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ANA CRISTINA COSTA DOS SANTOS DE CASTRO
ESTRATÉGIAS DE TRABALHO E DE SOBREVIVÊNCIA: O QUE A ESCOLA
PÚBLICA TEM A VER COM ISSO?
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área
de Confluência: Trabalho e Educação.
Orientadora: Profª Drª LIA TIRIBA
Niterói
2007
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ANA CRISTINA COSTA DOS SANTOS DE CASTRO
ESTRATÉGIAS DE TRABALHO E DE SOBREVIVÊNCIA: O QUE A ESCOLA
PÚBLICA TEM A VER COM ISSO?
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área
de Confluência: Trabalho e Educação.
Aprovada em novembro de2007
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª LIA TIRIBA – Orientadora
UFF
______________________________________________________________________
Prof. Dr. GAUDÊNCIO FRIGOTTO
UFF
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª DORA HENRIQUE DA COSTA
UFF
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª VERA CORRÊA
UERJ
Niterói
2007
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A todos que trabalham, convivem e vivem a escola pública,
com todas as suas contradições
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AGRADECIMENTO
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EPÍGRAFE
JÁ FAZ TEMPO QUE ESCOLHI
Thiago de Mello
A luz que me abriu os olhos
para a dor dos deserdados
e os feridos de justiça,
não me permite fechá-los
nunca mais, enquanto viva.
Mesmo que de asco ou fadiga
me disponha a não ver mais,
ainda que o medo costure
os meus olhos, já não posso
deixar de ver: a verdade
me tocou, com sua lâmina
de amor, o centro do ser.
Não se trata de escolher
entre a cegueira e traição.
Mas entre ver e fazer
de conta que nunca vi
ou dizer da dor que vejo
para ajudá-la a ter fim,
já faz tempo que escolhi
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RESUMO
Esta dissertação de mestrado tem por objetivo, trazer à tona as condições de vida e de
trabalho da população atendida pela escola pública população esta que vem sofrendo com
intensidade as contradições entre capital e trabalho. Para isso, buscaremos identificar as
estratégias de trabalho e de sobrevivência necessárias para a reprodução da unidade
doméstica, ou seja, da família dos estudantes e dos trabalhadores da educação resgatando os
saberes sobre mundo do trabalho. O entendimento de como vivem ou sobrevivem nossos
estudantes e suas famílias, que concepção de trabalho, de educação construíram até aqui,
quais as relações que estabelecem entre trabalho e educação, ou seja, o conhecimento da
realidade dos estudantes em sua materialidade contribuirá para elaboração de um projeto de
escola mais condizente com seus anseios e mais “eficiente” em devolver às classes
trabalhadoras os conhecimentos que historicamente elas mesmas produziram e dos quais
foram alijadas. A pesquisa foi realizada na E.M. Paulo Freire. A metodologia utilizada foi a
pesquisa-participativa, visto que estando em contato direto com as famílias pertencentes à
escola e sendo membro participante desse processo, a pesquisa será também uma intervenção
na realidade. Nesta pesquisa partirmos do pressuposto de que, além do trabalho assalariado, a
classe trabalhadora desenvolve um conjunto de práticas econômicas e sociais necessárias para
garantir a reprodução ampliada da vida. Essa expressão se contrapõe à reprodução ampliada
do capital e diz respeito não apenas a reprodução biológica da vida, mas levam em conta
múltiplos aspectos da formação humana, tais como educação, atividades culturais, recreativas
etc...
PALAVRAS-CHAVES: Trabalho, Educação, Estratégias de trabalho e de sobrevivência,
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ABSTRACT
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 09
CAPÍTULO 1: Unidade escolar e unidade doméstica: por que saber da “vida alheia”?......... 11
1. 1. O objeto em construção e também seu pesquisador ........................................................
1. 2. “Conhecer a realidade do aluno”: De qual escola? De que sociedade? De que classe
social? ..................................................................................................................................
CAPÍTULO 2: Sobre o método: Para (re)conhecer o (des)conhecido ...............................
2. 1. Início de conversa: a não neutralidade do conhecimento .............................................
2. 2. Como caminhamos? ......................................................................................................
CAPÍTULO 3: Mudanças e andanças pelo(s) mundo(s) do trabalho ....................................
3.1. A classe que vive de qual trabalho? ................................................................................
3.2. Precarização do trabalho: (in)formalidade e economia popular ......................................
CAPÍTULO 4: Estratégias de trabalho e de sobrevivência: escutando o ronco da barriga ....
4.1. Cenas do cotidiano ...........................................................................................................
4. 2. Quem são os trabalhadores participantes da pesquisa? ...................................................
4.2.1. O que dizem os trabalhadores: caracterizando o grupo .................................................
4.2.2. Como vivem os trabalhadores: as condições de vida ....................................................
4.2.3. O que dizem os trabalhadores sobre trabalho e educação .............................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Mas afinal, o que a escola pública tem a ver com isso? .........
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................
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APRESENTAÇÃO
Para que pudéssemos organizar a presente dissertação, alguns procedimentos foram
utilizados. Sabendo que o método da investigação não é o mesmo que o da exposição,
estruturamos este trabalho acadêmico em quatro capítulos.
O Capítulo 1, intitulado Unidade escolar e unidade doméstica: por que saber da
“vida alheia”? Neste capítulo
Capítulo 2, sob o título Sobre o método: Para (re) conhecer o (des) conhecido, trata
do aprofundamento dos pressupostos teórico-metodológicos e procedimentos da pesquisa.
Neste capítulo fazemos uma retrospectiva em relação ao processo geral de pesquisa como
instância de produção de conhecimento, os caminhos que a ciência percorreu enquanto campo
de investigação, em particular as Ciências Sociais. Ainda neste capítulo, definimos nossa
opção teórico-metodológica e apresentamos o fio condutor de nossa pesquisa, nosso campo de
pesquisa e os critérios de elegibilidade dos sujeitos entrevistados.
O Capítulo 3, intitulado, Mudanças e andanças pelo(s) mundo(s) do trabalho, traz a
discussão recente sobre a reestruturação produtiva, as políticas neoliberais e os
desdobramentos no mundo do trabalho. Discute a precarização do trabalho assalariado e suas
implicações na vida dos trabalhadores, com o aumento crescente do setor informal e da
informalidade. Também apresentamos e discutimos o conceito de Economia Popular, os
pontos de divergência com a Economia Informal e o conceito de estratégias de trabalho e de
sobrevivência.
O Capítulo 4, intitulado,
Estratégias de trabalho e de sobrevivência: escutando o
ronco da barriga, traz o debate sobre a pobreza, a sobrevivência, o trabalho e as formas cada
vez mais destrutivas que assumem dentro da antiga/nova (des)ordem do capital, além de
trazer a descrição e análise dos dados empíricos.
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Finalizando o trabalho, trazemos as Considerações finais, na qual longe de nos
atrevermos a fazer conclusões, propomo-nos a, mais uma vez, refletir e problematizar a
precariedade da vida do trabalhador, estabelecendo os nculos entre o trabalho e a educação.
Assim, mais uma vez, nos perguntamos: Afinal, o que a Escola Pública tem a ver com
isso?
Então, vamos lá!
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CAPÍTULO I
Unidade escolar e unidade doméstica: por que saber da “vida alheia”?
“Estratégias de Trabalho e de Sobrevivência: o que a escola pública tem a ver com
isso?” Com esse título que mais instiga do que revela, estamos apresentando essa dissertação
de mestrado cuja intenção é revelar as formas pelas quais trabalhadoras e trabalhadores
buscam assegurar as condições necessárias para sua sobrevivência. Mas quem são esses
trabalhadores e trabalhadoras? A escola pública é um posto de observação privilegiado. Nela
convivem, nem sempre pacificamente, diferentes atores: professores, funcionários,
pedagogos, pais e responsáveis pelos estudantes e os próprios estudantes. Podemos dizer que
algo eles têm em comum, ou seja, são todos trabalhadores, todos pertencem à classe
trabalhadora. No entanto, como veremos mais adiante, contraditoriamente, os interesses e os
sentidos de pertencimento à classe-que-vive-do-trabalho não são compartilhados por todos.
Neste capítulo, enfatizaremos os fundamentos empíricos e teóricos da construção do objeto de
pesquisa destacando os recursos, inquietações que nos acompanharam e ainda nos
acompanham em nossa trajetória na escola pública.
Indicamos também os desafios de uma pesquisa que pretende saber um pouco mais
sobre a “vida alheia”, ou seja, que tem a intenção de entender como (sobre) vive a fração da
classe trabalhadora que está desempregada e/ou que, no fim do mês, recebe um parco salário,
muito aquém das riquezas por ela produzida. O cenário onde se dão as relações sociais é uma
escola pública da rede municipal de Niterói, no estado do Rio de Janeiro.
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1. 1. O objeto em construção e também seu pesquisador
Por que elegemos estratégias de trabalho e de sobrevivência como objeto de
pesquisa?É difícil, para aquele que toma um texto “à primeira vista”, entender quais foram as
implicações que levaram o autor a escolher esse ou aquele tema, essa ou aquela forma de
exposição. É impossível fazermos um trabalho asséptico, no qual as vivências, medos e
desejos do autor não estejam imbricados. Portanto, será preciso retomar dois movimentos que,
por assim dizer, provocaram a escolha do tema deste trabalho.
Um primeiro movimento diz respeito a minha
1
trajetória profissional. Sou professora
25 anos, 22 dos quais em redes públicas. Nesses espaços educativos por diversas vezes
recebi em minhas turmas crianças com algum tipo de deficiência: mental, física, sensorial etc.
Se não há dúvida sobre quem é o estudante da escola pública, ou seja, filhos de trabalhadores,
podemos imaginar que ser deficiente numa família abastada em nada se compara a sê-lo numa
família dos setores populares. Para além das dificuldades advindas da própria deficiência, da
aceitação das limitações impostas por ela, ainda existe a questão econômica que impõem
outras tantas limitações a essas famílias.
Embora a questão da educação inclusiva
2
seja relativamente recente, encarava esses
alunos como mais um, sem, contudo, menosprezar as suas especificidades. Devido a essa
experiência acumulada no chão da escola, na prática cotidiana, em 2002, recebi um convite
para trabalhar na Coordenação de Educação Especial do Município de Niterói, atuando como
agente de inclusão, colaborando com as comunidades escolares no seu trabalho com crianças
com diferentes tipos de deficiência.
Em mais de 20 anos de vida profissional, todos trilhados no campo da educação
escolar, tudo se deu sem maiores atropelos ou surpresas, além daqueles a que estamos
acostumados e que, por isso mesmo, já não são mais surpresas. Digo isso, porque em junho de
2002, trabalhando na Coordenação de Educação Especial, fui chamada a participar de um
1
Neste trabalho utilizaremos o plural de modéstia. Entretanto, em situações de relato de vida pessoal e
profissional, isso será feito na 1ª pessoa do singular.
2
Em consonância com a “Declaração Mundial de Educação para Todos”, realizou-se, na Espanha, em 1994, a
“Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais”, na qual foram aprovadas a Declaração de
Salamanca e as Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais que, reforçando o movimento de
inclusão, recomendou o fim da barreira entre as escolas especiais e as normais.
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projeto com famílias de alunos deficientes da rede blica municipal: “Programa de Atenção
à Família na Educação – Núcleo PAI – Pais e Amigos da Inclusão”.
Adorei a idéia, afinal, durante todo o tempo de magistério sempre procurei manter um
relacionamento amistoso, respeitoso com as famílias dos estudantes. Porém, esse trabalho era
outra coisa e muito se distanciava da simples relação de cordialidade, cooperação e
solidariedade que sempre tentei estabelecer com as famílias. Era um trabalho que não
conhecia, mas que me encantava. Afinal, trabalhar com famílias de crianças com deficiência,
estudantes da escola pública, era uma oportunidade de presenciar e participar de situações
agudas e aflitivas pelas quais esses grupos passavam. Esse interesse nada tem a ver com uma
curiosidade sórdida. Sempre foi muito claro para mim, de que lá estava, quem era e pelo o quê
e por quem deveria lutar. Mesmo sem ter contato com a teoria, o meu sentimento de
pertencimento à classe trabalhadora, de nos sabermos oprimidos foi muito forte. Além disso,
situações como as vividas na novela “Páginas da Vida” da Rede Globo de Televisão, pelas
personagens, Helena, uma médica de classe média alta e Clara, sua filha com Síndrome de
Down, que sofreram dificuldades em relação ao preconceito e à inclusão escolar, em nada se
compara, por exemplo, com as agruras vividas por famílias pobres que, além de viverem
todos os problemas relacionados à deficiência, precisam lutar todos os dias pela sobrevivência
de cada de seus membros.
Nesse trabalho, surpreendia-me, a cada momento, com as conquistas tanto individuais
como coletivas dos componentes do grupo. O grupo não era exclusivamente feminino
3
, porém
era composto por uma maioria de mulheres. O programa objetivava contribuir para o
reconhecimento/aceitação da criança especial dentro da gica do respeito à diversidade
humana e, concomitantemente, oferecer suporte às famílias no que tange à conquista de
direitos e ampliação do exercício da cidadania. Essas necessidades que a princípio nos
propúnhamos a atender eram, entretanto, acrescidas por outras de ordem material. Por vezes,
tivemos que ajudar a essas famílias em questões cruciais como o alimento daquele dia, o
remédio que a criança precisava e a mãe não podia comprar, o agasalho no inverno...
Assim, acreditei que essas mulheres que tanto tinham sofrido, trabalhado e aprendido,
podiam, através de seus relatos, explicitar as muitas tramas e os dramas que a sociedade
capitalista impõe à classe-que-vive-do-trabalho, na esperança de obter um trabalho
assalariado. Por isso, devido ao enorme envolvimento nessa atividade profissional, resolvi
3
O Núcleo PAI ainda existe como uma das ações da Coordenação de Educação Especial. Porém, refiro-me ao
grupo pesquisado naquela época.
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usá-lo como tema de monografia do trabalho de conclusão do curso
4
de Pedagogia da
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (2003). Pretendia, para efeito
desse trabalho monográfico, realizar um estudo de caso, ouvindo as trajetórias de cinco dessas
mulheres, para que por meio de seus relatos de vida, pudesse desvendar as suas percepções
em relação às mudanças ocorridas com elas, a partir de sua participação no grupo. Além
disso, tentar conhecer seu entendimento acerca das categorias democracia, cidadania e
negação dos direitos sociais como educação, saúde e outros que se supõe para uma qualidade
de vida.
Um segundo movimento, embora não o seja temporalmente, tem a ver com a minha
necessidade pessoal de reprodução da existência. Minha história de vida não é muito diferente
de inúmeros brasileiros que compartilham, como eu, a vida do lado de da moeda: somos
filhos de trabalhadores; alunos de escola pública; alijados da maioria das vivências culturais
prestigiadas pelas classes dominantes. Assim, preciso dizer que venho de uma família
simples, de pouco estudo. Meu pai freqüentou apenas até a série do Ensino Primário e
minha mãe sequer foi à escola: a avó paterna, que a criou, alfabetizou-a em casa. Minha mãe
até hoje sofre e se sente inferior por causa disso e é com os olhos marejados de lágrimas, que
nos conta, inúmeras vezes, porque não foi à escola e sua imensa tristeza por não ter estudado.
Apesar disso, ou talvez, exatamente por isso, meus pais valorizavam muito a escolarização.
De minha mãe, incorporamos, eu e meus irmãos, um sentimento profundo de tentativa de
superação das estruturas diferenciais de chances, pois a sua decepção por não ter estudado, fez
com que mobilizássemos todo o conhecimento que estivesse ao nosso alcance, para crescer
como pessoa e ter a chance de escapar da reprodução social a qual, na maioria das vezes, as
classes trabalhadoras estão condenadas.
Qual a nossa relação com o objeto desta pesquisa? Embora nunca tenha faltado o
indispensável a mim e aos meus irmãos, o mesmo não podemos dizer em relação “ao
supérfluo”, se é que podemos chamar assim. Por exemplo, nosso pai comprava todo material
pedido pela escola, mas não havia mais nenhum dinheiro para um livro de literatura. Dessa
forma, comecei a vender pipocas, chicletes, balas, Avon etc. Depois fazia e vendia bolos,
salgadinhos e bonecos para juntar o valor necessário para compra do livro almejado ou
4
“Na força do ser humano, a construção coletiva de um novo mundo possível: NÚCLEO PAI”. Monografia
orientada pela Profª. Eliane Arenas Mora, UFF, 2003.
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mesmo alguma coisa que quisesse, como uma sandália nova. Em outras palavras, desde muito
cedo, criava estratégias de trabalho para tentar garantir a reprodução ampliada da vida.
Mais tarde, já exercendo a profissão de professora, sempre precisei lançar mão de
outras formas de trabalho para complementar a renda. Como é de conhecimento de todos, a
profissão de professor vem sofrendo uma deteriorização que faz com que muitos de nós
busquemos outras fontes de renda, seja triplicando a jornada de trabalho docente ou mesmo
com os chamados “bicos”, como por exemplo, a venda de lingerie, bijuteria etc. Comigo não
foi diferente e para construir minha casa utilizei a renda levantada com a produção e venda de
salgadinhos, pizzas, quentinhas, bolos e docinhos de festas.
Todo esse relato teve por finalidade “dar pistas” sobre meu caminhar, meus interesses
e envolvimentos para que o leitor entendesse melhor o que nos leva a querer aprofundar o
estudo sobre como sobrevivem os trabalhadores diante das agruras do modo de produção
capitalista. A Pesquisa Mensal de Emprego estabelece diferentes categorias tais como,
desocupados, desempregados, subocupados, desalentados etc. O que essas pesquisas não
dizem é como essas pessoas sobreviveram durante o mês pesquisado. Não se alimentaram?
Ou evoluíram a ponto de se alimentarem de luz? E as outras necessidades como foram
supridas? Fica sempre parecendo que os pobres vivem de brisa”. Será que são apenas os
desocupados, desempregados, desalentados que lançam mão de “bicos” e “biscates” para
manter a reprodução da vida?
Nesta pesquisa partirmos do pressuposto de que, além do trabalho assalariado, a classe
trabalhadora desenvolve um conjunto de práticas econômicas e sociais necessárias para
garantir a reprodução ampliada da vida. Essa expressão se contrapõe à reprodução ampliada
do capital e diz respeito não apenas a reprodução biológica da vida, mas leva em conta
múltiplos aspectos da formação humana, tais como educação, atividades culturais, recreativas
etc...
Assim, a pesquisa tem por objetivo, trazer à tona as condições de vida e de trabalho da
população atendida pela escola pública – população esta que vem sofrendo com intensidade as
contradições entre capital e trabalho. Para isso, buscaremos identificar as estratégias de
trabalho e de sobrevivência necessárias para a reprodução da unidade doméstica
5
, ou seja, da
5
O conceito de unidade doméstica é utilizado por Cecília Cariola (1992) e será definido em outra parte deste
trabalho.
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família dos estudantes e dos trabalhadores da educação
6
resgatando os saberes sobre mundo
do trabalho.
Dada a diversidade de arranjos familiares, de diferenças sociais e regionais não é
possível falar em família e sim em famílias. Por isso, tentamos nos afastar de um modelo
burguês idealizado de família e optamos por uma definição que mais se afine com a realidade
que enfrentamos e com a referência teórica que adotamos, que entendemos que as famílias
estão inseridas em uma estrutura social, e assim sendo, estão condicionadas pelas diferenças
sociais e de classe, profundamente marcadas pelas especificidades históricas e culturais das
relações e dos espaços em que vivem. Nesta perspectiva, entende-se por família
um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de
tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços
consangüíneos. Ele tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus
membros, e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está
inserido. (Mioto, 1997, p.120).
Como vivem ou sobrevivem esses trabalhadores? Que concepções de trabalho e de
educação construíram no percurso de suas vidas? Que relações estabelecem entre trabalho e
educação? Acreditamos que conhecer a realidade desses sujeitos em sua materialidade
contribuirá para que possamos pensar e fazer um projeto educativo condizente com os anseios
da classe trabalhadora e mais “eficiente” no sentido de devolver os saberes que historicamente
ela mesma produziu e dos quais foi alijada.
Estamos nos propondo a (re)conhecer, numa escola pública, o universo das condições
materiais de vida de unidades familiares de estudantes, professores e funcionários. Uma de
nossas intenções é tentar revelar alguns saberes sobre o mundo do trabalho, as concepções
sobre trabalho e educação, as estratégias de trabalho e de sobrevivência que utilizam para
driblar o excludente modo de produção capitalista, bem como o significado da escola para
esses trabalhadores. Entendemos que, grosso modo, para muitas famílias, a própria escola se
configura como uma espécie de “estratégia de sobrevivência”, pois dependem dela para ter
acesso aos programas de complementação de renda Bolsa Família, Bolsa Escola etc. Existe
também a questão da merenda escolar, visto que, para alguns estudantes, esta é a única
refeição que têm por dia. Além disso, para eles, a escola pode se configurar como uma
possibilidade, ainda que remota de mobilidade social. Quantos, como nós, alçaram vôos mais
altos em relação à família de origem. Como relatamos anteriormente, nossos pais mal
6
Em acordo com o SEPE (Sindicato dos Profissionais da Educação), denominamos trabalhadores da educação
todos aqueles que atuam na escola: professores, pedagogos, funcionários administrativos, de serviços gerais e
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passaram pela escola e essa mesma escola garantiu a nós e aos nossos irmãos um degrau a
mais. Nosso irmão é hoje engenheiro e nossa irmã é professora e mestre em Literatura
Brasileira. Esses são indícios dessa possibilidade de mobilidade social propiciada pela escola,
mesmo que estejamos longe de acreditarmos na teoria do capital humano.
Entendemos a relevância desta pesquisa uma vez que o conhecimento da realidade dos
estudantes, professores e funcionários na materialidade de suas condições de vida e de
trabalho, nos trazem subsídios para elaboração de Projeto Político Pedagógico (PPP)
7
que leve
em conta essa realidade, para nós considerado como objeto permanente de conhecimento de
todos aqueles que fazem e pensam a escola pública. Quando falamos em realidade é preciso
que fique claro o estamos chamando de realidade.
Essa pesquisa também se justifica por uma experiência inovadora que tenho vivido em
uma escola do sistema de ensino público municipal de Niterói e que parece mostrar que é
possível propor e levar a termo uma gestão democrática, com construção coletiva do PPP e de
outros processos, tais como a gestão colegiada com o Conselho Escola Comunidade. Essa
aventura começou em 2004, quando, por meio de concurso público, assumi o cargo de
Supervisão Educacional (SE) na Escola Municipal Paulo Freire. Em junho de 2005 assumi a
Direção adjunta e mais recentemente (fevereiro de 2006) a Direção Geral. Muitos são os
desafios à escola pública e para aqueles que se comprometem com uma educação de
qualidade socialmente referendada. Como Arroyo (1998, 138), perguntamo-nos “se não é
possível, mais ainda, necessário e urgente, um diálogo entre o movimento de renovação
pedagógica e as pesquisas e reflexões acumuladas sobre trabalho e educação”. Assumir a
supervisão pedagógica de uma escola em formação e mais tarde a sua direção é um imenso
desafio que se colocou para nós. Como dar sentido a esse espaço educativo? Como fazer com
que os conhecimentos se tornem significativos? Como relacionar a escola com o trabalho?
Não na perspectiva do mercado, preparando os estudantes como robôs para um mundo do
trabalho em constantes mutações e para o qual não há lugar para todos. Mas levando em conta
o trabalho no seu sentido ontológico formador do ser humano. Como disse Gramsci, ao invés
de uma escola mecanizada e de escravidão, ao invés de uma “incubadora de pequenos
monstros instruídos em função de um ofício” precisamos de “uma escola que não hipoteque o
futuro do garoto, nem obrigue sua vontade, sua inteligência, sua consciência e informação a se
mover na bitola de um trem com estação marcada ” (Gramsci apud Nosella, 1992, 20).
merendeiras.
7
Doravante utilizaremos a sigla PPP para designar o Projeto Político Pedagógico.
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Além dessas questões levantadas, esta escola apresenta peculiaridades que incitam à
pesquisa. O prédio, que era de uma importante escola particular de Niterói, foi comprado e
reformado pela Prefeitura e, desde o ano de 2003 foi se criando uma expectativa em torno de
sua inauguração. Na verdade, a escola não “existia” até fevereiro de 2004. Ela foi se
formando com a chegada dos trabalhadores em educação em sua grande maioria, aprovados
no último concurso e dos estudantes selecionados na pré-matrícula, segundo critérios
estabelecidos pela Fundação Municipal de Educação, como, por exemplo, morar próximo à
escola. Os pais dormiram e se aglomeraram em filas intermináveis na tentativa de garantir
uma vaga para seus filhos, pois, embora a educação seja um direito garantido pela
constituição, ainda está longe o dia que a universalização da educação básica, ou seja,
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, realmente aconteça.
Estamos, portanto, diante de um campo fértil de possibilidades e contradições: temos
um grupo de professores novos na rede, alguns sem qualquer prática pedagógica em escolas.
Esse fato era e é, dialeticamente, nossa grande possibilidade e nosso grande problema, pois,
sendo um grupo novo, pode criar novas relações de trabalho diferentes de outras escolas, mas
a inexperiência também provoca certa insegurança tanto nos professores como na equipe
técnico-pedagógica.
Como um espaço ainda num movimento instituinte, todos que a ela chegaram,
trouxeram consigo sonhos e esperanças. Cada um tinha e tem seu próprio projeto de escola e
de organização do trabalho na/da escola e isso vem se constituindo como um grande desafio
para todos nós. Nesse sentido, a proposta de elaboração do PPP e da organização da escola a
partir de conselhos de professores, de funcionários, de estudantes e de pais, está se
configurando como uma novidade, pois não está restrita apenas ao tradicional Conselho-
Escola-Comunidade (CEC), que em alguns casos são apenas formalmente instituídos, porém
não funcionam de fato. Entretanto, os segmentos têm respondido diferentemente às propostas
de construção do PPP e a organização colegiada da escola.
Se na empresa capitalista, a racionalidade interna promove a desigualdade social, pois
a hierarquia rígida mantém cada um no seu “devido lugar”, a escola ao adotar essa mesma
lógica, contribui para desigualdade em seu processo interno, reproduzindo-a no plano social.
Vitor Paro (2002), quando aponta alguns pressupostos para uma administração na perspectiva
da transformação social, reafirma a necessidade da criação de uma nova racionalidade interna
desenvolvida a partir de objetivos transformadores. Para esse autor, a racionalidade do capital
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é uma racionalidade irracional, pois sua meta é a própria reprodução do capital e a
manutenção dos objetivos e do domínio da classe detentora do poder na sociedade. Na escola
pública que se buscar “uma racionalidade no sentido social, em que os meios sejam
adequadamente utilizados visando ao bem de todos, supõe a ausência da dominação de grupos
e o exercício coletivo do poder por todo o corpo social” (ibidem, 58).
Concordamos com Dalila de Oliveira, quando ela afirma que para melhorar a
qualidade da educação é preciso um movimento que vá muito além da promoção das reformas
curriculares. Isso
implica, antes de tudo, criar novas formas de organização do trabalho na escola, que
não apenas se contraponham às formas contemporâneas de organização e exercício
do poder, mas que constituam alternativas práticas possíveis de se desenvolverem e
de se generalizarem, pautadas não pelas hierarquias de comando, mas por laços de
solidariedade, que consubstanciam formas coletivas de trabalho, instituindo uma
lógica inovadora no âmbito das relações sociais. (2001, 44)
Nesse sentido, o PPP pode se configurar como uma possibilidade de construção de uma
nova racionalidade interna que, segundo Vasconcellos (2002), tem como finalidade, além de
outras, ser o elemento estruturante da identidade da instituição”. Construir o PPP de uma
forma participativa e democrática pode ser uma possibilidade de transformação da escola, a
partir da tomada de consciência dos atores envolvidos na sua construção, propiciando a
superação de práticas conservadoras, pautadas em relações verticais de poder, e fazendo da
participação a forma de inserção dos diferentes grupos que compõem a organização do
trabalho na escola. Ao mudar a racionalidade interna da escola, talvez possamos provocar
mudanças que visem a uma transformação social. Entretanto, não podemos esquecer os limites
do PPP e da própria escola frente às determinações presentes na totalidade social que fazem da
escola ser o que ela é.
