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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO
DA IDENTIDADE FIOCRUZ
LUCIANE CHAME BRANDÃO
Orientadora: Ilana Strozenberg
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2005
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Luciane Chame Brandão
Estratégias de Comunicação na
Construção da Identidade Fiocruz
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre
em Comunicação e Cultura
Orientador: Ilana Strozenberg
Rio de Janeiro
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
Brandão, Luciane Chame
Estratégias de Comunicação na Construção da Identidade
Fiocruz / Luciane Chame Brandão. Rio de Janeiro, 2005.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação, 2005. 106 fls.
Orientador: Ilana Strozenberg
1. Comunicação Organizacional. 2. Estratégias de
Comunicação. 3.Comunicação – Dissertação.
I.Strozenberg, Ilana (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de
Comunicação.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Luciane Chame Brandão
Estratégias de Comunicação na Construção da Identidade Fiocruz
Rio de Janeiro, ....... de ................ de 2005
Aprovado por:
________________________________________________________________
(Prof. Ilana Strozenberg, Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ)
_________________________________________________________________
(Prof. Carlos Alberto Messeder Pereira, Doutor em Comunicação pela UFRJ)
_____________________________________________________________
(Prof. Lívia Neves, Doutora em Antropologia Social pela UFRJ)
RESUMO
BRANDÃO, Luciane Chame. Estratégias de Comunicação na Construção da
Identidade Fiocruz: Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Cultura)- Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2005
Estudo de Comunicação Organizacional, tendo como estudo de caso a
Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. As estratégias de comunicação que são
engendradas a partir de um modelo de gestão democrática e participativa em uma
autarquia pública. As perspectivas de diferentes profissionais que atuam na área na
instituição e como estes relacionam as estratégias de comunicação de suas unidades
e da Fundação ao modelo administrativo proposto. A construção da identidade
Fiocruz a partir de sua comunicação interna e externa, tanto em relação a suas
instituições parceiras, quanto à mídia e população. A Comunicação vista como um
campo de pesquisa e ensino em Saúde para além dos modelos funcionalistas das
campanhas sanitárias e de saúde na atualidade.
ABSTRACT
BRANDÃO, Luciane Chame. Estratégias de Comunicação na Construção da
Identidade Fiocruz: Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Cultura)- Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2005
Organizational Communication study with a case study on The
Oswaldo Cruz Foundation (Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz). Communication
strategies engendered by a democratic and participative management model in a
public autarchy. Perspectives of different professionals working in this area
within the institution, and how they relate their units' and the
Foundation's communication strategies to the proposed management model. The
construction of Fiocruz's identity based on its internal and external
communication, in relation to its partner institutions, as well as the media
and the population. Communication seen as a research and teaching field in
the Health area, beyond the functionalist models of sanitary campaigns and
health nowadays.
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra
(Fernando Pessoa)
Dedicatória
A meus pais, meu companheiro Paulo
e outros amigos queridos
que, por seus exemplos, servem de estímulo
para que eu continue buscando conhecimento
Agradecimentos:
À Prof.
a
Ilana Strozenberg, pela orientação dedicada e apoio
constante nos momentos mais difíceis
A meus pais pela formação e incentivo
A Paulo pela paciência e momentos de humor e amor
À Nina pela revisão cheia de carinho
A todos os outros amigos e irmãos que contribuíram para a
realização deste trabalho
Ao inventor do chocolate light
A Pepe, por me manter acordada
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................
09
1.1 Fiocruz: um complexo estudo de caso .........................................................
12
1.1.2 Individualidade X Coletividade ...............................................................
15
2 DE INSTITUTO À FUNDAÇÃO: uma construção conturbada...............
21
2.1 Formação da Fundação Oswaldo Cruz .......................................................
23
3 GESTÃO DEMOCRÁTICA PARTICIPATIVA NA FIOCRUZ:
participação ou desmando? ................................................................................
31
3.1 Participação como resposta à centralização ................................................
32
3.2 Subcâmara Técnica de Comunicação, espaço de debate ..........................
39
4 A COMUNIDADE FIOCRUZ E SUAS ESTRATÉGIAS DE
COMUNICAÇÃO ...............................................................................................
42
4.1 Estratégias de Comunicação dispersas e o anseio por uma
sistematização .......................................................................................................
46
4.1.1 Estratégias coordenadas pela CCS ...........................................................
48
4.1.2 Estratégias das Unidades: fortalecendo a identidade do grupo ...........
58
4.2 Comunicação valorada como campo de pesquisa .....................................
67
4.3 Portal Fiocruz: uma janela para fora e para dentro da instituição ..........
71
4.4 Em busca de um projeto conjunto de Comunicação .................................
78
5 IDENTIDADE FIOCRUZ: orgulho como marca ........................................
85
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................
92
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................
101
ANEXO I ................................................................................................................
104
ANEXO II ..............................................................................................................
106
1 Introdução
Este projeto pretende discutir o papel da comunicação nas novas
organizações que formam a sociedade da modernidade tardia, inter-relacionando a
necessidade de se criar uma imagem de identidade institucional, sem abrir mão da
contribuição e possibilidade de expressão da subjetividade daqueles que integram
essas instituições e das redes externas criadas por suas unidades, de acordo com
seus interesses específicos.
O estudo é resultado do interesse e necessidade profissional da
pesquisadora de complementar sua formação em jornalismo - pela Escola de
Comunicação da UFRJ - compreendendo melhor o papel das estratégias de
comunicação dentro das organizações modernas e suas várias possibilidades como
um processo de compartilhamento de experiências e de construção das identidades
organizacionais. Como sugere Heidegger, comunicação “é a partilha, no discurso,
da disposição e da compreensão enquanto modalidades temporais da existência
(existenciais, na terminologia heideggeriana), que constituem a abertura do ser-no-
mundo”.(SODRÉ, 1996)
Tratar desse assunto esbarra na primeira grande dificuldade de assumir um
recorte “organizacional” para os processos de Comunicação, como campo de
estudo e metodologia de análise. Não será importante para este estudo identificar
e definir estratégias de Marketing, até mesmo porque fugiria à área de atuação e
interesse da autora, mas serão contributivas as reflexões da hoje denominada
Comunicação Organizacional. Assim como o próprio campo da Comunicação e a
dificuldade de definições de seus limites e metodologias, também não existe uma
teoria única acerca da Comunicação Organizacional, como explica a Doutora em
Ciências da Comunicação Margarida Kunsch, em seu livro Relações Públicas e
Modernidade.
As estratégias de comunicação das organizações, assim como o conceito de
“Cultura Organizacional”, começaram a ganhar status de objeto de estudo a partir
das pesquisas das corporações empresariais (por isso, antes a denominação
Comunicação Empresarial, que atinge seu auge na década de 80) e hoje são
analisadas sob uma ótica mais ampla.
Goldhaber, um dos autores clássicos da Comunicação Organizacional, a
define como “um fluxo de mensagens dentro de uma rede de relações
interdependentes” (Apud KUNSCH, 1997, p.68). Outros conceitos de Comunicação
Organizacional de autores norte-americanos, como Kreeps, também apresentam
uma lógica funcionalista, voltada para resultados de debate de experiências críticas
e desenvolvimento de informações relevantes. Margarida Kunsch entende que às
experiências das instituições é mais valioso um conceito de comunicação
organizacional que dê conta de termos como relações públicas, relações
governamentais, comunicação de marketing, comunicação corporativa,
comunicação interna e externa (Idem, p.69).
Desde a década de 60 as estratégias de comunicação das corporações já
tinham ganho enfoque de autores da disciplina de Administração. No final da
década de 90, Margarida Kuncsh, que há anos vem centrando suas pesquisas na
área e é tida como referência neste campo no País, escreveu que a área de
Comunicação Organizacional como objeto de análise acadêmica ainda era
“emergente”.
Se fizermos uma comparação entre o desenvolvimento da
comunicação organizacional no mercado ou na área de negócios e
a produção científica (...), concluiremos que a defasagem é grande.
As universidades brasileiras e, principalmente, as escolas de
comunicação não souberam enxergar a importância e a
necessidade de propiciar oportunidades para que os cursos de
pós-graduação se voltassem para esta área” (Ibidem, p.69)
Essa “defasagem” ela atribui em hipótese aos longos anos de regime autoritário ou
a resistências dos acadêmicos ao tema, que o associavam a um benefício do
capitalismo empresarial.
A experiência da autora deste estudo, aprofundada durante as pesquisas,
entrevistas e observações que contribuíram para o resultado final desta dissertação,
inclui nas hipóteses da autora citada a dificuldade em acomodar a comunicação
organizacional em uma disciplina. Estudar - e, talvez ainda mais, atuar em -
estratégias de comunicação em organizações, comerciais ou não, implica em
assumir a interdisciplinaridade como princípio. Isso impulsiona uma luta política
pelo espaço de atuação nessa área entre os profissionais de Relações Públicas,
Administração, Marketing, Jornalismo ou mesmo Publicidade, rendendendo
decretos e processos jurídicos
1
. Na opinião do jornalista Audálio Dantas, ex-
presidente da Fenaj, esses conflitos são potencializados pela falta de uma legislação
específica, como diz em seu artigo no Jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas
de São Paulo, de maio de 2004.
É preciso lembrar que a realidade do mercado levou a esse
compartilhamento, independente de leis e decretos. Hoje, a
comunicação institucional exige a atuação de profissionais de
diferentes segmentos (...) Não se pode ignorar o fato de que a
legislação regula o exercício profissional nas áreas de Jornalismo,
Relações Públicas e Publicidade é conflitante. (DANTAS, 2004)
Na ocupação desse locus sem dono, e em busca da “autoridade do discurso”,
como define Foucault (2001), surgem novos cursos de formação específica, que
buscam a integração desses diferentes conhecimentos e competências. Uma
pesquisa realizada em 1999 pela Federação Nacional de Jornalistas – Fenaj na
época já indicava que 60% destes profissionais ocupavam cargos de assessores de
imprensa ou de comunicação, especialmente em São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro e
Distrito Federal.
1
Uma resolução normativa do Conselho Federal de Relações Públicas (Conferp), de agosto
de 2002, prevê que jornalistas não poderão redigir textos para informativos internos,
produzir house organs, revistas ou press release em assessorias de comunicação
.
Costurando esses saberes, este estudo encontrou na Antropologia Social, ela
mesma contemporaneamente aberta a novas fronteiras internas, como apontam as
reflexões de Clifford Geertz (1989), propostas relevantes de interlocução com as
teorias de comunicação, principalmente no que diz respeito à constituição de
identidades e das relações de poder engendradas nos processos comunicacionais,
em verdade, processos de trocas internas e externas.
Analisar o micro-universo das organizações em si mesmo seria incorrer no
“grave erro”, como escreve Gilberto Velho em Individualismo e Cultura, de isolar
este como um grupo independente e “autocontido”. (1981)
Se não se pode deixar de levar em conta as trocas dessa micro-sociedade
com o exterior, também é profícuo, para o estudo, analisá-la a partir de um
conceito arbitrário de cultura. Afinal, poder-se-ia falar de uma Cultura
Organizacional?
Inspirado em diversas definições de antropólogos o conceito de Cultura
Organizacional foi se fortalecendo e um dos mais conhecidos é o de Edgard Schein:
Cultura Organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que
um grupo inventou, descobriu e desenvolveu ao aprender como
lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna
e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados
válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de
perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas. (
Apud
BARBOSA, 2002)
Em suma, quer-se discutir aqui a Comunicação Organizacional em uma
perspectiva mais ampla possível, fugindo, inclusive, da visão funcionalista (de
previsão de resultados) de grande parte da literatura disponível dessa área
específica da Comunicação. Certamente aqui se levará em conta as estratégias de
comunicação como geradoras de resultados possíveis e alinhados aos projetos
institucionais; mas, ao lado disso, interessa a este estudo pensar a Comunicação
como troca e potencial de modificação de subjetividades, envolvimento de
identidades e mediatização das relações no interior das instituições.
Em sua experiência de trabalho, durante cerca de um ano, na Fundação
Oswaldo Cruz, a pesquisadora identificou que, por suas características ímpares, a
Fundação seria um excelente estudo de caso para esta pesquisa. Essa escolha
implicou um grande desafio; pela pluralidade, complexidade, dimensão, variedade
de atividades, postura e importância política e, principalmente, pelo modelo de
gestão da Fiocruz.
1.1 Fiocruz: um complexo estudo de caso
Esta dissertação vai centrar-se no estudo de caso da Fundação Oswaldo
Cruz - Fiocruz e suas estratégias de comunicação interna e externa e sua relação
com a constituição de sua identidade organizacional, indiscutivelmente sólida
diante do público e imprensa.
A Fundação, por sua constituição histórica, é uma reunião de unidades
autônomas, com diferentes finalidades - dentre pesquisa, ensino e produção - e que
conquistou uma imagem de credibilidade tanto para o público em geral, quanto
para a grande imprensa, a despeito de todos os seus embates internos e da falta de
um planejamento de comunicação que envolva todos os seus atores sociais e suas
áreas. Enfim, contrariando as estratégias básicas de marketing institucional, de
uma proposta institucional compartilhada e, normalmente, assegurada por rígidos
discursos gerenciais.
A Fiocruz teve de aprender a conviver com o que ela se transformou, uma
vez que não lhe foi permitido, por conta dos diferentes comandos assumidos todos
esses anos - que mudavam conforme o Governo instituído - criar um projeto
institucional claro e objetivo - ou, como preferem alguns dos entrevistados, a
Fundação hoje sofre com o desvirtuamento do projeto institucional proposto pelo
médico Oswaldo Cruz, seu fundador.
Pela primeira vez na história da Fundação, em 2002, a Fiocruz elaborou um
Plano Integrado de Informação e Comunicação, documento resultante das
discussões da câmara técnica de Informação, Informática e Comunicação, fórum
criado para dar suporte técnico às decisões no nível da presidência. O Plano é uma
tentativa de sistematização das práticas de informação e comunicação na Fiocruz.
A iniciativa demonstra uma clara mudança na visão da comunicação e informação
como áreas-chave para o desenvolvimento institucional e para a área da saúde
como um todo.
O especial desafio da comunicação da Fiocruz é voltar-se para si mesma -
para sua estruturação como instituição complexa que depende de entendimento de
seus integrantes e de um projeto conjunto - na mesma medida em que se alinha a
redes maiores, integradas a organizações civis, governo, empresas e população.
Assim o elaborado Plano Integrado se apresenta:
Isso demanda da política de comunicação e informação da Fiocruz
atuar em frentes diversificadas, tanto em relação aos públicos a
alcançar, quanto às tecnologias a utilizar. Diferentemente de uma
política de corporações empresariais, o nosso programa para esta
área tem o desafio de, além de buscar racionalidade e sinergia nas
ações, ser uma política pública comprometida com o
desenvolvimento científico e tecnológico nacional, a cidadania e a
superação das desigualdades sociais que marcam a sociedade
brasileira. Sua política deve buscar a eqüidade também no que se
refere às possibilidades de comunicação e protagonismo na
construção das estratégias e sentidos sociais
(FIOCRUZ,2002)
A Fundação tem o desafio de criar uma identidade institucional orgânica,
mantendo seus meios de relacionamento e comunicação externos e seu papel de
autarquia pública. Enquanto cada unidade da Fiocruz , em sua esfera de atuação,
volta-se para seus pares, sejam de pesquisa, ensino ou produção. Em paralelo, a
Fundação tem de manter seu papel público de transformadora social, identidade
completamente integrada à idéia moderna de Saúde como qualidade de vida da
população. Nessa linha, a Fiocruz mantém projetos comunitários, como rádios
comunitárias e escolas especiais para os moradores das favelas que circundam a
Fundação.
Não há neste estudo nenhuma intenção de criar - ou recriar - fórmulas de
comunicação já tão pensadas e discutidas por outras disciplinas como marketing,
nem tampouco analisar a Fiocruz sob a ótica de sua política administrativa. O
estudo pretende discutir como essa identidade organizacional foi e vai sendo
constituída em sua relação com as estratégias de comunicação desenvolvidas, em
seu processo de Comunicação Organizacional, apontar semelhanças e diferenças
entre as identidades forjadas - e em processo de constituição - de suas unidades.
É público, e as pesquisas que servem de base a este estudo corroboram o fato,
que há uma sustentação de um imaginário comum do papel missionário da
Fiocruz na manutenção da qualidade de vida e Saúde Pública. Interessa aqui
compreender quais as forças que permeiam essas estratégias e as subjetividades
criadas e que ao mesmo tempo influenciam a produção de sentido e objetivo da
instituição, a partir das relações de comunicação interna e externa.
1.1.2 Individualidade e coletividade
A velocidade e profusão da transformação social do chamado mundo
globalizado alteram o comportamento da sociedade como um todo e, claro, das
instituições que a integram. A Sociedade que Manuel Castells (1999) denominou de
“Sociedade da informação” muda a percepção do “eu” e do “outro”, distingue no
mesmo movimento que une, reúne e identifica.
