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ESTUDO DOS FLUXOS TURBULENTOS DE CALOR SENSÍVEL E
LATENTE NO FUNDO DO VALE DO RIO DA PRATA
por
Daniel Pires Bitencourt
Tese a ser apresentada ao Curso de Doutorado em Física do Programa de Pós-
Graduação em Física, Área de Concentração em Fenomenologia Clássica e suas
Aplicações, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), como requisito parcial
para obtenção do grau de
Doutor em Física
Orientador: Dr. Otávio Costa Acevedo
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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ii
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Naturais e Exatas
Programa de Pós-Graduação em Física
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iii
À minha esposa Márcia Vetromilla Fuentes
e ao anjo que trouxe ainda mais luz
para o nosso caminho,
Manuela Fuentes Bitencourt
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Dr. Otávio Costa Acevedo pela competente orientação,
paciência, dedicação em transformar o que é complexo em simples e grande
amizade.
Ao Dr. Osvaldo Moraes pela orientação na fase inicial e co-orientação no restante do
desenvolvimento dessa tese.
Aos pesquisadores e professores do Laboratório de Micrometeorologia e do
Departamento de Física da UFSM pelos conhecimentos transmitidos.
Ao CPTEC/INPE, CRS/INPE e UFSC pelos apoios institucionais.
Aos colegas do Centro Estadual de Santa Catarina (CESC/FUNDACENTRO) pelo
constante apoio e à FUNDACENTRO/SP pela viabilidade administrativa.
Aos estudantes, estagiários e professores que participaram da difícil tarefa de coleta
de dados durante a campanha EXPANTAS – 2005. Em especial agradeço aqueles
que ficaram conhecidos como “a turma do balão” no município de Nova Roma do Sul
– RS.
À minha esposa Márcia Vetromilla Fuentes, meu profundo agradecimento pelo
companheirismo, carinho, amor e constante apoio.
Aos meus pais, que mesmo distante, sempre estão comigo.
v
RESUMO
A campanha experimental de 2005, realizada em Nova Roma do Sul – RS, contou
com a instalação de uma torre micrometeorológica em lugar inédito. Os sensores
foram posicionados sobre a superfície da água, no fundo do vale do rio da Prata,
com objetivo de caracterizar as transferências entre a superfície do rio e a
atmosfera. Todos os parâmetros micrometeorológicos medidos por essa torre foram
avaliados e comparados com variáveis meteorológicas de escala sinótica. As
comparações apontaram para uma conexão entre o escoamento de grande escala e
as circulações locais. Diferentemente do que normalmente ocorre, os fluxos
turbulentos verticais de calor sensível e latente apresentaram sinal negativo durante
o dia. Os processos físicos responsáveis por essa conduta são estudados com o uso
de um modelo LES. Sete simulações foram utilizadas para testar a contribuição da
topografia e da direção e velocidade do escoamento sinótico sobre as trocas
verticais. Notou-se que os fluxos verticais são negativos independentemente da
presença das encostas e que a magnitude desses fluxos é mais influenciada pela
direção do que pela velocidade do vento sinótico. O ambiente no fundo do vale foi
modificado numericamente através de mais duas rodadas do LES. A conduta dos
fluxos verticais de calor e umidade entre o ar e o rio foram testadas com o nível do
rio mais elevado, em 19,8 e 86 metros, transformando a largura da área alagada de
80 para 160 metros e de 80 para 320 metros, respectivamente. Percebeu-se que
com o rio ocupando até 1/3 do domínio do modelo, este ainda permanece com papel
passivo, ou seja, atuando como sumidouro de calor e umidade. Percebeu-se
também que os fluxos horizontais, convergindo das encostas para cima do rio,
possuem papel fundamental no processo de trocas verticais entre o rio e a
atmosfera local.
vi
ABSTRACT
Three observational campaigns have been conducted in the region of Nova Roma do
Sul, southern Brazil. In the last one of them, a micrometeorological tower was
deployed above the river surface, at the bottom of the Prata river valley. The purpose
was to characterize the exchange between the river surface and the atmosphere.
The micrometeorological parameters measured at this tower were analyzed and
compared to the synoptic meteorological variables. The comparisons showed a
connection between the large-scale flow and the local circulations. Differently than
usually observed, the vertical turbulent sensible and latent heat fluxes were directed
towards the surface at daytime. The physical processes responsible for this behavior
are analyzed, using a large eddy simulation model. Seven simulations were
performed, to understand how the exchange is affected by the topography, and by
the magnitude and direction of the large scale flow. The results show that the vertical
fluxes are directed towards the surface, independently of the existence of slopes
besides the river. Large scale wind direction has a stronger effect on the flux
magnitude than does its magnitude. Two additional simulations were performed, to
understand how the fluxes at the valley bottom are affected by the river width. For
these simulations, rivers twice and for times as wide as in the previous runs were
considered. The results show that, even when the river occupied as much as one
third of the total horizontal domain, it still remains with a passive behavior, with the
exchange above its surface being controlled by the characteristics of the air that is
transported from above the land portion of the domain. The river, in this case is a
heat and moisture sink, at daytime. Furthermore, the horizontal fluxes, that converge
from the slopes towards the air above the river have a fundamental role on the
exchange process between the river and local atmosphere.
vii
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1 – Localização do Município de Nova Roma do Sul – RS................. 27
Figura 2.2 – Mapa topográfico da região de Nova Roma do Sul.
A localização da Torre Micrometeorológica é mostrada
com a letra R. Fonte: Acevedo et al. (2007).................................. 29
Figura 2.3 – (a) Esquema ilustrativo indicando os trechos norte/sul
e leste/oeste que antecedem o local da torre micro-
meteorológica instalada junto ao rio da Prata............................... 30
Figura 2.4 – Esquema hipotético da circulação de vale/montanha.
h = altura........................................................................................ 31
Figura 2.5 – Típico desenvolvimento do sistema de ventos no meio
da manhã durante o término da inversão térmica no vale.
Fonte: Adaptado de Whiteman (1982).......................................... 33
Figura 2.6 – Correspondência típica entre as estruturas e vento
durante o término da inversão térmica no vale.
Adaptado de Whiteman (1982)...................................................... 33
Figura 2.7 – Modelo inicial do perfil vertical de temperatura
potencial. Fonte: Bader e Mackee (1983)..................................... 35
Figura 3.1 – Fluxos turbulentos verticais de calor sensível e latente
Doas dias 02 e 04 de junho de 2005. Fonte: Adaptado de
Acevedo et al. (2007).................................................................... 45
Figura 3.2 – Fluxos turbulentos horizontais de calor sensível e latente
Dos dias 02 e 04 de junho de 2005. Os valores positivos
representam fluxos de oeste para leste, quando são ao
longo do rio, e de sul para norte, quando são transversais
ao rio. Fonte: Adaptado de Acevedo et al. (2007)......................... 46
Figura 3.3 – Fluxos turbulentos de calor sensível e latente médios
para todos os dias selecionados. O painel superior
mostra as trocas verticais e o painel inferior mostra
as trocas horizontais, transversais ao vale (direção y).
Fonte: Acevedo et al. (2007)......................................................... 47
viii
Figura 3.4 – Fluxos turbulentos verticais médios de calor sensível (H
0
),
como uma função da diferença entre a temperaturas do
ar e da água e fluxos turbulentos verticais médios de
calor latente (LE
0
), como uma diferença entre a umidade
específica do ar e a umidade específica de saturação à
temperatura da água. As linhas verticais indicam o desvio
padrão. Fonte: Acevedo et al. (2007)............................................ 49
Figura 3.5 – Perturbação em relação a média transversal ao rio,
da temperatura do ar em 6 metros, como uma função
do tempo e da distância entre as margens sul e
norte. As linhas sólidas mais grossas representam o
contorno de 0 ºC. As linhas tracejadas representam
os valores negativos e as linhas sólidas os valores
positivos. A escala em cinza é apresentada à
esquerda do gráfico. Fonte: Acevedo et al. (2007)....................... 51
Figura 3.6 – Perturbação em relação a média transversal ao rio,
da temperatura da água, como uma função do tempo
e da distância entre as margens sul e norte. As linhas
sólidas mais grossas representam o contorno de 0 ºC.
As linhas tracejadas representam os valores negativos
e as linhas sólidas os valores positivos. A escala
em cinza é apresentada à esquerda do gráfico.
Fonte: Acevedo et al. (2007)......................................................... 52
Figura 4.1 – Campo de anomalia da (a) pressão ao nível médio do
mar, da (b) altura geopotencial em 500 mb e da (c)
altura geopotencial em 200 mb. Fonte: Adaptado de
Bitencourt e Acevedo (2006)......................................................... 56
Figura 4.2 – Temperatura do ar em 1000 mb para os dias selecionados.
As barras mostram os valores analisados nos quatro
horários sinóticos. Os valores de anomalia são
apresentados na parte superior do gráfico.................................... 58
Figura 4.3 – Umidade específica do ar em 1000 mb para os dias
selecionados. As barras mostram os valores analisados
nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia
são apresentados na parte superior do gráfico............................. 59
Figura 4.4 – Pressão ao nível médio do mar para os dias selecionados.
As barras mostram os valores analisados nos quatro
horários sinóticos. Os valores de anomalia são
apresentados na parte superior do gráfico.................................... 60
ix
Figura 4.5 – Velocidade vertical (Omega) do vento em 850 mb
para os dias selecionados. As barras mostram
os valores analisados nos quatro horários sinóticos.
Os valores de anomalia são apresentados na parte
superior do gráfico......................................................................... 61
Figura 4.6 – Velocidade horizontal do vento em 1000 mb
para os dias selecionados. As barras mostram
os valores analisados nos quatro horários sinóticos.
Os valores de anomalia são apresentados na parte
superior do gráfico......................................................................... 62
Figura 4.7 – Magnitude da componente zonal do vento em
1000 mb para os dias selecionados.............................................. 63
Figura 4.8 – Magnitude da componente meridional do vento
em 1000 mb para os dias selecionados........................................ 64
Figura 4.9 – Radiação solar incidente (linha vermelha) e saldo
de radiação (linha preta) dos dias 13, 14, 17, 28,
29 e 30 de maio de 2005............................................................... 67
Figura 4.10 – Radiação solar incidente (linha vermelha) e saldo
de radiação (linha preta) dos dias 31 de maio e 02,
03, 04, 05 e 06 de junho de 2005.................................................. 68
Figura 4.11 – Temperatura do ar em 6 metros (linha vermelha) e
temperatura da superfície do rio (linha verde –
somente no último gráfico) dos dias 13, 14, 17, 28,
29 e 30 de maio de 2005. A linha tracejada representa
a média diária da temperatura do ar............................................. 70
Figura 4.12 – Temperatura do ar em 6 metros (linha vermelha) e
temperatura da superfície do rio (linha verde) dos dias 31
de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005. A linha
tracejada representa a média diária da temperatura do ar........... 71
Figura 4.13 – Umidade específica do ar (linha vermelha) e umidade
relativa do ar (linha preta) em 6 metros dos dias 13, 14,
17, 28, 29 e 30 de maio de 2005................................................... 72
Figura 4.14 – Umidade específica do ar (linha vermelha) umidade
relativa do ar (linha preta) em 6 metros dos dias 31
de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005........................... 73
Figura 4.15 – Pressão atmosférica (linha vermelha) e velocidade
(barras verticais) e direção (pontos na base do
gráfico) do vento dos dias 13, 14, 17, 28, 29 e 30
de maio de 2005............................................................................ 75
x
Figura 4.16 – Pressão atmosférica (linha vermelha) e velocidade
(barras verticais) e direção (pontos na base do
gráfico) do vento dos dias 31 de maio e 02, 03,
04, 05 e 06 de junho de 2005........................................................ 76
Figura 4.17 – (a) Imagem de satélite do vale do rio das Antas
mostrando a dissipação do nevoeiro de radiação
no período da manhã.................................................................... 78
Figura 4.18 – (a) Imagem de satélite aproximada da região do vale
do rio da Prata. R indica o local das medidas
micrometeorológicas. As linhas vermelhas mostram
as encostas que estão sujeitas a maior aquecimento
pela radiação solar no período da manhã. (b) Declínio
da umidade específica do dia 17 de maio, por volta das
10 h local, provocado pela dissipação do nevoeiro....................... 79
Figura 4.19 – Relação entre a direção do vento acima do vale
(vento geostrófico) e a direção do vento dentro
do vale para quatro mecanismos de forças possíveis:
forçante térmica, transporte de momentum para baixo,
forçante canalizada e forçante canalizada e dirigida
pelo gradiente de pressão. Assume-se a direção
nordeste-sudoese para o vale. Fonte: Whiteman
e Doran (1993).............................................................................. 81
Figura 4.20 – Vento médio observado na torre do rio, como uma
função do (a) tempo e magnitude do vento sinótico
e do (b) tempo e direção do vento sinótico. As áreas
escuras representam casos de vento local vale acima.
Fonte: Bitencourt e Acevedo (2006).............................................. 82
Figura 4.21 – Comparação entre o vento sinótico e o vento local para
a seqüência de dias 28, 29, 30 e 31 de maio e 02, 03,
04, 05 e 06 de junho de 2005. H é o horário sinótico.
Os números plotados junto dos vetores correspondem
a velocidade (m s
-1
). Os valores sublinhados indicam a
possibilidade de ter ocorrido calmaria........................................... 84
Figura 5.1 – Condição inicial do perfil vertical da temperatura potencial.......... 91
Figura 5.2 – Grade (a) horizontal com rio de 80, 160 e 320 metros e
(b) grade vertical com 61 níveis sigma do modelo LES................ 92
Figura 5.3 – Média dos dias selecionados (a) da radiação solar incidente
e saldo de radiação e (b) das temperaturas do ar e da
superfície do rio............................................................................. 93
xi
Figura 5.4 – Característica de relevo utilizada nas simulações
(a) sem topografia, (b) com topografia de 200 metros
e (c) com topografia de 400 m.......................................................95
Figura 5.5 – Campo horizontal do vetor vento no nível 1. (a) média
das últimas 2 h; (b) média dos últimos 15 minutos. A
área em cinza é o domínio do rio.................................................. 96
Figura 5.6 – (a) Perfil vertical da componente x do vento. A linha
marcada com círculo representa um ponto central no
solo e com triângulo um ponto central no rio. (b) Seção
transversal ao vale do vetor vento para simulação com
topografia de 400 metros. Os resultados de (b) são
obtidos a partir da média em x, sendo (a) e (b) obtidos
a partir da média das últimas 2 h.................................................. 97
Figura 5.7 – Evolução temporal da simulação sem topografia.
(a) Umidade específica e (b) temperatura potencial no
nível 1, para um ponto central no rio e um ponto
central no solo. (c) Fluxos turbulentos de calor sensível
e latente, entre a superfície e a atmosfera, para um
ponto central no rio........................................................................ 98
Figura 5.8 – Seção transversal (norte/sul) da (a) temperatura potencial
no nível 1 e (b) temperatura potencial em superfície. O
painel superior esquerdo é representativo da área do
domínio ao sul do rio e o painel superior direito do lado
norte. Os quatro pontos de grade do rio são plotados
no painel inferior............................................................................ 99
Figura 5.9 – (a) Perfil vertical da temperatura potencial em um ponto
central de uma das porções terra e em um ponto central
da porção água. (b) Seção transversal ao vale da
temperatura potencial.................................................................... 100
Figura 5.10 – Seção transversal ao vale da temperatura potencial
para a simulação sem a existência de rio. Fonte:
Bitencourt e Acevedo (2007)......................................................... 101
Figura 5.11 – (a) Perfil vertical da umidade específica em um ponto
central de uma das porções terra e em um ponto central
da porção água. (b) Seção transversal ao vale da
umidade específica........................................................................ 102
Figura 5.12 – Seção transversal (norte/sul) da (a) velocidade do vento
no nível 1, da (b) diferença de temperatura potencial
entre o nível 1 e superfície e (c) dos fluxos turbulentos
de calor sensível e latente (H
0
= LE
0
). O painel esquerdo
representa a porção terra ao sul do rio e o painel
direito ao norte............................................................................... 103
xii
Figura 5.13 – Velocidade do vento no nível 1, diferença de temperatura
potencial entre o nível 1 e superfície e fluxo turbulento
de calor sensível para as simulações (a) sem topografia
e com topografias de (b) 200 m e (c) 400 m. Os valores
médios para o domínio do rio são mostrados no topo de
cada campo. O gráfico (d) representa o corte transversal
ao rio do fluxo turbulento de calor sensível................................... 104
Figura 5.14 – Velocidade do vento no nível 1, diferença da umidade
específica entre o nível 1 e superfície e fluxo turbulento
de calor latente para as simulações (a) sem topografia
e com topografias de (b) 200 m e (c) 400 m. Os valores
médios para o domínio do rio são mostrados no topo de
cada campo. O gráfico (d) representa o corte transversal
ao rio do fluxo turbulento de calor latente..................................... 106
Figura 5.15 – Média do vento na altura da rugosidade, para a primeira,
segunda e terceira hora de integração. (a) vento na
direção do vale de 1 m s
-1
, (b) vento transversal ao vale
de 1 m s
-1
, (c) vento na direção do vale de 5 m s
-1
e
(d) vento transversal ao vale de 5 m s
-1
. As escalas dos
vetores são apresentadas na base dos painéis............................ 108
Figura 5.16 – Seção transversal ao vale do vetor vento para simulações
inicializadas com diferentes ventos de grande escala:
(a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0 e v = 1 m s
-1
; (c) u = 5 m s
-1
e v = 0 e (d) u = 0 e v = 5 m s
-1
. ..................................................... 110
Figura 5.17 – Seção transversal ao vale da componente norte/sul
(direção y) para simulações inicializadas com diferentes
ventos de grande escala: (a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0 e
v = 1 m s
-1
; (c) u = 5 m s
-1
e v = 0 e (d) u = 0 e v = 5 m s
-1
............. 111
Figura 5.18 - Fluxos turbulentos de calor latente (
LE
0
) e sensível (
H
0
)
em W m
-2
, sobre a porção água, para as simulações
inicializadas com (a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0 e v = 1 m s
-1
;
(c)
u
= 5 m s
-1
e
v
= 0 e (d)
u
= 0 e
v
= 5 m s
-1
............................... 114
Figura 5.19 – Seção transversal ao rio dos fluxos turbulentos de calor
latente (LE
0
) e sensível (H
0
).......................................................... 115
Figura 5.20 – (a) Configuração de referência e configurações com
nível do rio elevado em (b) 19,8 metros e (c) 86,0 metros.
O percentual do domínio do modelo que a área do rio ocupa
é mostrado no topo superior de cada figura.................................. 117
xiii
Figura 5.21 – Seção transversal da temperatura potencial (painéis da
esquerda) e umidade específica (painéis da direita) para
diferentes elevações de rio: 80 metros (painéis
superiores), 160 metros (painéis centrais) e 320 metros
(painéis inferiores)......................................................................... 118
Figura 5.22 – Seção transversal da umidade específica no primeiro
nível na vertical para as três simulações com diferentes
larguras de rio, conforme mostrado na legenda............................ 119
Figura 5.23 – Fluxos turbulentos horizontais (direção y) de calor sensível
para simulação com rio de (a) 80 metros, (b) 160 metros
e (c) 320 metros e fluxos turbulentos horizontais (direção y)
de calor latente para simulação com rio de (d) 80 metros,
(e) 160 metros e (f) 320 metros. Os valores positivos
(negativos) representam fluxos na direção
y
da encosta
sul (norte) para o rio...................................................................... 120
Figura 5.24 – (a) Seção transversal ao rio dos fluxos turbulentos vertical
de calor para as simulações com diferentes elevações de
rio, conforme indicado em cada painel. (b) mesmo que (a),
mas para a diferença de temperatura potencial entre o
primeiro nível na vertical e a superfície. (c) Mesmo que (a),
mas para fluxo turbulento vertical de calor latente. (d) Mesmo
que (a), mas para a diferença de umidade específica entre
o primeiro nível na vertical e a superfície...................................... 122
xiv
LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1 – Casos selecionados para análise sinótica..................................... 55
Tabela 4.2 – Relação de falhas na série de dados dos dias selecionados........65
Tabela 5.1 – Componente x do vento, no nível 1, sobre o domínio do rio,
para as simulações inicializadas com vento fraco e forte............. 112
Tabela 5.2 – Divergência horizontal e componente y do vento, no nível 1,
sobre o domínio do rio, para a simulação com topografia
de 400 metros e rio de 80 metros, comparada com duas
situações hipotéticas do sitio......................................................... 113
xv
LISTA DE SIGLAS
ARPS Advanced Regional Prediction System
CERAN Companhia Energética Rio das Antas
CLC Camada Limite Convectiva
CLP Camada Limite Planetária
CLS Camada Limite Superficial
ENOS El Niño – Oscilação Sul
EXPANTAS Experimento de Observações das Transferências entre a
Superfície e a Atmosfera na Região do Rio das Antas
LES Large Eddy Simulation
NCAR National Center for Atmospheric Research
NCEP National Center for Environmental Prediction
TSM Temperatura da Superfície do Mar
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
xvi
LISTA DE SIMBOLOS
C
g
Capacidade térmica da superfície
c
p
Calor específico a pressão constante
D
v
Parametrização de sub-grade na equação de momentum
D
θ
Parametrização de sub-grade na equação da termodinâmica
f Parâmetro de Coriolis
g
Aceleração da gravidade
H Fluxo turbulento de calor sensível
H
0
Fluxo turbulento de calor sensível entre a superfície e o ar
H
g
Fluxo turbulento de calor sensível na superfície
K Radiação de onda curta incidente
K Radiação de onda curta refletida
K
h
Coeficiente de troca turbulenta para calor
K
m
Coeficiente de difusão molecular de calor
K
q
Coeficiente de troca turbulenta para umidade
k
T
Difusividade molecular térmica do ar
k
V
Difusividade molecular do vapor d´água
L Radiação de onda longa perdida
L
Radiação de onda longa que retorna da atmosfera
LE Fluxo turbulento de calor latente
LE
0
Fluxo turbulento de calor latente entre a superfície e o ar
ν
Viscosidade cinemática do ar
p Pressão atmosférica
π
Perturbação da pressão
q
Umidade específica
q
1
Umidade específica no nível 1
θ
Temperatura potencial
θ
0
Temperatura potencial de referência
θ
1
Temperatura potencial no nível 1
θ
g
Temperatura potencial na superfície
R Fluxo radiativo de calor
xvii
R
d
Constante do gás para o ar seco
R
N
Saldo de radiação
ρ
Densidade do ar
σ
Constante de Stefan-Boltzmann
t Tempo
T
4m
Temperatura do ar em 4 metros
T
6m
Temperatura do ar em 6 metros
u; v; w Componentes do vento nas direções x, y e z
V
r
Vetor velocidade
xviii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 20
2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SÍTIO................................................... 25
2.1 – O clima na região Sul do Brasil......................................................... 25
2.2 – A região de Nova Roma do Sul – RS................................................ 26
2.3 – O local das observações................................................................... 28
3. ELEMENTOS TEÓRICOS E O COMPORTAMENTO
DOS FLUXOS TURBULENTOS NO VALE DO RIO DA PRATA................ 38
3.1 – A atmosfera........................................................................................ 38
3.2 – Camada Limite Planetária.................................................................. 38
3.2.1 - Camada Limite Convectiva................................................... 39
3.3 – A Camada Limite Superficial e a representação
das trocas de calor e umidade......................................................... 40
3.4 – Medida dos Fluxos no vale do rio da Prata........................................ 44
4. ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS NA CAMPANHA
EXPANTAS – 2005 .................................................................................... 53
4.1 – Avaliação meteorológica dos dias selecionados................................ 53
4.1.1 – Avaliação sinótica..................................................................... 54
4.1.2 – Avaliação dos parâmetros atmosféricos locais........................ 64
4.2 – Conexão entre os escoamentos sinótico e local................................ 79
5. SIMULAÇÃO NUMÉRICA DOS PROCESSOS FÍSICOS
ENVOLVIDOS NAS TROCAS DE CALOR SENSÍVEL E LATENTE.......... 86
5.1 – Descrição do modelo “Large Eddy Simulation” (LES)........................ 87
xix
5.2 – Procedimentos de calibração............................................................. 93
5.3 – As simulações numéricas utilizando o LES....................................... 94
5.3.1 – Os efeitos da topo grafia...................................................... 95
5.3.2 – Os efeitos da direção e velocidade do vento........................106
5.3.3 – Simulações com o nível do rio elevado................................ 116
6. CONCLUSÕES........................................................................................... 124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 134
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
A dedicação da micrometeorologia aos estudos dos fluxos turbulentos
e demais processos físicos da baixa atmosfera sobre terrenos planos, durante os
anos de 1950 e 1960, foi de extrema importância para o entendimento da dinâmica
da Camada Limite Planetária (CLP) (Kaimal e Finnigan, 1994). Porém, o fato do tipo
de ambiente onde se desenvolve a maioria das atividades humanas ser
caracterizado pela heterogeneidade da superfície, motivou a realização de estudos
da CLP em terrenos irregulares. A maioria das indústrias e a maior concentração de
poluentes, por exemplo, ocorrem em regiões de terreno complexo (Moraes et al.,
2005).
