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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Érica Vaz Domingues Alves
Estratégias de leitura e a (re)significação de uma prática de
leitura
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Érica Vaz Domingues Alves
Estratégias de leitura e a (re)significação de uma prática de
leitura
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em Língua
Portuguesa pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação do
Prof. Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
_______________________
_______________________
_______________________
As palavras são portas e janelas. Se me
debruço e olho, inscrevo-me na paisagem. Se
destranco portas, o enredo do mundo me
visita. Vivo, hoje, desse privilégio de me estar
somando ao mundo pela leitura, e de me estar
dividindo pela escrita. Escrever é arriscar-se,
ao tentar adivinhar o obscuro, enquanto ler é
iluminar-se com a claridade do já decifrado.
Bartolomeu Campos Queirós
Ao meu marido Mário e aos meus
filhos Flávia, Vinícius e Estella que
comigo idealizaram e concretizaram a
realização deste sonho.
AGRADECIMENTOS
Durante o desenvolvimento desta pesquisa tive o privilégio de
contar com o apoio de pessoas que marcaram, de forma significativa,
este momento especial da minha vida acadêmica e que, apesar das
dificuldades inerentes à grandiosidade deste trabalho, não permitiram
que me afastasse desta grande conquista. Na impossibilidade de
agradecer a todas, procurarei fazê-lo aos principais envolvidos:
A Deus, que me amparou e fortaleceu.
À minha mãe, exemplo vivo de dignidade e bondade.
Ao meu pai, que pôde participar da conquista deste sonho e que, de
onde ele estiver, poderá festejar conosco a conclusão deste trabalho.
Aos meus familiares, que apesar de sentir-me ausente durante este
período, amaram-me e jamais deixaram de estar presentes.
Ao Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira, pela competente orientação e
pela colaboração em todos os momentos.
À Profª Drª Anna Maria Marques Cintra e à Profª Drª Maria Lúcia Cunha
Victório Oliveira Andrade, pelas significativas contribuições na banca de
qualificação.
Às professoras e alunos que, gentilmente, prestaram informações
relevantes para a constituição desta pesquisa.
Aos grandes amigos conquistados na universidade e aos amigos de
sempre, pelo apoio, carinho e cumplicidade.
RESUMO
A presente pesquisa procura investigar e fazer conexões entre estudos
relevantes acerca de leitura e formação de leitores, a fim de melhor
compreendermos os aspectos significativos que envolvem o aprendizado e o
desenvolvimento das práticas de leitura, assim como o papel do professor como
agente motivador nesse processo. Com o propósito de compreender as
circunstâncias em que os vínculos entre leitores e livros são constituídos, com
vistas à formação de leitores, objetivamos tratar da leitura na Rede Pública
Estadual e verificar a necessidade do uso de estratégias cognitivas na
construção de sentidos do texto. Por tratar-se de procedimentos que
compreendem aspectos cognitivos e metacognitivos, a percepção desses
aspectos é fundamental para o desenvolvimento da competência leitora. Para a
execução de nossa pesquisa, elaboramos um questionário investigativo
destinado às professoras e uma proposta de leitura direcionada aos alunos, que
permitem analisar o uso e a aplicação de estratégias cognitivas no ato da leitura.
Fundamentados por teorias cognitivistas, verificamos que a motivação para a
leitura, visando à construção de sentidos, deve ser respaldada em estratégias de
leitura, elementos facilitadores que funcionam como agentes motivadores e
permitem ao leitor monitorar sua própria compreensão. A partir dos
procedimentos adotados para fundamentar nossa pesquisa, constatamos que,
de um modo geral, alunos e professores utlizam estratégias cognitivas, apesar
de estarem desprovidos de embasamentos teóricos que possibilitariam a
sistematização de suas aulas de leitura.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Conhecimentos Prévios; Estratégias Cognitivas.
ABSTRACT
This search pursuit to enquire and to do connections between considerable
studies about reading and readers’formation, alike we better to comprehend the
significant aspects that involve the apprenticeship and development of the
reading’s practice, as well the teacher’s to play part of as motivate agent in this
process. With the proposal of the we comprehend the circunstances into the
entails between readers and books are constructed, with visions to readers’
formation, we objectify to treat the reading in the State Public Hammock and to
verify the necessity of the use the cognitive strategies in the text signification
construction. By to deal about proceedings the comprehend cognitive and
metacognitive aspects, the perception of this aspects is fundamental to the
development of the reader competence. To the execution of the our search, we
elaborated a inquiry questionary destined to teachers and reading proposal
directioned to students, that permit to analyse the use and appose of the
cognitive strategies in the reading act. Founded by cognitivists theories, we
verified that the motivation to the reading, sighting the signification construction,
must to be settled in reading strategies, facilitate elements the function like
motivate agents and permit to reader to monitor the proper comprehension.
Aside of the adopted proceedings to prove our search, we verified that, a
general mode, students and teachers use cognitive strategies, in spite of been
unprovided of the teoric embasements that enable the systemizetion of this
yours reading classes.
KEY-WORDS: Reading, Previous Knowledge, Cognitives Strategies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................1
CAPÍTULO I – A LEITURA E SUAS CONCEPÇÕES..............................................................7
1.1 PANORAMA HISTÓRICO DA LEITURA........................................................................7
1.2 A EVOLUÇÃO DA LEITURA.........................................................................................11
1.3 LEITURA: UM PROCESSO INTERATIVO...................................................................16
1.4 HISTÓRIAS DO LEITOR...............................................................................................21
CAPÍTULO II – PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA LEITURA........................................23
2.1 AS ESTRATÉGIAS COGNITIVAS EM LEITURA.........................................................23
2.2 AS ESTRATÉGIAS COGNITIVAS E OS OBJETIVOS DA LEITURA..........................38
2.3 CONHECIMENTOS ACIONADOS DURANTE A LEITURA.........................................42
2.4 LEITURA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS................................................................45
CAPÍTULO III – UM PERCURSO DE LEITURA.....................................................................50
3.1 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.................................................................................50
3.2 O TÍTULO: ATIVADOR DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS.........................................53
3.3 AMOSTRAS...................................................................................................................55
3.3.1 PROPOSTA DE LEITURA.............................................................................................55
3.3.2 QUESTIONÁRIO PARA AS PROFESSORAS..............................................................58
3.4 ANÁLISE DAS AMOSTRAS..........................................................................................61
3.4,1 ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE LEITURA “SEM TÍTULO’’........................................61
3.4.2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE LEITURA “COM TÍTULO”.......................................73
3.4.3 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS PARA AS PROFESSORAS..................................83
3.4.4 COMENTÁRIOS FINAIS SOBRE AS ANÁLISES........................................................92
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................97
1
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo tratar de leitura voltada especificamente ao
âmbito escolar e evidenciar a importância da aplicação de estratégias de leitura
para a construção de sentidos do texto, como procedimentos que envolvem não só
o aspecto cognitivo, mas também o metacognitivo, conforme afirma Solé (1998, 70)
que:
[...] ao ensinar estratégias de compreensão leitora, entre os alunos deve
predominar a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que
possam ser transferidos sem maiores dificuldades para situações de leitura
múltiplas e variadas.
Delimitamos nosso trabalho à averiguação do uso de estratégias de leitura
por parte de professores do sexto ao nono anos e de alunos do sétimo e oitavo
anos da Rede Pública Estadual de Ensino Fundamental, por percebermos o
afastamento e o desinteresse cada vez maior dos alunos em relação à leitura.
Nesse sentido, questionamos sobre o papel do educador e sua prática pedagógica,
bem como sobre o ensino e o incentivo à leitura em sala de aula, associados a
propostas de ação que favoreçam os alunos a tornarem-se leitores competentes e
cidadãos participativos. Para isto, apresentamos um breve panorama histórico
sobre a leitura, a fim de esclarecer diversos fatores e comportamentos sociais
responsáveis, de certa forma, pelo desinteresse a essa prática, uma vez que a
leitura, em épocas remotas, sofria um rigoroso controle por parte de quem detinha o
poder, em especial os religiosos, que se preocupavam em direcionar as leituras e
os leitores.
Atualmente vivenciamos uma situação alarmante em relação aos nossos
alunos, pois, nas práticas de leitura verificamos a dificuldade que apresentam em
2
atribuir sentidos aos textos lidos, resquícios herdados, possivelmente, de uma
educação conservadora, que visava apenas a decodificação das palavras.
A partir dessa retrospectiva, fica claro que a leitura não cumpria o papel
social que lhe cabe hoje, ou seja, desenvolver o espírito crítico e a autonomia do
leitor e, conseqüentemente, sua competência leitora.
Sabemos que a leitura é uma atividade complexa de interação entre
autor/texto/leitor que envolve um conjunto de componentes mentais múltiplos,
portanto, sua prática prevê que sejam consideradas determinadas habilidades
cognitivas e metacognitivas. A tarefa que implica o controle e a reflexão sobre o
próprio conhecimento, além do estabelecimento de objetivos e o levantamento de
hipóteses para a leitura é considerada uma estratégia metacognitiva, isto é, uma
estratégia de controle e regulamento do próprio conhecimento. (KLEIMAN; 2004,
34). Tarefa desenvolvida ao longo dos anos e que pressupõe a construção de
sentidos do texto. Em outras palavras, as estratégias metacognitivas podem ser
definidas como a consciência que o leitor tem sobre o próprio nível de compreensão
durante a leitura e a habilidade para controlar as ações cognitivas, por meio de
estratégias que facilitem a compreensão de um determinado tipo de texto ou de
tarefa determinada.
Podemos encontrar, em alguns textos, marcas lingüísticas ativadoras de
conhecimentos compartilhados entre leitor e escritor, que participam
categoricamente do percurso construído para a leitura que, freqüentemente, deixam
de ser explorados pelos educadores durante a condução do ato de ler, em que a
leitura se restringe a uma limitação parafrástica e a polissemia textual é
desconsiderada.
Os conhecimentos mobilizados no ato da leitura, segundo Koch e Elias
(2006, 40), são identificados como: conhecimento lingüístico; conhecimento
enciclopédico ou de mundo; conhecimento interacional que são acionados para
confirmar as hipóteses e inferências formuladas durante este processo, e são
responsáveis pela produção dos sentidos do texto.
Temos percebido que, muitas vezes, os autores elaboram seus textos de
3
maneira adequada, porém, na reconstrução textual, o leitor não faz uso dos
recursos oferecidos, como as pistas fornecidas pelo autor, lembrando que: Ele [o
autor] deve deixar suficientes pistas no seu texto a fim de possibilitar ao leitor a
reconstrução do caminho que ele percorreu. (KLEIMAN; 2004, 66) talvez, por
desconhecer que pode participar da produção de sentidos do texto.
Desta forma, há necessidade de evidenciar ao leitor como funciona a
reconstrução textual, de modo a aproveitar as ativações de memória a que o texto
lhe remete para a interpretação e compreensão, levando-o a alcançar, como
conseqüência, um maior aproveitamento da leitura. Lembramos que a compreensão
nos remete ao sentido das palavras, esse que denominamos de literal e que é
reconhecido segundo critérios de coesão. Por outro lado, a interpretação consiste
em transpor o sentido das palavras em direção ao sentido do discurso, seguindo um
processo semântico-cognitivo, que remete às condições extralingüísticas,
relacionando as palavras e as seqüências portadoras de sentido de língua com
outras palavras e seqüências que se acham na memória do sujeito.
Assim, o leitor precisa saber da sua responsabilidade durante o processo de
leitura, para que possa aproveitar os recursos necessários e disponíveis para essa
atividade, e o professor, como condutor, deve orientar o aluno, valendo-se de
teorias cognitivistas sobre leitura.
Deparamo-nos com inúmeros problemas concernentes ao ensino de leitura
que é uma questão antiga e ao mesmo tempo atual; constatamos isso ao
verificarmos a quantidade de leitores assíduos, aqueles que cultivam a prática da
leitura. Esse problema perpassa as diversas administrações públicas que assumem
a direção de nosso país, porém, temos a convicção de que é possível reverter essa
situação.
Todos sabemos que ler é um direito de todo cidadão, como qualquer
atividade social, cultural e de entretenimento. Encontramos essa afirmação nos
Parâmetros Curriculares Nacionais e estamos em consonância com ela. Porém,
isso evidencia incoerência entre o discurso proferido sobre o ensino de leitura e as
condições oferecidas pelas autoridades educacionais para que esse discurso se
4
concretize na prática social.
Diante da situação caótica em que se encontra o processo de leitura,
especificamente no tocante aos alunos do Ensino Fundamental, propomos um
procedimento metodológico a fim de tentar desenvolver meios para motivar os
alunos a lerem e, conseqüentemente, produzirem os sentidos do texto por meio de
estratégias de leitura.
O aluno que possui conhecimentos sobre a língua e se utiliza das estratégias
será capaz de ler, sem grandes dificuldades, qualquer gênero textual, além de
facilitar-lhe a constituição de sentidos e até motivar-lhe, em alguns casos, a
selecionar outros textos para preencher possíveis lacunas deixadas por leituras
anteriores.
A escolha desse tema deve-se ao fato de que, ao longo de nossa carreira
presenciamos situações em que os alunos, de um modo geral, não lêem, nem
tampouco demonstram interesse pela leitura. Acreditamos que tal procedimento se
justifica pelo fato de a leitura ser encarada como uma atividade imposta,
desvinculada do prazer; mais uma das diversas obrigações exigidas por pais ou por
professores.
Diante disso, não podemos aceitar passivamente as justificativas
apresentadas por eles e ressaltamos que, como educadores da Rede Estadual de
Ensino, vivenciamos, há muito tempo, a dificuldade que os alunos do Ensino
Fundamental encontram em relacionar o conhecimento lingüístico ao conhecimento
enciclopédico (de mundo) nas atividades de compreensão de textos, que resultam
de um processo de ensino de leitura ineficaz. Porém, verificamos que alguns
professores, apesar de não lançarem mão de um aporte teórico-metodológico em
suas aulas de leitura, intuitivamente procuram desenvolver seu trabalho, levando
em conta a ativação dos conhecimentos prévios trazidos pelos alunos. Isso
evidencia que o professor conhece, talvez de forma empírica, a importância de
orientar o processo de leitura por meio de estratégias.
Partimos da hipótese de que o conhecimento de um aporte teórico, como
suporte para proposições e encaminhamentos nas aulas de leitura, capacita o
5
professor a realizar um trabalho mais consistente, pois, conhecendo como se
processa o ato de ler, terá argumentos necessários para motivar o aluno e,
conseqüentemente, aptidão para orientá-lo a fazer uso de estratégias para
compreensão leitora no ambiente escolar ou fora dele.
O texto escolhido para a verificação dos procedimentos de leitura dos alunos
apresenta-se como uma chave de ativação da memória do leitor, pois, é a partir da
leitura que ele reúne e organiza seus pensamentos no momento da compreensão.
Assim, o leitor, de posse dos procedimentos facilitadores da compreensão
leitora, desenvolve a autonomia e a criticidade advindas dos percursos e das
reflexões de leituras, que propiciarão um novo olhar direcionado a sua prática
social. A esse respeito, Bamberger (1995, 11) esclarece que:
Os valores que se podem adquirir através dos livros e da leitura só serão
acessíveis, é claro, a quem tiver dominado as habilidades técnicas da
leitura [...].
O desenvolvimento desta pesquisa justifica-se, sobretudo, por evidenciarmos
lacunas existentes no processo de leitura no ambiente escolar. Julgamos que entre
outros fatores, o aproveitamento das estratégias cognitivas e o percurso dos
procedimentos de leitura particular do leitor sejam mecanismos facilitadores deste
processo e contribuam para tornar o ato de ler agradável e eficaz.
Para proceder a esta Dissertação, buscamos nos pautar em uma
fundamentação teórica cognitivista, em que questões de leitura e estratégias
cognitivas são elencadas. Em seguida, são analisadas Propostas de Leitura
desenvolvidas com alunos do sétimo e oitavo anos do Ensino Fundamental, além
de questionários destinados às professoras de Língua Portuguesa envolvidas com
alunos do sexto ao nono anos do Ensino Fundamental.
Nossa intenção, tanto nos questionários quanto nas propostas de leitura, é
verificar se as professoras instruem seus alunos a procederem a leitura por meio de
estratégias cognitivas, assim como constatar se os alunos, durante o processo de
leitura, aplicam esses procedimentos para manter o controle da compreensão que é
6
um requisito essencial para ler eficazmente [...]. (SOLÉ; 1998, 41).
Ressaltamos que não se trata de uma pesquisa voltada somente à
interpretação e compreensão textuais, mas também ao aproveitamento da leitura
como algo prazeroso. Desejamos, assim, a partir dos procedimentos e estratégias
cognitivas aqui expostos, apresentar a leitura como uma prática natural e,
conseqüentemente, mais prazerosa.
Portanto, as estratégias de leitura serão apresentadas e aplicadas ao texto,
para verificarmos como funcionam e quais as contribuições que podem suscitar no
leitor antes, durante e após o processo de leitura. Os estudos realizados por Kato
(1999); Kleiman (2004); Solé (1998); Smith (1999), Koch e Elias (2006); entre outros
autores são utilizados para fundamentar nossa pesquisa, por julgarmos serem eles
pertinentes ao tema desenvolvido nesta dissertação.
Assim sendo, esta dissertação constitui-se das seguintes partes, além da
Introdução e das Considerações Finais:
Capítulo I, em que realizamos um panorama histórico sobre a leitura para
compreendermos alguns aspectos relevantes responsáveis pela formação de
leitores e os procedimentos envolvidos no processo de leitura;
Capítulo II, em que são apresentadas as estratégias de leitura responsáveis pela
ativação cognitiva no percurso de leitura;
Capítulo III, em que procedemos à análise e discussão da amostra, conforme os
princípios teórico-metodológicos desenvolvidos nos capítulos anteriores.
7
CAPÍTULO I – A LEITURA E SUAS CONCEPÇÕES
1.1 Panorama histórico da leitura
Por muito tempo a lingüística manteve-se alheia a questões ligadas à leitura,
interesse que ressurgiu com os avanços dos estudos sociolingüísticos e
psicolingüísticos.
Na área da sociolingüística, Labov e Shuy (apud KATO,1999) sugerem
soluções para problemas ligados à alfabetização das minorias dialetais enquanto
Goodman e Smith (apud KATO,1999) surgem, na área da psicolingüística, como
precursores dos estudos referentes a processos interativos que envolvem a leitura.
Por ser uma atividade destinada a poucos, seu domínio conferia poder e
prestígio. Os filhos das elites, a quem era dada a oportunidade de aprendê-la na
escola, o faziam com o auxílio de cartilhas. No final do século XV, seu uso
expandiu-se a Portugal e às colônias, como era o caso do Brasil.
Inicialmente, receberam o nome de cartinhas e continham o abecedário, o
silabário e rudimentos de catecismo. Uma das mais antigas, segundo Barbosa
(1994, 57), é a Cartinha de Aprender a Ler, escrita por João de Barros, em 1539, na
cidade de Lisboa e que, provavelmente, tenha sido também utilizada em nosso
país.
Sabemos, igualmente, de uma cartilha escrita por Frei João Soares, além do
Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito e
Numeração do Escrever, de Antônio Feliciano de Castilho, datado de 1850, que
incluía o abecedário, o silabário e textos de leitura, com preocupações fonéticas,
sem falar da Cartilha Maternal, de João de Deus, entre outras que foram
8
significativas e marcaram gerações inteiras de leitores. (BARBOSA, 1994).
