder de suas lideranças políticas durante esse período crítico:
A força política adquirida pelas lideranças do SPE (Sistema
Produtivo Estatal) nas suas trajetórias anteriores é testada ao longo
desse período crítico. No caso da Petrobras, suas lideranças
conseguem preservar sua autonomia e poder, mercê da
implementação de uma estratégia de resistência dinâmica,
verificando-se notável expansão interna e internacional das
atividades do grupo.(CONTRERAS, 1992, p. 15)
Para se entender a relação atual entre a empresa e o Estado, é necessário analisar
os meandros de sua criação, tanto na concepção político-econômica, quanto na visão
estratégico-militar e de mobilização social. A importância da trajetória da Petrobras se
acentua, também, por ser a maior estatal que sobreviveu ao surto privatizante, com uma
enorme capacidade de resistência, e por ter se tornado um conglomerado que se
internacionalizou. Não há como negar que a própria atividade fim da empresa possui uma
elevada perspectiva de acumulação e que contém a potencialidade natural típica de
grande empresa, oligopólio global. Também, não é possível deixar de creditar à sua elite
o ímpeto internacionalizante. A elite empresarial se caracterizou pela mesma ambição
observada na iniciativa privada e, sem que se esquecesse de sua natureza estatal,
transformou esse conglomerado numa organização que possuía interesses que se
assemelhavam fortemente aos do capital privado e que se amalgamaram, principalmente
a partir dos governos militares, com os interesses nacionais.
1.2 Expansão do nacionalismo no aparelho de Estado
A estrutura básica da moderna administração pública brasileira foi erigida na
década de 1930. Apesar das mudanças de governo e das transformações inerentes à
32
passagem do tempo, muitas instituições sociais e econômicas foram preservadas até os
dias de hoje. Tratar da indústria brasileira do petróleo e criação do parque industrial pós-
depressão é o mesmo que tratar dos governos Vargas e da ascensão do nacionalismo
econômico. Por outro lado, dado o período situado entre as duas grandes guerras, foi
comum a questão nacional tomar conta da política e os interesses serem claramente
manifestos. Assim, o nacionalismo econômico pode ser compreendido como a procura de
um Estado por menor dependência econômica e maior autonomia nas relações
interestatais, com o pressuposto de um controle maior do Estado sobre seus recursos
naturais.
Por nacionalismo econômico, entendo uma política que objetiva a
conquista de suficiente poder econômico nacional para assegurar a
independência política da nação. (WIRTH, 1973, p. XVII)
A partir desse ponto, podem ser identificadas duas principais atribuições do
Estado. A primeira seria garantir que os principais recursos naturais da nação pudessem
ser extraídos e distribuídos em benefício dela mesma. A matéria se relaciona não só com
a questão da diminuição da dependência econômica, mas com a segurança nacional.
A segunda atribuição se refere ao controle do Estado sobre a priorização de
investimentos. O Estado aqui, no período em estudo, possuía o poder de criar um sistema
de valores que determinava prioridades e avaliava resultados em termos de necessidade
da nação. A ênfase que o Estado dava a determinado setor, agricultura ou indústria
pesada, estímulo a indústrias que atenderiam a objetivos militares ou às que teriam
utilização estritamente econômica, definia a direção econômica do país, uma vez que esse
Estado era um dos principais investidores e estava, francamente, em plena expansão de
sua capacidade produtiva e de controle da economia. Não é, por acaso, que na era Vargas
se verificou um acentuado aumento de autoridade e de capacidade do governo nacional.
33
O nacionalismo econômico ampliou os seus objetivos, atuando na política que
reclamava o uso dos recursos naturais – assim como trabalhava na proteção desses
recursos contra a exploração estrangeira - e se identificou como ideologia orientada para
o porvir.
Os responsáveis pelas diretrizes políticas do Brasil traçaram uma
orientação para o futuro e suscitaram uma confiança nos destinos da
nação que, em seu sentido mais amplo, configuram o que se poderia
denominar “nacionalismo desenvolvimentista”. E, embora muitas
vezes divergissem quanto aos meios, o objetivo – ou seja, a
industrialização – tornou-se largamente aceito entre os tecnocratas e
o público politicamente ativo.(WIRTH, 1973, p. 193)
De modo geral, entretanto, a mais importante contribuição do nacionalismo
durante o governo Vargas consistiu no sentido da definição e subseqüente popularização
das metas do desenvolvimento. O nacionalismo econômico serviu para identificar
prioridades e investir o Estado de autoridade para que entrasse em ação. Foram quinze
anos de expansão e diversificação, com altas taxas de crescimento econômico e de
investimentos produtivos.
Por falta de abastecimento regular proveniente do exterior, percebeu-se a
necessidade de diversificar as fontes internas de suprimento e produção de maquinário,
além de peças de reposição. As indústrias siderúrgica e química cresceram com a ajuda
dos Estados Unidos, cujo objetivo era expandir seu poder político sobre a América
Latina, e vislumbrar maior complemento de seu esforço de guerra por parte dos vizinhos
americanos.
Com grande habilidade política, Vargas procurou vincular o aumento da
qualidade de vida e bem-estar nacional à sua imagem e à sua personalidade política. Na
metade de seu primeiro período presidencial, o magnífico instinto político de Vargas fez
que sentisse que era hora de jogar com o sentimento nacionalista. Por volta de 1940, já se
34
havia estabelecido a sua imagem de “pai dos pobres” e, ao mesmo tempo, de “tio dos
ricos”.
O processo de industrialização acelerou a urbanização das grandes cidades. A
precoce urbanização incorporou grande leva de trabalhadores que passaram a constituir
importante apoio político ao processo de industrialização e incorporaram a questão
nacional como uma variável importante para o desenvolvimento. A despeito da crise
internacional, da falta de recursos externos, o Estado tomou para si a responsabilidade do
desenvolvimento e do estímulo à produção e avançou no que foi possível. Estimulou
setores importantes, tais como: o siderúrgico, químico, petrolífero e de infra-estrutura,
como transporte, energia e telecomunicações.
O rápido crescimento da economia doméstica fez com que houvesse maior
demanda por bens em geral. Essa situação levou à percepção de que as atividades
destinadas à exportação não estavam desenvolvidas o suficiente para gerar um nível de
divisas satisfatório para suportar as importações. O deficit comercial empurraria o
balanço de pagamentos para a posição deficitária, e os problemas gerados pelo
desequilíbrio, a longo prazo, se tornariam limitadores do desenvolvimento. Esse senso
impeliu à análise da dependência da siderurgia e do petróleo, classificados como setores
cujo desenvolvimento era urgente e exigiam uma rápida solução.
As oscilações do mercado internacional foram um forte estímulo à discussão de
soluções que levassem à diminuição da insegurança externa. O alto preço do aço em 1937
conduziu à crise de pagamentos que afetou sensivelmente as importações do produto. A
esse fator, pode ser atribuída uma das causas de Volta Redonda ter sido criada 20 anos
antes da Petrobras, uma vez que, só após o fim da guerra, os preços do petróleo
começaram a subir, o que estimulou o debate em torno de uma solução para o problema
35
do petróleo. Neste caso, não só o aumento do preço internacional influenciava a urgência
do debate, mas também o aumento do mercado consumidor interno, em decorrência da
demanda derivada da industrialização e da urbanização. Os gastos do país com o
suprimento externo de petróleo tendiam a ficar insustentável, se a Nação não redobrasse
seu esforço de marchar para a produção e, quiçá, para a auto-suficiência, uma vez que era
irreal vislumbrar a possibilidade de que o Brasil crescesse em um ritmo tal que lhe
permitisse ter receita nacional, reservas em moeda estrangeira suficientes, para bancar
esse custo.
As lições aprendidas na prática do comércio exterior influenciaram os debates,
radicalizando as posições de liberais, favoráveis à participação do capital estrangeiro na
exploração, e as posições de nacionalistas, contrários à presença do capital estrangeiro em
determinados setores. Às vezes, dentro do próprio aparelho de Estado, uma vez que
conviviam progressistas, liberais e nacionalistas, a convergência se dava em torno da
remessa de lucros por parte das empresas estrangeiras, pois, no limite, a maioria
comungava a crença no processo de industrialização e no desenvolvimento. Outro
segmento importante que participaria intensamente do debate e engrossaria, dentro do
aparelho de Estado, a corrente nacionalista foram os militares, sempre preocupados com
as questões estratégicas e relacionadas à segurança nacional.
Além da questão econômica, a questão do petróleo carregava em seu âmago a
crucial reflexão sobre soberania e segurança nacional. O interesse público no petróleo
surgiu durante a Primeira Grande Guerra, quando a discussão do problema girava em
torno das conseqüências econômicas e militares de uma escassez de combustível em
tempo de guerra. Aliás, as Forças Armadas desempenharam um papel decisivo no
estabelecimento do monopólio do petróleo e na criação da Petrobras.
36
No período do Estado Novo, o Exército emergiu como principal promotor do
nacionalismo econômico e da ideologia desenvolvimentista, abraçada posteriormente
pelos tecnocratas da segunda administração Vargas. Essa ideologia desenvolvimentista
identifica o futuro do Brasil com a industrialização e o exército identifica na
industrialização uma forma de fortalecer a soberania nacional.
Como árbitro político dos regimes de Vargas, o Exército exerceu
grande influência sobre a programação do governo a cada giro da
roda política. Constituía ele, ademais, a principal força iniciadora dos
projetos de desenvolvimento econômico na década de 1930,
desempenhando sempre, mais tarde, um papel decisivo no
planejamento industrial. (WIRTH, 1973, p. XIX)
O exército incorporou a ideologia desenvolvimentista na década de 30, quando os
oficiais passaram em revista os requisitos militares e econômicos de defesa. Levando-se
em consideração que eram tempos de guerra, as forças armadas exerciam forte influência
sobre a política e a opinião nacional. Os pontos de vista do Exército foram expressos,
com bastante veemência, durante toda a década de 1940 e 1950.
No que diz respeito ao petróleo, Geraldo Wilson Nunan ajuda a entender a
importância do tema para o meio militar:
Sem dispor de uma frota de petroleiros, as Forças Armadas, na
defesa da integridade na soberania do país, dependiam do
abastecimento feito por navios de bandeira estrangeira. Delineava-se,
desse modo, o maior desafio na história econômica do Brasil, ou
seja, instalar no país, em bases racionais, uma indústria de petróleo e
atender, desse modo, às necessidades de consumo interno e aos
imperativos da segurança nacional. (NUNAN, 1970, p.6)
Marchava-se para a Segunda Grande Guerra, antevista por todos os estudiosos da
política internacional. Essa expectativa mobilizou os responsáveis pela condução dos
negócios públicos, no Brasil, a dedicarem maior atenção ao abastecimento nacional de
combustíveis líquidos, na eventualidade de provável interrupção dos suprimentos
externos. Nesse contexto, é compreensível que o exército viesse a se interessar,
37
ativamente, pelos problemas ligados a transportes, carvão e energia elétrica, bem como
acompanhar a atuação dos órgãos reguladores do governo central.
Apesar do consumo ainda reduzido, e do petróleo só ter sido descoberto em 1939,
na Bahia, vários argumentos já eram expedidos para justificar a fundação de uma
indústria petrolífera nacional. Afigurava-se, inegável, aos oficiais do Estado-Maior do
Exército que o Brasil deveria possuir pelo menos uma indústria de refinação, por motivos
de ordem militar, econômica e estratégica. O objetivo era impedir que as companhias
estrangeiras participassem de qualquer fase da nascente indústria, com exceção da
distribuição, já controlada por estrangeiros.
Depois da guerra, as opções do Brasil permaneceram inalteradas: desenvolver a
indústria com as grandes companhias internacionais ou com recursos internos. O
nacionalismo, como já foi comentado, representou um papel-chave na decisão. Deve-se
notar que o exército se sentia bastante à vontade com um nacionalismo econômico que
lhe permitia agir como principal indicador de indústrias de base. Pode-se afirmar que os
pontos de vista do exército foram defendidos com bastante firmeza durante as décadas
seguintes. Mais tarde, no regime civil e tecnocrata do segundo período presidencial de
Vargas, desenvolveu-se uma teoria mais completa e sofisticada sobre planejamento e
ação governamental direta. A grande influência sobre os governos, possivelmente,
alimentou as intenções e ganância de poder e levou à crença, entre os militares, de que só
as Forças Armadas poderiam saber o que era bom e prioritário para o Brasil. Assim,
criou-se o embasamento teórico que viria a ser uma das justificativas para o Golpe Militar
de 1964.
Ao mencionar a influência militar sobre o debate do petróleo, mais
especificamente sobre o monopólio nacional, é necessário citar uma personalidade que
38
influenciou sobremaneira o pensamento militar e político, durante os anos 1930 a 1950: o
General Júlio Caetano Horta Barbosa. Nos anos 30, então diretor de Engenharia do
Exército e importante representante da opinião militar sobre o assunto, procurava
informar, por meio de documentos secretos endereçados ao ministro, a situação delicada
em que se encontrava as Forças Armadas graças à dependência do fornecimento externo
de combustíveis. Desde essa época, já defendia uma participação hegemônica do Estado
no assunto, preferencialmente sob o comando militar. Nesse período, se propunha, no
próprio meio militar, a criação de um Departamento Nacional de Combustíveis.
Horta Barbosa acreditava na importância do setor petrolífero, não só no
atendimento aos anseios militares, mas também no desenvolvimento econômico. Em sua
opinião, os ônus e os benefícios da criação da indústria do petróleo deveriam ficar nas
mãos da nação; destacava o papel agressivo e espoliativo das companhias estrangeiras;
apontava o caráter de monopólio natural da indústria do petróleo como única alternativa;
defendia a intervenção direta do Estado.
No início de 1938, já existiam elementos para uma nova política nacional do
petróleo. As companhias estrangeiras pareciam se reorganizar em termos de ocupação
mercadológica e as perspectivas para a construção de refinarias no país eram boas. Diante
desse novo cenário e da necessidade de se criar um controle maior quanto à regulação e
desenvolvimento do setor, foi fundado, em 1938, o Conselho Nacional de Petróleo
(CNP), durante o Estado Novo, pelo General Horta Barbosa. A iniciativa em matéria de
política passou do Ministério da Agricultura para o Exército e, no início de 1939, as
operações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em solo baiano
foram postas sob o comando do recém-organizado CNP. O papel do exército foi
interpretado de forma inspiradora por John Wirth, conforme se segue:
39
Antes faltava um catalisador, uma combinação nova de idéias,
personalidades e instituições para dramatizar o problema do petróleo
e assumir o comando. Isso foi feito pelo Exército, sob o influxo do
nacionalismo, da crise mundial que avultava e dos anseios de
modernização.(WIRTH, 1973, p. 123)
Ao se analisar o tema do monopólio estatal, percebe-se que, ao contrário da
indústria siderúrgica, na qual foi adotada uma fórmula flexível e conciliatória, a do
petróleo seguiu o rumo do controle estatal direto sobre todas as fases do negócio, exceto
distribuição.
É importante notar que mesmo um elemento moral não esteve
ausente dessa perspectiva. Sendo já bastante conhecida a natural
estrutura do setor petrolífero e a trajetória política e econômica das
multinacionais em países subdesenvolvidos, qualquer tipo de
concessão exploratória significaria a “entrega” do país. Por outro
lado, dada as conhecidas debilidades do capital nacional, qualquer
proteção garantida pelo Estado à iniciativa privada poderia se
transformar em um favorecimento escandaloso. Não restava outra
alternativa senão o estabelecimento do monopólio estatal. (DIAS e
QUAGLINO, 1993, p. 166)
Dado o final da II Guerra e a posição de país credor que os EUA assumiriam na
recomposição do capitalismo internacional, a América Latina e o Brasil não faziam parte
do escopo prioritário de sua política externa. Pelo contrário, a o excedente de recursos
disponíveis se direcionava a reconstruir Europa e o Japão, e a barrar a expansão da URSS
em direção à Ásia, e culminaria com a entrada dos EUA na guerra da Coréia. Além disso,
é bom lembrar, o forte viés nacionalista da política brasileira e limitações à remessa de
lucros descontentavam o governo norte-americano. A isso também se soma o fato de que,
desde que o México, em 1900 e 1910, a Venezuela, na década de 1930, e, finalmente, o
Oriente Médio, começaram a exportar petróleo, o Brasil deixou de apresentar qualquer
possibilidade de atrair capital norte-americano para a exploração petrolífera brasileira.
Quanto aos investidores privados brasileiros, porque os esforços dos órgãos de
exploração do governo e de uns poucos perfuradores independentes não eram profícuos,
40
evitavam a exploração aleatória e de alto risco, preferiam investir em setores mais
seguros, tradicionais e lucrativos no comércio e na agricultura. A exploração e produção
requeriam um enorme dispêndio de capital, que era escasso para o investidor nacional.
No seio do aparelho de Estado brasileiro e, principalmente em sua política
externa, a questão nacional ganhou corpo. Ainda durante o governo Vargas, a posição
brasileira a favor da autodeterminação dos povos e a defesa intransigente das riquezas
nacionais não agradavam os EUA e fortaleciam uma relação desconfortável que se
estabelecia entre os dois países. Por um lado, no campo multilateral, o Brasil avançava
em direção a uma posição de independência; no campo das relações bilaterais, solicitava
recursos e impunha limites à expansão das empresas norte-americanas no Brasil,
particularmente, as relativas à exploração de riquezas naturais. Só anos mais tarde, com a
proposta da Operação Pan-Americana, realizada pelo governo Kubitschek, e, depois, com
a Aliança para o Progresso, proposta do governo norte-americano, o Brasil retomaria um
lugar de maior destaque nas relações com os EUA.
1.3 A Campanha “O Petróleo é Nosso”
Após 1945, o debate em torno do petróleo tornou-se público, mediante discussão
entre os militares, intelectuais, burocratas do aparelho de Estado, empresários e a
população em geral, mas a controvérsia permeou toda a crescente participação do
governo no desenvolvimento da indústria petrolífera. Dessa forma, a criação da Petrobras
foi precedida por uma mobilização popular intensa, estimulada por campanhas políticas,
que objetivavam, principalmente, evitar que os recursos petrolíferos brasileiros fossem
explorados e desenvolvidos por capitais estrangeiros. Pode-se dizer que, à medida que os
41
brasileiros se interessavam pela política do petróleo em 1945, o faziam mais como
consumidores descontentes do que como cidadãos conscientizados. O desenvolvimento
desse descontentamento levou à formação de um movimento político cuja principal
bandeira consistiria na criação de uma empresa que possuísse o monopólio estatal do
petróleo. Essa campanha ficou conhecida como “O Petróleo é Nosso”.
Em 1945 os brasileiros estavam cansados do racionamento e do
mercado negro do petróleo.Os proprietários dos novos carros e
caminhões precisavam de gasolina; os industriais exigiam mais óleo
combustível; os viajantes dos trens suburbanos queriam meios de
transporte mais freqüentes e baratos; e as linhas aéreas internas
faziam planos de expansão. A necessidade de combustível
aumentava à razão de 16 por cento ao ano e a mecanização rápida
levou os brasileiros de todas as camadas sociais a sentirem de perto o
problema do petróleo. O que havia começado como exigência
reprimida, transformou-se numa questão política. Desta vez,
entretanto, as decisões sobre o petróleo não eram tomadas a portas
fechadas, mas diante do Congresso restaurado e sensível à euforia do
pós-guerra, em face de uma política aberta e de participação. Uma
abertura em direção às companhias de petróleo foi tentada, e posta de
lado. E, embora o problema do petróleo permanecesse sem solução,
em 1949, a nação ao final da segunda fase tinha um novo lema, “o
petróleo é nosso”, que resumia a nova política do petróleo. (WIRTH,
1973, p. 139)
A campanha de 1948 foi, na verdade, uma reação a um erro estratégico daqueles
que procuravam revisar as políticas do Estado Novo. Imediatamente após a guerra, a
marcha para a auto-suficiência brasileira em petróleo se caracterizou por dois
movimentos reveladores do despreparo das elites nacionais quanto ao encaminhamento
adequado das grandes questões do país. Em oposição ao que pregava o grupo de Horta
Barbosa e dentro do quadro geral de revisionismo do Estado Novo, mobilizaram-se as
forças tendentes a reduzir a interferência governamental em todo o setor energético por
meio da criação do Estatuto do Petróleo (1947). De acordo com José Luciano de Mattos
Dias e Maria Ana Quaglino, ao explicar o Estatuto do Petróleo:
42
[...] Não era um manifesto liberal. Tentava articular um compromisso
e terminou por desagradar a ambos os lados. Para militares, técnicos
e jornalistas que lideravam as correntes nacionalistas, o Estatuto era
um anátema. Abria o refino ao capital estrangeiro, reduzia o Estado a
funções regulatórias e tocava no grande medo sugerido desde 1927: a
exploração e a lavra do petróleo brasileiro por companhias
estrangeiras. (DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 95)
A campanha de opinião pública contra o Estatuto do Petróleo procurou esclarecer
a população por intermédio de palestras, conferências e panfletagem no Rio de Janeiro,
então Capital Federal. Também enviou conferencistas a vários outros estados na tentativa
de mobilizar as principais capitais do país para que se criasse um movimento nacional de
estímulo à construção de centros estaduais de discussões e locais de apoio logístico à
campanha. Outra estratégia de ação consistia em um trabalho de pressão no Congresso
para dificultar a tramitação do Estatuto.