As organizações dessa nova sociedade têm um desafio de impetrar
movimentos de identificação coletiva - de forma a manterem-se unidas e voltadas a
objetivos comuns - ao mesmo tempo em que devem abrir-se, globalizar-se e
alinhar-se às constantes mudanças sociais para manterem-se vivas, o que é próprio
do sistema capitalista atual.
Conhecendo o processo histórico de constituição da Fundação Oswaldo Cruz,
observa-se que foram exatamente os laços externos da entidade e suas redes de
informação e de atuação, instituídas desde bem cedo em sua criação, um dos
principais fatores que a mantiveram forte e única como instituição. As relações
internacionais de pesquisa e produção da Fundação foram decisivas para que esta
sobrevivesse às mudanças governamentais e mesmo ao regime militar - mesmo
subordinada a ele.
Muitas foram as ingerências de poder público na instituição, que mudaram
dezenas de vezes sua estrutura organizacional e sua relação com os organismos de
governo. Com a falta de um projeto institucional claro e de desenvolvimento
progressivo para a Fundação, as suas unidades foram se constituindo por fusão (a
partir de outros órgãos públicos) e outras, por dissidências de grupos de
pesquisadores. Foram criadas em diferentes épocas e se fortalecendo de forma
individual, intestina, voltadas para si mesmas e graças a suas parcerias com
organismos externos nacionais e internacionais, integrados por meio de ações
complementares e solidárias, desenvolvidas conjuntamente por atores estatais e
não-estatais, os chamados stakeholders
2
, constituindo suas redes de relacionamento.
A Fundação, talvez ainda mais que a grande parte das organizações
contemporâneas (por sua gestão baseada em colegiados e por sua constituição
fragmentada), pode ser analisada como manifestação da “sociedade complexa”,
segundo o conceito do antropólogo Gilberto Velho. “Uma das principais
características das sociedades complexas é a coexistência de diferentes estilos de
vida e visões de mundo” (VELHO, 1999). Essa complexidade constitui a própria
dinâmica social contemporânea. Gilberto Velho afirma que a diversidade de
identidade não é uma especificidade da atual sociedade, que os indivíduos sempre
viveram múltiplo papéis, em “diferentes planos que se movem”. Parece claro, no
2
Stakeholders são indivíduos ou grupos de indivíduos que, direta ou indiretamente,
podem afetar ou serem afetados pela organização na perseguição de seus objetivos
(STONER, 1989
apud
VIEIRA & CARVALHO, 2003)
entanto, que a alta velocidade de transmissão de informação e as novas tecnologias
da informação, o desenvolvimento técnico-científico e a constituição das redes cada
vez maiores de relacionamento fazem com que esses “planos” sejam cada vez mais
plurais e movam-se ainda mais rápido.
As estruturas organizacionais das novas corporações têm de dar conta dessa
pluralidade. No entanto, a experiência da pesquisadora na área e sua análise de
estudos teóricos de gestão de organizações mostram que nessas corporações
impera ainda o interesse por “determinadas” identidades.
Na defesa da pluralidade, Gilberto Velho explica que toda sociedade vive uma
tensão entre a busca da continuidade e unidade, e o relacionamento “mais ou
menos contraditório e conflituoso” entre os vários “mundos” e os códigos a eles
associados. Para o autor, nem mesmo o individualismo moderno exclui a vivência
e o englobamento por unidades abrangentes e experiências comunitárias.
Em resposta a uma visão desmantelada de mundo e de organização mantida
à custa de estratégias rígidas de gestão - que ainda são a opção de algumas
instituições com modelos primordialmente burocráticos e/ou tradicionais - este
trabalho pretende se basear na idéia de que as várias referências engendradas no
indivíduo e grupos da modernidade tardia e sua tendência à fragmentação não
anulam totalmente o que Gilberto Velho chama de “âncoras fundamentais que
podem ser acionadas em momentos estratégicos” (Idem, 1999).
Interessam ao desenvolvimento do projeto as observações de autores que
estudam as transformações das relações sociais nas sociedades da modernidade
tardia, entre eles Manuel Castells, em especial, pela sua preocupação em
compreender, a partir da evolução das novas tecnologias e do processo de
reestruturação do sistema capitalista, a “oposição bipolar entre a rede e o ser”,
segundo a qual nossa sociedade estaria estruturada. Para esse autor, “a identidade
está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de significado em um período
histórico caracterizado pela ampla desestruturação das organizações,
deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos
sociais e expressões culturais e efêmeras” (CASTELLS, 1999)
Para este estudo, que buscou identificar e analisar a política interna e
externa de comunicação da Fiocruz, foram ouvidos profissionais que atuam como
assessores de comunicação nas Unidades (ou em atividades afins) e na
Coordenadoria de Comunicação Social da Fundação, órgão ligado à presidência e
que, por organização estrutural, deveria ser um interlocutor principal entre as
unidades e a imprensa e entre elas próprias.
A pesquisa realizada para este estudo se pautou na metodologia qualitativa
e nos procedimentos de observação participante e entrevistas em profundidade.
Além da Coordenadora de Comunicação da Fiocruz, foram ouvidos profissionais
que atuam na área de Comunicação nas seguintes unidades da Fiocruz: Escola
Nacional de Saúde Pública, Escola Politécnica Joaquim Venâncio, Centro de
Informação Científica e Tecnológica, Instituto Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisa
Aggeu Magalhães e do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos - Bio-
Manguinhos. A escolha das unidades analisadas, diante da dificuldade de
contemplar todas as partes da Fundação, buscou contemplar um universo que
englobasse representantes das três principais áreas da Fundação, pesquisa, ensino
e produção, de forma a conseguir subsídios para relacionar suas estratégias de
comunicação a suas atividades fins e seus diferentes públicos-alvos. Foi oportuna
em especial a pesquisa da atuação do Centro de Informação e Comunicação
Tecnológica – Cict da Fiocruz, uma vez que esta unidade tem a Comunicação em
Saúde como seu campo temático de pesquisa.
Além das entrevistas, foram pesquisados documentos da Casa de Oswaldo
Cruz, unidade responsável por guardar a memória da instituição e a história da
Saúde Pública no Brasil. Foram pesquisados artigos de cientistas de diferentes
épocas, que versassem sobre o processo de constituição do projeto institucional da
Fiocruz. Também as análises das entrevistas de profissionais da Fundação, que
integram o Programa de História Oral da Fiocruz, mantido por essa unidade,
foram relevantes para a descrição do processo de formação da Fiocruz e por
desenhar um cenário político e ideológico dessa instituição ao longo da sua
existência. Além disso, o fato da pesquisadora ter atuado por cerca de um ano
como assessora de comunicação de uma das unidades, tendo mantido a pesquisa
mesmo depois de ter se afastado do cargo, permitiu que o estudo se utilizasse da
sua experiência nas discussões e debates internos nos diversos fóruns de discussão
da Fiocruz.
Diante da dificuldade de dar conta de uma instituição com quinze unidades,
algumas fora do Estado do Rio de Janeiro, e um modelo de gestão particular e de
difícil limitação, com vários fóruns deliberativos e muitos espaços de gerência, este
estudo teve a missão de mapear grande parte das estratégias de comunicação
presentes na Fundação, antes de qualquer análise.
Essa é uma instituição bastante complexa, que engendra relações de
comunicação múltiplas entre unidades, entre estas e seus públicos-alvos e com as
instâncias de poder e Governo, além das relações da Fundação, como um
organismo público, e a população como um todo. Um órgão que, pela forma como
foi constituído, moldando-se a diferentes organogramas institucionais ao longo de
seus mais de 100 anos, não se reconhece em um projeto institucional único, para o
qual todos os seus representantes irão convergir.
Com essa perspectiva, esse estudo entende que aponta alguns caminhos
para a discussão teórica sobre a Comunicação nesta instituição, de forma inicial.
Nesta pesquisa algumas questões puderam ser mais aprofundadas, enquanto
outras, servem como propostas para discussões futuras. Dada a riqueza desse
debate aqui levantado, optou-se por apresentar trechos da transcrição das
entrevistas com os profissionais de Comunicação da Fiocruz, como forma de dar
espaço ao discurso dos entrevistados, permitindo ao leitor desse estudo também
extrair, desse complexo material, diferentes perspectivas de análise.
Foi necessário, ainda, seguindo a metodologia de estudo da Comunicação
Organizacional, buscar entender o modelo de Gestão dessa instituição e como este
se relaciona com suas estratégias de comunicação. Essa análise é um dos princípios
dos estudos de Comunicação Organizacional, que localizam as atividades de
comunicação das organizações como um plano coletivo diretamente ligado ao
planejamento estratégico da gestão. (KUNSCH, 2000)
No próximo capítulo, será apresentado um histórico descritivo da formação
da Fundação Oswaldo Cruz, desde sua criação, quando ainda era o Instituto
Soroterápico criado pelo sanitarista Oswaldo Cruz. O capítulo mostra como se deu
o processo de constituição da Fiocruz e como este foi fragmentado e perpassado
por diferentes ingerências externas e por disputas internas. O terceiro capítulo
apresenta o modelo de Gestão Democrática Participativa aplicado à Fundação. O
entendimento desse modelo é crucial para a análise dos diferentes planos de
comunicação que coexistem nessa instituição e suas funções e resultados. No
quarto capítulo, serão apresentadas as estratégias de comunicação da Fiocruz, um
levantamento dos planos de comunicação da Coordenadoria de Comunicação
Social da Fundação, instância ligada à presidência, e das unidades acima citadas -
algumas delas não tem um planejamento para a área, mas algumas estratégias
pontuais. O quinto capítulo traz a discussão sobre como a Comunicação na Fiocruz
se relaciona com a constituição de sua imagem, externamente, para mídia e
população, forte e integrada e internamente bastante fragmentada. Essa parte é
seguida da conclusão e de dois anexos: a cronologia da Fundação e uma lista de
siglas para facilitar a leitura deste trabalho.
2 De Instituto a Fundação : uma construção conturbada
A Fundação Oswaldo Cruz é uma entidade pública, ligada ao Ministério da
Saúde, com uma história que remonta a 1900, época da criação do Instituto
Soroterápico, depois, Instituto Oswaldo Cruz. Por ter de se manter atrelada às
políticas estatais, variáveis ao longo do tempo, e às mudanças de governo, ganhou
expressiva autonomia administrativa, de forma a tornar-se independente dessas
variações e continuar produzindo, tanto insumos, quanto conhecimento científico.
Em 1930, época em que a Fundação já era referência em saúde no País, a
instalação do Estado Novo ampliou o controle sobre a entidade. Na década de 60, a
Fiocruz chegou a perder quadros e ver sucateadas suas instalações, assim como as
universidades públicas, por conta de manter-se um locus de resistência política
contra o regime.
Na segunda metade dos anos 80, a Fundação, comandada pelo então
presidente Sérgio Arouca, instaura a lógica da gestão participativa. E desde então,
esse é o modelo em vigor - que a entidade vem tentando “aprender” a vivenciar
em todas as suas instâncias de ação.
Em seu Termo de Referência de Gestão de Recursos Humanos, de 2001, a
Fiocruz - a Vice-Presidência de Ensino e Recursos Humanos, responsável pelo
documento - defende a consolidação e o aperfeiçoamento do modelo de gestão
democrática e participativa como contributivo para a “coesão interna, para
mobilização e comprometimento do corpo de funcionários com os objetivos
institucionais e acompanhamento e avaliação de seus resultados”; em suma,
conclui-se aqui: para manutenção de sua identidade.
O modelo de Gestão Democrática e Participativa se concretiza em três
instâncias de poder, segundo estatuto oficial: O Congresso Interno da Fiocruz,
órgão máximo de representação da “comunidade” Fiocruz, ao qual compete
deliberar sobre aspectos estratégicos relacionados ao macro-projeto institucional,
composto pelo Presidente e delegados eleitos pelas unidades; o Conselho
Deliberativo, integrado pelo Presidente, diretores das unidades e representantes de
funcionários, que delibera sobre diretrizes estratégicas e política de
desenvolvimento institucional, programação de atividades e proposta
orçamentária; Presidência, principal órgão executivo da instituição, integrado pelo
Presidente e pelas Vice-Presidências de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico;
de Desenvolvimento Institucional; Informação e Comunicação; e Ensino e Recursos
Humanos e de Serviços de Referência e Ambiente.
Dentre as unidades da Fiocruz, são tidas como finalísticas, ou seja, que
atuam nas três grandes áreas-base da Fundação (produção de insumos biológicos,
pesquisa e ensino) o Instituto Oswaldo Cruz - IOC, a mais antiga Unidade, célula-
mater da Fundação, o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz - CPqGM, Centro de
Pesquisa René Rachou - CPqRR, Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães - CPqAM,
Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane - CPqLMD, Escola Nacional de Saúde
Pública - ENSP, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV, Casa
Oswaldo Cruz - COC, Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos - Bio-
Manguinhos, Instituto de Tecnologia em Fármacos - Far-Manguinhos, Instituto
Nacional de Controle e Qualidade em Saúde - INCQS, Instituto Fernandes Figueira
- IFF e Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - IPEC.
Para dar suporte às suas atividades finalísticas, a Fiocruz dispõe de duas
Unidades Técnicas de Apoio: o Centro de Informação Científica e Tecnológica -
Cict e o Centro de Criação de Animais de Laboratório - Cecal. Além das unidades
de cunho administrativo.
3
É importante destacar que o Cict, embora seja uma unidade que congrega as
pesquisas em Comunicação em Saúde, ainda é tido como uma unidade de apoio e
não finalística, o que aponta para um embate entre esses dois status de unidade na
instituição.
3
P
ara facilitar a leitura desta obra, as siglas utilizadas neste estudo estão em uma listagem no
Anexo II.
É notório, no entanto, o atual esforço da Fiocruz para integrar a
Comunicação a seus campos de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, para
além de suas estratégias de comunicação interna, inerentes a qualquer organização.
E essa diretriz terá correspondência tanto em suas estratégias de comunicação
interna, quanto em suas estratégias externas, relativas a outras instâncias de Saúde
Pública e a população.
2.1 -Formação da Fundação Oswaldo Cruz
Para se compreender a autonomia política das unidades da Fiocruz é
importante analisar o processo de constituição da Fundação. O artigo “Do Instituto
Soroterápico Federal à Fundação Oswaldo Cruz”, dos pesquisadores Nara Britto,
Jaime Benchimol e Wanda Hamilton, da Casa de Oswaldo Cruz - COC, narra como
se deu a formação da Fiocruz e segundo os autores, “a inexistência de um projeto
institucional, para o todo, acabou gerando um conjunto de atividades diversas,
agregadas mas não unificadas” (BRITTO & Outros, 1994). Para descrever este
breve histórico da constituição da Fundação, este estudo também se utilizará da
análise de depoimentos de pesquisadores da instituição, que estão reunidos no
Programa de História Oral da Casa de Oswaldo Cruz (COC)..
Segundo os autores, a atual discussão sobre um projeto institucional para a
Fundação traz à luz “velhos temas e conflitos que perpassam a trajetória do
Instituto Oswaldo Cruz desde a sua criação” (Idem, p.31).
O Instituto foi criado em 1900 para produção de soros e vacinas contra a
peste bubônica, que ameaçava a capital Rio de Janeiro, onde a população sofria
também com a varíola, febre amarela, tuberculose e outras doenças infecciosas. A
missão do Instituto era produzir os imunológicos que substituiriam os fabricados
na Europa. Pouco mais de dez anos depois, o modesto Instituto já havia se tornado
o primeiro grande centro de medicina experimental da América do Sul. No
contexto internacional, a medicina era transformada pela revolução pasteuriana e
pela microbiologia. A cura das doenças, cada vez mais, resultava de estudos
laboratoriais, que aos poucos se tornavam tão relevantes quanto o atendimento
médico ambulatorial. O sucesso do até então recém-criado Instituto Oswaldo Cruz,
segundo os autores do artigo, pôde ser explicado pela ousadia do projeto
institucional concebido por Oswaldo Cruz e a nova abordagem tradicional das
questões de saúde coletiva da população.
Em 1903, Oswaldo Cruz assume a chefia da Diretoria Geral de Saúde
Pública no Governo do presidente Rodrigues Alves, que prometera uma “cirurgia
urbana” na capital, para extirpar a febre amarela e outras epidemias que
transformavam a cidade em um “porto sujo”, discriminada pelo comércio
internacional. Neste período, Oswaldo Cruz deu início ao projeto monumental de
Manguinhos voltado para três principais atividades: fabricação de produtos
biológicos, pesquisas médico-experimentais e ensino de bacteriologia.
