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Fabiana Moura Coelho
A INFLUÊNCIA DO TRATO VOCAL NA QUALIDADE
SONORA DA FLAUTA
Escola de Música
Universidade Federal de Minas Gerais
Março de 2006
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Fabiana Moura Coelho
A INFLUÊNCIA DO TRATO VOCAL NA QUALIDADE
SONORA DA FLAUTA
Artigo apresentado ao Programa de Pós-Graduação
da Escola de Música da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Música.
Linha de Pesquisa: Performance Musical
Instrumento: Flauta Transversal
Orientador: Professor Dr. Maurício Freire Garcia
Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Música
Universidade Federal de Minas Gerais
Março de 2006
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AGRADECIMENTOS
Esta é a conclusão de apenas mais um passo numa caminhada que se iniciou há
muitos anos e que não se encerra aqui. Deste modo, a de a lista de agradecimentos
se torna praticamente infindável.
A Deus, fazendo minhas as belas e inspiradoras palavras de João Paulo II em sua
carta aos artistas: quanto mais consciente está o artista do “dom” que possui, tanto
mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos
capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só
assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação
e missão.
Meus pais, Evandro de Almeida Coelho e Maria do Carmo Moura Coelho, ouvintes
assíduos desde o primeiro Parabéns a você, há mais de quinze anos. Com seu
interesse me deram a oportunidade de conhecer a música tão cedo. Pela confiança
e pelo apoio a minha decisão em seguir tão difícil profissão.
Meus irmãos, extensa lista, que me hospedaram em suas casas ou que, mesmo
distantes, acompanham com confiança esta caminhada. Elisabeth, exemplo de
pesquisadora, amiga de valiosos conselhos. Edilson, meu ouvinte mais apaixonado,
leitor interessado, acreditando em mim sempre mais que eu mesma.
Meu orientador, Professor Doutor Maurício Freire Garcia, grande artista e
pesquisador. Flautista de expressividade ímpar, modelo de orientador e pessoa
realmente douta. Pela confiança desde o início e ainda na dolorosa mudança de
tema. Pela incomparável colaboração na preparação do recital e valorosa
contribuição aos textos da pesquisa.
Ao Professor Doutor Maurílio Nunes Vieira, que com dedicação, competência e
paciência me ensinou muito sobre acústica e sobre como realizar uma boa pesquisa.
Suas aulas de Acústica da Voz Cantada me conquistaram a ponto de mudar o rumo
da minha pesquisa.
Ao amigo Lino Augusto Sander de Carvalho, pelas horas de trabalho junto ao
experimento, pelo interesse, seriedade e aplicação no seu desenvolvimento.
Ao artista Gianfranco Fiorini, habilidoso luthier, pela dedicação na confecção do
modelo de embocadura em fibra de vidro. Ao talentoso pianista e colega Ricardo
Castelo Branco, pela dedicação com que acolheu meu repertório e pelas horas de
ensaio.
A todos os demais professores, amigos e parentes que também acompanharam a
realização deste trabalho.
A Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, em especial ao
Programa de Pós-Graduação desta instituição.
Que a vossa arte contribua para a consolidação de uma beleza autêntica que, como
reverberação do Espírito de Deus, transfigure a matéria, abrindo os ânimos ao
sentido do eterno! João Paulo II
RESUMO
A utilização de imagens mentais acerca da ressonância do trato vocal como
ferramenta nas mudanças de caráter e cor sugeridas nas partituras é um
instrumento muito comum dentre os flautistas. Devido à complexidade e ao grande
número de variáveis envolvidas, a ciência ainda não conseguiu demonstrar
completamente a existência de influência na qualidade sonora da flauta decorrente
desse mecanismo.
Análises da fala ressaltam que a configuração do trato vocal determina a
inteligibilidade das vogais emitidas. Notamos que seria possível estabelecer um
paralelo entre essas análises e o mecanismo utilizado pelos flautistas. Embora a
bibliografia consultada aponte para a existência da influência da configuração do
trato vocal na qualidade sonora da flauta, a literatura apresentou-se como
insuficiente para que se pudesse afirmar a veracidade da mesma.
Foi realizado um experimento no qual se procurou eliminar as variantes dos
movimentos de mandíbula e lábios. Para tanto, foi elaborado um modelo de
embocadura em fibra de vidro, acoplado um trato vocal artificial, ligados a um
sistema de ar comprimido. Este aparato nos permitiu gerar sons na flauta com
diferentes configurações do trato vocal artificial.
A análise dos resultados do experimento nos permitiu concluir que há elementos
para se afirmar que existe influência da posição do trato vocal na qualidade
sonora da flauta. Entretanto, muito trabalho ainda é necessário para se entender
esse processo de um ponto de vista científico.
Palavras chave: flauta, qualidade sonora, ressonância, trato vocal.
ABSTRACT
The use of the vocal tract resonance as a tool for changing the sound character and
color suggested in the scores is thoroughly used by flutists. Due to the complexity
and the large number of involved variables, it was not possible yet to scientifically
demonstrate the existence of the influence in the flute sound caused by this
mechanism.
Speech analyses emphasize that the configuration of the vocal tract defines the
intelligibility of the emitted vowels. We noticed that it would be possible to establish a
parallel between those analyses and the mechanism used by flutists. Although the
bibliography consulted points towards the existence of the influence of the
configuration of the vocal tract in the sound quality of the flute, the studies were
insufficient to affirm the truthfulness of the influence.
An experiment was accomplished in which we tried to eliminate the variants of the
jaw and lip movements. A mouth model was elaborated in fiberglass and coupled to
an artificial vocal tract, which was linked to a compressed air system. This apparatus
allowed us to generate sounds in the flute with different configurations of the artificial
vocal tract.
The analysis of the results of the experiment allowed us to conclude that there are
elements to affirm that the configuration of the vocal influences the sound quality of
the flute. However, a lot of work is still needed to understand the process from a
scientific point of view.
Key words: flute, sound quality, resonance, vocal tract.
LISTA DE FIGURAS
1. Modelo fonte-filtro.........................................................................................11
2. Região de caracterização das vogais de acordo com os dois primeiros
formantes......................................................................................................13
3. Forma do trato vocal e vogais correspondentes...........................................15
4. Esquema de utilização das vogais em determinadas regiões e intensidades
sugerido por Mather......................................................................................21
5. Garrafas plásticas utilizadas para simular o efeito dos lábios e do trato
vocal .............................................................................................................25
6. Posição dos lábios para diferentes registros na flauta transversal ...............26
7. Modelo de embocadura em fibra de vidro ....................................................27
8. Corte transversal do modelo de trato vocal .................................................28
9. Visão lateral do modelo de trato vocal..........................................................29
10. Fluxômetro utilizado no experimento............................................................30
11. Posicionamento do microfone ......................................................................31
12. Medição saturada do fluxômetro para as amostras de bocal livre................32
13. Varredura completa do tubo do trato vocal com o bocal livre.......................33
14. Ponto dentro da primeira seção com o bocal livre........................................34
15. Espectro sonoro do ponto da primeira seção com o bocal livre ...................35
16. Ponto dentro da segunda seção com o bocal livre .......................................36
17. Espectro sonoro do ponto da segunda seção com o bocal livre...................37
18. Ponto dentro da terceira seção com o bocal livre.........................................38
19. Espectro sonoro do ponto da terceira seção com o bocal livre ....................39
20. Varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si ......................................................40
21. Ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si .......................................................................................41
22. Espectro sonoro do ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si ......................................................42
23. Ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si .......................................................................................43
24. Espectro sonoro do ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si ......................................................44
25. Ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si .......................................................................................45
26. Espectro sonoro do ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si ......................................................46
27. Varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá .....................................................47
28. Ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá ......................................................................................49
29. Espectro sonoro do ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá .....................................................50
30. Ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá ......................................................................................51
31. Espectro sonoro do ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá .....................................................52
32. Ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá ......................................................................................53
33. Espectro sonoro do ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá .....................................................54
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................10
2. PRODUÇÃO VOCAL ..........................................................................................10
3. A PRODUÇÃO DO SOM E O TRATO VOCAL: FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA..........................................................................................................15
4. EXPERIMENTO ..................................................................................................23
4.1. Experiência preliminar..................................................................................24
4.2. Experimento final .........................................................................................27
4.3. Resultados ...................................................................................................30
4.4. Análise dos resultados .................................................................................54
5. CONCLUSÃO......................................................................................................57
REFERÊNCIAS.......................................................................................................60
ANEXO A – AMOSTRAS OBTIDAS NO EXPERIMENTO ......................................62
ANEXO B – GRAVAÇÃO DO RECITAL..................................................................64
1. Introdução
A utilização de imagens mentais acerca da ressonância do trato vocal como
ferramenta nas mudanças de caráter e cor sugeridas nas partituras é um
instrumento muito comum dentre os flautistas. Devido à complexidade e ao grande
número de variáveis envolvidas, a ciência ainda não conseguiu demonstrar
completamente a existência de influência na qualidade sonora da flauta decorrente
desse mecanismo.