O debate público foi protagonizado pelos Generais Juarez Távora e Horta
Barbosa. Em uma série de conferências, realizadas em abril de 1947 no Clube Militar,
expuseram seu antagonismo quanto à política nacional do petróleo. Em pouco tempo,
Távora foi transformado pela imprensa em porta-voz nacional pró-Estatuto e favorável a
uma abertura para as companhias estrangeiras. Horta Barbosa, por sua vez, tornou-se o
baluarte moral da campanha a favor do monopólio estatal.
Com o pronunciamento desses dois oficiais, quase todos, do tecnocrata ao cidadão
preocupado, passaram a discutir sobre o tema do petróleo. As conferências do Clube
Militar despertaram o interesse do público. Entre setembro e dezembro de 1947, artigos
furiosos foram publicados na imprensa nacionalista e o meio político aguardava o
resultado da iniciativa governamental. Embora o nacionalismo no que diz respeito ao
petróleo não fosse recente, o que mudou foi a urgência econômica e o cenário político.
43
Coube ao Jornal de Debates, semanário que surgiu em junho de 1946, incentivar essa
discussão nacionalista relativa ao petróleo.
Várias comissões e centros de estudos foram criados pelo Brasil afora como pólos
de discussão sobre o tema. Os mais importantes foram a Comissão Estudantil da Defesa
do Petróleo e o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo. O primeiro foi criado, em março
de 1948, pela União Nacional dos Estudantes que liderou o movimento popular com o
lema “O Petróleo é Nosso” que, popularizado, passou a nomear a campanha
monopolística. O segundo foi criado em solenidade realizada na sede do Automóvel
Clube, em 21 de abril do mesmo ano e agregou vários setores da sociedade:
representantes do movimento estudantil, intelectuais, técnicos não ligados ao CNP, a
imprensa nacionalista e, principalmente, militares nacionalistas – tanto conservadores,
quanto os de posição mais à esquerda - que se opunham a um alinhamento irrestrito com
os Estado Unidos da América que pudesse envolver, indevidamente, interesses
econômicos norte-americanos na economia brasileira.
Nem tudo foram flores para os participantes da campanha, cuja principal atuação
ocorreu durante o governo Dutra. De acordo com Dias e Maria Ana Quaglino:
Entre 1948 e meados de 1949, a campanha O Petróleo é Nosso –
lema nascido no movimento estudantil – enfrentou uma dura tarefa:
repressão de manifestações, proibição de palestras, prisão de
militares envolvidos com as atividades do Centro de Defesa do
Petróleo. (DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 97)
Mesmo com a repressão, a Campanha do Petróleo se intensificou a partir de
meados de 1949 e avançou no sentido de se tornar um verdadeiro movimento popular.
Em outubro de 1949, o Centro ampliou seus objetivos e se transformou, então, no Centro
de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN). Os membros do
CEDPEN, nos vários estados, se tornaram candidatos a uma legislatura de deputado
44
federal, estadual ou vereador, e vários foram efetivamente eleitos. A campanha “O
Petróleo é Nosso” chegou ao interior do Congresso Nacional.
No final de 1949, ficou claro que, dificilmente, o Estatuto seria aprovado no seu
formato original. Quando o Estatuto do Petróleo chegou finalmente ao Congresso, em
fevereiro de 1948, a opinião pública já tinha despertado. Instalou-se o cenário para o
primeiro movimento de massa do século XX no Brasil. A Campanha forçou o presidente
Dutra a rejeitar seu projeto de Estatuto do Petróleo.
1.4 A Criação da Petrobras
O relativo sucesso da campanha e a eleição de Getúlio Vargas, cujas declarações
em período pré-eleitoral procurava influenciar o público para o direcionamento
nacionalista, ainda que seus discursos não fossem categóricos a esse respeito, pareciam
compor um cenário bastante favorável aos objetivos inseridos em “O Petróleo é Nosso”.
No seu segundo período presidencial (1951-1954), Vargas preconizou a
elaboração de planos estatais para o desenvolvimento de recursos energéticos. Seu
objetivo era implementar um programa de vulto que solucionasse a crise de petróleo. O
presidente e seu consultor técnico, Rômulo de Almeida, porém, se convenceram de que
seu propósito não era partilhado pelas grandes companhias, que tinham planos mais
modestos em matéria de exploração. Com óleo cru jorrando facilmente, e saturando o
mercado, as grandes empresas não viam necessidade de investir em prospecção.
Desejavam, sim, reservas de baixo custo, e as já descobertas em outros países eram
suficientes para alimentar o mercado por um longo período. Além disso, Vargas, em seus
45
discursos, já dava a entender que as políticas restritivas seriam mantidas. Wilson Cano
ajuda a interpretar o período, por meio dos seguintes argumentos:
O período de 1950-1954 caracterizou-se pela tentativa do Estado
nacional de reformular sua estratégia econômica. Foram implantados
novos mecanismos de política econômica e de planejamento para
fazer face ao diagnóstico então elaborado, que apontava a
necessidade de avançar sua modernização industrial e solucionar
graves pontos de estrangulamento da infra-estrutura (energia,
transportes, indústria de base etc.). (CANO, 2000, p. 169)
Entretanto, as declarações de Vargas passaram a ser diretamente a favor do
monopólio estatal e desfizeram qualquer dúvida sobre o papel do capital estrangeiro e do
capital privado nacional. Assim se pronunciou o presidente em Salvador, agosto de 1950:
Não nos opomos, como se costuma insinuar, à vinda de capitais
estrangeiros para o Brasil. Ao contrário, desejamos que venham.
Somos contrários, sim, à entrega de nossos recursos naturais, de
nossas reservas ao controle de companhias estrangeiras, em geral a
serviço do capital monopolista. Falemos claro: o que é
imprescindível à defesa nacional, o que constitui alicerce da nossa
soberania, não pode ser entregue a interesses estrangeiros, deve ser
explorado por brasileiros com organizações predominantemente
brasileiras, e, se possível, com alta percentagem de participação do
Estado... (VARGAS, 196.p. 65)
Por meio de sondagens, os líderes políticos, também, já tinham convencido
Vargas de que o nacionalismo referente ao petróleo lançara profundas raízes na opinião
pública. Além disso, é possível supor que a decisão de instituir o monopólio estatal se
fortalecera pelo desassossego em face da constatação do elevado nível de remessas de
lucros, possibilitadas pelas taxas cambiais da época. Dessa forma, pode-se sugerir que
três fatores principais foram determinantes para se excluir de vez, no final de 1951, a
problemática opção de abrir o mercado do petróleo às empresas estrangeiras: ofertas
inadequadas, realidade política interna e problemas cambiais. O programa mais
importante era o monopólio estatal do petróleo: a Petrobras.
46
47
Ao enviar ao Congresso o projeto sobre o petróleo, em dezembro de 1951, Vargas
desenhou um quadro sombrio de crescentes importações de petróleo acompanhadas por
problemas de pagamentos, caso o Congresso não aprovasse a criação da Petrobras. A
solução por ele proposta consistiria, segundo suas próprias palavras, em uma “empresa
genuinamente brasileira, com capital e administração nacionais”; mas essa solução não
era óbvia, nem fácil de estabelecer.
Após muito desgaste político, a Petrobras foi criada em outubro de 1953,
mediante a Lei n.º 2004, e constituída por ações de economia mista, com controle
acionário do Governo Federal. A Lei declarava monopólio da União a pesquisa, a lavra, o
refino, o transporte de petróleo e seus derivados (marítimo ou duto). Em dezembro de
1963, esse monopólio foi estendido à importação de petróleo. Dessa forma, o Congresso
Brasileiro conferiu poderes à Petrobras de monopólio sobre todas as fases da indústria
petroleira, exceto quanto à distribuição de derivados e à fabricação e venda de produtos
químicos.
Conservaram-se as concessões privadas previamente autorizadas, com a ressalva
de que não poderiam se expandir. Portanto, a médio prazo, o refino do petróleo no Brasil
estava destinado a se tornar uma atividade quase exclusiva da Petrobras. E foi o que
efetivamente ocorreu, pois hoje subsistem apenas duas pequeníssimas unidades sob
controle do capital privado nacional – a Ipiranga, no Rio Grande do sul, e a refinaria de
Manguinhos, no Rio de Janeiro.
A Petrobras surgiu, assim, com a autonomia administrativa de que carecia. Coube
à União Federal inspecioná-la com os necessários instrumentos de supervisão, exercida
pelo Conselho Nacional de Petróleo, no que tange à execução do monopólio estatal.
Capítulo 2. INTERNACIONALIZAÇÃO DA PETROBRAS SOB
INFLUÊNCIAS GOVERNAMENTAIS
Este segmento analisará a expansão da Petrobras, seu uso como instrumento de
política externa, além de introduzir o debate quanto à possibilidade de sobreposição da
autonomia empresarial acima de estratégias governamentais. Ao longo deste capítulo,
serão estudados os movimentos de expansão da Petrobras por meio da Braspetro e da
Interbrás, os quais se interligam à estratégia desenvolvida na América do Sul, observada
nos anos 1990.
O caso, objeto da pesquisa, se concentra no processo de internacionalização da
Petrobras, que atua no exterior desde 1972. O levantamento bibliográfico se prestará à
análise desse processo, que vem se desenvolvendo durante os 54 anos de existência da
empresa. O foco dessa análise consiste no estudo da implementação da Braspetro e da
Interbrás como indicadores da experiência internacional adquirida pela empresa e como
essas subsidiárias serviram ao interesse empresarial e do Estado. O que se propõe é a
realização de uma dinâmica de pensamento que conduza à análise da influência do
governo sobre as primeiras iniciativas da estatal no mercado internacional.
2.1 A expansão da Petrobras
Nos anos que se seguiram a sua criação, a Petrobras se consolidou no mercado
interno e externo e atingiu a posição de maior empresa nacional. No ranking mundial, se
tornou a 14ª empresa, entre todas as companhias de petróleo, e a 7ª entre as de capital
aberto.
48
No período que se estende até os anos 1960, o Estado investidor e produtor
propagou e diversificou os setores de atuação por meio da criação de novas empresas ou
desenvolvimento das atividades das empresas já existentes. Nesse período, a economia
nacional passava por momentos de instabilidade e a preocupação governamental girava
em torno do controle do déficit público e da inflação. O governo se concentrou no
esquema de captação de recursos combinada com redução das transferências
intergovernamentais e com a prática de uma política realista de preços.
As ações governamentais afetaram algumas estatais graças à mudança na
política de determinação dos preços, interpretada como uma inflação corretiva. Muitas
estatais encontraram nesse fato o estímulo necessário para reverem seus investimentos,
com o objetivo de aumento da receita. Na maioria dos casos, a revisão das atividades
levou as empresas a se expandirem em direção a setores que proporcionassem o
aumento de sua margem de lucro, diminuindo a dependência ao governo e aumentando
sua capacidade de autofinanciamento. Com esse objetivo, outra estratégia das empresas
foi a obtenção de empréstimos no mercado internacional, os quais aumentaram,
sobremaneira, o grau de endividamento externo. Naquele momento, o crédito
internacional encontrava-se farto e as empresas, por meio de ações empresariais
mercadológicas, acreditavam que o endividamento externo consistia, apenas, em mais
uma oportunidade de aumentar investimentos que visavam ao lucro.
Na apuração geral dos acontecimentos da década de 1970, constata-se que os
principais países da América Latina utilizaram a crise produtiva e a crise financeira
como motivo para a vinda de investimentos estrangeiros diretos, principalmente pela via
dos empréstimos. Dessa forma, o endividamento externo foi largamente empregado
pelos países da região.
Os desperdícios (e a corrupção) gerados pelo processo de
endividamento foram elevados, mas ainda sim o financiamento
49
pôde bancar parte dos projetos nacionais de então (agroindústria,
petróleo, insumos básicos, indústria pesada, infra-estrutura etc.),
alterando suas estruturas produtivas e suas pautas exportadoras,
com participação crescente de produtos industrializados.(CANO,
2000, p.25.)
O impacto causado pelo repentino aumento do preço do petróleo no mercado
mundial, em 1973, não afetou, de forma grave, a balança comercial brasileira, devido ao
aumento de alguns produtos de exportação, principalmente o café, e, também, em
virtude das elevadas reservas internacionais, superiores a 6,4 bilhões de dólares. Porém,
o Brasil passou a ser afetado pela inflação dos seus parceiros comerciais. Em 1974,
apresentou um déficit de 4,69 bilhões de dólares, que contrastou com o saldo positivo,
ainda que tímido, apresentado no ano anterior. Além disso, em 1979, a “conta petróleo”
disparou, em razão do volume de importações, combinado com a alta dos preços. Parte
dessa dívida se devia não só à elevação do preço do petróleo, mas também à maior
despesa com o pagamento de juros da dívida externa.
Para fins de contextualização, é necessário explicar que a crise do petróleo de
1973 se originou ao fim do lastro dólar-ouro, no início dos anos setenta. Desde o acordo
de Bretton Woods (1944), que criou o sistema de taxas fixas de câmbio, o mercado
monetário internacional passou a adotar o dólar norte-americano como referência para a
cotação das demais moedas, ou seja, o dólar tomou o lugar da libra como padrão
monetário internacional. Entretanto, o desajuste do balanço de pagamentos dos Estados
Unidos obrigou o governo daquele país a emitir papel-moeda em valor superior a sua
real reserva em ouro. Com as guerras na Ásia, principalmente a do Vietnã (1965-1973),
o acirramento da Guerra Fria e, também, a intensificação dos gastos com pesquisas e
armamentos, o aumento do déficit fiscal nos Estados Unidos cresceu muito e a situação
piorou amargamente. A instabilidade da moeda norte-americana se refletiu no sistema
monetário internacional. Em agosto de 1971, o governo norte-americano decidiu
50
interromper, definitivamente, a conversão dólar-ouro e desvalorizar, significativamente,
sua moeda, rompendo com Bretton Woods.
Por sua vez, os países do Oriente Médio sofreram grande impacto econômico
com a queda do valor do dólar. Duas razões principais causaram desajuste na balança
comercial desses países: seu único produto de exportação, o petróleo, era cotado, em
termos mundiais, principalmente pela moeda norte-americana; a grande precisão de
importações, primordialmente de produtos essenciais, como alimentos, também cotados
com base no dólar. Um outro problema, de ordem política, também afetava, em grande
medida, os países árabes: a guerra árabe-israelense do Yom Kippur, que aconteceu no
período de 6 a 25 de outubro de 1973.
Nessas condições, não foi surpresa quando a OPEP, Organização dos Países
Exportadores de Petróleo, em 1971, decidiu elevar o preço do barril de petróleo de US$
1,80 para US$ 2,40/US$ 2,50, atualizando o ativo que possuíam. Entretanto, o que
realmente alterou, decisivamente, as condições de comercialização do petróleo no
mercado internacional foi a decisão da OPEP, em 1973, de adotar um corte seletivo nos
fornecimentos de petróleo, como arma de pressão dos árabes para recuperar os
territórios ocupados por Israel.
Antes do início do processo de nacionalização na indústria petrolífera, as majors
dominavam esse mercado e a informação. Essas empresas, por serem as únicas que
exploravam petróleo na maioria dos países do Oriente Médio, eram, também, as únicas
que detinham saber sobre as reservas e os custos de produção. Além disso, os sistemas
de integração vertical e de transferência de preços adotados desde a década de 1920
geravam uma maior defasagem de informações entre elas e os países em que estavam
instaladas, impedindo-os de terem um real controle sobre a repartição da renda gerada
por seu petróleo, a riqueza natural que possuíam. Logicamente, como conseqüência das
51
nacionalizações, o poder de mercado, construído e administrado pelas majors, foi
fortemente reduzido. Vale ressaltar que, enquanto essas companhias estavam no poder,
os preços do petróleo permaneceram relativamente estáveis.
No Brasil, a crise do petróleo não levaria o país a uma recessão profunda, como
aconteceu na periferia, pelo contrário. Os bons resultados comerciais e as altas taxas de
crescimento, alcançadas durante o período do “milagre econômico”, impulsionariam o
país em busca de novas metas de desenvolvimento. O II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), lançado por Geisel em setembro de 1974, tinha por fim
aprofundar o processo de industrialização pela substituição de importações, com o
objetivo de tornar o país auto-suficiente em energia e insumos básicos. O governo optou
por reformular a política energética, diversificou as fontes de energia e transformou o
país em um canteiro de obras, onde se viam a construção de hidrelétricas, usinas
nucleares, investimentos na prospecção de petróleo e produção de álcool para
combustível automobilístico. Mais importante ainda, incentivou a capacitação
tecnológica em diversas áreas estratégicas, como a incipiente informática e a
petroquímica. Com base no esforço estatal, se tornou o agente produtivo mais
importante do país e guiou a expansão econômica que se verificou nos anos seguintes.
Se o governo nacional-populista
1
de João Goulart (1961-1964)
havia criado 33 novas empresas estatais, o regime militar implantou
302, levando até o fim, com o II Plano Nacional de
Desenvolvimento, o projeto de construção de uma estrutura
industrial integrada através de investimentos públicos ou privados,
feitos, muitas vezes, em associação com o capital estrangeiro. Em
todos os casos, o papel do Estado foi decisivo: seja através do
investimento e da produção direta, seja através de ação indireta no
financiamento interno e externo. (FIORI, 1995, p.130.)
De acordo com Costa (2000) , alcançar o status de potência consistia em um
dos objetivos do II PND, e uma de suas fontes de inspiração eram os resultados
1
Grifo do autor.
52
alcançados pelo Japão. Lá, a forte empresa nacional gerou tecnologia, e uma nova forma
de articulação de empresas, o conglomerado, fomentou e articulou o capital, para que o
país atingisse o status de potência. No Brasil, de acordo com o II PND, o projeto
desenvolvimentista conduziria à criação de agências estatais, e de novos fundos, para
promover a empresa nacional e o desenvolvimento tecnológico.
Aproveitando-se da polaridade existente no comando do centro
capitalista, o Estado brasileiro teria maior raio de manobra para agir
oportunamente nas relações externas, comerciais e financeiras.
Duas estratégias diferenciadas e interdependentes foram
enunciadas: a construção de um novo padrão de industrialização,
calcado na indústria de base; e o fortalecimento progressivo do
capital privado nacional, segundo o que Lessa, (1998, p. 19),
denominou de “a pata fraca do tripé desenvolvimentista brasileiro.
O II PND apontaria para um tipo de “neocapitalismo” que
socializaria os benefícios decorrentes da industrialização.
2
Diretrizes especiais são dadas para o acautelamento quanto às
relações com o setor externo; dever-se-ia aprofundá-las mediante a
continuidade do esforço exportador, a alteração da composição das
importações e a atração de capitais de riscos e de empréstimo.
(COSTA, 2000, p. 23.)
Ainda, segundo Costa (2000), a uma crise externa, se responderia com o avanço
do processo de desenvolvimento e com maior centralização no interior do aparelho de
Estado, uma parte nacionalista e disposta a empreender complexos e integrados
programas setoriais, fundamentais para o projeto de desenvolvimento industrial
brasileiro, principalmente aqueles de infra-estrutura que o Estado reservava para si,
desde Vargas. Em Costa (2000, p. 24), citando Lessa, lê-se o pronunciamento do
General Geisel, de 19 de março de 1974, no qual anuncia uma maior centralização no
interior do aparelho de Estado:
Organicidade, integração e articulação sistemática devem reger,
portanto, em todas as atividades do Governo, tanto na área do
desenvolvimento quanto na esfera mais limitada da segurança
nacional. Daí a exigência de planejamento, programas e projetos
integrados, ação governamental integrada e, pois um Ministério
também integrado, coeso e bem coordenado.(LESSA, 1998, p.79.)
2
Grifos do autor.
53
A intensa estatização que decorreu do II PND recebeu crítica dos segmentos
liberais. No entanto, o governo Geisel mostrava que o projeto, capitaneado pelo Estado,
propunha, em sua estratégia, uma divisão de trabalho determinada e que, ao setor
privado, caberia um papel. Também, conforme Costa (2000), em relação à forte
centralização promovida, a gestão dos recursos vinculados ganhou condição especial.
No conjunto de reformas legais e institucionais implementadas,
antes mesmo da apresentação do II PND, em 20 de maio de 1974
foi constituído, pelo CDE, o Fundo Nacional de Desenvolvimento –
FND. A constituição do FND mostra a centralização existente pois,
até então, tinha sido prática comum a vinculação de incentivos
fiscais a programas setoriais específicos. O FND agregaria todos os
fundos já existentes em um único fundo, alinhado com as
prioridades estratégicas do II PND. Nele, existiriam subcontas que
manteriam as antigas vinculações, a elas seriam aplicados
percentuais decrescentes que deveriam atingir a 50% em 1979. As
parcelas desvinculadas seriam regidas pela Lei 6.093 que elegia
setores prioritários para a sua aplicação: minas, energia, petróleo,
transportes e comunicações. (COSTA, 2000, p. 25.)