O suntuoso castelo mourisco foi erguido sobre uma colina, de frente para o
mar aos 50m de altura, na então Fazenda de Manguinhos. As paredes são de
granito e as varandas externas de azulejo “Bordalo Pinheiro” e o piso é coberto de
mosaicos franceses. Não se sabe ao certo o porquê de sua arquitetura mourisca, o
que é certo é que sua imponência - antes cercada por manguezais e hoje, diante da
maior avenida da cidade, Avenida Brasil, Zona Norte do Rio de Janeiro, e cercada
por comunidades carentes - serve para entronizar sua austeridade no imaginário
social e o coloca geograficamente em posição de destaque. “A Fiocruz continua, lá
no alto da colina, sólida e imponente, a fazer jus a sua história”, descreve o
material de apresentação da instituição. O conjunto arquitetônico da Fundação - o
campus Fiocruz, em seus 800 mil m
2
- foi tombado pela então Secretaria de
Patrimônio Histórico e Artístico.
No pavilhão mourisco avançavam as pesquisas em hematologia,
parasitologia, entomologia, anatomia patológica etc. que geraram os primeiros
trabalhos acadêmicos originais, que resultaram em prestígio e projeção para os
pesquisadores do Instituto. “Cada pesquisador, em cada laboratório, dividia seu
tempo de trabalho entre as tarefas de rotina (produção), as pesquisas de objeto, que
eram de sua livre escolha e as preleções aos doutorandos” (Ibidem, p. 31).
Nos anos seguintes estatísticas demonstravam a erradicação da febre
amarela, o que garantiu a permanência de Oswaldo Cruz na Diretoria de Saúde
Pública. Ao longo de 1907 tramitava no Congresso um projeto de Lei que
transformava o Instituto Soroterápico em um Instituto de Medicina experimental,
com atribuições e atividades que na prática já existiam e com grande autonomia
em relação à gerência do Governo Federal. O projeto foi aprovado graças ao
primeiro prêmio ganho pelo Brasil, com os trabalhos dos pesquisadores do
Instituto, na exposição de higiene e demografia, que aconteceu em Berlim, em
1907, onde era o único representante das Américas. Com isso, Oswaldo Cruz
voltaria da Europa com o status de herói e conquistando a comunidade científica
internacional. Em um ano, o Instituto viraria o Instituto Oswaldo Cruz. O
regulamento não só endossava o “tripé” de atuação que até hoje é a base da
Fiocruz, como garantiu a autonomia suficiente para sobreviver às oscilações
políticas. Era permitida, por exemplo, arrecadação de renda própria com a venda
de seus produtos biológicos, o que foi crucial para que ele sobrevivesse à falta de
recursos públicos (isto é o que hoje fazem as unidades de Far-manguinhos e Bio-
manguinhos). Segundo os autores, no Governo de Getúlio Vargas, a política
centralizadora colapsou o projeto institucional de Oswaldo Cruz, reforçado por
Carlos Chagas, quem o sucedeu no comando do Instituto.
Em 1937, o Instituto ficou subordinado ao Ministério de Educação e Saúde
Pública, chefiado por Gustavo Capanema, que acabou com a autonomia da
instituição e a rebaixou na hierarquia administrativa, passando a subordiná-lo a
um de seus departamentos. Além disso, proibiu a comercialização das vacinas e o
tornou totalmente dependente dos recursos públicos, e obrigou a contratação por
concurso público, o que dificultou o ingresso de novos pesquisadores, que, durante
anos, ficaram aguardando a abertura de vagas. Ainda hoje, a contratação por
concurso é um dos maiores problemas para a formação dos quadros da Fiocruz e a
falta de concurso nos últimos anos levou à contratação em massa por terceirização
e por bolsas de estudo de órgãos de pesquisa nacionais e internacionais, compondo
hoje um corpo heterogêneo e de difícil gerência no nível das unidades e da
presidência.
A falta de verbas e de autonomia desestruturou a instituição, que se
expandira e consolidara apoiada no tripé produção, pesquisa e ensino.
A integração dessas vertentes se transparecia na lógica da
distribuição dos espaços internos e do próprio tempo de trabalho
de cada pesquisador. A autonomia para determinar a orientação e
ritmo destes trabalhos não deve ser entendida como isolamento,
pois desde o princípio, o Instituto manteve a mais estreita e vital
ligação, de um lado com os fóruns científicos internacionais e de
outro, com os problemas de saúde coletiva da população brasileira
(BRITTO e Outros, p.33).
Ao mesmo tempo, o Instituto estreitou seu vínculo com os problemas
sanitários, estendendo sua atuação para além da cidade do Rio de Janeiro.
Exposições científicas foram enviadas a outras cidades e regiões portuárias e,
principalmente, ao interior, onde os pesquisadores do Instituto substituíam a total
ausência do serviço público de saúde. O objetivo, segundo o referido artigo, seria
estudar as doenças que impediam a expansão econômica do país ao interior.
Essas expedições de saúde contribuíram para a conclusão de ferrovias e
usinas hidrelétricas, que antes perdiam vários operários e técnicos, de empresas
privadas e estatais, mortos por febre amarela e malária. Nesse mesmo processo, os
cientistas conheceram e aprofundaram seu conhecimento sobre diversas doenças.
Foi nesse período que Carlos Chagas descobriu e descreveu a triponossomíase, mal
que ganhou o seu nome, e foi sem dúvida um dos maiores êxitos científicos de
Manguinhos até hoje.
A criação do hospital de Lassance, filial de Belo Horizonte (Ezequiel Dias) e
do hospital Oswaldo Cruz no Rio (hoje Evandro Chagas) consolidou bases
permanentes de pesquisa relativas a endemias rurais. As excursões ao Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do Brasil também serviram para conhecer melhor os
hábitos de vida da população, levando à capital a discussão sobre a necessidade de
uma política geral de saúde pública no país, o que resultou na criação do
Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920. Nesse período, foram
confiadas ao Instituto novas atribuições: a fabricação da vacina anti-variólica, o
serviço de análise de soros, vacinas e todos os produtos biológicos do mercado e o
serviço de medicamentos oficiais, como a preparação da quinina.
Com a crise de 1929, a redução orçamentária de Manguinhos levou à evasão
de muitos cientistas. Além disso, o Governo, por meio do Ministério da Educação e
Saúde Pública, reduziu a intervenção do Instituto no campo da saúde, “seja na
formulação das práticas sanitárias, seja na participação de seu corpo técnico em
órgãos e serviços públicos” (Idem, p.33). Com essa política, que retirou a
autonomia administrativa e financeira de Manguinhos, o Instituto tornou-se
vulnerável às oscilações políticas, o que refletiu na crescente disputa interna por
recursos escassos e na dissolução da integração de seus setores e atividades, na
crise de sucessão e legitimidade das diretorias e numa indefinição de rumos e
projetos que deveriam se ajustar à instituição.
Com o engajamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Governo
voltou a dinamizar a produção de vacinas e soros no Instituto e as pesquisas da
flora nacional para uso medicinal e na alimentação. Nesse período, o presidente da
instituição, Henrique Aragão, discípulo de Oswaldo Cruz, reformou a estrutura de
Manguinhos, separando as áreas de pesquisa e de produção e criando uma divisão
dedicada a endemias, que se voltou ao estudo de profilaxia de doenças como
Doença de Chagas e Esquistossomose.
Em 1946, o Instituto foi integrado à estrutura da Universidade do Brasil
(atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), tendo sido desanexado meses
depois. Havia uma disputa política entre Manguinhos e a Faculdade de Medicina
da Universidade do Brasil, a ponto de os cientistas do Instituto que quisessem
ingressar no meio acadêmico, segundo relatos apurados por pesquisadores da
Casa de Oswaldo Cruz - COC, fossem constrangidos tanto por uma animosidade
da Academia, quando por um preconceito de seus pares em Manguinhos.
A gestão de Francisco da Silva Laranja, presidente também indicado por
Getúlio Vargas, com início em 1954, foi marcada pela criação do Conselho
Deliberativo, atendendo a uma reivindicação antiga de um expressivo grupo de
pesquisadores do Instituto, descontentes com o caráter centralizador e autoritário
de todas as gestões até então. Antes da criação do Conselho não havia nenhum
espaço institucional para solução de conflitos, discussões acerca da reivindicação
do corpo técnico ou que permitisse a este acesso ao processo decisório nem no
estabelecimento de regras e normas nem na escolha de dirigentes.
Segundo análise de estudos publicados por pesquisadores da COC, as
curtas e descontínuas gestões que marcaram Manguinhos e o “esfacelamento” do
projeto original de Oswaldo Cruz, na década de 40, somados à incapacidade de
organização interna para fazer frente às oscilações administrativas de diferentes
governos levaram os cientistas a voltarem-se para fora da instituição de forma
fragmentada, ao mesmo tempo em que os antagonismos internos iam se
intensificando. Isso gerou um movimento separatista dentro de Manguinhos:
alguns pesquisadores passaram a defender a criação de um ministério da ciência
no Brasil (o Instituto estava ligado ao já criado Ministério da Saúde, desde 1953)
que passaria a gerenciar o Instituto, segundo eles, por estar mais afinado com as
suas necessidades de pesquisa do que o Ministério da Saúde. O movimento
expressava claramente o resultado da separação administrativa entre pesquisa e
produção (que começa nos anos 40) e a dicotomia correspondente entre pesquisa
básica e aplicada. A ”luta” seria decidida alguns anos depois através de
mecanismos autoritários instaurados no país durante o regime militar, que
efetivamente excluiu um grupo de pesquisadores mais significativos da instituição.
4
4
Seguindo a resolução do Congresso Interno da Fiocruz, hoje a Fundação segue o plano de
carreira do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT, que foi considerado mais adequado
Além das consecutivas perdas, Manguinhos, um locus de debate político
desde os primórdios de sua criação, sofreu diretamente com a instauração do
governo militar em 1964. As perseguições políticas eram constantes. A diretoria
indicada pelo Governo criou em torno de si um grupo e exclui outros
pesquisadores, que tiveram seus financiamentos rejeitados e suas pesquisas
paralisadas. Em 1970, alguns pesquisadores foram, com base no AI-5, suspensos
por dez anos em seus direitos políticos. Como a punição não garantia seu
afastamento, dois novos decretos os aposentaram. Ao menos dez cientistas foram
punidos e outros vários transferidos para outros órgãos do Ministério da Saúde. O
episódio ficou conhecido interna e externamente como “Massacre de
Manguinhos”. Como resultado, várias linhas de pesquisa foram extintas e estudos
ficaram abandonados. Walter Oswaldo Cruz, filho de Oswaldo Cruz, acusado de
proselitismo político contra o Governo militar e contra a direção da instituição teve
seu laboratório fechado.
No mesmo ano foi instituída a Fundação Instituto Oswaldo Cruz e foi
devolvido à instituição o direito de verba arrecadada com seus produtos, que hoje
chega a 30% de seus recursos globais. A Fundação herdou as dissensões oriundas
das diversas gestões e reestruturações do Instituto, aglomerando unidades
desconexas. Nessa época, o Instituto Oswaldo Cruz - IOC, a Escola Nacional de
Saúde Pública - ENSP ( atual Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca), o
Instituto Fernandes Figueira - IFF, o de Endemias rurais, Evandro Chagas e o
Instituto de Leprologia.
5
às funções profissionais exercidas na Fundação – embora esta esteja ligada ao Ministério
da Saúde. A manutenção do plano de carreira no MCT foi aprovada no último Congresso
Interno da Fiocruz, em 2000, embora haja quem defenda que a Fundação deve desenvolver
e seguir um plano de carreira próprio.
5
A constituição das unidades e órgãos administrativos e de assessoria da Fiocruz, ao
longo dos anos, está cronologicamente ordenada no Anexo I deste estudo.
As questões que hoje se apresentam para a Fundação, no que tange à sua
integração política e administrativa e à proposta de um projeto institucional
coletivo, não são nada recentes.
Alguns dos problemas que hoje se colocam à reflexão da
comunidade de Manguinhos (...) já eram assinalados há dez
anos [1984] na gestão de Vinícius da Fonseca. ‘Diagnósticos
iniciais - dizia ele (...) - demonstraram que, na realidade, a
Fundação é um conglomerado de órgãos praticamente
autônomos (...) até mesmo as mentalidades são diferentes,
inexistindo um
esprit de corps
comum, com óbvio prejuízo para
todos” (BRITTO, 1994,p.35)
O histórico apresentado mostra como as oscilações de ingerências da
Fundação, ao longo de sua história, redundaram na fragmentação interna e na falta
de um projeto institucional claramente definido e seguido. Nesse mesmo processo,
a Fundação empenhou-se no desenvolvimento tecnológico e de suas pesquisas e
ganhou força integrando-se a organismos externos, até mesmo de fora do Brasil,
conquistando respeito internacional. A Fiocruz mantém uma forte imagem pública,
porém internamente sofre, e as entrevistas apontaram isso, e se ressente da falta de
um projeto coletivo. Isso gera conflitos com a constituição de sua própria
identidade e se reflete em suas estratégias de comunicação – que de alguma forma
tentam resgatar essa unidade.
Segundo o discurso institucional, debatido ou “pactuado” (para utilizar um
jargão da área de Saúde Pública) nas discussões do Congresso Interno da Fiocruz,
instância máxima decisória, a Fundação tem hoje definida como sua missão
primordial:
(...) gerar, absorver e difundir conhecimentos científicos e
tecnológicos em saúde pelo desenvolvimento integrado das
atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, ensino,
produção de bens, prestação de serviços de referência e
informação, com a finalidade de proporcionar apoio estratégico ao
Sistema Único de Saúde e contribuir para a melhoria da qualidade
de vida da população e para o exercício pleno da cidadania.
(
www.fiocruz.br
)
A análise das entrevistas para este estudo, no entanto, mostram que esse
consenso mínimo não parece ser levado a cabo na prática, de forma conjunta e
integral.
Nesse contexto fragmentado, heterogêneo, a Fundação assumiu o desafio de
instaurar um modelo democrático participativo de gestão, vivenciando uma
experiência institucional única. No capítulo a seguir, serão apresentadas as
premissas desse modelo de gestão, marcado, em teoria, pela horizontalização de
poder e por uma maior participação e responsabilização de seus integrantes, e sua
relação com as estratégias de comunicação organizacionais.
3 Gestão Democrática Participativa: participação ou desmando?
As pesquisas para este estudo não podem deixar de levar em conta o
modelo administrativo da Fundação; como qualquer estudo de Comunicação
Organizacional deve buscar entender o modelo administrativo que norteia as
estratégias de comunicação da instituição em questão. Porém, nesse caso, o “norte”
é menos rigoroso ou verticalizado em suas instâncias de poder e, por isso, aberto a
discussões mais interessantes com relação à Comunicação.
Nos depoimentos está clara a relevância da Gestão Democrática
Participativa na produção e execução das estratégias de comunicação da Fundação
e suas unidades e de como este modelo administrativo pode ser vivido como um
grande obstáculo a uma visão mais canônica da Comunicação e mais integrador e
abrangente dentro de uma perspectiva de Comunicação como relação de troca e
espaço de poder.
Seguindo o histórico apresentado anteriormente, em 1985, a Fundação é
assumida pelo médico sanitarista Sérgio Arouca, indicado como candidato à
presidência da Fiocruz por uma frente suprapartidária, com representação
inclusive dentro do Ministério da Saúde. O movimento se fortaleceu e conquistou a
indicação de Arouca para a presidência da Fundação.
A “Gestão Arouca” é tida pela maior parte da “comunidade Fiocruz” como
a mais transformadora. É voz corrente que, ao final do período militar, foi dele a
missão de recuperar as instâncias democráticas e a excelência da Fiocruz. Segundo
grande parte dos documentos e entrevistas realizadas por esta pesquisadora,
Arouca democratizou a Fiocruz, recuperando a associação de funcionários e
promovendo eleições diretas para sua diretoria; implementou o modelo de gestão
colegiada e participativa, criando o Conselho Deliberativo como instância máxima
de poder; recuperou o prestígio da instituição no campo da pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico, levando a Fiocruz ao status de vanguarda da
discussão e formulação de políticas de saúde no Brasil; e reintegrou os cientistas
cassados pelo governo militar. Sua proposta de modelo descentralizado de gestão
é a base da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) - concretizado durante a 8ª
Conferência Nacional de Saúde, presidida por Arouca, que foi a primeira a contar
com a participação popular - serviu de base para o texto de Saúde da Constituição
Federal de 1988.
O modelo proposto para o SUS é de um processo contínuo de construção,
engendrado por uma rede de instâncias deliberativas, com expressiva autonomia
política e administrativa de suas partes.
A proposta de Sérgio Arouca, que morreu em 2004, às vésperas de
coordenar a 12ª Conferência Nacional de Saúde, era alinhar as metas da Fiocruz a
um ideal de ”integralidade” da saúde, jargão da área de Saúde que significa uma
visão de saúde como qualidade de vida, com foco na prevenção e não na cura. A
base desse ideal de saúde é o desenvolvimento social e humano.