Ao analisar a participação das famílias na construção das práticas pedagógicas,
observamos que, em momentos de discussão, essas se mostram mais dispostas à participação
do que os professores. Talvez isso possa se dar pelo fato de que os responsáveis pelos
estudantes têm o interesse de que escola seja de qualidade para seus filhos, mesmo que a
qualidade reivindicada pelas classes trabalhadoras ainda seja aquela apregoada pelas classes
dominantes, ou seja, uma escola voltada para o mercado e não para formação humana. Sem
querer fazer um juízo de valor, podemos imaginar que os baixos salários, que obrigam os
professores a se desdobrarem em três, quatro ou mais escolas, provocam um distanciamento
da dimensão política e humanista do seu ofício de mestre. Assim, a falta de interesse em
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participar de momentos de construções coletivas do trabalho pedagógico pode estar
acontecendo em decorrência das (históricas) condições precárias de trabalho, ao
corporativismo ou mesmo porque seu interesse na escola esteja restrito à troca de sua força de
trabalho pelo salário no fim do mês.
Embora os professores sejam trabalhadores como os pais dos alunos das escolas
públicas, nem sempre os interesses de ambos estão direcionados para um mesmo ponto. Isso
porque, embora muitos professores não admitam, os mecanismos de fragmentação e controle
do trabalho os têm alienado, tal como aos demais trabalhadores. Dessa forma, os professores
não se reconhecendo no processo de trabalho, não se reconhecendo nos seus alunos e pais de
alunos (também trabalhadores), a sua visão também fica obscurecida para o reconhecimento
do produto de seu trabalho. Este produto poderia ser identificado pela “diferença” ocorrida
com o estudante durante o processo de trabalho educativo. Ou seja, o educando, sujeito ativo
no processo ensino-aprendizagem, se apropria de saberes, valores, atitudes que o
acompanharão pela vida afora (PARO, 1997, p.33). À medida que o professor não se dá conta
desse fenômeno, ele não percebe a possibilidade/necessidade de uma educação
transformadora, que pode auxiliar na construção de nova racionalidade social.
1. 2. “Conhecer a realidade do aluno”: De qual escola? De que sociedade? De que classe
social?
Diante do velho discurso de que “é preciso conhecer a realidade do aluno”
8
,
pretendemos aprofundar esse “conhecimento”, tentando desvelar essa realidade a partir de
suas condições de vida, suas estratégias de trabalho e sobrevivência, entendendo as maneiras
pelas quais as unidades domésticas buscam assegurar a reprodução ampliada da vida e não
apenas a biológica. Além disso, seus saberes sobre trabalho e educação precisam ser trazidos
à tona, como também o significado da escola para suas próprias vidas e para as vidas de seus
filhos. Esse item em especial poderá nos proporcionar subsídios para elaboração de um
projeto de escola que contemple a vida de seus estudantes, constituindo-se como material
valioso para construção do Projeto Político Pedagógico.
8
Estamos utilizando no texto a palavra estudante para designar a criança e o adolescente que estudam na escola
pública. Aqui usamos a palavra aluno para demarcar o seu sentido etimológico que é sem luz. Ou seja, na
maioria das vezes, o “aluno” e sua “realidade” se tornam invisíveis para escola.
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Considerando-se que, desde sua “gestação”, ou seja, desde seu início, a Escola
Municipal Paulo Freire foi pensada para ser construída por todos e para todos, essa será uma
maneira de se realizar esse intento. No entanto, sendo esse tipo de movimento ainda muito
recente e, de certa forma, inédito, ou seja, a participação ativa na elaboração e na gestão de
um projeto de escola, muitas são, ainda, as contradições. O drama da educação não é informar
melhor. O esclarecimento não muda o real. Se não se muda as condições materiais de
existência, também não se muda a consciência. um discurso de que o grande problema é
que a classe trabalhadora não percebe a particularidade do capitalismo, percebendo-o como
evolução, progresso da humanidade. Entretanto, não é que “povo” tenha uma falsa
consciência ou falsa percepção do real, na verdade o real oculta-se, através do fetiche da
mercadoria. Ele mesmo, o real é distorcido. Desse modo, muitas vezes, as cobranças, pedidos
e desejos das famílias que têm seus filhos na escola pública são antagônicos com a própria
situação de classe, ou seja, buscam, muitas vezes, a qualidade da escola em características
capitalistas, burguesas, como, por exemplo, a competitividade, a meritocracia, a educação
como mercadoria, o individualismo etc. Gramsci levanta esta questão afirmando que,
um grupo social, que tem uma concepção própria do mundo, ainda que embrionária,
que se manifesta na ação e, portanto descontinua e ocasionalmente [...] toma
emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual,
uma concepção que lhe é estranha. (GRAMSCI, 1995, p.15).
Que realidade é esta que queremos pesquisar? Em que realidade maior ela está
inserida? Considerando que estamos numa sociedade capitalista, que busca naturalizar todas
as relações de poder, de dominação como se esses fenômenos não fossem frutos da própria
divisão de classes, a escola, no mais das vezes, é o lugar onde se legitimam esses fenômenos,
que vão conformando os novos cidadãos-trabalhadores, reiterando a relação entre dirigentes e
dirigidos, de dominados e dominantes. Gramsci identifica a escola como instituição e os
professores como intelectuais que, pelos seus números, são os maiores representantes de
organizações culturais. Portanto, poderiam ajudar na promoção de uma nova racionalidade,
subvertendo a lógica hierárquica e excludente da sociedade capitalista e na garantia da
apropriação dos conhecimentos historicamente construídos pela ciência. “Entretanto, deve-se
notar que [...], ainda que em graus diversos, existe uma grande cisão entre massas populares e
os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais próximos à periferia nacional,
como os professores”. (GRAMSCI, 1995, p. 29)
Sempre houve uma separação entre a educação dispensada aos filhos da elite e aquela
destinada aos filhos dos trabalhadores. Para as elites uma educação propedêutica e a escola,
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muitas vezes apenas como na origem da palavra, o lugar do ócio. Para o povo, o trabalho.
Contudo, ainda que seja necessário localizar temporal e historicamente o que se propõe por
um ideal de educação, pensá-la em sua dimensão omnilateral, ou seja, aquela que forma o
homem integralmente, merece nossa atenção e reflexão. A relação trabalho-educação é
fundamental, e embora muitas vezes não percebamos sua existência, ela é intrínseca à própria
vida. Isto porque o trabalho, segundo Marx, na sua perspectiva ontológica, é “atividade vital,
vida produtiva, [...], é vida criando vida” (1975, p.95). É o trabalho que nos diferencia do
resto dos animais e que nos identifica como seres humanos, pois apenas o homem age
intencionalmente sobre a natureza, modificando-a para atender as suas necessidades. Assim
agindo sobre a natureza, o homem, que também é natureza, se transforma. Assim, é no e pelo
trabalho que o homem se faz homem, isto é, que ele se constrói, se humaniza. Então, na
perspectiva da formação humana, não há como separar trabalho e educação.
Acreditamos ser imprescindível pensar como vivem os estudantes e as famílias que
participam da escola. Vivendo o dia-a-dia da escola, somos, muitas vezes, compelidos à
solidariedade, pois diante da crise do emprego, do aprofundamento da pobreza, socorremos
algumas mães que precisam do dinheiro para pagar uma passagem de ônibus para levar o filho
ao hospital ou precisam do alimento para aquele dia. Esses são fatos recorrentes e que nos
levam a querer entender como essas pessoas reproduzem a vida se recebem apenas o
equivalente um salário mínimo e às vezes nem isso. Se estão desempregados, como agem? De
que estratégias de trabalho e de sobrevivência lançam mão? Como entendem o trabalho?
Entendemos a pertinência dessa pesquisa à medida que ela permita evidenciar redes de
solidariedade como uma outra possibilidade de manutenção da própria existência. O termo
solidariedade não será aqui tomado em seu sentido religioso ou em seu sentido moral que
vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma
nação, ou da própria humanidade (FERREIRA, 1986). Para nós pode ser entendido como uma
outra forma de sociabilidade, que contraponha-se à gica capitalista. Entre as pessoas dos
setores populares, a solidariedade é vital, sem ela não como sobreviver. A solidariedade
que reivindicamos, também em nada se assemelha àquela apregoada pelo mercado como, por
exemplo, pela idéia de “responsabilidade social”. Assim, acreditamos que a solidariedade
possa contribuir para a construção de outra cultura, que leve em conta valores desvinculados
daqueles apregoados pela lógica do capital. Hayek
9
, um dos autores que fundamentam o
9
In:
Lisboa, Armando de Melo. Solidariedade. In: Cattani, 2003, p.
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Neoliberalismo, embora reconheça que o capitalismo depende de uma extensa ordem de
cooperação humana, defende que essa ordenação se espontaneamente decorrente do
sistema de mercado. Alega ainda que a concepção de solidariedade para com o próximo,
empregado na esfera macrossocial, é incompatível com o mercado competitivo e com o
aumento da riqueza. Assim, para ele, a solidariedade deve ser superada se a pretensão da
continuidade do desenvolvimento.
10
Como Lisboa (2003, ), acreditamos que “a nossa
sociabilidade não é naturalmente solidária”. que se ampliar o olhar e reconhecer que o
próprio futuro da humanidade exige que pensemos na solidariedade como um imperativo de
vida, percebendo-nos a todos como membros da mesma família humana sob os mesmos
destinos planetários.
Como nos diz Frigotto, “a relação dialética homem-trabalho-homem não significa
apenas que o homem, ao transformar a natureza, se transforma a si mesmo, mas também que
a atividade prática dos homens é o ponto de partida do conhecimento e a categoria básica do
processo de conscientização”. Dessa forma, a nossa intenção nessa pesquisa, é que o
TRABALHO seja a categoria básica de entendimento. Segundo Marx (1844), o trabalho é
uma atividade exclusiva dos homens, pois ele pensa e planeja o seu objeto. Através do
trabalho o homem não só se realiza como indivíduo, mas como ente-espécie. Mas nem sempre
o homem vivencia o trabalho dessa maneira.
A sociabilidade capitalista retirou do trabalhador as condições de reprodução da vida
nos moldes anteriores ao seu advento, pois a expansão da propriedade privada e da divisão
social do trabalho, visando lucro, provocou o aprofundamento da alienação do trabalhador, a
desvalorização do homem e a sua exploração. Na auto-alienação o homem perde sua
capacidade criativa. Ele não é ele mesmo, é explorado, desvalorizado. Ele se distancia de si
mesmo e do mundo em que vive. O que esse homem possui é a sua força de trabalho, que
vende para os detentores dos meios de produção, pois só assim pode tentar garantir sua
sobrevivência. O trabalho alienado também aliena o homem do próprio produto de seu
trabalho. Quanto mais o trabalhador produz, menos tem para si e ele empobrece na proporção
em que produz mais riqueza. Alienado de si mesmo, no processo de trabalho, alienado do
produto de seu trabalho, também se aliena de seus semelhantes, ou seja, de sua vida-espécie.
10
Lisboa, Armando de Melo. Solidariedade. In: Cattani, 2003, p.
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Observamos que entramos no terceiro milênio e todo o avanço tecnológico que a
ciência proporcionou não foi capaz de amenizar a miséria, a fome e as desigualdades
profundas entre os seres humanos. Nessa perspectiva, como sobrevivem os milhões de pobres
e miseráveis? É possível acreditar que uma pessoa possa reproduzir a vida com menos de R$
2,50 por dia?
11
Mas essas pessoas estão aí, contrariando as previsões mais pessimistas. Então,
como sobrevivem? Quando os pobres terão direito à vida digna”? Nos indicadores oficiais,
tais como: Cesta básica, Linha de Pobreza e Linha de Indigência, subjazem a concepção de
vida mínima”, na qual basta a garantia mínima de reprodução biológica da força de trabalho.
Esses indicadores “sociais” foram criados para expressarem as necessidades básicas do
trabalhador e não necessariamente de sua unidade doméstica, e o objetivo era o de “atingir o
modelo elaborado e vigente de desenvolvimento econômico, nos países ditos desenvolvidos, e
por nós tomados como norte”(COSTA, 2001,151). Ou seja, mais uma vez não está em
questão a reprodução ampliada da vida e sim do capital.
O capitalismo sendo intrinsecamente contraditório, quanto mais produz conhecimento
e riquezas, mais aumenta a nossa perplexidade diante da precariedade das condições de
sobrevivência dos seres humanos e da degradação crescente da natureza, ou seja, do próprio
planeta. Assim, o aprofundamento das desigualdades tem produzido milhões de pessoas que
vivem no limite entre a pobreza e miserabilidade. Nesta pesquisa estamos nos propondo a
refletir pedagogicamente sobre os vínculos entre trabalho, educação, levando em conta as
condições de vida dos componentes da comunidade escolares da escola pública. Arroyo
(2002, p.274) nos alerta que
a pedagogia do oprimido, dos excluídos, dos tempos de barbárie não está em
encontrar métodos novos para reeducar os bárbaros, civilizar os oprimidos ou incluir
os excluídos nos valores e saberes dos “civilizados”, mas está em apreender com o
conjunto de processos que os excluídos e oprimidos reinventam para continuar
humanos, manter seus valores e seus saberes, sua cultura e memória coletiva, sua
identidade e dignidade.
Segundo esse autor, “essa pedagogia só se aprende na escuta, no diálogo, no mergulho
da trama social e cultural” (ibidem). Por isso mergulhar no dia a dia desses trabalhadores, por
isso ouvi-los... Arroyo (1998), ao constatar que os estudos do campo Trabalho-Educação
estão mais voltados para as demandas do mundo do trabalho, o impacto das novas tecnologias
e as novas técnicas de organização e gestão do trabalho, afirma que os nculos trabalho-
educação “passam por relações mais globais na produção de seres humanos e
11
Esse dado é uma mera estimativa minha, a partir da suposição de uma família com 5 membros vivendo 30 dias
com um salário mínimo de R$ 360,00.
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consequentemente do trabalhador”. Ele chama nossa atenção para a relação trabalho-
educação, propondo-nos um diálogo a partir da práxis pedagógica, apontando que “a
possibilidade de um maior diálogo com a teoria pedagógica implica ter como foco os sujeitos
sociais, as pessoas na produção sua existência total e as suas relações sociais”. Nesse sentido,
como ele mesmo afirma, o desafio será reunir e materializar as múltiplas dimensões da
produção e reprodução social dos seres humanos e dos múltiplos processos de formação do
humano.
As famílias que conduzem seus filhos à escola pública são provenientes das classes
trabalhadoras e, por isso está mais do que na hora de participarem ativamente tanto do
processo de elaboração, como de gestão desta escola, pensando sobre as suas reais
necessidades e como a escola pode ajudar a dar respostas às suas demandas. Sendo a escola
uma das agências promotora de conhecimento, essas respostas precisam estar a serviço das
classes trabalhadoras e assim ajudar na construção de um novo mundo.
A escola como espaço de socialização e construção de conhecimentos, não pode se
limitar apenas aos estudantes formalmente matriculados. Toda comunidade escolar pode e
deve se beneficiar de toda gama de possibilidades conhecidas ou potenciais da escola.
Estamos chamando de comunidade escolar todas as pessoas envolvidas no processo escolar,
ou seja, estudantes, suas famílias; professores, funcionários administrativos, de apoio e
merendeiras; supervisores educacionais; orientadores educacionais e diretores. Assim,
promover um espaço de discussão, de formação de consciências críticas entre os membros da
comunidade escolar é uma tarefa fundamental na perspectiva da transformação social. Talvez
assim, tentando provocar a ‘apropriação’ da escola pública por aqueles que nela convivem,
possamos vislumbrar uma escola realmente comprometida com as classes trabalhadoras e que
possa, a partir de um debruçar sobre sua realidade, desejos e sonhos, se constituir como uma
escola de qualidade social realmente voltada para mudança social. Como nos diz Kosik,
a realidade pode ser mudada de modo revolucionário porque e na medida em
que nós mesmos produzimos a realidade, e na medida em que saibamos que a
realidade é produzida por nós. A diferença entre a realidade natural e a realidade
humano-social está em que o homem pode mudar e transformar a natureza; enquanto
pode mudar de modo revolucionário a realidade humano-social porque ele próprio é
o produtor desta última realidade”. (2002, p. 22-23)
Temos a certeza de que é preciso ouvir e aprender com a população que acesso às
escolas públicas, buscando trazer à tona as demandas, os desejos, os sonhos, os
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conhecimentos dessas pessoas, que muitas vezes “apostam todas as suas fichas” nesta
instituição, acreditando que ela possa mudar o rumo das coisas...
Estamos nos propondo a uma pesquisa em nosso próprio ambiente de trabalho, o que
pode acarretar mais riscos de apreender a realidade em sua pseudoconcreticidade, ou seja, “o
complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida
humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos
indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural” (Kosik, 2002,15). E, como
um “caminhar sobre o fio da navalha”, isso exigirá maior vigilância no estranhamento das
questões para buscarmos a essência dos fenômenos, não nos restringindo a aparência dos
mesmos.
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CAPÍTULO 2:
Sobre o método: Para (re)conhecer o (des)conhecido
Neste capítulo trataremos de questões teórico-metodológicas, discutindo a não
neutralidade do conhecimento, a opção de investigação numa perspectiva proletária, ou seja,
do materialismo histórico e os pressupostos metodológicos, tais como a opção pela pesquisa
participante, os critérios de escolha dos entrevistados etc.
2. 1. Início de conversa: a não neutralidade do conhecimento
Como o próprio nome diz, para início de conversa precisamos esclarecer as nossas
opções teórico-metodológicas. Esse esboço de nosso caminhar se faz necessário pois em
pleno século XXI ainda temos a ilusão de que pensamos de forma independente. Esquecemos
de que o que somos hoje, a sociedade em que vivemos, aquilo em que acreditamos são
resultado de uma tradição, de um passado que, estão de tal forma imbricados nas nossas
formas de ver/sentir/entender o mundo, a realidade e as coisas, que sequer percebemos. Todo
esse caminho trilhado pela humanidade é, sem dúvida, uma construção histórica e como tal
precisa ser (re) conhecida para ser compreendida.
Desde os tempos imemoriais, para se tornarem humanos, homens e mulheres
buscaram dominar a natureza e para isso procuraram compreendê-la, interpretá-la. Desde os
tempos mais remotos os seres humanos tentaram encontrar formas de explicações para o
mundo, para a vida. Do pensamento mágico ao científico se passaram muitos séculos e,
considerando o tempo do Homem sobre a terra, faz pouco tempo que optamos por um
discurso que elegemos como sendo o legítimo e o verdadeiro, ou seja, o científico. E, a partir
do século XVII, as explicações de caráter divino paulatinamente foram substituídas por
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elucidações que se afastam da lógica teocêntrica e, cada vez mais, todos os discursos vão se
cientificando. Entretanto, a ilusão de uma ciência “neutra e objetiva”, deslocada da dimensão
política e da subjetividade humana, provoca a perda da noção do outro e da consciência de si
mesmo. O conhecimento científico está apto para resolver o inimaginável, mas não consegue
se conhecer, a ciência não pode se pensar com os métodos de que dispõe hoje em dia.
O modelo positivista de conhecimento científico, que preconiza a doutrina da
neutralidade axiológica do saber, moldou, e ainda molda, concepções e visão de mundo, de
homem e de sociedade. O positivismo nega o condicionamento histórico-social do
conhecimento ao fazer uma simples transposição do modelo científico das ciências naturais
(objetividade, neutralidade, livre de julgamentos de valor) para as ciências sociais. Dessa
forma, compreende a sociedade regida por leis naturais nas quais o ser humano nada pode
interferir e cuja vida social deve se dar segundo uma harmonia natural (LÖWY, 2003, p.18).
Assim, o positivismo contribui para consolidar o status quo, à medida que naturaliza todos os
fatos sociais, extraindo o caráter revolucionário da vivência humana.
Como Comte, Durkheim estava consciente do caráter fundamentalmente reacionário
de seu naturalismo sociológico e proclama com orgulho pouco ingênuo: “nosso
método não tem nada de revolucionário, ele é mesmo, num certo sentido,
essencialmente conservador, pois considera os fatos sociais como coisas, cuja
natureza, por mais flexível e maleável que seja, não é entretanto modificável de
acordo com a nossa vontade”.(LÖWY, 1989, p.12)
Os teóricos positivistas tentaram fundar a sociologia do conhecimento sobre fatos e
dados, almejando tratar a realidade humana com a mesma isenção e a mesma objetividade
com que observam as coisas. No entanto, a tão decantada objetividade, perseguida e
importada das ciências naturais, encontra muitos empecilhos quando estamos no âmbito das
ciências sociais. Por mais que se busque a neutralidade numa pesquisa, ela estará sempre
impregnada de subjetividade. Isso porque, mesmo quando analisamos dados estatísticos,
altamente objetivos, a interpretação desses dados, a forma como foram coletados e mesmo a
escolha do objeto pesquisado, trazem consigo as marcas da subjetividade. Ao contrário da
perspectiva positivista, esta pesquisa não é apenas uma decisão neutra de um objeto de
investigação. A nossa decisão pesquisar acerca das condições de vida de trabalhadores da
escola pública, emerge de nossas preocupações e vinculações com esses trabalhadores com os
quais trabalhamos e/ou convivemos. Além do nosso compromisso com a educação,
principalmente no âmbito da escola pública.
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Ao afirmar que a subjetividade permeia as ciências, e, principalmente as ciências
sociais, isso não significa falta de rigor científico e objetividade, e sim, uma perspectiva mais
qualitativa do que quantitativa, visto que também nas ciências naturais o cientista não se
separa de seus valores, visão de mundo, de seu conhecimento acumulado.
Löwy (1989, p.15) levanta quatro erros fundamentais do positivismo que dizem
respeito à relação entre ciências sociais e ciências naturais, ou seja, não leva em consideração:
1. O caráter histórico dos fenômenos sociais, transitórios, perecíveis, suscetíveis de
transformação pela ação dos homens;
2. A identidade parcial entre sujeito e o objeto do conhecimento;
3. O fato de que os problemas sociais suscitam a entrada em jogo de concepções
antagônicas das diferentes classes sociais;
4. As implicações político-ideológicas da teoria social: o conhecimento da verdade
pode ter conseqüências diretas sobre a luta de classes.
Diferentemente do positivismo, “o Marxismo foi a primeira corrente a colocar o
problema do condicionamento histórico e social do pensamento e a “desmascarar” as
ideologias de classe por detrás do discurso pretensamente neutro e objetivo dos economistas e
outros cientistas sociais”. (LÖWY, 2003, p.99).
Marx destaca que a perspectiva da visão de mundo proletária é a mais favorável ao
conhecimento social. Löwy afirma que “o que define uma utopia é uma certa forma de pensar,
um certo horizonte intelectual”, e também uma certa forma de agir! (2003, p.101) Neste
sentido, ouvir os trabalhadores, o que eles têm a dizer e ajudá-los a entender suas estratégias
de trabalho e de sobrevivência, pode significar um pequeníssimo passo a caminho da
transformação social, na medida em que se contribui para desvendar as tramas e dramas
vividos por esses trabalhadores dentro do sistema capitalista.
O nosso trabalho, em se tratando de uma pesquisa, é, produção de conhecimento, o
qual pode ser definido como o processo pelo qual se determina a relação entre sujeito e
objeto. Na visão marxista, invariavelmente, aponta para um movimento de superação do
óbvio e da mistificação de dada realidade. Esse processo de conhecer consiste em apreender
(sujeito) o que está fora da mente humana (objeto), ou seja, trazê-lo para dentro do
pensamento através da reflexão ativa, a práxis, desvelando com clareza dialética a
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representação das coisas. Para grandes pensadores, inclusive Marx, “o conhecimento é
corretamente caracterizado como a superação da natureza, como a atividade ou o ‘esforço’
supremo” (KOSIK, 2002, p.28).
Para que o pesquisador conheça as coisas em si é necessário que ele as transforme em
coisas para si, ou seja, precisa entrar em contato com elas, submetê-las a sua própria práxis:
“o homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se
comporta antes de tudo como ser prático” (ibidem). Assim, nesta perspectiva, conhecer
implica, necessariamente, assumir a práxis humana, o que fazer de homens e mulheres, como
o espaço de investigação e compreensão das coisas, no movimento dialógico que se na
relação sujeito (Homem) objeto (coisa).
É por isso, que para entender o-que-fazer dos sujeitos da pesquisa, suas formas de
reproduzirem a vida, como enfrentam a dura realidade que lhes nega, todos os dias, as
condições míninas de qualidade de vida, é que nos debruçamos sobre seu cotidiano, tentando
trazer à tona a imensa diversidade de estratégias e arranjos que utilizam os trabalhadores para
tentar escapar da “minimização” de suas vidas.
A realidade que se nos apresenta é, entretanto, como o mundo da
pseudoconcreticidade, ou seja, “um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio
é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se
manifesta no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e
aspectos”.(KOSIK, 2002, p.15)
A necessária destruição da pseudoconcreticidade, cujo pensamento dialético precisa
realizar, não nega a existência ou a objetividade dos fenômenos, mas extingue sua intenção de
mostrar-se como independente, evidenciando o seu caráter mediato e apresentando, contra sua
intenção de mostrar-se como independente, prova de seu caráter derivado (ibidem, 21). É
nesse sentido que evidenciar e problematizar, junto aos sujeitos da pesquisa, quanto à
precariedade do trabalho e, conseqüentemente, da vida é fundamental para que se desmonte a
ilusão de uma realidade que teima em se mostrar imutável.
A práxis pode ser entendida como conjunto das atividades humanas que criam as
condições indispensáveis à existência da sociedade e, particularmente, à atividade material, à
produção. Contudo, “a práxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é
determinação da existência humana como elaboração da realidade”. (KOSIK, 2002, p.222).
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Somente um entendimento equivocado tanto da teoria como da prática, poderia sustentar essa
suposição, visto que
a práxis é a esfera do ser humano. A existência não é apenas ‘enriquecida’ pela obra
humana; na obra e na criação do homem com o um processo ontocriativo é que
se manifesta a realidade, e de certo modo se realiza o acesso à realidade”. (Ibidem,
p. 222).
Além disso, Kosik (2002, p.33) alerta que toda teoria da realidade e pressuposição de
uma determinada concepção da realidade, serve de apoio implícito ou explicitamente, a uma
teoria do conhecimento.
Embora a realidade não “exista” sem os homens e mulheres, para que este tenha
condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e trabalhar com elas,
homens e mulheres lançam mão de uma práxis utilitária. A práxis fragmentária e o senso
comum a ela correspondente, baseados na divisão do trabalho, resultado da sociedade dividida
em classes e das conseqüentes diferenças de posições sociais advindas dessa hierarquização,
não promove a compreensão das coisas e da realidade. (Ibidem, p.14). Essa práxis utilitária
imediata se contrapõe à práxis revolucionária. Assim, para que o mundo possa ser explicado
‘criticamente’, é preciso que essa explicação se dê no âmbito da práxis revolucionária.
Compreender que a realidade é produzida por nós é que nos permitirá mudá-la de modo
revolucionário. Essa compreensão de que somos nós os produtores de nossa realidade nos
diferencia dos animais, pois, “a diferença entre a realidade natural e a realidade humano-
social está em que o homem pode mudar e transformar a natureza; enquanto pode mudar de
modo revolucionário a realidade humano-social porque ele próprio é o produtor desta última
realidade”. (KOSIK, 2002, p.22-23)
Então fica a pergunta: Como os trabalhadores podem mudar a realidade? Isto exigiria
uma transformação da estrutura social, o que dialeticamente pressupõe o reconhecimento da
necessidade de mudança. O conhecimento ou a tomada de consciência quanto ao
funcionamento do próprio sistema, como sistema de exploração, são as condições
imprescindíveis para que se construa a práxis revolucionária (Ibidem, p.186). Assim, na
perspectiva de uma pesquisa realizada com trabalhadores, sejam eles empregados ou
desempregados, fixos ou temporários, é fundamental que se levante questões de seu cotidiano
e que podem desvelar todo esse sistema de exploração a que estamos submetidos. Somente
conhecendo nosso algoz é que poderemos nos armar para combatê-lo.