O segundo choque do petróleo, em 1979, deixaria à mostra, ainda mais, os
desequilíbrios internos do modelo de crescimento, com a inflação acelerada e fora de
controle, que funcionava como um sobreimposto, acima dos salários, e corroía o poder
de compra. No plano externo, a dívida alcançava patamares elevados, atingida pelo alto
grau de endividamento do Brasil e pela elevação dos juros internacionais, promovida
pelos EUA, que exigiam que o país passasse a utilizar políticas cambiais mais
agressivas, com maxidesvalorização da moeda.
A profunda crise política no Irã, decorrente da destituição do Xá Reza Pahlevi, e
a ascensão do Aiatolá Khomeini ao poder provocaram uma retração da oferta de
petróleo no mercado mundial, uma vez que esse país era um dos seus maiores
produtores. A OPEP decidiu aumentar em 8,7% o preço do barril; ainda, os governos
dos países membros ficaram livres para cobrar uma sobretaxa.
Com a nova política, o Irã decidiu vender sua produção no mercado livre (spot)
de Roterdam, onde o preço era mais alto e as operações eram de pronta entrega e à vista.
54
A reação foi imediata: o preço médio do petróleo, que, no início de 1979, era de 12,37
dólares por barril, atingiu, em dezembro daquele ano, 22,77 dólares o barril, o que
significou um aumento de 84% em menos de um ano.
A célere escalada de preços desarticulou as relações de troca, principalmente dos
países que mais dependiam de importações de petróleo bruto e derivados, como era o
caso do Brasil. Além da natural queda do consumo interno, que restringiu importações,
os países industrializados adotaram medidas protecionistas, de modo a conter a taxa
interna de desemprego, o que contribuiu para maior retração do comércio internacional.
O Brasil foi atingido pela escalada de preços internacionais que desarticulou as
relações de troca, principalmente, por sua dependência ao petróleo importado. Também
foi atingido pelas medidas protecionistas adotadas pelos países industrializados, que se
encontravam em guerra contra a queda do consumo interno e lutando para conter a taxa
de desemprego. Esses fatos contribuíram para restringir, ainda mais, o comércio
internacional.
Os países em fase de desenvolvimento, importadores de petróleo e
tradicionais exportadores de matéria prima, como o Brasil,
sofreram, assim, um duplo efeito do aumento brutal do preço do
óleo e seus derivados no mercado internacional. As tarifas, cotas e
barreiras não-tarifárias erguidas pelos países industrializados
reduziram a capacidades dos países menos desenvolvidos de
exportarem, quando mais necessitavam de divisas para não só
atender à compra de petróleo no mercado mundial como, também,
saldar seus compromissos externos. (FURTADO, 1998, p. 208.)
A rígida política monetária de combate à inflação seguida pelos países de moeda
com maior conversibilidade, principalmente os Estados Unidos, provocou a elevação da
taxa de juros do sistema financeiro internacional, que se acentuou mais, a partir do
segundo semestre de 1979. A perda de liquidez de alguns países tomadores de
empréstimos provocou maior estreitamento do crédito e elevou o ônus dos empréstimos
internacionais, com o aumento da taxa de risco.
55
Além dos fatores comerciais e monetários, outros, de natureza política, geraram
expectativas e incertezas que influíram no comportamento do mercado financeiro
internacional. O conflito armado no Atlântico Sul, em decorrência da disputa pelas Ilhas
Malvinas (ou Falklands), entre Argentina e Inglaterra, de abril a junho de 1982,
restringiu as relações comerciais com os países platinos e provocou maior retração dos
bancos particulares europeus, quanto a alguns países latino-americanos. Durante o
conflito, as dificuldades com o tráfego marítimo e posterior maxidesvalorização do peso
argentino desestimularam, ainda mais, as importações da Argentina, que se constituía
em um dos maiores parceiros comerciais do Brasil.
O período mais agudo da crise do sistema financeiro internacional aconteceu ,
no entanto, no último quadrimestre de 1982. Durante o “setembro negro”, como esse
período ficou conhecido, realizou-se a reunião anual do FMI, em Toronto. Havia uma
expectativa, por parte dos países em desenvolvimento, em torno de uma decisão
favorável dos países industrializados no sentido de aumentar a participação daqueles, de
modo que o Fundo passasse a dispor de maiores recursos financeiros para atender aos
países-membros, no ajuste de seu balanço de pagamentos. Com a negativa dos Estados
Unidos, acompanhados pelos demais países industrializados, se desencadeou uma
sucessão de pedidos de moratória de diversas nações, entre as quais a Polônia, seguida
da Romênia, do México e da Argentina.
A instabilidade política do Oriente Médio também concorreu para elevar o grau
de incertezas, nos países importadores de petróleo, os quais passaram a mobilizar suas
reservas em divisas e negociar financiamentos, com o fim de armazenar maiores
estoques de petróleo bruto e derivados, ante a ameaça de uma interrupção nos
fornecimentos.
56
De acordo com Costa (2000), os anos 1980 se constituíram em transição, de
regime e de modelo econômico. A uma crise do Estado, se amalgamavam crises política
e econômica. A transição democrática não trouxe para o país a prosperidade esperada,
pelo contrário. O desequilíbrio externo e o crescimento brutal da dívida trouxeram o
acirramento da inflação. Ao mesmo tempo, seu controle se tornou fundamental para a
negociação da dívida, haja vista o avanço do ideário liberal e a força do FMI nos
processos de negociação dos países periféricos. Essa foi, verdadeiramente, uma década
perdida, em que a economia atingiu resultados pífios se comparados com o crescimento
acelerado que vinha mantendo o Brasil, desde os anos Vargas.
A partir dos anos 1990, a política econômica nacional adotou os ditames do
Consenso de Washington e dos organismos de financiamento internacional e implantou
numerosas reformas estruturais. As principais mudanças foram de cunho institucional,
produtivo, comercial e financeiro. Efetivas mudanças resultaram em diminuição do
papel do Estado, privatizações, desregulamentações e abertura comercial. De acordo
com Wilson Cano:
O discurso utilizado para isso foi o de que chegara a hora da
periferia modernizar-se, igualando-se ao primeiro mundo. Para
isso, necessitava daquele conjunto de reformulações das quais a
peça chave seria expor à concorrência internacional o aparelho
produtivo nacional, para que ele ganhasse maior eficiência,
produtividade e competitividade. Explicavam ser isso uma tarefa
inevitável, necessária e inadiável diante da globalização dos
mercados internacionais. (CANO, 2000, p.36.)
Apesar de não ter sido privatizada, a Petrobras sofreu grande influência dos
movimentos liberais nacionais e internacionais. Com a abertura do mercado do setor de
petróleo brasileiro, ocasionada, em 1997, pela quebra do monopólio da União, a
Petrobras, exposta à concorrência, se encontrava diante do desafio de se mostrar ao
mundo como empresa ágil e competitiva, não mais protegida pelos muros do
monopólio.
57
Para vencer os desafios, a companhia priorizou uma maior internacionalização
da empresa. Essa atuação internacional deveria ter foco regional, não só mediante
aumento do volume de transações comerciais, mas também por intermédio da busca de
integração da cadeia de valor e conquista de mercado por meio de aquisição de
participação acionária de refinarias em vários países sul-americanos.
Em razão do novo contexto econômico-político, nacional e internacional, e da
necessidade de se adequar a empresa aos novos desafios, optou-se, neste estudo em
pauta, pela realização de um corte temporal ao se abordar o fim da Interbrás e dar
prosseguimento a esta análise com abordagem a partir de meados dos anos 1990, com o
fim do monopólio. A justificativa para tal corte se encontra nos próprios movimentos da
empresa, uma vez que se observa, no final dos anos 1990, uma maior agressividade na
expansão da Petrobras na América do Sul.
2.2 A criação da Braspetro
O debate sobre a possibilidade de internacionalização da atividade de exploração
da Petrobras começou na década de 1960. É famoso o caso Walter Link, funcionário do
Departamento de Exploração e autor do “relatório Link”. O relatório propunha, baseado
em conclusões fornecidas por pesquisas de perspectivas de exploração do petróleo
brasileiro, que a Petrobras partisse para a exploração no exterior, aproveitasse a abertura
de novas áreas no Oriente Médio e buscasse associações com outras empresas
internacionais. A reação a essas propostas foi a demissão do autor do relatório.
É possível que, no início dos anos 1960, considerando-se o histórico da empresa,
os técnicos e burocratas estatais ainda não estivessem preparados para uma mudança de
rumo desse porte, na estratégia empresarial. Em uma época tão próxima à criação da
58
empresa, marco do nacionalismo no país, provavelmente a coisa pública e a privada
ainda estivessem muito arraigadas no imaginário do tecnocrata estatal. Daí, a busca pela
lucratividade tivesse que passar, ainda, por algumas barreiras fictícias da moralidade
nacional, para que o ímpeto capitalista pudesse prosperar. Dias e Quaglino ajudam a
elucidar as circunstâncias que induziram a empresa a rejeitar as propostas de
internacionalização da tecnologia:
Seria injusto creditar essas resistências tão somente aos
preconceitos nacionalistas ou a uma perspectiva erroneamente
otimista quanto às possibilidades petrolíferas do país. Eram
evidentes, entretanto, tanto para as atividades internas quanto para
as eventuais atividades externas, as mesmas limitações de recursos
financeiros e humanos, sem falar nos problemas administrativos do
funcionamento de uma empresa estatal brasileira no exterior nos
idos de 1960. Associações com multinacionais eram evidentemente
impensáveis. (DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 182)
Entretanto, a visão da empresa sobre a internacionalização tenderia a mudar. O
ímpeto capitalista se fortaleceria, no final da década de 1960, com o reforço da
aprovação governamental, que passou a ver nessa internacionalização uma fonte
estratégica para aumentar as relações comerciais com outros países. O General Geisel,
quando presidente da empresa (1969 a 1973), manifestou várias vezes seu ceticismo em
relação à auto-suficiência. Acreditava que não seria tão negativo para o país não
alcançá-la, pois podia contar com o xisto, e, além disso, precisaria continuar importando
petróleo do exterior para manter vivas as trocas comerciais internacionais. Assim, a
solução se encontrava em pesquisas no exterior, em países mais promissores e, a
exemplo de outras empresas, garantir o abastecimento de petróleo que não era fornecido
pela produção interna. O trecho abaixo exemplifica, de forma esclarecedora, as
concepções que permeavam o pensamento do General Geisel :
Após ouvir essas informações nada auspiciosas, o Deputado Janary
Nunes perguntou ao General Ernesto Geisel a respeito das
pesquisas da Petrobras no exterior, e ouviu a resposta de que a
empresa poderia, como outras companhias estatais, realizar
explorações no exterior, até mesmo no Mar Norte: “A Petrobras
59
deve ir para o exterior, não só pela possibilidade de não encontrar
todo o óleo de que precisamos aqui no Brasil, mas também porque
a segurança se consegue em grande parte pela diversificação. E aí
não fazemos mais do que seguir o exemplo dos outros. Citou-se o
caso da ENI. Mas há empresas francesas e espanholas. Todas essas
grandes empresas estatais – a British Petroleum não é mais do que
uma empresa do governo inglês – associam-se entre si, fazem o que
eles chamam uma joint-venture, escolhem uma líder e vão
pesquisar em várias áreas. Assim, acabaram de descobrir grande
campo no mar entre a Escócia e a Noruega. No momento, não há
empresa de porte que não se projete no campo internacional.
(TAMER, 1980, p. 56)
É preciso ter em mente que a produção nacional, até então, era declinante e a
pesquisa para exploração era bem inferior, se comparada a outros países. Só para se ter
idéia, no período de janeiro de 1970 a dezembro de 1973, os Estados Unidos realizaram
38.239 perfurações; a Argentina (com uma dependência de apenas 17% de importações
de petróleo) executou 636 perfurações; o Brasil, apenas 445
3
.
Para a Petrobras, o quadro encontrado no final da década de sessenta diferia,
sobremaneira, daquele verificado por ocasião do “relatório Link”. Diversos fatores
influenciaram a mudança. Em primeiro lugar, o controle sobre a produção do Oriente
Médio tornou-se mais pulverizado. Houve um grande sucesso na estratégia das
pequenas companhias independentes, ao conquistar espaço no mercado dessa região,
tradicionalmente dominado pelas grandes companhias. Isso não significa que chegavam
a ameaçar, quantitativamente, a faixa de mercado das majors, mas foram utilizadas
como instrumento de barganha comercial entre os países produtores e as companhias de
petróleo, o que alterava, significativamente, as condições de negociação. Em segundo
lugar, no final da década de 1960, os técnicos e os burocratas da Petrobras já possuíam
dados mais consolidados e reais sobre as atividades de exploração da empresa. Essa
perspectiva conduzia à real constatação de que a disponibilidade de petróleo brasileiro
estava direcionada à plataforma continental brasileira, ou seja, ao mar, o que exigiria
3
Fonte: International Petroleum Encyclopaedia, 1976.
60
tempo e dinheiro para alcançar lucro nesse tipo de exploração. Em terceiro lugar, o
processo de capacitação tecnológica já se mostrava bem acelerado, o que possibilitava a
substituição dos profissionais estrangeiros que atuavam no país e avanços nas áreas de
processamento de dados geológicos. Diante desse novo cenário, estavam criadas as
condições para a abertura da empresa à internacionalização de sua tecnologia. Tornava-
se viável o desenvolvimento das atividades de exploração no exterior.
Outro fator que influenciou nas decisões foi o cenário político nacional. Diante
do regime militar, as antigas restrições nacionalistas se mantiveram silenciadas
politicamente e, dessa forma, a decisão só cabia ao governo e à empresa, sem
possibilidade de discordâncias dos meios de comunicação, da sociedade ou da oposição
política. Assim, foram essas condições que levaram à criação da Braspetro, em 1972.
A terceira subsidiária, a Braspetro, foi criada em 1972, objetivando
explorar e produzir petróleo em áreas externas ao país. A Petrobras
investe neste setor, aproveitando sua larga experiência na área de
exploração e produção, associando-se a outras companhias
petrolíferas para reforçar a disponibilidade interna de cru e iniciar
suas atividades no front internacional. (CONTRERAS, 1992, p. 99)
A Braspetro foi criada não apenas para contornar a falta de petróleo em solo
nacional, mas também para se lançar no competitivo mercado internacional. Entretanto,
pouco tempo após seu estabelecimento, precisou lidar com a crise do petróleo de 1973.
O ambiente de concorrência que prevalecia no Oriente Médio se transformou,
rapidamente, em restritivo com a nacionalização dos campos de petróleo. Os países
produtores abriram mão da intervenção das companhias de petróleo e passaram a atuar
no comércio direto com os países consumidores. Isso significou a necessidade de
contratar tecnologia e recursos humanos para se administrar a produção nacionalizada.
Ao perceber sua deficiência na área tecnológica, mas sem ter interesse em
dispensar a nacionalização da produção, os países produtores buscaram recursos
financeiros e humanos, inicialmente nas multinacionais e nos países desenvolvidos. As
61
possibilidades que despontaram no mercado tecnológico internacional, com a busca de
proficientes por parte dos países produtores, permitiram que a Petrobras entrevisse as
condições de penetração que uma empresa como a Braspetro poderia alcançar no
mercado.
A estratégia da empresa se mostrou acertada, uma vez que a Braspetro pôde
alçar vôos bem mais amplos do que foi planejado para ela. Firmou vários contratos de
assistência técnica, obteve áreas para a exploração e coordenou, até mesmo, o nascente
comércio entre o Brasil e os países produtores de óleo, que desejavam ampliar os
fornecedores dos bens que importavam dos países desenvolvidos.
Numa primeira fase, a Braspetro operou preferencialmente em
associação com empresas estatais locais. Em 1972, foram firmados
contratos de exploração com a Colômbia, o Iraque e Madagascar.
Nos anos seguintes, passou a operar também no Egito, Irã
(associada à Mobil Oil), Líbia e Argélia. Contudo, com exceção do
contrato na Colômbia e no Iraque, nenhuma destas iniciativas
apresentaram resultados significativos. Seu maior êxito seria, sem
dúvida, a descoberta do campo gigante de Majnoon, no Iraque, em
1976. Entretanto, o risco político associado ao conflito Irã-Iraque,
que poderia dar razão a uma nacionalização arbitrária, e a
competição pelos recursos da Petrobras, que iniciava pesados
investimentos em Campos, levou a Braspetro a aceitar um acordo
com o governo iraquiano, cedendo o campo em troca de um
indenização e garantia de fornecimento. (FGV: CPDOC)
4
Entretanto, a partir da descoberta da bacia de Campos, as perspectivas e
prioridades da empresa sofreram profunda alteração. Ainda que inicialmente com
reservas superestimadas, essa descoberta provocou grande necessidade interna de
recursos humanos e financeiros, o que, no futuro, significou um forte abalo na estrutura
da Braspetro.
4
FGV.CPDOC. Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6293_6.asp>
Acesso em: 07 maio 2008.
62
2.3 A criação da Interbrás
O decreto que criou a Braspetro, além de determinar a natureza de suas
atividades, as quais consistiam na exploração de petróleo no exterior, também lhe
concedeu a possibilidade de atuar nas trocas internacionais de bens e serviços em geral.
A conjuntura que se formou em conseqüência do choque do petróleo de 1973, como
mencionado, ampliou essa área de negócio, que atingiu um volume considerável. Além
da procura por novos profissionais e tecnologias, os países árabes tentaram expandir
suas possibilidades de suprimento. Com a busca por novos fornecedores, principalmente
de alimentos e bens de serviços, já mantendo relações comerciais com o Brasil em razão
do petróleo, esses países começaram a sugerir que a Braspetro intermediasse as
operações deles com o Brasil.
A incumbência foi prontamente aceita por essa empresa. O governo brasileiro
estava disposto a incentivar o crescimento dessas atividades, o que fez nascer a idéia de
criação de uma trading company. A proposta se tornou interessante para o governo, já
que poderia utilizar o poder de compra da Petrobras como instrumento de incremento
das exportações brasileiras; para esta companhia, que passava a ter duas subsidiárias
com focos específicos, mas com estratégias de atuação separadas, pois as atividades de
ambas não se sobrepunham.
Embora a Braspetro tenha se tornado uma importante subsidiária, o foco no
negócio era essencial para manter o sucesso de suas atividades. A estatal dispunha de
condições para o exercício da nova atividade, mas era necessário criar uma estrutura
empresarial favorável ao desenvolvimento da nova empreitada. Urgia reunir, articular e
organizar os recursos disponíveis, outorgar-lhes um sentido estratégico, qual seja, a
criação de mais uma subsidiária com alcance internacional, instalar escritórios de
63
representação e criar toda uma estrutura logística com sistema de transporte e estocagem
de acordo com as peculiaridades de cada produto, administrar o fluxo de fornecimento
dos produtos, contratar representantes locais que poderiam fornecer assistência técnica,
criar rede de distribuição etc.
Portanto, com o foco do negócio em mente e graças à influência governamental,
em 1976, o presidente Ernesto Geisel criou a Interbrás, seguindo o processo de
conglomeração do grupo. Já ao ser criada, a Interbrás se tornou a maior trading
company do Brasil. Apoiada na estabilidade proporcionada pelo monopólio, sensível à
crescente importância estratégica das atividades de comércio exterior e tendo
acumulado experiências em negócios internacionais, a estatal utilizou o poder
concedido por esse monopólio nas operações de importação de petróleo para criar a
maior estrutura empresarial de comércio externo do país.
Tendo iniciado suas atividades sob a diretriz de exportar produtos
tradicionais para mercados não-tradicionais e produtos não-
tradicionais para mercados tradicionais, os produtos primários,
processados ou não deveriam ocupar a parte principal de sua pauta
de exportação nos primeiros anos. Afirmando-se como uma
entidade coadjuvante à iniciativa privada, utilizando-se da presença
da Petrobras em vários países para abrir novos mercados, às
exportações brasileiras, a Interbrás soube, contudo, construir uma
estrutura bastante moderna em pouco tempo, montando uma rede
de subsidiárias que operavam junto aos principais mercados (Nova
York, Paris etc.) e nos paraísos fiscais do Caribe. (DIAS e
QUAGLINO, 1993, p. 186)
O interesse da Petrobras em alargar seu campo de atuação e lucrar com as
atividades de intermediação nas vendas para o mercado externo cujo único ônus seria o
de montar uma estrutura administrativa era crescente. A empresa considerava que essas
operações teriam lucro certo, uma vez que receberia uma porcentagem sobre o valor da
operação e não arcaria com as despesas de produção. Obviamente, fazer comércio
exterior com produtos basicamente manufaturados era bem diferente de comprar
petróleo ou vender serviços na área de exploração. A questão sobre como lidar com a
64
concorrência, representada pelas companhias dos grandes países industriais
desenvolvidos que detinham maior conhecimento e tradição no ramo, consistia em tema
de forte discussão dentro da estatal.
