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IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE
DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
_____________________________________________________________________________________________
REGIMES DE APROPRIABILIDADE DA
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E
COMPETITIVIDADE
Nota Técnica Temática do Bloco
"Determinantes de Natureza Regulatória da Competitividade"
O conteúdo deste documento é de
exclusiva responsabilidade da equipe
técnica do Consórcio. Não representa a
opinião do Governo Federal.
Campinas, 1993
Documento elaborado pela consultora Maria Tereza Leopardi Mello (Pesquisadora do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia -
NEIT do Instituto de Economia/UNICAMP).
A Comissão de Coordenação - formada por Luciano G. Coutinho (IE/UNICAMP), João Carlos Ferraz (IEI/UFRJ), Abílio dos Santos
(FDC) e Pedro da Motta Veiga (FUNCEX) - considera que o conteúdo deste documento está coerente com o Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira (ECIB), incorpora contribuições obtidas nos workshops e servirá como subsídio para as Notas Técnicas Finais de síntese do Estudo.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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CONSÓRCIO
Comissão de Coordenação
INSTITUTO DE ECONOMIA/UNICAMP
INSTITUTO DE ECONOMIA INDUSTRIAL/UFRJ
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO EXTERIOR
Instituições Associadas
SCIENCE POLICY RESEARCH UNIT - SPRU/SUSSEX UNIVERSITY
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - IEDI
NÚCLEO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NACIT/UFBA
DEPARTAMENTO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - IG/UNICAMP
INSTITUTO EQUATORIAL DE CULTURA CONTEMPORÂNEA
Instituições Subcontratadas
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA - IBOPE
ERNST & YOUNG, SOTEC
COOPERS & LYBRAND BIEDERMANN, BORDASCH
Instituição Gestora
FUNDAÇÃO ECONOMIA DE CAMPINAS - FECAMP
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EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)
João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)
Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)
Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)
Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)
Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)
Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)
João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)
Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)
David Kupfer (UFRJ-IEI)
Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)
Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)
Contratado por:
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
COMISSÃO DE SUPERVISÃO
O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:
João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)
Lourival Carmo Mônaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)
Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)
Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)
Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)
Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)
Eduardo Gondim de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)
Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)
Guilherme Emrich (BIOBRÁS) Renato Kasinsky (COFAP)
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José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)
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SUM`RIO
RESUMO EXECUTIVO .......................................... 1
INTRODUÇÃO ................................................ 21
1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS .............................. 25
2. PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO BRASIL: DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO
ATUAL .................................................. 29
2.1. A Regulação da Propriedade Industrial: Situação
Atual e Propostas de Alteração .................... 29
2.1.1. As modificações na Lei de Patentes ......... 31
2.1.2. A criação dos direitos de melhorista ....... 35
2.2. A Propriedade Intelectual na Indústria de Sementes
e de Química Fina ................................. 38
2.2.1. Proteção aos cultivares e patentes na indús-
tria de sementes melhoradas ................ 39
2.2.2. Importância do sistema patentário para quími-
ca fina .................................... 46
3. CONCLUSÕES E PROPOSIÇÕES ............................... 58
3.1. Considerações Finais .............................. 58
3.2. Proposições ....................................... 67
4. INDICADORES ............................................ 70
ANEXO 1 ................................................... 71
ANEXO 2 ................................................... 72
BIBLIOGRAFIA .............................................. 73
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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RESUMO EXECUTIVO
INTRODU˙ˆO
O sistema brasileiro de propriedade industrial está em vias
de ser substancialmente modificado no sentido de ampliar o seu
alcance para novas áreas e reforçar os direitos a serem
conferidos pela legislação. Essa mudança se verifica em várias
propostas de lei que estão sendo debatidas atualmente: o Projeto
de Lei nº 824 enviado ao Congresso em abril de 1991 que propõe
modificações na atual legislação de patentes e marcas; uma
proposta de Lei específica para proteção aos novos cultivares,
criando um direito até agora inexistente na nossa legislação - o
direito de exclusividade sobre comercialização de novas
variedades de plantas geneticamente melhoradas -; e, ainda,
propostas para modificação da lei de softwares, e para criação de
legislação específica para proteção de topografias de circuitos
integrados.
O debate em torno da mudança legal tem sido polarizado: de
uma parte, organizações não-governamentais e alguns setores da
indústria nacional criticam fortemente o reforço dos direitos de
patente que repercutiria em maior concentração dos mercados e
aumento de preços, ou ainda em prejuízo a empresas brasileiras
com estratégias baseadas na cópia.
De outro lado, algumas empresas multinacionais (sobretudo
farmacêuticas), respaldadas pela ameaça de retaliação comercial
do governo dos EUA, pressionam por uma rápida mudança
legislativa, alegando que muitas empresas farmacêuticas
estrangeiras não introduzem novos produtos no país devido à falta
de proteção legal, que permite às empresas brasileiras copiar o
produto original sem incorrer em gastos de pesquisa. Com isso, o
país estaria perdendo oportunidades de receber novos
investimentos estrangeiros.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Essas posições antagônicas generalizam e absolutizam a
influência da proteção jurídica no desenvolvimento tecnológico,
sem atentar para a diversidade de efeitos possíveis dela
decorrentes e tampouco para as condições concretas - os mercados
- sobre as quais incide. Deixam de considerar, também, que a
adoção de um novo sistema de propriedade intelectual pode
interessar a empresas brasileiras de alguns setores que já
atingiram razoável grau de capacitação tecnológica - como por
exemplo diversas instituições públicas e privadas geradoras de
inovações no campo do melhoramento genético vegetal e da
biotecnologia, ou ainda algumas empresas de químicas fina com
atividade de pesquisa em processos de síntese de moléculas já
conhecidas.
O texto analisa a questão da propriedade intelectual a
partir de características setoriais de segmentos da indústria
mais envolvidos na discussão - química fina (com destaque à
farmacêutica) e sementes melhoradas. Analisam-se também os pontos
polêmicos do debate atual sobre as mudanças na lei.
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1. TEND˚NCIAS INTERNACIONAIS
A questão da propriedade intelectual tem sido um tema de
crescente importância no cenário das negociações econômicas
internacionais e caminha no sentido de tornar mais efetiva e
abrangente a proteção legal concedida não só por patentes e
marcas, mas também por outros tipos de mecanismos jurídicos
aplicáveis a setores específicos como direitos de autor (para
softwares), proteção a desenhos de circuitos integrados, direitos
de melhorista (para novas espécies vegetais).
Tal debate relaciona-se à crescente importância dos gastos
privados em P&D e da atividade inovativa nas indústrias
tecnologicamente mais dinâmicas. Em setores como química e
sementes melhoradas, a tendência a ampliar o alcance da proteção
jurídica a produtos e processos biotecnológicos relaciona-se à
discussão acerca do possível esgotamento dos paradigmas
tecnológicos vigentes e ao aumento do potencial da biotecnologia
(que, por diversas características técnicas, envolve grandes
gastos em pesquisa ao mesmo tempo em que aumenta a facilidade de
imitação de novos produtos devido à auto-reprodutibilidade dos
organismos vivos).
A inclusão do tema da propriedade intelectual nas
negociações do GATT reflete essa tendência e aponta no sentido de
fixar padrões mínimos de proteção jurídica a serem observados
pelas legislações nacionais, vinculando a regulação do comércio
exterior ao atendimento de tais padrões, de modo que os países
que não os observem teriam excluídas as concessões a seus
produtos. Trata-se, assim, de uma instância regulatória
internacional mais efetiva que a OMPI, que não só propicia mais
liberdade às legislações nacionais, como também não dispõe de
instrumentos de sanção.
No plano das relações bilaterais, os EUA têm empreendido
pressões e ameaças de retaliação comercial a seus parceiros que
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ainda mantêm leis com salvaguardas ou exceções à patenteabilidade
em certas áreas (como química e farmacêutica). Utilizando-se da
seção 301 de sua Lei de Comércio, tem pressionado países como
Coréia do Sul, Taiwan e Brasil a modificarem suas respectivas
leis, mediante ameaça de sobretaxação de produtos exportados para
o mercado americano.
Os acordos e tratados internacionais sobre o assunto têm
evoluído no sentido de reforçar e estender a proteção jurídica à
propriedade intelectual. Isso pode ser verificado tanto nas
mudanças recentes realizadas na Union pour la Protection des
Obtentions Végétales (UPOV) em 1991, na European Patent
Convention (EPC) - ainda em debate -, quanto na criação de novos
tratados (como o de Budapest, de 1977, que regula o depósito de
microrganismos) que visam à adaptação das leis de patentes às
características de novas tecnologias.
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2. PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO BRASIL: DIAGNSTICO DA SITUA˙ˆO
ATUAL
2.1. A Regulaªo da Propriedade Industrial: Situaªo Atual e
Propostas de Alteraªo
A Lei nº 5772/71 caracterizou-se como um sistema de proteção
considerada fraca, com salvaguardas que, hipoteticamente,
colocavam limites do exercício dos direitos de exclusividade
concedidos pela patente, criando o dever de produzir o objeto
patenteado em território nacional sob pena de sujeição a licença
compulsória ou caducidade do direito; além disso, proibia-se a
patenteabilidade em áreas importantes como produtos químicos,
produtos e processos farmacêuticos e alimentícios, usos ou
empregos relacionados a descobertas (variedades vegetais e
espécies de microrganismos).
Vistas como instrumento de política industrial, tais
disposições legais tentavam, no primeiro caso, obrigar empresas
estrangeiras a investirem na produção no país e evitar
importações e, no segundo, conceder uma certa proteção à
indústria nacional apostando que empresas brasileiras se
capacitariam tecnologicamente pela via da imitação em áreas
estratégicas ou de grande interesse público (como a
farmacêutica).
A eficácia desses dispositivos ao longo de vinte anos de
vigência foi, no mínimo, questionável. A exclusão dos produtos
químicos e farmacêuticos da patenteabilidade, por exemplo, não
garantiu a capacitação tecnológica de indústria nacional nesses
setores.
O mecanismo da licença compulsória foi pouquíssimo
utilizado: houve apenas quatro pedidos até hoje. Há dois casos
recentes na indústria de defensivos agrícolas, que talvez sejam
os únicos em que houve a concessão de licenças desse tipo.
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A pouca freqüência de casos de licença obrigatória pode ser
explicada pelo fato de que a atividade de imitação a partir das
informações divulgadas nas patentes é difícil, a não ser que o
potencial imitador desenvolva algum grau de capacitação e
aprendizagem tecnológicas próprias. Por outro lado, é ilusório
pensar que o titular de uma patente fornecerá - por imposição
legal ou judicial - todo o know-how necessário a um concorrente
que requeira uma licença compulsória. Assim, o licenciamento
compulsório pode até ser relativamente eficaz como mecanismo de
controle do poder de monopólio em mercados onde concorrem
empresas de grau semelhante de capacitação tecnológica, mas não
como instrumento de acesso a tecnologia por parte de empresas
menos capacitadas.
O outro mecanismo de limite previsto na legislação
brasileira - a caducidade por falta de exploração - foi mais
utilizado que a licença compulsória, embora não de forma
significativa. Houve 58 pedidos de caducidade entre 1986 e 1991,
a maior parte deles (50) deferidos em decisão de âmbito
administrativo no INPI, embora alguns poucos ainda estivessem
pendentes de recurso no judiciário. 25% dos processos tinham por
objeto de disputa patentes do setor químico e 24% do setor de
autopeças (representando 30% e 28% dos pedidos deferidos,
respectivamente).
Não é possível avaliar em que medida esses processos deram
resultados, no que se refere à possibilidade de melhor capacitar
as empresas nacionais beneficiadas ou ao possível enfraquecimento
do poder de monopólio das empresas detentoras das patentes
extintas pela caducidade nos casos concretos. Registre-se apenas
que a maior parte dessas patentes (48 casos) já vigoravam há mais
de 10 anos quando da decisão declaratória da caducidade -
portanto, eram patentes que se extinguiriam dentro de, no máximo,
5 anos pela decorrência do prazo legal de proteção (15 anos).
A proposta para nova lei de propriedade industrial (Projeto
de Lei 824), recentemente votada pela Câmara e enviada ao Senado
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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para discussão, aumenta o prazo de vigência das patentes (de 15
para 20 anos) e acaba com as exceções à patenteabilidade. As
salvaguardas continuam previstas, mas de forma atenuada: a
licena compulsria será cabível em casos de abuso de poder
econômico, de patentes dependentes e de não exploração do produto
ou processo patenteados no país ou sua comercialização aquém das
necessidades do mercado. Nestes dois últimos, pode-se evitar a
obrigação de licenciar alegando motivos de força maior
1
. A
caducidade do direito por falta de exploração vincula-se à
existência anterior de uma licença compulsória, só podendo ser
requerida após 2 anos da concessão desta
2
.
O perodo de transiªo para aplicação da nova lei a pedidos
de patente em áreas antes não patenteáveis - reivindicado por
várias empresas brasileiras de química fina - acabou não sendo
contemplado. Tampouco a reivindicação das multinacionais quanto
ao reconhecimento retroativo (em período transitório) de patentes
para produtos e processos já patenteados no exterior: o texto
legal reconhece patenteabilidade apenas de produtos e processos
cujas patentes ainda não foram concedidas no país de origem.
O patenteamento de seres vivos ficou restrito a
microrganismos modificados, não se aplicando a organismos mais
complexos como plantas e animais. A patenteabilidade de um
microrganismo é cabível desde que utilizado em processos
industriais. Essa previsão dá margem a dúvidas, podendo-se
interpretá-la como uma espécie de patente não tanto do
microrganismo em si, mas do uso industrial que dele se faça.
Ao recusar a patenteabilidade de novas variedades de plantas
(como constava na versão do 2º Substitutivo do Relator Ney Lopes
ao PL 824), a nova lei deixa de conflitar com a proposta de Lei
1
O texto legal não define o que sejam tais motivos, o que desloca sua definição para instância
regulamentar (Decretos, etc.). Essa ressalva impedindo a concessão de licença compulsória é
fiel à Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial - versão de Estocolmo -, à
qual o Brasil aderiu recentemente (em agosto/92).
2
A dependência da caducidade por desuso do objeto patenteado da concessão anterior de uma
licença compulsória também é exigência da versão de Estocolmo da Convenção de Paris.
8
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de Proteção de Cultivares (LPC), que prevê exclusividade de
comercialização das sementes de uma nova variedade vegetal obtida
por melhoramento genético, por 15 anos (ou 25 anos, para espécies
perenes). Essa proteção abrangeria todos os gêneros e espécies
vegetais, inclusive linhagens componentes de híbridos, desde que
o cultivar seja distinto, homogêneo e estável.
Seguindo o modelo da Union pour la Protection des Obtentions
Végétales (UPOV) em sua versão de 1978, a proposta de LPC
assegura ao titular do cultivar protegido direitos restritos
(isto é, bem mais "fracos" do que os assegurados por patentes):
ressalva-se da exclusividade a multiplicação de sementes para uso
próprio por agricultores, o uso e venda do produto do seu plantio
como alimento ou matéria-prima, bem como o seu uso como fonte
inicial de variação para novos melhoramentos.
2.2. A Propriedade Intelectual na Indœstria de Sementes e de
Qumica Fina
A análise a seguir baseia-se em entrevistas a empresas e
instituições públicas de pesquisa de sementes e química fina
3
(destacando-se o segmento farmacêutico) e em características
setoriais das indústrias estudadas. Dentre estas últimas,
destacamos: a) a segmentação do setor; b) suas características
tecnológicas (incluindo a relação crescente com inovações no
campo da biotecnologia); c) o grau de capacitação tecnológica das
empresas concorrentes, e d) as formas de concorrência
predominantes, características que conformam a base sobre a qual
se assenta o papel do instrumento jurídico de proteção e a
discussão dos possíveis efeitos da alteração legal em curso no
Brasil.
A indœstria de sementes apresenta dois segmentos básicos: o
de híbridos e o de variedades. A possibilidade de manter controle
sobre linhagens que dão origem às sementes híbridas (associada ao
3
Em número de 17, no caso da indústria de sementes, e de 12, no caso da química fina.
9
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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aproveitamento tecnológico de algumas de suas características que
lhes proporcionam melhor desempenho) facilita a manutenção do
segredo no processo de obtenção de cultivares, o que tem grande
peso explicativo na conformação do mercado de sementes
melhoradas: é nos híbridos que se concentram as maiores empresas
do setor e que se encontram maiores taxas de lucro, dado o alto
grau de apropriabilidade dos resultados de pesquisa propiciado
pelo segredo e pela impossibilidade de reprodução das sementes
híbridas por mais de um ciclo produtivo. Este segmento no Brasil
tem o milho como principal cultura, com um mercado estimado em
cerca de US$ 210 milhões. A líder é a Agroceres, empresa nacional
com cerca de 40% desse mercado, observando-se ainda a presença de
multinacionais, algumas das quais pertencentes a grandes grupos
químicos interessados em biotecnologia vegetal - como Rhodia, ICI
e Germinal/Ciba-Geigy.