De acordo com Solé (apud TEBEROSKY et al 2003,19), o método, nos
países ocidentais, começava com a ação do soletrar, seguida pela divisão silábica
e, por último, a leitura corrente, o que fazia com que muitos demorassem até três
anos para aprender a ler, além de muitas vezes, não conseguirem atribuir sentido
algum ao que liam, embora esta não fosse uma preocupação da época.
Nos regulamentos de ensino primário, havia mecanismos de controle do
processo de leitura nas escolas, por meio dos quais é possível perceber o
tratamento dado à leitura, os processos de doutrinação ideológica que lhe
subjaziam, o tipo de leitor que pretendiam formar e a falta de autonomia do
professor, que tinha sua ação muito bem delimitada, como demonstrado pelo
Regulamento de Instrução Pública, da província de São Pedro do Rio Grande do
Sul, datado de 1836:
Art. 3º O ensino da leitura e escrita será acommodado à idade e
capacidade dos alumnos e versará sobre as seguintes matérias,
sendo estes, para tal fim, divididos em diferentes classes: & 1º
Conhecimento: - 1º dos differentes caracteres de letras de uso
commum; 2º de sua formação e codificação; 3º dos accentos e
signaes orthograficos, e de pontuação; 4º das syllabas, das
palavras, gêneros, e espécies destas, sua formação e derivações;
5º das sentenças, e das partes que as compõem; 6º das regras
Geraes da syntaxe; sua aplicação, e mais partes elementares da
Grammatica Portugueza. & 2º Pronuncia correcta, e leitura corrente,
assim em prosa, como em manuscritos e impressos modernos ou
antigos. & 3º Aparo, preparo, collocação e uso da penna. & 4º
Conhecimento e formação das linhas traços de escrita, espaços e
intervallos das letras; figuras simples da Geometria, imitação e
formação das differentes espécies de letras, escrita (bastardo,
bastardinho, cursivo, e letras variadas) à vista de modellos, ou
dictada, conforme as regras de Calligraphia. & 5º Copias de
manuscritos, ou de impressos, ou exercícios de escrita com
applicação das regras ortographicas, composições, ou escrita
dictada.
Art. 4º Os modelos para escrita conterão preceitos do Evangelho, ou
maximas de oral christã, e normas de actos civis e commerciaes do
uso geral.
Art. 5º A leitura recahirá principalmente sobre trechos da História
sagrada, e da Igreja, da vida dos Santos, ou de homens distinctos e
ilustres pelas suas virtudes, e sobre manuscritos antigos e
9
modernos, que mais interessarem aos usos da vida. (Regulamento,
1857 apud PERES E TAMBARA, 2003, 98-99).
Embora as instituições sempre quisessem manter controle absoluto sobre as
leituras e os leitores, nunca o conseguiram totalmente, pois, apesar de serem
restritas a uma parcela muito pequena da população, em função dos riscos que a
leitura representava para o poder da Igreja, essas leituras, que transportavam os
conceitos e crenças da cultura clássica, funcionavam como fontes de reflexão e
contestação do saber religioso, tendo em vista que toda leitura é polissêmica e
passível de diferentes significados.
Tal preocupação se devia ao fato de que a prática da leitura promoveria o
desenvolvimento cognitivo e crítico do indivíduo que, conseqüentemete, passaria a
questionar as verdades impostas pela Igreja . Em sua obra, Chartier (1996, 35-36)
esclarece que, [...] o ensino da leitura é um meio de transformar os valores e os
hábitos dos grupos sociais que são o seu alvo e ainda complementa que:
Com certeza, toda tentativa de educação através do escrito pode
ser desviada de seus fins: seja porque os grupos sociais apoderam-
se por contágio das práticas do escrito [...] seja porque um saber ler
concedido conduz a “más leituras”.
Pautados nessa questão, Peres e Tambara (2003) esclarecem que durante o
século XIX, no Brasil, foram se fortalecendo a censura e a padronização de livros
para as escolas, o que é exemplificado com trecho de discurso do Presidente da
Paraíba à Assembléia Provincial, em 1838, no qual afirmava haver trinta e seis
aulas prontas de primeiras letras para os meninos e nove para as meninas,
deixando clara não somente a determinação do conteúdo que se iria ensinar, como
também a diferença no tratamento direcionado aos meninos e às meninas, de quem
se suprimiam noções de geometria e de aritmética por não serem necessárias à
formação de donas de casa e, em seu lugar, incluíam-se as prendas domésticas.
10
No final do século XIX, a partir da década de 70, iniciou-se também a
utilização de textos para leitura que eram compilações de excertos de obras
literárias, o que representou um primeiro passo rumo à libertação dos textos
religiosos, no ensino de leitura no Brasil, embora essas obras não deixassem de ter
também o seu cunho moralista.
Ao analisarmos o percurso histórico da leitura, percebemos que a
construção de sentidos era controlada pela Igreja, apesar de que tal controle não
impedia a realização de leitura crítica por parte de determinados leitores. Sabemos
que as estratégias de leitura propiciam ao leitor monitorar sua compreensão, o que
ocorre por meio da ativação de conhecimentos prévios, bem como pelas pistas
encontradas no texto.
Diante disso, supomos que apesar de desconhecerem as estratégias de
leitura, determinados leitores dessa época, provavelmente, as utilizavam de forma
inconsciente para construir os sentidos do texto que, como vimos, não lhes eram
autorizados.
11
1.2 A evolução da leitura
No Brasil, o interesse pela leitura é recente e desenvolveu-se com o ensino
da leitura instrumental em Língua Estrangeira. A verificação de que muitas
dificuldades apresentadas pelo leitor associavam-se, principalmente, ao seu
despreparo em interagir com o texto escrito em sua própria língua, desencadeou o
interesse em desenvolver as habilidades de leitura, independente da língua.
Diante disso, educadores e pesquisadores de línguas mostraram interesse
em promover estudos a respeito dos processos que englobam a leitura e a
formação de um bom leitor. Vale ressaltar que, para tornar os alunos bons leitores
[...] requer esforço. Precisará fazê-los achar que a leitura é algo interessante e
desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência.
(PCN; 1998, 56-58).
Tal interesse tem-se dissipado ultimamente, pois, [...] o que temos assistido
no Brasil, é um distanciamento entre pesquisa e ensino; tal situação não tem
propiciado à nossa escola, ao formar seus alunos em situação de
ensino/aprendizagem, desenvolver uma interação comunicativa eficaz.
(SILVEIRA;1998, 136), o que se comprova ao constatarmos que ao longo de toda a
história da Instituição Escolar, o ensino da leitura tem sido considerado uma prática
em que, de maneira bem reducionista, basta [...] colocar na memória, à força da
repetição, uma combinatória elementar da qual nos serviremos para transformar os
signos escritos em sons e vice versa. (HÉBRARD; 1996, 35).
No entanto, pesquisas recentes mostram que além do Brasil, outros países
vivenciam problemas relacionados à leitura, conforme esclarece Silva (2007, 1):
A iliteracia é um problema que afecta inúmeros países incluindo
alguns dos mais desenvolvidos e está longe de ser um problema
especificamente português. José Morais, investigador de renome
12
internacional apresenta um quadro nada favorável relativamente a
alguns países europeus onde a população com mais de 18 anos
com características de iletrismo funcional (Países Baixos) atinge
24% da população. Mesmo a Dinamarca que embora ocupando os
primeiros lugares no índice de desenvolvimento humano possui um
número considerável de cidadãos (perto de 20%) que apresentam
dificuldades de leitura, o mesmo se passando um pouco por toda a
Europa.
As pessoas já leram e ainda o fazem de maneiras muito diversas, já que,
segundo Darnton (apud TEBEROSKY et al., 2003, 18) a leitura não é uma simples
habilidade, mas sim uma maneira de elaborar significado, que terá de variar entre
culturas, e como tal, está sujeita a diferenças em função do código utilizado, das
caratcterísticas do texto, dos conhecimentos do leitor, dos objetivos propostos, do
contexto histórico em que autor e leitor estão inseridos, entre outras.
Seja qual for seu objetivo, a leitura é uma atividade bastante complexa que
foi e continua sendo essencial na formação social, econômica, política e cultural do
indivíduo durante toda sua história. Por meio de sua prática, o indivíduo adquire e
desenvolve conhecimentos que promovem a construção de um saber novo e
ilimitado.
Embora ocupe um lugar significativo no desenvolvimento do homem, a leitura
não se faz muito presente na vida de pessoas comuns. Estudantes e até mesmo
educadores não desenvolveram o hábito da leitura, o que nos leva a supor que essa
prática deveria ser cultivada desde cedo, na convivência familiar e escolar,
conforme sugere Bamberger (1995, 74):
Da mesma forma que os professores, a função dos pais como
modelos é decisiva, isto é, se eles mesmos gostarem de ler,
induzirão facilmente os filhos a ler regularmente.
Entre outros aspectos, acreditamos que a formação acadêmica dos
professores seja um fator relevante nesse processo, pois, pressupõe-se que uma
vez formados, estejam familiarizados com a prática de leitura e, conseqüentemente,
13
o estarão para promovê-la em sala de aula. Porém, nem sempre a formação
acadêmica garante a proficiência leitora.
Merece evidência, também, o contexto social, cultural e econômico em que o
professor encontra-se inserido, fatores relevantes que, de certa forma, contribuem
para o afastamento e o desinteresse às práticas de leitura.
Apesar dos desafios mencionados, é comum o professor procurar sanar
suas deficiências ao planejar suas aulas, uma vez que, para indicar determinada
leitura aos seus alunos, ele próprio deverá apropriar-se deste material com
antecedência. E assim, por meio do processo de ensino, é possível que o
professor capacite-se e, gradativamente, desenvolva sua competência leitora.
Sabemos que o professor não é o único responsável pelo desinteresse do
aluno pela leitura; a família possui grande influência na formação leitora desse
indivíduo, ou seja, se o ambiente familiar for enriquecido pelo contato freqüente
com materiais impressos, a probalidade desse indivíduo desenvolver o hábito e o
gosto pela leitura será grande.
Por conta disso, o acesso ao aprendizado da leitura apresenta-se como um
dos múltiplos desafios da escola e, talvez, como o mais valorizado e exigido nos
dias de hoje.
O que temos percebido, em nossa prática, é um profundo distanciamento
entre o "amante" da leitura e o leitor escolarizado, o que, como já mencionado,
talvez se justifique por motivos culturais, sociais e educacionais que envolvem o
homem moderno.
A escola forneceu, durante muito tempo, uma imagem supostamente
enganosa da leitura. Trabalhando de maneira quase exclusiva com trechos
retirados, em sua maioria, de livros didáticos, vinha constantemente confrontando o
aluno com textos sempre novos – quanto ao gênero, à temática, à estrutura...
vindos de horizontes culturais que só o professor tinha condições de perceber.
Limitava-se a uma visão imanente da obra, deixando subentendido que o
acesso ao texto não requeria nenhuma experiência textual particular, nem
necessitava de nenhuma articulação do texto em relação à obra ou ao sistema
14
literário do qual tinha sido extraído.
Frente a alunos que ignoravam tudo, ou quase tudo da história literária e só
dispondo da experiência reduzida dos textos, pareceu a certos professores que um
estudo imanente das obras permitiria economizar uma preparação à leitura “mais
custosa”, que dizia respeito a um público escolar situado fora do campo cultural
tradicional que constituía a literatura e sua história.
Isso mantinha a ilusão de que poderia existir uma leitura ingênua dos textos,
esquecendo que todo olhar sobre um texto é um olhar estruturado, informado, sem
o qual a obra seria imperceptível. Ignoravam também que o sentido do texto é
constituído a partir do reconhecimento de funcionamentos textuais adquiridos pelo
contato com outros textos, em que a intertextualidade surge como fator essencial,
pois não existem textos “puros”, eles só existem em relação a outros textos que os
precederam, como lembra Fiorin (2000, 67), [...] o discurso não opera sobre a
realidade das coisas, mas sobre outros discursos.
Ciente dessa problematização, a Escola encontra-se diante de um grande
desafio: o de motivar seu aluno a ler e, principalmente, possibilitar-lhe o
desenvolvimento de uma leitura significativa, entendida aqui como um processo em
que: Os leitores devem dar significado - estrutura profunda - ao que eles lêem,
empregando seu conhecimento prévio do assunto e da linguagem do texto. (SMITH;
1999, 72).
Assim, com o curso da história, diante das novas exigências de uma
sociedade grafocêntrica como a nossa e o avanço das pesquisas em torno da
leitura, as práticas de ensino foram se modificando, e hoje, é de suma importância
que o aluno consiga perceber-se como sujeito, dotado de historicidade, capaz de
construir sua própria história de leitura, assumindo a direção e a auto-regulação de
sua atividade em situações de leitura independente, de forma a poder construir
sentidos para o que lê, adotando uma posição ativa diante do texto, cabendo ao
professor, entre outras coisas, o reconhecimento do caráter polissêmico da leitura,
além de todos os fatores que nela interferem, direta ou indiretamente.
Sabemos que o que produz sentido para um ou outro modo de ler e de
15
escrever são os conhecimentos e os valores de que somos constituídos. Portanto,
lemos e escrevemos “de dentro” de uma rede de significados culturais que
construímos historicamente.
Essas redes significativas que formamos e de que somos formados variam
de grupo social para grupo social. Orlandi (1998, 58) reforça essa idéia ao afirmar
que: É nesse jogo tenso entre o já-dito e as novas formulações, entre o mesmo e o
diferente, entre a paráfrase e a polissemia que os sujeitos e os sentidos se
constituem e que a história se reproduz e (ou) se transforma.
Assim, o leitor, seja iniciante ou experiente, encontra no texto marcas que o
orientam a uma leitura que se entrecruza com saberes vindos de vários lugares: do
autor, de outros textos, do conhecimento da língua, de mundo, de suas histórias de
leitura e de suas experiências de vida. São os chamados conhecimentos prévios,
aspecto relevante à constituição de sentidos, pois, colaboram, de forma significativa
para a compreensão do texto, possibilitando interpretá-lo, criticá-lo, recomendá-lo
ou ainda, rejeitá-lo.
16
1.3 Leitura: um processo interativo
Ler e escrever têm constituído atividades sobre as quais deita olhos o
professor e a educação como um todo, atribuindo-se a essas atividades importância
primeira no que diz respeito à educação, como afirma Solé (1998, 34): A leitura e a
escrita aparecem como objetivos prioritários da Educação Fundamental.
No entanto, verificamos, ainda hoje, práticas de leitura em que o objetivo
maior tem sido a decodificação de sinais ou a entonação correta, com pouca ou
nenhuma preocupação com o aspecto interacionista na relação texto/leitor. Nesse
sentido, Smith (1999, 151) se posiciona em relação à formação do leitor e
demonstra preocupação quanto ao ensino de leitura: Muitas dificuldades que
algumas crianças têm com a leitura podem ser atribuídas a problemas do ensino,
não a problemas do aluno, posicionamento esse que delega ao professor grande
responsabilidade do sucesso ou fracasso do desenvolvimento da compentência
leitora de seu aluno.
Por outro lado, entendemos que a leitura tem deixado de ser uma simples
prática escolar para transformar-se em um processo desencadeado pela
necessidade de "leitura de mundo" e por isso deve ser iniciada desde a mais tenra
idade, no ambiente familiar, o que, desde cedo, propiciará a associação da leitura à
momentos de prazer.
Sabemos que as crianças tendem a reproduzir as atividades dos pais, assim,
o exemplo dos adultos constitui uma parcela significativa no incentivo à leitura.
Quando é um hábito dos pais, a criança tem a percepção de que ler é bom e terá
despertada sua curiosidade para a leitura. Pais leitores funcionam como referência
e estímulo na formação de pequenos leitores, que poderão adotar a leitura como
algo prazeroso.
Freqüentemente, a aproximação entre a criança e os livros é vista
17
erroneamente como uma tarefa exclusiva da escola. A instituição tem papel
importante nesse contato das alunos com os livros, desenvolvendo aprendizagens
por meio da leitura, mas não cabe somente a ela a função de formar leitores. Os
alunos precisam encontrar significados que ultrapassem o sentido da leitura escolar
e trazer de casa uma relação afetiva com os livros, construída com a família
No meio educacional, a leitura parece ser um simples detalhe, uma
necessidade intrínseca ao ato de estudar e aprender. Talvez seja esta banalização
da leitura que tenha feito dela um ato mecânico e desprovido do verdadeiro sentido
que uma leitura significativa deve ter: atribuir sentidos, estabelecendo elos com o
conhecimento de mundo.
Muito mais do que um mero mecanismo de decodificação e ativação dos
conhecimentos, a leitura deve ser um processo interativo e de compreensão do
mundo. A vivência como educadores nos permite constatar que não raras vezes a
leitura tem sido praticada de forma mecânica, sem atribuição de significados,
construindo um mero decodificar de letras e signos. O professor, por outro, acaba
aferindo notas e medindo o ato de ler pelo simples falar compassado e entoado. É
imprescindível que o professor demonstre competência ao desenvolver o ensino de
leitura, pois: As crianças são aprendizes altamente habilitados e experientes,
embora seja possível que o tipo de instrução as deixem confusas. (SMITH;
1999,17).
Verificamos também, que, em determinadas situações de leitura, a escola
parece priorizar os aspectos gramaticais. Transforma as aulas de leitura em
pretextos para o estudo de questões normativas e deixa de lado a constituição de
possíveis significados do texto.
A verdadeira função da escola deve ser a de possibilitar aos alunos a
continuidade da leitura de mundo que eles já possuem. Ao entrar na escola, a
criança traz consigo um universo individual que deve ser motivado, estimulado,
enfim, aproveitado pelo professor para, a partir daí, introduzir a leitura da palavra
escrita.
Solé (1998) defende um ensino de leitura no qual se aprende a ler lendo, em
18
que o professor poderá proporcionar ao aluno o contato com os mais variados
textos utilizados em sua prática social. Esta tarefa será reforçada se fizer uso de
estratégias de leitura, que têm por finalidade: facilitar a compreensão do que está
explícito e implícito no texto; propiciar a identificação da informação principal do
texto e as menos relevantes; favorecer a verificação da coerência do texto e das
dificuldades que ele apresenta; propor a formulação de hipóteses, inferências e
conclusões antes, durante e após a leitura.
Uma vez que a leitura é um processo de interação entre o leitor e o autor via
texto, nesse processo tenta-se satisfazer aos objetivos que a guiaram. A respeito
dos objetivos de leitura, apesar de serem retomados nos próximos capítulos, vale
salientar que cumprem um papel fundamental na condução da leitura, pois,
possibilitam ao leitor posicionar-se frente à leitura e monitorá-la.
Tal afirmação tem várias conseqüências. Num primeiro momento, envolve a
presença de um leitor ativo, que processa e examina o texto por meio de
estratégias. Também implica que sempre deva existir um objetivo para guiar a
leitura; em outras palavras, sempre lemos para alcançar alguma finalidade, como
nos lembra Solé (1998, 41): A questão dos objetivos que o leitor se propõe a
alcançar com a leitura é crucial, porque determina tanto as estratégias responsáveis
pela compreensão quanto o controle que, de forma inconsciente, vai exercendo
sobre ela, à medida que lê.