As lideranças da Petrobras, respaldadas pela segurança de única abastecedora do
mercado nacional, o que permitia à empresa maior poder de barganha ao negociar com
os países produtores por seu volume de importação, acreditavam que, como maior
empresa compradora do país, poderiam utilizar esse recurso para penetrar em mercados
em que a concorrência estava fragilizada ou era inexistente. Já o objetivo do governo
era conceder a Interbrás, por meio de suas transações, o papel de reguladora do mercado
interno, realizando importações de produtos com eventuais dificuldades de
abastecimento e estimulando o capital privado nacional.
Dessa maneira, não são desprezíveis as evidências que associam o
empreendimento Interbrás a uma mobilização de apoio da estatal
em favor do capital privado nacional, visando a preservação e
ampliação de sua legitimidade e influência diante desse segmento
relevante da sociedade brasileira. (CONTRERAS, 1992, p. 188)
A criação da Interbrás seguiu a mesma linha de crescimento que orientou o II
PND, lançado por Geisel em setembro de 1974. A estatal, mediante uma estratégia
ofensiva e notável pela qualidade inovadora, passou a atuar como ponto forte de
equilíbrio na balança comercial do país e avançou sobre a iniciativa privada nacional,
num segmento de negócio que requeria competência e recursos. Estes, dificilmente,
seriam acessíveis ao empresariado nacional, ainda voltado para o mercado interno e
com total inexperiência na superação da barreira competitiva do comércio exterior para
alcançar os mercados internacionais.
Com essa estratégia, o governo conquistou inegável apoio da iniciativa privada
nacional, pois possibilitou aos empresários escoar sua produção para mercados antes
inalcançáveis e que demandavam todo tipo de produtos, de carne a sapatos. O apoio
também veio dos órgãos que integravam o governo, sua política externa, com o
65
Itamaraty, e os segmentos militares, que concederam inegável aprovação política. Esses
atores viam, na atuação da Interbrás, a possibilidade de uma maior inserção do Brasil
nas transações comerciais com o exterior, portanto, um maior destaque nas organizações
internacionais. Alcançar maior poder e significação no sistema internacional era uma
doce concretude para diplomatas e militares.
A política de troca comercial da Interbrás possibilitou a redução da necessidade
de divisas para a importação de petróleo, além de viabilizar uma relativa diversificação
da fonte de suprimento dos produtos. Passaram a ser fornecedores do Brasil, países
como o México, Equador, Angola, Nigéria e ex-União Soviética, porém, a concentração
de fornecimento da Arábia Saudita, Irã e Iraque ainda se manteve em torno de 70%.
Utilizando competentes recursos técnicos e administrativos, a Interbrás conseguiu
significativo sucesso no papel de intermediário nas trocas comerciais.
Poucos anos após sua criação, porém, a Interbrás enfrentou situações
conjunturais verdadeiramente críticas (1979/1980), com a segunda crise do petróleo e
dificuldade dos produtores brasileiros em fornecer bens comerciáveis. O principal
segmento para exportação se concentrava nos produtos manufaturados, mas, em 1979,
por iniciativa da própria presidência da Petrobras, a Interbrás ampliou seu leque de
atuação, abandonou os limites fixados e passou a operar em todas as áreas de comércio
externo.
Uma vez estabelecida como trading company, a subsidiária não estava
legalmente vinculada apenas às operações de troca com o mercado brasileiro, podia
atuar, como intermediária, em qualquer segmento internacional. Dessa forma, a maior
parte de suas operações foi transferida para os escritórios localizados no exterior.
Iniciaram-se as operações off shore, ou seja, as comerciais que não estavam atreladas ao
mercado brasileiro. Em 1980, esse tipo de operação já significava 28% do faturamento
66
da subsidiária e destacava o intuito de aumento de autonomia e da garantia de
autofinanciamento desvinculado do mercado nacional que, aquela altura, estava em
plena recessão.
Também em 1980, em conseqüência da recessão nacional que tornava a
produção interna excedente, a Petrobras iniciou sua atuação como exportadora de
derivados de petróleo. Entretanto, o caráter estatal da companhia era constantemente
recordado pelo governo brasileiro, por meio da demanda por importações de produtos
destinados a estoques reguladores, como alimentos.
Com a transição democrática e a abertura política brasileira, a Nova República
herdou a crise econômica. Ante a ameaça de uma hiperinflação, em março de 1986, o
governo adotou o Plano de Estabilização Econômica, que ficou conhecido como Plano
Cruzado. A explosão de consumo que o sucedeu deixou poucos excedentes exportáveis.
O governo, então, mais uma vez utilizou a Petrobras como instrumento de contenção da
crise interna. Demandava, constantemente, importações destinadas a combater o
desabastecimento interno, o que afetou profundamente, o lucro da empresa, que ainda
enfrentou o impacto da queda dos preços internacionais dos derivados,que acompanhou
a do petróleo. Nos anos seguintes, a Petrobras, ainda, enfrentou o agravamento da crise
econômica e da inflação.
Era inevitável que, diante da recessão econômica mundial e nacional, as
operações de troca internacionais da Interbrás se tornassem extremamente instáveis.
Como os principais produtos comercializados pela empresa consistiam em manufaturas
nacionais, a crise econômica brasileira provocou, em muitos produtores, dificuldade em
honrar seus compromissos com a companhia, que, por sua vez, tinha dificuldade em
passar credibilidade para seus clientes internacionais. Por outro lado, “[...] a própria
67
recessão mundial fragilizava uma política de comércio externo voltada para países do
Terceiro Mundo.” (CONTRERAS, 1992, p. 188)
A experiência da Interbrás é esclarecedora e, ao mesmo tempo, traumatizante
quanto à utilização do Sistema Produtivo Estatal, para articular políticas governamentais
voltadas para o controle econômico. A criação da Interbrás, com o objetivo de
intermediar trocas comerciais de produtos nacionais, permitiu que a empresa percebesse
seu potencial expansionista. A estratégia de atuação em operações off shore se mostrou
frutífera, mas as oscilações do mercado nacional e a constante demanda governamental,
no sentido de que a empresa atuasse para conter a crise nacional, fizeram com que a
estratégia empresarial, desenhada para a Interbrás, perdesse o foco do negócio e
oscilasse, de acordo com as orientações conjunturais provenientes do governo. A
Interbrás acabou extinta pelo Plano Collor I, em 1990.
2.4 A expansão na América do Sul
A década de 1990 foi marcada por fortes ajustes estruturais na economia
brasileira, necessários para controlar o surto inflacionário e para atender às exigências
internacionais, impostas aos devedores, que abrangiam um conjunto de mudanças
institucionais, comerciais e financeiras.
O governo Fernando Collor (março de 1990 a outubro de 1992) se caracterizou
por dois planos com o intuito de estabilizar a economia, inflação persistente, retração
das atividades econômicas, busca do equilíbrio orçamentário e, mais importante para o
estudo em questão, maior abertura do comércio exterior e redução do papel do Estado
na economia. Com esses propósitos, e seguindo as recomendações do Consenso de
Washington, foram implementados um programa de privatização das empresas estatais
68
e o Programa Nacional de Desregulamentação (PND), com o discurso de que visava à
defesa da concorrência e do consumidor.
A abertura do comércio exterior se processou, basicamente, com a eliminação de
barreiras não-tarifárias, redução gradual das tarifas de importação, adoção do sistema
flexível de câmbio e reformulação de incentivos à importação. Após a adoção dessas
medidas, o comércio exterior obteve saldos da balança comercial, no triênio, inferiores
aos registrados em 1989. As exportações que caíram, em média, 9% ao ano, em 1990-
91, reverteram a tendência de queda somente em 1992, com um saldo 5% superior ao
registrado em 1989. Do outro lado da balança comercial, porém, as importações
cresceram à média anual de 13% no triênio.
Essa liberalização do comércio brasileiro encerrou uma política industrial de
substituição de importações, que perdurava desde a década de 1930. A empresa e o
monopólio da União que, até então, exerciam um papel decisivo, recuaram e deram
espaço a um novo período de livre mercado, compatível, inclusive, com a conjuntura
internacional, em franco processo de globalização. O país se ressentia, todavia, da falta
de recursos para acompanhar e combater, com eficiência, as práticas protecionistas
adotadas, principalmente, pelos países desenvolvidos.
De forma geral, o governo Collor se evidenciou por um período de elevada taxa
de inflação e forte contração da atividade econômica. Destaca-se a ação do governo no
sentido de realizar mudanças estruturais na economia brasileira, com o objetivo de
maior abertura externa e redefinição do papel do Estado na economia. A principal
diretriz foi a desestatização, que continuou nos governos que se seguiram. Entretanto,
não é possível analisar o governo Fernando Collor, sem mencionar um dos mais
surpreendentes desfechos para a crise política que escandalizou o Brasil em 1992.
69
Em 29 de setembro de 1992, inaugurou-se uma nova era para a política
brasileira. Em sessão extraordinária e, principalmente, sem intervenção das forças
armadas, o Congresso Nacional depôs, legalmente, o presidente Fernando Collor de
Mello, primeiro governo civil e diretamente eleito, após o Regime Militar.
Eleito, em 1986, governador de Alagoas pela legenda do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), Collor implantou, desde a posse, um estilo de governo
marcado pela polêmica e pela produção de fatos de interesse jornalístico, que lhe
permitiram, em pouco tempo, se tornar conhecido e admirado em todo o território
nacional, a despeito da diminuta importância política de seu estado. Rompido com o
PMDB, filiou-se ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e, ao se iniciar a
campanha de 1989, o candidato do PRN se coligou a outras legendas desconhecidas.
Utilizou habilmente, porém, os programas eleitorais dessas agremiações para tornar
famosa, em todo o país, a sua jovial e decidida figura de combatente da moralidade.
O plano de estabilização da economia lançado pelo seu governo, o "Plano Collor
I", voltado ao combate imediato de uma inflação que atingia, então, a cifra de 80% ao
mês e calcado num receituário neoliberal, mostrou, rapidamente, o profundo despreparo
e desorganização do governo, uma vez que não só a inflação não se deixou abater, mas
também desestruturou setores produtivos inteiros, gerou desemprego e paralisou a
economia.
Na marca dos cem primeiros dias de governo, começaram a surgir denúncias de
tráfico de influências que envolviam Paulo César Farias, o PC, tesoureiro da campanha
de Collor à presidência. Comprovado o esquema de corrupção e o envolvimento do
presidente, por meio de uma CPI, entidades da sociedade civil, lideradas pela Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
encaminharam ao Congresso Nacional pedido de impeachment do presidente. Em
70
votação histórica na Câmara dos Deputados, decidiu-se pela destituição de Collor do
cargo de Presidente da República.
Relativamente aos fatos econômicos que marcaram o governo Itamar, interessa a
este estudo o prosseguimento do processo de abertura da economia, pois esse governo, a
despeito de um discurso em que a questão nacional ganhou destaque, adotou uma
política comercial mais liberal e prosseguiu com a desestatização de empresas, iniciada,
ainda, no governo de João Baptista de Figueiredo. O Programa de Ação Imediata,
lançado pelo, então, Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, indicou como
causa fundamental da inflação a desordem financeira e administrativa do setor público,
e cabia ao governo implementar mudanças que amenizassem essas distorções. Dessa
forma, entre outras medidas adotadas com esse propósito, destacam-se a aceleração e a
ampliação do processo de privatização de empresas estatais com o estabelecimento,
inclusive, do Programa de Privatização e prosseguimento da abertura do comércio
exterior, decorrentes dos bons resultados do processo de renegociação da dívida externa,
finalmente concluído. Para tal, as regras de Washington, particularmente o ideário
liberal do Fundo Monetário Internacional (FMI), foram seguidas, quase à risca.
O governo de Fernando Henrique Cardoso, obviamente, representou o
continuísmo das políticas econômicas anteriores. Intensificou a abertura, justapôs essa
política à da estabilização, diminuiu, ainda mais, as tarifas para bens de consumo
duráveis e não-duráveis, reduziu os tributos para as importações “pessoais” via postal e
antecipou a entrada da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. É importante notar
que o discurso liberal assinalou toda a década de 1990, com continuidade nos três
governos que foram eleitos para o período.
Nas reformas da Administração Pública as propostas têm como
alvo um redimensionamento do Estado, via privatizações, fim dos
monopólios públicos, descentralização fiscal e de serviços,
desregulamentações, desburocratização, transformação, fusão ou
eliminação de órgãos públicos, dispensa de funcionários e
71
diminuição de seus direitos. O discurso, aqui, é o da procura de
uma “eficácia”, passando ao mercado várias atribuições públicas.
(CANO, 2000, p. 44)
Diante do surto privatizante, restaram, ainda, na agenda federal, com maior peso,
os grupos Petrobras e Eletrobrás, ambos estratégicos e com forte representação
nacionalista, no Congresso e nas Forças Armadas. A crítica neoliberal identificava o
Sistema Produtivo Estatal com a ineficiência do Estado que representava seus vícios e
inaptidão empresarial. Esse clima em que se debatia a evolução do capitalismo e a
facilidade em executar trocas comerciais e transações financeiras à longa distância,
permitiram que alguns dos atores produtivos estatais se tornassem alvo preferencial de
receituários de privatização ou de reformas cujos modelos eram pré-moldados.
O setor petrolífero sofreu mudanças significativas com o fim do monopólio
estatal. Esse fato gerou grande polêmica quanto à liberação de empresas privadas para a
exploração de áreas promissoras, uma vez que as pesquisas foram custeadas pela estatal.
Mesmo alcançando a capacidade de autofinanciamento de suas atividades há muito
tempo, as realizações obtidas pela Petrobras ainda refletem um pouco o sentimento
nacionalista de esforço coletivo em prol do desenvolvimento dessa organização. É
importante lembrar que o monopólio da União, cujo interesse, originalmente, consistia
em proteger os recursos contra a espoliação internacional, serviu, também, para
apropriação das riquezas geradas pela estatal, após tão custoso programa de exploração.
A história das estratégias empresariais da Petrobras se confunde, em muitos
momentos, com as políticas econômicas adotadas durante vários governos. Assim,
pode-se questionar até que ponto a estatal não foi prejudicada, em sua condição de
empresa capitalista, em seu desenvolvimento. O que está em questão é que, com as
políticas de liberalização do mercado, por meio da Emenda n° 9 (via Lei n° 9478/97), a
Petrobras passou a submeter suas decisões à Agência Nacional de Petróleo (ANP),
72
ceder, a outros agentes privados, o uso de suas instalações de transportes e terminais,
mediante pagamento, e colocar à disposição da ANP seu acervo sobre conhecimento
geológico.
Apesar de todos os erros, ao se analisar o tamanho que a Petrobras adquiriu,
verifica-se que os acertos foram maiores. Talvez isso só tenha ocorrido em virtude do
grau de autonomia que a empresa conquistou ao longo de sua existência. Em 2007, a
Petrobras foi classificada como a 7ª maior empresa de petróleo do mundo com ações
negociadas em bolsas de valores, de acordo com a Petroleum Intelligence Weekly
(PIW), publicação que divulga anualmente o ranking das 50 maiores e mais importantes
empresas de petróleo; registrou, nesse mesmo ano, uma receita líquida de R$ 170,578
bilhões e um lucro líquido de R$ 21,512 bilhões; e conseguiu se expandir em vários
campos de atuação: refino, comercialização, transporte marítimo, fertilizante,
petroquímica, prospecção internacional e trocas comerciais por meio de trading
companies. Na grande maioria desses setores, com exceção do petroquímico, sua
expansão comercial parece ter começado por iniciativa própria, sem intervenção
governamental.
Esse processo principiou com a criação de suas primeiras subsidiárias, no final
da década de 1960, o que não significa que o agente governamental não tenha
explorado, posteriormente, as ampliações adquiridas. Entretanto, o importante é
perceber que os técnicos e burocratas da empresa incorporaram, firmemente, o papel de
desenvolvimento de grande empresa capitalista, que visa ao lucro e à expansão no
mercado. Dessa forma, a Petrobras se expandiu, não só no mercado interno, mas se
alocou em setores produtivos ou de serviços em vários países. Em 2008, a Companhia
se encontra presente em 27 países. Entre esses, 09 são sul-americanos.
73
Com o fim do monopólio, a Petrobras se encontrava em uma posição vulnerável
e precisava expandir seus horizontes para atestar sua competência de empresa capitalista
ágil e competitiva, que não se deixava atingir pela simples possibilidade de concorrentes
em seu próprio mercado. A expansão internacional, que já se iniciara há décadas,
passou, nos anos 1990, a ser uma artimanha estratégica indispensável para a
solidificação da empresa entre as majors mundiais.
A decisão de buscar internacionalizar a produção ou os ativos, conceitualmente
definida como um processo crescente e continuado de envolvimento de uma empresa
nas operações com outros países fora de sua base original, liga-se, de maneira geral, à
preocupação da empresa em manter, fortalecer e ampliar sua penetração nos mercados-
alvo e ganhar experiência gerencial e operacional.
Razões como aquisição de tecnologia e atualização tecnológica,
necessidade de estar mais próximo do cliente, de superar barreiras
protecionistas, de antecipar-se às práticas da concorrência, de estar
mais próximo de recursos financeiros são fatores presentes,
isoladamente ou combinados, nos casos de empresas que se
internacionalizam. (BRASIL, 1996, p. 23)
A internacionalização muitas vezes é impositiva. Se não penetrasse no mercado
em que existia interesse, a empresa tenderia a perder espaço para a concorrência que
teria oportunidade de negócio, ao constatar um vazio no mercado-alvo e possibilidade
de aumento de lucro. No caso da Petrobras, o fator político pode ser determinante para a
entrada em certos mercados.
Além dos incentivos fornecidos por alguns países, a fim de atrair o capital
estrangeiro e da conjuntura nacional que impeliu a Petrobras a se estabelecer em novos
mercados, dois outros fatores foram fundamentais para entender o ímpeto de se
expandir na América do Sul: a intensificação do processo de globalização e a criação do
Mercosul.
74
Apesar de muitos estudiosos argumentarem que a globalização não é um
fenômeno contemporâneo, ao contrário, se iniciou há alguns séculos, desde as grandes
navegações ou com a liberalização dos mercados a partir do século XIX, o fato é que, na
segunda metade do século XX, com o avanço tecnológico, as distâncias se encurtaram
de tal forma, que os concorrentes dos produtos brasileiros podem se encontrar no Japão
ou na China. Um segundo tipo de globalização, definitivamente, iniciou no final do
século XX, a financeira. Representada pela mobilidade dos fluxos financeiros
internacionais e suas novas formas de manifestação, a globalização financeira aumentou
a partir de fins da década de 1960, ganhou intensidade à medida que os novos sistemas e
telecomunicações proporcionavam uma rapidez maior nas operações entre territórios
distantes e à proporção que os sistemas de regulação nacional do trânsito do capital
foram diminuindo ou sendo abolidos.
A nova geopolítica mundial contribuiu para a constituição de mega blocos
econômicos regionais, como a União Européia (EU), o North American Free Trade
Agreement (NAFTA) e a Bacia do Pacífico. Esse movimento de abertura e integração
de mercados repercutiu nos países do Terceiro Mundo de formas diferentes: o México
se integrou ao Nafta; os novos países industrializados do leste asiático estreitaram laços
com o Japão; os países que constituíam a URSS tentaram se reestruturar em torno da
Alemanha unificada e, na América do Sul, nasceu o Mercosul.
Este, por sua vez, foi criado como uma reação à tendência aglutinadora que se
verificava no sistema internacional desde o fim da Guerra Fria, período em que o poder
mundial tendeu para se reunir em grandes áreas do hemisfério norte nas quais se
concentravam a riqueza e a capacidade de inovação tecnológica. A economia mundial,
ao mesmo tempo em que se globalizava, se fragmentava em blocos regionais, que
envolviam as estratégias das grandes corporações econômicas e as políticas externas dos
75
Estados. A proposta de, no Cone Sul, se organizar um bloco regional com vistas ao
fortalecimento e desenvolvimento da região é antiga e remonta à primeira metade do
século XX.
Em 26 de março de 1991, celebrou-se, entre Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai, o Tratado de Assunção para a constituição de um Mercado Comum do Sul, o
Mercosul, com um período de transição até 1995. Seu objetivo era a adoção de políticas
de integração econômica e aduaneira entre esses países.
A criação do Mercosul é um fator que tem contribuído para a
internacionalização, de forma bastante expressiva e continuada. Um
número cada vez maior de empresa se volta para os países da
região, notadamente a Argentina, em um movimento que tende a se
expandir para outros países da América Latina. São empresas
tradicionais exportadoras para aqueles mercados, que se associam –
muitas vezes com seu distribuidor ou representante – criando novos
empreendimentos para aumentar e melhorar a comercialização de
seus produtos. (BRASIL, 1996, p. 50)
Com base nesses dois fatores estruturais (globalização e Mercosul) que
alteraram a dinâmica das relações entre os países e suas corporações, verifica-se, por
meio do exemplo da Petrobras, que o desenvolvimento de uma estratégia de
internacionalização ocorre, também, como resposta aos novos desafios impostos pelas
transformações na economia e no comércio mundial. Com as mudanças na balança de
forças do sistema mundial, o rápido crescimento dos mercados financeiros em escala
global, a desregulamentação das economias e o advento de novas tecnologias, ampliam-
se o fenômeno da globalização e a tendência à formação de espaços regionais
unificados. Tais acontecimentos, aliados à busca do aumento da lucratividade e, no caso
das estatais, aos interesses estratégicos do Estado, redefiniram as formas e os métodos
de expansão da companhia.