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Gramsci é outro autor que nos chama a atenção dizendo que quando se ‘pensa’ sem ter
consciência crítica, ou seja, de uma maneira desagregada e ocasional, acaba-se participando’
“de uma concepção de mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por
um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua
entrada no mundo consciente” (1995, p.12). Para que se tenha o protagonismo histórico, é
necessário
elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira crítica e consciente e,
portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher a própria esfera
de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de
si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria
personalidade. (Ibidem, p.12)
Tendo esse pensamento como mote, precisamos pensar como a escola pública, em
particular a Paulo Freire, pode contribuir por meio de um projeto pedagógico no qual os
diferentes atores sejam considerados. E que dessa forma, possam assumir a condução de suas
próprias histórias.
Para Gramsci todos os homens e mulheres são intelectuais que toda a ação humana
está carregada de intencionalidade, previsão, planejamento, revelando nem que seja um
mínimo de atividade intelectual criadora. Mas nem todos desempenham função de intelectual
e assim a distinção que se poderia fazer quanto aos intelectuais e os não intelectuais, diz
respeito à imediata função social, observando-se qual o maior peso: se o de elaboração
intelectual ou se o esforço muscular-nervoso.
Cada grupo social origina-se de uma função essencial no mundo da produção
econômica, criando para si intelectuais que irão dar-lhe homogeneidade e consciência da
própria função. No entanto, esses grupos sociais ao surgirem, encontram categorias
intelectuais preexistentes que representam a manutenção e continuidade histórica. Os
primeiros são os intelectuais orgânicos e os segundos são os intelectuais tradicionais. Os
intelectuais tradicionais, como próprio nome diz, não se comprometem com a mudança.
Entretanto, intelectuais orgânicos, embora possam ter a mudança com horizonte, eles também
podem estar organicamente ligados tanto ao proletariado quanto à burguesia.
O novo intelectual, ou o intelectual de novo tipo, o intelectual orgânico,
principalmente aquele ligado ao proletariado, não pode ater-se tão somente à eloqüência do
seu discurso, mas precisa imiscuir-se ativamente na vida prática, retirando dela material para
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elaborar e organizar as concepções relativas ao seu grupo social, de maneira crítica e
consciente, repetindo incansavelmente seus argumentos como persuasor permanente. Assim,
a compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de
“hegemonias” políticas, de direções de contrastantes, primeiro no campo da ética,
depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria
concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força
hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e
progressiva autoconsciência, na qual teoria a prática finalmente se unificam.
(Gramsci, 1995, p.21)
A divisão do trabalho intelectual se estabelece em graus, que ao se oporem, permitem
a visualização de uma verdadeira e real diferença qualitativa. Estão no mais alto grau os
criadores das várias ciências, da filosofia, da arte etc; e no mais baixo, os administradores,
como divulgadores mais modestos do conhecimento acumulado.
Quanto a isso, Gramsci alerta que a
autoconsciência crítica significa, histórica e politicamente, criação de uma elite de
intelectuais: uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “por
si”, sem organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais,
isto é, sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-
prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na
elaboração conceitual e filosófica. (Ibidem, p. 21)
Nesse sentido, não podemos nos eximir do compromisso ético-político de nos
colocarmos ao lado desses trabalhadores, como intelectuais orgânicos ligados a eles. Ajudá-
los a elaborar uma nova compreensão do mundo, uma compreensão crítica de todo o conjunto
de determinantes e condicionantes forjados dentro do modelo perverso do modo de produção
capitalista, deva ser um dos primeiros de nossos intentos como intelectuais organicamente
ligados aos trabalha
dores. É esse, portanto, um horizonte de nossa pesquisa.
Outro fator a se discutir é a questão do método, ou seja, do processo de construção do
conhecimento. Desde a queda do muro de Berlim, uma tentativa de disseminar a idéia de
que o socialismo acabou e que o marxismo extinguiu suas possibilidades de explicação da
realidade, afirmando, inclusive, que não mais uma classe proletária e que, por isso, a luta
de classes não serve mais como base explicativa. No dizer de Antunes,
a esquerda tem sido incapaz, até o presente, de mostrar, para amplos contingentes
sociais, que o desmoronamento do Leste europeu não significou o fim do
socialismo, mas sim o esgotamento de uma tentativa (cabalmente derrotada) de
construção de uma sociedade que não conseguiu ir além do capital (para usar uma
expressão de István Mészáros, 1982 e 1993) e que por isso não pode constituir-se
nem mesmo como sociedade socialista. (2000, p. 43)
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Argumentos de que o marxismo não conta de explicar as lutas das minorias, tais
como, mulheres, negros, indígenas, homossexuais etc., simplesmente mascaram o fato de que,
ao atomizar a sociedade e, portanto, a luta, chega-se a uma fragmentação que esvazia de
sentido o fato estrutural da sociedade capitalista ser dual, ou seja, estar dividida entre
dominantes e dominados, detentores dos meios de produção e trabalhadores, opressores e
oprimidos. Além disso, o que não se diz é que embora se afirme que não mais uma classe
proletária nos moldes vividos por Marx no século XIX,
há, isto sim, [...] uma processualidade contraditória e multiforme. Complexificou-se,
fragmentou-se e heterogeneizou-se ainda mais a classe-que-vive-do-trabalho. Pode-
se constatar, portanto, por um lado, um efetivo processo de intelectualização do
trabalho manual. De outro, e em sentido radicalmente inverso, uma desqualificação
e mesmo uma subproletarização intensificadas, presentes no trabalho precário,
informal, temporário, parcial, subcontratado etc. Se é possível dizer que a primeira
tendência a intelectualização do trabalho manual é, em tese, mais coerente e
compatível com o enorme avanço tecnológico, a segunda – a desqualificação
mostra-se também plenamente sintonizada com o modo de produção capitalista, em
sua lógica destrutiva e com sua taxa de uso crescente de bens e serviços. (Ibidem,
p. 62)
Seguindo essa linha de raciocínio, não nada mais atual do que a divisão entre a
classe dos que detêm os meios de produção e a classe-que-vive-do-trabalho. Não podemos
esquecer que o pensamento e a produção do conhecimento são condicionados histórica e
socialmente. Assim, mantém-se atual também a perspectiva de que a visão de mundo
proletária é a mais favorável ao conhecimento social.
O marxismo incorporou o aspecto dinâmico do esquema dialético hegeliano. Porém,
Hegel acreditava no movimento da história, mas para ele a história era produto das idéias.
Marx vai superá-lo quando percebe que, embora a história dos homens se mova e que estes
transformam a realidade, não são as idéias que movimentam a história e sim a luta de classes,
uma luta concreta, de vida e morte uns contra os outros. No entanto, Kosik destaca que esta
luta de vida e morte não pode terminar com a morte, pois, “no combate pela vida e pela morte
o homem deixa seu adversário com vida porque e por sua vez o vencido prefere a
escravidão à morte porque ambos sabem o que é o futuro e sabem o que os espera: a
dominação ou a escravidão”. (2002, p. 223-224). Entretanto, quando esse conhecimento do
futuro se na sua imediaticidade, não aponta, nem para o vencido nem para o vencedor, um
outro horizonte possível. Somente “a dialética do próprio movimento das coisas transforma o
futuro, desvaloriza o futuro imediato como falsidade ou unilateralidade e reivindica como
verdade o futuro mediato” (ibidem, 224).
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Marx descreve o movimento de construção do conhecimento, ressaltando toda a carga
revolucionária e transformadora que este método contém, levantando ainda o movimento no
qual os homens adquirem a consciência, isso sempre em relação às formas determinadas da
existência:
Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas,
necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que
correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das forças produtivas
materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da
sociedade, base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e
à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e
espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao
contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. (MARX, 1978, p. 129-
130)
Assim, entendendo que a realidade é uma só, ou seja,
parte do conceito de que o complexo social (a formação econômico-social) é
formado e constituído pela estrutura econômica. A estrutura econômica forma a
unidade e a conexão de todas as esferas da vida [...]. O monismo materialismo não
concebe a sociedade como uma série ou um aglomerado de fatores, alguns dos quais
são causas e outros, efeitos. (KOSIK, 2002, p.116)
Lembrando que a realidade é síntese de múltiplas determinações, o real se nos
apresenta, a princípio, como um todo caótico que precisa ser decomposto, ter suas partes
analisadas e reorganizadas à luz da teoria, ou seja, através da reflexão. O método dialético ao
“elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se
apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”. (MARX, 1978, p. 117).
Isso significa que o concreto pensado é resultado do trabalho intelectual do Homem. A isso
chamamos totalidade, ou seja, “é de fato um produto do pensar, do conceber; não é de modo
nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação em
conceitos”. (ibidem). Dessa forma, revelar as formas pelas quais trabalhadoras e trabalhadores
buscam assegurar as condições de sobrevivência significa observar a realidade da escola e ir
além do simples olhar. A análise, necessária, dessa realidade consiste não apenas na
constatação, mas na articulação entre a realidade observada (concreto) a reflexão tendo como
escopo a teoria (concreto pensado).
Kosik afirma que a característica básica do conhecimento é a decomposição do todo.
Assim, o real que foi dividido em partes, cujas partes foram analisadas, agora, num
movimento de articulação e organização desse concreto real, chega-se ao concreto pensado.
Essa realidade objetiva que, era aparentemente caótica, foi organizada conceitualmente pelo
processo mental. A isso chamamos de totalidade. Entretanto, totalidade não é simplesmente a
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visão do todo como soma das partes, mas a visão articulada e conceitual do concreto. E o
concreto é concreto porque
é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto
aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto
de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida
também da intuição e da representação. (KOSIK, 2002, p.116)
2. 2. Como caminhamos?
De acordo com o que já foi exposto, não poderíamos optar por uma metodologia que
desprezasse o movimento da história e que se pautasse por um modelo asséptico de produção
do conhecimento. Portanto, a metodologia utilizada foi a pesquisa-participativa, visto que
estando em contato direto com as famílias pertencentes à escola e sendo membro participante
desse processo, a pesquisa será também uma intervenção na realidade. Isso porque é preciso,
tanto para nós quanto para cada trabalhador envolvido na pesquisa e mesmo para aqueles que
não estiveram diretamente ligados a ela, mas que são partícipes da comunidade escolar,
conhecer a sua própria realidade. Participar da produção deste conhecimento e tomar
posse dele. Aprender a escrevera sua história de classe. Aprender a reescrever a
História através da sua história. Ter no agente que pesquisa uma espécie de gente
que serve. Uma gente aliada, armada dos conhecimentos científicos que foram
sempre negados ao povo, àqueles para quem a pesquisa participante onde afinal
pesquisadores-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que
com situações e tarefas diferentes pretende ser um instrumento a mais de
reconquista popular. (BRANDÃO, 1981, p.11)
Além disso, “na abordagem da interação social, aqui adotada, os aspectos sócio-
políticos são freqüentemente privilegiados. O que não quer dizer que a realidade psicológica e
existencial seja desprezada”. (THIOLLENT, 2005, p.11). Ouvir cada entrevistado, dividir
alguns dos dramas trazidos por eles, acabam por nos enveredar por caminhos que não podem
sem esquecidos. Seria um reducionismo se esquecêssemos a dimensão psicológica e
existencial de cada entrevistado. Entretanto, como a nossa perspectiva busca a materialidade
de suas vidas, como se valem de arranjos, estratégias e/ou subterfúgios para garantir a
reprodução ampliada da vida, esses dados poderão surgir, mas de maneira subordinada.
Embora haja argumentos de que a pesquisa social, na perspectiva da pesquisa
participante, possa “representar um rebaixamento do nível de exigência acadêmica”
(THIOLLENT, 2005, p.10) devido aos riscos, possíveis, de abandono do ideal científico,
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manipulação política etc, esses mesmos problemas podem, e acontecem, na metodologia
convencional. Esse problema será superado com um adequado embasamento
metodológico. Por isso, nossa preocupação em explicitar nossos pressupostos metodológicos.
Nossa pesquisa foi realizada na Escola Municipal Paulo Freire. Como já foi dito
anteriormente, o fato de trabalhar no próprio ambiente da pesquisa traz
possibilidades/dificuldades. Como diz o título deste capítulo “Para (re) conhecer o (des)
conhecido”, conviver com os sujeitos, conhecê-los e ter com alguns uma certa “intimidade”,
permitiu, em alguma medida, uma aproximação e uma comunicação que facilitou o trabalho.
Porém, foi necessária uma dose redobrada de cautela para que não naturalizássemos as
observações e os fatos.
Desde 2004, época do início da escola, observamos aquele ambiente com uma
curiosidade investigativa, desejosos de entender melhor os processos que se desenrolavam
ante aos nossos olhos. Numa investigação preliminar, realizada em 2004, foi detectado que
cerca de 30% dos estudantes eram oriundos de escolas particulares, e a maioria desses
estudantes se encontrava na parte da manhã, no e ciclos (5ª à séries). Numa primeira
observação, em nível fenomênico, percebe-se que a “escola da tarde” é mais “empobrecida” e
“enegrecida” do que a “escola da manhã”. Esses elementos, aprioristicamente, nos orientavam
para a delimitação do grupo pesquisado às unidades domésticas dos estudantes do e
ciclos (alfabetização à série), na faixa etária de 6 a 14 anos. Os motivos que nos levavam a
essa delimitação se referiam tanto aos fatos relacionados acima população mais
empobrecida e enegrecida no e 2º ciclos como também porque encontrávamos estudantes
no 5º ano de escolaridade (4ª série) até com 14 anos.
Não podíamos ser ingênuos quanto a essa constatação da pobreza associada ao
enegrecimento do turno da tarde. Num país de tradições escravocratas, pode-se dizer que a
pobreza tem cor. Associe-se a isso o fato de que o próprio modelo civilizatório eurocêntrico,
imposto a toda América Latina como padrão de poder, tem como base a criação de algumas
categorias dentre elas o conceito de raça, no qual os não brancos são considerados inferiores e
menos dignos de direitos, dentre eles ao trabalho remunerado
12
.
Inicialmente, nossa intenção era trabalhar com um grupo de famílias da escola, sendo
que esse grupo abrangeria tanto famílias que buscam, como estratégia de sobrevivência, os
12
Cf. Aníbal Quijano, “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”, In: Leher e Setúbal.
Pensamento Crítico e Movimentos Sociais. São Paulo: Ed. Cortez, 2005.
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programas oficiais de complemento de renda, tais como: Bolsa Família
13
, Bolsa Escola, etc,
assim como famílias que não estivessem ligadas a nenhum desses programas. Como esclarece
Boito Jr, (1999), esses programas estão dentro da lógica neoliberal de focalização dos serviços
públicos na população de baixa renda e
recupera, de modo enviesado, a velha prática liberal da filantropia [...] A focalização
tem duplo significado. Para os neoliberais, focalizar os gastos públicos significa
dirigi-los, ao menos em tese, para população de baixa renda, mas, ao mesmo tempo,
concentrá-los num piso mínimo e reduzido de serviços.
Tínhamos como intenção identificar quais eram suas estratégias de trabalho e de
sobrevivência, suas concepções sobre trabalho e sua relação com a educação, assim como o
significado da escola para os membros dessas unidades familiares.
Entendíamos que, assim como agiu Cariola no estudo sobre estratégias de
sobrevivência, deveríamos tomar como objeto de análise a unidade doméstica. Unidade
doméstica pode ser definida como organização de um conjunto de pessoas que convivem num
mesmo espaço sobre bases de relação de parentesco e afinidade para realizar e compartilhar as
atividades de produção e as de reprodução de seus membros de acordo com uma determinada
divisão do trabalho, distribuição de responsabilidade e de um esquema de autoridade. A
unidade doméstica se constitui no âmbito onde se ligam afetos e representações ideológico-
cultural aos aspectos materiais da vida cotidiana. (CARIOLA, 1992)
A nossa atenção continuava sempre na perspectiva do “olhar da falta”, ou seja,
aqueles que não têm emprego, ou seja, não tem trabalho assalariado. Entretanto, com o
desenvolver do trabalho e com a observação de cenas do cotidiano, outras questões foram se
delineando e começamos a conversar com diferentes sujeitos. Essas cenas nos davam “pistas”
sobre táticas usadas por esses sujeitos e, que identificávamos como estratégias de trabalho e
de sobrevivência”.
13
Não sendo prioritariamente a nossa preocupação, descreveremos esse programas e a formas de acesso a ele,
ainda que sucintamete: O BOLSA FAMÍLIA é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades, ou seja, ao entrar no PBF, a família se compromete a cumprir as condições do Programa nas
áreas de saúde e educação, que são: manter as crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando a escola e
cumprir os cuidados básicos em saúde, ou seja, o calendário de vacinação, para as crianças entre 0 e 6 anos, e a
agenda pré e pós-natal para as gestantes e mães em amamentação.
O programa beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00)
e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00) Os benefícios financeiros estão classificados
em dois tipos, de acordo com a composição familiar: básico: no valor de R$ 58,00, concedido às famílias com
renda mensal de aR$ 60,00 por pessoa, independentemente da composição familiar; variável: no valor de R$
18,00, para cada criança ou adolescente de até 15 anos, no limite financeiro de aR$ 54,00, equivalente a três
filhos por família.
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Assim, optamos por ampliarmos nosso objeto empírico, conversando não com os
responsáveis dos estudantes, mas com eles próprios, assim como também com professores e
funcionários. Isso porque, por meio da observação diária, da revisão de literatura, assim como
da reflexão sobre a minha própria trajetória, foi possível concluir que seria mais uma visão
muito reducionista delimitar os sujeitos apenas aos que não estão vinculados ao mercado
formal” de trabalho, ou seja, os empregados com carteira assinada. Como Malaguti (2000, p.
132), entendermos que “a sobrevivência do trabalhador parece depender da multiplicidade de
suas atividades, de sua atuação simultânea como ‘assalariado’ e ‘independente’. Tudo leva a
crer, então, que procedimentos e atividades ‘informais’ são indispensáveis à obtenção do
‘Rendimento Mínimo Necessário’ à sua sobrevivência”
Em síntese, essa investigação parte do pressuposto de que, além do trabalho
assalariado, a classe trabalhadora desenvolve um conjunto de práticas econômicas e sociais
necessárias para garantir a reprodução ampliada da vida. Com o intuito de que a comunidade
escolar possa se apropriar dos resultados empíricos e teóricos dessa dissertação e contribuir,
futuramente, para reelaboração de um projeto político-pedagógico que considere os
significados da escola para a classe trabalhadora, o objetivo geral desta pesquisa é trazer à
tona as condições de vida e de trabalho da população atendida pela escola pública. Em termos
específicos, buscaremos,
a) Identificar as estratégias de trabalho e de sobrevivência necessárias para a reprodução
das unidades domésticas, onde vivem as famílias dos estudantes e dos trabalhadores da
educação;
b) Resgatar os saberes sobre mundo do trabalho, as relações entre trabalho e educação e os
significados da escola para a classe trabalhadora.
Para realização da pesquisa trabalharemos com conceitos, tais como: economia
popular, estratégias de trabalho e estratégias de sobrevivência, economia formal, economia
informal e informalidade. Será necessário lançarmos mão de diferentes autores, ainda que de
forma subordinada, para tentarmos dar conta da complexidade da realidade observada, de
modo a não restringirmos a nossa análise e sermos presas fáceis de pseudoconcreticidade.
Pois, como Kosik nos alerta
toda teoria do conhecimento como reprodução espiritual da realidade e em
evidência o caráter ativo do conhecimento em todos os seus níveis [...] Toda teoria
do conhecimento se apóia, implícita ou explicitamente, sobre uma determinada
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teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da realidade mesma.
(KOSIK, 2002, p. 33).
O referencial teórico adotado será o materialismo histórico, pois através dele podemos
apreender os nexos entre a totalidade e a particularidade, entre as relações de classe tanto de
dominação quanto de alienação e opressão, além de permitir uma melhor compreensão da
sociedade contemporânea, e assim, obtermos armas teóricas para transformá-la, colocando-se
“como tarefa possível a busca de uma compreensão mais profunda acerca do emaranhado de
forças sociais que produzem o objeto investigado” (SOUZA, ARRUDA, LIMA e PEREIRA,
2004, p.116) e, como nos alertam as autoras, o mínimo que precisamos para interferir numa
situação é conhecê-la em suas raízes. Senão, “corremos o risco de aprofundar as feridas
acreditando saná-las”.
A escolha dos participantes da pesquisa obedeceu a critérios por nós estabelecidos e
que só foram possíveis devido ao nosso envolvimento com os sujeitos observados.
Os critérios foram os seguintes:
a) Pertencer à comunidade escolar (professores, funcionários, estudantes e componentes
de suas unidades domésticas);
b) Ser trabalhador assalariado fixo ou temporário; trabalhador por conta própria ou
desempregado;
c) Utilizar-se de Estratégias de Trabalho como única fonte ou fonte complementar de
renda e/ou utilizar-se de Estratégias de Sobrevivência no espaço escolar ou fora dele.
1. No que diz respeito ao trabalho de campo, fizemos observações de “cenas
cotidianas’ na escola, as quais nos sugeriam o uso de estratégias de trabalho e/ou de
sobrevivência de membros da comunidade escolar. Fizemos as descrições de algumas dessas
cenas para que pudéssemos avaliá-las e escolhermos os participantes da pesquisa.
2. Tendo como inspiração o Questionário de Marx de 1880, elaboramos um roteiro
de entrevista, com o qual tentamos trazer à tona as condições de vida e de trabalho dos
entrevistados. E, identificando as estratégias de trabalho e de sobrevivência à necessária
reprodução ampliada da vida. Buscamos resgatar os saberes sobre mundo do trabalho, as
relações entre trabalho e educação e os significados da escola para esses trabalhadores,
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representantes da comunidade escolar. Para isso, utilizamos encontros individuais com
professores, funcionários, estudantes e responsáveis pelos estudantes. O roteiro, como o
próprio nome diz, foi um elemento condutor da conversa e nunca uma camisa de força que
impedisse os entrevistados de fazerem suas próprias intervenções, supressões e/ou
complementações. Em decorrência da relativa intimidade entre nós pesquisadora e os
participantes da pesquisa – nesses encontros houve momentos de emoção, de catarse, de quase
confissão de fatos e sentimentos muito íntimos. Pareceu-nos que, para alguns, aquela
possibilidade de falar de si mesmo, de suas agruras, de suas conquistas, foi uma oportunidade
de valorização da auto-estima, por vezes tão massacrada. Eis o roteiro de entrevista:
CARACTERIZAÇÃO
01 Nome, idade, escolaridade
02 TRABALHO, EMPREGO E RENDA
03 Em que você trabalha?
04 Trabalho fixo ou temporário?
05 Há quanto tempo trabalha nesse ramo? Já trabalhou em outros? Quais?
06 O que você faz?
07
Quanto ganha? Até 300, ( ); Até 500 ( ) ; Até 700 ( ); Até 1000, ( ); Até 1500, ( ) Acima
de 1500 ( );
08 Tem carteira assinada? (Ou garantias trabalhistas?)
09 Se está desempregado, está há quanto tempo?
10 Você tem outras atividades que produzem renda?
11 Seu salário é suficiente ?
12 O que você faz para complementar essa renda?
13 Que condições você tem para trabalhar? (Segurança, higiene, direitos trabalhistas etc.)
14
Sua família se beneficia de algum programa de complementação de renda, como por exemplo,
Bolsa Família? O que significa para sua família receber esse benefício?
CONDIÇÕES DE VIDA
15
Como são as condições materiais de vida? Por exemplo: Como é sua casa? É própria? Onde
fica? Que aparelhos domésticos você tem?
16 Quantas pessoas moram na sua casa? Qual o grau de parentesco entre elas?
17 De que formas são divididas as tarefas em sua casa?
18 Como as crianças participam dessas tarefas?
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19
Quantas pessoas em sua casa se responsabilizam pelas despesas da casa? De que forma é
decidido como gastar a renda familiar?
20 Quem é o responsável pela administração da renda familiar?
21
Quando você faz alguma compra quais são os critérios para essa compra? Qualidade? Preço?
Marca? Propaganda?
22
Quem são as pessoas da sua casa que participam da luta pela sobrevivência? Qual a
contribuição de cada uma?
23
Para garantir a sobrevivência, existem redes de solidariedade entre você e seus amigos, seus
vizinhos e familiares?
24
Você acredita que a solidariedade pode contribuir para melhoria da qualidade de vida? Por
quê?
25
O que são necessidades básicas? O que você ganha é suficiente para suprir as suas
necessidades básicas?
26 Como você e seus familiares se divertem?
TRABALHO / EDUCAÇÃO
27 Como aprendeu o seu ofício?
28 Fez algum curso específico ou aprendeu na prática?
29 Gosta do que faz? Por quê?
30 Você sente prazer no seu trabalho?
31 O que você aprendeu com seu trabalho?
32 Que saberes a vida prática lhe proporcionou e que você não aprendeu na escola?
33 Como você definiria TRABALHO de uma maneira geral?
34 Como a escola contribuiu para o seu trabalho?
35 Que relação você faz entre trabalho e educação?
EDUCAÇÃO COMO ASCENÇÃO SOCIAL
36 Você acredita que a escola pode ajudar a melhorar de vida?
37 Em relação aos seus pais, a escola lhe ajudou a melhorar de vida?
38 Acredita que se você e/ou sua família tiverem mais anos de escola a vida será melhor?
39 Para você o que é educação?
40 Para serve a escola?
41 Além da escola, quem mais educa?
42 Como você vê a escola hoje? Ela está melhor que antes?
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43 Qual a contribuição que você espera da escola para vida de seus filhos?
44 Qual é o valor que você atribui à escola?
45 O que a escola ensina ajuda a garantir a sobrevivência?
46 Para você, como deveria ser a escola de forma a atender aos seus anseios?
47 Você acredita que a escolaridade possa garantir direitos de cidadania?
48 Como você entende a participação da família na escola?
49 De que forma se dá a sua participação?
50 Como essa participação pode contribuir para a construção da escola que você quer?
51 Como você acha que deveria ser a escola para atender às classes trabalhadoras?
52
Que conteúdos são necessários para dar condições aos seus filhos de lutarem por uma vida
melhor?
53 O que significa ter uma vida melhor?
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CAPÍTULO 3:
Mudanças e andanças pelo(s) mundo(s) do trabalho
Todos os dias, ao abrirmos os jornais, encontramos índices crescentes e alarmantes de
desemprego, trabalho precarizado, terceirizado etc. Ao mesmo tempo, vemos notícias que
falam de um Brasil promissor, produtor de riquezas. Nessa hora, ficam explícitas as
contradições... Essas notícias trazem uma realidade com a qual muitas vezes nos deparamos e
que nem sempre conseguimos analisá-la com o rigor teórico necessário. Vivemos tempos
sombrios... Tempos marcados por ventos neoliberais que muitas vezes nos arrastam para
conclusões rasas e simplistas. Portanto, para não cairmos nessa armadilha, vamos retomar
algumas questões que podem trazer luz ao nosso estudo sobre estratégias de trabalho e de
sobrevivência.