Diante dessa afirmação, percebemos que a interpretação que os leitores
realizam dos textos que lêem depende, em grande parte, do objetivo da leitura, isto
é, ainda que o conteúdo de um texto permaneça invariável, é possível que dois
leitores, com finalidades diferentes, extraiam informações distintas. Assim, os
objetivos da leitura são elementos que devem ser levados em conta quando se trata
de ensinar as crianças a ler e a compreender – tema tratado no Capítulo I desta
Dissertação.
Nesse processo, o leitor está diante de palavras escritas pelo autor que não
está presente para completar as informações. Por isso, é natural que o leitor forneça
ao texto informações enquanto lê, porém, o texto também atua sobre os esquemas
19
cognitivos do leitor. Quando alguém lê algo aplica determinado esquema, alterando
ou confirmando-o, mas, principalmente, entendendo mensagens diferentes porque
seus esquemas cognitivos, ou seja, as capacidades internalizadas e o
conhecimento enciclopédico (de mundo) de cada um são diferentes.
Sabemos que a construção de sentidos ocorre a partir de leituras
significativas, tanto de textos verbais como não-verbais. As noções de texto e de
linguagem, freqüentemente, remetem-nos a textos e linguagens verbais, ou seja,
aquelas que se exprimem por meio da palavra. Entretanto, sabemos que existem
outras formas de linguagem e, que por meio destas, o homem também pode
representar o mundo.
Embora se trate de linguagens diferentes quanto à sua apresentação, o que
se quer ressaltar é que a linguagem não-verbal, tanto quanto a verbal, requer um
leitor que colabore com o texto. E este, mesmo em se tratando de imagens, carrega
consigo uma variedade de informações implícitas, às quais cabe ao leitor perceber
e dar sentido.
Esse processo de interação não difere em grande proporção nos dois tipos
de textos, verbal ou não-verbal. Em ambos os casos, o leitor estará lançando mão
de seu conhecimento prévio para transpor aquilo que lhe aparece explicitamente –
palavras ou imagens – e só assim poderá dialogar com aquilo que está implícito no
texto. Em outros termos, enquanto no texto verbal o leitor decodifica palavras, no
texto não-verbal, imagens. Tanto em um quanto em outro, a decodificação não deve
ser um ato com um fim em si mesmo, mas uma etapa do processo de uma leitura
mais profunda, que culminará na construção de sentidos.
Entendemos, portanto, que ler é um processo mediante o qual se
compreende a linguagem verbal ou não-verbal, em que o leitor é um sujeito ativo
que interage com o texto. Ao pensarmos na leitura com finalidade pedagógica,
podemos afirmar que ela foi eficiente se resultar em aprendizagem significativa. Isto
ocorre porque, ao ler, acionamos os conhecimentos prévios de que dispomos,
sejam sobre o assunto em questão ou sobre algo relacionado a ele, de modo que
possamos atribuir significados ao que lemos e, conseqüentemente, integrar as
20
novas informações ao repertório de conhecimentos de que já dispomos, ampliando-
o e/ou transformando-o qualitativamente.
Ao tratarmos a leitura como conteúdo e instrumento de aprendizagem,
estaremos ensinando o aluno a ler compreensivamente e a aprender a partir da
leitura, em outras palavras, aprender a aprender, isto é, promover a autonomia em
situações diversas de aprendizagem atendendo, assim, aos objetivos da escola.
21
1.4 Histórias do leitor
A leitura, enquanto atividade significativa, não pode ser entendida sem que
se leve em conta a participação de um leitor possuidor de uma história individual e
singular. História que faz diferença quando de seu encontro com o texto e que
favorece o surgimento de inferências marcadas pela ativação de conhecimentos
prévios que aludem à memória cognitiva.
Acreditamos, portanto, que a compreensão leitora não deve ser orientada
apenas pelas marcas gráficas do texto, mas sobretudo, pelo que estas marcas têm
a dizer e pelo modo como o leitor apreende e interpreta a intenção do autor.
Um outro fator que contribui para o ensino da leitura é o fato de o leitor
também ter sua história de leitura. Sabemos que as experiências de leitura que
cada leitor tem contribuem, de forma efetiva, para a compreensão leitora.
As leituras de outros textos configuram e orientam, alargando ou estreitando
as possibilidades de construção de sentidos, pois, tanto a sedimentação dos
sentidos quanto a intertextualidade estão presentes nos atos de leitura, uma vez
que tais fatos constituem-se na condição de sua produção. Daí, podermos dizer que
o aspecto previsível da leitura encontra-se na história de leitura, tanto do texto como
do leitor.
Esclarecemos que a intertextualidade aponta para o conjunto de relações
existentes entre os textos, mostrando assim, como devem ser lidos e
compreendidos. Koch e Elias (2006, 86) esclarecem que a intertextualidade ocorre
quando, em um texto está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido,
que faz parte da memória social de uma coletividade.
A intertextualidade é a fonte da leitura polissêmica, pois por meio do
conhecimento prévio – textos diversos armazenados na memória – o leitor cria
cursos diferentes de leitura, que aparecem como hipóteses, confirmadas ou não em
22
seu percurso de leitura.
No entanto, a história também produz imprevisibilidade, uma vez que é do
contato histórico-social que emana a pluralidade do possível e do desejado das
leituras. É nessa relação de leituras previstas e possíveis de um texto que reside a
dificuldade de se estabelecer, na relação de interação que a leitura envolve, a
informação que o leitor não conseguiu apreender.
A leitura, por constituir uma tarefa complexa, não pode ser realizada às
pressas. Antes, é uma atividade cautelosa, em que o leitor faz um exercício de vai e
vem pelo texto, a fim de recuperar conceitos pouco claros, por meio do intertexto,
ou de relacionar os conhecimentos prévios ativados, ou seja, conhecimentos
lingüísticos; conhecimentos enciclopédicos (de mundo) e conhecimentos
interacionais.
Dessa forma, a história de leitura estabelece o grau de compreensão que
cada leitor consegue empreender ao texto que lê, tornando a atribuição de sentidos,
em níveis polissêmicos, maiores ou menores, pois se o leitor não tiver nenhuma
experiência em leitura ele sempre terá dificuldades para entender qualquer texto,
por mais simples que seja.
Ao nosso ver, o contexto histórico-social e cultural para a produção da leitura
vem ao encontro à teoria cognitivista que vê o meio-ambiente como um dos
elementos fundamentais para o desenvolvimento da criança na construção de seu
conhecimento. Portanto, conhecendo o ambiente em que vive, por meio de fatores
históricos, a criança compreende seu mundo.
Entendemos, assim, que a construção de sentidos para um texto depende
não só da história do leitor, seus conhecimentos prévios, como também de suas
experiências e do acervo literário com o qual interagiu.
23
CAPÍTULO II – PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE LEITURA
2.1 As estratégias cognitivas em leitura
Existem inúmeras formas pelas quais o homem constrói seu conhecimento,
uma delas é por meio da leitura; no entanto, poucos são os que efetivamente
sabem ler, principalmente aqueles que se encontram matriculados em Escolas
Públicas de Ensino Fundamental, mais especificamente os alunos do sétimo e
oitavo anos.
O tratamento dado à leitura tem-se pautado em conhecimentos empíricos,
aplicados pelos professores de maneira inconsciente e até intuitiva, por não estarem
amparados em embasamentos teóricos adequados a essa prática, ou ainda, em
outras situações, o ensino fica restrito à aprendizagem em nível de decodificação de
letras e palavras-chave, tornando o ato de ler uma seqüência basicamente linear.
Constatamos, assim, que as propostas de leitura realizadas nas Escolas não
têm por hábito fundamentarem-se em teorias que tratem de estratégias cognitivas -
capacidades internamente organizadas que o aluno usa para guiar seus próprios
processos de atenção, aprendizagem, memória e pensamento - e que
proporcionem ao educando a construção e atribuição de sentidos aos textos, fator
que, possivelmente, contribui para o desinteresse, por parte de inúmeros alunos,
em cultivar o hábito da leitura. Contrário a essa prática, Smith (apud KATO; 1999,
80) se manifesta e esclarece que, o ato de [...] ler buscando diretamente o
significado, sem a preocupação de decodificar palavra por palavra, ou mesmo letra
por letra, é a melhor estratégia de leitura.
Ao apropriar-se dos mecanismos ou estratégias que norteiam os caminhos
24
para a compreensão leitora, o leitor poderá desenvolver sua criticidade, autonomia,
e tornar-se capaz, não somente de inferir, mas de encontrar respostas aos
problemas que surgem durante o percurso de leitura.
Cientes de que a leitura pode realizar-se de diferentes formas, em nossa
pesquisa optamos por uma fundamentação teórica que privilegia o ato de ler como
construção dos sentidos, de modo que a leitura se realize por meio de estratégias
cognitivas que regem os comportamentos automáticos, inconscientes do leitor [...].
(KLEIMAN; 2004,50).
Diante do exposto, a seguir tecemos algumas considerações que, com base
na teoria cognitivista, auxiliam o processo de ensino e aprendizagem e motivam os
educandos à prática da leitura.
Para se obter êxito na aplicação das estratégias, especificamente em se
tratando de leitura, é de suma importância para o processamento das informações e
conseqüente atribuição de sentidos, não somente as características do texto e do
leitor, mas também, o objetivo a que este se propõe a alcançar, além dos seus
conhecimento prévios.
Constatamos que determinadas teorias conduzem os professores a
esquematizarem um modo adequado de ensino da leitura e, em conseqüência
disso, a tornar seus alunos mais motivados a essa atividade. Lembramos que todo
processo de ensino de leitura, sob uma concepção cognitivista, pressupõe o uso de
estratégias para a compreensão leitora.
Portanto, ensinar as estratégias é proporcionar uma leitura mais clara e
significativa, além de promover a motivação para esse processo, pois o aluno
procederá a leitura de forma consciente e será capaz de interrogar-se sobre sua
própria compreensão, relacionar o conteúdo lido com seu acervo pessoal,
questionar e modificar seu conhecimento.
Este procedimento também favorece o leitor a familiarizar-se com as macro e
micro-estruturas textuais, bem como com termos lexicais e sintáticos diversos,
apropriando-se de certos conhecimentos, entre eles o conhecimento lingüístico que,
segundo Koch e Elias (2006, 40), por meio dele:
25
[...] podemos compreender: a organização do material lingüístico na
superfície textual; o uso dos meios coesivos para efetuar a remissão
ou seqüenciação textual; a seleção lexical adequada ao tema ou
aos modelos cognitivos ativados.
Ainda, a respeito dos conhecimentos ativados durante a prática de leitura,
Kleiman (2004, 26) pronuncia-se afirmando que a construção de sentidos realiza-se
por meio da ativação dos conhecimentos lingüístico, textual e de mundo que, ao
interagirem entre si tornam o ato de ler um processo interativo. E complementa
esclarecendo que:
O conhecimento lingüístico, o conhecimento textual, o conhecimento
de mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar
ao momento da compreensão, momento esse que passa
desapercebido, em que as partes discretas se juntam para fazer um
significado.
Tais conhecimentos são relevantes para a compreensão leitora e, caso ainda
não estejam interiorizados, o leitor, possivelmente, não compreenderá o texto.
Ao professor cabe ativar os conhecimentos prévios dos alunos, que precisam
sentir-se capazes de selecionar as informações principais e as secundárias
presentes nos textos; perceber os mecanismos de coesão e coerência e se estes
foram bem utilizados, fator que contribui efetivamente para a construção de sentidos
do texto.
Nessa perspectiva, trabalhar com estratégias de leitura deve proporcionar
meios de amadurecimento e autonomia para o leitor em formação - o que deve ser
prioridade da prática pedagógica. Isso será possível fazendo um trabalho, embora
consciente das dificuldades inerentes ao processo, certo da capacidade de
transformação nele inserida. Daí a preocupação com a construção do sentido do
texto, com os procedimentos envolvidos nessa construção, com as estratégias
acionadas no processo de leitura e, principalmente, com a necessidade de o
26
professor assumir uma nova postura nas aulas de leitura, em que busque
embasamentos teóricos que possibilitem a sistematização do seu trabalho em sala
de aula, especificamente nas aulas de prática de leitura.
A esse respeito, vale salientar a importância da elaboração de um
planejamento que contemple especificamente essas aulas, para que sua condução
seja sistematizada e fundamentada em teorias que discorram sobre o assunto, e
assim, contribua para a obtenção de resultados eficazes. Porém, nossa experiência
como educadores nos mostra que o tratamento dado à leitura, como objeto de
conhecimento, não é o esperado para uma atividade de tamanha relevância e
complexidade. Lembramos que, para ter acesso aos conteúdos das diversas
disciplinas é imprescindível que o aluno saiba ler e, se além disso conhecer e
dominar as estratégias de leitura, terá o controle de sua própria compreensão.
Ao conceituar estratégias, Valls (1990 apud SOLÉ, 1998, 69) afirma que:
[...] são suspeitas inteligentes, embora arriscadas, sobre o caminho
mais adequado que devemos seguir. [...] Um componente essencial
das estratégias é o fato de que envolvem autodireção – a existência
de um objetivo e a consciência de que este objetivo existe – e
autocontrole, isto é, a supervisão e avaliação do próprio
comportamento em função dos objetivos que o guiam e da
possibilidade de modifica-lo em caso de necessidade.
Sabemos que as estratégias pressupõem a existência de um objetivo e
decorrem de uma prática viva do ato de ler, de um lado vivenciando as diferentes
formas de ler existentes nas práticas sociais; do outro respondendo aos diferentes
propósitos de quem lê.
Ao referir-se às estratégias, Solé (1998, 69) comunga com Valls (1990) das
mesmas idéias ao considerar que:
[...] são procedimentos de caráter elevado, que envolvem a
presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das
ações que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua
avaliação e possível mudança.
27
Percebemos, assim, que as estratégias de leitura são habilidades usadas
para promover a compreensão em situações de leitura, ou ainda, procedimentos ou
atividades escolhidas para facilitar o processo de aquisição de informações, que
caracterizam-se por serem planos flexíveis que os leitores usam, adaptados às
diferentes situações, variando de acordo com o texto a ser lido e o plano ou
abordagem elaborada previamente pelo leitor.
Apesar da relevância atribuída às estratégias, é perceptível, em grande parte
das Escolas da Rede Pública Estadual, a não utilização sistematizada desse
procedimento, em especial das estratégias de leitura sob uma concepção
construtivista que, segundo Solé (1998, 75):
[...] é entendida como uma ajuda proporcionada ao aluno para ele
poder construir seus aprendizados [...], pois sem ela é muito
duvidoso que meninos e meninas possam dominar conteúdos e
conseguir seus objetivos.
A este respeito, Kato (1999, 135) sugere que o professor desenvolva suas
aulas de leitura de forma que privilegie a utilização tanto de estratégias cognitivas –
que proporcionem ao leitor procedimentos eficazes e econômicos, responsáveis
pelo processamento automático e inconsciente, quanto de estratégias
metacognitivas, que regulem a aplicação dessas estratégias para interrompê-las
diante de possíveis falhas detectadas neste percurso. As estratégias metacognitivas
permitem ao leitor planejar, monitorar e regular o seu próprio pensamento enquanto
lê. Isto ocorre porque a metacognição é um aspecto que envolve o conhecimento e
controle que o leitor tem sobre sua própria cognição.
Durante a leitura, o leitor não precisa necessariamente chegar ao seu final
para emitir juízo a respeito do que leu, pois ao utilizar-se de estratégias, será capaz
de prever o seu desfecho. Daí a nossa insistência para o uso de estratégias
cognitivas que motivem e auxiliem o aluno, para o desenvolvimento de sua
28
competência leitora.
Podemos dizer que o leitor que pretende ser bem sucedido na leitura precisa
operacionalizar com diferentes formas de agir sobre o texto, quer dizer, é
necessário que utilize estratégias. Adicione-se a isso suas experiências de leitura
e/ou o seu conhecimento prévio sobre o assunto a ser lido, visto que a
compreensão de um texto requer entre outras coisas, o conhecimento de outros
textos, conforme esclarece Kleiman (2004, 25): A ativação do conhecimento prévio
é, então, essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o
assunto que lhe permite fazer as inferências necessárias para relacionar diferentes
partes discretas do texto num todo coerente.
Assim, o leitor será capaz de identificar elementos explícitos e interpretar
elementos implícitos, fazer previsões e escolhas adequadas, formular hipóteses
que resguardem o sentido dado pelas condições de produção do discurso, e
posicionar-se de modo crítico frente ao texto. A este respeito, Solé (1998, 103)
comenta que [...] Quando um escrito já é conhecido, o leitor não tem que fazer
nenhum esforço para compreendê-lo.
Segundo Kleiman (2004), uma vez que o aluno é capaz de decodificar um
texto escrito, se ele pode fazer uso da informação sintática do texto enquanto lê, e
se ele já, praticamente, completou sua apendizagem de aquisição da linguagem, as
dificuldades que apresenta no desempenho da leitura ocorrem, na verdade, em
função das estratégias utilizadas para estes fins.
Assim, a autora sugere a utilização do conhecimento prévio como estratégia
para desenvolver no aluno a prática de leitura. Para a autora, é na reconstrução do
conhecimento prévio que o leitor poderá encontrar sentido ou dar sentido às
informações que o texto lhe traz.
A compreensão do que está implícito mostra ao aluno o sentido e a
importância que tem a leitura e o próprio ato de ler em si. Portanto, a utilização do
saber partilhado na compreensão dos atos de ler é um procedimento relevante no /e
para o ensino da leitura.
29
Vale lembrar que cada indivíduo armazena os conhecimentos na memória a
partir de suas experiências pessoais. É preciso, no entanto, que autor e leitor de
um texto possuam, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns.
Os elementos textuais que remetem ao conhecimento partilhado entre os
interlocutores constituem a informação dada, ao passo que tudo aquilo que for
introduzido a partir dela constituirá uma nova informação trazida pelo texto.
Salientamos que, para o texto ser bem compreendido é importante haver equilíbrio
entre o já dado e o novo, pois o leitor deve ter uma base para interpretar o todo
como algo significativo.
Smith (1999) afirma que o melhor elemento estratégico no aprendizado da
leitura é aquele em que o leitor o faz sem estar preocupado em "agarrar” as
palavras, ou seja, quando busca o sentido do texto, sem se preocupar em fazer o
reconhecimento de palavras isoladas. Como estratégia para a compreensão da
leitura, o leitor deve identificar o sentido imediato do texto, o que pode ser feito se
ele o percorrer totalmente antes de ser lido, isto é, antes de uma leitura mais
apurada. Assim, por meio de uma leitura global, em que o leitor busque indícios do
que trata o texto, estará ativando seus conhecimentos prévios, com a finalidade de
compreender o que está sendo informado.
Parece-nos que, em se tratando de ensino de estratégias para a motivação e
construção de sentidos da leitura, a Escola Pública ainda tem muito em que se
aperfeiçoar, uma vez que [...] o nosso professor não está tratando a leitura como o
processamento sociocognitivo interacional de informações e, conseqüentemente,
nosso ensino não é eficaz. (SILVEIRA;1998,151).
Durante o processo de ensino e aprendizagem de leitura, o professor exerce
um papel significativo, o de modelo, para que os educandos tenham um referencial
e assumam, gradativamente, um papel ativo na leitura.
A esse respeito, Solé (1998, 76) associa as situações de ensino e
aprendizagem voltadas às estratégias de leitura, como,
30
[...] processos de construção conjunta, nos quais se estabelece uma
prática guiada através da qual o professor proporciona aos alunos
os “andaimes” necessários para que possam dominar
progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada
das ajudas iniciais.
