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LEONARDO ZEHURI TOVAR
A INFLUÊNCIA DAS DECISÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE A COISA
JULGADA
Vitória
2006
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LEONARDO ZEHURI TOVAR
A INFLUÊNCIA DAS DECISÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE A COISA
JULGADA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito das Faculdades Integradas de Vitória – FDV, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito.
Orientador: Prof.º William Couto Gonçalves
Vitória
2006
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LEONARDO ZEHURI TOVAR
A INFLUÊNCIA DAS DECISÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE A COISA
JULGADA
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Prof.º Dr.º William Couto Gonçalves
Orientador
________________________________________
Prof.º Dr.º
________________________________________
Prof.º Dr.º
Vitória, ___de__________ de 2006.
A Deus, à minha família, nas pessoas da
minha avó, mãe, irmã e, em especial, à
minha amada esposa “Mari” pelo apoio
incondicional.
RESUMO
Trata o presente estudo da influência das decisões exaradas em sede de controle
de constitucionalidade de leis sobre a coisa julgada individual. São abordados
temas constitucionais e processuais, dentre os quais pode-se citar o papel dos
princípios constitucionais no ordenamento, alguns princípios específicos de
direito processual constitucional, etc. Aborda-se ainda temas referentes à
segurança jurídica e à coisa julgada. É feita uma sistematização acerca dos
efeitos que advém dos decisórios exarados em sede de controle de
constitucionalidade, difuso ou concentrado. Traça-se um pequeno esboço da
doutrina que sustenta a relativização da coisa julgada. Encerrando-se a exposição
com a influência das decisões de constitucionalidade sobre a esta.
ABSTRACT
The present study lies in the influence of the granted decisions based upon the
constitutional laws about the individual “res judicata”. Procedural and
constitutional themes are described, among which the role of the constitutional
principles in the legal system and specific principles of the constitutional civil
procedural law. Topics referring to the jural safety and to the “res judicata” are
also highlighted in this paper. A systematization attempt is done in relation to the
effects coming from the granted decisions within the constitutional control. There
is an outline of the doctrine which supports the relativity of the “res judicata”. As
a result, the “res judicata” is detailed under the constitutional decisions.
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro se caracteriza por sua base estar fincada em regras e
princípios analiticamente dispostos na Constituição da República. Tal especialidade
soma-se ao duplo modelo de controle de constitucionalidade encontrado no Brasil, que
transforma as lides, notadamente as de direito público, em uma questão que em último
grau é definida pelo Supremo Tribunal Federal.
Importante se mostra a definição de parâmetros definindo a real eventual influência das
decisões pelo Excelso Pretório em controle de constitucionalidade (difuso ou
concentrado) sobre as demandas que já estão agasalhas pela coisa julgada. Trata-se
de questão de relevo, que merece a fixação de premissas de desenvolvimento.
Segue-se o trabalho então, apontando, em primeiro plano, o papel dos princípios
constitucionais no ordenamento. O assunto é abordado devido ao fato de que, tanto o
instituto da coisa julgada, quanto o tema do controle de constitucionalidade de leis são
recheados de problemáticas advindas de uma adequada interpretação constitucional,
que por vezes exige do intérprete um trabalho de sopesamento de princípios.
Após, são apontados alguns princípios processuais constitucionais relevantes, como
meio de tentar demonstrar que as mudanças sociais importam em uma mudança de
paradigma da sociedade, que passa a se preocupar mais com a justiça das decisões do
que puramente com a segurança jurídica. Busca-se neste tópico ratificar tais
informações com o argumento de que em diversos pontos a Constituição demonstra
sua preocupação com um processo plural e social, que sirva de instrumento para o
exercício da cidadania.
Logo depois, ainda são acostadas, questões concernentes a outros princípios
constitucionais reputados relevantes, estes não específicos de direito processual, que
podem conduzir o leitor a uma melhor compreensão do tema central, que ao final será
explorado.
Discute-se em seguida, com base nos princípios elencados, em especial o da
supremacia da constitucional, o problema da natureza jurídica da sanção de
inconstitucionalidade, de forma a firmar entendimento pela nulidade, anulabilidade ou
inexistência do ato inconstitucional.
Ao depois, são traçados pontos relativos ao controle de constitucionalidade no Brasil,
sem, contudo, esgotar o tema, já que o mesmo serve para esta pesquisa apenas como
demonstração da importância que ele possui para a manutenção da ordem
democrática, dentre outros aspectos relativos a seus efeitos. Defini-se ainda, também
como pano de fundo, o que é coisa julgada, sua importância, sua intangibilidade,
abordando-se inclusive a doutrina que defende sua relativização.
Por opção, o trabalho não adentra no âmbito de remédios processuais que atacariam
eventual coisa julgada individual, bem como temas relacionados com o prazo
processual para tal manejo, etc. Visa o trabalho observar a influência, que as posições
do STF trazem à coisa julgada, fazendo um paralelo comparativo entre o princípio da
segurança e certeza das relações jurídicas, bem como com a supremacia da
Constituição.
2 O PAPEL DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
2.1 JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DE ESTUDO
Como salientado, passar-se-á a abordar no presente tópico a primeira relevante diretriz
para o enfrentamento da questão de fundo versada na presente pesquisa. Ora, é de
curial sabença que a discussão envolvendo o tema desta singela passagem topográfica
ultrapassa limites seculares, já tendo instigado teóricos que marcaram seus nomes na
seara jurídica.
Porém, a antiguidade da discussão não lhe retira a importância, muito ao contrário, lhe
atribui o destaque necessário e até mesmo justifica sua menção. E isso porque, o
estudo dos princípios, por ser relevante a diversas disciplinas, cuja teorização importa
muito ao cientista jurídico, tais como a Teoria Geral do Direito, a Filosofia do Direito e
até mesmo a Teoria Constitucional Contemporânea, apóia todas as conclusões que
venham a ser firmadas no decorrer do presente texto, até pela razão de que, como
salienta PAULO BONAVIDES, “sem aprofundar a investigação acerca da função dos
princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a
essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo”.
1
Nessa toada, não nos parece correto fazer afirmações desvencilhadas de um ponto de
partida que venha fixar as funções dos princípios em nosso ordenamento, seu
fundamento, e, sobretudo, sua normatividade.
Logicamente que, como não poderia deixar de ser, o desiderato do presente tópico não
é esgotar a temática, mas tão-só sistematizar, ainda que sinteticamente, os principais
entendimentos doutrinários envolvendo o tema em comento.
1
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 231.
2.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS
Antes mesmo de adentrarmos ao tema da normatividade dos princípios é importante
que se faça, já nesse momento, alguma digressão a respeito do conceito de princípio.
Da análise do próprio termo princípio, sói perceber quão amplas poderiam ser as
noções expostas por quem objetivasse atribuir um conceito a tal vocábulo. E isto se dá,
em razão do caráter multifacetário e polissêmico
2
do termo sem si.
Percebendo também a abstração do termo princípio, MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO, salienta que juridicamente o mesmo poderá possuir três
significados, sendo dois deles de conotação prescritiva e um deles de conotação
descritiva. Vejamos, por oportuno, as lições do insigne constitucionalista:
Os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente.
Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou
generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência,
modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se
imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as
disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam
generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre
determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o
termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva:
trata-se de uma ‘abstração por indução
3
.
Entretanto, em que pese a expressão princípio ter como uma de suas características
essa indeterminação conceitual e dimensional, o certo é que, hodiernamente, na fase
interpretativa-constitucional por que se passa, os princípios jurídicos, sob qualquer
prisma que lhe seja atribuído o enfoque, ganharam, ou melhor, tiveram reconhecido seu
intenso grau de juridicidade. Ou seja, deixaram eles de desempenhar um papel
secundário, para passar a cumprir o papel de protagonistas do ordenamento,
2
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4a ed. Malheiros, São Paulo,
1998, p. 76.
3
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em
Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Ed. Ltr, 1991, Vol. I, pp. 73-74.
ganhando, nessa medida, o reconhecimento de seu caráter de norma jurídica
potencializada e predominante.
Daí porque, BONAVIDES, citando RONALD DWORKIN, que é certamente um dos mais
expoentes tratadistas do tema, observa que, “tanto uma constelação de princípios
quanto uma regra positivamente estabelecida podem impor uma obrigação legal”
4
. Este
também é o escólio de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, autor que, mesmo
sem se dedicar de forma monográfica ao estudo do tema, produz lição de rara
propriedade, como é de sua característica:
violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais (...)
5
.
Nesse mesmo diapasão, pedimos vênia para, dada a importância, levando-se em conta
o ano de sua produção (1952), transcrevermos a lição a que nos brinda CRISAFULI:
Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como
determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,
potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao
contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.
6
Das pequenas linhas acima expostas já se pode retirar a conclusão de que,
hodiernamente, a doutrina jurídica vem reconhecendo nos princípios jurídicos o caráter
conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica. Dessa atribuição decorre a
conclusão, que os princípios possuem positividade e vinculatividade, o que lhes confere
4
Op. cit. p. 238.
5
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed. RT, São Paulo, 1980,
p. 230.
6
Apud BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 230.
a qualidade de normas que obrigam e possuem eficácia positiva e negativa sobre
comportamentos públicos ou privados, bem como sobre a interpretação e a aplicação
de outras normas, tais como as regras, ou mesmo os princípios derivados de princípios
mais abstratos.
É necessário registrar, todavia, que esse caráter normativo, conforme apreendido por
RUY SAMUEL ESPÍNDOLA, “não é predicado somente dos ‘princípios positivos de
Direito’, mas também, como já acentuado, dos ‘princípios gerais de Direito’. Reconhece-
se, destarte, normatividade não só aos princípios que são, expressa e explicitamente,
contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluentes de seu
sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito”.
7
Mas a uniformidade a que chegou a doutrina nesse modo de pensar atual, não pode
nem deve, levar à despropositada conclusão que esse modo de visualização surgiu do
dia para a noite. Ao contrário, para conferir normatividade aos princípios a doutrina
debateu e amadureceu reflexões que se iniciaram em meio às discussões travadas
entre os jusnaturalistas e os juspositivistas, o que veio a ocasionar, em âmbito mais
recente, através de uma nova forma de concepção, a chamada ótica pós-positivista do
Direito contemporâneo. Veja-se um apertado histórico dessa evolução de pensamento.
2.3 A ESCOLA DO JUSNATURALISMO, DO JUSPOSITIVISMO E DO PÓS-
POSITIVISMO
Como é cediço, a discussão envolvendo a normatividade dos princípios jurídicos
perpassa por três distintos capítulos: o jusnaturalismo, o juspositivismo e o pós-
positivismo.
O jusnaturalismo moderno inicia sua formação a partir do século XVI. Tinha por escopo
tal escola deixar para traz o dogmatismo medieval, bem como escapar do ambiente
teológico em que se formou e desenvolveu.
7
Conceito de princípios constitucionais. 2ª ed. , São Paulo: RT. 2002. p. 60-61.
Na fase jusnaturalista, os princípios ocupavam uma função meramente informativa
(para valorar como certo ou errado, conforme a norma de direito positivo se
conformasse ou não às diretrizes dos princípios), mas sem qualquer eficácia sintática
normativa. Nesta fase os princípios jurídicos eram situados em esfera metafísica e
abstrata, sendo reconhecidos como inspiradores de um ideal de justiça, cuja eficácia se
cinge a uma dimensão ético-valorativa do Direito.
Tamanha foi a influência histórica da escola jusnaturalista que, já no século XIX, com o
advento do Estado Liberal muitos dos preceitos seguidos pelos jusnaturalistas foram
incorporados em textos escritos. Era a superação histórica do naturalismo.
LUIS ROBERTO BARROSO, mencionando BOBBIO, MANTTEUCCI e PASQUINO,
noticia que, “com a promulgação dos Códigos, principalmente do Napoleônico, o
Jusnaturalismo exauria a sua função no momento mesmo em que celebrava seu triunfo.
Transpondo o Direito racional para o Código, não se via nem admitia outro direito senão
este. O recurso a princípios
8
ou normas extrínsecos ao sistema do direito positivo foi
considerado ilegítimo.
9
Surgia o positivismo. Nesta fase, tinha-se a pretensão de criar uma Ciência Jurídica
com objetividade científica e características similares das conferidas às Ciências
Exatas. Apartava-se, assim, o Direito da Moral, de modo a inserí-los em
compartimentos estanques para fins científicos
10
.
Em relação aos princípios, sua função era meramente subsidiária, por conta de uma
norma antilacunas clássica em todos os ordenamentos romano-germânicos. Não que
8
Dicionário de Política. 1986, p. 659, apud: BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. A
nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Argumentação e Papel dos Princípios, in: LEITE: George
Salomão. Dos Princípios Constitucionais. Malheiros: 2003. p. 105.
9
Viviane Araújo Lima (A Saga do Zangão: uma Visão sobre o Direito Natural, Renovar: 2000. p. 181)
nos traz passagem um tanto quanto interessante: “Tal qual o zangão no reino animal, o macho que desde
o seu nascimento esforça-se para atingir a idade adulta e assim fecundar a abelha-Rainha para morrer
em seguida, o direito natural, desde os tempos mais remotos, esforça-se para fecundar o direito positivo,
impregnando-o dos valores mais preciosos – justiça, liberdade, bem comum. No momento em que realiza
essa tarefa (...), morre solapado pelo Positivismo imperioso e avassalador do século seguinte, pela Era
das Codificações, pelas idéias surgidas com as novas correntes de pensamento jurídico, pela Escola da
Exegese na França, pela Escola Histórica na Alemanha”.
10
Nos precisos dizeres de BOBBIO “A Ciência [do Direito] exclui do próprio âmbito os juízos de valor,
porque ela deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão
são sempre subjetivos (ou pessoais) e conseqüentemente contrários à exigência da objetividade.” In: O
Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora. 1995. p. 135.
se reconhecesse a normatividade dos princípios neste sistema jusfilosófico. Contudo,
ante a possibilidade de ruir o dogma da completude do sistema normativo caso não se
colmatassem as lacunas que viessem a ocorrer, o que era tão caro ao juspositivismo,
optou-se pela adoção de uma aplicação diferida dos princípios somente como forma de
solução das lacunas, a saber: não são os princípios que gozam de normatividade, mas
a norma que conferir competência ao julgador para aplicá-los. Diga-se até, que nos
tempos hodiernos pode-se encontrar resquícios de tal posicionamento, a teor do que se
depreende das regras contidas no artigo 126 do CPC, segundo a qual, “O juiz não se
exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No
julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à
analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”, e do artigo 108, II, do CTN
que afirma que “na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para
aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada, I - a
analogia; II - os princípios gerais de direito tributário.
Destarte, para os positivistas os princípios tinham função puramente garantidora da
inteireza dos textos legais, servindo tão somente para suprir os vácuos normativos que
as leis, por ventura, não lograram perfazer.
O grande impacto do positivismo e o culto velado a seus dogmas legitimou, ainda que
sob vestes travestidas, a feitura de autoritarismos dos mais diversos. É por isso que
ANA PAULA BARCELOS e LUÍS ROBERTO BARROSO, dentre outros, associam a
queda do positivismo à derrota do Nazismo na Alemanha e Fascismo na Itália. Com
efeito, vejamos a passagem dos autores citados:
Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro
de legalidade vigente e promoveram uma barbárie em nome da lei. Os
principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a
obediência a ordens emanadas de uma autoridade competente. Ao fim da II
Guerra Mundial a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos
e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer
produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido.
11
11
BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS Ana Paula de. A nova Interpretação Constitucional:
Ponderação, Argumentação e Papel dos Princípios. In: LEITE: George Salomão. Dos Princípios
Constitucionais. Malheiros: 2003. p. 107.
A queda do positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se
preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à
necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é
sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social. A
estimação exasperada à lei fria, conseqüentemente, passou a granjear justas críticas,
encontrando no Brasil defensores da irrestrita relação entre diferentes elementos: o fato
social, o valor, e, é óbvio, a norma jurídica (MIGUEL REALE e outros).
No remanescente do mundo, outros pensadores, como RONALD DWORKIN e F.
MULLER, passaram a sustentar, apesar de algumas adjacências, as mesmas idéias-
base. Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior
importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios,
analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um
campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas
demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo se ressalte,
para garantir os direitos sociais do homem.
No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função
integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes. Os
mesmos autores dantes mencionados nos brindam com outra precisa lição, a qual, não
obstante sua extensão, julgamos pertinente a transcrição, até para efeito de conclusão
do presente tópico:
A superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo
abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões
acercado do Direito, sua função social e sua interpretação. O Pós-Positivismo é
a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a
definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada
Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais,
edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos
princípios sua incorporação, explícita um implícita, pelos textos constitucionais,
e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte
desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
12
12
Op. cit. p. 108.
2.4 PRINCÍPIOS E REGRAS
Possui extrema relevância no tema ora enfocado a diferenciação existente entre
princípios e regras. Os princípios, como vimos, são espécies do gênero norma, que
podem vir revestidas ou de um preceito de caráter geral, enunciador de uma pauta de
valores ou de um mandamento sistêmico (princípio), ou de um comando prescritivo,
específico, de natureza concreta (regra).
A doutrina estrangeira e nacional tem, em boa medida, partindo para a distinção entre
princípio e regra, incluindo-os no círculo da norma jurídica. Nesse passo, à guisa dos
ensinamentos da doutrina a seguir enunciada voltaremos, agora com maior vagar, à
compreensão do que vem a ser um princípio jurídico.
A partir do sentido etimológico da palavra princípio, podemos depreender que este, por
vir do termo latino principium, enuncia a idéia de começo, de origem, circunstância que
nos leva a antever que o princípio deve ser tido como o vetor originário de adequação,
interpretação e concretização de um sistema jurídico. Com a maestria que lhe
peculiariza, ROQUE A. CARRAZA consigna que:
princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua
grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes
do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a
aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.
13
Nesse caminhar, outra conclusão não poderemos chegar, a não ser a de que os
princípios jurídicos como verdadeiros comandos ordenadores do sistema que são,
devem ser entendidos, como bem elucida CARLOS AYRES BRITO, citado por ROQUE
CARRAZA, como “os vetores de todo o conjunto mandamental, fontes de inspiração de
13
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11 Ed. rev. atua. amp. São
Paulo: Malheiros Editores, 1998, p.31.
cada modelo deôntico, de sorte a operar como verdadeiro critério do mais íntimo
significado do sistema como um todo e de cada qual de suas partes"
14
Ou ainda, como diz, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, princípio é, por
essência, “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico (...)”
15
.
Compreendido desta forma o princípio jurídico, cumpre ressaltar as suas diferenças
para com a regra, ambos, espécies do gênero norma jurídica. Pode-se dizer, conforme
ressaltado alhures, que as regras, ordinariamente, possuem um grau de concretização
maior, dado que regulam o fenômeno jurídico com um grau menor de abstração,
enquanto os princípios estabelecem pautas de comportamentos, de valores, a serem
seguidos na aplicação das regras em geral, sendo elementos informadores destas.
Arrazoando com maior sagacidade e detidão sobre tais institutos, o constitucionalista
J.J. GOMES CANOTILHO, salientando a parábola de se distinguir, no âmbito do
superconceito norma, entre regras e princípios, delibera alguns critérios diferenciadores:
a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração
relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração
relativamente reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por
serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do
legislador? do juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação directa.
c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios
são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico
devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios
constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico
(ex: princípio do Estado de Direito).
d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente
vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito
14
BRITTO, Carlos Ayres. Inidoneidade do decreto lei para instituir ou majorar tributos. In RDP 66/45
apud CARRAZA, ob.cit.,p.34.
15
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed. RT, São Paulo, 1980,
p. 230.
(Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo
meramente funcional.
e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentais de regras, isto é,
são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,
desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.
16
Não resta suspeita que, mesmo não sendo definidores todos estes critérios,
poderíamos enunciar alguns, como por exemplo, o de que os princípios são normas
impassíveis de conflitos que os excluam do ordenamento, enquanto as regras, quando
em antinomia, o são. Outra diferença que podemos pontuar é que, enquanto as regras
se traduzem nos modais deônticos do permitido, obrigado e proibido, os princípios
explanam um imperativo, ajustado com vários graus de concretização. Nesse ínterim,
pedimos vênia para novamente fazermos uso de outra lição de CANOTILHO, na qual o
referido autor conclui seu pensamento acerca das diferenças entre os princípios e as
regras da seguinte forma:
Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma
optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem
imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é
cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a
convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é
antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.
Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização,
permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as
regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de
outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para
qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se
na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. [...] em caso de
conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de
harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou standards que, em
primeira linha (prima facie) devem ser realizados; as regras contêm fixações
normativas definitivas, sendo insuscetível a validade simultânea de regras
contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de
validade [sic] e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam
apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser
alteradas).
17
16
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3ª Ed. Lisboa: Almedina,
1999, p.1087.
17
Ibidem., p. 1087-1088.
Diante disso, nos parece igualmente correta a conclusão de EROS GRAU, para quem
“as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirmado no seguinte sentido; se
há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que
todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta. No nível
teórico, ao menos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidade
dessas exceções e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação (de exceções),
mais completo será o enunciado da regra.”
18
Ante tudo o que vem se expondo, forçosamente poderemos evidenciar que:
a) os princípios são pautas de valores, que direcionam e concretizam a aplicação das
normas jurídicas, podendo ser encontrados de forma expressa como implícita,
enquanto as regras só podem ser expressas;
b) as regras, quando em conflito entre si, podem expressar antinomias, enquanto os
princípios não, haja vista que, como veremos com maior vagar adiante, os princípios -
não se excluem de forma permanente, senão é afastada a aplicação de um deles, a
depender da melhor solução a ser conferida ao caso concreto;
2.5 HÁ HIERARQUIA ENTRE PRINCÍPIOS?
Ponto que merece destaque é o questionamento acerca da existência ou não de
hierarquia entre os princípios existentes no ordenamento jurídico.
Segundo a doutrina de HANS KELSEN, o ordenamento jurídico pode ser visualizado
como um complexo escalonado de normas de valores diversos, no qual cada norma
ocupa uma posição intersistêmica, formando um todo harmônico, com interdependência
de funções e diferentes níveis normativos. Nessa linha de raciocínio, uma norma só
18
GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. 4ª Ed.
São Paulo:Malheiros Editores Ltda, 1998, pp.89-90
será válida acaso consiga buscar seu fundamento de validade em uma norma superior,
e assim por diante, até que se chegue à norma última, que é a norma fundamental
19
.
Assim, tendo em mira o que restou evidenciado anteriormente, ou seja, que os
princípios estão inseridos no conceito lato de norma jurídica, e, tendo em mente
também que as normas, na concepção retirada do autor acima citado, são
hierarquicamente escalonadas, poder-se-ia facilmente admitir que há hierarquia entre
os princípios.
Com efeito, e parecendo evidenciar sobredita hierarquia, GERALDO ATALIBA observa
que “o sistema jurídico [...] se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual
algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios
que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia
decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os
princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras
[...]”
20
. Todavia, em que pese, a um primeiro olhar podermos extrair tal conclusão de um
raciocínio eminentemente lógico, o fato é que a solução para tal ponto merece uma
análise um pouco mais detida.
Ora, acaso estejamos levando em conta a existência de princípios constitucionais e
princípios infraconstitucionais, dificuldade não existirá em asseverarmos que os
primeiros são hierarquicamente superiores aos últimos. Além do mais, é lição corrente e
plasmada entre os constitucionalistas que os princípios constitucionais são o
fundamento de validade dos princípios infraconstitucionais. O tema, contudo, oferece
maiores complicações quando for falado exclusivamente a respeito dos princípios
constitucionais.
O aplicador do direito poderia questionar-se, por exemplo, se o princípio da celeridade
ou da efetividade seria hierarquicamente inferior ao princípio da segurança jurídica. Ou
mesmo questionar-se se o amplo acesso à justiça poderia sofrer algum tipo de limitação
face ao princípio constitucional da supremacia do interesse público. O professor
GERALDO ATALIBA dantes citado, ao teorizar sobre os princípios encontradiços na
19
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4
a
ed. Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 248.
20
apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1999, p. 165.
Constituição afirma que “mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que
as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios. Estes se
harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar
plena coerência interna ao sistema (...)”
21
.
Sob um olhar despretensioso e perfunctório, poderia se extrair da lição acima um
posicionamento que defende a hierarquia entre os princípios constitucionais. Não nos
parece, todavia, que seja assim. O que realmente o professor citado pretendeu elucidar
é que, mesmo em nível constitucional, há normas cuja abstração é mais intensa que as
demais. E isto, dizemos nós, principalmente se estivermos tratando de uma Carta
Constitucional analítica como é o caso da brasileira. E nos casos em que ocorra a
concomitância e convivência de normas constitucionais abstratas e menos abstratas,
estas devem ter sua interpretação influenciada pelos valores constantes daquelas.
Demais disso, é bom que se diga, não há normas constitucionais com um grau de
importância maior ou menor, nem hierarquia de supra ou infra-ordenação dentro da
Constituição. Decerto, poderemos aceitar que existem princípios com diferentes níveis
de concretização e densidade semântica, mas, à toda evidência, não se quer com isso
dizer que há hierarquia normativa entre os mesmos. Podem, com efeito, existir casos
em que haja normas constitucionais em aparente conflito, tensionadas entre si, o que
não significa dizer que uma ou outra é hierarquicamente superior.
O Supremo Tribunal Federal já referendou o que aqui vem se expondo, ao afastar a
possibilidade de normas constitucionais originárias inconstitucionais, apesar da
sinalização em sentido contrário esposada por OTTO BACHOFF
22
. Com efeito, vejamos
o que restou decidido pelo STF, no acórdão prolatado na ADI 815/DF, em que se
discutia a pretensa inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º, do artigo 45, da CR/88:
Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1. e 2. do artigo 45 da
Constituição Federal. – A tese de que há hierarquia entre normas
constitucionais originárias dando azo a declaração de inconstitucionalidade de
umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida.
21
apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1999, p. 165.
22
O citado jurista alemão propugnava o entendimento no sentido de que alguns dispositivos inseridos
pelo legislador constituinte originário poderiam ser tidos por inconstitucionais, se por algum acaso estas
entrassem em contradição com os valores transcendentais, ou materialmente constitucionais, da
Constituição (Cf.: Bachoff, Otto; Normas Constitucionais Inconstitucionais?).
– Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica
dizer que essa jurisdição lhe e atribuída para impedir que se desrespeite a
Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de
fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não,
violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no
texto da mesma Constituição. – Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem
ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas
constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores,
porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte
derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder
Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se
impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não
sejam consideradas como clausulas pétreas, e, portanto, possam ser
emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.
Diferente, entretanto, é o entendimento da Corte Suprema quando se encontra em jogo
a possibilidade de normas constitucionais emanadas do Poder Constituinte Derivado
serem tidas por inconstitucionais. A razão para tal disparidade reside na circunstância
de que o Poder Constituinte Derivado não dispõe, como o Originário, de poder ilimitado,
haja vista ser aquele condicionado ao núcleo normativo constante do artigo 60, § 4º, da
Lei Maior.
Veja-se, por relevante, e à guisa de exemplo a ementa do acórdão exarado nos autos
da ADIn 939, no qual o Supremo consignou de forma cristalina a possibilidade do
controle de Emendas Constitucionais que, ao ser editadas, venham a ferir o artigo 60, §
4º, dantes mencionado:
Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de
Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio
sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de
Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150,
incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda
Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em
violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo
Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição
(art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que,
no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de
inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto
a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque,
desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles,
não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do
contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da
Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de
impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e
garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a
norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos
(art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou
serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais,
periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e
inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem
redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no
mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art.
150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n.
77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte,
para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação
a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que
suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.
A partir das ilustrações casuísticas acima expostas, poderemos depreender sem
maiores problemas que, não havendo hierarquia entre normas constitucionais, não há
falar em hierarquia entre princípios constitucionais, mesmo porque, como
demonstramos alhures, os princípios são espécies do gênero norma.
Ultrapassada, contudo, tal problemática, outro problema surge, qual seja o atinente à
possibilidade de eventual colisão entre os princípios constitucionais, e os critérios
utilizados para a solução de tal problema.
2.6 COLISÃO DE PRINCÍPIOS: CRITÉRIOS PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA
(BREVES CONSIDERAÇÕES)
Conforme já aludido, não há hierarquia jurídica entre os princípios, conquanto
normalmente haja entre eles uma tensão estável. Como é cediço, não raras vezes os
princípios constitucionais apresentam entre si algum aparente antagonismo, talvez pelo
simples fato de eles permitirem uma compreensão fluida de ampla magnitude.
Não há falar então, em caso de colisão de princípios constitucionais, em antinomia,
mesmo porque, não se pode puramente aplicar os critérios clássicos para resolução de
antinomias entre regras. Algumas soluções foram desenvolvidas pela doutrina
(estrangeira, diga-se de passagem) e vêm sendo comumente utilizadas pelos Tribunais.
A primeira é a da concordância prática (HESSE); a segunda, a da dimensão de peso ou
importância (DWORKIN). A par dessas duas soluções, aparece, em qualquer situação,
o princípio da proporcionalidade como “meta-princípio”, isto é, como “princípio dos
princípios”, visando, da melhor forma, preservar os princípios constitucionais em jogo. O
próprio HESSE entende que a concordância prática é uma projeção do princípio da
proporcionalidade. Vejamos o que vem a ser a concordância prática de Hesse e a
dimensão do peso e importância de DWORKIN.
2.6.1 A concordância prática
O princípio da concordância prática ou da harmonização, como consectário lógico do
princípio da unidade constitucional, é comumente utilizado para resolver problemas
referentes à colisão de direitos fundamentais. De acordo com esse princípio, os direitos
fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub
examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo
os direitos e bens constitucionais protegidos.
Nesse diapasão, a concordância prática pode ser enunciada da seguinte maneira:
havendo colisão entre valores constitucionais (normas jurídicas de hierarquia
constitucional), o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo,
no estabelecimento de uma concordância prática, que deve resultar numa ordenação
proporcional dos direitos fundamentais e/ou valores fundamentais em colisão, ou seja,
busca-se o melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes.
2.6.2. A dimensão de peso e importância
Este segundo critério tem como principal expoente RONALD DWORKIN, que em sua
obra Levando os direitos a sério, afirma que os princípios “possuem uma dimensão que
não é própria das regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando
se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o
peso relativo de cada um deles [...]. As regras não possuem tal dimensão. Não
podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do
que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas, deve prevalecer uma em
virtude de seu peso maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não é
válida”
23
.
Assim, para DWORKIN, no dimensionamento do peso ou importância dos princípios,
haveria única resposta correta para os casos difíceis. Sob nosso prisma, no entanto, a
solução repousa em uma ponderação de valores, pois, como dito, inversamente ao que
ocorre com a antinomia de regras, não há, critérios formais preestabelecidos para
resolver o conflito entre princípios. Deverá então o intérprete, no caso concreto, através
de uma análise necessariamente tópica, verificar, seguindo critérios valorativos, qual o
bem jurídico que o ordenamento, em seu todo, prefere salvaguardar, de modo a
conciliar os princípios em colisão.
Portanto, deverá o operador, informado pelo critério da proporcionalidade, buscar essa
composição de princípios, sempre atendendo a uma escala racional de valores,
respeitando-se, é claro, as especificidades do caso concreto.
2.7 CONCLUSÕES
Nesse diapasão, conclui-se que, em primeiro lugar, essas duas soluções (concordância
prática e dimensão de peso e importância) podem e devem ser aplicadas conjunta e
sucessivamente, sempre tendo o princípio da proporcionalidade como ponto nodal:
primeiro, aplica-se a concordância prática; em seguida, não sendo possível a
concordância, dimensiona-se o peso e importância dos princípios em jogo, sacrificando,
o mínimo possível, o princípio de “menor peso”.
Além disso:
23
apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1999, p. 65
1) não há, em uma visão epistemológica, hierarquia entre os princípios constitucionais,
mas apenas, por evidente, entre estes e os princípios infraconstitucionais;
2) quando estiverem em conflito regras a solução para sua antinomia difere da que é
dada para o conflito de princípios, mesmo porque no caso de colisão de princípios
constitucionais, tecnicamente, não se tem uma antinomia, vez que não se pode
meramente afastar a aplicação de um deles;
3 ALGUNS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS RELEVANTES AO
ESTUDO PROPOSTO
3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Observando-se a partir da leitura do tópico antecedente que os princípios possuem nos
tempos atuais força normativa, é importante que se registre que é com base neste
ponto de partida que a presente pesquisa caminhará. Ou seja, é à luz desse contexto
que se busca uma melhor compreensão da Jurisdição Constitucional, da coisa julgada
e do mecanismo que faz movimentar todo o aparato judiciário, qual seja: o processo.
E é com base em tais idéias que já se adianta novamente que se primará por uma
compreensão jurídica que melhor se amolde a um Estado Democrático de Direito plural
e aberto, buscando-se a partir disso sustentar que hoje não mais devem ser tidos como
intocáveis certos dogmas formais. Até porque, como com propriedade aduz JOSÉ
ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO:
os direitos elencados na Constituição podem ampliar-se, de modo que a
juridicidade, a efetividade e a justiciabilidade possam tornar concretos os
direitos da cidadania. A jurisprudência constitucional propiciou a ampliação dos
conceitos básicos de direitos e liberdades fundamentais.
24
Esta lição, cuja intelecção é deveras clara, se apóia e encontra respaldo no fato de que
os direitos fundamentais de todo cidadão não ficam, nem podem ficar, sujeitos a
ideários políticos, até mesmo porque eles devem se adequar e refletir os anseios de
nossa coletividade, que de tempos em tempos sofre mudanças das mais diversas,
sendo, pois, exatamente por isso que é importantíssimo um estudo que realmente
pugne pela democraticatização da máquina judiciária, sempre em prol da satisfação e
da plenitude desses mesmos direitos fundamentais.
24
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Jurisdição Constitucional da Liberdade. In: LEITE SAMPAIO,
José Adércio (Org.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p. 11
Logo, já se pode assentar que o processo, em todo seu âmbito de atuação, seja lá qual
for o ramo do direito material que ele esteja instrumentando, deve ser concebido à luz
dos princípios elencados na Carta Constitucional de 1988, diploma normativo que
denota e reconhece não só a idéia de cidadania, como também nos conduz sempre a
uma maior e incansável tentativa de inclusão e integração social.
Não basta, destarte, que a Carta Política contenha direitos fundamentais. É imperioso
que o intérprete de um modo geral tenha por norte sua concretização, indo sempre em
busca de sua implementação prática, pois, a não ser assim, o significado de tão
importantes direitos restaria esvaziado, ou, quiçá, relegado, o que efetivamente não se
pode conceber tamanho o alto valor simbólico que os mesmos carregam, tanto no que
se refere à democracia constitucional propriamente dita, quanto para o ideal firme de
justiça, objetivo maior do Estado de Direito. A doutrina de FLÁVIA PIOVESAN, vem a
ratificar o que vem se expondo:
Com efeito, a busca do texto em resguardar o valor da dignidade humana é
redimensionada, na medida em que, enfaticamente, privilegia a temática dos
direitos fundamentais. Constata-se, assim, uma nova topografia constitucional,
na medida em que o texto de 1988, em seus primeiros capítulos, apresenta
avançada Carta de direitos e garantias, elevando-os, inclusive, à cláusula
pétrea, o que, mais uma vez, revela a vontade constitucional de priorizar os
direitos e garantias fundamentais.
25
Com base em tais delineamentos e mesmo que não se tenha como alvo uma discussão
que adentre aos meandros da teoria geral do direito e da filosofia jurídica, o certo é que
não se pode denegar a idéia de que o processo não pode desempenhar um bom papel,
senão a partir do momento em que seus aplicadores e condutores carreguem em si o
ideário de justiça. Mesmo porque, é importante repisar, apenas quando os
procedimentos determinantes das decisões jurídicas forem verdadeiramente
democráticos, e potencializarem uma participação positiva dos interessados na
formação dessas mesmas decisões, é que se poderá assegurar não a existência de um
processo justo abstratamente, mas de um direito processual, que, por estar
25
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4
ª
. ed., São Paulo:
Max Limonad, 2000. p. 55.
sedimentado em princípios constitucionais, buscará, incessantemente, realizar a justiça
concretamente. No mesmo sentido JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO profere
lição que merece transcrição integral:
A formulação de um Processo Constitucional que possa ser instrumento de
absorção das crises e dos conflitos, a nível institucional, torna-se necessária
para o Estado democrático, que somente assim poderá corresponder aos
apelos da sociedade contemporânea. Este Processo não será, apenas,
instrumento de realizações particularistas, assentadas em concepções
individualistas, que se satisfazem, com composições judiciais, que não
ultrapassam interesses de minorias ou de grupos.
26
E exatamente por tais razões é que o processo, visto como instrumento de
concretização dos direitos fundamentais, e interpretado sempre à luz da Constituição da
República, é hoje aberto, exigindo permanente mudanças aplicativas, vencendo
dogmas e conceitos ultrapassados, sempre com vistas a aprimorar e a tornar mais
efetiva sua identidade constitucional democrática, abrindo, por assim dizer, suas portas
a uma plena participação cidadã.
27
Em arremate, é possível, já com base na pequena explanação, observar que o
processo, visto sob o enfoque Constitucional ora destacado, assume, a cada momento,
maior projeção, na medida em que, com a sobrevinda de novos paradigmas, abre-se
espaço para novos questionamentos, alguns extremamente complexos e até mesmo
polêmicos, os quais, partir do instante em que são postos à crivo da doutrina e
26
Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 354.
27
Em sede de direito comparado se vê que, como bem aduz Pasquale Pasquino ao tratar do Recurso
Constitucional Direto, o quão importante é a participação social via processo para um melhor exercício da
cidadania: “Vale la pena di osservare, tornando sul rapporto fra giustizia costituzionale e democrazia, che
questo tipo di ricorso sviluppa una dimensione nuova della partecipazione dei cittadini alla vita pubblica. È
forse possibile descrivere questo sistema come uno in cui i cittadini hanno di più che i semplici diritti
politici di partecipazione al processo legislativo, esercitati attraverso la scelta dei rappresentanti (e del
governo) in occasione di elezione periodiche e competitive. Essi hanno anche il diritto di entrare in un
dialogo continuo ed ininterrotto con i loro governanti, inviando ricorsi diretti ai giudici costituzionali e
ottenendo risposte alle loro domande e rivendicazioni. (Tipologia della giustizia costituzionale in Europa.
In: Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, Roma, n. 02, p. 359 – 369, 2002).
jurisprudência, atribuem a ambas a difícil tarefa de conformá-los aos anseios da
sociedade mutante
28
.
Assim, depreende-se que por conta da importância, justifica-se, sempre nos limites da
presente pesquisa, a menção, ainda que diminuta, de alguns dos princípios
constitucionais processuais insertos em nosso Texto Maior. É o que se fará adiante,
quando do trato aos princípios da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo
legal e de seu corolário lógico, o contraditório, sempre em busca de uma adequada
sistematização de sua melhor interpretação, qual imperiosamente não pode relegar a
patamares de somenos importância os anseios de nossa cidadania, até mesmo pela
razão de que a participação dos destinatários imediatos da elaboração e aplicação das
leis é um valiosíssimo engenho de controle popular das instituições.
3.2 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO PREVISTO NO ART. 5°,
XXXV, DA CR/88
Vistos os aspectos generalizantes e declinada a importância do estudo do tema que ora
se apresenta, pode-se passar ao específico que será ora versado.
Segundo a redação do artigo 5º, XXXV, da Carta da República, bastante conhecida
diga-se de passagem, “a lei não excluirá da apreciação do judiciário qualquer lesão ou
ameaça a direito”. Em análise ao dispositivo supra, poder-se-ia, em princípio, interpretá-
lo sob uma ótica restritiva, depreendendo que nele apenas se encontra preconizado o
direito de provocar a atividade jurisdicional do Estado, fazendo movimentar a jurisdição,
ou para nos utilizarmos de expressão abordada por WILLIAM COUTO GONÇALVES
29
,
28
A respeito da jurisdição constitucional e de sua tarefa para com a sociedade, consulte-se: SAMPAIO,
José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002.
29
O autor divide o estudo da jurisdição em três etapas: a primeira é diz respeito à jurisdição se mostra
inerte, porém disponível a todos os indivíduos e cidadãos na condição de sujeitos de direitos e deveres, e
por isso foi denominada abstrata ou genérica; a segunda, compreende a etapa em que a jurisdição sai de
sua inércia e abstração, passando a se restringir e materializar em medida, nos limites de pretensões, de
quem a fez movimentar; já a terceira e última etapa, relaciona-se com o momento em que o
jurisdicionado obtém, por meio da jurisdição uma resposta específica e eficaz, atuando na situação de
fazendo com que esta (a jurisdição) saia de sua etapa genérica e abstrata e passe para
a etapa restritiva e concreta. Entretanto, acaso se tenha o cuidado de analisar com
maior atenção o significado do aludido dispositivo, logo se percebe o quão profundo é o
seu real significado.
Muitos intérpretes, quando buscam identificar o real conteúdo do referido dispositivo,
incidem no imperdoável erro de lhe conferir uma interpretação mais restritiva do que a
que ele merece. Ora, interpretar o aludido artigo 5º, XXXV, conferindo-lhe contornos tão
restritos é o mesmo que despi-lo de sua maior e mais importante inteligência, que é a
que garante ao cidadão que necessita do judiciário, um aparato que efetivamente se
preste aos seus fins. Daí, certamente se notar que o real significado e a gênese do
referido dispositivo, estão não apenas em proporcionar ao jurisdicionado o amplo
acesso à jurisdição. O que pretendeu o legislador constituinte originário é conferir a
todos a possibilidade da passagem pelas três etapas da jurisdição a que alhures nos
referidos em nota de rodapé, ou, em outro giro verbal, garantir a quem dela necessita
um efetivo acesso à ordem jurídica justa, proporcionando uma completa satisfação da
pretensão de direito material não cumprida espontaneamente.
Mas é claro e escorreito que essa garantia de acesso amplo, efetivo e eficaz, não quer
dizer que o direito de movimentar a jurisdição, tornando-a restritiva e concreta, – para
nos valermos mais uma vez do já citado método de divisão da jurisdição em etapas –
não possa ser condicionado ao preenchimento de determinados requisitos que, acaso
preenchidos, permitirão ao julgador analisar o meritum causae. Tais requisitos são as
chamadas condições da ação
30 e 31
.
fato deduzida em juízo. In: Garantismo, finalismo e segurança jurídica no processo judicial de
solução de conflitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 37 et seq.