Já o segmento de variedades (que se caracterizam por serem
sementes auto-reprodutíveis sem perda de suas qualificações
genéticas) apresenta uma estrutura mais dispersa, com grande
número de pequenas empresas e cooperativas, além da presença
expressiva de instituições públicas de pesquisa, geralmente
atuando em nível regional/local. Compreende uma gama mais vasta
de espécies importantes para alimentação humana e animal - trigo,
soja, arroz, etc. Nesse segmento, a auto-reprodutibilidade das
sementes dificultam a apropriação dos resultados de pesquisa e
coloca um limite superior para margens de lucro - não só porque o
material genético da empresa é acessível a seu concorrente como
também pela facilidade de sua multiplicação pelo próprio
agricultor (se a margem se eleva muito, reduz-se a taxa de
utilização de sementes melhoradas).
Essa segmentação do mercado permite situar a questão da
propriedade intelectual para sementes melhoradas: a criação da
lei de proteção aos cultivares atinge mais diretamente o segmento
de variedades, uma vez que nos híbridos é possível a utilização
de outros mecanismos de apropriabilidade que colocam em segundo
plano a proteção jurídica.
10
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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As entrevistas realizadas com agentes do setor demonstram
que há unanimidade a favor da criação dessa lei. Atualmente, na
ausência de proteção jurídica para seus cultivares, as empresas,
cooperativas e instituições públicas tentam assegurar algum grau
de exclusividade sobre seus produtos através de contratos de
natureza privada que restringem o acesso de concorrentes a
sementes multiplicadas e/ou prevêem o pagamento de royalties
sobre o valor das sementes comercializadas por terceiros. Na
ótica desses agentes, a criação da LPC teria principalmente a
função de fortalecer a eficácia dos contratos, facilitando
acordos e convênios para multiplicação e comercialização de
sementes e coibindo o uso desautorizado de cultivares protegidos
- embora não o impeça totalmente, pois a fiscalização sobre o uso
de sementes é problemática
4
.
Outro efeito apontado para a LPC seria, em princípio, criar
melhores perspectivas de retorno para investimentos em
variedades, atraindo o interesse de empresas privadas para esse
segmento (onde hoje predominam cooperativas e instituições
públicas). Entretanto, isso não significa que, havendo proteção
legal, as empresas privadas se voltarão para esse segmento em
geral: o único produto para o qual isso se verificaria é a soja,
o que se explica pela dimensão do mercado brasileiro para essa
cultura (o 2º mercado mundial; e, no Brasil, apenas ligeiramente
menor que o de milho híbrido). Assim, num mercado que já é
atrativo por outras razões, a lei significaria um incentivo a
novos investimentos.
Deve-se notar, ainda, que a posição unanimamente favorável à
LPC não se verifica quanto à patenteabilidade de biotecnologias.
As multinacionais entrevistadas são favoráveis, mas apenas uma
delas teria interesse imediato em requerer patente para produtos
já desenvolvidos no exterior (as demais apontam a importância da
lei para o futuro, no qual se esperam resultados mais
4
Além do que a exclusividade garantida pela LPC é bastante restrita, não alcançando, por
exemplo, a multiplicação de sementes para uso próprio pelos agricultores.
11
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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significativos em biotecnologia vegetal). Por outro lado, a
maioria das empresas nacionais afirmaram que, embora não tenham
capacitação nessa área (não tendo, portanto, interesse na
proteção de produtos biotecnológicos) a aprovação de uma lei
nesse sentido pode facilitar os acordos de licenciamento com
empresas estrangeiras, abrindo novos canais de transferência de
tecnologia, criando-lhes, assim, novas oportunidades de negócio.
Observe-se, porém, que a previsão de patentes para resultados de
biotecnologia vegetal está longe de produzir efeitos imediatos no
mercado de sementes, já que esses resultados ainda são
potenciais, necessitando-se superar ainda muitos problemas
técnicos e de mercado para que se concretizem.
A qumica fina no país tem um mercado de aproximadamente US$
8 bilhões, contando com a presença expressiva de empresas
estrangeiras que, embora em menor número que as nacionais, são
responsáveis pela maior parcela do faturamento total do setor em
quase todos os segmentos.
O setor caracteriza-se por produtos (intermediários e
especialidades) de alto valor agregado produzidos em pequenos
volumes, geralmente em plantas multipropósito. Tem na atividade
de P&D, e conseqüente lançamento de novos produtos ou processos,
um fator fundamental no processo competitivo. Esta atividade tem
apresentado custos crescentes, principalmente no segmento
farmacêutico, em decorrência da complexidade científica cada vez
maior e das exigências governamentais para registro e autorização
de comercialização de novos produtos, que requerem grandes gastos
em testes e exames de toxicidade.
Para produtos intermediários, a tecnologia de processos - de
síntese, separação e purificação - é um fator fundamental na
atividade da empresa, pois dela dependerá o rendimento do
processo de obtenção de determinada molécula e a natureza dos
subprodutos ou impurezas gerados, afetando custos e preços dos
produtos. Decorre daí que as patentes de processo são importantes
para as empresas que atuam com intermediários, relevância esta
12
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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contrabalançada pela maior possibilidade de se manter o segredo
de processos.
No segmento de especialidades, o valor dos produtos está
associado à função que desempenham e à sua eficácia em produzir
determinado efeito desejado. Aqui, a tecnologia relevante para
produção é a relativa ao produto e, principalmente, à sua
aplicação. A atividade inovativa das empresas participantes nesse
mercado visa à obtenção e introdução de novos produtos ou à
modificação de molécula já conhecida que melhore seu desempenho;
buscam-se, também, novas aplicações para produtos conhecidos.
Assim, patentes de produto são de extremo interesse para as
empresas inovadoras porque os novos produtos, uma vez obtidos,
são facilmente copiáveis. Em decorrência da facilidade de cópia,
somada ao fato de que a produção de especialidades não requer
grande capacitação técnica, a ausência de proteção patentária
possibilita a existência de empresas com estratégias puramente
imitativas, que fazem apenas a formulação final da especialidade,
adquirindo de terceiros os princípios ativos que necessitam, e
concorrendo com a empresa inovadora.
As posições dos agentes do setor a respeito da mudança na
legislação brasileira de propriedade industrial são bem mais
polêmicas do que as verificadas entre as empresas de sementes.
Nas multinacionais há uma opinião generalizada a favor dessa
mudança, do máximo reforço dos direitos concedidos pela patente
bem como da extensão da patenteabilidade às áreas hoje não
privilegiáveis, mudanças das quais seriam, em tese, as maiores
beneficiárias. Quanto ao dever de exploração do objeto da patente
no país, argumentam - com certa razão - que as características da
organização da produção em química fina (produção centralizada em
nível mundial, em pequenos volumes) muitas vezes torna
antieconômica sua exploração em mais de um local. Por esse
motivo, posicionam-se contra a inclusão de mecanismos como
licença compulsória e caducidade por falta de exploração na nova
lei.
13
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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De outro lado, as empresas nacionais em geral são contra o
reforço excessivo dos direitos patentários, mas nota-se que há
uma percepção de que alterações significativas na atual
legislação são inevitáveis, não se verificando entre os
entrevistados nenhuma opinião favorável à simples manutenção do
atual sistema de propriedade intelectual. Discutem-se pontos
específicos do que virá a ser uma nova lei de patentes: há um
razoável consenso, por exemplo, em admitir a patenteabilidade
imediata de processos químico-farmacêuticos; para patentes de
produtos, advoga-se a previsão de período de transição, ao longo
do qual as empresas poderiam se adaptar ao novo ambiente e às
novas restrições colocadas a suas estratégias imitativas;
verificava-se também o total repúdio à previsão do 2o.
Substitutivo do Deputado Ney Lopes de reconhecer automaticamente
patentes já concedidas em outros países pelo tempo remanescente;
quanto ao dever de exploração do objeto patenteado no país, as
empresas nacionais defendem que a importação do produto
patenteado não seja considerada exploração efetiva, mantendo-se
os mecanismos da licença compulsória e da caducidade - muito
embora sejam poucas as empresas nacionais que potencialmente
poderiam se beneficiar desses mecanismos, pois isso exige algum
grau de capacitação tecnológica própria. Alguns vêem na previsão
da licença compulsória não mais que um instrumento de pressão
capaz de induzir empresas estrangeiras a fazer acordos de
licenciamento com empresas nacionais interessadas em fabricar
determinado produto patenteado, sem, contudo, ter a ilusão de que
isso significaria garantir a eficácia da lei e tampouco modificar
a lógica de organização da produção característica das grandes
empresas multinacionais da química fina.
Essas posições não refletem necessariamente os efeitos
possíveis da nova legislação esperados por essas empresas, ou o
grau de influência sobre suas estratégias.
Do ponto de vista das multinacionais, por exemplo, a
ausência de proteção patentária parece não ter influenciado a
transferência de tecnologia das matrizes para suas filiais
14
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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brasileiras que sempre se deu sem grandes obstáculos, tampouco as
decisões sobre novos investimentos no país. Estas são muito mais
determinadas pelas condições de instabilidade do país, do que por
considerações sobre patenteabilidade ou não de certos produtos.
Ademais, a tendência à centralização das atividades de P&D e da
produção em local geralmente próximo ao centro decisório da
empresa se deve a condicionantes de outra natureza - basicamente,
às características técnicas da química fina e às condições de
organização internas da firma - que não as possibilidades de
patenteamento de determinado produto em determinado país.
Portanto, não se sustenta a alegação de que o reforço dos
direitos estimularia novos investimentos estrangeiros em pesquisa
e produção no país uma vez estabelecidas as bases legais de
apropriabilidade.
A única hipótese plausível sobre a influência da lei de
patentes nas estratégias das multinacionais é a de que a não
patenteabilidade teria desincentivado a introdução de produtos
novos no país, devido ao temor de, em abrindo um novo mercado,
atrair empresas copiadoras. Desse modo, é possível afirmar que a
nova lei favoreça a introdução de novos produtos no mercado
brasileiro, lembrando que essa decisão, em última análise,
decorre mais de uma avaliação sobre o mercado esperado para tais
produtos, tendo a patenteabilidade um peso apenas relativo.
Por outro lado, existe um grande número de empresas
nacionais que apenas fazem a formulação final de especialidades
químicas a partir de princípios ativos importados, sem que a
oportunidade de imitação legalmente permitida tenha sido
aproveitada para um processo de capacitação tecnológica. Além
disso, a maioria desses produtos imitados têm suas patentes
vencidas em outros países, com o que a ausência de
patenteabilidade na área farmacêutica teria sido totalmente
indiferente para sobrevivência dessas empresas. No entanto, a
manutenção da oportunidade de cópia (de produtos com patentes
vigentes no exterior) como alternativa legal que poderia vir a
ser aproveitada no futuro influenciou as estratégias dessas
15
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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empresas, no sentido de propiciar comportamentos marcados pela
acomodação no que se refere à capacitação tecnológica ou à busca
de novos canais de acesso a tecnologia.
A mudança proposta na legislação de propriedade industrial,
se bem é certo não inviabiliza por completo a permanência no
mercado desse tipo de empresa - até porque elas podem manter os
produtos (patenteados ou não) que já estão comercializando
atualmente
5
, ou ainda passar a produzir outros produtos que
venham a cair em domínio público -, poderá ter um efeito de
diminuir suas oportunidades de crescimento, o que pode levar, a
médio ou longo prazo, ao fechamento de algumas delas. Por outro
lado, uma nova legislação aumentaria o interesse por acordos de
licenciamento ou co-marketing com empresas estrangeiras,
alternativa essa viável apenas para algumas empresas, à medida em
que exige um patamar mínimo de preparo e credibilidade por parte
da empresa nacional.
Das empresas nacionais que apresentam alguma capacitação
tecnológica própria em processos químicos, a grande maioria
trabalha apenas com produtos não patenteados ou cujas patentes já
expiraram. Para estas, pois, a alternativa de imitação propiciada
pelo atual Código de Propriedade Industrial não representou uma
condição sine qua non para suas atividades tecnológicas. No
segmento farmoquímico são poucas as que desenvolveram processos
para produção de alguns produtos patenteados no exterior - embora
sejam importantes, dentre os quais se destaca o caso do AZT
6
.
Não se pode afirmar ao certo de que modo empresas desse tipo
serão afetadas com a nova lei de patentes. Desde logo, elas
poderão continuar produzindo o que já fazem, o que, entretanto
sujeitá-las-ia a um progressivo envelhecimento de sua linha de
5
Lembre-se que a lei não terá efeitos retroativos, a não ser para produtos ainda não
patenteados. Porém, a simples manutenção da atual linha de produtos não é uma alternativa de
sobrevivência a longo prazo, pois esses produtos estarão sujeitos a um processo contínuo de
obsolecência, que se acelera à medida em que produtos mais modernos e eficazes estejam
disponíveis no Brasil.
6
Que tem patente sobre o uso no combate ao HIV, vírus da AIDS.
16
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produtos. Uma alternativa importante, apontada por vários
entrevistados, seria a formação de um mercado de produtos
genéricos
7
, para os quais existe ampla margem para investimentos
em P&D de novos processos ou aperfeiçoamento de produtos - e que,
portanto, permitiria a continuidade ou incremento da capacitação
tecnológica dessas firmas, sem infração a patentes concedidas no
país. Uma outra alternativa apontada nas entrevistas seria,
através da capacitação em processos, chegar a desenvolver
atividades de pesquisa visando o aperfeiçoamento de moléculas já
conhecidas
8
.
A mudança legal adquire um significado mais amplo, enquanto
parte de um ambiente competitivo - de um conjunto de condições
institucionais que virão a influenciar estratégias das empresas.
Nesse sentido, pode-se notar que há exemplos de reação, por parte
de empresas nacionais entrevistadas, à perspectiva de mudança na
lei: tanto o preparar-se para a busca de acordos de licenciamento
de produtos, quanto a tentativa de aproveitar os últimos momentos
da possibilidade de imitação (na lei ainda vigente) para
capacitar-se a um salto de qualidade no futuro, são exemplos que
denotam um comportamento mais voltado para a concorrência, que
tende a colocar a questão tecnológica no centro das estratégias
pensadas para fazer face à nova lei.
7
Isto é, de produtos cujas patentes expiraram e caíram em domínio público.
8
Já que parece pouco provável que empresas nacionais venham a ter capacidade (não apenas
tecnológica, mas sobretudo financeira) de pesquisa em novas moléculas.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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3. PROPOSI˙ES
Tendo em vista que a lei de propriedade industrial já se
encontra em fase final de votação (no Senado) e que o texto a ser
aprovado incorpora já os requisitos mínimos para adequar a lei
brasileira aos padrões que se vêm configurando nas tendências
internacionais, ao mesmo tempo em que descarta alguns
dispositivos mais polêmicos que desagradavam às empresas
nacionais, limitamo-nos a proposições específicas sobre pontos da
nova lei que ainda darão margem a diferentes interpretações.
a) O texto referente ao patenteamento de microrganismos
ficou ambíguo, podendo-se interpretá-lo tanto como uma patente de
uso, quanto simplesmente que o microrganismo a ser patenteado
deve apresentar o requisito da utilidade industrial, ou ainda
vincular sua patente ao processo ou produto resultante de sua
utilização. Caso o Senado não modifique a redação desse
dispositivo, à sua regulamentação caberá definir os parâmetros
das possibilidades concretas de patenteamento dos microrganismos,
devendo-se evitar interpretações muito restritivas que na prática
coloquem obstáculos aos pedidos de patentes.
b) O tratamento da licença compulsória por falta de
exploração ficou dependente de existirem ou não "razões
legítimas" para essa falta. É necessário, portanto, defini-las,
considerando que em alguns setores, a produção de produto
patenteado no país pode ser antieconômica por problemas de escala
ou de demanda.
Deve-se apontar também a possibilidade de articular o
tratamento de licença compulsória por abuso de poder econômico
com a lei antitruste, harmonizando não só as definições legais
como também sua operacionalização.
c) Do ponto de vista das empresas nacionais de farmoquímicos
que desenvolveram alguma capacitação tecnológica própria em
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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processos, interessa a formação de um mercado de produtos
genéricos (que tem tido importância crescente em outros países)
que pode garantir um espaço significativo para o aprofundamento
da capacitação dessas empresas. Embora o tratamento dessa questão
não se enquadre no escopo deste texto, deve-se apontar que a
constituição de um mercado desse tipo requer legislação
específica que pode se articular com a regulamentação da lei de
patentes, a exemplo do que ocorre nos EUA.
d) Entre as empresas e instituições públicas com atuação na
indústria de sementes há um interesse generalizado na aprovação
de uma Lei de Proteção aos Cultivares. Essa discussão deve ser
agilizada inclusive porque a possibilidade de patenteamento de
microrganismos sem proteção às espécies vegetais pode prejudicar
o titular de cultivares que sejam utilizados para inserção de
genes patenteados.
e) No âmbito dos tratados e convenções internacionais
pertinentes à propriedade intelectual, cabe estudar a
possibilidade e conveniência de o Brasil vir a assinar a UPOV
(que em sua versão de 1978 se coaduna perfeitamente com a LPC que
está sendo proposta) e o Tratado de Budapest, que regula os
procedimentos para depósito e acesso público a microrganismos
patenteados, além das condições de reconhecimento das
instituições depositárias.
f) É importante considerar também a necessidade de garantir
condições operacionais ao INPI, que atualmente apresenta vários
problemas: morosidade excessiva no processamento de patentes,
deficiências no sistema de informações (baseado na manipulação de
milhões de documentos, pois o sistema não está informatizado),
número insuficiente de examinadores dos pedidos de patentes, etc.