Ao optar por um modelo construtivista, muda-se a concepção acerca da
leitura e, conseqüentemente, a metodologia de ensino da leitura na sala de aula.
Acerca do construtivismo, trata-se de uma concepção teórica que parte do
princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações
mútuas entre o indivíduo e o meio. A idéia é que o homem não nasce inteligente,
mas responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar
o seu próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada.
Aplicado nas aulas de leitura, este modelo propõe uma ação interativa desta
prática. Tem-se, então, um aluno-leitor que constrói os sentidos do texto, a partir
dos seus objetivos e do seu repertório de experiências prévias, e um professor-
mediador que propicia as situações de interação texto-leitor.
Em relação ao processo ensino e aprendizagem, sob um enfoque
construtivista, vale salientar que trata-se de um auxílio oferecido ao aluno, para que
ele possa, paulatinamente, construir seus conhecimentos.
À propósito, abordaremos três concepções significativas que tratam do
processo relativo ao ensino e aprendizagem de leitura e das estratégias, sob um
enfoque construtivista (SOLÉ,1998):
A primeira concepção contempla a situação educativa como processo de
construção conjunta, (EDUARDS e MERCER, 1988 apud SOLÉ, 1998,75) em que
alunos e professor, por meio de estratégias, refletem sobre a realidade e
compartilham os significados do texto. Assim, os alunos se apropriam dos
procedimentos de leitura de forma mais concreta, o que os possibilitará de entender
e interpretar quaisquer textos.
Apesar de tratar-se de uma construção conjunta, o professor é um elemento
significativo neste processo, muito embora tais procedimentos tenham como
protagonistas os alunos. Além disso, por ser uma construção, não devemos esperar
31
que ela ocorra repentinamente.
Quanto à segunda concepção, o professor exerce a função de guia e
desenvolve um elo entre a construção do conhecimento que o aluno precisa realizar
e o cumprimento, socialmente estabelecido, desse conhecimento. É o que Rogoff
(1984; apud SOLÉ, 1998, 75) chama de participação guiada, em que o professor
incentiva o aluno a ativar seus conhecimentos prévios para associá-los à situação
de leitura a que será exposto. Em outras palavras, podemos dizer que a
participação guiada é um processo interacional, no qual professor e aluno
selecionam, organizam e desenvolvem determinada atividade. Neste processo, o
professor providencia a regulação do nível de dificuldade da atividade e um
suporte para que o aluno possa desempenhar certas partes da tarefa que não
consegue realizar sozinho.
Desta forma, é propiciado ao aluno um caminho para assumir,
gradativamente, a condução de seu aprendizado, até que possa controlar e aplicá-
lo, sem a intervenção do professor.
A participação guiada aproxima-se da idéia de “andaimes”, já citada
(WOOD, BRUNER e ROSS, 1976 apud SOLÉ;1998, 76), e que a descrevemos
como a terceira concepção.
Nesta concepção, assim como os andaimes, a proposta é que o ensino
esteja sempre além do que o aluno seja capaz de desenvolver. Desta forma, assim
que ele estiver seguro e sentir-se capaz de conduzir sua própria aprendizagem, o
professor deverá, progressivamente, deixar de oferecer sua ajuda. Para tanto, a
aprendizagem deve ser significativa e favorecer o aluno a interiorizar e utilizá-la de
forma autônoma.
Assim como no processo ensino e aprendizagem, a idéia de andaimes
propicia, também, a construção conjunta de mecanismos adequados à utilização de
estratégias de leitura. Para isso, o professor deve servir de modelo, em que atuará
como espelho para o aluno. Ao adotar essa postura, o professor procede à leitura
do texto em voz alta e comenta os mecanismos disponíveis para a compreensão do
texto em nível da superfície lingüística.
32
Após essa etapa, é solicitada a participação dos alunos na elaboração de
questões e no levantamento de hipóteses e inferências a respeito do texto.
Em seguida, os alunos lêem silenciosamente o texto, tarefa que,
anteriormente, era de responsabilidade do professor que a realizava em voz alta,
fazia as inferências ao texto e, por fim, aplicava questões interpretativas, que muitas
vezes não dependiam de interpretação ou compreensão, somente de mera
associação.
A respeito das inferências, vale salientar
que permitem captar o que não está
dito no texto de forma explícita, ou seja, a inferência é aquilo que lemos, mas não
está escrito. São adivinhações baseadas tanto em pistas dadas pelo próprio texto
como em conhecimentos que o leitor possui. Às vezes essas inferências se
confirmam e às vezes não; de qualquer forma, não são adivinhações aleatórias.
Kleiman (2004, 25) comenta que: Há evidências experimentais que mostram com
clareza que o que lembramos mais tarde, após a leitura, são as inferências que
fizemos durante a leitura; não lembramos o que o texto dizia literalmente.
Sabemos da grande dificuldade que os alunos encontram em transferir os
conhecimentos adquiridos para as atividades propostas nas diversas disciplinas.
Em virtude dessa dificuldade é que surgem as estratégias para dirimir esse
problema, não só no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem de
conteúdos curriculares – pois em sua maioria, as disciplinas fazem uso de textos
escritos - mas também, e especialmente, em relação ao ensino e incentivo da
leitura, pois, o ensino de estratégias de compreensão contribui para dotar os alunos
dos recursos necessários, para aprender a aprender. (SOLÉ, 1998, 72)
Nessa perspectiva, entendemos que um leitor competente é aquele que usa
a linguagem escrita e, portanto, a leitura – efetivamente, em diferentes
circunstâncias de comunicação; é aquele que se apropriou das estratégias de
leitura características das diferentes práticas sociais, das quais participa, de tal
forma que as utiliza no processo de (re)construção dos sentidos dos textos.
Esses procedimentos e estratégias de leitura tanto são individuais, após seu
aprendizado, e caracterizados como processos cognitivos de alta complexidade,
33
quanto sociais, sendo decorrentes das especificidades das práticas sociais nas
quais se realizam.
No que se refere ao ensino de leitura, supomos que, inicialmente, este deva
ser um processo compartilhado, em que o professor coordena as atividades e os
alunos o acompanham. Gradualmente, os alunos poderão assumir o controle da
tarefa e tornarem-se aptos a desenvolver quaisquer leituras de forma autônoma e
competente, e nós, educadores, teremos formado leitores proficientes.
Entendemos que as estratégias de leitura contribuem para um processo de
construção conjunta do conhecimento, em que o professor assume o papel de
modelo; mantém o foco direcionado ao objetivo proposto, além de coordenar o
processo de leitura, garantindo com que os alunos, neste caso os responsáveis pelo
direcionamento da discussão, encarreguem-se de controlar o desenvolvimento
desse processo.
Sendo assim, partimos do pressuposto de que toda a aprendizagem requer
uma demonstração para que se torne efetivamente significativa para o aprendiz,
conforme os preceitos da teoria construtivista.
Ao trabalharmos com as estratégias para a compreensão de textos em sala
de aula, a abordagem da leitura passa a estar centrada no processo, o que nos leva
a deduzir que o ensino de estratégias é um meio para conduzir o aluno em seu
trabalho de leitor ativo, que constrói o significado do texto a partir de determinados
recursos como os conhecimentos prévios a respeito do assunto, do autor e da
língua, além da consciência dos objetivos que o motivam e norteiam o seu ato de
ler.
Esses recursos permitem, ao leitor, a consciência da necessidade de fazer
da leitura uma atividade caracterizada pelo engajamento e uso do conhecimento.
Desta forma, a leitura implica uma atividade de procura, por parte do leitor, que
deve utilizar seus conhecimentos enciclopédicos (de mundo), textual e lingüístico ao
longo do processo de atribuição de sentidos.
Acerca do papel ativo do leitor, Smith (1999) afirma que a informação não-
visual é fundamental na leitura, porque o significado não é representado
34
diretamente na estrutura de superfície da linguagem, nos sons da fala ou nas
marcas visíveis da escrita. Assim, os leitores devem dar significado ao que lêem,
empregando o seu conhecimento prévio acerca da linguagem e do assunto do
texto.
Percebemos, enfim, que entre os diversos desafios enfrentados pela escola,
o de fazer com que os alunos apreciem e aprendam a ler com autonomia parece
assumir um lugar de destaque, uma vez que presenciamos a formação de pessoas
que, apesar de permanecerem na escola durante o período proposto pela
legislação, e ainda, terem aprendido a ler e a escrever de forma satisfatória, não se
sentem capazes de utilizar esse conhecimento em suas práticas sociais.
Diante da realidade em que nos encontramos, no que se refere ao ensino da
leitura, constatamos que os dados são alarmantes em função de um número
excessivo de analfabetos funcionais, como confirma Solé (1998, 33),
[...] os dados indicam que nas sociedades ocidentais, o fenômeno
do analfabetismo funcional, longe de diminuir, aumenta a ritmo
regular [...]
E complementa afirmando que,
[...] as freqüentes referências da mídia aos poucos aficionados pela
leitura existente em nosso país e a publicação de estatísticas de
venda de livros e de jornais também constituem um claro expoente
de que não utilizamos a leitura tanto quanto poderíamos e que, de
qualquer forma, não lemos muito.
De acordo com pesquisa realizada em 15/08/2006 a respeito do acesso a
livros, entre os brasileiros de 15 a 64 anos: (Câmara Brasileira do Livro; Instituto da
Biblioteca Nacional; Banco Nacional de Desenvolviimento Econômico e Social;
Ministério da Educação, 2006).
35
61% têm muito pouco ou nenhum contato com os livros;
47% possuem no máximo dez livros em casa;
30% localizam informações simples em uma frase;
37% localizam informações em texto curto;
25% estabelecem relações entre textos longos.
E ainda, em relação ao número de livros que uma pessoa lê por ano:
1,8 no Brasil;
7 na França;
5,1 nos Estados Unidos;
5 na Itália;
4,9 na Inglaterra;
2,4 na Colômbia.
A partir dos dados obtidos, podemos constatar que o Brasil vive uma
situação preocupante no que se refere à leitura, pois demonstra que a questão do
acesso ao material impresso é um problema que, apesar de antigo, instaurado na
sociedade desde a Idade Média, em que somente uma minoria privilegiada teria
acesso aos escritos, seu reflexo é percebido nos dias atuais.
Além disso, fatores de ordem econômica, social e cultural contribuem para
que um número cada vez menor de pessoas adquiram ou se interessem pela
leitura.
É necessário refletirmos como esses aspectos históricos repercutem nas
práticas pedagógicas até hoje e mais, conscientizarmo-nos de que a leitura precisa
de uma transformação radical, que envolva tanto Estado, como professor e aluno.
36
Sabemos que a prática de leitura encontra-se ineficiente por diversos
motivos, dentre eles pela falta de livros em casa, na escola, na biblioteca; pela
ausência de espaço para a tarefa; pela falta de motivação e por não haver uma inter
-relação entre a leitura e a realidade do leitor.
Com o intuito de contribuir para adaptar e tornar o ensino de leitura mais
eficaz, abordaremos, em seguida, algumas estratégias de leitura compartilhada
sugeridas por Palincsar e Brown (1984, apud SOLÉ, 1998, 118) que, se colocadas
em prática, contribuirão para a formação de leitores competentes, capazes de lidar
com textos diversos, inclusive aqueles menos explorados pela escola. Lembramos
que as estratégias mencionadas foram pensadas para que o leitor possa regular
sua compreensão antes, durante e após a leitura e não devem ser ensinadas
isoladas de uma prática de leitura:
Formular previsões sobre o texto a ser lido;
Formular perguntas sobre o que foi lido;
Esclarecer possíveis dúvidas sobre o texto;
Resumir as idéias do texto.
Dessa forma, o leitor poderá realizar a leitura a partir de um objetivo
proposto, fazer previsões sobre o que está lendo, verificá-las e envolver-se num
processo ativo de controle da compreensão. Nessa etapa, ora o professor, ora o
aluno assumem a responsabilidade de conduzir e envolver os demais na tarefa de
leitura compartilhada, o que Palincsar e Brown (apud SOLÉ, 1998) denominam
como modelo de ensino recíproco. Ocorre assim, concomitantemente, a
demonstração do modelo do professor e o assumir progressivo de
responsabilidades por parte dos alunos.
O professor e os alunos lêem o trecho de um texto, de preferência em
silêncio, e após a leitura, o professor os conduz por meio das estratégias
congnitivas. Inicialmente, o professor realiza a retomada do assunto por meio de um
37
resumo e verifica se há concordância. Em seguida, pode solicitar esclarecimentos a
respeito de possíveis dúvidas sobre o texto e formular perguntas que induzam os
alunos a relerem o texto. Após esta etapa, informa suas previsões sobre o que
ainda não foi lido e reinicia, assim, as etapas acima – ler, resumir, solicitar
esclarecimentos, fazer previsões.
Vale lembrar que, ao procurar esclarecer suas dúvidas, o leitor desenvolve a
capacidade de controle da compreensão do texto lido e, conseqüentemente,
aperfeiçoa a habilidade em formular perguntas relevantes para a construção dos
sentidos do texto.
As atividades de leitura devem ser motivadas antes de sua realização, o que
envolve, além de outros fatores, a apresentação dos objetivos de leitura e do
exemplo oferecido pelo professor, como propõe Solé (1998, 91): Nenhuma tarefa de
leitura deveria ser iniciada sem que as meninas e meninos se encontrem motivados
para ela, sem que esteja claro que lhe encontram sentido.
Além disso, ao propor a aplicação de estratégias para a compreensão leitora,
deve-se ter a clareza de que a seqüência apresentada não é rígida, pode e deve
ser alternada de acordo com as diferentes situações de leitura, seus objetivos e, em
especial, ser adapada aos alunos envolvidos nessa prática.
O processo de ensino da leitura deve ser lento e progressivo, e requer uma
intervenção educativa respeitosa e ajustada. Devemos fazer com a leitura o que se
faz com outros conteúdos do ensino: mostrar como um especialista os utiliza;
planejar situações em que os alunos possam assumir progressivamente esta tarefa
e ajudá-los para que possam ir sempre além – como exemplificado pelos “alicerces”
da educação – no que se refere ao controle de seu aprendizado e, no caso
específico da leitura, controle de sua compreensão.
38
2.2 As estratégias cognitivas e os objetivos da leitura
Uma questão que devemos priorizar a respeito do ensino de leitura
relaciona-se aos objetivos pretendidos. A esse respeito, Kato (1999) alerta para o
fato de que o aluno/leitor necessita ter claros os objetivos para a realização da
leitura, e conseqüentemente, para a construção dos sentidos dos textos, pois, na
ausência de uma finalidade definida ele dificilmente poderá controlar sua
compreensão, ou ainda, será norteado pela compreensão determinada pelo
professor, conforme esclarece Kleiman (2004, 35) [...] quando lemos porque outra
pessoa nos manda, como acontece freqüentemente na escola, estamos apenas
exercendo atividades mecânicas que pouco têm a ver com significado e sentido.
Neste caso, a ausência dos objetivos também poderá suscitar problemas durante a
leitura, não detectados pelo leitor, o que o impedirá de ativar suas estratégias
metacognitivas (KATO,1999).
A autora esclarece que as estratégias metacognitivas são acionadas como
controle das ações cognitivas, ou seja, elas ocorrem [...] quando o leitor sente
alguma falha em sua compreensão. Essas estratégias funcionariam nesses casos
como mecanismos detectores de falhas [...] e são resultado de um esforço maior de
nossa capacidade de processamento. (KATO; 1999, 104), além disso, elas também
são acionadas quando se objetiva memorizar ou aprender algo. Para Kleiman
(2004, 34), elas podem representar a capacidade de estabelecer objetivos na
leitura, ou seja, ela regula e controla o próprio conhecimento.
Se por um lado é importante que os alunos saibam para que estão lendo,
por outro é fundamental que o professor esteja seguro de que o texto selecionado
ofereça aos alunos condições para alcançarem os objetivos propostos, ou seja, que
observe a adequação da linguagem às capacidades cognitivas dos alunos, bem
como se o texto realmente contempla os objetivos propostos, além de certificar-se
39
de que tanto o objetivo como o texto ofereçam motivação para a realização da
tarefa.
O termo motivação compreende, não necessariamente um caráter lúdico,
mas a garantia de que os alunos possuem os conhecimentos prévios que
viabilizem essa atividade, e que esta seja significativa, em outras palavras,
considere os interesses dos alunos. Desta forma, será possível construir um
significado sobre o que é lido, vale dizer, elaborar uma compreensão.
Entendemos, portanto, que a leitura no âmbito escolar, para ser bem
sucedida, necessita de que os responsáveis pela educação promovam o uso de
estratégias e estabeleçam objetivos para essa atividade. Assim, os alunos se
sentirão mais motivados e predispostos a ler, pois, à medida que lerem, poderão
articular as informações, de modo a estabelecer nexos explicativos que levem à
construção de sentidos. Realizam uma série de operações mentais de checagem
da leitura: avaliam e verificam a confirmação das hipóteses levantadas no início da
leitura, procuram captar a linha de argumentação do autor, a relação entre um
parágrafo ou um capítulo e o outro, ou seja, passam a monitorar sua leitura e,
conseqüentemente, sua compreensão, o que poderá motivá-los a realizá-la e a
buscar outros textos.
A esse respeito, merece destaque uma experiência vivenciada em sala de
aula com o desenvolvimento de uma proposta de leitura, em que o objetivo
estabelecido foi a obtenção de uma informação precisa. Os alunos manifestaram
total envolvimento e, apesar de não terem sido orientados a pesquisarem outros
textos que abordassem o tema em pauta, assim que surgiu uma oportunidade,
trouxeram para a sala de aula diversos materiais de leitura sobre o assunto.
Desencadeou, que, além da possibilidade de aprofundarmos o tema, facultou-nos
tratar sobre a intertextualidade, uma vez que os diversos materiais de leitura,
apresentados pelos alunos, dialogavam entre si.
Sabemos, porém, que o procedimento apresentado não pode ser
generalizado, pois entendemos que determinadas práticas de leitura não estimulam
o aluno a buscar novas leituras, como nos lembra Kleiman (2004, 30) ao afirmar
que,
40
[...] o contexto escolar não favorece a delineação de objetivos
específicos em relação a essa atividade. Nele a atividade de leitura
é difusa e confusa, muitas vezes se constituindo apenas em
pretexto para cópias, resumos, análise sintática [...].
A autora justifica a necessidade da explicitação de objetivos para a leitura ao
salientar que somos capazes de lembrar muito melhor aqueles detalhes de um texto
que têm a ver com um objetivo específico. Isto é, compreendemos e lembramos
seletivamente aquela informação que é importante para o nosso propósito.
(KLEIMAN; 2004, 30-31).
A partir de nossa experiência, somos levados a acreditar que o professor, ao
propor atividades de leitura, deva apresentar os objetivos que determinarão a forma
como o leitor se situará frente a ela e compartilhar com os alunos o uso de
estratégias que facilitarão a compreensão dos textos.
Ressaltamos, então, sua relevância na construção de sentidos, pois grande
parte da interpretação dos textos depende do seu reconhecimento. Ou seja, ainda
que o conteúdo de um texto permaneça invariável, é possível que leitores com
finalidades diferentes extraiam informações distintas. Além disso, Koch e Elias
(2006, 19), ao tratar do tema, acrescentam que são, os objetivos do leitor que
nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou em menos tempo; com mais
atenção ou com menos atenção; com maior interação ou com menor interação,
enfim.