Neste capítulo traremos a discussão sobre as mudanças ocorridas na sociedade
capitalista e, portanto, no mundo do trabalho. Trataremos da precarização do trabalho,
destacando a exploração do trabalho feminino, da falsa dicotomia entre economia formal e
economia informal e das estratégias de trabalho e de sobrevivência pertencentes ou não ao
mundo da economia popular, as quais os trabalhadores lançam mão para garantir a reprodução
da vida. Discutiremos também como a lógica capitalista tem tentado moldar quase todas as
dimensões do ser humano e como isso nos tem afetado. Para que possamos apreender o real,
esses temas serão tratados à luz do materialismo histórico. Sabemos que
a simples apresentação de fatos cronologicamente distribuídos não garante a
apreensão do objeto em sua totalidade. Interessa-nos, pelo contrário, apreender os
fundamentos históricos desta sociedade, a que chamamos sociedade burguesa,
sociedade moderna ou capitalismo, na perspectiva da luta e da apreensão das
contradições. (SOUZA, ARRUDA, LIMA e PEREIRA, 2004, p.109)
Para que possamos compreender o emaranhado de determinantes econômicos, sociais
e culturais que envolvem os fenômenos, precisaremos entender a história em sua
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complexidade e na sua totalidade. Não será com a simples constatação dos fatos que
chegaremos ao concreto pensado. Será preciso um olhar muito cuidadoso, tanto do ponto de
vista ético e político quanto no aspecto metodológico, para que possamos interpretar a
realidade posta à nossa frente.
Neste capítulo queremos nos aproximar mais e mais da questão que nos move nesta
pesquisa: como sobrevive a classe-que-vive-do-trabalho, em especial aquela fração de classe
que hoje compõe a superpopulação relativamente excedente da sociedade (Marx, 1984, p.206)
3.1. A classe que vive de qual trabalho?
A partir da década de 1970, depois de uma temporada, relativamente longa, de
acumulação de capitais, o padrão de acumulação taylorista-fordista começa a dar sinais de
esgotamento. Aqueles que foram os pilares de sustentação desse modelo passam, então, a
serem os grandes vilões: economia planejada; política macroeconômica de Bem-Estar Social
(Wellfare); rigidez da produção, de mercado, de contratos e direitos trabalhistas; rigidez do
papel e gastos do Estado. Todos esses fatores que garantiram a acumulação capitalista daquele
período terminaram por gerar uma crise do fordismo, pelo esgotamento das opções para lidar
com o problema da superprodução. Dentro deste quadro de rigidez, a única “coisa” flexível
era a capacidade de imprimir papel moeda. (HARVEY: 2000, p. 136).
A crise do padrão de acumulação taylorista-fordista foi, no dizer de Antunes, a
“expressão fenomênica da crise estrutural” do capitalismo (1999, p.29) e cujos traços mais
notórios foram: a) queda da taxa de lucro; b) incapacidade de responder à retração do
consumo que se acentuava; c) hipertrofia da esfera financeira; d) concentração de capitais; e)
crise do Estado de Bem-Estar Social; f) incremento acentuado das privatizações, tendência
generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e
da força de trabalho.
Assim, diante da baixa das taxas de lucro, o capital começou a buscar novas formas de
produção que lhe permitisse crescer, acumular. Harvey (2000, p.140) considera que a
profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente
retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da ‘estagflação’ (estagnação da
produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de
processos que solaparam o compromisso fordista.
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Em decorrência disso, os tempos das décadas de 70 e 80 foram palco de um
tumultuado e dramático processo de reestruturação econômica e reajustamento social e
político (Ibidem). A respeito da crise estrutural, Leher (2002, p. 156) observou que a crise
tem “como raiz a redução da taxa de lucro no setor manufatureiro, deslocando o capital para o
setor financeiro. É no bojo desta crise que o capital, almejando a recuperação da taxa de lucro,
promove uma forte reestruturação produtiva”.
O capital precisava de liberdade para se expandir e começava uma nova fase no modo
de produção capitalista – o padrão de acumulação flexível ou toyotismo – que lutava contra as
prerrogativas do Wellfare, que via (e vê) o Estado e os sindicatos como inimigos, pois eram
obstáculos ao seu livre curso. A flexibilidade da produção (produção de séries restritas de
produtos diferenciados; polivalência dos trabalhadores; a perda da estabilidade nos contratos e
direitos trabalhistas) gerou também uma flexibilidade da vida, dos gostos, da moda.
Essa necessidade de conformação do trabalhador à lógica do padrão de acumulação
dentro do capitalismo havia acontecido em relação ao fordismo e foi descrito por Gramsci
(2001, v.4) em sua obra Americanismo e Fordismo
14
. O autor fez um estudo no qual
demonstra todo o investimento que foi feito na conformação do trabalhador. Ou seja, “a
racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo humano, adequado ao
novo tipo de trabalho e de processo produtivo” (Ibidem, p.248). Harvey (2000, p. 121-122)
faz várias referências ao Americanismo e o Fordismo dizendo que
equivaliam ao “maior esforço coletivo até criar, com velocidade sem precedentes, e
com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de
trabalhador e um novo tipo de homem”. Os novos métodos de trabalho “são
inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida”. Questões
de sexualidade, de família, de forma de coerção moral, de consumismo e de ação do
Estado estavam vinculadas, ao ver de Gramsci, ao esforço de forjar um tipo
particular de trabalhador “adequado ao novo tipo de trabalho e de processo
produtivo”.
Desse modo, com a mudança do padrão de acumulação, foi necessária uma
reestruturação ideológico-cultural que garantisse a formação do novíssimo trabalhador: o
trabalhador em tempos de acumulação flexível. Essas mudanças foram descritas
magistralmente por Sennett. Assim, a visão do hoje, do agora, sem perspectivas de futuro na
nova forma de inserção econômica, moldou um modo de vida que prioriza também o
imediatismo. Com isso, também estamos diante da fragilidade dos relacionamentos,
14
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, volume 4. Temas de cultura Ação Católica Americanismo e
fordismo. RJ: Civilização Brasileira, 2 001.
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sentimentos e valores que requerem um longo prazo para se instaurarem como a confiança,
amizade, companheirismo, fraternidade, solidariedade, lealdade, comprometimento com o
outro etc., que estão se tornando “ultrapassados”, pois não condizem mais com a “vida” que
estamos levando, ou melhor, com a vida que estamos sendo levados a ter (Sennett, 2000). É
tendo em conta a base material do mundo da produção capitalista que vamos entender os
valores que estão norteando as relações sociais e educacionais: a competitividade, o
individualismo, o lucro sem medida etc. Dessa forma,
a desregulamentação e desestruturação da sociedade salarial, cujas manifestações
são além do desemprego o trabalho temporário, os salários baixos, a
terceirização e outras formas de flexibilização e precarização do trabalho [...]
corroboram para precarização da própria vida (TIRIBA, 2004, p.75).
O processo iniciado a partir da crise estrutural do capital visava a “reorganização do
capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes
foram o advento do neoliberalismo” (ANTUNES, 1999, p. 31). Vera Corrêa (2000, p. 40-41),
destaca que os preceitos neoliberais vêm sendo difundidos pela mídia de maneira sistemática
graças ao monopólio dos meios de comunicação e pela manipulação das informações. O
receituário neoliberal atribui ao mercado toda a “a centralidade do econômico como o
elemento estruturador das relações sociais, ou seja, a utilização das categorias econômicas
para analisar as relações sociais, o papel do Estado e da política”. Comenta que essa mudança
de eixo das relações sociais proposta pelo neoliberalismo, faz com que haja todo um
deslocamento de “valores como liberdade, igualdade, solidariedade, cooperação, coletividade,
convívio com as diferenças, democracia e utopia”. A lógica mercantil fomenta “o
individualismo, desmobiliza ações de solidariedade e de participação social”, mas, ao mesmo
tempo, também alivia as consciências que essa gica é considerada natural, ou seja, é o
darwinismo social: vence o mais forte, o mais capaz. O processo ideológico impetrado pelo
neoliberalismo foi possível porque havia um cenário propício, além disso, essas
contradições nascem das nossas mais sinceras angústias, medos e receios e de como esses
sentimentos são manipulados pelas classes dominantes, de forma a se tornarem senso
comum
15
. Entretanto, Corrêa (2000, p.41) enfatiza a contradição e a possibilidade de
resistência quando afirma que se é possível penetrar nas consciências para construir um senso
comum a partir dos valores neoliberais e “desenvolver um processo de naturalização da
exclusão e das formas de violência contra grupos e populações deixadas à sua própria ‘sorte’
15
Apple, Michael W. A política do senso comum: porque a direita está vencendo. In: Apple, M. W.
Conhecimento Oficial. Petrópolis: E. Vozes,1997, p. 55-6.
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(desemprego, fome, miséria, morte), sem falar nos danos ecológicos que podem inviabilizar a
vida humana no planeta”, também será possível “o surgimento de formas contrárias de
resistência a essa lógica”.
Toda a política macroeconômica idealizada por Keynes foi quebrada e, com isso,
também caíram seus pilares: economia planejada, traduzido em garantias trabalhistas, saúde,
educação e movimento sindical atuante. Os governos afinados com esses princípios foram
gradualmente retirando o apoio ao Estado de Bem-Estar Social, realizando ataques ao salário
real e ao poder sindical organizado e foram ao mesmo tempo, manipulando o senso comum,
os sentimentos das pessoas para que tudo isso se transformasse numa virtude governamental
(HARVEY, 2000, p.158).
Mas o que não se pode esquecer é que a crise estrutural do capital e a conseqüente
reestruturação produtiva não se delinearam igualmente nos países centrais e periféricos. Nos
países periféricos como o Brasil,
a exclusão social assume dimensão muito mais dramática, mantendo a maior parte
dos seres humanos em situação liminar. O brutal desassalariamento (somente no
período FHC foram extintos 3,3 milhões de empregos, conforme Mattoso, 1999) e a
informalidade imposta à maior parte da força de trabalho na América Latina, como
reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho, são medidas não apenas
toleradas mas, antes políticas deliberadas. (Leher, 2002, p.156-157)
Tudo isso foi provocando mudanças no perfil da classe trabalhadora. Apesar do caráter
promotor de desigualdades do capitalismo, as últimas décadas têm se mostrado especialmente
excludentes. Depois de tantas lutas dos trabalhadores que culminaram em direitos que foram
se consolidando ao longo dos anos, a atual política econômica e social neoliberal afetou os
interesses dos trabalhadores, quebrando as prerrogativas do Estado de Bem Estar Social,
reduzindo o emprego e os salários e reconcentrando a renda nas mãos de uma ínfima parcela
da população. Além disso, a política neoliberal aprofundou as más condições de atendimento
na saúde, educação, previdência, segurança e moradia, por exemplo, porque reduziu os gastos
do Estado com essas áreas.
No contexto da acumulação flexível, a classe trabalhadora está cada vez mais
heterogênea e, por isso complexa. O mundo do trabalho vive uma múltipla processualidade. O
trabalho tem sofrido um processo de fragmentação e heterogeneização que se
expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no
mundo operário; vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente
na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’,
que marca a sociedade dual no capitalismo avançado. (ANTUNES, 2000, p. 49)
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Em relação ao contingente feminino, uma questão a qual não podemos deixar de nos
remeter diz respeito à divisão sexual do trabalho. Em nossa pesquisa, a maioria dos
participantes foi de mulheres, seja pelo fato da escola ser um ambiente prioritariamente
feminino, seja porque entendemos que a divisão sexual do trabalho tem sido um problema
sério no cotidiano do mercado de trabalho, pois historicamente as mulheres têm sido muito
mais exploradas. Em seu livro “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, Engels faz
uma descrição pungente da rotina de trabalho das mulheres. As cenas descritas são chocantes
e revelam toda a perversidade do então nascente capitalismo Engels relata que mulheres
inglesas grávidas, mal tinham seus filhos e eram obrigadas a voltarem ao trabalho.
Enquanto trabalhavam seu leite pingava, pois não podiam amamentar seus filhos. Estes,
muitas vezes, morriam de desnutrição ou em decorrência da ingestão de alimentos
inadequados. Se hoje superamos algumas daquelas atrocidades cometidas contras mulheres
trabalhadoras, como por exemplo, longas jornadas de trabalho, locais de trabalho insalubres,
ausência de direitos mínimos como licença maternidade, ainda não podemos dizer que a
situação das mulheres, nos dias de hoje, seja confortável. que se considerar que, se ainda
estamos sob a vigência do sistema capitalista, ainda haja exploração, visto que isso é inerente
a esse sistema.
Atualmente, embora o percentual de contingente da força de trabalho feminino esteja a
cada dia mais alto, atingindo, em alguns países, mais de 40% da composição da força de
trabalho ativa, ainda se observa que, no que tange à questão salarial ou mesmo à divisão de
tarefas, direitos e condições de trabalho, as mulheres continuam sendo preteridas em relações
aos homens. O capital tem absorvido o trabalho feminino numa relação inversamente
proporcional à garantia de condições de trabalho, salários e de direitos trabalhistas. Essa
absorção tem-se dado “preferencialmente no universo do trabalho part time, precarizado e
desregulamentado” (ANTUNES, 1999, p.105).
Pochmann (2002, p. 72-73) afirma que desde a Constituição de 1988, houve uma
ampliação da proteção do trabalho da mulher, como, por exemplo, a licença-maternidade de
120 dias. Segundo o autor, nos últimos dez anos, do total de 10,1 milhões de ocupações
abertas, 7 milhões foram ocupadas por mulheres, e que 39% desses postos de trabalho foram
criados com carteira assinada. Entretanto, contraditoriamente, pode-se dizer que houve um
aumento dos índices de desemprego do sexo feminino, pois em 1995, 52% dos
desempregados eram do sexo masculino e, em 1999, do total de pessoas sem ocupação 48%
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eram homens. Ou seja, em quatro anos houve um aumento de 4 pontos percentuais nos índices
de desemprego feminino.
Ainda em relação à divisão do trabalho tem-se observado que, na maioria das vezes, as
mulheres executam as tarefas mais rotineiras, repetitivas e nas quais uma maior
necessidade de trabalho intensivo, inclusive com níveis ainda mais intensificados de
exploração do trabalho” ((ANTUNES, 1999, p.108). Aos homens ficam destinadas as tarefas
mais elaboradas, dotadas de maior envolvimento com a tecnologia, caracterizadas como de
capital intensivo. Mesmo nos casos em que homens e mulheres desempenham o mesmo tipo
de tarefa, ainda assim, muitas vezes, uma diferença salarial que não condiz com a natureza
do trabalho desempenhado.
Outro ponto a ser levantado diz respeito à jornada dupla ou tripla enfrentada pelas
mulheres. Ao se submeter a essa sobrecarga de trabalho, dentro e fora de casa, as mulheres
são duplamente exploradas pelo capital, pois além do trabalho que desempenham na fábrica
ou qualquer outro locus do capital, também propicia a reprodução do capital, à medida que
seu trabalho doméstico cria as condições para a reprodução da força de trabalho de seu
companheiro, filh@s e de si própria. Esse fato, ao qual muitas vezes não damos a devida
importância, é fundamental à reprodução do metabolismo do capital.
Como Antunes nos alerta, precisamos rever as relações entre classe e gênero. Essa
discussão, embora difícil e delicada, é absolutamente necessária. Não podemos esquecer que
essas categorias, classe e gênero, foram e continuam a se construir historicamente e tê-las
como um dado “natural” nos levará a embotar a realidade e a reproduzir continuamente o
status quo. Sair para “trabalhar fora” não significou liberdade para as mulheres, e sim um
acúmulo de atividades, pois suas obrigações na família não foram eliminadas tampouco
redivididas. “Ao longo da história do capitalismo, mulheres têm protestado: dizem que não
suportam mais a divisão do trabalho imposta pelo capital: ser responsável pela casa, cuidar do
bem-estar do marido e dos filhos (para que se tornem cada vez mais produtivos no trabalho)”
(TIRIBA, 2002, p. 79). Embora, algumas vezes o companheiro ou mesmo os filhos mais
velhos possam participar dos afazeres domésticos, ainda assim as mulheres vivem uma tripla
jornada de trabalho. Além disso, não podemos esquecer que a “liberdade dos trabalhadores e
trabalhadoras não se realiza no trabalho assalariado e, muito menos, no mercado capitalista,
no qual a força de trabalho é uma mercadoria, ou seja, uma coisa que pode ser vendida em
troca de um salário”.(Ibidem, p.79)
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A própria feminilização da profissão docente nos remete também a relação de classe e
gênero, pois em décadas passadas ser professora era uma das poucas profissões a que uma
moça “decente” de classe média poderia se dedicar. Mesmo depois da proletarização da
profissão, ela ainda era uma “boa” opção para que a mulher tivesse sua atividade profissional,
mas também tivesse tempo para cuidar da casa, dos filhos e do marido. Porém, se antes ser
professora era uma profissão quase “caritativa” ou mesmo um capricho de moça para ter uma
renda para “seus alfinetes”, hoje, muitas professoras são chefes de família ou mesmo
responsáveis pela parcela mais significativa da renda familiar e para isso precisam trabalhar
dois ou mesmo três turnos.
O trabalho feminino e todas as suas contradições tem sido subsumido pelo capital, pois
o que se pode constatar é que o capitalismo (como sempre) tem sabido aproveitar-se das
desigualdades advindas das questões de gênero, corporificadas na divisão sexual do trabalho.
Portanto,
a presença feminina no mundo do trabalho nos permite acrescentar que, se a
consciência de classe é uma articulação complexa, comportando identidades e
heterogeneidades, entre singularidades que vivem uma situação particular no
processo produtivo e na vida social, na esfera da materialidade e da subjetividade,
tanto a contradição entre o indivíduo e sua classe, quanto aquela que advém da
relação entre classe e gênero, tornaram-se ainda mais agudas na era contemporânea.
A classe-que-vive-do-trabalho é tanto masculina quanto feminina. (ANTUNES,
2000, p.54)
Não podemos esquecer que a luta contra a opressão masculina é anterior ao
capitalismo. Assim, o que devemos ter em mente é que ao pensarmos um processo profundo
de emancipação do gênero humano, não se poderá perder de vista que é fundamental a ação
conjunta de homens e mulheres que trabalham para a construção de uma nova racionalidade
social.
Desse modo, uma crítica do capital, enquanto relação social, deve necessariamente
apreender a dimensão de exploração presente nas relações capital/trabalho e também
aquelas opressivas presentes na relação homem/mulher, de modo que a luta pela
constituição do gênero-para-si-mesmo possibilite também a emancipação do gênero
mulher. (Ibidem, p. 54)
Neste horizonte, uma questão para qual precisamos estar atentos, diz respeito à
incorporação de grandes contingentes de homens e mulheres provenientes do “processo de
reestruturação produtiva industrial e também da desindustrialização” aos setores de serviço
(ANTUNES, 1999, p. 111). Entretanto, esse movimento não tem logrado grande êxito, que
o setor de serviço também tem sido afetado pelos ataques do capital. Basta observar a redução
do trabalho bancário, das privatizações de serviços públicos e, mais recentemente, a redução
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dos trabalhadores de transporte coletivo, quando os motoristas estão sendo levados a
assumirem o trabalho dos trocadores nos ônibus. A crise do trabalho assalariado atinge
homens e mulheres, atinge o conjunto da classe tarabalhadora.
Embora se afirme que o mais uma classe proletária nos moldes vividos por Marx
no século XIX, no dizer de Antunes (2000, p. 50),
há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial
e fabril; de outro, aumenta o subproletrariado, trabalho precário e o assalariamento
no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais
velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e
complexificação da classe trabalhadora.
Quando Marx falava em classe trabalhadora, em proletariado, ficava claro de que ele
falava do trabalhador fabril. Entretanto, hoje não há mais como reduzir a classe trabalhadora a
esse perfil do século passado. Também não podemos cair na armadilha da tese do fim da
centralidade do trabalho, que entendemos o trabalho em sua acepção ontológica, qual seja
de produtor do próprio Ser humano e protoforma da práxis social (LUKÁCS, 1980, p.3). Se
hoje estamos perante a uma classe trabalhadora que se fragmentou, se heterogeneizou, se
complexificou, teremos que ampliar o olhar, entendendo que participam da classe-que-vive-
do-trabalho todos aqueles
que vendem sua força de trabalho em troca de trabalho, incorporando, além do
proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado
rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o
proletariado precarizado, subproletariado moderno, part time, [...] os trabalhadores
assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indiretamente
subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do
processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que
hipertrofiam o exército industrial de reserva na fase de expansão do desemprego
estrutural. (ANTUNES, 1999, p. 104)
Essa ampliação do horizonte em relação ao conceito de classe trabalhadora se faz
indispensável e mesmo obrigatória se quisermos compreender e reconhecer que o mundo do
trabalho vem sofrendo importantes transformações. Não podemos esquecer que o atual
momento de reestruturação econômica repercutiu no desemprego estrutural. Isso significa um
número cada vez maior de pessoas vivendo na pobreza e com possibilidades cada vez maiores
de se situarem em faixas de miserabilidade.
Segundo Harvey (2000, p. 143), a radical reestruturação do mercado se deu em função
da forte inconstância do mercado, do aumento da competição e da redução das margens de
lucro, além do esmorecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra
excedente. Todos esses fatores conjugaram para impor regimes e contratos de trabalhos mais
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flexíveis. O autor utiliza o esquema aqui reproduzido para dar a idéia da nova configuração do
mercado de trabalho. No centro estão os trabalhadores que continuam mantendo todos os
direitos trabalhistas. Entretanto, esse grupo foi reduzido numericamente e é exigido de seus
componentes que correspondam às expectativas de serem adaptáveis, flexíveis, até mesmo
geograficamente móveis. Na periferia estão dois subgrupos que, embora bem diversos,
apresentam a característica semelhante de serem facilmente “descartáveis” pelo mercado. A
grande diferença é que o segundo grupo está ainda mais sujeito às incertezas do mercado, uma
vez que flexibilidade de contrato é o que marca as relações empregatícias deste segmento.
Fica visível a intenção do capital de aumentar cada vez mais a volatilidade das relações
trabalhistas:
A atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores
“centrais” e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é
demitida sem custos... Na Inglaterra, os “trabalhadores flexíveis” aumentaram em
16%, alcançando 8,1 milhões entre 1981 e 1985, enquanto os empregos permanentes
caíram em 6%, ficando em 15,6 milhões... Mais ou menos no mesmo período, cerca
de um terço dos dez milhões de novos empregos criados nos EUA estavam na
categoria “temporário”. (HARVEY, 2000, p.144)
HARVEY ESQUEMA MUNDO DO TRABALHO
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Sem dúvida, tem havido uma forte retração do proletariado tradicional, herdeiro e
símbolo do padrão fordista, ou seja, trabalhador industrial, fabril, manual, estável e
especializado. Isso se deu, em grande medida, devido à propagação ocidental do toyotismo e
todas as conseqüências atreladas a isso produção limitada de produtos, desterritorialização
do espaço físico de produção, expansão da microeletrônica, fluidez dos capitais financeiros,
terceirização de etapas da produção etc. Assim, observa-se “uma nítida redução do
proletariado fabril, industrial, manual, especialmente nos países de capitalismo avançado,
quer em decorrência do quadro recessivo, quer em função da automação, da robótica e da
microeletrônica, gerando uma monumental taxa de desemprego estrutural” (ANTUNES,
2000, p.52). É preciso que se repita que a microeletrônica foi um fator decisivo para a
configuração do padrão flexível, pois as máquinas puderam obter a flexibilidade graças às
novas tecnologias. E foram essas tecnologias que permitiram ao capital deslocar-se no tempo
real e no espaço, de uma forma que era impossível no padrão fordista.
O que não podemos esquecer é que o capital tem um objetivo único: o lucro. Mas os
trabalhadores ainda não se deram conta contra o que precisam lutar. Dessa forma, em vez de
unirem-se todos sob o mesmo objetivo transformação radical do metabolismo societal, no
qual o ser humano seja a medida de todas as coisas se dispersam em disputas entre os
diferentes segmentos que atualmente compõem a classe trabalhadora: trabalhadores estáveis e
precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e negros,
qualificados e desqualificados, “incluídos e excluídos
16
”. Mas, se ainda dúvidas sobre
contra quem ou contra o quê lutar, quando a fome alcança esses trabalhadores, eles se
organizam, nem que seja para saquear um supermercado, como vimos num passado muito
recente. É... quem tem fome, tem pressa...
16
Ver KUENZER, Acacia Zeneida. Exclusão includente e Inclusão excludente: A nova forma de dualidade
estrutural que objetiva as novas relações educação e trabalho. In: LOMBARDI, J. C., SAVIANI, D. e
SANFELICE, J. L. (orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. 3ª ed. Campinas, SP: Autores Associados,
HISTEDBR, 2005 (Coleção educação contemporânea)
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3.2. Precarização do trabalho: (in)formalidade e economia popular
Diante desse caleidoscópio que se configurou o mundo do trabalho, muita confusão se
estabeleceu em torno de questões que precisaremos retomar. A precarização do trabalho é um
fenômeno que, embora não sendo novidade, assumiu proporções perversas nos últimos
tempos. Quando falamos da precarização do trabalho, um dado importante de ser destacado é
a questão das chamadas economia formal e informal.
Embora não seja necessariamente, sua intenção, Dedecca (2007), nos ajuda a perceber
a falsa dicotomia entre os setores formais e informais da economia capitalista. O autor
constata que, indiscriminadamente, os conceitos informal e informalidade têm sido utilizados
como se fosse a mesma coisa. Entretanto, é preciso que estabeleçamos as diferenças para que
possamos avançar teoricamente nesse campo de estudo. Ao analisar o fenômeno
informal/informalidade, o autor destaca que muitas vezes, no senso comum, ao falarmos de
“setor informal” a imagem que vem a ele associada é de trabalhadores autônomos situados
nas camadas mais pobres da população: camelôs, vendedores ambulantes, empregados
domésticos etc. No entanto, esse setor é mais amplo e engloba os “pequenos negócios,
registrados ou não, individuais, familiares ou com até cinco empregados, caracterizados por
produção em pequena escala e baixo nível de organização” (p. 20). A informalidade por sua
vez, “está relacionada ao não cumprimento das normas de proteção ao trabalhador
basicamente, a ausência de contribuição para a previdência social e outros fundos que
beneficiam a força de trabalho” (p.19).
Na verdade, uma “nova informalidade”
17
se generaliza, transformando a dicotomia
entre trabalho formal e trabalho informal numa falácia, pois “a formalidade e a informalidade
coexistem, subsidiam-se, interpenetram-se e são indissociáveis” (MALAGUTI, 2000, p.101).
O rótulo legalidade ou ilegalidade a ser atribuído a uma empresa ou a uma relação trabalhista
é um binômio discutível, pois são usados muitos subterfúgios para burlar as leis trabalhistas, e
os trabalhadores, diante de tanto desemprego, aceitam propostas, que além de ilegais são
imorais, com medo de perderem seus postos de trabalho. Assim, pode-se ver, por exemplo,
um trabalhador com carteira assinada, mas que suas horas extras não são contadas. Como nos
diz Malaguti (2000, p. 99-100), “a carteira de trabalho assinada nada mais é do que um
17
Ver TAVARES, Maria Augusta. Os fios(in)visíveis da produção.São Paulo: Cortez, 2003.
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‘documento de fachada’, com pouca ou nenhuma relação com o quotidiano de trabalho ou
com os direitos dos trabalhadores. Logo, tudo se passa à margem da legislação trabalhista: na
informalidade”.
Segundo Dedecca (2007), o conceito de setor informal foi formulado na década de 60
pela Organização Internacional do trabalho OIT, a partir de um levantamento de campo
realizado no Quênia, África e “considerava somente as atividades em pequenos
estabelecimentos, ou baseadas no trabalho autônomo nas áreas urbanas, que tinham como
objetivo a sobrevivência das pessoas diretamente envolvidas” (p. 20). Foi a partir desse estudo
que se formulou a noção de setor informal urbano (SIU), que abarcam as formas e relações de
produção não capitalista, isto é, que têm como objetivo o lucro, ou seja, não visa a
acumulação de capital. Todo esse levantamento fazia parte do Programa Mundial de Emprego
e era uma iniciativa da OIT objetivando a ampliação da presença do capitalismo desenvolvido
nos países periféricos. Ainda dentro desse modelo foi criado o Programa de Emprego para
América Latina e Caribe Prealc. O Prealc produziu levantamentos de campo em rios
países latino-americanos. Nesses estudos eram considerados como setor informal os
empreendimentos com até 5 empregados e as formas autônomas de trabalho urbano, cujas
características básicas eram a pouca produtividade e as estratégias de sobrevivência das
pessoas implicadas no empreendimento. No interior do setor informal, a grande diferença dos
pequenos empreendimentos para as médias e grandes empresas seriam suas finalidades: as
pequenas tinham por meta a sobrevivência de seu proprietário e de seus empregados; as
médias e grandes empresas o grande objetivo é o lucro, a acumulação de capital.