Diversos micrometeorologistas têm dedicado suas pesquisas ao estudo
da baixa atmosfera sob influência de terrenos complexos (McNider e Pielke, 1981;
Whiteman, 1989; Grant e Mason, 1990; Holden et al., 2000). Investigações
realizadas desde a metade do século passado até a atualidade abordam as
circulações no interior de vales induzidas pelo aquecimento diferencial da superfície,
tais como os escoamentos que ocorrem encosta acima (abaixo) durante o dia (a
noite) e os escoamentos que fluem ao longo do vale, no sentido vale acima (abaixo)
no período diurno (noturno) (Defant, 1951; Whiteman, 2000). Contudo, em se
tratando especificamente do estudo da CLP no interior de vales, a partir dos anos
80, vários artigos científicos abordaram a estrutura do vento e da temperatura (Banta
e Cotton, 1981; Doran e Horst, 1981; Whiteman, 1982; Whiteman e Mckee, 1982;
Bader e Mckee, 1983; Banta, 1984; Whiteman et al., 1999; Weigel e Rotach, 2004;
Rotach et al., 2004), proporcionando melhor entendimento dos processos físicos
envolvidos. Isso foi feito tanto através da análise de dados observados como do uso
de modelagem numérica. Sabe-se hoje que a micrometeorologia de um vale
depende das características da superfície e de como esta interage com a atmosfera.
No Brasil, desde 2001 o Laboratório de Micrometeorologia da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) realiza pesquisas sobre a CLP em
21
regiões de terreno complexo, a partir de dados observados em campanhas
observacionais. Acevedo et al. (2002) descreveram as observações de fluxo no vale
do rio das Antas, com base nos dados medidos durante a primeira campanha
experimental de Nova Roma do Sul, estado do Rio Grande do Sul, realizada em
2001. Desse ano até o momento, outras duas campanhas experimentais foram
realizadas nessa região. A última delas, denominada Experimento de Observações
das Transferências entre a Superfície e a Atmosfera na Região do Rio das Antas
(EXPANTAS – 2005) (Acevedo et al., 2005), contou com a instalação de uma torre
micrometeorológica diretamente acima da superfície do rio da Prata, em uma pedra
com altura de 4 metros acima da superfície da água, com o principal propósito de se
obter uma caracterização adequada das transferências entre a superfície do rio e a
atmosfera. Com base nos dados dessa campanha, foram realizados, entre outros,
estudos a respeito da conexão do escoamento de grande escala com a circulação
local no fundo do vale (Bitencourt e Acevedo, 2006) e estudos específicos das trocas
de calor e umidade entre a superfície do rio da Prata e a atmosfera (Acevedo et al.,
2007).
O trabalho de Acevedo et al. (2007) constatou que os fluxos
turbulentos de calor sensível e latente entre a superfície do rio e a atmosfera
obedecem um padrão incomum. As trocas de calor e umidade são negativas (do ar
para o rio) durante o dia e positivas (do rio para o ar) no período noturno. Desta
forma, durante o dia o rio tem papel passivo no ambiente local, atuando como
sumidouro de calor e umidade. Acevedo et al. (2007) justificam a ocorrência desses
fluxos negativos com a existência de uma convergência horizontal de ar quente e
úmido, proveniente das encostas do vale. O local exato onde esses fluxos verticais
foram observados é o vale do rio da Prata, que antes de desembocar no rio das
Antas, apresenta várias curvas acentuadas. Além disso, esse vale é estreito e com
encostas íngremes de 400 a 600 metros de altura. A torre micrometeorológica foi
instalada na margem sul do rio, que tem largura aproximada de 60 metros e flui, de
oeste para leste, a uma velocidade de cerca de 1,5 m s
-1
em condições normais. As
pequenas dimensões do rio e o fato da água ser corrente, mantendo a temperatura
superficial baixa e constante, também são apontados como motivos para a
ocorrência de trocas negativas de calor e umidade durante o dia (Acevedo et al.,
2007).
22
Existem nos vales da região de Nova Roma do Sul três usinas
hidrelétricas com estruturas que contam com túneis adutores entre dois trechos do
rio descendo a serra. Essa estrutura de geração de energia não permite que o nível
do rio fique muito elevado e, conseqüentemente, não permite significativo aumento
da área alagada, por conta da existência desses empreendimentos (COMPANHIA
ENERGÉTICA RIO DAS ANTAS, 2007). Entretanto, uma questão importante que
surge é identificar qual a possibilidade dessa modificação ambiental alterar
significativamente os parâmetros atmosféricos locais da micro-região, ainda que o
aumento da área alagada seja pequeno e em apenas alguns trechos dos vales da
região. Tais modificações poderiam, por exemplo, elevar a quantidade de umidade
no ar, gerando alterações na produtividade de milho e aveia ou prejudicando, de
alguma forma, a vitivinicultura que é tradicional e forte na região (Westphalen e
Maluf, 2000). Um ponto de partida para responder esta questão é entender as
condições locais favoráveis para o rio da Prata atuar como sumidouro de calor e
umidade durante o dia. Os fluxos negativos observados são função da convergência
horizontal de calor e umidade, conforme postuladoo por Acevedo et al. (2007)?. A
presença das encostas ou a direção e velocidade do escoamento de grande escala
exercem influência sobre os fluxos no fundo do vale?.
O objetivo desse trabalho é responder os questionamentos levantados
acima, através da análise dos processos físicos da atmosfera no interior do vale do
rio da Prata, dando especial atenção para os processos de trocas verticais de calor e
umidade que ocorrem entre o rio e o ar, durante o dia. Para tanto, faz-se um estudo
com base em dados observacionais e em resultados de simulações numéricas. O
desenvolvimento dessa tese é apresentado em cinco capítulos, incluindo essa
introdução e as conclusões finais.
No capítulo 2 apresenta-se alguns aspectos do clima na região Sul do
Brasil e as características gerais do sítio em estudo, incluindo uma pequena revisão
bibliográfico sobre os processos físicos que ocorrem na atmosfera local de um vale.
No capítulo 3, é apresentado um rápido embasamento teórico dos
fluxos turbulentos de calor sensível e latente. Apresenta-se também os resultados
dos cálculos desses fluxos, obtidos a partir dos dados observados no vale do rio da
Prata de temperatura e umidade específica do ar e de temperatura da superfície da
água.
23
O capítulo 4 é dedicado à apresentação de uma análise meteorológica
completa da região de terreno complexo escolhida para esse estudo. Para tanto,
primeiramente avalia-se o comportamento da atmosfera livre para a localidade de
Nova Roma do Sul, através da análise de dados sinóticos pontuais obtidos da
reanálise do “National Center for Environmental Prediction / National Center for
Atmospheric Research” (NCEP/NCAR). Depois, analisa-se todas as variáveis
micrometeorológicas medidas pela torre instalada sobre a superfície da água, na
margem sul do rio da Prata. Também se faz um estudo da conexão que os
parâmetros de grande escala tem com as grandezas físicas no fundo do vale,
avaliando principalmente o quanto o escoamento sinótico influencia a circulação
local. Essas análises são realizadas exclusivamente para os dias escolhidos como
dias propícios à análise dos fluxos verticais, servindo como base para o
desenvolvimento do restante do trabalho.
Por último, no capítulo 5, apresenta-se os resultados de várias
simulações numéricas utilizando um modelo não-hidrostático (Smolarkiewicz e
Margolin, 1997) do tipo “Large Eddy Simulation” (LES). O modelo LES é descrito
com ênfase ao método de obtenção dos processos radiativos da superfície, os quais
influenciam diretamente as trocas de calor e umidade entre o rio e a atmosfera.
Esses processos são simulados através da metodologia sugerida por McNider et al.
(1995) e aplicada no trabalho de Acevedo e Fitzjrrald (2001). Os resultados das nove
simulações são discutidos através da apresentação de alguns testes. As primeiras
três simulações testam a conduta dos processos físicos, incluindo as trocas entre o
rio e a atmosfera, para situações com e sem topografia. O objetivo desse primeiro
teste é identificar, para as dimensões do vale do rio da Prata, como a topografia
exerce influência na interação da superfície com níveis mais altos da CLP (Acevedo
e Fitzjrrald, 2001). Com base nas constatações de que o escoamento sinótico pode
ter influência sobre a atmosfera local dentro de um vale (Banta e Cotton, 1981;
Segal et al., 1983; Banta, 1984; Whiteman e Doran, 1993; Weigel e Rotach, 2004;
Bitencourt e Acevedo, 2006), quatro simulações são comparadas para testar a
conduta das trocas de calor e umidade entre o rio e a atmosfera, sob a influência de
escoamentos de grande escala exclusivamente na direção norte/sul (transversal ao
vale) e exclusivamente na direção leste/oeste (ao longo do vale), com intensidades
fraca e forte. Essas simulações são executadas com topografia de 400 metros e com
a presença de um rio com largura de 80 metros. Uma rodada adicional foi realizada
24
com topografia de 400 metros, mas sem a presença do rio, para análises específicas
sobre a contribuição das encostas e do rio na circulação local. Por último, mais duas
simulações testaram o comportamento dos fluxos turbulentos sob influência de um
rio com nível mais elevado e conseqüentemente cobrindo maior área no domínio
horizontal. Na primeira simulação o nível do rio foi elevado em 19,8 metros,
aumentando a largura para 160 metros, e na segunda simulação o nível foi elevado
para 86 metros, aumentando a largura do rio para 320 metros. A conduta dos fluxos
turbulentos entre a superfície do rio e a atmosfera, assim como os fluxos turbulentos
horizontais no primeiro nível do modelo, foram avaliados com base na comparação
dessas duas simulações com a rodada normal, com topografia de 400 metros e
largura de rio de 80 metros. Os principais objetivos desse último teste são: (i)
confirmar a hipótese de que as trocas são negativas durante o dia devido a
convergência lateral de calor e umidade das encostas para o domínio do rio
(Acevedo et al., 2007) e (ii) responder a principal questão desse trabalho, ou seja, se
um aumento do nível do rio e aumento da área alagada é capaz de mudar o sinal
dos fluxos turbulentos verticais entre o rio e a atmosfera local.
CAPÍTULO 2
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SÍTIO
Neste capítulo, apresenta-se a climatologia da América do Sul, com
ênfase em alguns detalhes da região Sul do Brasil, as características gerais da
região de Nova Roma do Sul – RS e os detalhes do local exato no rio da Prata onde
as observações micrometeorológicas foram realizadas durante a campanha
“Experimento de Observações das Transferências entre a Superfície e a Atmosfera
na Região do Rio das Antas - 2005” (EXPANTAS – 2005).
2.1 – O clima na região Sul do Brasil
A região Sul do Brasil apresenta as quatro estações do ano bem
definidas e é afetada por vários sistemas meteorológicos, os quais freqüentemente
causam queda brusca de temperatura, precipitação, ventos, formação de nevoeiro,
entre outros. A precipitação, que é distribuída ao longo dos doze meses do ano, sem
ocorrência de estação seca, pode ser provocada por sistemas frontais, complexos
convectivos de mesoescala, vórtices ciclônicos, correntes de jato, ciclogêneses e
frontogêneses.
Os complexos convectivos de mesoescala ocorrem na América do Sul,
em geral atingindo os estados da região sul, com maior freqüência nas estações de
transição, especialmente na primavera. Alguns desses sistemas além de chuva
também produzem uma variedade de outros fenômenos convectivos severos,
incluindo tornados, granizo, ventos e intensas tempestades elétricas (Maddox et al.,
1986). Durante a campanha EXPANTAS – 2005 não houve atuação de complexos
convectivos de mesoescala (Bitencourt e Acevedo, 2005), apesar desta ter sido
realizada na estação do outono.
A ocorrência de frio na região Sul é causada pela incursão de sistemas
de alta pressão. O ar frio atinge a região subtropical da América do Sul ao longo do
ano com uma periodicidade de 1 - 2 semanas, sendo que durante o inverno o
26
impacto no campo de temperaturas em baixos níveis é mais significativo (Garreaud,
2000). Lupo et al. (2001) analisaram os aspectos climatológicos da entrada de ar frio
sobre a América do Sul e verificaram que 74 % dos casos ocorrem no inverno e
primavera, entre os meses de junho e novembro.
O ciclone extratropical é um importante sistema meteorológico
causador de precipitação e ventos sobre a região Sul, muitas vezes com ocorrência
de tempestades severas. Em média, ocorrem em todo o Hemisfério Sul entre 35 e
38 ciclones a cada análise do modelo numérico do NCEP/NCAR (Simmonds e Keay,
2000). Segundo Gan e Rao (1991), maio é o mês que apresenta maior freqüência de
ciclogênese sobre a América do Sul. O desenvolvimento de um ciclone sobre o
oceano Atlântico, em maio de 2005, favoreceu a ocorrência de ventos com direção
predominante de oeste na região de Nova Roma do Sul durante um período da
campanha EXPANTAS – 2005 (Bitencourt e Acevedo, 2005). Os vórtices ciclônicos,
muitas vezes causadores dos ciclones extratropicais, também apresentam maior
freqüência na transição das estações de verão e inverno. Segundo Satyamurty et al.
(1990), aproximadamente 100 vórtices ciclônicos por ano atravessam, de oeste para
leste, o continente sul americano entre as latitudes 15 - 60
°
S e, na maioria das
vezes, são gerados ou intensificados na mesma faixa latitudinal, entre as longitudes
30 - 70
°
W.
O comportamento da precipitação na região Sul do Brasil pode ser
influenciado por eventos climáticos de escala global. O El Niño - Oscilação Sul
(ENOS), associado às temperaturas anomalamente mais quentes no oceano
Pacífico equatorial, favorece períodos mais chuvosos sobre parte dos estados do
Sul (Grimm et al., 2000 e Coelho et al., 2002). Haylock et al. (2006) mostraram que
existem conexões da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) do Pacífico
equatorial, associado ao ENOS, com a ocorrência de eventos extremos de
precipitação na região Sul. Diaz et al. (1998) constataram que a anomalia de
precipitação sobre o Rio Grande do Sul tem forte relação também com a TSM do
Oceano Atlântico.
2.2 – A região de Nova Roma do Sul - RS
O município de Nova Roma do Sul localiza-se a 163 km de Porto
Alegre, na mesorregião nordeste do Rio Grande do Sul, na Serra Geral, região Sul
27
do Brasil. Possui uma área territorial de 149 km
2
, situada em 29°01’ S de latitude e
51°25’ W de longitude, conforme apresentado na figura 2.1. As áreas mais altas da
região são produtoras de milho e aveia. A vitivinicultura é tradicional e forte na região
de Nova Roma do Sul, sendo que o clima local é considerado como o melhor no
país para a produção de vinhos (Westphalen e Maluf, 2000).
Figura 2.1 – Localização do Município de Nova Roma do Sul – RS.
A região de Nova Roma do Sul está inserida numa área que contempla
o Complexo Energético Rio das Antas, que é um empreendimento da Companhia
Energética Rio das Antas (CERAN). Esse complexo energético inclui três usinas
hidrelétricas, Castro Alves, Monte Claro e 14 de Julho, estando o município de Nova
Roma do Sul localizado entre as usinas Castro Alves e Monte Claro. Além de Nova
Roma do Sul, fazem parte do complexo energético os municípios de Antônio Prado,
Bento Gonçalves, Cotiporã, Flores da Cunha, Nova Pádua e Veranópolis, todos do
28
estado do Rio Grande do Sul. A usina hidrelétrica de Monte Claro, que já está em
operação desde o início de 2005 e é a mais próxima do local das medidas
micrometeorológicas utilizadas neste trabalho, possui, além da barragem, um túnel
adutor de 1.140 metros que une dois trechos do rio descendo a serra. Esse túnel
adutor aproveita o declive natural do terreno e, com isso, reduz a área alagada
antes da barragem (COMPANHIA ENERGÉTICA RIO DAS ANTAS, 2007). Como a
torre micrometeorológica foi instalada no rio da Prata, a uma distância de
aproximadamente 5 km em linha reta do rio das Antas, e como as águas do rio da
Prata desembocam no final da área alagada pela usina de Monte Claro, a elevação
no nível do rio e, conseqüentemente, o aumento da área alagada foi irrelevante ou
inexistente no local em que foram coletados os dados micrometeorológicos
utilizados neste trabalho.
2.3 – O local das observações
O local exato onde as observações foram efetuadas é a margem sul do
rio da Prata, no vale do rio da Prata, afluente do rio das Antas. Nesse ponto
(indicado pela letra R na figura 2.2), o rio da Prata possui profundidade média de 8
metros, largura de aproximadamente 60 metros e, em condições normais, flui a uma
velocidade aproximada de 1,5 m s
-1
, de oeste para leste. Muitas foram as
dificuldades para a instalação dos equipamentos sobre o rio, passando pela busca
de um local com relativo bom acesso e com possibilidade de fixação segura dos
equipamentos, visto que a torre micrometeorológica teria que ser instalada
exatamente na margem do rio para que, através de um “braço”, os sensores fossem
posicionados sobre a superfície da água. Além disso, foi necessária uma atenção
redobrada por parte da equipe técnica para evitar, na ocasião de chuvas intensas,
que a elevação do nível do rio não comprometesse os sensores instalados na torre e
o computador, que também foi instalado dentro de uma estrutura na margem do rio.
Esse perigo foi tão real durante o experimento de 2005 que de fato houve uma
situação de chuva extrema em toda a bacia do rio das Antas, a qual provocou uma
elevação do rio com extrema rapidez e violenta correnteza, causando a perda total
do computador e dos dados nele registrados. A totalidade da série de dados
coletados não foi perdida porque havia cópia de segurança e os sensores da torre
29
micrometeorológica só não foram destruídos por causa da rápida ação de retirada
dos mesmos pelos técnicos do experimento.
Acevedo et al. (2007) mostraram que os dados transversais ao rio, da
temperatura do ar em dois níveis e da superfície do rio, de uma margem a outra,
medidos durante um dia inteiro da campanha EXPANTAS – 2005, indicam gradiente
de temperatura do ar pouco significativo, não ultrapassando 0,4 °C a diferença
máxima entre as margens sul e norte do rio da Prata, que tem distância de
aproximadamente 60 metros. A temperatura da água alcançou uma diferença
máxima, entre uma margem e outra, de 0,1
°
C. Essas medidas mostram que o rio da
Prata e o ar próximo a sua superfície possuem estrutura térmica praticamente
homogênea na horizontal. As encostas do vale, cobertas em sua maior parte por
Mata Atlântica, são bastante íngremes e iniciam imediatamente na margem do rio.
Figura 2.2 - Mapa topográfico da região de Nova Roma do Sul. A localização da Torre
Micrometeorológica é mostrada com a letra R. Fonte: Acevedo et al. (2007)
30
O local escolhido para as medidas micrometeorológicas (figura 2.3), o
vale do rio da Prata, possui características de terreno complexo. Percebe-se através
da figura 2.4 que o rio da Prata, antes de desembocar no rio das Antas, apresenta
curso com várias curvas acentuadas e, além disso, o vale é estreito e com encostas
íngremes de 400 a 600 metros de altura acima do nível do rio. Essas características
provocam efeitos locais muito importantes, com circulações de mesoescala
tipicamente forçadas pelo aquecimento diferencial da superfície, tais como as
circulações de vale/montanha. Defant (1951) revisou um dos primeiros estudos
desse tipo de circulação. O escoamento de vale/montanha refere-se ao ar frio (vento
catabático), mais denso, fluindo montanha abaixo (figura 2.4a) durante a noite ou ao
ar quente (vento anabático), menos denso, fluindo montanha acima (figura 2.4b)
durante o dia (Maddox et al., 1986). Ao longo do vale existe uma circulação local
similar, também forçada termicamente, são os escoamentos clássicos que ocorrem
vale abaixo (figura 2.4c) durante o período noturno e vale acima (figura 2.4d) durante
o dia (Whiteman, 2000). Ao contrário das brisas do mar e da terra, os ventos de
vale/montanha não são fáceis de serem caracterizados quantitativamente e a
interação desse tipo de circulação de mesoescala com escoamento sinótico pode
ser mais significativa que nos casos da brisa do mar e da terra.
Figura 2.3 – (a) Esquema ilustrativo indicando os trechos norte/sul e leste/oeste que antecedem o
local da torre micrometeorológica e (b) foto da torre micrometeorológica instalada junto
ao rio da Prata.
31
Figura 2.4 – Esquema hipotético da circulação de vale/montanha. h = altura.
Paralelamente às circulações clássicas descritas acima, uma região de
terreno complexo, como a de Nova Roma do Sul – RS, pode apresentar processos
físicos na baixa atmosfera de difícil entendimento. O comportamento da Camada
Limite Planetária (CLP) varia muito, dependendo das características locais de cada
sítio de pesquisa. No caso dos vales de Nova Roma do Sul existem rios, os quais
contrastam termicamente com a superfície da terra e também induzem a ocorrência
de circulações locais. Nos últimos anos, muitos artigos científicos foram publicados
abordando os processos físicos da atmosfera de vales, em especial com respeito à
estrutura do vento e da temperatura.
Whiteman (1982), através da observação do vento e da temperatura
em dias de céu claro, e Whiteman e Mckee (1982), através do uso de modelagem,
estudaram o término da inversão térmica em vales no oeste do Colorado, EUA. Os
resultados dessas pesquisas são particularmente importantes para o presente
estudo, visto que o principal problema abordado nesse trabalho focaliza uma
Camada Limite Convectiva (CLC), após a quebra da inversão térmica. Whiteman
(1982) descobriu que o perfil vertical da temperatura potencial pode evoluir de
acordo com três padrões. Os dois primeiros padrões são casos especiais do terceiro,
em que a inversão térmica é destruída por dois processos contínuos – crescimento
ascendente de uma CLC no fundo do vale e o declínio do topo da inversão. O
término da inversão começa ao amanhecer e é geralmente completada em um
32
período de 3,5 a 5 horas, a menos que o vale esteja coberto de neve ou o chão
esteja molhado. Whiteman (1982) sugere que existam relações importantes entre a
estrutura de vento e a estrutura térmica, embora o campo de vento seja na maioria
das vezes muito mais dinâmico do que o campo de temperatura na atmosfera do
vale. A partir de estudos de caso, Whiteman (1982) apresenta uma estrutura de
circulação específica para o período da quebra da inversão térmica (figura 2.5).
Após o nascer do sol, ventos noturnos continuam descendo o vale através de uma
região ainda estável no interior do vale, enquanto que ventos encosta acima
desenvolvem uma CLC crescente e um escoamento vale acima desenvolve-se
nessa CLC, no fundo do vale. Como a massa é removida da base da camada de
inversão através do escoamento encosta acima, a inversão dissipa e aquece. A
camada neutra acima da região estável (figura 2.6) é similar a uma CLC que se
forma numa inclinação do terreno (figura 2.5) de maiores dimensões existente na
região estudada por Whiteman (1982). A temperatura potencial dessa camada
neutra aumenta com o tempo durante o período de término da inversão. Conforme
apresentado na figura 2.6, no topo da camada neutra está o limite entre a camada
neutra e a atmosfera livre. Os ventos na atmosfera livre são forçados pelos
gradientes de pressão de grande escala e não são afetados pela topografia abaixo.
33
Figura 2.5 – Típico desenvolvimento do sistema de ventos no meio da manhã durante o término da
inversão térmica no vale. Fonte: Adaptado de Whiteman (1982)
Figura 2.6 – Correspondência típica entre as estruturas de temperatura e vento durante o término da
inversão térmica no vale. Fonte: Adaptado de Whiteman (1982)
34
Bader e Mckee (1983) estudaram a estrutura da evolução do vento e
da temperatura na seção transversal de um vale idealizado orientado na direção
leste/oeste. As encostas desse vale idealizado tem pouco mais que 500 metros,
portanto, bastante similar as dimensões encontradas no vale do Rio da Prata. Bader
e Mackee (1983) realizaram duas simulações, na primeira o vale foi aquecido
simetricamente e na segunda foi imposto uma distribuição de aquecimento de
médias latitudes. Ambas as rodadas foram inicializadas identicamente com uma
camada estável dentro do vale, até o topo, e uma camada neutra acima do topo,
conforme representado na figura 2.7. A superfície foi aquecida de acordo com uma
função aproximada ao ciclo diurno. Os autores encontraram resultados similares
entre as duas simulações. A inversão simulada foi destruída três horas e meia
depois do nascer do sol, concordando com o resultado de uma camada neutra
crescendo da superfície para cima e encontrando a inversão no topo. Os ventos
montanha acima, com velocidades de 3 a 5 m s
-1
, desenvolvem-se em ambas
encostas laterais do vale duas horas e meia após o nascer do sol. Os dois casos
revelaram o desenvolvimento de uma bolsa de ar fortemente estável sobre as
paredes laterais, as quais formam-se quando o ar frio advectado montanha acima
perde sua flutuação em elevações mais altas. Essas bolsas estáveis bloqueiam
temporariamente o escoamento montanha acima e força circulações transientes,
transversais ao vale, que atuam no sentido de desestabilizar a CLP no vale. O calor
é rapidamente distribuído através do vale para impedir a formação de grandes
gradientes de temperatura potencial. Bader e Mackee (1983) encontraram ainda que
diferenças bastante uniformes nas taxas de aquecimento entre as paredes laterais
não resultam em diferenças significativas de temperatura potencial através do vale.
As circulações organizadas através do vale e os movimentos turbulentos favorecem
a mistura lateral na camada estável.
35
Figura 2.7 – Modelo inicial do perfil vertical de temperatura potencial. Fonte: Bader e Mackee (1983)
Posteriormente, Whiteman et al. (1999) avaliaram a variação diurna do
padrão de ventos regionais na região de terreno complexo do Grand Canyon,
usando medidas de vento em torres de 10 metros durante o inverno. Os autores
encontraram circulações termicamente dirigidas ao longo das encostas e ao longo
do vale em todos os locais da região, mas ventos característicos variaram de sítio
para sítio, dependendo da configuração e do tipo de topografia. Em alguns locais,
contrariando a teoria da circulação em regiões de vale, observou-se ventos vale
abaixo durante o dia e vale acima á noite.
