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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
DEPARTAMENTO DE FÍSICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA
PEDRO DE FREITAS FAÇANHA FILHO
ESTUDO DE ESPALHAMENTO RAMAN EM CRISTAIS DE L-LEUCINA
SUBMETIDOS A ALTAS TEMPERATURAS E A ALTAS PRESSÕES
FORTALEZA
AGOSTO DE 2007
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PEDRO DE FREITAS FAÇANHA FILHO
ESTUDO DE ESPALHAMENTO RAMAN EM CRISTAIS DE L-LEUCINA
SUBMETIDOS A ALTAS TEMPERATURAS E A ALTAS PRESSÕES
Tese à coordenação do Curso de Pós-Graduação em Física, da
Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Doutor em Física.
Orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso Cavalcante Freire
FORTALEZA-CE
AGOSTO DE 2007
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F123e Façanha Filho, Pedro de Freitas
Estudo de espalhamento Raman em cristais de L-leucina
submetidos a altas temperaturas e altas pressões / Pedro de
Freitas Façanha Filho – Fortaleza: [s.n.], 2007.
113f.:il
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Ceará,
Departamento de Física.
Orientador: Paulo de Tarso Cavalcante Freire
1. Espectroscopia Raman. 2. Cristais de Aminoácidos. 3.
Pressão hidrostática. 4. Temperatura. 5. L-leucina.
CCD – 535.846
A minha querida filha Clarice.
A Elenívia, minha esposa, pelo amor
e apoio incondicionais.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Paulo de Tarso Cavalcante Freire pela orientação dispensada a mim de forma tão
dedicada e amigável. Pelas discuções, pela confiança e por estar sempre à disposição para o
esclarecimento de dúvidas.
Ao Prof. Dr. Francisco Erivan de Abreu Melo pela confiança e por estar sempre disposto a
ajudar a qualquer momento.
Ao Prof. Dr. Josué Mendes Filho pelas valiosas discussões, feitas com entusiasmo tal a nos
incentivar a conhecer mais e mais.
Ao Prof. Dr. Antônio Gomes pelos esclarecimentos na parte teórica do trabalho.
Ao Prof. Dr. Alexandre Magno pelas discussões acerca das medidas Raman a altas
temperaturas.
Aos colegas João José, Aparecida, Izabel, Wagner, Euzenil, Handrei, José Alves, Diniz,
Hermínio, Ricardo e Gilberto.
Aos funcionários da secretaria Rejane, Ana Cleide e Creuza.
A minha esposa e filha Elenívia e Clarice por serem minha fonte de persistência.
A meus pais Pedro e Stela pela educação que me deram.
A minha irmã Jacyara pelo apoio constante.
Ao meu sogro e sogra Elenilson e Noenívia, sempre dispostos a ajudar.
Ao Padetec por ceder o espectrômetro para as medidas de absorção infravermelho.
Ao apoio financeiro da Funcap.
A Deus.
“O dia da linguagem universal de
chegar... Essa linguagem falará de alma
para alma, resumindo todos os perfumes,
sons, cores, ligando todo o pensamento.”
Arthur Rimbaud.
RESUMO
Neste trabalho foram realizadas medidas de espalhamento Raman polarizado à temperatura
ambiente e medidas de absorção no infravermelho em cristais do aminoácido L-leucina com o
objetivo de se determinar os modos normais de vibração do material. Para isto, utilizou-se
auxiliarmente a classificação dos modos normais de vibração disponíveis para outros três
aminoácidos protéicos alifáticos, a L-alanina, a L-valina e a L-isoleucina. Na segunda parte
do trabalho estudou-se o comportamento dos modos normais de vibração do cristal de L-
leucina no intervalo de temperatura 290 413 K. À temperatura ambiente a L-leucina
cristaliza-se numa estrutura monoclínica C
2
2
com quatro moléculas por célula unitária. A
análise dos modos normais do cristal naquele intervalo de temperatura revelou mudanças nas
intensidades relativas de bandas relacionadas a modos internos, como aqueles por volta de
800 e 920 cm
-1
, que fornecem indícios de uma transição de fase em 353 K. A confirmarão da
transição de fase estrutural se deu através da observação do desaparecimento do modo de rede
em 110 cm
-1
no mesmo valor de temperatura. Como sugestão para explicar esta mudança
estrutural argumenta-se que durante a transição de fase o grupo pontual do cristal passa de C
2
para C
s
, o que permitiria o entendimento do desaparecimento de modos LO existentes abaixo
da temperatura de transição. Finalmente na terceira parte desta Tese, são apresentados estudos
de espalhamento Raman com a pressão hidrostática no cristal de L-leucina. Verificou-se que o
cristal de L-leucina sofre duas transições de fase estruturais entre 0 e 4.0 GPa. A primeira
delas envolve unidades CH e CH
3
, bem como partes da molécula da L-leucina relacionadas às
ligações de hidrogênio. Os resultados sugerem ainda que a transição 0 0,46 GPa leve o
cristal de L-leucina para uma estrutura bastante diferente da estrutura original, uma vez que
uma nova banda está surgindo numa região onde normalmente ocorrem, no máximo, desvios
de freqüências. Na segunda transição de fase, entre 0,80 e 1,46 GPa, observou-se o
desaparecimento de modos da rede, surgimento de vários modos internos e separação de
modos de alta energia. Novamente, sugere-se o envolvimento de unidades CH e CH
3
na
transição de fase por causa da separação da banda na região de altas freqüências, bem como se
argumenta a favor do envolvimento de ligações de hidrogênio na mesma transição. A
mudança de inclinação nas curvas dω / dP para pressões acima de 4 GPa pode indicar uma
possível terceira transição de fase.
Palavras chave: Espectroscopia Raman. Cristais de Aminoácidos. Pressão hidrostática.
Temperatura. L-leucina.
ABSTRACT
In this work we performed polarized Raman scattering and infrared absortion measurements
in L-leucine amino acid crystal at room temperature with the objective to determine the
vibrational normal modes of the material. For this purpose, it was utilized the classification of
vibrational modes available for three other aliphatic protein amino acids, L-alanine, L-valine
and L-isoleucine. In the second part of the work we have studied the behavior of the
vibrational modes of L-leucine crystal in the temperature range 290 – 413 K. At room
temperature the L-leucine crystallizes in a monoclinic structure C
2
2
with four molecules per
unit cell. The analysis of the behavior of normal modes in the same temperature range has
revealed changes in the relative intensity of bands related to internal modes, like those
observed around 800 and 920 cm
-1
, giving indications of a structural phase transition
undergone by L-leucine crystal at 353 K. The structural transition has been confirmed by the
observation of vanishing of a lattice modes at 110 cm
-1
in the same temperature value. As a
suggestion to explain the structural change one argues that during the phase transition the
point group of the crystal changes from C
2
to C
s
, a fact that would allow the vanishing of LO
modes below the transition temperature. Finally, in the third part of this Thesis, studies of
Raman scattering of L-leucine crystal as function of pressure are presented. It was found that
the L-leucine crystal exhibits two structural phase transition between 0 and 4.0 GPa. The first
of them involves CH and CH
3
units, as well as parts of the L-leucine molecule related to
hydrogen bonds. The results also suggest that the first transition 0-0.46 GPa changes the L-
leucine crystal to a very different structure from the original, since a new band rises in a
region where usually are observed only shifts of frequencies. In the second phase transition,
between 0.80 and 1.46 GPa, it was observed (i) the vanishing of lattice modes, (ii) the rising
of various internal modes and (iii) the shifting of high energy modes. Again, it is supposed
that the units CH and CH
3
are involved as well as some hydrogen bonds. The change of slope
dω / dP for some peaks to pressures above 4 GPa can indicate the occurrence of a third phase
transistion for L-leucine crystal.
keywords: Raman spectroscopy. Amino acid crystals. Hydrostatic pressure. Temperature. L-
leucine.
LISTA DE FIGURAS:
FIGURA 2.1 - Rede unidimensional monoatômica com seus átomos em
movimento oscilatório longitudinal, como se fossem ligados por molas ..............5
FIGURA 2.2 - relação de dispersão de uma rede monoatômica. Para k<<π/a, a
freqüência da rede se comporta de modo similar a uma onda sonora que se
propaga num meio contínuo ...................................................................................6
FIGURA 2.3 - Exemplo de duas ondas transversais se propagando na rede
monoatômica. As duas ondas descrevem equivalentemente o movimento dos
átomos. Na primeira zona de Brillouin estão contidos todos os possíveis
modos da rede.........................................................................................................9
FIGURA 2.4 - Rede unidimensional monoatômica. A rede possui em sua
célula unitária dois átomos de massas iguais a M
1
e M
2
. A constante de força
entre cada átomo é considerada a mesma...............................................................10
FIGURA 2.5 - Relação de dispersão de uma rede diatômica unidimensional. O
ramo ótico aqui surge com característica bem diferente do ramo acústico, pois
para k = 0, ω≠0, diferentemente do ramo acústico que apresenta ω = 0 para k =
0 ..............................................................................................................................12
FIGURA 2.6 - a) Os três modos acústicos de uma rede tridimensional
monoatômica em uma direção. b) medida de difração de nêutrons num cristal
de Al nas direções [100] e [110], sendo que na primeira os ramos TA’s são
degenerados. c) difração de nêutrons nas direções [100] e [111] num cristal de
Ge (rede diatômica). Aqui os modos TO’s surgem e são degenerados em
ambas as direções, o mesmo ocorrendo aos modos TA’s [2].................................15
FIGURA 2.7 - Modos normais de vibração das moléculas de CO e de água. A
molécula de CO possui somente um stretching como modo normal, enquanto
que a molécula de água possui três modos normais, um stretching simétrico,
outro assimétrico e um bending..............................................................................18
FIGURA 2.8 - Esquema representativo de absorção infravermelho por uma
molécula diatômica. A freqüência ν
3
= ν
m
da radiação é absorvida pela
molécula ................................................................................................................20
FIGURA 2.9 - Curvas de energia potencial e níveis de energia de uma
molécula diatômica comparando os osciladores harmônico e anarmônico.
Oscilador harmônico é representado por linha tracejada e o anarmônico por
linha cheia ..............................................................................................................23
FIGURA 2.10 - Efeito Raman. a) interação da luz incidente (de energia hν
o
)
com a amostra e seu conseqüente espalhamento nas energias hν
o
-hν
m
, hν
o
e
hν
o
+hν
m
. b) as três transições moleculares mais prováveis, provocadas por um
fóton incidente, responsáveis pelos espalhamentos Rayleigh, Stokes e anti-
Stokes. c) gráfico que mostra o valor da freqüência e a intensidade da radiação
espalhada ............................................................................................................26
FIGURA 2.11 - Efeito Raman sob ponto de vista clássico. A radiação
incidente de freqüência
o
ν interage com a amostra. A radiação espalhada pela
amostra é modulada pela vibração molecular. Decompondo-se a onda
espalhada, as contribuições dos espalhamentos Rayleigh, Stokes e anti-Stokes
são evidenciadas ....................................................................................................30
FIGURA 2.12 - Forma molecular de um aminoácido de radical R qualquer.........31
FIGURA 2.13 - Esquema mostrando as formas catiônica, zwitterion e aniônica
dos aminoácidos quando expostos a soluções de PH ácido, neutro e alcalino,
respectivamente. .....................................................................................................32
FIGURA 2.14 - Os vinte aminoácidos que participam da síntese de proteína
classificados segundo a polaridade de seus radicais: a) Aminoácidos
hidrofóbicos b) Aminoácidos hidrofílicos;.............................................................33
FIGURA 2.14 - continuação. c) Aminoácidos ácidos d) Aminoácidos básicos ....34
FIGURA 2.15 - Polimerização de dois aminoácidos promovendo a eliminação
de água e formando a ligação peptídica –CO-NH-. O resultado é um dipeptídio..35
FIGURA 2.16 - As extremidades de uma cadeia peptídica são denominadas
por resíduo termina N, por convenção localizado sempre à esquerda, e resíduo
terminal C, à direita ................................................................................................36
FIGURA 2.17 - Estrutura primária da proteína lisozima. As pontes de
dissulfeto são as principais responsáveis pela estabilidade da proteína .................37
FIGURA 2.18 -Estruturas primárias das proteínas oxitocina e vasopressina.
Apesar de possuírem estruturas muito parecidas, com a diferença de apenas
dois aminoácidos em pontos equivalentes, as duas proteínas desempenham
funções bem diversas no organismo.......................................................................38
FIGURA 2.19 - Formação em hélice α. As ligações de hidrogênio ocorrem
com espaçamento de quatro resíduos e são as principais responsáveis pela
estabilidade da estrutura .........................................................................................40
FIGURA 2.20 - Formação em lâminas ou placas pregueadas. As cadeias
polipeptídicas se estendem paralelamente formando ziguezague, onde em cada
vértice se encontra um carbono α. As cadeias adjacentes estão unidas por
ligação de hidrogênio e os radicais se alternam acima e abaixo das placas .........41
FIGURA 2.21 - Estrutura secundária e terciária da mioglobina. Os
aminoácidos hidrofóbicos se encontram no interior da estrutura e o os
principais responsáveis pela estabilidade da mesma .............................................42
FIGURA 2.22 - Estrutura quaternária da hemoglobina. Duas formações em
cadeia α e duas em cadeia β fazem parte da estrutura. A estabilidade da
estrutura se deve, principalmente, às interações hidrofóbicas das subunidades ....42
FIGURA 2.23 - Replicação do DNA. Os filamentos se separam, sendo
expostos ao mar de nucleotídeos e duas novas moléculas de DNA são criadas ...44
FIGURA 3.1 - Cristal de L-leucina ........................................................................45
FIGURA 3.2 - À esquerda, Prensa manual usada para compactar a mistura
para a formação do disco. À direita, matriz usada na compactação da mistura,
composta de três partes ..........................................................................................46
FIGURA 3.3 - Espectrômetro Spectrum One usado nas medidas de absorção
infravermelho. O disco de Kbr é preso ao acessório indicado pela seta ................47
FIGURA 3.4 - Espectrômetro usado nas medidas Raman à temperatura
ambiente ................................................................................................................48
FIGURA 3.5 - Representação esquemática de uma célula de pressão a
extremos de diamantes............................................................................................50
FIGURA 3.6 - Representação esquemática do interior de uma célula de
pressão a extremos de diamante e um corte lateral da gaxeta onde a amostra
fica localizada durante os experimentos. Sobre e sob a gaxeta encontram-se os
diamantes e dentro do orifício são colocados a amostra (tipicamente com 80
µm de espessura), o rubi e o meio compressor.......................................................50
FIGURA 4.1 - Célula unitária do cristal de L-leucina. As duas diferentes
configurações da molécula A e B interagem através das LH. As LH são
representadas por linhas tracejadas. Os átomos de nitrogênio são representados
por esferas hachuradas enquanto os átomos de carbono por esferas brancas (os
átomos de hidrogênio foram ocultados) ................................................................. 52
FIGURA 4.2 - Quatro células unitárias adjacentes do cristal de L-leucina no
plano ac .................................................................................................................. 52
FIGURA 4.3 - Desenho esquemático de uma ligação de hidrogênio, típica de
um cristal de aminoácido .......................................................................................54
FIGURA 4.4 - Representação esquemática das LH presentes nas duas
conformações da molécula de L-leucina. As distância apresentadas são r (N-
O)............................................................................................................................56
FIGURA 4.5 - As duas diferentes conformações das moléculas de L-Leucina.
a) Conformação gauche 1 (A) mostrando os ângulos e distâncias
intramoleculares. b) Conformação trans (B) com os respectivos ângulos e
distâncias intramoleculares.....................................................................................57
FIGURA 4.6 - Espectros Raman do cristal de L-leucina a temperatura
ambiente em duas diferentes geometrias de espalhamento na região 50-700
cm
-1
.........................................................................................................................61
FIGURA 4.7 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-
leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas representações na região 25-700
cm
-1
.........................................................................................................................63
FIGURA 4.8 - Espectros Raman do cristal de L-leucina na região 700-1270
cm
-1
a temperatura ambiente nas geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)x. ...64
FIGURA 4.9 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-
leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas representações na região 700-
1270 cm
-1
................................................................................................................66
FIGURA 4.10 - Espectros Raman do cristal de L-leucina na região 1280-1700
cm
-1
a temperatura ambiente nas geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)x. ...67
FIGURA 4.11 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-
leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas representações na região 1280-
1700 cm
-1
................................................................................................................68
FIGURA 4.12 - Espectros Raman do cristal de L-leucina na região 2800-3100
cm
-1
a temperatura ambiente nas geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)x. ...69
FIGURA 4.13 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-
leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas representações na região 1800-
3100 cm
-1
................................................................................................................71
FIGURA 4.14 - Espectro de absorção no infravermelho do cristal de L-leucina
na região 400-4000 cm
-1
à temperatura ambiente. ................................................74
FIGURA 5.1 - Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de
L-leucina na região 1800-3100 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z....77
FIGURA 5.2 - Dependência da freqüência em função da temperatura na região
1800-3100 cm
-1
do cristal de L-leucina..................................................................78
FIGURA 5.3 - Evolução dos espectros Raman do cristal de L-leucina com a
temperatura na região de freqüência 1285-1750 cm
-1
para a geometria de
espalhamento z(yy)z...............................................................................................80
FIGURA 5.4 - Comportamento da freqüência vs. temperatura do cristal de L-
leucina na região espectral 1285-1750 cm
-1
, para a geometria de espalhamento
z(yy)z. ....................................................................................................................81
FIGURA 5.5 - Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de
L-leucina para a geometria de espalhamento z(yy)z na região 700-1250 cm
-1
......83
FIGURA 5.6 - Comportamento da freqüência com a temperatura do cristal de
L-leucina na região 700-1250 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z......84
FIGURA 5.7 -Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de
L-leucina na geometria de espalhamento z(yy)z na região de freqüência 50-
700 cm
-1
..................................................................................................................87
FIGURA 5.8 -Comportamento da freqüência com a temperatura do cristal de
L-leucina para a geometria de espalhamento z(yy)z na região de freqüência
50-700 cm
-1
. ...........................................................................................................88
FIGURA 5.9 - Perfil do cristal de L-leucina no plano yz evidenciando a
participação de fônons L.O. abaixo da temperatura de transição de fase (353
K) e fônons T.O. acima da mesma temperatura de transição
.......................................
89
FIGURA 6.1 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 2750 e 3150 cm
-1
para diversos valores de pressão (em GPa) ....94
FIGURA 6.2 - Comportamento da freqüência com a pressão para os modos de
vibração do cristal de L-leucina na região entre 2820 e 3070 cm
-1
. A
freqüência da nova banda que aparece no espectro Raman entre 0 e 0,46 GPa.....95
FIGURA 6.3 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 1370 e 1700 cm
-1
para diversos valores de pressão (em GPa) ....97
FIGURA 6.4 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 730 e 1280 cm
-1
para diversos valores de pressão (em GPa) ......100
FIGURA 6.5 - Comportamento da freqüência com a pressão para os modos de
vibração do cristal de L-leucina na região entre 740 e 1300 cm
-1
..........................101
FIGURA 6.6 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 230 e 740 cm
-1
para diversos valores de pressão (em GPa) ........102
FIGURA 6.7 - Comportamento da freqüência com a pressão para os modos de
vibração do cristal de L-leucina na região entre 320 e 700 cm
-1
............................104
FIGURA 6.8 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 70 e 250 cm
-1
para diversos valores de pressão (em GPa) ..........106
LISTA DE TABELAS:
TABELA 4.1 - Valores médios dos principais parâmetros envolvidos nas
ligações de hidrogênio. ..........................................................................................54
TABELA 4.2 - Distância das LH no cristal de L-leucina em Ǻ.............................56
TABELA 4.3 - Coordenadas atômicas fracionárias das moléculas de L-
leucina A e B. .........................................................................................................58
TABELA 4.4 - Identificação dos modos normais do cristal de L-leucina
nas geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)z a temperatura ambiente
(297 K)....................................................................................................................72
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS..................................................................... 4
2.1. Estudo da vibração de uma rede cristalina............................................... 4
2.1.1 Introdução.................................................................................................... 4
2.1.2. Rede monoatômica unidimensional............................................................ 4
2.1.3. Limite de grandes comprimentos de onda.................................................. 6
2.1.4. Velocidade de fase e velocidade de grupo.................................................. 7
2.1.5. A primeira zona de Brillouin...................................................................... 8
2.1.6. Rede diatômica unidimensional ................................................................ 9
2.1.7. A rede em três dimensões........................................................................... 13
2.2. Grupos de freqüência.................................................................................. 16
2.2.1. Modos normais de vibração........................................................................ 17
2.2.2. O papel do momento de dipolo na absorção infravermelho....................... 19
2.2.3. Transições vibracionais e absorção no infravermelho................................ 21
2.2.4. Efeito Raman.............................................................................................. 23
2.2.5. A polarizabilidade e a visão clássica do efeito Raman............................... 27
2.3. Os Aminoácidos e As Proteínas.................................................................... 31
2.3.1. Aminoácidos e suas Propriedades ................................................................ 31
2.3.2. Proteínas e a ligação peptídica...................................................................... 35
2.3.3. Estrutura das proteínas.................................................................................. 36
2.3.4. Síntese de proteína........................................................................................ 43
3. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL......................................................... 45
3.1. Crescimento dos cristais de L-leucina ......................................................... 45
3.2. Medidas de absorção no infravermelho ...................................................... 46
3.3. Medidas de espalhamento Raman ............................................................... 47
4. PROPRIEDADES VIBRACIONAIS DO CRISTAL DE L-LEUCINA...... 51
4.1. Estrutura do cristal de L-leucina ................................................................. 51
4.1.1. Ligações de hidrogênio em cristais orgânicos.............................................. 53
4.1.2. Configurações gauche 1 e trans no cristal de L-leucina .............................. 55
4.2. Modos normais de vibração do cristal de L-leucina (introdução) ........... 59
4.2.1 Geometrias de Espalhamento ........................................................................ 60
4.2.2 Região 50-700 cm
-1
....................................................................................... 60
4.2.3 Região 700-1270 cm
-1
...................................................................................