Dedecca (2007) relaciona a informalidade à crise do final dos anos 70. Como
conseqüência da crise econômica o capital foi se reorganizando, o que resultou na
reestruturação produtiva do capital
18
. Os receituários neoliberais indicavam, ou melhor,
pressionavam os governos pela redução das normas públicas que vigoravam nas relações de
trabalho. Podemos inferir que essa pressão pela desregulamentação do trabalho se apoiava em
dois argumentos tautológicos: Um dos argumentos usava como justificativa o elevado índice
de desemprego, defendendo que normas mais flexíveis de contratação de trabalho, ou seja,
que menores garantias trabalhistas, pudessem superar o problema. O outro argumento era de
que os impostos relacionados às normas de contratação trabalhistas eram muito caros, e que
por isso, haveria tanto desemprego. Segundo os defensores dessas teses, o alto custo das
18
Para Antunes (1999, p. 34), “o desemprego em dimensão estrutural, precarização do trabalho de modo
ampliado e destruição da natureza em escala globalizada tornaram-se traços constitutivos dessa fase.
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contratações trabalhistas também provocaram a “proliferação de contratos à margem das
determinações legais” (ibidem, p. 21). Ou seja, “tostines é fresquinho porque vende mais ou
vende mais porque é fresquinho?
É nesse caldo sócio-econômico-cultural que deve ser compreendida a noção de
informalidade, a qual assume características distintas nos países centrais e periféricos do
capitalismo. Nos países ditos “desenvolvidos”, a crescente crise do pleno emprego mexe com
uma situação que já era conhecida: Os imigrantes vindos de antigas colônias formavam uma
mão-de-obra de baixa qualificação e que se encaixavam nas franjas do mercado de trabalho.
Entretanto, diante do desemprego aberto, os trabalhadores nascidos naqueles países, passam a
competir com os imigrantes pelos postos de trabalho de menor qualificação. Nos países ditos
“em desenvolvimento”, a crise econômica provoca a exclusão de parte dos trabalhadores
ocupados nas grandes empresas. Tudo isso “faz do setor informal o espaço definitivo para
ocupação de parcelas crescentes da população” (DEDECCA, 2007, p.21). Dessa forma,
propagam-se as formas de trabalho sem proteção social, ou seja, longe das normas de
regulamentação pública existente sobre os contratos e as relações de trabalho. Para Dedecca,
tudo isso fomentou a noção de informalidade, que manifesta a totalidade das situações
ocupacionais sem proteção social. Ambos os conceitos, setor formal e informal têm sido
levados em conta quando da formulação dos diagnósticos, das análises, das políticas sobre o
problema de desemprego e da precarização do trabalho nos países latino-americanos. Para
esse autor, embora setor informal e informalidade sejam tomados, muitas vezes, como
sinônimos, esses conceitos são diferentes, e somente parcialmente complementares. O
conceito de setor informal, diria respeito às atividades econômicas que visam a simples
sobrevivência daqueles que estão envolvidos no empreendimento. Já a informalidade estaria
relacionada às ocupações sem proteção social, ou seja, que não contribuem para os sistemas
nacionais de previdência social e para os demais fundos públicos da política social
(DEDECCA, 2007, p.22).
O IBGE justifica tanto a definição quanto a delimitação com base nas recomendações
da OIT
19
. Nele é possível observar que há uma divergência em relação às primeiras
orientações da OIT, ainda na década de 60. Embora se mantenha a definição operacional de
19
Informações retiradas do sítio do IBGE no documento “Notas técnicas – Definição do setor informal e
delimitação do universo da pesquisa”. A delimitação e a definição obedecem às recomendações da 1
Conferência de estatísticos do trabalho, promovida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, em
janeiro de 1993.
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unidades econômicas com até 5 empregados, agora não se fala em subsistência e sim em
“unidades econômicas não-agrícolas que produzem bens e serviços com o principal objetivo
de gerar emprego e rendimento para as pessoas envolvidas, sendo excluídas aquelas unidades
engajadas apenas na produção de bens e serviços para o autoconsumo”. O documento não
entra no rito da informalidade alegando que embora fosse útil para intenções analíticas, a
ausência de registros não serve de critério para definição do informal na medida em que o
substrato da informalidade se refere ao modo de organização e funcionamento da unidade
econômica, e não a seu status legal ou às relações que mantém com as autoridades públicas” e
acrescenta que “havendo vários tipos de registros, esse critério não apresenta uma clara base
conceitual; não se presta a comparações históricas e internacionais e pode levantar
resistências junto aos informantes”.
O referido documento faz outras considerações relativas às características das
unidades econômicas do setor informal, tais como, “produção em pequena escala, baixo nível
de organização e pela quase inexistência de separação entre capital e trabalho”. A expressão
“quase inexistência de separação entre capital e trabalho” pode nos ajudar a inferir que existe,
ainda que de forma muito difusa e imbricada, uma falsa separação entre capital e trabalho.
Poderíamos inferir que a questão da subsistência foi retirada tendo em vista a possibilidade de
extração de mais-valia por parte do empregador: por acaso o lucro, ou a renda levantada é
dividida igualitariamente entre patrão e empregados?
Usando como referência o fato de um empreendimento com 5 empregados pertencer à
economia informal, gostaríamos de levantar algumas questões. Marx ao descrever o processo
de extração de mais-valia, afirma que não será qualquer quantia em dinheiro ou valor que se
poderá transformar em capital, ou seja, em lucro propriamente dito. Para obtenção da mais-
valia será necessário um mínimo de capital variável destinado ao pagamento de uma força
individual de trabalho diário. Em situações nas quais o dono dos meios de produção se
contenta em viver como trabalhador, será preciso apenas o emprego da força de trabalho de
mais 2 trabalhadores para que, ao se apropriar da mais-valia resultante desse processo, ele,
dono dos meios de produção, possa viver como trabalhador, satisfazendo suas necessidades
mais imediatas. Ao contrário, se o dono dos meios de produção não se contenta com a mera
subsistência, julgando necessária a multiplicação da riqueza, e querendo viver, pelo menos,
duas vezes melhor do que um trabalhador comum, terá que retransformar metade da mais-
valia produzida em capital, e teria que multiplicar por 8 ao mesmo tempo o número de
trabalhadores e o mínimo de capital adiantado” (MARX, 1983, p. 242-3).
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Embora Marx saliente a questão relativa a uma soma mínima necessária para que o
possuidor de dinheiro ou mercadorias possa se transformar realmente em capitalista, ele ainda
ressalta que se trata de um pequeno patrão que se apropriará da mais-valia de seus
empregados. Dependerá dele, pequeno patrão, explorar mais ou explorar menos, mas ainda há
uma relação capital/trabalho, na qual a extração de mais-valia é central na produção. Outro
ponto a se destacar é que nos dias de hoje, quando a microeletrônica, a informática se
imiscuíram em quase todos os ambientes de trabalho, relacionar o número de empregados a
um pequeno negócio de subsistência é, no mínimo, querer ocultar a realidade, haja visto que
estamos em tempos de polivalência e de uma nova gestão da força de trabalho, nos quais a um
pequeno número de trabalhadores é exigido que atuem em diferentes máquinas ou tarefas.
Dessa forma, que diríamos de pequenos escritórios de valores que, com 4 ou 5 empregados,
movimentam milhões de reais (ou dólares) no mercado financeiro? Ou como afirmam Tiriba e
Icaza (2003, p. 105), com a atual reestruturação produtiva, “a tendência da empresa capitalista
é a diminuição crescente dos postos de trabalho. Neste sentido, o número reduzido de
empregados não é uma característica apenas da economia informal, mas também daquele
setor da economia comumente chamado de ‘formal”.
Tavares (2006) também não aceita a noção de setor informal, afirmando que
“diferentemente do que pensam os apologistas do capital, apreendemos o setorialismo da
economia como um dos equívocos decorrentes da razão dual”. A autora reivindica a categoria
da totalidade para que possamos apreender “todas as formas de organização da produção,
mesmo as que não podem ser consideradas expressões claras de relações capitalistas, estão
submetidas às determinações do capital, sejam elas amparadas pela lei ou exercidas na
clandestinidade”. Não é à toa que Marx (1983, p. 263) afirma que “o motivo que impulsiona e
o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior autovalorização
possível do capital, isto é, a maior produção possível de mais-valia, portanto, a maior
exploração possível da força de trabalho pelo capitalista”.
Tendo isso em vista, a autora passa a discutir não o setor informal ou a informalidade,
mas o trabalho informal a partir das relações de trabalho. Assim, um fato que não se pode
esquecer é que a precarização do trabalho, a partir do trabalho informal, veio ao longo do
tempo, ao bel prazer do jogo do capital, deixando de ser considerado um atraso para agora
parecer travestido de virtudes, “como a forma mais adequada à solução do desemprego, sendo
reivindicado não porque o seu desempenho contribua para acumulação capitalista, mas como
uma ação complementar às políticas de assistência” (TAVARES, 2006, p. ). A virtude
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atribuída à informalidade não passa de uma cortina de fumaça que encobre questões
estruturais como o desemprego, sendo apenas mais uma das facetas para perpetuação do
modelo vigente e, intrinsecamente, ela realimenta o processo capitalista, tendo, inclusive, um
papel social e econômico de acomodação, desviando (pelo menos temporariamente) o caos e a
pressão social dos que não conseguem empregos que lhes garantam os direitos trabalhistas,
em outras palavras, a informalidade ocupa os trabalhadores que vivem em situação de pobreza
e desemprego, retardando uma possível revolta contra o que está estabelecido.
Até o início dos anos 80, a informalidade estava focada, de forma local, nos
trabalhadores desqualificados e, de formal global, nos países ditos subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento. Hoje, entretanto, a informalidade passou a ser um fenômeno que se
manifesta, inclusive, nos países de economia avançada e atingindo também os trabalhadores
ditos qualificados (GONÇALVES e THOMAZ JUNIOR, 2002). Nas palavras de Mészáros
(2003, p. 27),
a tendência devastadora do desemprego crônico hoje afeta até mesmo os países
capitalistas mais adiantados. Ao mesmo tempo, também as pessoas ainda
empregadas naqueles países têm de suportar a piora de suas condições materiais de
existência, o que é admitido até mesmo pelas estatísticas oficiais.
Por que é tão importante discutir o trabalho informal e/ou a informalidade? Diante de
todas as mudanças ocorridas a partir da reestruturação produtiva, da desregulamentação e da
desestruturação da sociedade salarial, o que tem se propagado é o valor do trabalho
“autônomo”. Justamente porque “o trabalho por conta própria e a pequena empresa tornam-se
o ‘sonho’ (refúgio da realidade) de milhões de brasileiros desempregados ou cujos salários
formais não permitem manter suas famílias” (MALAGUTI, 2000, p. 63), é que é preciso
desmistificar algumas pseudoverdades”. Como afirmamos, não será o fato de um
trabalhador informal passar a ser proprietário de alguns meios de produção ou de um pequeno
negócio, e empregar, informalmente, 4 ou 5 trabalhadores que fará dele um empresário”, um
capitalista. No mais das vezes, o que se observa nessas “pequenas empresas, grandes
negócios”
20
é que o “novo patrão” continua dependente do trabalho. Quase sempre é forçado,
não por um patrão, mas pela concorrência desleal do próprio mercado, a uma jornada de
trabalho superior a 10 horas por dia e uma semana de 6 a 7 dias úteis. Como alerta Malaguti
(2000, p. 86), “se a inserção no mercado informal transporta seus dirigentes/empreendedores
para os tempos da escravatura, o que pensar do acréscimo de esforço exigido daqueles que são
20
Referência a um programa veiculado pela TV Globo e com o apoio do SEBRAE. Neste programa são
incentivadas as iniciativas de pequenos negócios, na perspectiva do empreendedorismo.
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‘apenas’ seus empregados?”. Dessa forma, como Marx (1983, p. 234) define, o pequeno
proprietário participando diretamente do processo de produção ele será apenas um meio termo
entre trabalhador e capitalista, um “pequeno patrão”. Isso porque, um “certo grau de
desenvolvimento da produção capitalista exige que o capitalista possa aplicar todo o tempo,
durante o qual funciona como capitalista, isto é, como capital personificado, à apropriação e,
portanto, ao controle do trabalho alheio e à venda dos produtos desse trabalho”. Então, não
cabe o “canto de sereia” que ilude e hipnotiza: Lindomar
21
ter uma banca de miudezas e
aviamentos não fará dele um capitalista, pois embora exista a extração da mais-valia de seu
empregado, na verdade Lindomar também é explorado, visto que seu rendimento é quase que
exclusivamente de subsistência. Em outras palavras, (VER MAIA?)
Ao reproduzirem suas vidas, a maioria dos trabalhadores o fazem contando, em grande
parte, com rendimentos não salariais que são, na verdade, os primeiros dos complementos
(MORICE apud MALAGUTI, 2000, p. 129). Por transitarem entre a situação de “trabalhador
assalariado” e de “trabalhador independente”, seu status do trabalhador origina-se “de uma
experiência de vida seguidamente complexa e multifacetada, cujas variantes ocasionais
interpenetram-se, definindo e redefinindo o que agora se faz em função do que antes se fez e,
seguidamente, do que se pretende fazer” (MALAGUTI, 2000, p. 152).
Outra questão que se impõe ao debate é o problema da não diferenciação entre
trabalho em sua dimensão ontológica e o emprego com suas características capitalistas. Os
institutos de pesquisas quando reduzem “o conjunto dos trabalhadores à condição de
'empregados' e 'desempregados', [...] circunscrevem a produção social da vida às regras
capitalistas de produção, sugerindo que o trabalho é, necessariamente, uma mercadoria que
deve ser posta à venda no mercado”.(TIRIBA, 2004, p. 79). Na esteira do estudo sobre a
reprodução dos setores populares encontramos o conceito de “economia popular” que se
diferencia do conceito tradicional de economia informal”, pois se refere “a um conjunto de
atividades econômicas e práticas sociais desenvolvidas pelos setores populares no sentido de
garantir, com a utilização da própria força de trabalho e dos recursos disponíveis, a satisfação
de necessidades básicas, tanto materiais e imateriais” (TIRIBA e ICAZA, 2003, p. 101).
Entretanto, isso se numa dimensão que ultrapassa a simples aquisição de ganhos materiais
e está intimamente ligado à reprodução ampliada da vida. Contrapondo-se à lógica dos
valores capitalistas, serão a reciprocidade, a cooperação e a solidariedade que nortearão as
21
Lindomar é funcionário da escola e um dos trabalhadores que participaram da pesquisa e será apresentado no
próximo capítulo.
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relações estabelecidas entre os sujeitos da economia popular, que criam estratégias de trabalho
e de sobrevivência
que visam não apenas à obtenção de ganhos monetários e excedentes que possam ser
trocados no mercado, mas também à criação das condições que lhes favoreçam
alguns elementos que são fundamentais no processo de formação humana, como a
socialização do saber e da cultura, saúde, moradia, etc. (ibidem).
Estamos reivindicando uma “outra economia”
22
que seja capaz de apreender essas
diferentes lógicas, pois há muita diferença entre alguém que vende, na esquina, bolinhos “Ana
Maria” (fabricados por uma industria S/A) e outro que vende um bolo de aipim feito em casa
e cujo aipim foi cultivado por ele mesmo. Sobre isso, Tiriba e Picanço (2004, p. 19) nos
alertam que,
diante da atual crise estrutural do desemprego, torna-se necessária a reafirmação da
velha idéia de que, para além do mundo do trabalho assalariado, existem mundos do
trabalho e que, para além do modo de produção capitalista de produção, são
possíveis outros modos de produção da existência humana.
O trabalhador, que vende bolinhos “Ana Maria”, embora na informalidade, realimenta
a lógica capitalista, à medida que vende um produto que ele não concebeu, cujo processo de
produção não conhece e sequer participou. Além disso, participa da cadeia da produção
capitalista, pois, no dizer de Marx (1982, p. 13), “na medida em que a troca é o momento
mediador entre a produção e a distribuição determinada por ela e o consumo, na medida em
que, entretanto, este último aparece como momento da produção, a troca é também
manifestamente incluída como um momento na produção”. Ou seja, a produção iniciada na
pequena ou grande fábrica capitalista, tem sua finalização na mão do ambulante ou camelô.
Na verdade, todas as atividades de produção e distribuição de bens e de serviços são
orquestradas por capitalistas, com vistas ao seu próprio enriquecimento, mediado pela
exploração da força de trabalho (TIRIBA e ICAZA, 2003, p.105).
O segundo trabalhador, que vende um bolo de aipim feito em casa, utilizando seus
saberes, idealizou e produziu seu produto a partir de seus próprios recursos para a reprodução
ampliada da vida, sua e de sua família. Assim como na canção de Milton Nascimento e
Fernando Brant, “Cio da Terra”, aquele trabalhador afagou a terra, conheceu os desejos da
terra, fecundou a terra... Depois recolheu os frutos da terra e forjou nele o milagre do
alimento. Todo o processo de trabalho foi vivido e conhecido desse trabalhador, também os
meios de produção lhe pertencem! Ele tendo agido sobre a natureza para satisfazer sua
22
CATTANI, Antonio David (org). A outra economia. Porto Alegre, RS: Veraz, 2003.
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necessidade, modificou essa natureza e foi por ela modificado, que ele, ser humano, é
também natureza. Também os frutos desse processo foram seus. Portanto, podemos dizer que
nesse processo está implícito uma outra racionalidade. O que se está buscando é a reprodução
da vida e não do capital. Não sendo o lucro o seu último objetivo e não havendo exploração
do trabalho alheio, será o seu próprio trabalho o principal fator de produção e criação.
O primeiro trabalhador, o que vende bolo “Ana Maria”, fabricado na indústria S/A,
está circunscrito na lógica da economia informal. O simples fato de pertencer ao “mundo dos
setores populares, não confere à sua atividade o status de pertencer à economia popular”
(Tiriba, 2003, p. ). O segundo trabalhador, o que vende o bolo de aipim feito em sua casa, a
partir dos frutos que ele próprio plantou e colheu, está incluído na lógica da economia
popular.
Diante de todo o quadro desolador da atual sociedade capitalista, a classe-dos-que-
vivem-do-trabalho é impelida à criação de diversas estratégias de trabalho e de sobrevivência
que dêem conta da reprodução ampliada da vida, não limitando apenas à reprodução
biológica. Assim, “o conceito de economia formal e economia informal não são suficientes
para explicar a complexidade das relações sociais. O conceito de economia popular nos ajuda
a diferenciar a racionalidade das formas de fazer economia” (TIRIBA, 2003, p. ). Dessa
forma, reivindica-se a economia popular como um conceito que seja capaz de dar conta dessas
outras formas de sociabilidade que escapam à lógica capitalista, lembrando ainda que,
aspectos da economia popular foram observados/descritos em outros modos de produção,
não sendo uma exclusividade do capitalismo.
Com a crise do trabalho assalariado torna-se mais evidente que para além da simples
geração de renda, os setores populares se organizam “em ações espontâneas de solidariedade
entre familiares, amigos e vizinhos e também nas ações coletivas organizadas no âmbito da
comunidade, objetivando a melhoria da qualidade de vida” (TIRIBA e ICAZA, 2003, p. ).
São exemplo os mutirões para limpeza de valões, para recuperação de casas ou parte, para
aterramento da rua etc.,
Em síntese, é preciso diferenciar economia popular e economia informal. Num
contexto em que vale tudo para sobreviver, participam da economia popular e da economia
informal, não apenas os desempregados, mas todos os trabalhadores que, embora assalariados,
se vêem obrigados, devido à precarização do trabalho, a lançar mão de inúmeras estratégias
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que lhes garantam melhores condições de vida. Tomando como medida o ser humano, ou seja,
a reprodução da vida e não do capital, os trabalhadores são provocados a criarem diversas
estratégias de trabalho e de sobrevivência, as quais serão por nós analisadas no próximo
capítulo. Para isso, será fundamental auscultar aqueles que, cotidianamente, inventam formas
de enfrentar a fome, a privação, em outras palavras, ouvir os corações daqueles a quem tudo
foi negado...
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CAPÍTULO 4:
Estratégias de trabalho e de sobrevivência: escutando o ronco da barriga
Quem nunca viu, num recreio de escola, na sala dos professores, algumas professoras
abrirem suas sacolas e retirar de inúmeros produtos, sejam eles industrializados (lingerie,
perfumes, bijuterias) ou mesmo produzidos por elas próprias (pizzas, biscoitos, bolos,
salgadinhos, bijuterias, etc.)? E no portão de entrada? As responsáveis pelas crianças também
oferecendo seus produtos ou seus serviços como diarista, lavadeira, passadeira etc ? E os
estudantes fora do horário da escola usando uniforme para poder utilizar o passe livre no
ônibus?
Esses são alguns exemplos de estratégias de trabalho e de sobrevivência que
comumente observamos nos espaços escolares e seus arredores, principalmente nas escolas
públicas. Fazemos esta observação em relação à escola pública, pois a população por ela
atendida é basicamente de trabalhadores, sejam eles os familiares das unidades domésticas
dos estudantes ou mesmo os funcionários e professores que trabalham nas escolas.
Como já foi dito no capítulo 1, desta dissertação de mestrado, estamos nos propondo a
(re)conhecer, numa escola pública, as condições materiais de vida de estudantes e seus
familiares, professores e funcionários. Um de nossos intentos é tentar revelar alguns saberes
sobre o mundo do trabalho, as concepções sobre trabalho e educação, as estratégias de
trabalho e de sobrevivência que utilizam para driblar o excludente modo de produção
capitalista, bem como o significado da escola para esses trabalhadores.
Neste capítulo traremos o trabalho de campo e as reflexões concernentes ao tema.
Entendendo que a empiria não se sustenta sem a teoria, ao analisarmos as “cenas do
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cotidiano” e as falas dos trabalhadores participantes dessa pesquisa, faremos de forma a trazer
os elementos teóricos que possam desvendar as tramas vividas na luta pela reprodução da
vida.
Pretendemos, por meio dos relatos de oito componentes da comunidade escolar,
discutir algumas questões, trazendo à tona as condições de vida e de trabalho desses
entrevistados, e identificando as estratégias de trabalho e de sobrevivência à necessária
reprodução ampliada da vida. Buscamos, também, resgatar os saberes sobre mundo do
trabalho, as relações entre trabalho e educação e os significados da escola para esses
entrevistados, representantes da classe trabalhadora.
Utilizamos encontros individuais com membros da comunidade escolar, ou seja,
professores, funcionários, estudantes e responsáveis pelos estudantes. Pertencer à comunidade
escolar foi o primeiro e incondicional critério de elegibilidade dos sujeitos pesquisados. O
outro critério foi utilizar-se de estratégias de trabalho como única fonte ou fonte
complementar de renda e/ou utilizar-se de estratégias de sobrevivência no espaço escolar ou
fora dele. Esses trabalhadores foram escolhidos em decorrência de nossa observação e
conhecimento de suas vidas e, portanto, sabíamos de sua adequação a esses critérios por s
estabelecidos.
4.1. Cenas do cotidiano
Nesta pesquisa, uma questão central para qual queremos estar atentos é a pobreza. É
preciso entender os seres humanos na sua materialidade. A pobreza, como argumenta Sarti
(2003, 12), “é um problema para quem a vive não apenas pelas difíceis condições materiais
de sua existência, mas pela experiência subjetiva de opressão permanente e estrutural, que
marca sua existência, a cada ato vivido, a cada palavra ouvida”. A pesquisa a que estamos
nos propondo vai ao encontro de pessoas que vivem, diariamente, essa opressão permanente e
estrutural salientada por Sarti. Dessa forma, essas pessoas experienciam a opressão tanto de
forma objetiva falta dinheiro para o alimento como também subjetivamente sua auto-
estima é diariamente posta à prova diante de todas as negações às suas necessidades.
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Nos países em que o Estado de Bem Estar Social realmente aconteceu os trabalhadores
vêm enfrentando todo tipo de dificuldade. Então, que diremos do Brasil onde ações relativas
aos direitos sociais são tão tímidas? A política econômica e social neoliberal prejudica os
trabalhadores ao priorizar os interesses do capital financeiro, conseguindo isso à custa do
arrocho das verbas sociais. Quanto a isso Boito Jr. (1999, 77) os alerta que
não se pode analisar a política social, isto é, as medidas
governamentais em áreas como saúde, educação, previdência,
saneamento, habitação e transporte, separadamente da política
econômica. A pobreza não é um dado natural com o qual se deparam
os governos neoliberais; ela é produzida pela própria política
econômica neoliberal, que reduz o emprego e os salários e reconcentra
a renda. (grifo nosso)
Dado o número cada vez mais significativo de pessoas vivendo à margem do mercado
(assalariado) de trabalho, o tema da pobreza e da luta pela sobrevivência se situa num campo
importantíssimo de estudo das condições de vida. Em Sobrevivir em la pobreza: el fin de uma
ilusión, Cecília Cariola afirma ser necessário mostrar os processos em que o viver a pobreza
devem ser considerados. O que significa viver a pobreza? É muito difícil para quem nunca
viveu a situação de ver um filho chorando com fome, saber em profundidade o que é viver a
pobreza. Mas o mínimo que se espera é que possamos usar da empatia e tentarmos supor,
compreender os sofrimentos pelos quais passam os pobres e os miseráveis.
Ainda sobre a pobreza temos a destacar o trabalho de Alba Zaluar, que em pesquisa
realizada no Conjunto Residencial Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, discute as organizações
populares e o significado da pobreza. Para ela
são inúmeros os arranjos internos à unidade doméstica para manter o
padrão de vida que separa a miséria da pobreza e afasta o espectro da
fome, socializando o esforço de gerar renda entre vários membros da
família e mantendo ainda obrigações assistenciais aos parentes,
especialmente os mais novos e os mais velhos, incorporando ao grupo
doméstico sempre que sua sobrevivência o exija (ZALUAR, 2000, p.
93).
Outra autora a quem precisamos nos reportar é Cynthia Sarti. Numa pesquisa realizada
na periferia da cidade de São Paulo, a autora investiga a moral dos pobres. São interessantes
as conclusões a que a autora chega ao que diz respeito à moralidade dos pobres, segundo sua
pesquisa, designar-se pobre ou ser assim designado, parte de uma concepção que vai para
além da constatação de
ser destituído de riqueza, poder e prestígio, é uma condição social que se define pela
adesão a um digo moral distinto daquele que norteia a lógica de mercado,
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dominante na sociedade capitalista, criando outras referências positivas para quem é
visto como destituído, pelo prisma da sociedade mais ampla.
Os pobres, segundo Sarti, para se diferenciarem dos marginais, dos bandidos,
utilizam-se dos valores positivos do trabalho e da família e confirmam sua identidade de
pobre e trabalhador, criando um código de obrigações morais. A adesão a esse código
delimita seu grupo de referência como uma família. Dessa forma,
a percepção dos obstáculos
por eles enfrentados na sociedade capitalista reforça a retradução da ordem social por valores
não-capitalistas, na busca de afirmação de uma outra ordem moral na qual sua existência faça
sentido” (SARTI, 2003, p. 130-1). Não é a consangüinidade que estabelece os laços
familiares, mas uma rede de obrigações, na qual as relações de reciprocidade, de cooperação,
de confiança, enfim, de solidariedade, que vão definir a extensão da família. Assim, “são da
família aqueles com que se pode contar, isso quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dá,
aqueles, portanto, para com quem se tem obrigações” (Ibidem, p.85).