Do contato com flautistas que utilizam imagens mentais acerca da ressonância do
trato vocal como ferramenta nas mudanças de caráter e cor sugeridas nas partituras
e do estudo dos mecanismos de ressonância utilizados durante a emissão da voz,
bem como da sua importância na inteligibilidade da fala, especialmente das vogais,
surgiu a motivação para a realização deste trabalho.
Trata-se, portanto, de uma busca de explicação científica para algo que a arte e a
sensibilidade já tornaram ferramenta cotidiana dos profissionais da flauta transversal,
visando à compreensão e consolidação desse conhecimento.
2. Produção vocal
Os órgãos de produção vocal, segundo Sundberg (1979), o sistema respiratório, as
pregas vocais e o trato vocal
1
, podem se vistos como um modelo fonte-filtro, no qual
o resultado acústico da vibração das pregas vocais (fonte) é modificado pelo trato
1
O trato vocal compreende toda a estrutura delimitada posteriormente pelas pregas vocais e
anteriormente pelos lábios e narinas. É um tubo contínuo com, em média, 3 cm de diâmetro e 17 cm
de comprimento, formado pela cavidade nasal, região de rinofaringe (nasofaringe ou cavum),
cavidade oral, região de orofaringe e laringe. (PINHO, 1998)
vocal (filtro), que pode amplificar certas regiões do som e amortecer outras, o que
modifica sua forma espectral e concede a cada som determinado timbre
característico.
FIGURA 1 – Modelo fonte-filtro.
Fonte: VIEIRA, 2004, p.71
O trato vocal modifica a configuração espectral som produzido pelas pregas vocais,
independentemente da freqüência fundamental de emissão. De acordo com a
posição da língua, palato e lábios, são acrescentadas regiões de ressonância ao
sinal inicial, o que faz com que a onda sonora modificada pelo filtro (trato vocal) seja
bem mais complexa que a produzida na fonte (pregas vocais). Essas regiões de
ressonância acústica do trato vocal são denominadas formantes, que se mostram
como picos de freqüência no espectro do som irradiado pelos lábios (SUNDBERG,
1979).
1
1
As diferenças espectrais entre sons vocais variados surgem quando o som
da fonte vocal é transmitido através do trato vocal, isto é, das pregas vocais
à abertura labial. A razão disso é que a habilidade do trato vocal em
transmitir som é altamente dependente da freqüência do som transmitido.
Essa habilidade culmina em certas freqüências, chamadas freqüências de
formantes. (SUNDBERG, 1979)
As vogais são identificadas pela posição de seus formantes
2
(BEHLAU, 2001). A
posição dos dois primeiros formantes é suficiente para a definição da maior parte
das vogais (SUNDBERG, 1979; BEHLAU, 2001).
Os valores dos formantes representam as freqüências naturais de
ressonância do trato vocal na posição articulatória específica da vogal
falada (...). A descrição das vogais quase nunca ultrapassa a identificação
dos três primeiros formantes, sendo que são as freqüências dos dois
primeiros formantes que determinam a qualidade vocal, em termos
acústicos, e sua identidade, em termos auditivos. (BEHLAU, 2001)
A produção das vogais depende essencialmente dos mecanismos articulatórios,
como lábios, língua, véu palatino, mandíbula e laringe. O grau de abaixamento da
mandíbula e da língua, ou grau de abertura de uma vogal, está relacionado
diretamente com o primeiro formante. O grau de anteriorização da vogal e
deslocamento antero-posterior da língua têm relação com o segundo formante
(BEHLAU, 2001).
De modo geral, o grau de abertura de uma vogal, ou seja, o abaixamento da
mandíbula e, conseqüentemente, da língua, tem relação direta com o
primeiro formante, que é tão mais agudo quanto maior for a abertura de
boca; o grau de anteriorização da vogal, ou seja, o quanto a faringe está
livre ou não, pelo deslocamento da língua, tem relação direta com o
segundo formante, que é mais alto quanto maior o espaço laríngeo.
(BEHLAU, 2001)
A posição (freqüência) dos formantes pode variar, dentro de certos limites, sem
comprometer a inteligibilidade da vogal emitida. A região de caracterização das
2
Formantes são definidos como bandas de freqüência que sofrem ganho quando alteradas pelo trato
vocal. Em um espectrograma, podem ser vistos como picos de intensidade em determinadas
freqüências. Os formantes amplificam seletivamente os harmônicos gerados pela vibração laríngea.
(VIEIRA, 2004)
12
vogais de acordo com os dois primeiros formantes pode ser descrita pelo seguinte
gráfico:
FIGURA 2 – região de caracterização das vogais de acordo com os dois primeiros
formantes. A escala de freqüência de F2 é logarítmica.
Fonte: SUNDBERG, 1979.
A FIG. 2 apresenta as principais vogais da língua inglesa, sendo justificada sua
utilização neste trabalho por conter algumas das principais vogais da língua
portuguesa, como o [u], [ɔ], [a], [ε] e [i]
3
.
Para a caracterização da vogal [u], temos o primeiro formante (simbolizado por F1)
entre 0,19 e 0,4 kHz e o segundo formante (simbolizado por F2) entre 0,3 e 1,25
kHz. Há, assim, não somente um ponto de caracterização da vogal, mas toda uma
3
Para melhor compreensão dos símbolos fonéticos, alguns exemplos de como são pronunciados em
palavras do cotidiano: urso, bola, casa, meu e ilha, respectivamente.
13
região em que esta se torna inteligível. Os valores de freqüência dos formantes das
vogais podem ser associados à região de constrição do trato vocal (F1) e ao avanço
da língua em direção ao lábio (F2). A vogal [u] e também a vogal [ɔ] são
classificadas como posteriores, devido ao arredondamento dos lábios e o recuo da
língua, o que alonga o trato vocal e abaixa a freqüência do primeiro e do segundo
formantes, respectivamente.
A vogal [i] apresenta o primeiro formante entre 0,19 e 0,44 kHz e o segundo
formante entre 2,0 e 3,8 kHz. Nota-se que a língua se mantém em posição análoga à
da vogal [u], quando se considera a dimensão antero-posterior, o que explica a
posição de F1. A constrição do trato vocal é anteriorizada, passando dos lábios à
base da língua, o que reduz o comprimento do trato vocal. Esta alteração faz com
que os valores de freqüência de F2 se elevem e classifica a vogal [i], assim como a
vogal [ε], em anterior.
A vogal [a] exibe valores intermediários para os dois primeiros formantes: entre 0,7 e
1,3 kHz para F1 e entre 0,7 e 1,75 kHz para F2. Isto demonstra a posição mediana
da língua em relação aos lábios e abertura igualmente distribuída do trato vocal.