30
Apesar não ser nosso objetivo discorrer acerca das condições da ação, entendemos conveniente
deixar consignado que o direito de acesso amplo à jurisdição não significa que aquele que fez
movimentar a máquina judiciária, só pode fazê-lo se tiver efetivamente o direito subjetivo aludido. Não
significa, tampouco, que possui direito ao mérito. Significa, outrossim, que possui direito ao mecanismo
estatal de solução de controvérsias. E sendo este seu único direito previamente assegurado, nada há de
inconstitucional em submeter a apreciação do mérito da causa ao preenchimento de determinadas
condições, impostas exatamente em razão de economia processual, de modo a evitar gastos
desnecessários.
31
Apesar de poder delimitar o direito de movimentar a maquina judiciária pelo preenchimento das
condições da ação, “a legislação infraconstitucional, [...] não pode, sob pena de lesão ao princípio
constitucional, impedir o direito de ação, negar o direito de postulação de uma tutela urgente, ou ainda,
porque resultaria no mesmo, estabelecer procedimento, cognição e provimento inadequados a uma
De toda sorte, o que é definitivamente assegurado a quem movimentou a jurisdição
32
é,
apenas e unicamente, o acesso ao mecanismo disponibilizado para solução de
conflitos, que é o processo. EDUARDO MELO DE MESQUITA
33
, ao discorrer sobre a
importância do processo, com muita propriedade assevera que:
O processo, contudo, diante da dimensão constitucional que alcançara, não
está tarjado a simples instrumento de justiça, mas galgara posição mais nobre
de garantia de liberdade. O processo não é apenas instrumento técnico, mas
instrumento político, histórico e sociológico, portanto, instrumento ético. Sem
embargo do processo, traduzir-se em fenômeno jurídico.
Um Estado democrático de direito, sem um instrumento processual-
constitucional, é frágil, vez que o Direito submete-se a instrumento ordinário,
estritamente técnico, sem qualquer conteúdo teleológico e axiológico e
facilmente mutável.
Demais disso, o dever imposto ao indivíduo de submeter-se obrigatoriamente à
jurisdição não pode representar uma punição, devendo, para tanto, o Estado garantir,
através de mecanismo instrumental adequado, a utilidade da sentença, a aptidão dela
para entregar a efetiva
34
e prática concretização da tutela.
35
E este mecanismo instrumental (o processo), para assegurar tudo aquilo que o
consumidor de serviços judiciários (se é que assim podem ser chamados os que
ingressam em juízo) merece, e para atingir seu real escopo (pacificação social, com
solução de conflitos), deve se pautar por valores e princípios, os quais serão
determinada situação conflitiva concreta.” In: MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela.
ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 109.
32
Sobre a finalidade da função jurisdicional, assim leciona o mestre Moacyr Amaral dos Santos (In:
Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 68), com a sabedoria que lhe
é peculiar: “Isto significa que o objetivo do Estado, no exercício da função jurisdicional, é assegurar a paz
jurídica pela atuação da lei disciplinadora da relação jurídica em que controvertem as partes. É verdade
que, com esse objetivo, atuando a lei ao caso concreto, impondo assim a autoridade desta, o Estado
reconhece e delibera quanto ao direito subjetivo, como conseqüência daquela atuação. Em conclusão, a
finalidade da jurisdição é resguardar a ordem jurídica, o império da lei e, como conseqüência, proteger
aquele dos interesses em conflito que é tutelado pela lei, ou seja, amparar o direito objetivo.”
33
As tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: RT, 2002. p. 37.
34
Nunca é demais lembrar, como adverte João Batista Lopes, que “nem sempre, porém, o resultado do
processo será suficiente para revesti-lo de efetividade. [...] A efetividade da tutela jurisdicional não pode
prescindir do processo justo, isto é, daquele que obedece às garantias estabelecidas na Constituição.”
(In: Revista de Processo – REPRO. Vol. 116. A efetividade da tutela jurisdicional à luz da
constitucionalização do processo civil. São Paulo: RT, 2004. p. 34)
35
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais. reforma do
código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 147.
encontrados, ora positivados em normas infraconstitucionais, ora expressamente ou
implicitamente estatuídos na Constituição da República.
Já se tornou corrente a lição em nossos Manuais, a respeito de nossa Constituição ser
classificada como um Texto Analítico. E quando se diz que a Carta Política de nosso
país é analítica,
36
está se dizendo, no mesmo passo, que ela cuida de matérias que, via
de regra, deveriam ser dispensadas à via ordinária.
Exatamente por ser analítica, e por muitas vezes descer a minúcias não condizentes
com o fito de uma Constituição, é que a Carta Brasileira foi, e é, tão modificada e
alvejada pelo legislador Constituinte Derivado. Contudo, exatamente para evitar
qualquer disparate tendente a tornar as garantias processuais do cidadão mais um alvo
do legislador Constituinte Derivado, o Constituinte Originário inseriu-as no artigo 5º do
Texto Magno, conferindo a elas o status de garantia fundamental, matéria que, como
cediço, é inalterável, à vista do que dispõe o artigo 60, § 4º, do mesmo diploma.
Estas garantias são responsáveis por uma mudança no modo de pensar o processo
civil, ramo do Direito que, se outrora era enxergado em visão estreita e formalista,
hodiernamente tem sido visto sob um prisma mais adequado a seus fins. Nessa
medida, torna-se cada vez mais corrente a utilização da expressão
“constitucionalização do processo civil”.
Assim, o legislador Constituinte Originário, ao inserir no Texto Magno a garantia de um
processo pautado por valores, e que efetivamente busque a realização da paz social,
teve em mira o fato de que, como bem salienta CARLOS ALBERTO ALVARO DE
OLIVEIRA
37
, “não basta apenas abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, [é preciso]
prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo
sem dilações ou formalismos excessivos.”
Essa é a razão, aliás, que norteou a Corte Européia dos Direitos do Homem a
proclamar, por mais de uma vez, que a Convenção Européia dos Direitos do Homem
36
Apenas por curiosidade, vale a pena mencionar a regra do artigo 242, § 2º, da CR/88, que estatui que
a manutenção do Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será de responsabilidade do
Governo Federal.
37
O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: Revista de Processo – REPRO. Vol.
113. São Paulo: RT, 2004. p. 18.
tem por escopo proteger direitos não mais teóricos ou ilusórios, mas concretos e
efetivos.
38
Portanto, ao prescrever o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República do
Brasil, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, foi consagrado, em sede constitucional, o direito fundamental de ação, de
acesso ao Poder Judiciário. E esse acesso não pode ser tido como um mero e simples
direito de fazer movimentar a jurisdição; deve, antes de tudo, ser visto como o direito à
prestação jurisdicional justa e eficaz, mesmo porque, como salientado em linhas
antecedentes, o Estado Democrático de Direito, somente pode ser resguardado de
forma límpida e ampla, se estiver disponibilizado à população um instrumento de defesa
de seus direitos mais embrionários. E este instrumento é o processo, pois é nele em
que os cidadãos depositam esperanças no sentido de que sua própria dignidade será
respeitada. Em comentário muito pertinente e que por isso merece menção, alertam
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, CÂNDIDO DINAMARCO E ADA
PELLEGRINI GRINOVER:
Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando
simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia
satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução
que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é
que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes
o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina
brasileira recente, em ‘acesso à ordem jurídica justa.
39
Rememore-se, entretanto, que não obstante a CR/88 ter sido a direta responsável por
um impressionante avanço na compreensão do direito processual civil, vislumbram-se
em casos não-raros uma intensa obstaculização da melhor aplicação do princípio que
ora se analisa, haja vista que, por conta de dogmas que em nada refletem os anseios
da sociedade atual o Judiciário por vezes impede a movimentação de sua máquina, o
que, ao menos em tese, impede o reamadurecimento de pontos que mereceriam uma
38
Idem. Ibidem. p. 19.
39
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido R., GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria
Geral do Processo. 14
ª
. ed., São Paulo: Malheiros, 1998. p. 33.
solução nova, fato que só vem a, de certo modo, gerar grande descrença, por parte da
nossa sociedade civil, com este Poder.
Sendo assim, não é complicado chegar à conclusão de que o princípio em tela clama
por uma maior participação do próprio judiciário em nossa ordem democrática, já que se
este Poder mantiver-se alheio a tal abertura, o processo instrumental que é, jamais
realizará seus precisos fins, permanecendo então o sistema como um núcleo fechado
para a própria realidade, o que certamente não se coaduna com a idéia lastreada nos
ensinamentos e conhecimentos do Professor AROLDO PLÍNIO GONÇALVES:
A instrumentalidade técnica do processo está em que ele se constitua na
melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele
resulta se forme, seja gerada, com a garantia da participação igual, paritária,
simétrica, daqueles que receberão os seus efeitos.
40
Assim sendo, encerra-se o presente tópico com a intenção de terem sido fornecidas as
seguintes compreensões: 1) o exercício do direito de ação e de defesa processual é um
princípio que está intimamente ligado a uma democracia participativa, pois atribui aos
indivíduos a certeza de que todos os litígios serão dirimidos em um ambiente de maior
clareza, de livre convencimento dos juízes e de publicidade das decisões; 2) o processo
deve ser visualizado sempre sob uma ótica participativo e democrática, a qual tem por
norte toda a principiologia sedimentada na CR/88, diploma que, além de romper com o
autoritarismo do ordenamento constitucional anterior, garante a todos os jurisdicionados
o direito de fazer movimentar o judiciário em busca de uma contenção justa de seu
litígio, fato que por si mesmo demonstra que o processo não é um fim, mas um
instrumento.
3.3 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Como se viu desde o início deste capítulo, o ponto a ser discutido atualmente é: como o
os princípios processuais civis constitucionais sevem de amparo a uma efetiva tutela
40
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
p. 171.
jurisdicional. Ou, em outros termos, como resguardar os direitos fundamentais,
aplicando-os e garantindo-os na forma que melhor lhes conceda efetividade.
Para a fixação de uma linha de raciocínio coerente mister se faz a abordagem do
princípio em comento, principalmente porque é ele quem corporifica, em conjunto com a
garantia da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório, a espinha dorsal de nosso
arcabouço de garantias processuais constitucionalmente asseguradas.
Com base em visão histórica – bastante restrita é verdade, dado os limites que a
presente abordagem impõem – vê-se que já na Magna Carta inglesa, cuja feitura data
de 1215, o primado do devido processo legal ocupa grande destaque, pois a teor do
artigo 39 do referido diploma já se dizia que:
nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua
liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer
forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele,
salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país.
Também do texto constante na Declaração de Direitos do Homem de 1948 o devido
processo legal ocupa posição de destaque, conforme se vê de seus artigos VIII e XI,
n°1, verbis:
art. VIII – Toda pessoa tem o direito de receber dos Tribunais nacionais
competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais,
que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei.
art. XI – 1 – Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser
presumida inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo
com a lei, em julgamento público no qual tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.
Seguindo esta linha e oferecendo ao devido processo legal a posição que ele merece, a
CR/88 consagra em seu artigo 5º, inciso LIV, a seguinte cláusula em prol da plenitude
da cidadania:
Art.5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal.
Mas qual é a dimensão e o significado de tão importante princípio? Conceituar devido
processo legal, de forma a estabelecer sua real extensão e aplicação, é tarefa árdua,
até porque a expressão é um tanto quanto ambígua e por isso mesmo possui
significado vago e fluido.
Mas, como não é a intenção imediata do presente trabalho descer à minúcias a respeito
de tão fascinante tema, limitar-nos-emos a dizer que a definição do que vem ser devido
processo legal é variável, não sendo o direito positivo responsável por seu conceito,
pois este é de somenos importância, notadamente quando se tem em inteligência que o
que importa efetivamente é visualizar como este princípio influi decisivamente na vida
das pessoas e nos seus direitos.
Já se manifestou abalizada doutrina nacional no sentido de que a cláusula do devido
processo legal não é estanque, mas sim variável de acordo com o momento histórico
41
em que se vive, exigindo assim do intérprete um vigor interpretativo que lhe atribua a
devida adaptação que a compreensão constitucional exige.
42
Portanto, em linhas genéricas, pode-se cominar ao devido processo legal o condão de
princípio que influencia e que baliza outros, tal como ocorre exemplificadamente com os
princípios da igualdade, da legalidade e da Supremacia da Constituição, que serão
oportunamente mencionados rapidamente no decorrer deste trabalho, e que estão
umbilicalmente atrelados à democracia moderna.
43
41
ADA PELLEGRINI GRINOVER observa que “justiça, irrepreensibilidade, ‘due process of law’ são
conceitos históricos e relativos, cujo conteúdo pode variar de acordo com a evolução da consciência
jurídica e política de um pais” (In: As garantias constitucionais do direito de ação, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1973, p. 34).
42
CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na
nova Constituição do Brasil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 56.
43
LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, bem observa que “o princípio da legalidade está, pois, atrelado ao devido
processo legal, em sua faceta substancial e não apenas formal. Em sua faceta substancial – igualdade
Existem, logicamente, outros princípios que estão ligados ao devido processo legal, tais
como a garantia de um juiz natural, de ampla defesa e contraditório, de publicidade e
motivação das decisões judiciais, etc. Mas o que importa para o desenrolar do presente
trabalho é saber que o princípio do devido processo legal é compreendido sob duas
vertentes. A primeira, de índole processual, torna indispensável o municiamento do
cidadão a todos as garantias e exigências inerentes ao processo, de modo que se
mostre resguardado seu direito de não ser atingido por atos sem a realização de
mecanismos previamente definidos na lei
44
. Já a segunda, de índole material, exprime o
sentido de que há a necessidade de se limitar o exercício do poder Estatal, sempre que
o mesmo, por exemplo, se mostre irrazoável, atingindo, injustamente esfera jurídica do
homem e da comunidade
45
.
Logo, infere-se que o princípio do devido processo legal se aproxima muito de uma
idéia de justiça participativa e democrática mencionada anteriormente, pois é ele quem
confere a obrigatoriedade de a solução dos casos concretos, ser pautada por uma
participação livre e simétrica do jurisdicionado, onde todas as partes possam controlar o
desdobramento concatenado dos atos processuais.
3.4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO
Como vimos, os princípios processuais devem ser compreendidos a partir da ótica do
Direito Constitucional, reafirmando a sólida relação entre Constituição e Processo em
substancial – não basta que todos os administrados sejam tratados da mesma forma. Na verdade,
deve-se buscar a meta da igualdade na própria lei, no ordenamento jurídico e em seus princípio” (In: O
devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do planejamento”,
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, out./dez. 1996, p. 93).
44
Sobre o tema a doutrina especializada aduz: “Resumindo o que foi dito sobre este importante princípio,
verifica-se que a cláusula do procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de
a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é,
de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos”. In: ARAÚJO
CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral
do Processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 56.
45
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, prolatou acórdão que em poucas palavras
traz a perfeita essência do aspecto material do devido processo legal: due process of law, com conteúdo
substantivo - substantive due process - constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser
elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade
(racinality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real substancial nexo com o objetivo que se quer
atingir". (In: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. rev
e atual com as Leis 10.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.40).
um Estado Democrático de Direito, pois neste vários princípios processuais, insertos
que estão no Texto Fundamental, aparecem como garantias elementares da cidadania.
Antes, porém, de darmos enfoque a qualquer temática específica relacionada ao tema
do presente tópico é importante dizer que contraditório e ampla defesa distinguem-se,
mas como bem salienta DELOSMAR MENDONÇA JR:
...são figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não
há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem
contraditório. (...) O contraditório é o instrumento de atuação do direito de
defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório.
46
Diante de tal consideração, levando-se em conta que ampla defesa, conforme doutrina
supra, é o conjunto de garantias que a Constituição propicia ao réu para trazer para o
processo todos aqueles elementos que, em seu íntimo, são aptos e/ou relevantes para
o esclarecimento da verdade, nestes inclui-se, também a possibilidade de calar-se ou
abster-se, se entender necessário. Nesse caminhar, sendo o contraditório a própria
exteriorização da ampla defesa, merece, com efeito, maior aprofundamento,
logicamente, dentro dos limites propostos.
O princípio do contraditório, como consectário lógico do princípio do devido processo
legal, ratifica mais uma vez a plena necessidade de um ambiente processual
democrático e plural, em que todos atos exarados sejam sobrepujados por uma efetiva
participação das partes litigantes, na medida em que, estas, apesar de possuírem
interesses antagônicos, possuem também a função, com a atuação de seus patronos,
de colaborar com a construção de um julgamento que se aproxime o quanto mais da
verdade.
Com base nesta concepção de contraditório é que é possível fazer a transposição da
visão privatística de um processo pautado por valores meramente individuais e
antagônicos, para a valorização de uma visão dialética em que as partes atuam de
maneira incisiva e efetiva no livre convencimento do juiz, eis que lhes são dadas as
mesmas inúmeras chances de influir em sua decisão final.
46
Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. o Paulo: Malheiros,
2001, p. 51.
Assim sendo, observa-se que é este princípio que nos dá bases para dizer que em
todas as fases processuais a participação democrática das partes litigantes representa
importante método de formação de uma decisão judicial que reflita com mais afinco os
anseios dos jurisdicionados. Nessa medida, é o contraditório de observância obrigatória
em todas aquelas fases ou atos do processo que possam, de qualquer forma influir
positiva ou negativamente em quaisquer direitos das partes litigantes, sendo, portanto,
juntamente com a garantia constitucional da ampla defesa e da fundamentação das
decisões judiciais, importante instrumento para a construção de manifestação
jurisdicional legítima sob o ponto de vista social. Não discrepa do raciocínio ora
exposto, a doutrina pátria, como exemplificadamente, se vê de MARCELO ANDRADE
CATTONI DE OLIVEIRA, que ao analisar o tema, afirma que:
O que garante a legitimidade das decisões são antes garantias
processuais atribuídas às partes e que são, principalmente, a do
contraditório e a ampla defesa, além da necessidade de fundamentação
das decisões. A construção participada da decisão judicial, garantida
num nível institucional, e o direito de saber sobre quais bases foram
tomadas as decisões dependem não somente da atuação do juiz, mas
também do Ministério Público e fundamentalmente das partes e dos seus
advogados.
47
Ademais, nunca é cansativo repisar que, sendo o contraditório um direito fundamental,
não se pode cogitar da criação de obstáculos infundados que a ele sejam impostos, até
mesmo porque, como fora analisado supra, não mais se cogita de um processo formal
em que impere acima de tudo e de todos a força impositiva do juiz, mas sim pretende-
se a colaboração de todos os participantes
48
, tudo com vistas a guarnecer a justiça das
decisões
49
.
47
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002. Pgs. 78-79.
48
Sobre a dialeticidade processual e a igualdade das partes: O PRINCIPIO DO CONTRADITORIO, COM
ASSENTO CONSTITUCIONAL, VINCULA-SE DIRETAMENTE AO PRINCIPIO MAIOR DA IGUALDADE
SUBSTANCIAL SENDO CERTO QUE ESSA IGUALDADE, TÃO ESSENCIAL AO PROCESSO
DIALETICO, NÃO OCORRE QUANDO UMA DAS PARTES SE VE CERCEADA EM SEU DIREITO DE
PRODUZIR PROVA OU DEBATER A QUE SE PRODUZIU. - O SIMPLES EQUIVOCO NA INDICAÇÃO
DA NORMA LEGAL VULNERADA NÃO DEVE SERVIR DE OBSTACULO A APRECIAÇÃO DO
RECURSO ESPECIAL QUANDO NITIDO O TEOR DA IMPUGNAÇÃO, MESMO PORQUE ELE SE
Portanto, limitando-se a abordagem ao tema central da pesquisa, conclui-se que o
contraditório atua como um importante mecanismo garantidor do pleno exercício da
liberdade e da própria supremacia da Constituição, eis que sua essência está voltada
basicamente para um processo que se mantenha sempre dirigido a salvaguardar e
realizar os valores e interesses constitucionais relevantes.
50
3.5 PRINCÍPIO MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
É sempre importante sejam as decisões judiciais motivadas, principalmente se diante
destas está a resolução de um caso que envolva matéria constitucional. Mas
especificamente sobre este pontos nos reservaremos a deixá-lo para um momento
oportuno.
A própria legitimidade democrática passa pela aceitação e pelo respeito de suas
decisões tantos pelos demais poderes por ele fiscalizados, quanto, e, notadamente,
pela opinião pública. Por isso, a legitimidade do Poder Judiciário, concedida que é pela
população, não pode abrir mão da produção de decisões que possuam uma
fundamentação coerente e bem declinada, sob pena de não se ter condições de se
verificar a valia da função jurisdicional. RUI BARBOSA já bem dizia que:
A autoridade da justiça é moral, e sustenta-se pela moralidade das suas
decisões. Poder não a enfraquece, desatendendo-a; enfraquece-a, dobrando-
a. A majestade dos tribunais assenta na estima pública e esta é tanto maior
quanto mais atrevida for a insolência oficial que lhes obedecer, e mais
adamantina a inflexibilidade deles perante ela.
51
DESTINA A PRESERVAR A AUTORIDADE E UNIDADE DO DIREITO FEDERAL E NÃO APENAS DA
LEI FEDERAL. (In: STJ, 4ª Turma. REsp n° 998/PA – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo).
49
Por isso mesmo o "direito ao contraditório decorre da exigência de co-participação paritária das partes,
no procedimento formativo da decisum judicial." (BARACHO, José Alfredo de Oliveira, Teoria Geral do
Processo Constitucional. In: Revista de Direito Comparado da UFMG, Belo Horizonte, v.4, 2000a. P.
58).
50
No mesmo sentido, porém com outros dizeres: ELIO FAZZALARI, ao dizer sobre o contraditório que:
"la sua essenza di struttura privilegiata per la gestione democratica di attività fondamentali; e, dunque, di
strumento per la realizzazione e per la salvaguardia delle libertà. (In: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di
diritto processuale. 7
ª
ed. Padova: CEDAM, 1994. p. 618).
51
Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Secretaria da Cultura – Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1991. v. 19, p. 300.
E esse ensinamento segue as linhas mestras de um dos princípios que inclusive já foi
objeto de comentário em linhas antecedentes, no caso o devido processo legal,
mormente pelo fato de que nunca seria possível se falar em um processo democrático
sem que houvesse a exteriorização das razões que justificam a decisão judicial. E a
motivação – é bem de ver – não se confunde com os motivos que deram ensejo à
propositura da demanda. Estes podem até ter existido e, em despeito disso, o Judiciário
ao dar o devido desate à lide haver-se omitido em seu decisório de conferir uma
motivação clara e congruente. Em tal caso, haverá demanda, mas a decisão restará
viciada (art. 93, IX, CR/88) por falta de motivação.
Assim, tem-se que o Judiciário necessita proferir decisão estribando-a nos fatos e
circunstâncias relevantes sobre os quais se apóia, relacionando-os de forma a atribuir a
eles a imperiosa relação de pertinência lógica com a medida que fora tomada, de
maneira a se poder compreender sua idoneidade para lograr a finalidade legal. A
motivação é, pois a justificativa do ato judicial. O que se vê, entretanto, é a
desobediência corriqueira a tal dever, pois como bem salientam LUÍS ROBERTO
BARROSO e ANA PAULA BARCELLOS, em que pese o dever constitucional de
motivar:
(...) nunca se motivou tão pouco e tão mal. Há uma série de explicações para
esse fenômeno, que vão do excesso de trabalho atribuído aos juízes, passam
pela chamada ‘motivação concisa, autorizada pela jurisprudência das Cortes
Superiores, e pelas recentes reformas do Código de Processo Civil, que
admite, agora, como fundamentação de determinadas decisões a mera
referência a súmulas.
52
Este problema não passou desapercebido do crivo do Supremo Tribunal, como bem
apontou o Ministro Sepúlveda Pertence, quando do julgamento do HC 78.013-RJ, cuja
ementa segue:
52
BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. A nova Interpretação Constitucional:
Ponderação, Argumentação e Papel dos Princípios, in: LEITE: George Salomão. Dos Princípios
Constitucionais. Malheiros: 2003. p. 123.
Sentença condenatória: acórdão que improvê apelação: motivação necessária.
A apelação devolve integralmente ao Tribunal a decisão da causa, de cujos
motivos o teor do acórdão há de dar conta total: não o faz o que - sem sequer
transcrever a sentença - limita-se a afirmar, para refutar apelação arrazoada
com minúcia, que "no mérito, não tem os apelantes qualquer parcela de razão",
somando ao vazio dessa afirmação a tautologia de que "a prova é tranqüila em
desfavor dos réus": a melhor prova da ausência de motivação válida de uma
decisão judicial - que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a
um caso concreto e singular - é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por
dizer que não serve a nenhum.
Diante de tal quadro, após as considerações expostas, objetiva-se deixar claro neste
tópico que o dever de motivar, se necessário em todas as decisões judiciais, deverá
com muito mais razão ganhar mais força quando se está diante de um pronunciamento
que diga respeito à pretensa constitucionalidade e/ou inconstitucionalidade de uma
norma jurídica, pois como salientam os mesmos autores acima citados, se a motivação
é o meio adequado para que se controle a racionalidade do discurso jurídico em
questões das mais diversas e complexas, na interpretação constitucional seu papel é
relevantíssimo, eis que:
O caráter aberto de muitas normas, o espaço de indefinição de conduta
deixado pelos princípios e os conceitos indeterminados, conferem ao intérprete
elevado grau de subjetividade. A demonstração lógica adequada do raciocínio
desenvolvido é vital para a legitimidade da decisão proferida.
53
O dever de motivar – entenda-se dever de motivar de forma clara e congruente – pode
ganhar ainda maior protuberância acaso o leitor lembre e se filie à concepção de
NIKLAS LUHMAN
54
, que ao discorrer sobre a posição dos tribunais no sistema jurídico,
revela estarem estes situados em uma posição central, ao passo que os demais
poderes estariam situados em uma posição periférica.
Em síntese, o que se extrai da obra do referido autor, é que os tribunais encontram-se
na posição central do sistema, pois eles são coagidos por este a emitir decisões, ao
contrário das decisões tomadas por legisladores e particulares, as quais se valem de
53
Op. cit. p. 126.
54
Logicamente, é bom registrar, não pretendemos discorrer nem tampouco vangloriar a posição do
referido autor. O que se pretende ao mencioná-lo é unicamente ressaltar a importância de se motivar
adequadamente uma decisão judicial.
fatores alheios ao sistema jurídico, situadas nos sistemas sócio-políticos. Diz ainda o
autor citado, que se o administrador público algo decide, esta decisão poderá ainda ser
controlável pelo Judiciário, pois a decisão deste poder é a única que se reveste de
definitividade. Assim, “a não-decisão [para o Judiciário] não é permitida”
55
, o que
inclusive é positivado em nosso ordenamento por meio do art. 5°, XXXV, da CF, já
mencionado, dentre outros dispositivos de índole infraconstitucional.
Ora, é importante que se lembre, como visto em passagem anterior dessa pesquisa,
que, com a superação do Positivismo, o poder interpretativo disponibilizado aos juízes
tem ganhado largos contornos. E essa amplitude que a eles foi conferida tem sempre
como primordial justificativa o alcance de uma decisão justa que reflita os anseios de
justiça tão almejados pelo Direito, sendo até por isso, que vem se tornando curial a
utilização das chamadas cláusulas abertas, as quais permitem que mudanças da
sociedade não importem em necessidade de alteração do veículo normativo. De tal
maneira, estando o juiz compelido a decidir, mesmo que o caso seja realmente
complexo, não pode ele se abster de dar, por meio de sua decisão, uma satisfação à
coletividade, bem como conferi ao próprio jurisdicionado participante do litígio a
oportunidade de controlar, via recurso, a decisão que por ele foi tomada. Com efeito,
interessante a passagem a seguir:
Tal obrigação de decidir demonstra que se deve suspender a eterna
interpretação do mundo ou dos textos. Mesmo que se possa contrariar, o juiz
deve encontrar algo em que possa se fundamentar e que justifique o início da
ação. Para que haja a capacidade da decisão, é necessária a previsão
institucional, tornando o sistema do direito universalmente competente e capaz
de decidir. Tal combinação se evidencia no princípio da não denegação da
justiça. Mesmo nos hard cases, os tribunais devem tomar uma decisão, não
obstante as regras para tanto sejam duvidosas
56
.
55
LUHMANN Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista da AJURIS. Porto Alegre:
AJURIS, 1990, n. 49, p.160.
56
LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Trad. Javier Torres Narrafate. México: Universidad
Iberoamericana, 2002. p. 376.
4 OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELEVANTES
No decorrer da presente pesquisa foram abordados temas correlatos, que se ligam
indiretamente ao tema central proposto. Ou seja, até que ponto uma decisão de
constitucionalidade pode vir a influir em um caso sobre o qual já está assentado o
manto da coisa julgada. Nos tópicos antecedentes foi visto que a Constituição Brasileira
é composta de inúmeros princípios constitucionais abertos que demandam a
participação das camadas sociais nas decisões judiciais. Nessa mesma linha de
pensamento, foi observado que estes mesmos princípios não possuem somente um
mero caráter integrador, indo além, pois se atribui a eles hoje verdadeira força
normativa. E se o direito moderno também é composto por enunciados principiológicos,
em caso de colisão entre estes, cabe ao intérprete e aplicador conhecer as vigas
mestras da Constituição de forma a saber solucionar o caso, primando pela inteireza do
espírito da própria Carta Política.
Isso porque, o Estado de hoje não é mais visto como outrora, pois nos tempos atuais,
vivemos uma verdadeira transposição política, mesmo porque, sendo o direito uma
ciência essencialmente dinâmica, retratando as nuances históricas do instante de sua
criação, ele é verdadeiro fruto de evoluções sociais. Assim, a nova concepção de
Estado impõe a remoção de obstáculos que impedem a busca de uma igualdade
material aos indivíduos.
E ressalte-se que, a política, como manifestação da vontade governamental, somente
cria rumos e objetivos novos, se estes estiverem em consonância com a vontade
estatuída na Constituição, haja vista estar aquela inequivocamente subordinada a esta.
Vive-se, então, a época do Estado Democrático de Direito, notadamente preocupado
com questões sociais e que utiliza suas ferramentas políticas, legais, etc, para o
atingimento dos objetivos da República, descritos em diversas passagens da
Constituição, tais como, o art. 1°, 3°, 170, dentre outros, demonstrando com isso que a
Carta Magna ultrapassou o papel passivo que, em tempos não tão remotos, possuía de
apenas se limitar a preservar as liberdades individuais, não municiando o Estado de
mecanismos eficazes para sua atuação, eis que agora, a CR/88 impõe a este mesmo
Estado a persecução e realização de um vasto complexo de propósitos, estes
encontrados nos dispositivos acima mencionados, resultando numa verdadeira
obrigação de fazer Estatal com vistas a modificação efetiva da realidade social do país.
Logo, para que se aspire a promoção e a verdadeira efetivação de um Estado
Democrático de Direito, deve-se avistar o ensinamento de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JR., autor para quem, a expressão Estado Democrático de Direito não revela:
(...) obviamente apenas a sujeição do Estado a processos jurídicos e à
realização não importa de que idéia de direito, mas a sua subordinação a
critérios materiais que o transcendem, nomeadamente à interação de dois
princípios substantivos – o da soberania do e dos direitos fundamentais (art. 1°,
parágrafo únicos e incs. I, II e III) – com a realização da democracia
econômica, social e cultural como objetivo da democracia política (art. 1°, IV e
V, e art. 3°, I, II, III e IV).
57
Especificamente no que diz respeito ao objeto do presente estudo, são pertinentes
estas considerações iniciais envolvendo o atual ideal do Estado Democrático de Direito,
pois é com base nesses apontamentos que será possível bem compreender tópicos
relacionados com o dever de submissão ampla que o Poder Público deve ter para com
a lei. E diz-se ampla, pelo fato de que não só formalmente esta obediência deve existir,
mas também materialmente, sendo crível que esta componente material reflita a
realização de determinados objetivos por parte do Estado, os quais tenham por norte a
incrementação de uma democracia implementada e basilada nos valores previstos no já
citado artigo 1°, da CR/88, o que significa dizer que esta premissa fornece ou deve
fornecer todo o conteúdo, a extensão e o modo de proceder da atividade Estatal.
Portanto, em tom de arremate, fácil fica agora compreender que tudo o vem sendo
esposado até o momento, nos permite identificar no interior da Constituição Pátria dois
princípios informadores da direção a ser seguida pela atividade Estatal, quais sejam, o
princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio Republicano, que por sua vez,
possui como vigas mestras a legalidade, a segurança jurídica e a moralidade, dentre
57
Congelamento de Preços: Tabelamentos Oficiais. Revista de Direito Público n° 91, São Paulo,
julho/setembro de 1999, p. 80.
outros que se inserem em meio ao contexto destes, e que serão abordados no decorrer
do raciocínio subseqüente.
4.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: LEGALIDADE, MORALIDADE E
SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
Os princípios da legalidade e moralidade administrativas, previstos no art. 37 da
Constituição Federal, são o sustentáculo de toda a atividade praticada pelo Poder
Público, em qualquer de suas esferas. De assim dizer que todo ato praticado, quer pelo
Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário deve guardar sintonia com esses princípios,
obviamente sem olvidar dos demais. Seja na criação de uma lei, na sua aplicação pelo
Executivo ou pelo Judiciário, as regras e princípios constitucionais devem ser
observados.
Em relação ao princípio da moralidade administrativa é que, talvez na maioria dos
casos, estar-se-ia diante de situações que poderiam ensejar o afastamento da
estabilização das relações jurídicas em caso de sua inobservância. Define-se como
sendo não uma moral comum, mas sim, na moral administrativa, nas sábias palavras de
HELY LOPES MEIRELLES
58
, citando MAURICE HAURIOU, HENRI WELTER E
LACHARRIÈRE.
Certamente a moralidade administrativa coincide com os ideais de justiça que, na lição
de NORBERTO BOBBIO, é “a correspondência da norma com os valores últimos ou
finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico”.
59
Dito pensamento é
reforçado por ANTÔNIO JOSÉ BRANDÃO
60
que, citado por HELY LOPES
MEIRELLES
61
e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO
62
, discorrendo acerca da
evolução desse princípio, afirma que se começou a discutir o problema do exame
58
In Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1990, p. 79.
59
Teoria Generale del Diritto, nº 9. p. 23-24.
60
In RDA 25/454.
61
Op. cit. pág. 80.
62
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 3ª ed., Atlas, São Paulo, 1992, p. 66.
jurisdicional do desvio de poder. E arremata DI PIETRO
63
, nesse diapasão de idéias,
afirmando que
com o objetivo de sujeitar ao exame judicial a moralidade administrativa é que
o desvio de poder passou a ser visto como hipótese de ilegalidade, sujeita,
portanto, ao controle judicial. Ainda que, no desvio de poder, o vício esteja na
consciência ou intenção de quem pratica o ato, a matéria passou a inserir-se
no próprio conceito de legalidade administrativa. O direito ampliou o seu
círculo para abranger matéria que antes dizia respeito apenas à moral
.
Esses princípios – legalidade e moralidade – se revelam de tamanha importância que a
própria Constituição outorga a qualquer cidadão o direito de propor ação popular
visando anular, dentre outros, ato lesivo aos princípios da moralidade e da legalidade
administrativa (art. 5º, LXXIII). Além disso, confere ao Ministério Público o caminho da
ação civil pública visando anular atos lesivos ao patrimônio público, além do remédio da
ação civil por improbidade administrativa, cujo objeto abrange os atos ilegais e imorais
(Leis nº 7.347/85 e 8.429/92).
O que importa demonstrar é que a necessária e desejada estabilização das relações
jurídicas é precedida por um enquadramento aos fins previstos constitucionalmente.
Vale dizer: somente quando um ato praticado pelo Poder Público (no caso em questão,
o Poder Judiciário) estiver em perfeita harmonia com os princípios e normas
constitucionais é que se poderá falar em definitiva estabilização. Do contrário, isso não
ocorreria. Há uma verdadeira subordinação da atividade jurisdicional aos ditames
constitucionais, principalmente em relação aos princípios da moralidade e da
legalidade. Traduzindo o pensamento tradicional a respeito do instituto da coisa julgada,
CHAIM PERELMAN afirma que
a coisa julgada é tida como verdadeira, e as partes devem submeter-se às
conclusões do Tribunal. Aliás, são essas conclusões que o mais das vezes
lhes importam, bem mais do que a realidade dos fatos, que constituem apenas
um meio de fundamentar as conseqüências jurídicas que deles decorrem”.
64
63
Op. cit., p. 66/67.
64
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Trad. de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Fontes,
1996, p.586.
Tal concepção, muito embora com o intuito de estabelecimento da paz judiciária, talvez
possa gerar um efeito colateral mais danoso do que a sua negação. Se pensarmos na
função do Poder Judiciário apenas como solução de conflitos, independentemente da
justiça de suas decisões, tal assertiva estaria repleta de fundamento. Mas não é essa a
função precípua do Poder Judiciário. Longe de simplesmente por fim ao conflito, tal
finalização deve coincidir com os ideais de justiça, materializados nos princípios
constitucionais, mormente os da moralidade e legalidade.
A veracidade daquilo que foi decidido passa a atuar de forma absoluta apenas quando
harmoniosa com os preceitos maiores, não podendo contrariar a lógica jurídica ou
mesmo o senso comum. Não se pode, assim, vir a transformar fatos verdadeiros em
reais; ao revés, deve a ciência jurídica evidenciar a ocorrência de decisões justas e
legais, revelando a expressão total do direito que ela encerra.
65
Os princípios que ora se comentam impõem que as decisões judiciais venham a refletir
os anseios de justiça social, de modo a atuar aquilo e precisamente aquilo que o
legislador constituinte previu, não podendo refletir uma vontade pessoal do julgador,
senão a vontade maior, que é a vontade soberana da lei.
Dessa explanação, podemos fazer uma correspondência entre os princípios da
legalidade e da moralidade, previstos constitucionalmente, e a garantia da coisa
julgada, também com assento constitucional. Devendo a Constituição Federal atuar de
modo absoluto, com preponderância sobre qualquer outra norma, como seria o
tratamento de uma decisão acobertada pela coisa julgada que violasse os princípios da
moralidade, da legalidade e da própria supremacia da constituição? Nossa proposição é
a de só haverá pacificação se atendidos os primados da legalidade, da moralidade, e,
conseqüentemente, da supremacia da constituição (que adiante será objeto de melhor
análise), não se admitindo possa um princípio, previsto na Constituição e pondo a salvo
a coisa julgada em relação a um ato normativo primário consubstanciado numa lei, ferir
preceitos éticos, morais e legais em homenagem, única e exclusivamente, à garantia da
estabilização. Repita-se, desta forma, por não ser exaustivo, que a estabilização
65
DELGADO, José Augusto, op. cit., p. 78-79.
máxima desejada pela coisa julgada somente se firma no âmbito legal quando, numa
verdadeira escala de validade, obedecer primeiramente os princípios legais e morais.
Andando em par com tais princípios, também é relevante mencionar, como fundamento
para relativizar a coisa julgada, a violação aos princípios da proporcionalidade (ou
razoabilidade), da democracia, da hierarquia das normas, da isonomia, da separação
de poderes, da dignidade da pessoa humana, do acesso à ordem jurídica justa, que
repele a perenização de julgados aberrantemente discrepantes dos ditames da justiça e
da eqüidade, do repúdio à fraude e ao erro grosseiro, entre outros princípios. Vemos,
assim, que no julgamento das querelas que lhe são submetidas o Poder Judiciário, tal
como os demais, não pode se afastar do princípio da moralidade, legalidade, e outros
mais. Ainda citando JOSÉ AUGUSTO DELGADO,
exige-se que o Poder Judiciário, instituição responsável pela aplicação
coercitiva do direito, esteja mais assujeitado ao cumprimento da moralidade do
que o Executivo e o Legislativo, por lhe caber defender, como Poder Estatal, o
rigorismo ético nos padrões de sua própria conduta e dos seus jurisdicionados.
66
Caso, entretanto, em seus julgamentos, venha o Poder Judiciário a ultrapassar os
limites de sua atuação jurisdicional, limites esses traçados também para os demais
Poderes, quais sejam, os princípios da moralidade, legalidade, isonomia,
proporcionalidade, bem como outros que venham a dar sustentáculo ao ordenamento
constitucional positivo, tal atividade revela-se em verdadeira decisão inconstitucional,
não podendo ser solidificada em homenagem a garantias menores traçadas na
Constituição, abrindo-se, nesse caso, o leque para o ataque de eventual coisa julgada
que venha a tornar imutáveis e indiscutíveis aqueles efeitos inconstitucionais.
Corolário lógico desse vão de idéias é o princípio da supremacia da Constituição, o qual
preceitua, como se sabe, que é a Carta Magna quem fornece o fundamento de validade
todas as demais leis e atos normativos assentes no ordenamento jurídico. Daí porque,
66
Op. cit. p. 79.
já se tornou corriqueira a fala que aduz que para se respeitar o Estado de Direito, é
imperioso que não seja aviltada a Carta Magna.
Por isso, sempre se salienta que a Constituição da República é a norma fundamental,
em que todas as demais existentes buscam seu substrato de validade. Em
complemento à afirmativa supra, interessante passagem é fornecida por KELSEN,
quando citado por REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI:
uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade
em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas
cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental forma
um sistema de normas, uma ordem normativa.
67
Assim, sendo a Constituição uma Lei Suprema, hierarquicamente superior às demais
normas do ordenamento, há necessidade da ordem e do sistema jurídico manterem-se
em perfeita sintonia com os princípios fundamentais nela constantes
68
, até porque como
assevera JOSÉ AFONSO DA SILVA “todas as normas que integram a ordenação
jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição
Federal”.
69
Pode-se até dizer que, com o aparecimento das Constituições escritas e rígidas,
passou-se a garantir com maior destaque o regime democrático, pois se por um lado as
Constituições escritas são poderosos instrumentos de racionalização do poder,
oferecendo a todos os seus efetivos destinatários, uma real possibilidade de
consagração e satisfação de seus direitos, por outro, o regime democrático tem como
67
Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.
41.
68
Asseverando que o Parlamento também se submete a tal princípio, pode-se pinçar a lição expendida
por ALEXANDRE DE MORAES, de forma a ratificar o que aqui será exposto, e de alargar o âmbito do
ensinamento para todos os demais Poderes. Com efeito, veja-se esta passagem: “a vontade geral
(expressa no Parlamento) encontra-se também ela vinculada ao respeito dos direitos inatos e naturais,
verdadeiros limites pré e meta-estatais que as Declarações não constituem, mas tão-só reconhecem”. (in:
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4ª ed., São
Paulo: Atlas, 2004. p. 81.