Cecília Cariola, na obra supracitada, investiga as respostas de grupos sociais ante à
crise do capitalismo. Os objetivos da pesquisa estão centrados no processo de reprodução
material e social dos setores populares de bairros pobres da Venezula. A autora utiliza-se do
conceito de estratégia de sobrevivência como instrumental analítico que permite captar esse
processo em todas as suas dimensões e complexidade:
Hemos recurrido a un enfoque integrador operacionalizado por medio
del concepto de estrategia de sobrevivencia que aborda la
reproducción biológica, material y social desde el plano doméstico en
forma articulada com o plano colectivo. Concepto que adquiere una
connotación social específica al estar aplicado a los sectores populares
urbanos, en tanto sectores subordinados en sociedades concretas como
las impone su pertenencia de clase. (Cariola, Apud Cariola, 1992, 23).
Entendemos, a princípio, que seja preciso diferenciar as estratégias de trabalho das
estratégias de sobrevivência para que assim possamos clarificar os dramas vividos por
aqueles com lutam pelo pão de cada dia. As estratégias de trabalho referem-se às atividades
às quais os trabalhadores recorrem, por iniciativa própria, como complemento de renda ao
trabalho assalariado ou como a única fonte de renda para a reprodução ampliada da vida.
Essas atividades, que comumente chamamos de “bicos” ou “biscates”, podem ser temporárias
como também, ao longo do tempo, se tornar estáveis. As estratégias de sobrevivência se
diferenciam das de trabalho, porque essas são
práticas sociais de mobilização de energias e recursos (lícitos e ilícitos) que
objetivam ganhos materiais ou imateriais, não monetários, necessários para
complementar os frutos do trabalho (propriamente dito), até então insuficiente para
garantir a reprodução ampliada da vida (TIRIBA, 2007).
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Assim, as estratégias de trabalho podem ser entendidas também como estratégias de
sobrevivência, mas o contrário não pode acontecer. Isso porque, nem toda estratégia de
sobrevivência é uma estratégia de trabalho. Por exemplo, vender algo no percurso do trajeto
do ônibus é tanto uma estratégia de trabalho como de sobrevivência, mas pular a roleta para
não pagar a passagem do ônibus pode ser considerada como estratégia de sobrevivência.
(TIRIBA, 2007). É sobre essas estratégias que nos debruçaremos neste capítulo. Para isso,
nada melhor do que a análise de algumas cenas cotidianas que evidenciem as estratégias de
trabalho e de sobrevivência.
Como foi dito, grosso modo, a escola, por si só, pode ser considerada uma
estratégia de sobrevivência, visto que os benefícios oriundos de programas estatais de
complementação de renda, como Bolsa Família, por exemplo, estão condicionadas à
matrícula e freqüência dos estudantes na escola. A escola também contribui para assegurar,
em parte, a questão da alimentação dos estudantes, pois para alguns, a merenda escolar é,
muitas vezes, a única refeição do dia. E, por fim, a possibilidade, ainda que remota, de
mobilidade social.
Quando nos pomos a observar o cotidiano da escola, vemos o quanto a
transparência/dureza da realidade nos ajuda a explicitar e dar materialidade os conceitos com
os quais fundamentamos teoricamente o processo de pesquisa. A teoria deve ser a lente que
orienta nosso olhar. No entanto, é da vida prática que precisamos inferir a teoria, porque como
nos diz Kosik (2002, p. 33), “toda teoria do conhecimento se apóia, implícita ou
explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada
concepção da realidade mesma”. Eis algumas “cenas do cotidiano”:
Cena 1:
Quarta-feira: Nesse dia não merenda nas escolas municipais. É
dia de reunião pedagógica e os alunos saem mais cedo. Geralmente, as
escolas fazem almoço para os funcionários e professores. Embora sabendo
disso, Solange (mãe de aluno) uma desculpa ao porteiro: “__Eu posso
beber água?” e sobe ao refeitório. Come e dá de comer aos três filhos...
Cena 2:
O portão abre às 12 h e 40 min para que os alunos, que quiserem,
possam almoçar. Elisa sobe com muitas crianças, pede um prato para cada
um. Ao “menorzinho” ela de comer levando a colher à sua boca. Mas,
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vez por outra, leva a colher à sua própria boca. O detalhe é que algumas
das crianças não são alunos da escola, inclusive esse a quem Elisa
alimenta/se alimenta...
Cena 3:
Fim do expediente. Na sala dos professores estão as sobras do
lanche servido à tarde. Flaviana, professora da escola, recolhe os pães,
perguntando se algum problema em levar aquelas sobras: “_ Afinal,
estão sobrando e em casa eu esquento e a gente come agora à noite e
toma café pela manhã...”
Cena 4:
Flaviana senta-se ao meu lado para almoçar. O almoço “não está lá
essas coisas”, eu reclamo, é macarrão com salsicha. E ela me diz assim: “_
Prá mim está ótimo! Já faz uma semana que lá em casa só tem angu...”
Cena 5:
Sete da noite. Na rua, vemos alunos do turno da manhã ainda de
uniforme. Chamamos atenção deles, pois no dia seguinte não poderão usar
a desculpa de que a blusa está suja, então eles confessam: “_ Prá andar de
ônibus sem pagar passagem, só de uniforme...”
Cena 6:
Na sala dos professores um sorteio para trabalhar no Programa
Férias Nota. Isso significa mais 50% no salário para trabalhar 15 dias no
período de recesso em julho ou nas férias janeiro. Cada um escreve seu
nome num papel e coloca numa caixa de papelão. São 19 professores para
10 vagas. Uma das professoras diz que “vai apelar”, ou seja, coloca seu
sobrenome “de Jesus”, para ver se consegue ser sorteada. Coincidência ou
não, é a primeira sorteada.
Oito nomes foram sorteados, Flaviana está cada vez mais
apreensiva. A coordenadora da colônia pede a ela que sorteie o próximo
papel. Seu rosto se ilumina e, de relance, olha dentro da caixa e pega um
papelzinho “bem dobrado”. Abre: é seu nome! Coincidência?...
Cena 7:
Rosana é professora com 2 matrículas no município. Entretanto, ela
é apenas mais uma de vários profissionais da escola, que aproveita o
horário do recreio ou do almoço para apresentar seus produtos. Ela mesma
confecciona as bijuterias que comercializa e, segundo ela, o dá para
abrir mão desse “dinheirinho”...
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Cena 8:
Delair, mãe de aluna da escola, chega, como sempre, muito afoita à
minha sala: “_ Cristina, você não quer ficar com esse perfume da Natura?
Você me paga depois, é porque a pessoa que encomendou desistiu e eu vou
ter que pagar o produto...”
Cena 9:
Bruno estuda na escola no turno da manhã. Mas, depois ele volta à
escola na hora do almoço dos professores e sobe até ao refeitório. Traz nas
mãos uma grande caixa de papelão na qual os deliciosos bolos que sua mãe
faz estão expostos para venda. Não fica satisfeito enquanto aquela caixa
não estiver vazia. Só então vai embora, com um sorriso no rosto...
Cena 10:
A escola mandou confeccionar carteirinhas escolares para todos os
alunos. Andréa, atenta a isso, compra capas de plástico e começa a
comercializá-las, passando depois a incumbência ao seu filho, aluno da
escola.
De todas as cenas apresentadas podemos afirmar que esses sujeitos da comunidade
escolar utilizam estratégia de trabalho e de sobrevivência. Se tivéssemos que classificar as
cenas descritas, poderíamos assim fazer da seguinte forma:
Cenas de estratégias de sobrevivência: Cenas 1, 2, 3, 4 e 5
Cenas de estratégias de trabalho: Cenas 6, 7, 8, 9 e 10
Por que podemos assim classificar? Porque as cenas que envolvem Solange (1), Elisa
(2) e Flaviana (3 e 4) são típicos exemplos de estratégias de sobrevivência que dizem respeito
à questão da alimentação. Nos exemplos descritos, a escola passa também a se configurar
numa estratégia de sobrevivência para as mães e para a própria professora. Solange e Elisa
“aproveitavam” a “abertura” da escola, que permitia que as mães transitassem pelo seu espaço
interno, para alimentarem seus filhos, que não eram nossos alunos, como também para se
alimentarem. Ambas estão desempregadas.
Flaviana (6) e Rosana (7), professoras concursadas, e, portanto, com o status de
trabalhador assalariado e sem a preocupação com o desemprego, pois são funcionárias
públicas, não deixam de utilizar-se de estratégias tanto de trabalho como de sobrevivência.
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Dessas observações o que a princípio podemos inferir é que como já desconfiávamos,
o simples fato de ter um emprego, ou seja, o status de trabalhador assalariado, não assegura
ao trabalhador que ele não precise lançar mão de subterfúgios e arranjos que lhes sirvam
como garantia de sobrevivência.
A sobrevivência do trabalhador parece depender da multiplicidade de
suas atividades, de sua atuação simultânea como “assalariado” e como
“independente”. Tudo leva a crer, então, que procedimentos e
atividades “informais” são indispensáveis à obtenção do “Rendimento
Mínino Necessário” à sua sobrevivência. (MALAGUTI, 2000, p.132)
4. 2. Quem são os trabalhadores participantes da pesquisa?
Música de trabalho
(Legião Urbana)
Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade
Mas o que tenho é só emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que têm mais do que precisam
...
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado à miséria
Mas isso eu não aceito...
Como nos referimos no capítulo 2, a escolha dos participantes da pesquisa obedeceu a
critérios que foram estabelecidos por nós e que foram possíveis devido ao nosso
envolvimento com esses trabalhadores. Os critérios foram pertencer à comunidade escolar
(professores, funcionários, estudantes e componentes de suas unidades domésticas); ser
trabalhador assalariado fixo ou temporário, trabalhador por conta própria ou desempregado;
utilizar-se de Estratégias de Trabalho como única fonte ou fonte complementar de renda e/ou
utilizar-se de Estratégias de Sobrevivência no espaço escolar ou fora dele. Para que
pudéssemos escolher os participantes da pesquisa, fizemos observações de “cenas cotidianas’
na escola. Essas cenas nos sugeriam o uso de estratégias de trabalho e/ou de sobrevivência
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pelos membros da comunidade escolar. As descrições de algumas dessas cenas nos ajudou a
escolher os participantes da pesquisa.
Elaboramos um roteiro de entrevista, com o qual tentamos trazer à tona as condições
de vida e de trabalho dos entrevistados, identificando as estratégias de trabalho e de
sobrevivência à necessária reprodução ampliada da vida. Tentamos também resgatar os
saberes sobre mundo do trabalho, as relações entre trabalho e educação e os significados da
escola para esses trabalhadores, representantes da comunidade escolar. Essas conversas
aconteceram em encontros individuais com professores, funcionários, estudantes e
responsáveis pelos estudantes. Nesses encontros, o roteiro serviu de guia para que não nos
perdêssemos em conversas infindáveis (adoro um “papo” e isso é muito perigoso quando se
tem em mente um objetivo). Contudo, em momento algum esse roteiro foi tomado como uma
camisa de força que impedisse os participantes de fazerem suas próprias intervenções,
digressões. Como também foi dito no capítulo 2, o fato de haver uma certa intimidade e até
mesmo uma empatia entre nós, pesquisadora e os participantes da pesquisa, permitiu que
esses encontros fossem momentos de emoção, de catarse, de quase confissão de fatos e
sentimentos muito íntimos. Para alguns, quiçá para todos, a oportunidade de falar de si
mesmo, de suas dificuldades e possibilidades, dos desafios e conquistas, transformou-se numa
verdadeira valorização da auto-estima. Não podemos esquecer que para muitos deles, a vida
se mostra tão perversa que se sentir valorizado é, no mínimo, reconfortante.
A metodologia utilizada nesta seção será, a princípio, a apresentação dos participantes
da pesquisa. Entendemos que esse reconhecimento de quem são os trabalhadores envolvidos,
pode nos dar pistas sobre alguns elementos teóricos. Além disso, não estamos lidando com
“coisas”, mas como seres humanos que sofrem, choram, riem, vivem... Portanto, respeitar
esses homens e mulheres em sua humanidade e em sua materialidade é fundamental para que
não percamos de vista a perspectiva da pesquisa social. Depois da apresentação, partiremos
para a análise das falas dos participantes da pesquisa, dividindo essa discussão em três
grandes blocos. O primeiro bloco diz respeito à caracterização do grupo, faixa etária,
escolaridade, situação de trabalho, variação da renda familiar, inserção em programas de
complementação de renda e utilização de estratégias de trabalho e de sobrevivência. O
segundo bloco se refere às condições materiais de vida do participante. O terceiro, e último,
bloco tem a ver com os saberes sobre mundo do trabalho, as relações entre trabalho e
educação e os significados da escola para esses trabalhadores.
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Pedimos a cada entrevistado que escolhesse um nome para usarmos na dissertação de
forma a garantir o anonimato. Entretanto, todos disseram que não havia necessidade e que
poderíamos usar seus nomes verdadeiros. Esse fato é bastante positivo, tanto pela
confirmação da cumplicidade entre nós e os participantes da pesquisa como pelo
compromisso que todos assumimos de pensar uma escola de qualidade socialmente
referendada, cujo horizonte seja a possibilidade de construção de um mundo melhor.
Ei-los:
Jackeline: “
Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida...
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
Começaremos com esta epígrafe porque a frase foi lembrada por Jackeline a respeito
de si mesma. Com 37 anos, tem 2 filhos na escola. No início de 2006 ela chegou à secretaria
pedindo vaga para seus filhos. Vinha de Itaguaí, sozinha, separada do companheiro, sem
conhecidos no bairro, quanto mais na cidade. Vinha com a “cara e a coragem” tanto para
enfrentar a vida como para pedir vaga
23
. O período de matrículas havia passado, mas a
escola adota um sistema próprio que é a anotação desses casos numa lista de espera, para a
possibilidade de surgir uma vaga em decorrência de transferência de aluno. Em fevereiro
foi possível atendê-la.
Depois desse episódio, voltei a ter um contato mais próximo com ela neste ano de
2007, por ocasião da Festa Junina, quando, então, pude observar, inferir e, finalmente ouvir
sobre sua vida e suas estratégias de trabalho e sobrevivência.
Como milhões de brasileiros, Jackeline está subempregada. É diarista, não tem carteira
assinada e, portanto, nenhum dos direitos trabalhista advindos desse vínculo. Com esses
trabalhos ela consegue tirar mais ou menos R$ 460,00, mas paga R$ 230,00 de aluguel e R$
50,00 de luz. Tudo mais que eles precisam alimentação, saúde, vestuário, transporte, lazer,
educação e cultura terão que estar dentro dos R$ 180,00 restantes. E, embora tenha feito
inscrição no Bolsa Família, ela não conseguiu, até agora, esse benefício.
23
Na rede municipal de Niterói existe um período de pré-matrícula estipulado pela portaria de matrícula
publicada em Diário Oficial ao final de cada ano. De acordo com o número de vagas disponíveis, a escola
seleciona os candidatos da pré-matrícula, segundo os critérios estabelecidos na portaria, e procede a matrícula.
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foi trocadora de ônibus e seu passe eletrônico ainda não foi cancelado. Por isso,
consegue se movimentar pela cidade sem pagar passagem.
Delair: “Mas é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre...”
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
Delair, 50 anos, com uma filha e uma neta na escola desde sua inauguração, ela
mesma se define como uma mãe “chata”. O que seria, no contexto de uma escola pública, ser
uma mãe chata? Simplesmente, Delair está sempre atenta ao que acontece com sua filha e
neta. Está sempre na escola, “briga” conosco quando acha que tem algo errado acontecendo.
Para nós, isso não é ser chata, é participar!
Delair também não tem um emprego fixo, vende Avon e Natura para ajudar seu
companheiro (que faz e vende vassouras) nas despesas da casa. Recebe R$ 65,00 do Bolsa
Família e consegue em torno de R$ 60,00 em suas vendas.
Não lembra em que série saiu da escola, lembra que repetiu” muitas vezes, pois
não conseguia aprender. Aprendeu a ler numa casa de família em que trabalhou, mas não sabe
escrever. Atribui muito valor à escola e conta com orgulho que todos os seus filhos estudaram
e que os mais velhos já se formaram no ensino médio.
Andréa: Atrevida como todas as Andréas...
Outra entrevistada é Andréa. Tem 38 anos e 4 filhos na escola e participava do
Programa Escola Aberta, aos sábados, como oficineira de bijouteria. Quando perguntada
sobre um outro nome para usar na dissertação, ela respondeu que não daria outro, que
poderíamos usar seu nome, primeiro porque ela gosta muito dele, segundo porque todas as
Andréas que ela conhece são atrevidas como ela...
Trabalhou com carteira assinada dos 16 aos 18 anos. Ou seja, está 20 anos vivendo
sem as garantias trabalhistas de um trabalho formal. 3 anos começou a fazer artesanato,
que aprendeu comprando revistas e tentando fazer em casa, no ensaio e erro. Estudou até a
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série quando estava com 16 anos e não ter continuado os estudos é uma grande tristeza em
sua vida...
Solange: “Mama África tem tanto o que fazer, além de cuidar neném, além de
fazer denguim. Mama África vai e vem, mas não se afasta de você”.
(Chico Cesar)
Solange, 32 anos, tem quatro filhos, três deles na escola. Pâmela, a filha mais velha,
com 9 anos, é uma criança com deficiência, ou seja, é surda e encefalopata, necessitando de
auxílio para caminhar. Na escola, Pâmela utiliza um andador, mas na rua isso não é possível.
Solange mora distante da escola e até o ano passado, antes de sua filha mais nova nascer, ela
vinha com Pâmela ao colo e os menores pela mão. Agora a situação se complicou, pois
Solange precisa se desdobrar entre a necessidade de colo do bebê, a dificuldade de marcha de
Pâmela e ainda com a segurança dos outros dois filhos.
Solange não tem trabalho fixo e compra e revende lingerie, por conta própria. Nunca
trabalhou com carteira assinada, e, há aproximadamente 7 anos, quando se separou do marido,
é que começou a ter que se preocupar com a sobrevivência sua e de seus filhos, pois não é
sempre que o ex marido paga a pensão das crianças. Por causa da deficiência da filha mais
velha, Solange recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC)
24
que é um benefício pago
pelo governo federal. Há 3 anos começou a trabalhar com revenda. Estudou até o 2º ano do
grau.
24
É um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo
mensal às pessoas com 65 anos ou mais de idade e às pessoas com deficiência incapacitante para a vida
independente e para o trabalho, onde em ambos os casos a renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário
mínimo. O BPC também encontra amparo legal na Lei 10.741, de de outubro de 2003 que institui o Estatuto
do Idoso. O Benefício é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) a quem
compete sua gestão, acompanhamento e avaliação e, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a sua
operacionalização. Os recursos para custeio do BPC provem do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).
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Conceição:
Conceição, tem 46 anos, sua única filha estuda na escola. É tradutora, sua formação é
de nível superior. Nunca teve um trabalho formal, mas sempre trabalhou para garantir a
reprodução ampliada da vida. Hoje, aulas de inglês e francês instrumental, principalmente
para estudantes que estão se preparando para concurso de mestrado e doutorado.
Eventualmente, faz tradução. Nasceu no Brasil, mas aos 9 anos foi morar em Portugal. Passou
a adolescência e juventude na Europa, principalmente Inglaterra e França, participando do
Movimento Humanista. Toda essa vivência a Conceição um perfil muito diferenciado das
demais mães de estudantes da escola e até mesmo em relação aos professores.
Em 2005, a rede municipal viveu uma greve dos profissionais em educação de quase
três meses. Conceição, seu companheiro, Antônio e outros pais, tanto da Paulo Freire quanto
de outras escolas da rede, tiveram uma participação ativa no movimento. A princípio, a
participação era de apoio, entretanto, com o passar dos meses, os pais começaram a achar que
a greve estava se alongando demais, não por culpa do governo, mas também por uma
intransigência dos profissionais em educação. Diante desse impasse, os pais se afastaram e
começaram a cobrar de ambos, governo e sindicato dos profissionais em educação (SEPE), o
direito dos seus filhos à educação, aos dias letivos, que resultou numa denúncia ao Ministério
Público. Isso provocou um posicionamento da prefeitura que resultou no final greve. Mesmo
depois da greve, Conceição continuou atuante no movimento, tendo participado das mesas de
negociação entre prefeitura e sindicato. Essa participação ativa de Conceição lhe rendeu a
admiração de muitos e o ódio de outros tantos. Por mais que ela dissesse que estava
defendendo o direito de sua filha e dos outros estudantes, para muitos professores, a sua
participação se tornou desagradável e indesejada na escola. Porém, ela não se afastou,
continuou como mãe representante do Conselho Escola Comunidade.
Lindomar: “E aos treze anos de idade eu sentia todo o peso do mundo em minhas
costas”
(Marvin - Titãs)
Lindomar trabalha na escola como auxiliar de serviços gerais, mas não é funcionário
da Fundação Municipal de Educação. Ele está vinculado à CLIN – Companhia de Limpeza de
Niterói. Seu cargo, na empresa, é de gari. É atuante dentro do sindicato e na empresa, fazendo
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parte, a 10 anos, da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CIPA. Aos 42 anos, está
cursando a 8ª série na Educação de Jovens e Adultos numa escola municipal de São Gonçalo.
Aos 7 anos de idade começou a vender doces na Leopoldina. Os funcionários do
DETRAN, que viram Lindomar crescer, vendendo doces ali, chamaram-no para trabalhar na
empresa. Ele sabia ler, aprendeu, como ele mesmo diz, “juntando letrinha”, foi então que
aos 12 anos procurou uma escola – exigência do trabalho. E também por exigência do
trabalho, tirou, ele mesmo, a sua certidão de nascimento. Parou de estudar na série, 1983,
aos 18 anos.
Na escola sua participação também é bastante ativa. Ainda em 2004, quando
estávamos começando a elaborar o projeto político pedagógico, e estabelecendo os temas
geradores para aquele ano, Lindomar participava dos grupos de discussão com desenvoltura e
argumentação que muito poucas vezes vemos nos profissionais de apoio dentro das escolas.
Esse fato sempre nos chamou atenção. Com o passar do tempo, e com a proximidade do
trabalho, fomos sabendo mais de sua vida. Lindomar tem uma barraca de miudezas no centro
do Alcântara, bairro de São Gonçalo, e também produz xarope caseiro para problemas
respiratórios. Esse xarope é usado por muitas pessoas na escola, inclusive por nós. Além do
salário, recebe um cartão de alimentação e vale transporte.
Flaviana: “Quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim...”
(Sueli Costa)
Flaviana, 27 anos, tem formação superior (formada em geografia pela UERJ – campus
São Gonçalo). Na escola é professora dosegmento do ensino fundamental. Filha de família
de classe popular, sempre precisou lançar mão de estratégias de trabalho e de sobrevivência
para enfrentar as dificuldades da vida. O valor que sua família atribuía à escola foi
incorporado por ela e, segundo seu relato, serviu de motor para todo seu empenho escolar.
Embora vivendo ou tendo vivido muitas dificuldades financeiras, seu bom humor e
sua esperança em dias melhores são admiráveis. Quando conta suas agruras, estas não tem um
tom lamentoso e sim, de superação. Esses seus relatos não são para que tenhamos pena dela,
mas nos soam como a manifestação de coragem e de com consegue ultrapassar os obstáculos
que se apresentam a sua frente.
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Para garantir a reprodução ampliada da vida, antes que tivesse os empregos públicos
que agora tem (Prefeitura de Niterói e Maricá), deu aula particular, fez crochê por
encomenda, levou criança para escola, fez fotografia e trabalhou num escritório de
contabilidade.
Quando passou no seu primeiro concurso (município de ), em decorrência das
dificuldades financeiras enfrentadas na época, Flaviana usava o antigo uniforme do curso
Normal para se locomover de ônibus para o trabalho, sem pagar a passagem.
Na escola, ela foi que mais chamou a nossa atenção pelo uso de estratégias de
sobrevivência. Como foi dito no início desse capítulo, muitos professores lançam mão de
estratégias de trabalho, como venda de cosméticos, lingerie, bijuterias etc. Mas, em relação às
estratégias de sobrevivência, a princípio seria normal que observássemos essas estratégias
entre as mães, alunos ou mesmo funcionários, pois devido à ilusão do status da profissão
docente, é mais difícil imaginar uma professora utilizando-se desse tipo de estratégias.
Entretanto, como já vimos isso é possível e não tão raro como nos parecia...
Bruno: “Todo dia antes do Sol sair, eu trabalhava sem me distrair”
(Marvin – Titãs)
Bruno é estudante da escola, tem 15 anos e está no ano de escolaridade, ou seja,
finalizando o ensino fundamental. Desde 2004, quando a escola foi inaugurada, Bruno nos
vende os bolos feitos por sua mãe. Em 2006, ele começou a trabalhar como menor aprendiz
no Supermercado Prezunic. Segundo ele, o trabalho o modificou muito, está mais
responsável, mais maduro.
Em sua família, ele, a mãe e o padrasto são responsáveis pelas despesas da casa. Seu
padrasto, além de um emprego, tem um estacionamento do terreno da casa da família, com o
qual compõe a renda familiar. Sua mãe, além de fazer os bolos que Bruno vende na escola,
tem uma faxina semanal.
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4.2.1. O que dizem os trabalhadores: caracterizando o grupo
Como foi dito no inicio desta seção, a nossa análise das falas dos trabalhadores será
dividida em blocos. Este é o bloco de caracterização do grupo, mas que também discutirá a
situação de trabalho, a variação de renda familiar, a questão do trabalho feminino, do trabalho
infantil. O quadro abaixo traz a caracterização do grupo identificando os trabalhadores, sua
faixa etária, escolaridade, sua situação trabalhista, sua atividade laborativa e o tempo nessa
atividade, sua variação de renda familiar, inserção ou não em programas de complementação
de renda e as estratégias de trabalho e de sobrevivência que esses trabalhadores lançam mão
para suprir ou complementar a renda familiar.
Caracterização do grupo
Nome Jackeline Andréa Delair Solange Conceição
Lindomar
Flaviana Bruno
Idade 37 38 50 32 46 42 27 15
Escolaridade 3ª série 5ª série Não sabe
2º ano do 2º
grau
Superior 8ª série Superior 8ª série
Trabalho fixo Não Não Não Não o Sim Sim Não
Trabalho Diarista Artesã
Vendedora
de Avon e
Natura
Vendedora
de Lingerie
Professora
(Aulas
particulares)
Gari/
serviços
gerais
Professora
de redes
municipais
Vendedor de
bolo caseiro
e menor
aprendiz
Tempo nessa
atividade
2 anos 3 anos 7 anos 3 anos Anos 17 anos 10 anos
3 anos
(venda)
1
ano (menor
aprendiz)
Beneficio
complementar
de renda?
Não Sim – BF Sim – BF Sim - BPC Não Não Não
Sim – BF
Renda familiar
Até R$ 500, Até R$ 500, Até R$ 500, Até R$ 500,
Acima de
R$ 500,
Acima de
R$ 500,
Acima de
R$ 500,
Acima de
R$ 500,
O grupo de trabalhadores que participou da pesquisa é bastante heterogêneo. Desde a
faixa etária que varia dos 15 aos 50 anos, até a escolarização que vai desde o
desconhecimento da própria escolaridade até o nível superior. Quanto à situação de trabalho,
temos trabalhadores assalariados e informais. Com garantias trabalhistas e precarizados. O
grupo pesquisado é composto por 8 trabalhadores. Dos 8, 6 são mulheres e 2 homens, sendo 5
mães, 1 funcionário, 1 professora e 1 estudante. Essa diversificação nos ajuda a inferir o
macro a partir do micro. Então, mãos à obra!