Desta forma, os objetivos de leitura são elementos fundamentais quando se
trata de ensinar o aluno a ler e a compreender o texto, ou seja, cabe ao professor
informar ao aluno a finalidade de determinada leitura, o que contribuirá para que o
aluno conduza sua própria leitura e identifique suas preferências literárias.
Apesar de não serem estanques, nem tampouco finitos, Solé (1998, 93)
sugere a utilização de alguns objetivos que podem ser considerados no ensino da
leitura e de suma importância na vida adulta: Ler para obter informação precisa; Ler
para seguir instruções; Ler para obter uma informação de caráter geral; Ler para
41
aprender; Ler para revisar um escrito próprio; Ler por prazer; Ler para comunicar um
texto a um auditório; Ler para praticar a leitura em voz alta; Ler para verificar se
compreendeu. No Capítulo III este assunto será retomado, devido a sua pertinência
na análise do corpus.
Vale ressaltar que, por meio dos objetivos o leitor cria expectativas e
elabora hipóteses que serão testadas, conforme desenvolve a leitura. Em outras
palavras, uma vez que o objetivo da leitura seja, por exemplo, encontrar a opinião
do editor de um jornal sobre um determinado programa econômico, o leitor
procederá a leitura do texto munido de diversas expectativas e formará algumas
hipóteses, tanto sobre a estrutura do texto, quanto sobre o conteúdo.
Devemos ter a clareza de que a finalidade de se ensinar os alunos a ler com
objetivos diversos é fazer com que eles, aos poucos, sem a interferência do
professor, determinem objetivos que despertem seu interesse e sejam adequados
às suas leituras, atendendo assim, às necessidades do leitor.
42
2.3 Conhecimentos acionados durante a leitura
O leitor, durante a leitura, faz uso de estratégias cognitivas que precisam ser
consideradas no processamento de sentidos do texto. As estratégias, como já
mencionamos, são responsáveis também, pela ativação do conhecimento prévio
que o leitor possui a respeito dos aspectos envolvidos na leitura – conhecimentos
sobre o tema, o gênero, o suporte material em que o texto foi publicado (jornal,
revista, livro, folder, panfleto, folheto etc.), sobre o autor do texto, a época em que o
texto foi produzido, ou seja, sobre as condições de produção do texto a ser lido –
para selecionar as informações que possam constituir o contexto de produção da
leitura, que garantirá a fluência da mesma. Para Kleiman (2004, 25):
A ativação do conhecimento prévio é, então, essencial à
compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o
assunto que lhe permite fazer as inferências necessárias para
relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente.
O conhecimento prévio possibilita ao leitor tanto antecipar informações que
podem estar inseridas no texto a ser lido, quanto realizar inferências, ou seja,
realizar uma leitura para além das palavras.
Ao abordar a construção de sentidos do texto, Solé (1998, 40) esclarece que
ela se processa a partir dos nossos conhecimentos prévios, a partir daquilo que já
sabemos, do que já fazia parte da nossa bagagem experiencial.
Além disso, durante o processamento dos sentidos, o leitor também localiza
informações presentes no texto; confere as inferências e antecipações realizadas,
para que possa validá-las ou refutá-las; sintetiza as informações contidas no texto;
estabelece relações entre os diferentes segmentos do texto e as informações
43
recebidas de outras leituras, por meio da intertextualidade, assim como entre os
conhecimentos enciclopédicos (de mundo) que já possui.
É necessário reconhecer a ocorrência de diversos modos de leitura e de
interpretação, e perceber que essas possibilidades decorrem das variações
surgidas na constituição histórica do leitor. A valorização dessa diversidade é que
permite, principalmente na escola, a expansão dos sentidos do ato de ler. Não há,
portanto, um único leitor possível para um texto, assim como não há
homogeneidade de leituras, uma vez que todo texto é polissêmico.
Entre os diversos fatores que contribuem para a ampliação do universo
comunicacional leitor/texto, encontram-se os tipos de relações textuais, contextuais
e intertextuais estabelecidas nesse processo interativo, que contribuem para o
surgimento de diferentes níveis de leitura.
Dessa forma, uma vez que entre um leitor e outro há sempre conhecimentos
enciclopédicos (de mundo), lingüísticos e interacionais distintos, a leitura torna-se
polissêmica, devido aos sentidos que permearão o texto e que serão recontruídos a
cada leitura. A esse respeito, Koch e Elias (2006, 21) se pronunciam explicitando
que: Considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são
diferentes de um leitor para outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e de
sentidos em relação a um mesmo texto.
Percebemos, assim, que os conhecimentos acionados durante a leitura
referem-se, respectivamente, aos conhecimentos lingüísticos (de mundo), que
correspondem ao conhecimento do léxico e da gramática, responsáveis pela
escolha dos termos e organização do material lingüístico na superfície textual,
inclusive dos elementos coesivos; referem-se também, aos conhecimentos
enciclopédicos (de mundo), que compreendem as informações armazenadas na
memória de cada indivíduo que, segundo Smith (1999, 40-46) é categorizada por
memória de longo prazo, em que são armazenados todos os nossos
conhecimentos sobre o mundo de forma organizada que, a qualquer momento,
poderão ser recuperados, ao contrário da memória de curto prazo, em que as
informações enviadas são rapidamente retidas e descartadas, ou seja, apesar de
44
ser funcional, sua capacidade de reter informações é limitada, tanto em relação ao
prazo, quanto à quantidade de informações retidas.
São acionados também, os conhecimentos interacionais, que se relacionam
com a dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de certas
ações por meio da linguagem e englobam os conhecimentos ilocucionais, que se
referem aos meios diretos e indiretos utilizados para atingir um dado objetivo;
conhecimentos comunicacionais, que se ligam ao anterior e relacionam-se com os
meios adequados para atingir os objetivos desejados; conhecimentos
metacomunicativos, que se referem aos meios empregados para prevenir e evitar
distúrbios na comunicação (procedimentos de atenuação, paráfrases, parênteses
de esclarecimento, entre outros) e conhecimentos superestruturais ou
conhecimentos sobre gêneros textuais, que permitem aos usuários reconhecer um
texto como pertencente a determinado gênero ou tipo. (KOCH e ELIAS, 2006).
A ativação dos conhecimentos prévios é ponto de partida para o processo de
compreensão e interpretação textuais, e fator decisivo no incentivo à leitura, uma
vez que, ao relacionar o texto ao contexto e ao seu conhecimento prévio, o leitor é
motivado não só à realização da leitura, mas também a procurar novas leituras,
muitas das quais tratam o mesmo tema, por meio da intertextualidade.
Desse modo, podemos constatamos que a ativação dos conhecimentos
prévios permite ao leitor fazer inferências necessárias para relacionar diferentes
partes do texto em um todo coerente, entretanto, muitas vezes o leitor não dispõe
de conhecimento prévio relevante que seja suficiente para efetivar tal atividade,
fator que inúmeras vezes o desmotiva e não o conduz à aprendizagem e à
construção de sentidos do texto.
Portanto, reiteramos o papel fundamental do professor em proporcionar uma
leitura significativa aos seus alunos, pois o sucesso da interação entre leitor e texto
na sala de aula é diretamente proporcional à sua mediação antes, durante e depois
da leitura.
45
2.4 Leitura e construção de sentidos
A tentativa de inserção do indivíduo no mundo se dá a partir da confrontação
de diferentes horizontes de significado, o que ocorre à medida que desvela e
vivencia significados atribuídos ao mundo pelo próprio indivíduo e por outras
pessoas. (SILVA, 1996).
Por outro lado, as significações que constrói do mundo dependem das
posições assumidas por ele. Assim, o fato de estar no mundo já se manifesta como
uma possibilidade de significados.
Tratar de leitura remete à questão da construção de sentidos constituídos no
contexto de interação entre autor e leitor via texto, que se expressam
diferentemente, de acordo com a subjetividade do leitor: seus conhecimentos, suas
experiências e seus valores.
Pode-se dizer, assim, que o texto constrói-se a cada leitura, pois não carrega
em si um sentido preestabelecido pelo seu autor, mas pistas para os sentidos
possíveis. Koch e Elias (2006, 21) confirmam que:
[...] o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na
interação autor-texto-leitor. Por isso, é de fundamental importância
que o leitor considere na e para a produção de sentido as
‘sinalizações’ do texto, além dos conhecimentos que possui.
Durante a leitura, processo que promove o encontro entre leitor e autor via
texto, ambos constituem-se e são constituídos por meio desse encontro e confronto
de significados construídos na interação de cada um com seu mundo. Nessa
interação que mantém com o autor, o leitor ao compreendê-lo modifica, ajusta e
amplia suas concepções, as quais exercem um impacto sobre a sua percepção.
Deste modo, a monitoração da compreensão do texto não é de
46
responsabilidade apenas do leitor, mas compete também ao autor,
[...] responsabilidade esta que, para o caso do leitor, consiste em
releituras, análise de palavras e frases, inferências, ativação de
conhecimentos, e, para o autor, consiste em mapear claramente as
pistas que permitam uma reconstrução do significado e da intenção
comunicativa. (KLEIMAN; 2004, 67).
Percebemos, então, que a compreensão decorre da negociação de sentidos
que está sustentada no leitor, na situação pragmática e no texto, sendo a coerência
textual marcada pela interpretação do interlocutor. De acordo com Silva (1996), a
interpretação desvela as possibilidades de significação que a compreensão projeta
a partir do texto. Parece, então, que a interpretação apresenta-se como um nível
mais profundo de desvelamento de significados, no qual o leitor participa mais ativa
e intensamente enquanto sujeito ativo desse processo. Assim, interpretar um texto
implica reconhecer a intenção do autor, confirmando a força do enunciado por meio
dos recursos gráficos e léxicos.
Nesta perspectiva, o leitor desempenha um papel ativo na construção de
sentidos, sendo as inferências um processo cognitivo relevante para esse tipo de
tarefa. Isso ocorre porque elas possibilitam construir novos conhecimentos a partir
de dados previamente armazenados na meria do interlocutor, que são ativados e
relacionados às informações contidas no texto. No entanto, apesar da liberdade
cedida ao leitor nesta tarefa, ele também é controlado pelos significados
constituídos pelo texto e pelas suas condições de uso.
Para garantir a organização dos sentidos produzidos pelo leitor na sua
interação com o texto, invariavelmente, lança-se mão do processo inferencial, que
permite destacar a rede de significados que o leitor é capaz de estabelecer diante
de inúmeras possibilidades que é o texto. Essa rede de significados não é aleatória,
origina-se a partir da interação entre dois mundos em situação de leitura: o do autor
e o do leitor.
Percebemos, assim, que as inferências exercem um papel essencial na
47
compreensão da leitura, uma vez que permitem ao leitor mergulhar na trama de
significados do texto e perceber as intenções comunicativas do autor, por meio da
interlocução em um nível mais profundo de significado do que o proposto pelo
léxico, que o levará a ultrapassar o nível da literalidade.
Por ser uma atividade cognitiva, a inferência é uma habilidade fundamental
na tomada de decisão em situação-problema. A esse respeito, Solé (1998, 129)
adverte que diante de um problema que implica o desconhecimento de determinada
palavra do texto, a interrupção da leitura justifica-se somente se a compreensão do
texto estiver intrinsecamente associada à palavra em questão, pois, quando a leitura
é interrompida, o leitor “desliga”, perde o ritmo e precisa se ligar novamente. Porém,
ao detectar que a incompreensão de determinada palavra não compromete a
interpretação do texto, a decisão mais coerente é dar continuidade à leitura e
procurar preencher essa lacuna com as informações obtidas pelo contexto.
Nesse processo, o conhecimento do leitor tem um papel fundamental, pois
por meio desse conhecimento (encilopédico e lingüístico) ele poderá garantir uma
compreensão para além dos elementos superficiais do texto, ajustando com o autor
os possíveis significados. Por isso, é de fundamental importância que o leitor
considere na e para a produção de sentidos as “sinalizações” do texto, além dos
conhecimentos que possui. (KOCH e ELIAS; 2006, 21).
A tarefa de leitura implica tomada de decisões durante todo o seu percurso e,
diante de problemas, as estratégias de leitura ajudarão o leitor a escolher outros
caminhos. Ao tratar dos diferentes problemas que o leitor enfrenta durante a leitura,
Solé (1998, 129) esclarece que,
[...]a primeira decisão a tomar perante um problema de leitura,
perante uma incompreensão, é se deve-se ou não realizar alguma
ação compensatória. Nesta decisão desempenham um papel
fundamental os objetivos de leitura do leitor, sua necessidade de
compreender e a própria estrutura do texto.
Não podemos falar em leitura sem nos remeter à questão de construção de
48
sentidos constituídos no contexto de interação recíproca entre autor e leitor via
texto, que se expressam diferentemente, de acordo com a subjetividade do leitor:
seus conhecimentos, seus valores e suas experiências.
A construção de sentidos de um texto se dá por meio da reconstrução do
mesmo ao ativar a memória em relação a leituras anteriores e da sintonia com
dados culturais subjacentes a esta leitura, como explicita Goulemot (1996, 110): Por
história cultural, entendo a história política e social, que sem que sejamos seus
autores, trabalha aquilo que nós lemos.
Nesse caso, podemos dizer que o texto constrói-se a cada leitura, não
trazendo em sí um sentido preestabelecido pelo autor, mas uma demarcação para
os sentidos possíveis. Reconhecemos, a partir daí, que o texto é polissêmico e,
como tal, oferece possibilidades de ser reconstruído a partir do universo de sentidos
do leitor, que lhe atribui coerência por meio de uma negociação de significados.
É necessário destacar que a compreensão de leitura não é orientada apenas
pelas marcas gráficas do texto, mas sobretudo, pelo que estas marcas têm a dizer e
pelo modo como o leitor apreende e interpreta a interação pretendida pelo autor.
Essa interpretação ocorre no momento da interação autor/texto/leitor, gerando
sentidos que variam de acordo com o leitor e com a natureza da interação.
Diante dessa proposição, é preciso esclarecer que, se por um lado há um
apagamento do caráter interpretativo, que fixa apenas um sentido verdadeiro às
palavras; por outro se faz necessária uma certa coerência quanto à interpretação,
pois se os sentidos podem ser vários, isso não segnifica que possa ser qualquer
um, o que nos remete a Goulemot (1996, 115) ao afirmar que: O sentido nasce, em
grande parte, tanto desse exterior cultural quanto do próprio texto e é bastante certo
que seja de sentidos já adquiridos que nasça o sentido a ser adquirido.
Para tal, é importante que o leitor seja capaz de diferenciar o leitor real que é,
do leitor virtual, sabendo-se assim, como alguém que carrega intenções que podem
não se identificar com aquelas pretendidas pelo autor.
É nessa perspectiva que se toma a leitura – atividade polissêmica e não
linear – como um processo inferencial e cognitivo, ativado a partir da relação entre
49
leitor, texto e contexto.
Por ser uma atividade significativa, a leitura não pode ser entendida
desvinculada à participação do leitor como possuidor de uma história de vida.
História que faz diferença quando do seu encontro com o texto e que favorece o
surgimento de inferências marcadas pela ativação de um contexto, que diz respeito
à sua memória cognitiva.
A partir do que vimos nesse capítulo, procederemos, a seguir, à análise do
corpus, tendo como ponto de partida as estratégias de leitura como elemento
desencadeador da construção de sentidos do texto.
50
CAPÍTULO III – UM PERCURSO DE LEITURA
3.1 Procedimentos de análise
Cientes de que toda tarefa de leitura requer planejamento e objetivos claros,
bem como desafios a serem lançados para o leitor, procuramos desenvolver uma
Proposta de Leitura baseada no “Modelo de Ensino Recíproco” (PALINCSAR e
BROWN, 1984 apud SOLÉ, 1998) em que o professor desempenha o papel de
“modelo” para os alunos, que o observam como atua diante de determinadas
situações-problema que surgem durante o percurso de leitura, além de garantir que
se cumpram os objetivos propostos para a tarefa, bem como o uso e aplicação das
estratégias que se propôs a ensinar.
Tarefas como esta podem possibilitar ao aluno, progressivamente, assumir a
responsabilidade e o controle da situação de leitura, pois, por meio da [...]
demonstração de modelos, participação ativa e guiada, correção e transferência
progressiva da competência, (PALINCSAR e BROWN, 1984 apud SOLÉ 1998, 80)
o conhecimento é construído pautado em uma concepção construtivista, para que o
aluno se torne um leitor competente e autônomo.
Por ser a leitura uma atividade indispensável para a apropriação de novos
conhecimentos, é imprescindível que os professores desenvolvam metodologias
eficazes para o ensino dessa tarefa. E, por ser uma atividade cognitiva, requer que
seja ensinada e praticada para tornar-se significativa para o aluno.
Sabemos que a leitura tem sido a “vilã” nos resultados de exames nacionais,
o que demonstra a dificuldade que nossos alunos enfrentam diante de atividades
que envolvem leitura e interpretação de textos. Nessa perspectiva, fica evidente a
51
necessidade de os professores focarem sua atenção às questões direcionadas às
práticas de leitura, dentre elas, o ensino das estratégias cognitivas.
O acesso ao aprendizado da leitura apresenta-se como um dos múltiplos
desafios da escola e, talvez, como o mais valorizado e exigido pela sociedade. É
necessário propor aos alunos atividades de leitura, em que os mesmos possam
evidenciar a idéia de que o significado do texto a ser construído depende tanto dos
objetivos e da natureza do texto, como dos conhecimentos prévios do leitor.
Uma Proposta de Leitura não deve, em hipótese alguma, trazer insegurança
ao aluno, ou seja, ele deve sentir-se capaz de realizá-la e ter a certeza de que
poderá contar com o apoio do professor ou de qualquer outro recurso didático
disponível, como o dicionário, por exemplo.
Sendo assim, a Proposta de Leitura a que nos propusemos a analisar foi
norteada pelos segmentos abordados até então e teve como objetivo constatar a
aplicação de estratégias de leitura pelos alunos ao realizarem a leitura de um texto
narrativo, cujo título: “Enchente” foi retirado propositalmente, a fim de que
percebessem sua relevância como elemento regulador de antecipação e
inferências.
A Proposta analisada foi desenvolvida com oito alunos do sétimo e oitavo
anos do Ensino Fundamental da Rede Pública Estadual , do período vespertino,
com faixas etárias que variam entre 12 e 13 anos e destinou-se à verificação do uso
de estratégias cognitivas durante a leitura de um texto retirado do livro: “Didática de
Português – Tijolo por Tijolo” de Ana Tereza Naspolini, destinado às séries iniciais
do Ensino Fundamental. O texto escolhido, por não contar com o título nesse
primeiro momento, procura levar o leitor a refletir sobre a importância desse
indicador na construção de sentidos, bem como, a necessidade do uso de
estratégias para a compreensão leitora, uma vez que, a partir do título, o leitor
desenvolve processos cognitivos de antecipação e inferências de fatos presentes
no texto, como já mencionado.
Nesta Proposta de Leitura contamos com a colaboração de quatro
professoras que lecionam para alunos do sexto ao nono anos do Ensino
52
Fundamental, na disciplina de Língua Portuguesa, nos períodos matutino e
vespertino, respectivamente.
As professoras aplicaram as propostas de leitura a alguns de seus alunos, de
forma aleatória, além de responderem a um questionário destinado à constatação
do conhecimento e aplicação de estratégias cognitivas, durante as aulas de leitura.