Esse modelo específico de democracia torna essa proposta um caso especial
de interesse - principalmente no que concerne a seu modelo de comunicação
interna. A forma de gestão democrática é o que a torna diferente das
Universidades Públicas, por exemplo, que também são espaços de conhecimento
científico, historicamente reconhecido por suas dissensões, porém de reconhecida
centralização de poder.
3.1 Participação como resposta à centralização
Em primeiro lugar, no entanto, é preciso entender o que é, a priori, a Gestão
Democrática Participativa em teoria. Apesar desse modelo marcar um diferencial
da Fiocruz, uma investigação mais próxima revela que a noção da Gestão
Democrática Participativa na instituição é atravessada por diferenças e
contradições. Assim como entre os teóricos, uma das grandes divergências da
visão desse modelo na Fiocruz diz respeito ao papel final do Estado na democracia.
Segundo o pesquisador Frederico Sotero, consultor em Gestão do
Conhecimento e diretor do Instituto de Gestão Participativa em Rede, a Gestão
participativa nasce a partir da decadência, nos anos 80, do modelo burocrático de
gestão pública - com o esgotamento do Estado do Bem-Estar Social, a
internacionalização do sistema financeiro e a recessão mundial causada pelo
aumento das taxas de juros norte-americanas e o do barril de petróleo (SOTERO,
2002). À medida que o Estado se minimizava, tomava corpo um novo modelo,
criado na Inglaterra e que no Brasil se denominou “Estado Gerencial”.
Entre os teóricos defensores da descentralização de poder público, idéia que
tem no sociólogo português Boaventura de Souza Santos seu maior expoente,
Sotero aponta nomes da esquerda européia, como Alain Touraine, Anthony
Giddens, Jürgen Habermas e Eric Hobsbawn.
A Gestão Participativa procura “superar” os modelos burocrático e
tradicional de governo. Em linhas gerais, a burocracia seria marcada, segundo
Sotero, pelos seguintes pilares: discurso da competência técnica, valorização dos
planos gerais de ação, conceitos técnicos e regras para o maior número de ações
desenvolvidas pelos subordinados, controle dos funcionários, linguagem técnica e
hermética, inibição de propostas muito inovadoras; relações impessoais e frias,
fruto do estilo centralizador e muito técnico, distância da população, valorização
pelos resultados; e finalmente a dimensão econômica sobreposta à dimensão social:
em caso de pouco recurso, corta-se a folha de pagamento ou investimentos sociais,
mas não se afeta o funcionamento e a rotina da burocracia pública. Esse princípio
vem sempre justificado com argumentos "realistas", onde uma possível crise
impele o dirigente a fazer cortes sociais.
A gestão tradicional também é marcada pelo centralismo, porém com a
tônica do “costume e da fidelidade”. A gestão tradicional pauta-se pelas seguintes
características: fidelidade e troca de favor: manutenção de poder pela capacidade
de atender a interesses individuais, criando relações de dependência ou favor;
ausência de planejamento global de ações (gestão por intuição); propostas sociais
marcadas pelo assistencialismo, preservação da relação de provimento com a
comunidade que o elege.
Apesar da Gestão Democrática Participativa, por sua proposta
descentralizada, poder assumir diferentes formas de execução, sob perspectivas
distintas, Sotero aponta quais seriam suas principais características:
Estruturas Colegiadas de Gestão: a gestão participativa supera o
centralismo das decisões. Na prática, desmonta os modelos
personalizados e "imperiais" de gestão. Como exemplo, podemos
citar a superação do controle de um posto de saúde por um
diretor, sendo substituído por um conselho paritário (técnicos e
usuários do posto de saúde) que passa a dirigi-lo. O objetivo, neste
caso, é articular formas de democracia direta (os próprios
governados decidem sobre as políticas), com formas
representativas (eleição de representantes que fazem a mediação
entre o Estado e a sociedade civil);
Lideranças Populares com capacidade de formulação: para as
formas colegiadas de governo funcionarem é necessário construir
um novo perfil de liderança popular. Nos anos 80, em nosso país,
as lideranças contestavam e tinham grande poder de mobilização.
No século XXI este perfil não basta. É preciso agregar capacidade
de formulação de políticas públicas, gestão e fiscalização de sua
implementação. Para ampliarmos o poder político e os espaços
públicos, necessitamos de lideranças da sociedade civil que
consigam se pensar gestores públicos e não meros mensageiros de
demandas;
Gestão por Projetos: nos modelos de gestão participativa, não se
governa por área ou serviço, mas por projetos, elaborados em
conjunto com a população que demanda políticas públicas. Neste
caso, os projetos acabam por integrar setores ou secretarias.
Impelem, portanto, mudanças na formação dos técnicos e
funcionários públicos. De especialistas, passam a ser polivalentes,
articulando várias áreas na construção de projetos integrados de
atendimento de demandas locais;
Descentralização Territorial: finalmente, as gestões participativas
exigem uma profunda descentralização. Como já afirmamos
anteriormente, descentralização significa delegar a execução e
parte do planejamento de ações para instâncias inferiores da
gestão pública. Não basta delegar a execução de tarefas, mas
também o processo de decisão de formulação de estratégias.
(Idem, p.19)
A estrutura administrativa da Fiocruz prevê a constituição do Congresso
Interno, do Conselho Deliberativo geral, integrado pelo Presidente, diretores das
unidades e representantes de funcionários, e os conselhos deliberativos de cada
Unidade; Presidência e Vice-Presidências setoriais, entre outros vários fóruns
menores de discussão. O modelo estimula a discussão intra-unidade, de forma que
os principais tópicos debatidos possam ser levados aos fóruns macro de discussão
e deliberação. Dependendo da relevância política e administrativa do tema, este
pode ser levado ao Congresso Interno da Fundação, órgão máximo de resolução.
As entrevistas para este estudo buscaram identificar como os profissionais
de comunicação da Fundação percebem esse modelo de gestão e como o
relacionam a seus trabalhos. As análises e opiniões dos profissionais sobre o tema
se mostraram bastante distintas. Em comum, somente a crença de que, seja qual for
o modelo de gestão da Fiocruz, este está em construção. Quanto às estratégias de
comunicação as visões vão desde o caos até de um rico processo de relações em
rede.
Quanto a essa gestão participativa, nada a declarar. Funciona
segundo a lógica da instituição, e vai sendo aprimorada sempre.
(...) é evocada para legitimar a não-responsabilização de uns, por
um lado, (...) e a manipulação ditatorial, por outro (inibindo
manifestações individuais e tachando-as preconceituosamente de
by-pass e não institucionais. Este é um efeito colateral de uma boa
idéia. (...) Na Fiocruz enxergo esses dois modelos convivendo
como se fosse uma coisa só: a gestão participativa regulada,
regimentada, definida em seus instrumentos formais; e a gestão
participativa entre aspas, imagem distorcida que acaba se
prestando aos mais variados desmandos e que é absurdamente
prejudicial ao funcionamento da instituição (Carlos Xavier, ex-
redator e editor do projeto Radis - Reunião, Análise e Difusão de
Informações sobre Saúde, ligado à Ensp)
A proposta de descentralização começou em 1985, porém somente em 1994
foi criada a primeira assessoria de comunicação descentralizada da Fiocruz, na
Unidade IOC (Instituto Oswaldo Cruz), sob a responsabilidade da jornalista
Cláudia Jurberg. Ela contou:
Como o IOC é uma unidade completamente descentralizada, com
laboratórios espalhados por todo o campus, nossa principal meta
era construir um veículo de comunicação interna para que os
funcionários e pesquisadores do Instituto pudessem ter acesso e
conhecer mais sua própria unidade.
Sobre a relação do modelo de gestão com o trabalho da comunicação na
Unidade, ela opinou: “Eu gostaria de entender melhor o que significa gestão
participativa para você e ai sim poderei te responder. Às vezes, a gestão
participativa é mais blábláblá do que qualquer outra coisa”.
O modelo participativo, quando analisado por seus fóruns de discussão, tem
seus defensores, que vêem nessa opção de organização político-administrativa um
ganho para a Fiocruz. Assim analisa a pesquisadora Janine Cardoso, do Cict,
socióloga e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ:
Tem outros problemas e eu estou querendo marcar muito em
termo de complexidade porque também a gente tem ganhos. E
tem problemas. Acho que precisa de mais tempo, talvez haja um
déficit de rapidez nas resoluções, mas eu acho que quando os
processo são bem encaminhados e os espaços coletivos são bem
construídos, há um ganho. Um ganho na gestão, no
comprometimento, na capilaridade das decisões, na possibilidade
de compartilhar essas decisões, os ganhos, de um
comprometimento maior em vários níveis eu acho que a gente já
teve vários exemplos disso.
Ela percebe ainda mais ganhos para a Comunicação:
Primeiro isso: a gestão participativa, e você vê isso não só na
Fiocruz, mas na Saúde em geral, tem um componente
comunicacional muito grande. Comunicação é o cimento disso.
Comunicação entendida como trocas comunicativas, mas é uma
prática onde essa interação fica muito evidente. Não só como
paradigma de transmissão ou visibilidade ou transparência, como
de pactuação. Reconhecimento de conflitos e divergências, de
interesses...que tira essa coisa meio asséptica da comunicação. A
comunicação ganha concretude, carne, sangue, nome...é
negociação, entendimentos, formas etc. diferente dessa coisa
funcionalista.(...) Com todas as suas falhas, a gente tem um
caminhozinho andado na Fiocruz muito significativo. É um ganho
pra quem vê isso, mas pode ser vivido como um peso. Você tem
um segmento significativo do corpo funcional que vive isso mais
como um peso, chateação, um mais: além de ter que trabalhar,
além de ter de ser competente, além... eu ainda tenho que
´participar’. No limite, é uma discussão meio ideológica. Maior
comprometimento, maior participação.
A coordenadora de Comunicação Christina Tavares tem opinião claramente
oposta:
Nem querendo ser cruel, mas sendo tão realista que até parece
crueldade, quando havia uma certa centralização na presidência,
tinha esses problemas sérios do ponto de vista administrativo,
agora, da Comunicação era mais tranqüilo. Porque as unidades
não ficavam inventando moda nesta quantidade que inventam,
“destrambeladamente”, achando que está comunicando. Todo
mundo entende de comunicação e os diretores se sentem cabeças
privilegiadas e vão embora achando que fazem. Isso eu acho que
foi pior pra Comunicação interna, muito pior, a descentralização.
E só não é pra externa, porque eles não têm peito de estar soltando
matéria pra fora e cai aqui. O diretor ainda não tem o
discernimento que se a matéria ruim do INCQS, por exemplo, não
bateu na porta dele é porque a gente segurou ela aqui, na
Comunicação. A Comunicação, desde que eu criei ela até hoje,
claro que já melhorou demais, o pesquisador hoje dá entrevista,
mas isso ainda cai por cima... a matéria que não saiu não tem o
menor valor pro diretor. Só importa a ele a que saiu boa, mas ele
não valoriza nenhuma que você “segurou”. Então, sei lá, essa
autonomia, do ponto de vista da comunicação eu acho
complicado.
O sociólogo João Costa, assessor de comunicação do IOC (Instituto Oswaldo
Cruz), tem a seguinte perspectiva quanto ao modelo participativo no que diz
respeito à Comunicação:
Os ganhos, a princípio, são poucos, muito embora possam ser
muito maiores. É grande a quantidade de informações produzidas
(por) e de domínio dos profissionais de cada unidade. Claramente,
contudo, são fatos e informações que não estão em um mesmo
patamar de ‘divulgabilidade’. Muitos desses fatos e informações
são de caráter interno, isto é, servem apenas para atualizar a
informação dos pares (dos próprios cientistas) dentro uma mesma
unidade ou, até mesmo, entre unidades. Sua importância consiste
em dar sentido e, possivelmente, aprofundar interpares as
perspectivas e estratégias prováveis depositadas nos diversos
projetos.
Num ‘projeto ideal’, de gestão centralizada, por exemplo, se
poderia imaginar a multiplicação do volume de divulgação das
informações. Até mesmo, maximizando como um todo a
informação científica a partir da Fiocruz. Na prática, porém, tal
estratégia, certamente, agudizaria o conflito já existente - e por
todos nós sentido - entre a dinâmica da informação jornalística
(“para ontem”) e a do pesquisador, cujos métodos os remetem a
uma relativa “eternidade” de tempo e conclusão.
Em contrapartida, se pode afirmar que o que se vê é cada unidade
detendo, de per si, essa mesma estratégia ideal, de maximizar suas
informações, tanto as que buscam o interesse do público ‘externo’,
como as de sentido interno. Porém, essa mesma ‘autonomia’ das
unidades serve, também, muitas vezes, como justificativa para
fatores menores, que se confundem como divergências, gerando
assim uma tendência ao desajuste desse equilíbrio relativo
existente na gestão, tornando-a mais ‘participativa’ para uns e
menos para outros. Sem descartar o fato de que a importância da
autonomia das unidades se deva à própria característica de terem
estratégias e interesses próprios, relativos a seus objetivos
científicos.
Dos discursos dos entrevistados, um dos poucos consensos é de que, seja
qual for o modelo de gestão que a Fiocruz realiza na prática e quais são as
implicações dele na política de comunicação da instituição (seja ela formatada ou
não) é de que este é um processo em andamento, passível de ser modificado,
inconcluso. Assim como o próprio modelo de do Sistema Único de Saúde, em suas
instâncias descentralizadas, vai se compondo e recompondo conforme as
experiências em cada município, em cada Estado do País, também a Fiocruz está
em busca de seu próprio modelo que dê conta de um projeto institucional básico
na pesquisa, ensino e produção.
O que pode parecer desnorteador em uma análise geral das respostas é que,
por princípio, a comunicação interna deve assumir uma função estratégica de
planejamento. Este deve atuar em consonância com e ratificando um projeto
organizacional e sua missão e visão, para utilizar dois termos do marketing. Em
sua tese de doutoramento, Margarida Kunsch descreve, a partir de sua pesquisa, as
instituições governamentais como menos voltadas para resultados e mais
dedicadas a “interesses políticos e busca de poder” (1997, p. 88)
Nesta pesquisa pondera-se que a Fiocruz, por sua diversidade de
atividades, traz tanto uma perspectiva de busca de resultados como de interesses
políticos (não se pode esquecer de que se trata de uma das, se não a mais,
importante autarquia do Ministério da Saúde e, por meio da qual, as políticas e
avanços nessa área no País ganham visibilidade mundial).
No entanto, essa busca de poder perpassa todas as relações dentro de
quaisquer organizações. O poder, como sugere Foucault, tem um caráter
relacional. E nas relações comunicacionais este poder muda de mãos, se
metamorfoseia, como um exercício sem proprietários, mas como estratégia. (1989,
p. 28). Em seus embates e debates, nos fóruns democráticos da Fundação, as
unidades da Fiocruz, seus representantes e gestores vão fixando e definindo seus
“campos de saber”, produzindo seus campos, objetos e rituais de verdade. (Idem,
p.172)
As unidades vão investindo em suas relações, aquisições e desenvolvimento
tecnológico e, agora, em suas práticas particulares de comunicação como forma de
fortalecimento de identidade e divulgação de imagem. Um investimento na
técnica que, como propõe amplia o grau de profissionalização do grupo,
aumentando seu poder de decisão e insulamento em relação às pressões externas,
realçando sua autonomia (VIEIRA, M & CARVALHO, C., 2003). Esse insulamento
está mais próximo de uma estrutura burocrática de gestão do que do ideal
democrático e participativo, que compartilharia um projeto comum.
3.2 Subcâmara Técnica de Comunicação, espaço de debate
Das instâncias de debate da Fiocruz, a que diz respeito diretamente à
Comunicação da instituição é a Subcâmara de Comunicação, que reúne os
profissionais dessa área de toda a Fiocruz (ao menos todos eles têm assento nesse
fórum, ainda que alguns deles quase não o utilizem, como Bio-maguinhos e Far-
manguinhos, por exemplo). Para apoio às atividades da Fiocruz, Sérgio Arouca
propôs a constituição de câmaras técnicas e subcâmaras, que foram criadas a partir
da discussão no Congresso Interno. Inicialmente elas têm o objetivo de oferecer
subsídios técnicos às instâncias deliberativas. Porém, em alguns casos, ganharam
status de decisão e criação de processos ou serviços. Janine Miranda Cardoso, Vice-
diretora de Ensino do Cict, em entrevista para esta pesquisa, falou sobre as
Câmaras Técnicas:
As câmaras técnicas são instâncias de assessoramento da
presidência da Fiocruz. Elas não têm poder deliberativo. Têm
função de subsidiar tecnicamente as áreas e processos da Fiocruz.