69
Curso de direito constitucional positivo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 50.
predicado maior a constitucionalização da nação, na medida em que o Poder
Constituinte ao povo pertence
70
.
Demais disso, salta aos olhos, a circunstância de que a existência de uma Constituição
hierarquicamente superior às demais normas do ordenamento jurídico
71
implica ainda
em sua rigidez, ou, em outro giro verbal, como leciona PAULO BONAVIDES, "da rigidez
constitucional resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte,
sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, por um poder inferior, de
competência limitada pela constituição mesma
"
72..
Até mesmo pelo fato de que como
disserta o citado autor:
O sistema das Constituições rígidas assenta uma distinção primacial entre
poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei
constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples atos do
poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição
mesma. As Constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal,
demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhe oferece
estabilidade ou rigidez bem superior àquela de que as leis ordinárias
desfrutam. Daqui procede, pois, a supremacia incontrastável da lei
constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado
ordenamento. Compõe-se assim uma hierarquia jurídica, que estende da
norma constitucional às normas inferiores (leis, decretos, regulamentos etc.) e
a que corresponde por igual uma hierarquia de órgãos.
73
No mesmo sentido, porém com palavras diversas, é a lição de CELSO RIBEIRO
BASTOS, quando pontifica que “Apenas as Constituições rígidas são modificáveis por
um procedimento especial, posto que as flexíveis não vêem duplicidade de processos
70
Réquiem para uma Constituição. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, setembro
de 1998, edição especial em comemoração aos 10 anos da Constituição Federal, p. 54.
71
Extrai-se da lições de HANS KELSEN que a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas
ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de
diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência
que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por
seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–
pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade
último que constitui a unidade desta interconexão criadora (in: Teoria Pura do Direito. p. 246).
72
Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., Malheiros, São Paulo, 1993, p. 122.
73
BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 1993, 4ª ed., p. 228.
legislativos, nenhuma diferença formal apresentando tanto a atividade legislativa
ordinária quanto a constitucional”.
74
Também CLÈMERSON MERLIN CLÈVE observa que a “rigidez constitucional decorre
da distinção entre o Poder Constituinte (ainda que derivado) e os Poderes Constituídos.
Onde não há lugar para essa diferença, igualmente não há lugar para a rigidez
constitucional”.
75
Portanto, o princípio da supremacia da constituição, não só que todas as situações
jurídicas se conforme os princípios e preceitos da Constituição
76
, mas também postula
que a própria legislação anterior ao Texto Maior que com ele não se coadune não seja
recepcionada, e, por outro prisma, que os textos normativos a ela pretéritos, mas,
materialmente adequados, sejam recepcionados
77
,
78
74
Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 51.
75
A fiscalização abstrata de constitucionalidade. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.
31.
76
SILVA, JOSÉ AFONSO DA, Op. cit. p. 50.
77
A respeito da impossibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de texto legal que antecede a
constituição, vide a seguinte ementa: CONSTITUIÇÃO – LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE –
REVOGAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE – 1. A lei ou é
constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel
à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O
vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao
tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição
superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna
inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição
não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não
revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2.
Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não
conhece por impossibilidade jurídica do pedido.
78
De igual maneira a Corte Suprema não admite ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido, entendendo ainda a prejudicialidade da
ação, por perda do objeto, na hipótese da lei ou ato normativo objetos da impugnação venham a serem
revogados antes de seu julgamento finda, eis que, sob a ótica do STF, a declaração em tese de ato
normativo que não mais existe transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de
situações jurídicas pessoais e concretas. À título de exemplo veja-se o que restou decidido no âmbito da
ADIn 1.674/GO – Rel. Min. Sydney Sanches, na qual há, inclusive menção a precedentes: (...) No caso,
porém, a norma impugnada (§ 8º do art. 92 da Constituição de Goiás, acrescentado pela Emenda
Constitucional Estadual nº 20, de 10.09.1997) é anterior à nova redação dos referidos artigos 37, XI, e 39,
§ 1º, da C.F./88. 6. Se esse novo texto das normas constitucionais federais revogou, ou não, a norma
estadual objeto da impugnação, é questão que só se pode resolver no controle difuso de
constitucionalidade, ou seja, na solução de casos concretos, nas instâncias próprias. Não, assim, no
controle concentrado, "in abstrato", da Ação Direta de Inconstitucionalidade, na qual o Supremo Tribunal
Federal só leva em conta o texto constitucional em vigor, não, portanto, o revogado ou substancialmente
alterado. 7. Em circunstâncias assemelhadas, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já julgou
Já os atos infraconstitucionais promulgados a partir de sua vigência podem contrariar
formalmente ou materialmente a Constituição, a depender da natureza da afronta. Ou
seja, se o desrespeito se der em razão de infringência ao processo legislativo, estar-se-
á diante de inconstitucionalidade formal. Se o ato normativo contrariar algum princípio
ou regra constitucional, o caso será de inconstitucionalidade material. Sobre o controle
formal e material dos atos tidos por inconstitucionais, interessante passagem é
fornecida por MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:
controle da constitucionalidade é, pois, a verificação da adequação de um ato
jurídico (particularmente a lei) à Constituição. Envolve a verificação tantos dos
requisitos formais – subjetivos, como a competência do órgão que a editou –
objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição – quanto
dos requisitos substanciais – respeito aos direitos e às garantias consagrados
na Constituição – de constitucionalidade do ato jurídico
79
.
Logo, e à luz dos ensinamentos doutrinários supratranscritos, é indiscutível que as
normas jurídicas de um modo geral não se encontram no mesmo patamar hierárquico.
Muito ao contrário, o ordenamento possui em seu ápice uma Norma Maior, que possui
relação de supremacia com todas as demais, que estão a ela subordinadas, direta ou
indiretamente. E dentre todas, com inegável certeza, a maior, e hierarquicamente
superior, é a Constituição.
80
Com efeito, OSWALDO LUIS PALU, firma sua posição asseverando que
iniludivelmente, os atos normativos não se encontram no mesmo patamar, na medida
em que, entre eles subsiste uma relação de subalternidade orgânica e funcional.
81
O
mesmo pensamento se extrai dos fundamentos apresentados por EDMAR OLIVEIRA
ANDRADE FILHO, jurista que salienta, no mesmo teor do que está sendo exposto, que,
prejudicadas algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, em face de alterações substanciais no
texto originário da C.F./88 (Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.137, 575, 512 e 1.907).
79
Curso de Direito Constitucional, 21ª ed., Saraiva, Rio de Janeiro, 1997, p. 30.
80
No mesmo sentido, porém com outros dizeres, OSWALDO LUIZ PALU, supedaneado pelo pensamento
de HANS KELSEN. Controle de Constitucionalidade, São Paulo: RT, 1999, p. 63-64.
81
A garantia da constitucionalidade é um fim e a fiscalização é da constitucionalidade é um meio para
atingi-la, mas a fiscalização institucionalizada, com órgãos aptos e organizados a tal mister (In: Controle
de Constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
1999, p. 59-63.
lei ou ato normativo editado fora dos vetores norteados na Carta Magna apresentarão
vícios que, se não saneados, podem redundar em inquidade e arbítrio, o que é
absolutamente incompatível com um Estado de Direito:
todo sistema de controle de constitucionalidade deve ser entendido sempre
como meio de preservação da vontade do poder constituinte originário que
impõe, nos Estados democráticos, a cooperação entre os poderes, mas não
descura de prover mecanismos para enfrentar as tentativas que sempre
ocorrem de se subverter a ordem constitucional. Esses mecanismos
constituem um sistema de freios e contrapesos – checks and balances -, em
que os poderes constituídos colaboram entre si e observam mecanismos de
fiscalização uns dos outros, como o que se evita a ditadura de um poder sobre
os outros, de forma cruzada, sem que um deva abrir mão de sua
independência em favor do outro. Atentar para isso é valorizar a Constituição
como estatuto supremo, que dirige a atuação dos poderes e motiva ou impõe
comportamentos à sociedade
82
.
Em outra passagem, em tom de arremate, o autor acima citado exara lição, cujo teor
transcreve-se:
Hoje, pouca ou nenhuma resistência existe à concepção de que no plano
jurídico, a Constituição alcançou a dignidade de um estatuto supremo,
catalisador dos valores reconhecidos pela comunidade e que se integram à
ordem jurídica incorporados que são às normas constitucionais e
posteriormente refletidos nas leis que dela derivam para lhe dar eficácia, como
o propósito de conduzir o estado e a sociedade na busca do bem comum”
.
83
No mesmo encaminhamento, a doutrina de J. J. GOMES CANOTILHO:
A Constituição confere à ordem estadual e aos actos dos poderes públicos
medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas –
como sugeria a teoria tradicional do estado de direito – uma simples lei incluída
no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira
ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da
constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o
primado do direito do estado de direito encontra uma primeira e decisiva
expressão.
82
Controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Dialética, 1997, p.12.
83
Idem. p.14.
E nem se diga que, pelo fato de não constar previsão expressa no Texto Maior
consagrando a supremacia da Constituição inexiste o tão citado princípio em nosso
ordenamento, pois, como bem ressaltou ELIVAL DA SILVA RAMOS:
O que importa, entretanto, é deixar patenteado que a rigidez e a supremacia
(formal) das normas constitucionais estão umbilicalmente ligadas, devendo-se
entender a supremacia hierárquica, simultaneamente, como regra estrutural
(do ordenamento) e como um princípio constitucional, inferido, enquanto tal,
das normas agasalhadoras da rigidez e do controle de constitucionalidade.
84
Com efeito, não é porque os princípios implícitos “ficam subjacentes à dicção do
produto legislado, suscitando um esforço indutivo para percebê-los e isolá-los”
85
, que se
confere a eles uma relevância menos acentuada, quanto mais se se está diante de um
princípio de tamanha autoridade como é o caso do princípio da supremacia da
Constituição, o qual, nos dizeres da Corte Suprema se traduz em:
princípio essencial que deriva, em nosso sistema de direito positivo, do caráter
eminentemente rígido de que se revestem as normas inscritas no estatuto
fundamental.
Nesse contexto, em que a autoridade normativa da Constituição assume
decisivo poder de ordenação e de conformação da atividade estatal – que nela
passa a ter o fundamento de sua própria existência, validade e eficácia -,
nenhum ato de Governo (Legislativo, Executivo e Judiciário) poderá contrariar-
lhe os princípios ou transgredir-lhe os preceitos, sob pena de o comportamento
dos órgãos do Estado incidir em absoluta desvalia jurídica.
86
Nessa marcha, com base nas considerações dispostas neste tópico, já é possível
acentuar que o controle de constitucionalidade pode ser demarcado como um ato de
averiguação de compatibilidade das normas infraconstitucionais para com o Texto
Magno, de maneira a possibilitar a retirada daquelas que, à luz de um determinado
ordenamento jurídico, forem com ele incompatíveis. Este, inclusive, é o pensamento do
84
A inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 60.
85
CARVALHO, PAULO DE BARROS. Curso de Direito Tributário, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p.
90.
86
ADIN 2.215-PE (Medida Cautelar), Rel. Min. Celso de Mello.
Supremo Tribunal Federal, declinado no âmbito do julgamento da ADIN nº 293-7/600-
DF:
Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples
estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente
histórico na vida dos Povos e das Nações. Todos os atos estatais que
repugnem à Constituição expõem à censura jurídica – dos Tribunais,
especialmente – porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade.
A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos ao
império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste
enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos
e liberdades não serão jamais ofendidos. Logo, as normas incompatíveis com
o texto constitucional são consideradas inconstitucionais e as compatíveis
constitucionais.
A doutrina não discrepa, valendo a pena registrar a posição de ELIVAL DA SILVA
RAMOS, autor que chega a dizer que “onde inexista um verdadeiro sistema de controle
inexiste, também, sanção para o vício de inconstitucionalidade”
87
. Por relevante,
transcreve-se outra passagem, esta de RAUL MACHADO HORTA, de forma a reforçar
o que aqui vem sendo sustentado:
O controle da constitucionalidade das leis é o corolário lógico da supremacia
constitucional, seu instrumento necessário, o requisito para que a
superioridade constitucional não transforme em preceito moralmente platônico
e a Constituição em simples programa político, moralmente obrigatório, um
repositório de bons conselhos, para uso esporádico ou intermitente do
legislador, que lhe pode vibrar, impunemente, golpes que a retalham e
desfiguram.
88
De tal arte, para que se dê continuidade à pesquisa proposta, desde logo se pode fixar
a premissa que norteia o presente estudo, qual seja, a que revela que a essência do
controle de constitucionalidade está umbilicalmente relacionada com a supremacia da
Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, o que faz com que os atos que a ela
não se amoldem sejam dele extirpados.
87
RAMOS, Elival da Silva, A inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 94.
88
.Direito Constitucional, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 130.
Contudo, antes que se passe a analisar a questão atinente a outros princípios
constitucionais de destaque, é importante que se explicite melhor a afirmação supra
(que acentuou que os atos incompatíveis com a Constituição devem ser extirpados do
ordenamento), de forma a consignar a posição adotada acerca da sanção cominada à
norma inconstitucional.
5 VÍCIOS DO ATO PROCESSUAL – SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E
NATUREZA DO ATO INCONSTITUCIONAL: SANÇÃO DE INEXISTÊNCIA, DE
ANULABILIDADE OU DE NULIDADE?
O sistema de nulidades previsto no direito brasileiro buscou sua origem remota no
sistema de nulidades do Direito Romano, engendrado não pelos romanos, mas pelos
romanistas contemporâneos, com base nos antigos textos, principalmente do Corpus
Iuris Civilis, do séc. VI da era cristã.
89
No direito brasileiro, a temática dos vícios do ato processual liga-se, na verdade, às
categorias de ineficácia dos atos jurídicos em geral, visto que o ato processual é
espécie do gênero ato jurídico. Tem, pois, suas raízes no direito privado. Sendo assim,
aplica-se a ele as normas reguladoras dos atos jurídicos em geral. Deve, assim, o ato
processual, ser praticado por agente capaz, guardando a licitude de seu objeto e
atender, quando exigido, os requisitos formais, de forma que os atos jurídicos sejam
existentes, válidos e eficazes.
Assim, os sujeitos da relação processual devem ser capazes, isto é, atenderem o juiz
os pressupostos de investidura e competência e as partes aos pressupostos de
capacidade processual e postulatória. A licitude do objeto é garantida, dentre outros,
pelos arts. 125, III; 129; 600 e 601 do Código de Processo Civil.
Quanto à forma, e aí reside a grande diferença entre o ato material e o ato processual,
raramente a lei processual prevê cominação de forma específica, valendo os atos que
89
Os romanos mesmo pouco teorizaram a respeito do tema. O estudo e a sistematização do sistema de
nulidades no Direito Romano é obra posterior, que tem início no direito canônico medieval,
desenvolvendo-se na modernidade, principalmente, nos sécs. XVIII e XIX, na Alemanha, França e Itália.
Na opinião generalizada dos tratadistas, intérpretes do Direito Romano, os atos do ius civile eram válidos
ou nulos. O Direito Pretoriano introduziu a anulabilidade, alargada e generalizada pelo Direito
Justinianeu.
O chamado ius civile era o direito da cidade, o ius civitatis, o Direito Romano propriamente dito, cuja
expressão máxima foi a Lei da XII Tábuas, do séc. V a.C. Era direito rígido e formalista, inadequado à
evolução dos tempos, já mesmo naqueles idos anteriores à Era Cristã. Daí a importância da atuação dos
magistrados que, por meio de seus editos, foram adaptando o ius civile a novas situações, emergentes
de novas realidades. Esse Direito Romano, inovado pelos magistrados, principalmente pelos pretores (ius
honorarium, Direito Pretoriano), introduziu a anulabilidade, mais à frente (séc. VI d.C.) ampliada pelo
Direito Justinianeu.
atinjam os objetivos ainda quando não sigam forma determinada e que a lei não lhes
preveja cominação de nulidade (arts. 154 e 244 do Código de Processo Civil). É na
falta de observação do requisito formal, quando expressamente previsto por lei, que
reside a maioria das nulidades dos atos processuais. Forma, é o conjunto de
solenidades para que o ato jurídico seja plenamente eficaz. O Código de Processo Civil
determina que sobre a forma exterior prevaleça a substância ou a finalidade do ato.
Os vícios dos atos processuais são classificados segundo sua gravidade e efeitos que
perfazem no processo. São divididos em ineficácia lato sensu e ineficácia stricto
sensu.
90
A primeira (ineficácia lato sensu) se subdivide em atos inexistentes e atos
inválidos. Estes últimos (atos inválidos), por sua vez, se subdividem em atos nulos e
atos anuláveis. Os atos ineficazes stricto sensu não comportam subdivisão.
91
Na classificação de ADA PELLEGRINI GRINOVER, os vícios do ato processual são
divididos em nulidade absoluta, nulidade relativa e atos inexistentes. Diz que “deixando-
se de lado as posições mais antigas, pelas quais se pretendia elencar taxativamente as
nulidades absolutas, hoje o que distingue a nulidade absoluta da nulidade relativa é o
fato de que a nulidade absoluta é sempre erigida em prol do interesse público, do
interesse do regular andamento do processo, enquanto a nulidade relativa afeta o
interesse das partes”
.
92
Passemos, então, a discorrer a respeito de cada um de per si,
de forma a, posteriormente, fazermos o enquadramento do ato processual ofensivo das
normas constitucionais.
90
Há quem mencione a ineficácia stricto sensu apenas de “atos ineficazes”, o que não trará prejuízo
algum ao estudo que será feito.
91
É de se ressaltar que cada autor classifica à sua maneira tais ineficácias. Entretanto, a essência dos
resultados é o mesmo. Para se ter uma idéia, Araken de Assis, citando Galeno Lacerda, afirma que, ao
lado dos atos meramente irregulares (vícios não essenciais), existem os vícios essenciais que se
subdividem em inexistência, nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade, o que não interfere no
resultado da presente pesquisa (ASSIS, Araken. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional. In Revista
Jurídica 301 – Novembro/2002, p. 15).
92
GRINOVER, Ada Pellegrini. A Constituição e a Invalidade dos Atos Processuais. Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, out-dez. 1992, p. 227, v. 1.
5.1 ATOS INEXISTENTES
Os atos inexistentes são aqueles que não reúnem os mínimos requisitos de fato e de
direito para a sua existência. Se eles não existem como atos processuais, são, quando
muito, fatos irrelevantes para a ordem jurídica. PONTES DE MIRANDA afirma que:
o fato jurídico, primeiro, é; se é, e somente se é, pode ser válido, nulo,
anulável, rescindível, resolúvel, etc; se é, e somente se é, pode irradiar
efeitos, posto que haja fatos jurídicos que não os irradiam, ou ainda não
os irradiam.
93
EDUARDO COUTURE diz que o problema da inexistência do ato não se situa no plano
da sua eficácia, mas sim, no plano ontológico do ser ou não ser. Dessa forma, o ato
inexistente é o não-ato. A lei não costuma tratar deles porque não existem. Exemplos
de atos inexistentes são: a) os mencionados no parágrafo único do art. 37 do Código de
Processo Civil; b) sentença proferida por quem não está investido na magistratura
(excetuado, obviamente, a hipótese de convenção de arbitragem); c) sentença proferida
por juiz afastado, após o seu afastamento; d) sentença que imponha uma prestação
impossível, nos termos da lei civil. Nas palavras de ADA PELLEGRINI GRINOVER,
citando J. J. CALMON DE PASSOS, destaca, ao lado das nulidades absolutas e
relativas, os atos processuais juridicamente inexistentes, afirmando que
não são atos; eles não contêm, sequer, os requisitos mínimos para
poder nascer. Não são, como diz Calmon de Passos, nem típicos, nem
atípicos, porque nem obedecem, nem se afastam do modelo legal.
Falta-lhes um requisito essencial para que possam nascer para o
direito.
94
Assim, na esteira do que já mencionamos, a inexistência dos atos jurídicos processuais
se dá sempre que o ato contiver defeito tão grave que nem chega a existir. Falta-lhe
93
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. V. 1. n. 9, p. XX.
94
Idem... p. 228.
pressuposto ou elemento essencial de existência. É diferente dos atos inválidos, porque
estes existem, não produzindo, porém, os efeitos almejados. Não necessitam ser
anulados em virtude de não serem atos defeituosos, mas inexistentes. O máximo que
se pode requerer é a declaração de sua inexistência.
5.2 ATOS NULOS
Saindo do campo da inexistência e adentrando no campo da invalidade, primeiramente
falaremos do ato nulo. O ato absolutamente nulo já dispõe da categoria de ato
processual. Não é mero fato, como o ato inexistente. Entretanto, a sua validade está
gravemente comprometida por defeito em qualquer dos seus requisitos essenciais.
Quando o ato for absolutamente nulo, quer seja ato material, quer seja ato processual,
a lei determina que deve ser invalidado de ofício, independentemente de provocação
(art. 245, parágrafo único, do Código de Processo Civil).
Sendo o direito processual instrumental, a lei contém poucas cominações de atos nulos.
São exemplos de nulidades absolutas no direito processual: art. 247; art. 236, § 1º; art.
113, § 2º. Além desses casos genéricos, serão nulos os atos jurídicos processuais,
sempre que a lei assim o determinar, de maneira difusa. Entretanto, o que vai distinguir
o direito processual do direito material é a disciplina dos atos absolutamente nulos.
Em direito material, a nulidade absoluta não convalesce; uma vez decretada opera seus
efeitos ex tunc (art. 146, parágrafo único e art. 158 do Código Civil). Por outro lado, o
ato processual absolutamente nulo pode convalescer, sendo, no entanto, a nulidade
decretada ex nunc, ou seja, o ato será inválido a partir da decretação de sua nulidade.
E. MONIZ DE ARAGÃO salienta que o ato nulo é o que contém o vício mais grave que
o direito proclama, logo abaixo da inexistência e dele:
se costuma dizer que não produz efeito: quod nullum est nulum producit
effectus, afirmação de pequeno alcance no campo do Direito
Processual porque, mesmo nulos, produzem efeitos normais até serem
invalidados e se reputam definitivamente convalidados pelo trânsito em
julgado da sentença, máxime quando escoado o prazo para a ação
rescisória.
95
O interesse no conhecimento em relação aos atos nulos é de ordem pública, de alcance
geral; é a chamada nulidade absoluta. Em virtude de alcançar interesse público, que
transcende o interesse particular das partes, tais nulidades podem ser conhecidas de
ofício pelo juiz, não havendo preclusão em relação ao sujeitos do processo, desde que
prove o legítimo impedimento em sua alegação.
5.3 ATOS ANULÁVEIS
Os atos anuláveis ou relativamente nulos são aqueles que, embora viciados, mostram-
se capazes de produzir efeitos, podendo serem sanados. Esses atos, em direito
material, podem ser ratificados pelas partes (art. 148, caput, CC). Em direito processual
o ato anulável é ratificado pela preclusão (art. 245, caput do Código de Processo Civil).
O Código de Processo Civil raramente menciona de maneira expressa os atos
anuláveis, embora sejam a maioria, visto que os atos nulos são expressamente
mencionados naquele diploma. Em direito processual o que vai distinguir o ato nulo do
anulável é o interesse público. Se a falta de requisito para a validade do ato ofender a
interesse público, estamos diante de ato nulo. Se, ao contrário, a falta de requisito
ofender apenas interesse das partes, trata-se de nulidade relativa.
O ato será anulável, quando inquinado de defeito leve, passível de convalidação. O ato
é imperfeito, mas não tanto e tão profundamente afetado, como nos casos de nulidade,
razão pela qual a lei oferece aos interessados a alternativa de requerer sua anulação,
ou deixar que produza seus efeitos normalmente, pela ratificação.
Em verdade, nesse particular, podemos afirmar que o ato era válido, sendo,
potencialmente, anulável, desde que demonstrado, quantum satis, o prejuízo para o
interessado. Produz efeitos até que, dentro do prazo legal, o interessado venha a
95
ARAGÃO, E. D. Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense.
1976, p. 325, v. 2.
argüir a nulidade, com a comprovação do respectivo prejuízo, ou na hipótese de
eventual ratificação, quando o vício que o inquinava deixava de existir.
A anulabilidade, ao contrário da nulidade, só pode ser requerida pelos que dela se
beneficiem, ou seja, pelos interessados; jamais pode ser decretada de ofício, pelo juiz.
Para o ato simplesmente anulável, a nulidade não se produz de pleno direito; é mister
alegá-la em juízo para que seja pronunciada pela autoridade judiciária. Ela supõe,
assim, necessariamente, uma atividade da parte a quem a nulidade aproveitaria,
alegando e demonstrando o prejuízo com a irregularidade do ato.
5.4 ATOS INEFICAZES STRICTO SENSU
Finalmente, reconhece o nosso ordenamento uma última categoria de atos ineficazes,
que no plano do direito material, quer no plano do direito processual. Os atos
ineficazes stricto sensu têm existência e se revestem de todos os requisitos essenciais
de validade. Porém, circunstância externa, representada pela vontade da lei, priva-os
da produção de efeitos.
Esses atos não são nulos, nem anuláveis, mas geralmente são privados de eficácia
erga omnes porque não foi cumprida formalidade essencial. São exemplos desses
atos: a) em direito material: art. 52 do Decreto-Lei nº 7.661/45 (Lei de Falências); art.
129 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos); b) em direito processual: art. 619;
art. 592, V e art. 42, caput, todos do Código de Processo Civil.
Assim, o ato existe e é plenamente válido entre as partes, mas, pela omissão de
providência em relação a terceiros, é privado de efeitos erga omnes. Válido, pois, entre
as partes; ineficazes em relação a terceiros. É o caso, nos exemplos acima, da
alienação de bem aforado ou gravado por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto. Tal
alienação será ineficaz em relação ao senhorio direto, ou ao credor pignoratício,
hipotecário, anticrético ou usufrutuário que não houver sido intimado. Também será
caso de ineficácia da alienação em relação ao credor a alienação ou oneração de bem
em fraude à execução. O negócio é plenamente válido entre as partes (alienante e
comprador), mas ineficaz em relação ao credor. Por fim, caso alienada a coisa ou o
objeto litigioso, a título particular, por ato entre vivos, a legitimidade das partes não é
alterada, ou seja, aquele que alienou a coisa continua a ser parte no processo. É o
princípio da perpetuatio legitimationis.
Vale ressaltar que pelo princípio da instrumentalidade do processo algumas invalidades
não serão decretadas, mormente aquelas que não geram qualquer, mínimo que seja,
prejuízo às partes. É o caso, por exemplo, da materialização de um ato processual por
tinta clara, ao invés de tinta escura, como manda o art. 169 do Código de Processo
Civil; ou, ainda, da ausência de rubrica numa folha dos autos do processo, pelo
escrivão ou chefe de secretaria, dever presente no art. 166 do Código de Processo
Civil. São atos meramente irregulares, sem maiores conseqüências processuais.
5.5 DECRETAÇÃO DAS NULIDADES
Dentro do processo, a nulidade é um vício, um mal, um estigma que contamina a
validade da relação processual. Esta deverá caminhar incólume, desde o seu
nascimento, até final, quando se prolatará a sentença compositiva do litígio. Qualquer
nulidade deverá ser extirpada do processo. O Código de Processo Civil arma o juiz de
poderes os mais amplos, para que ele vele pela validade formal do processo, ou seja,
para que sejam observados, integralmente, as regras, as normas e os princípios do
devido processo legal.
Há uma preocupação constante do legislador, atento aos princípios informativos do
sistema de nulidades, em ordenar o processo de tal modo que ele não apresente
qualquer vício. E mais: se este existir, deverá o Juiz, por todas as maneiras, buscar a
recuperação do aspecto formal do processo, vale dizer, disciplinar no sentido de que os
atos contaminados sejam convalescidos. Por via de conseqüência, as nulidades
processuais só serão decretadas ou declaradas, quando impossível, por qualquer meio
processual válido, conseguir a recuperação ou convalescimento do ato processual.
Sendo o processo instrumental, as nulidades expressamente cominadas submetem-se,
para a sua decretação, a uma série de princípios que, segundo a doutrina, são os
seguintes:
a) princípio da causalidade – por este princípio, decretada a nulidade de um ato, só se
decreta a dos subseqüentes se estes forem diretamente dependentes do ato nulo (art.
248 do Código de Processo Civil). Com conseqüência desse princípio, podendo-se
repetir o ato nulo, não se anulam os subseqüentes, ainda que sejam dependentes dele
(art. 154 e 249 do Código de Processo Civil).
Assim, nem sempre (e isso ocorre na maioria dos casos) a nulidade do ato afeta a
validade da relação processual como um todo. O processo é o conjunto de atos
processuais que se coordenam e se sucedem, dentro do procedimento, para que
alcançado seja o instante da solução do litígio. Portanto, embora os atos processuais
tenham vida própria, eles são interdependentes, vale dizer, uns geram outros, uns
dependem dos outros, uns vinculam a prática de outros, e assim sucessivamente.
Dessa forma, é possível que a nulidade de um ato processual traga reflexos no ulterior,
do qual aquele é precedente lógico. Assim, decretada a nulidade de um ato, por certo
que afetado restará o subseqüente, que é dependente daquele, no que concerne aos
seus efeitos. Caso independente, razão não assiste para atingi-lo.
b) princípio da instrumentalidade – este princípio, enunciado no art. 154 do Código de
Processo Civil, determina que só sejam declarados nulos os atos se o seu objetivo não
for atingido. Ademais, se a nulidade não causar qualquer prejuízo, esta não será
decretada. Esse princípio é expresso na regra “pas de nulité sans grief”, estampado no
art. 249, § 1º do Código de Processo Civil.
Assim, mesmo que inserido na relação processual por forma diversa daquela
preconizada na lei, o ato será considerado valido se a finalidade por ele objetivada for
alcançada. O que tem a ver, na prática do ato processual, é o escopo por ele
perseguido. Se este for atingido, despicienda será a forma processual adotada. O
objetivo alcançado com a prática do ato processual torna desnecessária a declaração
ou decretação da nulidade e a conseqüente repetição do ato.
c) princípio do interesse – este princípio proíbe à parte que deu causa à nulidade vir a
pleiteá-la. É a regra expressa no art. 243 do Código de Processo Civil. De fato, seria
caminhar contrariamente aos anseios de celeridade e boa-fé processuais permitir à
parte causadora de eventual nulidade que viesse a pleitear, com desprezo aos objetivos
mencionados, a nulidade que ela própria causou.
d) princípio da economia processual – este princípio determina o aproveitamento, tanto
quanto possível, dos atos processuais, fazendo com que não seja decretada a nulidade
quando o juiz puder decidir o mérito em favor da pare a quem a nulidade aproveitaria
(arts. 249, § 2º e 250 do Código de Processo Civil).
Em verdade, é flagrante a inoperância do decreto de nulidade em certos momentos.
Neste caso, ao proceder ao julgamento, o juiz pode aperceber-se de que decidirá o
litígio, no seu merecimento, a favor da parte a quem, em tese, aproveitaria a declaração
de nulidade, com a conseqüente repetição do ato processual. Se o fizesse, de nenhum
efeito processual seria a decretação da nulidade e a determinação do refazimento do
ato contaminado. Tal viria encarecer mais o processo, a par de retardar, ainda mais, a
entrega da prestação jurisdicional.
96
5.6 CONVALIDAÇÃO DO ATO PROCESSUAL
Como foi visto, nem sempre a imperfeição do ato pode gerar a sua nulidade. Os
princípios informadores antes enunciados fazem com que a decretação de nulidade
96
José Arnaldo Vitagliano (In: Coisa julgada e ação anulatória. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 72, 13
set. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br) expõe um exemplo que bem elucida o tema: suponha-
se que um menor, relativamente incapaz, fosse citado para os termos de uma ação de indenização por
ato ilícito. Inadvertidamente, ele outorga mandato, sem a assistência de seu pai ou representante legal, a
um advogado. Ninguém se apercebe de tal nulidade, consistente em defeito de representação
processual, e, afinal, o Juiz, no momento de julgar, descobre tal nulidade. Contudo, examinando os
autos, conscientiza-se de que a ação deve ser julgada improcedente, vale dizer, ela será decidida em
favor do menor. Em tal circunstância, depreende-se que a decretação da nulidade não terá qualquer
efeito. Então, o Juiz, em vez de proclamar a nulidade, mandando repetir o ato, providências estas que
seriam inócuas, faz aplicar o enfocado art. 249, § 2º, do Estatuto Processual e decide a lide, julgando
improcedente a ação.
seja a última opção dentro do processo. Dependendo do grau de ineficácia do ato
processual podemos sintetizar o seu convalescimento da seguinte forma:
Os atos inexistentes jamais se convalidam, porque a sua ineficácia não se situa no
plano da validade. Dessa forma, não se convalidam porque não existem. Já em relação
aos atos nulos (nulidade absoluta), essa nulidade deve ser decretada de ofício e em
qualquer tempo ou grau de jurisdição. Verificada a coisa julgada propriamente dita
mencionada no art. 467 do Código de Processo Civil, o ato nulo, que não foi declarado
como tal, tem um convalescimento relativo, visto que ainda pode ser atacado via ação
rescisória. A convalidação absoluta desses atos opera quando se verifica a coisa
soberanamente julgada, após o escoamento do prazo decadencial do art. 495 do
Código de Processo Civil.
Até bem pouco tempo se entendia que apenas uma nulidade jamais se convalescia: a
falta ou nulidade de citação. É a chamada querela nullitatis insanabilis. Esse vício, que
gera uma nulidade absoluta, pode ser objeto de declaração no processo de
conhecimento, no de execução (art. 741, I do Código de Processo Civil) ou ainda objeto
de ação rescisória (art. 485, V do Código de Processo Civil) e ainda, mesmo que
verificada a coisa soberanamente julgada, pode embasar ação declaratória de nulidade
do processo, esta indecadencial. É o propósito de nosso trabalho estendermos, na
conformidade com entendimentos emergentes na processualística moderna, esses
casos de querela nullitatis insanabilis à coisa julgada que afronte diretamente preceitos
constitucionais, o qual discorremos no corpo do presente trabalho.
Os atos anuláveis se convalescem pela preclusão temporal da faculdade da parte em
alegar o vício (art. 245, caput, do Código de Processo Civil). Não alegado o vício no
momento oportuno, este vício, de menor gravidade, irá se convalescer, estando, pois,
saneado. Por último, os atos ineficazes stricto sensu, por não serem nulos ou sequer
anuláveis, mas apenas privados de efeitos erga omnes porque omitida formalidade
relativa à sua oponibilidade perante terceiros, passam a produzir efeitos a partir do
momento em que a formalidade preterida for observada. Assim, teríamos, por exemplo,
tomando os exemplos acima, a intimação do credor, nos termos do art. 619 do Código
de Processo Civil; a comprovação da inexistência das circunstâncias do art. 593 do
Código de Processo Civil; a aquiescência da parte contrária, na hipótese do art. 42 do
Código de Processo Civil.
5.7 ESPECIFICAMENTE O ATO INCONSTITUCIONAL
Com base nessas diretrizes iniciais, surge questão importante, de grande relevo prático,
qual seja a que diz respeito à natureza da sanção imposta ao ato inquinado de vício de
inconstitucionalidade. Em um primeiro passo, é fundamental assinalar que em sede
doutrinária nacional já se disse que a depender da modalidade de controle de
constitucionalidade, seria variável o tipo de sanção ao ato, ou seja, se difuso o controle
de constitucionalidade, a sanção seria de nulidade do ato inconstitucional, já se
concentrado, a mesma seria de anulabilidade:
o sistema de controle de constitucionalidade funciona como critério
identificador da sanção de inconstitucionalidade acolhida pela ordenamento.
Assim, a sanção de nulidade exige a presença do controle via incidental,
apresentando a decisão que constata a incidência da sanção aparência de
uma retroatividade radical, por redundar na negativa de efeitos ab initio ao ato
impugnado. Já a sanção de anulabilidade aparece necessariamente associada
ao controle concentrado, em que se produzam decisões anulatórias com
eficácia erga omnes e não-retroativas ou com retroatividade limitada.
97
CANTOTILHO possui pensamento semelhante, quando nota que “no caso do judicial
review o efeito típico é o da nulidade e não simples anulabilidade”
98
, afirmando,
ademais, que a sanção é caso típico do controle difuso. Não se pense, entretanto, que
a dualidade de sanções até o momento expostas não acarretam efeitos materiais
diversificados, pois, a nulidade é sanção mais crítica que a anulabilidade, não sendo
outro, à propósito, o pensamento de ELIVAL DA SILVA RAMOS, para que “A sanção de
nulidade é tida como a mais eficiente no que diz respeito à preservação da supremacia
97
RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 94.
98
Direito Constitucional. 4ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, p. 875.
das normas constitucionais, por impedir o ingresso do ato legislativo no plano da
eficácia desde o seu nascedouro (ab initio), automaticamente (pleno iure)”.
99
Há, todavia, autores pátrios de grande realce, como REGINA MARIA MACEDO NERY
FERRARI, que adotam posicionamento de que a lei inconstitucional é anulável, pois em
seu modo de pensar “esta qualidade lhe é imposta por um órgão competente, conforme
o ordenamento jurídico, e que opera, eficaz e normalmente, como qualquer disposição
normativa válida até a decretação de sua inconstitucionalidade”
100
, complementando
ainda, seu posicionamento, salientando que se adotada a tese da nulidade tal qual
exposta em linhas atrás estaria sendo legitimado verdadeiro caos. São da autora citada,
as palavras subseqüentes:
Se outro fosse o entendimento, teríamos, de maneira vertiginosa, instalado o
caos na vida social e em suas respectivas relações. Como anteriormente
ressaltado, a inconstitucionalidade pode ser argüida a qualquer tempo e,
assim, não se teria nunca a certeza do direito, pois nunca estaríamos em
condição de saber se um ato praticado validade sob o império de uma lei seria
assim considerado para todo o sempre.
101
Mas se tal argumento merece profundo respeito, não seria exagero dizer que o próprio
princípio da supremacia da constituição perderia espaço se fosse adotado sem
ressalvas o citado posicionamento, pois a partir do instante em que perfilhado o
entendimento de que os atos inconstitucionais são apenas anuláveis, poder-se-ia, por
conseqüência, estar sendo convalidado o descrédito da ordem jurídica constitucional
interna, o que invariavelmente nos conduziria também à insegurança jurídica.
Bom, mas se por um lado, doutrina de grande prestígio defende a tese da anulabilidade
do ato inconstitucional, exatamente por compreender, contrariamente ao afirmado no
parágrafo supra, que assim estaria mais bem resguardada a segurança jurídica e os
99
RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 128.
100
Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.
57.
101
Op. Cit. p. 124.
interesses da sociedade
102
, por outro não se pode olvidar que a própria Carta
Republicana, por intermédio de seu artigo 52, X, 103, § 2°, 102, I, dentre outros, revela
que a inconstitucionalidade é reconhecida por meio de ação declaratória, o que leva a
crer que constitucionalizada está a premissa de que o ato inconstitucional é nulo.
Doutrina não menos abalizada segue tal entendimento, que é, diga-se de passagem,
também encampado pelo Pretório Excelso, e por isso mesmo aqui adotado, a teor do
que se denota de diversos de seus julgados, no âmbito dos quais destaca-se a posição
do Ministro CELSO DE MELLO, delineada na ADIn 652/MA (Questão de Ordem), em foi
consignado que o repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio
que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional,
consagra a supremacia da Constituição. Desse modo, se extrai da posição dominante
de nossa Corte Suprema afirmação, que já aqui fora esposada, no sentido de que em
nosso ordenamento normativo vigora a máxima de que preceitos revestidos de menor
grau de positividade jurídica devem guardar, necessariamente, relação de
conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e
de conseqüente inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e
destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.
102
É o que defende ANDRÉ RAMOS TAVARES na seguinte passagem: “admitido que a sanção
anulabilidade para a lei inconsitucional como sendo a ‘sanção’ que melhor se amolda aos anseios atuais
da sociedade, equilibrando o princípio da supremacia constitucional com a exigência (tembém social) de
segurança jurídica”. (In: As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 89.)
6 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Outro ponto que merece abordagem a título de premissa é o princípio da segurança
jurídica. E isto porque, se a proposta da presente pesquisa é rediscutir a imutabilidade
das decisões judiciais lastreadas em leis e atos normativos reconhecidamente
inconstitucionais, não se pode fugir do tema versado no presente tópico, até para que
seja possível desenvolver uma linha de pensamento adequada e coerente.
Nos ordenamentos jurídicos modernos, a tarefa de delinear os princípios fundamentais
que informam a ordem jurídica como um todo é conferida à Constituição. É nesse
diploma normativo que estão enunciados os valores fundamentais da sociedade, os
quais muitas vezes consubstanciam-se em princípios que retratam o justo. Tais
princípios, uma vez insertos na Carta Política, transformam-se no alicerce do sistema
normativo, determinando o viés a ser seguido pelo intérprete na tomada de decisões.
103
Como a ordem jurídica é formada de modo lento e gradual, encontrando-se na evolução
histórica influência de correntes axiológicas diversas e conflitantes, os princípios
básicos do ordenamento jurídico podem, como visto, entrar em conflito quando
analisados perante uma situação concreta. Sendo da essência dos princípios que eles
entrem freqüentemente em conflito entre si, cumpre ao intérprete encontrar um
compromisso, pelo qual se destine, a cada princípio, um determinado âmbito de
aplicação. Diante do conflito entre princípios, a teor do já exposto, não se deve de modo
algum tentar eliminar algum deles. A missão do intérprete é buscar uma solução
conciliadora, definir a área de atuação de cada um dos princípios. A segurança jurídica,
inegável objetivo do direito, tem sua realização na própria norma jurídica. MANUEL
ARAGON, retrata bem a questão ao
104
afirmar que:
103
"O intérprete ao realizar a sua função deve sempre iniciá-la pelos princípios constitucionais, é dizer,
deve-se sempre partir do princípio maior que rege a matéria em questão, voltando-se em seguida para o
mais genérico, depois o mais específico, até encontrar-se a regra concreta que vai orientar a espécie"
(CELSO BASTOS, As modernas formas de interpretação constitucional, p. 45).
104
ARAGON, Manuel. Constitucion y Control del Poder. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1995, p. 45.