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“Lava roupa todo dia, que agonia”: trabalho feminino
O universo escolar é sempre majoritariamente feminino e, esse fato ou constatação, foi
que nos mobilizou a discutir a questão do trabalho feminino. Como já foi dito no capítulo 3, o
trabalho da mulher tem sido absorvido e subsumido pelo capital. É óbvio que a ampliação da
inserção da mulher no mundo produtivo é uma face do processo de emancipação parcial das
mulheres. Entretanto, como afirma Tiriba (2002, p.78), “embora o ingresso da mulher no
mundo do trabalho assalariado contribua para quebrar estereótipos e tornar ‘iguais’ os homens
e as mulheres, o fato é que a casa não representa a possibilidade de tornar-se um lar, ou
seja, um lócus para onde vão se dirigir as energias do amor”. A separação entre o trabalho e o
afeto, é uma questão relacionada ao trabalho feminino, pois, enquanto ao homem era atribuída
a “razão capitalista”, cabia à mulher que, cuidando da casa, “canalizava e potencializava as
afetividades daqueles que voltavam da rua, do trabalho e da escola. Com a saída da ‘rainha do
lar’ para o mercado de trabalho (e do subtrabalho), a subjetividade passa a viver em estado de
sítio” (ibidem, p.77). Para algumas mulheres, o argumento de não se afastar da prole serve
como justificativa para sua inserção no dito mercado informal. Tanto Delair, quanto Solange,
afirmam que trabalhar por conta própria, vendendo lingerie ou Avon e Natura é uma forma de
continuar dando atenção aos filhos.
A preocupação de Delair com a filha de 12 anos e sua neta de 6 anos, fez com que ela
deixasse o emprego porque a filha começou a chegar atrasada na escola.
Eu estava trabalhando na Aloés, mas pode perguntar a Ai e seu
Ferreira, Carolina estava chegando aqui 8h, 8h e 05min da manhã.
Sem necessidade! Eu dizia: “_ Carolina, saindo!” Eu ia pegar às
7h.
Mesmo dizendo que se ela tivesse um emprego ela poderia dar melhores condições de
vida à família, Delair, ao conseguir esse emprego, prefere se afastar a deixar sua filha e neta
sem a segurança e o controle familiar que garanta, dentre outras coisas, a freqüência à escola.
Solange nem pensa num emprego com carteira assinada, segundo ela, vender informalmente
seus produtos é melhor por vários motivos:
Eu não preciso deixar os meus filhos com os outros pra
fazer as minhas vendas. Deixo na escola, resolvo um
problema aqui, outro ali, pago as minhas contas, cobro a
quem tem que cobrar. Seu tivesse que trabalhar fora, eu ia
ficar muito tempo longe dos meus filhos, ia depender de
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alguém pra trazer eles pra escola. E mãe que trabalha o
dia inteiro, fica muito tempo sem ver os filhos.
No grupo pesquisado, das 6 mulheres, 3 são sozinhas para garantir a sobrevivência da
unidade doméstica, em outros termos, 50% das trabalhadoras, Jackeline, Andréa e Solange,
são responsáveis pela reprodução da vida. Das outras 3, Conceição tem uma participação
aproximada de 50% das despesas da unidade doméstica e Flaviana contribui com
aproximadamente 80% da renda familiar. Delair é quem não consegue estimar a sua
participação nos gastos familiares, segundo ela, o dinheiro é tão curto que não para saber
quanto cada um investe nas despesas, o que cada um recebe vai imediatamente para o
pagamento de contas ou para as compras.
Na verdade, o trabalho feminino está cada vez mais garantindo a sobrevivência das
unidades domésticas no Brasil. Na reportagem do jornal O Globo, de 29/09/07, a apresentação
da Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE) mostra mudanças no comportamento feminino em
casa: “as mulheres estão mais poderosas, principalmente no Nordeste. Mais educadas e
inseridas no mercado de trabalho, elas assumem a chefia da família, mesmo com marido em
casa”. O IBGE usou o termo “empoderamento” para classificar o fenômeno acima descrito.
Segundo a pesquisa, a mulher é considerada chefe da família em 29,2% dos domicílios. Isso
significa um aumento de 7,6% em relação à pesquisa feita em 1996, quando a situação da
mulher como chefe de família era de 21,6%. A pesquisa aponta também que mesmo em
domicílios em que vivem marido e mulher, em 20,7% desses lares as mulheres são apontadas
como chefes de família, ainda que não ganhem o salário mais alto. Se considerarmos que em
1996 esse percentual era de apenas 9,1%, veremos que houve um aumento de 11,6%, o que
significa que o índice de aumento foi da casa de 127% em relação a 1996. Na reportagem, a
socióloga Petilda Vasquez, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a mulher da
Universidade Federal da Bahia, afirma aquilo que já sinalizamos, ou seja, que o poder
feminino está crescendo à custa da sobrecarga de trabalho: “Ela é cobrada para ser
competente na administração da casa, na educação dos filhos e no trabalho remunerado. A
mulher é o suporte do mundo, agora precisa tomar posse”.
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"Tá relampiando, cadê neném?
Tá vendendo drops no sinal prá alguém": Trabalho infantil
Outro aspecto a ser destacado é a questão do trabalho infantil. Dentre os trabalhadores
pesquisados, mais da metade, ou seja, 5 trabalhadores, precisaram trabalhar ainda na infância.
No momento da pesquisa, Bruno é o exemplo concreto, pois vende bolo na escola desde os 13
anos. Entretanto, nas falas de Jackeline, Andréa, Delair e Lindomar podemos inferir que todos
foram impelidos ao trabalho infantil. A expressão “trabalho infantil” está diretamente ligada
ao trabalho explorado da criança no modo de produção capitalista, porque mesmo antes do
capitalismo a criança sempre trabalhou ajudando nas tarefas da casa, nas plantações que as
famílias mantinham para sua subsistência ou em outros afazeres que faziam parte de sua
própria formação. Nos dias de hoje é necessário que se faça distinção entre o trabalho de
criança, no qual meninos e meninas realizam pequenas tarefas domésticas e o trabalho
explorado: trabalho infantil. Como afirmam COSTA e CALVÃO (2002, p.136), “o
desemprego e o emprego informal de remuneração muito baixa desencadeia nos pais a
necessidade do trabalho realizado pelos filhos”.
O modo de produção capitalista está baseado no lucro e para obtê-lo o capitalista lança
mão de diversos estratagemas que garantam esse intento. A concorrência entre os
trabalhadores sempre foi um meio eficaz utilizado pela burguesia contra o proletariado. O uso
da mão-de-obra infantil é o exemplo mais perverso e cruel dessa concorrência, pois como as
crianças não podem legalmente estar trabalhando, elas não têm uma organização (sindicatos,
associações) que garantam seus direitos trabalhistas e salários dignos. A própria origem da
palavra infância: infante, aquele que não sabe falar, faz alusão a esta falta de força
reivindicatória que faz da criança mão-de-obra barata.
A burguesia contradiz a definição de infância cunhada por ela mesma quando utiliza o
trabalho infantil, pois segundo o seu conceito, a infância é tempo de brincadeiras, de estudo,
de receber atenções e de se preparar para a vida adulta. Mas não é isso que acontece para uma
grande parte da população de crianças e adolescentes que está exposta ao trabalho infantil. A
realidade que a criança exposta ao trabalho infantil deveria viver, é diferente daquela na qual
vive, ou melhor, sobrevive. O mundo das brincadeiras e do estudo, às vezes não passa de
discurso ideológico, que propõem paliativos, como o Bolsa Família, Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil PETI, por exemplo, que mas não tocam no cerne do problema: a
acumulação de riquezas de forma desmedida apregoada pelo capitalismo. É a dura realidade
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que a criança não deveria viver. Nesse mundo ela não tem escolhas. É pelo seu trabalho que
muitas vezes ela provê o seu sustento e o de sua família. Querendo ou não ela está inserida no
mundo do trabalho, no mercado informal, não lhe restando tempo para lazer e educação.
A educação escolar vai ficando cada dia mais distante de sua realidade e quando ela
consegue achar uma brecha e entrar nessa tão sonhada escola, muitas vezes esta não consegue
lidar com suas especificidades, com sua lógica capaz de fazer cálculos abstratos de cabeça,
mas que não resolve “as continhas” sem sentido da matemática escolar. E diante do fracasso
de seus filhos nessa escola burguesa, os pais optam por tirá-las dessa instituição que não as
ajuda e ainda atrapalha no aumento dos parcos rendimentos da família. Diante de tanto
miséria, melhor comer do que estudar.
No Nordeste, um grande número de crianças é obrigado a trabalhar desde muito cedo,
em atividades insalubres e perigosas como os canaviais, as lavouras, na indústria sisaleira, na
distribuição de jornais, nas pedreiras, nos lixões, comprometendo, muitas vezes
irremediavelmente, seu desenvolvimento físico, emocional e social. Cerca de 60% desses
pequenos trabalhadores são analfabetos, 41% não recebe remuneração e a taxa de evasão
escolar chega a 24%. O que não se pode perder de vista é que “o fato de crianças trabalharem
duramente em canaviais ou em plantações de babaçu, que lhes (e também à sua família) a
possibilidade de sobrevivência, expressa as relações que os homens estabelecerem entre si,
nesse momento da história”. (COSTA e CALVÃO, 2002, p.134-5)
Contrariamente ao que afirma o senso comum, a realidade de trabalho dessas crianças
não se deve a questões especificas de suas famílias, nem tão pouco por irresponsabilidade da
mesma, ou ainda por desafeto. O trabalho infantil é, na verdade, uma característica desse
sistema de exploração desmedida do homem pelo homem, mesmo que este homem seja ainda
tão pequeno. Quando salários diretos e indiretos estão muito aquém das necessidades do
trabalhador, pode-se afirmar que o mercado de trabalho, em vez de superar, reproduz a
pobreza. Se por meio do emprego a pobreza não é superada, desemprego ela se agrava
profundamente”. (COSTA e CALVÃO, 2002, p.136)
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“Mas não botava nem o pé na escola
Mamãe lembrava disso a toda hora”: Escolarização
A questão da escolaridade também é bastante relativa. O grupo está dividido em 5
trabalhadores com o ensino fundamental incompleto, 1 com ensino médio incompleto e 2 com
ensino superior. No grupo, dos 5 trabalhadores que não terminaram o ensino fundamental,
somente Lindomar tem trabalho fixo e garantias trabalhistas. Bruno está “dentro do prazo”
para terminar o fundamental e tem, pelo menos, um contrato de menor aprendiz
25
. Dizemos
isso porque para aqueles que tentam seu primeiro emprego, as exigências são inúmeras e, em
vista disso, cada vez mais a idade máxima em programas do governo é estendida na tentativa
de camuflar/atender as demandas da juventude. Por exemplo, a idade limite para ser atendido
pelos programas de atenção à juventude vem se ampliando ao longo do tempo. A Lei do
Aprendiz 10097 de 19/12/00, no seu art. 402 dizia que Considera-se menor para efeito
desta Consolidação o trabalhador de 14 a 18 anos”. Na publicação do Decreto 5598 de
01/12/05, que regulamenta a contratação de aprendizes, o art. diz que aprendiz é o maior
de 14 anos e menor de 24 anos que celebra contrato de aprendizagem, nos termos do artigo
428 da CLT”. Nessa mesma lógica o Projovem
26
também atende jovens sem a escolaridade
obrigatória (ensino fundamental) e sem profissionalizante, de 14 aos 24 anos.
Delair, que sequer sabe até que ano estudou, Jackeline e Andréa têm situações
semelhantes de trabalho, ou seja, não tem trabalho formal com as garantias trabalhistas.
Entretanto, Solange fez até o ano do ensino médio e se encontra na mesma situação do
grupo anterior, dispõe de um trabalho informal, vendendo lingerie, sem qualquer garantia.
Somente 2 trabalhadores têm nível superior. Entretanto, cada uma delas está numa situação
diferenciada de trabalho: Conceição trabalha por conta própria e Flaviana têm 2 trabalhos
fixos e com as garantias de concurso público. Entretanto, mesmo com as garantias do serviço
público, Flaviana lança mão de estratégias de trabalho e de sobrevivência. Se formos pensar
sobre a situação dos professores nos dias de hoje, poderemos dizer que, se houve um
momento em que esses professores gozaram de um certo status, considerando-se participantes
de uma “classe media”, hoje, devido à precariedade dos salários pagos aos funcionários
públicos, estes sentem a proletarização da profissão docente alcançá-los. Assim, ou se
25
Sobre a Lei do Aprendiz, ver Ozias, 2006.
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desdobram em diferentes escolas particulares e redes públicas de educação, ou ainda lançam
mão de estratégias de trabalho e de sobrevivência. Como nos diz Malaguti,
o desemprego, os baixos salários e a concentração de rendas deixaram de ser
fenômenos relevantes apenas para os operários ou para os trabalhadores menos
qualificados. Em poucos anos boa parte das chamadas classes médias juntou-se ao
rol dos marginais, dos desempregados, dos que m salários miseráveis ou dos que
simplesmente engordam a base da pirâmide de rendimentos. (2000, p. 42)
Em relação à variação da renda familiar X escolaridade, podemos verificar que os 4
trabalhadores com as maiores variações de renda, 2 têm nível superior (Conceição e Flaviana)
e 2 têm o ensino fundamental incompleto (Lindomar e Bruno). Embora o universo pesquisado
seja bastante restrito, essa constatação põe em xeque a afirmação da teoria do capital humano,
tese que deu o prêmio Nobel de economia a Theodoro Schultz no ano de 1978. Essa teoria ou
ideologia afirma que conforme o investimento em capital humano, os países serão
desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Os elaboradores dessa teoria criticavam os economistas
clássicos, por não haverem dado a devida importância ao fator “trabalho”. Partia-se do
pressuposto que se aumentasse a oferta e o nível de escolaridade, estaria garantido o
desenvolvimento econômico. “Isso seria conseguido mediante a educação, formação
profissional e saúde do trabalhador. A educação é equiparada, enquanto capital, à propriedade
privada dos meios de produção” (FRIGOTTO, 2004, p.278). Embora alguns autores
reconhecessem que outros fatores influenciavam a remuneração dos trabalhadores, como a
discriminação étnica, sexual ou de local de residência; mesmo nesses casos, a educação era
vista como solução, pois esses preconceitos seriam originados na falta de escolaridade e, a
generalização da educação resolveria também este problema.
O que se observa hoje é a disseminação do desemprego tanto entre os considerados
“qualificados”, com boa escolaridade, como entre os ditos “semi ou desqualificados”, ou seja,
sem escolaridade e/ou sem profissionalização. Dessa forma, estão sofrendo os efeitos do
desemprego estrutural tanto aqueles oriundos das camadas mais empobrecidas, com menor
escolaridade, quanto aqueles com maior escolaridade. Essa situação faz cair por terra a base
explicativa da teoria do capital humano, pois mesmo que fosse possível a todos os
trabalhadores se qualificarem como exige o mercado formal de trabalho, ainda assim não
haveria emprego para todos. Ainda em relação à ilusão da teoria do capital humano,
Wallerstein (2001, p. 108-9) chama atenção que embora não se possa negar de todo que haja
26
A E.M. Paulo Freire é um das escolas do município que está sediando o Projovem, desde 21/11/06. Entretanto,
a participação da escola é apenas na cessão do espaço físico. A coordenação administrativa e pedagógica do
programa é externa à escola.
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uma correlação entre os anos de educação e renda recebida, essa expansão da educação
também produziu um aumento de pré-requisitos educacionais para o emprego, a tão falada
qualificação. Essa exigência desleal recai sobre o trabalhador como se o desemprego fosse
culpa sua e não uma condição estrutural do sistema capitalista. Ou seja, mesmo que fosse
possível a todos os trabalhadores se qualificarem como exige o mercado formal de trabalho,
ainda assim não haveria emprego para todos.
“E sem o seu trabalho, o homem não tem honra
E sem a sua honra, se morre, se mata
Não dá prá ser feliz”: Situação de trabalho, suprimento e/ou complementação de renda
Como já foi possível observar, todos que participaram da entrevista pertencem à
classe-que-vive-do-trabalho, são trabalhadores, embora em situações diferenciadas. Quanto à
situação de trabalho, apenas 2 são trabalhadores fixos: Flaviana, professora das redes
municipais de Niterói e Maricá e Lindomar, funcionário da CLIN Companhia de Limpeza
de Niterói. Os demais podem ser classificados como trabalhadores informais ou por conta
própria. Bruno, embora esteja contratado pelo Prezunic, na condição de menor aprendiz, não
consideraremos como um contrato estável de trabalho.
Do universo de pesquisados, 50% recebe algum tipo de benefício de complementação
de renda, três recebem Bolsa Família e uma recebe o BPC Benefício de Prestação
Continuada. Um fato interessante, é que enquanto a família de Bruno que tem uma renda
acima de R$ 500,00 recebe o Bolsa Família, Jackeline, com uma renda familiar inferior a R$
500,00 não recebe benefício algum.
Diante dessa amostragem, pode parecer, a princípio, que o Programa Bolsa Família se
configure como uma estratégia de sobrevivência para as famílias da escola. No entanto, se
observarmos os índices de alunos beneficiados no trimestre de 2006 e 2007, veremos que
isso não corresponde a realidade. A E.M. Paulo Freire teve os seguintes índices no primeiro
trimestre letivo de 2006: do número total de alunos matriculados que era 1155, o número de
alunos beneficiados pelo programa Bolsa Família era de 153 alunos. Como podemos ver no
Quadro 1, o percentual de alunos atendidos pelo Bolsa Família foi de 13,25%. Em 2007, de
1134 alunos matriculados, 203 receberam o Bolsa Família. Isso significa um aumento de 33%
de alunos beneficiados pelo programa em um ano
e aproximadamente 18% de alunos da
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escola participando do programa. Levando em conta o universo de alunos matriculados na
escola, podemos afirmar que a grande maioria (em torno 80%) fica de fora dos benefícios do
programa. Embora a grande maioria não seja beneficiada, para algumas famílias, inclusive as
pesquisadas, o Bolsa Família pode ser considerado uma estratégia de sobrevivência.
E.M. PAULO FRIERE – QUANTIDADE DE ALUNO – 1º TRIMESTRE
Total no período em 2006 Total no período em 2007
Ano de
Escolaridade
1155 Alunos Matriculados 1134 Alunos Matriculados
JARDIM III 04 01
CA 10 ----
12 25
30 21
28 37
17 21
19 25
18 35
12 22
03 16
TOTAL 153 203
13,25% dos alunos da escola foram atendidos pelo PBF 17,95% dos alunos da escola foram atendidos pelo PBF
Quadro 1: Relação ano/série/quantidade de alunos atendidos em 2006 e 2007.
Quanto ao valor recebido, embora as unidades domésticas entrevistadas considerem o
benefício importantíssimo para elas, como se pode observar no Quadro 2, os valores o
irrisórios, pois para receber R$ 120,00 a unidade doméstica tem que estar numa situação de
extrema pobreza para qual esse valor certamente não resolverá seu problema.
Critério de Elegibilidade
Situação das Famílias
Renda Mensal per
capita
Ocorrência de crianças /
adolescentes 0-15 anos,
gestantes e nutrizes
Quantidade e Tipo de
Benefícios
Valores do Benefício
(R$)
1 Membro (1) Variável 18,00
2 Membros (2) Variável 36,00
Situação de Pobreza
De R$ 60,01 a
R$ 120,00
3 ou + Membros (3) Variável 54,00
Sem ocorrência Básico 58,00
1 Membro Básico + (1) Variável 76,00
2 Membros Básico + (2) Variável 94,00
Situação de Extrema
Pobreza
Até R$ 60,00
3 ou + Membros Básico + (3) Variável 112,00
Quadro 2: Critérios de elegibilidade e valores pagos pelo Programa Bolsa Família. Disponível no site do
Ministério de Desenvolvimento Social.
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“Com tanta riqueza por ai
onde é que está, cadê sua fração?”:
Está cada vez mais evidente que o capitalismo esgotou sua capacidade civilizatória.
Como nos diz Tiriba (2001, p. 24), “a lógica da sociedade de mercado, ao levar até as últimas
conseqüências a ganância do capital em detrimento da própria vida, já não permite que se fale
de ampliação exacerbada do ‘exército de reserva’, mas sim de um exército de excluídos”.
mais de 10 anos a Organização Internacional do Trabalho (OIT) anunciava a
existência de mais de 30% de desempregados e subempregados no planeta. Diante disso, não
podemos manter a ilusão de que o desemprego e o subemprego são fenômenos afeitos apenas
aos países do terceiro mundo ou como gostam de dizer, países em desenvolvimento. É claro
que países, como o Brasil, que não viveram um tempo de pleno emprego, de direitos
trabalhistas e sociais, ou seja, um Estado de Bem Estar Social, a intensificação da lógica
perversa do capital é sentida em toda sua magnitude.
Uma das dimensões da lógica perversa do capital é aquela vivida devido à duração
prolongada do desemprego. Impulsionado pela urgência da sobrevivência, o trabalhador
opta pelo trabalho por conta própria: buscando, “individual ou coletivamente as
alternativas para a satisfação dos meios de sobrevivência (Tiriba, 2001, p. 24). Vivemos num
mundo que impinge uma (des)ordem mundial calcada na divisão desigual das riquezas,
através da qual 75% da população do planeta só conseguem consumir 15% de produção,
enquanto os 25% restantes consomem 85% da produção mundial. Apesar do desenvolvimento
das forças produtivas e da inegável crescimento da capacidade tecnológica, nada disso foi
capaz de superar os imensos bolsões de pobreza espalhados por todo mundo. Isso porque não
faz parte da agenda neoliberal esse tipo de ação, a não ser para evitar que os pobres comecem
a trazer problemas para aqueles que vivem à margem dessa dura realidade. Embora não seja
novidade o fato de que os trabalhadores engendram estratégias econômicas para proteger-se
das injustiças sociais,
o que é novo, em relação ao paradigma do pleno emprego, é
exatamente o fenômeno generalizado que se estende, principalmente
nos países ‘em via de desenvolvimento’, como parte integrante do
contexto maior da nova ordem internacional em que o trabalho
assalariado vem perdendo sua centralidade nas relações entre capital e
trabalho. (Ibidem, p. 25)
Malaguti nos alerta afirmando que “ao lado desta situação de extrema precariedade
vive um outro país: o Brasil da opulência, cujo nível de vida compõe por contrate um
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retrato eloqüente das desigualdades sociais” (2000, p. 38). Pois o fato que não pode ser
desconsiderado é que a pobreza não é fruto da escassez de recursos, tendo em vista os índices
de desenvolvimento econômico, pois “durante 50 anos o Brasil cresceu mais do que qualquer
país do mundo, alcançou uma das taxas de crescimento mais altas, 7% ao ano a cada 10
anos o PIB dobrava. Mas o país fez isso acumulando miséria” (FURTADO, apud
FRIGOTTO, 1995, p. 93). O que se configura como um determinante dessa pobreza é,
exatamente, a desigualdade na distribuição de renda.
Malaguti (2000, p. 39) pergunta se a pouca divulgação de índices tão alarmantes
relacionados à concentração de rendimentos não seria um “certo receio das elites brasileiras,
uma espécie de consciência dos privilegiados”. E, ao mesmo tempo confirma, nos
revelando a profunda desigualdade que muitas vezes se oculta aos nossos olhos, afirmando
que essa ocultação é real, “pois uma larga divulgação dos níveis alarmantes da desigualdade
social brasileira seria passível de provocar ‘incômodas’ revoltas e ‘teimosas’ reivindicações
sociais”.
É terrível a constatação de que o Brasil é palco de uma perversa realidade, qual seja,
possui uma das mais injustas distribuições de riquezas do mundo. O Relatório sobre o
Desenvolvimento Humano da ONU (1996) assim fala sobre esse fato:
“A interrupção da trajetória de crescimento econômico, na década de
80, acarretou o aumento da desigualdade e da pobreza, acentuando a
tendência histórica à concentração de renda. Com isso, o Brasil
registrava, no início da década (de 90), um dos maiores índices de
desigualdade do mundo. Os 20% mais ricos da população detêm 65%
da renda total e os 50% mais pobres ficam com 12% (em 1960 essa
relação era de 54% para 18%). A renda média dos 10% mais ricos é
quase 30 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres, contra
10 vezes na Argentina, 5 vezes na França e na Alemanha, 4 vezes na
Holanda, 25 vezes no Peru e 13 na Costa Rica. A fração da renda
apropriada pelos 20% mais ricos cresceu 11 pontos entre 1960 e 1990,
enquanto a dos 50% mais pobres caiu 6 pontos e a das classes
intermediárias permaneceu quase sem alteração”. (apud, MALAGUTI,
2000, p. 39-40)
É desse Brasil que é tão rico e tão pobre ao mesmo tempo, que precisamos falar. É
sobre essa realidade pungente, sobre essas contradições que observamos e vivemos que
estamos discutindo e na próxima seção trataremos das condições de vida dos trabalhadores
participantes da pesquisa
.
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4.2.2. Como vivem os trabalhadores: as condições de vida
Comida
(Arnaldo Antunes/Marcelo Fromer/Sergio Britto)
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
Nesta seção traremos as condições de vida dos trabalhadores participantes da pesquisa.
No quadro abaixo, temos um mapeamento das respostas que, ao longo da seção serão
desdobradas e analisadas. Apresentaremos, em blocos, as condições de vida de cada um dos
trabalhadores, tendo em vista que as perguntas e respostas estão de tal forma imbricadas que
se tornaria repetitivo separá-las, pois voltaríamos a respostas já dadas.
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Nome Jackeline Andréa Delair Solange Conceição Lindomar Flaviana Bruno
Tem salário ou
renda fixa ?
Não Aluguel de
apartamento
no Rio
Não Não Não Sim Sim Sim
É suficiente? Não Não Não Não Sim Não Sim Não
O que faz p/
suprir ou
complementar?
Faz faxinas Produz
artesanato p/
vender; dá
aulas de
artesanato
Vende Avon e
Natura; Faz
faxinas
Vende
lingerie
Dá aulas
particulares
Tem uma
barraca de
miudezas e
faz xarope
caseiro
Quando há
necessidade
vende roupas
Vende bolo na
escola
Quantos se
responsabilizam
pela
sobrevivência?
Ela. O filho
mais velho,
eventual/, faz
bijuteria
Ela. Eventual/,
o marido
manda algum
dinheiro
Ela e o marido Ela.
Eventual/, o
ex marido
paga a
pensão
Ela e o marido Ele e a
esposa que
trabalha na
barraca do
casal.
Ela e o
marido
Ele, a mãe e o
padrasto
Casa própria? Não Sim Sim Não Sim Sim Não Sim
Aparelhos
domésticos
além dos
básicos*
DVD e Vídeo
Game
DVD DVD DVD DVD,
máquina de
lavar e
computador
DVD DVD,
máquina de
lavar e
computador
DVD,
máquina de
lavar e
computador
Quantos
moram na
casa?
3 5 6 5 3 4 4 5
Parentesco
entre elas
Mãe e 2 filhos Mãe e 4 filhos Mãe, marido
(pai da filha
mais nova), 2
filhas, 2 netos
Mãe e 4
filhos
Mãe, pai e 1
filha
Pai, mãe e 2
filhas
Pai, mãe e 2
filhos
Pai, mãe e 3
filhos
As crianças
participam da
divisão nas
tarefas
domésticas?
Como?
Sim. Arrumar
seu quarto,
cozinhar,
lavar a louça,
varrer o
quintal, juntar
o lixo
Sim. Arrumar
seu quarto,
lavar a louça.
Sim. Arrumar o
quarto.
Sim.
Arrumar seu
quarto, lavar
a louça
varrer o
quintal
Sim. Arrumar
seu quarto,
Sim.
Arrumar seu
quarto, lavar
a louça,
varrer o
quintal
Ainda são
pequenas. As
tarefas são
divididas
entre o casal
Sim. Arrumar
seu quarto,
lavar a louça
varrer o
quintal
Como se decide
como gastar a
renda familiar?
Em conjunto,
observando as
necessidades
Em conjunto,
observando as
necessidades
Não decide, o
gasto é
impulsionado
pela necessidade
Em
conjunto,
observando
as
necessidades
Em conjunto,
observando as
necessidades
Ele resolve,
observando
as
necessidades
Em conjunto,
observando as
necessidades
Responsável
pela
administração
da renda
A própria A própria Ela e o marido
vão
administrando
o que recebem à
medida que
recebem.