Tem-se a câmara técnica de ensino, de pesquisa e de informação,
comunicação e informática. Por exemplo, a câmara técnica de
ensino tem um GT (Grupo de Trabalho) fixo de pós-graduação
stricto sensu
, que opera mesmo como uma coisa especializada,
dando parecer de cursos novos, sobre regimentos etc. Mas não tem
uma de lato sensu - até queremos que haja. A câmara técnica de
Informação, Comunicação e Informática opera com as três
subcâmaras, é uma junção desses três domínios, com pautas,
agendas diferentes.
A subcâmara de comunicação, que integra a Câmara Técnica de Informação,
Comunicação e Informática, reúne os assessores de comunicação de cada unidade
da Fiocruz e, em caso de ausência desse cargo específico, profissionais que exerçam
funções ligadas à comunicação em suas Unidades.
Os depoimentos coletados para este estudo, que buscou ouvir todos os
assessores de comunicação e profissionais de funções afins em cada unidade (ou
departamento especializado) da Fundação são em sua grande maioria críticos com
relação ao papel da subcâmara de comunicação.
Os debates da câmara de comunicação deveriam subsidiar as decisões da
Vice-Presidência de Desenvolvimento Institucional, Informação e Comunicação. A
crítica dos assessores e da Coordenação de Comunicação Social da Fundação,
ligada diretamente à Presidência e responsável por coordenar as ações de
comunicação da Fiocruz, diz respeito à falta de agilidade do encaminhamento dos
assuntos discutidos na subcâmara e à falta de organização e, até mesmo prestígio,
do tema Comunicação dentro da macro-adiministração da Fiocruz. A
coordenadora de Comunicação Social da Fundação, Christina Tavares, é uma das
maiores críticas quanto à função da subcâmara de comunicação:
Acho que o papel das câmaras técnicas pra algumas áreas
específicas pode até funcionar. Eu acho que não funciona pra
comunicação por causa do tempo que a gente trabalha. É muito
rápido. Lembra daquela história do antraz?
6
Quando trocava o
turno da CBN, às 2h da manhã, eles ligavam pro meu celular e eu
tinha que estar acordando brilhante pra abortar uma fala deles ou
6
A entrevistada se refere ao “episódio do antraz”, quando o correspondente do Jornal
"The New York Times" no Rio de Janeiro, Larry Rother, recebeu correspondência que
continha bactérias "similares à do antraz", segundo comunicado divulgado pelo jornal. O
material foi encaminhado à Fiocruz para análise. O resultado foi negativo para esta
bactéria, como foi divulgado pelo então Ministro da Saúde, José Serra. Na época, o jornal
norte-americano divulgou que a Fiocruz teria fornecido um resultado inicial confirmando
a presença do antraz, o que foi negado pela Fundação. Rohter acusou a Coordenação de
Comunicação da Fiocruz de ter provocado um ‘circo’ desnecessário (como escreveu em
nota oficial) e de ter rompido com acordo de sigilo de informação. Este foi um momento
particularmente interessante para análise de mídia, por conta da visibilidade internacional
que a Fundação manteve no período das ameaças de bioterrorismo em 2003, durante o
conflito dos EUA contra os Talibãs, no Afeganistão.
jogar pesado pra que ele paute o dia seguinte. É essa agilidade que
a gente trabalha, não somos uma comunicação estática, a gente é
muito ativo, “agressivo” até, no bom sentido, então eu acho que a
câmara técnica, a subcâmara de comunicação…não dá tempo de
esperar ela nos oferecer consulta.
Neste estudo, o papel da subcâmara de comunicação, assim como a
influência da gestão participativa, será mais bem discutido mais a diante, quando
se tratar aqui das estratégias de comunicação da Fiocruz. A gestão participativa e a
função da subcâmara e sua importância serão então relacionadas aos objetivos e
metas de curto, médio e longo prazo da Comunicação na Fiocruz, que serão tema
do próximo capítulo. Para compreensão das estratégias e análise do papel do
campo da Comunicação para a instituição, este estudo também analisará o
Programa Integrado de Informação e Comunicação da Fiocruz, documento
produzido como resultado dos debates da Câmara técnica de Informação,
Informática e Comunicação, de dezembro de 2002. Pelos depoimentos coletados
nesta pesquisa, o Programa integrado era um projeto antigo da Fiocruz e é visto
como uma conquista.
4 A Comunidade Fiocruz e suas estratégias de Comunicação
Os depoimentos e a vivência da pesquisadora na instituição apontam uma
dicotomia entre as unidades de pesquisa (e, atualmente, de ensino) e de produção.
Como apresentado no histórico da Fundação, com base nos estudos dos
pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, o quadro atual pode ser reflexo da
separação dos campos da pesquisa e produção - que teve início na década de 40.
Nos anos passados, a Fundação diversificou mais ainda suas atividades,
incorporando, principalmente, o campo do Ensino.
Os textos institucionais de apresentação da Fiocruz a denominam como
“complexa”. Onde estaria a unidade e a descontinuidade? Pela proposta de
Gilberto Velho, em Individualismo e Cultura (1981), as pistas nesse caso estão na
distinção de certos “paradigmas culturais” mais significativos e que têm um
potencial de difusão e contaminação maior do que outros. No caso da Fiocruz, em
uma análise dos discursos durante os debates internos, um dos consensos é de que
a pluralidade de objetivos e funções e o conflito a tornam uma organização rica em
idéias e poder político.
Na realidade, esse é por excelência, o problema básico da própria
existência do que chamamos de cultura: o que pode ser
comunicado? Como as experiências podem ser partilhadas? Como
a realidade pode ser negociada e quais são os limites para a
manipulação de símbolos? Qual o grau de impermeabilidade às
mensagens e como se mantêm subculturas? O que significa o
desvio, o comportamento desviante enquanto manipulação ou
rejeição de normas e regras dominantes? Qual a eficácia pontual
da universalização de códigos particulares? (VELHO, 1981, p.18)
São respostas a essas perguntas que as estratégias de comunicação da
organização buscam propor. Como criar meios “eficientes” de trocas, de
comunicação entre os que devem preservar seus compromissos com as entidades
fomentadoras de pesquisa, muitas internacionais, e seguir suas diretrizes, e aqueles
que se pensam um grupo de resistência contra uma espécie de racionalização do
espaço científico e de “deturpação” do objetivo social da instituição.
Um observador externo nas reuniões da Fundação não tarda a perceber que
essas idéias são pregnantes como formas discursivas opostas. Os que acusam que
“aqui se discute, discute e não realiza” e os que defendem que o mais importante é
a discussão em si. Essa discussão se dá entre personagens de grande poder
político na instituição. Em seus discursos, esses personagens vão reforçando a
identidade de seu micro-universo dentro da entidade (de suas unidades) e
reforçando seu poder. O equilíbrio de forças é facilitado pelo próprio formato da
gestão democrática participativa, que prevê fóruns de discussão em todas as
instâncias decisórias relevantes.
Nessa organização, que muitas vezes está em embate direto com o Estado
que a sustenta, os grupos vão reforçando singularidades específicas e, em um
mesmo movimento, fortalecendo uma identidade institucional. A Comunicação,
como relação de troca, depende diretamente deste conflito, na mesma medida que
depende de um sentido comunitário: do “orgulho de ser Fiocruz”.
Não fosse a problemática da Complexidade (do Pensamento Complexo) um
universo que abre mentes para novas formas de análise, ao menos seria, nesse
caso, muito útil à discussão. O Pensamento Complexo de Edgard Morin não
pretende chegar a uma completude de idéias, nem metodologia, mas fornece
algumas “pistas” para chegarmos à identidade organizacional.
O imperativo da complexidade é, também, o de pensar de forma
organizacional; é o de compreender que a organização não se
resume a alguns princípios de ordem, a algumas leis; a
organização precisa e um pensamento complexo extremamente
elaborado. (MORIN, 2003)
O Pensamento Complexo permite, por exemplo, que se supere a
confrontação da ordem com a desordem, articulando ambos em sua
complementaridade - tem-se a “ordem” aqui como a regularidade da repetição, o
previsível.
Do ponto de vista do Pensamento Complexo (as partes são eventualmente
mais que o todo) são também contributivas para entender a organização em seu
aspecto comunitário e seus conflitos próprios da cultura interna de qualquer
instituição: “O progresso não está necessariamente na constituição de totalidades
cada vez mais amplas; pode estar, pelo contrário, nas liberdades e independências
de pequenas unidades”. (MORIN, 2003). Além disso, o “todo é incerto”. O “todo é
conflituoso”.
Tentar seguir um modelo participativo de gestão é pôr à prova a “ordem
civilizacional”, o modelo totalitário de Estado e de racionalidade. É claramente
“irracional”, por uma lógica mais centralista, passar horas discutindo temas,
quando se é necessário apresentar resultados e justificar investimentos.
A identidade da Fiocruz é delineada por dois elementos: a imagem da
instituição como referência criada e reificada pela mídia
7
- embora a população não
compreenda bem o que ela faz -, e sua distinção dos “outros”. Citando Castells,
não se fala aqui de identidade como papel social, como nas ciências sociais, mas
como uma fonte de significado para os próprios atores, por eles originada e
construída por meio de um processo que é coletivo e também de individuação.
Uma construção que sempre se dá em um contexto de relações de poder
(CASTELLS, 2002). É importante, então, investigar como os indivíduos se
relacionam com essa identidade coletiva e como a recriam em seus projetos e
expectativas.
A identidade se constrói a partir de dimensões de relação com a alteridade.
O “outro”, que representa a alteridade, se situa tanto dentro da própria estrutura,
7
Como será visto mais adiante no próximo capítulo.
quanto no seu exterior. O “outro” de dentro é todo aquele que cria os conflitos
pela diferença de posicionamento político entre a funcionalidade da técnica e a
produção do conhecimento. O “outro” de fora é todo aquele que não pertence ao
universo do saber científico. Assim, esse “outro” externo é o Governo (seu
provedor) e a população, que precisa ser protegida por ignorar as “boas práticas”
de saúde. Diante dos “outros” e para “os outros” externos a identidade Fiocruz se
fortalece, compartilha significados internos e “se fala” - e quando se “discursa” se
“cria” institucionalmente.
No entanto, as unidades percebem e se relacionam de forma distinta com
essa alteridade externa. Algumas delas são mais dependentes do Estado – da
organização e verbas – e outras, se fortalecem ligadas a organismos internacionais
de pesquisa e ensino. Essa posição e as especificidades das atividades fins das
unidades desenham relações diferentes com o exterior: algumas têm a população
e/ou Governo como público-alvo, outras, seus pares do universo acadêmico e
científico. Logicamente que as estratégias de comunicação dessas unidades vão ser
formatadas por essas diferenças, de forma a atingir seu público de interesse.
Diante de todas essas diferenças, a Comunicação torna-se um recurso básico
ao qual a Fundação vem lançando mão nas últimas duas décadas
8
, com mais
afinco, para construção de uma imagem forte. Recorre também a ela para “gerir”
seu conhecimento, difundi-lo e tentar dar conta de sua complexidade e dissensões,
a Fundação volta-se para a Comunicação.
No que se refere à população, a Fiocruz resolveu “abrir os portões do
castelo” à comunidade e desenvolver projetos sociais junto à população carente em
torno de seu campus. A Fundação expandiu suas bibliotecas, popularizou o Museu
da Vida - inclusive como forma de aproximação de jovens e crianças aos temas
científicos -, envolve-se com mais entusiasmo nas campanhas extracampus, além
8
O II Congresso Interno da Fiocruz, em 1994, aponta a Informação Científica e Tecnológica
e Comunicação Social em Saúde como um das prioridades de atuação da Fundação. Neste
mesmo Congresso, foi criada a Câmara Técnica de Informação, Informática e
Comunicação.
de criar formas de trazer o público para atividades lúdicas dentro da instituição.
Tem ainda a proposta de criar um “observatório da mídia”, para trazer reflexões
sobre a cobertura e imprensa sobre saúde e, pode-se deduzir, como forma de
reação contra a “desinformação” tecno-científica.
Ao mesmo tempo, no universo acadêmico e científico, a Fundação fortalece
suas redes de informação, amplia seu escopo de atuação no Brasil, por meio de
parcerias com outras instituições de saúde e pesquisa, e no exterior, graças aos
projetos conjuntos de grupos de pesquisadores com outros, de instituições
estrangeiras.
A Comunicação, no entanto, enfrenta desafios mais complexos quando se
trata de articular as trocas internas de informação e produzir algum consenso, para
a construção de um projeto integrado, envolvendo o conjunto da instituição. Essa
perspectiva é o que se verá adiante na descrição das diferentes estratégias de
comunicação adotadas e, especificamente, no projeto do Portal Fiocruz – que para
se concretizar precisa de uma participação efetiva e integrada das unidades; o
primeiro grande desafio coletivo da Comunicação na Fiocruz.
Optou-se por apresentar a seguir primeiramente as estratégias da
Coordenadoria de Comunicação Social – CCS, órgão de assessoria da presidência
que deveria coordenar todas as ações de comunicação de forma integrada na
Fundação. Teoricamente, a CCS deveria dar forma a um projeto coletivo de
comunicação que atendesse aos objetivos institucionais e das unidades. Como se
poderá ver depois, com a apresentação das estratégias nas unidades, a falta desse
projeto coletivo produz e reproduz iniciativas próprias de comunicação em cada
uma delas, de acordo com seus interesses imediatos.
4.1 Estratégias de comunicação dispersas e o anseio por uma sistematização
A grande maioria dos entrevistados para este estudo entende que a Fiocruz
não tem um plano de comunicação institucional definido, que envolva
comunicação interna e externa. Carlos Xavier, ex-editor do projeto RADIS -
Reunião, Análise e Difusão de Informações sobre Saúde, da Fiocruz, um dos mais
conhecidos veículos de comunicação da área de Saúde, desenvolvido pela Fiocruz,
mensal e com tiragem de 42 mil exemplares, respondeu sobre o assunto:
Pesquisadora:
Na sua opinião, existe um planejamento global de
comunicação na Fundação?
Carlos
: Na Fundação como um todo, não há. Não há um
planejamento que integre mídias e setores, que trace metas e
objetivos de modo global para a Fiocruz.
P:
Existe na teoria?
C:
Vou fazer uma distinção que me parece importante nessa
pergunta. Vejo planejamento estratégico de Comunicação como
teoria, ainda que partindo de uma certa prática e a ela voltando
depois. Um planejamento de comunicação na Fiocruz teria que, a
princípio, ser realizado a partir de:
1. Princípios e missão da própria Fiocruz, em relação à pesquisa e
à saúde pública;
2. Diagnóstico de necessidades e demandas (de informação, de
fluxos de comunicação) sociais e também internas;
3. Avaliação do mercado e das tecnologias e metodologias
disponíveis;
4. Identificação e ‘assunção’ clara de objetivos, metas e meios.
Somente a partir daí seria possível realizar um planejamento de
comunicação válido para toda a Fiocruz, englobando tanto a
comunicação ‘para fora’ (divulgação científica, diálogo com a
sociedade, entrada em outras redes de comunicação em saúde etc)
quanto a comunicação interna (trabalhadores, gestores,
intersetores, interprogramas etc). Nem mesmo esse aspecto, que é
o primeiro e mais básico para se começar a pensar tal
planejamento, foi jamais realizado. Assim, há impossibilidade de
se prosseguir rumo à integração dos vários setores que lidam com
comunicação, otimizando recursos e saberes, focando objetivos
comuns.
Na prática, então, não há como se falar em ‘planejamento’, pelas
razões que expus.
P:
Não existiria nem um esboço disso?
C:
Sim... há um certo diálogo entre os atores e os processos,
diálogo construído não a partir de um planejamento geral, mas a
partir de certas necessidades comuns. Os atores envolvidos são,
assim, os elos que promovem ou impedem tais diálogos. Canal
Saúde (Presidência), VideoSaúde (Cict), MultiMeios (Cict), Radis
(Ensp), Jornalismo da Asfoc (Asfoc), Coordenadoria de
Comunicação Social (CCS-Presidência), Departamento de
Comunicação em Saúde (Cict), Secretaria de Desenvolvimento
Educacional (SDE-Ensp), CEDOC (Ensp) e Museu da Vida (COC)
são alguns dos setores mais importantes que lidam com a
Comunicação na Fiocruz. Os profissionais que atuam em tais
setores são, em sua maioria, excelentes e experientes em suas
áreas. Participam, ainda, de vários fóruns comuns (Câmaras
Técnicas, Subcâmaras, Seminários, Comissões, etc) e terminam por
realizar parcerias intersetoriais para desenvolvimento de alguns
produtos ou condução de alguns processos. Essa não é, no
entanto, uma direção institucional, indicada e monitorada por
algum instrumento institucional (como um Planejamento Geral ou
Plano de Trabalho), mas sim estabelecida a partir das práticas e
das necessidades pontuais de cada setor.