“La seguridad jurídica (pues el positivismo, aunque reniegue de los fins del Derecho, postula,
inequivocamente, este fin) puede sustentar, sin otras adiciones, a las normas de todo el ordenamiento (o,
para el positivismo, de todo el sistema jurídico), pero no a la que lo encabeza y, a sua vez, lo sustenta: a
la Constitución”.
a segurança jurídica (pois o positivismo, embora renegue os fins do Direito,
postula, inequivocamente, este fim) é o sustentáculo, sem outros acréscimos,
das normas de todo o ordenamento (ou, para o positivismo, de todo o sistema
jurídico), senão naquela que o encabeça e por sua vez a sustenta: a
Constituição.
No mesmo sentir, PAULO DOURADO DE GUSMÃO, salienta a importância do referido
princípio para a estabilidade das relações jurídicas. São suas as palavras transcritas:
a justiça não deve ser o único fim do direito, a não ser que santos fossem os
homens. Por isso, além do valor justiça, o direito deve buscar e se valer
também do princípio da segurança jurídica, como forma de melhor atender os
fins da sociedade. Essa segurança deve ser entendida como uma relativa
estabilidade da ordem jurídica e garantidora do conteúdo das normas que a
compõe por um razoável período
.
105
Por fim, o citado autor, conclui:
a segurança, transformada em um dos fins do direito, cria uma antinomia entre
as finalidades da ordem jurídica. Aí então indaga-se: o direito deve sacrificar a
justiça em benefício da segurança, transformando-se na ordem legal sem
correspondência com o seu conceito ideal, ou deverá sacrificar a segurança
em benefício da justiça, criando um clima de insegurança e de intranqüilidade?
Entre estas duas posições o pensamento jurídico vacila. Como solucionar esta
questão? A segurança, como vimos, é a manutenção de uma ordem de justiça
com o sacrifício do novo ideal de justo, enquanto a justiça é o ideal que exige a
transformação de uma ordem legal cujos valores nela realizados não
correspondem mais aos ideais dominantes. A segurança, assim, poderia ser
entendida em relação à justiça, como a conservação de uma estrutura jurídica,
por questões de ordem e de paz social, em correspondência com um ideal
jurídico retrógrado, a um modo de ser da justiça, sem correspondência com o
ideal histórico do justo
.
106
Por outro lado, contestando o conteúdo de tais argumentações, dando mais albergue à
justiça do que à segurança, ARNALDO DE VASCONCELOS aduz:
105
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 78.
106
GUSTMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit, p. 79.
a norma jurídica obriga porque contém preceito capaz de realizar, em cada
época e de acordo com sua específica mundividência, aquilo que se entende
por justiça. Se essa falha em grau intolerável, como ensina Tomás de Aquino,
o Direito positivo cede lugar ao Direito de resistência, não positivo. Será o
apelo dos Céus, a que depois se referiria John Locke. O fundamento da norma
jurídica é dado, pois, pela razão de justiça.
107
Na esteira desses entendimentos, se pode desde já depreender o quão complexo e
controvertido é tema ora tratado, pois se a segurança é essencial, não menos certa é a
essencialidade e a importância que a decisão conferida ao caso concreto retrate a
justiça, ou pelo menos busque, na medida do possível, fornecer ao caso concreto um
decisório que seja compatível com os princípios fundamentais da Constituição.
Logo, e à luz destas considerações iniciais, se vislumbra um claro conflito dos princípios
constitucionais da segurança jurídica e da justiça das decisões judiciais, esta
evidenciada por um posicionamento exarado em sede controle de constitucionalidade.
E aí poderia o leitor questionar: como resolver tal conflito?
A resposta é intrincada e não se pretende nesse momento fornecê-la, haja vista que o
próprio desenvolvimento deste trabalho tem como meta tal resolução, mas se pode
adiantar que autores de renome, tal como, PAULO BONAVIDES
108
aduzem que não há
uma única solução para o conflito entre princípios jurídicos. Prevalecerá sempre aquele
que, especificamente no caso concreto, tiver maior força. E tal prevalência não implica
em restrição em abstrato da força impositiva do princípio afastado. Em outras
circunstâncias, diante de novos fatores relevantes, o princípio antes afastado está
pronto para ser aplicado.
O referido jurista, utiliza como método solucionador do citado conflito de princípios a
aplicação do princípio da proporcionalidade, que, segundo ele, pretende instituir “a
relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com
os efeitos desta para que se torne possível o controle do excesso.”
109
Diz ainda, baseando-se em doutrina alemã influenciadora da inserção desse princípio
107
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 27.
108
PAULO BONAVIDES, Curso de direito constitucional, 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 251.
109
Op cit.. p. 393.
em nosso ordenamento,
110
que “o princípio [da proporcionalidade] se caracteriza pelo
fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins
determinados e os meios com que são levados a cabo”, e a sua violação ocorre “toda
vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou
quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente, ou seja,
manifesta.”
111
E prossegue, asseverando que os elementos que compõem o princípio da
proporcionalidade são três, a saber: a) a pertinência ou aptidão, que revela “se
determinada medida representa ‘o meio certo para levar a cabo um fim baseado no
interesse público’”, examinando-se, pois, “a adequação, a conformidade ou a validade
do fim”, de modo a analisar se a medida é suscetível de atingir o fim escolhido;
112
b) a
necessidade, que indicará se a medida “não há de exceder os limites indispensáveis à
conservação do fim legítimo que se almeja”, de forma que se houver mais de uma
medida que igualmente atendam à consecução de um fim, deve ser eleita aquela que
seja menos nociva aos interesses do cidadão;
113
c) a proporcionalidade (em seu
sentido estrito), que conduz o agente público à escolha de meio que, no caso
específico, mais leve em conta o conjunto de interesses em jogo.
114
Exemplo típico dessa oposição são as hipóteses de choque entre os princípios da
justiça e da segurança jurídica. No processo, exige-se que tais princípios sejam
coordenados com vistas ao alcance de seu escopo magno: a pacificação social com
justiça, o acesso à ordem jurídica justa. Para atingir esse escopo, equilibrando as
exigências de justiça e segurança, deve o jurista concentrar-se nos resultados a serem
alcançados mediante o processo. O processo não se esgota nas suas formas, no culto
ao procedimento como um fim em si mesmo. O processo é um instrumento de tutela do
110
PAULO BONAVIDES entende que “a vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito
Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema importância e aufere
um prestígio difusão tão larga quanto os outros princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da
igualdade. Protegendo, pois, a liberdade, ou seja, amparando os direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade entende, principalmente, como disse Zimmerli, com o problema da limitação do poder
legitimo, devendo fornecer o critério das limitações à liberdade individual. (Idem. p. 395)
111
Ibidem. p. 393, passim.
112
Idem. p. 396-397.
113
Idem. p. 397.
114
Idem. p. 397-398.
direito justo, e a interpretação dos princípios que o informam deve ser realizada em
conformidade com essa perspectiva.
115
Diante de tais fatores, sendo a coisa julgada um instrumento de efetivação do princípio
da segurança jurídica, certamente é ela fundamental para garantir a pacificação social
com justiça. Mas, seguindo ainda a linha antes perfilhada, obviamente poderão surgir
casos em que essa mesma coisa julgada deixe de cumprir sua função primeira
(pacificação com justiça) e passe a desempenhar um papel indesejável, perenizando
uma injustiça, fator que acarretará um grave problema, o qual não passou
desapercebido de CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO, como se vê de suas palavras:
nenhum princípio ético ou político tem valor absoluto no universo dos valores e
atividades de uma nação ou da própria Humanidade, nem valor suficiente para
impor-se invariavelmente sobre outros princípios e sobre todas as legítimas
necessidades de uma convivência bem organizada. O culto exagerado a
determinado princípio ou idéia fundamental resolve-se em fetichismo e presta-
se a aniquilar outros princípios ou idéias fundamentais de igual ou até maior
relevância científica ou social, a dano de valores que clamam por zelo e
preservação
.
116
Como qualquer outro princípio constitucional, e como esta sendo destacado desde o
princípio, a segurança jurídica, aqui retratada pela coisa julgada, não pode nem deve
ser encarada como algo absoluto, muito ao contrário, deve a coisa julgada "ser posta
em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos
conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao
processo civil”
117
. Isso porque "o valor segurança das relações jurídicas não é absoluto
115
Fala-se muito em interesse público na preservação do rito, do due process of law, como um valor
absoluto e abstrato, para justificar as devastações concretas que a injustiça de um decreto de nulidade,
de uma falsa preclusão, da frieza de um presunção processual desumana, causam à parte inerme. Não.
Não é isto fazer justiça. Não é para isso que existe o processo. Esquecem os que assim pensam e agem,
que os valores e os interesses no mundo do direito não pairam isolados no universo das abstrações;
antes, atuam, no dinamismo e na dialética do real, em permanente conflito com outros valores e
interesses. Certa, sem dúvida, a presença de interesse público na determinação do rito. Mas, acima dele,
se ergue outro, também público, de maior relevância: o de que o processo sirva, como instrumento, à
justiça humana e concreta, a que se reduz, na verdade, sua única e fundamental razão de ser (GALENO
LACERDA, O código e o formalismo processual, p. 10).
116
Súmulas vinculantes, p. 52. "Os princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem
servidos como fetiches da ordem processual" (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de
direito processual civil, vol. I, p. 249).
117
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Relativizar a coisa julgada material, n. 2
no sistema, nem o é a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com
outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias,
constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (Constituição
Federal, art. 5º, inciso XXXV)”.
118
A temperar ainda mais o aparente conflito entre os princípios da justiça e da segurança
jurídica, deve haver um juízo de ponderação através do princípio da proporcionalidade
(ou razoabilidade), de forma a evitar excessos praticados por um determinado Poder.
Deve haver uma exegese a fim de medir o exato alcance da norma constitucional.
WILLIS SANTIAGO GUERREIRO afirma que na interpretação, segundo o princípio da
proporcionalidade, tem-se de evitar que “o excesso de obediência a um princípio possa
destruir outro princípio. Com essa ponderação, pode-se decidir, concretamente, sobre
constitucionalidade – ou justiça de alguma situação jurídica.”
119
Realmente, é defensável a idéia de não se imprimir um caráter absoluto à coisa julgada
pela simples homenagem ao princípio da segurança das relações jurídicas
120
, mesmo
porque a prevalecer este apego ao rigorismo exacerbado, estar-se-ia a negar, por outro
lado, os ideais de justiça, que em verdade, é princípio preponderante.
Não se pense, contudo, que o que se pretende defender nas linhas subseqüentes é a
completa irrelevância da coisa julgada para com cenário jurídico pátrio. Pretende-se
neste tópico, tão-só, observar que essa idéia de segurança jurídica merece uma
releitura, um repensar, tudo em prol dos primados constantes do Texto Constitucional.
Posiciona-se a doutrina pelo afastamento de uma idéia estanque, que, fundada num
pretenso ideário de segurança, estaria longe de esposar o melhor entendimento e de
resistir a uma análise mais aprofundada dentro do cenário principiológico constitucional
118
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Relativizar a coisa julgada material, n. 3
119
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípios Constitucionais Gerais: isonomia e
proporcionalidade. Revista dos Tribunais, n. 719, p. 58.
120
Ensina OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA que “a busca da segurança jurídica, na verdade, foi o ethos a
caracterizar toda a filosofia política do século XVII”, afirmando ainda que “é necessário considerar que o
predomínio do valor segurança, que constitui sem dúvida o elemento preponderante na formação do
conceiro moderno de direito, já estava presente nos séculos IV e V da era Cristã, como principal
preocupação dos legisladores, a partir de Theodosio II” (In: Jurisdição e Execução na Tradição
Romano-canônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 110).
atual.
121
Da lição de WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, se extrai, o que restou dito
linhas atrás, ou seja, que “a eventual contradição entre princípios concorrentes ou entre
princípios e regras, soluciona-se de forma que maximize o respeito a todos os
envolvidos no conflito”.
Imbuído dessa consciência de que os atos jurisdicionais não são impermeáveis em
virtude mesmo da falibilidade do processo como meio eficaz de solução de
controvérsias, esclarecedor é o Acórdão relatado pelo Des. BATALHA DE CAMARGO:
O processo é ainda um modo imperfeito de realização do direito e, algumas
vezes, situações se deparam em que princípios consagrados como
institucionais dependem-se de sua consagração ante a realidade de se causar,
pela observância formal, um mal maior à própria existência do direito. O
adjetivo perde, então, a sua relevância, para que se salve à própria
significação do substantivo.
122
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
123
, possui pensamento semelhante, ao dizer que:
nenhum princípio constitui um objetivo em si mesmo e todos eles, em seu
conjunto, devem valer como meios de melhor proporcionar um sistema
processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à
justiça (entendida esta como obtenção de soluções justas – acesso à ordem
jurídica justa). Como garantia-síntese do sistema, essa promessa é um
indispensável ponto de partida para a correta compreensão global do conjunto
de garantias constitucionais do processo civil, com a consciência de que os
princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos
como fetiches da ordem processual.
De forma contrária aos argumentos doutrinários e jurisprudenciais transcritos, poder-se-
ia objetar que o processo civil contenta-se com a verdade formal, cabendo unicamente
ao processo penal a busca da verdade real. Contudo, "dizer que o processo penal
persegue a chamada 'verdade real', ao passo que o processo civil se satisfaz com a
121
CARLOS VALDER DO NASCIMENTO, op. cit., p. 12.
122
Acórdão proferido pelo TASP, Juiz Relator Batalha de Camargo. In Revista dos Tribunais, São
Paulo: nº 377, p. 272.
123
Op. cit. pág. 35.
denominada 'verdade formal', é repetir qual papagaio tolices mil vezes desmentidas”.
124
Tal visão, muito difundida no passado hoje perde espaço, notadamente se continuar
sendo invocado o como fundamento o fato de as decisões do processo civil afetarem
unicamente o patrimônio, enquanto as do processo penal afetam a liberdade pessoal. À
guisa de exemplo veja o pensamento da doutrina:
que no âmbito civil se trata com freqüência de problemas relativos a aspectos
íntimos e relevantíssimos da vida das pessoas, como ocorre, por exemplo, nos
assuntos de família; e também no processo penal pode igualmente estar em
jogo apenas o patrimônio, como acontece quando a infração não é punível
senão com multa.
125
Sendo assim, a invocação da segurança jurídica não resiste a uma simples análise das
garantias acima invocadas. Diante de uma decisão violadora dessas garantias, há que
se afastar tais efeitos inconstitucionais em homenagem aos princípios e normas
garantidos pela Constituição, fazendo com que a garantia da coisa julgada, protegida
contra lei posterior, não venha a prejudicar os pilares do ordenamento jurídico,
deixando de lado o direito justo em reverência a formalismos destituídos de maiores
objetivos. Por isso é que RECASENS SICHES afirma que:
o interesse maior a ser preservado como o princípio de justiça, do bem-estar
social, do respeito à dignidade e à liberdade do indivíduo, deve prevalecer
sobre outros valores menores e de importância menos relevante no seio da
sociedade
126
, [o que certamente não seria viável acaso não se
observasse o instituto da coisa julgada como dotado de caráter relativo].
De forma conclusiva, pode-se afirmar que, quando, no caso concreto, a coisa julgada
viole norma ou princípio inserido na Constituição Federal que possua maior relevância
124
MOREIRA, José Carlos Barbosa, A Constituição e as provas ilicitamente obtidas, p. 118.
125
MOREIRA, José Carlos Barbosa, A Constituição e as provas ilicitamente obtidas, p. 118. No
mesmo sentido a advertência de ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA - ADA PELEGRINI
GRINOVER - CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: "quando a causa não-penal versa sobre relações
jurídicas em que o interesse público prevalece sobre o privado, não há concessões à verdade formal"
(Teoria Geral do Processo, p. 65).
126
SICHES, Recasens. Nueva Filosofia de la Interpretacion del Derecho. 2. ed. México: Porruá,
1973, p. 307.
para o alcance dos escopos do processo e da ordem jurídica como um todo, estaremos
diante de um conflito principiológico como outro qualquer, e, sendo assim, não há como
se conferir à segurança jurídica o absolutismo de tempos remotos.
7 A ATIVIDADE DO PODER JUDICIÁRIO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL: OBJETIVOS E ASPECTOS
GERAIS
7.1 O JUDICIÁRIO E OS PRONUNCIAMENTOS QUE FEREM A CONSTITUIÇÃO
Atualmente as funções estatais são bem distribuídas na Constituição Federal. Ao Poder
Legislativo cabe a função típica de legislar e fiscalizar e, como função atípica, de
administrar e julgar. Já o Poder Executivo possui a função de praticar atos de chefia de
Estado, de Governo e de Administração. A par dessas funções típicas, existem as
atípicas, concernentes às atividades de legislar (art. 62 da Constituição Federal) e julgar
(contencioso administrativo). Já o Poder Judiciário também possui funções típicas e
atípicas. As primeiras são aquelas decorrentes das funções jurisdicionais, da função de
julgar; as segundas, decorrentes das atividades meramente administrativas e
legislativas, de caráter excepcional (art. 96 da Constituição Federal).
Mas nem sempre fora assim. Antigamente, no direito Português, o monarca se
manifestava acima da lei, sendo-lhe outorgado o direito por desconhecer qualquer
ordem superior, encarnando o mesmo as funções administrativa, legislativa e judicante,
de acordo com a sua própria consciência. Por isso, afirma PAULO OTERO que “(...) o
Rei é Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei, revogá-la, quando vir que convém
fazer-se assim”.
127
Com o passar dos tempos surgiram os movimentos revolucionários liberais, com
destaque para a Revolução Francesa, que fizeram nascer uma nova consciência em
relação aos poderes autoritários, fazendo-os paulatinamente ruir para dar lugar ao
aspecto humanitário manifestado pela obediência à legalidade das normas. O Estado
passou a ter o poder político limitado, na medida em que a separação dos poderes e a
afirmação dos direitos do cidadão começaram a emergir.
Neste particular, nos interessa o
exercício das atividades típicas do Poder Judiciário. ALEXANDRE DE MORAES nos explica
que
127
OTERO, Paulo Manuel Cunha da Costa. Op. cit., p. 20.
função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista
aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular,
produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a
atividade e vontade das partes.
128
Sendo assim, o Poder Legislativo elabora uma norma jurídica abstrata, ao passo que o
Poder Judiciário aplica-a a uma hipótese concreta, sendo que dessa decisão surgirá a
coisa julgada, que, embora não seja lei em seu sentido material, é a ela equiparada nos
termos do art. 467 do Código de Processo Civil. Assim como os demais atos das
demais funções de Estado, os atos emanados do Poder Judiciário devem guardar
sintonia com a Lei Maior. Caso contrário, revela seu caráter inconstitucional, colidindo
com os preceitos fundamentais desejados pelo legislador constituinte, trazendo em si o
espectro de negativação de validade
.
129
No dizer de HANS KELSEN:
O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de
supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição
que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte
da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando
possível o processo democrático em um Estado de Direito.
130
O regime de inconstitucionalidade que regulam os atos administrativos também se
aplica no caso da coisa julgada inconstitucional. Se as normas inconstitucionais não
hão de se consolidar, não havendo prazo para seu ataque, o mesmo ocorre com a
coisa julgada que viole preceitos constitucionais. Assim, todos os atos
inconstitucionais, sejam eles administrativos, normativos ou judiciais, hão de se
submeter ao controle de constitucionalidade, a qualquer tempo, através dos remédios
jurídicos próprios.
128
Direito Constitucional: 10ª ed., São Paulo, Atlas, 2001, p. 441.
129
Na primeira fase do direito português não se poderia falar em coisa julgada inconstitucional, até
porque o controle de constitucionalidade sobre os atos administrativos ou legislativos ainda não existia.
Tudo estava sob o império do monarca. “O Rei é Lei animada sobre a Terra, e pode fazer Lei, revogá-la,
quando vir que convém fazer-se assim” (PAULO OTERO. Ensaio sobre o Caso Julgado
Inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993, p. 20).
130
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 288.
Isto porque, sem medo de errar, podemos equiparar, no ponto de vista de sua estrutura
lógica, a sentença transitada em julgado à lei, em razão de ambas representarem uma
obrigatoriedade. Ressalve-se, entretanto, que essa identidade é relativa, embora tenha
“produzido afirmações que adquirem foros de verdade e são úteis por destacarem
aquilo que os dois atos estatais (sentença e lei) têm em comum”.
131
Portanto, embora o Código de Processo Civil venha assemelhar sentença à lei, essa
igualdade possui foros de relatividade, não sendo, assim, absoluta. Embora ambas
sejam atos estatais, obrigatórios, dirigidos aos seus respectivos destinatários,
constituindo-se em comandos disciplinadores das relações sociais na regência de
direitos, deveres, pretensões, obrigações e exceções, algumas diferenças iremos
traçar, mesmo que superficialmente, para melhor situarmos os dois atos estatais. Para
PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA,
Característica marcante da lei é seu abstracionismo (caráter hipotético), o que
significa dizer seu descompromisso com qualquer acontecimento concreto.
Aliás, não poderia ser de outra forma, visto que a lei não se aplica a fatos
ocorridos antes de sua vigência. Portanto, ainda que o legislador, para
elaborar a lei, sirva-se da experiência de fatos passados, examinando o meio
social e as relações que lhe pareçam carecedoras de disciplinamento para a
coexistência pacífica dos homens, as regras ao final convoladas em lei não
podem apanhar senão os acontecimentos futuros.
Com a sentença dá-se o oposto. Somente podem apanhar os fatos passados,
dado que o juiz sempre analisa a incidência da norma, depois de sua
ocorrência. A sentença também se separa da lei por se tratar de ato
plenamente vinculado. O juiz não pode, sem ofensa aos mais comezinhos
princípios de Direito Constitucional, adotar solução diferente da prescrita na lei,
ou, à falta dela, no Direito. Com a lei se dá justamente o oposto, porquanto
ressalvados os aspectos formais, relativos ao processo legislativo, bem assim
respeitadas as restrições impostas pela Carta Política, ela (a lei) tem ampla
liberdade de escolha das soluções. Trata-se de atividade plenamente
discricionária.
132
Esse jurista afirma ainda que:
131
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 35.
132
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Op. cit, p. 36-37.
de todas as diferenças que distanciam sentença e lei, seguramente a mais
significativa é a impessoalidade (generalidade) da segunda, frente a
pessoalidade (individualidade) da primeira. Realmente, a lei é editada para se
aplicar a todas as pessoas submetidas à soberania do Estado, bastando para
tanto que qualquer uma realize ou participe do acontecimento nela previsto.
Dessa impessoalidade, inclusive, decorre outra característica da lei: a
inesgotabilidade. Tal significa que a lei não se exaure com a incidência e
aplicação, dado que editada para incidir e ser aplicada indefinidamente, tantas
vezes quantas ocorrerem os fatos tomados como seu suporte. A lei não se
gasta com a incidência. Não diminui de volume. Não se esgota. Já a
sentença, em tendo caráter concreto, consoante acima explicitado, se refere
exclusivamente a determinados indivíduos.
133
Observa-se, pois, que as diferenças entre o ato legislativo estampado numa lei e o ato
judicial consubstanciado numa sentença não se resumem ao plano da obrigatoriedade,
mas sim, no que tange aos sujeitos que os produzem, os destinatários, bem como a
aplicabilidade ou não a uma situação concreta. Sob o plano da obrigatoriedade,
portanto, são idênticas, guardadas as proporções dessa afirmação, no sentido de que,
embora ambas sejam de caráter obrigatório, a lei, por ser de caráter geral, obriga a
todos, enquanto que a sentença obriga aqueles que figuraram no processo, salvo as
exceções impostas no próprio dispositivo que consagra tais limites subjetivos (art. 472
do Código de Processo Civil).
134
Se os atos jurisdicionais consubstanciados em sentença transitada em julgado
equiparam-se, no plano de sua obrigatoriedade, aos atos legislativos materializados
numa lei, nessa linha de raciocínio, qualquer ato praticado pelo Poder Judiciário no
exercício de suas funções estará sujeito ao controle da constitucionalidade. Serão, no
dizer de PAULO OTERO
135
, verdadeiras “decisões jurídicas inconstitucionais”, passíveis
de controle.
Deparando-se com uma decisão judicial violadora dos preceitos constitucionais, abre-se
caminho aos recursos previstos na própria Constituição e nos Códigos de Processos,
sem contar com os mecanismos de ataque àquelas decisões já transitadas em julgado,
133
Op. cit., p. 37-38.
134
Arnaldo Vasconcelos (in Teoria da Norma Jurídica. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 15),
contrariando Hans Kensen, entende que a sentença só assume a qualidade de norma jurídica quando o
Direito, que ela revela, torna-se, por sua uniformidade e constância, modelo de conduta social.
135
Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993, p. 64.
cuja estabilização máxima venha a afrontar diretamente as normas ou princípios
constitucionais.
Isto porque não apenas os demais Poderes, mas também o Poder Judiciário não está
imune à obediência dos preceitos constitucionais, somente se revelando impermeáveis
suas decisões caso venham a refletir os anseios insculpidos na Carta Política. Se as
decisões judiciais não podem ser confundidas com a verdade absoluta, visto que
absoluto é apenas o direito justo, inegável é reconhecer a possibilidade de ataque aos
seus atos, mesmo quando alcançados o grau máximo de estabilização. Na história dos
tempos também constatamos entendimento semelhante. Ensina-nos MOACYR LOBO
DA COSTA que:
a lição do direito romano, que os legisladores reinícolas aprenderam, é a de que a
sentença que por direito é nenhuma não produz efeito, não transita em julgado e
pode ser revogada em qualquer tempo que o interessado pretenda fazê-la valer em
juízo, independentemente do remédio da Revista, uma vez que sempre se pode dizer
contra ela.
136
Não há como se conceber a inexistência de hierarquia entre as Funções Estatais (mas
tão somente a repartição de competências) para entender que apenas os atos
jurisdicionais estariam imunes aos vícios constitucionais, sendo que os praticados pelos
demais Poderes podem, a qualquer tempo, serem revistos. Se uma lei inconstitucional
pode e deve ser extirpada do mundo jurídico a qualquer tempo, por não revelar a
vontade constituinte; se um ato administrativo violador de preceitos constitucionais
também não pode gerar efeitos válidos, também podendo ser anulado a qualquer
tempo, razão não subsiste de entender que os atos praticados pelo Poder Judiciário
ficariam imunes a esses efeitos inconstitucionais. Portanto, deve-se adotar para os atos
jurisdicionais inconstitucionais o mesmo regime adotado para os atos administrativos e
legislativos, não o concebendo como um instituto estanque e de hierarquia superior a
mesmo à própria Constituição. Pensar o contrário seria prestigiar por demais o
formalismo dos atos jurisdicionais em prejuízo a todo um sistema de garantias.
136
COSTA, Moacyr Lobo da. A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 159.
Nesse diapasão, se não existe prazo para o ataque dos atos legislativos primários
através dos controles de constitucionalidade, também não haverá de existir prazo para
o ataque do caso julgado que viole a Constituição, porque, além de não haver
hierarquia entre os atos praticados pelas três Funções Estatais, a coisa julgada
equipara-se à lei, também podendo ser atacada mesmo após esgotados os meios
ordinariamente postos pela lei. Se assim não fosse, inevitavelmente estaríamos a
desprezar o art. 2º da Constituição Federal, que assegura a harmonia e independência
dos Poderes. E essa independência se revela também pela inexistência de hierarquia
entre os atos praticados pelas Funções Estatais.
7.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS:
GENERALIDADES
Vista questão referente ao judiciário e à pretensa imutabilidade de decisões
inconstitucionais, passa-se ao tema do controle de constitucionalidade. O objetivo deste
e dos demais tópicos que versam sobre tal temática é traçar um panorama geral da
metodologia empregada por nossos tribunais para reconhecer a inconstitucionalidade
de leis e atos normativos, para, no momento oportuno, traçarmos os fundamentos
teóricos que podem ser aplicados na defesa do afastamento da coisa julgada que se
baseie em norma viciada.
Como visto, a idéia de supremacia da Constituição pressupõe inarredavelmente a
existência de um sistema que permita o controle de constitucionalidade dos atos que
não estejam adequados, seja materialmente, seja formalmente, ao Texto Maior. Este
mecanismo nada mais é do que o controle de constitucionalidade.
137
137
No dizer de HANS KELSEN: O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia
de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem
limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus
deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito. (KELSEN, Hans. Teoria
pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 288.)
Assim, o controle da constitucionalidade pode ser visualizado como sendo um
mecanismo de averiguação da compatibilidade dos atos infraconstitucionais – lei, ato
administrativo, etc – com a Constituição, Norma Magna, da qual todos os demais
derivam, ou em outras palavras como um meio de questionamento da harmonia de uma
lei ou ato normativo perante a Carta Política.
À luz de tais considerações é de fundamental importância o sistema de averiguação de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos, que nada mais é do que um
mecanismo de controle que possibilita a proteção da sociedade e, porque não dizer dos
órgãos constituídos em face de eventuais arbítrios que venham a ser levados a cabo.
Visualiza-se no direito comparado a existência de dois grandes modelos de controle de
constitucionalidade: a) o americano, decorrente da famosa sentença de Marshall, que
veio a imprimir o controle de constitucionalidade pelo método difuso e incidental,
segundo o qual qualquer juiz poderá declarar incidenter tantum, em um dado caso
concreto a inconstitucionalidade de norma jurídica argüida pela parte, seja em sede de
defesa ou mesmo de exceção
138
; b) e o sistema europeu que veio a conferir o controle
de concentrado a uma Corte especialmente criada para tal fim.
Nas linhas que se seguem busca-se, diante dos limites do presente texto e dos
objetivos a que se propõe, elencar algumas generalidades que venham a ser relevantes
para o desate do presente trabalho.
7.3 O CONTROLE DIFUSO
Como já adiantado, o controle difuso de constitucionalidade remete o pesquisador ao
modelo norte-americano, a partir do qual é permitido a todo órgão judicante zelar pela
superioridade hierárquica da Constituição. Trataremos neste tópico dos principais
138
A partir da análise dos aspectos históricos e culturais do sistema norte-americano, bem como do
próprio íntimo convencimento do Juiz Marshall, se vê o quão determinante foram tais teorias para o
aparecimento do judicial review, afirmação que se corrobora a partir da consulta feita à monografia escrita
por Willian E. Nelson cujo título é: Marbury x Madison – the origins and legacy of judicial review.
University Press of Kansas, 2000.
pontos que concernem ao controle difuso de constitucionalidade, de maneira a apontar
suas generalidades, especialmente as que se relacionam com a forma como tal controle
é efetuado. Após esta primeira etapa, passar-se-á a abordar os efeitos das decisões
judiciais prolatadas por meio do controle difuso de constitucionalidade, dando-se
enfoque especial à Resolução mencionada no artigo 52, X, da Carta Magna. Por fim, no
desígnio de complementar o raciocínio será abordado, de maneira rápida, o tema da
súmula vinculante, que se relaciona de forma direta e indireta com o controle difuso de
constitucionalidade, e que, dada a sua inserção recente, mereceu enfrentamento.
7.3.1 Controle difuso de constitucionalidade: generalidades e a reserva de
plenário constante do artigo 97, da constituição da república
Esta modalidade de controle de constitucionalidade tem berço, como por várias
ocasiões destacou-se, no direito norte-americano, quando, no caso Marbury x Madison,
em 1803, a Corte Constitucional daquele país, por intermédio do Juiz Marshall, teve a
oportunidade de analisar a possibilidade de todo e qualquer magistrado interpretar e
aplicar a lei, decretando a sua invalidade, em caso de ocorrência de contradição desta
com a Constituição. Restou consignado naquele relevante julgamento que, o tribunal
possui também como função aplicar a Constituição, dando a ela um enfoque especial e
supremo, em relação a qualquer lei ordinária advinda do legislador
infraconstitucional
139
. A respeito do controle difuso de constitucionalidade, e em
especial sobre o caso Marbury x Madison, ELIVAL DA SILVA RAMOS, ressalta que:
antes mesmo de a Suprema Corte firmar entendimento favorável ao controle, o
que somente aconteceu em 1803, no célebre caso ‘Marbury x Madison’, os
Tribunais Federais de Apelação (Cortes de Circuito) já declaravam que um ato
legislativo em contraste com uma norma constitucional deve ser apartado e
rechaçado por incompatibilidade.
140
139
Sobre o assunto vide Blaine Free Moore, The Supreme Court and unconstitutional legislation,
Studies in History, Economics and Public Law, Volume LIV, number 2, p.13.
140
A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 103.
Oportuna também a colação da lição a que nos brinda RONALDO POLLETTI:
A Justiça do Estado de New Jersey, em 1780, declarou nula uma lei por
contrariar ela a Constituição do Estado. Desde 1782, os juízes da Virgínia
julgavam-se competentes para dizer da constitucionalidade das leis. Em 1787,
a Suprema Corte da Carolina do Norte invalidou lei pelo fato de ela colidir com
os artigos da Confederação.
141
No Brasil, o controle de constitucionalidade difuso, que também é chamado de aberto e
por via de exceção
142
, tem suas bases assentadas na primeira Constituição de nossa
República, que restou editada em 1891 e, em cujo artigo 59, § 1°, b, se encontrava a
seguinte orientação:
Art. 59 (...) § 1° Das sentenças das justiças dos Estados em última instância
haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (...) b) quando se contestar a
validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição,
ou das leis federais e a decisão do Estado considerar válidos esses atos, ou
essas leis impugnadas.
Tal aspecto não passou desapercebido ao crivo de RUY BARBOSA, que, comentando
o dispositivo sob análise, afirma:
Obriga esse tribunal a negar validade às leis federaes, quando contrárias à
Constituição, e as leis federaes são contrarias à Constituição, quando o Poder
Legislativo, adoptando taes leis, não se teve nos limites em que a Constituição
o autoriza a legislar, isto é, transpassou a competência, em que a Constituição
o circunscreve.
143
141
Controle da Constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 36.
142
Vale dizer que é impossível que se venha a confundir o controle incidental com o controle difuso. Isto
porque, eventualmente é possível que se venha a controlar, incidentalmente, a constitucionalidade de lei
ou ato normativo, no âmbito de uma ação abstrata de constitucionalidade. É o que ocorreu, por exemplo,
na Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 1/DF, ocasião em que o STF, anteriormente ao
enfrentamento do mérito da ação, declarou, incidenter tantum, a constitucionalidade da Ação Declaratória
inserida em nosso ordenamento através de Emenda Constitucional (vide: STF – Pleno, Ação Declaratória
de Constitucionalidade n. 1-1/DF, Rel. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 5 de novembro de 1993,
p. 23.286, vencido o Ministro Marco Aurélio.
143
BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. 4. v. p.
23.
A despeito de tal disposição normativa e do ensinamento doutrinário acima, o fato é que
o controle de constitucionalidade difuso no âmbito brasileiro ganhou contornos e
delineamentos mais bem demarcados a partir do advento da Lei Federal n° 221, de
20.11.1894, que em seu parágrafo § 10 dispunha que “os juízes e tribunais apreciarão a
validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis
manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com
as leis, ou com a Constituição”
144
.
Também HANS KELSEN, anteviu, ainda que no direito alienígena, a possibilidade de
exercício do controle difuso de constitucionalidade, asseverando em síntese, que se a
ordem normativa conferir a todo juiz e tribunal competência para estimar e controlar a
constitucionalidade de lei que por ele venha a ser aplicada no caso concreto, via de
regra caberá a este órgão, ocorrendo tal hipótese, a faculdade de anular a lei que está
sendo apreciada no caso em exame, sendo que, em relação aos demais, manteria ela
plena vigência
145
.
Nessa esteira de pensamento e à luz das diretrizes histórico-doutrinárias antes
expostas, é possível identificar como missão precípua do Poder Judiciário a aplicação
do direito válido de maneira que eventual inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
a despeito de sua não-alegação por qualquer das partes em litígio, deve ser verificada
de ofício pelo magistrado que conduz o feito. Outra não foi a conclusão a que chegou
JOÃO BARBALHO quando salientou que “o ato contrário à Constituição não é lei, e a
justiça não lhe deve dar eficácia e valor contra a lei suprema.”
146
Portanto, todo juiz ou tribunal é em tese um agente responsável pela guarda da
Constituição, pois como bem inclusive aclarou seu maior guardião (o Supremo Tribunal
Federal), o Texto Magno “assegura a plena possibilidade de o Juiz de 1ª instância
144
A respeito do tema pode-se conferir: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 52; ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de
constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Dialética, 1997. p. 33; MENDES, Gilmar
Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 24; TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de
Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 411.
145
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 2. ed. Trad. Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
1987. p. 290.
146
Constituição Federal Brasileira. Brasília: Senado Federal, 1992. p. 225.
realizar o controle difuso
147
de constitucionalidade”.
148
Em reforço à possibilidade de o
controle difuso ser exercido de ofício
149
, vale registrar o seguinte aresto do Supremo
Tribunal Federal, exarado nos Embargos Declaratórios no Recurso Extraordinário n°
219.934-SP, Relatora Ministra ELLEN GRACIE:
Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição, incumbe
declarar a inconstitucionalidade de lei, sempre que esta se verificar, ainda que
ex officio, em razão do controle difuso, independente de pedido expresso da
parte.
Importantíssimo, portanto, o controle difuso de constitucionalidade, não só por conferir a
qualquer magistrado poder para controlar a constitucionalidade leis ou atos normativos,
como também por complementar de forma simples o controle de constitucionalidade
levado a efeito pelas ações abstratas.
Assim se manifesta JOSÉ AFONSO DA SILVA, elucidando que apenas o controle
concentrado “não seria suficiente para a organização de um sistema eficaz de proteção
aos direitos humanos, pois tal competência” já era pertencente ao Pretório Excelso, “no
regime das Constituições anteriores, e não raro, lamentavelmente, suas decisões
sustentaram o arbítrio o regime militar”
150
.
Destarte, na linha exposta, pode-se dizer que a grande benesse do controle difuso de
constitucionalidade reside em sua singeleza, pois é extremamente interessante que
todo e qualquer juiz tenha a possibilidade de negar aplicação à lei ordinária que infrinja
direta ou indiretamente a Constituição.
147
STF: RE 117.808/PR – Rel. Ministro Sepúlveda Pertence.
148
No mesmo sentido conferir: STJ – “não existe vedação para o STJ, incidentur tantum, apreciar
dispositivos constitucionais ao caso concreto, procedimento afeto a qualquer juiz e a própria atividade
jurisdicional” (REsp 21.613/SP – Rel. Milton Luiz Pereira); STJ – “o controle jurisdicional da
constitucionalidade, no regime da constituição vigente, pode ser exercitado via de defesa (difuso),
incidentur tantum, por todos os juízes, com efeitos ‘inter partes’” (ROMS 746/RJ – Rel. Milton Luiz
Pereira).
149
Demais disso é importante consignar que o Supremo Tribunal Federal vem até afastando o
prequestionamento, quando se está diante de norma constitucional expressa.
150
Proteção constitucional dos direitos humanos no Brasil: Evolução histórica e direito atual,
Revista da Procuradoria do Estado de São Paulo, edição especial em comemoração dos 10 anos da
Constituição Federal, setembro 1998, p. 173.
Seguindo a trilha ora traçada, e a par da importância do controle difuso, tanto doutrina,
quanto jurisprudência admitem com tranqüilidade a possibilidade de se utilizar de tal
mecanismo em sede de qualquer tipo de ação, inclusive as ações constitucionais que
tutelam a liberdade e servem de guarida aos direitos humanos, tais como o habeas
corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação civil
pública.
Quanto a esta última, todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vacilava,
inclinando-se por, em tempos atrás
, a não admitir a possibilidade de exercício do
controle difuso de constitucionalidade nesta ação, por entender que, acaso assim fosse
permitido a ação civil pública “acabaria por instaurar um controle direto e abstrato no
plano da jurisdição de primeiro grau, seja porque a decisão haveria de ter,
necessariamente, eficácia transcendente das partes formais”
151
.
No entanto, mesmo havendo a possibilidade de controle de constitucionalidade de atos
normativos por meio do controle difuso, tal decretação somente poderá ser levada a
cabo por meio de decisão a ser tomada pela maioria absoluta dos componentes de um
dado tribunal. É a chamada reserva de plenário, cuja primeira previsão no seio pátrio foi
firmada pela CF/34, estando hoje plasmada no bojo do artigo 97 da Constituição de
1988:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Em âmbito infraconstitucional a referida reserva de plenário encontra-se estabelecida
no bojo dos artigos 480 e 481do Código de Processo Civil
152
, e 22 e 23, estes
151
MENDES, GILMAR FERREIRA. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade:
estudos de direito constitucional. 2. ed., São Paulo: Celso Bastos editor, 1999. p. 356.
152
Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido
o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a
fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno. Parágrafo Único. Os órgãos fracionários dos tribunais
não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
constantes da Lei n° 9.868/99
153
, os quais também seguem transcritos no rodapé para
melhor análise. Em observação aos dispositivos em cotejo, de maneira especial os
artigos 22 e 23 da Lei n° 9.868/99, logo se denota que para ser apreciada a
constitucionalidade de lei ou ato normativo é imperiosa a obediência a alguns
pressupostos formais, que dizem respeito ao quorum de instalação e ao quorum de
deliberação. Ou seja, presentes oito ministros, satisfeito estará o quorum de instalação,
e, votando pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade a maioria absoluta dos
componentes do STF, o que se traduz em seis dos onze ministros que compõem o
plenário da Corte, será possível tal decretação. É o que explica, por exemplo,
ALEXANDRE DE MORAES, quando, em comentário ao artigo 22 da Lei Federal citada,
afirma:
A Constituição Federal reservou – em face da importância – o julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade para o Plenário do STF, em respeito ao artigo 97 da
Constituição Federal, exigindo-se quorum mínimo de oito Ministros, para
instalação da sessão e de maioria absoluta para a declaração de
inconstitucionalidade ou constitucionalidade, ou seja, o primeiro, número inteiro
subseqüente à divisão dos membros da Casa por dois. Note-se que nas
votações por maioria absoluta, não devemos nos fixar no número de
presentes, mas sim no número total dos integrantes do STF. Portanto, a
maioria absoluta
154
será sempre de seis Ministros.
155
153
Art. 22. A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo
somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros.
Art. 23. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da
disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis
Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de
constitucionalidade. Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir
no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até
que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.
154
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2004. p. 2447-2448.
155
Em comentário à constituição de 1946, aduzindo ser condição de eficácia para o julgamento a
obediência de tal regramento, LÚCIO BITTENCOURT, nos brinda com interessante passagem: “a
Constituição não determina o número de juízes que devem estar presente, nem exige o comparecimento
da totalidade destes, mas, apenas, condiciona a eficácia jurídica da declaração de inconstitucionalidade
ao pronunciamento da maioria dos membros do tribunal. Ficou, destarte, a questão do quorum
dependente do que a respeito dispuserem as leis de organização judiciária e, na omissão destas, os
regimentos dos tribunais” (O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro:
Forense, 1949. p. 45-46).