64
4.2.4 Região 1280-1700 cm
-1
................................................................................. 67
4.2.4 Região 2700-3100 cm
-1
.................................................................................
69
4.3 Absorção infravermelho do cristal de L-leucina a temperatura
ambiente ................................................................................................................ 73
5 CRISTAIS DE L-LEUCINA SOB ALTAS TEMPERATURA..................... 75
5.1 Introdução....................................................................................................... 75
5.2 Comportamento dos modos normais de vibração do cristal de L-leucina
em função da temperatura................................................................................... 76
5.3 Região 1800-3100 cm
-1
.................................................................................... 76
5.4. Região 1280-1750 cm
-1
................................................................................... 79
5.5. Região 700-1250 cm
-1
..................................................................................... 82
5.6 Região 50-700 cm
-1
..........................................................................................
85
6. Espalhamento Raman em cristais de L-leucina a altas pressões ................. 90
6.1. Introdução ..................................................................................................... 90
6.2. Resultados .................................................................................................... 92
7. Conclusões e perspectivas ................................................................................107
REFERÊNCIAS ...................................................................................................109
1
1 INTRODUÇÃO
Por serem as unidades básicas das proteínas os aminoácidos desempenham papel
fundamental à existência dos organismos vivos. Além disso, os aminoácidos participam de
um amplo leque de reações químicas do corpo humano e são vitais no ciclo de produção e
transferência de energia e na atividade muscular. Como se não bastasse sua importância
biológica os aminoácidos têm sido objeto de aplicações tecnológicas tais como na geração de
segundo harmônico para laser. Para se ter uma idéia do seu papel nos organismos vivos,
expomos abaixo as funções mais conhecidas de alguns dos vinte aminoácidos formadores de
proteínas.
A cisteína, por exemplo, desempenha papel importante na estabilidade das
proteínas através das ligações dissulfeto. Em proteínas do cabelo a disposição das ligações
dissulfeto determina se o cabelo é encaracolado ou liso. O ácido glutâmico ou glutamato é um
neurotransmissor excitatório do sistema nervoso. Cogita-se que tal aminoácido pode estar
envolvido em funções cognitivas no cérebro como a aprendizagem e a memória. O excesso de
glutamato no espaço extracelular (excitotoxidade) ocorre em episódios de isquemia cerebral e
apoplexia e está associada a doenças como a de Alzheimer. A arginina desempenha
importante função na divisão celular, na cicatrização de feridas, na remoção de amônia no
corpo, no sistema imunológico e na produção de hormônios. O ácido aspártico ou aspartato é
um possível neurotransmisor excitatório no cérebro. É também um metabólito do ciclo da
uréia e participa na glucogeogênese.
A leucina (objeto de nosso estudo) atua como fonte de energia durante exercícios
físicos, aumentando a resistência e reduzindo a fadiga. Segundo pesquisas divulgadas pelo
instituto nacional Francês de pesquisas agronômicas (INRA) a ingestão freqüente de
alimentos ricos em leucina contribui para a redução da perda de massa muscular durante a
velhice; sendo os derivados do leite ricos em leucina.
A espectroscopia Raman tem se mostrado uma técnica bastante eficiente no estudo
do comportamento dos modos normais de vibração dos cristais de aminoácido submetidos a
agentes externos, tais como temperatura e pressão. Nesses cristais as ligações de hidrogênio
(ou pontes de hidrogênio) desempenha função de grande importância em sua estabilidade. A
técnica é capaz de detectar mudanças mínimas nas distâncias das ligações de hidrogênio.
Motivados pelas interessantes propriedades que os aminoácidos têm mostrado em
trabalhos anteriores, bem como pela ausência de estudos de espectroscopia vibracional sobre
2
o cristal de L-leucina, expomos nesse trabalho a classificação dos modos normais de vibração
desse cristal baseada na classificação de aminoácidos também de cadeia alifática já estudados.
O comportamento dos modos normais também é analisado sob influência da temperatura.
Abaixo segue um apanhado do que trata cada capítulo desta Tese.
O capítulo 2 foi dividido em três partes: a primeira trata da teoria clássica de
vibração de uma rede monoatômica e diatômica unidimensional. A relação de dispersão é
analisada e em seguida extrapolada ao caso tridimensional. Na segunda parte, a teoria das
técnicas de absorção no infravermelho e espalhamento Raman é exposta. Finalmente, noções
sobre a importância dos aminoácidos na formação das proteínas são apresentadas, assim como
também um breve relato acerca da síntese de proteínas é feito.
Ao capítulo 3 foi reservado o procedimento experimental: descrição da técnica
empregada no crescimento dos cristais; descrição dos equipamentos de absorção no
infravermelho e espalhamento Raman, bem como o equipamento para a realização das
medidas de espalhamento de luz a altas pressões.
O capítulo 4 trata primeiramente da parte estrutural do cristal de L-leucina e de
algumas informações sobre a natureza das ligações de hidrogênio. Estas ligações, como será
visto ao longo da discussão, são fundamentais para a estabilidade de diversas estruturas
cristalinas, em particular, dos cristais de aminoácidos. Em seguida é feita a classificação dos
modos normais do cristal de L-leucina a partir dos espectros Raman em duas diferentes
geometrias de espalhamento a temperatura ambiente. Para esta identificação são utilizados
como auxílio os dados das identificações dos modos normais de vibração de outros cristais de
aminoácidos, principalmente da L-valina e da L-isoleucina, que são dois aminoácidos
alifáticos com muitas semelhanças com a molécula que será investigada nesta Tese.
O capítulo 5 é destinado ao comportamento dos modos normais do cristal de L-
leucina sob variação de temperatura (297-413 K). A temperatura tem sido, durante muito
tempo, o parâmetro termodinâmico mais utilizado na investigação do comportamento dos
modos normais de vibração de materiais cristalinos, principalmente pelo fato de, do ponto de
vista experimental, ser o mais fácil de ser aplicado e também de ser medido. Nesta Tese
esteve-se particularmente interessado no comportamento dos modos de vibração da L-leucina
para a região de altas temperaturas, ou seja, temperaturas acima da ambiente.O
desaparecimento de um modo na região dos modos de rede sugere transição de fase estrutural
por volta da temperatura de 353 K. Uma possível explicação para esta mudança estrutural é
fornecida.
3
No capítulo 6 são apresentados os resultados de espalhamento Raman em cristais
de L-leucina no intervalo de pressão 0-5,40 GPa para todas as regiões espectrais onde
ocorrem modos de vibração ativos no Raman. A pressão é um parâmetro termodinâmico que
nos últimos anos tem sido mais sistematicamente utilizado em diversos laboratórios de todo o
mundo. Quando comparado à temperatura, o estudo dos materiais submetidos à pressão é
mais complicado do ponto de vista experimental, dada a delicadeza do instrumental utilizado.
Da análise cuidadosa dos resultados obtidos nesta Tese, relacionados aos modos normais de
vibração de um cristal de L-leucina, foi possível inferir-se que o mesmo sofre duas transições
de fase estruturais. O estudo da inclinação dω / dP indica a possibilidade de haver uma
terceira transição, apesar do comportamento dos modos normais de rede não indicarem tal
fato.
Finalmente, no capítulo 7, são fornecidas as principais conclusões e as
perspectivas de trabalhos futuros.
4
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 Estudo das vibrações de uma rede cristalina
2.1.1 Introdução
O estudo do comportamento vibracional de um material, seja cristalino ou amorfo,
é de fundamental importância para o entendimento de suas propriedades físicas. O cristal, por
possuir átomos (ou moléculas) posicionados de forma periódica, como resposta,
comportamentos vibracionais que podem ser previstos e entendidos com grande precisão. Um
estudo do comportamento vibracional é feito considerando-se primeiramente uma rede
unidimensional monoatômica, a seguir uma rede unidimensional diatômica e finalmente uma
rede tridimensional. Discute-se também o porquê de se utilizar a radiação eletromagnética
para a investigação do comportamento vibracional dos átomos numa rede cristalina.
Finalmente, discute-se sobre as propriedades dos aminoácidos e sua importância na
composição das proteínas.
2.1.2 Rede monoatômica unidimensional
Para se ter uma idéia do comportamento vibracional de uma rede cristalina,
considera-se inicialmente o caso de uma rede monoatômica unidimensional, que, apesar da
aparente simplificação em relação ao cristal tridimensional, tal condição, como será visto, se
aproxima da realidade devido à simetria do cristal. Nesse modelo os átomos se distribuem
ordenadamente sobre uma linha, e a distância entre os mesmos, quando na posição de
equilíbrio, é dada por a (parâmetro de rede), Figura 2.1. Aqui, cada átomo tem influência nos
átomos vizinhos, de modo que toda a rede permanece em constante movimento. Na condição
de que o deslocamento de cada átomo seja muito menor do que o parâmetro de rede, a força
atuante em cada átomo terá a forma daquela prevista pela lei de Hooke, como se os átomos
fossem esferas interligadas por molas de mesma constante elástica. Fixando-se a atenção
sobre o n-ésimo átomo da rede e considerando que somente seus vizinhos n - 1 e n + 1
contribuem para o cômputo da força resultante sobre o mesmo e que, portanto, a contribuição
5
dos demais é desprezada
1
, parte-se para o uso da terceira lei de Newton com o intuito de se
conhecer a equação de movimento do átomo. Sendo u
n
o deslocamento instantâneo do n-
ésimo átomo e u
n-1
e u
n+1
os deslocamentos dos seus vizinhos, pode-se escrever
2
1 1 1 1
2
( ) ( ) (2 )
n
n n n n n n n
d u
M K u u K u u K u u u
dt
+ +
= + = −
(2.1)
onde, M é a massa do átomo e K é a constante de força que entre os átomos. A equação
acima mostra que o enésimo átomo está acoplado àqueles de números n – 1 e n + 1.
Similarmente, o mesmo pode ser feito para cada átomo da rede de forma a se obter uma
equação similar. O resultado será N equações diferenciais que serão resolvidas
simultaneamente, onde N é o número de átomos na rede.
FIGURA 2.1 - Rede unidimensional monoatômica com seus átomos em movimento oscilatório longitudinal,
como se fossem ligados por molas.
Uma possível solução para a equação (2.1) é
(
n
i kX t
n
u Ae
ω
=
(2.2)
onde, X
n
= na é a posição de equilíbrio do enésimo átomo. Essa equação representa uma onda
que se propaga pela rede de forma que os átomos oscilam com mesma freqüência ω e mesma
amplitude A e a diferença de fase entre cada átomo é de ka.
Substituindo (2.2) em (2.1), chega-se a
1
Considerando uma energia potencial, entre dois átomos, do tipo U
ij
= ±q
2
/4πε
o
r
ij
+ A/r
ij
b
, onde a primeira
contribuição é de origem Coulombiana e a segunda descreve a energia potencial repulsiva, em que o termo b é
muito maior do que um, se a constante de força entre o átomo n e seus dois primeiros vizinhos é K, quando se
considera a contribuição dos dois segundos vizinhos sobre o mesmo átomo n, o valor de K é vinte vezes menor
que o anterior [1].
u
n-1
u
n
u
n+1
a
6
(
)
(
(
1 1
2
(2
ik n a ik n a
ikna ikna
M e K e e e
ω
+
=
. (2.3)
Usando a fórmula de Euler
cos
2
iy iy
e e
y
+
=
e fazendo manipulações matemáticas, obtêm-
se
2
m
ka
sen
ω ω
=
. (2.4)
onde
m
ω
= (4K/M)
1/2
, tomando-se somente ω positivo. A equação (2.4) representa a relação
de dispersão para a rede monoatômica unidimensional. A Figura 2.2 mostra o gráfico ω X k,
cujo período é 2π/a. A análise de (2.4) revela interessantes resultados, que serão abordados
em seguida.
Figura 2.2 - Relação de dispersão de uma rede monoatômica. Para k<<π/a, a freqüência da rede se comporta de
modo similar a uma onda sonora que se propaga num meio contínuo.
2.1.3 Limite de grandes comprimentos de onda
Como a curva de dispersão é periódica e simétrica, a análise da região 0 < k < π / a
é suficiente para se obter os resultados desejados a respeito das propriedades do sistema. Pelo
gráfico da Figura 2.2, a rede funciona como um filtro mecânico passa-baixo, pois os valores
ω
-
2π/a
-
π/a 0 π/a 2π/a
contínuo
ω
m
k
7
das freqüências são limitados à faixa 0 < ω < ω
m
e valores maiores do que ω
m
são fortemente
atenuados.
No limite de grandes comprimentos de onda, ou seja, quando k 0, tem-se
ka ka
sen
2 2
e, portanto a relação de dispersão se reduz a
2
m
a
k
ω
ω
=
(2.5)
que é uma relação linear entre ω e k, similar à relação de dispersão de uma onda sonora que se
propaga num meio contínuo
2
.
Por outro lado, quando k cresce, a curva sofre um desvio e satura quando k = π / a,
com a freqüência chegando ao seu valor máximo ω
m
.
Qualitativamente, o comportamento da rede pode ser entendido do seguinte modo:
para k pequeno, λ >> a, onde os átomos se movem em fase (u
n+1
/u
n
= e
ika
= 1), a força
restauradora atuando em cada átomo é pequena e, portanto, a freqüência da rede também é
pequena. Se k = 0, λ
, toda a rede estaria se movendo como um corpo rígido e a força
restauradora seria zero. Por outro lado, quando k = π / a, os átomos estão fora de fase (u
n+1
/u
n
= e
ika
= -1) e tanto a freqüência como a força restauradora chegam ao valor máximo.
2.1.4 Velocidade de fase e velocidade de grupo
A energia e o momento são transmitidos através da rede muito mais por pulsos de
onda do que por ondas individuais que estão contidas nos pulsos, por isso a importância em
diferenciar velocidade de fase e velocidade de grupo. A primeira diz respeito à velocidade de
uma onda individual com freqüência ω e vetor de onda k, enquanto a segunda, descreve a
velocidade de um pulso de onda cuja freqüência e vetor de onda médios são dependentes de ω
e de k. As velocidades de fase e de grupo são dadas, respectivamente, por (2.6) e (2.7)
2
Pode-se estimar o valor da constante de força K comparando-se (2.5) com a relação de dispersão de uma onda
sonora que se propaga num meio contínuo ω = (Y/ρ)
1/2
K, onde Y é o módulo de Young e ρ a densidade
volumétrica. Do exposto e lembrando que ω
m
= (4K/M)
1/2
, chega-se a K = aY. Usando valores típicos de a e Y
chega-se a K = 5x10
3
dinas/cm. Conhecendo-se K e M, pode-se também estimar ω
m
, que, usando o K encontrado
e a massa do hidrogênio, para se ter uma idéia da ordem de grandeza da freqüência, chega-se a ω
m
= 2x10
13
s
-1
,
que se localiza na região do infravermelho.
8
v
p
k
ω
=
(2.6)
v
g
k
ω
=
(2.7)
No limite de grandes comprimentos de onda ω = v
p
k, e então v
p
= v
g.
. No entanto,
quando k cresce, como mostra a Figura 2.2, v
g
tende a decrescer até ao ponto de zerar quando
k = π / a. Tal fato se deve ao aumento no espalhamento da onda pelos átomos da rede, onde as
ondas espalhadas por cada átomo estão em fase entre si e fora de fase em π com relação à
onda incidente. Portanto, nesta região (k = π / a) uma onda estacionária é formada. Tal
situação é similar à condição de Bragg, que aplicada aqui às ondas elásticas. Vê-se então
que a condição de Bragg é uma característica geral de uma rede periódica, não importando a
natureza do campo, se eletromagnético ou acústico [2].
2.1.5 A primeira zona de Brillouin
Como mencionado, a relação de dispersão (2.4) possui período igual a 2π / a
bem como simetria em torno de k = 0 e, portanto, deve-se ter ω(k’) = ω(k + n(2π / a)). Um
ponto importante a ser ressaltado é que, qualquer onda com k > π / a pode corresponder a
ondas contidas na região 0 < k < π/a. Pegando como exemplo ondas transversais que possuem
números de onda iguais a k = π /2a e k’ = k + 2π / a = 5π /2a, de comprimentos de onda
correspondentes a λ = 4a e λ= 4a/5, como mostra a Figura 2.3, vê-se que, tanto uma onda
como a outra descrevem de formas equivalentes o movimento dos átomos. Escolhendo-se a
região - π/a < k < π/a, tanto a condição de simetria é satisfeita como tal região corresponde
exatamente à primeira zona de Brillouin. Portanto, toda a atenção pode ser confinada à
primeira zona de Brillouin.
9
FIGURA 2.3 - Exemplo de duas ondas transversais se propagando na rede monoatômica. As duas ondas
descrevem equivalentemente o movimento dos átomos. Na primeira zona de Brillouin estão contidos todos os
possíveis modos da rede.
2.1.6 Rede diatômica unidimensional
Outra consideração que produz importantes resultados de natureza vibracional é a
rede diatômica unidimensional. A Figura 2.4 mostra uma rede unidimensional em que a célula
unitária possui dois átomos de massas M
1
e M
2
e a distância entre dois átomos vizinhos é a. O
movimento dos átomos aqui será tratado de maneira similar ao caso da rede monoatômica,
somente a interação dos dois átomos vizinhos, sobre cada átomo, é considerada. A constante
de força é tomada como sendo a mesma entre cada ligação. Como dois átomos diferentes,
serão necessárias duas equações de movimento para os átomos localizados nas posições 2n +
1 e 2n + 2, de modo a se obter
a
λ
= 4a
λ
= 4a/5
10
FIGURA 2.4 - Rede unidimensional monoatômica. A rede possui em sua célula unitária dois átomos de massas
iguais a M
1
e M
2
. A constante de força entre cada átomo é considerada a mesma.
2
2 1
2 2 1 2 2 2
2
2
2 2
1 2 2 2 1 2 3
2
(2 )
(2 )
n
n n n
n
n n n
d u
M K u u u
dt
d u
M K u u u
dt
+
+ +
+
+ + +
=
=
(2.8)
onde os índices pares e ímpares nos deslocamentos são associados, respectivamente, aos
deslocamentos dos átomos de massa M
1
e M
2
. No total, 2N equações como (2.8) precisam ser
resolvidas simultaneamente. N é o número de células unitárias da rede. Uma solução para
(2.8) é
2 1
2 2
2 1
1
2 2
2
n
n
ikX
n
i t
ikX
n
u
A e
e
u
A e
ω
+
+
+
+
=
. (2.9)
Substituindo (2.9) em (2.8) e fazendo as devidas simplificações chega-se a
( )
(
)
2
1
1
2
2
2
2 cos
2
0
2 cos
2
K ka
A
K M
A
K ka
K M
ω
ω
=
(2.10)
para uma solução não trivial, o determinante da matriz acima deve ser zero. A equação
secular fica então
M
1
2n
-
1 2n 2n+1
M
2
a
11
( )
(
)
2
1
2
2
2 cos
2
0
2 cos
2
K ka
K M
K ka
K M
ω
ω
=
. (2.11)
a solução de (2.11) produz duas raízes com a forma
( )
2
2
2
1 2 1 2 1 2
4
1 1 1 1
sen ka
K K
M M M M M M
ω
= + ± +
. (2.12)
Os sinais em (2.12) revelam a existência de duas relações de dispersão, e, portanto, duas
curvas de dispersão ou dois ramos são associados à rede diatômica.
As curvas são mostradas na Figura 2.5. A curva na parte inferior do gráfico (que
corresponde ao sinal negativo) é conhecida como ramo acústico e revela comportamento
similar àquele apresentado no caso da rede monoatômica. Nas proximidades de k = 0 a curva
se aproxima de uma reta e com o crescimento de k, se desvia da reta e satura em k = π/2a (a
célula unitária tem parâmetro de 2a) que corresponde à freqüência (2K/M
2
)
1/2
, onde se
considerou M
1
< M
2
.
