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Consideramos também que a presença de marcas enunciativas nos enunciados
dá a eles uma característica de oralidade, já que as interações face a face – que são a
própria enunciação – caracterizam-se, por excelência, pela interação entre um eu e um
tu, ambos presentes ao mesmo tempo num mesmo lugar. Por isso, os enunciados
escritos, na medida em que se caracterizarem pela intensa presença de marcas próprias
do ato da enunciação, criam uma ilusão de oralidade e, por essa razão, produzem para o
leitor os efeitos de sentido próprios das comunicações faladas, como a subjetividade, a
proximidade, a parcialidade, a cumplicidade, a informalidade e outros, dependendo dos
contextos em que se inserem os enunciados.
Sabendo ainda que, na relação enunciativa entre enunciador e enunciatário, o
primeiro sempre tem, de uma ou de outra forma, o objetivo de levar o enunciatário a
fazer crer ou a fazer algo, ou seja, sempre tem o objetivo de persuadir, esses efeitos de
sentido produzidos pelas marcas de oralidade concorrem para esse objetivo. Em
determinados casos, as marcas de oralidade podem ser um fator que favorece a
persuasão, isto é, concorrem para a eficácia da comunicação. Em outros, elas podem
diminuir a força persuasiva dos enunciados. Há contextos em que a persuasão decorre
essencialmente da ausência de marcas de oralidade, ou seja, ela exige enunciados
predominantemente enuncivos.
Voltando-nos agora aos enunciados analisados em nosso corpus, as perguntas e
ordens que analisamos são, por natureza, enunciativos, no sentido de que são
enunciados que, às vezes mais outras vezes menos explicitamente, vêm marcados por
traços da enunciação. Em toda pergunta manifesta-se aquele que pergunta, que é o
narrador, ou seja, o representante do eu enunciador no enunciado. A pergunta é feita
para alguém, que é o narratário, o representante do tu enunciatário no enunciado. Por
isso, o simples fato de perguntar implica uma relação entre um eu e um tu, e mesmo que
eles não estejam identificados formalmente no enunciado, estão implícitos em toda a
pergunta. Sem essa relação não existiriam perguntas. As perguntas que predominam em
nosso corpus são justamente desse tipo. Elas não mencionam o narrador nem o
narratário, mas mesmo assim têm caráter enunciativo e, por isso, ainda que de forma
mais atenuada, lembram um traço de oralidade. Disso se conclui que o simples ato de
perguntar é um traço oralidade no discurso.