Em lição ulterior, constante da mesma obra, arremata: “o artigo 200 da Constituição [o autor se refere à
Constituição de 1946, atual artigo 97, da Carta Política] não tem outro efeito senão o de condicionar a
Nada obstante tal reserva, seguindo a linha que alhures fora exposta, impende destacar
que esta exigência não impede o juiz monocrático de apreciar a (in) constitucionalidade
de lei ou ato normativo (STF, RTJ, 98:877), nem tampouco obstaculiza os órgãos
fracionários a procederem de igual maneira (idem).
De igual modo, há de se registrar que, como todo e qualquer princípio constitucional, a
reserva de plenário não é absoluta, comportando temperamentos quando se tem por
cunho salvaguardar outros primados constitucionais, como é o caso da celeridade.
Nessa toada, se via de regra é obrigatória a observância deste princípio, poderá o
mesmo sofrer relativização em prol de uma decisão judicial mais célere, até porque hoje
a rapidez é princípio constitucional explícito e consignado no artigo 5° LXXVIII da
CF/88
156
.
Nesse caminhar, se o Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que a
regra geral é a reserva de plenário (SS 1261-2), nada impede que, como também
entende esta Corte que, em prol da celeridade, quando já houver declaração de
inconstitucionalidade anterior pelo Excelso Pretório se deixe de aplicar esta regra:
versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional pelo
guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal –
descabe o deslocamento previsto no art. 97 do referido Diploma maior. O
julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a
racionalidade, como também implica interpretação teleológica do art. 97 em
comento, evitando a burocratização dos autos judiciais no que nefasta ao
princípio economia e da celeridade. A razão de ser do preceito está na
necessidade de evitar-se que órgãos fracionados
157
apreciem, pela primeira,
vez a pecha de inconstitucionalidade
158
argüida em relação a um certo ato
normativo.
159
eficácia jurídica da decisão declaratória de inconstitucionalidade ao voto – nem mesmo à presença, mas
ao voto, pronunciando pela forma que a lei ordinária estabelecer – da maioria dos membros do tribunal. O
referido preceito não é, em si mesmo, nenhuma regra de funcionamento, nem uma norma de
competência: estabelece apenas uma condição de eficácia. (idem, ibidem).
156
ALEXANDRE DE MORAES bem esclarece a idéia do caráter não-absoluto dos direitos fundamentais
quando assevera que “Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal,
portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente
consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). In: op.
cit. p. 169.
157
Se hoje é bastante tranqüila a jurisprudência do STF a respeito do tema, antigamente vigorava
entendimento diametralmente diverso, exigindo que, em controle difuso de constitucionalidade fosse
aplicada a reserva de plenário sem maiores temperamentos. Conferir a respeito: STF – 1ª Turma – RE
192.196-0/RS – Rel. Ministro Sepúlveda Pertence.
158
RTJ 162/765.
159
Também é importante registrar a possibilidade de órgão fracionário de Tribunal afastar precedente do
próprio Tribunal que não se amolde à jurisprudência do STF: Não é cabível pretender-se, como sustenta
No mesmo sentir é o pensamento de nossa mais alta Corte Federal – o Superior
Tribunal de Justiça – que ao interpretar a obrigatoriedade da referida cláusula, no
âmbito de suas respectivas Turmas de julgamento, optou por entender que, em casos
em que o Plenário ou órgão especial já tenham assentado determinado entendimento,
podem aqueles órgãos afastar a reserva de plenário:
Declaração de inconstitucionalidade – Tribunal Pleno. Órgão especial. CF, arts.
97 e 93, IX. CPC, arts. 480 e 481. I. Somente pelo voto da maioria absoluta de
seus membros ou dos membros do respectivo órgão poderão os tribunais
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (CF, arts. 97 e 93, XI;
CPC, arts. 480 e 481). Declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, na forma acima indicada, as turmas ou câmaras darão aplicação,
aos casos futuros, a decisão do tribunal pleno ou do órgão especial. II.
Inocorrência de contrariedade aos arts. 480 e 481, CPC.
160
7.3.2 O controle difuso de constitucionalidade e o senado federal
Como é cediço, após o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo federal, estadual, distrital ou municipal, em controle difuso, poderá ele
oficiar ao Senado Federal para que, conforme preconizado no artigo 52, X da Carta
Republicana, seja suspensa a execução da lei ou ato que a infringe. Vê-se, portanto,
que o que consta do citado inciso X se restringe às declarações de
inconstitucionalidade proferidas de forma incidente, via controle difuso de
inconstitucionalidade (STF, RTJ 151:331-55).
Em reforço ao que aqui se expõe, denota-se que o artigo 386 do Regimento Interno do
Senado Federal que esta Casa conhecerá da já citada declaração de
inconstitucionalidade (que pode ser total ou parcial) por meio: 1) da comunicação do
presidente do Tribunal; b) da representação do procurador-geral da República; c) do
projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
a União Federal, que Turma de Corte Federal não possa aplicar orientação do Plenário do Supremo
Tribunal Federal que declarou inconstitucional norma de regência da espécie em exame, tão-só porque,
anteriormente aos julgados do STF, o Plenário do mesmo TRF haja considerado constitucional o mesmo
dispositivo. (STF – 2ª T. – AI n° 172.148-1/040/PR – Rel. Min. Néri da Silveira).
160
REsp 2566-RS – Rel. Ministro Carlos Velloso.
Certamente, e isso se infere da própria regra grafada no bojo do artigo 52, X, da CR/88,
esta competência constitucional atribuída ao Senado Federal tem por cunho fazer com
que sejam ampliados, de maneira erga omnes, os efeitos de decisão exarada no âmbito
do Pretório Excelso em controle difuso de constitucionalidade, a qual, via de regra,
somente produz efeitos inter partes.
Todavia, se já é tranqüilo
161
o entendimento de que o Senado Federal possui a
faculdade de editar ou não a resolução ampliativa, questão problemática que surge
decorre da expressão “no todo ou em parte” contida no já citado artigo 52, X, a qual,
talvez em uma visão menos técnica, poderia se entender que ao Senado caberia
interpretar, discricionariamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, suspendendo
apenas parte do que fora declarado inconstitucional. Esta, contudo, não parece ser a
melhor interpretação, eis que como bem salienta ZENO VELOZO:
O Senado não tem opção de suspender a execução de parte da lei, se toda ela
foi julgada inconstitucional, bem pode suspender a execução de toda a lei, cuja
inconstitucionalidade somente em parte foi declarada. Ele suspenderá a
execução em parte ou na totalidade, conforme tenha sido a decisão do Supremo
tribunal Federal. A atuação do Senado, portanto, é balizada pela extensão da
sentença proferida pelo Pretório Excelso. Não pode ampliar, nem restringir.
162
161
Tranqüilo ao menos no que se refere ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o
MS n° 16.512/DF, por intermédio do Ministro Gallotti assim se pronunciou: “o Senado, atendendo a
razões de conveniência e oportunidade, pode suspender, ou não, a execução da lei declarada
inconstitucional, estendendo ou não, erga omnes, os efeitos da decisão do Supremo.”
Em sentido contrário colhe-se, por exemplo, o entendimento de EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO,
autor que discorrendo sobre o tema da presente pesquisa, afirma peremptoriamente que o Senado não
possui tal discricionariedade:
Quando se omite de proclamar a suspensão da execução de lei já declarada inconstitucional, o
Presidente e os membros do Senado Federal atentam contra o Patrimônio Público, pois essa omissão
permitirá que o Poder Judiciário processe e julgue ações sobre questões já decididas, abarrotando os
tribunais e piorando o estado da já precária prestação jurisdicional. Permite que um número maior de
cidadãos lesados cobrem a responsabilidade civil do Estado por ato inconstitucional. Perpetuam a
inconstitucionalidade e seus maléficos efeitos. Tudo isso em nome da conveniência e oportunidade, não
de agir em prol do interesse público (...). (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de
constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Dialética. p. 73.
Também nesse sentido, porém com outros dizeres, vale a pena conferir: FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 43.
162
VELOZO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p.59.
Com efeito, em consulta à jurisprudência da Suprema Corte verifica-se ser este o
entendimento lá sufragado, a teor do que se observa do acórdão exarado no âmbito do
MS 16.512/DF, cuja ementa segue transcrita:
RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL, SUSPENSIVA DA EXECUÇÃO DE
NORMA LEGAL CUJA INCONSTITUCIONALIDADE FOI DECLARADA PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA
SEGUNDA RESOLUÇÃO DAQUELE ÓRGÃO LEGISLATÓRIO, PARA
INTERPRETAR A DECISÃO JUDICIAL, MODIFICANDO-LHE O SENTIDO OU
LHE RESTRINGINDO OS EFEITOS. PEDIDO DE SEGURANÇA CONHECIDO
COMO REPRESENTAÇÃO, QUE SE JULGA PROCEDENTE.
Destarte, e à luz do excerto jurisprudencial e do pensamento doutrinário supra, prefere-
se a interpretação que leva à conclusão que o Senado Federal somente perfaz juízo de
conveniência quando decide se irá ou não editar a resolução ampliativa, pois acaso
opte pela edição, de forma a estender a todos os efeitos do julgamento do Supremo
Tribunal Federal, deverá fazê-lo de forma a abranger a totalidade do decisório, não
havendo, pois, qualquer discricionariedade quanto ao alcance normativo do que restou
lá consignado.
Ultrapassado tal tema, outros pontos merecem menção singela, e dizem respeito a
duas intrincadas questões: a) pode o Senado alterar seu entendimento, tornando sem
efeito ou mesmo modificando a resolução anteriormente editada?; b) cabe ao Senado
suspender execução de lei ou ato
163
que repute inconstitucional, mesmo inexistindo
pronunciamento do STF sobre a matéria?
Para ambas as questões a resposta é negativa. Quanto à primeira não é difícil concluir
que seria um verdadeiro contra-senso admitir a possibilidade de o Senado Federal
alterar seu entendimento, tornando sem efeito ou mesmo alterando o sentido da
Resolução já editada e que suspendeu, no todo ou em parte, lei declarada
163
Diz-se lei ou ato porque, como se extrai da obra de ZENO VELOSO: no controle incidental, a decisão
definitiva do Supremo pode incidir sobre leis, bem, como atos normativos em geral. A palavra ‘lei’, no
texto constitucional, não está empregada em sentido estrito, formal, técnico-jurídico, mas como ato
normativo, o que inclui as leis e outros instrumentos materialmente legislativos, como decretos e
regulamentos autônomos, resoluções, tratados internacionais, regimentos internos dos tribunais, cuja
constitucionalidade pode ser questionada no controle concreto. (op. cit. p. 58)
inconstitucional pelo STF (vide, dentre outros: RTJ 38/5; RTJ 38/569 e RTJ 39/628).
quanto à segunda tem-se que à luz do entendimento da Suprema Corte, a declaração
incidental de inconstitucionalidade por ela levada a cabo, é requisito imperioso à
aplicação do artigo 52, X, da CR/88 (conferir a respeito: RE n° 95.751/MG).
7.3.3 Efeitos da Resolução Senatorial
Como visto, a resolução do Senado, acaso editada, tem por condão estender a todos
os destinatários da norma declarada inconstitucional os efeitos da pronúncia de
inconstitucionalidade levada a efeito pelo Pretório Excelso. Contudo, se tal extensão de
efeitos é bem aceita pela doutrina especializada e pelo próprio Supremo Tribunal
Federal, o mesmo não acontece quando se faz questionamento dirigido à sua eficácia
temporal, ou seja, se a partir da Resolução os efeitos do pronunciamento do STF são
retroativos (ex tunc) ou prospectivos (ex nunc).
Ora, a inconstitucionalidade é vício que nulifica a lei ou ato normativo, destruindo sua
validade desde a origem. Não parece correto o pensar de PAULO NAPOLEÃO
NOGUEIRA DA SILVA quando sustentou que “a suspensão da execução, pelo Senado,
de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
produz efeitos ex nunc.”
164
Isto porque, tentar-se-á demonstrar ao final da presente que se o STF decide pela
nulidade da lei, mesmo que em um dado caso concreto, certamente não há razão
plausível para se admitir que a lei ou ato inquinado de inconstitucionalidade continue a
produzir efeitos em outras relações jurídicas.
Sendo assim, parece mais adequado o posicionamento da doutrina que entende que o
ato Senatorial deve atingir de forma retroativa a lei ou ato normativo, de forma a privá-
los de qualquer eficácia, o que garante até mesmo uma melhor aplicação ao princípio
da supremacia da constituição referido em linhas pretéritas. Nessa toada, a razão está
164
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle da constitucionalidade e a
competência do Senado Federal. São Paulo: RT. 1992. p. 128.
com OCTAVIO CAMPOS FICHER, sendo bastante pertinente a transcrição de sua
lição:
justamente porque a função da Resolução é apenas estender a todos os
demais cidadãos a decisão do STF, a extensão abrange também os efeitos
temporais. Se o STF decidiu que a lei é nula, com efeitos retroativos, então,
com o ato senatorial, o efeito ‘ex tunc’ passa a atingir todos aqueles que
estavam e estão sob o manto da lei expulsa do ordenamento.
165
Na mesma linha de pensamento colhe-se o posicionamento de GILMAR FERREIRA
MENDES:
a suspensão constitui ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de
forma definitiva e com efeitos retroativos. É o que ressalta o Supremo Tribunal
federal, ao enfatizar que ‘a suspensão da vigência da lei por
inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império
da lei inconstitucional’.
166
Destarte, com base nas considerações expostas, depreende-se que, se o sistema
difuso de constitucionalidade é exercido por qualquer autoridade judiciária no âmbito de
um caso concreto, a qual emitirá pronunciamento que atingirá a princípio as partes
envolvidas no litígio, não é menos correto dizer que, à luz dos pensamentos
doutrinários supra, com a sobrevinda da Resolução Senatorial, tais efeitos, além de se
estenderem de forma erga omnes, serão retroativos, atingindo todas as demais
relações jurídicas que se embasem na lei objeto de suspensão.
165
Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no Direito Tributário Brasileiro. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004.p. 188.
166
Controle de constitucionalidade – aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. p.
214.
7.4. EFEITOS DA DECISÃO EM CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:
SÍNTESE CONCLUSIVA
Com base nas considerações expostas e nos entendimentos jurisprudenciais da
Suprema Corte é possível repartir os efeitos das decisões proferidas em controle difuso
de constitucionalidade da seguinte maneira:
a) Em um primeiro instante, quando a decisão é proferida pelo Poder Judiciário, no
âmbito de um determinado processo jucicial;
b) Em um segundo instante, após a edição de Resolução Senatorial, suspendendo
a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão
definitiva do STF.
Como dito no controle difuso, a decisão proferida pelo Poder Judiciário só alcança as
partes do processo (inter partes) e, via de regra, só produz efeitos retroativos. Significa
dizer então que a pronúncia de inconstitucionalidade não retira a norma do
ordenamento, somente produzindo efeitos em relação aos litigantes, e, em relação a
terceiros, se mantém a possibilidade de aplicação.
Pode, entretanto, o Supremo Tribunal Federal, em situações excepcionais, outorgar a
seu pronunciamento efeitos prospectivos, fixando até mesmo um outro momento para o
início de sua eficácia (nestes termos pode-se consultar o RE 197.917, Rel. Maurício
Corrêa, 25.03.2004).
Com a resolução do Senado o que se modifica é apenas a ampliação dos destinatários
da declaração de inconstitucionalidade.
7.5 DO CONTROLE CONCENTRADO OU ABSTRATO: SINGELAS NOÇÕES
O mecanismo do controle abstrato de constitucionalidade foi inserido em nosso Direito a
partir do ano de 1965, com o objetivo de salvaguardar o ordenamento em face de leis e
atos normativos incompatíveis com o Texto Maior. Nessa modalidade de controle,
contrariamente do sistema difuso, objetiva-se por meio de ação direta, proposta
diretamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, declarar a inconstitucionalidade
de uma lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, fora dos limites de um caso
concreto, mas sim em tese. Não se julga, questão específica pertencente a um dado
caso concreto. Julga-se a validade de uma lei perante a Carta da República, num
processo objetivo.
É importante frisar, entretanto, que são fiscalizados nesta modalidade de controle os
atos do Poder Público de caráter gerais e abstratos, haja vista que de acordo com a
jurisprudência do Excelso Pretório atos meramente regulamentares não se submetem a
tal fiscalização:
(...) os atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos,
ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente
formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que
disciplinem relações jurídicas em abstrato de acordo com o posicionamento do
Ministro Moreira Alves, relator da Adin 647-DF
.
167
Apesar de ser este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, GILMAR FERREIRA
MENDES, que é ministro da Corte, entende que essa jurisprudência causa insegurança
“porque coloca a salvo do controle de constitucionalidade um sem número de leis”.
Acredita-se, que essa posição do Excelso Pretório de não admitir ação direta de
inconstitucionalidade contra regulamentos ou atos normativos que ultrapassem os
limites da lei, realmente merece crítica, mormente porque o regulamento pode ofender a
Constituição, não apenas na hipótese de edição de normativa autônoma, mas também
quando o exercente da atribuição regulamentar atue inobservando os princípios da
reserva legal, da supremacia da lei e, mesmo, o da separação dos poderes.
167
Revista Trimestral de Jurisprudência 140/41.
7.5.1 Dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade
Através do controle concentrado de controle da constitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal, ao reconhecer de forma definitiva a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, atribui, via de regra, a tal decisão efeito retroativo (ex tunc) e eficácia erga
omnes, desfazendo, assim, os efeitos do ato fulminado de inconstitucionalidade desde
sua origem.
Assim, a par de tal declaração, pode-se dizer que o ato ou lei inquinado de vício é
eliminado do ordenamento jurídico, daí se justificando o dizer que o Supremo Tribunal
Federal como verdadeiro legislador negativo, a perfazer um juízo de exclusão do ato
contestado. Com efeito, digno de nota o entendimento do Ministro CELSO DE MELLO,
no RE nº 136.215-4, do STF:
Impõe-se ressaltar que o valor jurídico do ato inconstitucional é nenhum. É ele
desprovido de qualquer eficácia no plano do Direito“. Uma conseqüência
primária da inconstitucionalidade – acentua Marcelo Rebelo de Souza (O Valor
Jurídico do Acto Inconstitucional, vol. 1/15-19, 1988, Lisboa) – é, em regra, a
desvalorização da conduta inconstitucional, em a qual a garantia da
Constituição não existiria. Para que o princípio da constitucionalidade,
expressão suprema e qualitativamente mais exigente do princípio da legalidade
em sentido amplo, vigore, é essencial que, em regra uma conduta contrária à
Constituição não possa produzir cabalmente os exactos efeitos jurídicos que,
em termos normais, lhe corresponderiam.
Logo, como se denota dos ensinamentos supra, é de se ver que prevalece no âmbito
de nossa Suprema Corte o entendimento de que a lei inconstitucional é nula, tendo,
pois, a decisão que reconhece sua inconstitucionalidade caráter declaratório-negativo,
como efeitos ex tunc. Confirma-se o exposto e afirmado por meio das palavras do
Ministro Leitão de Abreu, que em voto declinado no RE 79.343—BA, salientou que, em
sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e sua invalidade
deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado
de fato. Não é lei ou não é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui
efeito ou é totalmente inoperante. Falando de modo geral, a decisão pelo tribunal
competente de que uma lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula; o ato
legislativo do ponto de vista jurídico é inoperante como se não tivesse emanando ou
como se sua promulgação não houvesse ocorrido.
Contudo, em que pese tais afirmações, o fato que esse entendimento foi excepcionado
pela Lei 9.868/99, que em seu art. 27, veio inovar, com lastro no direito comparado,
essa regra, ao permitir que o STF module os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro, “tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, em homenagem ao princípio
constitucional da razoabilidade e proporcionalidade.
Saliente-se, todavia, que dito artigo é palco de intermináveis debates e controvérsias na
doutrina, havendo quem se posicione por sua inconstitucionalidade, com base nos
argumentos de que não se pode atribuir efeitos retroativo a atos nulos, nem tampouco
se fazer letra morta do disposto nos incisos I e II, do art. 5º da Carta Magna; existindo
também quem diga ser o mesmo constitucional, por ser tal regra perfeitamente
compatível com a segurança jurídica das relações e com o princípio constitucional da
proporcionalidade. No meio dos doutrinadores que se posicionam pela
inconstitucionalidade do referido dispositivo, encontra-se IVO DANTAS, que assim se
manifesta:
Permitimo-nos discordar do preceito mencionado, isto porque, tal como se
encontra previsto, não temos dúvida em afirmar que estamos diante do Fim da
Supralegalidade Constitucional, princípio que sempre caracterizou as
Constituições Escritas, ao lado do Princípio da Imutabilidade relativa.
168
Merece destaque ainda a preocupação do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, sobre a
possibilidade de se generalizar essa excepcionalidade:
(...) sou favorável a que, com todos os temperamentos e contrafortes possíveis
e para situações absolutamente excepcionais, se permita a ruptura do dogma
da nulidade ex radice da lei inconstitucional, facultandose ao Tribunal protrair o
início da eficácia erga omnes da declaração. Mas, como aqui já se advertiu,
168
In: Instituições de Direito Constitucional Brasileiro, 2ª edição, Curitiba: Juruá, 2001, p. 294.
essa solução, se generalizada, traz também o grande perigo de estimular a
inconstitucionalidade.
169
Por outro norte, observam JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO e ÁLVARO RICARDO DE
SOUZA CRUZ, que tal previsão veio ampliar a eficácia das decisões do Supremo
Tribunal Federal, amoldando seus decisórios ao contexto social moderno, pois,
segundo dizem:
é possível que uma norma legal se revele incompatível com a Constituição,
mas que a sua supressão do universo jurídico, sobretudo quando realizado de
forma retroativa, cause danos mais lesivos aos interesses e valores, abrigados
na ordem constitucional, do que sua manutenção provisória.
170
Abordando situações extremas, os mencionados autores, afirmam que o STF realmente
necessita de poderes para flexibilizar os efeitos de suas decisões, sob pena de não se
dispor de um mecanismo capaz de oferecer uma solução adequada ao caso concreto,
balanceando os interesses discutidos. Estas são suas palavras:
sem ter que sacrificar integralmente algum deles em detrimento do outro. Caso
contrário, o Judiciário poderá acabar abstendo-se de reconhecer a
inconstitucionalidade de certas leis, diante do receio dos efeitos, muitas vezes
nefastos, da pronúncia de nulidade das mesmas. Ou, pior ainda, cego às
conseqüências dos seus julgados, poderá declarar mecanicamente a
inconstitucionalidade de normas, atropelando direitos, valores e interesses de
estatura constitucional superior.
171
Parece-nos que assiste razão a essa posição, quanto mais se estivermos diante de um
caso que em se mostre não-razoável ignorar as conseqüências dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade. Situações existem em que se impõe a apuração,
com prudência, de até que ponto a retroatividade da decisão que decorreu a
inconstitucionalidade pode atingir prejudicando quem age de boa-fé e quem praticou o
ato sob o amparo de direito objetivo. É o que adverte, por exemplo, JORGE MIRANDA:
169
Cf. voto proferido na ADIN nº 1.1.02-2.
170
Hermenêutica e jurisdição constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
171
Idem.
A fixação dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequá-los às
situações da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez
que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqüências
demasiado gravosas da declaração, o Tribunal Constitucional viesse a não
decidir pela ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de segurança
da própria finalidade e da efetividade do sistema de fiscalização.
172
De mais a mais e para concluir, é sabido que o constitucionalismo atual se altera dia a
dia, não havendo mais espaço para a defesa do formalismo desmedido. É imperiosa
então a perfeita adequação entre a realidade fática e a explicação científica, mesmo
porque, a não ser assim, teríamos que conviver com conceitos que a teoria do Direito
Constitucional já não alberga, notadamente em razão do fato de que a sociedade
moderna clama pela consagração jurídico-positiva de uma determinada Ideologia, qual
seja, aquela socialmente aceita, e resultante de transações e consenso, ambos
explicáveis pela via dos estudos sociológicos e políticos.
172
Apud: MENDES, Gilmar. Controle de constitucionalidade: uma análise das leis 9868/99 e 9882/99.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002.
8 COISA JULGADA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS. CONCEITO. EFEITOS.
RAZÃO. LIMITES. EFICÁCIA PRECLUSIVA. ENQUADRAMENTO
Feitas as devidas considerações sobre temas que interessam diretamente ou
indiretamente ao deste da presente pesquisa, passar-se-á a tratar de forma mais
incisiva de tema que tem igual relevância: a coisa julgada. Devido à sua natureza, sabe-
se que as pessoas são incapazes de resolver as suas próprias diferenças, se fazendo
necessário então pedir auxílio ao Estado-Juiz para que, na qualidade de terceiro
imparcial e desinteressado, dê fim ao conflito (e alcançando a paz social), dizendo
quem tem o direito.
É neste passo que, esgotados os meios de impugnação da decisão final, o litigante
vencedor reclama que a mesma revista-se de autoridade, impondo-a ao vencido, em
que pese possa esse não se conformar com a solução dada. Almeja-se, portanto, que o
perdedor seja obrigado a cumprir aquilo que ficar acertado, ficando imutável o
pronunciamento judicial.
A esta impossibilidade de modificação do julgado, chamamos de coisa julgada. Nesse
sentido, serve para pôr fim à questão debatida em juízo, prevalecendo tanto para o
processo findo quanto para outro qualquer. Salienta-se que não apenas as partes
interessadas no processo, como também terceiros eventuais e/ou supervenientes,
proclamam pela coisa julgada, como forma de levar segurança para as relações
jurídica.
Destarte, com a coisa julgada se atinge o objetivo do processo, o de compor a lide,
aplicando-se o direito ao caso concreto, sendo certo que, a coisa julgada do
pronunciamento judicial define o direito quanto a uma determinada situação, atuando aí
a vontade concreta da lei.
8.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
Inicialmente, antes de discorrer sobre o tema, necessário se mostra tecer, ainda que
sucintamente, as considerações históricas do instituto da coisa julgada. Para tal,
impende adentrar na gênese do constitucionalismo mundial, trilhando o caminho da
aceitação da Constituição como nascedouro das garantias das premissas básicas do
cidadão. Com efeito, já nas mais antigas civilizações, foram constatadas manifestações
de uma idéia de controle das relações internacionais através de uma Constituição.
Discorrendo sobre o tema, CELSO A. MELLO comenta que:
Nas mais antigas civilizações, como na Suméria, parece já existir
manifestações de uma idéia de controle das relações internacionais, como no
caso em que o rei de Erech antes de partir para uma guerra contra Kish
consultou as assembléias de anciãos e dos guerreiros.
173
Na Grécia Antiga, mais precisamente no século V, também se notou a existência de um
constitucionalismo presente nas Cidades-Estado. Para se chegar a tal conclusão, basta
analisar a constitucional forma de governo que se encontrava presente nessa
civilização (Cidades-Estado), onde o poder político era distribuído a todos os cidadãos
ativos. Havia, na verdade, uma aclamação ao princípio do Estado de Direito. CELSO A.
MELLO, sobre o constitucionalismo que existiu na Grécia antiga, comenta:
O importante é mostrar que sempre houve um controle da vida internacional do
estado em maior ou menor grau. O constitucionalismo, a vida internacional do
estado são muito mais antigas do que pretende a maioria dos autores. E mais,
talvez o que nos falta seja o respeito que os gregos tinham à "Lei" que a
sociedade moderna à custa de tanto analisar acabou por destruir.
174
Diferentemente, identificou-se no Estado Romano um controle da política exterior em
grau mais elevado do que na Grécia. O direito público tinha um programa mais
acentuado; a idéia da Constituição de Roma era apontada como tão importante para o
mundo Antigo como a Constituição Britânica no mundo moderno.
175
Naquele sistema
judicial, o direito era estabelecido unicamente como sistema de actiones, que acabava
173
MELLO, C. D. A. Direito constitucional internacional: uma introdução: Constituição de 1988
revista em 1994. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 47.
174
MELLO, C. D. A. op. cit. p. 48.
175
MELLO, C. D. A. op. cit. P. 53.
sendo encarado como sistema de direitos cujo gozo só o processo devia garantir;
desde então, firma-se o princípio do caráter eminentemente declarativo da sentença.
176
A coisa julgada era pensada como ficção de verdade, verdade formal, ou presunção de
verdade. Tais formas, defendidas por autores como SAVIGNY e POTHIER, tiveram
enorme difusão, adentrando no Código de Napoleão, no Código Civil Italiano, sendo
mais tarde, devido à sua imprecisão, repelidas da linguagem científica.
177
Existia, assim,
a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio
objeto litigioso definitivamente decidido.
178
Todavia, essa idéia de coisa julgada atrelada à sentença foi superada pela idéia de que
na sentença há uma declaração irrevogável, portanto, imutável, resultando na aplicação
do direito. Ainda assim, havia quatro principais remédios, ao lado de outros de pouca
importância e eficácia, para atacar sentenças viciadas: a actio iudicati, para apurar se a
sentença era ou não juridicamente válida; a infitiatio e a revocatio in duplum, que foram
os dois meios pretorianos de revogação da sentença nula, vez que esta não transitava
em julgado e, finalmente, o in integrum restitutio, espécie de revisão quando a sentença
ofendesse os interesses de uma pessoa.
Desenvolvem-se após essas concepções, portanto, duas linhas de pensamento: a que
entende a coisa julgada como o efeito da sentença que a completa, tornando-se
imutável e plenamente eficaz; a que entende a coisa julgada como uma qualidade dos
efeitos da sentença ou qualidade da própria sentença, a imutabilidade, que não é um
efeito da sentença nem uma complementação da própria sentença, mas apenas um
atributo dos efeitos originais do julgado.
8.2 CONCEITO
Cabe estabelecer o que significa a expressão “coisa julgada”. A propósito, pode-se
dizer que é o mais elevado grau de imutabilidade dos atos estatais, tendo por fim a
176
LIEBMAN, E. T. Eficácia e autoridade da sentença. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 15.
177
LIEBMAN, E. T. op. cit. p. 16.
178
GRECO FILHO. V. op. cit. p. 264.
estabilização dos conflitos de interesses postos à prestação jurisdicional, tudo em nome
da paz social. Os romanos assim conceituavam a coisa julgada: "Res judicata dicitur
quae finem controversiarum pronuntiatione judicis accipit, quod vel condemnationem vel
absolutionem contingit”.
No Brasil, apenas fazendo simples menção à locução, furtando-se, assim, de conceituá-
la, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI, dispõe que “a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Com efeito, tal mister ficou a
cargo de outros ordenamentos jurídicos positivos, os quais tentaram, ainda que não se
tenha logrado o êxito pretendido, defini-la em seus exatos termos.
Assim é que a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro
de 1942), em seu art. 6º, § 3º (com redação determinada pela Lei 3.238/57), conceitua
a coisa julgada (ou caso julgado) como sendo “a decisão judicial de que já não caiba
mais recurso”. Seguindo a mesma linha de raciocínio da lei acima anotada, o Código de
Processo Civil, em seu art. 467 aduz que “denomina-se coisa julgada material a
eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso
ordinário ou extraordinário”.
Neste diapasão, a professora Ada Pellegrini Grinover critica a lei adjetiva civil pátria, na
medida em que associa o instituto da coisa julgada com a eficácia da sentença, e não
com sua qualidade, o que destoou do Anteprojeto de Buzaid. Com relação ao tema,
discorrendo sobre a formação da coisa julgada, o festejado jurista NELSON NERY
JUNIOR ensina que:
Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer
porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram
esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isto se dá
a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável.
179
Já CELSO BASTOS leciona que "Coisa julgada é a decisão do juiz de recebimento ou
de rejeição da demanda da qual não caiba mais recurso." "É a decisão judicial
179
NERY JUNIOR, N. NERY, R. M. A. Código de processo civil comentado e legislação processual
civil extravagante em vigor. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 677.
transitada em julgado".
180
Também, VICENTE GRECO FILHO destaca que "A coisa
julgada, portanto, é a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que
decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis."
181
ANTONIO GIDI,
ao tratar do fundamento jurídico da coisa julgada, assevera que:
a coisa julgada, como instituto jurídico, é também, em última análise, criação
do homem para facilitar e ordenar a vida em sociedade. Exatamente por isso,
assim como a dogmática jurídica, à qual pertence, deve ser entendida como
meio para obtenção de fins, e não como fim em si mesmo.
182
EDUARDO J. COUTURE a conceitua como sendo “a autoridade e eficácia de uma
sentença judicial, quando não existe contra ela meios de impugnação que permitam
modificá-la”.
183
Portanto, percebe-se que, tanto pela lei quanto pelas orientações
doutrinárias, a coisa julgada está intimamente ligada com a impossibilidade de não mais
se interpor recurso, o que, em seu sentido literal, significa dizer que:
a sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais
qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a
dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do vencido, ou de
outrem que se sub-rogue em suas pretensões.
184
Estes, pois, constituem os conceitos genéricos atribuídos à coisa julgada, havendo,
entretanto, modalidades e limites que melhor abarcam suas exatas definições. Porém,
antes disso, tratar-se-á adiante de situá-la, ainda que em breve escorço, sua
historicidade e evolução.
180
BASTOS, C. R. Curso de Direito Constitucional. 22ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2001. p. 209.
181
GRECO FILHO. V. Direito processual civil brasileiro. 2º V. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 265.
182
GIDI, A. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 05.
183
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma,
1985. p. 401. Texto original: “Tratando, pues, de defir el concepto jurídico de cosa juzgada, luego de
tantas advertencias preliminares, podemos decir que es la autoridad y eficacia de una sentencia judicial
cuando no existen contra ella medios de impugnación que permitan modificarla”.
184
Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio
de Janeiro, 1996. CD-ROM.
8.3 A COISA JULGADA FORMAL E A COISA JULGADA MATERIAL. SEUS
EFEITOS
Após a definição da coisa julgada, bem como o escorço de sua historicidade,
imprescindível estabelecer a diferença entre, como disse LIEBMAN, dois degraus de
um mesmo fenômeno: a coisa julgada formal e a coisa julgada material. Por certo as
duas se tratam de decisões as quais já não se pode mais recorrer, porém o que
essencialmente as distingue são os seus efeitos e extensão. A coisa julgada é deste
modo, enxergada como o mais elevado grau de estabilidade das decisões judiciais. Não
é um efeito da sentença, porém, uma qualidade que agrega a esses efeitos, fazendo-os
imutáveis, como pensa LIEBMAN. Segundo CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO,
a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença
de mérito”. Significa que quando uma demanda é julgada em seu juízo
meritório, quer seja de procedência, quer seja de improcedência, quando não
mais couber qualquer recurso, seja porque não foram utilizados ou foram todos
esgotados, institui-se em relação aos litigantes e ao objeto do litígio uma
situação de certeza capaz de tornar a decisão imutável e plenamente
operante
.
E continua:
Não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos
que ela projeta para fora deste e atingem as pessoas em suas relações – e
daí a grande relevância social do instituto da coisa julgada material, que a
Constituição assegura (art. 5º, XXXVI) e a lei processual disciplina (art. 467 e
segs.).
Desta feita, tornando-se imutável uma decisão de mérito, os efeitos da coisa julgada
material projetam-se extrinsecamente ao processo, de modo a impedir qualquer outro
magistrado, legislador ou mesmo partes, alterar aquilo que ficou estabilizado pelo
instituto. Não tem a coisa julgada dimensões próprias, mas aquelas que tiverem os
efeitos da sentença. Com isso, a eficácia de uma sentença se manifesta, de regra,
anteriormente à coisa julgada, dela independendo. Porém, se ausente na sentença o
plus da res iudicata, não seria óbice para que outro juiz, em processo diverso, viesse a
reapreciar o caso já decidido e a proferir novo julgamento em sentido contrário ao
primeiro.
185
Na coisa julgada material, tem-se a autoridade da coisa julgada, isto é, o mais
acentuado grau de estabilidade a fortalecer a eficácia da sentença que julgou o mérito,
para desse modo impedir, futuramente, qualquer espécie de indagação sobre a justiça
de seu pronunciamento. Nos dizeres de COUTURE, se apresenta “quando a condição
de inimpugnabilidade, mediante recurso, agrega-se à condição de imodificabilidade por
qualquer procedimento posterior, dizendo-se, assim, que há coisa julgada substancial,
já que nenhuma autoridade poderá modificar esse resultado”.
186
Assim, enseja a
produção de efeitos pan-processuais (exteriores ao processo).
Diferentemente, a coisa julgada formal não leva em conta os efeitos do ato jurisdicional,
e sim o próprio ato jurisdicional em si, ou seja, pensa-se no ato processual
consubstanciado numa sentença. A respeito da coisa julgada formal, DINAMARCO
afirma que:
em um momento, já não cabendo recurso algum, ela opera sua eficácia
consistente em pôr fim à relação processual (art. 162, § 1º) e, a partir de então,
nenhum outro juiz ou tribunal poderá introduzir naquele processo outro ato que
substitua a sentença irrecorrível. Como é inerente à teoria dos recursos e está
solenemente proclamado no art. 512 do Código de Processo Civil, o
julgamento proferido em um recurso cassa sempre a decisão recorrida e,
quando não a anula, substitui-a desde logo ainda que lhe confirme o teor
(improvimento – lição corrente em doutrina). A coisa julgada formal existe
quando já não for possível, pelas vias recursais, cassar a sentença proferida e
muito menos substituí-la por outra. Ela incide sobre sentenças de qualquer
185
Para a doutrina alemã, a res judicata se traduz na eficácia do conteúdo declaratório da sentença, que
lhe é acrescentada no momento do seu trânsito em julgado, projetando-se tanto para o presente quanto
para o futuro, tornando-a indiscutível e incontestável. Com isto não concorda Liebman, para quem tal
conceito provocaria grave confusão entre efeitos da sentença e a coisa julgada. Isto porque, segundo
afirma, toda sentença possui sua eficácia natural ao ingressar no mundo jurídico, seja ela qual for,
produzindo não apenas efeitos declaratórios, mas também constitutivos e condenatórios. Além disso,
segundo afirma, a declaração sem a coisa julgada parece privada de importância e não serve para nada
(In: Eficácia e Autoridade da Sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Com aditamentos
relativos ao Direito Brasileiro. Trad. de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Trad. dos textos posteriores à
edição de 1945 e notas relativas ao Direito Brasileiro Vigente por Ada Pellegrini Grinover. 2ª Ed. Rio de
Janeiro. Ed. Forense, 1981).
186
COUTURE, Eduardo J. Op. cit., p. 422. Texto original: “cuando a la condición de inimpugnable
ediante recurso, se agrega la condición de inmodificable en qualquier outro procedimiento posterior, se
dice que existe cosa juzgada sustancial, ya que entonces ninguna autoridad podrá modificar,
definitivamente, lo resuelto”.
natureza, seja de mérito ou terminativa, porque não diz respeito aos efeitos
substanciais mas à própria sentença como ato do processo.
E distingue a coisa julgada material e formal:
a) a primeira é a imunidade dos efeitos da sentença, que os acompanha
na vida das pessoas ainda depois de extinto o processo, impedindo
qualquer ato estatal, processual ou não, que venha a negá-los;
enquanto que b) a coisa julgada formal é fenômeno interno ao processo
e refere-se à sentença como ato processual, imunizada contra qualquer
substituição por outra.
Sendo a coisa julgada formal a estabilização não dos efeitos de uma decisão, mas da
decisão em si, vista como ato processual, é também enxergada como preclusão
máxima. Esta se relaciona com a própria essência do processo, na sua própria
etimologia, proveniente do latim pro cadere, ou seja, “cair para frente”, “andar adiante”.
Deste modo, é inadmissível retrocessos, principalmente no processo civil pátrio, cujo
rigor procedimental é mais acentuado do que os europeus, de modo que, a preclusão,
ligada ao caminhar do processo, é fenômeno exclusivamente processual, no sentido de
que, com exceção de raras hipóteses, não se permite retroceder, retornando-se a
etapas já enfrentadas, cujo momento não mais se admite. Restringe-se a produzir
efeitos endoprocessuais, isto é, apenas internos. Nos dizeres de WAMBIER, ALMEIDA
E TALAMINI
187
a coisa julgada material é a coisa julgada por excelência (...). A coisa julgada
formal praticamente se identifica com a idéia de fim do processo. O objeto da
coisa julgada material é qualquer sentença ou acórdão cujo conteúdo material
seja o de uma sentença.
Explicado se encontra o motivo pelo qual a coisa julgada formal produz seus efeitos
somente no processo em que a decisão foi prolatada, não obstando o aforamento de
nova demanda em processo diverso. Por outro lado, a coisa julgada material, dizendo
187
In: Curso Avançado de Processo Civil, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento,
vol. 1, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.641.
respeito não ao ato processual imunizado, mas à qualidade dos efeitos deste ato,
obstaculizam o ajuizamento de outra demanda com vistas a novamente discutir a
matéria.
188
Assim, ajuizada uma demanda, e, por conseguinte, prolatado o ato processual
consubstanciado numa sentença, caso não haja interposição de recurso, ou então,
esgotando-se todos eles, se verificará a ocorrência da coisa julgada formal, a qual nem
sempre virá acompanhada da coisa julgada material, que apenas ocorrerá nos casos
em que haja sentença de mérito. Todavia, há sete hipóteses anotadas pela doutrina
que, muito embora se tenha proferido sentença de mérito, nem sempre se verificará a
coisa julgada material, encontrando-se todas abaixo colocadas:
a) As razões de decidir. A teor do art. 469, CPC, faz coisa julgada somente a parte
decisória da sentença. Deste modo, as razões de decidir, apesar de determinar o
alcance da decisão, podem existir de maneira distinta em ações diversas. Por certo,
podem ocorrer contradições, porém, trata-se de opção (injusta, a meu ver) do
legislador. Assim, os motivos utilizados pelos magistrados para chegar à parte
dispositiva da sentença no fito de julgar procedente ou improcedente um pedido não
são acobertados pela res judicata, apenas o comando dispositivo da mesma.
Igualmente ocorre com a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da
sentença, eis que um fato pode ser verdadeiro num processo e falso noutro, face, como
exemplo, dos efeitos da revelia, de possibilidade de haver melhor instrução probatória,
ou mesmo em razão do livre convencimento do juiz.