A liberalização da economia brasileira aumentou a percepção da Petrobras sobre
o sentido e a influência da globalização, levando-a a rever suas estratégias de
regionalização de mercados. As organizações tendem para o ajustamento, a fim de
76
competir no mercado doméstico e procuram ser competitivas internacionalmente. Com
a Petrobras não é diferente, embora necessite adequar suas decisões às necessidades
regionais de abastecimento, ao controle inflacionário e aos interesses externos do
governo brasileiro. Procura-se o equilíbrio entre empresa capitalista e aparelho do
Estado.
O modelo atual de gestão da Petrobras passa pela internacionalização de seus
ativos, ao adquirir empresas em outros países. Esse procedimento foi idealizado como
um elemento vital para a sobrevivência da empresa, em um ambiente competitivo.
Trata-se, acima de tudo, de obter liderança estratégica continental para conquistar os
mercados dos países vizinhos, com sua área de ação natural, graças às vantagens
logísticas, dominar o avanço das companhias internacionais na região, diminuir a
dependência tecnológica em relação aos países mais desenvolvidos e aumentar a
influência brasileira.
O Plano Estratégico da companhia define uma visão para 2010. Estabelece que a
Petrobras consistirá em uma empresa internacional de energia, líder na América Latina.
Esse não é um tipo de expansão que possa ser efetuada mediante crescimento orgânico,
é necessário, também, que se façam aquisições. Com esse objetivo, no final de 1999, a
Petrobras adquiriu participação acionária (70%) em duas refinarias na Bolívia
(Cochabamba e Sta Cruz de La Sierra), bem como, em 2000, ajustou um acordo com a
Repsol/YPF, para troca de ativos, comprou as uruguaias Conecta e Gaseba Uruguay, as
argentinas Perez Companc e parte da Mega, além de parte da Shell do Paraguai. A
criação da Petrobras Energia S.A. (antiga Perez Companc) faz com que a empresa
participe ativamente do mercado petrolífero da Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
Em artigo publicado na revista TN petróleo, o executivo da Petrobras Nelson
Albuquerque afirma :
77
78
Já o processo de internacionalização da Petrobras através de
compra de empresas no continente latino-americano obedeceria a
outro propósito estratégico, que visa não só o interesse da empresa
de forma mais imediata — de aumentar sua capacidade industrial e
econômica — como fortalece a posição do Brasil como líder
econômico dentro do continente sul-americano.
(ALBUQUERQUE, 2003, p.104. )
Portanto, é possível supor que, com todas as justificativas administrativas quanto
à ampliação dos negócios em toda a América do Sul, existe uma estratégia
governamental que sinaliza interesse em alguns países, mesmo que essa atuação não
seja tão lucrativa para a empresa, como é o caso do gás da Bolívia, mas define um papel
estratégico do governo brasileiro nas relações de força na América do Sul,
principalmente ao se tratar de um bem tão precioso quanto é o petróleo e seus derivados.
Capítulo 3 A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA AMÉRICA DO
SUL
O terceiro capítulo pretende apresentar alguns aspectos da política externa brasileira
na América do Sul. Para tanto, será necessário explanar sobre a tradição dessa política
externa, analisar quais foram suas recorrências e direcionamentos durante a maior parte do
século XX. A análise histórica é fundamental para entender a conexão entre as prioridades
da Petrobras, durante seus 50 anos de existência, e as orientações políticas nacionais que
possam ter influenciado as estratégias de expansão da empresa.
Para que haja coerência em relação ao período histórico abordado no desenrolar
desta dissertação, será analisada, neste capítulo, a condução da política externa brasileira a
partir do segundo governo de Getúlio Vargas. No desenvolvimento do capítulo, será
necessário demonstrar a mudança de rumo da política externa nacional após os anos 1980,
período em que vários fatores contribuíram para que houvesse um maior alinhamento entre
os países sul-americanos, com destaque para as aproximações que ocorreram após a crise
de Itaipu e a Guerra das Malvinas. A mudança da postura brasileira, ao facilitar a
aproximação com a Argentina, conduziu aos primeiros acordos de integração, que datam de
julho de 1986, e culminou com a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), em 1991.
Para se entender esse contexto, é fundamental a percepção de como uma política de
boas relações evolui para uma situação na qual a América do Sul se torna um dos eixos
fundamentais da política externa brasileira e como isso ocasiona uma aproximação
regional, que nem sempre foi privilegiada.
79
Principalmente após os anos 1990, a Petrobras intensificou sua expansão na região,
o que evidenciou uma adesão às aspirações políticas nacionais e facilitou a aproximação
comercial entre os países. Nessa década, a empresa descobre reservas e evolui
tecnologicamente, aumenta a capacidade de extração de petróleo em águas profundas e há
uma maior aproximação regional graças à implementação do Mercosul. Também, após
períodos complicados de transição democrática e de negociação de dívidas externas, a
adesão aos preceitos liberais contribuiu para que a Petrobras se fortalecesse em nível
regional. Praticamente todos os países da região adotaram políticas liberais que, em um
primeiro momento, como o Plano Real, estabilizaram a moeda e promoveram abertura
comercial, reduzindo tarifas aduaneiras. Além disso, os países membros do Mercosul têm
como meta a implantação de um regime de Tarifa Externa Comum (TEC).
Observa-se que, apesar dos esforços em busca de maior autonomia, a história
fornece dados inegáveis sobre a continuidade da influência governamental na empresa.
Ainda que capitalista, a companhia nunca deixou de receber os bônus e os ônus que advêm
de sua condição estatal. Esse vínculo com o governo se patenteia na relação entre política
externa e a ação de uma estatal que foi protagonista do processo de industrialização e de
acumulação inerente ao capitalismo.
A política externa, no âmbito da diplomacia, também é um instrumento de
desenvolvimento nacional. A esta, cabe prover os dispositivos de incentivos cujo meio
depende do exterior: mercados de exportação, mercados de importação, captação de
recursos, captação de investimentos diretos e indiretos, troca de tecnologias, etc. As
negociações de política externa envolvem ambientes complexos, nos quais a transação e
modos de coerção são essenciais para que Estados nacionais alcancem objetivos que
representam interesses próprios e daqueles de que são mandatários. Os governos lançam
80
mão de várias ferramentas para alcançar o que pretendem, como recursos de políticas que
devem atender o interesse nacional, as empresas privadas e as públicas que, com seu
potencial de grandes investidores e estrategistas, podem ser empregadas como instrumento
de negociação.
Cabe ressaltar que a política externa brasileira não seguiu uma linha contínua de
atuação. A partir da década de 1930, o contexto político e econômico, nacional e
internacional, freqüentemente passou por alterações, algumas vezes tímidas, outras
grandiosas. De forma geral, deslocou-se para o eixo dos EUA, compreendendo a
importância do novo pólo de poder no cenário geopolítico e geoeconômico internacional.
Defendeu a autodeterminação dos povos, foi multilateral e universalista no discurso global
e bilateral nos seus interesses negociados caso a caso, quase sempre se pautou pela busca
do desenvolvimento. De acordo com Amado Luiz Cervo:
A conduta histórica de sua diplomacia pautou-se pela cooperação e
pela não-confrontação, pelo legado feito de respeito ao direito
internacional, à autodeterminação dos povos e ao culto da paz. Mas sua
essência, nos 60 anos que vão de 1930 a 1990, foi a diplomacia para o
desenvolvimento. (CERVO, 2007, p. 229)
Em relação à diplomacia comercial no que se refere aos alinhamentos estratégicos e
às políticas de desenvolvimento, nota-se que foram priorizados vários caminhos. Com
relação ao alinhamento com os norte-americanos, por exemplo, houve períodos de maior e
de menor proximidade. No governo Dutra, em 1951, foi negociada a instalação da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), que funcionou até 1953, durante o
governo Vargas. Porém, foi no governo Kubitschek, apesar da Operação Pan Americana
(OPA), que houve uma ruptura com o FMI, uma vez que o Plano de Metas não suportou a
coerção quanto ao controle da inflação e dos gastos públicos, em detrimento das metas de
crescimento planejado. Com a Política Externa Independente (PEI), nos governos anteriores
81
ao golpe militar, professou-se a diplomacia dos EUA, mas a reafirmação do princípio de
autodeterminação dos povos e o posicionamento claro de um ponto de vista fora do
bilateralismo imposto pela política norte-americana causaram alguns episódios de enorme
desconforto e de tensão. Com o golpe militar, retomou-se a proximidade com os Estados
Unidos. Entretanto, a partir de 1967, Costa e Silva recuperou o discurso do interesse
nacional (depois desenvolvimentista, já no governo Geisel), após forte desentendimento
com expoentes da política externa norte-americana. No governo Itamar Franco, houve o
realinhamento para a renegociação da dívida externa. Durante o primeiro governo Lula, a
política externa brasileira retoma sua tradição de desenvolvimento e de interesse nacional,
embora mantenha com Washington ótimas relações.
A partir da década de 1980, percebe-se um maior movimento da diplomacia
brasileira em busca de aproximação com os vizinhos latino-americanos. A América Latina
é uma região que, apesar da proximidade geográfica, nem sempre mereceu atenção da
política externa brasileira. Até então, nunca houve uma política contínua e eficaz de
aproximação, cooperação e desenvolvimento conjunto. É fato que, economicamente, a
América Latina sempre foi insignificante, se comparada aos grandes centros. Seu poder de
troca não foi suficiente para suprir a necessidade de importações de bens industrializados.
Apenas a Argentina, que apresentou desenvolvimento industrial significativo, obteve um
alto grau de relevância para a balança comercial brasileira
Talvez outro fator contribuinte, para que não houvesse uma maior atenção à
América Latina, tenha sido a falta de expressão significativa do papel da guerra e da
segurança na região. Desde a independência e a consolidação dos Estados nacionais, essa
sempre foi uma região que, se comparada com outras regiões do globo, não pode ser
caracterizada como uma zona de pressão. Poucas foram as discordâncias que levaram ao
82
confronto armado, como foi o caso da Guerra do Paraguai. Os conflitos internos sempre
foram recorrentes nos vários países, depondo governos e criando enorme descontentamento
na população, mas, no caso brasileiro, a grande maioria das disputas lindeiras, como é
tradição de nossa política externa, foi resolvida com base na diplomacia, como a questão
em torno da construção da usina hidrelétrica de Itaipu.
Entretanto, também se deve esclarecer que, no Brasil, desde o “milagre econômico”
do II PND de Geisel, durante o regime militar, o grau de internacionalização da economia
aumentou sobremaneira. Além disso, a partir dos anos 1990, foram implementadas
numerosas reformas estruturais de preceito liberal que levaram a uma exposição mais
rápida do mercado interno à competição internacional. As principais mudanças foram de
cunho institucional, produtiva, comercial e financeira. Efetivas mudanças resultaram em
diminuição do papel do Estado, gerando privatizações, desregulamentações e abertura
comercial.
Essas mudanças fizeram com que as empresas de grande porte tivessem que se
preparar para a competição, seja em seu mercado nacional, seja com a expansão de seu
próprio processo de internacionalização.
O desenvolvimento de uma estratégia de internacionalização vem
ocorrendo como resposta aos novos desafios impostos pelas recentes e
profundas transformações na economia e no comércio mundial.
Provocadas pelo declínio relativo da hegemonia econômica e liderança
política dos Estados Unidos, pelo rápido crescimento dos mercados
financeiros em escala global, pela desregulamentação das economias e
pelo advento de novas tecnologias, geram o fenômeno da globalização
em escala mundial e a tendência à formação de espaços regionais
unificados. Tais fenômenos, por sua vez, redefinem as formas e
métodos de competição no mercado internacional e condicionam a
atuação das corporações nesse contexto. (BRASIL, 1996, p. 29)
A Petrobras sofreu grande influência dos movimentos liberais nacionais e
internacionais. Como as demais empresas globais brasileiras, a Petrobras se dirige para o
83
exterior, influenciada, além da oportunidade de mercado, pela ampliação do escopo do
Programa Nacional de Desestatização, que gerou pressões para que o governo a
privatizasse e para que ela passasse a se mover como uma empresa privada, adotando
instrumentos de gestão que representam princípios de governança global. No caso do setor
de energia, incluindo a Petrobras, foi decisivo para que não ocorresse a privatização a
questão estratégica, endossada pelos segmentos nacionalistas, como a Escola Superior de
Guerra (ESG) e parte da bancada do Congresso. Entretanto houve a quebra do monopólio
com a abertura do mercado de petróleo, ocasionada em 1997, em decorrência do fim da
unicidade da União. Exposta à concorrência, a Petrobras se encontrou diante do desafio de
se mostrar ao mundo como empresa ágil e competitiva, não mais protegida pelos muros da
exclusividade governamental.
Para vencer os desafios, o planejamento estratégico da companhia estabeleceu como
prioridade uma maior internacionalização da empresa. Essa atuação internacional deveria
ter foco regional, não só por meio do aumento do volume de transações comerciais, mas
também por intermédio da busca de integração da cadeia de valor e conquista de presença
seletiva, com a aquisição de participação acionária de refinarias em vários países sul-
americanos.
A estratégia de expansão da Petrobras para a América do Sul possui um forte
componente empresarial, além de representar uma possibilidade viável de ampliação, diante
das características do mercado energético mundial, as quais transformam a expansão
comercial de uma empresa brasileira, além de suas fronteiras regionais, em um muro
praticamente instranponível no que se refere à expansão produtiva. Além da América do
Sul, não há muitas regiões no planeta onde a Petrobras pudesse se arriscar a investir ou que
houvesse um planejamento logístico, economicamente viável, de escoamento da produção.
84
O aumento dos investimentos da Petrobras na região congrega objetivos
empresariais com os de seu acionista controlador, o Estado brasileiro. Logo, no momento
em que a política externa se volta para a região, a Petrobras passa a ser também um dos
alicerces e instrumentos dessa política e suas estratégias, logicamente, procuram convergir
duas vertentes: a retomada da necessidade de defesa do interesse nacional e os objetivos
naturais de uma empresa de petróleo, ou seja, a lucratividade e o retorno do investimento de
seus acionistas. Por suposto, o desenvolvimento de relações econômicas e políticas,
garantidoras do abastecimento energético nacional, faz parte das atribuições de uma estatal
capitalista desse setor.
3.1 – A TRADIÇÃO DA DESCONTINUIDADE
A tradição diplomática brasileira foi iniciada com o Barão do Rio Branco, com seu
respeito aos compromissos jurídicos e sua defesa equilibrada e moderada dos direitos
herdados. Seu legado conduz à negociação e ao respeito às leis internacionais, às relações
pacíficas com os vizinhos, sem ações que possam ser interpretadas como agressivas ou
intervencionistas. O estilo de Rio Branco que moldou a diplomacia nacional, se caracteriza,
principalmente, pela tentativa de encaminhamento dos conflitos e crises ao campo
diplomático, pauta-se pela busca do equilíbrio nas soluções diplomáticas ou jurídicas
quanto aos temas relacionados à inserção internacional do Brasil.
Rio Branco é, no meu entender, o inspirador do estilo diplomático que
caracteriza o Brasil, à luz de suas circunstâncias e de sua história. Este
estilo configura-se por uma moderação construtiva, que, segundo
Gelson Fonseca Jr., se expressa na capacidade “de desdramatizar a
agenda da política externa, ou seja, de reduzir os conflitos, crises e
dificuldades ao leito diplomático”. Esta moderação construtiva está
permeada por uma leitura grociana da realidade internacional, nela
85
podendo identificar-se um ingrediente positivo de sociabilidade que
permite lidar, mediante a Diplomacia e o Direito, com o conflito e a
cooperação e, desta maneira, reduzir o ímpeto da “política do poder”.
(FURTADO, 2003, p. 47)
Embora a característica principal da diplomacia brasileira consista em resolução de
conflitos por meios pacíficos e a não intervenção nas divergências entre seus vizinhos, a
história demonstra que não há uma posição consolidada relativamente aos alinhamentos
internacionais. O Brasil não se identifica como um país que se alinhou permanentemente
com uma determinada força dominante, ou como um país que apresentou uma linha de
política externa linear.
Durante o longo período republicano, como será mostrado a seguir, a tradição de
não-agressão sempre se manteve, mas as primazias variaram de acordo com o interesse
nacional e com a reciprocidade de seus aliados. Um exemplo dessa mudança de eixo são as
inconstâncias nas relações com os Estados Unidos, ao longo do século XX, caracterizadas
por obstinados afastamentos e reaproximações. Outro exemplo é o destaque que a América
do Sul obteve na pauta de preferências da política externa brasileira. As relações com os
países da região foram, em sua maioria, pacíficas, mas nunca se dedicou maior importância
a essas relações até o início dos anos 1980, quando os movimentos internacionais de
globalização e regionalização fizeram com que as relações com os vizinhos se tornassem
prioridade para o interesse nacional.
O nacionalismo que caracterizou o segundo governo Vargas possuía uma linha de
princípios voltada para a integração interna do grande espaço nacional. Portanto, não pode
ser considerado, como outros, um nacionalismo expansionista. Mesmo assim, Vargas
inspirou inquietação e hostilidade, não em seus vizinhos, pois a política dele não despertava
insegurança, mas em setores ligados ao capital estrangeiro que viam as restrições impostas
86
ao crescimento de suas ações no Brasil como uma ameaça à inserção de novos
investimentos. Basicamente, a política exterior de Vargas procurava saciar necessidades
internas, com o principal objetivo de promover a industrialização nacional, por meio de
acordos tarifários e obtenção de recursos que beneficiassem as importações de bens que
seriam utilizados no processo de industrialização com substituição de importações.
Em vista do principal interesse do governo, a captação de recursos, pode-se
entender por que as relações internacionais do Brasil, no decurso do segundo governo
Vargas, foram reguladas por predominância de negociações com os Estados Unidos, as
quais ocuparam maior espaço na atenção dos políticos e da opinião pública do que as
conexões com outros países. Para o Brasil, as negociações e parcerias com o governo norte-
americano objetivavam a aquisição de fundos para investir no desenvolvimento do país.
Os principais assuntos – IV Reunião de Consulta dos
Chanceleres Americanos, Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
para o Desenvolvimento Econômico, acordo militar e guerra da
Coréia – estiveram intimamente relacionados e tiveram como
pano de fundo uma questão maior: a cooperação do capital norte-
americano para o desenvolvimento nacional. (CERVO &
BUENO, 1992, p. 225)
Com esse propósito, Vargas procurou implementar uma barganha nacionalista que
consistia em apoiar os Estados Unidos no plano estratégico-militar da Guerra Fria, em troca
de recursos que pudessem fomentar o desenvolvimento econômico brasileiro. À Casa
Branca, interessava dispensar tratamento à América do Sul para evitar situações
ameaçadoras à influência norte-americana na região. Na visão dos americanos, bastavam
alguns dólares de assistência financeira e alguns projetos de cooperação militar para manter
a América do Sul dependente e no rumo do capitalismo.
Toda essa diplomacia de barganha foi ameaçada com a eleição do republicano
Dwight Eisenhower, em 1953. O novo governo republicano demonstrou intransigência e
87
insensibilidade com as demandas dos países sul-americanos, inclusive com o Brasil. Esse
procedimento dos Estados Unidos, com conseqüente descrédito no governo norte-
americano, e as contradições internas, cada vez mais pronunciadas, aumentaram a crise
política nacional.
De qualquer forma, Vargas procurou tirar proveito dos limitados espaços
disponíveis. Entretanto, ao tentar agradar a todos, viu-se no meio de uma insatisfação geral,
uma vez que o uso da barganha provocou uma acirrada disputa interna. Por cada atitude que
indicava resguardar a autonomia do país, Vargas buscava compensar o governo americano
com alguma concessão. Dessa maneira, ele desagradava seus aliados, principalmente os
militares nacionalistas, enquanto a oposição se fortalecia ao articular diretamente com a
Casa Branca. Com o governo enfraquecido e sob intensa pressão, o presidente se suicidou
em 1954.
A própria discussão que culminou com a criação da Petrobras apresentou no debate
sobre a participação do capital estrangeiro na economia brasileira um dos pontos centrais.
Engendra-se uma incômoda reação nos parceiros norte-americanos, principais atingidos
pelas medidas de cunho nacionalista.
O nacionalismo inicialmente se voltara para a obtenção da unidade
interna necessária ao projeto industrializante, propiciando a “união
capital-trabalho”. Galvanizado pela participação popular que crescia no
meio urbano, veio a assumir um caráter genuinamente antiimperialista,
o que ficou patente quando a questão da Petrobras evoluiu em direção à
campanha “O Petróleo É Nosso”, gerando inúmeros atritos com os
Estados Unidos e com as forças sociais de direita dentro do Brasil.