Assim, as vogais podem ser dispostas em três grupos distintos, de acordo com a
região de constrição do trato vocal. As vogais posteriores, [u] e [ɔ], anteriores, [i] e [ε]
e uma vogal média, [a]; como exposto pela FIG. 3.
14
FIGURA 3 – forma do trato vocal e vogais correspondentes.
Fonte: KENT e READ, 2001, p. 17, com adaptações.
3. A produção do som e o trato vocal: fundamentação teórica
Alguns trabalhos já relacionaram a qualidade sonora de instrumentos de sopro à
configuração do trato vocal. Mike Macmahon [s.d.] descreve a influência da fonética
na produção do som na flauta transversal. Em seu artigo, intitulado Throat
ressonance, vowel sounds, ressalta que os sons vocálicos não são apenas as
vogais outrora aprendidas na escola, mas sons produzidos com pouca ou nenhuma
obstrução da coluna de ar, havendo, assim, centenas de possibilidades de sons
vocálicos. Isso abre a perspectiva de realização de inúmeras modificações no som
15
da flauta, estando este associado à posição do trato vocal na produção das vogais,
chamando atenção para um papel mais abrangente da língua.
Quase tudo que é dito (nos livros, pelo menos) sobre a língua enquanto
tocamos flauta, parece ter a ver com “t” e “k” (ou “d” e “g”). Eu pensei por
muito tempo – e particularmente ao ouvir o Jimmy [James Galway] – que
nós temos que conscientemente considerar o papel da língua na discussão
sobre as diferentes espécies de som da flauta: isso não deveria ser apenas
ignorado como uma questão de menor importância. (MACMAHON, [s.d.])
Macmahon [s.d.] explica que através de pequenas mudanças na posição da língua,
diferentes sons vocálicos podem ser produzidos, o que significa que ajustes na
língua afetam a coluna de ar e a forma como ela atinge os lábios e a flauta. Esse
tipo de ajuste pode ser usado para se obter diferentes cores no som da flauta. Para
tornar possíveis esses ajustes na língua sem que isso afete a posição da mandíbula,
como acontece na fala, e conseqüentemente, prejudique a embocadura na flauta, o
autor sugere que os flautistas façam como os ventríloquos, posicionando a boca em
uma forma estática.
Em seguida, o autor esclarece que essas mudanças de ressonância no trato vocal,
para a fala, são mudanças nos formantes e estes podem ser analisados em
programas de computador específicos. Embora a forma, ou contorno dos formantes
mantenha-se praticamente o mesmo, a freqüência em Hz de seus picos depende da
forma e do tamanho do trato vocal, ou seja, difere entre homens, mulheres e
crianças. Porém, o autor não demonstra como os ajustes da língua e da laringe, ou
seja, ajustes nas cavidades do trato vocal, alterariam a qualidade do som produzido
na flauta transversal. Faz considerações apenas sobre a importância das vogais,
com enfoque somente na velocidade e ângulo, evitando enfocar a pertinência ou não
da influência ressonante.
16
No artigo The relation between the vocal tract and the recorder sound quality, Dan
Laurin (1998) propõe que o tamanho e a forma do trato vocal influenciam o timbre da
flauta doce. Para investigar tal influência, são realizados alguns testes de medição
de transferência acústica, inicialmente desenvolvidos para pesquisas em fala. Nos
testes, o bocal do instrumento foi acoplado a um tubo, e este conectado a um
gerador acústico. O som foi captado por um microfone, que tinha a função de enviar
os sinais para o computador no qual um software, especialmente desenvolvido para
este trabalho, mostrava os resultados.
Depois de escolhidas as notas que seriam analisadas, cada uma delas foi gravada
três vezes, e os resultados apreciados.
A primeira tarefa foi descobrir onde e para o que olhar. Nós decidimos quais
notas investigar, uma vez que as alterações de registro e posições algo
irregulares da flauta doce tornam necessárias diferentes pressões de ar. Eu
busquei, então, produzir dois timbres opostos em cada nota, uma vez que a
polarização extremada possivelmente se mostraria mais claramente na tela.
Cada nota e timbre foram gravados três vezes e o resultado mostrado na
tela foi salvo. (LAURIN, 1988)
Os dois tipos de timbre escolhidos pelo autor foram denominados thick, para uma
posição de palato relaxada e, de acordo com o mesmo, um som de flauta doce
bonito e musical, e thin, com o palato o mais elevado possível. Essa medição torna-
se, assim, um tanto subjetiva. Qual seria a definição para um som belo e musical?
Não há um parâmetro de medida, já que Laurin ressalta ainda que essa posição do
palato para um som thick é variável, sendo que o instrumentista elevaria o palato
quanto mais aguda fosse a nota tocada.
17
O timbre thick não foi produzido com o palato na mesma posição para todas
as notas. Pelo contrário, eu me esforcei em produzir um som musicalmente
viável, e me deixei guiar por meu gosto musical e pelo que eu considero ser
“um bom e musical som de flauta doce”. Em termos simples, eu elevei o
palato um pouco mais à medida que a nota que eu estava tocando fosse
mais aguda. (LAURIN, 1988)
O autor descreve que foi feita uma adaptação na configuração da leitura do
espectro, que a princípio estava configurado para freqüências que caracterizam as
vogais durante a fala, em torno de 300 Hz a 3,5 kHz. Nessa região, segundo o autor,
não haveria influência de reprodução no espectro do som resultante na flauta.
A preparação do experimento, pelo exame da amplitude da freqüência que
caracteriza diferentes vogais, isto é, de 300 Hz a 3,5 kHz, demonstrou que
enquanto as diferentes configurações do trato vocal produzem grandes
alterações na resposta do trato vocal [sic], há pouca diferença de
reprodução no espectro do som resultante nessa faixa de freqüência. Em
síntese, nós estávamos procurando no lugar errado. (LAURIN, 1988)
A partir de então, os espectrogramas foram gerados com medições até 10 kHz,
cujos gráficos são abordados no artigo. O primeiro desses gráficos representa a nota
C6 (considerando-se C4 ou dó 4 como dó central) com som thick e a posição do
trato vocal como se produzisse a vogal [a], e o seguinte, com o palato mais elevado
possível, a mesma nota C6. O autor acredita que somente alterações em torno de 10
kHz teriam influência no timbre da flauta. Com isso, afirma que, na flauta doce
contralto, que possui fundamentais a partir de 349 Hz (F4), alterações nas
fundamentais e nos primeiros harmônicos de toda sua extensão não teriam
influência sobre o timbre.
O autor descreve as diferenças entre os dois gráficos e conclui que as principais
mudanças de timbre ocorrem em torno de 5 kHz, e que o som denominado thin
possui parciais mais fortes entre 6 – 8 kHz. É feito ainda um experimento
semelhante com a escala cromática, com resultados, segundo o autor, similares.
1
8
A partir desses resultados, Laurin conclui que a produção de diferentes timbres na
flauta doce não estaria associada às diferentes posições assumidas pelo trato vocal
na produção das vogais. Ele justifica que as alterações nos sons vocálicos estão
associadas a freqüências em torno de 3,5 kHz e que o som da flauta doce
dependeria de freqüências mais altas, descartando, dessa forma, qualquer alteração
nas fundamentais e nos primeiros harmônicos. Entretanto, ressalta o autor, os sons
vocálicos podem ser utilizados na produção de diferentes efeitos no som da flauta
doce. Este sugere, ainda, que as mudanças de timbre detectadas estariam ligadas a
alterações na pressão e na turbulência do ar utilizado.