Na totalidade dos casos acima colocados, não se veda rediscutir a lide em outro
processo, posto, por expressa disposição em lei, não serem agasalhados pela coisa
julgada. Pode-se dizer o mesmo no que se refere à questão prejudicial, decidida como
incidente no processo. Tal, de regra, também não faz coisa julgada, pois não se trata do
objeto principal da lide, visando nada mais do que ultrapassar um óbice ao julgamento
desta.
188
Esta assertiva justifica o título de nosso trabalho, visto que somente se pode admitir relativização de
coisa julgada material, e não formal, pois esta última não impede a rediscussão da matéria objeto de lide
anterior, ao passo que a coisa julgada material, em princípio veda ulterior discussão, permitindo apenas
nos casos elencados neste trabalho.
Contudo, sendo ajuizada a competente ação declaratória incidental (CPC, art. 5°), a
relação incidente abranger-se-á pela coisa julgada. Eis que aquela ação tem o condão
de, justamente, modificar os limites objetivos da coisa julgada, não alterando os limites
da cognição judicial, somente alterando, portanto, o alcance da coisa julgada material.
Nessa hipótese, a ação declaratória incidental passa a abranger determinada relação
jurídica que, apesar de ser requisito essencial para o julgamento da lide principal, não
integraria a parte dispositiva da sentença se a mesma ação declaratória incidental não
fosse aforada. Não altera, porém, os limites do objeto de conhecimento do magistrado,
sendo certo que apenas pode versar a respeito de matéria já constante do processo,
não podendo inovar.
189
Portanto, a questão prejudicial apenas seria abrangida pelos
limites objetivos da coisa julgada se ajuizada a ação declaratória incidente.
b) Sentenças processuais. Tais sentenças, enumeradas no art. 267 do Código de
Processo Civil, não chegam a julgar procedente ou improcedente um pedido, pois,
somente admitem um obstáculo processual ao conhecimento do mesmo. Servindo a
coisa julgada material para estabilizar o que fora decidido, e não sendo julgado o mérito
nessas sentenças, é de se concluir que não há impedimento à nova discussão da lide
em processo diverso, posto que a coisa julgada formal somente produz efeitos em
relação ao ato processual lançado no processo.
c) Nos procedimentos de jurisdição voluntária. Por disposição expressa em lei, sendo
cediço que, não havendo que se falar em lide a ser resolvida, há então possibilidade de
nova discussão da mesma a qualquer tempo, contanto se verifique circunstâncias
supervenientes, conforme dicção do art. 1.111 do Código de Processo Civil.
d) No Processo cautelar. O processo cautelar não se presta a julgar o mérito da ação
principal, sendo somente um instrumento para assegurar a eficácia do mesmo.
Portanto, não faz coisa julgada, exceto se for reconhecida a prescrição ou decadência
do direito do autor (CPC, art. 810), eis que tem o processo cautelar o condão de tutelar
uma situação provisória. Deixando de existir os riscos que ameaçavam o processo
principal, consequentemente deixa de existir a necessidade da tutela cautelar, fazendo
com que cessem os efeitos das medidas que por ventura tenham sido aplicadas no
189
WAMBIER, op. cit., pág. 443.
mesmo. Ressalta-se que, se improcedente o pedido elaborado no processo cautelar,
não há impedimento para que a parte o intente novamente, caso surjam novos riscos
que ensejam a aplicação da medida.
e) Nas relações jurídicas continuativas. Nos termos do que dispõe o art. 471, I, do
Código de Processo Civil, apenas quando houver mudança no estado de fato ou de
direito é que se justifica a modificação do que já fora decidido. Ex.: fixação de
alimentos.
f) As sentenças meramente “homologatórias”. Conforme estabelece o art. 486 do
Código de Processo Civil, as sentenças meramente “homologatórias” podem ser
rescindidas nos termos da lei civil, ou seja, através das ações que visam o a anulação
dos atos jurídicos em geral. Tal se justifica porque o provimento judicial, muito embora
tenha apreciado o mérito da demanda, é desprovido de eficácia de coisa julgada (CPC,
art. 467), por vontade da lei.
g) Os erros materiais. A teor do art. 463 do Código de Processo Civil, publicada a
sentença de mérito, o magistrado esgota a prestação jurisdicional, não lhe sendo dado
modificá-la (sentença). Todavia, das duas exceções existentes, uma chama a atenção:
a possibilidade de alterar a sentença, de ofício ou a requerimento da parte, para
correção de erros materiais. Caso o juiz, ao solucionar a lide, cometa erro material (que
não seja jurídico), sobre tal equívoco não ocorre coisa julgada, pois seu enunciado, a
toda evidência, não corresponde à inteligência e vontade manifestadas no ato decisório.
É por tal razão que se diz ser o erro material corrigível a qualquer tempo, sem que da
corrigenda resulte ofensa à coisa julgada, afirmação extraída de esclarecedor acórdão
proferido no julgamento do Resp nº 12.700-SP, de relatoria do Ministro Nilson Naves,
ocorrido em 28.10.1991 e publicado na RSTJ 34/378. Sobre o tema, HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR afirma que
quando se dá a hipótese do art. 463, I, do CPC – alteração da sentença para
eliminar erro material ou de cálculo – corrige-se o ato judicial não para alterar
sua substância, mas apenas para colocar sua forma em harmonia com o que
realmente foi deliberado pela inteligência e vontade do juiz no momento em
que solucionou a lide.
190
Para TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, o erro para ser enquadrado como material
“deve ser identificável a partir de padrões objetivos”, e, ademais, há “de ser possível de
ser corrigido pelo homo medius e não pode corresponder à vontade do juiz”.
191
Com efeito, os erros materiais se subdividem em inexatidões materiais e erros de
cálculos. Os primeiros constituem “toda divergência ocasional entre a idéia e sua
representação, objetivamente reconhecível, que demonstre não traduzir o pensamento
ou a vontade do prolator” (Ap. nº 146.794, 3º Gr. De Câmaras, Rel. Juiz Cezar Peluso,
RT 573/189-190; RP 78/159), enquanto os segundos abrangem os equívocos
aritméticos, bem como as inclusões ou exclusões de parcelas indevidamente.
Desta forma, afora essas sete hipóteses, as decisões judiciais induzirão coisa julgada
material, obstando nova discussão em processos futuros.
8.4 A RAZÃO DO INSTITUTO DA COISA JULGADA
Diz-se que a coisa julgada possui duas justificações: uma política e outra jurídica. A
primeira é atrelada à finalidade do processo, instrumento pacificador que possibilita a
atuação concreta da vontade da lei, porquanto esta gera mecanismos com vistas,
justamente, ao alcance deste objetivo, prevendo recursos de maneira a repelir erros
que por ventura venham a ser cometidos nas questões que são postas a julgamento. A
última, na opinião de MOACYR AMARAL SANTOS
192
, se trata de:
uma das mais controvertidas interpretações doutrinárias, conforme as teorias
adotadas: a) a da presunção da verdade contida na sentença (Ulpiano, Pothier
190
In Regularização Imobiliária de Áreas Protegidas. Organizadores Marcelo de Aquino e Pedro
Ubiratan Escorel de Azevedo. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999, p.
132.
191
Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Liquidação de sentença, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.
126).
192
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, Coleção Forense, p. 461-462.
e outros); b) a da ficção da verdade ou da verdade artificial (Savigny); c) a da
força legal, substancial da sentença (Pargenstecher); d) a da eficácia da
declaração contida na sentença (Hellwig, Binder, Stein); e) a da extinção da
obrigação jurisdicional (Ugo Rocco); f) a da vontade do Estado (Chiovenda e
doutrinadores alemães); g) a de que a autoridade da coisa julgada está no fato
de provir do Estado, isto é, na imperatividade do comando da sentença onde
concentra-se a força da coisa julgada (Chiovenda); h) a teoria de Liebman que
vê na coisa julgada uma qualidade especial da sentença.
De fato, a aplicação de tais teorias, antes de qualquer coisa, passa pela análise da
moralidade e legalidade, somadas aos demais princípios previstos na Constituição,
além da verdade imposta em virtude da natureza das coisas, se fazendo necessária a
ponderação quando ocorram decisões que contrariem postulados maiores. JOSÉ
CARLOS BARBOSA MOREIRA, explicando a razão da existência da coisa julgada,
assevera que
se as leis em regra excluem tal possibilidade (de modificação das
sentenças após o trânsito em julgado) e fazem imutável a sentença a
partir de certo momento, o fato explica-se por uma opção de política
legislativa, baseada em óbvias razões de conveniência prática.
193
É bem verdade que só ocorre a intangibilidade das situações decididas na sentença no
momento em que o legislador, por motivação política, assim o entende, admitindo-se
que em certos casos jamais se alcance o grau máximo de estabilização, conforme
antes observado (situações que não fazem coisa julgada material).
A coisa julgada está atrelada ao instituto da preclusão que, não só representa
fenômeno extintivo de direitos ou faculdades processuais com relação às partes, mas
também, numa visão objetiva, significa óbice ao retrocesso, regra válida até mesmo
para o órgão julgador. Dessa forma, nos termos do art. 473 do CPC pátrio, é defeso à
parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou
a preclusão. (..) No que cerne ao órgão judicial, a doutrina, nesse diapasão, a denomina
preclusão pro iudicato, com o fito de designar, numa feliz lembrança de JOÃO BATISTA
193
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada. In Temas de
Direito Processual Civil. 3 série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 103.
LOPES, uma espécie particular e imprópria de preclusão, que seria um impedimento ou
obstáculo ao juiz, para o fim de vedá-lo a decidir a mesma questão mais de uma vez. A
regra, portanto, é a de que só se decide uma questão ou incidente uma única vez.
Nos dizeres de PONTES DE MIRANDA, se o juiz lançou decisão a respeito de
determinada questão de direito ou de fato e para se chegar a tal ponto houve prazo, a
preclusão afasta nova apreciação e julgamento pelo juiz. O objetivo do art. 473 foi evitar
que, após o magistrado proferir o sim, ou não, ele passe a dizer não, ou sim. Em
síntese, a coisa julgada traz em seu bojo, até mesmo como meio de assegurar o
resultado prático e concreto do processo, a vedação a nova discussão do que já foi (ou
do que poderia ter sido) discutido na fase cognitiva (GRINOVER, Ada Pelegrini.
Considerações sobre os limites objetivos e a eficácia preclusiva da coisa julgada, in
Síntese Jornal, fev. 2002, p. 3-6).
8.5 LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA
Sem a pretensão de tocar no problema da coisa julgada nas ações que se refiram à
defesa dos interesses metaindividuais, no que cerne àquelas que envolvam conflitos
individuais, é de se dizer que sua autoridade e eficácia estão limitadas ao objeto da
relação jurídica posta em juízo, daí porque a denominação de limite objetivo da coisa
julgada, ou às partes que integram tal relação processual, esta, denominada de limite
subjetivo da coisa julgada.
No aspecto objetivo, a coisa julgada incide sobre o conteúdo decisório da sentença de
mérito. Se esta, a teor do princípio da congruência, tem que estar em consonância com
o pedido autoral, é forçoso concluir que tal limite coincidirá com o objeto da demanda e
sua respectiva decisão.
194
. Trata-se da filiação pelo direito pátrio ao sistema restritivo
194
Questão que merece ser destacada seria a parcela da decisão que há de transitar em julgado. As
sentenças de procedência comportam divisões em conteúdos condenatório, constitutivo e declaratório; já
para o caso das sentenças de improcedência o conteúdo é declaratório negativo, quando afirma que o
autor não possui o direito que pleiteia. Nessa linha de idéias, merece destaque a posição que entende
que apenas o conteúdo declaratório da sentença possui força de lei nos limites da lide e das questões
decididas. Veja o Acórdão: COISA JULGADA – ATRIBUTO DOS EFEITOS DECLARATÓRIOS DA
SENTENÇA – A coisa julgada, em verdade, serve de atributo apenas ao efeito declaratório encerrado no
puro, que importa em excluir da eficácia da coisa julgada alguns pontos da sentença.
Assevera PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA que “correta está a doutrina e infeliz
o Código, pois a solução adotada não é a melhor”, ensinando que:
restringir a eficácia da coisa julgada ao dispositivo significa abandonar parte do
resultado útil do processo, desprezar significativo trabalho produzido pelo
Judiciário e multiplicar as possibilidades de decisões conflitantes, militando em
desfavor da isonomia e ampliando as oportunidades de gerar perplexidades e
desconfianças na atuação do Judiciário.
195
Observa-se, com efeito, que a incidência da coisa julgada sob o aspecto objetivo ocorre
numa visão processual, atingindo apenas a parte dispositiva da sentença, excluindo-se
os motivos, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e a
questão prejudicial decidida de forma incidental, abrangendo, contudo, no último caso,
a hipótese de ação declaratória incidental, cujo fim é o de ampliar os limites objetivos da
coisa julgada.
196
Eis que estas questões que não sofrem a incidência da res judicata
não são objeto de uma decisão por si mesmas, e sim foram apreciadas somente no fito
de decidir a demanda ajuizada pelo autor.
Apenas as soluções da lide hão de transitar em julgado. Desta forma, se fizermos a
comparação entre duas ações, há de fazê-la não entre as muitas pretensões, e sim
entre as suas decisões de mérito, de maneira que, sobrevindo alteração de fato ou
provimento jurisdicional, tornando-o imutável e insusceptível de rediscussão entre as partes, em dadas
circunstâncias. Aos outros efeitos não se pode associar a coisa julgada, pois sujeitos à modificação
decorrentes de ação das partes, como ocorre, verbi gratia, quando há o pagamento espontâneo da
dívida, circunstância que suprime o efeito executório da sentença, ou mesmo quando o há o perdão
concedido pelo credor, situação que priva a sentença de seus efeitos condenatórios. Dessa compreensão
decorre a inferência de que os limites objetivos da res judicata material serão, necessariamente,
demarcados pelo alcance da declaração encerrada no provimento judicial de mérito ou, esmiuçando a
questão, pode-se mesmo concluir que a coisa julgada só há de incidir sobre os pontos em relação aos
quais houve expressa manifestação por parte do Poder Judiciário. (TRT 13ª R. – RO 826/2001 – (64749)
– Rel. Juiz Carlos Coelho de Miranda Freire – DJPB 12.10.2001).
195
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 133.
196
É o que afirma LIEBMAN, em sua obra “Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos
sobre a Coisa Julgada”, tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à
edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente da Prof. Ada Pellegrini Grinover, 2ª ed., Rio
de Janeiro, Ed. Forense, 1981, p. 11: “Como se sabe, a exclusão da decisão sobre a questão prejudicial
da abrangência da coisa julgada vem temperada pelo instituto da ação declaratória incidental (art. 470),
que visa exatamente a que se declare, por sentença idônea a revestir-se da qualidade da coisa julgada, a
relação jurídica prejudicial”.
direito em qualquer delas, a questão que fora decidida já não será a mais mesma, ainda
que seja semelhante à anterior, quando então, não ocorre trânsito em julgado. Assim, a
coisa julgada sob o aspecto objetivo restringe-se ao comando emergente da sentença,
que, por seu turno, coincide com o pedido.
Já no que se refere ao aspecto subjetivo, isto é, no que toca aos sujeitos a quem a
decisão venha causar prejuízo ou trazer benefício, a regra é que a coisa julgada atinja
somente as partes, não gerando reflexos a terceiros (que não participaram da lide),
nada obstante haver a possibilidade de lhes ser dirigida a eficácia da sentença. Pois,
ante o princípio anotado no art. 472 da lei processual civil pátria, a extensão da coisa
julgada não incide a estranhos a lide (terceiros), não podendo a sentença trazer
conseqüências prejudiciais ou benéficas a estes.
Contudo, a regra acima é criticada por nossos processualistas, eis que, em que pese
terceiros estranhos à lide não poderem sejam atingidos pela coisa julgada, mas sim
pela sua eficácia, a complexidade da matéria é notória e o esgotamento do tema fugiria
do objeto do presente trabalho.
Neste diapasão, hipoteticamente diz-se que, mesmo havendo demandas idênticas,
vistas sob o aspecto do elemento causal, a solução do primeiro processo não irá afetar
em momento algum a solução do segundo, seja pelo aspecto objetivo ou subjetivo. Isto
significa que as partes que integraram o segundo processo podem estar diante de
solução diferente da do primeiro, com o que se conclui que o resultado de ambos,
embora diversos, não atinge estranhos ao processo em que foi dada a solução. De fato,
tal solução pode até soar estranho ao povo quando se vem a pensar que determinada
sentença reside uma solução considerada justa, daí a incompreensão no momento em
que se depara com solução diversa para idênticos casos, não atingindo, os efeitos, a
quem não participou do processo. Por isso, PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA
sustenta que:
muito mais acertado seria o Direito Processual pátrio optar pela extensão dos
efeitos da coisa julgada a todas as questões efetivamente decididas, desde
que relativas a fatos jurídicos concretos e indissociáveis da conclusão última
da sentença.
197
Nada obstante a questão não seja pacífica de resolução e, repete-se, extrapola o objeto
deste modesto trabalho, correto seria que, embora cediça a dificuldade na delimitação
da coisa julgada, não se deva acatar a assertiva acima, em virtude das garantias
processuais elencadas na própria Constituição, principalmente o direito de defesa e o
devido processo legal. Acatá-la ante o argumento de que a preocupação do magistrado
seria somente com os pontos que não foram objeto de análise no primeiro julgamento,
a toda evidência facilitaria a sua atuação, esticando os efeitos da sentença a pessoas
que não demandassem com base em igual fundamento ou causa de pedir, vez que esta
já estaria estabelecida de maneira incontroversa. No entanto, de outra banda, a defesa
do réu noutro processo ficaria limitada pela decisão proferida em processo no qual
sequer fez parte, o que consistiria numa direta e inaceitável ofensa ao direito
constitucional da ampla defesa.
LIEBMAN diferencia a eficácia natural da sentença e a autoridade da coisa julgada,
asseverando que aquela atinge a todos (partes e terceiros) em razão da idoneidade dos
atos estatais, e a última, somente as partes, fato reconhecido pela processualística civil
brasileiro. Com efeito, BARBOSA MOREIRA afirma que
quanto aos efeitos da sentença – que não se confundem com a autoridade da
coisa julgada –, o Código reconhece claramente, segundo revela o exame
sistemático, que eles são capazes de atingir a esfera jurídica de terceiros, seja
embora por via reflexa. É o que explica a existência de institutos como a
impropriamente chamada assistência litisconsorcial, que pressupõe idoneidade
da sentença para influir na relação jurídica entre o assistente litisconsorcial e o
adversário da parte assistida (art. 54), e o do recurso do terceiro prejudicado
(art. 499 e § 1º).
198
197
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 135.
198
BARBOSA MOREIRA, apud LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros
Escritos sobre a Coisa Julgada, tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires; tradução dos textos
posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente da Prof. Ada Pellegrini
Grinover, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1981, p. 131.
EDUARDO J. COUTURE nos ensina que “a autoridade da coisa julgada é, pois, uma
qualidade ou atributo próprio da sentença que emana de um órgão jurisdicional quando
haja adquirido o seu caráter definitivo”
199
, tese essa amparada na doutrina de
LIEBMAN, quando afirma que:
a linguagem induziu-nos, portanto, inconscientemente, à descoberta desta
verdade: que a autoridade da coisa julgada não é o efeito da sentença, mas
uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos,
quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias de
sentenças.
200
É de se concluir, portanto, que a coisa julgada material apenas é observada no que diz
respeito às partes do processo ao qual se deu a respectiva decisão, bem como aos
terceiros que tenham sido indiretamente atingidos por ela. Quanto a estes, como ato
jurídico que é, a sentença se valida em razão da sua eficácia natural. Sob outro ângulo,
caso o decisum proferido ferir diretamente o interesse de estranhos à relação
processual, tal interesse será jurídico, podendo esses reativar a discussão da matéria
em processo diverso, eis que a coisa julgada deve ser enxergada sob seus limites
subjetivos, considerando, pois, na doutrina de ENRICO TULIO LIEBMAN, a
indiscutibilidade da sentença, sendo esta uma qualidade que toca apenas às partes do
processo.
8.6 A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA
Adicionado às suas qualidades, a sentença possui efeitos e eficácia que a torna
imutável e indiscutível no processo. Paralelo a isto, há o que denominamos de eficácia
preclusiva da coisa julgada. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, nas palavras
abaixo, descreve que:
199
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 3ª ed. Buenos Aires: Depalma,
1985, p. 401.
200
LIEMBAN, Enrico Tulio, op. cit., p. 6.
a eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se no impedimento que surge,
com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação das questões suscetíveis
de incluir, por sua solução, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não
examinadas pelo juiz. Essas questões perdem, por assim dizer, toda a
relevância que pudessem ter em relação à matéria julgada. Posto que se
conseguisse demonstrar que a conclusão seria diversa, caso elas houvessem
sido tomadas em consideração, nem por isso o resultado ficaria menos firme;
para evitar, pois, dispêndio inútil de atividade processual, simplesmente se
exclui que possam ser suscitadas com o escopo de atacar a res iudicata. Se a
decisão é das que só produzem coisa julgada formal, o efeito preclusivo
restringe-se ao interior do processo em que foi proferida; se é das que geram
coisa julgada material, como a sentença definitiva, o efeito preclusivo projeta-
se ad extra, fazendo sentir-se nos eventuais processos subseqüentes. Daí
qualificar-se de pan-processual a eficácia preclusiva da coisa julgada
material.
201
Na verdade, se refere a um dos efeitos que ressaem da coisa julgada, incidindo sobre
os fundamentos do decisório que, em si mesmo, tornou-se abarcado pela autorictas res
judicata. A eficácia preclusiva atinge as questões de fato, jurídicas e as que se
resolvem através da aplicação do direito ao fato e se referem à relação jurídica sobre a
qual diz respeito o pedido (questões prejudiciais em sentido próprio), conforme feliz
expressão de Barbosa Moreira.
A eficácia preclusiva não incide sobre fatos que ocorram após a sentença, vindo a
atingir as quaestio facti eventualmente desconhecidas pela parte. Portanto, assemelha-
se à coisa julgada, reclamando, desta maneira, semelhante tratamento, inclusive no
que cerne à sua relativização. De frente a uma decisão passada em julgado a que se
pretende relativizar, eventual eficácia preclusiva a ela somada de igual forma sofrerá a
incidência dessa relativização, eis que não é crível imaginar que somente aquilo que
estivesse explícito na decisão, nas hipóteses citadas, seria abrangido pela relativização
e assim não ficando a questão albergada pela eficácia preclusiva.
201
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada Material no Sistema do
Processo Civil Brasileiro. In Temas de Direito Processual Civil. 1ª série, 2ª ed., São Paulo: Saraiva,
1988, p. 100-101.
8.7 O ENQUADRAMENTO DA COISA JULGADA
O ponto inicial para se admitir, ou não, relativização da coisa julgada, objeto de aviltada
divergência, é o enquadramento normativo do referido instituto, isto é, se de base
constitucional ou infraconstitucional.
ARAKEN DE ASSIS afirma que “em primeiro lugar, a proibição se dirige ao legislador,
ante a explícita menção inicial à figura da ‘lei’. E segue asseverando que “como quer
que seja, aos iniciados salta à vista que, aludindo à coisa julgada, a Constituição
protege contra a hipotética retroação de lei o provimento judiciário que reconheceu
algum direito ao particular.
202
Nesta linha de raciocínio, CARLOS VALDER DO
NASCIMENTO
203
entende que “a relação jurídica material não guarda qualquer
pertinência com a Constituição, posto ser assunto ali não versado”, aduzindo ainda que
as regras inerentes a res judicata são regras no plano da lei ordinária que, por
determinação do comando superior, não pode contrariar o que já foi decidido
pelo Poder Judiciário, cuja sentença enfrentou o mérito, assim passando em
julgado.
E conclui que
conquanto tenha sido prestigiada pelo legislador constituinte, não se pode dizer
que a matéria em questão tem a sua inserção na Constituição da República,
porque esta não regula matéria de natureza estritamente instrumental. O
dispositivo que nela se contém é, todavia, no sentido de proteger a coisa
julgada na seara infraconstitucional, impedindo que a legislação ordinária
pudesse alterar a substância daquilo que foi decidido, restringindo ou
ampliando o seu objeto.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA
204
dizem que:
202
ASSIS, Araken. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional. In: Revista Jurídica 301 –
Novembro/2002, p. 7-29.
203
Op. cit. pág. 8.
204
In RT 795/21.
a Constituição Federal de 1988 não dispensou tratamento constitucional ao
instituto da coisa julgada, ao contrário do que ocorre com a Constituição
Portuguesa que, em seu art. 282, n. 3, expressamente faz a ressalva em
relação aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, deles excluindo a
coisa julgada. Desta forma, no direito português, reconhecida a
inconstitucionalidade de uma norma em que se arrimou a coisa julgada, esta
mesma norma não serve de fundamento para a sua desconstituição.
Há também os que dizem que a normatização da coisa julgada em sede constitucional
é matéria de direito intertemporal, consagrando o princípio da irretroatividade da lei
nova, visto que à nova lei não é dado abrigar outra regra de normatização da relação
jurídica objeto da decisão judicial transitada em julgado, sendo uma garantia aos
jurisdicionados.
Em que pese a garantia da coisa julgada constar expressamente na Constituição
Portuguesa, o autor português PAULO OBTER, destacando a importância da
determinação dos limites à liberdade dada ao legislador infraconstitucional na definição
das normas de eficácia temporal, não entende que seja possível prevalecer decisões
que afronte a Constituição. Entende sim, que o princípio da constitucionalidade é,
irrestritamente, de hierarquia superior ao da intangibilidade da coisa julgada.
205
Afirma
que:
a sentença violadora da vontade constituinte não se mostra passível de
encontrar um mero fundamento constitucional indirecto para daí retirar sua
validade ou, pelo menos, a sua eficácia na ordem jurídica como caso julgado.
Na ausência de expressa habilitação constitucional, a segurança e a certeza
jurídicas inerentes ao Estado de Direito são insuficientes para fundamentar a
validade de um caso julgado inconstitucional.
206
O protecionismo constitucional à coisa julgada não exime que o legislador determine
regras para a sua quebra através da atividade jurisdicional. Esse pensamento é exposto
por JOSÉ AFONSO DA SILVA, quando aduz que
205
Pela Constituição Portuguesa é possível falar em choque de princípios, pois a coisa julgada é elevada
à garantia constitucional, o que não ocorre com a Constituição Brasileira, em que a garantia da coisa
julgada é elevada no plano normativo-constitucional para ser garantida contra lei, e não contra os demais
atos judiciais.
206
OTERO, Paulo. Op. cit., págs. 60/61.
a lei não prejudicará a coisa julgada, quer tutelar-se esta contra atuação direta
do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou
anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o
fez o art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de
ação rescisória
.
207
Analisando a citada proteção constitucional da coisa julgada, JOSÉ MARIA
TESHEINER, após transcrever o conteúdo do inciso XXXVI, anota que “em essência, o
que aí se veda é a lei retroativa, isto é, lei posterior para reger fatos passados”, e
conclui afirmando que “para a observância da Constituição, o importante é que não se
rescinda a sentença por violação de norma superveniente”
208
.
Nesta esteira de raciocínio, o Ministro JOSÉ AUGUSTO DELGADO ensina que “a
proteção constitucional da coisa julgada não é mais do que uma das muitas faces do
princípio da irretroatividade da lei”, salientando que a abrangência constitucional da
coisa julgada se dá somente com relação aos atos normativos primários, de nível
infraconstitucional, senão vejamos:
O tratamento dado pela Carta Maior à coisa julgada não tem o alcance que
muitos intérpretes lhe dão. A respeito, filio-me ao posicionamento daqueles que
entendem ter sido vontade do legislador constituinte, apenas, configurar o
limite posto no art. 5º, XXXVI, da CF, impedindo que a lei prejudique a coisa
julgada.
209
Essa opinião é compartilhada por JOSÉ ARNALDO VITAGLIANO, verificando
(...) ao analisarmos estas Constituições estrangeiras, que a nossa Magna
Carta não tem uma redação mal elaborada; nosso texto constitucional nada
deixa a desejar em comparação com os demais, muito pelo contrário, trata-se
de um dos melhores textos ao apresentar a coisa julgada, ao lado do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito, intocável perante o legislador ao realizar o
processo legislativo, mas não perante a justiça quando não completa, quando
207
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989, p. 376.
208
TESHEINER, José Maria. Eficácia da Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil. Ed. RT, 2001,
p. 237.
209
Texto básico da palestra proferida, em Fortaleza, no dia 20 de dezembro de 2000, no I Simpósio de
Direito Público da Advocacia-Geral da União, 5ª Região, promovido pelo Centro de Estudos Victor Nunes
Leal, in Coisa Julgada Inconstitucional, Rio de Janeiro, Ed. América Jurídica, 2002, p. 84.
não existindo como um ato juridicamente perfeito, permitindo, nossa Carta
maior, o julgamento do mesmo fato através da garantia do amplo acesso ao
judiciário, sempre que houver legítimo fundamento para que isso possa ser
realizado (sic).
210
O constituinte, no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, ao assegurar a coisa
julgada em virtude da lei, entendeu que minus dixit quam voluit, ou seja, a garantia
constitucional da coisa julgada possui maior amplitude do que se pensa, de modo que
alcance não só os atos legislativos, mas também os atos judiciais, não tendo as partes
o direito de ação ou de defesa no fim de discutir matérias antes decididas.
Com efeito, necessário depreender pela leitura do dispositivo constitucional que a coisa
julgada está a salvo de lei que porventura altere a relação jurídica a qual aquela se
baseou. Portanto, atos normativos primários. Por outro lado, não impede que outra
decisão judicial venha modificá-la, mesmo porque, caso isso prevalecesse, o conteúdo
normativo da ação rescisória seria, num raciocínio lógico, inconstitucional.
Desta maneira, em que pese estar a coisa julgada elevada à categoria de princípio
constitucional, a mesma possui como um de seus fins salvaguardar do princípio da
independência dos Poderes, o que pode ser aferido pelo próprio texto constitucional,
que tem comando dirigido ao legislador. Assim, quer se dizer que o próprio Judiciário
tem a possibilidade de rever a coisa julgada, devendo, nesse caso, o fazer pelo meio
adequado, o que, repita-se, não é dado ao legislador, eis que se estaria contrariando o
princípio da segurança das relações jurídicas (um Poder fazia, e o outro desfazia).
Isto explica o motivo por que a coisa julgada somente alcança os atos perpetrados pelo
legislador, não obstruindo nova apreciação de caso já julgado, caso haja violação a
alguma norma constitucional, posto que o princípio da constitucionalidade, como se
sabe, é de hierarquia inelutavelmente superior à garantia da coisa julgada.
Inegavelmente, somente compreende-se a coisa julgada através da análise de seus
limites objetivos e subjetivos (CPC, art. 468 e art. 472, respectivamente), cuja fixação
ficou a cargo do legislador ordinário, porquanto, como muito já falado, a Constituição
210
VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 72,
13 set. 2003.
Federal apenas pôs a salvo referido instituto de eventual produção legislativa (não o
pôs a salvo, diferentemente, de outra decisão judicial).
Far-se-ia letra morta a coisa julgada sem a correta definição dos seus limites, que estão
dispostos em sede infraconstitucional, restando concluir que a proteção dada pela Carta
Magna a tal instituto apenas alcança os atos legislativos, de modo que, caso assim
entenda, basta ao legislador ordinário alterar os dispositivos que traçam ditos limites, ou
até mesmo acrescentar no rol do art. 471 do Código de Processo Civil hipóteses não
alcançáveis pela res judicata. Este, inclusive, é o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, conforme se denota pelos julgados a seguir transcritos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
COISA JULGADA – ALEGAÇÃO DE OFENSA DIRETA – INOCORRÊNCIA –
LIMITES OBJETIVOS – TEMA DE DIREITO PROCESSUAL – MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL – VIOLAÇÃO OBLÍQUA À CONSTITUIÇÃO –
RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO – Se a discussão em torno da
integridade da coisa julgada reclamar análise prévia e necessária dos
requisitos legais, que, em nosso sistema jurídico, conformam o fenômeno
processual da res judicata, revelar-se-á incabível o recurso extraordinário, eis
que, em tal hipótese, a indagação em torno do que dispõe o art. 5º, XXXVI, da
Constituição – por supor o exame, in concreto, dos limites subjetivos (CPC, art.
472) e/ou objetivos (CPC, arts. 468, 469, 470 e 474) da coisa julgada
traduzirá matéria revestida de caráter infraconstitucional, podendo configurar,
quando muito, situação de conflito indireto com o texto da Carta Política,
circunstância essa que torna inviável o acesso à via recursal extraordinária.
Precedentes. (STF – AGRRE – 220517 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello
– DJU 10.08.2001 – p. 00015)JCPC.472 JCPC.468 JCPC.469 JCPC.470
JCPC.474 JCF.5 JCF.5.XXXVI
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ALEGAÇÃO DE OFENSA INDIRETA AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A COISA JULGADA (ART.
5º, XXXVI) – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – INADMISSÃO – AGRAVO DE
INSTRUMENTO – AGRAVO REGIMENTAL – 1. Se, mesmo admitida a
tempestividade do Agravo de Instrumento, não se evidencia, no Agravo
Regimental, o cabimento do RE, não é de receber provimento, para a subida
deste. 2. É pacífica a jurisprudência do STF no sentido de não admitir, em RE,
alegação de ofensa indireta a Constituição Federal, por má interpretação de
normas infraconstitucionais sobre limites objetivos e subjetivos da coisa
julgada. (STF – AGRAG 168.802 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Sydney Sanches –
DJU 22.03.1996)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – COISA
JULGADA – Só quando partir a decisão recorrida de erro conspícuo quanto ao
conteúdo e a autoridade, em tese, da coisa julgada é que se terá questão
constitucional a resolver em recurso extraordinário; não, porém, quando o
reconhecimento da ofensa ao art. 5º, XXXVI, da Constituição, depender do
exame, in concreto, dos limites objetivos da coisa julgada. (STF – AGRAG
143.712 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 02.06.1995)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO TRABALHISTA – COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA – PORTARIA Nº 2.339/1977, DO BANCO DO BRASIL S.A
– COISA JULGADA – LIMITES OBJETIVOS – MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL – OFENSA INDIRETA A CONSTITUIÇÃO
COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DO MINISTRO-RELATOR PARA NEGAR
SEGUIMENTO A RE (RISTF, ART. 21, § 1º; LEI Nº 8.038/1990, ART. 38) –
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO – O tema da complementação da
aposentadoria dos empregados do Banco do Brasil S.A., por traduzir matéria
de caráter meramente interpretativo de normas consubstanciadas em portaria,
não legitima o acesso a via recursal extraordinária, eis que a alegação de
ofensa a norma constitucional que protege a autoridade da coisa julgada,
deduzida a partir da inobservância dos seus limites objetivos, caracterizaria,
quando muito, situação de conflito indireto com o texto da Carta Política,
insuficiente, só por si, para justificar a utilização do apelo extremo.
Precedentes. A questão pertinente a definição formal dos limites objetivos da
res judicata submete-se ao domínio normativo da lei ordinária, não se
revestindo, em conseqüência, da estatura constitucional necessária a
interposição do recurso extraordinário. A competência monocrática deferida ao
Relator para negar seguimento a recurso manifestamente improcedente não
derroga o princípio da colegialidade, que resulta preservado, no âmbito do
Supremo Tribunal Federal, pelo cabimento do recurso de agravo das decisões
singulares proferidas por seus Ministros. (STF – AGRRE 115.949 – SP – 1ª T.
– Rel. Min. Celso de Mello – DJU 11.11.1994).
Assim, muito embora esteja previsto na Constituição Federal, a coisa julgada é instituto
de direito processual, tornando intangível a vontade concreta da lei que exprime a
sentença, de modo a criar, desta feita, vínculos de cunho eminentemente processual
que obstam o reexame, por qualquer órgão jurisdicional, do mérito da questão decidida,
exceto quando não compatíveis os dispositivos constitucionais.
Portanto, a abrangência da norma constitucional, como já verificado, põe a coisa
julgada a salvo apenas da atividade do legislador, impedindo que tal edite leis que
venham a afrontar as decisões já consolidadas, significando dizer que, entender de
outro modo, seria impossível constitucionalmente, por exemplo, admitir a revisão
criminal a qualquer tempo em favor do réu quando vier a tona lei mais benéfica no
curso da execução penal, ou seja, seria concordar que uma matéria infraconstitucional
ditasse a hierarquia em comparação a uma norma constitucional.
9 A INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA
Já foi dito que sempre se enxergou a coisa julgada como fenômeno de estabilização
social, o que constitui verdade inquestionável, pois foi criada com o fim de salvaguardar
a segurança e a certeza das relações jurídicas, afastando o mal tanto para o processo
quanto para a sociedade em geral, sendo inegável as benesses que o instituto
simboliza na pacificação dos conflitos. Desta forma, solucionada a questão através de
sentença, transitada esta em julgado, não há mais possibilidade de nova discussão em
demanda futura do que ficou estabelecido como verdade, eis que, se assim não fosse,
abrir-se-ia margem para nova decisão acerca de matérias já decididas, fazendo com
que as partes nunca tenham a plena certeza do que foi resolvido pelo direito.
Tal estabilização, portanto, atinge as partes do processo, fazendo com que nenhum
outro juiz possa novamente julgar uma lide que já fora resolvida, pois essa questão
tornou-se imutável e indiscutível não só dentro do processo em que proferida, mas
também em qualquer outro.
Também já se salientou que a coisa julgada, apesar de prevista no texto constitucional,
é na verdade matéria que cerne ao campo infraconstitucional, mais precisamente o
processual. Assim, a coisa julgada apenas se mostra impermeável no caso de não
contrariar os mandamentos da Carta Maior, pois contrariando, admite-se o ataque ao
instituto, por possuir a sentença vício de gravidade maior, insanável. Eis que a
Constituição Federal antevê a proteção da coisa julgada contra lei superveniente,
ficando a cargo do direito infraconstitucional estabelecer o alcance do instituto, podendo
inclusive criar situações em que não ocorre a incidência do fenômeno (vide capítulo 8).
A isto, adicionam-se a ação rescisória e a revisão criminal, que tem o condão de
justamente atacar sentenças transitadas em julgado.
A questão de choques entre os princípios é objeto de longa discussão entre os
constitucionalistas, com vistas a extrair qual o princípio que prevaleceria diante do caso
concreto, sendo certo que se deve sacrificar o de menor importância em detrimento
daquele de maior peso, vindo este a prevalecer.
Porém, assim não ocorre com a coisa julgada. È bem verdade que é possível que haja
choque entre os princípios da constitucionalidade e da intangibilidade da coisa julgada,
mas aí, nesse caso, pergunta-se, qual deles irá prevalecer? Sendo certo que a garantia
da coisa julgada é de natureza infraconstitucional, a resposta é simples, porquanto
havendo choque entre ambos os princípios mencionados, sempre prevalecerá o
primeiro, devido à inferioridade hierárquica do segundo.
Com efeito, LIEBMAN, em excelente trabalho sobre a coisa julgada, diz que “a
autoridade da coisa julgada não é um caráter essencial e necessário dos atos
jurisdicionais, mas somente um instituto disposto pela lei por motivos de oportunidade e
de conveniência política e social”.
211
Assim, não se pode dar à coisa julgada a
conotação que hoje se presta, qual seja, a de que o comando declaratório da sentença
seja imutável e indiscutível no processo, em todos e quaisquer casos, pois há razões
superiores para excluir tal garantia em certos casos, sejam eles específicos, sejam
genéricos, de violações a princípios maiores.
Por tal razão é que a intangibilidade da coisa julgada somente ocorre se a decisão
estiver em consonância com a Constituição. A propósito, como já salientado, a
ausência de hierarquia entre os Poderes do Estado tornam os atos praticados pelo
Judiciário, ou aqueles praticados pelos demais Poderes, passíveis de serem
questionados, não havendo falar em óbice constitucional algum. Deste modo, as
decisões provenientes do Judiciário, sendo também atos estatais, pois praticados por
agentes dotados de investidura, podem ser questionados da mesma forma que aqueles
praticados por agentes dos Poderes Executivo e Legislativo, resguardadas, porém, as
peculiaridades de cada caso concreto.
No entanto, não é bem assim que tem ocorrido, pois sempre se pensou nas decisões
judiciárias com o fim de garantir a segurança e certeza, motivo por que se exclui a
possibilidade de rediscutir decisões transitadas em julgado, sendo certo que os demais
poderes também possuem tal objetivo.
211
LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa
Julgada, tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945
e notas relativas ao direito brasileiro vigente da Prof. Ada Pellegrini Grinover, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed.
Forense, 1981, p. 122.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
212
, trilhando o pensamento de PAULO OTERO,
afirma, com correção, que:
a idéia de imutabilidade inerente à coisa julgada deve ser compreendida em
seus reais contornos. É que a irrevogabilidade presente na noção de coisa
julgada apenas significa que a inalterabilidade de seus efeitos tornou-se
vedada através da via recursal e não que é impossível por outras vias.
Tal afirmação pode ser comprovada através da ação rescisória e da revisão criminal,
ambas de cunho infraconstitucional, em que se previu que, havendo graves vícios, a
segurança e certeza oriundas da coisa julgada podem ser afastadas em razão de
valores maiores, como o respeito à justiça das decisões
.
213
Por certo a coisa julgada, objetivando “evitar a anarquia, a lesão de direito e o
descrédito da justiça”
214
, detém característica de definitividade e intangibilidade quando
de acordo com o texto constitucional, de modo que, pensamento contrário significa
abraçar uma injustiça que vai de encontro aos mandamentos maiores sob o argumento
de evitar a possibilidade de incertezas jurídicas.
Por outro lado, os atos do Legislativo e do Executivo que sejam contrários às normas
ou princípios constitucionais, não tem a característica da definitividade, podendo-se
atacá-los a qualquer tempo, no fim de adequá-los ao modelo proposto pelo legislador
constitucional, o que pode ser confirmado com a Súmula nº 473
215
do Supremo Tribunal
Federal, que permite a anulação e/ou revogação dos atos praticados pelo Poder
Público.
212
Op. cit. p. 138.
213
Na fase do Brasil Colônia havia identidade com o instituto da coisa julgada do sistema português.
Este, por seu turno, se dissociava do sistema romano. Entretanto, atualmente nossa posição em relação
a esse instituto é semelhante a coisa julgada em Portugal. Significa que a correção do caso julgado
continua a ser entendido sob a ótica da lei ordinária, infraconstitucional, portanto, naqueles casos em que
a lei expressamente está a autorizar, limitados, porém, ao remédio da ação rescisória, sujeita a prazo, ou,
eventualmente, à ação de nulidade de ato jurídico, quando configurada a hipótese de inexistência ou de
nulidade ipso iure.