A curva na parte superior, conhecida como ramo ótico, possui comportamento
bem diferente daquele do ramo acústico quando k = 0. A freqüência nesse ponto é
1
2
1 2
1 1
2K
M M
ω
= +
, (2.13)
e decresce lentamente até saturar em k = π/2a com freqüência (2K/M
1
)
1/2
. O valor da
freqüência no intervalo 0 < k < π/2a, permanece praticamente constante. A Figura 2.4 também
mostra que freqüências contidas entre os ramos acústico e ótico são proibidas e, portanto,
ondas com freqüências nessa região são fortemente atenuadas. Tais freqüências são chamadas
freqüências de gap.
12
FIGURA 2.5 - Relação de dispersão de uma rede diatômica unidimensional. O ramo ótico aqui surge com
característica bem diferente do ramo acústico, pois para k = 0, ω0, diferentemente do ramo acústico que
apresenta ω = 0 para k = 0.
Para se distinguir a dinâmica de rede traduzida pelos ramos acústico e ótico, o
conhecimento da razão de amplitude A
2
/A
1
obtido por (2.10), quando k = 0 e k = π/2a ,se torna
valioso. Após manipulações matemáticas, a razão de amplitude para os dois ramos fica
( )
( )
1
2
2
2
2 1 2 2
1 1 1
1
2
1 4
2cos
M M M M
sen ka
M M M
A
A ka
+
=
, (2.14)
onde o sinal negativo superior representa o ramo ótico e o positivo inferior o acústico.
Investigando primeiramente o ramo acústico, quando k = 0, A
2
/A
1
= 1.
Significando que os átomos estão todos em fase, possuindo mesma amplitude. A rede oscila
ω
(2K/M
2
)
1/2
(2K/M
1
)
1/2
ramo
acústico
ramo ótico
1
2
1 2
1 1
2 K
M M
+
0
π
/2a
-
π
/2a
gap
k
13
como se fosse um corpo rígido com centro de massa oscilando em torno do equilíbrio. Com o
crescimento de k, a relação entre as amplitudes praticamente não sofre modificação e os
átomos permanecem em fase.
O valor de freqüência para o ramo ótico quando k = 0 é dado por (2.13), que,
substituído em (2.14) produz a relação
1 1 2 2
0
M A M A
+ =
. (2.15)
Pela equação acima, os dois átomos da célula unitária estão fora de fase, pois seus centros de
massa permanecem fixos durante a oscilação dos átomos. Os átomos possuem diferença de
fase igual a π um em relação ao outro, com razão de amplitude de A
1
/A
2
= -M
2
/M
1
. Com o
crescimento de k até o valor π/2a, a freqüência decresce muito pouco em relação à (2.13), pois
os átomos continuam fora de fase.
2.1.7. A rede em três dimensões
Até aqui, somente ondas longitudinais foram consideradas. No entanto, todos os
resultados obtidos para as ondas longitudinais são equivalentes para as ondas transversais,
tendo como único diferencial o valor da constante de força, que geralmente para ondas
transversais é menor. A simetria da rede propicia a possibilidade de generalização dos
resultados obtidos de uma rede unidimensional para uma tridimensional. Uma análise
qualitativa e superficial será feita aqui.
Considera-se, por simplicidade, uma rede monoatômica tridimensional. Todas as
considerações feitas anteriormente para a rede unidimensional são aplicadas para a rede
tridimensional, de modo que a equação de movimento de cada átomo pode ser escrita como
( )
i t
n
e
ω
=
k r
u A
i
(2.16)
onde o vetor de onda k especifica o comprimento de onda e a direção de propagação da onda.
O vetor A além de especificar a amplitude de oscilação dos átomos, também informa a
direção de vibração dos mesmos, indicando, portanto, se a onda é longitudinal ou transversal
14
(A se decompõe em suas três componentes A
x
, A
y
, A
z
). Se A é paralelo à k, a onda é
longitudinal, se é perpendicular, a onda é transversal.
Realizando o mesmo procedimento usado para a rede unidimensional, encontra-
se uma expressão para a relação de dispersão análoga à (2.11), sendo cúbica em ω
2
. O
resultado é mostrado na Figura 2.6a, onde três ramos acústicos se apresentam, como esperado,
já que se trata de uma rede monoatômica. Dos três ramos, dois são oriundos de ondas
transversais e um de ondas longitudinais. Não necessariamente, as relações de dispersão são
isotrópicas no espaço k, ou seja, para uma determinada direção da rede, modos transversais
podem não ter o mesmo valor. Para o caso do Al, como mostra a Figura 2.6b, duas direções
são consideradas [100] e [110], onde a primeira, por possuir maior simetria em relação à
segunda, apresenta suas duas curvas TA (transverse acoustic) exatamente iguais, ditas
degeneradas. O ramo acústico longitudinal é representado por LA (longitudinal acoustic).
Quando uma rede diatômica tridimensional é considerada, modos óticos surgem,
de forma análoga ao da rede unidimensional. A Figura 2.6.c mostra as relações de dispersão
para duas diferentes direções, [100] e [111], do cristal de Ge, que possui dois átomos por
célula unitária. Nota-se a presença dos ramos acústicos LA (longitudinal acoustic) e óticos
TO (transverse optics). Nesse caso, deve haver seis ramos a se considerar: um LA e dois TA e
um LO e dois TO. Nas duas direções, os dois ramos TA e TO são degenerados. Nos dois
exemplos acima, difração de nêutrons foi usada.
A técnica de espalhamento Raman, que será discutida na próxima seção, também
pode ser usada com sucesso para se conhecer os modos vibracionais de um cristal próximo ao
centro da zona de Brillouin. Quando se incide luz monocromática polarizada sobre um cristal,
a mesma é espalhada inelasticamente, trazendo informações acerca da magnitude da
freqüência dos modos da rede. O fato de a luz ser polarizada propicia também o conhecimento
do modo ter origem longitudinal ou transversal. Outra técnica que também pode ser usada
para se conhecer as freqüências de uma rede cristalina é a absorção no infravermelho, que
também será discutida na próxima seção. As referências [1-5] foram usadas como base para o
assunto discutido na presente seção.
15
k
FIGURA 2.6 - a) Os três modos acústicos de uma rede tridimensional monoatômica em uma
direção. b) medida de difração de nêutrons num cristal de Al nas direções [100] e [110],
sendo que na primeira os ramos TA’s são degenerados. c) difração de nêutrons nas direções
[100] e [111] num cristal de Ge (rede diatômica). Aqui os modos TO’s surgem e são
degenerados em ambas as direções, o mesmo ocorrendo aos modos TA’s [2].
ω
16
2.2 Grupos de freqüência
No modelo clássico para a molécula diatômica, que oscila harmonicamente, a
freqüência de vibração molecular é dada por,
µ
K
2π
1
ν = (2.17)
onde K é a constante de força associada à molécula e
21
21
mm
mm
µ
+
=
, e µ é a massa
reduzida,sendo
21
mem
as massas dos átomos envolvidos. A equação acima exprime o único
modo normal de vibração para uma molécula diatômica. Em cada modo normal de vibração
todos os átomos na molécula vibram com a mesma freqüência e todos os átomos passam
simultaneamente por suas posições de equilíbrio. À medida que as moléculas se tornam mais
complexas a dificuldade matemática para se calcular seus modos normais cresce
enormemente. Empiricamente, para muitas moléculas complexas, alguns valores de
freqüências associadas aos modos normais são determinados devido aos conhecidos grupos
de freqüência. Esses grupos possuem freqüências características que variam muito pouco de
molécula para molécula. Como exemplo de grupos de freqüência pode-se citar: C=O, C-O, O-
H, N-H, C-H, etc.[6-10]. Portanto, apesar de sua complexidade, se uma molécula possui um
ou mais desses grupos em sua estrutura, as freqüências associadas a tais grupos poderão ser
detectadas com variações muito pequenas em relação a outras moléculas que contenham os
mesmos grupos de freqüência. A equação (2.17) pode ser usada para calcular
aproximadamente as freqüências dos grupos de freqüência em uma molécula complexa [11].
No estudo dos modos normais de vibração de um cristal de aminoácido, por exemplo, através
da teoria de grupos é possível se conhecer o número de modos, embora suas classificações
(stretching, bending, rocking, wagging, etc.) exijam mais cálculos ou um estudo com material
deuterado. Os grupos de freqüência podem ajudar a relacionar as freqüências, obtidas por
(2.17), bem como auxiliar na classificação dos modos normais de vibração. O conhecimento
do número de modos normais de vibração de uma molécula é vital para a interpretação dos
dados experimentais obtidos através das técnicas de espectroscopia Raman e infravermelho.
Será então discutida a determinação do número de modos normais de vibração das moléculas.
17
2.2.1 Modos normais de vibração
Para uma molécula com N átomos, tendo cada átomo três coordenadas espaciais x,
y e z independentes para localizá-los com o passar do tempo, o número de graus de liberdade
que descreve o posicionamento de cada átomo é igual a 3N. Sendo a molécula confinada, por
exemplo, ao estado sólido, não poderá conter movimentos translacionais nem rotacionais.
Portanto, no caso de moléculas não-lineares, é preciso subtrair do total, três componentes de
translação e três componentes de rotação, restando, portanto, 3N - 6 coordenadas chamadas
modos normais de vibração. Quando a molécula é linear, o número de modos normais é 3N
5, pois a rotação sobre o próprio eixo da molécula não causa qualquer modificação nas
posições dos átomos constituintes da molécula. No caso da molécula de CO, por exemplo, o
número de átomos é dois, então 3x2 5 = 1. Portanto, o número de modos é igual a um, esse
modo é de estiramento. Outro exemplo simples é o da molécula de água, que é não-linear e
possui três átomos. Neste caso o número de modos normais é 3x3 6 = 3. A Figura 2.7
mostra os modos normais das moléculas de CO e da água.
Boa parte das vibrações moleculares pode ser revelada através das técnicas de
absorção infravermelho e espalhamento Raman. Será visto adiante, que as duas técnicas
citadas são complementares e, dependendo do grau de simetria da molécula, os modos
revelados por espalhamento Raman também são confirmados por absorção infravermelho.
Conhecer a simetria da molécula é imprescindível para se calcular quais modos são ativos no
infravermelho e no Raman, que deverão ser confirmados experimentalmente através dessas
duas técnicas. Há, portanto, uma inter-relação entre as espectroscopias infravermelho e
Raman e a teoria de grupos, esta que é o embasamento matemático que descreve a simetria da
molécula, simplificando enormemente a complexidade que se poderia ter para se determinar
os modos. A teoria básica de absorção no infravermelho, espalhamento Raman, teoria de
grupos e a relação entre esses três assuntos serão tratados nas seções seguintes.
18
FIGURA 2.7 - Modos normais de vibração das moléculas de CO e de água. A molécula de CO possui somente
um stretching como modo normal, enquanto que a molécula de água possui três modos normais, um stretching
simétrico, outro assimétrico e um bending.
H
2
O
Oxigênio
Carbono
Hidrogênio
stretching
bending
stretching
assimétrico
CO
stretching
simétrico
19
2.2.2 O papel do momento de dipolo na absorção infravermelho
Quando a radiação eletromagnética com comprimentos de onda na faixa do
infravermelho penetra a amostra, somente algumas contribuições do pacote, com
determinados comprimentos de onda, ou freqüências, serão absorvidos pela amostra. As
ondas absorvidas têm valor de freqüência igual a alguns modos vibracionais da molécula.
Nesse processo, a molécula absorve energia da radiação incidente, aumentando sua energia de
vibração e, portanto, analisando-se a radiação que emerge da amostra, constata-se a ausência
de uma ou mais contribuições da radiação incidente, que correspondem exatamente a alguns
modos de vibração da molécula, ditos ativos no infravermelho. Usando um exemplo
representativo, a Figura. 2.8 mostra uma molécula diatômica que possui freqüência
vibracional igual a ν
m
e interage com a radiação infravermelha, que possui freqüências ν
1
, ν
2
,
ν
3 =
ν
m
. A molécula absorve somente a contribuição da radiação que possui freqüência igual a
sua. Vê-se então, que a freqüência de absorção depende da freqüência de vibração natural da
molécula.
A intensidade de absorção depende de quão efetivamente a energia do fóton da
radiação infravermelho incidente pode ser transferida à molécula, e isso depende da variação
do momento de dipolo, que ocorre devido à vibração molecular. O campo elétrico da radiação
eletromagnética exercerá força tendendo a induzir o momento de dipolo da molécula a oscilar
na sua freqüência. Em certas freqüências o núcleo e o momento de dipolo oscilam
simultaneamente. Nesse caso mudança no momento de dipolo e, portanto, o fóton que
vibra na mesma freqüência poderá ser absorvido mais facilmente, deixando o núcleo com uma
energia de vibração maior que a anterior. Se o momento de dipolo não sofrer variação durante
a vibração, o fóton não poderá ser absorvido e o núcleo continuará no mesmo estado de
energia. O exposto pode ser resumido pela seguinte regra de seleção: para que a radiação
infravermelha seja absorvida, a vibração molecular deve produzir variação do momento de
dipolo da molécula.
Felizmente, substâncias orgânicas possuem freqüências de vibração que coincidem
com a faixa de freqüências do infravermelho e, portanto, poderão ser conhecidas através da
absorção dos fótons incidentes.
A harmonia existente entre vibração molecular, variação do momento de dipolo e
energia do fóton incidente permitirá à molécula absorver energia e passar a um estado
20
energético superior. Na próxima seção, será discutido o ponto de vista quântico da absorção
no infravermelho.
FIGURA 2.8 - Esquema representativo de absorção infravermelho por uma molécula diatômica. A freqüência ν
3
= ν
m
da radiação é absorvida pela molécula.
Estado de contração e estiramento da
molécula antes e após a excitação
ν
1
ν
2
ν
3
Ausência da onda com
freqüência ν
3
= ν
m
ANTES DA INTERAÇÃO
DEPOIS DA INTERAÇÃO
21
2.2.3 Transições vibracionais e absorção no infravermelho
Ao contrário da mecânica clássica, na mecânica quântica a energia vibracional
molecular não varia continuamente, mas é quantizada, significando que tal energia somente
pode ter valores discretos. Os veis de energia de um oscilador harmônico para uma
molécula diatômica são dados por
E
vib
= (n +1/2)hν
m,
(2.18)
onde, ν
m
representa a freqüência de vibração molecular e n = 0,1,2,...
Considere a interação de um fóton de energia hν
f
e uma molécula diatômica.
Sendo o fóton absorvido pela molécula, a mesma sofre transição de um estado de energia de
um nível E
i
para outro E
j
, de modo que
hν
f
= E
m
, (2.19)
em que E
m
representa a energia de transição necessária para levar a molécula de um nível
energético para outro. Para uma transição de um nível n a outro n + 1, através de (2.18) pode-
se escrever
E
m
= (n + 3/2)hν
m
– (n + ½)hν
m
= hν
m
(2.20)
Comparando (2.19) e (2.20)
hν
m
= hν
f
ν
m
= ν
f
(2.21)
Isto significa que, para que ocorra uma transição de um nível para outro
imediatamente superior, a freqüência da radiação incidente deve possuir valor igual ao da
freqüência de vibração molecular clássica. Quando E
m
= -hν
m
, a molécula perde energia e
emite um fóton com mesma freqüência do fóton incidente. Através da função distribuição de
Boltzmann, pode-se calcular a população relativa dos níveis de energia de um ensemble de
22
moléculas diatômicas. Assumindo que não existam estados degenerados, a população do nível
i relativa àquela no nível fundamental é dada por
i
i 0
0
ε
(ε ε )
ΚT
i
KT
ε
0
ΚT
n
e
e
n
e
= =
(2.22)
Supondo que se deseje saber a relação entre o número de moléculas diatômicas
que vibram no primeiro vel e as que vibram no nível fundamental de energia, a energia de
transição entre os níveis, para um oscilador harmônico, é
1
( ) [( ) ]
2
i 0 m m m
1
ε ε = n+ h nh nhc
2
ν ν ν
= =
e então
m
nhc
i
KT
0
n
e
n
ν
=
. À temperatura
ambiente, T = 300
o
K, hc/KT = 1/209 cm. Considerando que a maioria das moléculas possui
m
ν
maior do que 209 cm
-1
, as mesmas devem pertencer ao estado fundamental e, portanto,
havendo uma transição, esta ocorrerá mais provavelmente do nível fundamental para o
primeiro nível de energia.
Na realidade, as moléculas possuem comportamento anarmônico. No entanto, para
os primeiros níveis de energia, tanto o modelo harmônico como o anarmônico possui valores
muito próximos, como mostra a Figura. 2.9, que representa as curvas de energia potencial e os
níveis de energia de uma molécula diatômica, onde r
e
é a distância de equilíbrio entre os
átomos. Como a maioria das transições ocorre entre o nível fundamental e o primeiro nível
excitado, a equação (2.18) pode ser usada mesmo que a vibração seja anarmônica.
23
2.2.4 Efeito Raman
Quando uma radiação monocromática de freqüência
o
ν
incide sobre um sólido
transparente qualquer (poderia ser um líquido), a maioria da radiação é transmitida sem
qualquer mudança de suas propriedades, mas uma pequena porção é espalhada. Analisando-se
a parte espalhada, verifica-se que não somente a freqüência
o
ν está presente, mas também
outras duas porções, com freqüências acima e abaixo de
o
ν . A parte espalhada que possui
mesma freqüência da onda incidente é conhecida como espalhamento Rayleigh, descoberto
por Lord Rayleigh [12] em 1871. As outras duas porções puderam ser evidenciadas pouco
mais de meio século depois por C.V. Raman.
Em 1928, C.V. Raman e Krishnan [13], mostraram experimentalmente um outro
tipo de espalhamento, predito teoricamente por Smekal [14], em que a luz emergente da
amostra possuía não somente o mesmo comprimento de onda da luz incidente, mas também
outros dois, que teriam grande importância na revelação das vibrações moleculares. Tal
comportamento ficou conhecido por espalhamento Raman.
Para se entender de forma básica o processo de espalhamento Raman, considere
um fóton de luz, de energia h
o
ν , interagindo com uma molécula. O fóton excita a molécula a
um nível de energia instável, de modo que a molécula permanece nesse vel por um instante
ínfimo e volta ao vel a que pertencia ou ainda a um nível de energia E
i
acima ou abaixo.
Pela lei de Boltzmann, como mencionado, o nível mais populoso é o nível fundamental,
portanto, levando-se em consideração esse fato, após a excitação, a molécula deverá voltar
FIGURA 2.9 - Curvas de energia potencial e níveis de energia de uma molécula diatômica comparando os
osciladores harmônico e anarmônico. Oscilador harmônico é representado por linha tracejada e o anarmônico
por linha cheia.
24
para o nível fundamental E
o
ou a um nível imediatamente superior E
1
. No entanto, a
possibilidade de que moléculas que vibram no primeiro nível de energia, depois da
excitação molecular, caiam para o nível fundamental. O experimento de C. V. Raman mostrou
que a maior parte da luz espalhada, possui a mesma freqüência da luz incidente, o citado
espalhamento Rayleigh. O restante possui freqüência abaixo (espalhamento ou linha Stokes) e
acima (espalhamento ou linha anti-Stokes).
A lei de conservação da energia é providencial para revelar importantes
informações sobre a vibração da molécula utilizando o processo de espalhamento Raman. O
balanço de energia do processo deve ser tal que
moe
hνhνhν ±= (2.23)
ou
moe
ννν ±= (2.24)
onde, ν
e
se refere à freqüência da radiação espalhada, ν
o
a freqüência do fóton incidente e ν
m
a
freqüência da molécula.
O sinal
±
em (2.24) corresponde às duas transições mais prováveis para a
molécula após a interação com a luz. No caso da molécula estar vibrando no nível
fundamental E
o
, e, após a excitação, passar ao primeiro nível de energia E
1
, absorvendo assim,
energia, a freqüência do fóton espalhado fica
moe
ννν = , que representa a linha Stokes. No
caso em que a molécula vibra no primeiro nível de energia E
1
, e, após a excitação, cai ao
nível fundamental E
o
, a freqüência do fóton espalhado fica
moe
ννν += , representando a
linha anti-Stokes. O processo descrito também pode ser entendido da seguinte forma: um
fóton incidente é aniquilado e um outro fóton é criado pela molécula com freqüência
momo
νν ou νν + . No espalhamento elástico um fóton incidente é aniquilado e outro é
criado pela molécula possuindo mesma freqüência,
e o
ν ν
=
. A Figura 2.10 mostra todo o
processo descrito acima.
Evidentemente, o espalhamento Raman sempre existiu juntamente com o
espalhamento Rayleigh, no entanto, para se ter uma idéia, aproximadamente 10
-3
da luz
incidente é destinada ao espalhamento Rayleigh e 10
-3
de toda a porção espalhada pertence
aos espalhamentos Stokes e anti-Stokes [15]. Não é de se admirar que o efeito Raman só fosse
percebido tanto tempo depois da descoberta do espalhamento Rayleigh. Apesar das linhas
25
Stokes possuírem baixa intensidade para serem percebidas, o advento do laser e toda a
instrumentação usada para se analisar a luz espalhada, tornaram o espalhamento Raman uma
técnica de grande importância na determinação das vibrações moleculares.