A posição do trato vocal para o som thick causa turbulência na passagem
do ar. Isso significa que mais pressão é requerida para a mesma quantidade
de ar fluir. É muito provável, embora não seja certo, que o executante
precise manter o fluxo de ar razoavelmente constante para controlar a
afinação. Em razão dos músicos possuírem um grau de preparação que os
leva a intuitivamente tocar afinado, suprem essa pressão extra sem sequer
notar que o estão fazendo (afinal, a variação não é grande). A turbulência
gera um ruído de ar que gera o sinal no gráfico. Pode ser que essa
turbulência obscureça a freqüência do gráfico entre 6 e 8 kHz, ou pode ser o
resultado de uma interação entre o segundo harmônico da passagem do ar
e o trato vocal ao qual ela está conectada. (LAURIN, 1988)
Todavia, temos que o resultado do experimento realizado por Laurin poderia ter sido
explorado levando-se em consideração que mudanças na ressonância alterariam
toda a forma do espectro, inclusive as fundamentais e seus primeiros harmônicos,
afetando o timbre da flauta em razão da amplificação e amortecimento de
determinadas regiões de freqüência, independentemente da altura dos sons.
Roger Mather (1998) escreve sobre a utilização da ressonância da garganta, nariz e
boca para a produção do som na flauta em seu artigo Your Throat, sinus and Mouth
Resonances: Friends or Foes?. O autor afirma que o ar contido nessas cavidades
ressoa. Reforça ainda que o trabalho que se pode aplicar é o de se ajustar o
1
9
tamanho da cavidade para que a altura que ressoa seja a mesma que é tocada,
concedendo assim, mais força, foco e, segundo o autor, expressividade ao som.
O ar nessas cavidades ressoa queira você ou não. Sua função é ajustar o
tamanho das cavidades de maneira que a altura que ressoa esteja tão
próxima quanto possível da altura que você está tocando. Isso fortalece e
foca o som. Melhora a qualidade, a pureza (para mais atratividade) e a
intensidade (para melhor expressão e projeção). A flauta responde mais
rapidamente. Você se sente mais comprometido, mais pessoalmente
envolvido – e você realmente está! – uma vez que sua execução é mais
expressiva. A platéia sente que está ouvindo um ser humano e não um tubo
de metal. (MATHER, 1998)
Mather defende que muitos flautistas experientes utilizam essas ressonâncias com
diferentes métodos, conscientes ou inconscientes. A flauta é o instrumento que,
segundo o autor, melhor aproveita a ressonância das cavidades oral e nasal, a qual
pode ser utilizada por todos os instrumentos da família das madeiras e metais,
porque possui, dentre todos estes, o som mais menos potente.
O autor ressalta ainda que as ressonâncias atuam independentemente entre si e dá
a entender que há diferentes técnicas para se utilizar os diferentes tipos de
ressonância, podendo ou não o flautista ser ajudado por um tipo de técnica ou por
um tipo de ressonância. Todavia, neste ponto do texto os conceitos se confundem,
não restando claro se o fato de determinada técnica não favorecer determinado
flautista decorreria do fato deste não realiza-la de forma correta, ou daquela não ser
adequada ao tamanho e à forma das partes do seu corpo.
Em seguida, o autor apresenta cada técnica e cada atividade ressonadora aplicada
às diferentes partes das cavidades oral e nasal, seguindo sua exposição de forma a
enfatizar o caráter didático, em detrimento de aspectos científicos.
20
Mather faz ainda considerações sobre a aplicação da forma das vogais na boca com
o objetivo de adequar seu formato para a realização de determinado nível de
dinâmica e afinação. O texto sugere vogais determinadas para o que considera um
melhor aproveitamento sonoro de determinados níveis de intensidade e altura.
Dessa forma, apresenta uma série de vogais que se adequariam a dinâmicas e
intervalos específicos, dentro da extensão da flauta. Por exemplo, entre o B3 e o
F#4, o autor sugere que seja utilizada a vogal [ɔ] para dinâmicas entre mp e p, e a
vogal [a] para dinâmicas entre pp e ppp. Afirma:
Notas graves requerem fundamentais fortes e por isso são melhor
produzidas pelas vogais do início da série (u - o). As fundamentais de notas
acima da oitava mais grave são harmônicos e assim são produzidas melhor
pelas vogais finais (a – e). Notas intensas geralmente têm parciais
suficientes, de maneira que as vogais iniciais lhes são adequadas. Para
projeção de notas fracas é preciso um aumento de parciais através das
vogais finais. (MATHER, 1998)
FIGURA 4 – esquema de utilização das vogais em determinadas regiões e intensidades
sugerido por Mather.
Fonte: MATHER, 1998.
21
É possível estabelecer um paralelo entre a FIG. 4 acima, que demonstra o esquema
de utilização das vogais sugerido por Mather (1998) e a FIG. 2, na qual Sundberg
(1979) descreve a região de caracterização das vogais de acordo com os dois
primeiros formantes.
Notamos que, na região mais grave da flauta (de Si 3 a Fá # 4, ou 247 a 370 Hz),
com dinâmicas de fff a ff e de f a mf, o autor propõe a utilização da vogal [u] ou oo
[sic]. De acordo com a FIG. 2 percebemos que a vogal [u] apresenta os mais baixos
valores de F1 e F2 dentre as demais, o que favoreceria a emissão das freqüências
mais graves, exatamente aquelas escolhidas por Mather (1998). O mesmo ocorre
nas demais vogais sugeridas.
Na seção dedicada à boca e garganta, o autor afirma que a boca funciona, em
termos de ressonância, como uma garrafa vazia e que, ao contrário da flauta e dos
outros instrumentos de sopro, possui uma cavidade bastante ampla em relação ao
seu comprimento. Esclarece ainda que a abertura bucal que conta para os flautistas
é aquela que leva à garganta, pois a abertura dos lábios seria muito pequena para
ter algum efeito na ressonância.
Sugere posições de língua para determinadas alturas e conclui que o volume da
cavidade oral é determinado pela posição da língua em relação ao palato duro, a
posição do palato mole e das bochechas.
O artigo é concluído com algumas considerações sobre como realizar as mudanças
sugeridas no decorrer do texto para a utilização da ressonância das cavidades oral e
nasal, de forma bastante didática.
22
Sugere, ainda, como a utilização da ressonância do corpo aplicada à atividade
musical na flauta contribui para melhorar a afinação e o controle de dinâmica,
entretanto, sem mencionar as alterações de qualidade e cor do som. Termina com
considerações sobre a melhoria do som na flauta em decorrência da aplicação das
técnicas apresentadas. Tais considerações traduzem-se em simples conselhos aos
flautistas sobre como aplicar a técnica exposta, sem esclarecer seus fundamentos.
A forma de iniciar a execução de uma nota decorre muito de suas
características. Assim, para um intervalo grande, seja com ataque de língua
ou ligado, comece mudando sua ressonância (assim como sua
embocadura) um pouco antes do final da primeira nota. Desse modo, você
começará a segunda nota com afinação adequada, intensidade e qualidade
sonora, tudo perfeitamente no lugar. Se você esperar que a primeira nota
esteja totalmente terminada – a tendência natural, lamentavelmente – o
início da segunda nota será desafinado, fraco ou sujo.
Observa-se, afinal, que, apesar de o autor tentar abordar de forma objetiva o
problema da utilização das ressonâncias na alteração do caráter sonoro da flauta,
limitando-se a uma abordagem mais subjetiva do tema.
4. Experimento
A fundamentação teórica exposta acima demonstrou a existência de indícios de que,
verdadeiramente, haveria uma influência da posição do trato vocal na qualidade da
flauta. Demonstrou, ainda, a existência de uma preocupação em explicar
cientificamente a ocorrência dessa relação. Contudo, apresentou-se como
insuficiente para que se pudesse afirmar, de pronto, a veracidade da mesma, seja
por não abordar diretamente a questão (Macmahon), por limitações dos paradigmas
utilizados para o experimento (Laurin) ou por ausência de rigor científico (Mather).