Esses problemas tenderão a se agravar com a extensão da proteção
patentária a novas áreas decorrente da aprovação da nova lei.
Assim, algumas medidas administrativas são urgentes, tais como:
- implementação de um plano de informatização do INPI;
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- garantia de atualização dos quadros de examinadores
(quantitativa e qualitativa);
- estabelecimento de convênios com instituições científicas
que possam funcionar como centros depositários de materiais vivos
relacionados com produtos ou processos patenteados
9
.
QUADRO-RESUMO
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
A˙ES/DIRETRIZES DE POL˝TICA AGENTE/ATOR
EXEC. LEG. JUD. EMP. TRAB. ONGs
ACAD.
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
1. Definição de microrganismos patenteáveis:
evitar regulamentação restritiva X X X
X
2. Regulamentação das razões que impedem
licença compulsória por falta de explo-
ração: considerar casos de exploração
antieconômica; articular com lei
antitruste a definição de abuso de poder
econômico X X
3. Constituição de um mercado de produtos
genéricos farmacêuticos X X X
4. Aprovação da Lei de Proteção de Cultiva-
res X
5. Aprofundar discussão sobre adesão do
Brasil à UPOV/78 e ao Tratado de
Budapest X
6. Garantir condições operacionais ao INPI X
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Legenda: EXEC. - Executivo
LEG. - Legislativo
JUD. - Judiciário
EMP. - Empresas e Entidades Empresariais
TRAB. - Trabalhadores e Sindicatos
ONGs - Organizações Não-Governamentais
ACAD. - Academia
Nota: Em caso de coluna em branco, leia-se "sem recomendação".
9
Deve-se observar que o INPI, com a colaboração da ABRABI, já está fazendo um levantamento das
instituições que poderiam atuar como depositárias de microrganismos, entre elas a Fundação
André Tosello.
20
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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4. INDICADORES
Os indicadores para o monitoramento da ação dos mecanismos
que regulam a apropriação da inovação tecnológica são:
- número de patentes solicitadas e concedidas, por setor,
origem do capital e tamanho das empresas;
- tempo médio de patenteamento;
- proteção jurídica para cultivares: número solicitado e
concedido, por tipo de cultura e de empresa (origem do capital e
tamanho).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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INTRODU˙ˆO
O sistema brasileiro de propriedade industrial está em vias
de ser substancialmente modificado no sentido de ampliar o seu
alcance para novas áreas e reforçar os direitos conferidos pela
legislação. Essa mudança se verifica em várias propostas de lei
que estão sendo debatidas atualmente: o Projeto de Lei nº 824
enviado ao Congresso em abril de 1991 que propõe modificações na
atual legislação de patentes e marcas; uma proposta de lei
específica para proteção aos novos cultivares, criando um direito
até agora inexistente na nossa legislação - o direito de
exclusividade sobre comercialização de novas variedades de
plantas geneticamente melhoradas -; e, ainda, propostas para
modificação da lei de softwares, e criação de legislação
específica para proteção de topografias de circuitos integrados.
O debate em torno da mudança legal tem sido polarizado: de
uma parte, organizações não-governamentais e alguns setores da
indústria nacional criticam fortemente o reforço dos direitos de
patente que repercutiria em maior concentração dos mercados e
aumento de preços, ou ainda em prejuízo a empresas brasileiras
com estratégias baseadas na cópia.
De outro lado, algumas empresas multinacionais (sobretudo
farmacêuticas), respaldadas pela ameaça de retaliação comercial
do governo dos EUA, pressionam por uma rápida mudança
legislativa, alegando que muitas empresas farmacêuticas
estrangeiras não introduzem novos produtos no país devido à falta
de proteção legal, que permite às empresas brasileiras copiar o
produto original sem incorrer em gastos de pesquisa. Com isso, o
país estaria perdendo oportunidades de receber novos
investimentos estrangeiros.
O desrespeito às patentes farmacêuticas por parte de firmas
brasileiras já foi motivo para sanções comerciais americanas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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contra produtos brasileiros que foram sobretaxados nos EUA, e
continua justificando ameaças de novas sanções.
A apresentação do Projeto de Lei de Patentes pelo Governo
Federal foi, em grande parte, uma resposta a essas pressões, ao
mesmo tempo em que integrava um conjunto de medidas de política
industrial que pretendia modernizar a indústria brasileira pela
via da abertura do mercado nacional, submetendo as empresas à
concorrência externa. A adoção de uma lei de propriedade
industrial mais ampla e a desregulamentação dos canais de
transferência de tecnologia seriam passos necessários para
inserir o Brasil na economia internacional.
A propositura de novas regras para proteção à propriedade
intelectual não é apenas resultado de pressões externas, devendo-
se considerar, também, que a sua adoção pode interessar a
empresas brasileiras de alguns setores que já atingiram razoável
grau de capacitação tecnológica - como por exemplo diversas
instituições públicas e privadas geradoras de inovações no campo
do melhoramento genético vegetal e da biotecnologia, ou ainda
algumas empresas de químicas fina com atividade de pesquisa em
processos de síntese de moléculas já conhecidas.
Apesar da grande polêmica gerada em torno das propostas de
alteração da legislação brasileira de propriedade industrial, os
efeitos econômicos dessa legislação não devem ser absolutizados.
A influência desse tipo de mecanismo legal só pode ser detectada
a partir das condições concretas dos mercados sobre os quais
incide, admitindo-se a hipótese de que o instrumento jurídico, ao
definir regras de apropriabilidade dos resultados do esforço
inovativo, seleciona os comportamentos empresariais legalmente
possíveis, e nessa medida, faz parte de um ambiente institucional
que condiciona certas estratégias, mas não as determina. Ademais,
os efeitos da legislação patentária devem ser avaliados sempre em
conjunto com outros instrumentos de política industrial, levando-
se em conta que:
23
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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a) A relevância dessa legislação reside na possibilidade de
ser utilizada como meio eficaz de apropriação dos retornos do
esforço inovativo e deve ser analisada a partir das formas de
concorrência vigentes num mercado, considerando particularmente a
importância das inovações como fonte de vantagens competitivas e
a existência de outras formas de apropriabilidade. Essa
relevância é, portanto, diferenciada entre setores, sendo maior
na química e, particularmente na farmacêutica onde os custos
crescentes de P&D aumentam a necessidade de mecanismos de
apropriação, ao mesmo tempo em que a relativa facilidade e baixo
custo da imitação de produtos tornam ineficazes outros mecanismos
de apropriabilidade (como o segredo, por exemplo). Pode-se
acrescentar ainda a indústria de sementes melhoradas, onde a
auto-reprodutividade (de variedades) torna possível a utilização
comercial de novos cultivares sem consentimento de seu titular,
sendo praticamente nula a apropriabilidade dos resultados de
pesquisa. Em setores como esses o mecanismo jurídico de
apropriação seria, em princípio, meio privilegiado para reter
vantagens decorrentes da introdução de novos produtos ou
processos.
b) Entretanto, mesmo nos segmentos industriais onde o
mecanismo jurídico é utilizado, seus efeitos devem ser
relativizados, uma vez que: existem outros fatores que influem na
motivação para os gastos privados em P&D e para a introdução de
inovações, ou na possibilidade de monopolização do mercado; o
mecanismo jurídico raramente é o único meio de apropriação, mas
em geral faz parte de um conjunto de estratégias que visam a
garantir a apropriabilidade; e, finalmente, sua eficácia quase
nunca é absoluta nem para impedir a imitação, menos ainda para
garantir que a inovação protegida legalmente não seja
aperfeiçoada ou substituída.
c) O papel das formas jurídicas de apropriação deve ser
avaliado vis-à-vis outros meios existentes para essa finalidade,
isto é, na sua interação com esses outros meios; e suas condições
de eficácia devem ser analisadas tendo em vista a possibilidade
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de imitar, aperfeiçoar ou substituir a tecnologia - possibilidade
não apenas no sentido técnico, mas principalmente considerando a
capacidade tecnológica das empresas concorrentes potenciais.
Seguindo essa linha de abordagem, este trabalho analisa a
questão da propriedade intelectual a partir de características
setoriais de dois segmentos dos mais envolvidos nesse debate -
química fina (com destaque à farmacêutica) e sementes melhoradas.
Antes discutem-se os principais pontos sobre a regulação do
sistema de patentes na lei atual e no PL 824, juntamente com a
proposta de Lei de Proteção dos Cultivares, além de uma rápida
avaliação do debate internacional sobre o assunto.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. TEND˚NCIAS INTERNACIONAIS
A propriedade intelectual tem sido um tema de crescente
importância no cenário das negociações econômicas internacionais
e caminha no sentido de tornar mais efetiva e abrangente a
proteção legal concedida não só por patentes e marcas, mas também
por outros tipos de mecanismos jurídicos aplicáveis a setores
específicos como direitos de autor (para softwares), proteção a
desenhos de circuitos integrados, direitos de melhorista (para
novas espécies vegetais). Discutem-se também formas mais eficazes
de garantia de proteção ao segredo industrial.
Tal debate relaciona-se à crescente importância dos gastos
privados em P&D e da atividade inovativa para a competição nas
indústrias tecnologicamente mais dinâmicas. Em setores como
química e sementes melhoradas, a tendência a ampliar o alcance da
proteção jurídica a produtos e processos biotecnológicos
relaciona-se à discussão acerca do possível esgotamento dos
paradigmas tecnológicos vigentes e ao aumento do potencial da
biotecnologia (que, por diversas características técnicas,
envolve grandes gastos em pesquisa ao mesmo tempo em que aumenta
a facilidade de imitação de novos produtos devido à auto-
reprodutibilidade dos organismos vivos).
A internacionalização da produção, globalização dos mercados
e aumento do fluxo de comércio internacional de tecnologia
colocam, ainda, a necessidade de regular harmonicamente as
diferentes legislações nacionais, de modo a garantir um patamar
mínimo de proteção à propriedade intelectual entre países.
A inclusão do tema da propriedade intelectual nas
negociações do GATT reflete essa tendência e aponta no sentido de
fixar padrões mínimos de proteção jurídica a serem observados
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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pelas legislações nacionais
10
, vinculando a regulação do comércio
exterior ao atendimento de tais padrões, de modo que os países
que não os observem teriam excluídas as concessões a seus
produtos. Trata-se, assim, de uma instância regulatória
internacional mais efetiva que a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), ou a Convenção Internacional para
proteção da Propriedade Industrial (Convenção de Paris), que não
só propicia mais liberdade às legislações nacionais, como também
não dispõe de instrumentos de sanção.
No plano das relações bilaterais, os EUA têm empreendido
pressões e ameaças de retaliação comercial a seus parceiros que
ainda mantêm leis com salvaguardas ou exceções à patenteabilidade
em certas áreas (como química e farmacêutica). Utilizando-se da
seção 301 de sua Lei de Comércio, têm pressionado países como
Coréia do Sul, Taiwan e Brasil, entre outros, a modificarem suas
respectivas leis, mediante ameaça de sobretaxação de produtos
exportados para o mercado americano. Na Coréia, por exemplo, as
pressões resultaram, já em 1986, em alterações legais que
incluíram a extensão da patenteabilidade para produtos químicos e
farmacêuticos, nova legislação de copyrights e para proteção de
softwares, garantia de retroatividade dos efeitos das novas leis,
etc. Em Taiwan também foram feitas modificações importantes nas
leis de patentes, copyrights e softwares (Kaplinsky, 1988).
Os acordos e tratados internacionais sobre o assunto têm
evoluído no sentido de reforçar e estender a proteção jurídica à
propriedade intelectual. Entre os países europeus, por exemplo,
até pouco tempo atrás não se admitiam patentes de plantas e
animais em si, nem de seus processos essencialmente biológicos
(naturais) de obtenção, por força do artigo 54b da European
Patent Convention (EPC)
11
, embora essa proibição não alcançasse os
10
A rigor, as normas previstas em TRIPs elevam consideravelmente os padrões de proteção a serem
adotados pelos países, refletindo a busca de homogeneização, num nível mais rígido, dos
conceitos, regras e procedimentos das legislações nacionais, atendendo às exigências postas
pelo comércio exterior e pela globalização da economia.
11
O EPC, de 1977, assinado pela maioria dos países membros da Comunidade Econômica Européia
(CEE), tem por finalidade harmonizar alguns elementos das legislações nacionais entre os
signatários.
27
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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processos e produtos microbiológicos. Uma Diretiva da CEE alterou
o citado artigo, para possibilitar o patenteamento de plantas e
animais modificados geneticamente
12
.
Os EUA, ao contrário, admitem patentes de variedades de
plantas de reprodução assexuada desde 1940. Para variedades
reproduzidas por sementes adota-se, desde 1970, um sistema
semelhante à Union pour la Protection des Obtentions Végétales
(UPOV), mas com proteção reforçada. A legislação e a
jurisprudência americanas parecem ser mais favoráveis tanto a uma
maior facilidade de concessão de patentes - têm aceitado patentes
de animais, por exemplo - quanto a uma proteção mais efetiva aos
titulares de direitos de propriedade intelectual.
No âmbito da proteção específica as novas variedades
vegetais, houve mudanças recentes (março de 1991) na UPOV. Em sua
versão anterior (de 1978), a UPOV garantia a exclusividade sobre
o uso comercial das espécies protegidas, como única forma de
proteção jurídica a novas variedades (proibindo a dupla proteção
pelos sistemas UPOV e Patentário). Possibilitava a multiplicação
de sementes para uso próprio sem necessidade de autorização do
detentor do direito, nem pagamento de royalties. Previa o direito
de utilizar livremente as espécies protegidas para fim de
pesquisa e como fonte inicial de obtenção de novas variedades, e
também permitia que os países signatários excluíssem da proteção
algumas espécies consideradas como bem público.
A nova UPOV acaba com esta última possibilidade, e amplia o
alcance dos direitos do titular da variedade protegida, que
passam a incluir, além da exclusividade sobre a comercialização,
também a necessidade de autorização para qualquer uso que se faça
do material protegido. O prazo mínimo a ser concedido para o
direito passa de 15 para 20 anos, em geral, e de 18 para 25 anos
para videiras e árvores florestais. Retirou-se, no novo texto, a
proibição expressa de as legislações nacionais dos países
12
O que, inclusive, possibilitou que a patente do "rato de Harvard" fosse reconhecida pelo
European Patent Office, em 1992.
28
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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signatários preverem dupla proteção às espécies vegetais (por
patente e pelo sistema UPOV)
13
.
O texto de 1991 caminhou no sentido de reforçar os direitos
e de tentar a sua compatibilização - sempre problemática - com o
sistema patentário e com legislações de países (como os EUA) que
aceitam patenteamento de partes de organismos vivos. Isso pode
ser visto como reflexo da influência crescente da biotecnologia
nas atividades de melhoramento vegetal.
É também a emergência de biotecnologia que tem motivado uma
série de regulações especiais e decisões judiciárias tentando
adaptar as exigências das legislações patentárias às suas
especificidades. A dificuldade de descrição
14
adequada do invento
biotecnológico, por exemplo, motivou o Tratado de Budapest (de
1977), criando a alternativa de depósito de microrganismos em
instituições autorizadas, que substitui ou complementa a plena
descrição e publicação. Esse mesmo problema é contemplado numa
jurisprudência alemã, em que se admitiu que esse requisito fosse
suprido pela própria auto-reprodução do microrganismo,
independente de suficiente descrição do procedimento de sua
obtenção
15
.
Enfim, importa observar que, além da tendência ao reforço da
proteção jurídica, existe um processo de adaptação das
legislações às características peculiares das novas tecnologias.
No caso da biotecnologia - um dos mais polêmicos - esse processo
13
Entretanto, existe a possibilidade de aderir à versão de 1978 da UPOV até 31/12/1995 (exceção
aberta para países em desenvolvimento).
14
A descrição do invento de forma clara que permita sua reprodução é um requisito para o pedido
de patente. Esse e outros serão discutidos mais adiante na análise de legislação brasileira. A
complexidade do processo de obtenção de um novo organismo e a possibilidade de mutação genética
colocam problemas tanto para a completa descrição e publicação do "invento", quanto para a
precisão de limites de uma reivindicação de patente (e, portanto, também para caracterização de
infrações a uma patente concedida). Ademais, a auto-reprodutitibilidade característica dos
seres vivos impõe dificuldades para estabelecer os limites do direito concedido pela patente
(isto é, se os direitos de exclusividade valem para gerações sucessivas do organismo
patenteado). O Tratado de Budapest, assinado em 1977, tem 24 países signatários e regula os
procedimentos para se efetuar o depósito, o acesso de terceiros ao microrganismo depositado e
as condições de reconhecimento das instituições depositárias.
15
Decisão da Corte Federal de Justiça Alemã, de 1987.
29
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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está pouco delineado e as interpretações da lei ou a adoção de
regras harmônicas pelos diferentes sistemas jurídicos nacionais
ainda não estão consolidadas.