É importante também se entender o efeito Raman sob o ponto de vista clássico, o
que será feito na próxima seção.
26
Espalhamento
Stokes
Espalhamento
Rayleigh
Espalhamento
Anti-Stokes
E
o
E
1
Radiação incidente
Amostra
Radiação espalhada
hν
o
hν
o
(hν
o
– hν
m
)
(hν
o
+ hν
m
)
a )
b)
c)
FIGURA 2.10 - Efeito Raman. a) interação da luz incidente (de energia hν
o
) com a amostra e seu
conseqüente espalhamento nas energias hν
o
-hν
m
, hν
o
e hν
o
+hν
m
. b) as três transições moleculares mais
prováveis, provocadas por um fóton incidente, responsáveis pelos espalhamentos Rayleigh, Stokes e anti-
Stokes. c) gráfico que mostra o valor da freqüência e a intensidade da radiação espalhada.
27
2.2.5 A polarizabilidade e a visão clássica do efeito Raman
A intensidade da banda espectral, como mencionado, depende de quão
efetivamente a energia do fóton é transferida à molécula. No caso da radiação infravermelha,
foi visto que tal transferência de energia se efetua com maior facilidade quando o momento de
dipolo da molécula varia com a coordenada normal. No caso do efeito Raman, a variação na
polarizabilidade com respeito à coordenada normal é que promove uma melhor transferência
de energia do fóton incidente para a molécula.
Quando uma molécula é exposta a um campo elétrico oscilante de alta freqüência,
uma separação entre núcleos e elétrons, de modo que um momento de dipolo é induzido,
adquirindo mesma freqüência de oscilação da radiação incidente. O momento de dipolo
induzido depende da flexibilidade entre o cleo e os elétrons da molécula, descrita pela
polarizabilidade. O movimento vibracional de estiramento e compressão da molécula causa
uma modulação na amplitude do momento de dipolo induzido e conseqüentemente a radiação
emitida também será modulada pela freqüência de vibração da molécula, dando, assim,
informações sobre a vibração molecular.
O processo descrito acima pode ser deduzido matematicamente, considerando-se
uma radiação incidente de alta freqüência
o
ν , interagindo com uma molécula que é livre
somente para vibrar. Haverá então o surgimento de um momento de dipolo induzido P, que
em primeira aproximação é dado por
EαP
=
3
(2.259)
em que
α
é o tensor polarizabilidade e
E
é o campo da radiação incidente. A
polarizabilidade, para cada modo normal da molécula deve variar com respeito às
coordenadas normais das mesmas. Expandindo então a polarizabilidade em série de Taylor
com relação a uma configuração de equilíbrio, pode-se escrever,
3
Para radiações de intensidades mais altas do que as tratadas aqui, o momento de dipolo induzido produz efeitos
não lineares, de modo que (2.25) precisa ser escrita como
+++= EEEλEEβEαP
6
1
:
2
1
, onde
β
e
λ
são respectivamente, os tensores de hiperpolarizabilidade e hiperpolarizabilidade segunda (ver Long). No
presente trabalho, a intensidade da radiação incidente usada, permite que o momento de dipolo induzido seja
escrito somente com a aproximação linear dada por (2.25).
28
( )
+
+
+=
rk
0
rk,
rk
ij
2
k
k
0
k
ij
0
ijij
QQ
QQ
α
2
1
Q
Q
α
αα
(2.26)
onde,
(
)
0
ij
α
é o valor de
ij
α
na configuração de equilíbrio,
k
Q
,
r
Q
, ... são as coordenadas
normais associadas aos modos normais de freqüência
ν
k
,
ν
r
, ... e os somatórios são sobre todas
as coordenadas normais. Negligenciando termos de Q com potências acima de um, e
considerando o valor da polarizabilidade para um determinado modo normal Q
k
(2.26) pode
ser escrita como
k
Q
k0k
ααα
+= (2.27)
onde,
(
)
k
ij
α=
k
α
, é a polarizabilidade em relação à coordenada normal Q
k
.
=
k
α
0
k
ij
Q
α
, é a derivada das componentes da polarizabilidade com respeito à coordenada
normal Q
k
. Assumindo uma oscilação harmônica para a coordenada normal Q
k,
pode-se
escrever,
)
δ
t
ν
π
cos(2QQ
kkkok
+= (2.28)
onde Q
ko
é a amplitude da coordenada Q
k
e
k
δ
um fator de fase. Substituindo (2.12 ) em (
2.27), a polarizabilidade com relação ao modo k fica
)
δ
t
ν
π
cos(2Q
kkkok
+
+=
ααα
0k
(2.29)
O momento de dipolo induzido sobre a molécula para o modo vibracional k fica
então,
E
α
P =
k
k
(2.30)
desde que E varia com o tempo como
29
(
)
( ) ( )
{ }
k
0 0 0
'
k0 k 0 0 k k 0 k k
cos 2 π ν t
1
Q cos 2π ν ν t δ cos 2π ν ν t δ
2
= +
+ + +
P α E
α E
(
)
t
νπ
2cos
00
EE = , (2.31)
da substituição de (2.31) e (2.29) em (2.30) obtém-se
(
)
(
)
kkko0
'
k000
k
δtνπ2cosQtνπ2cos ++= EαEαP (2.32)
usando a identidade
( ) ( )
[ ]
BABABA
++= coscos
2
1
coscos (2.33)
(2.32) fica
(2.34)
A equação acima mostra que o momento de dipolo induzido P
k
possui três
componentes distintas de freqüência como argumento da função cosseno. Tais freqüência são
iguais a ν
o
,
ko
νν e
ko
νν + , que representam respectivamente, os espalhamentos Rayleigh,
Stokes e anti-Stokes. Vê-se também, que se
'
k
α = 0, o efeito Raman não pode existir, pois,
nesse caso, as componentes de freqüência Raman teriam amplitude zero. Portanto, uma
condição necessária para que haja efeito Raman é que
'
k
α 0.
O resultado em (2.34) é mostrado na Figura 2.11 em que a radiação incidente de
freqüência ν
o
, interage com a amostra e, em seguida, é espalhada pela mesma como uma onda
de amplitude modulada, onde, a informação da vibração molecular está presente.
Decompondo-se a onda espalhada, as contribuições dos espalhamentos Rayleigh, Stokes e
anti-Stokes são evidenciadas.
30
Amostra
FIGURA 2.11 - Efeito Raman sob ponto de vista clássico. A radiação incidente de freqüência
o
ν
interage
com a amostra. A radiação espalhada pela amostra é modulada pela vibração molecular. Decompondo-se
a onda espalhada, as contribuições dos espalhamentos Rayleigh, Stokes e anti-Stokes são evidenciadas.
Radiação incidente
de freqüência ν
o
Radiação espalhada
Espalhamento anti-Stokes
Espalhamento Stokes
moe
ννν
=
moe
ννν ±=
Espalhamento Rayleigh
o
ν
31
2.3 Os Aminoácidos e As Proteínas
2.3.1 Aminoácidos e suas Propriedades
Todos os aminoácidos são constituídos de um grupo carboxílico (COOH) e um
grupo amina (NH
2
), ligados ao mesmo carbono, conhecido por carbono α. O carbono α
também se liga a um átomo de hidrogênio e a um radical R (Figura 2.12). O radical é o
principal responsável pelas diferenças existentes entre os aminoácidos, dentre as quais:
variação da estrutura, tamanho da molécula, carga elétrica e influência na solubilidade em
água.
FIGURA 2.12 - Forma molecular de um aminoácido de radical R qualquer.
Por conter numa mesma molécula um ácido e uma base e sabendo que entre essas
funções ocorre reação, os aminoácidos se apresentam, em geral, na forma de íon dipolar ou
mais comumente conhecida
zwitterion
, onde o grupo carboxílico perde um próton que se liga
ao grupo amina, que se torna amônia.
Na verdade, a forma predominante do aminoácido depende do pH da solução, bem
como da natureza do aminoácido. Em soluções muito ácidas, por exemplo, todos os
aminoácidos se apresentam, principalmente, na forma de cátions (forma catiônica),
representados pelo grupo amônia (NH
3
+
). Por outro lado, em soluções muito alcalinas se
apresentam, principalmente, como ânions (forma aniônica), representado pelo grupo
carboxílico (COO
-
). Em valores de pH intermediários os íons dipolares possuem concentração
C
α
COOH
NH
2
R
H
32
máxima e as concentrações dos ânions e tions são iguais. O valor de PH mencionado é
conhecido por
ponto isoelétrico
. A Figura 2.13 esboça o exposto.
Dos tantos aminoácidos existentes, somente 20 são imprescindíveis à vida animal.
Desses vinte, oito são conhecidos como
aminoácidos essenciais
, pois, o organismo dos seres
humanos não é capaz de realizar sua síntese, tendo que, obrigatoriamente, fazer parte da sua
dieta. Os aminoácidos essenciais são: leucina, isoleucina, valina, fenilalanina, triptofano,
treonina, metionina e lisina. Todos os outros 12 aminoácidos são sintetizados pelo organismo
humano e são conhecidos como aminoácidos não-essenciais. A principal razão da grande
importância dos aminoácidos é que os mesmos são os constituintes básicos das proteínas.
Os aminoácidos podem ser classificados de acordo com a natureza do radical R.
Na Figura 2.14 estão dispostos os aminoácidos vitais para a síntese de proteínas, que são
classificados pela polaridade de seus radicais. Os radicais chamados hidrofóbicos (pouco
solúveis em água) possuem, geralmente, grupamentos alquila (são formados somente por
carbono e hidrogênio), exceto a metionina que contém um átomo de enxofre. Na mesma
figura estão os aminoácidos cujos radicais são classificados como hidrofílicos (solúveis em
água), mas não possuem excesso de carga. E, finalmente, os que têm radicais carregados
positiva e negativamente, conhecidos por ácidos e básicos, respectivamente.
Todos os aminoácidos da Figura 2.14, exceto a glicina, apresentam quiralidade,
pois, o carbono α está ligado a quatro diferentes grupos, de tal sorte que, a imagem da
molécula projetada por um espelho é diferente da molécula real. O cabono α é chamado
pH neutro
forma
zwitterion
pH ácido pH alcalino
forma catiônica forma aniônica
FIGURA 2.13 - Esquema mostrando as formas catiônica, zwitterion e aniônica dos aminoácidos quando
expostos a soluções de PH ácido, neutro e alcalino, respectivamente.
33
Glicina
(Gli)
Treonina
(Ter)
Cisteína
(Cis)
Tirosina
(Tir)
Asparagina
(Asn)
Glutamina
(Gln)
Serina
(Ser)
Valina
(Val)
Leucina
(Leu)
Isoleucina
(Ile)
Metionina
(Met)
Fenilalanina
(Fen)
Alanina
(Ala)
Prolina
(Pro)
Triptofano
(Tri)
a) Aminoácidos hidrofóbicos
b) Aminoácidos hidrofílicos
FIGURA 2.14 - Os vinte aminoácidos que participam da síntese de proteína classificados segundo a polaridade
de seus radicais: a) Aminoácidos hidrofóbicos b) Aminoácidos hidrofílicos;
34
Histidina
(His)
Lisina
(Lis)
Arginina
(Arg)
Ácido glutâmico
(Glu)
Ácido aspártico
(Asp)
c) Aminoácidos ácidos
d) Aminoácidos básicos
FIGURA 2.14 - Continuação. c) Aminoácidos ácidos d) Aminoácidos básicos.
35
carbono quiral
ou
carbono assimétrico
. Moléculas que possuem quiralidade são conhecidas
por enantiômeros. Os dois enantiômeros dos aminoácidos apresentam atividades óticas
diferentes. Quando luz plano-polarizada incide sobre tais moléculas o plano de polarização da
luz sofre rotação; se a rotação ocorrer no sentido horário, a molécula tem comportamento
dextrógiro, e então o aminoácido apresenta configuração d; se a rotação acontece no sentido
anti-horário, diz-se que a molécula tem comportamento levógiro e o aminoácido apresenta
configuração l. Na síntese de proteína todos os aminoácidos possuem configuração l.
Devido ao papel fundamental dos aminoácidos na constituição das proteínas,
falaremos na próxima seção da importância da seqüência única dos aminoácidos na
composição de uma proteína para que a mesma desempenhe sua devida função no organismo.
Em seguida falaremos, brevemente, sobre a síntese de proteína, destacando em especial o
papel do DNA naquele mecanismo.
2.3.2. Proteínas e a ligação peptídica
Pela ação de enzimas (proteínas) os α-aminoácidos podem sofrer polimerização
com a eliminação de água. A ligação –CO-NH- que se forma entre os aminoácidos é
conhecida como
ligação peptídica
(Figura 2.15). Quando o polímero é formado por dois
aminoácidos é chamado
dipeptídio
. A partir de 10 aminoácidos o polímero passa a ser um
polipeptídio. As proteínas são moléculas que possuem uma ou mais cadeias de polipeptídios.
Os aminoácidos, quando compõem um polipeptídio são chamados
resíduos de aminoácidos
.
FIGURA 2.15 - Polimerização de dois aminoácidos promovendo a eliminação de água e formando a ligação
peptídica –CO-NH-. O resultado é um dipeptídio.
36
Os polipeptídios são polímeros lineares e apresentam numa extremidade (por
convenção na extremidade esquerda) um resíduo de aminoácido com grupo -NH
3
+
livre, e na
outra extremidade um resíduo de aminoácido com o grupo -CO
2
-
livre. Tais grupos são
designados, respectivamente por resíduo terminal N e resíduo terminal C (Figura 2.16).
FIGURA 2.16 - As extremidades de uma cadeia peptídica são denominadas por resíduo terminal N, por
convenção localizado sempre à esquerda, e resíduo terminal C, localizado à direita.
2.3.3 Estruturas das proteínas
Por serem moléculas grandes e complexas as proteínas apresentam quatro veis
de estrutura: estrutura primária, estrutura secundária, estrutura terciária e estrutura
quaternária.
A estrutura primária de uma proteína representa a seqüência dos aminoácidos,
incluindo, principalmente, as ligações peptídicas e as ligações dissulfeto entre pares de
cisteína. A Figura 2.17 mostra a representação da estrutura primária da proteína lisozima, uma
enzima que ataca a parede celular das bactérias, que possui 129 aminoácidos em sua estrutura.
Nota-se a existência de quatro pontes de dissulfeto que contribuem para o enrolamento da
proteína. A lisozima foi a primeira proteína a ter sua estrutura tridimensional totalmente
determinada, isto no ano de 1965 [16].
resíduo terminal N resíduo terminal C
37
FIGURA 2.17 - Estrutura primária da proteína lisozima. As pontes de dissulfeto são as principais responsáveis
pela estabilidade da proteína.
Se imaginarmos uma proteína composta de 20 diferentes aminoácidos e 100
resíduos, chega-se a 20
100
= 1,27x10
130
polipeptídios diferentes, número astronômico.
Mudanças nas seqüências de aminoácidos localizados em determinados pontos da proteína
pode acarretar grandes mudanças no que diz respeito à função da proteína. Bom exemplo
disso é o papel desempenhado pelas proteínas oxitocina e vasopressina, em que a primeira
está presente nas fêmeas de animais e estimula as contrações uterinas durante o parto,
enquanto que a segunda ocorre tanto em machos quanto em fêmeas e provoca a contração dos
vasos sanguíneos, causando aumento da pressão sanguínea. Apesar de funções tão diversas as
duas proteínas são quase idênticas (Figura 2.18), tendo como única diferença a troca de uma
leucina por uma arginina e de uma isoleucina por uma fenilalanina em pontos equivalentes
das duas proteínas.
38
Leu
Ile
Arg
Fen
FIGURA 2.18 - Estruturas primárias das proteínas oxitocina e vasopressina. Apesar de possuírem estruturas
muito parecidas, com a diferença de apenas dois aminoácidos em pontos equivalentes, as duas proteínas
desempenham funções bem diversas no organismo.
Oxitocina
Vasopressina
39
A estrutura secundária de uma proteína se define como a conformação local do seu
esqueleto polipeptídico. Foram Linus Pauling e Robert Corey que em 1939, propuseram dois
importantes pré-requisitos para a estabilidade das proteínas: a) Todos os átomos que
participam da ligação peptídica fazem parte do mesmo plano e b) A existência da ligação de
hidrogênio entre o N-H de uma ligação peptídica e o C=O de outra. A partir desses pré-
requisitos, Pauling e Corey chegaram a dois diferentes modelos estruturais particularmente
estáveis: a formação em
hélice
α e em
placas pregueadas
β.
Como mostra a Figura 2.19, na formação em hélice α a cadeia de polipeptídios se
enrola em espiral em torno de um eixo com 3,6 resíduos por volta ou uma distância vertical de
5,6 Å [16, 17, 18]. Dessa forma, ligações de hidrogênio entre o nitrogênio e o oxigênio de
cada ligação peptídica são formadas com espaçamentos de quatro resíduos. Estas ligações de
hidrogênio são as principais responsáveis pela estabilidade da hélice. Com tal formação, os
radicais dos resíduos de aminoácido se posicionam na parte externa da hélice, em contato com
o ambiente aquoso. A prolina, por ter seu radical ligado diretamente ao nitrogênio, que
participa da ligação peptídica, introduziria dobras inflexíveis no polipeptídio e não pode fazer
parte de uma formação em hélice. A estrutura helicoidal α é predominante nas proteínas
fibrosas como a
miosina
, proteína dos músculos, e a queratina α, proteína dos cabelos.
A formação em placas ou lâminas pregueadas β consiste em cadeias de
polipeptídios dispostas paralelamente de modo que as ligações peptídicas de duas cadeias
adjacentes interagem através de ligações de hidrogênio entre os grupos N-H e C=O (na
formação em hélice α as ligações de hidrogênio ocorrem na mesma cadeia peptídica). O
radical R de cada resíduo se posiciona, alternadamente, acima e abaixo das placas. As cadeias
peptídicas são também a seu longo, dispostas em ziguezague, formando placas, contendo o
carbono α sempre no vértice formado pelas placas. Novamente, aqui, as ligações de
hidrogênio são as responsáveis pela estabilidade da estrutura. A Figura 2.20 retrata o exposto.
Usa-se o termo estrutura terciária quando se considera a disposição tridimensional
como um todo de uma cadeia simples de polipeptídios. Portanto, numa estrutura terciária,
configurações tipo hélice e de lâminas pregueadas β fazem parte de sua formação. As ligações
dissulfeto, assim como na estrutura primária, desempenham papel importante na estabilidade
da estrutura terciária.
40
FIGURA 2.19 - Formação em hélice α. As ligações de hidrogênio ocorrem com espaçamento de quatro resíduos
e são as principais responsáveis
A mioglobina e a hemoglobina foram as primeiras proteínas objeto de análise
completa por difração de raios-x nos anos de 1957 e 1959, respectivamente. J.C. Kendrew e
Max Perutz foram os autores do trabalho. A mioglobina, cuja estrutura secundária e terceária
estão apresentadas na Figura 2.21, possui 153 aminoácidos, que estão divididos em cerca de
oito sessões de formações hélice α separadas por dobramentos na cadeia peptídica [17, 19].
3,6 resíduos
(5.6 Å)
41
FIGURA 2.20 - Formação em lâminas ou placas pregueadas. As cadeias polipeptídicas se estendem
paralelamente formando ziguezague
Como mencionado, a natureza dos radicais dos aminoácidos desempenha
importante papel na função que a proteína deve exercer. Radicais hidrofóbicos como aqueles
pertencentes aos aminoácidos de leucina, isoleucina, valina, fenilalanina, alanina, e metionina
[19] são quase sempre encontrados no interior das proteínas, livres do contato com a água que
permeia o seu exterior. As interações não-polares desses radicais são as principais
responsáveis pela compacta formação tridimensional da mioglobina. Por outro lado, na parte
superficial, em contato com a água por ligações de hidrogênio, se encontram os radicais
hidrofílicos dos aminoácidos lisina, arginina, serina, ácido glutâmico, histidina e glutamina
[19]. Outra contribuição na estabilidade da estrutura da mioglobina é a atração eletrostática
entre os radicais de lisina (-NH
3
+
) e ácido glutâmico (-CO
2
-
) [19].
O arranjo espacial entre duas ou mais subunidades de polipeptídios é o que
representa a estrutura quaternária. A hemoglobina, proteína que transporta o oxigênio nas
células do sangue é formada por quatro cadeias individuais de polipeptídios, duas cadeias α,
cada uma com 146 resíduos e duas cadeias β também com 146 resíduos cada (Figura 2.22).
Um único erro num aminoácido da cadeia β da hemoglobina é o suficiente para originar a
doença de origem genética anemia falciforme; a posição 6 na hemoglobina normal ocupada
pelo ácido glutâmico é substituída pela valina na hemoglobina do anêmico falciforme. A
cadeia
polipeptídica
cadeia
polipeptídica
42
estabilidade desse nível de estrutura é devida, principalmente, às interações hidrofóbicas das
subunidades.