214
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo:
Saraiva, 1994, p. 187.
215
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
Mesmo porque, se um ato ilegal é praticado pela administração pública, ainda que a
ilegalidade seja à lei infraconstitucional, aquele não gera direitos, e assim, com muito
mais razão se diz quando a ilegalidade é à Constituição Federal. Se não há hierarquia
entre os Poderes de Estado
216
, conclui-se que os atos lançados pelo Poder Judiciário,
quando maculados de vícios que os tornem ilegais, ainda que na sua atividade
judicante, também não tem o condão de gerar direitos.
Para tanto, adoto a idéia de se analisar restritivamente a Súmula nº 473 do Supremo
Tribunal Federal em relação ao Poder Judiciário, quando o ato seja decisão judicial
ilegal. Pois, de maneira diversa se verifica com os atos administrativos praticados pelo
Executivo ou pelo Legislativo, cuja afronta ao modelo legal, ainda que
infraconstitucional, não gera direitos, apenas se afasta a intangibilidade da coisa
julgada após o prazo de dois anos da ação rescisória (art. 495 do Código de Processo
Civil), quando a inconsistência da decisão ocorrer em relação ao modelo constitucional.
Se a afronta da sentença for à normatização infraconstitucional, admitir-se-ia, depois da
formação da coisa julgada, o uso da ação rescisória, remédio cujo objetivo é
desconstituir o julgado eivado de vício.
Essa idéia objetiva não apenas pacificar os posicionamentos divergentes que
eventualmente advenham da relativização da coisa julgada, mas também proteger a
Ordem Maior, eis que, induvidosamente, se determinada matéria encontra-se disposta
na Constituição, é porque o legislador reconheceu a sua importância no cenário da
estabilização legislativa, somado à rigidez da Carta Política de 1988, a teor do confronto
entre os arts. 47 e 60.
Assim, contrariada norma infraconstitucional, bem como transitada em julgado uma
decisão, apenas é possível fazer uso da ação rescisória, igualmente de cunho
infraconstitucional, desde que preenchidos os pressupostos e condições,
principalmente o prazo decadencial de dois anos previsto no Código de Processo Civil,
em seu art. 495. Entretanto, se a contrariedade da decisão ocorrer em relação à norma
constitucional, tal caracteriza-se pela insanabilidade, de modo que a impermeabilidade
216
Já mencionamos anteriormente que melhor seria a expressão “Funções de Estado”, ao invés de
Poderes. Entretanto, por amor à terminologia adotada pela Constituição Federal, trataremos das
“funções” como se fossem poderes.
seja relegada a plano inferior, em nome dos ideais de justiça inseridos na própria
Constituição, caso em que é impossível excluir o controle do ato jurisdicional, isto a
qualquer tempo, para que não ocorra a eternização de injustiças.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO NETO
217
, discorrendo sobre a ausência de
caráter absoluto da coisa julgada, demonstra a incorreção da expressão latina res
judicata facit de albo nigrum (a coisa julgada faz do preto branco). Tal expressão,
irradiando a preocupação com o cunho absoluto que se imprime à coisa julgada, é
revelada por PONTES DE MIRANDA, para quem “levou-se muito longe a noção de res
judicata, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra realidade, fazer
de albo nigrum e mudar falsum in verum”. Ainda, refletindo a imprescindibilidade da
ligação do instituto da coisa julgada com o equilíbrio sistemático das relações jurídicas,
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO afirma que:
em paralelismo com o bem comum como síntese dos objetivos do Estado
contemporâneo, figura o valor justiça como objetivo-síntese da jurisdição no
plano social”. E continua: “Eliminar conflitos mediante critérios justos é o mais
nobre dos objetivos de todo sistema processual.
218
Realmente é dificultoso elaborar um método rígido das hipóteses as quais se possa
desconstituí-las depois da formação da res judicata. Didaticamente falando, melhor
seria admitir a relativização do instituto só e tão somente quando se verifique afronta à
Constituição, casos em que a garantia da coisa julgada tenha ido de encontro aos
valores iguais ou superiores do resultado justo.
Essa idéia tem como marco inicial a aceitação do princípio da intangibilidade da coisa
julgada como sendo de natureza infraconstitucional, que, chocando-se com o princípio
da constitucionalidade, sempre este prevalecerá, de modo que a coisa julgada seja
intangível só quando conforme com a Constituição.
217
TRF – 1ª Região. Ag. Nº 2001.01.00.003239-9-DF, Rel. Juiz Eustáquio da Silveira. Dec. Juiz
Fernando da costa Tourinho Neto, em 29.01.2001.
218
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 8ª ed., São Paulo, Malheiros,
2000, p. 293.
Ademais, se mesmo nos ordenamentos jurídicos que elevam a garantia da coisa
julgada contra atos jurisdicionais ao patamar constitucional, tal como o português, não
prevalece a coisa julgada que contrarie à Constituição, com muito mais razão diz-se
naqueles, como o brasileiro, em que tal garantia tem nível processual (e não
constitucional).
No que tange à diversificação de tratamentos que se dispensa tanto à coisa julgada
ilegal quanto à inconstitucional, PAULO OTERO justifica tal abordagem com a
sabedoria que lhe é peculiar, aduzindo que uma decisão proveniente do Poder
Judiciário que afronte à Constituição significaria transformar a função do Poder
Judiciário na de legislador, o que contrariaria a separação de Poderes, porquanto:
O que verdadeiramente está em causa nas decisões judiciais inconstitucionais
não é a violação de uma vontade jurídica dotada de idêntica legitimidade
constitucional, tal como sucede nas decisões judiciais violadoras do direito
infraconstitucional: os tribunais são titulares de um poder constituído e não
constituinte; o poder judicial detém uma soberania exercível nos quadros da
constituição, não podendo criar decisões sem fundamento directo ou em
oposição ao preceituado na Lei Fundamental.
219
Ainda é de grande valentia reproduzir as ponderações elaboradas por CHIOVENDA,
que citado por LIEBMAN, na certeza de não ter levado em consideração a questão da
relativização do instituto da coisa julgada, anotou:
que se deva por toda a importância da coisa julgada na expressão da vontade
concreta do direito, uma verdade que deve ser entendida em toda a sua extensão:
isto é, a essa expressão da vontade concreta do direito pode e deve acrescer a
autoridade da coisa julgada....
220
Nestes termos, chega-se à conclusão que para tomar-se uma decisão como sendo
imutável, antes de qualquer coisa tem-se que asseverar sua conformidade com a
219
Op. cit. p. 61.
220
LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa
Julgada, tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945
e notas relativas ao direito brasileiro vigente da Prof. Ada Pellegrini Grinover, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed.
Forense, 1981, p. 30.
Constituição. Se desconforme, nasce a possibilidade de ser atacada; se conforme,
admite somente as vias ordinárias de impugnação, hipótese em que, ocorrendo o
trânsito em julgado, uma decisão por ventura injusta prevalecerá, eis que, nesse
diapasão, não se confronta os princípios supra citados, resguardando-se a garantia da
coisa julgada, posto não haver tutela a princípio constitucional algum.
10 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - DOUTRINA TRADICIONAL:
SENTENÇAS INJUSTAS, VIOLADORAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A complexidade das relações jurídicas atuais, a variedade de direitos subjetivos
outorgadas por infindáveis leis, somadas aos avanços tecnológicos que dia a dia vêm
alcançando resultados mais precisos nos leva à necessária reformulação do conceito
de coisa julgada. De fato, até a pouco não se tinha tanta discussão acerca dos direitos
fundamentais, dos direitos transindividuais, instrumentos democráticos postos a serviço
do cidadão, e sequer se imaginava tanta evolução no campo da ciência, principalmente
no campo da era eletrônica, informática e biomedicina.
É de se salientar que essas ciências acima citadas se desenvolveram no último século
de forma espantadora, talvez inimaginável por qualquer cidadão habitante do globo
terrestre. Isto, entretanto, não aconteceu com a função julgadora. De há muito o Poder
Judiciário é responsável pelo julgamento das lides que lhe são submetidas. E também
a garantia da coisa julgada vem estampada, como algo inerente às decisões judicial,
ganhando, sempre, foros de definitividade.
O direito, entretanto, por revelar uma sistematização de normas e princípios regentes
da vida em sociedade deve caminhar e se atentar para os fenômenos evolutivos do
mundo que ele mesmo regulamenta. Daí a razão para começarmos a repensar o
instituto da coisa julgada. Não há que se conceber como imutável uma sentença
injusta, injustiça essa entendida em sentido lato, abrangendo aquelas decisões que
violem as garantias constitucionais, os princípios da moralidade, da legalidade, e que
possam ir em direção contrária à realidade das coisas. A doutrina aponta ainda como
inconstitucionais, além das decisões que violem diretamente a Constituição, aquelas
que apliquem norma inconstitucional, tenha sido ou não objeto de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral e aquelas que deixam de aplicar
norma constitucional por entendê-la, equivocadamente, inconstitucional.
221
221
Humberto Theodoro Júnior, escrevendo sobre a diferente situação da aplicação da lei inconstitucional
e da recusa de aplicação da lei constitucional, menciona as posições do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal em relação a essas hipóteses. De fato, o Superior Tribunal de Justiça afasta a
incidência da Súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal para o caso de ofensa ao texto constitucional,
Não há como se imaginar que por uma simples homenagem ao que denominamos de
“segurança jurídica” se possa fazer prevalecer uma sentença afrontosa aos ditames
constitucionais, sentença injusta, portanto. Embora o cidadão comum não tenha, no
mais das vezes, noção do que é jurídico ou não, possui, entretanto, ínsita em sua
mente, a noção do que é justo ou injusto. Como explicar a um cidadão que, há alguns
anos atrás, foi declarado pai numa ação de investigação de paternidade julgada com
simples prova documental quando hoje, pelas modernas técnicas de investigação
(DNA, HLA), revelou que não era o verdadeiro pai, sendo este outra pessoa, também
interessado na verdade dos fatos, visto que pretende se ver juridicamente declarado
pai? A sentença anterior, certamente violando o fundamento constitucional da
cidadania, previsto no art. 1º, inciso II da Constituição Federal, ficaria perenizada por
simples apego ao princípio da segurança jurídica? A resposta a esta pergunta
inevitavelmente deve ser negativa. Um ato jurisdicional jamais poderia contrariar a
natureza. É imperioso, neste particular, que as modernas técnicas desenvolvidas a
serviço do homem sejam postas a serviço do judiciário não apenas para julgar os casos
novos, mas também para reapreciar, agora com base em substratos mais precisos,
aquelas decisões injustamente perenizadas.
JOSÉ AUGUSTO DELGADO menciona ainda outro exemplo: da sentença que,
transitada em julgado, reconheceu a ausência de alguém para efeito de sucessão
patrimonial, de acordo com as regras dos arts. 1.159 a 1.169 do Código de Processo
Civil. Tal sucessão, iniciando-se como provisória, converter-se-á em definitiva a)
só o admitindo para o caso de violação à norma infraconstitucional. Referida Súmula diz que “Não cabe
ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescidenda se tiver baseado em
texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Desta forma, a ação rescisória caberá, sem
restrições, se a controvérsia acabou em face da prevalência de tese contrária à da sentença impugnada.
O Superior Tribunal de Justiça, em suas decisões, iguala os casos de inconstitucionalidade, ou seja, dá o
mesmo tratamento à decisão que deixa de aplicar lei ordinária a pretexto de inconstitucionalidade e a que
acolhe lei ordinária rejeitando arguição de inconstituionalidade. O mestre acima citado, entretanto,
apesar de concordar com a posição do Superior Tribunal de Justiça em relação ao afastamento da
Súmula nº 343 do STF, não concorda com a igualdade de tratamento de ambos os casos. Afirma que
“não se pode, data venia, dizer que, na não-aplicação da norma infra-constitucional, se tenha configurado
uma negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença como
inconstitucional e, ipso facto, nula.” E afirma que este é, quando muito, um problema de
inconstitucionalidade reflexa, não sendo caso de questão constitucional pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. E conclui que, nesse caso (negativa de vigência de lei constitucional) a questão se
subsume ao regime comum das ações rescisórias por ofensa à lei ordinária, e não ao regime especial de
invalidação ou rescisão das sentenças inconstitucionais.
quando houver a certeza da morte do ausente; b) quando decorridos mais de dez anos
da sentença de abertura da sucessão e c) quando o ausente contar com oitenta anos
de idade e houverem decorrido cinco anos das últimas notícias suas. Pois bem, após o
trânsito em julgado dessa sentença, que reconheceu alguém como morto para fins de
sucessão patrimonial venha a ocorrer o aparecimento daquele declarado ausente,
deverá, mesmo assim, persistir a sentença? E dá a sua resposta, evidentemente de
forma negativa.
Há de haver, na esteira dessa dissertação, uma perfeita sintonia entre as decisões
judiciais e a Ordem Maior, em necessária obediência ao princípio da
constitucionalidade, que orienta as relações de hierarquia que deve haver entre
qualquer ato praticado por qualquer Poder de Estado e a Constituição. Se a coisa
julgada faz lei entre as partes (art. 467 do Código de Processo Civil), mister que tal
decisão seja consoante com a Constituição, sob pena de adentrarmos no campo da sua
invalidade.
A Constituição Brasileira não menciona expressamente a garantia da coisa julgada em
face de decisões a ela afrontosas, o que não sucede com a Constituição Portuguesa,
que menciona expressamente esta garantia em seu art. 282º, nº 3, 1ª parte. Mesmo
assim, afirma PAULO OTERO que “a eficácia ex tunc da declaração de
inconstitucionalidade em força obrigatória geral deveria, em bom rigor, determinar
também a destruição dos casos julgados fundados em normas desconformes com a
Constituição e agora formalmente banidas da ordem jurídica”.
222
Até porque a Constituição Lusitana, em seu art. 3º, nº 3, reza que “a validade das leis e
dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local depende da sua
conformidade com a Constituição”. Em verdadeira antinomia de normas constitucionais
em relação à Constituição Portuguesa, temos, de um lado, a garantia da coisa julgada,
albergando quaisquer atos jurisdicionais e, de outro, a exigência de que os atos
somente serão válidos caso conformes com a Constituição. Seria intenção do
legislador lusitano, quando menciona “leis e demais atos”, abranger apenas os atos
222
OTERO, Paulo Manuel Cunha da Costa. Op. cit., p. 49.
praticados pelo Legislativo e Executivo, deixando de fora os atos praticados pelo Poder
Judiciário? PAULO OTERO entende que não. Afirma que
também a actividade jurisdicional se encontra subordinada ao princípio da
constitucionalidade, dependendo a validade dos seus actos da conformidade
com a Lei Fundamental (art. 3º, nº 3), estando os tribunais sujeitos à lei (art.
206º), utilizado aqui o termo ‘lei’ num sentido amplo de subordinação dos
tribunais e respectivas decisões à juridicidade.
223
Pensamentos contrários ao esboçado se firmam unicamente no fator estabilidade e
segurança das relações jurídicas, o que é, sem dúvida, vacilante e questionável sob o
risco de se permitir ao Poder Judiciário não apenas dizer o direito aplicável in concreto,
mas sim, se arvorar em verdadeiro legislador constituinte ao negar a possibilidade de
corrigir um erro visivelmente estampado na Ordem Maior. Ainda nas palavras de
PAULO OTERO:
na realidade a certeza e a segurança são valores constitucionais passíveis de
fundar a validade de efeitos de certas soluções antijurídicas, desde que
conformes com a Constituição. Todavia, tais valores carecem de força positiva
autónoma para conferir validade a actos jurídicos inconstitucionais
.
224
A coisa julgada teria, assim, no máximo, força definitiva em decorrência de violação de
lei infraconstitucional, o que não ocorre quando da violação de normas constitucionais.
De forma a ilustrar o aqui discutido, interessante mencionarmos o estudo levado a
efeito por NORBERTO BOBBIO, a respeito da antinomia entre normas de diferentes
hierarquias. Em relação ao critério hierárquico, afirma que
é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a
hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori. Uma das
conseqüências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas
223
Op. cit., p. 31.
224
Op. cit., p. 60-61.
superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar
as superiores.
225
Assim, havendo conflito entre norma infraconstitucional e norma constitucional,
prevalece esta última. Por isso, jamais poderá uma decisão judiciária violar norma ou
princípio constitucional, não apenas porque a coisa julgada se equipara à lei e esta tem
de obedecer ao princípio da hierarquia, mas também em virtude da ausência de
prevalência dos atos emanados do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes.
Ao proferir uma decisão judicial, primeiramente o julgador há de aferir sua adequação
constitucional. Somente se perfeitamente nela enquadrável é que poderá, sem viciá-la,
proferir seu veredicto a regular a situação entre os sujeitos parciais do processo.
Destoante da Constituição, abre-se o campo da invalidade dos atos jurisdicionais, tal
como os demais atos praticados pelos demais Poderes, havendo a necessidade de
negar-lhes efeitos. Hodiernamente se admite a recusa de aplicação de lei pelo Poder
Executivo, quando esta destoa da Constituição; também se admite a qualquer juiz, no
exercício da judicatura, recusar a aplicação de lei quando esta se revela, prima facie,
inconstitucional. O mesmo, se não ocorre, deve ocorrer com o Poder Judiciário, em
suas devidas proporções.
Não estamos a dizer que, no confronto dos ideais de segurança e justiça, a prevalecer
esta última, e diante de uma sentença transitada em julgado que se afasta do anseio do
que seria justo, se revelaria legítimo recusar o cumprimento de uma ordem judicial. Isto
porque, em seu próprio sentido filosófico, o “justo” não é incorporado de maneira
uniforme e indistinta a todos os que se encontram debaixo de um ordenamento. O
conceito de justo seria aquilo e precisamente aquilo que a Constituição venha a pregar,
seja através de sua principiologia, seja através das normas positivadas.
O que se quer dizer é que, nesse caso, afasta-se a garantia da coisa julgada, criada
pelo ideal de segurança jurídica, e passa-se a admitir a rediscussão daquilo que foi
decidido contrariamente ao ideal de justiça, materializado na Constituição Federal. Não
se revelaria legítimo, entendemos, recusar simplesmente o cumprimento de uma
225
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4. ed. Trad. de Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. Brasília: EDUMB, 1994, p. 107.
decisão judicial. Legítimo seria apresentar as ações judiciais competentes para afastar
o cumprimento daquela ordem eivada de vício de inconstitucionalidade, injusta,
portanto.
Resta-nos, pois, repetir a lição dos romanos já mencionada, de que “a sentença que por
direito é nenhuma não produz efeito, não transita em julgado e pode ser revogada em
qualquer tempo que o interessado pretenda fazê-la valer em juízo, independentemente
do remédio da Revista, uma vez que sempre se pode dizer contra ela”.
226
Entendemos, entretanto, que tal sentença não escapa ao âmbito da coisa julgada. Isto
porque, como veremos, o próprio parágrafo único do art. 741 do Código de Processo
Civil, criado pelo art. 3º da Medida Provisória nº 1.997-37, de 11/04/2000, e que,
atualmente, decorre do art. 10 da Medida Provisória nº 2.180-25, de 24/08/2001,
observada a redação do art. 10 da Medida Provisória nº 1.984-17, de 04/05/2000,
admite a defesa da inconstitucionalidade da coisa julgada em embargos do devedor, ou
seja, diante de uma execução que, se definitiva, pode ser havida de título judicial
transitado em julgado.
De se concluir, assim, que a eficácia da coisa julgada somente se revelaria
impermeável caso a decisão judicial tenha assento na Constituição. Do contrário, seria
uma verdadeira decisão judicial inconstitucional, formadora de coisa julgada também
inconstitucional, não podendo prevalecer, sob pena de arvorarmos o Poder Judiciário
em verdadeiro legislador, a editar lei entre as partes destoante da Constituição, o que
não se revela razoável num Estado Democrático de Direitos.
226
COSTA, Moacyr Lobo da. A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 159.
11 O RECONHECIMENTO JURÍDICO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL
Sob a inspiração do § 79-2 da Lei do Bundesverfassungsgericht e do § 767 da ZPO, a
tese que ora se esboça foi recentemente erigida ao plano normativo pela Medida
Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que, em seus arts. 9º e 10,
acrescentou o parágrafo 5º do art. 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem
como o parágrafo único ao art. 741 do Código de Processo Civil, os quais possuem a
seguinte redação:
Art. 884, § 5º da CLT: Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou
ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou
em aplicação ou interpretação tidos por incompatíveis com a Constituição
Federal.
Art. 741, parágrafo único, do CPC: Para efeito do disposto no inciso II deste
artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato
normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em
aplicação ou interpretação tidos por incompatíveis com a Constituição Federal.
As discussões doutrinárias, pelo visto, vêm dando resultados quando a tese por elas
levadas à discussão ganham foros de legalidade e inserção positivada no ordenamento
processual, de forma a permitir ao executado opor-se à execução com base em título
executivo que albergue questão inconstitucional. Isto porque assistimos ao
aparecimento de uma nova consciência na processualística moderna, quando uma
decisão incompatível com a Constituição vem pretender gerar inconcebíveis efeitos.
Para evitar que isso aconteça, vem a prevalecer a tese da nulidade da coisa julgada
constituída em desconformidade com o modelo traçado pelo legislador constituinte,
vício esse que pode ser combatido a qualquer tempo, independentemente da utilização
dos recursos cabíveis na espécie. Esse entendimento, positivado no direito brasileiro,
está estampado também no entendimento da doutrina portuguesa, cuja Constituição, ao
contrário da brasileira, agasalha o caso julgado inconstitucional:
...se perante uma sentença condenatória transitada em julgado é intentada
uma posterior acção executiva, o juiz deverá proceder ao exame da
constitucionalidade do referido título executivo. Se concluir que o mesmo é
directamente desconforme com a Constituição, deve considerar improcedente
o pedido de execução, fundamentando a sua decisão na inconstitucionalidade
do respectivo título base.
227
A exigibilidade do título é pressuposto específico do processo de execução. E tal
pressuposto, como é cediço, pode ser conhecido pelo juiz de ofício. Assim, num
processo de execução cujo título tenha suporte em decisão inconstitucional, é possível
ao magistrado, de ofício, negar seguimento ao processo executivo, indeferindo a inicial
por inexigibilidade desse elemento objetivo da execução. Caso, porém, a execução
tenha prosseguimento, mandando citar o réu, este pode aduzir em embargos do
devedor a defesa constante da inexigibilidade do título executivo que, se acolhida,
redundará no retorno da situação tal como se encontrava antes da propositura da ação.
O título executivo fulcrado em sentença inconstitucional é considerado inexigível porque
se a coisa julgada inconstitucional é nula, não pode gerar juridicamente título executivo
a fundamentar eventual execução. De fato, “a exigibilidade pressupõe sempre a
certeza jurídica do título, de maneira que não gerando certeza a sentença nula,
carecerá ela, ipso facto, de exigibilidade”.
228
Não se trata de ato inexistente, visto que o
mesmo perfez os requisitos mínimos para a sua existência. Trata-se de ato que feriu os
comezinhos pilares da Norma Constitucional, sendo nulo, portanto.
Em verdade, o grande problema que se coloca é que não existe uma precisa
delimitação dos planos da existência, da invalidade e da ineficácia, o que gera
confusões de ordem estratosférica a prejudicar seus derivados, mormente os remédios
para o ataque do caso julgado inconstitucional. Se fôssemos admitir a identidade a tais
vícios, igualaríamos os efeitos desses provimentos, ambos não vinculando qualquer
das partes, não produzindo eles eficácia de coisa julgada, dispensando-se, nesses
casos, a ação rescisória e somente admitindo-se os remédios transrescisórios para o
ataque de tais vícios. Assim, nas palavras de TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER,
“de processos nulos, ou sentenças nulas, forma-se a coisa julgada e a sentença passa
227
OTERO, Paulo, op. cit., pág. 129.
228
Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., pág. 154.
a ser rescindível”.
229
Em regra, pois, com o trânsito em julgado, afora os casos de
inexistência, todas as nulidades passam a ser rescindíveis.
Assim, se antes havida dúvida de que a coisa julgada inconstitucional não poderia
subsistir no cenário jurídico, em virtude de ser considerada ato nulo, sua
desconstituição pode se dar por ação rescisória, por querela nullitatis ou mesmo em
sede de da ação incidental de embargos do devedor, caso o juiz não venha a
reconhecer, de ofício, a inexistência dos pressupostos da execução por inexigibilidade
do título.
Vale aqui a ressalva de que mister se faz, para o acolhimento dessa tese, não apenas o
juízo liminar, mas sim, a decisão do Supremo Tribunal Federal em caráter definitivo em
relação à norma tida por inconstitucional, subsistindo, outrossim, a coisa julgada
anterior albergando a força dos respectivos títulos. Ademais, também não se revela
caminho para que o vencido, nos embargos, venha a deduzir questão constitucional
não apreciada pelo Supremo Tribunal Federal de forma a pleitear, ao juízo da
execução, a declaração incidental da inconstitucionalidade de norma na qual se funda o
título executivo.
Essa é a posição majoritária estampada pela doutrina. Entendemos, entretanto, que
caso haja apenas medida liminar em relação à inconstitucionalidade da norma, viável
seria o recebimento dos embargos do executado, suspendendo o processo executivo
(art. 971, I do Código de Processo Civil) e, ato contínuo, a suspensão dos próprios
embargos, aguardando o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em relação à
matéria, em verdadeira questão prejudicial (art. 265, IV, alínea a do Código de
Processo Civil). Após a posição definitiva do Supremo Tribunal Federal a respeito da
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo questionado haveria o
prosseguimento dos embargos para então decisão acerca da exigibilidade ou não do
título executivo.
229
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 4. ed. São Paulo: RT,
1999, p. 164.
11.1 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO JUSTO VALOR: POSIÇÕES
DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXIV, bem como algumas leis ordinárias,
prevêem a possibilidade de desapropriação de imóveis, seja para fins de necessidade
pública, interesse público, finalidade social ou reforma agrária. É a perda de um bem,
com sua conseqüente indenização. Essa indenização, por força de norma
constitucional, deve ser feita de forma justa, prévia e em dinheiro.
Para alcançar a tão desejada justiça na indenização, a lei estabelece mecanismos
tendentes à consecução desse objetivo, como, por exemplo, a realização de perícia
para a correta definição do valor a indenizar. Assim, fora os casos de indenização
confisco, previsto no art. 243 da Constituição Federal (expropriação em virtude do
cultivo de culturas ilegais de plantas psicotrópicas), toda desapropriação deve ser
precedida de justa indenização.
O termo justiça, entretanto, não se revela uma via de mão única. Tanto a exigência da
justa indenização quanto os princípios da moralidade e legalidade administrativas
andam juntas, de mão dadas, não sendo exclusividade do Poder Público em relação
aos particulares, como pode parecer pela leitura do Texto Constitucional.
A garantia que ora se esposa, embora presentes no rol dos direitos individuais, possui
caráter bilateral, no sentido, de um lado, protegendo o particular de eventual
indenização inferior ao valor de mercado do imóvel e, de outro, impedindo que o Estado
pague indenizações excedentes àquele valor. Desta maneira, a garantia do justo valor
prevista na Constituição Federal é uma via de mão dupla, servindo tanto ao particular
quanto ao ente expropriante. Essa expressão foi utilizada pela Dra. YARA DE
CAMPOS ESCUDERO PAIVA, Procuradora do Estado de São Paulo, em artigo
intitulado “A Justa Indenização e a Coisa Julgada” (in Regularização Imobiliária de
Áreas Protegidas. Organizadores Marcelo de Aquino e Pedro Ubiratan Escorel de
Azevedo. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999, p.
103-110).
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO utiliza a expressão feição bifronte, afirmando que
deve a indenização, revelando sua justiça, afastar indenizações absurdamente aquém
do valor real, de maneira a violar o direito de propriedade, bem como indenizações
muito acima do valor de mercado, com o conseqüente desprezo pelos princípios da
moralidade e isonomia.
230
Em verdade, a Constituição Federal revela seu conceito de justiça sob inspiração desse
próprio ideal, visto que a justiça é anterior ao próprio Direito, dando fundamento para
todos os ordenamentos jurídicos. O Estado é, pois, estruturado no próprio ideal do
justo, traçando as regras e os princípios fundamentais. Diante disso, afirma
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que
num estado democrático de direito todo comprometido com a ideologia do justo
e do ético, nunca poderá o juiz contentar-se com o primeiro sentido encontrado
na interpretação da norma positiva, se se mostrar contaminado de evidente
injustiça e imoralidade. Terá de avançar no labor interpretativo, procurando
outro entendimento para fugir da mácula da interpretação inaceitável.
231
Nesse diapasão, eventual indenização flagrantemente acima ou abaixo do valor de
mercado contraria, além da regra ínsita no art. 5º, XXIV da Constituição Federal,
também os preceitos de moralidade insertos no art. 37 do mesmo diploma e o da
isonomia, pela evidente falta de zelo para com o patrimônio público e pela negação do
aspecto bilateral da justiça. Some-se a isso que se a indenização se der em valor
acima do de mercado estar-se-á diante de enriquecimento sem causa, com reflexos no
princípio constitucional da moralidade.
Pois bem, se estivermos diante de uma hipótese de indenização injusta, com a
condenação da Fazenda Pública a indenizar valores arbitrários, ou não dando a efetiva
contrapartida financeira ao expropriado, destoantes com o valor de mercado, tal
decisão, a despeito de ter os seus efeitos imunizados, não pode ficar a salvo de
eventual ataque. Isto porque feriu de morte disposição constitucional que alberga a
230
Op. cit., pp. 65-66.
231
In Regularização Imobiliária de Áreas Protegidas. Organizadores Marcelo de Aquino e Pedro
Ubiratan Escorel de Azevedo. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999, p.
128.
justiça da indenização, valor esse desprezado caso redunde em pagamento
evidentemente excessivo ou reduzido. Está-se, nesse caso, a ferir princípio
constitucional. Nessa linha, esclarecedoras são as palavras do Ministro LUIZ VICENTE
CERNICCHIARO, a respeito do ideal de justiça:
O direito é trânsito para concretizar o justo (...) O Judiciário tem importante
papel político... As decisões corretas devem estar finalisticamente orientadas
para o justo... Lei iníqua, impeditiva de realização plena do Estado de Direito
Democrático, precisa ser repensada. O juiz, repita-se, deve recusar aplicação
à lei iníqua, injusta. Impõe-se-lhe invocar princípios. Só assim, a interpretação
será sistemática. Criar se necessário, a norma para o caso concreto.
232
Desta maneira, possível será o ataque a esse caso julgado, flagrantemente
inconstitucional, como demonstrado nas palavras de JOSÉ AUGUSTO DELGADO:
(...) não posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada
quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os
princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela
natureza. Não posso aceitar, em são consciência, que, em nome da
segurança jurídica, a sentença viola a Constituição Federal, seja veículo de
injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar
indenizações indevidas, finalmente, desconheça que o branco é branco e que
a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa.
233
Este é apenas um dos trinta e quatro exemplos de sentenças injustas ou ofensivas aos
princípios da moralidade e da legalidade, atentatórias à Constituição, que menciona em
sua obra. Obviamente, como o próprio autor afirma, tal rol é meramente
exemplificativo. Mais uma vez nos socorrendo a DINAMARCO, o mestre afirma que
diante da não correspondência do justo valor, previsto constitucionalmente, estar-se-ia
diante de sentenças constitucionalmente impossíveis, e que as decisões judiciárias
contendo determinações assim absurdas não seriam capazes de impor os efeitos
programados. Neste diapasão, não haveria efeitos substanciais a serem impostos, não
232
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Alternativo, Rev. Forense, n.7, Jul., p. 36-37, 1997.
233
Op. cit. p. 108/109.
incidindo, portanto, a coisa julgada material sobre tais decisões, justamente porque a
autoridade da coisa julgada incide precisamente sobre os efeitos substanciais.
Entretanto, se a coisa julgada é uma qualidade da sentença e dos seus efeitos, mesmo
diante de uma decisão violadora do justo valor esta, enquanto não atacada pelos meios
próprios, viria a surtir efeitos no mundo dos fatos. Tanto é verdade que em algumas
situações fáticas que pudemos constatar houve a violação da garantia aqui
mencionada, e nem por isso deixou de incidir efeitos imediatos, muito embora esses
efeitos tenham sido posteriormente afastados.
Nesta linha, não significaria que uma decisão violadora da Constituição Federal, em
qualquer de seus dispositivos ou princípios, não viria empiricamente a surtir efeitos, até
porque muitas vezes a incongruência é verificada a posteriori, após algum tempo de
incidência prática da decisão. Assim, mesmo que incongruente com os dispositivos
constitucionais, uma decisão contrária à Ordem Maior possuiria efeitos substanciais,
muito embora tais efeitos fossem destoantes com o modelo traçado pela Constituição.
E esses efeitos substanciais seriam os efeitos decorrentes de uma decisão de mérito
albergada no julgado. O fato de não haver correspondência entre os efeitos
substanciais de uma decisão de mérito e o modelo previsto na Constituição não afasta
a existência daqueles mesmos efeitos. Estes existem e se perfazem, até que advenha,
através do remédio próprio, demonstração de que aqueles efeitos devem cessar em
homenagem à Ordem Constitucional.
Imagine, por exemplo (e existem hipóteses concretas nesse sentido), em que, numa
ação de desapropriação, havendo conluio entre as partes proprietárias do imóvel
desapropriando e o perito, venha a outorgar às mesmas uma indenização
absurdamente maior do que o valor de mercado. Interpostos os recursos, estes não
mereceram acolhimento em seu juízo meritório. O Ente Público, em obediência ao
julgado, já transitado em julgado, transfere para os proprietários do imóvel o numerário
suficiente ao pagamento da indenização. Não há que se negar que, embora destoante
da garantia do justo valor, tal decisão está surtindo seus efeitos substanciais, na
medida em que aquilo que foi decidido está sendo cumprido. Após algum tempo,
verificou-se a incongruência entre o valor de mercado e aquele efetivamente pago,
descortinando-se a fraude entre os beneficiários. Pode o Poder Público utilizar dos
mecanismos tendentes a afastar aqueles efeitos substanciais, fazendo retornar ao seu
patrimônio o numerário pago a maior. Portanto, nesse exemplo, a decisão existe e
produz efeitos enquanto não revertida pelos meios que iremos propor.
Se assim não fosse, ao invés de relativizar a coisa julgada, melhor seríamos discutir as
situações que não fazem coisa julgada material, ampliando o rol que mencionamos
linhas atrás. Caso concreto ocorreu no Estado de São Paulo. Após condenação ao
pagamento de indenização em ação de desapropriação, já na fase executória verificou-
se causa modificativa da execução, visto que parte da área objeto da demanda
expropriatória havia sido paga em outro processo judicial, circunstância esta declarada
por escrito pelo perito judicial. Haviam, pois, duas condenações com trânsito em
julgado referentes à mesma área. Seguidos os trâmites recursais, interpôs o Estado
Medida Cautelar Inominada e Incidental com Pedido de Liminar, em curso no Superior
Tribunal de Justiça, com liminar deferida e referendada por maioria. Assim, indaga-se:
seria intenção do legislador consagrar uma imoralidade como a de revestir de
intangibilidade, consciente, a condenação do Poder Público a pagar pela segunda vez a
mesma dívida, já anteriormente paga? Não seria tarefa do Tribunal, que ainda detém o
controle da situação, fazer prevalecer a garantia do justo valor, afastando o efeito imoral
imposto pela sentença? Seria razoável ao Tribunal, ciente da irregularidade, malferindo
os princípios da legalidade e da moralidade, impor à Fazenda Pública a efetivação de
um pagamento indevido, ao invés de liberar os cofres públicos da injusta indenização?
Certamente a resposta a essas perguntas pode ser esclarecida pelo voto do Min.
Vicente Cernicchiaro, que em situação semelhante aduziu:
O Judiciário, na prestação jurisdicional, não se restringe a seu mero
chancelador de petições ou a encarar a lei como mero símbolo. Urge reagir à
exegese de origem francesa, preocupada apenas com o raciocínio lógico
formal. O Judiciário tem missão mais relevante e nobre. Impõe-se-lhe, além
de presidir o processo, exercendo fiscalização, emitir provimento justo. Não
pode compactuar com atitudes indignas, espúrias, fraudulentas.
234
234
Acórdão proferido no julgamento do REsp nº 35.105-8-RJ, DJU, de 28.06.1993.
Na linha dessas palavras, uma indenização paga além ou aquém do valor de mercado
é, sem dúvida alguma, uma indenização indevida, podendo essa injustiça ser discutida
a qualquer tempo, sem os laços que eventualmente prendem as garantias de
imutabilidade do julgado. Os efeitos, entretanto, existem e se perfazem até a sua
ulterior desconstituição.
Consagrando a garantia constitucional do justo valor, o próprio Supremo Tribunal
Federal já entendeu que não é ofensivo à garantia da coisa julgada a decisão que, no
processo de execução, determina nova avaliação de imóvel, para atualização de seu
valor, de forma a corrigir aquela constante de avaliação antiga, com vistas a preservar a
justa indenização, como já dissemos, garantia constitucional. A autoridade da coisa
julgada já havia inclusive sido relativizada quando o Min. Rafael Mayer aludiu ao “lapso
de tempo que desgastou o sentido da coisa julgada”, determinando nova perícia
avaliatória. Tal determinação chegou ao Supremo Tribunal Federal, através do RE nº
105.012-RN, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, cujo objetivo foi a reforma da decisão do
então JUIZ JOSÉ AUGUSTO DELGADO. “A jurisprudência do STF não acolhe a
invocação da coisa julgada, para que se possa atingir a meta da indenização justa”
(RTJ, 136/1300). Entendimento semelhante há muito já vigorava entre nós, o que se
pode contatar dos arestos a seguir:
Desapropriação. Indenização (atualização). Extravio de autos. Nova
avaliação. Coisa julgada. Não ofende a coisa julgada a decisão que, na
execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do imóvel, constante
do laudo antigo, tendo em vista atender à garantia constitucional da justa
indenização, procrastinada por culpa da expropriante. Precedentes do STF.
Recurso extraordinário não conhecido” (Rext n. 93.412-SC, rel. Min. Rafael
Mayer, RTJ 102/276).
O deferimento de nova avaliação em sede de liquidação, em casos
excepcionais, conforme entendimento da Suprema Corte, não encontra
obstáculo na coisa julgada” (Ag. n. 75.773, DJU, de 3.5.79, p. 3.496, rel. Min.
Leitão de Abreu; Rext n. 68.608, RTJ 54/376, 1ª Turma; Agr. n. 47.564 – Pleno,
DJU, de 26.09.69, p. 44.063).
Dada a necessidade da garantia constitucional da justa indenização vir a imperar de
forma a refletir o critério da justiça social é que podemos, em circunstâncias especiais,
relativizar o instituto da coisa julgada para atendimento daquele objetivo. O objetivo do
Poder Judiciário não é nada mais nada menos do que outorgar o critério da justiça,
entendida essa em relação ao valor pago pelo ente expropriante bem como pelo valor
recebido pelo expropriado. Fixado o valor, pode ser que, posteriormente, esse valor
venha a se revelar destoante com a garantia constitucional do justo valor.
Diante disso, possível se revela, mesmo estando a decisão judicial acobertada pelo
manto da coisa julgada, abrir nova possibilidade de rediscussão da matéria, no que
tange ao aspecto quantitativo da indenização, de maneira a tornar indene o
expropriado, bem como não permitindo que o mesmo venha a se enriquecer de forma
desarrazoada, impondo à administração a incumbência do pagamento de valor acima
do valor de mercado.
Tal rediscussão acerca desse aspecto quantitativo não sofre limites em razão da
superior garantia constitucional, até o atingimento da justa indenização. Não se revela
óbice à rediscussão do valor o trânsito em julgado ou mesmo a efetivação do
pagamento. Bom é lembrar que à época o Decreto-Lei nº 3.665/41 talvez não se
imaginava a possibilidade de processo depreciativo da moeda (inflação), visto que foi
editado em época em que tal circunstância não existia tal como no final da década de
1980 e início da década de 1990. Em virtude disso, o aludido Decreto-Lei não prevê
nova avaliação do valor do imóvel desapropriado. Não se imagine, entretanto, que em
virtude da ausência de previsão legal para tanto ficaria o juiz impossibilitado de
determinar nova avaliação. É que, muito embora a ausência de norma autorizativa para
tanto, o socorro à principiologia nos autoriza ao manejo de tal prática, de maneira a,
justamente, alcançar o desiderato constitucional inserto no art. 5º, inciso XXIV.
Assim, desbordando da garantia do justo valor, é possível tanto a realização de nova
perícia na fase de execução do julgado quanto a propositura de nova ação visando ao
ataque da coisa julgada que malferiu a garantia constitucional ínsita no art. 5º, inciso
XXIV. Tais remédios teriam por base dois fundamentos: a vedação de enriquecimento
ilícito, por parte, tanto do expropriado (quando o Poder Público paga a mais do que
deveria), quanto por parte da Administração Pública (quando paga a expropriado valor
aquém daquele de mercado), estampando, assim, o princípio da moralidade, bem como
a garantia do justo valor, assentada no princípio da proporcionalidade, de maneira que
haja a recomposição das partes ao status quo ante.
235
Nas palavras de YARA DE
CAMPOS ESCUDEIRO PAIVA
236,
como o ente público expropriante é pessoa jurídica de direito público, que zela
pelo bem comum e tem como baluarte o princípio da moralidade de seus atos,
não pode ser compelido a pagar indenização que não se ajuste aos moldes da
razoabilidade e do princípio que veda o enriquecimento ilícito, sob pena de cair
por terra todo o alicerce do ordenamento jurídico. A legislação não pode
contemplar somente aquele que recebe a indenização, mas também aquele
que a paga, ou seja, a sociedade formada pelos demais cidadãos contribuintes
do erário.
Se o princípio constitucional da justa indenização é aplicável a ambas as partes, e se o
instituto da coisa julgada também, nova apuração do justo preço deve ser procedida
mediante perícia, quando estiverem em conflito esses dois postulados
constitucionais”.
237
Vê-se, assim, que embora esteja a surgir, de forma a ganhar ainda
mais adeptos, uma nova consciência em relação ao instituto da coisa julgada, a sua
relativização, com o conseqüente afastamento em alguns casos, visando justamente a
cumprir o estatuído na Constituição Federal, já vinha sendo reconhecida em alguns
julgados esparsos. O tempo certamente haverá de consolidar essa nova consciência
com vistas à supralegalidade constitucional.