30
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO BRASIL: DIAGNSTICO DA SITUA˙ˆO
ATUAL
2.1. A Regulaªo da Propriedade Industrial: Situaªo Atual e
Propostas de Alteraªo
O Código de Propriedade Industrial brasileiro - Lei nº
5772/71 - caracterizou-se como um sistema de proteção considerada
fraca, com salvaguardas que, hipoteticamente, colocavam limites
ao exercício dos direitos de exclusividade concedidos pela
patente, criando o dever de produzir o objeto patenteado em
território nacional sob pena de sujeição a licença compulsória ou
caducidade do direito; além disso, proibia-se a patenteabilidade
em áreas importantes como produtos químicos, produtos e processos
farmacêuticos e alimentícios, usos ou empregos relacionados a
descobertas (variedades vegetais e espécies de microrganismos).
Vistas como instrumento de política industrial, tais
disposições legais tentavam, no primeiro caso, obrigar empresas
estrangeiras a investirem na produção no país e evitar
importações e, no segundo, conceder uma certa proteção à
indústria nacional apostando que empresas brasileiras se
capacitariam tecnologicamente pela via da imitação em áreas
estratégicas ou de grande interesse público (como a
farmacêutica).
A eficácia desses dispositivos ao longo de vinte anos de
vigência foi, no mínimo, questionável. A exclusão dos produtos
químicos e farmacêuticos da patenteabilidade, por exemplo, não
garantiu a capacitação tecnológica de indústria nacional nesses
setores
16
.
O mecanismo da licença compulsória foi pouquíssimo
utilizado: até hoje, houve apenas quatro requerimentos (Jessen,
16
Esse ponto será melhor discutido adiante, na análise da questão de propriedade intelectual na
química fina.
31
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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1993:21). Há dois casos recentes na indústria de defensivos
agrícolas
17
, que talvez sejam os únicos em que houve a concessão
de licenças desse tipo.
A pouca freqüência de casos de licença obrigatória pode ser
explicada pelo fato de que a atividade de imitação a partir das
informações divulgadas nas patentes é difícil, a não ser que o
potencial imitador desenvolva algum grau de capacitação e
aprendizagem tecnológicas próprias. É ilusório pensar que o
titular de uma patente fornecerá - por imposição legal ou
judicial - todo o know-how necessário a um concorrente que
requeira uma licença compulsória. Uma decisão administrativa do
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) ou mesmo uma
sentença do judiciário não são capazes de substituir o acordo de
vontade das partes - elemento constitutivo fundamental dos
contratos de natureza privada, como são os de licença para
exploração de patente e os demais tipos de contratos de
transferência de tecnologia. Assim, o licenciamento compulsório
pode até ser relativamente eficaz como mecanismo de controle do
poder de monopólio em mercados onde concorrem empresas de grau
semelhante de capacitação tecnológica, mas não como instrumento
de acesso a tecnologia por parte de empresas menos capacitadas.
O outro mecanismo de limite previsto na legislação
brasileira - a caducidade por falta de exploração - foi mais
utilizado que a licença compulsória, embora não de forma
significativa. Houve 58 pedidos de caducidade entre 1986 e 1991,
a maior parte deles (50) deferidos em decisão de âmbito
administrativo no INPI, embora alguns poucos ainda estivessem
pendentes de recurso no judiciário. 25% dos processos tinham por
objeto de disputa patentes do setor químico e 24% do setor de
autopeças (representando 30% e 28% dos pedidos deferidos,
respectivamente).
17
Tratava-se de duas patentes de processo de fabricação de um mesmo produto. A empresa nacional
requerente da licença compulsória pretendia que a empresa titular de patente lhe repassasse o
"know-how" do processo patenteado. Houve uma longa disputa judicial vencida pela requerente, ao
fim da qual o tempo de vigência da patente já se havia esgotado.
32
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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Não é possível avaliar em que medida esses processos deram
resultados, no que se refere à possibilidade de melhor capacitar
as empresas nacionais beneficiadas ou ao possível enfraquecimento
do poder de monopólio das empresas detentoras das patentes
extintas pela caducidade nos casos concretos. Registre-se apenas
que a maior parte dessas patentes (48 casos) já vigoravam há mais
de 10 anos quando da decisão declaratória da caducidade -
portanto, eram patentes que se extinguiriam dentro de, no máximo,
5 anos pela decorrência do prazo legal de proteção (15 anos).
O tempo necessário para processamento de casos de caducidade
e de licenças compulsórias é também um dos grandes entraves à
eficácia desses mecanismos. Jessen (1993) avalia que, dados os
prazos observados para exame do pedido e concessão da patente,
uma decisão administrativa do INPI concedendo uma licença seria
dada aos 14 anos de vida da patente, em média
18
; e se o caso for
levado ao judiciário, a licença só se tornaria efetiva após o
esgotamento do prazo da proteção.
2.1.1. As modificaıes na Lei de Patentes
A proposta de nova lei de propriedade industrial (Projeto de
Lei 824), de iniciativa da Presidência da República, foi enviada
ao Congresso em abril de 1991. Depois de várias emendas e
propostas alternativas
19
, e de mais de dois anos de discussões, um
acordo de lideranças permitiu sua aprovação na Câmara
20
. Espera-se
agora, sua votação no Senado.
18
Considerando, a partir do depósito: a) 3 anos até ser requerido o exame do pedido; b) 6 ou 7
anos para o exame e concessão da patente; c) 3 anos após a concessão para ser possível pedir
uma licença compulsória por falta de exploração; e d) mais 1 ano, em média, para processamento
desse pedido em âmbito administrativo (Jessen, 1933:20).
19
Dentre as quais se destacaram o 2º Substitutivo do Relator do Projeto, Ney Lopes, e a proposta
elaborada por um grupo interministerial em março/93.
20
Com apenas dois pontos sobre os quais não se chegou a um acordo: o tempo de vigência das
patentes e o período de transição para aplicação da nova lei a áreas antes não-patenteáveis.
Esses dois pontos foram apresentados como destaques na votação na Câmara, mas foram rejeitados.
33
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O PL 824, tal como aprovado pela Câmara, aumenta o prazo da
proteção patenteária (de 15 para 20 anos) e acaba com quase todas
as exceções à patenteabilidade previstas no Código de 1971. Com
isso, além das áreas química, farmacêutica e alimentícia, a
proteção jurídica passará a abranger também os processos
biotecnológicos (desde que não-naturais). O patenteamento de
seres vivos em si ficou restrito a microrganismos geneticamente
modificados, não se aplicando a organismos mais complexos como
plantas e animais. A patenteabilidade de um microrganismo será
cabível desde que utilizado em processos industriais
21
. Essa
previsão dá margem a dúvidas, podendo-se interpretá-la como uma
espécie de patente não tanto do microrganismo em si, mas do uso
industrial que dele se faça, ou ainda como se o microrganismo a
ser patenteado devesse apresentar o requisito da utilidade
industrial
22
.
Os requisitos para a concessão de patente de qualquer tipo
de invenção são praticamente os mesmos do atual Código de
Propriedade Industrial (CPI): novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial. É nova a invenção não compreendida no
estado da técnica
23
. A atividade inventiva, por sua vez, é um
conceito relacionado ao da novidade, significando que a invenção
deve se caracterizar não só por não estar compreendida no estado
da técnica, mas também por não decorrer de maneira óbvia desse
estado, para um técnico no assunto - a inovação a ser patenteada
deve conter um elemento que caracterize um avanço tecnológico, e
deve também se diferenciar das descobertas que, apesar de
aumentarem o conhecimento sobre a natureza, não contêm uma
atividade criativa que solucione problemas de ordem técnica
24
.
Requer-se, ainda, que a inovação patenteada seja suscetível de
21
Fez parte do acordo que permitiu a aprovação do PL 824 na Câmara a previsão de se elaborar uma
lei definindo microrganismos e biotecnologia.
22
O que seria redundante, pois todas as inovações, para serem patenteadas, devem apresentar esse
requisito.
23
Estado da técnica é constituído por todo o conhecimento acessível ao público antes do pedido de
patente.
24
A não-patenteabilidade de descobertas é um ponto importante para a discussão de patentes para
biotecnologias: pode haver dificuldades de se caracterizar um produto biotecnológico novo com
atividade inventiva - isto é, diferenciar organismos obtidos por manipulação genética de seres
vivos originais.
34
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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aplicaªo industrial
25
, isto é, que possa ser utilizada em algum
tipo de indústria, inclusive agrícola e extrativa, ou, dito de
outro modo, que possa ser utilizada ou produzida com finalidades
comerciais.
O pedido de patente deve apresentar uma descrição clara do
seu objeto. Isso tem uma dupla finalidade: por um lado, permite o
acesso público ao conhecimento gerado pelo inovador; por outro,
estabelece os limites do direito a ser concedido pela patente,
pois é com base na descrição que se fazem as reivindicações e se
determina a extensão do direito de exclusividade. Em relação à
patenteabilidade de biotecnologias, o Projeto prevê, para
materiais biológicos que não possam ser descritos adequadamente
no pedido de patente, a possibilidade de suplementar a descrição
depositando-os em instituições autorizadas pelo INPI, à
semelhança das previsões do Tratado de Budapest.
Os direitos do titular da patente implicam a exclusividade
de produção e comercialização da inovação patenteada, mas o
produto patenteado pode ser importado por terceiros que o
adquiram no mercado externo de fornecedores autorizados pelo
titular da patente, ou diretamente deste. Ressalva-se da
exclusividade o uso sem finalidade comercial ou para estudos e
pesquisas. No caso de patentes relacionadas com matéria viva, o
direito de exclusividade não atingiria o uso de produto
patenteado como fonte inicial de variação para se obter outros
produtos.
As salvaguardas continuam previstas, mas de forma atenuada:
a licena compulsria será cabível em casos de abuso de poder
econômico, de patentes dependentes e de não exploração do produto
25
Este requisito também é importante para a consideração da patenteabilidade de microrganismos:
por ser fortemente relacionada à ciência básica, a biotecnologia pode apresentar produtos cuja
utilidade industrial não seja evidente e direta, mas cuja proteção legal seja de interesse da
empresa inovadora para futuros desenvolvimentos de uma rota tecnológica. Sistemas jurídicos que
permitem patentear sem o requisito da utilidade industrial direta propiciam o controle de uma
ampla área de oportunidades tecnológicas via controle de componentes genéticos dos seres vivos
(genes, seqüências e códigos), bem como aumentam a possibilidade de patentes estratégicas e/ou
preventivas.
35
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ou processo patenteados no país ou sua comercialização aquém das
necessidades do mercado. Nestes dois últimos, a licença só pode
ser requerida após 3 anos da data de concessão da patente, e
pode-se evitar a obrigação de licenciar pela alegação de motivos
de força maior
26
. Prevê-se ainda o licenciamento compulsório de
ofício em casos de emergência nacional ou interesse público
declarados em ato do Poder Executivo. A caducidade do direito por
falta de exploração vincula-se à existência anterior de uma
licença compulsória, só podendo ser requerida após 2 anos da
concessão desta
27
, se o licenciamento "não tiver sido suficiente
para sanar o abuso ou desuso" que o justificaram.
O perodo de transiªo para aplicação da nova lei a pedidos
de patente em áreas antes não-patenteáveis - reivindicado por
várias empresas brasileiras de química fina - acabou não sendo
contemplado. Tampouco a reivindicação das multinacionais quanto
ao reconhecimento retroativo (em período transitório) de patentes
para produtos e processos já patenteados no exterior: o texto
legal reconhece patenteabilidade apenas de produtos e processos
cujas patentes ainda não foram concedidas no país de origem.
Deve-se mencionar ainda que o texto aprovado manteve a
atribuição do INPI de registrar contratos de transferência de
tecnologia, condição para que produzam efeitos em relação a
terceiros
28
.
26
O texto legal não define o que sejam tais motivos, o que desloca sua definição para instância
regulamentar (Decretos, etc.). Essa ressalva impedindo a concessão de licença compulsória é
fiel à Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial - versão de Estocolmo -, à
qual o Brasil aderiu recentemente (em agosto/92).
27
A dependência da caducidade por desuso do objeto patenteado da concessão anterior de uma
licença compulsória também é exigência da versão de Estocolmo da Convenção de Paris.
28
Há ainda vários outros aspectos no PL 824, que não são aqui comentados, por não se relacionarem
diretamente com o objeto deste estudo. No tratamento das marcas e da proteção ao segredo de
negócio, o Projeto de Lei também faz modificações importantes: as marcas notórias não mais
precisarão de registro no país para que se garanta o direito de seus titulares sobre elas. A
punição contra o vazamento de informações sigilosas passa a alcançar, além dos empregados
responsabilizados pelo vazamento, também as empresas (e seus sócios) beneficiários de
informações obtidas ilicitamente. Para aprofundamento dessas e outras questões do PL 824, ver o
trabalho de Jessen (1993).
36
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2.1.2. A criaªo dos direitos de melhorista
A proposta de criação de uma lei especial para proteção de
espécies vegetais no Brasil vem sendo discutida há muito tempo
29
,
e retomou força por volta de 1990, no bojo do debate sobre a
reformulação do atual Sistema de Propriedade Intelectual e da
proposta de nova lei para patentes. Em 1991, um grupo de trabalho
no âmbito da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) elaborou a primeira minuta de anteprojeto de Lei de
Proteção de Cultivares (LPC), que foi discutida e modificada por
uma Comissão Interministerial
30
presidida pelo Ministério da
Agricultura e pela Câmara Setorial de Sementes e Mudas do
Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA). A última versão do
Anteprojeto data de maio de 1992 e deve ser futuramente enviada
ao Congresso Nacional.
Essa proposta prevê a concessão de um direito de
exclusividade de comercialização das sementes de uma nova
variedade vegetal obtida por melhoramento genético por 15 anos
(ou 25 anos, para espécies perenes). Essa proteção abrangeria
todos os gêneros e espécies vegetais, inclusive linhagens
componentes de híbridos, desde que o cultivar seja distinto,
homogêneo e estável.
Seguindo o modelo da UPOV em sua versão de 1978, a proposta
de LPC assegura ao titular do cultivar protegido direitos
restritos (isto é, bem mais "fracos" do que os assegurados por
patentes): ressalva-se da exclusividade a multiplicação de
sementes para uso próprio por agricultores, o uso e venda do seu
plantio como alimento ou matéria-prima, bem como o seu uso como
fonte inicial de variação para novos melhoramentos.
29
Em 1977 houve uma proposta em debate, que encontrou a oposição de vários agentes com atividade
de melhoramento vegetal (principalmente de institutos públicos de pesquisa) e acabou sendo
abandonada.
30
Fazem parte dessa Comissão, além do Ministério da Agricultura, o Ministério da Justiça (através
do INPI), das Relações Exteriores, da Economia e a Secretaria de Ciência e Tecnologia.
37
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Os requisitos para a concessão do direito são: distinªo de
outros cultivares já existentes, a partir de uma margem mínima de
diferenciação estabelecida legalmente; homogeneidade do cultivar,
que deve apresentar variabilidade mínima quando utilizado em
plantio comercial; estabilidade, o que significa que o cultivar
deve manter suas características ao longo de gerações sucessivas;
novidade, considerada como a não-comercialização do cultivar por
mais de 12 meses anteriores à data do pedido de proteção;
denominaªo própria; e utilidade desde o ponto de vista produtivo
e comercial.
O texto do Anteprojeto abre uma exceção à caracterização da
novidade de cultivares estrangeiros, os quais podem ser
protegidos desde que não tenham sido comercializados fora do
Brasil há mais de 4 ou de 6 anos antes do pedido, conforme se
trate de culturas anuais ou espécies perenes, respectivamente.
Não se esclarece, contudo, se nesses casos também se deve
observar o prazo geral de no máximo 12 meses de comercialização
no Brasil.
Várias empresas e instituições públicas brasileiras
reivindicam a retroatividade dos efeitos da lei para proteção de
seus cultivares já lançados, possibilidade não contemplada pelo
anteprojeto. Nas versões anteriores dessa proposta previa-se, em
suas Disposições Transitórias, a proteção para cultivares já
comercializados antes da vigência da lei, pelo prazo remanescente
dos 15 anos previstos - ou seja, proteger-se-ia um cultivar a
partir da vigência da lei pelo prazo faltante para completar os
15 anos, não sendo devida nenhuma remuneração ao titular do
direito pelo uso do cultivar no período anterior ao Certificado
de Proteção. Este ponto foi muito polêmico nas discussões da
Comissão Interministerial e no CNPA, enfrentando a oposição da
Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). A "solução" adotada
pela versão de maio/92 do Anteprojeto foi admitir o pedido de
proteção para cultivares comercializados antes da vigência da
lei, mas vedando cobrar de terceiros "qualquer remuneração pelo
período de comercialização ou utilização, anterior e posterior à
38
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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data de expedição do respectivo Certificado de Proteção". Com
esse dispositivo torna-se quase inócuo qualquer efeito retroativo
da nova lei, pois o reconhecimento da retroatividade serviria
apenas para caracterizar cultivares essencialmente derivados.
O único limite colocado ao exercício do direito é a previsão
de declaração de uso pœblico restrito pelo Ministério da
Agricultura, nas hipóteses de abastecimento insatisfatório do
mercado de sementes ou de abuso de poder econômico. Tal
declaração seria válida por 2 anos renováveis, autorizando a
exploração comercial do cultivar protegido por terceiros,
independentemente de consentimento do titular, mas com pagamento
de royalties. Trata-se, assim, de uma espécie de licença
compulsória, com procedimentos mais simplificados do que os
previstos na lei de patentes.