A coordenadora do CCS (Coordenadoria de Comunicação Social) da
Fundação fez uma análise personalista da atual estratégia da Fiocruz, segundo ela,
mais voltada à comunicação externa por conta da sua formação jornalística, e
atribui a autonomia das unidades à falta de um projeto conjunto.
Eu tenho clareza de que a comunicação interna da Fiocruz é
absolutamente deficitária e me culpo um pouco também. Não
é só a quantidade de veículos house organs que a gente tem
aqui. A gente se especializou em comunicação externa. Eu
tenho clareza de como deve ser essa política, mas nunca foi
possível executar essa política porque os diretores têm uma
autonomia.... meio vesga de ver a comunicação externa. Por
exemplo, você cria um veículo eletrônico, como a gente criou
para cada unidade, você faz uma recomendação de que esse
veículo é poderoso, desde que ele seja curto, que tenha no
máximo uma imagem, que tenha um tipo de letra... aí o
diretor “X” acha que o dele vai ficar mais bonito se ele encher
de imagem, se ele fizer um texto enorme e um texto que ele
chama de “mais sério”, que na verdade é um texto
acadêmico, que não tem appeal nenhum pra quem não está
interessado no assunto e cria o dele: vai desembestado por
aquele caminho. Então, você, usuário, recebe o primeiro, o
segundo ...até três vezes sobre o mesmo assunto. Aí quando
você vê o emissor, já vai deletando. Então você não tem a
conivência...porque é mais do que um acordo. Deveria ter
uma conivência dos diretores pelo bem da unidade. Então a
comunicação interna da Fiocruz é falha por vários motivos.
4. 1.1 Estratégias coordenadas pela CCS
Instância ligada à presidência, a Coordenadoria de Comunicação Social
(CCS), em teoria, segundo o organograma tem a função de coordenar o trabalho de
comunicação desenvolvido na Fiocruz. A CCS desenvolve atividades e produtos
na área de assessoria de imprensa, na edição de publicações, na comunicação via
internet, no treinamento a distância, em cursos de comunicação em saúde para
profissionais de imprensa e também universitários, em catálogos e folder da
Fiocruz e de suas unidades, na elaboração de campanhas publicitárias, na
coordenação geral da campanha de vacinação “Fiocruz pra Você” e ainda em
produtos de comunicação interna.
No que se refere à comunicação externa, a maior parte do trabalho da
coordenadoria advém das demandas pontuais da imprensa, que, segundo a
coordenadora, são prioridades para o atendimento “ágil e eficaz”.
Recentemente, a chegada da dengue do tipo 3 ao país e a ameaça
de bioterrorismo foram dois exemplos de eventos em que o setor
teve que reorientar suas rotinas e atividades para bem responder
às solicitações e demandas da imprensa. (FIOCRUZ, 2003)
Segundo consta do Plano de Comunicação elaborado pelos profissionais da
CCS, o planejamento de comunicação social não pode ser estático, “engessado
apenas em planos de objetivos e metas”, e sim em estado de construção
permanente, conforme os objetivos da instituição.
Outra missão importante deste planejamento é atender às diretrizes do
Plano Quadrienal (2001-2005), “colaborando na ‘elaboração do Plano de Orientação
Estratégica de Comunicação, articulado à Comunicação Social do MS (Ministério
da Saúde), com definições de eixos prioritários, atribuições das áreas centralizadas
e descentralizadas, normas de funcionamento, e uma cultura de responsabilização
orientada por princípios éticos”. (Idem, 2003)
No que diz respeito à Assessoria de Imprensa, a proposta da CCS é :
Ampliar a divulgação da Fiocruz, de suas unidades e de seus
profissionais através de um trabalho contínuo de assessoria
de imprensa e da elaboração de novas mídias e produtos.
Essa, em síntese, é a proposta da CCS para as atividades de
assessoria de imprensa, uma área que ao longo de mais de
vinte anos tem proporcionado à Fundação boa visibilidade
junto à sociedade e garantido que a instituição e seus
profissionais sejam fontes de referência e formadores de
opinião para a área de saúde e ciência e tecnologia junto aos
jornalistas.
Segundo o documento, o trabalho junto à imprensa também deve ser
intensificado por meio de contatos pessoais com jornalistas, acompanhamento de
visitas desses profissionais às instalações da Fiocruz para conversas com
especialistas da Fundação, com vistas à preparação de matérias especiais sobre a
instituição.
Como um de seus mais poderosos meios de divulgação, a CCS aposta na
Internet para atingir os diferentes públicos de interesse da Fiocruz. Segundo os
profissionais da Coordenadoria, a Comunicação Social ganhou agilidade na
difusão de informação sobre as atividades da Fiocruz junto aos jornalistas e
também ao público em geral.
De setembro a abril de 2003, segundo dados da Coordenadoria, a CCS
preparou e disponibilizou quase 200 matérias sobre a produção da Fiocruz em seu
site. O grau de aproveitamento desse material pode ser medido por uma das
fontes que aproveitam o conteúdo do site CCS para a distribuição e
disponibilização para imprensa brasileira e correspondentes estrangeiros: a
Agência Brasil, da Radiobras, que veiculou, nos últimos seis meses desse ano, 577
matérias e notas jornalísticas sobre a Fiocruz tiradas diretamente do site.
Durante a chegada de ameaça de bioterrorismo, o site disponibilizou um
serviço especial trazendo informações sobre biossegurança, informações sobre
antraz, orientações sobre como proceder em caso de cartas suspeitas, além de
resenha de livro da Editora Fiocruz sobre biossegurança. Foram mais de 10 mil
acessos em poucos dias, segundo informações da própria CCS.
Um serviço especial com informações sobre dengue e, mais recentemente,
sobre a superpneumonia, este destacado inclusive por matéria da Folha de São
Paulo sobre sites recomendados sobre a doença, também colocou em evidência as
respostas rápidas que a Fiocruz pode oferecer à sociedade através de veiculação de
informações sobre problemas de saúde.
Criado em 1998, o site passou por uma série de mudanças e
aperfeiçoamentos, sendo atualizado diariamente pela CCS. A partir da consulta ao
site por jornalistas, várias matérias sobre a Fiocruz foram produzidas pela
imprensa.
A CCS também criou várias seções em seu site: Acontece na Fiocruz, trazendo
todos os eventos - defesas de tese, reuniões de centros de estudos, visitas,
seminários e outros eventos, entre outras atividades e oportunidades de
treinamento, destacando os diversos cursos oferecidos pela instituição.
Como indica o plano de comunicação, esse conjunto de atividades, entre
outras iniciativas, tem melhorado os resultados alcançados pela CCS na área de
assessoria de imprensa.
Para ampliar a divulgação da Fiocruz, a CCS propôs a implementação, nos
últimos dois anos, das seguintes ações:
Ampliação do site da CCS:
- Implantação do serviço que estamos chamando provisoriamente de
Agência Fiocruz de Notícias” (matérias e entrevistas que poderão ser
usadas por qualquer veículo de comunicação do país, dando o devido
crédito à CCS) e parceria com órgãos de imprensa para veiculação desse
material; preparação de um “correio eletrônico “ trazendo chamadas
sobre materiais disponíveis no site CCS a ser enviadas periodicamente a
e-mails de jornalistas de todo país.
- Elaboração e inclusão no site de um “Guia de Fontes da Fiocruz para a
Imprensa”, trazendo um pequeno perfil de vários profissionais da
instituição e suas respectivas especialidades que podem ser fontes de
consulta e entrevista para a mídia. Estudar viabilidade de
aproveitamento e compatibilização do FioLattes nessa proposta.
- Criação de “links” dentro do site para outros projetos de comunicação da
Fiocruz, como o Canal Saúde, Programa Radis, VideoSaúde e Editora
Fiocruz, entre outros.
Seminário interno: “Como se relacionar com a imprensa”. Embora boa
parte dos profissionais da Fiocruz esteja acostumada a dar
entrevistas, para eles ainda persiste um certo desconhecimento
quanto ao funcionamento dos veículos de comunicação social, seus
prazos, suas diferentes linguagens, sobre formas de reportagem que
podem levar a incorreções na preparação de matérias jornalísticas.
Ao organizar o seminário, a CCS objetiva trazer contribuições para o
aperfeiçoamento nas relações imprensa x Fiocruz.
Assessoria de Imprensa nas unidades. A CCS entende que várias
unidades da Fiocruz devem implantar programas de comunicação
social em articulação com a CCS e aumentar a sua visibilidade
através de inserções de matérias na imprensa. Em 2001 e 2002, a CCS
pôde desenvolver as pautas e produtos jornalísticos gerados pelas
unidades, desenvolvendo, pioneiramente, um programa de trabalho
articulado com o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães e com a
Escola Politécnica. Segundo a CCS, é preciso que todas as unidades
tenham jornalistas que trabalhem em articulação com a
Coordenadoria, com vistas à melhor elaboração de suas publicações,
eventos, registros fotográficos, atividades de assessoria de imprensa,
entre outras atribuições.
Dessa forma, os próprios núcleos de comunicação das unidades
serão fortalecidos, reconhecidos dentro da instituição e pela
própria mídia. É quase inviável para a CCS manter uma cobertura
ampla e permanente de todas as unidades da Fiocruz. Em algumas
unidades da Fiocruz, como, por exemplo, os centros de pesquisa
Gonçalo Moniz e René Rachou, a implantação de atividades de
comunicação fica altamente prejudicada pela ausência de
profissionais da área para executá-las com qualidade e
agilidade.(2003)
Folha de Manguinhos virou “Revista de Manguinhos”. Órgão
oficial de divulgação da Fiocruz foi completamente reformulado
em 2002, segundo as propostas apresentadas no plano de trabalho
da CCS em dezembro de 2001. Novo formato, ampliação do
conteúdo e nova programação visual transformaram a publicação
em sucesso. A proposta foi continuar aperfeiçoando esse veículo,
que atualmente conta com uma tiragem de seis mil exemplares
distribuídos à imprensa, legislativo, executivo e instituições de
ciência e tecnologia e órgãos de saúde. Foi impossível manter a
periodicidade inicialmente proposta - trimestral - devido ao
acúmulo e crescimento de atividades de assessoria,
impulsionados, principalmente, pelas matérias geradas pelo site
CCS, e também pela maior complexidade exigida na programação
visual no novo formato. Outro fator complicador: o processo
licitatório não garante a qualidade gráfica da revista. No primeiro
número houve atraso na distribuição devido a problemas de
impressão da gráfica ganhadora da licitação. Apesar de se cercar
de cuidados na licitação para garantir qualidade final ao produto,
a CCS diz que tem sofrido seguidos problemas no cronograma de
produção da publicação e sugere que sejam estudados outros
mecanismos para contratação de gráficas dentro dos padrões
exigidos para a revista.
Folder institucional: A última edição do folder institucional da
Fiocruz foi lançada em 2000, durante o centenário da instituição.
A CCS está atualizando esse material, trazendo nova
programação visual e texto em três idiomas: português, espanhol
e inglês. A parte do folder “Fiocruz em números” passará a ser
atualizada anualmente, segundo proposta da CCS.
Painel CCS/Presidência: Agilizar a comunicação entre a
Presidência e a comunidade da Fiocruz por meio de painéis de
informação colocados em diversos pontos do campus e unidades
da Fiocruz. No início de 2002 a CCS lançou painéis para
disponibilizar os veículos e impressos produzidos pela
Presidência. Em 2003, previu a colocação de painéis em todas as
unidades da Fiocruz.
Linha Direta: Divulgar os programas e atividades da Presidência
e das unidades técnico-administrativas é a linha principal desse
informativo distribuído internamente na Fiocruz.
Banco de Imagens: a CCS, que mantém um arquivo fotográfico
com registros da história da instituição a partir de meados da
década de 1980 até hoje, está criando um banco de imagens da
Fiocruz com fotos de laboratórios, fachadas, conjunto
arquitetônico, registros históricos, fotos científicas e ainda dos
profissionais da instituição.
Essas imagens estariam disponíveis em CD-ROM e também no
site da CCS para um público amplo formado por jornalistas e
veículos de comunicação, comunidade interna - para uso em
cartazes de eventos, apresentação de trabalhos, livros e outras
publicações e materiais de divulgação - e até por estudantes em
seus trabalhos acadêmicos e escolares.
Portaria de Identidade Visual da Fiocruz: A CCS editou, em
1998, uma portaria trazendo todos os procedimentos para
uniformização da identidade visual da Fiocruz. A portaria foi
preparada a partir de discussões de jornalistas e programadores
visuais da instituição. O trabalho, centrado na principal imagem
da instituição, o Castelo de Manguinhos, trazia todas as regras
para aplicação da imagem da Fiocruz em cartas, documentos,
memorandos, publicações, cartazes, folder, embalagens e uma
série de outros artigos. Apesar de ter tido uma boa adesão num
momento inicial, a portaria não é respeitada pela maioria das
unidades.
Fiocruz pra Você : Anualmente a Fiocruz realiza uma campanha
de vacinação e promoção de saúde, quando o campus é aberto à
sociedade, incluindo os portões do castelo e das centenárias
bibliotecas. A Fundação recebe mais de 40 mil visitantes, com
cinco mil crianças vacinadas, centenas de exames de saúde, uma
hora e meia de cobertura televisiva. Como comprova a agenda da
imprensa nacional, a campanha tem sido um dos principais meios
de divulgação das atividades da Fiocruz junto à sociedade.
Embora a proposta teórica básica do plano de comunicação da CCS inclua a
divulgação das unidades, a própria coordenadora não esconde que o trabalho de
identificação da “marca” Fiocruz é sempre soberano em relação à divulgação das
unidades. Segundo ela, é graças a essa postura da CCS, que a imagem da Fiocruz
hoje é sólida e de grande credibilidade junto à imprensa e mídia em geral.
No que se refere à comunicação interna a CCS desenvolve ações, segundo a
coordenadora, que são estrategicamente articuladas. O que pode ser analisado
como um plano estratégico de comunicação interna seriam as ações coordenadas
pela CCS, em geral voltadas para a geração de conteúdo de veículos de
comunicação impressos e eletrônicos dirigidos “à comunidade Fiocruz”:
RNA Mensageiro. Jornal-mural trazendo informações sobre
cursos, congressos, treinamento, entre outros, de interesse da
comunidade da Fiocruz. Em 2002, foram preparadas 22 edições do
RNA Mensageiro. O veículo passou, em 2002, a ser
disponibilizado também no site da CCS.
CCS Comunica. Veículo para comunicação instantânea da
Presidência com a comunidade da Fiocruz, podendo ser editado
em formato frente e verso, como folheto ou filipeta para
distribuição nas portarias e ainda uma versão eletrônica. Em 2002
foram produzidas e distribuídas, por meio de murais ou pela
lista-l de e-mails, mais de 200 edições do CCS Comunica.
Agenda Fiocruz. Informativo semanal para divulgação de
treinamentos, defesas de tese, reuniões de centro de estudos,
inaugurações, visitas de representantes de outras instituições e
outros eventos. O informativo também passou a ser
disponibilizado no site CCS.
As atuais estratégias internas de comunicação, em sua grande maioria, têm
por base comunicados on-line, por e-mail ou boletins eletrônicos. Algumas
unidades mantêm seus próprios veículos impressos, uns poucos, distribuídos às
outras.
Em relação à comunicação interna, as falhas e lacunas são
gritantes. Os poucos instrumentos são excessivamente formais e
digitais (listas eletrônicas, boletins eletrônicos, etc) e não atingem a
maioria dos trabalhadores. Esta seria também uma atribuição da
CCS, mas não é encarada com a relevância que deveria ter. Um
complicador disso é a prática da maioria das Unidades de
inventar, desenvolver e manter vários boletins, informativos,
jornaiszinhos e outros pequenos instrumentos próprios, sem a
menor profissionalização e planejamento, seja de produção, seja
de distribuição, muito menos de uma ‘básica’ avaliação inicial da
real necessidade de tais veículos (Carlos Xavier)
Aparentemente, o veículo que atinge/integra a maior parte de pessoas da
instituição é a lista de e-mails da Fiocruz, com mensagens enviadas por todas as
unidades diariamente. Todos os funcionários integram essa lista de mensagens
eletrônicas, a Fiocruz-L. Antes, o acesso era liberado e extensivo a qualquer
funcionário. Devido a “inadequações” de conteúdo, segundo a coordenadoria de
comunicação social da Fiocruz, a lista passou a ser mediada - como é comum em
listas desse tipo -, e só pode ser “alimentada” pelos responsáveis: dois “editores”
em cada unidade. Antes, a lista servia como troca de informações acadêmicas,
convites para eventos ou mesmo para publicação de textos de protesto. Em sua
nova formatação, foi criado um layout padrão que deve ser obedecido por todas as
unidades, alinhado à portaria de identidade visual da Fiocruz.