23
Assim, iniciou-se a preparação de um experimento que pudesse denotar, com maior
grau de certeza, a existência ou inexistência de influência do trato vocal sobre a
qualidade sonora da flauta transversal.
Considerando-se a dificuldade em se separar os movimentos de lábio e mandíbula
quando o flautista realiza as modificações em seu trato vocal, e que estes
movimentos têm forte efeito sobre a qualidade sonora da flauta, foi proposta a
construção de um soprador acoplado a um trato vocal artificial, que eliminaria esse
tipo de influência, ajudando também na determinação da forma do jato de ar, que
pode modificar a afinação do som produzido na flauta transversal.
Desse modo, se torna possível isolar e mensurar exclusivamente as alterações do
trato vocal, uma vez que são mantidas constantes a posição dos lábios e da
mandíbula, bem como o fluxo de ar.
4.1. Experiência preliminar
Realizou-se uma experiência preliminar na qual garrafas plásticas de 500 ml foram
acopladas a pequenas mangueiras maleáveis de 1 cm de diâmetro. As mangueiras
simulavam o efeito dos lábios sendo colocadas sobre o bocal da flauta. Insuflou-se
ar, então, pelo orifício oposto da garrafa, de forma que incidisse na parede frontal do
orifício em que foi acoplada a mangueira, gerando som. O primeiro dispositivo
construído teve a mangueira acoplada à porção central do fundo da garrafa plástica,
como mostra a FIG. 5b. Foi construído ainda um segundo dispositivo que contava
com a mangueira na porção mais lateral do fundo da garrafa. Posteriormente, pôde-
se verificar que, apesar das mangueiras acopladas em posições diferentes do fundo
24
das garrafas plásticas, as duas apresentavam os mesmos resultados, qual seja, a
produção de som.
FIGURA 5 – garrafas plásticas utilizadas para simular o efeito dos lábios e do trato vocal
quando da incisão do ar na flauta transversal: a) aspecto geral, b) detalhe
25
Parte do orifício do bocal da flauta teve que ser coberto para melhor simular a
porção externa dos lábios, em consonância com a exposição de Quantz (1752), que
trata do avanço dos lábios sobre o orifício da embocadura. O autor sugere quatro
linhas horizontais que representam a posição dos lábios sobre o orifício da
embocadura.
A segunda linha inferior indica o meio e o quanto da embocadura deve ser
coberto com os lábios para o Ré’’[sic]. A linha inferior mostra quão distante
ambos os lábios devem recuar para produzir o Ré’ [sic]. A terceira linha
indica o quanto os lábios devem avançar para o Ré’’’[sic]. E a quarta linha
(...) mostra quão mais adiante os lábios devem avançar para o Sol’’’[sic].
(QUANTZ, 1752)
FIGURA 6 – posição dos lábios para diferentes registros na flauta transversal.
Fonte: QUANTZ, 1752, p. 53.
Portanto, parte da abertura do bocal foi coberta com fita adesiva, de acordo com a
nota esperada, como sugerido por Coltman (1966): “Para simular a cobertura dos
lábios, uma fita plástica curva de 3 mm de espessura foi fixada ao porta lábios como
uma forma de reproduzir o modelo humano”.
Desta forma, mostrou-se possível e viável simular um trato vocal como o
representado pela garrafa plástica que, modificado, poderia gerar alterações na
qualidade sonora da flauta desvinculadas de alterações na mandíbula e no fluxo de
26
ar, uma vez que foi possível produzir som na flauta de maneira desvinculada de tais
influências.
4.2. Experimento final
A etapa seguinte do experimento consistiu em acoplar à flauta um equipamento que
melhor simulasse as alterações do trato vocal, eliminando-se as variantes dos
movimentos de mandíbula, lábios e fluxo de ar.
Foi elaborado um modelo de embocadura em fibra de vidro com ângulo e abertura
medianos utilizados na flauta transversal. O modelo em fibra de vidro foi feito a partir
de moldes em atadura gessada colocados diretamente sobre os lábios. Estes
moldes, que permitem grande precisão em relação ao modelo original, foram então
recobertos com fibra de vidro. Depois de seca, a fibra de vidro se desprende do
molde original e forma um modelo bastante semelhante ao natural, como
evidenciado pela FIG. 7.
FIGURA 7 – modelo de embocadura em fibra de vidro: a) visão frontal, b) visão lateral
27
Este modelo de embocadura foi então colado ao bocal da flauta, do que decorreu a
necessidade da utilização de um bocal de fibra de carbono
4
, menos suscetível a
sofrer danos em decorrência desse processo.
Posteriormente ao modelo de embocadura de fibra de vidro, foi acoplado um trato
vocal artificial feito em PVC. Para simular a constrição do trato vocal, que
naturalmente é praticada com a língua, foi construído um anel em metal. Este anel
movimenta-se dentro do modelo de trato vocal estimulado por um imã colocado na
parte externa do tubo. Estes detalhes podem ser mais bem visualizados por meio
das FIG. 8 e 9.
FIGURA 8 – corte transversal do modelo de trato vocal.
4
Embora não seja um material comumente empregado na confecção de bocais de flauta transversal,
a fibra de carbono vem sendo utilizada com bons resultados por Leonardo Fuks, que produziu o bocal
aqui utilizado.
28
FIGURA 9 – visão lateral do modelo de trato vocal.
Este modelo de trato vocal é amplamente utilizado em pesquisas sobre a fala. Kent e
Read (2001) afirmam sua validade:
Para introduzir a teoria acústica de produção da fala, utilizaremos um
aparato que não se parece muito com um trato vocal humano. (...) Para
tornar esse exemplo relevante ao estudo da produção da fala humana,
precisamos notar duas coisas: (1) um trato vocal médio de um homem tem
17,5 cm da glote aos lábios e (2) o trato vocal tem, aproximadamente, a
mesma freqüência de ressonância de um tubo reto do mesmo comprimento
e diâmetro. Isto é, o simples aparato em forma de cano mostrado na
FIGURA 2-2
5
é um modelo satisfatório para uma vogal em particular da fala
humana. (...) Para que este modelo possa representar outras vogais, a área
de constrição deve ser variada no sentido do comprimento do tubo, de
modo a aproximar a configuração do trato vocal da vogal desejada. (...)
Todas as vogais em Inglês podem ser moldadas, ainda que
rudimentarmente, pela modificação apropriada da configuração do tubo reto.
5
A FIG. 2.2 referida pelo autor mostra um tubo reto, exatamente como na FIG. 9.
29
O trato vocal artificial está ligado a um sistema de ar comprimido. O fluxo, ajustado
manualmente, foi monitorado com um fluxômetro para ar comprimido, 0/15l/min,
bilha longa, mantendo o fluxo de ar constante durante as medições, eliminando
também esta variável. O experimento foi realizado no Laboratório de Física
Experimental do Departamento de Física, Instituto de Ciências Exatas (ICEX),
Universidade Federal de Minas Gerais.
FIGURA 10 – fluxômetro utilizado no experimento.
4.3. Resultados
Os resultados obtidos neste experimento foram gravados com um microfone AKG
D60S posicionado a cerca de 20 cm do bocal e apontado para a região entre o porta
lábios e as chaves, como comprova a FIG. 11. Todas as amostras obtidas no
experimento encontram-se em CD, conforme o ANEXO A.
30
Figura 11 – posicionamento do microfone.