A estrutura dos ventos dentro de um amplo vale nas Montanhas
Rochosas do Colorado, EUA, também foram estudas por Banta e Cotton (1981) e
Banta (1984). O estudo de Banta e Cotton (1981) considerou observações
seqüências em superfície e altitude, através de meso-redes e radiossondas. Em um
típico dia seco no South Park, três regimes de vento são observados: um regime
36
montanha abaixo, um regime montanha acima e um último regime de vento na
manhã ou a tarde que corresponde a direção dos ventos acima do topo da
montanha. A sondagem vertical realizada no meio da manhã mostra que o vento
montanha acima forma-se dentro de uma CLC rasa, que desenvolve-se abaixo da
inversão noturna em resposta ao aquecimento da superfície. Banta (1984)
aprofundou esses estudos incluindo dados de aeronaves e encontrou algumas
características relevantes. Além de confirmar que os ventos montanha acima
formam-se em uma rasa camada misturada na parte inferior da camada de inversão
noturna (poço frio), Banta (1984) identificou uma região de convergência que ocorre
no turbilhão do vento ascendente do poço frio do vale. Evidencias sugerem que este
é um importante mecanismo para o início de cumulus gerados por montanhas e seu
contínuo crescimento dentro de cumulus congestus e nuvens cumulunimbus.
Weigel e Rotach (2004) investigaram a estrutura do escoamento, o
perfil de temperatura e as características da turbulência da atmosfera do íngreme e
estreito vale Alpino Riviera, sob condições atmosféricas convectivas. Um das
principais constatações dos autores diz respeito aos fluxos superficiais que
apresentaram grande variabilidade espacial, aparentemente causada pelas
diferenças significativas de lugar para lugar na emissão da radiação solar.
Com dados do período de 05 de novembro a 15 de dezembro de 2001,
obtidos durante a primeira campanha experimental realizada na região de Nova
Roma do Sul, Acevedo et al. (2002) selecionaram 10 dias de céu claro para
descrever observações de fluxo na borda do penhasco do vale do rio das Antas.
Foram analisados o vento médio, a temperatura, a umidade, a radiação global, a
radiação de onda curta incidente, o fluxo de calor na superfície e a temperatura no
solo. Os autores perceberam que a circulação local é totalmente controlada pela
topografia, sendo a radiação o principal mecanismo de circulações clássicas do tipo
vale/montanha. Também foi identificado que a intensidade da turbulência, assim
como a magnitude do vento médio, é uma forte função da hora do dia.
A partir de dados dos dias 17, 18, 19 e 20 de fevereiro de 2003,
Bitencourt et al. (2003) avaliaram o comportamento local da temperatura do ar sob a
influência de um sistema meteorológico de escala sinótica. Percebeu-se que a
radiação global e a temperatura potencial apresentam comportamento cíclico
somente na ausência do sistema frontal. Posteriormente, Bitencourt et al. (2003b)
avaliaram a temperatura média do ar no vale do rio das Antas para vários casos de
37
noites de céu claro e encoberto. Utilizando dados da borda do penhasco e do fundo
do vale, os autores identificaram, através da diferença da temperatura potencial
desses dois locais, que o ar frio pode se depositar no fundo do vale, tornando a CLP
termicamente estável, tanto em noites de céu claro como em noites de céu
encoberto. No entanto, somente a condição de céu claro sempre provoca noites com
estabilidade térmica na CLP.
CAPÍTULO 3
ELEMENTOS TEÓRICOS E O COMPORTAMENTO DOS FLUXOS
TURBULENTOS NO VALE DO RIO DA PRATA
Esse capítulo dedica-se ao desenvolvimento de um rápido
embasamento teórico dos processos físicos que ocorrem na baixa atmosfera e da
metodologia para o cálculo dos fluxos turbulentos de calor sensível e latente, entre a
superfície e a atmosfera. Além disso, apresenta-se os resultados desses fluxos,
obtidos a partir dos dados observados no fundo do vale do rio da Prata, durante a
campanha EXPANTAS – 2005.
3.1 – A atmosfera
A estrutura vertical da atmosfera pode ser classificada em três
camadas: (i) A atmosfera livre da influência do atrito da superfície, onde os
movimentos são considerados como escoamentos laminares; (ii) A Camada Limite
Planetária (CLP), que possui considerável influência do atrito e aquecimento da
superfície, onde os movimentos são turbulentos e (iii) A Camada Limite Superficial
(CLS), que tem altura aproximada de 10% da CLP, onde os movimentos são
controlados predominantemente pela presença do atrito da superfície. Essa camada
é também referenciada como a “camada de fluxo constante”, isto é, onde os fluxos
verticais das propriedades físicas produzidos pela turbulência, tais como os fluxos
turbulentos de calor sensível e latente, são considerados praticamente constantes
com a altura.
3.2 – Camada Limite Planetária (CLP)
O estudo da CLP é extremamente importante, visto que é essa região
da atmosfera que afeta mais diretamente a grande maioria das atividades humanas.
O comportamento da temperatura, da umidade, da velocidade do vento, da
39
concentração de poluentes, entre outros, são função direta dos processos físicos
que ocorrem na CLP.
Segundo Stull (1988), a CLP é a região da atmosfera que fica em
contato direto com a superfície da terra e responde as forçantes superficiais com
uma escala de tempo de aproximadamente 1 hora. A CLP, que normalmente
apresenta um ciclo durante as 24 horas do dia e pode alcançar uma altura máxima
de 1 a 2 km no período da tarde, tem a turbulência como principal característica. A
altura da CLP varia em função da taxa de aquecimento ou resfriamento da
superfície, da velocidade do escoamento, do tipo de superfície, das características
topográficas, entre outras (Tennekes e Lumley, 1972). Ocorre turbulência quando,
devido a forçantes mecânicos ou térmicos, o escoamento altera-se
significativamente e passa a apresentar flutuações, onde os campos de velocidade,
pressão, temperatura e concentrações são fortemente dependentes do tempo. Em
outras palavras, a turbulência pode ser vista como uma superposição de vórtices
irregulares, com diferentes escalas espaciais e temporais (Tennekes e Lumley,
1972; Stull, 1988). De uma maneira geral os movimentos na CLP são quase sempre
turbulentos.
A CLP se divide em uma subcamada inercial, em uma camada limite
superficial, em uma camada de mistura e em uma camada de transição. O principal
foco de estudo desse trabalho é dirigido à camada limite superficial, CLS como já
mencionado. A CLP pode apresentar-se em diferentes estados: como uma camada
residual, resultante do decaimento da turbulência, como uma camada limite estável,
que ocorre após o pôr do sol através do resfriamento radiativo da superfície, ou
como uma Camada Limite Convectiva (CLC), que ocorre durante o dia.
3.2.1 – Camada Limite Convectiva (CLC)
Durante o dia, o aquecimento da superfície provocado pela radiação
solar torna a CLP instável, intensificando os movimentos turbulentos e
caracterizando-a como uma CLC ou camada de mistura. É com essas
características que a CLP pode alcançar a altura de até 2 km no equador. A CLC é
identificada pela formação de termas com fluxos turbulentos de calor sensível
40
positivo na vertical. Além da forçante térmica, a existência de cisalhamento do vento
na CLP freqüentemente contribui para a formação ou manutenção da turbulência.
É justamente sob as condições de uma CLC que, nesse trabalho,
tratamos dos processos físicos, em especial das trocas de calor e umidade entre a
superfície e a atmosfera, dentro de um ambiente de vale. No entanto, como veremos
no capítulo 5, as simulações numéricas indicam a presença de pequena estabilidade
no interior do vale devido à presença do rio.
3.3 – A Camada Limite Superficial (CLS) e a representação das trocas de calor
e umidade
A CLS apresenta grandes variações verticais da temperatura, umidade
e cisalhamento do vento, proporcionando com que as trocas turbulentas mais
intensas de momentum, calor e umidade também ocorram nessa camada (Arya,
1988). Os processos físicos dessa camada são representados pela conservação de
massa, momentum, energia térmica e vapor d´água, através da equação da
continuidade (3.1), das equações de Navier-Stokes (3.2 a 3.4), da equação da
termodinâmica (3.5) e da equação da conservação de umidade (3.6),
respectivamente, além da equação de estado do gás ideal (3.7).
() () ()
0=
+
+
+
z
w
y
v
x
u
t
ρ
ρ
ρ
ρ
(3.1)
vfu
x
p
z
u
w
y
u
v
x
u
u
t
u
++
=
+
+
+
2
1
ν
ρ
(3.2)
ufv
y
p
z
v
w
y
v
v
x
v
u
t
v
+
=
+
+
+
2
1
ν
ρ
(3.3)
gw
z
p
z
w
w
y
w
v
x
w
u
t
w
+
=
+
+
+
2
1
ν
ρ
(3.4)
41
(
)
(
)
(
)
(
)
()
θ
ρ
θ
θ
θ
θ
pT
pppp
ckR
z
c
w
y
c
v
x
c
u
t
c
2
1
+=
+
+
+
(3.5)
qk
z
q
w
y
q
v
x
q
u
t
q
V
2
=
+
+
+
(3.6)
TRp
d
ρ
=
(3.7)
onde u, v e w são as componentes da velocidade do vetor vento instantâneo nas
direções x, y e z, respectivamente, f é o parâmetro de Coriolis, p é a pressão,
ρ
é a
densidade do ar, g é a aceleração da gravidade,
ν
é a viscosidade cinemática do ar,
c
p
é o calor específico do ar à pressão constante,
θ
é a temperatura potencial, R é o
fluxo radiativo de calor, k
T
é a difusividade térmica molecular do ar, q é a umidade
específica do ar, k
V
é a difusividade molecular do vapor d´água, R
d
é a constante do
gás para o ar seco, T é a temperatura do ar e
2
é o operador laplaciano.
Para o caso turbulento é necessário resolver essas equações para um
escoamento com condições de contorno específicas e valores iniciais para as
variáveis que tem seus valores modificados ao longo do tempo. Para tanto, utiliza-se
a convenção de Reynolds, que consiste na separação do valor de uma grandeza do
escoamento em duas partes, uma média e outra de flutuação turbulenta (Stull,
1988).
Portanto, se substituirmos
'
θθθ
+= e
'
qqq += , respectivamente, nas
equações 3.5 e 3.6, assumirmos homogeneidade horizontal, obedecermos algumas
propriedades válidas para o operador de média temporal e aplicarmos as
aproximações de Boussinesq, as equações da termodinâmica e da conservação de
umidade ficam
(
)
z
w
z
R
ct
N
p
=
''
1
θ
ρ
θ
e (3.8)
(
)
z
qw
t
q
=
''
, (3.9)
42
conhecidas como parte das equações de Reynolds, onde
R
N
é o saldo de radiação,
w,
θ
’ e q são, respectivamente, as flutuações da velocidade vertical do vento, da
temperatura potencial e da umidade específica do ar e
θ
e q são, respectivamente,
a temperatura potencial média e a umidade específica do ar média.
Considerando o escoamento estacionário e desprezando a variação de
R
N
com a altura, as equações 3.8 e 3.9 podem ser escritas como
()
0'' =
θ
wc
z
p
e (3.10)
()
0'' =
qw
z
. (3.11)
Embora
''
θ
w
e
''qw
não satisfaçam o conceito clássico de fluxo,
definido como a quantidade de uma propriedade que atravessa uma unidade de
área de determinada superfície, por unidade de tempo, em meteorologia esses
termos são chamados de fluxos cinemáticos. Tais fluxos são dados pelo produto
turbulento de duas grandezas não lineares, conhecido como covariância, e indicam
o quanto as duas variáveis turbulentas se relacionam. Os termos
''
θ
w
e
''qw
, das
equações 3.10 e 3.11, são momentos de segunda ordem desconhecidos e, a
resolução desse sistema de equações, requer determinar esses momentos através
de novas equações, que por sua vez também apresentarão momentos
desconhecidos, de terceira ordem. Essa situação, conhecida como problema de
fechamento, requer uma parametrização dos termos de ordem mais alta em função
de grandezas conhecidas. Dessa forma, um fechamento de primeira ordem ocorre
quando o problema envolve equações com momentos de primeira ordem e os
momentos de segunda ordem são parametrizados. Segundo Garratt (1992), para a
maioria das aplicações práticas de modelagem numérica da turbulência na CLP, os
fechamentos de primeira e segunda ordem mostram-se suficientes para os
problemas de simulações numéricas da CLP.
43
Uma das formas de expressar os fluxos turbulentos de calor sensível
(
H) e latente (LE) na vertical é análoga ao transporte de difusão molecular na
atmosfera em termos do gradiente na direção vertical, dados por
z
KcwcH
hpp
==
θ
θ
''
(3.12)
z
q
KqwLE
q
== ''
(3.13)
onde
K
h
e K
q
são, respectivamente, os coeficientes de troca turbulenta para calor e
umidade. Embora essas expressões tenham sido deduzidas a partir do processo de
difusão molecular, os coeficientes
K
h
e
K
q
, conhecidos como teoria
K
, não são
propriedades constantes do fluido (ar para o caso da atmosfera). Os valores dos
coeficientes de troca turbulenta podem variar em função do espaço e do tempo.
Um típico exemplo de um desses fluxos é o comportamento das
flutuações da componente vertical do vento e da temperatura, para uma situação de
CLC. Nessa condição, tanto a parcela de ar subindo como descendo, o produto
''
θ
w
> 0, ou seja, a média cinemática do fluxo turbulento de calor sensível na vertical
é dos níveis mais baixos para os níveis mais altos. Os fluxos, portanto, são
dependentes do gradiente, pois os níveis mais baixos apresentam ar mais quente
que os níveis mais altos. Observa-se que os fluxos turbulentos numa camada
instável possuem maior intensidade do que os fluxos turbulentos que ocorrem numa
camada estável, situação comum do período noturno (Stull, 1988). Também é
comum os fluxos turbulentos de calor sensível e latente apresentarem a mesma
variação, sendo positivos durante o dia e negativos à noite. Além disso, existem os
chamados fluxos médios ou fluxos advectivos. Porém, na vertical esses fluxos são
geralmente negligenciados quando comparados com os fluxos turbulentos.
Os fluxos turbulentos de calor sensível e latente, avaliados sob o
aspecto observacional nesse capítulo e simulado numericamente no capítulo 5, são,
respectivamente, as trocas de calor (
H
0
) e umidade (LE
0
) que ocorrem entre a
superfície e a atmosfera. No caso específico desse trabalho, são as trocas entre a
44
superfície da água do rio da Prata e a atmosfera local do interior do vale do rio da
Prata.
3.4 – Medida dos fluxos no vale do rio da Prata
Acevedo et al. (2007) calcularam
H
0
e LE
0
, entre a superfície do rio da
Prata e a atmosfera, a partir das observações de resposta rápida da temperatura e
umidade específica do ar e das componentes turbulentas da velocidade do vento.
Os fluxos foram comparados com os gradientes verticais de temperatura e umidade
entre o ar e a superfície da água. A umidade do ar imediatamente em contato com a
superfície do rio é assumida ser a umidade de saturação à temperatura da água.
Utilizou-se a técnica “correlação dos vórtices” (“eddy correlation”), que implica em
fazer observações de alta freqüência das variáveis relacionadas (
w,
θ
e q) e
posteriormente efetuar a covariância estatística entre a componente vertical do vento
e as demais variáveis (
''
θ
w e ''qw ). Essa média diz respeito a um intervalo de todo o
transporte da propriedade pela componente do vento, para cada instante observado
(Moraes et al., 2007). Entretanto, os sensores efetuam as medidas do valor absoluto
da variável em um instante e não da flutuação dessa variável. E, para se obter essa
flutuação é necessário se ter um valor médio que é dependente do período
escolhido. Esse período, conhecido como “janela”, foi de 5 minutos para as medidas
de fluxo no fundo do vale do rio da Prata. Os erros sistemáticos e aleatórios nas
medidas de fluxo, que podem em parte ser causados pela heterogeneidade do
terreno (Doran et al., 1989), foram identificados e filtrados por Acevedo et al. (2007)
através do critério sugerido por Vickers e Mahrt (1997).
Segundo Acevedo et al. (2007), os fluxos turbulentos de calor sensível
e latente no vale do rio da Prata são controlados por dois processos distintos: pelo
gradiente vertical água/ar de temperatura e umidade, tratados como fluxos de
superfície, e pela influência de massas de ar com diferentes características que são
transportadas ao longo do vale, conforme descrito no capítulo 4. Mesmo ocorrendo
com pouca freqüência, esse segundo processo provoca consideráveis modificações
nos fluxos verticais no fundo do vale. Percebe-se (figura 3.1) que a chegada dessas
massas de ar quente e seco, geralmente vindas de oeste, induzem fortes picos nos
45
fluxos turbulentos de calor sensível positivo e fluxos turbulentos de calor latente
negativo. As trocas de umidade chegaram a apresentar pico de - 200 W m
-2
no dia
02 de junho e - 100 W m
-2
no dia 04 de junho. Esses valores são uma ordem de
magnitude mais alta que os valores dos fluxos turbulentos tipicamente observados
no vale do rio da Prata.
Figura 3.1 – Fluxos turbulentos verticais de calor sensível e latente dos dias 02 e 04 de junho de
2005. Fonte: Adaptado de Acevedo et al. (2007)
Os fluxos turbulentos horizontais (figura 3.2) explicam o
comportamento dos fluxos verticais. O fluxo de umidade ao longo do rio chega a
1000 W m
-2
no dia 02 de junho (painel superior da figura 3.2), indicando que as
características de cada uma das massas de ar são muito distintas da atmosfera local
(Acevedo et al., 2007). Considerando que os ventos no interior do vale são
normalmente de oeste para leste (rio abaixo – direção
x) e, por causa disso, são
positivos, os picos positivos de fluxos de temperatura ao longo do rio e os picos
negativos de fluxos de umidade ao longo do rio representam transporte rio abaixo de
ar quente e seco, respectivamente. Enquanto que os fluxos horizontais, transversais
ao rio, mostram transporte de ar quente e seco do rio para a margem. Essa seria a
forma que essas massas de ar quente e seco se redistribuem no interior do vale.
46
Figura 3.2 – Fluxos turbulentos horizontais de calor sensível e latente dos dias 02 e 04 de junho de
2005. Os valores positivos representam fluxos de oeste para leste, quando são ao
longo do rio, e de sul para norte, quando são transversais ao rio. Fonte: Adaptado de
Acevedo et al. (2007)
Lembramos que esses eventos são intensos e provocam forte impacto
nos resultados dos fluxos turbulentos verticais. No entanto, os transportes de massa
ao longo do rio são transientes e, portanto, não necessariamente aparecem quando
avalia-se os valores médios. Veremos através dos resultados das simulações
numéricas, apresentadas no capítulo 5, que os fluxos turbulentos verticais de calor
sensível e latente sobre o rio são, além de outros fatores, provenientes do saldo de
calor e umidade transportados lateralmente das encostas para cima do rio, como já
indicado pelos dados observados na torre micrometeorológica instalada sobre o rio
da Prata (Acevedo et al., 2007).
O comportamento médio dos fluxos verticais e horizontais pode ser
analisado através da figura 3.3. Essa média foi feita para os dias 13, 14, 17, 28, 29,
30 e 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005. De acordo com Acevedo et
al. (2007), esses são os 12 dias completos de dados com boa qualidade para
avaliação dos fluxos junto ao rio da Prata. A partir desse ponto do texto a expressão
“dias selecionados” sempre estará relacionada com essas datas. Percebe-se através
do painel superior da figura 3.3 que tanto
H
0
como LE
0
são negativos durante
aproximadamente o período de 11 a 19 horas, ou seja, as trocas de calor e umidade
são do ar para o rio durante grande parte do dia. Quase coincidindo com esse
47
período, aparecem fluxos turbulentos laterais de calor sensível positivos e com maior
intensidade, ou seja, transportes de massa de ar mais quente vindas das encostas
(ver painel inferior da figura 3.3) para cima do rio. Os valores negativos dos fluxos
turbulentos laterais de calor latente (painel inferior da figura 3.3) indicam transporte
de massas de ar mais úmidas vindas das encostas para cima do domínio do rio.
Segundo Acevedo et al. (2007), esses transportes laterais são uma das principais
justificativas para a ocorrência de trocas verticais negativas entre o rio e a atmosfera
local do vale do rio da Prata.
Figura 3.3 – Fluxos turbulentos de calor sensível e latente médios para todos os dias selecionados. O
painel superior mostra as trocas verticais e o painel inferior mostra as trocas horizontais,
transversais ao vale (direção y). Fonte: Acevedo et al. (2007)
Ocorre fluxo turbulento de calor sensível positivo quando a temperatura
da superfície do rio é maior que a temperatura do ar e negativo quando o ar está
mais quente que a superfície da água. Percebe-se através do painel superior da
figura 3.4 que quando
H
0
> 0, H
0
aumenta conforme aumenta o gradiente de
temperatura água/ar. Porém, quando
H
0
< 0, a magnitude dos fluxos começa
crescendo com o aumento da diferença de temperatura, mas assim que essa
48
diferença supera aproximadamente 2 ºC, a magnitude dos fluxos passa a diminuir.
A diferença de 2 ºC representa um gradiente térmico vertical de aproximadamente
0,3 ºC m
-1
. Segundo Acevedo et al. (2007), essa diminuição na magnitude dos fluxos
ocorre porque a partir desse gradiente vertical térmico, há uma forte estabilidade que
tende a remover a energia do movimento turbulento. Resultados similares foram
encontrados por Mahrt et al. (1998) e Moraes et al. (2004), porém no período
noturno. Rotach et al. (2004) encontraram trocas de calor da superfície para o ar
durante o dia no fundo de um vale, porém, as medidas não foram realizadas sobre a
superfície do rio e sim sobre a terra.
O comportamento médio do fluxo turbulento de calor latente (painel
inferior da figura 3.4) é similar ao observado com os fluxos de calor sensível. Essa
semelhança ocorre porque o gradiente vertical de umidade, ou seja, a diferença
entre a umidade específica do ar e a umidade de saturação à temperatura da água,
acompanha o gradiente vertical térmico. Porém, os fluxos turbulentos de calor
latente não mudam de sinal quando o gradiente vertical de umidade específica
ultrapassa o zero. A partir dos resultados médios desses fluxos, vemos que a
inversão de sinal do fluxo acontece dentro do intervalo de valores negativos, ou seja,
as trocas de umidade passam a ser do ar para o rio quando a umidade específica do
ar ainda é menor que a umidade de saturação à temperatura da água. Acevedo et
al. (2007) sugerem que isso ocorra devido a técnica adotada de assumir a umidade
específica de um nível mais baixo como sendo a umidade de saturação à
temperatura da água.
O desvio padrão médio de
H
0
é de, no máximo, aproximadamente 4,5
W m
-2
quando a temperatura do ar é cerca de 0,5 ºC mais alta que a temperatura da
água. Já o maior valor de desvio padrão médio apresentado por
LE
0
é de
aproximadamente 3,7 W m
-2
, quando o gradiente de umidade é de pouco menos que
0,5 g kg
-1
, com a umidade de saturação à temperatura da superfície do rio menor
que a umidade específica do ar.
49
Figura 3.4 – Fluxos turbulentos verticais médios de calor senvel (H
0
), como uma função da diferença
entre a temperaturas do ar e da água e fluxos turbulentos verticais médios de calor
latente (LE
0
), como uma função da diferença entre a umidade específica do ar e a
umidade específica de saturação à temperatura da água. As linhas verticais indicam o
desvio padrão. Fonte: Acevedo et al. (2007)
Certamente, o principal resultado obtido dessas análises diz respeito
ao sentido que essas trocas verticais de calor e umidade ocorrem. Diferentemente
do que normalmente acontece em outras regiões, os fluxos turbulentos de calor
sensível e latente no vale do rio da Prata são negativos durante o dia e positivos à
noite. Os motivos para a ocorrência desse padrão são amplamente discutidos no
capítulo 5. No entanto, fazendo uma relação das trocas observadas no vale do rio da
Prata com a avaliação sinótica, realizada no capítulo 4, pode-se supor que os fluxos
turbulentos são negativos sobre o rio também pela influência da condição sinótica,
visto que as anomalias de temperatura e umidade específica do ar em 1000 mb
foram positivas em todos os dias selecionados. Na grande maioria desses dias,
inclusive, foi verificado temperatura e umidade muito acima da normal climatológica
(análise feita através das figuras 4.2 e 4.3 do capítulo 4), fato que pode ter
50
contribuído para a ocorrência de trocas negativas entre o rio e a atmosfera local no
fundo do vale. Outras constatações do capítulo 4, como a verificação de que os dias
mais secos no fundo do vale são coincidentes com os dias mais secos, de acordo
com os dados sinóticos do NCEP/NCAR, colaboram com a hipótese de que as
grandezas físicas no fundo do vale e, conseqüente comportamento dos fluxos
verticais é, em parte, função da situação meteorológica na atmosfera livre.
Os dados para cálculo dos fluxos foram obtidos sobre apenas um
ponto da água, na margem sul do rio da Prata. Já boa parte dos resultados das
simulações numéricas apresentados no capítulo 5 são analisados através da média
espacial para o domínio do rio. A comparação, portanto, dos fluxos observados com
os fluxos simulados requer responder uma questão levantada por Acevedo et al.
(2007). Essa questão diz respeito à quanto as medidas feitas perto da margem do
rio da Prata são representativas das trocas médias de calor e umidade, entre a água
e a atmosfera, em toda a largura do rio da Prata. Essa questão foi respondida com
base em observações transversais ao rio, durante um dia inteiro de céu claro da
campanha EXPANTAS – 2005. Foram feitas medidas da temperatura da superfície
da água e da temperatura do ar em dois níveis. Percebe-se através da figura 3.5 que
a diferença máxima da temperatura do ar entre as duas margens ocorreu depois da
dissipação da camada de nevoeiro, por volta das 10 horas e 40 minutos da manhã.
Após a dissipação do nevoeiro, apenas a margem sul passou a ser atingida pela
radiação solar, porém mesmo nessa situação, o gradiente entre as duas margens,
para a temperatura do ar, não ultrapassou 0,4 ºC. Apesar da estratificação estável
verificada sobre o rio, algum processo de mistura existente durante as próximas
horas após a dissipação do nevoeiro induziu uma suavização do gradiente térmico,
tornando-o menor ainda. Acevedo et al. (2007) chamam a atenção também para a
ocorrência de uma inversão do gradiente térmico, pouco depois do meio dia, quando
a margem sul se tornou mais fria que a margem norte.