(VIZENTINI, 2003, p. 18)
Mesmo com uma política nacionalista e distante dos acontecimentos que
conduziram ao início da Guerra Fria, o Brasil se posicionou entre os aliados dos Estados
Unidos, praticando uma política favorável aos norte-americanos, mas, por outro lado,
88
vigorosa em relação aos objetivos e propósitos brasileiros. Olhava internacionalmente de
forma realista e nas negociações internacionais focava o bilateralismo, resguardando os
interesses nacionais. Porém, no final dos anos 1950, sentiu-se o distanciamento daquele
parceiro - empenhado na reconstrução da Europa e em expandir sua influência sobre países
localizados em regiões que pudessem sofrer interferência soviética - em relação às
necessidades econômicas nacionais.
Os sentimentos de frustração e desapontamento com que o Brasil passou a encarar
essa marginalização ficaram evidentes, mesmo para aqueles que defendiam a aliança com
os norte-americanos. Gradativamente, esses sentimentos operaram uma transformação nas
determinações da diplomacia brasileira. O foco das ações diplomáticas deixaria de ser,
preferencialmente, as relações Norte-Sul, para se investir melhor no relacionamento Leste-
Oeste. A preocupação com a desigualdade econômica adquiriu maior importância que as
disputas ideológicas recorrentes no período. Percebe-se a economia como principal fonte de
conflito; atenua-se a importância das questões ideológicas.
Os anos compreendidos entre o retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, e o
golpe militar, em 1964, demonstram os conflitos existentes entre as correntes teóricas
quanto ao direcionamento da política externa nacional. As fases de avanços e recuos dos
nacionalistas e dos “entreguistas” atestam a descontinuidade da linha de ação dessa política.
Os nacionalistas buscavam certa margem de autonomia diante dos Estados Unidos para
impulsionar o projeto de desenvolvimento industrial e se inspiravam nos estudos da
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), órgão subordinado ao
Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU), criado em 1948
e sediado no Chile que, numa reação coletiva à hegemonia do centro, unia os latino-
americanos por suas especificidades e os diferenciava dos países desenvolvidos.
89
Esses preceitos foram também incorporados pelo Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB), instituição engajada na criação e na promoção de uma ideologia
nacional-desenvolvimentista. Já os “entreguistas” destacavam as vantagens comparativas
da agricultura e a agenda de segurança defendida pelos Estados Unidos na Guerra Fria.
Apoiavam-se nas fronteiras ideológicas delineadas pela Escola Superior de Guerra (ESG).
Apesar das divergências ideológicas, pode-se, entretanto, identificar uma
congruência nas ações dos governos Vargas, Juscelino e Jânio em relação à política
externa, uma vez que determinaram uma linha teórica contínua que convergia para o
propósito de desenvolver a industrialização nacional. Entende-se que essa trajetória
culminou com a adoção da Política Externa Independente (PEI).
Em outra vertente, no governo Café Filho, posterior ao de Vargas, a política externa
brasileira retrocedeu com as restrições impostas ao capital internacional. Caracterizou-se
pela abertura econômica e pelo retorno do alinhamento automático em relação à diplomacia
americana, que determinou um novo rumo na direção da política externa brasileira. O
projeto de desenvolvimento foi abandonado e prevaleceu o liberalismo econômico
extremado. A barganha nacionalista perdeu o sentido diante dessas novas rotas da política
externa, extremamente influenciada pela concepção de segurança nacional dos teóricos da
ESG. Essa concepção norteou um dos eixos da diplomacia brasileira na unilateralidade
Norte-Sul. Os partidários da ESG acreditavam que o desenvolvimento só seria alcançado
por meio da afirmação da segurança, e esta só lograria êxito por intermédio de um
alinhamento evidente com o Ocidente democrático, representado pelos Estados Unidos.
Essa vertente seria retomada com o golpe militar de 1964.
Juscelino Kubitschek ascendeu ao poder em 1956. Apesar do início de seu governo
ter sido marcado pela continuidade do engajamento automático com relação aos Estados
90
Unidos e abertura ao capital internacional, retomou o projeto de industrialização, só que,
desta vez, direcionado ao setor de bens de consumo duráveis para as classes de maior
renda. Dessa forma, conseguia aliar os interesses da potência do Norte com um projeto de
industrialização reestruturado.
Esse quadro se alterou a partir de 1958, quando Kubitschek retomou a política de
barganha, inspirando-se em Vargas, e a diplomacia brasileira voltou a adquirir
características nacionalistas. A criação da Operação Pan-Americana (OPA) foi um marco
nesse sentido. Criada para fazer frente às modificações da conjuntura internacional,
conseguiu que o tema nacionalismo readquirisse importância estratégica, empolgasse e
mobilizasse grande parte da sociedade. O surgimento da Comunidade Econômica Européia
(CEE) que alterou a forma como a cooperação entre vizinhos poderia ser encarada, a
eleição de Eisenhower, notável por desconsiderar as necessidades latino-americanas, bem
como as pressões do Fundo Monetário Internacional consistem em principais exemplos de
mudanças das condições internacionais que ocasionaram o desencadeamento da Operação
Pan-Americana (OPA).
A Operação Pan-Americana objetivava atrair a atenção dos Estados
Unidos para a América Latina e obter maiores créditos nos marcos do
sistema interamericano, comprometendo a Casa Branca num programa
multilateral de desenvolvimento econômico de largo alcance. A OPA
pretendia incrementar os investimentos nas regiões economicamente
atrasadas do continente, compensando a escassez de capitais internos,
promover a assistência técnica para melhorar a produtividade e garantir
os investimentos realizados, proteger os preços dos produtos primários
exportados pela América Latina, bem como ampliar os recursos e
liberalizar os estatutos das organizações financeiras internacionais .
(VIZENTINI, 2003, p. 22)
É importante frisar que a iniciativa da Operação Pan-Americana e os ensaios de
uma aproximação comercial com os países socialistas se constituíam em estratégias para
pressionar Washington. A exemplo dos governos anteriores, a administração Kubitschek
91
pouco avançou em relação à aproximação de seus pares terceiro-mundistas, nenhuma
atenção foi dispensada à descolonização da África ou à construção de uma aliança
estratégica comum com os países sul-americanos, cujo nacionalismo se dispersava,
intensamente, por toda a região.
Embora com um governo curtíssimo – apenas de sete meses – o sucessor de
Kubitschek, Jânio Quadros, pôde traçar novos rumos para a diplomacia brasileira. Desde o
início, Quadros manteve um discurso crítico quanto à política externa dos Estados Unidos.
Com ele, começou um período de maior amplitude na política externa do Brasil que
aprofundou as medidas “independentes”, iniciadas no governo anterior.
Aliás, com Jânio Quadros e, posteriormente, João Goulart, o Brasil se afastou de seu
tradicional alinhamento com a potência hemisférica. A própria denominação
“independente”, que se escolheu para a nova direção da política externa, já indicava que o
que se praticava, até então, não resguardava a soberania. A tentativa de promover uma
diplomacia não subordinada a Washington se apoiava em fatores objetivos, no descrédito
quanto à ajuda do Norte e na mobilização e coesão interna provenientes do nacionalismo e
do projeto desenvolvimentista.
A nova proposta de política externa se assentava numa visão das relações
internacionais baseadas na crença de que, muito embora as nações mantivessem, como
referência, o princípio da auto-ajuda, não buscavam apenas ganhos relativos, mas também
absolutos, o que permitiria, assim, que outras se beneficiassem. Seus princípios básicos
foram: exportações brasileiras para todos os países, independente da ideologia ou religião;
defesa do Direito Internacional, da autodeterminação e da não-intervenção; exercício da
política de paz, desarmamento e coexistência pacífica nas relações internacionais; apoio à
92
descolonização completa de todos países ainda subjugados; autonomia no encaminhamento
da ajuda externa e do desenvolvimento.
As circunstâncias favoreceram esse desvio de rumo diplomático. Tanto a
recuperação econômica da Europa Ocidental e a consolidação da Rússia, quanto a
Revolução Cubana e a descolonização da África abriam espaço para a estratégia embutida
nessa política e, ao mesmo tempo, elevavam o poder de barganha. A política externa
“independente” implementada pelo governo indicava a tentativa de aproximação comercial
e cultural com os diversos blocos do mundo pós-guerra. Tal linha de atuação provocou a
desconfiança de setores e grupos internos que defendiam o alinhamento automático com os
Estados Unidos. Deve-se registrar, igualmente, a adequação dessas novas diretrizes à fase
em que se encontrava o modelo de desenvolvimento, de industrialização por substituição de
importações. Desde que a economia brasileira se tornara mais complexa, era crucial
diversificar as parcerias, ampliar o mercado para os produtos primários e manufaturados,
em direção aos países do bloco socialista e às novas nações libertas do sistema colonial.
Logo após a posse, Jânio encaminhou missões à China e países do Leste Europeu,
com o objetivo de reatar relações diplomáticas. Entretanto, uma das questões centrais da
defesa do princípio da autodeterminação visava, sobretudo, à questão cubana. Cuba já
aflorava como um contencioso, e tolerar uma intervenção nesse país significava abrir um
precedente, passível de ser invocado para qualquer país da América Latina que não se
alinhasse, plenamente, com os Estados Unidos. Ainda, o princípio da emancipação
completa dos territórios não-autônomos colocava o Brasil contra Portugal, mas seguia uma
visão pragmática, pois a descolonização africana abriria novos mercados para os produtos
brasileiros na Europa.
93
Repercutiu negativamente, também, a condecoração ao Ministro da Economia
cubano, Ernesto Che Guevara, com a “Ordem Cruzeiro do Sul”. Outras tantas polêmicas
em que Jânio Quadros se envolveu contribuíram para sua renúncia: encontros com Fidel
Castro e Nikita Khrushchov; descortesias com representantes do governo norte-americano;
negativa à imposição de rompimento com Cuba; apoio ostensivo à independência de
Moçambique e Angola, então colônias portuguesas; críticas ao apartheid sul-africano;
assinatura de acordo de cooperação com o presidente argentino Arturo Frondizi , em reação
à invasão anticastrista na Baía dos Porcos, que criou uma frente de resistência contra os
riscos de intervenção norte-americana na América Latina.
Após a renúncia de Quadros, assumiu seu vice João Goulart, que conferiu
continuidade à Política Externa Independente, mas de forma diferenciada. De fato, essa
Política pode ser dividida em duas fases, que correspondem, cada uma delas, ao período de
gestão de Quadros e Goulart, respectivamente: a primeira, cuja marca principal foi a busca
pela preservação da paz, se aproveitou do poder de barganha decorrente da possibilidade do
país optar por uma postura neutra, ou seja, não favorável ao bilateralismo; a segunda, em
que se dissocia da Guerra Fria como elemento definidor central, se destacou pela ênfase à
questão do desenvolvimento. Em outras palavras, a disputa Leste-Oeste cede lugar ao
conflito Norte-Sul, como eixo condutor principal da política externa.
Durante o período Jango, a independência não era mais pensada em termos da
neutralidade anterior, mas sim quanto à capacidade de atuação autônoma do país, por meio
da ampliação de seus recursos econômicos, políticos e sociais, enfim, ao seu nível de
desenvolvimento. No que se refere ao processo de descolonização africana, o período Jango
registrou um retrocesso na defesa do fim do colonialismo, quando a delegação brasileira,
94
nas Nações Unidas, reiterou a amizade do país a Portugal, em detrimento das aspirações
angolanas.
Com relação a Cuba, um problema que se arrastava e se agravava, o Brasil optou
por ancorar sua posição em princípios mais permanentes da diplomacia brasileira. Assim,
lançou-se em defesa da manutenção de Cuba no sistema interamericano, com base em
preceitos tradicionais da diplomacia brasileira – o direito à autodeterminação e o princípio
da não-intervenção – em vez de ceder às pressões dos Estados Unidos.
Como o Brasil era peça fundamental na correlação de forças da região latino-
americana, algumas iniciativas registradas no plano externo e numerosas medidas tomadas
por João Goulart no plano interno, uma vez que não conseguia mais controlar as cobranças
e era empurrado pelos setores populares para a radicalização, afetaram os interesses de
Washington. Em decorrência, as relações entre os dois governos foram se deteriorando.
Embora sem participar diretamente do golpe de 1964, os Estados Unidos apoiaram o
movimento que derrubou o governo Goulart e, com ele, a Política Externa Independente.
A história iria demonstrar que a Política Externa Independente (PEI) foi muito mais
precoce que equivocada e que não se esgotara como parametrização diplomática, pois
muitas de suas premissas foram retomadas pela própria diplomacia dos militares, ao final
da primeira metade dos anos 1970, com o chamado Pragmatismo Responsável do governo
do general Ernesto Geisel.
A diplomacia dos militares, inicialmente, retomou o alinhamento automático com
Washington, de âmbito bilateral, fazendo uma ruptura com a política externa anterior, a
PEI. Esse realinhamento representou um verdadeiro recuo nas intenções terceiro-mundistas
95
e no princípio do multilateralismo. Castelo Branco, o primeiro dos presidentes militares,
adotou em Brasília as teorias da ESG, pautadas na fronteira ideológica e no anticomunismo.
A história se repetia, já que o retrocesso na diplomacia desenvolvimentista e a
subordinação à Casa Branca tinham o apoio financeiro como expectativa de retorno. Para
afirmar sua lealdade à grande potência do Norte, algumas determinações cheias de
simbolismo foram executadas, como, por exemplo: o rompimento das relações com Cuba,
em 1964, que exprimiu a rejeição do governo brasileiro às teorias esquerdistas; o envio de
tropas à República Dominicana a pedido de Washington, para conter o avanço da esquerda
naquele país; apoio, na OEA, à tentativa norte-americana de construir uma Força
Interamericana de Defesa que seria responsável por conter a subversão, interna ou externa,
nos países da região.
As ações pró-Washington do governo brasileiro continham certa agressividade e
indicavam, ainda que discretamente, uma política de projeção de poder. Naturalmente,
essas atitudes desagradaram os países da região e geraram insegurança quanto ao Brasil
que, em meados dos anos 1960, já se sobressaía economicamente em relação aos vizinhos.
O encaminhamento da política externa nacional por meio da diplomacia militar, na verdade,
danificou enormemente a imagem do Brasil na América do Sul, deixou evidente o completo
descaso com que considerava os países vizinhos e ressaltou a importância da aproximação
bilateral com os Estados Unidos.
Os governos de Costa e Silva e Emílio Médici, de certa forma, se contrapuseram. O
primeiro procurou desfazer, no imaginário sul-americano, o estigma nocivo a que se
vinculou o governo militar de Castelo Branco. Por meio do multilateralismo, propôs uma
integração “horizontal” da região e a cooperação nuclear, procurou o latino-americanismo e
96
enfatizou a Diplomacia da Prosperidade – contrapondo-se à Política Externa
Interdependente de Castelo Branco – que ressaltava a importância do desenvolvimento e da
soberania nacional.
Médici, diferente de Costa e Silva, era pró-americano, mas como o antecessor,
defendia o desenvolvimento brasileiro. Passou-se, então, à Diplomacia do Interesse
Nacional, que alterou, visivelmente, o direcionamento da Diplomacia da Prosperidade de
Costa e Silva, com o descuido à solidariedade terceiro-mundista e a adoção do discurso
pragmático do bilateralismo e da via solitária. Estabeleceu uma reaproximação com os
Estados Unidos e, novamente, um afastamento dos parceiros sul-americanos.
A política externa do governo Geisel se distinguiu pelo Pragmatismo Responsável e
Ecumênico do chanceler Antônio Azeredo da Silveira. Procurou oferecer apoio estratégico
ao aprofundamento do processo de industrialização por substituição de importações,
mediante o II Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), lançado em setembro de 1974,
que visava à auto-suficiência em insumos básicos e, se possível, em energia.
A atuação internacional do Brasil era, no entanto, ainda comprometida
por contradições internas e por uma série de inibições externas.
Desprovido de influência no Movimento Não-Alinhado, por persistir
no apoio à política colonial de Portugal e tender por Israel, sempre que
confrontado com decisões e votos sobre a questão do Oriente Médio, o
Brasil começou igualmente a enfrentar algumas dificuldades nos foros
econômicos, onde seria conduzido a diferenciar seus interesses vis-à-
vis os países de menor desenvolvimento relativo. Essa situação se
alterou, a partir de 1974, no Governo Ernesto Geisel, devido a duas
ordens de fatores. Primeiro, e mais importante, a crise do petróleo que,
ao expor a dependência do modelo de desenvolvimento brasileiro de
fontes externas de energia, determinou o estabelecimento de políticas
de aproximação com os países árabes. Tornara-se essencial garantir o
suprimento de petróleo e o Brasil se revelaria disposto a pagar o preço
político correspondente. (CORREA, 1989, p. 229-230)
O II Plano Nacional de Desenvolvimento trazia no seu bojo a vontade de potência e
de avanço econômico, projetando o país para o futuro. O governo diversificou as fontes de
97
energia e se consolidou como o maior agente produtivo do país. Lançou-se num
monumental programa de construção de hidrelétricas e usinas nucleares, investimento na
prospecção de petróleo e incremento à produção de álcool para combustível automobilístico
(Projeto Proálcool). Além disso, aplicou capital do Estado, também, na capacitação
tecnológica para o desenvolvimento da incipiente área de informática e no aumento da
capacidade da indústria petroquímica.
O interesse nacional nas ações do Pragmatismo Responsável era estimular a
aproximação com os países árabes. Nesse sentido, o governo permitiu a instalação de um
escritório da Organização para Libertação da Palestina (OLP) em solo nacional, apoiou o
chamado voto anti-sionista na Organização das Nações Unidas (ONU) e adotou uma
intensa política exportadora de bens primários e industriais, e de serviços em troca de
fornecimento de petróleo. Para alcançar tal objetivo, utilizou, conforme já explicitado
anteriormente, a Braspetro como ferramenta de aproximação comercial e formou joint-
ventures responsáveis pela prospecção no Oriente Médio.
Com relação à América do Sul, persistiu o ciclo de aproximação e rejeição. Com
Geisel, o Brasil abandonou o discurso ufanista de nação mais importante da região, para
estreitar os laços regionais. Apoiou o regime militar da Argentina, implantado em 1976,
iniciou negociações em torno das barragens hidrelétricas da Bacia do Prata, as quais
levariam a um acordo no governo seguinte. Também, firmou, em 1978, o Tratado de
Cooperação da Amazônia, uma reação aos rumores de uma possível internacionalização da
floresta. Com esse acordo, o Brasil reuniu os países vizinhos para reafirmar as soberanias
nacionais sobre a Amazônia e estabelecer uma estratégia comum de exploração da região.
98
3.2 - A APROXIMAÇÃO REGIONAL
A diplomacia do governo Figueiredo, comandada pelo chanceler Ramiro Saraiva
Guerreiro e autodenominada de universalista, se esforçou para dar continuidade ao
Pragmatismo Responsável e pela autonomia do país, em um cenário de crises e
instabilidades. O Brasil foi, decididamente, definido como parte do Terceiro Mundo e
passou a votar em concordância com o Movimento dos Países Não-Alinhados, embora não
fosse membro pleno. Nesse período, a aproximação com a América do Sul foi o movimento
mais marcante da diplomacia nacional.
No início dos anos 1980, já abalada pelas duas crises do petróleo, a América do Sul
foi atingida, frontalmente, pela crise da dívida externa. Iniciou-se um movimento de
cooperação entre os vizinhos sul-americanos, de forma a possibilitar a união de forças para
enfrentar o desafio financeiro e político comum. Além disso, a Guerra das Malvinas, em
1982, apesar das vicissitudes próprias de uma guerra, aproximou Brasil e Argentina.
A Guerra das Malvinas ou Guerra do Atlântico Sul, ou ainda Guerra das Falklands,
foi um conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido ocorrido nas Ilhas Malvinas (em
inglês Falklands), Geórgia do Sul e Sandwich do Sul entre os dias 2 de abril e 14 de junho
de 1982. A disputa pela soberania e domínio desses arquipélagos austrais, tomados à força,
em 1833, pelo Reino Unido, mobilizou a população da Argentina e trouxe de volta a
exacerbação do nacionalismo. Sem dúvida, a Argentina os reclamou como parte integral e
indivisível de seu território, considerando que a região se encontrava "ocupada ilegalmente
por uma potência invasora", e incluem as ilhas como parte da província da Terra do Fogo,
Antártica e Ilhas do Atlântico Sul.
99
O saldo final da guerra foi a recuperação dos três arquipélagos pelo Reino Unido e a
morte de 649 soldados argentinos, 255 britânicos e 3 civis das ilhas. Na Argentina, a
derrota no conflito fortaleceu a queda da Junta Militar que governava o país e que havia
sucedido outras juntas militares instaladas por meio do golpe de Estado de 1976 e a
restauração da democracia como forma de governo.