Inicialmente, houve o contato com o texto por meio de uma leitura global,
para o reconhecimento textual. Nessa primeira atividade, as professoras envolvidas
solicitaram aos alunos para que observassem a referência do texto e sua
tematização, a fim de ativarem os conhecimentos partilhados entre o autor e o leitor,
ou seja, o conhecimento lingüístico, o enciclopédico (de mundo) e o interacional.
(KOCH e ELIAS, 2006).
Esse primeiro contato com o texto resgatou o conhecimento prévio, o que
promoveu a intertextualidade e pertimitiu a recuperação de textos armazenados na
memória do leitor, assim como a lembrança de episódios vivenciados ou
observados como sujeito ativo e ‘interativo’ de um determinado contexto
histórico/social.
53
3.2 O título: ativador de conhecimentos prévios
Apesar de, em cada lembrança resgatada verificarmos a articulação entre a
referência tematizada pelo autor e as experiências e textos vivenciados pelos
alunos, que poderiam atuar como peças fundamentais para a compreensão e
interpretação do texto, nesse primeiro momento da tarefa a compreensão ficou
afetada devido à ausência de um indicador de extrema importância – o título - no
que concerne ao estabelecimento de inferências diversas como: rever e comprovar
a própria compreensão enquanto se lê e tomar decisões adequadas ante erros ou
falhas na compreensão [...] (SOLÉ; 1998, 74).
Como verificamos, o título é um dos recursos integrantes do texto que atua
como pista deixada pelo autor - para possibilitar ao leitor prever o assunto a ser
tratado – além de promover uma articulação entre o tema proposto e os
conhecimentos prévios do leitor.
Por seu intermédio, o leitor promove antecipações, levanta hipóteses que, no
decorrer da leitura, serão confirmadas ou rejeitadas, pois só com a leitura do titulo e
dos subtítulos é possível imaginar o que vamos encontrar no texto, e isso inclui
tanto uma delimitação temporal como uma primeira cronologia. (SOLÉ; 1998, 110).
Caso sejam rejeitadas, as hipóteses serão reformuladas e testadas, sempre
amparadas pelos conhecimentos prévios que foram ativados no processo de
interação com o texto. Como lembra Solé (1998, 31-32):
[...] Os títulos e outras partes do texto marcadas de forma diferente
podem desempenhar essa função [estabelecer pontes conceituais
entre o que o leitor já conhece e o que se deseja que aprenda e
compreenda], se estiverem bem construídos.
54
Durante a primeira leitura, as hipóteses, as expectativas, as inferências foram
estabelecidas, porém não confirmadas, uma vez que os sentidos dados ao texto
não estavam sustentados por um encadeamento lógico de idéias.
Assim, constatamos que, tanto as características do leitor quanto as
particularidades do próprio texto e do autor, interferem para a construção da
compreensão leitora, pois o título, como elemento constitutivo do texto, ajuda o leitor
a prestar atenção a aspectos fundamentais, a orientar suas previsões [...] e a
verificá-las, o que leva à interpretação do texto. (SOLÉ; 1998, 30).
Desta forma, o título fornecerá o contexto, ou seja, o significado que as
palavras despertarão no leitor, por meio do seu conhecimento prévio e da sua
experiência de vida, além de, por vezes, promover a antecipação, o que possibilitará
a compreensão integral do texto.
A seguir, apresentaremos a análise da amostra.
55
3.3 Amostras
3.3.1 Proposta de leitura
A escolha dessa amostra justifica-se por constatarmos que para proceder à
construção de sentidos é necessário, entre outros fatores, lançar mão de algumas
informações fornecidas pelos elementos que compõem o texto. Tais elementos,
como o “título”, podem contribuir de forma significativa para a antecipação de
informações e confirmação de hipóteses durante a leitura.
Diante disso, percebermos que a ausência do “título”, nesse caso o
responsável pelo contexto, pode levar o leitor a construções de sentidos
equivocadas, o que reforça sua relevância como elemento constituinte do texto, que
deve ser percebido na pré-leitura, assim como os demais indicadores que compõem
o texto.
TEXTO: (Título: .................................)
Quando percebi, tudo já havia acontecido. O rádio ficou
mudo e, apesar de mais pessoas estarem por perto, lá estava
eu, sozinho com os meus pensamentos...
56
O frio que eu sentia era diferente. Entrava pela pele e doía
nos ossos, fazendo meu corpo todo tremer. Desapertei a
gravata e tirei o paletó. Tentei manter a calma e abri
lentamente a janela. Com muito esforço saí, mas não
conseguia perceber exatamente onde eu estava. Meus
movimentos eram lentos e desajeitados...
não me importava com coisas materiais... meus
documentos, dinheiro, meu carro ou qualquer coisa assim.
Consegui tirar os sapatos, que me incomodavam muito, e
tentei me dirigir para a única direção onde provavelmente
encontraria um poste. Foi quando vi a mulher tentando pegar
o cachorro: comecei a rir sem parar e apoiei meu corpo
cansado em cima de um muro. Passou por mim um garoto
assustado puxado por seu pai, um guarda com uma velhinha
e um rapaz tranqüilo que aparentemente me conhecia, pois
disse um “oi, tudo sob controle aí?” e foi embora.
Nesse momento comecei a entender como o trágico mora
perto do cômico!
Aos poucos consegui chegar a uma padaria que recebia
quase todo mundo que escapava. Tomei um conhaque e,
como bom brasileiro, fiquei trocando idéias e procurando
soluções para os problemas do mundo com meus novos
amigos...
(Cócco e Hailer, 1994
a
:82 apud Naspolini, 1996:24)
a) Por que o rádio ficou mudo?
57
b) Por que a personagem tirou o paletó, desapertou a gravata e abriu a janela
se sentia frio?
___________________________________________________________________
c) Por que os sapatos o incomodavam?
___________________________________________________________________
d) Por que ele se dirigiu a um poste?
___________________________________________________________________
e) Por que ele se apoiou em cima do muro e não no muro?
___________________________________________________________________
f) O texto não possui título. Qual é a importância do título em um texto?
___________________________________________________________________
58
3.3.2 Questionário para as professoras
Procederemos, neste momento, à análise das respostas ao questionário
destinado às professoras que lecionam para alunos do sexto ao nono anos do
Ensino Fundamental, da Rede Pública Estadual.
Salientamos que, a finalidade do presente questionário foi verificar de que
forma as professoras procedem a leitura e a exploração de textos, ou seja,
constatar se em suas aulas de leitura lançam mão do uso de estratégias cognitivas
que promovam a compreensão leitora.
QUESTIONÁRIO:
a) Quais são as dimensões textuais que têm sido objeto de análise nas aulas
de leitura/compreensão do texto?
( ) afetiva ( ) cognitiva ( ) lingüística ( ) textual
b) Costuma informar aos alunos sobre o objetivo da leitura que realizam?
( ) sim ( ) não
Em caso afirmativo, o que costuma dizer aos alunos?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
59
c) Exploração do texto:
Quais são as fases que você, professor, percorre na análise do texto?
c.1) Antecipação da leitura:
Desperta a curiosidade e estimula o aluno para o aprofundamento do tema?
( ) sim ( ) não
Ativa conhecimentos prévios do aluno:
( ) sim ( ) não
c.2) Durante a leitura:
Sugere que seja feita uma leitura inicial para se ter um primeiro contato com o
texto?
( ) sim ( ) não
Para a compreensão do texto, faz uso de estratégias de leitura?
( ) sim ( ) não
Em caso afirmativo, quais?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
c.3) Para além do texto:
60
Sugere que os alunos emitam juízos de valor sobre o conteúdo lido?
( ) sim ( ) não
De que forma os alunos demonstram a compreensão do texto?
Por meio de:
( ) paráfrases ( ) resumos ( ) ilustrações ( ) outros
61
3.4 Análise das amostras
3.4.1. Análise das propostas de leitura “sem título”
A fim de procedermos a análise, nos propusemos à verificação do
conhecimento e uso de estratégias cognitivas, por parte dos alunos, durante o
processo de leitura em que, as perguntas apresentadas funcionam apenas como
um sinalizador de tal procedimento.
Lembramos que o título da amostra indicador fundamental que pode
funcionar como ativador de conhecimentos prévios - não foi fornecido aos alunos
para procederem à primeira leitura do texto. Devido à ausência deste recurso, que
ao nosso ver era de total relevância para a confirmação das hipóteses por eles
construídas, não foi possível inferirem com segurança a respeito das questões
abordadas.
Seguem abaixo as respostas referentes às questões levantadas. Foram
analisados oito alunos de sétimos e oitavos anos do Ensino Fundamental da Rede
Pública Estadual, que ora passam a ser denominados como: A1; A2; A3; A4; A5;
A6; A7 e A8, suas professoras serão identificadas como: P1; P2; P3 e P4.
a) Por que o rádio ficou mudo?
Alunos da P1:
A1 – Porque desligaram o rádio;
A2 – Por causa dos pensamentos dele.
62
Alunos da P2:
A3 – Porque ele estava com o pensamento em outras coisas;
A4 – Porque quando ele tinha percebido tudo já tinha acontecido.
Alunos da P3:
A5 – Porque o rádio está fora de alcance;
A6 – Porque saiu do alcance.
Alunos da P4:
A7 – Porque apesar de mais pessoas estarem por perto, lá estava eu sozinho;
A8 – O rádio ficou mudo para ele pois só ouvia seus pensamentos.
Percebemos que algumas respostas à essa questão foram construídas a
partir de informações armazenadas na memória do aluno, ou seja, a partir de seus
conhecimentos prévios, pois uma vez que no texto não havia pistas claras e óbvias
que favorecessem o encadeamento de idéias coerentes à situação proposta –
Quando percebi, tudo já havia acontecido. O rádio ficou mudo [...] - o aluno, de
posse de seus conhecimentos enciclopédicos (de mundo) sobre o funcionamento
de aparelhos eletrônicos, como o rádio, inferiu que, devido a possíveis falhas na
transmissão das ondas sonoras, o rádio perdeu a sintonia e deixou de funcionar,
justificando assim, estar fora do alcance.
Uma outra hipótese foi construída a partir das informações contidas na
superfície textual, em que os alunos lançaram mão de seus conhecimentos
lingüísticos, pois, à medida que procederam a leitura do texto e reconheceram as
63
palavras, suas mentes se ocuparam de construir significados e, conseqüentemente,
agruparam frases com base em seus conhecimentos lingüísticos o que, de certa
forma, os nortearam na tomada de decisões para responderem à essa questão.
Desta forma, ao afirmarem que o rádio ficou mudo em função de o
personagem estar absorto em seus pensamentos, alheio a tudo o que estava
acontecendo e por sentir-se sozinho, apesar de outras pessoas estarem por perto,
e ainda, a possibilidade de o personagem ter desligado o rádio; neste momento os
alunos lançaram mão, além de seus conhecimentos lingüísticos, de seus
conhecimentos enciclopédicos (de mundo).
Assim, tanto a possiblidade de o rádio deixar de funcionar, em função de o
personagem tê-lo desligado, como a possibilidade de o personagem desligar-se
temporariamente daquela situação, perdido em seus pensamentos, conforme
sugeriram os alunos, são perfeitamente concebíveis se pensarmos que, para
responder a essa questão, os alunos recorreram, principalmente, às informações
visuais – [...] colhidas através dos olhos. (SMITH, 1999, 19) - conforme sugere o
texto: Quando percebi, tudo já havia acontecido. O rádio ficou mudo e, apesar de
mais pessoas estarem por perto, lá estava eu, sozinho com os meus pensamentos.
Podemos, então, dizer que as inferências suscitadas pelos alunos são, de
certa forma, coerentes, uma vez que para fundamentar a compreensão do texto
basearam-se, quase que exclusivamente, nas informações visuais da estrutura de
superfície do texto. Vale lembrar que tal percurso se justifica em função de não
conhecerem o contexto da leitura, que poderia ser esclarecido por meio do título.
b) Por que a pesonagem tirou o paletó, desapertou a gravata e abriu a
janela se sentia frio?
Alunos da P1:
A1 - Porque ele estava trancado e a janela era o único lugar por onde ele poderia
sair;
64
A2 - Pelo nervoso.
Alunos da P2:
A3 - Porque o frio que ele sentia era diferente;
A4 - Porque ele se sentia diferente.
Alunos da P3:
A5 - Abriu para tentar acalmar;
A6 - Ele saiu para tentar manter a calma.
Alunos da P4:
A7 - Porque o frio que ele sentia era diferente, entrava pela pele e doía os ossos;
A8 - Para tentar manter a calma.
A essa pergunta, como na anterior, os alunos também acionaram seus
conhecimentos prévios, além de se apoiarem nas informações presentes na
superfície do texto, o que se comprova no seguinte trecho: O frio que eu sentia era
diferente. Entrava pela pele e doía os ossos, fazendo meu corpo todo tremer.
Desapertei a gravata e tirei o paletó. Tentei manter a calma e abri lentamente a
janela.
Vale lembrar, que as informações levantadas são passíveis de falhas, em
função da omissão do título que, nesse caso, favoreceria a compreensão mais
precisa do texto. A exemplo disso temos as respostas: Porque o frio que ele sentia
era diferente, entrava pela pele e doía os ossos; porque o frio que ele sentia era
diferente e porque ele se sentia diferente, que se justificam se levarmos em conta
que os alunos não possuíam o contexto geral do texto.
65
Desta forma, as ferramentas utilizadas para a construção de sentidos,
mesmo que posteriormente tal construção não seja confirmada são,
repectivamente, o conhecimento lingüístico e o conhecimento enciclopédico (de
mundo) dos alunos.
Além dessas respostas, os alunos sugeriram também que, por conta de o
personagem estar trancado, a janela era o único lugar por onde ele poderia passar,
o que procede ao analisarmos que o personagem estava trancado no carro e
desejava sair dali, assim, a janela era o único lugar por onde o personagem poderia
passar.
Percebemos que os alunos lançaram mão das informações visuais presentes
na estrutura da superfície textual, que, com certeza, não contêm as informações
relevantes do texto.
Outras respostas também merecem que deitemos os olhos, como por
exemplo: Para tentar manter a calma; pelo nervoso; abriu para tentar acalmar e ele
saiu para tentar manter a calma. Fica evidente, nestas respostas, que os alunos
recorreram especificamente à estrutura de superfície do texto permeada por seus
conhecimentos, entre eles o enciclopédico (de mundo) – quando se está preso em
um ambiente é necessário que nos retiremos para nos mantermos calmos. Desta
forma, os alunos, ao processarem a leitura e inferirem a respeito dessa questão,
permitiram que o texto atuasse sobre seus esquemas cognitivos.
c) Por que os sapatos o incomodavam?
Alunos da P1:
A1 - Porque ele ficou muito tempo de sapatos;
A2 - Porque apertavam e ele queria se sentir solto.
66
Alunos da P2:
A3 - Porque os sapatos estavam apertados;
A4 - Porque ele se sentia incomodado com os sapatos.
Alunos da P3:
A5 - Porque ele não suportava coisas materiais;
A6 - Porque não se importava com coisas materiais.
Alunos da P4:
A7 - Porque já não se importava mais com coisas materiais, com documentos etc;
A8 -Porque os sapatos estavam incomodando muito e se não tirasse não ia
conseguir andar.
A esta questão, uma das hipóteses levantadas sugere que o personagem
não se importava mais com coisas materiais, entre elas os sapatos, conforme
podemos constatar no trecho: Já não me importava com coisas materiais...meus
documentos, dinheiro, meu carro ou qualquer coisa assim. Consegui tirar os
sapatos, que me incomodavam muito [...].
Mais uma vez, para responderem a esta questão, os alunos lançaram mão
das informações contidas na superfície textual, indicadores que serviram para ativar
seus conhecimentos prévios que, por mera associação entre os sapatos e as coisas
materiais, inferiram que o personagem os tivesse tirado por não se importar mais
com eles. Assim, os alunos utilizaram simultaneamente seus conhecimentos
enciclopédicos (de mundo) e os conhecimentos do texto para construírem sua
interpretação.
Uma outra hipótese, levantada pelos alunos, propõe que o personagem
sentia-se incomodado com os sapatos e assim, os retirou. Fica evidente que os
67
alunos lançaram mão tanto de informações visuais, aportadas pelo texto, como não-
visuais, armazenadas em sua memória. Porém, veremos mais à frente que tais
informações não garantiram a eficácia na construção da compreensão, por não
estarem contextualizadas.
d) Por que ele se dirigiu a um poste?
Alunos da P1:
A1 – Para poder se apoiar;
A2 – Ele se dirigiu para se apoiar.
Alunos da P2:
A3 – Porque nada mais importava a ele;
A4 – Porque foi a única direção que ele encontrava.
Alunos da P3:
A5 – Porque ele estava apertado;
A6 – Para fazer xixi.
Alunos da P4:
A7 – Ele tentou se dirigir para a única direção onde provavelmente encontraria um
poste.
A8 – Para se apoiar porque estava muito cansado.
68
Ao tentarem formular hipóteses sobre esta questão, os alunos divergiram em
alguns pontos; alguns inferiram que o personagem se dirigiu ao poste, pois estava
apertado, o que nos possibilita deduzir que para construir tal associação, fizeram
uso de conhecimentos sócio-culturais presentes em seu cotidiano. O mesmo ocorre
ao sugerirem que o personagem se dirigiu a um poste para poder se apoiar.
Tal informação não procede, pois, em momento algum o autor deixa pistas que
levassem o leitor a construir tal hipótese, o que nos leva a presumir que, em ambas
as hipóteses, a construção de sentidos, apesar de incoerente, se deu,
especificamente, pela ativação dos conhecimentos prévios sobre o comportamento
de determinado grupo de pessoas que tem por hábito, utilizar o poste com este fim.
Outras hipóteses também foram levantadas, em que os alunos sugeriram
que o personagem se dirigiu ao poste, por ser a única direção que ele encontrava.
Percebemos, nessa construção, que os alunos, por não terem acesso aos
indicadores contextuais, apenas transcreveram a informação que consta no texto,
conforme segue: [...] e tentei me dirigir para a única direção provavelmente
encontraria um poste.
Ao procederem desta forma, os alunos deixaram transparecer que a leitura
do texto foi um ato mecânico, pois, ao apresentarem suas hipóteses, verificamos
que não realizaram ligações textuais, nem tampouco, contextuais, o que lhes
induziu a inferir sobre a atitude do personagem. Assim, concluímos que houve falha
na compreensão e, por conseguinte, na construção de sentidos do texto.
e) Por que ele se apoiou em cima do muro e não no muro?
Alunos da P1:
A1 - Porque o muro era mais baixo que ele;
A2 – Porque queria ver a mulher correr atrás do cachorro.
69
Alunos da P2:
A3 – Porque o cachorro estava solto;
A4 – Porque ele viu uma mulher com um cachorro e ele se apoiou no muro.
Alunos da P3:
A5 – Porque o muro era baixo;
A6 – Porque o muro era baixo.
Alunos da P4:
A7 – Porque ele estava cansado;
A8 – Porque estava rindo muito e muito cansado, se ele não se apoiasse em cima
do muro iria cair.
As respostas a essa questão nos levaram a constatar que, em função da
ocorrência de lacunas na compreensão - pela ausência do contexto - alguns alunos
inferiram que o personagem se apoiou “em cima” do muro porque, além de ele estar
cansado, o muro era baixo, o que lhe possibilitaria apoiar-se para descansar.