51
Figura 3.5 – Perturbação em relação a média transversal ao rio, da temperatura do ar em 6 metros,
como uma função do tempo e da distância entre as margens sul e norte. As linhas
sólidas mais grossas representam o contorno de 0 ºC. As linhas tracejadas representam
os valores negativos e as linhas sólidas os valores positivos. A escala em cinza é
apresentada à esquerda do gráfico. Fonte: Acevedo et al. (2007)
A temperatura da água apresenta gradientes transversais ainda
menores e mais simples. Esse gradiente também passa a ocorrer após a dissipação
da camada de nevoeiro, porém o gradiente máximo ocorre em torno das 12 horas e
30 minutos, com uma diferença de 0,1 ºC entre uma margem e outra (figura 3.6). De
acordo com os dados avaliados por Acevedo et al. (2007), o gradiente térmico na
superfície da água após atingir o seu máximo decresce até toda a largura do rio da
Prata apresentar temperatura superficial homogênea.
52
Figura 3.6 – Perturbação em relação a média transversal ao rio, da temperatura da água, como uma
função do tempo e da distância entre as margens sul e norte. As linhas sólidas mais
grossas representam o contorno de 0 ºC. As linhas tracejadas representam os valores
negativos e as linhas sólidas os valores positivos. A escala em cinza é apresentada à
esquerda do gráfico. Fonte: Acevedo et al. (2007)
Acevedo et al. (2007) constatam que os gradientes transversais ao rio
não causam impactos significativos nos fluxos turbulentos verticais de calor sensível
e latente. Dessa forma, acreditamos que as observações de uma margem sejam
uma aproximação aceitável para os fluxos médios entre o rio e a atmosfera e,
portanto, os resultados das simulações numéricas feitas nesse estudo, com base em
médias espaciais sobre o rio, podem ser comparados com os dados observados.
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS NA CAMPANHA
EXPANTAS – 2005
Neste capítulo é feito uma avaliação completa dos dias escolhidos
dentre o período da campanha “Experimento de Observações das Transferências
entre a Superfície e a Atmosfera na Região do Rio das Antas - 2005” (EXPANTAS –
2005) para análise dos fluxos entre a superfície e a atmosfera. Utilizando dados do
“National Center for Environmental Prediction / National Center for Atmospheric
Research” (NCEP/NCAR), faz-se uma análise do escoamento de grande escala,
comparando algumas variáveis pontuais reanalisadas em cada dia selecionado com
a climatologia diária e com os valores de desvio padrão médio. Avalia-se também os
parâmetros medidos pela torre micrometeorológica do rio, localizada no fundo do
vale do rio da Prata, cujos sensores foram instalados sobre a superfície da água.
Posteriormente, compara-se o escoamento sinótico com os ventos locais do interior
do vale do rio da Prata.
4.1 – Avaliação meteorológica dos dias selecionados
Apesar da campanha EXPANTAS – 2005 ter durado quase dois
meses, Acevedo et al. (2007) consideraram apenas 12 dias completos de dados de
boa qualidade para avaliação dos fluxos junto ao rio da Prata. Conforme
mencionado no capítulo anterior os dias selecionados são as datas de 13, 14, 17,
28, 29, 30 e 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005.
Nesse subcapítulo é apresentada uma avaliação completa sobre as
condições meteorológicas ocorridas em cada um dos dias selecionados, abordando
detalhadamente os escoamentos de escala sinótica, de mesoescala e de escala
micrometeorológica.
54
4.1.1 – Avaliação sinótica
A avaliação sinótica é importante devido ao fato do escoamento de
grande escala ser uma forçante considerável para as condições do microclima
dentro do vale. Importantes artigos científicos trataram da interação escoamento
sinótico versus circulação local em regiões montanhosas. Segal et al. (1983)
estudaram os padrões meteorológicos de mesoescala em associação com duas
freqüentes condições sinóticas na região do Mar Morto, lago de grandes dimensões
cercado por colinas na região do vale do Rio Jordão. Os autores constataram que o
efeito sinótico ou de mesoescala induz mudanças significativas na direção do vento,
que originalmente é forçada pelos efeitos térmicos do sistema lago-montanha. Banta
e Cotton (1981), através da análise de dados de meso-rede de superfície e de
radiossondagens em um amplo vale das montanhas rochosas do Colorado,
identificaram três regimes de vento, onde um deles ocorre em conjunto com uma
Camada Limite Convectiva (CLC), na qual o momentum e outras propriedades
apresentam-se bem misturadas em toda a sua profundidade até a superfície,
favorecendo o aparecimento de ventos com direção de oeste no fundo do vale, os
quais são conseqüência do escoamento de grande escala acima das montanhas.
Posteriormente, Banta (1984) avaliou dados bidimensionais de radiossonda na
mesma região e também constatou que os ventos de ar superior apresentam
importante efeito nas características diárias do sistema de ventos forçados
termicamente. Whitman e Doran (1993) relacionaram o escoamento em escala
sinótica com os ventos dentro de um vale sob o enfoque climatológico e com o uso
de modelagem numérica. A avaliação sinótica baseou-se na interpolação de quatro
estações de radiossonda localizadas na vizinhança do vale Tennessee, enquanto os
processos físicos e de circulação de dentro desse vale foram avaliados através dos
dados de quatro torres micrometeorológicas. Os resultados numéricos obtidos por
Whiteman e Doran (1993) auxiliaram a identificação do gradiente de pressão,
transporte descendente de momentum e forçante térmica como principais
mecanismos determinantes das direções do vento no interior do vale.
A campanha EXPANTAS – 2005 aconteceu entre os dias 20 de abril e
09 de junho de 2005, contemplando os dois primeiros meses da estação de outono.
Analisando o comportamento atmosférico nos níveis de 1000, 925 e 850 mb, durante
o período completo dessa campanha, Bitencourt e Acevedo (2005) identificaram 8
55
casos (tabela 4.1) com ventos de grande escala relativamente mais intensos e, para
cada caso, os autores avaliaram as condições meteorológicas no domínio sinótico.
Ressalta-se que não necessariamente os sistemas meteorológicos atuaram sobre a
região de Nova Roma do Sul, pois primeiramente foram separados os períodos com
velocidade do vento superior a 5 m s
-1
e, posteriormente, avaliou-se qual sistema
meteorológico provocou o aumento da magnitude do vento.
Tabela 4.1 – Casos selecionados para análise sinótica
Caso Período Caso Período
1
00Z 25/Abril – 06Z 26/Abril
5
06Z 21/Maio – 06Z 22/Maio
2
06Z 03/Maio – 00Z 06/Maio
6
00Z 25/Maio – 18Z 25/Maio
3
18Z 07/Maio – 00Z 10/Maio
7
06Z 29/Maio – 06Z 30/Maio
4
12Z 12/Maio – 00Z 15/Maio
8
06Z 02/Junho – 18Z 05/Junho
Fonte: Bitencourt e Acevedo (2005)
A tabela 4.1 mostra os períodos da campanha EXPANTAS em que os
ventos na região de Nova Roma do Sul tiveram influência de sistemas
meteorológicos de escala sinótica. Entre os dias selecionados, a velocidade do
vento no local das observações sofreu influência de sistemas meteorológicos no
domínio sinótico da região de Nova Roma do Sul nos dias 13, 14, 29 e 30 de maio e
nos dias 02, 03, 04 e 05 de junho, relativos aos casos 4, 7 e 8. Nesses três casos,
Bitencourt e Acevedo (2005) identificaram a ocorrência de frontogênense entre o
norte da Argentina e Uruguai, situação que favoreceu ventos predominantes do
quadrante norte na região de Nova Roma do Sul, como verificado na maioria das
vezes (85% dos casos) dos 12 dias selecionados (Bitencourt e Acevedo, 2006).
Bitencourt e Acevedo (2006) calcularam os campos médios e de
anomalia da pressão ao nível médio do mar e da altura geopotencial nos níveis de
500 e 200 mb, exclusivamente para os 12 dias selecionados, e perceberam que há
justificativas para a predominância do escoamento de grande escala do quadrante
norte na região de Nova Roma do Sul. De acordo com a macro-análise feita por
Bitencourt e Acevedo (2006), através dos campos de climatologia diária e
especialmente dos campos de anomalia (figura 4.1), percebe-se que durante os dias
selecionados não há situação sinótica provável de gerar uma condição de evento
meteorológico extremo no interior do vale do rio da Prata e que, pelo menos para
56
esta época do ano, há indícios de que as condições de vento local e de fluxo
observadas na superfície do rio são bastante normais.
Figura 4.1 – Campo de anomalia da (a) pressão ao nível médio do mar, da (b) altura geopotencial em
500 mb e da (c) altura geopotencial em 200 mb. Fonte: Adaptado de Bitencourt e
Acevedo (2006).
A partir de agora, também através do uso dos dados do NCEP/NCAR,
será feita uma avaliação mais criteriosa das condições de tempo locais, as quais são
provenientes da situação meteorológica de escala sinótica, para os 12 dias
selecionados da campanha EXPANTAS – 2005. Os dados foram obtidos da
reanálise do NCEP/NCAR, correspondente a um ponto próximo do local de
observação, junto ao rio da Prata. Esses dados foram comparados com a
climatologia diária em cada um dos dias selecionados. Os valores de anomalia de
algumas variáveis são confrontados, dia a dia, com o desvio padrão médio, também
calculado exclusivamente para os dias selecionados, a partir da mesma série
histórica da climatologia diária do NCEP/NCAR. As variáveis avaliadas foram a
velocidade do vento
1
, a temperatura do ar
1
, a umidade relativa do ar
2
e a umidade
específica do ar
2
no nível atmosférico de 1000 mb, a velocidade vertical
2
(Omega)
em 850 mb e a pressão atmosférica ao nível médio do mar
1
. As reanálises do
NCEP/NCAR são obtidas de dados meteorológicos de superfície em terra, navio,
radiossonda, aeronaves, satélite e outros, controlando a qualidade desses dados e
assimilando-os com o mesmo sistema de assimilação de dados desde 1957 (Kalnay
et al., 1996). Esses dados, obtidos de http://www.cdc.noaa.gov/, são apresentados
1
Análise baseada fortemente em dados observados
2
Análise praticamente baseada em dados observados, mas significativamente influenciada por características do
modelo
57
numa grade global com resolução espacial de 2,5° X 2,5°, sendo que a climatologia
diária é construída para o período de 1968 – 1996 (EUA, 2007).
Percebe-se através da figura 4.2 que, apesar da ausência de evento
meteorológico extremo no domínio sinótico de Nova Roma do Sul (Bitencourt e
Acevedo, 2006), a temperatura média em todos os dias selecionados ficou acima
dos valores climatológicos correspondentes. As anomalias positivas foram menos
significativas nos dias 17 e 28 de maio, ficando abaixo de 1 °C. Nos demais dias
selecionados as anomalias positivas da temperatura do ar oscilaram entre 2,4 °C, no
dia 29 de maio, e 7,3 °C, no dia 05 de junho. O cálculo do desvio padrão médio
apresentou valores entre 3,1 e 4,4 °C, sendo que a anomalia positiva de temperatura
do ar superou os valores de desvio padrão nos dias 13 e 14 de maio e no período de
02 a 06 de junho. O fato das anomalias de temperatura do ar terem sido positivas
em todos os casos, inclusive superando o valor do desvio padrão médio em 8 dos 12
dias selecionados, é justificado pela situação de vento predominante do quadrante
norte verificado por Bitencourt e Acevedo (2005). Os ventos de norte advectaram ar
mais quente de latitudes mais baixas para a região de Nova Roma do Sul,
proporcionando que a maioria dos dias selecionados apresentasse dias e noites
mais quentes do que o normal para essa época do ano.
58
Figura 4.2 – Temperatura do ar em 1000 mb para os dias selecionados. As barras mostram os
valores analisados nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia são
apresentados na parte superior do gráfico.
A umidade específica do ar no nível atmosférico de 1000 mb (figura
4.3) ficou próximo do normal ou com valores de anomalia dentro do limite de desvio
padrão médio em boa parte dos dias selecionados. O período de 02 a 06 de junho,
apresentou umidade específica maior em relação a climatologia diária, superando
aproximadamente 1 g kg
-1
o desvio padrão médio. Neste período também foram
observados dias anomalamente mais quentes (conforme figura 4.2)
59
Figura 4.3 – Umidade específica do ar em 1000 mb para os dias selecionados. As barras mostram os
valores analisados nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia são
apresentados na parte superior do gráfico
A avaliação local da pressão ao nível médio do mar (figura 4.4)
mostrou que os valores ficaram próximo da normalidade na grande maioria dos dias
selecionados, com anomalia superando (em menos de 1 mb) o valor de desvio
padrão apenas no dia 31 de maio. Essa avaliação pontual evidentemente coincide
com as conclusões obtidas da análise dos campos médios estudados por Bitencourt
e Acevedo (2006). Nesse estudo, o diagnóstico espacial da média dos dias
selecionados apresentou pouca anomalia da pressão ao nível médio do mar em toda
a região Sul do Brasil (ver figura 4.1a). Sendo a pressão atmosférica ao nível médio
do mar um diagnóstico padrão e bastante eficiente na identificação de sistemas
meteorológicos de escala sinótica, percebe-se tanto através da análise mostrada por
Bitencourt e Acevedo (2006) como através da avaliação pontual feita agora, que a
condição atmosférica de grande escala não apresentou eventos meteorológicos
extremos durante os dias selecionados.
60
Figura 4.4 – Pressão ao nível médio do mar para os dias selecionados. As barras mostram os valores
analisados nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia são apresentados na
parte superior do gráfico.
A avaliação da velocidade vertical (Omega) é importante no contexto
do presente estudo porque esse diagnóstico, embora sendo local, apresenta
quantitativamente a subsidência ou ascendência do ar, forçadas pelos processos
físicos de escala sinótica, sem a interferência dos efeitos localizados provocados
pelo vale. Percebe-se que na grande maioria dos casos a velocidade vertical foi
positiva (figura 4.5), caracterizando movimento vertical subsidente no nível de 850
mb. As exceções ocorreram em apenas um horário sinótico dos dias 13 e 14 de
maio e dos dias 03, 04 e 06 de junho. O dia 30 de maio foi o mais diferente de todos,
pois apresentou movimento vertical de grande escala ascendente em três dos quatro
horários sinóticos. O cálculo das anomalias mostrou valores não superiores a | 2 x
10
-1
Pa s
-1
|. Essa avaliação indica que na maioria das vezes a condição atmosférica
de escala sinótica foi de estabilidade sobre a região de Nova Roma do Sul.
61
Figura 4.5 – Velocidade vertical (Omega) do vento em 850 mb para os dias selecionados. As barras
mostram os valores analisados nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia
são apresentados na parte superior do gráfico.
A velocidade do vento horizontal obtida dos dados do NCEP/NCAR e
interpolada para a região de Nova Roma do Sul também é uma variável importante.
Quando a intensidade do escoamento de grande escala aumenta localmente,
provavelmente esteja atuando algum sistema meteorológico no domínio da escala
sinótica. Um bom exemplo disso é o aumento da intensidade do vento local em Nova
Roma do Sul devido à presença de frontogênese no norte da Argentina e Uruguai,
conforme foi verificado por Bitencourt e Acevedo (2005) em três casos dos dias
selecionados. A figura 4.6 mostra que a média da velocidade horizontal do vento em
1000 mb para os quatro horários sinóticos ficou acima da climatologia diária em
todos os 12 dias selecionados. Portanto, a anomalia da intensidade do vento foi
sempre positiva e oscilou de 1,6 a 8,7 m s
-1
. Os dias que apresentaram menor
intensidade, ficando mais próximos da climatologia, são aqueles não incluídos na
tabela 4.1, para os quais Bitencourt e Acevedo (2005) não identificaram presença de
sistema meteorológico de escala sinótica significativo no domínio em torno da região
Sul do Brasil.
62
Figura 4.6 – Velocidade horizontal do vento em 1000 mb para os dias selecionados. As barras
mostram os valores analisados nos quatro horários sinóticos. Os valores de anomalia
são apresentados na parte superior do gráfico.
Analisando separadamente a componente zonal do vento (figura 4.7),
percebe-se que o escoamento de grande escala no sentido de leste para oeste
ocorreu em 5 dos 12 dias selecionados. A variabilidade do vento é bastante grande
e, por causa disso, seria difícil os valores escalares de cada componente do vento
serem próximos dos valores de climatologia. Entretanto, chama a atenção o fato do
vento zonal ter apresentado um sinal inverso no sétimo e oitavo dia selecionado
(dias 31 de maio e 02 de junho). Mas o mais importante nessa análise é que, para
qualquer sinal da componente zonal do vento, sua magnitude foi baixa, não superior
a 2 m s
-1
, na maioria dos dias selecionados. A exceção foi o dia 31 de maio, que
inclusive foi o mais diferente da climatologia. Nesse dia em particular, o vento médio
soprou exclusivamente de leste (a componente meridional foi nula, conforme figura
4.8) com uma velocidade de aproximadamente 3 m s
-1
, fato interessante para a
avaliação do escoamento canalizado no interior do vale, estudo que será detalhado
no item 4.2.
63
Figura 4.7 – Magnitude da componente zonal do vento em 1000 mb para os dias selecionados.
A componente meridional do vento (figura 4.8) apresentou valores
negativos (escoamento de norte) em praticamente todos os dias selecionados,
conforme já constatado por Bitencourt e Acevedo (2005). O gráfico também mostra,
que embora os valores não sejam muito próximos, a média diária da componente
meridional do vento apresentou o mesmo sinal dos dados climatológicos de
praticamente todos os dias, ou seja, normalmente o vento sopra de norte nessa
região durante essa época do ano. Além da predominância do vento do quadrante
norte, é também significativo a maior intensidade do escoamento de grande escala
nessa direção, com valores entre 6 e 9 m s
-1
na maioria dos dias selecionados. Essa
situação favorece que os ventos de escala sinótica sejam canalizados, através do
trecho 1 (ver figura 2.3a) do vale do rio da Prata, proporcionando escoamento local
vale abaixo como, de fato, foi verificado na maioria das vezes (Bitencourt e Acevedo,
2006).
64
Figura 4.8 – Magnitude da componente meridional do vento em 1000 mb para os dias selecionados.
4.1.2 – Avaliação dos parâmetros atmosféricos locais
A análise das condições atmosféricas no interior do vale do rio da Prata
foi realizada a partir dos dados meteorológicos medidos na torre instalada na
margem sul do rio da Prata (ver figura 2.3b), onde um “braço” localizou os sensores
acima da superfície da água. Os dados avaliados são os de rápida resposta, ou seja,
com registros a cada 15 segundos, das variáveis direção (°) e velocidade (m s
-1
) do
vento, temperatura do ar (°C) e umidade relativa do ar (%) na altura de 6 metros,
temperatura do rio (°C), radiação solar incidente de onda curta (W m
-2
), saldo de
radiação (W m
-2
) e pressão atmosférica (mb). A umidade específica do ar (g kg
-1
) foi
obtida a partir das observações de temperatura e umidade relativa do ar. A altura
dos sensores é referente ao nível do rio da Prata em condições atmosféricas
normais, sem evento extremo de precipitação. Precipitações intensas sobre a região
de Nova Roma do Sul costumam elevar muitos metros o nível do rio da Prata em
poucas horas.
Como já mencionado antes, dos quase dois meses de duração da
campanha EXPANTAS – 2005, apenas 12 dias foram selecionados para avaliação
65
dos parâmetros atmosféricos medidos na torre micrometeorológica situada no rio da
Prata. Dentre esses dias existem algumas falhas ocasionadas por problemas
operacionais. A relação dessas falhas é apresentada na tabela 4.2.
Tabela 4.2 – Relação de falhas na série de dados dos dias selecionados
DIA PERÍODO VARIÁVEL
13/05
00:00h – 23:59h
00:00h – 10:18h
direção do vento
saldo de radiação
14/05
00:00h – 23:59h
09:20h – 09:52h
11:20h – 11:52h
12:19h – 12:52h
13:19h – 13:52h
19:18h – 19:51h
20:18h – 20:51h
21:18h – 21:50h
23:17h – 23:50h
23:57h – 23:59h
direção do vento
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
todas as variáveis
17/05
00:00h – 23:59h
direção do vento
28/05
10:59h – 11:09h
radiação incidente; saldo de radiação
02/06 15:48h – 16:00h
todas as variáveis
06/06 14:30h – 23:59h
todas as variáveis
A temperatura do rio passou a ser medida somente a partir das 12
horas e 35 minutos do dia 30 de maio, apresentando falha na série de dados no
período das 15 horas e 48 minutos até as 16 horas do dia 02 de junho e no período
das 14 horas e 30 minutos até as 23 horas e 59 minutos do dia 06 de junho.
No capítulo 5, a determinação dos parâmetros atmosféricos no modelo
LES tomou como base os valores médios, para os 12 dias selecionados, dos dados
micrometeorológicos de dentro do vale. Apesar disso, é importante a avaliação dia a
dia do comportamento atmosférico local, o que será feito através dos gráficos que
seguem.
É muito importante a avaliação da radiação solar incidente devido a
sua influência direta ou indireta sobre todas as demais variáveis (Acevedo et al.,
2002), inclusive sobre os fluxos. A radiação incidente no horário das 12 horas é um
dos parâmetros de entrada do modelo numérico utilizado nesse estudo. De acordo
com os gráficos mostrados nas figuras 4.9 e 4.10, percebe-se que em 9 dos 12
dias selecionados o pico de radiação incidente (por volta das 12 horas) apresentou
valores entre 700 e 750 W m
-2
. O dia 17 de maio, que apesar de também ter
atingido valor máximo entre 700 e 750 W m
-2
, a curva da radiação incidente ao longo
66
do dia não apresentou-se de forma contínua, com características de céu claro ou
com poucas nuvens. Os dias 31 de maio e 04 de junho também foram pouco
semelhantes aos demais, apresentando a curva de radiação incidente sem padrão
característico de dias ensolarados. Os valores de radiação incidente nesses dias
chegaram a atingir entre 400 e 450 W m
-2
durante alguns poucos momentos do dia
31 de maio e em torno de 600 W m
-2
no dia 04 de junho. Nos 9 dias em que a curva
de radiação incidente obedeceu um padrão característico de céu claro ou com
poucas nuvens, o saldo de radiação teve pico máximo entre 400 e 450 W m
-2
. Nos
dias 17 e 31 de maio e no dia 04 de junho, quando a radiação incidente foi menor, o
saldo de radiação também apresentou menores valores. Apesar de não ter sido
constatado um padrão único de comportamento da radiação, todos os 12 dias
selecionados apresentaram valores máximos de radiação incidente e de saldo de
radiação por volta das 12 horas. Uma característica também importante de ser
ressaltada é o aumento brusco da radiação incidente que ocorre no início da manhã
de praticamente todos os dias selecionados, porém mais perceptível nos dias 13, 29
e 30 de maio e nos dias 02 e 03 de junho. Nos dias 14 e 28 de maio é possível que
esse aumento brusco também tenha ocorrido, no entanto a constatação dessa
situação nos gráficos ficou dificultada devido à ausência de dados. Esse aumento
brusco da radiação incidente corresponde à dissipação da camada de nevoeiro, que
normalmente se forma no fundo do vale do rio da Prata. As medidas
micrometeorológicas realizadas no fundo desse vale proporcionaram um padrão de
radiação incidente pouco usual em função da formação do nevoeiro, fazendo com
que as evoluções nos dias de céu claro não tenham sido senoidais perfeitas, sendo
esta característica, juntamente com as observações visuais realizadas durante a
campanha EXPANTAS – 2005, a melhor evidência que se tem sobre a persistência
do nevoeiro no fundo do vale. No dia 02 de junho e, apesar de não muito claro,
também no dia 03 de junho ocorrem um decréscimo brusco da radiação incidente no
final da tarde, possivelmente provocado pela formação de nevoeiro no fundo do vale.
Da mesma forma que no início do dia, quando o nevoeiro se dissipa rapidamente, no
final da tarde pode ocorrer formação rápida da camada de nevoeiro, embora isso
seja mais comum de ocorrer depois do pôr do sol.
67
Figura 4.9 – Radiação solar incidente (linha vermelha) e saldo de radiação (linha preta) dos dias 13,
14, 17, 28, 29 e 30 de maio de 2005.
68
Figura 4.10 – Radiação solar incidente (linha vermelha) e saldo de radiação (linha preta) dos dias 31
de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005.
Percebe-se através das figuras 4.11 e 4.12 que, de uma maneira geral,
a temperatura do ar no fundo do vale do rio da Prata obedece um comportamento
cíclico durante as 24 horas do dia, respondendo principalmente ao efeito da radiação
solar incidente. Os valores mínimos ocorrem um pouco antes do sol nascer, entre 6
e 8 horas, e os valores máximos ocorrem à tarde, por volta das 14 horas. Nota-se
que depois do momento da temperatura mínima, a elevação dos valores acontece
com pouca significância durante um período de 1 a 3 horas e, logo após esse
período, os valores de temperatura sobem muito rapidamente. Essa situação pode
estar ligada a formação de nevoeiro no fundo do vale, que em alguns dias ocorre
com mais intensidade e com maior duração e em outros apresenta-se mais fraco e
69
menos duradouro (Acevedo et al., 2007). A formação desse fenômeno e suas
implicações serão abordadas ainda nesse subitem.
