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I. Resumo
Eventos precoces, particularmente diferentes tipos de estresse, como hipóxia-
isquemia, infecções, desnutrição/hipernutrição e negligência materna, podem trazer
conseqüências para toda a vida. Tais conseqüências variam conforme a qualidade, a
intensidade e a janela de tempo em que o agente agressor atuou, além da susceptibilidade
do organismo que o recebeu. Os mecanismos pelos quais estes eventos levam a tais
alterações ainda não estão totalmente esclarecidos, mas sabe-se que esta fase da vida
constitui-se ao mesmo tempo de um período de hiporresponsividade ao estresse, assim
como uma fase crítica para desenvolvimento de diversos órgãos e sistemas. Sabe-se que
desafiando a homeostasia do organismo nesse momento, ocorre uma programação de
diversos sistemas envolvidos na resposta ao estresse a um novo equilíbrio funcional, o que
pode alterar a relação saúde-doença na vida adulta.
Dentre os modelos para o estudo de intervenções precoces, temos a Manipulação
Neonatal, que consiste numa separação breve da mãe, durante o período hiporresponsivo ao
estresse. Nesse trabalho usou-se a separação por 10 min, nos primeiros 10 dias de vida. A
partir desta intervenção animais tornam-se menos reativos ao estresse, apresentam
comportamento menos ansioso frente a estressores e têm comportamento alimentar
caracterizado por um aumento no consumo de alimento palatáveis, sem alteração no
consumo de ração padrão.
O controle da alimentação envolve basicamente dois componentes, um homeostático e outro
hedônico. A preferência alimentar alterada dos animais manipulados no período neonatal
indica possivelmente uma alteração da percepção hedônica do alimento. As vias
dopaminérgicas mesolímbicas estão associadas a recompensas naturais ou biológicas como
alimentação, sexo, drogadição. Sabe-se que animais manipulados no período neonatal
apresentam redução de receptores D3 no núcleo acumbens.
A Imipramina é um antidepressivo tricíclico que age principalmente por inibição da
recaptação de serotonina e noradrenalina, e com ações indiretas sobre o sistema
dopaminérgico e eixo Hipotálamo – Pituitária - Adrenal. Seu uso crônico reforça a capacidade
do organismo de enfrentar o estresse e de sentir recompensas naturais como a da
alimentação.
O objetivo desse trabalho foi investigar se o tratamento crônico com Imipramina
reverteria o comportamento alimentar alterado de animais manipulados no periodo neonatal.
Adicionalmente investigou-se o efeito deste tratamento sobre outras alterações
comportamentais como a menor inibição exploratória no Labirinto em Cruz Elevado e menor
habituação no teste do Campo Aberto.
No consumo basal de alimento doce, houve aumento de consumo de alimento doce
apenas em machos manipulados, sendo que o tratamento com Imipramina diminui este
efeito. Os animais machos manipulados não tiveram aumento de consumo em resposta ao
estresse de contenção nem à exposição a um ambiente enriquecido, porém responderam à
novidade. Novamente aqui o tratamento com Imipramina reverteu o comportamento, pois os
animais tratados apresentaram maior reatividade aos estímulos, igualando seu modo de
reagir ao dos animais não manipulados. As fêmeas não apresentaram diferenças no
consumo de alimento doce no basal, porém o tratamento com Imipramina reduziu a
intensidade da resposta aos diferentes estímulos, levando-as a um menor consumo.
Nos testes comportamentais, de um modo geral, animais manipulados, tanto machos
(no Labirinto em Cruz Elevado), quanto fêmeas (no Campo Aberto), mostraram sinais de
menor ansiedade, sem efeito da Imipramina. Porém entre os não manipulados, a Imipramina
teve efeito ansiolítico apenas em fêmeas. Tanto o tratamento medicamentoso, quanto a
manipulação neonatal levaram a uma menor habituação ao Campo Aberto. Na Preferência
Condicionamada de Lugar houve igual desempenho de todos os animais.
O principal achado deste trabalho foi o fato dos animais manipulados não tratados com
Imipramina terem apresentado uma reduzida variabilidade nas respostas decorrentes de
mudanças ambientais, evidenciado tanto no comportamento alimentar persistentemente
mantido no mesmo patamar (independentemente das intervenções), quanto na resistência a
habituação ao Campo Aberto. A Imipramina foi eficaz em reverter apenas a alteração do
comportamento alimentar de ratos machos manipulados no período neonatal, permitindo-lhes
uma maior variabilidade de resposta, o que aproximou o seu comportamento ao dos animais
não manipulados.