FIGURA 2.21 Estrutura secundária e terciária da mioglobina. Os aminoácidos hidrofóbicos se encontram no
interior da estrutura e são os principais responsáveis pela estabilidade da mesma.
FIGURA 2.22 - Estrutura quaternária da hemoglobina. Duas formações em cadeia α e duas em cadeia β fazem
parte da estrutura. A estabilidade da estrutura se deve, principalmente, às interações hidrofóbicas das
subunidades.
43
As proteínas são classificadas de acordo com suas funções (enzimas, regulatórias,
transportadoras, armazenamento, contráteis e móveis, protetoras, exóticas). Pelos exemplos
que expomos nesse trabalho podemos chegar à conclusão de que a função que uma proteína
exerce no organismo depende, essencialmente, da seqüência de aminoácidos que a compõe,
de modo que as estruturas secundária, terciária e quaternária são conseqüências da estrutura
primária. A natureza dos radicais dos aminoácidos é determinante na definição estrutural da
proteína; a hidrofobicidade dos radicais talvez seja a propriedade mais importante para a
estabilidade da proteína. O estudo das estruturas das proteínas, suas funções e interações entre
elas próprias no organismo, tem crescido nos últimos anos e é conhecido por
proteoma
ou
proteômica
.
2.3.4. Síntese de proteína
Em 1953, James Watson e Francis Crick, baseados nas medidas de difração de
raios-X em um cristal de DNA realizadas por Rosalind Franklin e Maurice Wilkins,
propuseram um modelo para o DNA, no qual tal molécula se constituiria de dois filamentos,
cada um formado por ligações fosfato-açúcar, dispostos de forma helicoidal, que são
interligados por ligações de hidrogênio formadas entre os pares definidos de bases
nitrogenadas: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). Segundo esse modelo o
DNA seria o equivalente a uma escada torcida.
Não é a toa que os dois filamentos de polinucleotídeos das moléculas de DNA são
unidos por ligações de hidrogênio. Por serem fracas, tais ligações propiciam maior facilidade
na separação da molécula, expondo cada uma das partes ao mar de nucleotídeos presente na
célula. Cada metade separada servirá como um molde e atrairá seletivamente os nucleotídeos,
formando os devidos pares, de modo que no final do processo duas novas moléculas de DNA
estarão formadas. Desta maneira, a estrutura em dupla hélice consegue explicar a capacidade
de replicação do DNA (Figura 2.23).
O comando para a ntese das proteínas vem do DNA. Seqüências de trincas
(códons) formadas pelas bases nitrogenadas representam o código para a formação das
proteínas; cada trinca representa o código para um aminoácido; o número de diferentes trincas
possíveis é 64 (4x4x4). Como são 20 os aminoácidos, chegou-se à conclusão que alguns
responderiam por mais de um código, ou seja, o código do DNA é degenerado; é o que
44
acontece com a L-leucina, que corresponde às seguintes trincas: UUA, UUG, CUU, CUC,
CUA, CUG. O RNA mensageiro (RNAm) é o responsável por transportar as informações
delegadas pelo DNA para a formação das proteínas. Após a codificação feita pelo DNA (que
nunca deixa o núcleo), o RNA deixa o núcleo da célula e é capturado pelos ribossomos; este
as informações contidas no RNAm e, através do RNA transportador (RNAt), atrai os
aminoácidos dispondo-os em seqüência à medida que as trincas são lidas, formando assim,
uma proteína [20]. Tanto para o início como para o fim do processo de ntese de uma
proteína, existem, igualmente, trincas específicas; para o início da síntese os genes usam a
trinca ATG, enquanto que para o final da síntese o códon TAA é usado. Para maior
aprofundamento dos assuntos aqui discutidos ver referências [16-21].
.
DNA inicial
novos DNA’s
FIGURA 2.23 - Replicação do DNA. Os filamentos se separam, sendo expostos ao mar de nucleotídeos e duas
novas moléculas de DNA são criadas.
45
3 PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
3.1. Crescimento dos cristais de L-leucina
Para o crescimento de cristais de L-leucina, uma solução composta de água
destilada e de L-leucina (Vetec) foi preparada. Um agitador-aquecedor foi usado com o
intuito de promover uma mistura o mais homogênea possível até que a solução chegasse à
supersaturação; a concentração da solução foi baseada na curva de solubilidade do material. O
pH após a supersaturação foi igual a 6. A solução foi filtrada e colocada num Becker, que foi
fechado com filme e este perfurado várias vezes. Em seguida, a solução foi levada à geladeira,
onde lá ficou até o recolhimento dos cristais que na solução cresceram. O método usado para
o crescimento dos cristais de L-leucina foi o de evaporação lenta do solvente, onde a água
presente na solução evapora, gerando uma precipitação do soluto na forma cristalina; o filme
perfurado promove uma evaporação mais lenta do solvente, o que, geralmente, propicia o
crescimento de cristais de boa qualidade.
FIGURA 3.1 - Cristal de L-leucina com seu hábito de crescimento típico
Uma boa quantidade de cristais bem transparentes foi recolhida do Becker; os
mesmos eram bastante delgados, comparáveis a lâmina bastante fina. Os eixos foram
46
definidos de acordo com a seguinte convenção: O eixo z foi definido como aquele
perpendicular ao plano cristalino, o eixo y como coincidente à maior dimensão do cristal e o
eixo x foi definido como perpendicular aos eixos y e z. A Figura 1 mostra um dos cristais de
L-leucina recolhidos da solução. Os cristais foram crescidos no laboratório de Crescimento de
Cristais do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará.
3.2. Medidas de absorção no infravermelho
FIGURA 3.2 - À esquerda, Prensa manual usada para compactar a mistura para a formação do disco. À direita,
matriz usada na compactação da mistura composta de três partes.
A técnica utilizada para as medidas de absorção no infravermelho no cristal de L-
leucina foi a dispersão em pastilhas de Kbr, onde um pedaço do cristal é moído e misturado
ao de Kbr numa proporção de aproximadamente uma parte para dez. Em seguida uma
47
pequena porção da mistura é colocada cuidadosamente numa matriz para peletização (Figura
3.2). A matriz contendo a mistura é levada a uma prensa manual (Figura 3.2), onde nela
permanece por cerca de vinte minutos. O resultado é um disco delgado e transparente. Em
seguida o disco é preso a um dos acessórios do espectrômetro FTIR Spectrum One da Perkin
Elmer (Figura 3.3) pertencente ao Parque de Desenvolvimento Tecnológico (PADETEC),
onde as medidas de absorção são realizadas. Oito mapeamentos foram feitos com resolução
espectral de 4 cm
-1
.
FIGURA 3.3 Espectrômetro Spectrum One usado nas medidas de absorção no infravermelho. O disco de Kbr é
preso ao acessório indicado pela seta.
3.3. Medidas de espalhamento Raman
As medidas de espalhamento Raman foram realizadas utilizando-se um sistema de
micro-Raman preparado para geometria de retroespalhamento num espectrômetro triplo da
Jobin Yvon Triplemate 64000 equipado com CCD (
coupled charge device
) resfriado a
nitrogênio quido. Para se verificar a superfície da amostra nas medidas de pressão, também
48
foi utilizada uma câmera CCD. As fendas foram ajustadas a fim de se obter resolução
espectral de 2 cm
-1
. Um laser de argônio operando na linha 514,5 nm foi a fonte de excitação
para as medidas de espalhamento Raman. A Figura 3.4 mostra uma vista geral do
espectrômetro usado nas medidas Raman à temperatura ambiente. As medidas em altas
temperaturas foram realizadas usando um forno resistivo.
Para as medidas de altas pressões hidrostáticas foi utilizada uma célula de pressão
a extremos de diamantes do tipo NBS, sigla de
National Bureal of Standards
. Tal célula é
usada, geralmente, em experiências nas quais a geometria de espalhamento é
backscattering
ou retroespalhamento, que foi aquele utilizado no nosso trabalho. Para facilitar a focalização
da luz do laser sobre o rubi, no momento de se calibrar o valor da pressão no interior da
célula, utilizou-se uma câmera CCD. A Figura 3.5 apresenta uma esquema típico da célula de
pressão a extremos de diamante. a Figura 3.6 apresenta uma visão esquemática do interior
da célula de pressão, mostrando-se a marca do diamante que é deixada sobre a gaxeta
metálica, bem como um corte transversal da mesma.
No que diz respeito à calibração, a técnica comumente utilizada é a da
luminescência do rubi, que foi usada em nossos experimentos. A técnica de luminescência do
Al
2
O
3
:Cr
3+
foi originalmente introduzida por Forman [22], embora outros materiais também
sejam utilizados como o MgO:Cr
3+
. De qualquer forma, descobriu-se que a luminescência dos
FIGURA 3.4 - Espectrômetro usado nas medidas de espalhamento Raman à temperatura ambiente.
49
íons se desloca linearmente com a pressão, permitindo-se uma calibração bastante precisa da
pressão no interior das células. Ademais, mostrou-se que quando o ambiente não é
perfeitamente hidrostático no interior da célula as linhas R sofrem um alargamento
característico; assim, além de ser uma sonda para se determinar o valor da pressão, também é
uma sonda para se inferir a hidrostaticidade no interior do compartimento de pressão. À
pressão atmosférica as linhas R possuem comprimentos de onda de 6227 a 6942 Å. Até cerca
de 190 kbar o desvio de energia destas linhas com a pressão é linear [23] com um
deslocamento de 7,53 cm
-1
/GPa [22-26].
No que diz respeito ao meio compressor, existem várias possibilidades, algumas
delas sendo uma mistura de metanol-etanol (4:1), metanol-etanol-água (8:4:1), argônio
líquido [26] ou mesmo hélio líquido [27]. Nos experimentos apresentados no Capítulo 6 desta
tese foi utilizado como meio compressor a mistura metanol-etanol na proporção de 4:1.
50
FIGURA 3.5 - Representação esquemática de uma célula de pressão a extremos de diamante.
FIGURA 3.6 - Representação esquemática do interior de uma célula de pressão a extremos de diamante e
um corte lateral da gaxeta onde a amostra fica localizada durante os experimentos. Sobre e sob a gaxeta
encontram-se os diamantes e dentro do orifício são colocados a amostra (tipicamente com 80 µm de
espessura), o rubi e o meio compressor.
51
4 PROPRIEDADES VIBRACIONAIS DO CRISTAL DE L-LEUCINA
O conhecimento da disposição dos átomos numa rede cristalina é imprescindível
para se entender seu comportamento vibracional. Nesse capítulo descrevemos detalhes da
estrutura do cristal de L-leucina, assim como também, discutimos a identificação de seus
modos normais de vibração baseados em trabalhos já publicados acerca dos cristais de L-
isoleucina e L-valina dentre outros aminoácidos.
4.1 Estrutura do cristal de L-leucina
A L-leucina (C
6
H
13
NO
2
), à temperatura ambiente apresenta estrutura monoclínica,
com quatro moléculas por célula unitária e pertence ao grupo espacial P2
1
(C
2
2
); seus
parâmetros de rede possuem as seguintes dimensões: a = 14,666(2) Å, b = 5,324 (7) Å, c =
9,606(3) Å, β = 94,06(3)
o
[28]. Embora exista um outro trabalho sobre a estrutura da L-
leucina [29], no qual os autores relatam que a posição dos átomos não foi acuradamente
determinada devido à baixa qualidade de seus cristais, utilizamos como base o trabalho de M.
Coll
et al.
[28] em que uma redeterminação da estrutura do cristal de L-leucina à temperatura
ambiente foi feita de modo a garantir maior acurácia nas suas posições atômicas.
A célula unitária do cristal de L-leucina é mostrada na Figura 4.1 [28], onde as
moléculas, na forma
zwitterion,
são dispostas em camadas paralelas à face
bc
da célula. Tais
camadas interagem através de pontes de hidrogênio ou ligações de hidrogênio (LH)
localizadas no centro da célula unitária. As duplas camadas ao longo do eixo
a
que separam as
células unitárias são constituídas por hidrocarbonetos, mais especificamente de grupos metil,
pertencentes ao radical da molécula de L-leucina. Portanto, a estrutura cristalina da L-leucina
possui camadas hidrofóbicas que são intercaladas por camadas hidrofílicas. A Figura 4.2
mostra quatro células unitárias adjacentes do cristal de L-leucina dispostas no plano
ac
(os
átomos de hidrogênio estão presentes no desenho).
52
FIGURA 4.1 - Célula unitária do cristal de L-leucina. As duas diferentes configurações da molécula A e B
interagem através das LH. As LH são representadas por linhas tracejadas. Os átomos de nitrogênio são
representados por esferas hachuradas enquanto os átomos de carbono por esferas brancas (os átomos de
hidrogênio foram ocultados) [28].
FIGURA 4.2 - Quatro células unitárias adjacentes do cristal de L-leucina no plano ac.
53
Outro ponto que chama atenção é o fato de existirem dois tipos independentes de
configuração ou conformação para a molécula de L-leucina quando a mesma compõe o cristal
(a Figura 4.1 mostra a relação espacial das duas conformações A e B). Antes de
apresentarmos com maiores detalhes essa curiosa e surpreendente disposição estrutural do
cristal de L-leucina, falaremos, de forma sintética, de algumas características das LH.
4.1.1 Ligações de Hidrogênio em Cristais Orgânicos
De modo geral, convencionou-se a simbologia B-H...A para a representação da
ligação de hidrogênio, onde o traço representa, mais provavelmente, uma ligação covalente,
enquanto que os pontos representam a LH. Para se ter uma idéia, a energia de ligação da ponte
de hidrogênio varia entre 2 e 10 kcal/mol, enquanto que para a ligação covalente fica em torno
de 50 a 100 kcal/mol [30]. Apesar de pequena comparada à energia de ligação da ligação
covalente, a LH desempenha papel de grande relevância na estabilidade do cristal de L-
leucina. Uma representação esquemática de uma LH envolvendo os átomos de nitrogênio,
hidrogênio e oxigênio, é apresentada na Figura 4.3.
As distância H...O pertencentes às LH são bastante sensíveis às mudanças de
natureza e vizinhança dos grupos doador e receptor, como mostra um estudo em 889 cristais
orgânicos usando difração de raios-x e nêutrons [31]. A Tabela 4.1 mostra as médias das
principais medidas envolvidas nas ligações de hidrogênio dos cristais orgânicos estudados.
Uma ligação de hidrogênio pode ser formada tanto numa mesma molécula como em
moléculas diferentes. A tendência a uma conformação linear para a LH é também observada;
a linearidade aumenta quando a distância na ligação diminui. Uma relação entre os
parâmetros listados na Tabela 4.1 pode ser feita no intuito de se realizar comparações entre a
contribuição das pontes de hidrogênio intermolecular e intramolecular. Tais parâmetros, por
exemplo, mostram que ligações intermoleculares do tipo r (H...O) são, geralmente, menores
do que às intramoleculares. Por outro lado, a mesma tabela também nos diz que as ligações
intramoleculares r (N-O) são menores que as intermoleculares correspondentes, sendo
consistente, portanto, com a tendência do ângulo α (N-H...O) ser maior para as ligações
intermoleculares do que para as intramoleculares. Quanto mais linear, mais forte a LH [31], e,
portanto, as LH intermoleculares são mais fortes do que as intramoleculares; pode-se
correlacionar, então, inversamente o ângulo α (N-H...O) à distância r (H...O). Para os cristais
de aminoácidos, em geral, o ângulo α (N-H...O) tende a se aproximar de 180
o
e a ausência de
LH intramoleculares também é observada.
54
TABELA 4.1 - Valores médios dos principais parâmetros envolvidos nas ligações de hidrogênio.
Distribuição Valor Médio
r (H. O), todas as LH 1,921(4) Å
r (H...O), intermolecular 1,913(4) Å
r (H...O), intramolecular 1,988(13) Å
r (N-O), todas as LH 2,878(3) Å
r (N-O), intermolecular 2,892(3) Å
r (N-O), intramolecular 2,755(12) Å
α (N-H...O), todas as LH 158,3(4)
o
α (N-H...O), intermolecular 161,2(3)
o
α (N-H...O), intramolecular 132,5(15)
o
r (N-H) r (H...O)
α (N-H...O)
FIGURA 4.3 - Desenho esquemático de uma ligação de hidrogênio, típica de um cristal de aminoácido
.
r (N-O)
55
Voltaremos em seguida à discussão sobre a disposição estrutural do cristal de L-
leucina; mais especificamente, trataremos das diferentes conformações da L-leucina,
conhecidas como g
auche 1
e
trans
.
4.1.2 Configurações gauche 1 e trans no cristal de L-leucina
A molécula de L-leucina, como mencionado, possui duas diferentes
conformações quando compõe a estrutura cristalina. Tais conformações estão presentes na
mesma célula unitária e são conhecidas como
gauche 1
e
trans
. Na verdade, os aminoácidos
hidrofóbicos como a L-valina, L-isoleucina e L-metionina também apresentam essa
interessante característica de possuir duas diferentes conformações na mesma célula unitária;
além de pertencerem ao mesmo grupo espacial. Na conformação
gauche 1
o átomo de
nitrogênio do grupo amina (NH
3
+
) se liga a três diferentes átomos de oxigênio do grupo
carboxílico através de LH. Por outro lado, na conformação
trans
, o nitrogênio possui quatro
ligações com diferentes átomos de oxigênios, onde um dos hidrogênios é responsável por
duas ligações simultaneamente; esse tipo de ligação é comumente chamada de ligação de
hidrogênio bifurcada (LHB). Um desenho esquemático das pontes de hidrogênio das duas
conformações é exposto na Figura 4.4, onde as distâncias r (N-O) das LH são apresentadas,
enquanto que a Tabela 4.2 expõe além dessas, as distâncias r (H...O). A ligação N(A)-
H...O(1B), por exemplo, representa a ligação do nitrogênio da molécula A (conformação
gauche 1
) e o oxigênio 1 da molécula B (conformação
trans
). A média das distâncias r (H...O)
do cristal de L-leucina, pela Tabela 4.2, é de 1,849 Å, compatível com o valor médio
apresentado na Tabela 4.1. As duas diferentes conformações da molécula de L-leucina (sem
os hidrogênios), contendo os principais ângulos e distâncias intramoleculares, são
apresentadas na Figura 4.5, enquanto que na Tabela 4.3 as coordenadas atômicas fracionárias
são mostradas.
56
TABELA 4.2 - Distância das LH no cristal de L-leucina em Å.
A-H...B A...B H...B
N(A)-H...O(1B) 2,881(9) 1,753(9)
N(A)-H...O(2A
i
) 2,885(11) 1,887(11)
N(A)-H...O(1B
ii
) 2,789(9) 1,721(9)
N(B)-H...O(1A) 2,764(9) 1,689(9)
N(B)-H...O(1A
iii
) 2,952(9) 2,104(9)*
N(B)-H...O(2A
iii
) 3,070(10) 2,027(10)*
N(B)-H...O(2B
i
) 2,842(11) 1,765(11)
Código de simetria: (i)x, -1+y, z; (ii)1-x, -1/2+y, 2-z;(iii)1-x, -1/2+y, 1-z.
* Ligação de hidrogênio bifurcada.
FIGURA 4.4 - Representação esquemática das LH presentes nas duas conformações da molécula de L-leucina.
As distância apresentadas são r (N-O).
57
FIGURA 4.5 - As duas diferentes conformação das moléculas de L-Leucina. a) Conformação gauche 1 (A)
mostrando os ângulos e distâncias intramoleculares. b) Conformação trans (B) com os respectivos ângulos e
distâncias intramoleculares.
b) L-Leucina B
a) L-Leucina A
58
TABELA 4.3 - Coordenadas atômicas fracionárias das moléculas de L-leucina A e B.
x y z
N(A) 0,5746 0,1644 0,8874
O(1A) 0,5870 0,3815 0,6389
O(2A) 0,6363 0,7426 0,7305
C(1A) 0,6184 0,5122 0,7379
C(2A) 0,6363 0,3888 0,8800
C(3A) 0,7361 0,2829 0,8979
C(4A) 0,8100 0,4853 0,9049
C(5A) 0,8073 0,6485 1,0299
C(6A) 0,9032 0,3446 0,9079
N(B) 0,4050 0,2545 0,5873
O(1B) 0,4136 0,4496 0,8471
O(2B) 0,3820 0,8350 0,7645
C(1B) 0,3861 0,6036 0,7547
C(2B) 0,3526 0,4893 0,6130
C(3B) 0,2507 0,4123 0,6130
C(4B) 0,1841 0,6283 0,6114
C(5B) 0,1781 0,7725 0,4792
C(6B) 0,0894 0,5242 0,6405
59
4.2 Modos normais de vibração do cristal de L-leucina
De posse do espectro Raman de uma substância, podemos tentar identificar cada
modo normal de vibração que o efeito Raman nos expõe. A identificação de modos
associados a importantes grupos funcionais desvenda parte do problema. Modos relacionados
às unidades CO
2
, CH
3
e NH
3
presentes na estrutura cristalina da L-leucina e em outros
aminoácidos, são relativamente fáceis de se reconhecer devido à forte regularidade de
comportamento que tais grupos funcionais apresentam nas diversas substâncias. Tais
unidades, quando livres, possuem determinadas simetrias e modos normais característicos. No
entanto, quando essas unidades estão confinadas a uma estrutura pertencente a uma rede
cristalina, seus grupos de simetria e freqüências de vibração, sofrem modificações,
especialmente nos cristais de aminoácidos, onde as pontes de hidrogênio exercem importante
influência sobre elas.