A temperatura do rio, que passou a ser observada a partir do dia 30 de
maio, apresentou pouca variabilidade no decorrer das 24 horas em todos os dias em
que houve medidas. O dia 03 de junho foi o que teve a maior variação, com 1,02
°
C
de diferença entre os valores mínimo e máximo. Em geral, mas principalmente nos
dias 03, 04, 05 e 06 de junho, a temperatura do rio ficou muito próxima da
temperatura média diária do ar. De maneira geral, a temperatura da água é maior
que a do ar durante a noite, e menor durante o dia. Essa situação ocasiona fluxos
turbulentos negativos (do ar para a água) durante o dia e positivos (da água para o
ar) à noite (Acevedo et al., 2007).
70
Figura 4.11 – Temperatura do ar em 6 metros (linha vermelha) e temperatura da superfície do rio
(linha verde – somente no último gráfico) dos dias 13, 14, 17, 28, 29 e 30 de maio de
2005. A linha tracejada representa a média diária da temperatura do ar.
71
Figura 4.12 – Temperatura do ar em 6 metros (linha vermelha) e temperatura da superfície do rio
(linha verde) dos dias 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005. A linha
tracejada representa a média diária da temperatura do ar.
A umidade relativa do ar apresentou pouca variação durante os
horários noturnos, com valores em torno de 95 % na grande maioria dos dias
selecionados (figuras 4.13 e 4.14). No decorrer do dia com a incidência da radiação
solar e conseqüente aumento da temperatura do ar, os valores de umidade relativa
do ar diminuem gradativamente, alcançando um mínimo em horário muito próximo
do momento da temperatura máxima do ar. O dia 02 de junho apresentou os picos
mais baixos de umidade relativa do ar, com valores inferiores a 70 %, entre as 12 e
13 horas.
Evidentemente que, da mesma forma que a temperatura do ar e a
umidade relativa do ar apresentaram comportamento cíclico durante as 24 horas do
72
dia, a umidade específica também teve padrões semelhantes em praticamente todos
os dias selecionados. No entanto, apesar das curvas de umidade específica terem
sido semelhantes, os valores absolutos foram diferentes em alguns dias, sendo 28,
29 e 30 de maio as datas que apresentaram as noites e dias relativamente mais
secos, coincidindo, principalmente nos dias 28 e 29 com os dados pontuais da
avaliação sinótica da umidade específica. Isso indica que a concentração de
umidade junto ao rio, assim como o comportamento da temperatura do ar no fundo
do vale, são função da condição meteorológica de escala sinótica, através da
atuação de massas de ar secas ou úmidas e quentes ou frias, respectivamente.
Figura 4.13 – Umidade específica do ar (linha vermelha) e umidade relativa do ar (linha preta) em 6
metros dos dias 13, 14, 17, 28, 29 e 30 de maio de 2005.
73
Figura 4.14 – Umidade específica do ar (linha vermelha) e umidade relativa do ar (linha preta) em 6
metros dos dias 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005.
Por último, apresenta-se através dos gráficos das figuras 4.15 e 4.16 a
avaliação da pressão atmosférica e da direção e velocidade do vento. Conforme
mostrado na tabela 4.2, a direção do vento não é plotada nos dias 13, 14 e 17 de
maio. A pressão atmosférica obedece a chamada maré barométrica em todos os
dias selecionados. A maré barométrica é a variação da pressão atmosférica que
ocorre em ciclos diários, com dois momentos de alta e dois momentos de baixa. A
média diária da pressão atmosférica (valores não mostrados nas figuras) indica que
os dias com pressão mais baixa foram os dias 13, 14 e 17 de maio, com valores
variando de 990 a 993 mb. Nos demais dias selecionados a pressão média diária
variou entre 995 e 1000 mb, sem indicativo de passagem de sistemas de alta ou de
74
baixa pressão pela região de Nova Roma do Sul, conforme já constatado por
Bitencourt e Acevedo (2006) e através dos gráficos da avaliação sinótica
apresentado no item anterior desse capítulo. A velocidade do vento raramente
ultrapassou 2 m s
-1
, valor este que foi superado em praticamente todos os horários
sinóticos na avaliação do escoamento de grande escala feito através da figura 4.6.
Essa situação, do vento acima do vale, proveniente do escoamento de grande
escala, ser significativamente mais intenso do que o vento no interior do vale mostra
que as encostas do vale servem como barreiras, diminuído muito a velocidade
horizontal do vento. Entretanto, a forçante sinótica não está completamente
desconectada do escoamento no interior do vale (Bitencourt e Acevedo, 2006), de
acordo com resultados constatados para outras regiões de vale/montanha (Segal et
al., 1983; Banta, 1984, Whiteman e Doran, 1993 e Weigel e Rotach, 2004). A
contribuição do escoamento sinótico como forçante para a circulação local do vale
do rio da Prata é tratada com maiores detalhes no próximo item desse capítulo.
75
Figura 4.15 – Pressão atmosférica (linha vermelha) e velocidade (barras verticais) e direção (pontos
na base do gráfico) do vento dos dias 13, 14, 17, 28, 29 e 30 de maio de 2005.
76
Figura 4.16 – Pressão atmosférica (linha vermelha) e velocidade (barras verticais) e direção (pontos
na base do gráfico) do vento dos dias 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de
2005.
As circulações típicas de vale/montanha causam alguns efeitos
específicos na atmosfera próxima às regiões de terreno complexo. É o caso da
nebulosidade convectiva, associada à circulação encosta acima durante o dia. A
velocidade ascendente provocada pela circulação de vale/montanha e
freqüentemente somada aos distúrbios atmosféricos de escala sinótica, produz um
mecanismo de disparo para formação de nuvens e chuvas de curta duração à tarde.
Alguns estudos científicos dedicaram-se à esse tema usando modelagem numérica
(Orville, 1965) ou a climatologia local dos ventos (Toth e Johnson, 1985). Mas um
fenômeno que é particularmente importante para a região montanhosa de Nova
Roma do Sul, especialmente para a época do ano que foi realizado a campanha
77
EXPANTAS – 2005, é o nevoeiro de radiação. Durante a noite, quando o céu está
claro e o escoamento sinótico é fraco, o fundo de um vale, como o existente na
região de Nova Roma do Sul, é caracterizado pelo acúmulo de ar relativamente mais
frio, estável e estagnado. Segundo Ray (1986), apesar de existir turbulência dentro
do escoamento entre as encostas, esta instabilidade muitas vezes é
substancialmente reduzida ou até eliminada com a convergência do escoamento em
baixos níveis. Por causa disso, a mistura vertical provocada pela turbulência durante
a noite no fundo do vale é quase nula assim que o ar frio acumula-se próximo da
superfície. A formação do nevoeiro no solo pode ser explicada pelo resfriamento
radiativo da superfície associado às trocas de calor em baixos níveis. De acordo
com Pilié et al. (1975), que realizou medidas de variáveis micrometeorológicas
associadas com a formação de nevoeiros, a evaporação do orvalho depois do
nascer do sol mantém a saturação em toda a camada do nevoeiro, mantendo-o
persistente. De acordo com Acevedo e Fitzjarrald (2001), o saldo de umidade junto a
superfície é determinante para o tempo de duração do nevoeiro. Para o caso do vale
do rio da Prata, além da contribuição da evaporação do orvalho na vegetação das
encostas, há evidentemente a contribuição da evaporação da água do rio. As
formações de nevoeiro que ocorreram durante a campanha EXPANTAS – 2005
tiveram como principais características a freqüência quase diária do fenômeno e a
longa duração do mesmo, muitas vezes dissipando somente no final da manhã.
Segundo Fitzjarrald e Lala (1989), que estudaram 14 casos de nevoeiros de
radiação no vale do rio Hudson, em Nova York, os nevoeiros que persistem por mais
de aproximadamente 30 minutos, freqüentemente apresentam espessura maior que
50 metros. As medidas feitas pela torre micrometeorológica de controle, localizada a
centenas de metros acima do rio da Prata, indicam a existência de nevoeiro na parte
superior do vale em várias noites (Acevedo et al., 2007). Além disso, estimativas
realizadas a partir de observações puramente visuais na região de Nova Roma do
Sul apontam para a ocorrência de nevoeiros durante a manhã com persistência e
espessura semelhantes as encontradas por Fitzjarrald e Lala (1989).
A dissipação do fenômeno (figura 4.17) ocorre quando a taxa de
evaporação não é suficiente para manter a saturação. Acevedo et al. (2007)
sugeriram que a dissipação do nevoeiro na região de Nova Roma do Sul, incluindo o
vale do rio da Prata, ocorre de forma heterogênea ao longo do vale. Como a direção
das encostas do vale do rio da Prata é muito variável devido às acentuadas curvas
78
ao longo do curso do rio, a radiação solar incide com maior intensidade pela manhã
nas encostas do lado oeste, nos trechos em que o vale possui a direção norte/sul
(ver figura 4.18a). O aquecimento diferencial ao longo do vale proporcionaria a
dissipação do nevoeiro de forma mais rápida nos trechos com direção norte/sul,
favorecendo um aquecimento mais rápido e o desenvolvimento de uma CLC nesses
locais. Segundo Acevedo et al. (2007), essa situação favorece que o ar se aqueça
acima da inversão térmica em conseqüência do fluxo de calor sensível e da
estratificação descendente e também favorece que o ar fique mais seco (ver figura
4.18b) em conseqüência da estratificação do ar que inicialmente estava localizado
acima da inversão térmica. Acevedo et al. (2007) sugerem ainda que a circulação
local, que tipicamente ocorre rio abaixo, transporte essas massas de ar mais seco
ao longo do vale do rio da Prata, o que provocaria apreciável impacto sobre o fluxo
vertical médio observado na torre micrometeorológica localizada sobre o rio.
Figura 4.17 – (a) Imagem de satélite do vale do rio das Antas mostrando a dissipação do nevoeiro de
radiação no período da manhã.
79
Figura 4.18 – (a) Imagem de satélite aproximada da região do vale do rio da Prata. R indica o local
das medidas micrometeorológicas. As linhas vermelhas mostram as encostas que
estão sujeitas a maior aquecimento pela radiação solar no período da manhã. (b)
Declínio da umidade específica do dia 17 de maio, por volta das 10 h local, provocado
pela dissipação do nevoeiro.
4.2 – Conexão entre os escoamentos sinótico e local
A interação dos ventos dentro de um vale com os ventos acima do
vale, oriundos das circulações de escala sinótica, é um processo físico de interesse
tanto do ponto de vista teórico como prático (Whiteman e Doran, 1993). Através da
combinação de resultados observados e simulados numericamente, Whiteman e
Doran (1993) montaram um esquema bastante didático (figura 4.19) que sintetiza o
comportamento da circulação local no fundo de um vale como conseqüência do
vento sinótico, considerando quatro mecanismos de forças distintos. O esquema
apresentado na figura 4.19 considera o caso do vale Tennessee que tem direção
nordeste-sudoeste, com as maiores altitudes no lado nordeste. O primeiro
mecanismo considerado por Whiteman e Doran (1993) é o termicamente dirigido,
único que permite configurações diferentes para o vento local diurno e noturno, pois
este é independente do vento sinótico. Nesse caso, o vento no interior do vale flui
vale abaixo (de nordeste) à noite e vale acima (de sudoeste) durante o dia, sem
interferência da direção do vento geostrófico. Essa situação geralmente ocorre em
áreas com grandes ciclos diurnos dos fluxos de calor sensível em superfície,
especialmente sob condições de ventos fracos acima do vale. O segundo
mecanismo possibilita um forte transporte para baixo de momentum horizontal de
cima do vale para o fundo do vale, produzindo direções no interior do vale similares
às direções do vento geostrófico. Esse transporte para baixo, por exemplo, poderia
80
ser causado pela mistura turbulenta vertical ou por ondas de gravidade. As
condições mais favoráveis para este transporte turbulento ocorrer são sob uma
atmosfera neutra ou estavelmente estratificada num vale de grandes dimensões que
tenha o fundo plano e sem barreiras. A terceira possibilidade é do vento geostrófico
ser canalizado entre as encostas do vele. Conforme mostra a figura 4.19, tanto
durante o dia como durante a noite, os ventos sinóticos escoando de sul, sudoeste,
ou oeste mantém os ventos no interior do vale soprando de sudoeste e os ventos
sinóticos escoando de norte, nordeste ou leste mantém a circulação no interior do
vale de nordeste. A relação dos ventos de grande escala com os ventos locais sob o
mecanismo canalizado resulta em ventos no interior do vale predominantemente na
direção do eixo do vale, mas com súbitas variações na circulação local quando o
vento geostrófico tem direção normal a direção do eixo do vale. O quarto e último
processo apresentado por Whiteman e Doran (1993) considera que o vento seja
canalizado, mas dirigido pelo gradiente de pressão. Assim, os ventos no interior do
vale são dirigidos pela componente do gradiente de pressão geostrófico ao longo do
comprimento do vale. A componente ao longo do vale da força do gradiente de
pressão será zero somente quando o vento geoestrófico for direcionado ao longo do
eixo do vale. Os ventos no vale serão de cima para baixo ou de baixo para cima no
vale quando a direção do vento geostrófico atravessar o eixo do vale.
81
Figura 4.19 – Relação entre a direção do vento acima do vale (vento geostrófico) e a direção do vento
dentro do vale para quatro mecanismos de força possíveis: forçante térmica, transporte
de momentum para baixo, forçante canalizada e forçante canalizada e dirigida pelo
gradiente de pressão. Assume-se a direção nordeste-sudoeste para o vale. Fonte:
Whiteman e Doran (1993).
A comparação do vento de grande escala com o escoamento local
dentro do vale do rio da Prata, analisada estatisticamente por Bitencourt e Acevedo
(2006), é avaliada nessa seção instantaneamente para cada horário sinótico. A
figura 4.20 sintetiza os resultados de Bitencourt e Acevedo (2006), que apontam a
superposição das forçantes canalizada e térmica no interior do vale do rio da Prata.
Os dados locais foram obtidos das medidas da torre micrometeorológica instalada
junto ao rio da Prata e os dados sinóticos são da reanálise do NCEP/NCAR.
Percebe-se (figura 4.20a) que a inversão do padrão de ventos de oeste ocorre
depois do nascer do sol, quando a velocidade do vento sinótico torna-se menor que
2 m s
-1
. Esse resultado sugere que não há uma canalização puramente forçada e
que existem forçantes térmicas durante o dia, pois o vento local sopra vale acima
quase sempre durante o dia, mesmo que nos horários noturnos o vento sinótico
também tenha sido verificado com fraca intensidade. Já, através da figura 4.20b,
percebe-se que a inversão do vento medido junto ao rio, passando a soprar vale
82
acima, ocorre também quando a forçante de larga escala adquire uma componente
negativa, soprando das direções entre 80° e 170°.
Figura 4.20 – Vento médio observado na torre do rio, como uma função do (a) tempo e magnitude do
vento sinótico e do (b) tempo e direção do vento sinótico. As áreas escuras
representam casos de vento local vale acima. Fonte: Bitencourt e Acevedo (2006)
A figura 4.21 mostra a comparação dos escoamentos sinótico e local
para os dias selecionados, excetuando os dias 13, 14 e 17 de maio por falta de
dados. O vento sinótico corresponde aos dados de 1000 mb do NCEP/NCAR nos
horários das 00, 06, 12 e 18 Z. O horário do vento local é coincidente com o horário
sinótico, sendo a direção e a velocidade extraídas da média dos últimos dez
minutos. Nos casos em que nos dez minutos usados para calcular a média, a
direção do vento não alterou, pode-se considerar uma situação de calmaria
total (0 m s
-1
). Os ventos locais no interior do vale apresentam direção preferencial
de oeste para leste com uma pequena componente de norte para sul. Nota-se que a
inversão desse padrão ocorreu pouquíssimas vezes, apenas em 18 Z do dia 30 de
maio, em 18 Z do dia 31 de maio, em 06 Z do dia 02 de junho, em 06 e 18 Z do dia
05 de junho e em 06 Z do dia 06 de junho. Ressaltamos que essa inversão ocorre
raras vezes, quando avalia-se apenas os dez minutos anteriores ao horário sinótico,
pois de acordo com os resultados mostrados nas figuras 4.15, 4.16 e 4.20, sabe-se
que os ventos no interior do vale possuem componente leste em vários momentos
do dia. No entanto, o objetivo dessa análise é avaliar exclusivamente o efeito
instantâneo que o escoamento de grande escala exerce sobre a circulação local.
Enquanto que na maioria das vezes o vento predominou de oeste dentro do vale, o
escoamento sinótico acima do vale predominou de norte, sugerindo que o
escoamento de grande escala possa canalizar através dos trechos 1 e 2 (ver figura
83
2.3a) e determinar a direção preferencial dos ventos locais junto ao rio da Prata. No
primeiro caso em que o vento local soprou de leste, com 0,2 m s
-1
, percebe-se que
o escoamento sinótico apresentou-se do quadrante sul, com 4,08 m s
-1
. Ao
contrário da grande maioria das vezes, nesse caso específico, como o vento sinótico
foi relativamente fraco e soprou de sul, o que não influenciaria no escoamento local
por causa da barreira formada pela encosta localizada ao sul da torre
micrometeorológica, pode-se concluir que predominou a forçante térmica,
contribuindo para vento local soprando vale acima em 18 Z do dia 30 de maio. Em
18 Z do dia 31 de maio o vento local soprou de norte para sul com uma pequena
componente de leste, apresentando escoamento encosta acima e coincidindo com a
mesma direção do escoamento de grande escala, num dos momentos de vento
sinótico mais calmo (2,36 m s
-1
). Nessa situação específica, acreditamos que a
pouca contribuição da forçante de grande escala permitiu uma manifestação mais
evidente do escoamento dirigido pela diferenciação térmica, ou seja, pelo
escoamento encosta acima provocado pela condição de vale/montanha (Acevedo et
al., 2002) ou pela circulação local causada pelo gradiente térmico entre as
superfícies água/terra. Por outro lado, sabe-se que podem ocorrer dentro de um vale
interações de vários fenômenos com diferentes escalas espaciais e temporais
(Cotton et al., 1982 e Banta, 1984), sugerindo que a circulação local no interior do
vale do rio da Prata não seja influenciada exclusivamente pela interação da forçante
provocada pela diferenciação térmica (circulações clássicas de vale/montanha) e do
escoamento sinótico. A circulação local pode também ser induzida por fatores como
o gradiente térmico causado pela dissipação heterogênea do nevoeiro ao longo do
vale (Acevedo et al., 2007) ou por rajadas de vento provocadas pela nebulosidade
presente sobre o vale (Banta, 1984). Esse último fator pode explicar o
comportamento ímpar ocorrido na circulação local as 18 Z do dia 31 de maio (figura
4.21), visto que a radiação solar incidente desse dia foi a menor de todos os dias
selecionados, indicando presença de nuvens na região.
84
Figura 4.21 – Comparação entre o vento sinótico e o vento local para a seqüência de dias 28, 29, 30
e 31 de maio e 02, 03, 04, 05 e 06 de junho de 2005. H é o horário sinótico. Os
números plotados junto dos vetores correspondem a velocidade (m s
-1
). Os valores
sublinhados indicam a possibilidade de ter ocorrido calmaria.
De uma maneira geral, apesar da maioria das vezes parecer que o
vento dentro do vale está canalizado devido ao escoamento sinótico, ocorrem
algumas situações discordantes. Por exemplo, enquanto que em dois horários
consecutivos (00 e 06 Z do dia 02 de junho) o vento sinótico, predominando de
nordeste com velocidades de 2,93 e 6,06 m s
-1
, parece induzir um escoamento fraco
(0,2 m s
-1
) do vento dentro do vale no horário das 06 Z, contrariando a circulação
clássica provocada pelo gradiente térmico, verifica-se também que uma situação
muito parecida ocorreu nos mesmos horários do dia 28 de maio, em que o
escoamento sinótico apresenta-se com direção e velocidade semelhantes, mas sem
mudar o padrão de escoamento local que permanece soprando vale abaixo. Mais
85
contraditório ainda é a situação constatada nos horários das 00, 06 e 12 Z do dia 31
de maio, quando o vento sinótico soprou de leste com intensidade razoável e não
alterou o escoamento no interior do vale que permaneceu soprando de oeste com
fraca intensidade. É importante lembrar que os padrões de circulação local citados
acima, verificados nos horários sinóticos dos dias 28 e 31 de maio e 02 de junho
também foram observados nos momentos posteriores e anteriores ao horário
sinótico (ver figuras 4.15 e 4.16), indicando que não é um comportamento de
circulação local isolado apenas no momento da avaliação sinótica.
A análise desses poucos casos confirma as principais constatações
verificadas estatisticamente por Bitencourt e Acevedo (2006), como por exemplo, a
de que a inversão do padrão de escoamento no interior do vale coincide com o
enfraquecimento do vento sinótico. Porém, como ocorrido em 12 Z do dia 30 de
maio, o vento sinótico foi muito fraco, mas não alterou o escoamento padrão dentro
do vale, ao contrário, o escoamento local soprou de oeste com velocidade
relativamente forte. Uma hipótese para isso poderia ser dada ao forte escoamento
sinótico de norte em pelo menos quatro horários anteriores. Dessa forma, a
comparação do vento sinótico com o escoamento local feita individualmente para
cada horário mostrou que, de fato, há uma superposição das forçantes térmica e
canalizada, conforme verificado por Bitencourt e Acevedo (2006). No entanto,
sugere-se que o vento canalizado pelo escoamento sinótico seja a principal forçante
na determinação do escoamento local, muito provavelmente pelo fato do
escoamento de grande escala ter quase sempre magnitude significativa.
Apesar da necessidade de avaliarmos uma quantidade maior de
dados, com essa análise pode-se supor que fatores como a “memória” da direção e
velocidade do vento sinótico em horários anteriores possam influenciar mais o vento
local do que a situação sinótica verificada no momento isolado. Lembrando ainda
que fatores como a dissipação diferencial do nevoeiro ao longo do vale e a presença
de nebulosidade também possam provocar mudanças na direção e velocidade do
vento local no interior do vale.
CAPÍTULO 5
SIMULAÇÃO NUMÉRICA DOS PROCESSOS FÍSICOS ENVOLVIDOS
NAS TROCAS DE CALOR SENSÍVEL E LATENTE
Os modelos numéricos tem sido bastante utilizados para o melhor
entendimento dos processos físicos da baixa atmosfera, e isso também se aplica
para regiões com características de terreno montanhoso (Acevedo e Fitzjarrald,
2001; Colette et al., 2003; Chow et al., 2006; Weigel et al., 2006). Nesse capítulo são
apresentadas as simulações numéricas da atmosfera de dentro de um vale
idealizado, com características similares ao vale do rio da Prata, na região de Nova
Roma do Sul. Os testes são realizados com e sem a presença de topografia, com
ventos acima do vale de intensidades fraca e forte e com diferentes níveis do rio,
que acarreta em diferentes tamanhos da área alagada. As simulações dos fluxos
turbulentos de calor sensível e latente baseiam-se nos valores da temperatura
potencial (
θ
) e da umidade específica (q), respectivamente. Além dessas
quantidades, as trocas de calor e umidade são também função da velocidade do
vento no nível mais próximo da superfície. Por isso, nesse capítulo é dada atenção
especial à estrutura da circulação no interior do vale, a qual é resultado da
associação da forçante térmica com o escoamento de grande escala, através da
canalização no interior do vale (Bitencourt e Acevedo, 2006). Nesse sentido, a
topografia e a existência do próprio rio da Prata exercem papel determinante no
comportamento do vento, sobretudo na velocidade verificada sobre o domínio do rio,
influenciando dessa forma na magnitude dos fluxos turbulentos de energia. As
análises realizadas nesse capítulo buscam essencialmente encontrar e explicar os
principais processos físicos causadores do padrão de fluxo do ar para a superfície
do rio, conforme observado no vale do rio da Prata nos horários diurnos durante a
campanha EXPANTAS – 2005.
São realizadas nove simulações numéricas utilizando um modelo não-
hidrostático (Smolarkiewicz e Margolin, 1997) do tipo “Large Eddy Simulation”
(LES). Os modelos LES são baseados em equações filtradas do movimento e
87
requerem aproximações estatísticas para estimar a turbulência de subgrade
(Oliveira, 2004). Uma importante metodologia utilizada nestas simulações diz
respeito aos processos radiativos em superfície. Utilizou-se parte do modelo de duas
camadas, sugerido por McNider et al. (1995) e aplicado no trabalho de Acevedo e
Fitzjrrald (2001), para calcular o comportamento da temperatura potencial em
superfície (
θ
g
). O uso desse cálculo, acoplado ao modelo LES, para simular os
processos físicos no interior de um vale idealizado é justificado pela constatação de
que a conexão entre as condições atmosféricas em níveis superiores e a superfície
possui grande efeito sobre as quantidades médias observadas em superfície. Além
disso, o sincronismo dessa conexão é fortemente afetado pelas características de
superfície, tais como a topografia (Acevedo e Fitzjarrald, 2001).
5.1 – Descrição do modelo “Large Eddy Simulation” (LES)
As simulações numéricas são amplamente utilizadas para a pesquisa
dos movimentos atmosféricos nas mais variadas situações físicas, escalas temporais
e espaciais e características de solo e relevo. Para o caso da estrutura da
turbulência da Camada Limite Planetária (CLP), um dos principais modelos
utilizados são os modelos de média de volume, também conhecidos como modelo
LES (Marques Filho, 2004). De acordo com Mason (1994), o LES, que em suas
simulações resolve a estrutura dos grandes turbilhões e parametriza os processos
de pequena escala, é um modelo muito utilizado para simular as propriedades de
fluxos turbulentos específicos e fornecer detalhes do escoamento, os quais podem
ser usados como dados para testar e refinar outros modelos de fechamento da
turbulência. O LES utilizado nesse trabalho é baseado em um sistema de equações
diferenciais que representam as leis de conservação de momentum e massa e a
primeira lei da termodinâmica (Sorbjan, 1996).
A equação de momentum é dada por
v
Dgk
td
Vd
++=
0
θ
θ
π
r
r
(5.1)
88
onde
V
r
é o vetor velocidade,
π
é a perturbação da pressão,
θ
é a temperatura
potencial,
θ
0
é a temperatura potencial de referência (Sorbjan (1996) trata
θ
0
como a
temperatura potencial no tempo inicial da integração).