Foram gravadas amostras em três situações distintas: a primeira, utilizando apenas
o bocal da flauta, gerou uma fundamental em 1000 Hz
6
; a segunda, utilizando toda a
flauta, com as chaves posicionadas para a emissão da nota Si, gerou uma
fundamental em 480 Hz e, finalmente, a terceira, também utilizando toda a flauta,
com as chaves posicionadas para a emissão da nota Lá, gerou uma fundamental em
430 Hz.
Utilizando apenas o bocal da flauta, foram gravadas quatro amostras. Em todas elas,
o fluxo no qual se obteve resposta sonora do instrumento foi maior que a capacidade
de medição do fluxômetro utilizado. Assim, as amostras de bocal livre foram
realizadas com a medição do fluxômetro saturada. Devido à imprecisão do aparelho
6
O valor dessa freqüência se justifica pelo fato de que foi utilizado no experimento um bocal de fibra
de carbono um pouco mais curto que os bocais tradicionais de flauta, que geralmente apresentam
freqüência em torno de 880 Hz.
31
e à dificuldade em se estabelecer rigidamente um fluxo no qual o instrumento
apresentasse resposta sonora, as medições de fluxo apresentadas neste trabalho
são apenas aproximadas.
Figura 12 – medição saturada do fluxômetro para as amostras de bocal livre.
A primeira amostra foi gravada fazendo-se uma varredura do modelo de trato vocal
com o elemento constritor. Assim, o imã foi movimentado entre (1,0 ± 0,5)
cm e (15,0
± 0,5) cm a partir da porção anterior, ou seja, mais próxima ao bocal da flauta
7
.
A partir do espectrograma obtido nesta gravação, podem-se verificar as marcantes
alterações ocorridas. Notam-se três seções distintas, como apontado na FIG. 13.
7
± 0,5 cm indica a margem de erro da medição da posição do elemento constritor (anel metálico).
32
Figura 13 – varredura completa do tubo do trato vocal com bocal livre.
A primeira seção, com o elemento constritor do modelo de trato vocal deslocando-se
a partir da porção mais próxima do bocal da flauta, expõe o primeiro parcial (1000
Hz), segundo (2000 Hz), bastante acentuado, o terceiro (3000 Hz) e o quarto parcial
(4000 Hz).
Na segunda seção, com o anel metálico um pouco mais afastado do bocal da flauta,
notamos que o primeiro parcial acentuou-se, como também o terceiro. O segundo e
o quarto parciais foram atenuados, sendo que este quase desapareceu.
A terceira seção, com o elemento constritor atingindo a porção do modelo de trato
vocal mais afastada do bocal da flauta, expõe o primeiro parcial bastante atenuado,
33
o segundo parcial muito acentuado, o terceiro parcial levemente atenuado e o
quarto parcial consideravelmente acentuado.
Detectada a existência de três seções distintas bastante definidas, decidiu-se gravar
separadamente um ponto dentro de cada uma destas seções, ainda utilizando
apenas o bocal livre.
O primeiro ponto foi estabelecido em (3,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. O resultado obtido é indicado na FIG.
14.
Figura 14 – ponto dentro da primeira seção com o bocal livre.
34
Observamos que foi mantida forte semelhança com o visualizado na primeira seção
da varredura: quatro parciais, sendo que o segundo parcial manteve-se como o mais
acentuado. Pode-se melhor verificar tal acentuação do segundo parcial a partir da
FIG. 15.
Figura 15 – espectro sonoro do ponto da primeira seção com o bocal livre.
Observa-se claramente a acentuação do segundo parcial (2000 Hz) em relação aos
demais.
O segundo ponto foi estabelecido em (7,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. O resultado obtido é indicado na FIG.
16.
35
Figura 16 – ponto dentro da segunda seção com o bocal livre.
O resultado, mais uma vez, foi coerente com o exibido na varredura completa do
modelo de trato vocal: o primeiro parcial acentuou-se, assim como o terceiro parcial.
O segundo e quarto parciais foram atenuados, sendo que este quase desapareceu.
Notamos, ainda, que houve uma pequena queda na afinação em relação à primeira
seção com o bocal livre. Esta constatação pode ser mais bem verificada na FIG. 17.
36
Figura 17 – espectro sonoro do ponto dentro da segunda seção com o bocal livre.
O terceiro ponto foi estabelecido em (12,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. O resultado obtido é indicado na FIG.
18.
37
Figura 18 – ponto dentro da terceira seção com o bocal livre.
O resultado apresentou-se coeso ao da varredura: atenuação do primeiro e terceiro
parciais e acentuação do segundo e quarto parciais. A mesma conclusão é obtida
através da análise do espectro reproduzido na FIG. 19. Observa-se também que a
afinação eleva-se um pouco em relação à segunda seção, retomando os valores da
primeira seção.
38
Figura 19 - espectro sonoro do ponto dentro da terceira seção com o bocal livre.
As amostras seguintes foram gravadas utilizando toda a flauta, com as chaves
posicionadas para a emissão da nota Si 4. Com esta posição das chaves, obteve-se
uma fundamental em 480 Hz. Novamente, foram gravadas quatro amostras. O fluxo
no qual se obteve resposta sonora adequada
8
do instrumento foi 13l/min.
A primeira dessas amostras foi gravada fazendo-se uma varredura do modelo de
trato vocal com o elemento constritor. Portanto, o ímã foi movimentado entre (1,0 ±
0,5)
cm e (15,0 ± 0,5) cm a partir da porção mais próxima ao bocal da flauta.
8
Foi considerada adequada a resposta sonora do instrumento mais próxima à freqüência equivalente
à nota representada pela posição das chaves.
39
FIGURA 20 – varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si
Novamente, foram marcantes as alterações, podendo-se perceber três seções
distintas, como demonstrado na FIG. 20. A primeira seção expõe o primeiro parcial
(480 Hz), o segundo parcial (960 Hz) e o terceiro parcial (1920 Hz). Na segunda
seção o segundo parcial desaparece, o primeiro parcial mostra-se bastante
atenuado e acentua-se a presença do quarto parcial. Evidencia-se, além disso, a
presença de outros três parciais: o terceiro (1440 Hz), o quinto (2400 Hz) e o oitavo
(3740 Hz). Na terceira seção notamos a presença acentuada do primeiro parcial
(480 Hz), o reaparecimento do segundo parcial (960 Hz), a presença do terceiro
(1440 Hz) e quinto parciais (2400 Hz).
40
Um ponto em cada uma dessas seções foi gravado separadamente, ainda com as
chaves da flauta posicionadas para a emissão da nota Si. O primeiro ponto foi
estabelecido em (1,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do modelo de trato vocal
mais próxima ao bocal. O resultado obtido é apontado na FIG. 21.
FIGURA 21 – ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para
a emissão da nota Si
É clara a semelhança mantida com a primeira seção da varredura: primeiro (480 Hz),
segundo (960 Hz) e quarto (1920 Hz) parciais; destes, os que se mostram mais
acentuados são o primeiro e o quarto parciais. Notamos ainda a presença, bastante
atenuada, do oitavo parcial (3740 Hz), como se pode perceber a partir da FIG 22.
41
FIGURA 22 - espectro sonoro do ponto dentro da primeira seção com as chaves da
flauta posicionadas para a emissão da nota Si
O segundo ponto foi estabelecido em (7,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. A FIG. 23 indica os resultados obtidos.
42
FIGURA 23 – ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas
para a emissão da nota Si
Os resultados obtidos nesta ocasião apresentaram-se um tanto diferentes do que foi
mostrado na segunda seção da varredura completa do tubo do modelo de trato
vocal. Notamos aqui a presença do primeiro parcial (480 Hz), segundo parcial (960
Hz), terceiro parcial (1440 Hz) e quarto parcial (1920 Hz). O primeiro parcial mostra-
se bem definido, com os demais atenuando-se gradativamente. Verifica-se que,
também neste caso, a afinação sofre uma leve queda, como mostrado pela FIG. 24.
43
FIGURA 24 - espectro sonoro do ponto dentro da segunda seção com as chaves da
flauta posicionadas para a emissão da nota Si
O terceiro ponto foi estabelecido em (10,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. O resultado obtido é sugerido pela
FIG. 25.