Com a nova diretriz, o número de mensagens foi reduzido, resolvendo o
problema do excesso de informação que, consensualmente, estava deturpando o
real sentido da lista. Por outro lado, houve protestos pela extinção do único espaço
de divulgação em massa de mensagens políticas ou de protesto para toda a
comunidade Fiocruz.
As pessoas não lêem porque são muitos veículos. Muita
logomarca... o departamento de pessoal tem logomarca dele. Às
vezes numa diretoria há cinco logomarcas! Você não tem nenhum
mecanismo de fixação de imagem interna. Quando você manda
um convite da Casa de Oswaldo Cruz pra fora ele sai com umas
dez logomarcas só da “Casa”: Casa de Oswaldo Cruz, Museu da
Vida, Espaço Ciência em Cena, Parque da Ciência ... entendeu?
Então, a comunicação a gente tem clareza, mas não consegue
adesão, a conivência dos diretores pra implantar. E tem também
do nosso lado, que eu me penalizo porque eu tenho muito mais
“gana” e me especializei mais em comunicação externa. A
comunicação externa é muito clara. Porque também tenho
expertise, são 25 anos trabalhando em cima dela. A gente tem
interesse total de que essa comunicação seja cidadã. (Christina
Tavares)
As instâncias de debate, reuniões, também têm o seu papel de
comunicadoras das atividades internas e de troca de experiências e informação.
Porém, uma observação mais cuidadosa, apreende que as informações dificilmente
transcendem seus fóruns de discussão e não encontram estratégias eficientes de
visibilidade das discussões e decisões desses fóruns; problema que pode ser
atribuído a uma falha gerencial intraunidades.
A Fiocruz mantém ainda seus canais de comunicação com pares e
sociedade, como a revista mensal do Programa RADIS - Reunião, Análise e
Difusão de Informações sobre Saúde, o Canal Saúde de TV, a VideoSaúde
Distribuidora de Vídeo, os Museus, entre outras formas de interação.
A Comunicação e Desenvolvimento Tecnológico como “centro” e como a
aposta mítica de processo congregador, redutor de conflitos e possibilitador de
extensão de conhecimento, traduz-se no novo Portal da Fiocruz e no Programa
Integrado de Informação e Comunicação, projetos atuais da Fundação. A função
missionária, educadora e promotora do desenvolvimento da Saúde e claramente
política está presente, como publicado no documento do Programa:
A política de comunicação e informação da Fiocruz (deve) atuar
em frentes diversificadas, tanto em relação aos públicos a alcançar,
quanto às tecnologias a utilizar. Diferentemente de uma política
de corporações empresariais, o nosso programa para essa área tem
o desafio de, além de buscar racionalidade e sinergia de ações, ser
uma política comprometida com o desenvolvimento científico e
tecnológico nacional, a cidadania e a superação das desigualdades
sociais (...) Sua política deve buscar a eqüidade também no que se
refere às possibilidades de comunicação e protagonismo na
construção das estratégias e sentidos sociais.
Em sua apresentação, o Programa Integrado de Informação e Comunicação
da Fiocruz destaca a Política (ideal) de Comunicação da Fundação e de outros
órgãos governamentais, enfatizando seu caráter de interlocutor com a sociedade e
não como uma “promoção pessoal de dirigentes, como ainda é comum na
comunicação oficial dos governos” (FIOCRUZ, 2002).
4.1.2 Estratégias das Unidades: fortalecendo a identidade do grupo
Pela grande dificuldade de analisar as estratégias de comunicação de todas
as unidades da Fundação, este estudo limitou-se àquelas que, no entender da
pesquisadora, valorizam a Comunicação dentre seus projetos estratégicos, as que
têm grande visibilidade e importância na instituição e as duas unidades voltadas à
produção.
As pesquisas quanto ao “valor” que cada unidade dá a sua área de
Comunicação e suas percepções quanto a seu papel estratégico não determinaram
nenhum padrão. Existem unidades mais antigas, como o IOC, que investem
maciçamente em estratégias voltadas para seus pares, organismos de pesquisas
nacionais e internacionais. Não foi identificado nenhum trabalho planejado para
“tradução” das pesquisas realizadas em linguagens para outros tipos de público,
nem mesmo interunidades. Essa é claramente a opção estratégica desta Unidade.
Nosso trabalho tem por base divulgar fatos e informações do
IOC e, eventualmente, os do interesse dos pesquisadores e
demais trabalhadores, sempre e quando atenderem também
aos objetivos do Instituto. Nosso contato com a CCS é
mantido, sempre e principalmente, quando há a necessidade
de acessar a imprensa para a divulgarmos eventos do IOC (o
que fazemos por ética e respeito profissional, já que a CCS é
a responsável pela mídia externa da instituição Fiocruz).
Eventualmente, são publicados textos de reportagens do IOC
nos veículos editados pela CCS. Em relação às demais
unidades da Fiocruz, o contato é feito através,
principalmente, de laços pessoais da boa convivência. (João
Costa)
De outra parte, a Casa de Oswaldo Cruz (COC), por exemplo, unidade
voltada a guardar a memória da instituição e da saúde coletiva no Brasil, mantém
uma estratégia de ampliação de públicos, um alto investimento na Comunicação,
político e financeiro, um constante reforço de sua marca - com logomarca e projeto
de identidade visual já consolidados.
9
Não foi possível à pesquisadora entrevistar todos os assessores das unidades,
embora a maioria deles tenha sido ouvida. Nem todas as unidades possuem
assessores de comunicação, mas algumas pessoas exercem funções afins mesmo
sem que haja um claro reconhecimento institucional da atividade como tal.
A maior parte das unidades desenvolve informativos internos impressos e
eletrônicos, que são divulgados a toda a Fundação. E algumas delas participam
dos veículos institucionais coordenados pela CCS.
O trabalho de assessoria de comunicação nas unidades começou
recentemente, em meados da década de 90. O que se nota é que as unidades ainda
não têm planejamentos de comunicação muito claros, principalmente, em
consonância com seus planos gerenciais. Esse cenário vem se modificando, com a
contratação de profissionais da área de comunicação e uma tentativa de maior
articulação com a Coordenadoria de Comunicação Social.
9
A unidade se autodefine como um
centro
dedicado à história das ciências biomédicas e
da saúde pública e à educação e divulgação em ciência e saúde, com atividades de
pesquisa em história, sociologia e filosofia da ciência e da saúde pública, de arquivo e
documentação, preservação do patrimônio arquitetônico, ensino, promoção cultural e de
educação e divulgação científica. (www.coc.fiocruz.br)
Dos planos de comunicação analisados, um que apresenta objetivos claros e
estratégias eficientes diante do proposto é o desenvolvido pela assessora do
CPQAM - Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, localizado em Recife e uma das
unidades externas ao campus do Rio de Janeiro. Uma hipótese de um
planejamento mais maduro seria a necessidade maior de inclusão por conta da
distância da sede administrativa, sem desconsiderar a qualidade do trabalho da
jornalista Paula Lourenço, quem responde pelo planejamento e execução das ações.
Crio um plano estratégico de divulgação no início do ano, com
metas a serem cumpridas e, a cada mês, faço novamente uma
reunião estratégica com Bruna (jornalista), para saber o que
podemos fazer naquele mês de
divulgação externa e internamente. A CCS também norteia nossas
atividades do ponto de vista macro. Quando Christina quer que
façamos determinada matéria ou tomemos determinada postura
diante de um fato, cumprimos. Às vezes, também recorro a ela
para pegar orientação sobre como proceder para algumas
dificuldades que surgem na unidade (Paula Lourenço)
Ela explica os principais objetivos do plano de comunicação da unidade:
Ampliar o número de matérias e notas publicadas em veículos
internos, externos (locais e nacionais) de comunicação; estreitar o
canal de comunicação entre os departamentos que compõem o
centro e a assessoria de comunicação social; fortalecer o canal de
comunicação permanente entre o CPqAM e o meio externo;
transformar o site do CPqAM em um veículo de divulgação das
atividades desenvolvidas no centro e em fonte de informação para
jornalistas e internautas; documentar o trabalho de comunicação
social desenvolvido no CPqAM, mantendo os mecanismos de
acompanhamento do trabalho no meio impresso e tentar ampliar
o mecanismo de acompanhamento do trabalho de divulgação na
TV e no rádio com a aquisição de uma TV; apoiar os
departamentos na elaboração de peças de comunicação para
projetos específicos
Outra unidade que demonstra um grande investimento na Comunicação é a
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV, uma unidade jovem, que
investe na Comunicação também para consolidação da sua imagem. O Politécnico
é uma instituição de ensino e pesquisa que oferece cursos de nível médio na área
de saúde. O público é bem específico e, por conta disso, a unidade desenvolveu ao
longo do tempo sua linguagem visual e textual. A assessora Vivi Fernandes, há
dois anos e meio à frente da área de comunicação, fala:
O grande diferencial da escola é o público a que ela atende:
estudantes e trabalhadores do Nível Médio de ensino. Em cada
notícia e divulgação da escola, é preciso valorizar a educação
profissional em saúde. Esse é o diferencial.
Ela também analisa sob um prisma mais personalista - ligado ao gestor - essa
valorização da comunicação na unidade:
Pesquisadora:
O Politécnico me parece uma das unidades que dão
grande importância à Comunicação. Isso tem relação com a
consolidação de uma identidade da unidade?
Vivi Fernandes
: Que bom que você tem essa impressão!
Trabalhamos para isso. É verdade, a Comunicação é muito
valorizada aqui. Tanto, que na última revisão de estrutura da
escola, ela passou a ser uma Coordenação, deixando de ser
secretaria. Eu nunca trabalhei aqui em outra gestão. Mas me
parece que essa é uma marca da atual gestão, em especial, do
diretor, André Malhão. Eu estava evitando usar o nome dele pra
não parecer puxa-saquismo, mas a verdade é que ele é muito
parceiro da Comunicação. Talvez, mais do que muitos da área.
Uma hipótese inicial desta pesquisa dizia respeito à especificidade das
estratégias de comunicação das unidades de produção, como Bio-manguinhos,
fabricantes de vacinas, e Far-maguinhos, de medicamentos, e sua diferenciação em
relação às unidades de ensino e pesquisa. A análise foi prejudicada pela
dificuldade de entrar em contato e obter respostas das direções e responsáveis pela
área de Comunicação dessas unidades. A falta de informações, no entanto, já é um
indicativo de que ou não existe uma grande valorização da área por parte dessa
unidades ou o público acadêmico do campo deste estudo não é visto como alvo de
interesse nas ações de comunicação delas. Seria necessária uma pesquisa mais
aprofundada e com mais dados para que uma análise mais consistente fosse
realizada.
Foi possível, no entanto, obter informações, por e-mail, com o assistente da
área de comunicação de Bio-manguinhos, Luiz Hagen.
Pesquisadora
: Sendo esta uma Unidade de produção, existe
alguma especificidade nas estratégias de comunicação de Bio-
Manguinhos que a diferencie das unidades de pesquisa?
Luiz Hagen
: Sim, é sempre necessário ressaltar o esforço de
funcionários para que entregas sejam cumpridas no prazo. Sempre
que é necessário trabalho voluntário para se cumprir prazos é
importante dar o devido reconhecimento.
Além disso, produção reflete números. É importante sempre
mostrar uma evolução, um gráfico ascendente.
Montar um banco de dados com números de produção para que,
quando houver demanda, já estejam à mão.
Montar banco de imagens que transmitam a idéia de avanço
tecnológico
P:
Há dificuldades na execução dessas estratégias? Quais seriam?
L:
A dificuldade se encontra em montar o banco de dados com
números de produção entre outros. São informações que variam e
que não podem sair erradas. Outro fator complicador é o "medo"
que as chefias encarregadas de produção têm de dar números.
Ninguém quer ser porta-voz com medo de seu superior
hierárquico e este está muito ocupado ou viajando para se ater aos
números...
Embora seja precipitado analisar a hipótese inicial baseada em uma única
entrevista, chama atenção o fato de este ter sido o único entrevistado a falar sobre
números e cumprimento de prazos. A resposta do assessor quanto ao
planejamento de comunicação caberia a qualquer planejamento de produção, com
termos como “evolução” e “gráfico ascendente”. Este foi o único discurso a tratar a
comunicação como mensurável e evolutiva de forma quantitativa.
O ideal de resultados também foi uma lógica de sua resposta sobre a
influência do modelo de gestão participativa na Comunicação naquela unidade
P:
Em sua opinião, a gestão participativa praticada na Fiocruz
oferece mais ganhos ou dificuldades a criação e execução das
estratégias de comunicação?
L:
Sendo sincero, nem sabia que a Fiocruz tinha um modelo de
gestão participativa... Entendo gestão participativa como o modelo
em que funcionários tenham participação nos lucros ou que
tenham envolvimento com o que é produzido. Se a Fiocruz tem
um modelo de gestão participativa, não consigo enxergá-lo em
Bio-manguinhos.
A perspectiva apresentada pelo entrevistado, segundo a lógica da Gestão
Participativa primordial, proposta pela esquerda européia e base da estrutura
administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, vem de encontro às
visões do que seria uma participação efetiva dos funcionários na gestão. Assim
define Frederico Sotero (2002), sobre a Gestão Participativa aplicada a organismos
públicos:
Esta vertente sugere a implantação de elementos do sistema de
Qualidade Total no serviço público. Entretanto, recusa-se a definir
o usuário como cliente, porque privilegia as relações de
negociação política e, por este motivo, revela forte descrença em
relação ao papel do mercado como definidor de políticas sociais.
Pelo contrário, valoriza a legitimidade dos postos eletivos e a
capacidade política dos governantes. São privilegiados os
trabalhos comunitários e o conceito de responsabilidade pública
do servidor.
Ele cita Boaventura de Souza Santos, que defende que a reforma do Estado
precisa garantir o poder da sociedade civil, esta como local da solidariedade, da
busca coletiva, do diálogo entre interesses, dos valores morais. O autor acredita ser
incompatível a reforma do Estado proposta à luz do princípio do mercado, local da
competição, da “destruição do outro”.
Sotero também embasa sua análise nos estudos de Robert Putnam, que
afirmam que as regiões de maior crescimento social e econômico do mundo são
aquelas que apresentaram maior coesão e confiança social. Putman dá a esse
fenômeno o nome de "capital social": ou seja, a reforma do Estado deve estar
baseada na consolidação de fóruns de gestão pública, ou seja, fóruns regionais de
desenvolvimento onde a própria população estuda, elabora propostas e coordena
sua execução. Seria uma reforma do Estado de fora para dentro.
Esta discussão ganha pertinência neste estudo uma vez que a relação entre as
unidades também tem, como em qualquer outra instituição, um caráter de
prestação de serviço. Não foram poucas as vezes em que nos seminários e fóruns
de discussão que envolviam diferentes unidades da Fiocruz, dos quais a
pesquisadora teve oportunidade de participar, uma conceituação que poderia ser
vista como “banal” a um espectador externo ganhou vulto: os usuários de serviços
da Fundação são clientes ou cidadãos? E na relação entre unidades? Em uma
relação de prestação de serviços são relações de parceria solidária ou de negócios –
projetos conjuntos ou prestação de serviços?
A Comunicação na Fiocruz não escapa a essa discussão. Hoje a Fiocruz
desenvolve produtos de Comunicação e a tão defendida e sonhada interação entre
as unidades - os projetos conjuntos - também passa por uma relação de serviços.
Os que preferem o termo “cliente” defendem que o conceito traz em si uma
responsabilidade de qualidade com o serviço e produto prestado. Os que são
receosos quanto ao termo, defendem que o verdadeiro viés e objetivo da Fundação
como autarquia pública é o desenvolvimento da cidadania plena e, portanto, não
haveria conceito mais representativo da qualidade e responsabilidade da Fiocruz
com seus públicos internos e externos que o termo cidadão.
As entrevistas mostram que essas perspectivas estão intimamente ligadas à
visão do projeto institucional de cada unidade e dos sujeitos que as compõem. Não
existe uma perspectiva consensual da Fiocruz como um agente social público, com
responsabilidade de servir a um macro-projeto, contribuindo para o
desenvolvimento do modelo de saúde coletiva e inclusão social proposto pelo SUS.
Uma das entrevistadas falou sobre suas impressões sobre uma possível
dicotomia entre produção e as áreas de pesquisa e ensino:
Pesquisadora:
Você percebe alguma polarização das estratégias
das unidades voltadas para pesquisa ou para a produção?
Janine Cardoso
: Aí é muito impressão, mesmo... não posso
garantir. Eu não vejo, embora exista, eles têm assessoria de
comunicação, Far-manguinhos, Bio-manguinhos, INCQS, tem
uma atuação mais voltada...menos de comunicação... como vou
dizer... não investem muito na comunicação. É mais processo de
trabalho, de ter de resolver coisas, de dar conta de seus objetivos
mais pragmáticos. Não tem....não vejo... muito investimento,
mesmo de marketing ou de estratégia de comunicação. Não vejo.