A equação da continuidade é dada por
(
)
0= V
r
ρ
(5.2)
onde
ρ
é o valor médio de um nível horizontal da densidade do ar.
A equação da termodinâmica pode ser expressa como
θ
θ
D
td
d
= . (5.3)
As parametrizações de sub-grade do LES denotadas aqui por
D são
descritas em detalhes por Sorbjan (1996).
Os processos de transferência em superfície são parametrizados
através do método sugerido por McNider et al. (1995) e aplicado no trabalho de
Acevedo e Fitzjrrald (2001). McNider et al. (1995) apresentaram um modelo de duas
camadas, cujos resultados apontaram para fortes implicações na previsibilidade da
CLP estável em que, mesmo com pequenas mudanças ou perturbações nas
condições iniciais, conduzem para soluções diferentes em termos de temperatura e
velocidade do vento, podendo na prática melhorar as previsões de geada ou
dispersão de poluentes. Acevedo e Fitzjrrald (2001) avaliaram os aspectos
qualitativos da transição noturna através do uso de uma parte deste modelo,
acoplado ao modelo LES, em substituição as parametrizações utilizadas em
simulações de mesoescala. O uso do sistema de duas camadas, acoplado ao
modelo LES, mostra-se bastante conveniente para o entendimento dos processos
físicos originado pelos diferentes tipos de superfície encontrados no vale do rio da
Prata, tais como água, solo e encostas, visto que para entender esses processos é
fundamental resolver as trocas de calor e umidade entre a superfície e a atmosfera
local. A simulação dos processos físicos no interior de um vale idealizado é também
89
justificada pela constatação de que a conexão entre as condições de tempo em
níveis superiores e a superfície possui grande efeito sobre as quantidades médias
observadas em superfície, tais como o salto na umidade específica e o ponto de
inflexão na série temporal da temperatura encontrados por Acevedo e Fitzjarrald
(2001). Além disso, outro argumento para o uso desse método no presente estudo
em particular é que o sincronismo e a magnitude dos processos de interação da
superfície com níveis mais altos da CLP são fortemente afetados pelas
características da superfície, tais como a topografia (Acevedo e Fitzjarrald, 2001).
A variação temporal da temperatura potencial em superfície (
d
θ
g
/dt) é
representada nas simulações através do balanço local de energia:
()
g
g
g
HLEHLLK
Ctd
d
+=
00
1
θ
(5.4)
onde assumimos que a radiação de onda curta refletida (
K
) é uma fração constante
da radiação de onda curta incidente (
K). A capacidade térmica (C
g
) assume os
valores de
C
g
= 4.186x10
6
Jm
-2
K
-1
para a área do domínio considerada como sendo
água e
C
g
= 1.8x10
4
Jm
-2
K
-1
para a área considerada como solo. O índice zero nos
termos de fluxos turbulentos de calor sensível e latente,
H
0
e LE
0
respectivamente,
referem-se ao nível intermediário entre a superfície e o nível 1 do modelo, que é
correspondente a altura da rugosidade. O índice
g nos termos de temperatura
potencial e capacidade térmica se refere ao solo.
O termo de radiação de onda longa que retorna da atmosfera é
baseado na fórmula apresentada por Staley e Jurica (1972) e é dado por
()
[]
(
)
[
]
4
1
08.0
1
1670167.0
θσ
qQQL
cc
×+= ,
mas como em praticamente todos os 12 dias selecionados na campanha
EXPANTAS - 2005 a condição meteorológica foi de céu claro, a fração
Q
c
= 0 e,
portanto, os cálculos de
L
são efetuados nas simulações feitas nesse estudo pela
expressão
()
08.0
1
4
1
167067.0 qL ××××=
θσ
(5.5)
90
onde
σ
= 5.669x10
-8
Js
-1
m
-2
K
-4
é a constante de Stefan-Boltzmann e q
1
e
θ
1
são,
respectivamene, a umidade específica e a temperatura potencial no nível 1.
O termo de radiação de onda longa perdida para o espaço é dado pela
equação de Stefan-Boltzmann, assumindo uma emissividade igual à unidade:
4
g
L
θσ
×=
. (5.6)
Os fluxos turbulentos de calor sensível e latente são dados
respectivamente por
(
)
110
θ
θ
=
gH
VCH (em todo domínio) (5.7)
(
)
110
qqVCLE
gq
= (sobre o rio) (5.8)
onde
2
1
2
11
vuV +=
é a velocidade horizontal do vento no nível 1 e os
coeficientes
C
H
= C
q
= 0.01 são constantes. Sobre a terra, LE
0
= H
0
, assumindo uma
razão de Bowen
β
= 1.
O termo de fluxo de calor no solo (
H
g
) é dado por
(
)
290
×=
gmg
KH
θ
,
onde
4
1095.6
×=
m
K s
-1
é o coeficiente de difusão molecular de calor e 290 é o valor
em
°
K da temperatura de um nível profundo da superfície.
No passo de tempo inicial, a umidade específica em superfície (
q
g
) e a
temperatura potencial em superfície (
θ
g
) são iguais a umidade específica no nível 1
(
q
1
) e a temperatura potencial no nível 1 (
θ
1
), acrescidos de 1 g kg
-1
e 1
°
C,
respectivamente. Como sobre a terra
LE
0
= H
0
, a variável q
g
é importante apenas
sobre o rio. Assumindo-se que o ar sobre a superfície da água está saturado, a
umidade específica na superfície do rio, utilizada no cálculo de
LE
0
, é dada por
×××=
g
g
q
θ
5420
exp1053.2622.0
6
. (5.9)
91
Nos demais níveis, o LES foi inicializado com umidade específica de 12
g kg
-1
. O perfil vertical inicial da temperatura potencial é constante entre a superfície
e a altura de 400 metros, seguido de uma inversão térmica de 3
°C km
-1
(figura 5.1).
O valor de 21 ºC no primeiro nível do modelo é coerente com os dados médios
observados durante a campanha EXPANTAS – 2005 (figura 5.3b). O vento inicial, a
topografia e a altura do nível da água foram determinados de forma diferenciada,
dependendo do teste realizado.
Figura 5.1 – Condição inicial do perfil vertical da temperatura potencial.
O objetivo dessas simulações são representar os fluxos turbulentos de
calor observados às 12 horas local sobre o rio da Prata e, também, verificar o papel
que fatores como vento, topografia e nível do rio (tamanho da área alagada)
exercem sobre esses fluxos. Para tanto, representamos através do LES uma
Camada Limite Convectiva (CLC) em condições de tempo similar ao encontrado às
12 horas local, nos dias selecionados da campanha EXPANTAS – 2005.
O domínio horizontal do modelo tem 20 pontos na direção leste/oeste e
50 pontos na direção norte/sul, com resolução espacial de 20 metros, totalizando um
domínio de 1000 m X 400 m. A área alagada pelo rio é representada em toda a
extensão leste/oeste do domínio, com larguras de 80, 160 e 320 metros na direção
92
y. Na vertical foi estabelecido 61 níveis igualmente espaçados por uma distância de
10 metros, totalizando uma camada limite de 600 metros. O primeiro nível é a altura
da rugosidade. Todas essas configurações são representadas através da figura 5.2.
Figura 5.2 – Grade (a) horizontal com rio de 80, 160 e 320 metros e (b) grade vertical com 61 níveis
sigma do modelo LES.
As simulações foram realizadas com 10800 passos de tempo, com
espaço de tempo de 1 segundo, totalizando 3 horas de integração, para os testes
que iniciaram com vento de 1 m s
-1
, e com 36000 passos de tempo intercalados a
cada 0.5 segundo, totalizando 5 horas de integração, com vento inicial de 5 m s
-1
. A
velocidade do vento inicial teve direção única em
x ou em y. As equações do modelo
são integradas no tempo usando o esquema Adams-Bashforth, no qual o termo de
advecção é determinado por aproximação de diferenças finitas Euleriana
(Smolarkiewicz e Margolin, 1997). As condições de contorno laterais são periódicas
em
x e y. No limite superior supõe-se uma tampa rígida.
93
5.2 – Procedimentos de calibração
Antes de rodar o modelo LES com as características de terreno,
tamanho de domínio e dimensões definitivas, foram efetuados diversos testes com
objetivo principal de calibrar os valores de
H
0
e LE
0
. Tomou-se como base para essa
calibração os valores de
H
0
e LE
0
obtidos a partir das observações das temperaturas
da água e do ar e da umidade específica do ar, conforme apresentado no capítulo
anterior. A umidade específica em superfície foi obtida a partir da temperatura
potencial real em superfície, através da expressão 5.9. Os testes para calibração
foram realizados em quatro etapas.
Primeiramente buscou-se obter resultados coerentes para a
temperatura potencial no primeiro nível e na superfície do modelo. O principal
parâmetro definido nessa etapa foi a radiação solar incidente, chegando-se a um
valor constante de 400 W m
-2
. Esse valor é um pouco inferior que a média das 5
horas em torno do meio dia, da radiação solar incidente média dos 12 dias
selecionados (figura 5.3a). Tal determinação para a radiação de onda curta incidente
(
K
= 400 W m
-2
) resultou em campos horizontais de
θ
g
e
θ
1
coerentes com as
observações.
Figura 5.3 – Média dos dias selecionados (a) da radiação solar incidente e saldo de radiação e (b)
das temperaturas do ar e da superfície do rio.
Na segunda etapa de testes foi acrescentada uma superfície de água
em parte do domínio através da definição de valores diferenciados para a
capacidade térmica da superfície. Nessa etapa, embora ainda sem a existência da
topografia, os resultados já indicaram fluxos turbulentos negativos sobre o rio.
94
A partir da terceira etapa de testes buscou-se efetivamente a
calibração de
H
0
e LE
0
. Para o cálculo do fluxo turbulento de calor sensível no solo,
H
g
, considerou-se a temperatura em um nível mais profundo do solo e da água como
sendo 17 ºC. McNider et al. (1995) trataram essa temperatura como sendo a
temperatura média na superfície durante as últimas 24 horas. O valor de 17 ºC é
próximo da temperatura observada na superfície do rio da Prata durante a
campanha EXPANTAS – 2005 (figura 5.3b). E, para um nível mais profundo, o valor
de 17 ºC é coerente porque o rio é corrente e com muita mistura vertical,
favorecendo que toda a energia que chega à superfície seja imediatamente
transferida para o fundo. Nessa etapa foram feitos alguns ajustes nos valores da
capacidade térmica do solo.
Na quarta etapa foram realizados os testes finais já com a presença de
topografia. Estipulou-se, através de uma função cosseno, a presença de encostas
nas laterais do rio. Com a topografia do vale representada, se fez os ajustes finos,
modificando as parametrizações das equações 5.7 e 5.8, chegando-se ao valor de
01.0==
qH
CC . Após esses testes, foram feitas algumas outras rodadas em três
dimensões espaciais e, a partir da análise da energia cinética turbulenta, identificou-
se que o modelo converge em aproximadamente 1 hora de integração para
inicialização com vento de 1 m s
-1
e aproximadamente em 1 hora e 30 minutos para
as rodadas com vento inicial de 5 m s
-1
.
5.3 – As simulações numéricas utilizando o LES
Inicialmente foram feitas três rodadas para testar o efeito da topografia
nos processos físicos do interior do vale, em especial os efeitos sobre as trocas de
calor junto à superfície do rio. A primeira rodada foi feita sem topografia, a segunda
com topografia de 200 metros e a terceira com topografia de 400 metros. Todas
essas simulações foram inicializadas sem vento na direção norte/sul e com vento de
oeste para leste (na direção do vale) de 1 m s
-1
constante em todo o perfil vertical.
Posteriormente, avaliamos os processos físicos no interior do vale, com topografia
de 400 metros, para quatro situações: duas inicializada com vento na direção do
vale de 1 m s
-1
e de 5 m s
-1
e as outras duas com vento transversal ao vale de
1 m s
-1
e de 5 m s
-1
. Uma rodada adicional foi realizada com a presença de
95
topografia e ausência de rio para avaliação específica da circulação local no fundo
do vale. Por fim, realizamos os testes finais com o nível do rio mais elevado e
conseqüentemente com uma área alagada abrangendo um maior número de pontos
no domínio do modelo.
5.3.1 – Os efeitos da topografia
Alguns trabalhos científicos apresentam os efeitos da topografia na
estrutura atmosférica através do uso de simulações numéricas (Whiteman e Doran,
1993; Colette et al., 2003 e Rampanelli et al., 2004). Acevedo e Fitzjarrald (2001)
identificaram que a topografia exerce forte influência nos processos de interação da
superfície com níveis mais altos da CLP. Nesse estudo foram feitas três simulações
para testar o efeito da topografia no vale do rio da Prata. A primeira simulação não
possui topografia, apenas a presença do rio (figura 5.4a), a segunda rodada inclui
encostas nas laterais do rio com altura de 200 metros (figura 5.4b) e a terceira
rodada simulou uma situação com encostas de 400 metros de altura (figura 5.4c),
sendo esta a que melhor representa as características reais de relevo do vale do rio
da Prata. A largura do rio nessas simulações é de 80 metros. Todas as três
simulações foram inicializadas com vento transversal ao vale nulo e vento na direção
do vale de 1 m s
-1
, além das demais configurações apresentadas no item 5.1.
Figura 5.4 – Característica de relevo utilizada nas simulações (a) sem topografia, (b) com topografia
de 200 metros e (c) com topografia de 400 m.
96
A primeira constatação que se tem é percebida muito claramente na
evolução temporal dos parâmetros atmosféricos ao longo das 3 horas de integração.
Nos três testes realizados, o vento na direção do vale, inicialmente com 1 m s
-1
,
declina bruscamente sua magnitude no nível 1 já nos primeiros passos de tempo,
permanecendo com aproximadamente 0,35 m s
-1
sobre o rio, sempre de oeste para
leste. A diferença foi a variação em torno dessa média, a simulação com topografia
de 200 metros e principalmente a simulação sem topografia apresentou muita
variabilidade em torno do valor médio. Já a intensidade do vento transversal ao vale
variou muito sobre o rio nos três testes realizados, porém oscilando em torno de
zero somente nas simulações com topografia. Isso sugere que a presença das
encostas mantenha a componente norte/sul mais equilibrada, sem mudar muito de
sentido no eixo central do rio, favorecendo a manutenção na velocidade da
componente oeste/leste durante a integração do modelo. Na verdade, nos três
testes realizados, ocorre uma divergência do vento no nível mais próximo da
superfície, exatamente sobre o rio. No entanto, conforme percebemos na figura 5.5,
a simulação sem topografia não permite que essa divergência se estenda por todo o
domínio, especialmente quando a média é feita para os últimos 15 minutos de
integração e não para as últimas 2 horas. As simulações com topografia apresentam
a mesma configuração tanto com a média de 2 horas como com a média de apenas
15 minutos. Portanto, a presença das encostas de 200 ou de 400 metros são fatores
determinantes para a existência de escoamento próximo à superfície com uma
componente norte/sul bem definida em todo o domínio.
Figura 5.5 – Campo horizontal do vetor vento no nível 1. (a) média das últimas 2 h; (b) média dos
últimos 15 minutos. A área em cinza é o domínio do rio.
97
Três fatores são importantes na análise da circulação: (i) O vento na
direção do vale, no nível mais próximo da superfície, apresentou magnitude coerente
com os dados observados para os três testes, sugerindo que o efeito do atrito seja
determinante para a verificação de um cisalhamento vertical típico nos primeiros
níveis, visto que a partir de 20 - 30 metros até o topo do domínio o vento mantém-se
mais forte (figura 5.6a). Também constata-se através dessa análise que o vento
acima do vale, considerado como proveniente do escoamento de grande escala, não
seja alterado pela topografia. (ii) A topografia canaliza o escoamento de oeste com
um padrão mais comportado, pois evita que a componente norte/sul oscile muito
sobre o rio, mantendo dessa forma o vento de oeste com velocidade quase
constante. (iii) A existência da topografia contribui para que a divergência do vento
sobre o rio seja verificada até as extremidades do domínio, mostrando que as
circulações clássicas de vale montanha, típicas do horário das 12 horas, foram bem
simuladas (figura 5.6b).
Figura 5.6 – (a) Perfil vertical da componente x do vento. A linha marcada com círculo representa um
ponto central no solo e com triângulo um ponto central no rio. (b) Seção transversal ao
vale do vetor vento para simulação com topografia de 400 metros. Os resultados de (b)
são obtidos a partir da média em x, sendo (a) e (b) obtidos a partir da média das últimas
2 h.
A grande variação das componentes
x e y do vento na simulação sem
topografia favoreceu ampla variação ao longo da integração para as quantidades
umidade específica, temperatura potencial e os fluxos turbulentos de calor sensível e
latente, conforme mostrado na figura 5.7.
98
Figura 5.7 – Evolução temporal da simulação sem topografia. (a) Umidade específica e (b)
temperatura potencial no nível 1, para um ponto central no rio e um ponto central no
solo. (c) Fluxos turbulentos de calor sensível e latente, entre a superfície e a
atmosfera, para um ponto central no rio.
Com intuito de filtrar essas variações, as análises comparativas dos
testes que seguem, são realizadas a partir da média no tempo. Tomando como base
o comportamento da energia cinética turbulenta ao longo das três horas de
integração, optou-se em fazer a média temporal das últimas duas horas, sendo esse
resultado a representação da situação instantânea ao meio dia (12 horas local) no
vale do rio da Prata. Além disso, os gráficos que mostram a seção transversal ao
vale são obtidos a partir da média em
x (ao longo do vale).
A radiação de onda longa que retorna da atmosfera (
L) e a radiação
de onda longa perdida para o espaço (
L
), devido a metodologia utilizada em seus
cálculos através das equações 5.5 e 5.6, evidentemente apresentaram resultados
altamente correlacionados com a temperatura potencial no nível 1 (
θ
1
) e com a
temperatura potencial em superfície (
θ
g
), respectivamente. Como já mencionado
antes, a temperatura da superfície da água foi fixada em aproximadamente 17
°C
99
em todos os testes (painel inferior da figura 5.8b). No nível 1, sobre o rio e nas
proximidades deste (cerca de 150 metros da margem), a temperatura potencial (
θ
1
)
foi praticamente a mesma nas três simulações. Com isso, percebe-se que no centro
do domínio na direção
y (sobre e próximo ao rio) a temperatura do ar em contato
com a superfície é influenciada quase que exclusivamente pela temperatura da
superfície da água, sem sofrer influência da topografia. Porém, conforme a distância
do rio aumenta, a temperatura no primeiro nível apresenta configurações diferentes
para cada simulação. No teste realizado sem topografia
θ
1
fica aproximadamente
com os mesmos valores nas distâncias superiores a 150 metros do rio, respondendo
a mesma configuração de
θ
g
(ver painéis superiores das figuras 5.8a e 5.8b). No
teste com a topografia de 200 metros,
θ
g
declina pouco mais de 1 °C entre o rio e
alguns metros antes do extremo do domínio, quando a partir daí, aumenta
exponencialmente. A temperatura do ar, por sua vez, aumenta gradativamente na
porção terra, entre o rio e os limites sul e norte do domínio. Já a simulação com
topografia de 400 metros apresenta uma configuração ondulatória para
θ
g
(figura
5.8b). O padrão ondulatório de
θ
g
, verificado na direção y da porção terra, para a
simulação com encosta de 400 metros, evidentemente reflete em
θ
1
e
conseqüentemente na configuração espacial das trocas de calor entre a superfície e
o ar, conforme veremos mais adiante.
Figura 5.8 – Seção transversal (norte/sul) da (a) temperatura potencial no nível 1 e (b) temperatura
potencial em superfície. O painel superior esquerdo é representativo da área do domínio
ao sul do rio e o painel superior direito do lado norte. Os quatro pontos de grade do rio
são plotados no painel inferior.
Rampanelli et al. (2004), com base em simulações numéricas de um
vale idealizado, sugeriram que o efeito subsidente produz notáveis diferenças na
estrutura vertical da CLC dentro e fora de um vale. As simulações com topografia
100
realizadas no presente estudo mostraram que a inversão térmica acima dos 400
metros, imposta na inicialização do modelo LES, foi destruída pelo crescimento da
CLC a partir da superfície, conforme descrito por Whiteman (1982). Percebe-se
através da figura 5.9a que na simulação sem topografia a camada está bem
misturada tanto sobre o ponto central do rio como no ponto central no solo. Como
não há topografia e o rio tem largura de 80 metros, pequeno em relação ao restante
do domínio, o processo de mistura provocado pela convecção é percebido logo
acima da superfície, a partir de cerca de 10 metros de altura. Por isso, a temperatura
é praticamente a mesma deste nível até o topo, nos pontos representativos das
porções água e terra. Nas simulações contendo topografia, toda a camada é bem
misturada na porção terra, mas há uma pequena estabilidade sobre o rio. Além
disso, a altura dessa camada estável coincide com a altura das encostas (figura 5.9).
A influência do rio na estrutura térmica do vale do rio da Prata foi estudada por
Bitencourt e Acevedo (2007), onde constatou-se que há uma camada ligeiramente
estável no fundo do vale, onde as temperaturas mais baixas são verificadas próximo
à superfície. Os autores identificaram duas causas para esse processo, a ocorrência
de subsidência de ar potencialmente mais frio no centro do vale causada pela
circulação de vale/montanha e o resfriamento a partir de baixo causado pela
presença do rio. Esse resfriamento não é verificado na simulação sem a presença
do rio (figura 5.10), para o qual o gradiente vertical de temperatura dentro do vale é
menor em relação ao caso simulado com a presença do rio (figura 5.9b).
Figura 5.9 – (a) Perfil vertical da temperatura potencial em um ponto central de uma das porções terra
e em um ponto central da porção água. (b) Seção transversal ao vale da temperatura
potencial.
101
Figura 5.10 – Seção transversal ao vale da temperatura potencial para a simulação sem a existência
de rio. Fonte: Adaptado de Bitencourt e Acevedo (2007).
A aproximação dos 5 primeiros níveis do modelo, mostrada nos
gráficos inferiores da figura 5.9a, indica que a diferença de
θ
entre o nível 1 (altura
da rugosidade) e o nível 2 (10 metros) é significativa para as três simulações,
aumentando bruscamente nos primeiros 10 metros sobre o rio e declinando
bruscamente sobre o solo. Isso ocorre porque o ar no nível 1 está imediatamente em
contato com a superfície do rio que tem
θ
g
17 °C. Já o ar no nível 1 sobre a terra
está em contato com uma superfície com
θ
g
muito mais elevada, entre 30 e 34
°
C. A
diferença entre
θ
2
e
θ
1
é menor na simulação sem topografia, mostrando que, sobre
o rio, a temperatura do ar é mais baixa próximo à superfície devido a circulação que
ascende as encostas e descende no centro do vale e também devido a presença do
próprio rio, conforme já mencionado.
O perfil vertical da umidade específica (figura 5.11a) mostra uma
situação similar ao comportamento verificado com a temperatura potencial. Na
simulação sem topografia, toda a camada vertical é bem misturada nos dois pontos
representativos do domínio horizontal, por isso, a partir de aproximadamente 30
metros até o topo do domínio, a umidade é constante tanto no ponto central do rio
como no ponto central de uma das porções terra. Nas simulações com encostas
102
laterais de 200 e 400 metros, a umidade específica permanece constante em quase
toda a camada somente na porção terra, mas sobre o rio ocorre um aumento de
q
entre o nível 2 e um nível próximo da altura da topografia. Possivelmente isso se
deva ao transporte de ar mais seco dos níveis mais altos para os níveis mais baixos
no centro do vale, resultante da circulação típica de vale/montanha verificada no
horário do meio dia. O detalhe dos primeiros 40 metros, apresentados nos gráficos
inferiores da figura 5.11a, mostra que a umidade é maior no nível 1 (altura da
rugosidade) do que no nível 2 (10 metros), tanto sobre o rio como sobre a terra.
Porém, como também percebe-se na figura 5.11b, a umidade no nível mais próximo
da superfície se concentra mais sobre o domínio do rio.
Figura 5.11 – (a) Perfil vertical da umidade específica em um ponto central de uma das porções terra
e em um ponto central da porção água. (b) Seção transversal ao vale da umidade
específica.
Sobre a porção terra
H
0
= LE
0
são obtidos pela expressão 5.7, que é
função da velocidade do vento no nível 1 e da diferença de temperatura potencial
entre o nível 1 e a superfície. Por isso, apresenta-se agora, através da figura 5.12, a
seção transversal na direção norte/sul do gradiente
θ
1
-
θ
g
, da velocidade do vento
no nível 1 e das trocas de calor para os três testes, lembrando que
H
0
= LE
0
porque
a análise é exclusivamente para as porções terra. Percebe-se que na simulação sem
topografia a diferença
θ
1
-
θ
g
é homogênea e, como não há presença de encostas, o
vento também tem velocidades parecidas em todo o domínio. Essa combinação
resultou em
H
0
= LE
0
com pouca variação entre a margem do rio e as extremidades
do domínio. Por outro lado, na simulação com topografia os valores da diferença
θ
1
-
θ
g
, apesar de negativos em todo o domínio da porção terra, apresentam grande
103
variabilidade, inclusive com uma configuração ondulatória na direção norte/sul para
o caso da simulação com encostas de 400 metros, devido a variação em
y de
θ
g
(ver
figura 5.8b). Em síntese, sobre a porção terra, tem-se (
H
0
= LE
0
) > 0 tanto para as
simulações sem topografia como para as simulações com topografia devido a
temperatura da superfície ser sempre maior que a do ar, ou seja, no que diz respeito
ao sentido das trocas de calor na direção
z, a topografia não possui qualquer efeito,
pois o solo aquece bastante no horário do meio dia, sendo uma encosta ou não. Por
outro lado, a presença das encostas nas laterais do rio favorece a ocorrência de
trocas de calor quase constante ao longo do vale (figura não mostrada). Rotach et
al. (2004), com o uso de dados observados, encontraram fluxo turbulento de calor
sensível positivo sobre as encostas do vale Riveira durante o dia.