A deuteração de um aminoácido (troca de átomos de hidrogênio por átomos de
deutério) também tem papel importante na identificação dos modos normais, uma vez que o
deutério, por ter massa maior do que o hidrogênio, provoca uma diminuição nos valores de
freqüências associadas a unidades contendo este elemento como, por exemplo, a unidade
NH
3
+
. Outra ferramenta importante na identificação dos modos de vibração de um aminoácido
é a comparação do seu espectro Raman com espectros de substâncias similares estudadas e
que são geralmente mais simples. A L-leucina, por ser um aminoácido, pode ser comparada a
outros aminoácidos estudados, principalmente àqueles que possuem radical composto de
cadeia alifática como a glicina, L-alanina, L-isoleucina e L-valina.
Quando um material é submetido a perturbações externas tais como temperatura
ou pressão, importantes propriedades vibracionais podem ser obtidas quando se usa, por
exemplo, a técnica de espalhamento Raman como sonda eletromagnética. Qualquer transição
de fase que por ventura a substância apresente, poderá ser revelada por tal técnica. Os
espectros Raman de uma substância submetida a perturbações externas apresentam algumas
características principais como: 1) deslocamento no número de onda dos modos de vibração;
2) alterações nas intensidades relativas das bandas; 3) mudança na forma das bandas. A
identificação dos modos normais de vibração da substância é importante na elucidação do
mecanismo da transição, que um mapeamento das regiões onde ocorrem as mudanças
espectrais pode ser feito. Portanto, antes de expormos o estudo das propriedades vibracionais
do cristal de L-leucina sob variação da temperatura (apresentado no capítulo 5), destinamos
60
essa seção ao estudo de identificação de seus modos normais de vibração. Os modos do cristal
de L-leucina foram comparados aos modos de outros cristais de aminoácidos, especialmente à
L-isoleucina e à L-valina. Estes dois últimos aminoácidos além de serem de cadeia alifática,
ambos pertencem ao mesmo grupo de simetria, à temperatura ambiente, daquele do cristal de
L-leucina.
4.2.1 Geometrias de Espalhamento
As medidas no cristal de L-leucina foram feitas em duas diferentes geometrias de
espalhamento. Adotamos nesse trabalho a notação de Porto [32], que utiliza 4 letras dispostas
na forma a(bc)d. As letras a e b representam a direção e a polarização da radiação incidente,
respectivamente, enquanto que c e d representam, respectivamente, a polarização e a direção
da radiação espalhada. As duas geometrias de espalhamento que usamos no cristal de L-
leucina foram z(xx)z e z(yy)z (que pertencem à mesma representação irredutível A), que
nos foi possível usar o retroespalhamento. Isto acontece porque o cristal de L-leucina tem a
dimensão c muito pequena, tornando-o quase bidimensional e impossibilitando geometrias de
espalhamento do tipo x(bc)x e y(bc)y. A seguir, apresentamos os espectros Raman do cristal
de L-leucina à temperatura ambiente divididos por regiões.
4.2.2 Região 50-700 cm
-1
Nessa região, números de onda abaixo de 150 cm
-1
, geralmente são observadas
bandas que estão associadas a modos em que os átomos da célula unitária vibram como um
todo. Daí tais modos serem conhecidos por modos de rede ou ainda modos externos. A região
dos modos da rede é, portanto, de grande importância na detecção de eventuais transições de
fase estruturais.
A Figura 4.6 mostra os espectros Raman da L-leucina para as duas geometrias de
espalhamento. Logo acima de 150 cm
-1
destacamos a banda em 175 cm
-1
, pertencente às duas
geometrias de espalhamento z(xx)z e z(yy)z, que associamos à torção da unidade CO
2
-
, bem
como também as bandas em 185 e 205 cm
-1
para a geometria z(yy)z, que podem ser
associadas a torções do CH {τ(CH)} [33]. Na geometria z(xx)z as bandas em 245 e 288 cm
-1
são associadas à vibração fora do plano de torção do CH (τ(CH)) e CH
3
{τ(CH
3
)} [34],
61
respectivamente. Na L-valina, a título de comparação, a τ(CH
3
) é observada em 297 cm
-1
[35].
A banda de baixa intensidade em 332 cm
-1
é identificada com a deformação do
NCC {δ(NCC)} [9], e as bandas em 352, 406, 445 e 460 cm
-1
(todas pertencentes às duas
geometrias de espalhamento, exceto a de 445 cm
-1
, que pertence à geometria z(yy)z) são
designadas como deformação estrutural do esqueleto da molécula [34]. No entanto, em todos
os aminoácidos as torções do NH
3
+
(τ(NH
3
+
)) encontram-se nesta região espectral [36-38].
Para finalizar essa região, temos as bandas em 536 e 671 cm
-1
que possuem forte intensidade e
são associadas, respectivamente, ao
rocking
e ao
wagging
da unidade de CO
2
-
{(r(CO
2
-
) e
w(CO
2
-
)} [33, 34]. Na L-Alanina, por exemplo, o r(CO
2
-
) é observado em 532 cm
-1
[35],
100 200 300 400 500 600 700
671
671
87
460
536
406
332
175
536
460
445
405
352
345
332
288
245
205
185
175
125
110
72
87
65
Z(XX)Z
Z(YY)Z
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
L-leucina
FIGURA 4.6 - Espectros Raman do cristal de L-leucina à temperatura ambiente em duas diferentes geometrias
de espalhamento na região 50-700 cm
-1
.
62
enquanto que na L-Treonina o modo w(CO
2
-
) é observado em 714 cm
-1
[8].
O rocking
(oscilação) e o wagging (balanço) são ramificações do bending (dobramento). Tomando
como exemplo a unidade CO
2
-
, o
rocking
equivale ao movimento dos átomos de oxigênio em
fase no plano desta unidade. Quando o movimento é fora de fase a vibração é classificada
como
scissoring
(corte) assemelhando-se a uma tesoura em movimento de corte. O
wagging
equivale ao movimento dos átomos de oxigênio em fase fora do plano da unidade CO
2
-
,
enquanto que o movimento fora do plano e fora de fase é classificado como
twisting
Para fazer uma comparação do comportamento vibracional entre os aminoácidos,
apresentamos na Figura 4.7 os espectros dos cristais de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em
diversas geometrias de espalhamento para a região espectral 50-700 cm
-1
.
63
100 200 300 400 500 600
z(xx)z
δ
(CO
2
-
)
r(CO
2
-
)
τ
(NH
3
+
)
τ
(NH
3
+
)
δ
(sck.)
{
δ
(NCC)
τ
(CH
3
)
τ
(CH)
τ
(CO
2
)
Vibrações da rede
{
r(CO
2
-
)
δ
(CCC
m
)
δ
(C
α
CC
m
)
δ
(C
0
C
α
C)
δ
(NC
α
C)
δ
(NC
α
C
0
)
τ
(CH)
τ
(CO
2
-
)
Vibrações da rede
{
z(yy)z
z(xx)z
z(yy)z
L-Isoleucina / 290
L-Leucina / 290 K
z(xx)z
z(yx)z
Freqüência / (cm
-1
)
L-Valina / 300K
z(yy)z
FIGURA 4.7 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas
representações na região 25-700 cm
-1
.
64
4.2.3 Região 700-1270 cm
-1
Os espectros Raman à temperatura ambiente para as duas geometrias de
espalhamento do cristal de L-leucina são apresentados na Figura 4.8. Nessa região,
começamos por assinalar a banda em 777 cm
-1
, na geometria z(xx)z, como associada à
deformação do CO
2
-
{δ(CO
2
-
)} [34]. As bandas em 838 e 849 cm
-1
apresentam inversão de
intensidade quando as duas geometrias de espalhamento são comparadas e são atribuídas,
respectivamente, a vibrações fora do plano do CO
2
-
{γ(CO
2
-
)} e
rocking
de CH
3
{r(CH
3
)}
[33]. Na L-valina o modo γ(CO
2
-
) é observado em 825 cm
-1
. A região espectral 900-1100 cm
-1
700 800 900 1000 1100 1200
L-leucina
1240
1187
1188
1175
1177
1149
1130
1131
1082
1032
1033
1004
965
947
926
919
849
838
1083
965
947
926
919
849
838
777
Z(XX)Z
Z(YY)Z
Intensidade Raman
Freqüência / (cm
-1
)
FIGURA 4.8 - Espectros Raman do cristal de L-leucina na região 700-1270 cm
-
1
a temperatura ambiente nas
geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)x.
65
é caracterizada por bandas associadas a
stretching
de CC e CN [33, 9, 39]. As bandas em
1131, 1177 e 1188 cm
-1
, observadas em ambas as geometrias, são atribuídas ao
rocking
da
unidade NH
3
+
{r(NH
3
+
)} [9]. Na L-treonina observam-se os modos r(NH
3
+
) em 1117 e 1124
cm
-1
[8]. A banda em 1240 cm
-1
aparece somente em z(xx)z e é atribuída, por tentativa, à
torção do CH
2
{τ (CH
2
)} [33]. O gráfico comparando os espectros dos três aminoácidos nessa
região espectral pode ser visto na Figura 4.9.
66
700 800 900 1000 1100 1200
γ
(CO
2
-
)
w (CO
2
-
)
{
{
r(NH
3
+
)
δ
(CH)
γ
(CO
2
-
)
w (CO
2
)
δ
(CO
2
)
r(CH
3
)
υ
(CC)
τ
(CH
2
)
υ
(CC)
υ
(CC)
r(NH
3
+
)
υ
(CN)
υ
(CN)
δ
CO
2
-
L-Isoleucina / 297 K
L-Leucina / 290 K
z(xx)z
z(xx)z
z(yy)z
z(yy)z
z(xx)z
z(yy)z
Frequência (cm
-1
)
L-Valina / 300K
z(yx)z
FIGURA 4.9 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em
diversas representações na região 700-1270 cm
-1
67
4.2.4 Região 1280-1700 cm
-1
Na Figura 4.10 estão apresentados os dois espectros do cristal de L-leucina em
duas geometrias de espalhamento à temperatura ambiente. A maioria das bandas na região
1300-1375 cm
-1
são atribuídas a deformações da unidade CH [33, 40]. Para ambas as
geometrias de espalhamento as bandas observadas em 1391 e 1411 cm
-1
são associadas ao
dobramento simétrico do CH
3
{δ
s
(CH
3
)}, enquanto que as bandas em 1458 e 1475 cm
-1
são
1300 1350 1400 1450 1500 1550 1600 1650 1700
L-Leucina
1626
1585
1560
1516
1475
1475
1467
1467
1458
1458
1444
1441
1411
1411
1391
1390
1375
1349
1346
1365
1354
1343
1324
1324
1318
1318
1300
Z(XX)Z
Z(YY)Z
1502
1300
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
FIGURA 4.10 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em
diversas representações na região 700-1270 cm
-1
.
68
atribuídas ao dobramento assimétrico do CH
3
{δ
a
(CH
3
)}. As bandas em 1560, 1585 e 1626
cm
-1
são associadas ao stretching do CO
2
-
{ν(CO
2
-
)}. Através do gráfico comparativo da
Figura 4.11 é possível perceber comportamento similar para as três bandas atribuídas ao
ν(CO
2
-
); além da proximidade das bandas, as mesmas guardam intensidades relativas muito
semelhantes.
1300 1400 1500 1600 1700
υ
s
(CH
3
)
υ
(CH)
υ
s
(CH
3
)
υ
as
(CH
3
)
υ
(CO
2
-
)
υ
as
(CO
2
)
υ
(CN)
υ
as
(CH
3
)
z(xx)z
z(xx)z
z(yy)z
z(yy)z
L-Isoleucina / 290 K
L-Leucina / 290 K
z(yx)z
z(xx)z
Frequência (cm
-1
)
z(yy)z
L-Valina / 300K
FIGURA 4.11 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em
diversas representações na região 1280-1700 cm
-1
69
4.2.5 Região 2700-3100 cm
-1
A região de alta freqüência dos espectros Raman do cristal de L-leucina, 2700-
3100 cm
-1
, é apresentada na Figura 4.12 para duas geometrias de espalhamento. A ausência de
bandas acima de 3100 cm
-1
indica que o cristal cresceu em sua forma anidra, pois a presença
do
stretching
de OH se caracteriza por uma banda larga centrada por volta de 3400 cm
-1
.
2800 2850 2900 2950 3000 3050 3100
2971
L-leucina
2906
2899
2928
2941
2959
2971
2906
2990
2990
2900
2871
2871
2960
2939
2927
Z(XX)Z
Z(YY)Z
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
FIGURA 4.12 - Espectros Raman do cristal de L-leucina na região 2800-3100 cm
-
1
a temperatura ambiente
nas geometrias de espalhamento z(yy)z e z(xx)z.
70
De fato, no cristal de L-arginina clorohidrato monohidratado observa-se uma
banda larga centrada em ~ 3340 cm
-1
[41] e no cristal de L-histidina clorohidrato
monohidratado [42] observa-se uma banda centrada em 3400 cm
-1
, ambas associadas a
vibrações do tipo estiramento da unidade OH. As bandas contidas nessa região, geralmente,
são atribuídas à
stretchings
de CH, CH
3
e NH
3
. No entanto, sabe-se, que bandas associadas ao
stretching do grupo NH
3
possuem baixa intensidade no espectro Raman. O gráfico que
compara os espectros dos três aminoácidos é mostrado na Figura 4.13. A Tabela 4.4 apresenta
um apanhado de todas as atribuições discutidas acima.
71
2700 2800 2900 3000
υ
s
(CH
3
)
υ
(CH
2
)
υ
(CH)
υ
as
(CH
3
)
υ
s
(CH
3
)
{
υ
as
(CH
3
) ou
υ
as
(NH
3
+
)
υ
(CH)
υ
as
(CH
3
)
z(xx)z
z(yy)z
L-Isoleucina / 290 K
L-Leucina / 300K
z(xx)z
z(yy)z
z(yx)z
z(xx)z
Frequência (cm
-1
)
L-Valina / 300K
z(yy)z
FIGURA 4.13 - Espectros comparativos dos cristais de aminoácido de L-leucina, L-valina e L-isoleucina em diversas
representações na região 1800-3100 cm
-1
.
72
Raman Raman
z(xx)z z(yy)z Identificação
a
z(xx)z
z(yy)z Identificação
a
(cm
-1
) (cm
-1
) (cm
-1
)
(cm
-1
)
72 65 Modos de rede 1149 -
87 87 Modos de rede . 1177 1175 r(NH
3
+
)
- 110 Modos de rede 1187 1188 r(NH
3
+
)
125 - Modos de rede 1240 -
τ(CH
2
)
175 175
τ(CO
2
-
)
1300 1300
- 185
τ(CH)
1318 1318
- 205
τ(CH)
1346 1343
δ(CH)
245 -
γ (CH)
1354 1351
288 -
τ(CH
3
)
- 1365
332 332
δ(NCC)
- 1375
352 -
δ(esquel.)
1390 1391
δ
s
(CH
3
)
406 405
δ( esquel.)
1411 1411
δ
s
(CH
3
)
- 445
δ( esquel.) + τ(NH
3
+
)
1444 1441 -
460 460
δ( esquel.) + τ(NH
3
+
)
1458 1458
δ
a
(CH
3
)
536 536 r(CO
2
-
) 1475 1475
δ
a
(CH
3
)
671 671 w(CO
2
-
) - 1516 -
777 -
δ(CO
2
-
)
- 1560
ν(CO
2
-
)
838 838
γ (CO
2
-
)
- 1585
ν(CO
2
-
)
849 849 r(CH
3
) - 1626
ν(CO
2
-
)
919 919
ν(CC)
2871 2871
ν
s
(CH
3
)
926 926
ν(CC)
2899 2900
ν
s
(CH
3
)
947 947
ν(CC)
2906 2906
ν (CH
2
)
965 965
ν(CC)
2928 2927
ν (CH
2
)
1004 -
ν(CC)
2941 2939
ν (CH)
1032 1033
ν(CN)
2959 2960
ν (CH)
1083 1082
ν(CN)
2971 2971
ν
a
(CH
3
)
1131 1131 r(NH
3
+
) 2990 2990
ν
a
(CH
3
)
TABELA 4.4 - Identificação dos modos normais do cristal de L-leucina nas geometrias de
espalhamento z(yy)z e z(xx)z a temperatura ambiente (297 K).
73
4.3 Absorção no infravermelho do cristal de L-leucina a temperatura ambiente
Por pertencer ao grupo pontual C
2
, todos os modos da L-leucina são ativos tanto
no Raman como no infravermelho. Portanto, os modos identificados através da técnica de
espalhamento Raman são igualmente associados àqueles ativos no infravermelho. A Figura
4.14 mostra o espectro de absorção no infravermelho do cristal de L-leucina na região 400-
4000 cm
-1
à temperatura ambiente.
Algumas bandas na região em torno de 2000 e 3000 cm
-1
são visíveis somente no
infravermelho (Figura 4.14). Isso acontece porque modos correspondentes, quando
comparadas as duas técnicas, possuem intensidades diferentes. Em seguida, discute-se a
classificação desses modos.
Uma das bandas que aparecem no infravermelho é aquela em 2129 cm
-1
. Em
sais de amina primária tal banda isolada é geralmente associada a uma combinação da torção
do NH
3
+
(por volta de 480 cm
-1
) com uma deformação da mesma unidade (em torno de 1580
cm
-1
) [43]. A ausência de absorção, nessa região, do ácido p-aminofenilacético sugere a
associação desta banda à forma
zwitterion
[44]. Por outro lado, as aminas hidroclóricas, que
contém a unidade NH
3
+
em sua composição, absorvem nessa região [44].
Bandas de sais de aminas primárias compreendidas à região 2400-2800 cm
-1
são
associadas a
bendings
de NH
3
+
[43]. Pode-se então associar a banda em 2623 cm
-1
a esses
modos.
Finalmente, a banda em 3050 cm
-1
é identificada como
stretching
simétrico do
NH
3
+
em concordância tanto com um trabalho sobre nitrato de L-leucina [39] como no
conhecimento de que
stretchings
de NH
3
+
de sais de aminas primárias absorvem à região
2800-3200 cm
-1
[43, 45].
Conclui-se do exposto que a existência das bandas em torno de 2000 cm
-1
e 3000
cm
-1
podem ser de grande valor para diagnosticar a existência ou não da forma
zwitterion
nos
cristais de aminoácidos.
74
FIGURA 4.14 – Espectro de absorção no infravermelho do cristal de L-lelucina na região 450-4000 cm
-1
à temperatura ambiente.
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
12
14
16
18
20
22
3050
1558
536
669
708
769
834
847
924 e 927
944
1004
1029
1085
1146
1135
1175
1188
1240
1296
1315
1343
1362
1386
1408
1439
1454
1471
1515
1582
1610
2129
2623
2741
2873
2958
Transmitância(%)
Freqüência / cm
-1
L-leucina
75
5 CRISTAIS DE L-LEUCINA SOB VARIAÇÃO DE TEMPERATURA
5.1 Introdução
Nesta seção discute-se o efeito da temperatura no comportamento dos modos
normais de vibração de cristais de L-leucina. Sabe-se que sob variação de temperatura os
cristais, de uma forma geral, sofrem acomodações de suas moléculas. Nesta acomodação as
interações entre as moléculas são modificadas, no sentido de que as moléculas na célula
unitária modificam suas distâncias umas em relação às outras e, consequentemente, a
intensidade das forças entre elas. No caso dos cristais de aminoácidos, como a interação
básica entre as moléculas é a ligação de hidrogênio, a variação de temperatura produzirá uma
mudança nas distâncias N-H...O. Eventualmente a modificação é de tal monta que uma ou
mais ligações de hidrogênio são destruídas e a célula unitária passa a ter uma nova simetria;
em outras palavras, o cristal sofre uma transição de fase.
Para os cristais de aminoácidos muitos trabalhos existem discutindo o
comportamento vibracional e estrutural quando a temperatura destes é modificada. No que se
refere aos cristais de glicina [46], L-alanina [35, 47], L-isoleucina [33], nenhuma modificação
estrutural, a baixas temperaturas, foi observada. Acrescenta-se que existe um trabalho de
difração de raios-X efetuado em cristais de L-leucina a baixa temperatura (120 K) que
também não aponta evidências de transição de fase entre 120 e 300 K [48]. Ou seja, para estes
cristais de aminoácidos alifáticos parece que as estruturas de temperatura ambiente são
bastante estáveis.