A convivência de sistemas jurídicos de proteção a novas
variedades vegetais com as leis de patentes tem sido problemática
em diversos países que as adotam, ambas, há mais tempo. Isso se
deve às perspectivas de avanços significativos em biotecnologia
vegetal, cujos resultados podem ser patenteáveis, mas se destinam
ao uso na produção de sementes que, em princípio, subordinam-se a
outro tratamento jurídico. Há, assim, grande controvérsia sobre o
tipo de proteção jurídica aplicável a inovações em sementes
relacionadas à moderna biotecnologia.
No caso de plantas transgênicas - uma variedade na qual se
inseriu um gene de outra espécie que lhe atribui determinadas
características (como valor nutritivo, rendimento, resistência a
pragas, etc.) - pode advir um conflito entre a patente do gene
introduzido e o título de proteção ao cultivar utilizado.
Como a patente garante direitos mais fortes (em tese) do que
o certificado de proteção para cultivares, esse conflito poderia
implicar um tratamento desigual entre a proteção a ser concedida
a um novo cultivar e uma planta transgênica. Por conseqüência,
isto significaria um tratamento assimétrico entre empresas com
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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atividade em melhoramento genético tradicional (cujas obtenções
resultam do processo biológico natural, portanto não-
patenteáveis) e aquelas dedicadas a pesquisas biotecnológicas e
de engenharia genética. Estas últimas poderiam, por exemplo, usar
uma variedade protegida pela LPC, inserindo-lhe um gene, e
comercializá-la como uma nova obtenção, sob proteção patentária.
Esse conflito tende a adquirir maior relevância à medida em
que o potencial da biotecnologia vegetal se concretize, o que
ainda não é uma realidade: ainda é restrita a aplicabilidade da
engenharia genética de plantas e há poucas plantas transgênicas
sendo comercializadas no mundo (Salles Filho, 1993). Ademais, em
se prevendo a aplicação industrial como requisito do
patenteamento, fica descartada a possibilidade de se
estabelecerem patentes preventivas ou estratégicas de produtos
não-comerciais que venham a bloquear futuros desenvolvimentos da
pesquisa, como seria o caso de genes a serem utilizados em
plantas, mas sobre os quais ainda não se conseguiu qualquer
resultado.
Deve-se notar, contudo, que ao se possibilitar o
patenteamento de microrganismos (como no PL 824) sem garantir
qualquer proteção às novas variedades, pode-se dar margem ao uso,
para experiências transgênicas, de variedades bem adaptadas às
condições brasileiras, desenvolvidas por empresas e instituições
públicas com longa tradição no melhoramento genético tradicional,
sem que estas tenham direito a qualquer remuneração.
2.2. A Propriedade Intelectual na Indœstria de Sementes e de
Qumica Fina
Neste item analisa-se o debate sobre a proteção à
propriedade intelectual tal como se coloca concretamente para os
agentes dos dois setores onde a questão tem sido apontada como
mais polêmica. Esta abordagem baseia-se em entrevistas a empresas
e instituições públicas e cooperativas de sementes e química
40
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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fina
31
(nesta destacando o segmento farmacêutico) e numa análise
das características setoriais das indústrias estudadas. Dentre
estas últimas, destaca-se: a) a segmentação do setor; b) suas
características tecnológicas (incluindo a relação crescente com
inovações no campo da biotecnologia); c) o grau de capacitação
tecnológica das empresas concorrentes; e d) as formas de
concorrência predominantes. Tais características conformam a base
sobre a qual se assenta o papel do instrumento jurídico de
proteção e a discussão dos possíveis efeitos da alteração legal
em curso no Brasil.
2.2.1. Proteªo aos cultivares e patentes na indœstria de
sementes melhoradas
A indústria de sementes apresenta dois segmentos básicos: o
de híbridos e o de variedades. A possibilidade de manter controle
sobre linhagens que dão origem às sementes híbridas (associada ao
aproveitamento tecnológico de algumas de suas características que
lhes proporcionam melhor desempenho) facilita a manutenção do
segredo no processo de obtenção de cultivares, o que tem grande
peso explicativo na conformação do mercado de sementes
melhoradas: é nos híbridos que se concentram as maiores empresas
do setor e que se encontram maiores taxas de lucro, dado o alto
grau de apropriabilidade dos resultados de pesquisa propiciado
pelo segredo e pela impossibilidade de reprodução das sementes
híbridas por mais de um ciclo produtivo. Esse segmento no Brasil
tem o milho como principal cultura, com um mercado estimado em
31
Em número de 17, no caso da indústria de sementes, e de 12, no caso da química fina. A lista
das entrevistadas e dos segmentos de mercado nos quais atuam encontra-se nos Anexos 1 e 2. Para
o setor de sementes, baseamo-nos nos resultados da pesquisa "Biotecnologia e Propriedade
Intelectual para Novos Cultivares", parte do Projeto PNUD/BRA/91/014 "Apoio ao Desenvolvimento
de Pesquisas em Política Agrícola", financiado com recursos do empréstimo do Banco Mundial
(2727-BR-Parte C) que tem como órgão gestor o Ministério da Fazenda, através da Comissão
Técnica do Empréstimo 2727-BR e como órgão executor o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
- IPEA, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. A análise da
química fina baseia-se nos resultados da pesquisa "Sistema de Regulamentação da Propriedade
Industrial e do Comércio de Tecnologia no Brasil", um dos estudos que compõem o Projeto
"Desenvolvimento Tecnológico e Competitividade da Indústria Brasileira", contratado pela
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, com
coordenação do Prof. Dr. Wilson Suzigan.
41
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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cerca de US$ 210 milhões. A líder é a Agroceres, empresa nacional
com cerca de 40% desse mercado, observando-se ainda a presença de
multinacionais, algumas das quais pertencentes a grandes grupos
químicos interessados em biotecnologia vegetal - como Rhodia, ICI
e Germinal/Ciba-Geigy.
Já o segmento de variedades (que se caracterizam por serem
sementes auto-reprodutíveis sem perda de suas qualificações
genéticas) apresenta uma estrutura mais dispersa, com grande
número de pequenas empresas e cooperativas, além da presença
expressiva de instituições públicas de pesquisa, geralmente
atuando em nível regional/local. Compreende uma gama mais vasta
de espécies importantes para alimentação humana e animal - trigo,
soja, arroz, etc. Nesse segmento, a auto-reprodutibilidade das
sementes dificulta a apropriação dos resultados de pesquisa e
coloca um limite superior para margens de lucro - não só porque o
material genético da empresa é acessível a seu concorrente como
também pela facilidade de sua multiplicação pelo próprio
agricultor (se a margem se eleva muito, reduz-se a taxa de
utilização de sementes melhoradas).
Essa segmentação do mercado permite situar a questão da
propriedade intelectual para sementes melhoradas: a criação da
lei de proteção aos cultivares atinge mais diretamente o segmento
de variedades, uma vez que nos híbridos é possível a utilização
de outros mecanismos de apropriabilidade que colocam em segundo
plano a proteção jurídica
32
.
As entrevistas realizadas com agentes do setor demonstram
que há unanimidade a favor da criação dessa lei. Atualmente, na
ausência de proteção jurídica para seus cultivares, as empresas,
cooperativas e instituições públicas tentam assegurar algum grau
de exclusividade sobre seus produtos por meio de contratos de
natureza privada que restringem o acesso de concorrentes a
32
É possível, no entanto, que as linhagens que dão origem aos híbridos passem a ter novas formas
de apropriabilidade, o que explica o interesse das empresas desse segmento na aprovação da Lei
de Proteção aos Cultivares.
42
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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sementes multiplicadas e/ou prevêem o pagamento de royalties
sobre o valor das sementes comercializadas por terceiros.
O interesse por mecanismos jurídicos de proteção visa
principalmente a garantir o controle sobre produtos - i.é, os
novos cultivares lançados, que constituem o item mais importante
no processo competitivo no mercado de sementes. As inovações em
processos são raras e, quando existentes, localizam-se em
pequenas etapas do processo de melhoramento, sobre as quais pode-
se manter o segredo. Em geral, utilizam-se métodos tradicionais
de melhoramento vegetal já amplamente difundidos. Eventuais
vantagens de uma empresa neste aspecto ligam-se mais ao
aprendizado e à capacidade de organização eficiente da atividade
de pesquisa.
A posição unanimamente favorável à LPC não se verifica
quanto à patenteabilidade de biotecnologias. As multinacionais
entrevistadas são favoráveis, mas apenas uma delas teria
interesse imediato em requerer patente para produtos já
desenvolvidos no exterior (as demais apontam a importância da lei
para o futuro, no qual esperam-se resultados mais significativos
em biotecnologia vegetal). Por outro lado, a maioria das empresas
nacionais afirmou que, embora não tenham capacitação nessa área
(não tendo, portanto, interesse na proteção de produtos
biotecnológicos) a aprovação de uma lei nesse sentido pode
facilitar os acordos de licenciamento com empresas estrangeiras,
abrindo novos canais de transferência de tecnologia e criando-
lhes novas oportunidades de negócio.
Se bem é certo todas as empresas entrevistadas tenham
interesse na criação de mecanismos jurídicos que lhes permitam
impedir (ou pelo menos controlar) a difusão do uso de seus
cultivares, as empresas já usam meios não-jurídicos para tal
finalidade, além de outros mecanismos legais não relacionados a
patentes ou direitos de melhorista.
Entre os meios de apropriabilidade, mencionados pelas
empresas, destacam-se: a) a manutenção do segredo sobre o produto
43
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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(possível apenas para sementes híbridas) e sobre alguns processos
desenvolvidos internamente; b) as estratØgias de comercializaªo
que, em alguns casos, envolvem a montagem de um sistema de
interação e acompanhamento constante do usuário agricultor, o que
é particularmente importante para empresas de milho híbrido que
atuam com sementes de alto rendimento para agricultores de níveis
mais sofisticados de tecnologia. Em outros casos, a importância
das estratégias de comercialização significa o estabelecimento de
bons canais de distribuição do produto, de unidades de
beneficiamento de sementes bem localizadas e próximas aos locais
de produção. A isto se somam também as estratégias de marketing
de empresas com nome reconhecido no mercado, geralmente
relacionadas ao uso de marcas comerciais, que dificultam a
penetração de concorrentes em seus nichos e inibem a imitação de
produtos; c) o pioneirismo, que consiste em "sair na frente" na
busca de determinadas características genéticas de novos
cultivares; d) a manutenção de uma atividade inovativa constante,
que permite o incremento contínuo de seus próprios resultados de
pesquisa e o lançamento de novos cultivares todo ano; e)
finalmente, os contratos de exclusividade feitos pelas empresas
com seus conveniados para produção de sementes, já mencionados
anteriormente.
Todas as empresas foram unânimes em afirmar que nenhum dos
mecanismos listados acima, jurídicos ou não, têm eficácia
absoluta em garantir-lhes as vantagens derivadas da introdução de
novos produtos. Nesse sentido, é significativo que todas elas
tenham atribuído importância a mais de um desses mecanismos.
Pode-se afirmar, portanto, que suas estratégias buscam
estabelecer um conjunto de meios pelos quais possam manter ou
prolongar suas vantagens competitivas.
Questionadas se algo mudaria na valoração dos diferentes
mecanismos de apropriabilidade utilizados, caso fosse aprovada a
Lei de Proteção aos Cultivares e a nova Lei de Patentes, as
entrevistadas responderam que cresceria a importância dos meios
jurídicos, por duas razões: a primeira, obviamente, porque se
44
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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passa a dispor de um mecanismo a mais - a proteção aos direitos
de melhorista hoje inexistente, que todas as empresas pretendem
utilizar para proteção de seus cultivares
33
; a segunda razão,
pelos efeitos indiretos que essa Lei causaria no sentido de
reforçar a eficácia dos contratos, como, por exemplo, os que
estabelecem a cobrança de royalties pelo uso e reprodução de
sementes de cultivares a serem protegidos pela futura Lei.
Passar a contar com mais um instrumento de proteção não
significa que os demais meios de apropriabilidade tenham sua
importância reduzida. As respostas obtidas nas entrevistas nos
permitem afirmar que continuará havendo um mix de mecanismos de
apropriabilidade utilizados nas estratégias empresariais. A
obtenção de um direito de exclusividade sobre um cultivar não
reduz a importância do segredo, por exemplo; muito menos a da
manutenção da atividade inovativa constante e do lançamento
contínuo de novos cultivares (fatores cruciais da competitividade
das empresas do setor). Tampouco a eficácia dos direitos a serem
garantidos com a nova lei é vista como absoluta pela maioria das
empresas: pelo contrário, é bastante limitada e de fiscalização
difícil.
Até agora, a ausência de proteção jurídica aos resultados de
pesquisas em melhoramento genético no país não influenciou as
estratégias dos agentes do setor senão de forma sutil, e sempre
relacionada a outros fatores que determinam ou condicionam a
rentabilidade esperada de certos investimentos. Assim, nas
decisões sobre os rumos da atividade de pesquisa, há exemplos de
não-implementação ou encerramento de programas de desenvolvimento
de variedades, ou ainda de privilegiar a via híbrida para
obtenção de cultivares. A atividade de pesquisa em variedades é
considerada, por muitas empresas, como não compensadora, devido à
33
As patentes têm, hoje, pouca importância para as empresas de sementes. São poucas as que têm
pedidos depositados que, em geral, recaem sobre equipamentos e máquinas desenvolvidos pelas
empresas como auxiliares no processo de produção de sementes. Talvez, com o reforço da proteção
garantida no PL 824, passem a ter maior importância. Quanto às patentes para biotecnologia, não
há perspectiva de que venham a ser significativas (com poucas exceções) no estágio atual de
desenvolvimento de biotecnologia vegetal.
45
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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possibilidade de reprodução indiscriminada das sementes
desenvolvidas, que dificulta a obtenção de retornos para esses
investimentos. A ausência de proteção legal é um dos fatores que
contribui para isso, mas a aprovação da LPC provavelmente não
modificará essa situação, o que se explica pela dificuldade de
fiscalização do uso de variedades protegidas e também pela
possibilidade, legalmente prevista, de multiplicação de sementes
pelo agricultor para uso próprio, colocando um limite para
aumentos de preço das sementes, e por conseqüência das margens de
lucro possíveis
34
.
Assim, deve-se relativizar a perspectiva de que a LPC terá o
efeito de tornar mais rentável o investimento em variedades,
atraindo o interesse de empresas privadas para esse segmento.
Isso poderá se verificar em alguns casos, mas não deve ser um
efeito generalizado.
Das seis empresas entrevistadas que declararam sua intenção
de iniciar pesquisa em plantas autógamas com a aprovação da lei,
cinco visam o mercado brasileiro de sementes de soja
35
, o segundo
mercado mundial, num valor em torno US$ 200 milhões para uma área
plantada de mais de 9 milhões de hectares na safra 1990/91. É um
mercado ligeiramente menor que o de milho (de cerca de US$ 210
milhões), mas muito superior ao de arroz e algodão, por exemplo.
Assim, apenas num mercado que já é atrativo por outros motivos, a
lei significaria um incentivo a novos investimentos.
Embora as modificações no sistema de propriedade intelectual
vigente não venham a provocar efeitos diretos e radicais sobre o
mercado de sementes, de um modo geral, elas abrem novas
oportunidades de mercado para as empresas privadas, seja pela
maior garantia de recuperação dos investimentos em variedades,
seja pela criação de facilidades de associação entre empresas e
de acordos de transferência de tecnologia. Isso não implica que
34
Já que se o aumento de preço é muito grande, pode-se reduzir a taxa de utilização de sementes
melhoradas, optando-se pela multiplicação própria.
35
Apenas uma mostrou interesse no mercado para variedades de milho.
46
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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essas oportunidades serão efetivamente aproveitadas, o que
depende de outros fatores considerados nas decisões empresariais.
Não significa, tampouco, que a iniciativa privada tomará espaços
da pesquisa pública. Pelo contrário, as duas instituições
entrevistadas vêem na LPC uma possibilidade de assegurar o
financiamento de suas atividades de pesquisa, fortalecendo-as.
Se os efeitos mais concretos da lei são pontuais e
localizados, por outro lado sua função de compor um ambiente no
qual se espera o respeito às regras estabelecidas parece ser mais
relevante e geral. Uma nova legislação que reforce os direitos de
propriedade intelectual, seja diretamente pela criação de um novo
instrumento jurídico, seja indiretamente por aumentar a eficácia
dos contratos, possivelmente provocará alterações no
comportamento das empresas nacionais no que diz respeito a sua
postura no processo competitivo. É significativo, por exemplo,
que muitas dessas entrevistadas tenham afirmado que passaram a
assumir uma postura "mais empresarial", a preocupar-se mais com a
apropriação de seus resultados de pesquisa, já que isso é
elemento fundamental para garantir o financiamento dessa
atividade e o retorno dos investimentos
36
. Obviamente essa
preocupação surgiu junto com as dificuldades de financiamento da
pesquisa, o que se deve apenas parcialmente à ausência de
proteção legal para seus resultados. A perspectiva da criação da
LPC abrirá a possibilidade de protegê-los, mas também a de virem
a enfrentar maior concorrência de empresas estrangeiras que
vierem a introduzir novas variedades no país
37
. Assim, a
manutenção da atividade de inovação contínua é uma condição de
sobrevivência das empresas, já que é isso que lhes garante
vantagens competitivas, e não a proteção jurídica.