Figura 5.12 – Seção transversal (norte/sul) da (a) velocidade do vento no nível 1, da (b) diferença de
temperatura potencial entre o nível 1 e superfície e (c) dos fluxos turbulentos de calor
sensível e latente (H
0
= LE
0
). O painel esquerdo representa a porção terra ao sul do rio
e o painel direito ao norte.
Sobre o rio, as trocas de calor entre a superfície e o ar são inversas, ou
seja,
H
0
< 0 (do ar para a superfície). Conforme os campos espaciais da porção
água mostrados na figura 5.13, percebemos que a diferença
g
θθ
1
é da ordem de
aproximadamente 3.5
°C para os três testes realizados, sendo a temperatura da
água mais baixa que a do ar. O vento médio no domínio do rio tem maior
intensidade na simulação sem topografia, diminuindo de magnitude conforme
aumenta a altura das encostas. A simulação do valor quantitativo de
H
0
não é o
principal objetivo desse estudo, no qual se prioriza a descrição qualitativa das trocas
entre a superfície e o ar no horário do meio dia. Porém, nota-se na comparação das
104
três simulações que quanto maior a altura das encostas do vale, menor é a
magnitude das trocas (ver figura 5.13d). Isso novamente aponta para uma influência
direta da circulação no interior do vale causada pela topografia. Sem as encostas, o
vento sobre o rio é maior porque está sob efeito quase que exclusivamente do
gradiente térmico água/terra, enquanto que com a presença das encostas a
circulação de vale/montanha, típica das 12 horas, torna-se ativa e mantém a
configuração de divergência do vento sobre o rio de forma mais simétrica. Em
síntese tem-se que a magnitude das trocas de calor entre o rio e a atmosfera diminui
com a presença de encostas com maior altura tanto pela contribuição do vento no
nível 1 como pela contribuição da diferença de temperatura entre o nível 1 e a
superfície da água.
Figura 5.13 – Velocidade do vento no nível 1, diferença de temperatura potencial entre o nível 1 e
superfície e fluxo turbulento de calor sensível para as simulações (a) sem topografia e
com topografias de (b) 200 m e (c) 400 m. Os valores médios para o domínio do rio
são mostrados no topo de cada campo. O gráfico (d) representa o corte transversal ao
rio do fluxo turbulento de calor sensível.
105
Percebe-se através da figura 5.14 que, da mesma forma que ocorreu
com as trocas de calor sobre o rio, as trocas de umidade também diminuem
relativamente de magnitude conforme aumenta o tamanho das encostas. A hipótese
para que isso ocorra também é a mesma, a influência da circulação no interior do
vale causada pela topografia. Quanto maior as encostas, melhor definido fica a
divergência do vento sobre o domínio do rio, favorecendo a ocorrência de
velocidades menores, o que contribui para a diminuição da magnitude de
LE
0
.
Porém, com a diferença da umidade específica entre o nível 1 e a superfície ocorre
algo interessante na comparação das três simulações. Conforme podemos ver no
painel central das figuras 5.14a, 5.14b e 5.14c, o valor médio da diferença de
umidade (
g
qq
1
) no domínio do rio é maior na simulação sem topografia e menor
na simulação com encostas de 200 metros, assumindo um valor intermediário na
simulação com encosta de 400 metros. Mas como essa diferença é mínima,
constatamos que a velocidade do vento junto à superfície é mais importante na
determinação da magnitude de
LE
0
. O corte transversal ao rio, mostrado na figura
5.14d, mostra que os três testes tiveram comportamentos qualitativos muito similares
entre si. A principal constatação é que, para a um rio com largura de 80 metros, a
topografia não exerce influência no sinal das trocas de umidade entre a superfície e
o ar, visto que todos os resultados mostraram
LE
0
< 0.
106
Figura 5.14 – Velocidade do vento no nível 1, diferença da umidade específica entre o nível 1 e
superfície e fluxo turbulento de calor latente para as simulações (a) sem topografia e
com topografias de (b) 200 m e (c) 400 m. Os valores médios para o domínio do rio
são mostrados no topo de cada campo. O gráfico (d) representa o corte transversal ao
rio do fluxo turbulento de calor latente.
5.3.2 – Os efeitos da direção e velocidade do vento
A análise do escoamento de grande escala realizada no capítulo
anterior mostrou predominância do vento do quadrante norte, com intensidade
média entre 5 e 6 m s
-1
, nos dias selecionados. No fundo do vale, a torre
micrometeorológica instalada junto a margem sul do rio da Prata registrou ventos
predominantemente de oeste, com uma pequena componente de norte, com
intensidade da ordem de 1 m s
-1
. A comparação do escoamento nessas duas
escalas apontou para uma superposição das forçantes canalizada e térmica
(Bitencourt e Acevedo, 2006). Nessa seção serão feitas algumas abordagens em
relação aos ventos simulados pelo LES. Analisa-se os resultados das simulações
107
inicializadas com ventos exclusivamente na direção norte/sul (transversal ao vale) e
com ventos na direção leste/oeste (ao longo do vale). Essas duas situações foram
experimentadas com intensidades de 1 e de 5 m s
-1
. Como o objetivo principal desse
estudo é avaliar as trocas de calor e umidade entre a superfície do rio e o ar, as
quantidades
H
0
e LE
0
também serão avaliadas para cada teste. Todas as simulações
são rodadas com a presença de um rio com largura de 80 metros, centrado no
domínio, conforme mostra a figura 5.2a, excetuando uma rodada adicional com
topografia e sem rio para testes específicos sobre a contribuição das encostas e do
rio na circulação local. A topografia utilizada é de 400 metros, que é a mais próxima
da realidade do vale do rio da Prata. As simulações inicializadas com ventos de 1 e
5 m s
-1
foram integradas para períodos de 3 e 5 horas, respectivamente. Excetuando
a figura 5.15, todas as demais figuras e tabelas foram construídas com base na
média temporal das últimas duas horas de integração, resultado representativo das
12 horas local. Como no item anterior, todas as figuras que mostram a seção
transversal ao vale são obtidos a partir da média em
x.
Percebe-se através da figura 5.15 que, quando o modelo é inicializado
com vento de 1 m s
-1
, na direção do vale (figura 5.15a) e transversal ao vale (figura
5.15b), o escoamento junto à superfície apresenta divergência do vento exatamente
sobre o domínio do rio. Colette et al. (2003) simularam o padrão diurno de um vale
com o uso do Advanced Regional Prediction System (ARPS) e identificaram
claramente os escoamentos encosta acima, com divergência no fundo do vale,
quando o vento sinótico é fraco. Whiteman et al. (1999), através da análise de dados
observados, encontraram um campo de vento divergente durante o dia ao longo do
rio Colorado, no Grand Canyon. Banta (1984) mostrou que a divergência do vento
no fundo do vale, no período diurno, faz parte de um mecanismo capaz de inicializar
nuvens do tipo cumulus. As análises das simulações com e sem topografia,
realizadas no item anterior, mostraram que a divergência do vento no fundo do vale
do rio da Prata é provocada por dois fatores, o gradiente térmico em
y, forçado pelo
aquecimento diferencial água/terra, e a presença das encostas, que força um
escoamento vale/montanha, típico das 12 horas. De acordo com a figura 5.15b,
nota-se que com o escoamento forçado perpendicular ao vale, a divergência do
vento se estabelece, entretanto, somente com o escoamento forçado de oeste para
leste (figura 5.15a) é que o vento adquire uma componente
x compatível com o que
foi observado na margem sul do rio da Prata durante a campanha EXPANTAS –
108
2005. Também chama a atenção a boa performance nas simulações da magnitude
do vento. Comparando os gráficos (c) e (d) com os gráficos (a) e (b) da figura 5.15,
percebe-se que qualitativamente os resultados das simulações inicializadas com
ventos fracos e fortes são muito similares, principalmente se considerarmos apenas
a última hora de integração. Pelo menos para esse nível junto da superfície, os
campos de vento da simulação inicializada com
v = 5 m s
-1
(figura 5.15d) é
compatível com a simulação inicializada com
v = 1 m s
-1
(figura 5.15b), inclusive nos
resultados quantitativos (ver escalas dos vetores na base dos gráficos).
Figura 5.15 – Média do vento na altura da rugosidade, para a primeira, segunda e terceira hora de
integração. (a) vento na direção do vale de 1 m s
-1
, (b) vento transversal ao vale de 1
m s
-1
, (c) vento na direção do vale de 5 m s
-1
e (d) vento transversal ao vale de 5 m s
-1
.
As escalas dos vetores são apresentadas na base dos painéis.
109
O vento na direção do vale aparentemente apresenta-se mais realístico
nos resultados da simulação incicializada com
u = 1 m s
-1
e v = 0 (figura 5.16a) do
que na simulação inicializada com
u = 0 e v = 1 m s
-1
(figura 5.16b). Como o
escoamento é canalizado no interior do vale, de oeste para leste, adquirindo uma
componente na direção
y sobre as encostas, espera-se que as velocidades de u
sejam maiores sobre o rio, no fundo do vale, e menores junto às encostas, onde
predomina a componente
y. Conforme vemos na figura 5.16, a componente do vento
transversal ao vale apresentou escoamento encosta acima nas duas simulações,
tanto na rodada inicializada somente com vento na direção leste/oeste como na
rodada inicializada exclusivamente com vento na direção norte/sul. As diferenças
ficaram por conta das células formadas no plano
y-z. Na simulação inicializada com
vento ao longo do vale (figura 5.16a e 5.16c) a circulação diurna, típica de
vale/montanha, aparece claramente. Acima da altura da topografia,
aproximadamente entre 450 e 600 metros, aparecem outras duas células no plano
y-z. Já a simulação inicializada com vento transversal ao vale, de 1 e 5 m s
-1
(figuras
5.16b e 5.16d), apesar de também ter apresentado escoamento encosta acima,
mostrou duas células com circulação entre as encostas pouco coerentes com a
realidade do vale do rio da Prata. Uma célula aparece no fundo do vale e outra entre
aproximadamente o meio e a altura máxima da topografia. Uma terceira célula
aparece ainda acima da altura das encostas, com ventos transversais ao vale no
topo do domínio, com intensidade de aproximadamente 1.5 m s
-1
(figura 5.17b e
5.17d) em ambos os testes. Weigel et al. (2006) encontraram circulações similares
no interior de um vale através da análise de dados observados e de modelagem
numérica. Porém, o vale estudado por Weigel et al. (2006) possui dimensões muito
maiores que o vale do rio da Prata e é orientado praticamente na direção norte/sul,
proporcionando que, durante um determinado período, ocorra maior aquecimento de
uma encosta em relação à outra. O trecho do vale do rio da Prata escolhido para
esse estudo, além de ser pequeno, está orientado na direção leste/oeste e, embora
existam estudos indicando que o aquecimento da face da encosta voltado para o sul
ou para o norte seja diferente, a ponto de provocar diferenças também no padrão de
escoamento (Segal et al., 1987), acredita-se que nesse pequeno trecho do vale do
rio da Prata isso não seja significativo.
110
Figura 5.16 – Seção transversal ao vale do vetor vento para simulações inicializadas com diferentes
ventos de grande escala: (a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0 e v = 1 m s
-1
; (c) u = 5 m s
-1
e
v = 0 e (d) u = 0 e v = 5 m s
-1
.
A configuração da circulação no plano
y-z para as rodadas inicializadas
com ventos de 5 m s
-1
ficou muito próxima da configuração resultante das
simulações inicializadas com vento de 1 m s
-1
. Percebe-se através da figura 5.17
que a principal diferença entre os testes com vento fraco e forte são nos resultados
quantitativos, evidentemente que as rodadas inicializadas com ventos na direção e
transversal ao vale, de 5 m s
-1
, apresentaram resultados com maior intensidade na
média das últimas duas horas de integração. Chama a atenção, entretanto, o
comportamento muito similar da componente
y do vento no interior do vale, entre a
superfície e a altura de ~ 400 metros, para as rodadas com vento na direção do vale
inicial de 1 m s
-1
(figura 5.17a) e com vento na direção do vale inicial de 5 m s
-1
(figura 5.17c). Isso pode ser indicativo de que os efeitos na componente do vento
transversal ao vale, causados pelo aquecimento diferencial água/terra e pela
presença das encostas, ocorrem independentemente da intensidade do escoamento
de grande escala ao longo do vale, de oeste para leste. Portanto, podemos pensar
que de fato a circulação ao longo do interior do vale (oeste/leste) seja função dos
escoamentos de grande escala e local, através da associação das forçantes
111
canalizada e gradiente térmico ao longo do vale (Bitencourt e Acevedo, 2006), mas
que os escoamentos encosta acima sejam induzidos exclusivamente pelas forçantes
de mesoescala, associadas ao gradiente horizontal de temperatura entre a
superfície da água e a superfície do solo e também do aquecimento diferencial que
ocorre durante o dia em regiões de vale/montanha. De acordo com essas
simulações, o escoamento forçado acima da altura da topografia, quando é
perpendicular ao vale, aparentemente não tem influência significativa na circulação
encosta acima que ocorre no interior do vale. De fato, a característica real de terreno
complexo no vale do rio da Prata, onde se tem encostas bastante íngremes e
próximas uma da outra, com altura relativamente expressiva, não permite que o
vento de grande escala influencie no interior do vale quando este é perpendicular a
direção do vale, salvo quando ocorre a canalização através de trechos anteriores
com outra orientação.
Figura 5.17 – Seção transversal ao vale da componente norte/sul (direção y) para simulações
inicializadas com diferentes ventos de grande escala: (a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0
e v = 1 m s
-1
; (c) u = 5 m s
-1
e v = 0 e (d) u = 0 e v = 5 m s
-1
.
A partir da constatação de que o vento no interior e na mesma direção
do vale é influenciado principalmente pelos efeitos canalizado e térmico e que o
vento transversal ao vale é essencialmente influenciado pelos efeitos de
112
aquecimento diferencial, provenientes do gradiente água/terra e da presença das
encostas, faremos agora algumas comparações para estimar o quanto esses efeitos
contribuem na circulação local do sistema. As simulações com ventos iniciais de
leste fraco e forte fornecem subsídio para comparações da circulação local no
interior do vale, proveniente da canalização do escoamento de grande escala com
diferentes magnitudes. A tabela 5.1 mostra os resultados da componente
x do vento
(mesma direção do vale), junto à superfície, somente para o domínio da porção
água. Percebe-se que quando a inicialização do modelo é realizada com vento mais
intenso, o escoamento local no fundo do vale adquire magnitude um pouco maior
que 1 m s
-1
, enquanto que a inicialização com vento fraco favorece ventos locais no
fundo do vale de no máximo 0.37 m s
-1
. Esses resultados são concordantes com a
comparação instantânea realizada entre os ventos sinótico e local, apresentada no
capítulo 4. Ali foi mostrado que a circulação local, tanto em termos de direção como
em termos de magnitude, é função principalmente do efeito canalizado, mas não
somente do escoamento sinótico verificado no mesmo momento, e sim também em
função das magnitudes e direção do vento de grande escala que ocorrem em
horários anteriores, sugerindo um efeito “memória” na circulação do interior do vale
proveniente do escoamento acima do vale.
Tabela 5.1 – Componente x do vento, no nível 1, sobre o domínio do rio, para as simulações
inicializadas com vento fraco e forte.
Topografia de 400 m / Presença do rio de 80 m
Ven Inicial = 1 m s
-1
(na direção do vale) Ven Inicial = 5 m s
-1
(na direção do vale)
u
máximo
0.37 m s
-1
1.19 m s
-1
u
mínimo
0.31 m s
-1
1.05 m s
-1
u
médio
0.34 m s
-1
1.11 m s
-1
A tabela 5.2 mostra a comparação entre três simulações diferentes, a
primeira que retrata com mais realismo as características locais do sítio em estudo,
com topografia de 400 metros e presença de um rio de 80 metros de largura, a
segunda simulação sem a topografia e com a presença do rio e, a terceira
simulação, com presença de topografia e ausência de rio no fundo do vale. Percebe-
se que somente com a presença do rio no centro do domínio do modelo o vento na
direção
y é mais equilibrado, visto que nas margens norte e sul do rio a componente
y do vento teve a mesma magnitude, com sinais opostos e configuração simétrica
sobre o domínio do rio. Na simulação com topografia e sem a existência de rio, a
113
presença das encostas também favoreceu a divergência do vento no fundo do vale,
mas com configuração menos equilibrada. Em síntese, tanto na situação em que a
componente
y do vento é forçada exclusivamente pela presença do rio ou é forçado
exclusivamente pela presença do vale, ocorre divergência horizontal positiva no
fundo do vale. E, apesar do gradiente de temperatura água/terra ser bastante
intenso, os resultados sugerem que a orografia é mais importante como forçante
para o vento subir as encostas. Portanto, estima-se que o efeito vale/montanha
diurno seja um pouco mais importante do que o gradiente térmico água/terra para a
intensificação do vento sobre o rio e, conseqüentemente, mais importante para as
quantidades de fluxos turbulentos de calor sensível e latente.
Tabela 5.2 – Divergência horizontal e componente y do vento, no nível 1, sobre o domínio do rio, para
a simulação com topografia de 400 metros e rio de 80 metros, comparada com duas
situações hipotéticas do sitio.
Vento Zonal Inicial = 1 m s
-1
- presença de topografia
- presença de rio
- ausência de topografia
- presença de rio
- presença de topografia
- ausência de rio
v
máximo
+ 0.10 m s
-1
+ 0.19 m s
-1
+ 0.29 m s
-1
v
mínimo
– 0.14 m s
-1
– 0.18 m s
-1
– 0.21 m s
-1
v
médio
– 0.03 m s
-1
0.00 m s
-1
+ 0.04 m s
-1
(
)
máximo
V
r
1.18 x 10
-6
s
-1
1.23 x 10
-6
s
-1
1.61 x 10
-6
s
-1
(
)
mínimo
V
r
0.59 x 10
-6
s
-1
0.94 x 10
-6
s
-1
1.13 x 10
-6
s
-1
(
)
médio
V
r
0.84 x 10
-6
s
-1
1.07 x 10
-6
s
-1
1.39 x 10
-6
s
-1
Os resultados das trocas de calor e umidade entre a superfície do rio e
a atmosfera, para as simulações com vento sinótico em apenas uma direção e com
velocidades de 1 e 5 m s
-1
, são apresentados nas figuras 5.18 e 5.19. Todos os
testes apresentaram fluxos negativos, da atmosfera para o rio, concordando com o
que foi observado às 12 horas nos dias selecionados da campanha EXPANTAS –
2005. Percebe-se através da figura 5.18 que quando a simulação é inicializada com
escoamento perpendicular ao vale, independentemente da intensidade, há variação,
embora pequena, dos fluxos ao longo do rio (direção
x), enquanto que nas
simulações inicializadas com vento paralelo ao vale, os fluxos variam apenas na
seção transversal do rio (direção
y). Essa configuração está diretamente associada
com os campos de vento apresentados na figura 5.15. Quando esses campos de
vento apresentam componente na direção do vale, a distribuição dos fluxos ao longo
rio é homogênea. Por outro lado, quando não há componente na direção do vale, os
114
fluxos aparecem com uma pequena variação ao longo do rio. Na verdade, quando o
escoamento flui na mesma direção do vale, há maior contribuição para a
homogeneização da temperatura e umidade no nível 1 e, como a temperatura na
superfície da água é de aproximadammente 17 ºC sempre, há quase que uma
constância em
x das diferenças
θ
1
θ
g
e q
1
q
g
.
Figura 5.18 - Fluxos turbulentos de calor latente (LE
0
) e sensível (H
0
) em W m
-2
, sobre a porção água,
para as simulações inicializadas com (a) u = 1 m s
-1
e v = 0; (b) u = 0 e v = 1 m s
-1
; (c) u =
5 m s
-1
e v = 0 e (d) u = 0 e v = 5 m s
-1
.
Chama a atenção a diferença relativa entre os testes realizados, das
quantidades de
LE
0
e H
0
transversais ao rio (figura 5.19). A simulação com vento
forte na direção do vale resulta em trocas de calor e umidade relativamente mais
significativas entre o rio e a atmosfera. Apesar das magnitudes de
LE
0
e H
0
serem
função da diferença na vertical de
q e
θ
, respectivamente, e da velocidade do vento
junto à superfície, acredita-se que para esses casos os valores quantitativos de
LE
0
e
H
0
sejam causados principalmente pelo campo de velocidade, ficando o gradiente
vertical de
q e de
θ
responsáveis pelo sinal dos fluxos. Considerando ainda que a
velocidade do vento na direção do vale, sobre o rio, seja função principalmente do
mecanismo canalizado e que o vento na direção
y seja forçado por efeitos de
mesoescala relativos à diferença térmica água/terra e à presença das encostas,
podemos concluir que a intensidade dos fluxos junto à superfície do rio seja induzida
principalmente por essas forçantes.
115
Portanto, quando o vento sinótico escoa na direção do vale, é essa
forçante, através da canalização dentro do vale, que determina com mais
importância a intensidade das trocas de calor e umidade entre a atmosfera e o rio. E,
quando o vento sinótico é transversal ao vale, o fator determinante na intensidade
das trocas é a velocidade local causada pelos efeitos de mesoescala do sistema
rio/vale/montanha, passando também os gradientes de
θ
e q a apresentarem certa
importância na magnitude das trocas.
Figura 5.19 – Seção transversal ao rio dos fluxos turbulentos de calor latente (LE
0
) e sensível (H
0
).
A pouca variabilidade das trocas entre a superfície e o ar nos quatro
pontos de grade da seção transversal ao rio, mostrada na figura 5.19, coincide com
os valores pouco expressivos dos gradientes reais da temperatura do ar e da
temperatura da superfície da água, observados entre uma margem e outra do rio da
Prata. Acevedo et al. (2007) descreveram que a diferença transversal ao rio da
temperatura do ar é pouco significativa, não ultrapassando 0,4
°C, e que a diferença
da temperatura da superfície da água, entre as margens sul e norte do rio da Prata,
é de no máximo 0,1
°C. A causa disso pode estar associada à largura do rio que é
relativamente estreita.
116
5.3.3 – Simulações com o nível do rio elevado
Uma questão importante é identificar o quanto o nível da água do rio
altera o comportamento dos fluxos turbulentos de calor e umidade junto a superfície
do rio. Busca-se essa resposta a partir de duas simulações do LES, a primeira com
uma elevação do nível do rio de 19,8 metros, aumentando a sua largura para 160
metros, e a segunda com uma elevação de 86,0 metros, aumentando a largura do
rio para 320 metros, conforme esquema apresentado na figura 5.20. Utilizaremos
como padrão a rodada do LES que tem rio com largura de 80 metros e topografia de
400 metros. Todas as simulações foram inicializadas com vento de grande escala de
oeste, com 1 m s
-1
e demais configurações descritas no item 5.1. Novamente, todas
as análises realizadas nesse subitem são baseadas na média das últimas duas
horas de integração, resultado considerado como sendo a simulação do momento
das 12 horas local. Os gráficos que mostram a seção transversal ao vale são obtidos
a partir da média em
x.
117
Figura 5.20 – (a) Configuração de referência e configurações com nível do rio elevado em (b) 19,8
metros e (c) 86,0 metros. O percentual do domínio do modelo que a área do rio ocupa
é mostrado no topo superior de cada figura.
De uma forma geral, o padrão de circulação no interior do vale não
apresentou muita diferença na comparação dos dois testes com a simulação de
referência. O vento zonal, que na simulação com rio de 80 metros foi de
aproximadamente 0,8 m s
-1
sobre o rio, teve magnitudes também nessa ordem sobre
a porção água nas simulações com área alagada de 160 e 320 metros.
As diferentes larguras de rio provocam diferentes impactos na
temperatura acima do rio (figura 5.21). Conforme aumenta a área alagada pelo rio,
aumenta o nível na vertical em que o ar sofre mais significativamente a influência da
temperatura da superfície da água. Essa influência é mais evidente com o rio de
largura de 320 metros, que aparentemente favorece a ocorrência de temperaturas
relativamente mais baixas até aproximadamente 30 metros do nível do rio. O
gradiente vertical de temperatura nos baixos níveis é maior para o caso simulado
com rio mais largo. Por outro lado, a umidade é maior nos níveis mais baixos,
decrescendo para cima. O primeiro nível na vertical apresenta um máximo na
118
umidade específica, que aumenta com a largura do rio (figura 5.22), situação que é
causada pela presença do rio.
Figura 5.21 – Seção transversal da temperatura potencial (painéis da esquerda) e umidade específica
(painéis da direita) para diferentes elevações de rio: 80 metros (painéis superiores), 160
metros (painéis centrais) e 320 metros (painéis inferiores).
119
Figura 5.22 – Seção transversal da umidade específica no primeiro nível na vertical para as três
simulações com diferentes larguras de rio, conforme mostrado na legenda.
O pico de umidade específica nos níveis mais baixos, junto à superfície
do rio, ocorre mesmo com a existência de fluxos turbulentos de calor latente
negativos, ou seja, mesmo com os fluxos sendo verificados da atmosfera para o rio.