44
FIGURA 25 – ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para
a emissão da nota Si
O resultado desta amostra foi coerente com o exibido na varredura completa do tubo
do modelo de trato vocal: vemos o primeiro parcial acentuado, o segundo parcial
levemente atenuado, o terceiro, quarto e quinto parciais atenuando-se
gradativamente, como explicitado pela FIG.26.
45
FIGURA 26 - espectro sonoro do ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Si
Finalmente, foram gravadas quatro amostras com as chaves da flauta posicionadas
para a emissão da nota Lá. Com esta posição, obteve-se o primeiro parcial em 430
Hz. O fluxo no qual se obteve resposta sonora adequada do instrumento foi 10l/min.
A primeira dessas amostras foi gravada fazendo-se uma varredura do tudo do
modelo de trato vocal. Assim, o imã foi, mais uma vez, movimentado entre (1,0 ±
0,5) cm e (15,0 ± 0,5) cm a partir da porção mais próxima ao bocal da flauta. O
resultado obtido é apontado pela FIG. 27.
46
FIGURA 27 – varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá
Nota-se aqui um grande número de alterações ocorridas durante a varredura
completa do tubo, podendo se, ainda, distinguir três grandes seções, como mostrado
na FIG. 27.
A primeira seção exibe o primeiro parcial (430 Hz), embora com intensidade
flutuante; o segundo parcial (860 Hz); o segundo harmônico (1290 Hz), que aparece
apenas em alguns pontos; o quarto parcial (1720 Hz), nitidamente, oscilando em
freqüência algumas vezes; o quinto parcial (2150 Hz), pontualmente, assim como o
oitavo parcial (3440 Hz).
47
A segunda seção expõe o primeiro parcial (430 Hz) mais definido e acentuado, o
segundo parcial (860 Hz) também mais acentuado e o quarto parcial (1720 Hz) algo
atenuado.
A terceira seção tem o primeiro parcial (430 Hz) bastante atenuado. O segundo
parcial (860 Hz) desaparece completamente. São exibidos ainda o terceiro parcial
(1290 Hz), o quarto parcial (1720 Hz), o quinto parcial (2150 Hz) e o oitavo parcial
(3440 Hz), este bastante ressaltado.
Um ponto em cada uma dessas seções foi gravado separadamente, ainda com as
chaves da flauta posicionadas para a emissão da nota Lá.
O primeiro ponto foi estabelecido em (1,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. O resultado obtido é apontado na FIG.
28.
48
FIGURA 28 – ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para
a emissão da nota Lá
Notamos que há semelhança com a primeira seção da varredura: o primeiro parcial
(430 Hz) aparece nítido; o segundo parcial (860 Hz), bastante atenuado; o quarto
parcial (1720 Hz) aparece nitidamente e o quinto parcial (2150 Hz), muito atenuado,
como mostra a FIG. 29.
49
FIGURA 29 - espectro sonoro do ponto dentro da primeira seção com as chaves da
flauta posicionadas para a emissão da nota Lá
O segundo ponto foi estabelecido em (6,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. A FIG. 30 indica os resultados obtidos.
50
FIGURA 30 – ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas
para a emissão da nota Lá
Os resultados condizem com o apresentado na segunda seção da varredura: o
primeiro parcial (430 Hz) mais definido e acentuado, o segundo (860 Hz) e o quarto
(1720 Hz) parciais um pouco acentuados e o terceiro (1290 Hz) e quinto (2150 Hz)
parciais atenuados. A afinação sofre uma ligeira queda, como se pode perceber a
partir da FIG. 31.
51
FIGURA 31 - espectro sonoro do ponto dentro da segunda seção com as chaves da
flauta posicionadas para a emissão da nota Lá
O terceiro ponto foi estabelecido em (12,0 ± 0,5) cm a partir do início da porção do
modelo de trato vocal mais próxima ao bocal. A FIG. 32 indica os resultados obtidos.
52
FIGURA 32 – ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para
a emissão da nota Lá
Novamente, fica evidenciada a semelhança com os resultados obtidos na varredura
do tubo do modelo de trato vocal: primeiro parcial (430 Hz) bastante atenuado e o
desaparecimento completo do segundo parcial (860 Hz). São exibidos ainda o
terceiro parcial (1290 Hz), o quarto parcial (1720 Hz), o quinto parcial (2150 Hz) e o
oitavo parcial (3440 Hz), como indicado na FIG. 33.
53
FIGURA 33 - espectro sonoro do ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta
posicionadas para a emissão da nota Lá
4.4 Análise dos resultados
Uma análise geral dos resultados do experimento denota que as alterações
ocorridas a partir da mudança de posição do elemento constritor no modelo de trato
vocal foram muito vastas, havendo elementos para se afirmar que existe influência
da posição do trato vocal na qualidade sonora da flauta.
Essa influência pode ser percebida tanto auditivamente como através de mudanças
na configuração espectral do som. Houve alterações sensíveis na fundamental e nos
harmônicos correspondentes, de acordo com a posição do elemento constritor no
tubo do modelo de trato vocal nas três situações pesquisadas.
54
Notamos que, na prática, a interferência do trato vocal na qualidade sonora de um
flautista é menor que a demonstrada no experimento. Isto ocorre devido ao grande
número de variáveis a que o flautista submete sua execução, como por exemplo, a
posição dos lábios e mandíbula, e variações de pressão e fluxo. A função do
modelo, isolando variáveis, é justamente ressaltar as alterações decorrentes da
posição do trato vocal.
Observa-se que existe forte semelhança entre as três situações em que as amostras
foram gravadas. Percebe-se que em todas as situações existem três seções
distintas, como apontado nas FIG. 13, 20 e 27. Tal fato poderia nos remeter ainda a
classificação geral das vogais em três grupos, como apontado na FIG. 3.
A primeira seção de cada uma das situações representa o elemento constritor
anteriorizado, ou seja, próximo à região dos lábios, o que poderia nos remeter às
vogais [i] e [ε], de acordo com o que foi demonstrado na FIG. 3.
A segunda seção, por sua vez, representa o elemento constritor em posição média,
o que poderia nos remeter à vogal [a], também de acordo com a FIG. 3. A terceira
seção representa o elemento constritor em posição posteriorizada, ou seja, afastado
dos lábios, o que, ainda de acordo com a FIG. 3, poderia nos remeter às vogais [u] e
[ɔ].
Não foi possível estabelecer uma relação segura entre os resultados apresentados
em cada gráfico gerado pelo experimento. Por exemplo, os pontos gravados na
primeira seção das posições de chaves da flauta para as notas Si e Lá, são muito
semelhantes entre si, como demonstrado pelas FIG. 21 e 28. Contudo, não
55
apresentam semelhança marcante com o ponto gravado na primeira seção com o
bocal livre, conforme apontado na FIG. 14. Isto pode ser atribuído a não correção do
ângulo da embocadura para diferentes freqüências, fator largamente empregado
pelos flautistas.
Observamos que, nas três situações em que as amostras foram gravadas, ou seja,
bocal livre, chaves posicionadas para a nota Si e para a nota Lá, a segunda seção,
que representa uma posição média do elemento constritor, apresentou uma leve
queda na afinação, sem que fossem alterados ângulo, posição de lábios, mandíbula
ou fluxo de ar.
Embora seja possível perceber outras semelhanças e diferenças entre as amostras
apresentadas, não foi este o objetivo final do presente trabalho, que se focou apenas
na verificação da existência ou não da influência do trato vocal na qualidade sonora
da flauta. A mensuração dessa influência será, quiçá, elemento de trabalhos futuros.
Apenas como análise geral, pode-se dizer que, na maior parte das amostras,
verifica-se que a posição que melhor favoreceu a qualidade da fundamental foi a
equivalente a vogal [a], ou seja, posição média. Tal constatação pode favorecer a
didática da flauta, especialmente para iniciantes, que não têm domínio sobre a
técnica de realizar alterações no trato vocal. O uso da posição equivalente a vogal
[a] poderá ajudar o iniciante a alcançar com maior facilidade uma boa resposta
sonora do instrumento.