A própria Ela e o marido O próprio Ela e o
marido
O padrasto e
a mãe
Critérios de
compra Qualidade e
preço
Qualidade e
preço
Qualidade e
preço
Qualidade e
preço
Qualidade e
preço
Necessidade
real,
qualidade e
preço
Necessidade
real,
qualidade e
preço
qualidade e
preço
Participa de
redes de
solidariedade?
Sim Não Sim Não Sim Sim Sim Sim
* Estabelecemos como eletrodomésticos básicos os seguintes itens: geladeira, fogão, ventilador, aparelho de
som, televisão, ferro elétrico, além dos móveis: cama, mesa e cadeiras, guarda-roupas.
No grupo pesquisado, apenas 3 trabalhadores tem uma renda fixa com a qual podem
“contar” no final do mês. Os demais, como trabalham por conta própria, dependerão dos
resultados obtidos com seus trabalhos ao longo do mês. Andréa tem uma renda fixa de R$
Texto alterado em 15/10/07
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400,00 proveniente do aluguel de um apartamento que ela possui na cidade do Rio de Janeiro.
Com esse valor ela paga o aluguel em Niterói que é de R$ 180,00. Os R$ 220,00 mais os R$
95,00 de Bolsa Família, ou seja, R$ 315,00, é o valor que tem para sobreviver durante o mês.
Seu marido está em Manaus e eventualmente manda algum dinheiro. Assim, sendo a única
responsável pela sobrevivência da unidade doméstica, para complementar a sua renda, ela
lança mão de estratégias de trabalho, tais como aulas de artesanato, ornamentação de bolas
numa casa de festa (aos domingos), venda de artesanato confeccionado por ela e artifícios, a
partir da observação de demandas, como o descrito nas cenas do cotidiano (vender capas
plásticas para a caderneta escolar), ou fazer toalhinhas para os alunos da educação infantil,
fazer roupas iguais às usadas pelo grupo Rebeldes que foi uma “febre” em 2006. Em sua casa
vivem ela e seus 4 filhos. Estes participam das tarefas domésticas. Sua casa, segundo ela tem
o conforto possível, incluindo aparelhos que poderiam ser classificados como supérfluos,
como no caso do DVD. Os gastos extras são decididos em conjunto levando em conta a
necessidade e a possibilidade de provê-la.
*****************************************
Jackeline está desempregada 2 anos, mas teve emprego formal. Trabalhou como
balconista, vendedora, com gerenciamento de risco (rastreamento de veículos via satélite)
para uma firma terceirizada pelas Casas Bahia. Por último, foi trocadora de ônibus. Inclusive
seu cartão magnético ainda não foi cancelado e, por isso, consegue andar de ônibus sem pagar
passagem. Hoje faz faxina para garantir a sobrevivência e, como todo trabalho por conta
própria, se não trabalhar não ganha. Porém o pagamento do aluguel de R$ 230,00 independe
desse fator: tem que ser pago de qualquer modo. Embora ela saiba fazer doces, bolos,
salgados isso não está sendo possível, pois não consegue juntar uma quantia para comprar o
material necessário. Se tudo dá certo durante o mês, ou seja, consegue realizar todas as
faxinas previstas, não aparece nenhum contratempo como, doença sua ou de seus filhos, que a
impeça de trabalhar ou que precise comprar remédios, por exemplo, ela obtém R$ 460,00.
Dessa forma, “sobram” R$ 230,00 para alimentação, energia elétrica (em torno de R$ 50,00),
água, vestuário, gastos eventuais etc. Uma estratégia de sobrevivência é trazer para casa,
aquilo que sobra da refeição das casas que faz faxina. Ou então, numa das casas em que a
patroa deixa queijo para o café da manhã e bife para o almoço, ela guarda o queijo e a carne e
leva para os filhos...
Texto alterado em 15/10/07
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Seu filho mais velho, de 11 anos, sabe fazer bijuterias e, eventualmente, quando
consegue dinheiro para comprar material, a quantia conseguida com a venda das peças é
também usada em casa.
“Muitas, muitas das vezes, Iago chegou em casa com o
dinheiro, quando a gente não tinha dinheiro nenhum. Eu cheguei em
casa pensando que não ia ter óleo pra cozinhar, que não ia ter
manteiga, não ia ter nada e tava tudo lá, porque ele comprou com o
dinheirinho dele”.
Não é preciso dizer que manter 3 pessoas com menos de R$ 80,00 por s, tem que
ser santo milagreiro ou malabarista... Em sua casa vivem com ela seus 2 filhos, que colaboram
com as tarefas domésticas. Iago, de 11 anos, faz comida, segundo Jackeline ele é seu
cozinheiro chefe. Além disso, ele arruma a casa, varre o quintal. Iuri, de 10 anos, enche as
garrafas da geladeira, lava o banheiro, lava e guarda a louça. Quando chegou em Niterói,
Jackeline tinha um fogão, um aparelho de TV que era dos filhos e uma batedeira de bolo
que é seu instrumento de trabalho.
“Quando eu vim pra cá, quando eu me separei dois anos,
eu vim com um fogão e um ‘bujão’, e as roupas. A gente chegou aqui
sem nada, dormindo no chão. Sem geladeira, sem sofá. Eu trouxe a
televisão porque era das crianças. Hoje, os dois têm cama, eu durmo
no chão, mas pra mim não é problema. Eu consegui um guarda
roupa. Consegui uma mesa. Tudo doado. Tudo que alguém não queria
eu levava pra casa. A geladeira também eu ganhei. Panelas, eu
também ganhei panelas. Tudo que eu tenho em casa é um pouquinho
de alguém que deu”.
Embora Jackeline seja responsável pela administração da renda, os gastos são
decididos em conjunto, até as compras de casa são feitas em acordo com os filhos, segundo
Jackeline, porque como o dinheiro é muito “curto” eles ajudam a decidir o que comprar
“Eu sempre chamo eles pra irem ao mercado comigo. E cada
um cede um pouco de alguma coisa, em prol de algo que eles
queiram. Eu tento fazer com que a gente discuta, em família, as coisas
para chegar a um acordo, pra que não tenha reclamação depois: _
Ah! A gente não comprou batata porque vocês queriam comer
cenoura, não dava pra comprar os dois e a gente escolheu e optou
pela cenoura”.
Delair sobrevive revendendo Avon e Natura, ela nos disse que ganhava 30% de
comissão, mas quando fomos comparar o que ela dizia receber em relação ao que vendia,
descobrimos que sua porcentagem era na verdade de 20%. Ela ficou em dúvida, e no dia
seguinte trouxe a anotação feita pela promotora para que víssemos. Realmente era de 20%. O
Texto alterado em 15/10/07
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fato é que ela não sabe fazer o cálculo e este vem feito pela promotora. Percebemos que
essa constatação de que, de certa forma, estava sendo enganada, pois acreditava receber 30%,
mexeu com ela e nos aproximou mais.
Ela tem o benefício do Bolsa Família no valor de R$ 65,00 e suas vendas lhe rendem
em torno de R$ 40,00 a 60,00. Seu companheiro produz e vende vassouras, mas ela não
consegue saber qual é a renda mensal da família, quando o “calo” aperta, para complementar
o que já é escasso, faz “bicos”, faxinas, passa roupa, pede ajuda aos amigos, às cunhadas.
Na casa vivem: ela, seu companheiro, que é pai de sua filha Carolina, de 12 anos e sua
filha Gisele com seus 2 filhos. Não pagar aluguel já é um grande alívio e a ajuda das cunhadas
é bastante significativa para o conforto da casa, pois a geladeira, a televisão, o DVD foram
dados por elas.
Apenas ela e seu companheiro se responsabilizam pelas despesas da casa e quando
perguntamos como resolviam como realizar os gastos ela respondeu: Eu não resolvo não, eu
gasto! Cada um, quando recebe alguma coisa compra o que está faltando ou paga a conta que
está vencendo. Sua filha Gisele, de 25 anos, não tem um trabalho formal, mas também não
tem um trabalho informal como a mãe, nem faz nenhum “bico” para garantir a sobrevivência
de seus filhos. Como os pais de seus filhos não ajudam em nada, a sobrevivência das crianças
fica por conta de Delair e seu companheiro.
*********************************************
Solange nunca trabalhou empregada e só a 3 anos que começou a trabalhar com
vendas. Ela afirma que quando não consegue vender o suficiente, tudo se complica. As contas
ficam sem pagar e no outro mês é uma correria danada para acertar a situação. Mas como ela
tem o BPC Benefício de Prestação Continuada, cujo valor é de um salário mínimo, essa
“renda fixa” é que lhe dá uma margem de “segurança” para as despesas do mês. Suas vendas
é que complementam a renda familiar. raramente é que o ex marido paga pensão às
crianças, portanto, não para contar com isso. Todas as despesas são pagas por ela. A renda
não é suficiente, mas apertando aqui e ali, vai se vivendo. Sua casa é alugada e ela considera
que tem um conforto relativo, inclusive um DVD. Mas tudo que ela tem foi comprado, não
tem nada doado. As tarefas da casa são dividias na medida do possível, pois seus filhos são
pequenos e a mais velha, que tem 9 anos, tem uma deficiência motora, além da auditiva, que
impedem a sua ajuda nas tarefas da casa. O segundo filho com 6 anos é que varre o quintal.
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Conceição tem como sua principal atividade as aulas de inglês e francês instrumental,
eventualmente faz tradução. Ela também participa, na escola, do Programa Escola Aberta,
como coordenadora comunitária, recebendo por isso uma quantia equivalente a R$ 270,00. As
despesas da casa são divididas com seu marido que é técnico em conserto de máquina de lavar
e também trabalha por conta própria. Em sua casa que é própria, agora moram ela, seu marido
e sua filha. Dizemos agora, porque até a data da conversa seu pai ainda era vivo e também
vivia com ela e em decorrência disso, Conceição tinha uma pessoa que lhe ajudava em casa,
tomando conta de seu pai enquanto ela e o marido saiam para trabalhar. Naquele período, a
pensão do pai dela também compunha a renda familiar. Conceição considera que tem um
conforto relativo tendo, inclusive, DVD e computador. Contudo, segundo ela, muitos dos
móveis e eletrodomésticos que tem em casa foram fruto de doações ao mesmo de troca entre
amigos. As tarefas são divididas entre os três, mas, como foi dito, ela tem uma pessoa que
trabalha em sua casa e somente à noite e aos fins de semana é que eles assumem as tarefas da
casa. Os gastos são combinados e a administração da renda familiar fica a cargo do casal.
Lindomar Já trabalhou em empresa de ônibus, no DETRAN, em prédio, em empresas
terceirizadas de limpeza em supermercados como Casas Sendas, Carrefour. Hoje trabalha na
escola, com vínculo empregatício com a CLIN Companhia de Limpeza de Niterói. Tem
renda fixa advinda do salário e de outros benefícios trabalhistas tais como cartão de
alimentação, cartão RioCard para passagem, 40% de insalubridade e plano de saúde.
Entretanto, como o salário não é suficiente, ele montou uma barraca de miudezas no centro de
Alcântara, bairro de São Gonçalo, que sua esposa toma conta junto com um rapaz
(empregado). Além disso, produz um xarope caseiro para problemas respiratórios que também
lhe rende uns trocados. Ele considera que a empresa garanta as condições de segurança no
trabalho. Ele está na Comissão Interna de Prevenção de Acidente CIPA e esteve no
sindicato. Como ele mesmo diz, sua participação nesses espaços não se o apenas por conta
da estabilidade trabalhista, mas pelo seu desejo legítimo de ajudar aos colegas trabalhadores.
Assim, sua participação não é apenas formal, burocrática, mas realmente atuante.
Sua casa é própria e nela vivem Lindomar, sua esposa e suas 2 filhas. Eles têm um
conforto relativo, incluindo aparelho de DVD. A administração da renda é feita por ele
mesmo, porque, segundo ele, sua esposa não tem o mesmo controle que ele tem e as contas
não podem ficar sem pagar. Na hora das despesas extras, todos dão sua opinião, mas o gasto
só será feito mediante a necessidade e a possibilidade de fazê-lo.
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Flaviana também tem renda fixa, que é funcionária pública em duas redes
municipais de educação. Ela e o marido se responsabilizam pela sobrevivência da unidade
doméstica. Hoje ela considera que sua renda é suficiente. Mas, num passado muito recente,
precisou lançar mão de estratégias de trabalho e de sobrevivência como as descritas nas
“cenas do cotidiano”. Até o ano passado seu marido estava desempregado e ela tinha uma
matrícula em Niterói. Por causa disso, suas condições de vida estavam comprometidas. Em
anos anteriores, para ir ao trabalho, ela pegava um ônibus muito mais distante de sua casa,
porque a passagem era R$ 0,50 mais barata e com isso ela economizava R$ 1,00 por dia, “e já
dava para comprar o pão”. Quando diz que sua renda é suficiente, ela faz uma ressalva
dizendo que se tivesse uma estrutura casa própria, móveis, etc. eles viveriam tranqüilos
com o que ganham. A dificuldade está, justamente, em suprir o que falta de estrutura e viver o
dia-a-dia.
Não tem casa própria, mas conseguiu comprar um terreno em Itaboraí, no qual
pretende construir sua casa. Seus móveis foram comprados por ela ou trazidos da casa da mãe,
como a sua cama de solteiro onde seu filho mais velho dorme, e um berço que foi comprado
por sua mãe para seu filho mais velho e que hoje abriga sua filha menor. Não tem guarda-
roupa, cada um tem uma sapateira (armação de madeira com prateleira e revestido com napa)
na qual são guardadas as roupas. A casa tem 1 quarto, então ela fez da sala o seu quarto,
para que não precisasse dividir o quarto com os filhos... Flaviana embora alegue falta de
estrutura, tem relativo conforto, incluindo DVD, máquina de lavar, processador de alimentos.
As tarefas domésticas são divididas entre ela e o marido e as crianças, embora pequenas,
são responsáveis pela organização de suas próprias coisas.
Quanto às despesas e gastos extras, estes são decididos pelo casal, como também a
administração da renda familiar. Segundo ela as despesas extras são feitas “considerando as
contas e o poder de compras de cada um”.
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Bruno recebe no Prezunic o valor líquido de R$ 180,00. Suas vendas de bolo rendem
em torno de R$ 300,00. Desse dinheiro uma pequena parte fica para ele e o restante compõe a
renda familiar. Ele, sua mãe, fazendo os bolos e uma faxina por semana e seu padrasto, que
tem um emprego com uma advogada e um estacionamento no quintal da casa, são
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responsáveis pela sobrevivência da unidade doméstica. Entretanto, Bruno não sabe qual é o
montante da renda familiar.
A casa da família é própria e nela moram ele mesmo, sua mãe, seu irmão, sua irmã e
seu padrasto. Ele considera que vivem num conforto relativo. Eles têm DVD e computador.
As tarefas da casa são divididas com os filhos e ele mesmo quando chega do trabalho, sua
tarefa é lavar a louça do jantar.
**************************************
Praticamente todos os trabalhadores envolvidos na pesquisa, afirmaram que na hora da
compra não descartam o binômio preço X qualidade. Lindomar afirma que ultimamente
tem levado em conta apenas o preço. Jackeline deu um exemplo bastante interessante, dizendo
que depende do material que seja, pois margarina ela compra Qually porque todos comem
e o sabor é importante, mas de café, por exemplo, ela compra o mais barato porque os
filhos só tomam café no leite e ela não faz questão do sabor...
Conceição vai além e diz que não admite as pressões de consumismo da mídia e que a
marca nunca é levada em conta, apenas a qualidade e preço. Isso incluindo vestuário,
calçados, eletrodoméstico, material de limpeza e alimentação.
A maioria do grupo quando perguntado sobre o que são necessidades básicas, num
primeiro momento afirma que seja a alimentação. Mas quando indagamos um pouco mais,
questionando sobre o que todos deveriam ter direito, aí sim, começam a surgir novas respostas
tais como, moradia, lazer, direito de escolha...
DORA CESTA BÁSICA
Um fato interessante, em relação ao lazer, foi a presença, sem exceção, do aparelho de
DVD em todas as casas. Todos os participantes da pesquisa alegaram que um das formas de
divertimento é assistir filmes no DVD.
No grupo de trabalhadores, apenas 2, Andréa e Solange afirmam não participar de
nenhuma rede de solidariedade para auxiliá-las na garantia da sobrevivência ou mesmo da
qualidade de vida. Alguns dizem participar mais como doadores do que como recebedores
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como Lindomar e Bruno. Lindomar chega a afirmar que sua família está sempre ajudando aos
outros parentes e vizinhos, mas quando precisa, nem sempre tem retorno.
Jackeline e Delair afirmam que contam mais com amigos do que com os próprios
parentes. Sarti (2003. p. 85), ao analisar a moral dos pobres em relação às questões de
parentesco, afirma que “a família, para os pobres, associa-se àqueles em quem se pode
confiar. Sua delimitação não se vincula à pertinência grupo genealógico”. Dentro dessa lógica
“o que define a extensão da família entre os pobres é a rede de obrigações que se estabelece.
(...) A noção de obrigação torna-se central à idéia de parentesco, sobrepondo-se aos laços de
sangue”. Portanto, “não há relações com parentes de sangue, se com eles não foi possível dar,
receber e retribuir”.
4.2.3. O que dizem os trabalhadores sobre trabalho e educação
Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir de mais
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz,
Não é muito o que lhe peço
Quero trabalho honesto, em vez de escravidão
Deve haver algum lugar onde o mais forte
Não consegue escravizar quem não tem chance
De onde vem a indiferença temperada a ferro e fogo?...
(Fábrica – Legião Urbana)
Nesta seção traremos a discussão acerca dos saberes sobre o mundo do trabalho, as
concepções sobre trabalho e educação. A princípio, é preciso que se diga que o primeiro
obstáculo foi a indiferenciação entre trabalho e emprego. Ou seja, o trabalho em sua dimensão
ontológica, como protoforma do ser social, por meio do qual o homem se fez e se faz homem
é desconhecida ou esquecida para dar lugar apenas a versão estranhada e explorada, como a
vivida no capitalismo, travestido em emprego. Assim, quando perguntamos, por exemplo, a
Andréa “o que é trabalho?”, ela nos disse que não sabia responder porque não tinham
experiência. Em outras palavras, ela não se sente em condições de conceituar trabalho,
porque entende que seja a mesma coisa que emprego e como ela teve emprego por 2 anos
há mais de 20 anos atrás, como poderia conceituá-lo?
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Essa indiferenciação foi responsável também por respostas como as de Delair:
“Trabalho é tudo! Eu fico desesperada quando estou sem
dinheiro... não pode faltar nada dentro de casa. O que eu passei, eu
nunca deixei meus filhos passar.”
“Ninguém gosta de trabalhar. Eu preferia estar empregada, eu
podia dar mais conforto à minha família...”
Bruno, a princípio, diz que está gostando muito de seu trabalho, que ele mudou muito
depois que começou a trabalhar. Diz que no trabalho ele desenvolveu a maturidade,
responsabilidade. Porém, um pouco mais adiante, ele começa a levantar outras questões que
valem a pena destacar, dizendo que ele começou a olhar de uma outra forma a vida:
“Antigamente eu olhava a vida que era um mar de flores. Não. Tem
que ver também, por exemplo, no meu trabalho, via muita gente
sofrendo na boca do caixa, trabalhando, 12 horas por dia, folga
em cada 15 dias, e eu ficava assim, horrorizado. , pensei assim:
Não! Eu tenho que me esforçar no estudo porque eu não quero viver
essa vida, que essa vida não é pra ninguém praticamente, e eu não
quero! Se eu posso mudar agora pra que que eu vou deixar sentir na
pele, para poder mudar depois? que eu comecei a tomar a
iniciativa de estudar mais...”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mas afinal, o que a escola pública tem a ver com isso?
“...Agora, o senhor chega e pergunta: ‘Ciço, o que é educação?’ [...]
Educação... quando o senhor chega e diz ‘educação’, vem do seu mundo, o
mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum lugar, de outro mundo. [...]
Comparação, no seu essa palavra vem junto com o quê? Com escola, não vem? [...]
Tem uma educação que vira o destino do homem, não vira? [...] Era de um
tamanho e sai de do outro. [...]
Agora, eu quero lembrar da minha: enxada’. Se eu quero lembrar:
‘trabalho’. [...]
A educação que chega pro senhor é a sua, da sua gente, é pros usos do seu
mundo. Agora, a minha educação é a sua. [...]
Então, ‘educação’. É por isso que eu lhe digo que a sua é a sua e a minha é
a sua. Só que a sua lhe fez. E a minha? [...]
Se bem que a gente fica pensando: ‘o que é que a escola ensina, Meu
Deus?’ Sabe? Tem vez que eu penso que pros pobres a escola ensina o mundo como
ele não é. [...]
Agora, o senhor chega e diz: Ciço, e uma educação dum outro jeito? Um
saber pro povo do mundo como ele é?’ Esse eu queria ver explicado. [...]
Agora, o senhor chega e diz que apodia ser diferente, não é assim? [...]
Dum jeito que pudesse juntar o saberzinho da gente, que é pouco, mas não é, eu lhe
garanto, e ensinar o nome das coisas que é preciso pronunciar para mudar os
poderes. Então era bom. Então era. O povo vinha. Vinha mesmo e havia de
aprender. E esse, quem sabe? É o saber que faltando pro povo saber?” (Antônio
Cícero de Souza)
27
O texto acima é um fragmento do Prefácio e Posfácio do conhecido livro “A Questão
da Educação Popular” de Brandão e Bezerra. Entendemos ser pertinente usar essa epígrafe,
pois se trata de uma entrevista feita com um trabalhador rural que fala com muito
discernimento sobre a dicotomia entre a educação dos “doutores” e aquela do “povo”, embora
não tenha freqüentado a escola no “tempo esperado”.
Ao ser entrevistado pelo pesquisador (entendido como trabalhador intelectual), o
lavrador (ou seja, trabalhador manual) traz à tona a dicotomia secular na educação brasileira:
uma educação mínima para os trabalhadores e outra educação para os grupos dominantes, ou
27
BRANDÃO, C. R. e BEZERRA, A. “A Questão da Educação Popular”. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1980.
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seja, para aqueles que detêm o poder econômico na sociedade. A contradição capital/trabalho
está estampada na fala do Ciço que, com muita propriedade, distingue entre educação do povo
e educação das elites, entre educação pelo trabalho e educação na escola.
Saviani alerta-nos que a questão educacional e o papel da escola também foram
marcados pela contradição entre classes: escola básica e escola de elite; habilitação
profissional e formação intelectual. Essas contradições estão presentes desde as origens da
sociedade capitalista acesso ao saber como direito universal, porém a instituição escolar
vista como tempo roubado à produção
28
, embora a dualidade da educação seja anterior ao
capitalismo. Era preciso uma instrução mínima, mas ultrapassando-se esse mínimo entra-se
em contradição com a ordem capitalista, pois o saber é força produtiva e, como tal, numa
sociedade de classes dividida entre proprietários e não proprietários, o conhecimento é
propriedade privada da burguesia.
“O trabalhador não pode ter meio de produção, nem deter o
saber, mas, sem ele, também não pode produzir, porque para
transformar a matéria prima precisa dominar algum tipo de saber. Sim,
é preciso, mas em ‘doses homeopáticas’, apenas o indispensável para
poder operar a produção” (Saviani: 1994, p. 163).
Quando o pesquisador pergunta sobre educação ele está falando de escola. Entretanto,
Ciço não foi à escola. Ele se formou como a maioria dos trabalhadores brasileiros no e pelo
trabalho. A relação intrínseca trabalho-educação está imbricada no processo de trabalho e
Ciço descreve, a sua maneira, o trabalho como instância educativa. Foi o e no trabalho que ele
se formou. É nessa perspectiva que Gramsci (1982) elegeu o trabalho como princípio
educativo na escola unitária.
Outra questão importante é sua percepção quanto ao caráter burguês da
educação/escola. Ele ressalta o descompasso entre a escola, a vida e o mundo do trabalho.
Além disso, quando diz que a escola ensina aos pobres o mundo como ele não é, Ciço
questiona a formação escolar que acaba não favorecendo a formação humana do trabalhador,
percebendo, inclusive, a ideologia que perpassa o currículo.
Entretanto, embora faça tantas críticas, Ciço acredita na ascensão social através da
escola, acredita que a educação possa virar o destino do homem: “Tem uma educação que
vira o destino do homem, não vira? Era de um tamanho e sai de do outro”. E quando
28
Engels, no livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, descreve, com riqueza de detalhes, os
obstáculos que as crianças trabalhadoras enfrentavam para freqüentar as escolas.
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perguntado sobre uma outra educação, isso o mobiliza, faz com que ele imagine e queira ver
concretizada uma outra possibilidade de educação.
Mesmo quando parece relegar os saberes da prática a um segundo plano (muito mais
pelo que diz o senso comum do que por sua própria convicção), ele reafirma os saberes
construídos no trabalho e garante que eles não são poucos. Entretanto, reconhece que faltam
“coisas”, faltam “saberes”. Não foi por acaso que a cultura popular foi se delineando como a
cultura subalterna e desvalorizada, contrapondo-se à cultura erudita das elites. Esse contraste
entre popular e erudito começou a se delinear a partir do século XVIII, quando as
especializações se firmaram e as elites se retiraram da cultura popular, constituindo pequenos
detalhes de distinção de classe, como regras de etiqueta, por exemplo. Assim, perguntado
sobre como deveria ser a educação/escola para o povo, ele responde que ela devia “ensinar o
nome das coisas que é preciso pronunciar para mudar os poderes”. Que coisas” seriam
essas capazes de “mudar os poderes”?
Na verdade, numa sociedade de classes, não existe uma única educação que vise
formar a todos indistintamente, pelo contrário, a educação é dual como a sociedade. Assim,
como nos diz Gramsci, temos uma educação para as classes dirigentes e a uma educação para
as classes dirigidas, ou seja, os filhos dos trabalhadores.
No Brasil, somente a partir da década de 30 é que a questão da escola pública, laica,
universal e gratuita começa a ser pensada para todos. Um exemplo disso foi o Manifesto dos
Pioneiros de 1932 e a própria constituição de 1937. Entretanto, com a democratização da
escola pública, ou seja, a partir do momento que os filhos das classes populares começam a
ter acesso a ela, a escola conhece sua maior crise e os seus habituais usuários os filhos das
“classes médias” se retiram. Estes buscam nas escolas particulares o que antes recebiam
daquela escola pública: um ensino propedêutico que os preparavam para o ingresso nas
faculdades e para o mercado de trabalho no qual ocupavam funções burocráticas e profissões
liberais, e isso se configurava como uma escola de qualidade. Esse saudosismo pode ser
percebido em discursos tanto de leigos como de educadores. Entretanto, que qualidade era
essa, se apenas uma pequena parte da população tinha acesso? Será essa a qualidade que
devemos reivindicar para as classes trabalhadoras?
As classes médias tinham certo poder reivindicatório com o qual mantinham o nível de
atendimento à educação pública que se perde com a sua saída. Isso provoca um maior
descompromisso do Estado para com a escola pública (PARO, 1997), fato que pode ser
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verificado pelo sucateamento que sofreram as escolas públicas nas últimas décadas e que,
apenas poucos anos, a partir das pressões dos movimentos sociais, é que se um retorno
dos investimentos e cuidados para com as escolas públicas, se bem que, por trás disso
encontramos os organismos internacionais com seus manuais de gerenciamento da educação
para o país, como por exemplo, o Banco Mundial.
Nesse contexto, falar de educação de trabalhadores e de seus filhos é falar de luta, de
direitos negados, de incompatibilidade entre o modelo de escola apregoado pelo capital e o
modelo de escola que atenda às classes trabalhadoras.
Reafirmar o que a escola pública tem a ver com as estratégias de trabalho e de
sobrevivência dos membros da comunidade escolar
Precarização do trabalho assalariado leva à criação de estratégias de trabalho e de
sobrevivência – pressupostos da pesquisa
Estratégias de trabalho e de sobrevivência isoladas não têm potencial transformador
organização da classe trabalhadora que tem um novo perfil
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Texto alterado em 15/10/07
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