Diferentemente, um comportamento anômalo foi observado a baixas temperaturas
quando se investigou cristais de L-valina [9] através de medidas de espalhamento Raman. Em
particular observou-se mudanças nos modos vibracionais de baixas energias ou modos da
rede. Duas bandas são observadas para números de onda até 60 cm
-1
, em 43 e em 51 cm
-1
. A
banda de menor número de onda é observada nos espectros desde a temperatura ambiente até
17 K. A banda em 51 cm
-1
diminui de intensidade e vai a zero em torno de 120 K num
experimento de resfriamento da amostra. Destaca-se que uma outra banda começa a aparecer
nos espectros Raman em ~ 120 cm
-1
no intervalo de temperatura entre 130 e 100 K
confirmando, desta forma, que realmente a estrutura do cristal se modifica a baixas
temperaturas.
76
Resumindo o comportamento dos cristais de aminoácidos alifáticos têm-se que a
glicina, a L-alanina, a L-isoleucina e a L-leucina são estáveis a baixas temperaturas enquanto
que a L-valina sofre uma transição de fase.
A questão natural a ser feita a seguir é a seguinte: qual o comportamento destes
cinco cristais (aminoácidos alifáticos) quando a temperatura é modificada para valores
superiores à temperatura ambiente? A seguir discute-se parcialmente esta questão abordando-
se o comportamento dos modos vibracionais da L-leucina a altas temperaturas.
5.2 Comportamento dos modos normais de vibração do cristal de L-leucina em função
da temperatura
Apenas um resultado incipiente de espalhamento Raman em cristal de L-leucina
era conhecido na literatura. Nele, um espectro Raman não polarizado à temperatura ambiente
e um em T = 253 K foi apresentado [40]. O mesmo trabalho relata medidas de DSC que
indicam transição de fase à temperatura de 353 K.
Nosso trabalho apresenta espectros Raman (mais especificamente usamos um
intervalo de temperatura de 10 K entre cada medida) no intervalo de temperatura 297-413 K,
que evidenciam claramente, mudanças em torno da temperatura de 353 K. A principal
característica das mudanças se relaciona com as intensidades relativas dos modos. Todas as
medidas foram feitas na geometria de espalhamento z(yy)z.
5.3 Região 1800-3100 cm
-1
A Figura 5.1 apresenta a evolução dos espectros Raman com a temperatura do
cristal de L-leucina na região 1800-3100 cm
-1
, na geometria de espalhamento z(yy)z. Como
exposto, essa região se caracteriza por apresentar, principalmente, modos relacionados à
ν(CH, CH
2
e CH
3
). Pequenas mudanças foram observadas nessa região, mas que são dignas
de menção: as bandas em 2927 e 2939 cm
-1
(indicadas por asteriscos) a temperatura ambiente,
parecem ser uma só. No entanto, a partir da temperatura de 323 K as bandas passam a ficar
cada vez mais distinguíveis, atingindo distinção mais definida à temperatura de 353 K.
Outra mudança que nos chama atenção está relacionada às bandas em 2960, 2971
e 2990 cm
-1
, que são bem distintas à temperatura ambiente. A partir de 353 K a banda em
77
2990 cm
-1
, indicada por uma seta, passa a ter baixa intensidade relativa, tornando-se um
ombro das outras mais intensas bandas (2960/2971 cm
-1
). Não somente nessa, mas, em todas
as outras regiões do espectro do cristal de L-leucina, as mudanças, na maioria das vezes,
começam a ocorrer por volta da temperatura de 323 K e culminam à temperatura de 353 K.
Estas mudanças nos espectros podem ser interpretadas como decorrentes de um processo
precursor da mudança estrutural correspondendo a uma acomodação das moléculas na célula
unitária.
Para todas as regiões dos espectros não se observou grandes mudanças nos valores
das freqüências com a variação da temperatura. A Figura 5.2 apresenta o comportamento da
freqüência dos modos em função da temperatura para a região 1800-3100 cm
-1
.
2700 2800 2900 3000 3100 3200
*
*
413 K
403 K
393 K
383 K
373 K
363 K
297 K
313 K
323 K
333 K
343 K
z(yy)z
353 K
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
FIGURA 5.1 Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de L-leucina na região 1800-3100
cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z.
78
FIGURA 5.2 - Dependência da freqüência em função da temperatura na região 1800-3100 cm
-1
do cristal de L-
leucina.
280 300 320 340 360 380 400 420
2850
2900
2950
3000
Freqüência / cm
-1
Temperatura / K
79
5.4 Região 1280-1750 cm
-1
A Figura 5.3 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina em diversas
temperaturas, na geometria de espalhamento z(yy)z. Nessa região são várias as mudanças
observadas. O primeiro aspecto se relaciona às bandas em torno de 1300 cm
-1
, em que o
dubleto 1318 e 1324 cm
-1
, indicado por um quadradado, apresenta interessante
comportamento com o aumento da temperatura: a banda em 1324 cm
-1
diminui sua
intensidade até desaparecer à temperatura de 353 K, enquanto que a banda em 1318 cm
-1
parece sofrer aumento na sua intensidade relativa; em outras palavras, o dubleto se torna
degenerado a partir da temperatura 353 K.
Observa-se também que as bandas de baixa intensidade em 1365 e 1441 cm
-1
(círculo) a partir de 393 K se tornam ombro das bandas mais intensas em 1343 e 1458 cm
-1
.
Outra observação nos espectros da Figura 5.3 refere-se à região 1550-1650 cm
-1
. A banda
observada à temperatura ambiente em 1560 cm
-1
(seta) desaparece na temperatura de 353 K.
Entre as bandas 1585 e 1626 cm
-1
ocorre inversão de intensidade quando a temperatura varia
de 297 a 413 K. Efeito similar ocorre ao cristal de L-valina em bandas de baixa freqüência a
baixas temperaturas [9] e ao cristal de L-alanina na região de baixa freqüência e altas pressões
[49]. É importante lembrar que as três bandas na região 1550-1650 cm
-1
foram identificadas
como estiramentos de CO
2
-
, implicando, portanto, no envolvimento das pontes de hidrogênio.
A dependência da freqüência com a temperatura nessa região está representada na Figura 5.4.
80
FIGURA 5.3 - Evolução dos espectros Raman do cristal de L-leucina com a temperatura na região de freqüência
1285-1750 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z.
1300 1400 1500 1600 1700
z(yy)z
413 K
403 K
393 K
383 K
373 K
353 K
363 K
343 K
323 K
333 K
313 K
297 K
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
81
FIGURA 5.4 – Comportamento da freqüência vs. temperatura do cristal de L-leucina na região espectral 1285-1750 cm
-
1
, para a geometria de espalhamento z(yy)z.
280 300 320 340 360 380 400 420
1300
1400
1500
1600
Freqüência / cm
-1
Temperatura / K
82
5.5 Região 700-1250 cm
-1
A Figura 5.5 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina na região de
freqüência 700-1250 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z. A primeira observação
que apontamos é o curioso surgimento da banda de baixa intensidade por volta de 800 cm
-1
(seta) quando a temperatura se aproxima de 353 K, pois, geralmente a intensidade das bandas
diminui com o aumento da temperatura. Esta banda ainda não foi identificada; o que será
possivelmente resolvido com a aplicação do cálculo de
ab initio
.
Digno de menção também é o dubleto
em 919 e 926 cm
-1
(asterisco), em que
ambas as bandas são distinguíveis à temperatura ambiente, mas, com o aumento da
temperatura a banda de maior freqüência desaparece quando a temperatura de 353 K é
atingida. a banda em 919 cm
-1
diminui sua intensidade, mas permanece visível em toda
faixa de temperatura. A Figura 5.6 apresenta o comportamento da freqüência com a
temperatura para a região espectral 700-1250 cm
-1
.
83
FIGURA 5.5 - Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de L-leucina para a geometria de
espalhamento z(yy)z na região 700-1250 cm
-1
.
700 800 900 1000 1100 1200
*
Intensidade Raman
297 K
313 K
323 K
333 K
343 K
413 K
403 K
393 K
383 K
373 K
363 K
353 K
z(yy)z
Freqüência / cm
-1
84
FIGURA 5.6 - Comportamento da freqüência com a temperatura do cristal de L-leucina na
região 700-1250 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z.
300 350 400
800
1000
1200
Freqüência / cm
-1
Temperatura / K
85
5.6 Região 50-700 cm
-1
A evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de L-leucina na
região 50-700 cm
-1
para a geometria de espalhamento z(yy)z são apresentados na Figura 5.7.
As bandas observadas na região 300-700 cm
-1
possuem comportamento similar, diminuindo
de intensidade com o aumento da temperatura. Por outro lado, bandas em 175, 185 e 205 cm
-1
(marcadas por três setas a temperatura ambiente) apresentam o seguinte comportamento: as
bandas em 175 e 205 cm
-1
sofrem redução da intensidade com o aumento da temperatura,
enquanto que a banda em 185 cm
-1
decresce de intensidade até desaparecer quando submetida
à temperatura de 353 K; apesar de termos identificado o modo em 185 cm
-1
como τ (CH) o
mesmo poderia ser identificado como τ (CO
2
-
). A razão de tal possibilidade se deve à
similaridade de comportamento que esse modo apresenta, quando a temperatura varia, com os
modos de estiramento do CO
2
-
.
Até aqui temos mostrado inúmeras mudanças relacionadas aos modos internos
ocorrendo em torno da temperatura 353 K. Nem sempre mudanças nos modos internos estão
associadas a mudanças estruturais; um exemplo disso é o cristal de L-alanina, onde o
splitting
do modo de torção do NH
3
+
é observado em torno de 220 K, mas que somente representa
pequenas distorções no grupo NH
3
+
, não implicando em transição de fase estrutural [50]. Por
outro lado, o cristal de taurina apresenta mudanças em bandas associadas a modos internos
(vibração da camada CSH) e que, conjuntamente com mudanças em bandas de baixa energia,
são relacionados a modificações estruturais [51].
Para se afirmar que o cristal de L-leucina sofre uma transição de fase estrutural por
volta de 353 K, se faz necessário investigar a região dos modos externos. Tal região, como já
exposto, se encontra abaixo de 150 cm
-1
. Nessa região, nos chama atenção a banda em 110
cm
-1
, marcada com uma seta. Sua intensidade é gradualmente diminuída com o aumento da
temperatura, mas, à temperatura de 353 K, a mesma apresenta intensidade praticamente igual
à zero. Tal comportamento evidencia a transição de fase estrutural do cristal de L-leucina em
353 K, confirmando assim, a correlação existente entre os modos internos e os modos de rede
para esse cristal. A relação entre freqüência e temperatura na região 300-700 cm
-1
está
representada no gráfico da Figura 5.8.
Uma interpretação possível para a ocorrência desta transição de fase é a seguinte:
na temperatura ambiente o cristal pertence a uma estrutura C
2
. Acima da temperatura de 350
86
K o cristal passaria a uma estrutura C
s
. Assim sendo, quando a temperatura do cristal fosse se
aproximando do ponto de transição um modo longitudinal ótico (LO) começaria a diminuir e
na nova fase ele deixaria de existir. Isto é o que deve estar acontecendo com os modos de
baixa energia, bem como aqueles em torno de 920 cm
-1
. A FIGURA 5.9 mostra o perfil do
cristal no plano yz (a temperaturas abaixo de 353 K) e os respectivos vetores de onda
incidente e espalhado (a geometria de espalhamento é z(yy)z). Pela conservação do momento,
k
f
= k
i
- k
s.
Como os vetores de onda incidente e espalhado estão na direção de z, os fônons
que participam do espalhamento, também propagam em z. Consultando-se a tabela de
caracteres do grupo C
2
, vê-se que somente fônons polarizados em z são permitidos. Portanto,
os modos envolvidos no espalhamento são L.O. (longitudinal ótico). Supondo uma mudança
de simetria do grupo C
2
para o grupo C
s
para temperaturas acima de 353 K, os fônons
envolvidos no espalhamento propagam na direção z, mas pela tabela de caracteres do grupo
C
s
, eles são polarizados em x e em y. Portanto, somente fônons T.O. (transversais óticos) são
envolvidos no espalhamento. Assim, a nossa sugestão é que a transição ocorra de uma
estrutura C
2
para uma estrutura C
s
.
De acordo com a disposição espacial das moléculas de L-leucina no cristal, em
camadas interligadas de um lado pelas LH e por outro pelos grupos metil [28], acreditamos
que haja o rompimento de uma das três LH que envolve o átomo de nitrogênio e três outras
moléculas de L-leucina. Mas a verdadeira compreensão do mecanismo das mudanças será
evidenciada através de outras técnicas como difração de raios-x e difração de nêutrons.
Para finalizar esta seção ressaltamos um ponto em favor de se investigar o
comportamento das LH baseado nos efeitos que a temperatura ou a pressão exercem sobre o
modo de torção do grupo NH
3
+
. É possível que, no cristal de L-leucina, a região de freqüência
entre as bandas 460 e 536 cm
-1
contenha vestígios do modo τ(NH
3
+
), Figura 5.7. Seria
interessante realizar medidas de espalhamento Raman a temperaturas abaixo da ambiente
para se estudar, por exemplo, o comportamento da largura de linha com a temperatura. Os
cristais de aminoácidos L-alanina [52] e L-asparagina monohidratada [53], por exemplo,
apresentam dependência linear para baixas temperaturas e dependência não-linear para altas
temperaturas na relação entre largura de linha e temperatura para o modo τ(NH
3
+
).
87
FIGURA 5.7 - Evolução dos espectros Raman com a temperatura do cristal de L-leucina na geometria de
espalhamento z(yy)z na região de freqüência 50-700 cm
-1
.
100 200 300 400 500 600 700
z(yy)z
403 K
393 K
383 K
373 K
363 K
413 K
313 K
323 k
333 K
343 K
297 K
353 K
Intensidade Raman
Freqüência / cm
-1
88
FIGURA 5.8 - Comportamento da freqüência com a temperatura do cristal de L-leucina para a geometria de
espalhamento z(yy)z na região de freqüência 50-700 cm
-1
.
300 320 340 360 380 400 420
300
400
500
600
Freqüência / cm
-1
Temperatura / K
89
FIGURA 5.9 Perfil do cristal de L-leucina no plano yz evidenciando a participação de fônons L.O. abaixo da
temperatura de transição de fase (353 K) e fônons T.O. acima da mesma temperatura de transição.
y
k
i
k
s
k
i
k
s
k
f
y
z
z
k
f
L.O
T.O.
90
6 ESPALHAMENTO RAMAN EM CRISTAIS DE L-LEUCINA A ALTAS PRESSÕES
6.1 Introdução
Nos últimos anos tem havido um grande interesse no efeito da pressão em sistemas
orgânicos e em proteínas [49, 54-60]. As razões para este interesse são diversas. Sabe-se, por
exemplo, que a pressão é uma técnica interessante para ser utilizada na conservação de
alimentos, bem como existe um crescente interesse em sistemas vivos que vivem em
ambientes com condições extremas, como é o caso de bactérias encontradas em fossas
abissais, a vários quilômetros de profundidade no fundo do mar.
Entre os sistemas orgânicos investigados sob altas pressões certamente um dos que
despertam maiores interesses, seja pela relativa simplicidade da molécula (quando comparado
a outras moléculas orgânicas) seja pelo apelo científico (uma vez que são as unidades básicas
das proteínas), estão os aminoácidos. Alguns dos cristais de aminoácidos estudados sob
pressão são a glicina e os seus cinco diferentes polimorfos [54-57], a L-alanina [49], a L-
asparagina monohidratada 58], a L-serina [59] e a L-cisteina [60].
A glicina é um caso particularmente interessante. A partir de solução aquosa da
glicina obtêm-se a forma α. De uma solução aquosa ácida obtêm-se a forma γ e de uma
solução com água e etanol obtêm-se a forma monoclínica β da glicina. À temperatura
ambiente, enquanto a forma α é estável até 23 GPa, a forma β apresenta uma transição de fase
em 0,76 GPa [54, 61]. Por outro lado, estudando-se o efeito da pressão numa mistura das
formas α e γ, observa-se que as linhas do difratograma associadas à forma γ desaparecem em
torno de 4,0 GPa [55].
Uma fase δ da glicina é obtida da β-glicina quando esta última é comprimida entre
0 e 0,8 GPa [57]. Um aspecto particularmente interessante nesta transição é que a pressão
aumenta fortemente a densidade da amostra, ocorrendo também um aumento no número de
ligações de hidrogênio CH...O [57]. Partindo-se da fase γ da glicina e submetendo-se a
amostra a condições de altas pressões hidrostáticas observa-se uma transição de fase estrutural
na pressão de 1,9 GPa [57]; a nova fase é denominada de fase ε.
No que se refere a L-alanina, o aminoácido quiral mais simples, o quadro é menos
complexo do que aquele apresentado para a glicina. De fato estudos de espalhamento de luz
indicam que a L-alanina sofre uma transição de fase em torno de 2,2 GPa [49]. Esta transição
de fase foi confirmada recentemente por medidas de difração de raios-X utilizando-se luz
91
síncrontron [62]. Segundo estas últimas medidas o cristal de L-alanina passaria de uma fase
estrutural ortorrômbica para uma estrutura monoclínica e, acima de 9 GPa, ele iria para uma
estrutura tetragonal.
O cristal de L-asparagina monohidratado também apresenta diversas mudanças
estruturais quando ele é submetido a condições de altas pressões. Pressões nas quais o
material apresenta modificações estruturais são relativamente baixa quando se olha as
potencialidades das células de pressão a extremos de diamantes, onde valores de dezenas de
GPa são conseguidos até com uma certa facilidade. No material discutido neste parágrafo as
pressões nas quais ele modifica de estrutura são: (i) 0 a 0,1 GPa; (ii) 0,2 a 0,6 GPa; (iii) 0,9 a
1,3 GPa [49]. Em todos estes três intervalos de pressão verifica-se nos espectros Raman
mudanças claras e indiscutíveis, em particular na região de baixo número de onda onde são
observados os modos externos. Modificações nos modos externos, ou modos de rede, como
visto no capítulo anterior, significa mudança de simetria da célula unitária. Estas mudanças
ocorrem porque ao aumentar-se a pressão ocorre um encurtamento das ligações de hidrogênio
da estrutura, obrigando a mesma a adaptar-se a uma nova configuração.
Vale destacar que também foi observada mudança estrutural no cristal de L-
treonina entre 2 e 2,2 GPa quando o material é estudado por espalhamento Raman numa
célula a extremos de diamante. Os resultados apontam para uma possível segunda transição de
fase sofrida pela L-treonona numa pressão de cerca de 3 GPa [63]. Estas mudanças estruturais
foram identificadas pelo aparecimento de novas linhas nos espectros Raman, pela
descontinuidade das curvas dν/dP e por mudanças nas intensidades relativas de bandas
associadas a ligações de hidrogênio. Acredita-se que o mecanismo da transição esteja ligado
ao encurtamento das pontes de hidrogênio como acontece com o cristal de L-asparagina
monohidratada.
Do panorama desenhado acima observa-se que os cristais de aminoácidos mesmo
submetidos a baixas pressões sofrem mudanças estruturais facilmente identificáveis pela
técnica de espalhamento Raman (a exceção, nos vários materiais anteriormente descritos, é a
glicina na sua fase α, que é estável até cerca de 23 GPa). Isto sugere que submetendo o cristal
de L-leucina a altas pressões seja possível descobrir-se novos polimorfos em valores que
possamos atingir com as células de pressão a extremos de diamantes existentes em nossos
laboratórios. Na próxima seção discutimos os resultados de espalhamento Raman em cristais
de L-leucina até a pressão de aproximadamente 6 GPa.
92
6.2 Resultados
A Fig. 6.1 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
freqüência entre 2750 e 3150 cm
-1
para diversos valores de pressão. Nesta região, como visto
anteriormente, espera-se observar os modos de estiramentos dos grupos CH, CH
3
e NH
3
. A
amostra utilizada nas medidas também é anídrica, como o foram as amostras utilizadas nas
medidas de Raman à temperatura ambiente e nas medidas a altas temperaturas. Este fato pode
ser inferido pela ausência de uma banda larga em torno de 3400 cm
-1
característico de
moléculas de água estrutural.
Nos experimentos realizados neste trabalho conseguiu-se pressões de até 5,4 GPa.
Aumentando-se a pressão entre 0 e 0,46 GPa observam-se diversas mudanças nos espectros
Raman. Em primeiro lugar observa-se uma mudança nas intensidades relativas de
praticamente todas as bandas. Entretanto, este não é o efeito mais pronunciado verificado com
o aumento da pressão até 0,46 GPa. De fato, observa-se que no espectro de 0,46 GPa aparece
uma nova banda marcada por uma seta na Fig. 6.1. O aparecimento desta banda pode estar
associado a uma transição de fase estrutural e esta possibilidade será discutida mais adiante de
uma forma mais aprofundada.