Outras hipóteses também foram levantadas pelos alunos; deduziram que o
personagem se apoiou em cima do muro para ver a mulher pegar o cachorro, e
assim, procuraram confirmar essa hipótese baseados em elementos lingüísticos do
texto – Foi quando vi uma mulher tentando pegar o cachorro: comecei a rir sem
parar e apoiei meu corpo cansado em cima de um muro – e relacioná-los aos seus
conhecimentos já constituídos para a produção de sentidos.
Em relação às hipóteses construídas, verificaremos, posteriormente, que
tanto uma quanto a outra são incoerentes em relação aos sentidos conferidos ao
texto.
70
f) O texto não possui título. Qual é a importância do título em um texto?
Alunos da P1:
A1 – Porque um texto sem título fica meio sem sentido e se você lê o título, dá para
você ter uma idéia do que se trata o texto;
A2 – O título é importante para que nós possamos imaginar mais ou menos o que
irá acontecer.
Alunos da P2:
A3 – É o que representa o texto;
A4 – Sem o título ficou difícil responder.
Alunos da P3:
A5 – Porque o título dá mais ou menos a idéia de como é o texto;
A6 – Para a gente iventar a história e responder.
Alunos da P4:
A7 – A importância do título para um texto é dar nome e um significado;
A8 – A importância do título é para sabermos do que se trata a história, e ao fazer
um texto, seguirmos todo pelo título.
E por fim, a última questão foi elaborada com o intuíto de levar os alunos a
refletirem sobre a função que o título desempenha como elemento desencadeador
de inferências, desde que bem estruturado. (SOLÉ, 1998).
71
Nesta questão, os alunos foram unânimes em reconhecer a importância do
título nos textos, uma vez que sua presença possibilita ao leitor antecipar a idéia a
ser tratada e assim, atribuir significado ao texto, além de funcionar como um
elemento facilitador na tarefa de compreensão do texto. Sugeriram também que sua
função, entre outras, é a de oferecer um “nome” ao texto e servir como um fio
condutor durante o processo de produção textual.
Foi possível constatar que, durante toda a tarefa de leitura, os alunos
buscaram dialogar com o texto para confirmarem suas hipóteses. Na ausência de
informações mais consistentes, neste caso cabíveis ao título, lançaram mão de
conhecimentos enciclopédico (de mundo), lingüístico e interacional para tentar
transpor algumas falhas de interpretação.
No entanto, a compreensão do texto ficou afetada, pois os alunos
perceberam os significados das palavras apenas como propriedade das mesmas,
sem a possibilidade de contextualizá-las e assim, com essa visão, alguns fatos
indicavam uma direção e outros indicavam o sentido contrário, o que, de certa
forma comprometeu a constituição de sentidos com base em pistas objetivas.
Percebemos, diante dessa primeira análise, que os sentidos do texto foram
constituídos por meio da interação leitor/texto/autor, em que a estrutura textual
deveria atender tanto aos objetivos pretendidos pelo autor, como às expectativas
geradas pelo leitor, pois, a estrutura do texto oferece indicadores essenciais que
permitem antecipar a informação que contém e que facilitam enormemente sua
interpretação. (SOLÉ; 1998, 86).
No entanto, apesar de as estratégias de leitura serem procedimentos
cognitivos inconscientes e imprescindíveis para a compreensão leitora, verificamos
que os alunos não lançaram mão de tais procedimentos estratégicos em
determinadas questões, que, podem capacitar os alunos para ler de forma
autônoma e produtiva [...] (SOLÉ; 1998, 81), uma vez que, ao tentarem respondê-
las, transcreveram as palavras que constavam do texto de forma mecanizada, como
ocorreu ao responderem à pergunta: Por que a personagem tirou o paletó,
72
desapertou a gravata e abriu a janela se sentia frio? Ao que eles responderam: Por
que o frio que ele sentia era diferente.
A esse respeito, Lajolo (2005, 109) manifesta-se contrária à idéia de “cópia”
do texto mediante perguntas realizadas para interpretação textual, em que os
exercícios que sugerem ao aluno que “interpretar, compreender ou entender um
texto (atividades que podem muito bem definir o ato de leitura) é “repetir” o que o
texto diz. A leitura, sob esse enfoque, perde sua função e deixa de ser significativa.
Em outras questões, apesar de acionarem seus conhecimentos prévios para
construÍrem o significado do texto, depararam-se com alguns problemas que não
permitiram a confirmação de determinadas hipóteses e inferências suscitadas
durante a leitura, o que, se levarmos em conta o título do texto, constataremos a
ocorrência de falhas na compreensão.
73
3.4.2 Análise das propostas de leitura “com título”
Procederemos, em seguida, à análise da leitura do segundo texto que, como
informado anteriormente, contém informações semelhantes ao primeiro.
Lembramos, porém, que antes de iniciar a tarefa de leitura do segundo texto, as
professoras informaram aos alunos qual era o título: “Enchente”.
De posse dessa informação que, para a compreensão textual, neste caso, é
de fundamental relevância, os professores prosseguiram a leitura do texto, desta
vez, com possibilidades de verificação das hipóteses levantadas pelos alunos,
durante a leitura, além da comprovação de inferências e antecipações, já suscitadas
durante a leitura do primeiro texto, uma vez que o título possibilitou tais atividades
cognitivas.
Após a leitura do texto foi possível confirmar não só as previsões que os
alunos formulavam abertamente, mas também a atualização de seus
conhecimentos prévios, necessários para a execução de tarefas de leitura.
Foi possível verificar que as previsões realizadas pelos alunos não foram
absurdas, ou seja, de posse das informações disponíveis no texto, como o título,
geraram expectativas que, mesmo que não se realizassem na sua totalidade,
mostraram-se coerentes.
Observamos, nesta etapa, que a compreensão tornou-se mais clara porque
os alunos apreenderam os sentidos do texto. A leitura foi consideravelmente mais
acessível aos alunos que, com base na informação contida no título, ativaram seus
conhecimentos lingüístico, enciclopédico (de mundo) e interacional utilizando
justificativas textuais e extratextuais.
Os alunos iniciaram a transcrição das respostas referentes à segunda
proposta, desta vez mais seguros, pois as hipóteses e inferências formuladas
poderiam ser revisadas e confirmadas ou rejeitadas.
74
Como no texto anterior, a pergunta inicial foi:
a) Por que o rádio ficou mudo?
Alunos da P1:
A1 – Porque a água encobriu o rádio;
A2 – Porque entrou água.
Alunos da P2:
A3 – Porque a água o pegou;
A4 – Por causa da água.
Alunos da P3:
A5 – Porque molhou o rádio;
A6 – Porque molhou o rádio.
Alunos da P4:
A7 – Por causa da enchente;
A8 – Por que encheu de água e queimou.
Nesta etapa da leitura, em que os alunos contaram com uma informação
adicional e relevante – o título - que, para a compreensão deste texto era
imprescindível, responderam que o rádio ficou mudo em função de a água –
proveniente da chuva - tê-lo molhado.
75
Assim, por meio de seus conhecimentos enciclopédicos (de mundo), foram
capazes de inferir que, possivelmente, tenha ocorrido um curto-circuito, interferindo
assim, no funcionamento normal do rádio. O encadeamento das idéias para a
compreensão desta pergunta ocorreu a partir do momento em que, lançando mão
de conhecimentos prévios sobre este fato tão comum nas grandes cidades - a
enchente – e o relacionando com a informação presente no texto: Quando percebi,
tudo já havia acontecido. O rádio ficou mudo [...], os alunos confirmaram suas
hipóteses e controlaram sua compreensão.
b) Por que a personagem tirou o paletó, desapertou a gravata e abriu a
janela se sentia frio?
Alunos da P1:
A1 – Ele abriu a janela para poder escapar. E ele desapertou a gravata e tirou o
paletó para ficar mais fácil de nadar e andar;
A2 – Tirou porque estava ensopado e abriu a janela para ver a rua.
Alunos da P2:
A3 – Porque estava tudo molhado;
A4 – Porque ele se sentia todo molhado e sentia muito frio.
Alunos da P3:
A5 – Para ficar mais leve;
A6 – Porque estava um pouco molhado e não dava para subir no muro.
76
Alunos da P4:
A7 – Para ver a enchente;
A8 – Abriu a janela para conseguir sair de casa.
As respostas dos alunos demonstram que, se por um lado alguns
compreenderam os sentidos do texto e associaram o fato de o personagem ter
retirado as peças do vestuário por estarem molhadas pela chuva e, por isso, sentir-
se incomodado e querer livrar-se delas para poder movimentar-se com mais
liberdade; outros demonstraram não atentar para as pistas deixadas pelo autor e
procederam uma leitura superficial, sem compromentimento com os sentidos do
texto: Abriu a janela para conseguir sair de casa, ou ainda: Tirou porque estava
ensopado e abriu a janela para ver a rua.
Mediante tais respostas, é possível perceber que estes alunos não lançaram
mão de seus conhecimentos prévios, pois, diante do fato exposto pelo texto,
espera-se que o leitor infira que, por tratar-se de um acontecimento rotineiro nos
dias atuais, a atitude de qualquer indivíduo envolvido nesta situação, seja querer
livrar-se de tudo que o impeça de movimentar-se e garantir, assim, sua segurança.
Desta forma, constatamos que determinados alunos aplicaram estratégias e
construíram os sentidos do texto de forma autônoma e competente, por outro lado,
ao analisarmos as demais respostas, verificamos que outros alunos desconhecem
ou não sabem utilizar as estratégias para a compreensão leitora.
c) Por que os sapatos o incomodavam?
Alunos da P1:
A1 – Porque entrava muita água no sapato;
77
A2 – Porque estavam molhados.
Alunos da P2:
A3 – Porque estava cheio de água;
A4 – Porque os sapatos estavam todos molhados.
Alunos da P3:
A5 – Porque o sapato estava molhado e fazia peso;
A6 – Porque fazia peso no pé e ficava difícil a locomoção.
Alunos da P4:
A7 – Porque estava molhado;
A8 – Porque estavam cheios de água, o que atrapalhava muito andar.
A esta pergunta os alunos responderam que o incômodo se deve ao fato de
os sapatos estarem molhados e assim, dificultarem a locomoção do personagem.
Mais uma vez verificamos que os alunos estabeleceram hipóteses razoáveis e
ajustadas aos seus conhecimentos enciclopédicos (de mundo), assim como às suas
experiências pessoais, pois é de consenso geral que uma vez molhados, os
sapatos passam a incomodar e dificultam a locomoção.
É possível constatar que as inferências realizadas durante a leitura
confirmaram-se por meio das informações contidas no texto: Consegui tirar os
sapatos, que me incomodavam muito [...], o que comprova que os alunos aplicaram
as estratégias de leitura, em um processo contínuo de elaboração de expectativas e
previsões que vão sendo verificadas [e confirmadas]. (SOLÉ; 1998, 84).
78
d) Por que ele se dirigiu a um poste?
Alunos da P1:
A1 – Para ele poder subir no poste e não morrer afogado;
A2 – Para subir em cima.
Alunos da P2:
A3 – Para segurar-se;
A4 – Para se salvar da água.
Alunos da P3:
A5 – Para tentar escapar da água;
A6 – Para tentar escapar da água.
Alunos da P4:
A7 – Para se segurar da enchente;
A8 – Para segurar para não ser arrastado pela enchente.
O conjunto de conhecimentos enciclopédicos (de mundo) suscitou novas
pistas para a compreensão textual, o que fez com que as respostas não
divergissem de forma contundente; alguns alunos responderam que era para
escapar da água; não se afogar e para se segurar. Também aqui fica clara a
interação entre leitor e texto, em que as idéias formuladas são contextualizadas e
compreendidas por meio da aplicação de procedimentos estratégicos que
79
permitiram formular hipóteses e confirmá-las ao confrontá-las com o texto: [...] e
tentei me dirigir para a única direção onde provavelmente encontraria um poste.
Se por um lado alguns alunos fizeram uso de estratégias de leitura para
construir os sentidos do texto, por outro percebemos que tal procedimento não foi
aplicado pelos demais alunos, pois ao afirmarem que o personagem se dirigiu a um
poste para subir em cima, ou ainda, para ele poder subir no poste e não morrer
afogado, torna-se evidente a presença de falhas em sua compreensão, uma vez
que tal sentido foi construído sem se levar em conta as pistas fornecidas pelo texto,
para uma produção de sentidos coerentes.
e) Por que ele se apoiou em cima do muro e não no muro?
Alunos da P1:
A1 – Porque a água encobriu o muro inteiro;
A2 – Porque tinha água.
Alunos da P2:
A3 – Para a água não chegar até ele;
A4 – Para se salvar.
Alunos da P3:
A5 – Porque ele não conseguiu subir no poste então subiu no muro;
A6 – Porque não conseguia subir no poste e então subiu no muro.
Alunos da P4:
80
A7 – Para não se molhar;
A8 – Porque flutuava na altura do muro e não do lado
Determinados alunos concluíram que o fato ocorrido se deu em função de o
personagem não conseguir subir no poste, afirmação que não procede, visto que,
dificilmente aguém que estivesse fugindo de uma enchente tentaria subir em um
poste para se salvar.
Fica evidente a presença de falhas na compreensão destes alunos, devido
talvez, ao fato de não se deterem com maior atenção ao enunciado, ou ainda, por
não procurarem acionar seus conhecimentos prévios e contextualizá-los com os
dados oferecidos pelo texto. A passagem do texto que esclarece essa dúvida é a
seguinte: [...] comecei a rir sem parar e apoiei meu corpo cansado em cima de um
muro.
Ao analisar esta passagem do texto, verificamos que outras hipóteses
levantadas pelos alunos demonstram mais coerência, as quais foram confirmadas
durante o processo de leitura do texto, em que sugeriram que o personagem se
apoiou em cima do muro para escapar do volume de água que estava subindo. Ao
procederem desta forma, demonstraram ter formulado hipóteses e previsões que
vieram a se confirmar durante a leitura, procedimento que comprova o
conhecimento e aplicação das estratégias cognitivas de leitura.
f) O texto não possui título. Qual é a importância do título em um texto?
Alunos da P1:
A1 – Porque um texto sem título fica meio sem sentido. E se você lê o título, dá para
ter uma noção do que se trata o texto;
A2 – Para dar entendimento à história;
81
Alunos da P2:
A3 – É o título que representa grande parte do texto;
A4 – Se não fosse o título, nós não saberíamos responder as questões.
Alunos da P3:
A5 – Porque sem o título o texto fica sem sentido;
A6 – Para a gente tentar entender o texto e responder;
Alunos da P4:
A7 – O texto possui o título e a importância do título é do nome;
A8 – Para sabermos melhor as perguntas que o texto tem.
É possível constatar, por meio das respostas, que a função do título é de dar
um nome ao texto e facilitar respondê-lo; dar sentido e possibilitar a compreensão
do texto e que o título representa grande parte do texto, que os alunos reconhecem
a importância desse recurso em determinados textos como um componente que
promove a antecipação do tema a ser tratado, além de facilitar a construção de
sentidos, pois, durante o percurso de leitura do segundo texto em que o título foi
apresentado, os alunos tiveram a possibilidade de fazer inferências; levantar
hipóteses; antecipar informações, com segurança, além de ativar seus
conhecimentos prévios para, enfim, construir os sentidos do texto.
No texto em questão, o título “Enchente” promove antecipações e a
formulação de hipóteses que, além de contribuir para a construção de um percurso
de leitura, vão criando expectativas que, certamente, serão confirmadas ao término
da leitura.
Assim, ao ensinarmos leitura e as estratégias para sua compreensão é
necessário orientar nossos alunos a levarem em conta esse indicador e assim,
82
antecipar e inferir a respeito do texto a ser lido, ou seja, frente ao título, os alunos
poderão prever e atualizar o conhecimento prévio necessário para a construção de
sentidos. (SOLÉ, 1998, 107).
Vale lembrar, que o ensino de leitura deve contemplar, além das estratégias,
os objetivos para esta atividade, pois, a finalidade de uma leitura determina a forma
como o leitor se situa frente a ela e permite o controle da compreensão do texto.
Pensando nisso, acreditamos que as professoras conduziram as Propostas
de Leitura com base em um objetivo muito utilizado nas escolas: ler para verificar o
que compreendeu. Este objetivo tem como propósito a compreensão total ou parcial
do texto. Neste caso, os alunos devem controlar sua compreensão, responder a
perguntas sobre o texto ou recapitulá-lo.
Lembramos que, embora este objetivo não condiga com o objetivo do ensino
de leitura – construção de sentidos do texto – uma vez que o mesmo prevê apenas
detalhes e aspectos periféricos do texto; sua aplicação deve-se ao fato de que,
nesta pesquisa, a finalidade pretendida foi a verificação da construção de sentidos
do texto, por meio da aplicação de estratégias cognitivas.
83
3.4.3 Análise dos questionários para as professoras
Seguem abaixo as perguntas e respectivas respostas colhidas das
professoras entrevistadas, as quais serão analisadas sob o enfoque da teoria
cognitivista que tem fundamentado nossa pesquisa até então.
Lembramos, ainda, que foram entrevistadas quatro professoras que lecionam
para alunos do sexto ao nono anos do Ensino Fundamental, da Rede Pública
Estadual, que ora passarão a ser denominadas como: P1; P2; P3 e P4.
a) Quais são as dimensões textuais que têm sido objeto de análise nas
aulas de leitura/compreensão do texto?
P1 – afetiva, cognitiva e textual;
P2 – cognitiva, lingüística e textual;
P3 – afetiva, cognitiva e lingüística;
P4 – afetiva, lingüística e textual.
Na análise da questão acima, dirigida às professoras, foi possível constatar
que suas aulas de leitura se realizam sob um enfoque cognitivista, além de
privilegiarem também as dimensões afetivas, textuais e lingüísticas do texto, o que
nos leva a deduzir que no seu trabalho em sala de aula procuram valorizar o
aspecto afetivo para, de início, manterem uma aproximação maior com seus alunos,
o que, de certa forma, abrirá caminhos para futuras leituras, além de garantirem um
bom relacionamento e possibilitarem que descubram o prazer da leitura.
84
A respeito das dimensões afetivas, Solé (1998, 92) comunga das mesmas
idéias e as associa à motivação ao afirmar que esta [a motivação] está intimamente
relacionada às relaçoes afetivas que os alunos possam ir estabelecendo com a
língua escrita, e completa dizendo que esta deveria ser mimada na escola, e
mimados os conhecimentos e progressos das crianças em torno dela.
Assim, as demais dimensões seguem seu curso e permitem que os alunos
desenvolvam-se intelectualmente, em contato com os textos, direcionados por uma
metodologia que visa à construção de conhecimentos, uma vez que as professoras
informaram que priorizam as dimensões cognitivas, além das textuais, lingüísticas e
afetivas, como já mencionado acima.
Percebemos que as professoras procuram realizar suas aulas com vistas ao
aprimoramento do ato de ler, que pode ser percebido como um processo mental de
vários níveis, que muito contribui para o desenvolvimento do intelecto.[...] A
combinação de unidades de pensamento em sentenças e estruturas mais amplas
de linguagem constitui, ao mesmo tempo, um processo cognitivo e um processo de
linguagem. (BAMBERGER; 1995, 10).
b) Costuma informar aos alunos sobre o objetivo da leitura que realizam?
Em caso afirmativo, o que costuma dizer aos alunos?