O modo como ocorreu a derrota da Argentina e, consequentemente, a implosão de
seu regime militar, propiciou que governo e diplomatas brasileiros acreditassem,
corretamente, que se processava uma rearrumação do sistema internacional, contrário à
manutenção de regimes militares, que procurava intervir na autonomia dos países do
Terceiro Mundo.
A pressão norte-americana pela redemocratização do Cone Sul cresceu
sensivelmente, a ponto de o Brasil encarar a mudança de tratamento como uma estratégia
de desarticulação das potências medianas. Os Estados Unidos temiam que a manutenção de
regimes impopulares criasse espaço para revoluções. Também, os regimes autoritários,
diante da pressão da dívida externa, poderiam lançar mão de estratégias populistas ou
recorrer a aventuras internacionais como válvula de escape.
Essa percepção levou o Brasil a apoiar a Argentina na Guerra das Malvinas,
inclusive, por meio de fornecimento, mediante compensação financeira, de equipamentos
militares. A ajuda brasileira, mesmo diante da derrota da Argentina e do fim de seu regime
militar, solidificou a cooperação entre ambos e alterou a visão diplomática nacional quanto
às vantagens que poderiam ser obtidas com a valorização dos laços comerciais e
diplomáticos, entre os países da América do Sul. Quanto mais as portas se fechavam para a
atuação do Brasil no sistema internacional, mais se evidenciava que a aproximação
100
estratégica regional deveria ser enfatizada. O centro dessa articulação, para atuar em
conjunto e se integrar, deveria ser a Argentina, que passava por desafios semelhantes aos do
Brasil.
A América do Sul, por sua vez, constituía cada vez mais um espaço
valorizado pela diplomacia brasileira, incrementando uma cooperação
político-econômica cujo eixo central era a aproximação com a
Argentina. Era a primeira vez na história da política externa do país
que a América Latina passava a ser uma prioridade, numa perspectiva
de cooperação. (VIZENTINI, 2003, p. 65)
Apesar da abertura política em 1985, que culminou com a posse de José Sarney,
vice do candidato vitorioso, por eleições indiretas, Tancredo Neves, que faleceu antes de
ser investido no cargo, o país continuou enfrentando dificuldades internacionais,
principalmente em razão do aumento da dívida externa. Junto com o Brasil, a maioria dos
países do Cone Sul também se defrontava com graves dificuldades econômicas que os
deixavam extremamente vulneráveis às pressões coercitivas do FMI e do Banco Mundial.
O retorno da democracia ao Brasil e à Argentina, com os presidentes José Sarney e
Raul Alfonsin, respectivamente, a despeito das adversidades econômicas e políticas,
aproximou ainda mais o relacionamento entre os vizinhos. Em 1985, por meio da
Declaração de Iguaçu, foi estabelecida uma comissão para estudar a integração entre os
dois países; em 1986, foi assinada a Ata para Integração e Cooperação Econômica, que
previa o fortalecimento e diversificação das trocas comerciais. Esses propósitos resultaram
no Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Brasil-Argentina, firmado em
1988, que previa um mercado comum entre os dois países, num prazo de dez anos.
Não obstante toda a marginalização a que o Brasil relegou a América do Sul,
durante a maior parte do século XX, os anos 1980 pareceram adiantar, em mil anos, a
aproximação regional. Parecia que, finalmente, o Brasil acordara para o longo período de
101
promessas não cumpridas pelo “grande irmão do Norte” e procurava, a sério, uma
estratégia independente de crescimento e afirmação internacional.
Pode-se tomar como emblemática dessa mudança de percepção da
política externa brasileira a afirmação do Presidente José Sarney na I
Reunião Presidencial do Grupo dos Oito, em 1987, em Acapulco:
“Acabou a era de esperar de fora a ajuda salvadora! Não existe vontade
política dos países industrializados para retirar a América Latina de seu
trágico atraso! Teremos que lutar com as nossas próprias forças!”
(CORREA, 1989, p. 236)
Obviamente, a confusa relação entre Brasil e Estados Unidos não pode ser
enquadrada em uma oratória de mocinhos e bandidos. A intensidade da relação bilateral
variou em função da vigência conjunta dos interesses dessas nações. Aos Estados Unidos,
cabia a manutenção ideológica a seu favor; o Brasil se alinhava na expectativa real, ou
potencial, de ajuda econômica. No fim dos anos 1980, essa relação se desgastara e as
principais preocupações de Washington se relacionavam ao pagamento da dívida e ao
desenvolvimento da economia brasileira. As dificuldades do processo de renegociação da
dívida externa e a resistência do Brasil em aceitar os parâmetros impostos pelo FMI - o que
ocorreu após a implantação frustrada de algumas medidas e projetos econômicos –
agravaram as relações com Washington, que pressionou o governo brasileiro a abandonar
sua posição independente e votar, conformemente, em questões como patente, meio-
ambiente e energia nuclear. Na verdade, havia vontade do governo brasileiro em negociar,
inclusive era desejável, a fim de dar continuidade ao projeto de crescimento econômico.
Entretanto as condições impostas por Washington, depois agregadas em documento de
1989, denominado de Consenso de Washigton, tornavam as negociações complicadas.
Negociar significava aceitar as regras do Fundo, todas restritivas, ou seja, o controle da
inflação e dos gastos públicos vinham em primeiro lugar. Isso significava renunciar ao
projeto histórico de desenvolvimento.
102
Diante desse cenário, a estratégia do Brasil de cooperação com a Argentina
consistia na tentativa de lutar contra a crescente marginalização da América do Sul no
cenário mundial. Com a união, poderiam formular respostas diplomáticas comuns às
questões internacionais, procurariam a complementaridade comercial e uniriam forças, em
termos de expansão logística e desenvolvimento tecnológico. Para o Brasil, a integração
permitiria aumentar a base de apoio com o intuito de alcançar a liderança regional. Visando
à união comercial e diplomática, esse objetivo culminou, em 1991, com a criação do
Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Assim como a Argentina e o Uruguai, o modelo liberal apregoado pelo FMI foi
adotado pelo Brasil durante o governo Fernando Collor. No governo Itamar Franco, o
ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, com o Dr. Pedro Malan,
representante do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e com forte
trânsito em Washington, inclusive no FMI e no Tesouro, conseguiram negociar as regras
para atender as determinações do Consenso de Washington, criando o Plano Real que, com
uma série de instrumentos, conseguiu a estabilidade monetária, mas, por outro lado, impôs
restrições às políticas de crescimento.
A integração regional passou a ser tão importante para o Brasil que está, inclusive,
mencionada na constituição de 1988, singularizando as relações com a América Latina: “A
República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural
dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações”. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988)
1
Além de seu sentido programático, esse parágrafo ganha ainda maior
importância por sua posição na estrutura da Carta Magna, pois é parte
do artigo que estabelece os “Princípios Fundamentais” que devem
1
BRASIL. Constituição (1988). Título I – Dos Princípios Fundamentais, artigo 4, parágrafo único.
103
reger as relações internacionais do Brasil. [...] Embora influenciado
pelo momento histórico, o “latino-americanismo”, a Carta de 1988 tem
raízes mais profundas e implicações mais amplas. Pode-se dizer que é a
culminância de um processo histórico e, concomitantemente, o ponto
de partida de um novo ciclo. (REIS, 1994, p. 1)
Na promulgação da Carta Magna de 1988, o clima dominante era de euforia. Pode-se
dizer que o surto democrático “aproximou a América Latina”, intensificou a autoconfiança
e alimentou expectativas quanto às potencialidades da cooperação.
3.3 - OS ANOS 1990
Ao se analisar a política externa brasileira dos anos 1990, identificam-se duas linhas
de ação prioritárias: a aproximação com a América do Sul e a abertura econômica ao
capital internacional. O cenário mundial se apresentava com incertezas, perante o fim da
Guerra Fria. As disputas ideológicas ficaram para trás; agora, o grande desafio consistia em
se destacar em um mundo onde as fronteiras eram invadidas por novas formas de inserção
econômica. Observava-se o crescimento de dois paradigmas: a globalização e o
regionalismo.
À primeira vista, pareciam movimentos contraditórios, mas, na verdade, eram
complementares quanto à forma competitiva com que os mercados mundiais se
apresentavam. O objetivo dos países era expandir sua atuação capitalista e, ao mesmo
tempo, procurar defender seu mercado da invasão alheia, mediante alianças regionais.
Nesse cenário, o Brasil dos anos 1990, dominado por políticas de cunho liberal,
procurou a aprovação das grandes potências e buscou o aumento de sua competitividade no
cenário econômico internacional. Com efeito, a década de 1980 assistiu à queda do
desempenho e à exaustão do modelo desenvolvimentista. Observou-se o agravamento da
104
dívida externa e da instabilidade monetária, com surtos de hiperinflação e
descontentamentos sociais. Portanto, a origem desenvolvimentista, inaugurada em 1930, e a
diplomacia autônoma foram postas de lado. A matriz produtiva estatal se encontrava, em
grande parte, sucateada e corrompida, e, para sua recuperação, haveria necessidade de
novos investimentos, escassos e caros.
Os governos dos anos 1990 herdaram a crença de que a superproteção às empresas
locais havia conduzido à baixa produtividade da economia. Assim, a produção nacional
deveria ser delegada à “mão invisível” do capitalismo privado nacional e internacional,
regido pelas leis de mercado. Seguir os preceitos do Consenso de Washington, com menor
presença do Estado, controlar a inflação e o gasto público, bem como promover abertura
comercial e financeira passou a ser prioritário. No Brasil, o Plano Real trouxe a estabilidade
monetária e a convicção de que o legado do desenvolvimentismo era maléfico para a
retomada do crescimento econômico.
O sucesso inicial do Plano, assentado na contenção da inflação, trouxe
no seu rastro a convicção de que a adesão incondicional ao modelo
neoliberal expandiria, para parte expressiva da sociedade, as benesses
de um mercado auto-regulado, ou se assim o desejarem, de uma
economia de mercado. Além de promover a estabilidade monetária,
mais do que isto, o Plano Real seria o palco para que a concorrência e o
livre mercado, ideologicamente, abrissem ao país os caminhos para o
primeiro mundo, globalizado.
2
O Estado e a intervenção na economia,
principalmente suas estatais e instituições, seriam as causas de todos os
males, sinônimo de atraso e de autoritarismo. (COSTA, 2006, p. 171)
Os neoliberais extraíram, desse malogro, argumentos suficientes para encantar o
eleitorado nas campanhas presidenciais da década de 1990. “A noção de projeto, interesse
ou soberania nacional foi largamente abandonada, em nome da abertura à nova ordem
neoliberal e globalizante do pós-Guerra Fria.” (VIZENTINI, 2003, p. 79).
2
Grifo do autor.
105
Com o abandono do projeto desenvolvimentista, grande parte do patrimônio
econômico estatal, acumulado ao longo de décadas e fruto de políticas industrializantes, foi
alvo de privatizações desenfreadas. A abertura liberal foi considerada “inevitável” e, assim,
as barreiras alfandegárias foram derrubadas como forma de incentivo à entrada de capital
estrangeiro.
O abandono do paradigma de relações internacionais do Estado
desenvolvimentista a favor do paradigma neoliberal teve seu impulso
inicial em países de menor porte da América Latina, nos meados da
década de 1980, e concluiu-se por volta de 1990 com a chegada ao
poder do presidente Carlos Salinas de Gortari no México; Carlos Saul
Menem, na Argentina; Carlos Andrés Peres, na Venezuela; Alberto
Fujimori, no Peru; e Fernando Collor de Mello, no Brasil. Desse modo,
as experiências neoliberais estender-se-iam sobre o subcontinente
como um todo, durante a última década do século XX. (CERVO, 2007,
p. 215)
Com o avanço da globalização, o mundo se tornou, como explica Celso Furtado,
cada vez mais “internalizado”, e se diluiu o significado financeiro e econômico das
fronteiras. A inovação tecnológica e o avanço da informática permitiram, por meio da
diminuição dos custos dos transportes e da comunicação, que se alterasse o significado de
“interno” e “externo”. A lógica da globalização, além de acelerar, vertiginosamente, os
fluxos financeiros, pulverizou a cadeia produtiva entre os países, fez com que a expansão
empresarial se tornasse uma prática rotineira e elevou o controle do comércio exterior à
categoria de regulamento produtivo interno. Realmente, o país que não ousasse se inserir no
mercado mundial ficaria fora do alargamento da cadeia produtiva e perderia
competitividade internacional.
Entretanto, seguindo a tendência mundial de regionalização, o projeto de integração
regional adquiriu maior importância nos anos 1990. A aliança comercial no Cone Sul foi
considerada uma alavanca para a inserção competitiva dos parceiros numa economia
106
mundial em transformação, conforme uma projeção estratégica que se baseava nos
princípios democráticos que vigoravam na América do Sul. A percepção da assimetria entre
os parceiros sul-americanos e a grande potência do Norte consistiu em incentivo
considerável para que os acordos tomassem forma. Por causa desse contraste, e com uma
consciência sul-americana, verificou-se a importância da união de forças como forma de
aumentar o poder de barganha nas negociações internacionais.
Em seguida à moratória mexicana de 1982, o mundo periférico
submeteu-se às políticas impostas pelo FMI para conseguir captar
novos recursos nos mercados internacionais. Enfraquecidos os modelos
nacionais desenvolvimentistas, na periferia do sistema, como no caso
de Brasil e Argentina, também se generalizou a pressão pela adoção de
políticas recessivas e estabilizar, desregular e privatizar passaram a
status de políticas recomendadas por todos os governos centrais e pelas
autoridades financeiras internacionais. [...] Buscando fortalecer as
condições de negociação da região, no plano internacional, desde a
Guerra das Malvinas e da falência das relações Norte-Sul, o Brasil já
vinha desempenhando papel relevante na América Latina com sua
política externa se destacando e avançando em termos de qualidade e
de cooperação. (COSTA, 2006, p. 152-153)
No que concerne à política externa, o período Fernando Collor foi, notadamente,
marcado por um processo de liberalização da economia brasileira, de retomada das relações
subordinadas aos Estados Unidos e de aceitação das proposições do FMI e do Banco
Mundial. O Brasil se afastou de sua anterior diplomacia multilateral e desenvolveu uma
política mais centrada nas Américas.
Nos tratados de cooperação entre Brasil e Argentina, incluíram-se o Paraguai e o
Uruguai. Esses países trabalhavam com tarifas externas mais baixas que as dos parceiros
maiores e, assim, forçariam a tarifação comum para um padrão mais inferior. Também, a
ampliação do mercado se transformou em incentivo à manutenção ou instalação de
transnacionais no Cone Sul. Essa conduta introduziu características neoliberais aos acordos
da região, que antes possuíam caráter autonomista e desenvolvimentista.
107
O governo Itamar Franco se empenhou em ampliar a infra-estrutura de integração
entre os quatro países-membros e conquistar a adesão de mais dois membros ao Mercosul:
Chile e Bolívia. Manter a Argentina e comprometer o Chile com negociações sul-
americanas era fundamental para fortalecer o bloco. A América do Sul consistia em um
espaço natural para a projeção brasileira, mas para que as pretensões fossem validadas,
seria necessário esvaziar o poder dos Estados Unidos na região, por meio da contenção dos
acordos bilaterais entre Washington e os países desse continente. O objetivo era fortalecer
as negociações em bloco, numa tentativa explícita de frear o ímpeto expansionista,
verificado com a criação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA),
que ameaçava se ampliar para o sul.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a opção foi por defender a linha
do multilateralismo e do universalismo da política exterior, por intermédio de uma
diplomacia pessoal apoiada na imagem de grande intelectual. A diplomacia de Cardoso
seguiu alguns direcionamentos prioritários, entre eles o aprofundamento do Mercosul; a
diversificação de parceiros por meio de acordos bilaterais; o trabalho pelo ideal do
multilateralismo, nas organizações econômicas, em particular a Organização Mundial do
Comércio (OMC); a concentração de esforços para elevar o Brasil à condição de potência e
membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
O relacionamento estratégico com a Argentina, a prioridade dada ao Mercosul e a
importância atribuída à América do Sul constituíram parte de um legado recebido do
governo anterior, no qual Fernando Henrique foi Ministro das Relações Exteriores (outubro
de 1992 a maio de 1993). Talvez, o principal mérito de sua política externa tenha sido
manter a coesão do Mercosul diante das assimetrias regionais, da falta de infra-estrutura e
108
das instabilidades econômicas que acometeram os países membros, principalmente a
Argentina, que, muitas vezes, adotou medidas unilaterais de proteção a seu mercado.
As ações da diplomacia dos anos 1990 refletem a consciência de que a América do
Sul se tornou a nova prioridade da política externa brasileira. Se, durante o período colonial
e o século XIX, a relação entre o Brasil e seus vizinhos foi, predominantemente, adversa e
se, durante a maior parte do século XX, o Brasil, como os demais países latino-americanos,
insistiu em privilegiar suas relações com o mundo desenvolvido, na expectativa de obter
dele recursos necessários ao desenvolvimento, a chamada década perdida despertou a
percepção de que era necessário alterar os padrões de relacionamento regional. Assim,
conduziu-se todo um trabalho diplomático que começou na década de 1980, com
continuidade na década de 1990.
A abordagem da história da política externa brasileira apresentada neste capítulo
objetivou demonstrar que as prioridades da política externa sofreram alterações enormes,
durante o curso do século XX. Mas, no término do século, ocorreu consciência de que a
construção de um espaço econômico ampliado poderia minimizar a influência externa na
região, conseqüentemente, suas vulnerabilidades, e construir um arcabouço comercial que
poderia, não resolver, mas contribuir para a diminuição dos seus problemas de
desenvolvimento.
(O Brasil) Não é um monster country assustador, em primeiro lugar
porque não tem, nas palavras do Chanceler Saraiva Guerreiro, “um
excedente de poder, nem excedente de atração cultural econômica ou
política”. Por isso precisa construir sua presença internacional com
base na confiança, que se expressa pela coerência. Se, pela limitação
dos seus meios é uma potência média no sistema internacional, ao
mesmo tempo é uma potência média em escala continental, condição
que lhe oferece, naturalmente, um papel na tessitura da ordem mundial.
No exercício deste papel, que tem a ver com sua escala, não é também
um monster country assustador porque se comporta, em função da sua
história e de sua experiência de inserção no mundo, quer no eixo da
109
simetria, quer no da assimetria, segundo uma leitura grociana da
realidade internacional. (FURTADO, 2003, p. 76)
Ainda, é preciso compreender que a América do Sul não significou para a política
externa nacional, apenas, uma região aliada. O mercado sul-americano, também, passou a
ser visto como o principal alvo do expansionismo comercial brasileiro. Brasília passou a
perceber que deveria exercer liderança política, proveniente da extensão territorial e
dimensão econômica, sobre as ações dos vizinhos. Não houve sucesso em todas as
investidas de intermediação, mas o exercício da liderança foi praticado em vários
momentos, após a aproximação regional.
3.4 - O CASO DA NACIONALIZAÇÃO DAS REFINARIAS BOLIVIANAS
Vários argumentos são consistentes e legítimos para se demonstrar a forte influência
do governo nos negócios externos da Petrobras e, também, a importância da empresa, ainda
hoje, após 50 anos de sua criação, para o desenvolvimento nacional: o primeiro deles,
irrefutável, já que se trata de uma empresa de petróleo, com tecnologia de ponta em
extração e refino; o segundo se deve ao fato de a Petrobras ser uma estatal de economia
mista, com ações no mercado brasileiro e internacional; o terceiro diz respeito à
importância dessa estatal no processo de industrialização e de acumulação capitalista
brasileiro; o quarto se justifica, uma vez que a empresa, além de global, busca, cada vez
mais, respeitar as regras da boa governança empresarial. E, por último, se destaca a
importância que a Petrobras vem assumindo na região, pois amplia seus investimentos e
áreas de atuação, e se torna, assim, mais importante nas relações internacionais brasileiras.
110
Para se exemplificar essa importância, cita-se o ocorrido em 2006, em que o
governo boliviano, seguindo uma linha política de nacionalização das indústrias
consideradas chave para o interesse nacional, forçou a Petrobras a vender as refinarias dela,
localizadas no estado de Santa Cruz de La Sierra, para a estatal boliviana Yacimientos
Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).
O atual contencioso com a Bolívia em torno do gás explicita a
importância da política externa na concepção e implementação da
política energética de um país. Essa importância nasce da distribuição
desigual dos recursos naturais entre as regiões do mundo, fazendo com
que as relações internacionais que envolvem consumidores e
produtores de energia apresentem um caráter geopolítico, que gera um
espaço de convergência entre as duas políticas no âmbito dos Estados
Nacionais e dos organismos multilaterais.(BICALHO, 2006, p. 11)
Ainda nos anos 1970, foi criado o gasoduto Brasil-Bolívia, considerado pelo
chanceler Luiz Felipe Lampreia “a coluna mestra” das relações diplomáticas brasileiras
com o país vizinho (LAMPREIA, 1999, p. 198). Também chamado de Gasbol, o gasoduto
apresenta 3.150km de extensão (557 km na Bolívia e 2.953 km no Brasil) e conecta a
cidade de Rio Grande (Bolívia) a Canoas (RS, Brasil).