Por outro lado, as empresas estrangeiras valorizam e
utilizam todas as formas de apropriabilidade possíveis. De acordo
36
Essa mudança de postura é bastante visível nas instituições públicas e cooperativas, pois
ambas, até recentemente tinham asseguradas suas verbas de pesquisa. As dificuldades
orçamentárias da pesquisa pública e o fim dos repasses automáticos dos fundos de pesquisa do
trigo pelo Banco do Brasil às cooperativas são o motivo mais imediato dessa mudança.
37
O que é mais provável no caso da soja, como já foi destacado.
47
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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com o que se pôde perceber nas entrevistas com essas empresas,
embora a legislação de propriedade intelectual tenha um peso
apenas relativo em suas decisões, nos países em que se garantem
esses direitos esse fator já é rotineiramente levado em conta
como um dos que influenciam a rentabilidade esperada de um
programa de pesquisa. Isso parece indicativo de que as normas
relativas à propriedade intelectual, ao definirem regras de
apropriabilidade e assim selecionarem os comportamentos
legalmente possíveis, fazem parte de um ambiente competitivo
38
que
condiciona certas estratégias das empresas.
É interessante notar ainda que o fato de o incremento
constante ou o lançamento de novos cultivares ser a principal
fonte de vantagens para as empresas faz aumentar a importância
dos mecanismos legais ao mesmo tempo em que torna esse mecanismo
insuficiente para a manutenção dessas vantagens: além dos
eventuais limites à sua eficácia, a lei não constitui, em si
mesma, uma fonte de competitividade; tampouco cristaliza
situações, pois um cultivar eventualmente protegido pode ter seu
mercado tomado por outro de melhores características.
Assim, uma eventual lei para proteção dos cultivares pode
acirrar a concorrência entre as empresas com atividade de
pesquisa, à medida em que cria um ambiente que, por um lado,
valoriza a atividade inovativa e, por outro, inviabiliza
estratégias puramente imitativas. Este, talvez, seja o efeito
mais significativo da nova lei.
2.2.2. Importncia do sistema patentÆrio para qumica fina
O setor de química fina caracteriza-se por produtos de alto
valor agregado produzidos em pequenos volumes, geralmente em
plantas multipropósito. Tem na atividade de P&D, e conseqüente
lançamento de novos produtos ou processos, um fator fundamental
38
Entendido como um conjunto de condições institucionais que cercam as empresas, condicionando as
formas de concorrência prevalecentes num mercado em determinado momento.
48
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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no processo competitivo. Esta atividade tem apresentado custos
crescentes, principalmente no segmento farmacêutico, em
decorrência da complexidade científica cada vez maior, das
exigências governamentais para registro e autorização de
comercialização de novos produtos, que requerem grandes gastos em
testes e exames de toxicidade, e principalmente do provável
esgotamento das oportunidades tecnológicas colocadas pelo
paradigma da síntese química (Queiroz, 1993).
O avanço da biologia molecular tem levado a mudanças
significativas nas atividades de pesquisa de novos fármacos,
devido à perspectiva de substituir o screening aleatório
39
pelo
desenho racional de drogas
40
, que utiliza ferramentas da
biotecnologia. Daí falar-se na possível emergência de um novo
paradigma tecnológico na indústria farmacêutica baseado na
biotecnologia. Entretanto, como adverte Queiroz (1993), isso não
significa que o paradigma baseado na síntese química será
substituído, mas sim que possivelmente haverá uma transformação
profunda nas atividades de P&D da indústria, à medida em que o
uso de novas ferramentas obtidas do avanço da biotecnologia
impliquem mudanças nas rotinas tecnológicas predominantes no
setor farmacêutico.
A química fina engloba produtos intermediários (de síntese e
de uso) e especialidades. Os primeiros definem-se como moléculas
puras a serem utilizadas numa etapa de industrialização
posterior, como matéria-prima de outra reação química
(intermediários de síntese) ou como parte de uma formulação na
qual desempenha um certo efeito (intermediários de uso). São
produtos com pouca possibilidade de diferenciação, a não ser pelo
39
A pesquisa de novos fármacos a partir dos anos 30 foi fortemente baseada nos avanços
científicos verificados desde o final do século XIX nos campos da microbiologia e da química
orgânica, mas ainda apresenta grandes lacunas no conhecimento dos mecanismos de ação das drogas
nos processos bioquímicos complexos. Daí a descoberta de novos princípios ativos basear-se no
"screening" de muitas moléculas testadas para atividade em várias doenças, num processo de
tentativa e erro, até se chegar a uma descoberta relevante (Queiroz, 1993:85).
40
Utiliza a biotecnologia para identificar e em seguida produzir proteínas com ação em
determinada doença, compreendendo sua estrutura molecular e sua atuação nas células. Com
auxílio da computação, desenvolvem-se modelos de ação das drogas, que são desenhadas e testadas
em simulações (Queiroz, 1993:86).
49
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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grau de impurezas que contenham, o que leva à competição em
preços. A tecnologia de processos - de síntese, separação e
purificação - é um fator fundamental na atividade de empresa,
pois dela dependerá o rendimento do processo de obtenção de
determinada molécula e a natureza dos subprodutos ou impurezas
gerados, afetando custos e preços dos produtos (ABIFINA et alii,
1992:8). Decorre daí que as patentes de processo são muito
importantes para as empresas que atuam com intermediários,
relevância esta contrabalançada pela maior possibilidade de se
manter o segredo para processos desenvolvidos internamente: dos
mecanismos de apropriação utilizados pelas empresas para proteger
processos, o segredo é mais privilegiado do que a patente.
A decisão de patentear - e com isso ser obrigado a divulgar
o processo - ou de manter sigilo sobre ele, fica por conta de
diretrizes internas estabelecidas com tal finalidade. Em geral
para processos básicos, o risco de não patentear é grande, já que
outros podem fazê-lo (por imitação ou não) e, como o uso de um
processo em sigilo não constitui prova de anterioridade, fica
difícil contestar a novidade da patente requerida por terceiros;
já os aperfeiçoamentos de processos constituem pequenas inovações
- melhorias ou modificações pontuais num processo - que,
introduzidas, propiciam um ganho considerável de rentabilidade ou
qualidade do produto obtido. Ademais, geralmente é nessas
pequenas modificações que reside o "pulo do gato" do processo,
cujo segredo pode ser mais eficaz do que a proteção patentária
para impedir que concorrentes o imitem, a não ser que tenham
capacitação própria para isso. A decisão de patentear depende,
ainda, de uma avaliação da importância da inovação para uso da
empresa e da perspectiva quanto ao seu ciclo de vida: inovações
para as quais se espera rápida obsolescência, em geral, não são
patenteadas
41
.
41
Esses dois últimos critérios elencados são observados também para decisões sobre patenteamento
de produtos. Observe-se que o ciclo de vida do produto é fator crucial na determinação do
interesse pelo patenteamento: para produtos com curto ciclo de vida, que rapidamente são
substituídos, não há interesse em patentear (pois não há vantagem em deter uma patente de
produtos que já perderam mercado para novos). Nesses casos, é o aperfeiçoamento e lançamento
contínuos de novos produtos que garantem vantagens às empresas inovadoras.
50
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Como apontado anteriormente, além dos intermediários a
química fina abarca também a produção de especialidades, que são
misturas de várias moléculas para o desempenho de determinada
função
42
. Seu valor está associado a essa função e a sua eficácia
em produzir determinado efeito desejado. A tecnologia relevante
para produção de especialidades é a relativa ao produto e,
principalmente, à sua aplicação. A atividade inovativa das
empresas participantes nesse mercado visa à obtenção e introdução
de novos produtos ou à modificação de moléculas já conhecidas que
melhore seu desempenho; buscam-se, também, novas aplicações para
produtos conhecidos
43
(Mercado, 1992:26).
Justamente porque o valor de uma especialidade reside no
efeito que provoca e não em sua estrutura química, esses produtos
são passíveis de diferenciação - é comum a existência de produtos
com diferentes composições químicas mas com igual desempenho
(sucedâneos), ou ainda a ocorrência de pequenas alterações em
moléculas já conhecidas, que propiciam um desempenho incremental
do produto ou a eliminação de efeitos colaterais indesejáveis.
Isso propicia estratégias de diferenciação, mesmo que em
caracteres não essenciais do produto, e torna fundamentais para a
posição da empresa as suas estratégias de marketing (atividade
para a qual as empresas farmacêuticas canalizam parcelas
significativas de seu faturamento) e o uso de marca registrada
para identificação de seus produtos. O lançamento contínuo de
novos produtos - quer representem ou não uma inovação
significativa - é, assim, uma das principais fontes de vantagens
competitivas das empresas que atuam com especialidades.
A tecnologia de processos de produção é simples e difundida,
envolvendo geralmente apenas a formulação do produto em unidades
42
Assim, por exemplo, na indústria farmacêutica, os princípios ativos (farmoquímicos) são
considerados intermediários, enquanto a formulação final (a forma de apresentação do
medicamento) é uma especialidade.
43
Deste último tipo de desenvolvimento tecnológico é exemplo a utilização do AZT como medicamento
para combate à infecção pelo vírus da AIDS: a substância ativa do AZT é uma molécula conhecida
desde os anos 60 (sua patente data de 1964), para a qual a Welcome pesquisou a nova aplicação,
obtendo uma patente para o seu uso no tratamento anti-AIDS em 1987.
51
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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de baixa sofisticação tecnológica (ABIFINA et alii, 1992:11). Na
indústria farmacêutica, a produção de especialidades (i.é., a
apresentação dos princípios ativos na forma de medicamentos)
envolve apenas processos físicos, cuja tecnologia está, em geral,
incorporada nos equipamentos utilizados. Decorre daí o
desinteresse por patentes de processo em especialidades, enquanto
patentes de produto são de extremo interesse para as empresas
inovadoras porque os novos produtos, uma vez obtidos, são
facilmente copiáveis. A facilidade de cópia somada ao fato de que
a produção de especialidades não requer grande capacitação
técnica possibilita, na ausência de proteção patentária,
estratégias puramente imitativas por empresas que fazem apenas a
formulação final da especialidade, adquirindo de terceiros os
princípios ativos que necessitam e concorrendo com a empresa
inovadora.
A química fina no Brasil tem um mercado de aproximadamente
US$ 8 bilhões, representando cerca de 3,2% do mercado mundial
(ABIFINA et alii, 1992:21). Como pode ser observado na Tabela 1,
conta com a presença expressiva de empresas estrangeiras que,
embora em menor número que as nacionais, são responsáveis pela
maior parcela do faturamento total do setor em quase todos os
segmentos - à exceção dos catalisadores, o que se deve,
basicamente, à produção da Fábrica Carioca de Catalisadores
(FCC), de capital predominantemente nacional.
TABELA 1
SEGMENTOS DE QUÍMICA FINA NO BRASIL - NÚMERO DE EMPRESAS
POR ORIGEM DE CAPITAL E RESPECTIVA PARTICIPAÇÃO NO MERCADO
1990
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
SEGMENTO EMPRESAS NACIONAIS(*) EMPRESAS ESTRANGEIRAS(*)
PARTICIPAÇÃO DO
------------------------------ -------------------------- SEGMENTO
NA DE-
N
º
% no Faturamento Nº % no Faturamento MANDA
TOTAL (%)
Total Total
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
52
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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- Farmoquímicos 140 20 60 80
10
(intermediários)
- Medicamentos 356 20 44 80
55
(especialidades)
- Defensivos agrícolas 18 13 22 87
17
(intermediários e es
pecialidades)
- Defensivos animais 64 27 25 73
6
(intermediários e es
pecialidades)
- Corantes e Pigmentos 11 10 12 90
7
(intermediários e es
pecialidades)
- Catalisadores 3 80 4 20
1
- Aditivos e lubrificantes 25 27 13 73
3
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
(*) Consideram-se estrangeiras as empresas com menos de 50% de participação de capital nacional.
Fonte: ABIFINA et alii (1992: 15, 23 e 40).
A indústria de química fina no país desenvolveu-se
basicamente nos anos 80, quando se implantaram alguns projetos
para produção de produtos de terceira geração da química
(intermediários de síntese) e especialidades, amparados por
medidas de política industrial de estímulo e proteção
44
(Mercado,
1992:41). As estratégias de acesso à tecnologia basearam-se na
aquisição ou formação de joint-ventures com empresas
estrangeiras. Algumas empresas desenvolveram esforço próprio de
P&D em processos para produção de substâncias já conhecidas
45
, a
maioria destas não-patenteadas ou com patentes já expiradas no
país de origem - embora haja exceções importantes, como no caso
da fabricação, por empresas brasileiras, do AZT, cuja patente
sobre o uso ainda vigora no exterior.
Ao lado dessas, convivem empresas que fazem praticamente só
a formulação final de especialidades a partir de intermediários
44
Das quais se destacam: o financiamento de projetos pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial
(CDI); a criação do grupo NORQUISA em 1980; o Projeto CEME-CODETEC, esta criada em 1984; e a
Portaria nº 4 de 03/10/84, editada conjuntamente pelos Ministérios da Saúde e da Indústria e
Comércio.
45
Mas não houve esforços de pesquisa direcionados à busca de novas moléculas.
53
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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importados. No segmento farmacêutico, esse grupo é bastante
numeroso e a maior parte de seus produtos também já tiveram suas
patentes vencidas no exterior
46
. Os poucos com patentes ainda em
vigência são fabricados com matéria-prima fornecida por empresas
de países que não reconhecem patentes na área farmacêutica. As
estratégias desse tipo de empresa marcam-se pela busca de bons
fornecedores de matérias-primas e, em alguns casos, de acordos
com multinacionais para uso de marcas. Bom conhecimento do
mercado, canais de comercialização e propaganda são os principais
ítens de suas estratégias concorrenciais.
As posições dos agentes do setor de química fina a respeito
da mudança na legislação brasileira de propriedade industrial são
bem mais polêmicas do que as verificadas entre as empresas de
sementes. Nas multinacionais, há uma opinião generalizada a favor
dessa mudança e do máximo reforço dos direitos concedidos pela
patente, bem como da extensão da patenteabilidade às áreas hoje
não privilegiáveis, mudanças das quais seriam, em tese, as
maiores beneficiárias. Quanto ao dever de exploração do objeto da
patente no país, argumentam - com certa razão - que as
características da organização da produção em química fina
(produção centralizada e em pequenos volumes) muitas vezes torna
antieconômica sua exploração em mais de um local. Por esse
motivo, posicionam-se contra a inclusão de mecanismos como
licença compulsória e caducidade por falta de exploração na nova
lei.
De outro lado, as empresas nacionais em geral são contra o
reforço excessivo dos direitos patentários, mas nota-se que há
uma percepção de que alterações significativas na atual
legislação são inevitáveis, não se verificando entre os
entrevistados nenhuma opinião favorável à simples manutenção do
atual sistema de propriedade intelectual. Discutem-se pontos
específicos do que virá a ser uma nova lei de patentes: há um
46
Dados constantes num trabalho da CODETEC (1990) mostram que, em 1988, de 271 princípios ativos
que entram na composição dos 200 produtos éticos mais vendidos, só 21 estavam sob proteção
patentária e, destes, apenas 8 eram usados na formulação de similares nacionais.
54
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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razoável consenso, por exemplo, em admitir a patenteabilidade
imediata de processos químico-farmacêuticos
47
; para patentes de
produtos, advoga-se a previsão de período de transição, ao longo
do qual as empresas poderiam se adaptar às novas restrições
colocadas a suas estratégias imitativas; verificava-se também o
total repúdio à previsão do 2o. Substitutivo do Deputado Ney
Lopes de reconhecer automaticamente patentes já concedidas em
outros países pelo tempo remanescente; quanto ao dever de
exploração do objeto patenteado no país, as empresas nacionais
defendem que a importação do produto patenteado não seja
considerada exploração efetiva, mantendo-se os mecanismos da
licença compulsória e da caducidade - muito embora sejam poucas
as que potencialmente se beneficiariam deles, pois isso exige
algum grau de capacitação tecnológica própria. Alguns vêem na
previsão da licença compulsória não mais que um instrumento de
pressão capaz de induzir empresas estrangeiras a fazer acordos de
licenciamento com empresas nacionais interessadas em fabricar
determinado produto patenteado, sem, contudo, ter a ilusão de que
isso significaria garantir a eficácia da lei e tampouco modificar
a lógica de organização da produção característica das grandes
empresas multinacionais da química fina.
Essas posições não refletem necessariamente os efeitos
possíveis da nova legislação esperados por essas empresas, ou o
grau de influência sobre suas estratégias.
Do ponto de vista das multinacionais, por exemplo, a
ausência de proteção patentária parece não ter influenciado a
transferência de tecnologia das matrizes para suas filiais
brasileiras que sempre se deu sem grandes obstáculos, tampouco as
decisões sobre novos investimentos no país (que são muito mais
determinadas pelas condições de instabilidade do país). Ademais,
a tendência à centralização das atividades de P&D e da produção
em local geralmente próximo ao centro decisório da empresa se
47
Como já mencionado, algumas empresas brasileiras apresentam um grau razoável de capacitação
tecnológica em processos químicos, o que as tornariam potenciais beneficiárias de uma nova lei
que passe a admitir patentes nessa área.