P1 – Sim. Procuro trazer informações complementares ao tema do texto e investigar
o conhecimento dos alunos a respeito;
P2 – Sim. Costumo informar sobre o que o texto fala, qual sua tipologia textual e
seus elementos;
P3 – Sim. Esclareço o tipo de obra, autor, personagem;
85
P4 – Sim. Informo o gênero textual e comento sobre o estilo do autor para que os
alunos comecem a se interessar pela leitura e pelo assunto a ser tratado.
Ao serem questionadas a respeito dos objetivos de leitura, foram unânimes
em declarar que costumam informar aos alunos sobre os objetivos a serem
alcançados para procederem a leitura. O que nos leva a refletir sobre a importância
de desenvolver aulas de leitura motivadoras e que ofereçam desafios aos alunos. A
esse respeito, Solé (1998, 43) esclarece que, [...] uma atividade de leitura será
motivadora para alguém se o conteúdo estiver ligado aos interesses da pessoa que
tem que ler e, naturalmente, se a tarefa em si corresponde a um objetivo.
Ao tratar dos objetivos, as professoras manifestaram-se esclarecendo que
costumam informar aos alunos sobre o tema a ser discutido no texto; sua tipologia;
investigar os conhecimentos prévios dos alunos; a importância do texto em suas
vidas, além de dados sobre o autor, a obra e os personagens.
Apesar de as professoras declararem esclarecer aos alunos os objetivos da
leitura, percebemos que há um equívoco quanto à concepção de objetivos de leitura
(ou finalidade) que, segundo Brown (1984 apud SOLÉ, 1998, 92) determinam a
forma em que um leitor se situa frente ela e controla a consecução do seu objetivo,
isto é, a compreensão do texto. Como exemplo, poderíamos citar alguns objetivos,
como: Ler par obter uma informação precisa; Ler para seguir instruções; Ler para
obter uma informação de caráter geral [...] (SOLÉ, 1998, 93-94), entre outros.
A esse respeito, diversos autores defendem a idéia de que, sem objetivos
claros para a leitura a compreensão ficará comprometida, pois, se a criança
enfrenta o texto sem nenhum objetivo prévio, ela dificilmente poderá monitorar sua
compreensão tendo em vista esse objetivo. [..] Ou ainda, ela poderá ler o texto,
tendo em mente apenas o tipo de perguntas que a escola está acostumada a lhe
fazer. (KATO; 1999, 134-135). Desta forma, os alunos não serão os condutores de
sua compreensão, mas sim a escola.
86
Quanto às informações oferecidas aos alunos antes da leitura, como a
tipologia textual; dados sobre o autor, os personagens e a obra, assim como a
discussão a respeito do tema, todas essas informações contribuem
significativamente para a ativação dos conhecimentos prévios que, por constituir
uma estratégia de leitura, possibilitará a construção de sentidos do texto, porém,
dificilmente poderão ser configuradas como objetivos de leitura.
Os objetivos de leitura, como mencionado, preparam o aluno frente ao texto
e o direcionam para a compreensão leitora, promovendo expectativas e o
conduzindo a uma leitura eficaz e significativa.
Como toda tarefa requer uma finalidade para norteá-la, o mesmo ocorre com
a leitura. Devido à funcionalidade e importância que ocupa neste processo, e por vir
de encontro à discussão realizada nesta análise, descrevemos abaixo alguns
objetivos que podem ser utilizados no ensino de leitura. Vale lembrar que não há
uma seqüência rígida, nem tampouco um número finito de objetivos, conforme
adverte Solé (1998, 93-99):
Ler para obter informação precisa, é uma leitura muito seletiva, em que deixa de
lado grande quantidade de informações, para encontrar a informação necessária;
Ler para seguir instruções, o leitor lê por ser necessário e precisar controlar sua
própria compreensão;
Ler para obter uma informação de caráter geral, o leitor seleciona o que
considera mais pertinente, exercendo uma leitura crítica. Assim, o leitor não é
pressionado por uma busca concreta, nem precisa ter conhecimento detalhado
sobre o assunto do texto, basta uma impressão;
Ler para aprender, o leitor pode realizar uma leitura geral do texto para situar-se e
apropriar-se do assunto abordado para, posteriormente, aprofundar-se nas idéias
87
que ele contém;
Ler para revisar um escrito próprio, ou seja, o autor se projeta no lugar do leitor.
Quando o leitor lê o seu próprio escrito, sabe o que queria dizer e deve se
posicionar, simultaneamente, no lugar do escritor e do leitor;
Ler por prazer, por ser algo absolutamente pessoal, o leitor poderá reler um
parágrafo ou mesmo um livro inteiro tantas vezes quantas forem necessárias, o
ideal é que sejam debatidas as informações e se privilegie a construção de sentidos
do texto;
Ler para comunicar um texto a um auditório, ou seja, o objetivo é que o discurso
proferido para o seu auditório particular alcance o êxito desejado, é o que ocorre em
uma sala de aula, por exemplo. Nesse processo, o leitor deverá ler o texto com
antecedência e dispor de conhecimentos suficientes para atingir a finalidade de sua
leitura, além de utilizar alguns recursos que envolvem a leitura e a tornam
compreensível, como a entonação e as pausas;
Ler para praticar a leitura em voz alta, esse objetivo costuma ser freqüente na
escola, em que o aluno é orientado a ler com clareza, fluência, rapidez e correção;
com a pronúncia, a pontuação e a entoação adequadas;
Ler para verificar o que se compreendeu, ou seja, avaliar o significado do texto.
O propósito da leitura, nesse caso, pode implicar a compreensão total ou parcial do
texto. Para tanto, o leitor pode fazer uso de um recurso em que são elaboradas
perguntas/respostas sobre o texto lido, ou recapitulando-o por meio de qualquer
outra técnica.
88
c) Exploração do texto:
Quais são as fases que o professor percorre na análise do texto?
c.1) Antecipação da leitura:
Desperta a curiosidade e estimula o aluno para o aprofundamento do tema?
P1 – Sim;
P2 – Sim;
P3 – Sim;
P4 – Sim.
Ativa conhecimentos prévios do aluno?
P1 – Sim;
P2 – Sim;
P3 – Sim;
P4 – Sim.
c.2) Durante a leitura:
Sugere que seja feita uma leitura inicial para se ter um primeiro contato com o
texto?
P1 – Sim;
P2 – Sim;
89
P3 – Sim;
P4 – Sim.
Para a compreensão do texto, faz uso de estratégias de leitura? Em caso
afirmativo, quais?
P1 – Sim. Exploração do tema, investigação de conhecimento prévio sobre o
assunto, comparações após a leitura, comentários sobre temas que se relacionem
ao abordado, etc;
P2 – Sim. Utilizo-me de perguntas, instigando os alunos a buscarem respostas;
P3 – Sim. Indagações sobre o tema, comparações com a vivência do aluno;
P4 – Sim. Leitura individual, em duplas, oral, paráfrase textual.
A questão acima diz respeito à antecipação de leitura, em que todas as
professoras afirmaram estimular e despertar a curiosidade do aluno sobre o tema,
além de ativarem seus conhecimentos prévios sobre o assunto.
Afirmaram, também, que costumam sugerir aos alunos uma leitura inicial
silenciosa, para que possam ter um primeiro contato com o texto. Sabemos que
esse recurso é de extrema importância para o esclarecimento de dúvidas dos
alunos, conforme sugere Bamberger (1995, 25): A leitura silenciosa é a base da
educação individual da leitura.
Além disso, todas as professoras declararam fazer uso de estratégias de
leitura para a compreensão leitora e esclareceram de que forma as utilizam: criar
um certo suspense sobre o texto com perguntas que ativem seus conhecimentos
enciclopédicos e instigando os alunos a buscarem respostas; exploração do tema,
investigação de conhecimento prévio sobre o assunto; comparaçoes após a leitura;
comentários sobre temas relacionados ao abordado; comparações com a vivência
90
do aluno.
Sabemos que todo o processo mencionado corresponde às estratégias de
leitura, porém, uma das professoras manifestou-se esclarecendo que as estratégias
utilizadas por ela são: leitura individual, em duplas, oral, paráfrase textual.
Entendemos que tais procedimentos funcionam como recursos eficazes para que os
alunos tenham o primeiro contato com o texto, no entanto, não os reconhecemos
como procedimentos utilizados antes, durante e após a leitura para torná-la
significativa.
Os procedimentos que abarcam as estratégias de leitura, possivelmente
não estejam tão claros para esta professora, o que, possivelmente, refletirá em sua
metodologia nas aulas de leitura.
A situação em que se encontram nossos alunos, no que concerne às práticas
de leitura, requer uma intervenção explicitamente dirigida a essa aquisição, o que
supõe o ensino de estratégias de leitura que, conforme Solé (1998, 69-70), são
procedimentos de caráter elevado, que envolvem a presença de objetivos a serem
realizados, o planejamento das ações que se desencadeiam para atingi-los, assim
como sua avaliação e possível mudança.
Podemos perceber que as professoras, de um modo geral, apesar de não
demonstrarem fazer uso de um aporte teórico que fundamente suas ações nas
aulas de leitura, intuitivamente, procuram aplicar as estratégias de leitura ao
trabalhar com textos em suas aulas.
c.3) Para além do texto:
Sugere que os alunos emitam juízos de valor sobre o conteúdo lido?
P1 – Depende do assunto do texto;
P2 – Sim;
P3 – Sim;
91
P4 – Sim.
De que forma os alunos demonstram a compreensão do texto?
Por meio de:
P1 – Ilustrações, comentários, comparações, etc.;
P2 – Outros;
P3 – Paráfrases, ilustraçoes;
P4 – Paráfrases, resumos, ilustrações, debates sobre o assunto do texto.
Ao serem questionadas se solicitam aos alunos a emissão de juízos de valor
sobre o conteúdo lido, quase todas afirmaram que sim, assim como informaram
que, após a leitura os alunos produzem ilustrações; dramatizações; comentários;
comparações e paráfrases. Solé (1998) sugere que após a leitura seja feita uma
recapitulação do conteúdo, o que pode, perfeitamente, ser realizada por meio das
atividades propostas pelas professoras, ao final das leituras. Apenas uma
professora afirmou que tal procedimento dependeria do texto, o que demonstra que,
provavelmente, determinados textos não sejam explorados e aprofundados, por ela,
com a ênfase que mereceria.
Foi possível constatarmos que, apesar de as professoras aplicarem as
estratégias cognitivas em suas aulas de leitura e servirem de modelo aos seus
alunos, a partir de seus exemplos, ficou evidente que a tarefa de leitura realizada
por elas não se fundamenta em pressupostos teóricos. Tal conclusão tem por base
as informações contidas no questionário em que, os objetivos a serem perseguidos,
por exemplo, não apresentaram clareza quanto ao seu fim e, no que concerne ao
uso de estratégias de leitura, apesar de as professoras demonstrarem conhecê-las,
percebemos que tal conhecimento não é sistematizado.
92
3.4.4. Comentários finais sobre as análises
As estratégias de leitura envolvem a presença de objetivos a serem
alcançados, o planejamento de ações para atingi-los, assim como uma avaliação e,
se necessário, uma mudança (SOLÉ, 1998). São responsáveis por ativar os
conhecimentos prévios do leitor e promover a interação entre o leitor e o texto.
Em nossa Dissertação, essas estratégias foram apresentadas e discutidas
para um esclarecimento a respeito de seu ensino e aplicação em tarefas de leitura.
Tanto na proposta de leitura dos alunos, como no questionário para as
professoras, de um modo geral, verificamos a presença/aplicação de estratégias de
leitura, mesmo que sem a devida sistematização e, conseqüentemente, desprovida
de um embasamento teórico.
Percebemos que, para responder às perguntas referentes à primeira leitura
do texto – sem o título –, os alunos sentiram-se confusos e indecisos para emitirem
uma opinião a respeito das ações do personagem. Alguns alunos seguiram o “bom-
senso” e responderam às questões por meio da ativação de conhecimentos
enciclopédicos (de mundo) armazenados em sua memória, uma vez que,
possivelmente, já vivenciaram ou assistiram a situações como as sugeridas pelo
texto. Fica evidente a ocorrência de falhas na compreensão, neste primeiro
momento, em função da omissão do título que, como já mencionado, era o
indicador responsável pelo significado do texto.
Na segunda leitura, após serem informados sobre o título, os alunos, de um
modo geral, lançaram mão de conhecimentos lingüístico, enciclopédico (de mundo)
e interacional que contribuíram para a ativação de sua memória e lhes favoreceu a
antecipação de informações, a realização de inferências e a confirmação de
hipóteses, que em um movimento de formulação de previsões; de perguntas sobre
o texto; esclarecimento de dúvidas e um breve resumo (SOLÉ, 1998) resultou na
93
construção de sentidos do texto, desta vez, sem falhas na compreensão.
Confirmou-se, assim, que o título, em muito casos, funciona como elemento
norteador para a compreensão do texto, além de constituir as estratégias de leitura,
pois: Uma vez que o leitor conseguir formular hipóteses de leitura
independentemente, utilizando tanto seu conhecimento prévio como os elementos
formais mais visíveis e de alto grau de informatividade, como título [...] a leitura
passará a ter esse caráter de verificação de hipóteses [...]. (KLEIMAN; 2004, 43).
O professor, por sua vez, deve valer-se de estratégias cognitivas de leitura,
capazes de fazer com que os alunos compreendam o texto, além de promoverem a
motivação para a realização desta tarefa, pois o que temos verificado é um
afastamento crescente dos alunos em relação à prática de leitura, o que talvez se
justifique pelo método ineficaz utilizado pelos professores em suas aulas de leitura.
Mediante esta situação, o conhecimento prévio, um dos percursos
intrinsecamente ligados às estratégias de leitura, deve ser acionado, por ser ele o
responsável por qualquer ativação cognitiva no decorrer desse processo, além de
ser considerado fator imprescindível para a construção de uma leitura significativa.
Assim, o professor deve valer-se de embasamentos teóricos que lhe darão o
suporte necessário diante dessa tarefa, para sugerir estratégias que servirão como
apoio ao ensino e aprendizagem de leitura, a fim de que os alunos possam construir
o seu próprio percurso de leitura, com autonomia e competência, alcançando,
assim, a proficiência leitora.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a idealização desta pesquisa e durante o seu desenvolvimento, a
proposta de trabalho consistia em realizar um estudo sobre os procedimentos de
leitura e em verificar a sua importância para resgatar o prazer de ler na escola, de
forma a alcançar a sua extensão também para fora dela, atingindo amplamente a
vida cotidiana do indivíduo. Nesse sentido, a leitura passaria a ser espontânea e
imprescindível ao próprio existir de cada aluno, isto é, de cada ser humano.
Os resultados da pesquisa serviram para verificar se realmente a teoria
proposta desde o início possuía fundamento e caráter verdadeiro numa prática
concreta, por meio de dados reais obtidos por uma investigação sobre as atividades
de leitura realizadas por um grupo de professores e uma proposta de leitura
direcionada aos alunos, em que ambos demonstraram fazer uso de estratégias de
leitura.
Os dados oferecidos por este levantamento representam uma amostra
significativa para que possamos constatar que, apesar da ausência de um
embasamento teórico, tanto as professoras quanto os alunos se utilizam das
estratégias cognitivas de leitura. Sugerimos, no entanto, que os responsáveis pela
políticas públicas educacionais invistam nos professores, responsáveis pelo ensino
e motivação da leitura na escola, no sentido de viabilizarem cursos de
aperfeiçoamento profissional que garantam o aprimoramento desses educadores e,
conseqüentemente, um ensino que promova a formação de leitores críticos e
autônomos.
Confirmamos, por meio desta pesquisa, a importância da aplicação de
estratégias de leitura para a construção de sentidos do texto, uma vez que tais
procedimentos envolvem aspectos cognitivos e metacognitivos, em outras palavras,
o leitor levanta hipóteses, valida ou não as hipóteses formuladas, preenche as
95
lacunas que o texto apresenta, o que o leva a refletir e controlar seu próprio
conhecimento.
Sugerimos também, que o questionário organizado para a realização das
entrevistas das professoras, assim como a proposta de leitura direcionada aos
alunos, com vistas à verificação da aplicação de estratégias de leitura, seja o ponto
de partida para o planejamento de atividades a serem desenvolvidas com os alunos
a cada início de ano letivo, pois assim [...] nosso professor terá como objetivo
propiciar que o aluno possa melhorar seu desempenho como leitor [...] (SILVEIRA,
1998, 151).
Verificamos como as estratégias de leitura suscitam nos leitores a construção
do percurso de leitura, analisamos esse percurso e discorremos sobre ele no
capítulo III - Proposta de Leitura. Constatamos, assim, que as estratégias de leitura,
com base na teoria abordada nesta Dissertação, funcionam, também, como
estratégias de incentivo à leitura, pois elas se tornam uma atividade natural e
possibilitam ao aluno, [...] assumir e controlar totalmente a responsabilidade na
resolução da tarefa. Isto acontece de maneira paulatina, garantindo-se que o aluno
sabe o que faz e por quê. (SOLÉ; 1998, 142).
Ressaltamos a necessidade de a escola, ao participar da formação do leitor,
considerar todas as leituras possíveis e significativas como elementos propulsores
do crescimento do aluno como ser humano e leitor.
Diante de tais observações, quanto à presença das histórias de leitura na
sala de aula, é válido repensar as práticas de ensino de leitura que ainda se
apresentam de forma impositora e, portanto, castradora do prazer de ler na escola,
para que se possam implementar metodologias que considerem o aluno, o
verdadeiro sujeito de sua história, ou seja, um leitor ativo.
Além disso, é necessário dar condições reais de ensino de leitura aos
professores, visando à motivação e desenvolvimento crítico dos novos leitores, a
começar por cursos de aperfeiçoamento profissional; acervos diversificados e
espaços agradáveis para a realização dessa atividade.
Reiteramos aqui a necessidade de os professores contarem com um aporte
96
teórico como suporte para o desenvolvimento de suas aulas de leitura, uma vez que
tal fundamentação propiciará um trabalho consistente voltado às estratégias de
leitura com vistas à compreensão leitora dos alunos, tanto no ambiente escolar
quanto fora dele.
É imprescindível ressaltar que, nesta pesquisa, não pretendemos abordar
somente a interpretação e compreensão textuais, mas também, o aproveitamento
da leitura como uma atividade prazerosa em que o leitor, de forma autônoma,
espontânea e natural sente-se impelido a ler, o que pressupõe o conhecimento e
uso de estratégias cognitivas, a presença de objetivos para a leitura, além de temas
contextualizados.
Sem dúvida nenhuma, esta pesquisa representa uma busca de solução para
a crise na formação do leitor, principalmente, por meio da participação da escola
nesse processo, já que esta participação é extremamente determinante e
significativa no percurso do leitor
Lembramos que essa busca não se encerra com este desfecho, visto que
nenhum estudo é definitivo e completo em si mesmo, e esse, mais ainda,
pretendemos iniciá-lo concretamente a partir de encerrada a última palavra aqui
escrita, para que comecem a ser escritas, pelas experiências do leitor, as novas
páginas que existem simbolicamente em branco a seguir.
Talvez, desta forma, haja a ampliação das idéias suscitadas, para que se
consiga trilhar novos caminhos em busca da resignificação do ensino de leitura, em
que sejam priorizadas as estratégias cognitivas de competência leitora. Esperamos
que a materialidade teórico-reflexiva construída até aqui reverta-se em uma prática
redimensionada e que as atividades de leitura na escola não sejam limitadas nem
limitadoras. Esses são compromissos de todos os profissionais da educação.
.
97
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