Portanto, a convergência vertical dos fluxos não é responsável pelo acúmulo de
umidade sobre o rio. Conseqüentemente, a umidade nos níveis mais baixos, sobre o
domínio do rio, é proveniente da convergência lateral dos fluxos turbulentos de calor
latente. Essa conduta, assim como o comportamento dos fluxos turbulentos de calor
sensível na horizontal, são representados através dos resultados gerados pelo LES
(figura 5.23). Percebe-se através da figura 5.23 que a maior temperatura e umidade
específica verificada no primeiro nível da vertical é causado pela convergência
horizontal do ar mais quente e mais úmido, oriundo das encostas do vale. Nota-se
ainda que a magnitude desses fluxos turbulentos laterais, simulados pelo LES, são
comparáveis aos observados durante a campanha EXPANTAS – 2005, no vale do
120
rio da Prata (Acevedo et al., 2007). O trabalho de Acevedo et al. (2007) mostrou que
os fluxos turbulentos de calor sensível e latente, na margem do rio da Prata, foi em
média da ordem de 10 W m
-2
.
Figura 5.23 – Fluxos turbulentos horizontais (direção y) de calor sensível para simulação com rio de
(a) 80 metros, (b) 160 metros e (c) 320 metros e fluxos turbulentos horizontais (direção
y) de calor latente para simulação com rio de (d) 80 metros, (e) 160 metros e (f) 320
metros. Os valores positivos (negativos) representam fluxos na direção y da encosta sul
(norte) para o rio.
121
A diferença de temperatura potencial entre a altura da rugosidade
(nível 1) e a superfície do rio é de aproximadamente 3,5 ºC para rio com largura de
80 metros, de aproximadamente 2,9 ºC para rio com largura de 160 metros e de
aproximadamente 2,7 ºC para rio com largura de 320 metros, ou seja, quanto maior
a área alagada, menor é a diferença de temperatura entre o nível 1 e a superfície do
rio. No entanto, como a temperatura da superfície do rio é fixada para todos os
testes em aproximadamente 17 ºC, não é o tamanho da área alagada que determina
a diferença
θ
1
-
θ
g
e sim a distância das encostas. Quando a largura do rio é
pequena, as encostas são mais próximas uma da outra, tornando mais eficiente o
processo de transporte do ar mais quente das encostas para cima da porção água.
Isso é confirmado através da figura 5.24b, a qual mostra que a diferença
θ
1
-
θ
g
tende a ser um pouco maior nas margens do rio. A mesma relação aparece com a
velocidade do vento no nível 1 do domínio do rio. O vento no eixo central do rio tem
componente predominante de oeste para leste, com velocidade baixa junto a
superfície. Conforme aproxima-se das margens, o efeito da topografia favorece a
intensificação da componente
y, aumentando a velocidade total. Por isso, quanto
maior a largura do rio, maior é a área que se tem ventos essencialmente de oeste
com magnitude fraca. Os valores dos fluxos turbulentos de calor sensível se
apresentaram negativos para os três testes, sendo que a menor magnitude de
θ
1
-
θ
g
e da velocidade do vento para os testes com rio mais largo e, conforme
discutido acima, com encostas mais distantes, proporcionaram trocas de calor
menos intensas. Por outro lado, os fluxos turbulentos de calor latente negativos tem
maior magnitude para a situação simulada com rio mais largo, de 320 metros (figura
5.24c). Nesse caso, a diferença de umidade específica entre o ar e a água é menor
na situação simulada com rio de 80 metros (figura 5.24d).
122
Figura 5.24 – (a) Seção transversal ao rio dos fluxos turbulentos vertical de calor para as simulações
com diferentes elevações de rio, conforme indicado em cada painel. (b) mesmo que (a),
mas para a diferença de temperatura potencial entre o primeiro nível na vertical e a
superfície. (c) Mesmo que (a), mas para fluxo turbulento vertical de calor latente. (d)
Mesmo que (a), mas para a diferença de umidade específica entre o primeiro nível na
vertical e a superfície.
No que diz respeito às condições reais do vale do rio da Prata, é
importante lembrar alguns aspectos. No horário do meio dia, para o qual as
simulações são direcionadas, as condições da camada limite no interior do vale são
convectivas. O solo é significativamente mais quente que o ar e a temperatura
superficial da água é aproximadamente constante em 17 ºC, devido as
características de rio corrente com área alagada relativamente pequena. Portanto,
sobre a porção terra o ar imediatamente em contato com o solo aquece e, através
dos fluxos turbulentos de calor sensível horizontais, é transferido para a área central
do vale. A umidade na superfície do rio, tratada como sendo a umidade de saturação
à temperatura da superfície da água, também é quase constante em
aproximadamente 12.0 g kg
-1
. E, através do mesmo processo de fluxo lateral, a
umidade do ar contida junto à superfície é transferida para a área do rio. Acredita-se
123
ainda que o processo de transferência de umidade e calor das laterais para o
domínio do rio seja facilitado pela topografia, visto que o ângulo das encostas
proporciona maior eficiência no direcionamento dessas quantidades para o eixo
central do vale. Ressaltamos também como fatores importantes, a existência de
vegetação sobre as encostas que, por causa da evapotranspiração, produz mais
umidade para ser transferida para cima do rio e as anomalias positivas de
temperatura e umidade específica do ar verificadas durante os dias selecionados,
conforme mostrado no capítulo 4.
As simulações realizadas nesse estudo mostraram que mesmo com o
rio ocupando cerca de 1/3 do domínio, as trocas de calor e umidade continuam
sendo negativas, ou seja, o rio permanece tendo um papel passivo, constituindo um
sumidouro de calor e umidade.
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES
A construção de três hidrelétricas na região do vale do rio das Antas,
no município de Nova Roma do Sul – RS, serviu como incentivo para a realização de
campanhas experimentais e pesquisas científicas no local, embora a estrutura
desses empreendimentos do setor de geração de energia não acarretasse em
grandes modificações ambientais. Apesar da instalação dessas hidrelétricas terem
causado apenas pequenos aumentos da área alagada pelo rio, a hipótese da
ocorrência de algum impacto ambiental deve sempre ser levada em conta. Os vales
da região de Nova Roma do Sul são relativamente profundos, com encostas
bastante íngremes e com a presença de rios cobrindo todo o fundo desses vales.
Sabe-se que os processos físicos que ocorrem na baixa atmosfera e em especial
dentro desses vales são fortemente influenciados pela superfície dos rios. Além
disso, evidências apontam para a importância de outros fatores, tais como a
presença das encostas dos vales que, entre outras características de terreno
complexo, cercam as laterais dos rios através de trechos altamente sinuosos.
A complexidade do ambiente a ser pesquisado ao mesmo tempo que
motivou a realização de estudos na região, trouxe desafios inéditos aos
pesquisadores do Laboratório de Micrometeorologia da UFSM. Como a influência da
superfície do rio sobre a atmosfera do vale ocorre, em boa parte, através das trocas
turbulentas de calor e umidade, foi necessário instalar uma torre micrometeorológica
no fundo de um dos vales da região, cujos sensores ficaram posicionados sobre o
rio. A medida desses fluxos turbulentos, assim como a de outros parâmetros
ambientais, foi realizada em um dos trechos do vale do rio da Prata durante a última
campanha experimental realizada em 2005, denominada “Experimento de
Observações das Transferências entre a Superfície e a Atmosfera na Região do Rio
das Antas - 2005” (EXPANTAS – 2005).
A campanha EXPANTAS – 2005 contou com outras torres
micrometeorlógicas instaladas na região de Nova Roma do Sul. Entretanto, alguns
125
processos físicos do interior do vale seriam melhor identificados se houvessem mais
torres instaladas dentro do vale. Embora, as medidas transversais ao rio tenham
mostrado homogenidade das temperaturas do ar e da água entre uma margem e
outra (Acevedo et al., 2007), seria altamente importante a coleta de dados na outra
margem do rio. Além dessa torre adicional com sensores sobre o rio, idealiza-se
também a distribuição de torres ao longo do trecho leste/oeste do vale do rio da
Prata e também em diversas alturas das encostas. Diante da impossibilidade em
dispor de uma rede de observações com tal resolução espacial, a modelagem
numérica apresenta-se como uma ótima ferramenta para o entendimento dos
diversos processos físicos envolvidos nas trocas de calor entre a superfície e a
atmosfera local do vale.
Os dados coletados pela torre micrometeorlógica instalada no fundo do
vale do rio da Prata revelaram processos físicos muito interessantes do microclima
local, mas também foram capazes de provocar o levantamento de algumas questões
importantes. Essas questões, tais como a necessidade de descobrir os motivos
responsáveis pelo fato dos fluxos turbulentos de calor e umidade ocorrerem do ar
para o rio nos horários diurnos, foram o ponto de partida para o estudo desenvolvido
nesse trabalho de tese. Com base nos dados observados e em resultados obtidos
através de simulações numéricas, procuramos um melhor entendimento das
condições meteorológicas diurnas, favoráveis à ocorrência para esses fluxos
turbulentos verticais negativos, conforme apresentado por Acevedo et al. (2007).
Incluiu-se nesse trabalho uma análise sinótica com o objetivo de avaliar possíveis
relações da dinâmica da atmosfera livre com os parâmetros atmosféricos locais do
interior do vale. As simulações numéricas, realizadas com um modelo do tipo “Large
Eddy Simulation” (LES), possibilitaram uma avaliação tridimensional da atmosfera do
vale contribuindo na busca de respostas às questões mais relevantes dessa
pesquisa.
De uma maneira geral, o desenvolvimento dos estudos apresentados
nesse trabalho proporcionou um maior entendimento sobre o impacto que processos
físicos oriundos de várias escalas meteorológicas exercem no microclima de
determinada região. Mais do que isso, não fecha a questão de que as condições
meteorológicas locais são uma resposta exclusiva das características locais de
relevo ou tipo de solo, mesmo quando essas características são bem pronunciadas.
Percebeu-se através da avaliação dos dados sinóticos, dos dados locais do fundo do
126
vale e da interação dessas duas observações, que a circulação, umidade,
temperatura e outros parâmetros observados no fundo do vale do rio da Prata são,
dependendo da situação, causados predominantemente pela condição local, através
do aquecimento diferencial da superfície, ou predominantemente causado pela
situação sinótica, ou ainda, pela nítida interação de ambos efeitos. Muitos autores
constataram essas interações entre escalas meteorológicas para outras regiões
montanhosas
(Banta e Cotton, 1981; Cotton et al., 1982; Segal et al., 1983; Banta, 1984,
Whiteman e Doran, 1993 e Weigel e Rotach, 2004)
. Ressaltamos também que, apesar
de muitos conhecimentos científicos obtidos em um sítio servirem como base para
estudos em outros sítios semelhantes, uma boa parte das constatações identificadas
nesse estudo não é verdadeira para outras regiões. Por exemplo, a interação da
circulação local com o escoamento de grande escala, que mostrou-se bastante
evidente mesmo em situações de ausência de sistemas meteorológicos de escala
sinótica, é válida para o trecho leste/oeste, mas pouco aplicável para o trecho
norte/sul do vale do rio da Prata, que está cerca de 2 – 3 km de distância à oeste da
torre micrometeorológica. Contudo, a conduta dos fluxos turbulentos entre a
superfície do rio da Prata e o ar, calculados a partir dos dados observados por essa
torre, provavelmente seja semelhante nos outros trechos, pois a temperatura
superficial a água e as características das encostas são muito parecidas.
Algo importante também à ser considerado é o fato dos 12 dias
selecionados terem apresentado temperatura e umidade, provenientes das
condições meteorológicas de grande escala, com valores anomalamente positivos.
Considerando que esses efeitos da atmosfera livre são capazes de influenciar as
condições locais no interior do vale, os fluxos turbulentos e os processos físicos
envolvidos no interior do vale poderão ter uma conduta muito diferente em outra
época do ano ou em uma seqüência de dias com os parâmetros da atmosfera livre
apresentando valores abaixo da normal climatológica. Entretanto, as considerações
que seguem foram obtidas a partir da avaliação da conduta das trocas de calor e
umidade entre a superfície do rio e a atmosfera local apresentada nos dias
selecionados da campanha EXPANTAS - 2005
A avaliação sinótica apontou para predominância do vento norte na
região de Nova Roma do Sul, que favoreceu anomalias positivas da temperatura do
ar em 1000 mb. Os dados pontuais da reanálise do NCEP/NCAR também
apresentaram anomalias positivas para a umidade específica do ar em 1000 mb,
127
durante os 12 dias selecionados como mais propícios à avaliação dos fluxos
turbulentos. Entretanto, a ausência de eventos meteorológicos de grande escala
proporcionou anomalias pouco significativas à maioria dos parâmetros atmosféricos
analisados. Já a análise dos dados medidos no interior do vale do rio da Prata
indicou características semelhantes, para todas as variáveis, em praticamente todos
os dias selecionados. Destacamos o comportamento da radiação solar incidente,
com abrupto aumento de radiação no período da manhã de alguns dias, associado à
dissipação de nevoeiro de grande duração e espessura no interior do vale.
A avaliação da influência do escoamento de grande escala sobre a
circulação local no interior do vale é claramente percebida no vale do rio da Prata
(Bitencourt e Acevedo, 2006). A comparação da direção e velocidade do vento
sinótico com a direção e velocidade do vento local (fundo do vale), individualmente
para cada horário sinótico, confirma a existência de uma superposição das forçantes
térmica e canalizada. Porém, também percebemos que o vento canalizado pelo
escoamento sinótico é a principal forçante na determinação da circulação local,
provavelmente devido à significativa magnitude apresentada pelo vento sinótico.
Além disso, outros fatores, tais como a “memória” da direção e velocidade do vento
sinótico de horários anteriores, a dissipação diferencial do nevoeiro ao longo do vale
e a presença de nebulosidade podem também ter influência no comportamento da
circulação do interior do vale. O estudo da circulação local no fundo do vale é
importante porque o campo de velocidade do vento tem influência direta nas trocas
de calor e umidade entre a superfície e o ar, principal objeto de investigação desse
trabalho.
As simulações numéricas mostraram que a presença das encostas
possui considerável influência no campo de vento próximo a superfície do rio. A
topografia mantém a componente norte/sul do vento mais equilibrada no interior do
vale e, conseqüentemente, a circulação de oeste para leste permanece praticamente
constante durante a integração do modelo. Nos testes sem topografia e com
topografia de 200 e 400 metros ocorre divergência do vento sobre o rio, no entanto,
somente nas simulações com topografia essa divergência se estende por todo o
domínio. Percebe-se, portanto, que a presença das encostas favorece tanto o efeito
de canalização da circulação como a existência de circulações clássicas do tipo
vale/montanha. Quanto à estrutura vertical, o teste sem topografia apresentou uma
camada bem misturada em todo o domínio horizontal, enquanto que as simulações
128
com topografia a camada é misturada na porção terra, mas há estabilidade sobre o
rio. Supõe-se que essa estabilidade seja função da circulação de vale/montanha
típica das 12 horas e da presença do rio que resfria a atmosfera no vale a partir dos
níveis mais baixos (Bitencourt e Acevedo, 2007). A diferença entre
θ
2
e
θ
1
já aponta
para a existência de fluxos turbulentos de calor sensível negativos na porção água,
na altura intermediária de 5 metros, conforme verificado nos dados observados. Já a
diferença entre q
2
e q
1
mostra que a umidade é maior na altura da rugosidade do que
na altura de 10 metros em todo o domínio, configurando trocas de umidade positivas
sobre o rio na altura intermediária de 5 metros.
Sobre a porção terra, tem-se H
0
> 0 (H
0
= LE
0
, assumindo razão de
Bowen unitária) nas simulações com e sem topografia, indicando que as trocas na
direção z são do solo para o ar independentemente da existência de encostas, pois o
solo aquece mais do que o ar no horário do meio dia, tanto num terreno plano como
inclinado. Por outro lado, a presença das encostas nas laterais do rio favorece a
ocorrência de trocas quase constantes ao longo do vale. Sobre o rio, as trocas de
calor são do ar para a superfície (H
0
< 0) e, na existência de topografia, quanto maior
a encosta, menor a intensidade das trocas de calor. Situação similar é verificada
com as trocas de umidade, que também são negativas (do ar para a água) sobre a
superfície do rio. Percebe-se que as magnitudes de H
0
são função da contribuição
do vento no nível 1 e da diferença
θ
1
-
θ
g
, enquanto os valores de LE
0
ocorrem
principalmente por causa da velocidade do vento junto à superfície, visto que a
diferença q
1
- q
g
é mínima. Por fim, conclui-se que, pelo menos para a presença de
um rio com largura de 80 metros, a topografia não exerce influência no sinal das
trocas de calor e umidade entre a superfície do rio e o ar.
Constatou-se também através das simulações numéricas que de fato a
circulação ao longo do interior do vale é função da interação dos escoamentos de
grande escala e local, através da associação das forçantes canalizada e gradiente
térmico ao longo do vale (Bitencourt e Acevedo, 2006). Porém, espera-se que a
circulação encosta acima seja induzida exclusivamente pelas forçantes de
mesoescala, associado ao gradiente horizontal de temperatura entre a superfície da
água e a superfície do solo e também do aquecimento diferencial que ocorre durante
o dia em regiões de vale/montanha. Notou-se que o escoamento forçado acima da
altura da topografia, quando é perpendicular ao vale, aparentemente não tem
influência significativa na circulação encosta acima, no interior do vale. De fato, a
129
região do vale do rio da Prata apresenta encostas bastante íngremes e próximas
uma da outra, com altura relativamente expressiva, não permitindo que o vento de
grande escala influencie no interior do vale, quando este é perpendicular à direção
do vale. A exceção é para os casos em que há canalização através de trechos do
vale anteriores com outra orientação, diferente da orientação leste/oeste. A presença
de circulação com componente ao longo do vale permite que a distribuição dos
fluxos ao longo do rio seja homogênea. O vento na direção do vale contribui para a
homogeneização da temperatura e umidade no nível 1 e, como a temperatura na
superfície da água é sempre aproximadamente 17 ºC, as diferenças (
θ
1
θ
g
) e
(q
1
q
g
) são mantidas praticamente constantes na direção x. Tanto na situação em
que o vento transversal ao vale é forçado exclusivamente pela presença do rio ou é
forçado exclusivamente pela presença das encostas, ocorre divergência horizontal
positiva no fundo do vale. As simulações numéricas indicam que o efeito
vale/montanha diurno seja um pouco mais importante do que o gradiente térmico
água/terra para a intensificação do vento sobre o rio e, conseqüentemente, mais
importante para as quantidades H
0
e LE
0
. Assumindo uma maior importância do
campo de velocidade sobre H
0
e LE
0
e considerando que a velocidade do vento na
direção do vale, sobre o rio, seja função principalmente do mecanismo canalizado e
ainda que o vento transversal ao vale seja forçado por efeitos de mesoescala,
podemos concluir que a intensidade dos fluxos junto à superfície do rio seja induzida
principalmente por essas forçantes. Portanto, quando o vento sinótico escoa na
direção do vale, é essa forçante, através da canalização dentro do vale, que
determina com mais importância a intensidade das trocas junto a superfície. E,
quando o vento sinótico é transversal ao vale, o fator determinante na intensidade
das trocas é a velocidade local causada pelos efeitos de mesoescala do sistema
rio/vale/montanha, passando também os gradientes de
θ
e q a apresentarem certa
importância na magnitude das trocas. Em síntese tem-se que a direção do
escoamento sinótico tem maior importância para H
0
e LE
0
do que a intensidade do
escoamento sinótico, principalmente quando essa intensidade é baixa.
Os testes envolvendo topografia e ventos ajudaram a quantificar os
efeitos das características locais de relevo e os efeitos do escoamento que ocorre
acima do vale, sobre os processos físicos no interior do vale, associados às trocas
de calor e umidade, conforme verificados observacionalmente durante o período
diurno da campanha EXPANTAS – 2005. Com base no entendimento desses
130
processos, modificou-se numericamente a estrutura do ambiente do rio. Com a
elevação do nível do rio para 19,8 metros e 86 metros, aumentando a área alagada
de 80 para 160 metros e de 80 para 320 metros, respectivamente, obtivemos as
seguintes constatações:
(i) De uma forma geral, o padrão de circulação no interior do vale não
apresentou muita diferença quando a área alagada pelo rio passa a
ocupar 160 ou 320 metros;
(ii) O gradiente vertical de temperatura nos baixos níveis é maior para o caso
simulado com rio mais largo. Por outro lado, a umidade é maior nos níveis
mais baixos, decrescendo para cima. O primeiro nível na vertical
apresenta um máximo na umidade específica, que aumenta com a largura
do rio;
(iii) Quanto maior a área alagada, menor é diferença
θ
1
-
θ
g
. Como na
superfície do rio
θ
g
17 ºC, não é o tamanho da área alagada que
determina essa diferença e sim a distância das encostas. Quanto maior a
proximidade das encostas, mais eficiente é o processo de aquecimento do
ar que fica imediatamente sobre a porção água. Para o caso da
circulação, o vento no eixo central do rio tem componente predominante
de oeste para leste, com velocidade baixa junto à superfície. E, nas
proximidades das margens, o efeito da topografia favorece a intensificação
da componente y, aumentando a velocidade total. Por isso, quanto maior a
largura do rio, maior é a área que se tem ventos essencialmente de oeste
com magnitude fraca. Essas relações proporcionam trocas de calor menos
intensas quando as encostas estão mais distantes, ou seja, com rio mais
largo. Por outro lado, os valores negativos dos fluxos turbulentos de calor
latente possuem maior magnitude para a situação simulada com rio mais
largo. Nesse caso, a diferença de umidade específica entre o ar e a água
é menor na situação simulada com rio de 80 metros;
(iv) Conclui-se que a principal causa para a existência de H
0
e LE
0
negativos
sobre o rio esteja relacionado com o processo físico sugerido por Acevedo
131
et al. (2007). Na porção terra o ar imediatamente em contato com o solo
aquece e, através dos fluxos turbulentos de calor sensível horizontais, é
transferido para a área central do vale, sobre o domínio do rio, de tal forma
que o ar fique mais quente que a superfície do rio, proporcionando H
0
de
cima para baixo. E, através dos fluxos turbulentos de calor latente
horizontais, a umidade do ar contida junto à superfície é transferida para a
área do rio, proporcionando LE
0
também do ar para a superfície do rio.
Acredita-se também que o processo de transferência de umidade e calor
das laterais para o domínio do rio seja facilitado pela topografia. Há maior
eficiência no direcionamento dessas quantidades devido ao ângulo das
encostas. No entanto, a existência de topografia não é obrigatória para a
ocorrência de trocas de calor e umidade do ar para a superfície do rio.
Outro fator importante é a existência de vegetação sobre as encostas. A
evapotranspiração produz mais umidade para ser transferida para cima do
rio, situação não considerada nas simulações desse trabalho;
(v) Outras duas constatações merecem ser consideradas como favoráveis à
ocorrência de trocas negativas entre o rio e a atmosfera. A primeira delas
diz respeito às características do rio, que por ser pequeno e com
correnteza, possui temperatura superficial constante e baixa. A outra
constatação refere-se à condição dos parâmetros atmosféricos de escala
sinótica. Conforme mostrou a análise pontual, a partir dos dados da
reanálise do NCEP/NCAR, tanto a temperatura como a umidade
específica do ar em 1000 mb apresentaram anomalias positivas durante
os dias selecionados, o que pode ter contribuído para o ar acima do rio
estar mais quente e úmido que a superfície.
(vi) As simulações realizadas nesse estudo mostraram que, pelo menos com
rio ocupando até cerca de 1/3 da área do domínio, as trocas de calor e
umidade continuam sendo negativos, ou seja, o rio permanece com papel
passivo, sendo sumidouro de calor e umidade durante o dia.
Os resultados obtidos a partir desse trabalho de tese proporcionam
relevantes conhecimentos sob o enfoque climatológico, visto que diversos processos
132
físicos característicos da atmosfera de um vale e, principalmente, as trocas de calor
e umidade entre a superfície do rio e o ar, que são os principais processos
responsáveis pelas condições de tempo local, foram amplamente analisados e
discutidos. Os resultados das simulações numéricas realizadas com o LES, com
base em dados reais observados no fundo do vale, forneceram importantes
constatações para a questão de possíveis mudanças no microclima local devido a
aumentos na área alagada pelo rio. Essas mudanças poderiam, por exemplo, mudar
significativamente a quantidade de umidade no ar, implicando em prejuízos às
culturas da região, tais como milho e aveia. Entretanto, isso não foi verificado, visto
que o aumento da área alagada pelo rio não provocou mudanças significativas na
conduta das trocas de calor e umidade entre a superfície e a atmosfera local.
Sugerimos que trabalhos futuros abordem, também com base em
dados medidos e em resultados numéricos, o comportamento das trocas de calor e
umidade entre a superfície da água e o ar em um ambiente que apresente maior
área alagada, sem a presença de encostas ou com pequenas elevações de terreno
ao redor. Um corpo d´água maior e mais calmo (sem correnteza) poderá apresentar
maior evolução da temperatura superficial, podendo favorecer trocas de calor e
umidade positivas durante o dia. Com o uso específico de modelos numéricos,
sugerimos ainda a elaboração de simulações similares às apresentadas nesse
trabalho, no entanto, considerando a evolução diurna do aquecimento da superfície
(rio e encostas).
Também é interessante repetir as medidas de fluxo no mesmo local do
vale do rio da Prata durante um período com valores baixos ou negativos de
anomalia da temperatura e da umidade específica do ar, provenientes da dinâmica
da atmosfera livre. Essas medidas poderão comprovar ou não a hipótese de que a
condição de temperatura e umidade acima da normal climatológica, verificada
através dos dados do NCEP/NCAR, são fatores que contribuem para o ar acima da
superfície da água, no fundo do vale, ser mais quente e úmido.
Por último, consideramos essa linha de estudo, que utiliza dados
observados e considera uma metodologia acoplada ao modelo LES específica para
obtenção dos processos radiativos em superfície, válida para abordar a conduta das
trocas de calor e umidade entre a superfície e a atmosfera local em outros sítios com
características locais totalmente diferentes das encontradas no vale do rio da Prata.
Estudos similares podem ser feitos, por exemplo, em áreas com algum tipo de
133
cultura para avaliar aspectos de produção ou em ambientes urbanos com muitas
possibilidades de aplicação, tais como saúde pública.
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