55
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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deve a condicionantes de outra natureza - basicamente, às
características técnicas da química fina
48
e às condições de
organização internas da firma - que não as possibilidades de
patenteamento de determinado produto em determinado país.
Portanto, não se sustenta a alegação de que o reforço dos
direitos estimularia novos investimentos estrangeiros em pesquisa
e produção no país uma vez estabelecidas as bases legais de
apropriabilidade.
A única hipótese plausível sobre a influência da lei de
patentes nas estratégias das multinacionais é a de que a não-
patenteabilidade teria desincentivado a introdução de produtos
novos no país, devido ao temor de, em abrindo um novo mercado,
atrair empresas copiadoras. Desse modo, é possível que a nova lei
favoreça a introdução de novos produtos no mercado brasileiro,
lembrando que essa decisão, em última análise, decorre mais de
uma avaliação sobre o mercado esperado para tais produtos, tendo
a patenteabilidade um peso apenas relativo.
Entre as empresas nacionais que apenas fazem a formulação
final de especialidades químicas a partir de princípios ativos
importados, a oportunidade de imitação legalmente permitida não
só não foi aproveitada para um processo de capacitação
tecnológica, como também a maioria dos produtos formulados tinham
suas patentes vencidas em outros países, com o que a ausência de
patenteabilidade na área farmacêutica teria sido totalmente
indiferente para sobrevivência dessas empresas. No entanto,
apesar de não aproveitada efetivamente, a manutenção da
oportunidade de cópia (de produtos patenteados no exterior) como
alternativa legal que poderia vir a sê-lo no futuro, propiciou
comportamentos marcados pela acomodação no que se refere à
capacitação tecnológica ou à busca de novos canais de acesso à
tecnologia.
48
Como já mencionado, os produtos da química fina são produzidos em pequenos volumes, o que, em
muitos casos, é suficiente para abastecer o mercado mundial. A concentração espacial permite às
empresas o aproveitamento de escalas tanto na produção quanto na atividade de pesquisa.
56
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A mudança na legislação de propriedade industrial, se bem é
certo não inviabiliza por completo a permanência no mercado desse
tipo de empresa - até porque elas podem manter os produtos
(patenteados ou não) que já estão comercializando atualmente
49
, ou
ainda passar a produzir outros que venham a cair em domínio
público -, poderá ter um efeito de diminuir suas oportunidades de
crescimento, o que pode levar, a médio ou longo prazo, ao
fechamento de algumas delas
50
. Por outro lado, uma nova legislação
aumentaria o interesse por acordos de licenciamento de marcas ou
co-marketing com empresas estrangeiras, alternativa essa viável
apenas para algumas empresas, à medida em que exige um patamar
mínimo de preparo e credibilidade por parte da empresa nacional.
Das empresas nacionais que apresentam alguma capacitação
tecnológica própria em processos químicos, a grande maioria
trabalha apenas com produtos não-patenteados ou cujas patentes já
expiraram. Para estas, pois, a alternativa de imitação propiciada
pelo atual Código de Propriedade Industrial não representou uma
condição sine qua non para suas atividades tecnológicas. No
segmento farmoquímico são poucas as que desenvolveram processos
para produção de alguns produtos patenteados no exterior.
Não se pode afirmar ao certo de que modo empresas desse tipo
serão afetadas com a nova lei de patentes. Desde logo, elas
poderão continuar produzindo o que já fazem, o que, entretanto,
sujeitá-las-ia a um progressivo envelhecimento de sua linha de
produtos. Uma alternativa importante, apontada por vários
entrevistados, seria a formação de um mercado de produtos
genéricos
51
, no qual existe ampla margem para investimentos em P&D
49
Lembre-se que a lei não terá efeitos retroativos, a não ser para produtos cujas patentes ainda
não foram concedidas. Porém, a simples manutenção da atual linha de produtos não é uma
alternativa de sobrevivência a longo prazo, pois esses produtos estarão sujeitos a um processo
contínuo de obsolecência, que se acelera à medida em que produtos mais modernos e eficazes
estejam disponíveis no Brasil.
50
Um dos entrevistados, diretor de uma empresa de medicamentos, afirmou que a nova lei de
patentes pode selecionar mais a indústria farmacêutica nacional, efeito ao qual ele atribui um
caráter positivo.
51
Isto é, de produtos cujas patentes expiraram e caíram em domínio público. A produção de
genéricos requer tecnologia de processo e escala, o que é um grau de capacitação tecnológica
acessível às empresas nacionais. Requer também um conjunto de medidas regulatórias que induzam
57
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de novos processos ou aperfeiçoamento de produtos - e que,
portanto, permitiria a continuidade ou incremento da capacitação
tecnológica dessas firmas, sem infração a patentes concedidas no
país. Uma outra alternativa apontada nas entrevistas seria,
através da capacitação em processos, chegar a desenvolver
atividades de pesquisa visando ao aperfeiçoamento de moléculas já
conhecidas
52
.
Os exemplos de reação por parte de empresas nacionais
entrevistadas à perspectiva de mudança na lei - preparando-se
para a busca de acordos de licenciamento de produtos, ou
aproveitando os últimos momentos da possibilidade de imitação (na
lei ainda vigente) para capacitar-se a um salto de qualidade no
futuro - denotam um comportamento mais voltado para a
concorrência, que tende a colocar a questão tecnológica no centro
das estratégias pensadas para fazer face à nova lei.
O significado dessa mudança de comportamento pode ser melhor
compreendido se levado em conta o contexto vivenciado por essas
empresas nos anos 90, quando se suspendem uma série de medidas
protecionistas que vinham sendo implementadas na década passada,
visando a incentivar a indústria nacional de química fina. Assim,
se a influência da legislação patentária não foi, até agora,
significativa nas estratégias das empresas nacionais do setor -
no sentido de que não se aproveitaram as oportunidades de
imitação legalmente permitidas, salvo exceções -, as propostas
de mudança legal, que implicam a extensão e o reforço dos
direitos de patente, surgem simultaneamente ao fim abrupto das
políticas protecionistas e, nesse conjunto, passam a significar
uma oportunidade a menos de sobrevivência para empresas que já
à prescrição de medicamentos pelo seu nome genérico (e não pela marca), que autorizem as
farmácias a substituir remédios receitados pelo nome comercial por outros similares
apresentados sob nome genérico, etc. No EUA, uma lei de 1984 relacionou a regulamentação do
mercado de genéricos à proteção patentária: dispensou os fabricantes de genéricos da
apresentação de novos testes clínicos dos produtos (exigidos pelo FDA), ao mesmo tempo em que
concedeu aos detentores de patentes um período adicional de proteção pelo tempo gasto com
testes de segurança e eficácia dos remédios exigidos para autorização de comercialização (pois
essas exigências reduzem a vida efetiva das patentes).
52
Já que parece pouco provável que empresas nacionais venham a ter capacidade (não apenas
tecnológica, mas sobretudo financeira) de pesquisa em novas moléculas.
58
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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estavam, por outros motivos, se vendo ameaçadas com a
concorrência internacional.
Duas constatações são importantes nessa discussão: a
primeira é a de que, entre os entrevistados é unânime a opinião
de que a mudança na lei de propriedade industrial não encabeça a
lista de preocupações das empresas do setor. Problemas como
liberação das tarifas de importação, controle de preços,
licenciamento de produtos no Ministério da Saúde, além de
questões mais gerais como a ausência de uma política industrial
definida ou falta de estabilidade das regras, são vistos como
muito mais relevantes (e preocupantes) do que a questão das
patentes.
A segunda constatação, para a qual nos valemos dos
resultados de pesquisa de Mercado (1992) sobre empresas nacionais
de química fina, é a de que os problemas legais acima citados
eram "percebidos como os obstáculos mais sérios ao
desenvolvimento das firmas", suplantando os relacionados ao
acesso à tecnologia e à produtividade. Muito embora estes
problemas existissem nas empresas pesquisadas, e se revestissem
de certa gravidade, "não foram o centro da atenção das
estratégias de atuação de muitas empresas". Para o autor, isso se
deve a "uma particular visão de alguns empresários, na qual a
tecnologia não é vista, ainda, como uma ferramenta básica para
atingir uma maior produtividade e competitividade. Para muitos
deles, acostumados a atuar em estruturas de mercado protegidas e
subsidiadas, suas preocupações principais centravam-se, quase que
exclusivamente, nas negociações com o Estado" (Mercado, 1992:92).
Assim, só se pode compreender a real medida de influência da
alteração na lei patentária se se tem em vista que esse
instrumento, longe de ser o mais importante e decisivo, compõe
junto com outros um cenário institucional que requererá mudanças
nas estratégias dessas empresas.
59
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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3. CONCLUSES E PROPOSI˙ES
3.1. Consideraıes Finais
Das análises precedentes acerca da legislação de propriedade
intelectual no Brasil e suas mudanças recentes, da importância do
mecanismo jurídico de apropriação nos setores estudados e das
tendências internacionais apontadas tanto no âmbito das
instituições multilaterais de comércio quanto dos acordos,
tratados e convenções específicas sobre a matéria, pode-se
retirar algumas conclusões que orientam as propostas feitas a
seguir.
Nos resultados dos estudos setoriais realizados, quando
analisados em conjunto, nota-se que há algumas semelhanças quanto
ao papel desempenhado por uma legislação de propriedade
intelectual nas estratégias dos agentes dos setores de sementes
melhoradas e de química fina.
Em primeiro lugar, observa-se que a inexistência de
mecanismos jurídicos de apropriabilidade para os setores em
questão não foi determinante para o desenvolvimento destes:
existem outros mecanismos de apropriabilidade que são utilizadas
pelas empresas; as oportunidades de imitação legalmente permitida
não foram efetivamente aproveitadas; a proteção jurídica não é
absolutamente eficaz. Tampouco a mudança do sistema legal vigente
importará alterações radicais nos mercados analisados - salvo
efeitos pontuais, como por exemplo um aumento de investimentos
privados em variedades de soja ou a introdução de novos produtos
farmacêuticos no país.
Observa-se também, nos dois setores, a percepção dos agentes
de que a existência de proteção jurídica à propriedade
intelectual - através de regras claras e estáveis - facilita
acordos entre empresas (embora a existência dessas oportunidades
e seu aproveitamento real dependam de outras circunstâncias).
60
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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Se bem é certo os efeitos mais concretos da mudança legal
sejam pontuais, localizados e não generalizáveis, os resultados
das entrevistas permitem afirmar que novas regras de
apropriabilidade são importantes à medida em que compõem - junto
com outros elementos - um ambiente institucional que contribui
para valorizar a atividade inovativa e dificultar (embora não
impedir totalmente) estratégias puramente imitativas das
empresas.
Não obstante as similaridades acima apontadas, os resultados
de pesquisa mostram também algumas diferenças significativas
entre os setores no que concerne à posição dos agentes a respeito
da mudança legal.
Assim, na indústria de sementes há unanimidade a favor da
criação da Lei de Proteção aos Cultivares, o que se explica pela
inexistência de grandes disparidades de capacitação tecnológica
na atividade de melhoramento genético entre empresas nacionais e
estrangeiras, instituições públicas e cooperativas. Todas elas,
aparentemente, têm resultados de pesquisa a proteger. Além disso,
o temor de criar situações de monopólio excessivo pela concessão
do direito também não existe, pois as formas de concorrência no
setor - que implicam lançamento constante de novos cultivares que
aperfeiçoam ou substituem outros - impedem, na prática, a
perpetuação de vantagens legais em detrimento de concorrentes
53
.
A possível desigualdade tecnológica das empresas atuantes em
sementes no campo da biotecnologia, que viria a criar situações
de predomínio de grandes empresas filiadas a grupos químicos,
embora apareça como preocupação por parte de alguns agentes, não
é uma realidade. As expectativas criadas pelo desenvolvimento da
biotecnologia vegetal nos anos 70 foram substancialmente revistas
- pois não se concretizou o potencial "revolucionário" da
biotecnologia. A tendência nesse campo, como demonstra o trabalho
53
Daí a ausência de polêmica em torno, por exemplo, do mecanismo de declaração de uso público
restrito, uma espécie de licença compulsória prevista no Projeto da LPC.
61
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de Salles Filho (1993), é de desenvolvimento de técnicas de nível
intermediário de sofisticação, que já são há muito conhecidas e
foram reincorporadas às rotinas de pesquisa mais recentemente.
Sobre estas técnicas não incidem, em tese, direitos de
propriedade intelectual (a não ser em eventuais aperfeiçoamentos
introduzidos), de modo que nem o seu uso implicará alterações na
conformação do mercado, e tampouco o acesso a elas corre risco de
ser bloqueado por eventuais direitos de patentes
54
.
O único aspecto preocupante para os agentes nacionais é a
aprovação do patenteamento de microrganismos sem a proteção às
variedades, o que as deixaria sujeitos a terem seus cultivares
usados em pesquisas biotecnológicas sem direito a remuneração.
Na química fina, as posições dos agentes a respeito da
mudança na Lei de Patentes são muito mais polêmicas devido, em
princípio, à desigualdade dos níveis de capacitação tecnológica
entre as empresas participantes desse mercado: de um lado,
multinacionais, líderes de mercado e com grande capacidade em
P&D; de outro, empresas nacionais com pouca ou restrita
capacitação tecnológica. Essa disparidade, é certo, depende do
segmento da química fina considerado - em alguns deles verifica-
se a presença significativa de empresas nacionais que, ao longo
dos últimos anos, têm implementado atividades de P&D em processos
químicos, endogeneizando algumas etapas de síntese de seus
produtos, seja pelo esforço de pesquisa próprio, seja pela compra
de tecnologia ou associação com empresas estrangeiras. Esse
esforço, entretanto, não envolve a busca de novas moléculas, mas
apenas o desenvolvimento (e eventualmente o aperfeiçoamento) de
processos para substâncias já conhecidas, a maioria delas não-
patentadas ou com patentes já vencidas no exterior.
Essa constatação nos leva a considerar que dificilmente as
empresas nacionais, mesmo as melhor capacitadas, ascenderão às
54
Ou seja, sua incorporação à pesquisa por empresas nacionais não é vinculada à questão da
propriedade intelectual, mas depende de outros aspectos da capacitação (tecnológica e
financeira) das empresas e instituições públicas do setor.
62
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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condições de suas concorrentes estrangeiras - e isso
independentemente de a lei de patentes ser mais ou menos
restritiva
55
. Leva também a hipóteses mais realistas no
planejamento de políticas para o setor, como, por exemplo, a
regulamentação de um mercado de produtos genéricos no segmento
farmacêutico, na qual todos os entrevistados mostraram interesse.
A baixa capacitação tecnológica do conjunto das empresas
nacionais contribui também para questionar profundamente a
eficácia dos instrumentos legais de salvaguarda
56
- licenças
compulsórias e caducidade.
Tais mecanismos teriam, em tese, três funções (não
excludentes): a) induzir as empresas estrangeiras a investir na
produção no país; b) permitir o acesso a tecnologias patenteadas
por parte de empresas nacionais - seja diretamente pelo
enfrentamento judicial, seja indiretamente, como instrumento
auxiliar de pressão para conseguir acordos de transferência de
tecnologia com empresas estrangeiras que não queiram explorar o
objeto da patente no país; c) controlar o poder de monopólio
conferido pela patente.
No preenchimento da primeira dessas funções, o mecanismo
legal já demonstrou ser completamente ineficaz. Ademais, na
química fina a tendência à concentração espacial da P&D e da
produção (de pequenos volumes, facilmente transportáveis, etc.)
não se altera pela "ameaça" de licenciamento compulsório. No
máximo, este pode induzir a uma produção "de fachada", o que não
constitui um objetivo a ser buscado.
Já a segunda função acima apontada dependeria de existirem
empresas nacionais minimamente capacitadas para a cópia - capazes
de produzir o objeto patenteado por um processo no mínimo tão
eficaz e rentável quanto o utilizado pelo titular da patente; e,
55
Parece claro que a ausência de patenteabilidade de químicos e farmacêuticos na Lei de 1971 não
foi condição nem necessária nem suficente ao processo de capacitação das empresas nacionais.
56
Referimo-nos aqui à ineficácia desses mecanismos no setor de química fina. Não implica,
portanto, que não possam ser melhor aproveitados em outros setores.
63
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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além disso, deve ser capaz de fazê-lo rapidamente (caso contrário
o licenciamento perde o sentido pelo decorrer do prazo da
patente)
57
. O irrisório número de licenças compulsórias requeridas
até hoje (4) dá uma idéia da dificuldade de se preencherem essas
condições.
Note-se que a estratégia seguida por um grande número de
empresas brasileiras, sobretudo do segmento farmacêutivo - de
formular medicamentos a partir de princípios ativos importados -,
não só não evoluiu a um processo de capacitação tecnológica, como
sequer foi aproveitada para imitar produtos patenteados. Tal
estratégia, aliás, torna-se cada vez mais difícil, à medida em
que se verifica a tendência ao reforço e à extensão dos direitos
patentários nos acordos e tratados internacionais e nas
legislações de outros países que antes não garantiam patentes nas
áreas químicas: é possível que se venha a enfrentar a diminuição
das fontes de fornecimento de matérias-primas devido ao
fechamento de mercados de produtores alternativos de substâncias
copiadas. Portanto, essa estratégia não constitui uma alternativa
viável a médio ou longo prazo, além de não ser uma via de
capacitação tecnológica para empresas nacionais, como já
discutido - uma vez que a tecnologia envolvida na formulação de
especialidades é de baixa sofisticação.