Pelo lado da oferta, o incremento da produção nacional e a assinatura
do acordo Brasil-Bolívia viabilizando a construção do gasoduto entre
os dois países pareciam, finalmente, conferir as bases sustentáveis
necessárias à expansão da indústria do gás natural. Nesta época, a
Petrobras, buscando preservar as vantagens econômicas da integração
vertical das atividades ao longo da cadeia, adquiriu participações na
maior parte das empresas estaduais e consolidou sua posição
dominante na cadeia produtiva do gás, via a aquisição de ativos e a
internacionalização de suas atividades até o segmento upstream
boliviano. (PINTO JR., 2006, p. 7)
Do ponto de vista brasileiro, a integração energética tinha por fim diversificar o
suprimento de energia – inicialmente uma mera diversificação geográfica de abastecimento
e, a partir da década de 1970, uma diversificação de fontes energéticas de fato; assegurar a
liderança do continente sul-americano, intenção inicialmente respaldada na doutrina de
111
Segurança Nacional que vigorou durante boa parte do regime militar. Embora reformulada
à luz do processo democrático, essa doutrina conservou alguns de seus fundamentos
básicos, como o anseio pela posição de liderança continental.
Seguindo sua política de internacionalização, em 1999, a Petrobras comprou duas
refinarias na Bolívia, com o principal objetivo de garantir o fornecimento brasileiro de gás
natural, que seria direcionado para o abastecimento das residências e, em parte, para o
abastecimento das termoelétricas. Elas passaram a fazer parte do complexo energético
brasileiro e ganharam força, a partir do momento em que ficou patente a escassez
energética brasileira, inclusive com risco de ocorrer desabastecimento geral. Caso isso
viesse a acontecer, as termoelétricas seriam, então, abastecidas com gás, cuja fonte
principal era a Bolívia. Mas se criou um dilema, pois estava claro que não havia
possibilidade de atendimento simultâneo a toda a demanda potencial brasileira, ou seja,
residências, indústrias e termoelétricas.
Independente do bom relacionamento que havia entre Brasil e Bolívia e da
expressiva participação da Petrobras na economia boliviana, Evo Morales, ao assumir a
presidência do governo boliviano, em 22 de janeiro de 2006, adotou uma política de
nacionalização de empresas estratégicas, entre elas as que exploravam hidrocarbonetos. A
cargo do Estado ficou a exploração do solo e do subsolo. Ao nacionalizar as refinarias da
Petrobras em seu território e impor aumentos no preço do gás comprado pelo Brasil, a
Bolívia transformou uma cooperação econômica num cenário pouco confortável para o
Brasil.
Brasil e Bolívia tiveram por anos uma relação de simbiose, com
benefício mútuo. A Petrobras investia no país vizinho e ele se tornava o
principal fornecedor de gás para a indústria e a produção de energia
elétrica brasileira. Até dois anos atrás, a participação da brasileira
Petrobras no Produto Interno Bruto (PIB) boliviano chegava a 18%, e a
112
empresa respondia por 24% dos impostos recolhidos em todo o país.
(BUARQUE, 2007)
Em maio de 2006, Evo Morales anunciou a estatização do petróleo e do gás. Em 1º
de maio de 2006, Morales iniciou, efetivamente, a nacionalização dos hidrocarbonetos. No
Dia do Trabalho, o Exército boliviano realizou uma “ocupação simbólica” de refinarias no
país. Nesse mesmo dia, anunciou o decreto de nacionalização dos setores de petróleo e gás,
dando início a um processo de negociação com diversas empresas internacionais.
Um ano depois da invasão das refinarias, o presidente Evo Morales voltou a
promover um ato público em La Paz, para reiterar o processo de nacionalização. A venda
das duas refinarias da Petrobras por US$ 112 milhões, no dia 10 de maio de 2007, colocou
um ponto final em um período de incertezas sobre a atuação da empresa na Bolívia. Em
1999, a empresa havia comprado as duas instalações por US$ 104 milhões, tendo investido
mais US$ 30 milhões nas unidades, desde então. Segundo a Petrobras, apesar dos
investimentos, não houve prejuízo com a operação, uma vez que o valor de venda levou em
conta a previsão de ganhos futuros com as refinarias.
O impasse nas negociações com a Bolívia fez ressurgir na imprensa brasileira o
fantasma do “apagão” energético no país. A grande questão que veio a baila no período foi
a dependência brasileira em relação ao gás boliviano.
A polêmica estatização das duas refinarias da Petrobras pelo governo
boliviano de Evo Morales na semana passada marcou o ápice de um
processo que vem ocorrendo há quase uma década: o aumento da
dependência brasileira do gás produzido pelo país vizinho. Hoje,
especialistas já admitem que o maior e mais rico país da América
Latina será refém pelos próximos quatro anos -pelo menos- da
produção energética do país mais pobre do continente.
Apesar da autosuficiência de petróleo, comemorada meses atrás pelo
governo Lula em uma milionária campanha publicitária, o Brasil
depende cada vez mais do gás produzido na vizinha Bolívia. Hoje, 52%
do gás consumido aqui vem da terra de Morales. Em São Paulo,
113
principal pólo industrial do país, a dependência é ainda mais dramática
-o estado importa de lá 70% do gás consumido. (BUARQUE, 2007)
Na crise de 2006, a imprensa cobrou do governo brasileiro um posicionamento
firme frente à decisão unilateral boliviana de nacionalizar as refinarias. O fato de ser a
Petrobras uma companhia estatal e dependente quanto ao gás boliviano fez com que a
opinião pública identificasse no governo um mediador poderoso. O Itamaraty e ministros
do governo se envolveram na disputa, inclusive influenciando as negociações que
envolveriam o preço a ser pago pelas refinarias. No fim, pesou a dependência em relação ao
gás e, por causa dela, a necessidade de se manter as boas relações com a Bolívia.
Durante a contenda em torno da nacionalização das refinarias, muito se discutiu
sobre a escolha brasileira de investir na Bolívia. Especialistas identificaram a opção como
um aumento da dependência, com críticas ao governo por não ter diversificado as fontes
energéticas do país, com conseqüente vulnerabilidade, à política de parceria com a Bolívia
e à sujeição às vicissitudes da instabilidade política desse país.
A dependência brasileira do gás boliviano e a presença da Petrobras em
solo andino não são fruto do acaso, mas resultam de um longo processo
dirigido pelo Estado brasileiro. Portanto, constituem uma política de
Estado; estrutural e estratégica. Nesse sentido, o momento atual da
relação Brasil-Bolívia faz parte de uma trajetória que o transcende,
tanto sob a perspectiva dos fatos que o antecederam, quanto sob a
perspectiva dos fatos que virão. (
A política energética e a crise
boliviana, Boletim Infopetro, Editorial, 2006, p..2)
A raiz dos problemas atuais com a Bolívia está assentada na ausência
de diretrizes integradas de política energética e na ampliação das
condições de vulnerabilidade energética. (PINTO JR., 2006, p. 8)
A importação do gás influenciou, sobremaneira, a balança comercial brasileira. A
dependência, que só deverá diminuir com investimentos a médio prazo, levou o governo a
estabelecer uma relação de parceria com a Bolivia, uma vez que o gás e a administração de
114
seu preço são essenciais para a competitividade da indústria nacional e para a manutenção
de taxas de inflação condizentes com as metas estabelecidas pelo governo. Assim, a
Petrobras, como importador, e o Itamaraty, como mediador, trabalharam juntos para uma
solução que não ameaçasse o fornecimento e que, também, não alterasse, em demasia, o
preço, implicando resultados que desagradassem seus principais acionistas, públicos e
privados (DUARTE & SARAIVA, 2007).
Ainda que pareça que a Petrobras aceitou passivamente a decisão do governo
boliviano, o fato é que a estatal agiu como qualquer empresa agiria: entrou na justiça,
negociou o preço de seus ativos e saiu da exploração. Por sua vez, a posição da política
externa brasileira seguiu a tradição de respeitar a autodeterminação dos povos. Não se
posicionou contrariamente a uma decisão impetrada pelo representante do povo boliviano,
eleito com uma plataforma política amplamente divulgada em sua campanha. Mais ainda,
uma disputa com a Bolívia poderia colocar em risco o projeto de ampliação do Mercosul,
necessário para fortalecer a posição do bloco no mercado mundial.
Ao se colocar em cheque a capacidade nacional de autofornecimento de gás,
verifica-se a importância da Petrobras na manutenção da política econômica do governo,
com controle dos índices de preços, preservação do saldo comercial e das taxas de
crescimento. Comprova-se que apenas a Petrobras possui capacidade instalada de fornecer
energia, em forma de petróleo e seus derivados, para os principais pólos industriais do país.
Portanto, é uma companhia, ainda hoje, estratégica para a nação. Pelas suas características
gigantescas, se privada, a Petrobras poderia agir visando apenas a sua lucratividade, mas
não é o que ocorre. Ao se deparar com problema como o ocorrido na Bolívia, a Petrobras
iniciou uma corrida em pesquisa e desenvolvimento de novos mercados que possam
115
116
garantir o abastecimento nacional de gás, caso haja interrupção do abastecimento do país
vizinho.
Atualmente a companhia vem investindo pesadamente em P&D de novas fontes de
abastecimento, provenientes dos campos de exploração nacional. A curto prazo, a solução
encontrada foi iniciar, a partir de 2008, uma linha de abastecimento regular de gás oriundo
de países africanos e árabes, por via marítima. O que já se pode garantir é que essa
operação, certamente, trará prejuízo à Petrobras, mas é o custo para se manter o
abastecimento nacional.
Conclusão
A questão do petróleo no Brasil, cujo desfecho é simbolizado pela criação da
Petrobras, foi extremamente complexa. Levou muito tempo para ser concluída e pode
ser dividida em três fases principais: o início do debate nos anos 30, a criação do CNP e
a mobilização social na campanha “O Petróleo é Nosso”. Durante esse período, se
percebe uma série de fatores econômicos e sociais que impelem a uma ação incisiva,
mas o mais significativo é a exacerbação do nacionalismo incrustado na economia, na
política e na sociedade como um sentimento coletivo.
De uma forma geral, pode-se afirmar que esses fatores foram grandemente
influenciados pelos movimentos internacionais de fluxo de capital. Assim, a Petrobras é
um produto do meio nacional e internacional, uma vez que as políticas nacionais civis e
militares refletem genuinamente o ambiente interno de um país e o exterior, seja ele
amigável ou hostil.
A própria política externa nacional, que vigorou no período, é reflexo da posição
assumida pelo governo e pela sociedade, e das limitações impostas internacionalmente
aos países sul-americanos. No período desenvolvimentista, a política exterior passou a
adquirir um papel funcional. Não se atribui maior importância a novos interesses, por
meio de ação externa. Priorizaram-se as negociações que facilitassem e barateassem a
internacionalização de insumos necessários ao desenvolvimento interno. O conceito de
desenvolvimento passou a abranger toda a sociedade, e o papel da diplomacia foi o de
facilitar as negociações em foco para o desenvolvimento e industrialização. No que
concerne à influência nas grandes questões que afligiam a humanidade nesse período, o
papel da diplomacia brasileira, em razão do isolamento a que foram relegados os sul-
americanos, não poderia ser de grande relevância.
117
No desenvolvimento deste trabalho, procurou-se evidenciar alguns valores e
conceitos principais que formam o ponto de apoio da criação e do desenvolvimento da
Petrobras: i) o petróleo sempre foi um recurso estratégico militar, por isso o maciço
envolvimento dos militares na discussão do tema; ii) a indústria de base brasileira foi
criada em razão da política nacional desenvolvimentista, e se inclui aí a Petrobras; iii) o
cenário internacional e o isolamento a que foi relegada a América do Sul contribuíram
para que a sociedade apoiasse o monopólio estatal; iv) a problemática do petróleo
deixou de ser um tema de discussão da elite para se tornar um dilema popular, daí, o
apoio da massa na formação do monopólio estatal; v) a população se identificou com a
Petrobras, por reconhecer na sua criação uma conquista popular.
A reserva de mercado concedida à estatal foi fundamental para que a empresa se
fortalecesse. Além de justificar o dispêndio com seu desenvolvimento, proporcionou o
financiamento de P&D que hoje é o principal legado da companhia. A principal
vantagem competitiva da Petrobras está na sua capacidade ímpar de explorar poços
localizados em águas profundas. O monopólio possibilitou a dedicação e investimentos
em novas tecnologias, além de custear a comunicação logística do país, de forma a
garantir o abastecimento em todo o território nacional.
É inegável a importância adquirida pela Petrobras e suas subsidiárias ao se
tornarem um instrumento de capitalização, juntamente com outras companhias que
formaram o Sistema Produtivo Estatal, no comando do processo de acumulação de
riquezas em um contexto de Estado desenvolvimentista. No período pós 1964 até a crise
dos anos 1980, é possível constatar o poder que as estatais adquiriram e afirmar que
essas empresas constituíram a força propulsora da economia nacional. Entretanto, além
do interesse do Estado, é possível indicar outros fatores que guiaram suas decisões
118
empresariais, quais sejam a busca do aumento da lucratividade e o interesse em ampliar
seus mercados por meio da inserção internacional.
Ao considerar, sob um panorama empresarial, a estratégia gradual de
internacionalização da Petrobras, explícita no projeto estratégico que a empresa opera a
partir dos anos 1970, verifica-se que o avanço sobre o sistema produtivo internacional e
os desafios aceitos pela empresa trouxeram vantagens competitivas de vulto grandioso.
Além de se mostrar capaz de competir no mercado internacional, esse projeto serviu
para consolidar a companhia como grande empresa capitalista, o que lhe proporcionou
maior autonomia e diminuiu sua dependência em relação ao mercado nacional.
Também, foi capaz de assimilar desafios e criar as bases para enfrentar a posterior
expansão na América do Sul, necessária a partir dos anos 1990, que consolidou a
companhia no mercado regional.
A experiência no comércio exterior, adquirida com a implementação das
subsidiárias, tornou-se inevitável para que a companhia se preparasse para abrir seu
leque de atuação no final do século XX. Era imprescindível que a empresa já possuísse
experiência internacional e soubesse lidar com um mercado competitivo, quando se
deparou com o fim do monopólio. Caso contrário, certamente, ela levaria mais tempo
para se adaptar a esse novo ambiente e, conseqüentemente, perderia fatias do mercado
nacional. O que ocorreu é que o impacto sobre a empresa foi bem menor do que aquele
alardeado pela imprensa nacional. Pode-se argumentar que, em grande medida, a
Petrobras continuou soberana no mercado nacional de prospecção, extração e refino;
líder na distribuição de derivados, em virtude de seu grande porte, por já ser detentora
de alta tecnologia; possuidora de 90% das refinarias nacionais, os quais lhe
proporcionaram uma grande vantagem competitiva frente às novas companhias,
recentes no mercado. A experiência com a Braspetro e a Interbrás propiciou suficiência
119
à estatal para que, além de expandir sua atuação em outros países, soubesse lidar com as
vicissitudes da influência governamental em seus assuntos estratégicos, e diminuir a
dependência do mercado nacional, que se tornou muito mais estável após a implantação
do Plano Real, mas que se caracteriza por um histórico de incertezas e instabilidade.
O caso da Petrobras indica que, por sua capacidade de acumulação, a empresa se
defronta com problemas de realizações, como qualquer grande empresa capitalista, e
seus planos de atuação seguem as mesmas estratégias administrativas ministradas por
todas as companhias. O mesmo raciocínio pode ser associado às outras estatais de
grande porte que figuraram no cenário nacional, como a Vale do Rio Doce. Pelas
limitações do setor privado nacional, o Estado, por meio de seu braço produtivo, é que
passa a compor a interlocução com o capital estrangeiro, uma vez que consiste em único
agente capacitado para manter essa relação. Nesse sentido, por meio das estatais,
independente de seus interesses particulares, pode-se considerar que o Estado passa a
ser o mediador da integração do país ao capitalismo mundial. Observa-se um ciclo de
acumulação que beneficia o Estado e o Setor Produtivo Estatal, em termos de poder
sobre a economia.
Como grande empresa capitalista, a estatal cresce e se fortalece, justamente por
ser maior que a iniciativa privada nacional que, dessa maneira, sempre está em
desvantagem. Assim, as estatais adquirem o porte indispensável para serem os
principais interlocutores capazes de se associar ao capital estrangeiro, sem que isso
signifique risco de aquisição por parte deste último.
Ao analisar a expansão da empresa sob o foco governamental, verifica-se que, a
despeito do esforço inicial de financiamento, os benefícios alcançados pelo Estado
foram muito maiores que aqueles capazes de se mensurar financeiramente. Essa relação,
incontestavelmente, foi de grande serventia para ambos os lados. Para a empresa, o
120
monopólio proporcionou sua ampliação e fortalecimento no mercado nacional e
internacional; para o governo, promoveu dividendos políticos e a possibilidade de uso
de mais um instrumento de controle da economia.
Ao criar a Petrobras e implantar o monopólio, o governo conseguiu alcançar os
principais objetivos que guiaram a aprovação dessas medidas: primeiro, a defesa da
soberania e alargamento dos recursos e do capital nacional; segundo, decréscimo da
pressão que a importação de petróleo e derivados exercia sobre a balança comercial.
Assim, a Petrobras foi protegida para adquirir ganho de escala e poder de barganha no
mercado internacional. O governo conseguiu salvar divisas e atingiu a auto-suficiência
na produção de derivados na década de 1980 e de petróleo em 2007.
A Braspetro e a Interbrás são casos emblemáticos na constatação da capacidade
de interferência das diretrizes governamentais sobre a estatal. Essa capacidade pode ser
usada em políticas de controle de preço, no equilíbrio da balança comercial, no
incentivo às exportações do setor privado nacional ou no estímulo a setores específicos
da economia.
Com a mudança no pensamento nacional sobre as relações com os vizinhos sul-
americanos, ocorrida a partir dos anos 1980, nota-se que o Brasil incorporou o conceito
de que a América do Sul, mais do que uma esfera imediata de ação, passou a ser
encarada como a plataforma por excelência da inserção internacional do país.
O próprio texto constitucional demonstra que a América Latina como um todo e
a América do Sul, mais especificamente, não são uma prioridade excludente, mas
prioridade estimulante e dinâmica da diplomacia nacional. A partir das decisões
direcionadas para a região é que outras opções e deliberações passaram a ser escolhidas,
mesmo porque, manter o alinhamento com a América do Sul, se tornou primordial para
o fortalecimento nacional perante o sistema internacional.
121
A integração regional se apresentou como uma necessidade econômica e
diplomática, além do acirramento do processo de globalização financeira e produtiva
como um fator importante no processo de integração. As empresas foram, cada vez
mais, afetadas pela internacionalização produtiva e financeira, portanto, a política
exterior precisou acompanhar esse movimento de mudança e competição externa.
É bem verdade que a globalização, ainda mais com o aprimoramento
tecnológico que conduziu ao aumento da facilidade de comunicação e locomoção, era
irreversível. Os países naturalmente deveriam se preparar para a competição externa.
Dessa forma, a América do Sul possuía mais uma razão para procurar a integração. Foi
necessário avançar por meio de associações que dessem suporte à expansão de
empreendimentos de origem regional e buscar um alinhamento logístico que apoiasse
esses investimentos.
Assim, apesar da Petrobras ter expandido e diversificado sua posição no
mercado de forma espetacular, por meio do ingresso em ramos diferenciados que
oferecessem maior rentabilidade e cuja margem de autofinanciamento eliminasse
totalmente a dependência financeira do Estado, sua condição de estatal lhe incute um
alinhamento constante com as estratégias nacionais e internacionais do governo.
Dessa forma, é possível concluir que, além do interesse da empresa em se
expandir e ampliar seus negócios na América do Sul, a influência governamental foi
preponderante. Não é de se espantar que, no início do século XXI, a Petrobras tenha se
tornado um dos maiores investidores nos países sul-americanos, estando presente em 09
países. O Plano Estratégico da empresa até 2015, lançado em 2004, deixa claro a
importância da América Latina para a companhia: “A Petrobras será uma empresa
integrada de energia com forte presença internacional e líder na América Latina,
atuando com foco na rentabilidade e na responsabilidade social e ambiental.”
122
123
Durante suas cinco décadas de existência, a Petrobras conseguiu, como nenhum
outro grande grupo que constituiu o Sistema Produtivo Estatal brasileiro, cumprir com
sucesso a função de fomentar e promover a acumulação do capital privado nacional.
Com esse entendimento, é possível creditar essa vitória ao zelo exercido pelas suas
lideranças no acautelamento sistemático de seus níveis de autonomia relativa, em todos
os planos de seu relacionamento, quer fosse com os atores da esfera privada, quer como
ator da esfera governamental.
Entretanto, apesar de sua face autônoma e de, a partir dos anos 1990, o Estado
ter implementado medidas liberais e privatizantes, se afastando, progressivamente,
como agente produtor, da interlocução do processo de desenvolvimento, é válido
concluir que a Petrobras continua sendo utilizada como agente regulador do mercado
interno e instrumento de política externa.
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