56
5. Conclusão
Em conclusão ao presente trabalho, é possível formular algumas afirmações, a fim
de sintetizar os principais aspectos debatidos:
I. O trato vocal modifica a configuração espectral do som produzido pelas
pregas vocais, acrescentando regiões de ressonância, os formantes, ao
sinal inicial e fazendo com que a onda sonora irradiada pelos lábios seja
bem mais complexa que aquela produzida nas pregas vocais. Estes
formantes, em especial os dois primeiros, são responsáveis pela
caracterização das vogais, sendo que sua posição pode variar, dentro de
certos limites, sem comprometer a inteligibilidade da vogal emitida.
II. A bibliografia sobre o tema é extremamente restrita, tanto nacional quanto
internacionalmente, o que acentuou a dificuldade na elaboração deste
trabalho. Além disso, a pouca bibliografia existente não é suficiente para se
estabelecer uma relação entre a posição do trato vocal e a qualidade sonora
da flauta. Mather (1998) aborda o assunto apenas com especulações sem
comprometimento científico; Macmahon [s.d.] faz considerações sobre a
importância da fonética na produção do som na flauta com enfoque somente
na velocidade e ângulo, evitando tratar da pertinência ou não da influência
do trato vocal sobre a qualidade sonora da flauta; Laurin (1998) realiza
testes de medição de transferência acústica para provar que o tamanho e a
forma do trato vocal influenciariam o som da flauta doce, porém limita as
conclusões decorrentes de seus resultados.
57
III. A experiência preliminar realizada com garrafas plásticas demonstrou que
seria possível e viável simular um trato vocal artificial que, modificado,
poderia gerar alterações na qualidade sonora da flauta, com a conseqüente
eliminação das demais variáveis, tais como alterações no ângulo do jato de
ar, no fluxo de ar e na posição da mandíbula.
IV. O experimento final foi elaborado com um modelo de embocadura em fibra
de vidro acoplado a um trato vocal artificial feito em PVC, o qual simula a
constrição do trato vocal através de um anel metálico colocado em seu
interior e movimentado por um imã na parte externa do tubo. O modelo de
trato vocal está ligado a um sistema de ar comprimido ligado a um
fluxômetro para manter o fluxo de ar constante.
V. Os resultados do experimento final foram gravados em três situações
distintas: a primeira, utilizando apenas o bocal da flauta, a segunda,
utilizando toda a flauta, com as chaves posicionadas para a emissão da
nota Si 4 , e a terceira, também utilizando toda a flauta, com as chaves
posicionadas para a emissão da nota Lá 4.
VI. Em cada uma das situações nas quais foram gerados os resultados do
experimento final, foram gravadas quatro amostras: a primeira, uma
varredura completa do tubo do modelo de trato vocal; a segunda, um ponto
demonstrando a constrição posteriorizada do modelo de trato vocal; a
terceira, um ponto demonstrando a constrição média; e a quarta,
demonstrando a constrição anteriorizada do modelo. Ao todo, foram
58
gravadas doze amostras diferentes dos resultados obtidos no experimento
final.
VII. A análise dos resultados do experimento final apontou que há elementos
para se afirmar que existe influência da posição do trato vocal na qualidade
sonora da flauta em razão das grandes diferenças verificadas entre as
amostras, embora não se possa, ainda, mensurar essa influência.
VIII. O trabalho realizado abre um leque de possibilidades a serem exploradas.
Dentre elas, a diferença de atuação do trato vocal na qualidade sonora da
flauta e na caracterização da fala. Nesta, o trato vocal atua posteriormente à
produção sonora, enquanto naquela, sua atuação é anterior. Ocorre que, na
caracterização da fala, a produção do som acontece nas pregas vocais e
este, então, é modificado pelo trato vocal. Na qualidade sonora da flauta, o
trato vocal atua anteriormente à produção do som, que acontece no contato
do jato de ar com a borda da embocadura.
IX. Outra possibilidade a ser estudada é a turbulência do fluxo que atinge a
flauta. A posição do trato vocal poderia, por exemplo, influenciar a
quantidade de turbulência, acentuando-a ou atenuando-a, através do
aumento ou da redução de espaço na cavidade oral.
X. Por fim, a mensuração da influência do trato vocal na qualidade sonora da
flauta é tema de grande interesse para estudos posteriores, partindo-se do
pressuposto que tal influência existe, de acordo com o que foi demonstrado
neste trabalho.
59
REFERÊNCIAS
BEHLAU, M. Voz: o livro do especialista. Vol. 1. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
COLTMAN, J. W. Resonance and Sounding Frequencies of the Flute. Journal
Acoustic Soc. American 40, 1966, p. 99 – 107.
KENT, Ray D; READ, Charles. The Acoustic Analysis of Speech. 2ª ed. Madison:
Singular, 2001. p. 13 – 40.
LAURIN, Dan. The relation between the vocal tract and recorder sound quality.
Disponível em: http://www.danlaurin.com/. Acesso em: 21 nov. 2004.
MACMAHON, Mike. Throat resonance, vowel sounds. Disponível em:
http://www.larrykrants. com/Mike.htm. Acesso em: 20 nov. 2004.
MATHER, Roger. Your Throat, Sinus and Mouth Resonances: Friends or Foes? In:
The Flutist’s Handbook: A Pedagogy Anthology. Santa Clarita: National Flute
Association, 1998. p. 75 – 79.
PINHO, Sílvia M. Rebelo. Fundamentos em Fonoaudiologia: tratando os distúrbios
da voz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
QUANTZ, Johann Joachim. On Playing the Flute: the Classic of Barroque Music
Instruction. Tradução de Edward R. Reilly. 2ª ed. Boston: Northeastern University
Press, 2001. p. 49 – 59. Título original: Versuch einer Anweisung, die Flöte
traversière zu spielen, 1752.
SUNDBERG, Johan. Perception of Singing. In: Musical Acoustics, 1979. p. 1 – 17.
60
VIEIRA, Maurílio Nunes. Automated Measures of Dysfonias and the Phonatory
Effects of Asymmetries in the Posterior Larynx. PhD Thesis. University of Edinburgh,
Edinburgh, 1997.
VIEIRA, Maurílio Nunes. Uma introdução à acústica da voz cantada. In: I Seminário
Música, Ciência e Tecnologia: Acústica Musical. São Paulo, 2004.
61
ANEXO A - AMOSTRAS OBTIDAS NO EXPERIMENTO
Faixas relacionadas no CD:
1. Varredura completa do tubo do trato vocal com o bocal livre
2. Ponto dentro da primeira seção com o bocal livre
3. Ponto dentro da segunda seção com o bocal livre
4. Ponto dentro da terceira seção com o bocal livre
5. Varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta posicionadas
para a emissão da nota Si
6. Ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si
7. Ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si
8. Ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Si
9. Varredura completa do tubo do trato vocal com as chaves da flauta posicionadas
para a emissão da nota Lá
10. Ponto dentro da primeira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá
11. Ponto dentro da segunda seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá
12. Ponto dentro da terceira seção com as chaves da flauta posicionadas para a
emissão da nota Lá
62
ANEXO
63
ANEXO B – RECITAL APRESENTADO NO AUDITÓRIO FERNANDO MELLO
VIANNA – ESCOLA DE MÚSICA DA UFMG
Programa
Sergei Prokofiev Sonate fur Flöte und Klavier
I – Moderato
II – Scherzo
III – Andante
IV – Allegro con brio
Edgard Varèse Density 21.5
Frank Martin Ballade pour Flûte et Piano
Radamés Gnattali Sonatina em Ré Maior
I – Allegro Moderato
II – Expressivo
III – Lembrando Pixinguinha
64
ANEXO
65
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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