É também ilusório pensar que o licenciamento forçado possa
ser meio eficaz de acesso à tecnologia pelo enfrentamento
judicial, pois o tempo necessário até se conseguir uma licença
seria tão longo que acabaria por exceder a própria vida da
patente. A alternativa de recorrer ao judiciário estará sempre
disponível ao titular de uma patente compulsoriamente licenciada,
pois todos os atos administrativos (inclusive os do INPI)
sujeitam-se à apreciação judicial. Desse modo, é impossível
pensar uma alternativa de processamento de licenças compulsórias
que se esgote em instância administrativa, o que feriria
57
Nesse sentido vale lebrar que o AZT, um dos poucos farmoquímicos produzidos por empresas
brasileiras que ainda está sob proteção patentária no exterior, é uma molécula conhecida desde
os anos 60 (sua patente atual é sobre o uso anti-AIDS). Não é, portanto, uma substância nova.
64
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disposições constitucionais. Ademais, ainda que não houvesse os
problemas de prazos, a via de enfrentamento direto não parece
adequada para se conseguir transferência de tecnologia, cujos
contratos supõem um mínimo de acordo de vontades.
A efetividade do mecanismo de licenciamento obrigatório como
instrumento auxiliar de pressão para se conseguir acordos para
exploração de patente também deve ser vista com reservas.
Dependeria de haver empresas nacionais com boas condições de
negociação, interesse mútuo no licenciamento e, talvez, pouco
interesse das empresas estrangeiras em explorar diretamente o
objeto da patente no país. Se inexistirem essas condições,
dificilmente as empresas multinacionais celebrarão contratos por
imposição legal (e pelas razões já expostas acima, dificilmente a
previsão de licença compulsória por falta de exploração no país
consistirá uma ameaça concreta que as leve a mudar de idéia).
Mas, se houver aquelas condições - interesse mútuo na negociação,
etc. - é de se perguntar em que a "ameaça" de licenciamento
compulsório ajudaria efetivamente: sem ela as empresas nacionais
ficariam numa posição menos favorável para negociar? Sem querer
desmerecer totalmente essa hipótese, até porque alguns
empresários nacionais advogam a manutenção da licença obrigatória
com essa finalidade, deve-se observar que para esses casos a
salvaguarda pode ter no máximo uma eficácia pontual e muito
limitada, e ainda dependente de condições econômicas e de outras
esferas regulatórias, como por exemplo a relativa aos contratos
de transferência de tecnologia.
Finalmente, deve-se considerar a possibilidade de uso dos
mecanismos de salvaguarda para finalidade de controlar o poder de
monopólio conferido pela patente. Isso implica, em primeiro
lugar, admitir que o direito de exclusividade cria barreiras
legais ao acesso à tecnologia patenteada, e essa, aliás, é a
função que lhe é própria - i.é., criar regras de apropriabilidade
dos resultados do esforço inovativo, prolongando vantagens
competitivas adquiridas pela inovação. Em segundo, admite-se que
o direito assim concedido pode ter tanto uma dimensão positiva
65
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(já que boas condições de apropriabilidade
58
têm efeito positivo
sobre o gasto em P&D e seus resultados), quanto um efeito vicioso
- quando do exercício do direito decorrem abusos, que podem e
devem ser controlados.
Fazendo um paralelo com a discussão sobre a política de
defesa da concorrência, adotamos o argumento de Salgado (1993),
segundo o qual "a coibição do abuso de posição dominante é um dos
aspectos modernos da legislação antitruste, uma vez que é
reconhecida a existência e a normalidade de posições dominantes
de mercado, embora não seja tolerado o seu abuso".
Nesse sentido, o uso de salvaguardas na legislação de
propriedade industrial para coibir situações consideradas normais
num setor, desconsiderando suas características econômicas e
tecnológicas e contrariando a própria lógica de organização da
produção, contribui para a ineficácia esses mecanismos. Essa
afirmação não implica ser contra que se reprimam situações
abusivas.
A nova lei de patentes a ser aprovada possibilita a
incidência de licenças compulsórias em cinco situações: abuso de
direito ou de poder econômico; não exploração do objeto da
patente em território nacional; comercialização aquém das
necessidades do mercado; patentes dependentes; emergência
nacional ou interesse público. As duas últimas são situações
particularizadas ou excepcionais. Mas as outras três poderiam ser
melhor avaliadas e julgadas no âmbito da regulação de defesa da
concorrência (Lei 8158/91) que, no elenco das infrações à ordem
econômica (art. 3º), prevê tipos gerais nos quais poder-se-iam
enquadrar situações de abusos devidos ao exercício do direito de
patente
59
.
58
Que não são garantidas apenas por meio jurídicos, como discutido anteriormente e constatado nos
estudos setoriais.
59
Veja-se, por exemplo, os incisos II, V, VII e X do art. 3º da Lei 8158/91, que tipificam
situações que podem ser relacionadas ao abuso do direito patentário. Note-se que o caput do
art. 3º apresenta um enunciado exemplificativo ("constitui infração e ordem econômica qualquer
acordo, ..., ato, ... tais como:") e não taxativo. Portanto, infrações relacionadas a patentes
podem ser enquadradas sem alterações legais.
66
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Ao nível da regulamentação administrativa e operacional,
pode-se facilmente prever rotinas de colaboração entre os órgãos
envolvidos (INPI, CADE, SNDE), não só para harmonizar as
orientações, como também para não duplicar as estruturas
necessárias ao encaminhamento e julgamento administrativos dos
casos.
A vantagem dessa proposta consiste em tratar a incidência de
licenças compulsórias e caducidade apenas em situações
caracterizadamente abusivas, não penalisando nem ameaçando
situações normais, deixando de criar áreas de atrito
dispensáveis, principalmente com empresas estrangeiras. Apresenta
ainda a vantagem de permitir maior maleabilidade na apreciação
dos casos examinados, no sentido de distinguir situações - padrão
daquelas práticas abusivas de acordo com características
setoriais. Assim, por exemplo, a questão de se saber se, na
ausência de produção do objeto patenteado no país (um dos casos
mais polêmicos de licença compulsória), deve-se obrigar o
licenciamento, pode ser avaliada segundo critérios gerais e
flexíveis, que permitam detectar os abusos eventualmente contidos
nessa conduta de acordo com os padrões vigentes nos diferentes
setores. Da mesma forma pode-se julgar os motivos que autorizam a
não produção no país.
Além das salvaguardas, o outro aspecto mais polêmico da
mudança na legislação de propriedade industrial tem sido o
patenteamento de seres vivos. Tal polêmica, muitas vezes, acaba
envolvendo questões éticas e religiosas pelo receio - infundado -
de se chegar até a patentear clones humanos, o que cria
resistências ideológicas e de princípios ao patenteamento de
biotecnologias em geral.
67
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Concretamente, porém, são localizados os impactos econômicos
de produtos biotecnológicos
60
, e os prognósticos sobre seu
potencial de ruptura e reestruturação da indústria já foram
revistos (Salles Filho, 1993). O potencial ainda não concretizado
da biotecnologia e seus poucos produtos comercializáveis remetem
à importância das patentes na área para o futuro. Ao mesmo tempo,
a incerteza quanto aos resultados de pesquisa em biotecnologia
somada às características de seus possíveis produtos
61
- que
envolvem organismos vivos auto-reprodutíveis - faz com que a
existência de mecanismos legais de apropriabilidade seja um dos
pontos referenciais para investimentos na área.
Assim, descartadas as propostas mais abrangentes de
patenteamento em biotecnologia - como as que previam proteção
para seres vivos complexos
62
, o que ainda é bastante polêmico
mesmo no debate internacional - não há motivos para ser contra
patentes para microrganismos engenheirados ou processos
biotecnológicos (não-naturais).
O PL 824 aprovado até agora na Câmara, seguindo essa
orientação, foi prudente; mas deixou ainda muitas dúvidas quanto
à sua interpretação
63
. É, pois, necessário esclarecer: a) o que
significa microrganismo relacionado a processo industrial, que
poderá ser patenteado; b) se genes e seqüências de DNA serão
patenteáveis; c) como diferenciar processos biológicos naturais,
dos "artificiais" que poderiam ser patenteados.
Se o texto legal não sofrer ainda alterações no Senado,
caberá à lei prevista para conceituar microrganismos,
biotecnologia, etc.
64
, definir os parâmetros das possibilidades de
60
O uso de técnicas biológicas insere-se de forma diferenciada nos diferentes setores onde são
aplicadas, sendo maior sua implementação (com resultados comercializáveis) no farmacêutico,
seguindo-se o de aditivos alimentares e, em muito menor grau, na agricultura (Salles Filho,
1993).
61
Isto é, produtos cuja elaboração (ou processo de obtenção) é muito complexa mas que, uma vez
obtidos, são facilmente copiáveis pela simples duplicação.
62
No 2º Substitutivo do Relator Ney Lopes, por exemplo.
63
Como já discutido no item 2.1.1.
64
Cuja previsão fez parte do acordo para votação do projeto na Câmara.
68
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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patenteamento. Assim, é desejável que essa lei seja elaborada o
mais breve possível, para evitar que a patenteabilidade nessa
área seja dificultada por falta de definições legais.
Vale observar, ainda, que a extensão do direito de patente a
novas áreas - não só biotecnologia, mas também fármacos e
químicos em geral - acarretará problemas operacionais ao INPI,
não só pelas dificuldades iniciais que certamente se colocarão
para estabelecer interpretações adequadas aos novos parâmetros
jurídicos, como também pela falta de infra-estrutura adequada do
órgão, que já enfrenta problemas desse tipo.
3.2. Proposiıes
Tendo em vista que a lei de propriedade industrial se
encontra em fase final de votação e que o texto a ser aprovado
incorpora já os requisitos mínimos para adequar a lei brasileira
aos padrões que se vêm configurando nas tendências
internacionais, ao mesmo tempo em que descarta alguns
dispositivos mais polêmicos que desagradavam às empresas
nacionais, limitamo-nos a proposições específicas sobre pontos da
nova lei que ainda darão margem a diferentes interpretações.
a) O texto referente ao patenteamento de microrganismos
ficou ambíguo, podendo-se interpretá-lo tanto como uma patente de
uso, quanto simplesmente que o microrganismo a ser patenteado
deve apresentar o requisito da utilidade industrial, ou ainda
vincular sua patente ao processo ou produto resultante de sua
utilização. Caso o Senado não modifique a redação desse
dispositivo, a outras leis ou à sua regulamentação caberá definir
os parâmetros das possibilidades concretas de patenteamento dos
microrganismos, devendo-se evitar interpretações muito
restritivas que na prática coloquem obstáculos aos pedidos de
patentes.
69
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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b) O tratamento da licença compulsória por falta de
exploração ficou dependente de existirem ou não "razões
legítimas" para essa falta. É necessário, portanto, defini-las,
considerando que em alguns setores, a produção de produto
patenteado no país pode ser antieconômica por problemas de escala
ou de demanda. Nesse sentido, é importante que a avaliação desses
casos seja feita de modo a diferenciar situações normais daquelas
abusivas, segundo características setoriais.
Deve-se apontar assim a possibilidade de articular o
tratamento da licença compulsória e da caducidade com a lei
antitruste, harmonizando não só as definições legais como também
sua operacionalização.
c) Do ponto de vista das empresas nacionais de farmoquímicos
que desenvolveram alguma capacitação tecnológica própria em
processos, interessa a formação de um mercado de produtos
genéricos (que tem tido importância crescente em outros países)
que pode garantir um espaço significativo para o aprofundamento
da capacitação dessas empresas. Embora o tratamento dessa questão
não se enquadre no escopo deste texto, deve-se apontar que a
constituição de um mercado desse tipo requer legislação
específica que pode se articular com a regulamentação da lei de
patentes, a exemplo do que ocorre nos EUA.
d) Entre as empresas e instituições públicas com atuação na
indústria de sementes há um interesse generalizado na aprovação
de uma Lei de Proteção aos Cultivares. Essa discussão deve ser
agilizada inclusive porque a possibilidade de patenteamento de
microrganismos sem proteção às espécies vegetais pode prejudicar
o titular de cultivares que sejam utilizados para pesquisa de
engenharia genética.
e) No âmbito dos tratados e convenções internacionais
pertinentes à propriedade intelectual, cabe estudar a
possibilidade e conveniência de o Brasil vir a assinar a UPOV
(que em sua versão de 1978 se coaduna perfeitamente com a LPC que
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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está sendo proposta) e o Tratado de Budapest, que regula os
procedimentos para depósito e acesso público a microrganismos
patenteados, além das condições de reconhecimento das
instituições depositárias.
f) É importante considerar também a necessidade de garantir
condições operacionais ao INPI, que atualmente apresenta vários
problemas: morosidade excessiva no processamento de patentes,
deficiências no sistema de informações (baseado na manipulação de
milhões de documentos, pois o sistema não está informatizado),
número insuficiente de examinadores dos pedidos de patentes, etc.
Esses problemas tenderão a se agravar com a extensão da proteção
patentária a novas áreas decorrente da aprovação da nova lei.
Assim, algumas medidas administrativas são urgentes, tais como:
- implementação de um plano de informatização do INPI;
- garantia de atualização dos quadros de examinadores
(quantitativa e qualitativa);
- estabelecimento de convênios com instituições científicas
que possam funcionar como centros depositários de materiais vivos
relacionados com produtos ou processos patenteados
65
.
65
Deve-se observar que o INPI, com a colaboração da ABRABI, já está fazendo um levantamento das
instituições que poderiam atuar como depositárias de microrganismos, entre elas a Fundação
André Tosello.
71
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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4. INDICADORES
Os indicadores para o monitoramento da ação dos mecanismos
que regulam a apropriação da inovação tecnológica são:
- número de patentes solicitadas e concedidas, por setor,
origem do capital e tamanho das empresas;
- tempo médio de patenteamento;
- proteção jurídica para cultivares: número solicitado e
concedido, por tipo de cultura e de empresa (origem do capital e
tamanho).
72
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ANEXO 1
INDSTRIA DE SEMENTES - RELA˙ˆO DAS ENTREVISTADAS E
SEGMENTOS DE ATUA˙ˆO
- Instituiıes Pœblicas de Pesquisa : Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA); Instituto Agronômico de
Campinas (IAC).
- Cooperativas: Organização das Cooperativas do Estado do Paraná
(OCEPAR); Federação das Cooperativas de Soja e Trigo do Rio
Grande do Sul (FECOTRIGO); Cooperativa de Produtores de Cana-
de-Açucar e Álcool do Estado de São Paulo (COPERSUCAR).
- Empresas privadas: Agroceres; Braskalb; FT-Pesquisas e
Sementes; SBS - Biotecnologia e Sementes; Cia. Suzano de Papel
e Celulose; Klabin Papel e Celulose; Pioneer Sementes; ICI
Sementes do Brasil; Sementes Cargill; Rhodia; Asgrow;
Sociedade Agrícola Germinal/Ciba Geigy.
DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS, INSTITUIÇÕES E COOPERATIVAS
ENTREVISTADAS POR LINHA DE PRODUTO
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
PRODUTO EMPRESAS PRIVADAS INSTITUIÇÕES
Nacional Estrangeira Cooperat. PÚBLICAS TOTAL
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Arroz - - - 2 2
Algodão - - - 2 2
Batata-semente 2 - - - 2
Hortaliças 1 1 - 1 3
Milho híbrido 2 5 - 1 8
Mudas de cana - - 1 - 1
Mudas florestais 2 - - - 2
Soja 1 - 2 2 5
Trigo - - 2 2 4
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Obs.: Muitas das entrevistadas têm atividade em mais de um produto.
73
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ANEXO 2
QU˝MICA FINA - RELA˙ˆO DAS ENTREVISTADAS E SEGMENTOS DE ATUA˙ˆO
Empresas entrevistadas: Rhodia e Monsanto (estangeiras);
Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), Indústrias Químicas de
Taubaté (IQT), Microbiológica Química e Farmacêutica, Companhia
Brasileira de Antibióticos (CIBRAN), LABOGEN S/A, Laboratórios
Biosintética Ltda., Instituto Químico de Campinas (IQC),
Sintofarma, Blanver Farmoquímica Ltda e Oxiteno (nacionais). As
entrevistas nas quatro últimas empresas citadas acima foram
realizadas por Paulo Velho; as demais pela autora.
DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS ENTREVISTADAS POR ORIGEM
DE CAPITAL E SEGMENTO DE MERCADO*
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
SEGMENTO DE MERCADO EMPRESAS NACIONAIS EMPRESAS ESTRANGEIRAS TOTAL
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Farmoquímicos 3 1 4
Medicamentos 6 1 7
Defensivos agrícolas e animais - 2 2
Catalisadores 1 - 1
Aditivos e lubrificantes 2 - 2
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Obs.: Algumas entrevistadas têm atividade em mais de um segmento.
(*) Conforme segemntação definida em ABIFINA et alii (1992).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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76
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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