Entre 0,80 e 1,46 GPa, além de um claro
blue shift
(deslocamento das bandas para
freqüências mais altas) das freqüências de todas as bandas também se verifica o seguinte fato:
a quantidade de bandas que aparece no espectro em 0,80 GPa é inferior àquela que aparece no
espectro de 1,46 GPa. Isto pode ser melhor entendido pela análise apresentada na Figura 6.2
onde o gráfico das freqüências dos modos que aparecem nesta região espectral em função da
pressão é apresentado. Tal fato também sugere fortemente que uma transição de fase
estrutural esteja acontecendo entre estes dois valores de pressão (0,80 e 1,46 GPa). Acima de
1,46 GPa não são observadas mais grandes mudanças nos espectros Raman até as mais altas
pressões atingidas neste trabalho. Quando a pressão é baixada novamente para a pressão
ambiente (espectro superior, denotado por 0
*
GPa) observa-se que o espectro obtido é
qualitativamente semelhante ao espectro da pressão ambiente original (espectro na base da
figura). Isto significa que após sofrer as duas transições de fase o cristal recupera sua fase
monoclínica original. Ressalta-se também o desaparecimento daquela banda, que surgiu à
pressão 0,46 GPa, para pressões acima de 4 GPa, indicando uma possível transição de fase.
93
FIGURA 6.1 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de freqüência entre2750 e 3150 cm
-1
para
diversos valores de pressão
2800 2900 3000 3100
Intensidade Raman
*
*
*
Freqüência / cm
-1
0*
5.15
4.05
2.83
1.46
0.80
0.46
0
94
0 1 2 3 4 5 6
2850
2900
2950
3000
3050
Freqüência / cm
-1
Preso / GPa
FI
GURA 6.2 - Comportamento da freqüência com a pressão para os modos de vibração do cristal de L-leucina na
região entre 2820 e 3070 cm
-1
. A freqüência da nova banda que aparece no espectro Raman entre 0 e 0,46 GPa
está marcada por uma seta (veja-se a nova banda marcada também por uma seta na Figura 6.1)
95
A Fig. 6.3 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina com a pressão (0-
5,40 GPa) na região espectral 1370-1750 cm
-1
. As bandas compreendidas entre 1400 e 1500
cm
-1
são associadas ao
bending
simétrico e assimétrico do CH
3
. Todos os modos, de uma
forma geral, têm suas freqüências aumentadas com o aumento da pressão. No entanto, alguns
aspectos se destacam na evolução dos espectros Raman. O primeiro aspecto é que entre 0 e
0,46 GPa a banda larga centrada em aproximadamente 1420 cm
-1
é separada em duas outras e
esta novas bandas perdem bastante intensidade. O segundo aspecto relacionado a mudanças
entre os espectros de 0 e 0,46 GPa é que a banda em aproximadamente 1625 cm
-1
sofre um
red shift
(deslocamento das bandas para freqüência mais baixas) de vários cm
-1
. Estas duas
mudanças no intervalo 0 0,46 GPa acontece exatamente no intervalo de pressão onde nos
espectros de altas freqüências havíamos cogitado a ocorrência de uma transição de fase.
Entre 0,80 e 1,46 cm
-1
observa-se também algumas modificações nos espectros. A
primeira é uma mudança de intensidade relativa entre as duas bandas mais intensas nesta
região espectral. A segunda mudança é a grande diminuição de intensidade da banda larga
centrada em aproximadamente 1625 cm
-1
. Novamente estas mudanças acontecem no mesmo
intervalo de pressão onde através dos resultados apresentados na Fig. 6.1 acredita-se estar
ocorrendo uma segunda transição de fase para o cristal de L-leucina.
96
FIGURA 6.3 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de freqüência entre1350 e 1750 cm
-
1
para
diversos valores de pressão.
1400 1500 1600 1700
Intensidade Raman
0*
5,15
4,05
2,83
1,46
0,80
0,46
Freqüência / cm
-1
0
*
97
A Fig. 6.4 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina com a pressão (0
5,40 GPa) na região espectral 730-1280 cm
-1
. Nesta região espectral, assim como na região
dos modos de estiramentos das unidades CH e CH
3
, aparecem diversos modos que sofrem
grandes modificações com o aumento da pressão hidrostática ao qual o cristal é submetido.
Observemos o que acontece entre 0 e 0,46 GPa. Primeiramente, observa-se uma grande
variação na intensidade de todos os picos. Em segundo lugar uma nova banda, de baixa
intensidade aparece em torno de 885 cm
-1
. Em terceiro lugar, observa-se que uma banda em
aproximadamente 1015 cm
-1
, de baixa intensidade, dá lugar a uma banda relativamente
intensa em torno de 1020 cm
-1
. Observa-se, finalmente, que duas bandas em torno de 1180
cm
-1
praticamente ficam com intensidade nula quando a pressão de 0,46 GPa é atingida. A
partir deste quadro de indiscutíveis mudanças chega-se também à conclusão de que mudanças
estruturais devem estar ocorrendo no cristal de L-leucina no intervalo de pressão apresentado,
ficando a análise completamente coerente com a análise realizada com os espectros
apresentados de outros intervalos de número de onda (Figuras 6.1 e 6.3)..
Entre 0,80 e 1,46 GPa drásticas mudanças no espectro Raman do cristal de L-
leucina também são verificadas no intervalo espectral entre 730 e 1280 cm
-1
. A primeira
grande modificação é que as bandas em 838 e 849 cm
-1
, identificadas por γ (CO
2
-
) e r(CH
3
),
sofrem uma nova modificação de intensidade. A segunda modificação é que uma nova banda
de alta intensidade aparece em aproximadamente 810 cm
-1
. Observa-se ainda um alargamento
da banda em 1020 cm
-1
. Tal conjunto de modificações está associado a uma segunda transição
de fase sofrida pelo cristal de L-leucina no intervalo de pressão 0,80 e 1,46 GPa.
A Figura 6.5 apresenta um gráfico do comportamento da freqüência dos picos que
aparecem no espectro Raman da L-leucina em função da pressão na região espectral entre 740
e 1300 cm
-1
. Nesta figura destacam-se o aparecimento de uma banda entre 0 e 0,46 GPa, cujas
freqüências estão representadas por estrelas, e o aparecimento de uma segunda banda entre
0,80 e 1,46 GPa, cujas freqüências estão representadas por uma quadrado.
A Fig. 6.6 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina com a pressão (0
5,40 GPa) na região espectral entre 230 e 740 cm
-1
. Novamente, como nas outras regiões
espectrais analisadas entre 0 e 0,46 GPa ocorrem diversas modificações nos espectros Raman
do cristal. Em primeiro lugar, todas as bandas perdem intensidade: observe-se, por exemplo, a
banda em 671 cm
-1
no espectro de pressão ambiente, que em 0,46 GPa praticamente não é
mais visível. Até a banda associada à vibração do tipo
rocking
do CO
2
-
, que é a mais intensa
nesta região em P = 0 GPa, perde bastante intensidade quando atinge a pressão de 0,46 GPa.
98
Entretanto, o aparecimento de novas bandas, como ocorre nas outras três regiões espectrais
analisadas, não é verificado.
Entre 0,80 e 1,46 GPa, por outro lado, claríssimas modificações são observadas.
Digno de particular atenção é o aparecimento da banda em 494 cm
-1
(asterisco) à pressão de
1,46 GPa. Tal banda tem número de onda aumentado e intensidade diminuída com o aumento
da pressão. Uma outra banda (outro asterisco) também aparece no espectro da pressão de 1,46
GPa com uma freqüência em torno de 640 cm
-1
. Estas modificações foram associadas à
segunda transição de fase sofrida pela L-leucina entre 0,80 e 1,46 GPa.
Um ponto ainda merece atenção na Fig. 6.6. Ele diz respeito ao modo torsinoal do
NH
3
, τ(NH
3
). De acordo com uma identificação anterior a banda em 460 cm
-1
é assinalada
como τ(NH
3
) + δ(skel.), ou seja, elas são aproximadamente degeneradas. Observe-se que com
o aumento da pressão a degenerescência é quebrada: no espectro de 0.8 GPa, como
comentado anteriormente, três bandas são observadas enquanto que no espectro de 0 GPa
apenas duas bandas são visíveis. De qualquer forma dω/dP é positivo para todas as bandas,
incluindo-se aí a banda associada ao τ(NH
3
).
Recentemente foi investigada a influência da alta pressão nos modos torsionais da
L-alanina, L-treonina e taurina [64]. Deste trabalho foi observado que para a L-treonina e para
a taurina o aumento da pressão produz um aumento da freqüência da banda associada ao
τ(NH
3
), enquanto que para a L-alanina uma diminuição da freqüência é verificada. Estas
diferenças foram explicadas em termos do comprimento da ligação de hidrogênio para estas
estruturas cristalinas. Para a L-treonina e a taurina as distâncias médias N O são 2.86 Å
[65]
e 2.90 Å
[66], respectivamente. O efeito da pressão nestes dois cristais é diminuir o
comprimento das ligações de hidrogênio. Por outro lado, para a L-alanina [67], a distância
média N O é 2.83 Å. Assim, o efeito da pressão neste último material seria distorcer as
ligações de hidrogênio, tirando de uma mesma linha reta os átomos de N, H e O. Para o cristal
de L-leucina, o trabalho da Ref. [28] mostra que a distância intermolecular media N- O é 2.88
Å; o grande comprimento da ligação de hidrogênio no cristal de L-leucina explica porque a
freqüência do modo τ(NH
3
) possui um valor positivo para dω/dP seguindo a mesma tendência
da L-treonina e L-taurina.
Ainda na Figura 6.6 destaca-se o aparecimento da banda por volta de 714 cm
-1
(asterisco) quando a pressão de 4,05 GPa é atingida. Tal banda pode estar relacionada com a
unidade CO
2
-
. O surgimento desta banda pode estar indicando uma transição de fase no
cristal.
99
FIGURA 6.4 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de freqüência entre 70 e 250 cm
-1
para
diversos valores de pressão (em GPa).
800 900 1000 1100 1200
Intensidade Raman
0*
5,40
4,05
2,83
1,46
0,80
0,46
Freqüência / cm
-1
0
*
100
0 1 2 3 4 5
800
900
1000
1100
1200
1300
Freqüência / cm
-1
Pressão / GPa
FIGURA 6.5 Comportamento da freqüência com a pressão para modos de vibração do cristal de L-leucina na
região entre 740 e 1300 cm
-1
.
101
300 400 500 600 700
Intensidade Raman
*
*
*
0*
5,15
4,05
2,83
1,46
0,80
0,46
Freqüência / cm
-1
0
FIGURA 6.6 - Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de freqüência entre 230 e 740 cm
-1
para
diversos valores de pressão (em GPa).
102
A Figura 6.7 apresenta um gráfico do comportamento da freqüência dos picosfque
aparecem no espectro Raman da L-leucina em função da pressão na região espectral entre 320
e 700 cm
-1
. Nesta figura destacam-se o aparecimento de duas bandas entre 0,86 e 1,46 GPa,
cujas freqüências estão representadas por estrelas (no espectro da Figura 6.7 as bandas estão
representadas por asteriscos). A região delimitada por uma elipse possui certa imprecisão (se
dois ou três picos) devido à baixa intensidade das bandas naquela região de pressão. De
qualquer forma, o ponto de destaque na figura é exatamente o aparecimento duas bandas na
segunda transição de fase. Ainda na Figura 6.7 o surgimento da banda em 714 cm
-1
é também
evidenciado (estrelas). Nesta região (230-740 cm
-1
), os espectros de pressões acima de 4 GPa
nos chama atenção tanto devido ao surgimento da banda em 714 cm
-1
quanto à mudança na
inclinação das curvas dω/dP (Figura 6.7) de alguns modo em relação à pressões inferiores a 4
GPa. Tais mudanças podem indicar uma nova transição de fase para pressões acima de 4 GPa.
103
FIGURA 6.7 Comportamento da freqüência com a pressão para modos de vibração do cristal de L-leucina na
região entre 320 e 700 cm
-1
.
0 1 2 3 4 5
400
500
600
700
Freqüência / cm
-1
Preso / GPa
104
A Fig. 6.8 apresenta os espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de
pressão (0 5,04 GPa) na região espectral entre 70 e 250 cm
-1
. Os modos marcados por A, B,
C, D, E e F correspondem às freqüências de 72, 87, 110, 125, 141 e 175 cm
-1
,
respectivamente. Esta região é aquela que pode confirmar com mais precisão a existência das
transições de fases já sugeridas nos parágrafos anteriores.
Assim, vejamos inicialmente o espectro tomado à pressão atmosférica (P = 0 GPa).
As bandas A-E estão associadas a modos da rede, enquanto que a banda F, que podem ser
decomposta em dois picos, está associada às vibrações de torção CO
2
-
e CH, conforme
classificação fornecida na Tab. 4.4. O que se observa nos espectros entre 0 e 0,46 GPa é o
seguinte: (i) grande diminuição da intensidade das bandas A (modo da rede) e F (modos
torsionais); (ii) por outro lado, a banda B, que também está associada a modo da rede,
aumenta sua intensidade relativa em relação às bandas A e C. (iii) a banda D aparece no
espectro de 0,46 GPa apenas como um ombro da banda C; (iv) a mudança mais importante: o
desaparecimento da banda E. Tal conjunto de modificações espectrais, juntamente com todas
as outras modificações comentadas nos espectros das Figs. 6.1 a 6.7 abrangendo todos os
modos internos do material nos levam a concluir com segurança que entre 0 e 0,46 GPa o
cristal de L-leucina sofre
uma transição de fase estrutural
.
A análise agora, diz respeito ao que foi observado entre os espectros de 0,80 e 1,46
GPa. Novamente os resultados obtidos através de espectroscopia Raman não deixam margens
para dúvidas. Vejamos: (i) a banda D, que é bem visível no espectro de 0,80 GPa desaparece
no espectro tomado em 1,46 GPa. Observe-se que em torno de 150 cm
-1
uma banda
bastante fraca no espectro de 1,46 GPa, que poderia ser a banda D após sofrer uma grande
descontinuidade de freqüência. De uma forma ou de outra (a banda D desaparecendo ou
sofrendo uma grande descontinuidade em sua freqüência) o fato pode ser explicado como
sendo devido a uma transição de fase estrutural experimentada pelo material. Observe-se,
como segundo ponto de relevância, a grande diminuição de intensidade da banda associada
aos modos torsionais. Finalmente, outro pondo de grande destaque é o aparecimento de uma
banda larga onde anteriormente havia a banda B. Todo este conjunto de modificações nos
espectros Raman na região de baixa energia e mais todas aquelas modificações observadas
nos espectros Raman na região dos modos internos do cristal de L-leucina nos leva a concluir,
novamente, que entre 0,80 e 1,46 GPa o referido cristal sofre
uma segunda transição de fase
estrutural
. Após a pressão chegar aum valor máximo de 5,40 GPa, retornando-se a pressão
atmosférica, observa-se que os espectros são recuperados, com uma pequena diferença de
intensidade apenas na banda B. Tal fato confirma aquilo verificado em outras regiões dos
105
espectros Raman da L-leucina, qual seja, que a fase original monoclínica é recuperada quando
se retorna às condições de pressão atmosférica.
FIGURA 6.8 Espectros Raman do cristal de L-leucina no intervalo de freqüência entre 70 e 250 cm
-1
para
diversos valores de pressão (em GPa).
100 150 200 250
Intensidade Raman
0*
5,15
4,05
2,83
1,46
0,80
0,46
Freqüência / cm
-1
0
A
B
C
D
E
F
106
Concluímos, portanto, este capítulo com a constatação de que o cristal de L-
leucina sofre duas transições de fase estruturais reversíveis entre 0 e 5,4 GPa. A primeira
transição de fase está envolvendo unidades CH e CH
3
, como pode ser visto principalmente
pelo aparecimento de uma banda na região de alta energia onde estão localizadas as bandas
associadas aos modos de estiramentos daquelas unidades. Esta transição também deve
envolver, de certa forma, partes da molécula da L-leucina envolvidas nas ligações de
hidrogênio. Veja-se, por exemplo, o grande alargamento da banda associada à torção do CO
2
-
(Figura 6.8) durante a transição de fase. Os resultados ainda sugerem que a transição 0 0,46
GPa leve o cristal de L-leucina para uma estrutura bastante diferente da estrutura original,
uma vez que uma nova banda está surgindo numa região onde normalmente ocorrem, no
máximo, desvios de freqüências das bandas; este fato pode ser verificado, por exemplo, num
dos polimorfos da glicina [68]. Quanto a segunda transição de fase, entre 0,80 e 1,46 GPa, ela
também é absolutamente clara: desaparecimento de modos de rede, surgimento de vários
modos internos e separação de modos de alta energia. Por conta dessas mudanças não é trivial
explicar o mecanismo exato da transição de fase. Certamente envolvimento das unidades
CH e CH
3
, por causa da separação da banda na região de altas freqüências. Também, é
razoável supor que as ligações de hidrogênio estejam envolvidas nesta transição; a banda
associada ao modo de torção do CO
2
-
praticamente tem sua intensidade indo a zero e abanda
relacionada com a vibração do tipo
rocking
do CO
2
-
, que é muito intensa, também possui sua
intensidade bastante diminuída. É possível que também ocorra uma transição de fase para
pressões acima de 4 GPa. Embora não exista evidência associada aos modos externos, a
mudança de inclinação de curvas dω/dP de alguns modos, bem como o aparecimento da
banda em 714 cm
-1
, podem representar indícios desta nova eventual transição de fase. Uma
melhor visão sobre as transformações na célula unitária do cristal de L-leucina certamente
passará pelo estudo de alguma medidas de levantamento de estrutura como a difração de
raios-X ou mesmo o espalhamento de nêutrons.
107
7 Conclusões e perspectivas
Foi apresentado nesta Tese um estudo dos modos normais de vibração do cristal de
um dos aminoácidos essenciais, a L-leucina. Através das técnicas de espalhamento Raman e
de absorção no infravermelho foi possível fazer uma identificação tentativa dos modos
normais de vibração do cristal. Para as medidas de espalhamento Raman, duas diferentes
geometrias de espalhamento foram utilizadas, sendo a identificação realizada baseadas em
trabalhos publicados em outros cristais de aminoácidos. Particularmente interessante foi um
estudo comparativo entre os espectros Raman dos aminoácidos hidrofóbicos L-leucina, L-
isoleucina e L-valina.
Estudos sobre o comportamento dos modos normais do cristal foram reslizados
quando o mesmo foi submetido a altas temperaturas. À temperatura ambiente a L-leucina
cristaliza-se numa estrutura monoclínica C
2
2
com quatro moléculas por célula unitária. A
análise do comportamento dos modos normais do cristal no intervalo de temperatura 290
413 K apresentou mudanças nas intensidades relativas de bandas relacionadas a modos
internos, como aqueles por volta de 800 e 920 cm
-1
, que dão indícios de uma transição de fase
em 353 K. A confirmação da transição de fase estrutural se com o desaparecimento do
modo de rede em 110 cm
-1
no mesmo valor de temperatura. Provavelmente a mudança da
estrutura leva de um grupo de pontual C
2
para um grupo C
s
, o que permitiria o entendimento
do desaparecimento de modos LO existentes abaixo da temperatura de transição após a
transição de fase.
Estudos de espalhamento Raman com a pressão hidrostática foram igualmente
bastante reveladores. Verificou-se que o cristalde L-leucina sofre duas transições de fase
estrutural entre 0 e 5,4 GPa. A primeira transição de fase está envolvendo unidades CH e CH
3
,
bem como partes da molécula da L-leucina relacionadas às ligações de hidrogênio. Os
resultados sugerem ainda que a transição 0 0,46 GPa leve o cristal de L-leucina para uma
estrutura bastante diferente da estrutura original, uma vez que uma nova banda está surgindo
numa região onde normalmente ocorrem, no máximo, desvios de freqüências dos modos.
Quanto a segunda transição de fase, entre 0,80 e 1,46 GPa, observou-se o desaparecimento de
modos da rede, surgimento de vários modos internos e separação de modos de alta energia.
Novamente, espera-se a ocorrência do envolvimento das unidades CH e CH
3
, por causa da
separação da banda na região de altas freqüências. Também, é razoável supor que as ligações
de hidrogênio estejam envolvidas nesta transição. índicos de uma terceira transição a
108
pressões acima de 4 GPa. A mudança de inclinação das curvas dω / dP de alguns modos
normais podem está associadas a esta provável transição, embora nenhuma evidência
relacionada aos modos de rede possa atestar tal transição.
Como perspectivas de trabalhos futuros podemos citar:
(i) Estudos de cálculo do tipo
ab initio
, para se proceder a uma identificação mais
precidsa dos modos normais de vibração do cristal;
(ii) O estudo dos modos de vibração a baixas temperaturas, com o objetivo de se
comparar o comportamento da L-leucina com a L-alanina e a L-isoleucina (que não
apresentam mudanças em baixas temperaturas) e com a L-valina (que não apresenta uma
mudança estrutural para T < 300 K);
(iii) Um estudo através de medidas de difração de raios-X ou mesmo por
espalhamento de nêutrons para se determinas a estrutura das novas fases descobertas neste
trabalho para a L-leucina.
109
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