235
Note-se que poderá haver nova avaliação de forma a corrigir erros materiais ou mesmo à verificação
dos motivos que levaram o julgador a estabelecer certo critério indenizatório, o que escapa, em verdade,
ao trânsito em julgado, visto que tais questões escapam à abrangência da coisa julgada por expressa
disposição dos arts. 463, I e 469, I e II, ambos do Código de Processo Civil.
236
Op. cit. p. 108.
237
Op. cit., p. 108.
12 COISA JULGADA E INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA JURÍDICA
12.1 COLOCAÇÕES PRELIMINARES
No capítulo antecedente foram tecidas algumas considerações acerca da teoria da
relativização da coisa julgada. Foi visto, em apertada síntese, que tal teoria vem
ganhando inúmeros adeptos no âmbito da doutrina pátria, principalmente a partir do
desenvolvimento de obra já citada (O caso julgado inconstitucional), de lavra do
Constitucionalista Português Paulo Otero, bem como de pensamento desenvolvido pelo
Ministro José Delgado, do Superior Tribunal Justiça, dentre outros.
De maneira ampla, a doutrina que aborda a temática sustenta que a segurança jurídica
produzida pela coisa julgada não merece imperar: a) sobre a necessidade de se buscar
uma decisão “justa”, pois assim estaria sendo descreditada a instituição judiciária; b)
sobre o princípio da moralidade; c) sobre os princípios e valores supremos constantes
da Constituição da República.
O tão citado Ministro brasileiro, em relevante estudo sobre o tema, e que retrata bem o
pensamento dos demais doutrinadores que o acompanham, aborda o problema a partir
de um prisma não-formalista, concluindo que: 1) a coisa julgada não é absoluta, mas
relativa; 2) a legalidade e a moralidade devem ter mais importância que a segurança; 3)
o Judiciário deve primar pela defesa de valores democráticos; 4) uma sentença, mesmo
transitada em julgado, não pode veicular uma injustiça; 5) também os pronunciamentos
do Judiciário não se distanciam do primado da constitucionalidade; 6) a sentença
transitada em julgado pode ser revista, independentemente do prazo de dois anos
fixado para propositura de ação rescisória, haja vista a aplicação dos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, aplicáveis também aos atos judiciais.
238
238
DELGADO, José. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas, In:
Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Revista de Processo, vol. 103
Denota-se, assim, o quão importante para o Ministro José Delgado, é o discurso da
Justiça, ou melhor, de decisões judiciais que reflitam com maior fidelidade esse ideário.
Distancia-se de pensamento retrógrado, mas infelizmente ainda existente, presente no
discurso positivista.
É claro que, como se viu em linhas passadas, diversos doutrinadores foram seduzidos
pelo pensamento acima exposto, sendo descipiendo que se destaque novamente as
nuances que distinguiram este ou aquele escritor. Logicamente, existem também
aqueles que não encamparam a tese, como é o caso, por exemplo, de Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, autores que entendem que o sistema jurisdicional
brasileiro convive com a sentença injusta, haja vista ser o caso julgado uma verdadeira
norma concreta, que deve prevalecer diante do quadro normativo abstrato.
239
Mas, se por um lado a tese da relativização é realmente relevante e até mesmo
cativante, por outro, o quer se deixar claro, é que o tema que a seguir será objeto de
tratamento com ele não se confunde. O registro à tese da relativização serve sim, como
pano de fundo, até porque, tem suas raízes ligadas a um mesmo tronco. Em outras
palavras, o tema da influência das decisões de constitucionalidade em face de casos já
acobertados pela coisa julgada, não entra em conflito apenas com a segurança jurídica
do caso concreto, mas com outros desideratos constitucionais, tais como, as atribuições
institucionais do Poder Judiciário, a natureza da decisão que pronuncia a
inconstitucionalidade em face da coisa julgada anteriormente já consumada em sentido
contrário, etc.
12.2 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
Foi adiantado já na parte introdutória que uma das grandes questões vividas pela
doutrina jurídica nos tempos atuais diz respeito ao correto tratamento que deve ser
dispensado à decisão judicial transitada em julgada definindo aspectos relacionados à
constitucionalidade de normas jurídicas.
239
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 791-794.
Surgem questões problemáticas a serem enfrentadas, sendo a principal delas
decorrente do sentido que as pronúncias individuais de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de normas devem assumir, quando em momento ulterior surge
resolução do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso ou concentrado, em sentido
diametralmente oposto.
Mas, como se sabe, o alcance da coisa julgada sempre deve levar em consideração
elementos ligados à natureza e aos termos da lide levada a juízo. Ora, imagine-se um
litígio envolvendo Estado e particular, no qual um determinado cidadão entenda que os
fatos por ele praticados não merecem a interpretação fornecida pelo Estado; pode ser
também, que este mesmo cidadão, ao invés de se insurgir quanto à maneira de
interpretar do Estado, se oponha à norma jurídica a ele dirigida, por reputá-la inválida.
As decisões serão diferentes nas hipotéticas situações acima. No primeiro caso, o
judiciário fará verdadeira qualificação jurídica acerca de fatos e circunstâncias expostas
pelo cidadão. Fará o que se chama de juízo sobre a realidade. Já na segunda hipótese
a decisão judicial, que analisa a validade ou não de uma determinada norma perante o
ordenamento, contempla um juízo sobre o direito.
Com efeito, não é pelo fato de a análise ser diferenciada que não há acobertamento
dos pronunciamentos pela coisa julgada. Embora, haja peculiaridades, dirigidas a um
ou outro caso, por certo recai sobre ambos, após apreciação definitiva, o manto da
coisa julgada. A respeito do tema, HELENILSON CUNHA PONTES:
A decisão judicial transitada em julgado, cujo conteúdo tenha como
pressuposto um juízo de qualificação jurídica de uma situação fática, tem seu
alcance limitado objetivamente às circunstâncias de fato expostas na petição
inicial diante das quais a decisão foi proferida. Vale dizer, o comando que
emerge da decisão transitada em julgado é do tipo “enquanto presentes as
circunstâncias de fato x, y, z, o autor tem o direito a ser tratado segundo o
regime tributário y” (decisão pela procedência) ou “o contribuinte não preenche
as condições x, y, z necessárias à aplicação do regime tributário y” (decisão
pela improcedência).
Os fundamentos jurídicos que conduziram à conclusão pela procedência ou
improcedência da ação não influem na definição do alcance da coisa julgada
resultante da decisão, na medida em que a lide circunscreve-se a adequada
qualificação jurídica dos fatos preexistentes ao trânsito em julgado. Vale dizer,
nesta espécie de lide, a questão central não é a validade de normas, mas o
adequado enquadramento dos fatos diante dos diferentes regimes jurídicos.
Assim sendo, alterados os fatos ou as circunstâncias expostos na lide, cessa
ipso jure o alcance da decisão judicial albergada pela coisa julgada, já que
aqueles (fatos ou circunstâncias) foram fundamentais para a definição judicial
da lide.
Por outro lado, nas lides que envolvem juízo sobre o direito, reconhecida a
invalidade de norma tributária (cuja aplicação é imposta pela Administração
Tributária com fulcro na presunção de constitucionalidade das normas
jurídicas), e por conseqüência, declarado o direito do contribuinte a um outro
regime jurídico tributário, a coisa julgada alcançará todas as situações futuras
em que se revelar aplicável o regime declarado judicialmente como válido.
240
MARCIANO SEABRA DE GODOI, bem ilustra o tema, formulando a seguinte hipótese:
Vejamos um exemplo em que a sentença alcançará relações e fatos futuros e
outro exemplo em que a sentença é bem é bem situada no tempo e não
alcançará fatos futuros. O primeiro caso é de uma sentença que concede a
segurança em que o contribuinte alega que sua atividade econômica ou
profissional não está prevista na lista nacional de serviços tributáveis pelo
ISSQN. Não faria o menor sentido pensar que esse contribuinte devesse
renovar mensal ou anualmente sua impetração de mandado de segurança
para garantir seu direito de não recolher ISSQN sobre aquela atividade. O
segundo caso é de uma sentença proferida numa ação anulatória de
lançamento: a sentença diz respeito tão-somente a um ato administrativo
perfeitamente situado no tempo, sem qualquer desdobramento sobre períodos
futuros. Para a eficácia de sentenças como essa se aplica integralmente o
enunciado da súmula 239
241
do STF: “Decisão que declara indevida a
240
Coisa julgada tributária e inconstitucionalidade. São Paulo: Dialética, 2005, p. 126-127.
241
Importante contribuição a respeito do conteúdo e significado do referido enunciado extrai-se do voto
pelo Ministro Francisco Rezek: “O que a Súmula diz é apenas que quando a decisão judicial declara
indevida cobrança do imposto em determinado exercício, ela, é óbvio, não faz coisa julgada em relação
aos exercícios anteriores. Se ela própria se propõe reger um determinado exercício. Foi isso que disse no
caso 83.225. A Súmula não significa, pois, em absoluto, que não haja coisa julgada, que não possa haver
a coisa julgada no domínio fiscal. E o STF tem entendido, repetidamente, que a coisa julgada existe
nesse domínio, como em todos os outros, não havendo razão nenhuma para se abrir uma exceção ao
princípio, desde que a decisão judicial tenha tido realmente um alcance hábil para se projetar no tempo.
É a ação declaratória. Se em ação declaratória ficou reconhecido que não há tributação possível sobre
certo tipo de pessoa jurídica, por conta de certo tipo de operação ou atividade, isso sim faz coisa julgada.
O que não faz é a decisão tomada num executivo fiscal, num mandado de segurança, onde normalmente
se discute uma invectiva concreta do poder tributante. É aquela cobrança que se quer derrubar no
mandado de segurança ou nos embargos à execução fiscal, e é aquela cobrança que se derruba, sem
nenhuma projeção possível sobre o que vai acontecer depois. A ação declaratória não; a ação
declaratória não visa, normalmente, ao protesto contra a iniciativa tributária concreta e avulsa. Visa sim, à
definição da obrigação tributária, à definição da relação em causa. Tem havido, então, jurisprudência
sempre nesse sentido. Recentemente julguei um RE 99.458, negando a coisa julgada, numa certa
hipótese, não porque não existia a coisa julgada tributária, mas porque cuidávamos de uma execução
fiscal, de embargos à execução fiscal, e tal decisão não pode fazer coisa julgada quanto à ilegitimidade
da cobrança, em tese, de certo tributo, já que por sua própria natureza o processo da execução diz
respeito estrito aos exercícios discutidos nos próprios autos.”
cobrança do imposto em determinado período não faz coisa julgada em
relação aos posteriores.”
242
Nota-se, por conseguinte, tal como declinado alhures que os limites objetivos da coisa
julgada são determinados pela identificação da causa de pedir e pela amplitude do
pedido formulado (art. 468 do CPC). São também definidos pela conservação do estado
de fato ou de direito, no caso da relação jurídica continuativa (art. 471, I do CPC).
O real significado disso é que a coisa julgada estará circunscrita a acolher ou rejeitar
estritamente o que fora pedido, por meio de antecedente solução das questões trazidas
a baila pelas partes e com fundamento naquela causa de pedir explanada.
A autoridade da coisa julgada é exatamente a mesma, seja tratando-se de relação
jurídica exaurida ou instantânea, seja de relação jurídica continuativa ou de trato
sucessivo. Contudo, ante o fato de esta projetar-se para o futuro, a sentença que pôs
fim à controvérsia se sujeita à cláusula rebus sic stantibus.
Dessa forma, calhando alteração no estado de fato ou de direito referentes àquela
relação jurídica, o ato judicial será passível de revisão. No sentido do texto, a posição
doutrinária de Hugo de Brito Machado, produzida para o direito tributário, mas que bem
ilustra a questão mesmo quando diante de outros sub-ramos jurídicos:
A relação jurídica tributária pode ser instantânea, como acontece no caso de
venda eventual de um imóvel, por exemplo, ou continuativa, como acontece
com o contribuinte do ICMS, por exemplo. No primeiro caso, o fato tributável é
autônomo, isto é, nele residem todos os elementos de que se necessita pra
determinar o valor do tributo a ser pago, e o pagamento extingue não apenas o
crédito tributário respectivo, mas a própria relação obrigacional fisco-
contribuinte. No segundo caso, o fato tributável não é autônomo, no sentido de
que, embora produza, isoladamente, o efeito de criar a obrigação tributária, ele
se insere em um conjunto de outros fatos relevantes para a composição da
relação jurídica fisco-contribuinte.
243
242
Coisa julgada, constitucionalidade e legalidade em matéria tributária, coordenador Hugo de Brito
Machado. São Paulo: Dialética, Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2006, p.
325.
243
Temas de Direito Tributário II, São Paulo: RT, 1994, p. 221.
Ainda no campo tributário, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, tece considerações
acerca das chamadas relações jurídicas instantâneas e continuativas, extraindo
conclusões que, tal como as demais, podem ser voltadas para os mais diversificados
campos jurídicos. Vale a pena, para finalizar o debate envolvendo tão relevante tema,
transcrever suas lições:
Se a lide solucionada alcançava o lançamento de um exercício apenas, é
intuitivo que os novos e subseqüentes lançamentos não terão sido atingidos
pela coisa julgada formada no primitivo processo. Mas se a res in iudicium
deducta envolvia genericamente a inexigibilidade permanente do tributo que se
exige continuadamente da parte, a solução judicial encontrada pela sentença
não poderá ter a acanhada incidência apenas a um exercício. Terá de
solucionar a lide, tal como proposta, ou seja, como fato permanente e
duradouro. A coisa julgada terá de atuar no exercício em que a causa foi o
suporte fático e normativo no ato judicial.
A causa petendi é que realmente se declara, para acolher ou rejeitar o pedido.
Desse modo, se a causa de pedir retrata uma situação permanente,
permanente também haverá de ser a solução que a sentença lhe deu.
244
Nesse caminhar, após toda a abordagem preliminar desenvolvida, chega-se ao ponto
nodal do presente trabalho que é exatamente o desenvolvimento do tema da influência
das decisões do STF sobre decisões individuais já transitadas em julgado, com o
conseqüente enfrentamento das seguintes hipóteses:
a) a influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
constitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle concentrado, acarreta quais
efeitos sobre a coisa julgada individual declaratória da inconstitucionalidade incidental
de norma jurídica;
b) a influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
constitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle difuso, acarreta quais
efeitos sobre a coisa julgada individual declaratória da inconstitucionalidade incidental
de norma jurídica;
244
Coisa julgada. Mandado de Segurança . Relação Jurídica Continuativa. Contribuição Social. Súmula
nº 239 do STF, in: Coisa Julgada Tributária. São Paulo: MP, 2005, p. 178.
c) a influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
inconstitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle concentrado, acarreta
quais efeitos sobre a coisa julgada individual declaratória da constitucionalidade
incidental de norma jurídica;
d) a influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
inconstitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle difuso, desacompanhada
de Resolução Senatorial, acarreta quais efeitos sobre a coisa julgada individual
declaratória da constitucionalidade incidental de norma jurídica;
e) a influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
inconstitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle difuso, acompanhada de
Resolução Senatorial suspensiva de eficácia da norma, acarreta quais efeitos sobre a
coisa julgada individual declaratória da constitucionalidade incidental de norma jurídica;
Cabe advertir, e até mesmo rememorar, que, o objeto de estudo só terá alguma
relevância se o delimitarmos àqueles casos em que o pedido do autor da demanda não
tenha sido temporalmente limitado, exatamente por se tratar de relação jurídica
lastreada em veículo normativo de vigência permanente.
Rememore-se ainda o que restou dito antecedentemente quando fora tratada a questão
do papel dos princípios no ordenamento jurídico, bem como quando foram tecidas
algumas considerações sobre alguns princípios constitucionais relevantes, como é o
caso do princípio da supremacia da Constituição, da unidade da Constituição, da
segurança, este representado também pela confiança dos cidadãos nos
pronunciamentos do judiciário.
Quando feitas tais considerações salientou-se que a supremacia da Constituição é
garantida primordialmente pelo STF, seu guardião maior, conforme previsão da própria
Carta. Assim, para que tal vigilância se mostre realmente eficaz devem as decisões de
tal Corte ser dotadas de máxima eficácia, para que seus pronunciamentos sejam
efetivamente respeitados.
Disse-se, no que tange à unidade da Carta que as normas constitucionais, sejam elas
regras ou princípios, possuem igual dignidade, inexistindo entre elas qualquer
hierarquia. Afastou-se, de tal maneira, qualquer possibilidade de antinomias normativas
no corpo do Texto Maior, ou, seguindo a letra de GILBERTO BERCOVICI:
O objetivo primordial do princípio da unidade da Constituição é o de evitar ou
equilibrar discrepâncias ou contradições que possam surgir da aplicação das
normas constitucionais. A interpretação constitucional, ao ser balizada pelo
princípio da unidade da Constituição, tem por fundamento a consideração de
que todas as antinomias eventualmente determinadas serão sempre aparentes
e solucionáveis, tendo em vista a busca de equilíbrio entre as diversas normas
constitucionais.
245
Por derradeiro quanto à análise da segurança jurídica, vale destacar novamente que
este primado reflete um dos mais importantes valores do Estado Democrático de
Direito. Mas, independentemente disso, não foge ele de um necessário respeito à boa-
fé e confiança manifestada por aquele que age no cumprimento de normas jurídicas
impostas pelo Estado. Em outro giro verbal, não se pode tentar penalizar quem,
acreditando no Estado, agiu desta ou daquela forma.
12.3 A influência de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
constitucionalidade de norma jurídica, em sede de controle concentrado, acarreta
quais efeitos sobre a coisa julgada individual declaratória da
inconstitucionalidade incidental de norma jurídica?
É muito comum no âmbito forense ver litigantes obtendo pronunciamentos
jurisdicionais, por meio do controle difuso de constitucionalidade, desobrigando-os do
cumprimento de obrigações impostas por meio de norma declarada inconstitucional.
Nada há de incomum também que dito pronunciamento venha a, posteriormente, ser
contrastado com posição assumida pelo Supremo Tribunal Federal que, por meio de
controle abstrato de constitucionalidade (notadamente, ADC e ADIn), vem a reconhecer
a validade de tal norma.
245
O princípio da unidade da constituição. Revista de Informação Legislativa vol. 145. p. 97.
Lembrando que, a decisão de mérito proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade é dotada de efeito vinculante e eficácia contra todos, é possível que
se indague se tal decisão do Supremo Tribunal Federal gerará alguma alteração na
coisa julgada individual, produzida anteriormente, mas com conteúdo oposto.
Admitindo-se para perfeito desenvolvimento de raciocínio que haja afetação da coisa
julgada individual por superveniente decisão proferida pelo STF no exercício de controle
de constitucionalidade de normas. Observando-se o que restou consignado quando foi
tratado o tema da supremacia da constituição e do relevante papel do STF no
resguardo a este princípio
246
, poder-se-á sustentar, apoiado em premissas coerentes,
que a segurança jurídica, albergada pela coisa julgada individual, não é afetada pela
aplicação do decisório desta Corte. Até porque, como se viu, a segurança jurídica e a
supremacia da constituição são princípios que caminham juntos, são faces de uma
mesma moeda. Ou, como bem salienta, em obra já citada, HELENILSON CUNHA
PONTES:
segurança é fundamentalmente obediência ao que determina a Constituição.
Coisa julgada individual em conflito com a Constituição Federal não pode
manter-se eficaz.
Portanto, a aplicação da pronúncia de constitucionalidade com efeitos gerais
sobre a coisa julgada individual em nome do princípio da supremacia da
Constituição longe está de representar ofensa à segurança jurídica, antes
significa autêntica exigência de concretização deste princípio. Não há relação
de colisão, mas de complementariedade, entre os princípios da supremacia da
Constituição e da segurança jurídica.
247
Mas, voltando ao questionamento, surgem duas questões correlatas de inegável
importância. A eficácia do julgado da Suprema Corte retroage sempre, a ponto de
prejudicar aquele que se valeu de uma decisão judicial de inferior escalão? No que se
246
Helenilson Cunha Pontes, observa: “O princípio da supremacia da Constituição (uma das premissas
fundamentais para a análise da questão) impõe a necessidade de fazer incidir a decisão de
constitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada individual que
contempla outra interpretação para Constituição. Uma interpretação segura e uniforme das dicções
constitucionais é pressuposto para a garantia de autoridade da Constituição. As decisões individuais
sobre os temas constitucionais não podem prevalecer sobre o efetivo significado da Constituição na visão
do órgão encarregado institucionalmente de cumprir em última instância tal mister. (in: Op. cit. p. 159).
247
Op. cit. p. 160.
refere aos efeitos futuros daquela decisão de inferior escalão, que tipo de influência o
julgamento do STF irá acarretar?
Para que sejam respondidas ambas as perguntas, o aplicador do direito deve ter em
mira que a eficácia de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada
individual, depreca a identificação da questão constitucional suscitada e debatida na
lide individual e aquela presente na decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de
controle abstrato.
Mesmo tendo o controle concentrado de constitucionalidade no Brasil causa de pedir
aberta, o efeito geral da decisão de constitucionalidade proferida em sede de controle
concentrado está limitado aos fundamentos constantes do decisório. Portanto, para
averiguação da influência do pronunciamento do STF sobre o caso individual, é
imprescindível que seja feita uma análise entre a identidade da constitucional decidida
por este Tribunal e a constante dos fundamentos da decisão transitada em julgado em
instâncias inferiores. HELENILSON CUNHA PONTES, mais uma vez, nos dá apoio,
formulando exemplo prático que bem retrata a questão:
Podem ocorrer situações em que o texto normativo impugnado perante o
Supremo Tribunal Federal tem a sua validade confirmada por este Tribunal em
sede concentrada de constitucionalidade, no entanto outras questões
constitucionais relativas ao mesmo texto normativo permanecem em aberto, a
impedir que aquela decisão possa fazer cessar a eficácia da coisa julgada
individual na qual se decidiu questão constitucional diversa (embora alusiva ao
mesmo texto normativo).
Exemplo do afirmado ocorreu no julgamento da ADC n. 1 no que tange ao
exame da constitucionalidade da Lei Complementar n. 70/91, instituidora da
contribuição social de seguridade social incidente sobre o faturamento de
empregadores - Cofins (art. 195, 1, da CF). Na ação pleiteava-se a declaração
de constitucionalidade daquela Lei Complementar, e do tributo por ela criado,
haja vista a existência de várias ações individuais questionando a sua validade.
A ação direta fundou-se nos argumentos adotados por decisões judiciais de
instâncias inferiores para considerar a Lei Complementar n. 70/9 1
inconstitucional, quais sejam: bitributação entre PIS e Cofins; ferimento ao
princípio da não-cumulatividade dos impostos de competência federal; a
Cofins, como contribuição social que é, não poderia ser arrecadada e
fiscalizada pela Secretaria da Receita Federal; a Cofins seria imposto nominal
fruto da competência residual da União; a lei complementar impugnada teria
transgredido o princípio constitucional da anterioridade tributária.
O Supremo Tribunal Federal decidiu a aludida ADC e confirmou a validade
constitucional da Lei Complementar n. 70/91, no entanto não esgotou todas as
possibilidades de questionamento constitucional do texto normativo desta lei
complementar, o que ocorre, por exemplo, com a questão alusiva ao alcance
da expressão “faturamento” como base de cálculo deste tributo, comando
contemplado no art. 20 da aludida Lei.
O Supremo Tribunal Federal embora tenha confirmado com efeitos gerais a
constitucionalidade do texto do art. 20 da Lei Complementar n. 70/91, no qual
está definido o termo “faturamento” como base de cálculo do tributo, não
discutiu a questão constitucional atinente, por exemplo, à integração ao
conceito de faturamento dos tributos que integram o preço, mas que não
constituem receita da pessoa jurídica, entendida esta expressão como o
ingresso de natureza econômica que por acrescer ao patrimônio representa
manifestação de capacidade contributiva apta a sofrer tributação.
Esta hipótese ocorre com o ICMS, tributo que é arrecadado pelo contribuinte
de direito pelo preço de venda de mercadorias e serviços, mas que deve ser
repassado ao Fisco estadual, sujeito ativo tributário desse tributo. Como a Lei
Complementar n. 70/91, no seu art. 20, parágrafo único, não excluiu
expressamente o ICMS para efeito de determinação da base de cálculo da
Cofins, subsiste a questão constitucional atinente à integração ou não do valor
do ICMS no conceito constitucional de faturamento, previsto no art. 195, 1, da
CF.
Logo, embora o texto normativo do art. 20 da Lei Complementar n. 70/91 tenha
sido objeto de pronúncia de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal
com efeitos gerais, este mesmo texto normativo ainda suscita outras questões
constitucionais não decididas por aquele Tribunal por ocasião daquela
pronúncia.
O exemplo citado serve para demonstrar que a aplicação da decisão de
Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, tomada em sede de
controle concentrado de constitucionalidade, sobre decisões individuais já
transitadas em julgado, exige a indispensável verificação da relação de
identidade entre as questões constitucionais debatidas pelo Supremo Tribunal
Federal e aquelas decididas na lide individual.
248
Tratando-se de sentença individual que projete efeitos para o futuro, sobrevindo
decisão definitiva de mérito do Supremo Tribunal Federal, proferida em sede de
controle concentrado de constitucionalidade em sentido contrário, temos que, a partir de
sua publicação no Diário Oficial, deverá tal decisório influir no comando sentencial, até
porque, como visto, a decisão proferida em controle abstrato representa uma alteração
na situação de direito, existente ao tempo da decisão individual, a influir na eficácia
temporal desta decisão.
Havendo a alteração do direito sobre o qual a sentença se baseou, a coisa julgada
deixa de produzir efeitos em relação ao futuro. O Superior Tribunal de Justiça não
discrepa de tal entendimento, bastando para comprovar, que se analise o que restou
248
Op. cit. p.166-167.
definido no julgamento do Recurso Especial nº 193.500-PE, no qual foi perfilhado o
entendimento da Fazenda Nacional exigir a contribuição social sobre o lucro líquido, a
despeito de anterior decisório transitado em julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, considerando-a indevida, por inconstitucional. Tal decisão do STJ, levou em
conta posição nova do STF, reputando a exação tributária constitucional. Esses os
dizeres do Ministro LUIZ PEREIRA:
Em assim sendo, claramente, modificou-se a situação de direito, afetando a
situação jurídica continuativa apropriada à exigência fiscal e à obrigação do
contribuinte, sublimando-se a hipótese excepcionadora do aludido artigo 471,
CPC. Deveras, a originária situação jurídica informadora do julgado
(inconstitucionalidade) modificou-se substancialmente (constitucionalidade).
Inclusive, ofenderia a lógica jurídica afastar relação tributária com fundamento
derruído por afirmação jurisdicionalmente superior àquela baseada em
pressupostos vencidos. Ora, no caso, evidenciou-se que, à vista de
constitucionalidade reconhecida, a relação jurídica continuou submissa aos
mesmos elementos de sustentação. Enfim, modificando-se o estado de fato ou
de direito, é possível a revisão dos efeitos sentenciais.
Coerente a posição acima citada, até pelo fato de que, como já salientado, o efeito da
coisa julgada na relação jurídica continuativa faz imodificável a relação jurídica
enquanto permanecerem imperturbados os seus subsídios informadores, quais sejam, o
fato e a norma jurídica. Não existe impedimento, destarte, de haver mudanças
decorrentes de alterações legislativas, decorrentes de juízo de constitucionalidade
levado a cabo pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, registram THEOTONIO
NEGRÃO e JOSÉ ROBERTO FERREIRA GOUVÊA que “a eficácia da sentença
declaratória perdura enquanto estiver em vigor a lei em se fundamentou, interpretando-
a”.
249
Mas outro problema surge, sabendo-se que a pronúncia de inconstitucionalidade, se
não sofrer manipulação de efeitos, possui eficácia retroativa, como sustentar que a
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal por meio de controle abstrato não
fulmina a sentença individual, prejudicando a eficácia de efeitos sentenciais já ocorridos
anteriormente à publicação daquele decisório no Diário Oficial?
249
Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.
490.
12.3.1 Princípios constitucionais como método para solução do questionamento:
unidade e harmonização da Constituição, segurança jurídica, retroatividade de
leis e confiança e boa-fé.
É preciso que o aplicador faça uma verdadeira compatibilização entre os princípios
constitucionais aplicáveis, para só então tentar fornecer uma resposta adequada a esta
relevante e intrincada questão. Os princípios a serem compatibilizados
250
são diversos,
tudo a depender da situação jurídica sob análise. Incidirão princípios como o da
unidade e harmonização da Constituição, da segurança jurídica, como, em prisma mais
específico, o da retroatividade benigma de leis ao cidadão, e o da confiança e boa-fé.
Para explicar melhor, voltar-se-á rapidamente ao tema dos princípios constitucionais,
policiando-nos, contudo, para não incidir-se em prolixidade. Quanto à unidade da
Constituição, tão referida no presente capítulo, temos, na linha do que já fora
desvendado, que tal princípio é considerado por muitos doutrinadores, como um dos
postulados mais relevantes no interior da interpretação constitucional. Tamanha é sua
importância que J. J. GOMES CANOTILHO chega a dizer que esse princípio significa:
Que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradição
(antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como ponto de orientação,
guia de discussão e factor hermenêutico de decisão, o princípio da unidade
obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e procurar
harmonizar os espaços de tensão (cfr. Supra, Cap. 2º/D-IV) existentes entre as
normas constitucionais a concretizar (ex: princípio do Estado de Direito e
princípio democrático, princípio unitário e princípio da autonomia regional e
local). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais
não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados
num sistema interno unitário de normas e princípios.
251
250
Sobre a necessidade de se harmonizaram os princípios o ensinamento de Celso Ribeiro Bastos: “A
simples letra das normas será superada mediante um processo de cedência recíproca. No caso de dois
princípios que, em face de determinado caso, mostrem-se, aparentemente, antagônicos, hão de
harmonizar-se. Devem esses princípios abdicar da pretensão de serem aplicados de forma absoluta.
Prevalecerão, portanto, apenas até o ponto a partir do qual deverão renunciar à sua pretensão normativa
em favor de um princípio que lhe é divergente”. (in: Hermenêutica e interpretação constitucional. São
Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1997, p. 107).
251
Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, p. 226-227.
Adotando entendimento na mesma linha, CELSO RIBEIRO BASTOS faz o seguinte
comentário:
Como conseqüência deste princípio, as normas constitucionais devem ser
sempre considerados como coesas e mutuamente imbricadas. Não se poderá
jamais tomar determinada norma isoladamente, como suficiente em si mesma.
É que a Constituição pode perfeitamente prever determinada solução jurídica
num determinado passo seu, para noutro tomar posição contrária, dando lugar
a uma relação entre norma geral e outra específica. Esta predomina no espaço
que abrange. Não há, pois, qualquer fratura constitucional. E isso porque se a
Constituição é uma, e se é ela o documento supremo de uma nação, todas as
normas que contempla encontram-se em igualdade de condições, nenhuma
podendo se sobrepor à outra para lhe afastar o seu cumprimento. As duas
normas vigem por inteiro, apenas que em situações diversas (nunca para a
mesma situação). Assim, cada uma vige em seu campo próprio, do que resulta
a aplicação de ambas.
252
Outra não é a conclusão de LUIS ROBERTO BARROSO ao tratar do referido princípio:
A despeito da pluralidade domínios que abrange, a ordem jurídica constitui
uma unidade. De fato, é decorrência natural da soberania do Estado a
impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e
vinculante no âmbito de seu território. Para que possa subsistir como unidade,
o ordenamento estatal, considerado na sua globalidade, constitui um sistema
cujos diversos elementos são ente si coordenados, apoiando-se um ao outro e
pressupondo-se reciprocamente. O elo de ligação entre esses elementos é a
Constituição, origem comum de todas as normas. É ela, como norma
fundamental, que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento
jurídico.
253
O princípio da unidade, como se vê, é uma especificação da interpretação sistemática,
que comina ao aplicador o dever de harmonizar as incoerências entre normas,
acarretando para este a obrigação de se guiar pelos princípios, gerais e setoriais
encontrados implícita ou explicitamente na Lei Maior.
252
Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1997, p. 103.
253
Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 181-182.
Para finalizar a argumentação envolvendo tão importante princípio, especificamente no
que tange ao balanceamento ou ponderação de bens e valores, calha à fiveleta
transcrever novamente o pensamento de LUIS ROBERTO BARROSO:
Trata-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bem jurídico
tutelado por cada uma delas, associá-lo a um determinado valor, isto é, ao
princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então, traçar o âmbito de
incidência de cada norma, sempre tendo como referencia máxima as decisões
fundamentais do constituinte.
254
Já se pode adiantar e reforçar o que já vem sendo sustentado dizendo que, mesmo
sendo a segurança jurídica
255
um princípio em que se apóia o Estado Democrático de
Direito, ela não possui valor absoluto, merecendo ser harmonizada com outros
princípios constitucionais incidentes sobre o caso concreto. Sobre a unidade foram
traçadas algumas linhas. Sobre a retroatividade benigma de leis ao cidadão, e da
confiança e boa-fé, serão tecidos comentários a seguir.
Em um primeiro instante convém destacar que mesmo tendo a pronúncia de
inconstitucionalidade o desiderato de alterar uma situação de direito até então
existente, sobre a qual, até mesmo pode ter recaído o manto da coisa julgada, deve-se
atentar para o fato de que existem situações em que a regra geral da retroatividade do
julgamento abstrato de constitucionalidade não merece prevalecer. Isto porque, a teor
do que fora mencionado, a manutenção dos regulares efeitos jurídicos dos atos
praticados antecedentemente ao julgamento de constitucionalidade, exigem a
compatibilização entre diversos princípios.
Imagine-se, por exemplo, um conflito entre particular e Estado. Havendo pura e
simplesmente a desconstituição da coisa julgada individual seria referido princípio
ofendido, até porque a decisão judicial transitada em julgado representa a norma
254
Op. cit. p. 185-186.
255
Sobre a segurança jurídica, Portalis, citado por Vicente Ráo, defendeu muito bem a não retroatividade
nas leis ordinárias. Diz ele: o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o
mais infeliz dos seres, se não se pudesse julgar seguro nem sequer quanto à sua vida passada. Por essa
parte de sua existência, já não carregou todo o peso de seu destino? O passado pode deixar dissabores,
mas põe termo a todas as incertezas”. In: O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: RT, 2000, , p. 363.
jurídica que deve reger os fatos jurídicos tributários praticados sob sua égide, como
autêntica lex specialis. A posterior decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha o
condão de fazer cessar a eficácia dessa norma não permite fazer incidir
retroativamente, sobre fatos pretéritos, a norma cuja constitucionalidade foi declarada
por aquela Corte, mas que individualmente havia sido afastada por decisão judicial
final.
256
Demais disso, é pensamento difundido em âmbito jurisprudencial que somente se
admite que haja retroatividade em casos em que haja beneficio voltado ao indivíduo
(retroatividade in bonam partem). Por exemplo, pode-se citar o entendimento do
Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, então membro do STF, consignado no RE 184099-DF:
O princípio insculpido no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição (garantia do
direito adquirido) não impede a edição, pelo Estado, de norma retroativa (lei ou
decreto) em benefício do particular.
Não fosse assim, fulminado por completo seria o princípio da confiança e boa-fé,
consectários também da segurança jurídica
257
. O princípio da confiança e da boa-fé,
logicamente, seria desatendido caso a pronúncia de constitucionalidade pudesse
retroagir para desfazer a eficácia passada da decisão de inconstitucionalidade
incidenter tantum. Nunca é demais lembrar que o Estado está vinculado pelo dever de
boa-fé nas relações jurídicas com particulares. Os governantes devem proceder no
comando do Estado agindo de boa-fé com seus governados, uma vez que é por conta e
ordem destes que eles lá se encontram.”
258
256
O pensamento é de Helenilson Cunha Pontes (in: Coisa julgada tributária e inconstitucionalidade.
São Paulo: Dialética, 2005, p. 170)
257
Recordando-se que a segurança jurídica “que devemos admitir [no ordenamento] é a chamada
segurança ‘no Direito’, sua acepção não poderá ser outra que aquela formulada por Hensel no sentido de
que somente pode falar-se de um Direito substancialmente seguro quando o ordenamento introduza
‘certeza ordenadora’, o que inevitavelmente leva à idéia de determinabilidade das conseqüências
jurídicas dos atos dos particulares, e desde esta perspectiva, à idéia de previsibilidade dessas
conseqüências”. (in: NOVOA, César García. El princípio de seguridade jurídica em matéria tributaria.
Barcelona: Marcial Pons, 2000. p. 102.
258
SACAFF, Fernando Facury. Responsabilidade civil do Estado intervencionista. 2. ed. Rio de
Janeiro: 2001. p. 225-227.
Assim sendo, o princípio da unidade da Constituição e o enfeixe entre os diversos
princípios constitucionais, que ele exige, salienta que a declaração de
constitucionalidade proferida em sede abstrata influencie apenas a eficácia futura da
coisa julgada individual. A decisão individual que transitou em julgado, só pode ser
revista quando se tratar da aplicação dessa norma em favor do cidadão (quando há
conflito entre cidadão e Estado), para reduzir o direito do Estado. Nesse caso a
retroatividade se faz possível.
12.4 A INFLUÊNCIA DE ULTERIOR DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECONHECENDO A CONSTITUCIONALIDADE DE NORMA JURÍDICA, EM SEDE
DE CONTROLE DIFUSO, ACARRETA QUAIS EFEITOS SOBRE A COISA JULGADA
INDIVIDUAL DECLARATÓRIA DA INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DE
NORMA JURÍDICA?
O ponto abordado neste tópico merece também o devido destaque, até porque
pronúncia posterior de constitucionalidade STF ocorre também por meio de controle
difuso, mormente por meio de recursos extraordinários. Os efeitos de tal decisão são
parecidos com aos da decisão de constitucionalidade em controle concentrado, com a
ressalva de que no controle difuso seus efeitos são inter partes.
Isso não quer dizer que o mesmo seja limitado, pois é de curial sabença que, qualquer
decisória do STF gera, ao menos extraprocessualmente, efeitos importantes,
influenciando julgados advindos das cortes inferiores. Assim havendo identidade entre o
comando judicial transitado em julgado e a questão constitucional definida pelo
Supremo Tribunal Federal, efeitos extraprocessuais haverão a partir da data desta
decisão, devido à eficácia apenas ex nunc daquela pronúncia de constitucionalidade.
O que foi dito neste ponto também vale para o questionamento envolvendo a influência
de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade
de norma jurídica, em sede de controle difuso, desacompanhada de Resolução
Senatorial, e seus efeitos sobre a coisa julgada individual declaratória da
constitucionalidade incidental de norma jurídica.
12.5 A INFLUÊNCIA DE ULTERIOR DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECONHECENDO A INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA JURÍDICA, EM SEDE
DE CONTROLE CONCENTRADO, ACARRETA QUAIS EFEITOS SOBRE A COISA
JULGADA INDIVIDUAL DECLARATÓRIA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCIDENTAL DE NORMA JURÍDICA?
Declaração de inconstitucionalidade via controle concentrado gera, a teor das
premissas definidas, revogação da norma impugnada, retirando sua eficácia
retroativamente, determinando a restauração da norma eventualmente revogada pela
norma inconstitucional, impedindo a manutenção de relações jurídicas (mais onerosas
ao indivíduo) geradas durante de sua eficácia. A declaração de constitucionalidade da
norma não mais poderá continuar gerando efeitos na ordem jurídica. A norma
inconstitucional desaparece some da ordem jurídica, não pode vincular um ou mais
sujeitos apenas porque tiveram a sua constitucionalidade reconhecida na via difusa.
Quanto à relação jurídica de caráter sucessivo, a decisão de constitucionalidade no
controle difuso, ainda que transitada em julgado, não mais prevalece. Ex tunc são os
efeitos, não havendo razão para que se mantenha a eficácia apenas para alguns, nem
mesmo existindo coisa julgada que assim determine, caso contrário a supremacia da
Constituição vilipendiada, por força de uma norma inconstitucional que permaneceria
trazendo efeitos na ordem jurídica.
Relembre-se, entretanto, que como se salientou anteriormente, a existência de coisa
julgada, somente impede a retroatividade da decisão do Supremo Tribunal Federal
quando tal efeito for prejudicial à esfera jurídica individual. A irretroatividade que
beneficia o indivíduo deve ser reconhecida até mesmo para atingir a coisa julgada
individual. Nesse passo, a decisão individual fundada na constitucionalidade da norma
perde (em relação aos fatos passados) e cessa (em relação aos fatos futuros) a aptidão
para produzir efeitos.
O mesmo raciocínio aqui explanado aplica-se à influência de ulterior decisão do
Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade de norma jurídica, em
sede de controle difuso, acompanhada de Resolução Senatorial suspensiva de eficácia
da norma.
CONCLUSÕES
Verifica-se que hoje em dia o direito não mais se contenta com a simples verdade
formal. A busca do que é justo tem de ser um vetor inalterável da ciência jurídica. Não
se concebe que uma grave injustiça possa vir a prevalecer, alterando a sistemática
constitucional, por simples amor à garantia da coisa julgada a consagrar a segurança
jurídica.
Ademais, como já se disse, a garantia da coisa julgada, embora prevista na
Constituição Federal, é regulada pelo direito infraconstitucional, tanto na sua extensão,
quanto na sua profundidade, não podendo se sobrepor à supremacia da constituição. A
pensar de modo diverso é outorgar ao direito infraconstitucional a qualidade de
revogação daquilo que se encontra inalterável por força do legislador constituinte.
Conforme já afirmou-se, não se tem o intento de desprezar o instituto da coisa julgada.
Ao contrário, estamos a reafirmá-lo a partir de parâmetros mais seguros, de forma a
garantir, acima de tudo, a justiça na aplicação do direito, que certamente se sobrepõe
ao princípio da segurança jurídica, em aparente conflito axiológico. Assim, aplicado o
direito em bases que não consagram violação constitucional, a segurança jurídica há de
se harmonizar com a aplicação justa do direito, o que é o ideal num sistema de
garantias, como o nosso. Ao contrário, revela-se a incompatibilidade entre a aplicação
do direito no caso concreto e o modelo rígido traçado pelo legislador constituinte,
abrindo campo para impedir a perpetuação de efeitos, podendo, a qualquer tempo, ser
alterada de forma a garantir a inteireza positiva da lei constitucional. Isto porque
segurança jurídica nem sempre se harmoniza com certeza e justiça. Estas últimas são
dadas pela adequação entre uma decisão e a Lei válida.
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