Embora existam assessorias, sites, representantes da câmara
técnica. No cômputo geral isso não é uma prioridade. Acho.
As de pesquisa também têm estilos diferentes. O IOC tem
assessoria, tem prioridade de comunicação entre os pares,
comunidade científica, seu centro de estudo,sua programação, no
site e eu acho que um diferencial maior sejam as unidades que de
alguma maneira contemplam o campo da informação, da
comunicação e educação. De alguma maneira isso cria um caldo
de cultura favorável a um desenvolvimento e maior empenho... a
Ensp tem um investimento significativo. Porque tem centro de
documentação, Radis, vida acadêmica e forte componente dos
alunos, professores, pesquisados. A COC também, tem o museu
da vida, coloca essa dimensão, traz pra mais perto essa coisa da
comunicação de públicos diferenciados, trazendo profissionais e
isso ganha mais volume. Até mereceria uma investigação mais
apurada. Até mais teoricamente, certamente tem um peso de
contexto e estrutura muito forte. O ambiente, objeto e atores de
trabalho juntos ou cada componente acaba determinando o maior
e menor peso - ou especificidades ou modelagens - talvez Far-
manguinhos tenha uma comunicação intensíssima não visível a
nossos olhos, entendeu?
A área de Comunicação de Far-manguinhos, pelo que se pôde apurar nesta
pesquisa, define-se como área de Marketing e é claramente voltada para a
coordenação das vendas dos medicamentos. No entanto, a unidade mantém uma
ouvidoria, um setor de “fale conosco”, que oferece informações sobre os produtos
fabricados: serviço de ouvidoria que a Fiocruz não tem na instituição.
10
A Coordenadora de Comunicação da Fundação também opinou sobre as
diferenças entre as unidades de produção, pesquisa e ensino no que tange a suas
estratégias de comunicação:
Acho que há diferenças básicas. A [unidade] de pesquisa tem
muito interesse hoje que a gente abra e bote pra fora, chame
atenção pra sua pesquisa. Já de produção tem que ter cuidados,
mais reserva de patente...mas tem por trás uma paranóia...porque
tem parcerias, como Bio-manguinhos que tem com Butantã e não
sei o quê...Às vezes é mais fácil tirar uma matéria da área de
produção que pesquisa. Começou o contrário. Quando eu vim pra
cá estava nacionalizando a vacina de sarampo, o Japão estava
transferindo tecnologia, a vacina de sarampo estava sendo testada
no interior do Pará. Havia o maior interesse de que a gente
divulgasse pesado o que estava acontecendo porque era uma coisa
de uma transferência tecnológica de sucesso. Nesse momento a
gente tentava falar com o Galvão que é um imunologista
maravilhoso e ele não dava entrevista para imprensa, que hoje
mudou demais... ele “fazia” Chagas e depois passou pra Aids,foi
ele que identificou o vírus da Aids no Brasil e ele não queria
divulgar. O Arouca chamou ele e disse: quem te paga? Quem bota
dinheiro no teu trabalho? É o povo; você tem que divulgar. Você
tem essa mudança enorme de postura do pesquisador. E tem
pessoas mais complicadas pra dar entrevista hoje na Escola de
Saúde Pública que cientista de bancada. Eu não arriscaria de fazer
uma tese, é quase que pessoal. Eu ‘tô’ querendo soltar uma
matéria de Bio-manguinhos que está trancada pelo diretor e outra
10
Existe uma área do site atual para perguntas dos usuários, porém a imensa maioria delas
não é respondida. A CCS alega falta de pessoal para tal serviço e afirma que o CICT, como
mantenedor da página, deveria fazê-lo. O CICT também não tem pessoal suficiente nem
tampouco capacitado a responder – ou encaminhar – todas as questões. Uma discussão da
subcâmara de comunicação definiu que seria necessária a instituição de uma ouvidoria na
Fundação – ligada à Presidência – serviço previsto no projeto do novo Portal Fiocruz.
de Far-manguinhos que está trancada também. Eu não arriscaria
uma tese...porque muda muito.”
A fala da coordenadora traz outra perspectiva interessante da comunicação
da Fundação: a pesquisa como produto e o pesquisador como “estrela”, “fonte” da
imprensa. Se por um lado as estratégias das unidades de produção devem (ou
deveriam) promover seus produtos, por outro, os pesquisadores necessitam dar
visibilidade a seus resultados como forma de justificar investimentos dos
organismos de pesquisa, captar mais recursos e promover sua própria imagem.
O que se nota é que a CCS, nos veículos de comunicação externa sob sua
responsabilidade, cuida para que a imagem de referência na imprensa seja a da
Fundação, e não de determinada unidade ou pesquisador.
Embora não seja possível apresentar, tampouco analisar, aqui as estratégias de
todas as unidades, que serão pontuadas como exemplos para estudo, uma delas
em especial deve ser tratada com mais atenção: o Centro de Informação Científica e
Tecnológica - Cict.
4.2 Comunicação valorada como campo de Pesquisa
O Cict trabalha na área de comunicação em pelo menos duas vertentes, uma
como área programática da Unidade, grande campo, desenvolvendo serviços de
comunicação, como produção de vídeo, coordenação das bibliotecas, além da
cooperação técnica e assessoria nesta área, como pesquisa e ensino. Ao lado disso,
a jovem unidade (de “apenas” 18 anos, em uma instituição centenária) busca
estruturar um projeto de comunicação interna, a cargo de sua Assessoria de
Comunicação, claro que sempre em discussões coletivas com pesquisadores e
gestores, de forma a se identificar como unidade, de forma que seus integrantes
compartilhem um sentimento de grupo e de metas e objetivos comuns.
É certo que esse trabalho vai muito além das estratégias de comunicação,
embora estas interfiram diretamente nos resultados. O desafio do CICT é antes
fortalecer o campo da Comunicação e Informação como uma área de pesquisa
pertinente à saúde e aos temas da Fundação. Politicamente, a unidade busca
superar a função de “apoio” para tornar-se unidade finalística da Fundação.
Quando criou a unidade há 18 anos, Sérgio Arouca já vislumbrava a importância
da Comunicação nessa área e seu papel na “integralidade” da saúde, no amplo
conceito de saúde como bem-estar, qualidade de vida e inclusão social.
Ao lado desse grande desafio, o CICT tem outro tão complexo quanto, o de se
constituir como unidade, stricto sensu, e de ganhar valor político na esfera da
Fundação. Isso significa, na prática, superar a oferta de serviços a outras unidades,
como a produção de vídeos ou de material impresso ou digital informativo, papel
de uma unidade de apoio, para a concretização de projetos conjuntos que
envolvam essas atividades.
Neste trecho da entrevista com Janine Cardoso, ela fala sobre o caminho em
que a unidade vem apostando:
Pesquisadora:
Existe um planejamento de Comunicação
interna pro Cict?
Janine:
Existe, existe. Não acabado, em mutação, talvez
ainda embrionário, mas existe um plano de comunicação, as
indicações de prioridades.
P:
Quais os objetivos principais do plano?
J:
Eu acho que seriam três grandes objetivos: dar maior
visibilidade à unidade, e como estratégia principal a
alimentação do site, enfim, a discussão de outras estratégias
como mural...mas isso é mais pra frente... Acho que o site
tem capitaneado um pouco essa coisa de atividade externa
aliado a uma programação de atividades, seminários,
eventos etc. E do ponto de vista interno é um pouco de
compreender que a comunicação tem um papel vital na
construção de uma identidade do Centro, a partir da sua
própria história de fragmentação e de constituição a partir
das histórias específicas dos departamentos. Um grande
objetivo é essa gestão conseguir avançar na construção, pelo
menos na indicação, de uma identidade comum, que
agregue e na qual os profissionais e departamentos se
reconheçam, eu acho que a gente vai ter dado um grande
passo. Quer dizer, isso é sempre difícil falar, mas a gente
teria também os outros projetos estratégicos, como o próprio
Portal, que é do Cict, um projeto da Fiocruz que tem no Cict
seu gestor principal, é claro que o portal é também uma
prioridade de comunicação, não só de comunicação porque
tem essa interface com a gestão do conhecimento, mas
também é.
P
: Vocês estão perto de conquistar esses objetivos?
J:
A gente está iniciando isso. Como qualquer início de
caminho não dá pra ver o quanto falta, né? De repente a
gente pega atalhos. Mas eu acho que, de alguma maneira,
sem querer ser muito zen e tal, o caminho é o próprio
objetivo, não é? É verdade porque você vai construindo essa
unidade no próprio caminho. Vai se solidificando, vai ter
sempre o que ajustar, reforçar, o que corrigir. Acho que, a
partir de determinado momento isso esteja mais nítido, hoje
ainda não está. Acho que o que está colocado hoje é uma
problematização. (...) Então é também um desafio de
entender que identidade institucional é esse que se quer
criar. A do que o Cict era...a do que o Cict tá sendo... (...) Não
tem uma identidade. Ela vai ter que ser pactuada,
construída, delineada, tem muita coisa mexendo ainda. É
uma unidade que é mais de suporte de assessoria à
presidência, ela cresce problematizando seu campo de
atuação, mas ainda não tem isso consolidado, tem áreas de
excelência e de autonomia com outras áreas ainda
embrionárias, então eu acho que quando se fala da
construção da identidade do Cict também passa pela
construção da própria unidade. E claro que pela briga, pela
disputa de hegemonia de uma determinada concepção de
unidade. É claro que isso não é só uma questão de
comunicação.
Dentre as estratégias de Comunicação do CICT, como cita Janine Cardoso,
está a realização de seminários e eventos conjuntos. A pesquisadora teve a
oportunidade de participar de uma oficina de planejamento dessa unidade, na
qual a questão do compartilhamento da informação técnica - os seminários entre os
departamentos da unidade - ficou dividida entre a perspectiva técnica e a de
comunicação. Colocou-se em dúvida se esse tipo de atividade faz parte de um
planejamento de comunicação interna da unidade - que prevê o compartilhamento
de informação - ou de um planejamento de desenvolvimento tecnológico, voltado
ao desenvolvimento de novos processos de trabalho ou produtos finais.
Naquele momento o debate não chegou a um consenso e, por uma clara
questão de poder político interno, os pesquisadores incluíram os seminários nos
planos de desenvolvimento tecnológico.
Essa discussão, naquele momento de ordem organizacional, é, na verdade,
um debate ideológico que envolve a Comunicação como disciplina. O que é “da
conta” da comunicação, se não existe uma “metodologia comunicacional”? A
pertinência dessa discussão neste estudo está atrelada ao papel do profissional de
comunicação nas instituições modernas.
A antropóloga Ilana Strozenberg questiona a delimitação da Comunicação
como disciplina:
“A dificuldade maior (...) reside na dúvida sobre se a
Comunicação constitui efetivamente um campo de questões ou
um universo de saberes próprios, isto é, uma disciplina - do
mesmo modo que a Antropologia, a Sociologia, a Ciência Política e
a História (...) - ou se consiste, primordialmente, numa esfera ou
processo de prática social” (2003)
A CCS, como explicita o discurso da coordenadora Christina Tavares, faz uma
clara distinção e defesa dos profissionais de Comunicação de formação acadêmica.
A contratação de jornalistas - alguns escolhidos para atuar nas unidades - tem sido
uma forma da CCS ocupar os espaços hoje tomados pelos profissionais de outras
áreas de humanas ou de saúde que mantêm funções ligadas à Comunicação na
Fiocruz. Hoje, estes ainda são maioria. Uma maioria que ocupa os lugares da
subcâmara técnica de comunicação.
Essa discussão diz respeito diretamente ao profissional que atua em
comunicação organizacional. A pesquisadora deste estudo tem formação
jornalística e encontrou uma série de dificuldades e lacunas em sua formação para
responder na prática às questões estratégicas de comunicação, nestes casos, ligadas
às formas de gestão e administração que surgiram em sua vida profissional.
Tampouco os profissionais de Relações Públicas, Publicidade ou Administração
têm tido facilidade em lidar com as questões da comunicação nas organizações,
hoje de um gigantismo cada vez maior, com as fusões e redes de relacionamento.
Na prática, ao encontro do caminho da pós-modernidade, a Fiocruz dada a
sua forma de gestão colegiada, vem tratando a comunicação de forma
interdisciplinar, ultrapassando fronteiras da disciplina. Ao mesmo tempo em que
se “abre” para a execução de suas práticas, ironicamente, tenta formatar o campo
da comunicação em saúde como área de estudo. A força que a Comunicação em
Saúde vem ganhando nos últimos anos se refletiu na última Conferência Nacional
de Saúde, em sua 12ª edição, que passou a considerar a área de Comunicação e
Informação como um de seus dez principais eixos temáticos. O desenvolvimento
desta como campo de pesquisa e ensino é um dos principais objetivos do CICT,
que com orgulho divulgou recentemente a criação do primeiro Mestrado
Profissional em Comunicação e Informação em Saúde.
Essa questão agora está colocada empiricamente à Fiocruz no
desenvolvimento e implementação de seu mais novo locus de integração e
divulgação: o Portal Fiocruz, de Internet. Esse projeto, que há mais de três anos
está sendo discutido nas várias instâncias da Fundação, traz à tona a discussão do
limite da Comunicação como área gestora dessa poderosa ferramenta. Em seu
princípio, o projeto teria uma proposta de gestão de conhecimento (o que o
aproximaria da área de Educação). Durante muito tempo, representantes da ENSP
(Escola Nacional de Saúde Pública) coordenaram o projeto piloto, o qual nunca foi
“ao ar”.
Depois de alguns anos de conversações, debates, consultorias externas e
internas, a presidência entendeu que o CICT deveria gerir o portal, o que, a
despeito de posturas políticas, o caracteriza como um veículo primordialmente de
comunicação e informação.
4.3 Portal Fiocruz: uma janela para fora e para dentro da instituição
Em 2002, uma nova proposta tecnológica surgiu como uma oportunidade de
discutir a instituição como um todo, a relação entre as partes e as delimitações de
barreiras entre elas e de expor o resultado ao debate de forma sistematizada. A
Fundação,tomando como referência a proposta norte-americana de Gestão do
Conhecimento, investiu em um meio virtual, um portal, para ser um locus de uma
comunidade científica, integrando pesquisadores, profissionais de saúde, governo
e sociedade em geral. Vislumbrou-se assim uma possibilidade de finalmente
integrar a Fiocruz e permitir que esta cumprisse seu papel público de democratizar
o conhecimento e absorver experiências de seus pares e da população em prol de
seu projeto macro de desenvolvimento e inclusão social na área da Saúde. Segundo
a proposta, suas “trilhas virtuais” deverão ser capazes de gerenciar subjetividades
e permitir a ampliação dos processos de informação e comunicação. O Portal seria
uma forma de “acondicionar” o conhecimento gerado na Fundação e em suas
relações com as instituições parceiras em algo transparente e ainda permitir
interatividade com a população. Entre 2002 e 2005 a Fundação tentou dar forma a
esse espaço, sem que as discussões chegassem a um consenso.
Assim é descrito no projeto original:
Um portal não é, em si mesmo, um produtor de informações, é
apenas um mecanismo de acesso às informações produzidas na
instituição. Um portal é o primeiro passo na direção de uma
cultura institucional voltada para as tecnologias de comunicação e
informação. É um ambiente onde se tem uma maior visibilidade
dos conteúdos gerados pela instituição e uma maior eficiência na
produção dos mesmos, decorrente da aplicação de técnicas de
gerência de conhecimento e de administração de fluxos de
trabalho.
Em outras palavras, o portal seria uma grande janela na qual a Fiocruz iria -
finalmente - se ver como um todo - ou talvez ser “apresentada a si mesma”,
construindo sua própria paisagem
Uma das questões críticas do projeto era exatamente qual a “paisagem” que
seria exposta nessa janela. Que Fiocruz seria mostrada? A da pesquisa? Do Ensino?
Da produção? A de agente de transformação social? A autarquia política? Várias
reuniões se sucederam e, claro, o consenso foi impossível. De início, foram
divididos dois grupos de trabalho, um responsável pelo conteúdo e outro, pela
discussão técnica da ferramenta. O trabalho dos grupos não foi à frente,
principalmente pela necessidade de integração entre as discussões sobre a
arquitetura de informação (definição da hierarquia dos assuntos, grandes áreas
temáticas e subáreas), e do layout e da técnica (ferramenta de informática) a ser
utilizada. Esta era uma experiência totalmente nova para a Fiocruz, uma vez que
dependia, para sua viabilização, de uma efetiva participação conjugada entre as
unidades.
O portal quando implantado vai exigir isso [integração entre as
unidades]. Vai criar redes. Sejam algumas que já estejam mais
delineadas, como por exemplo, pessoal do design, já tem um certo
espírito de corpo entre eles e a tendência é ir crescendo. Com os
provedores de conteúdo também. E aí vai esbarrar muito de perto
nas assessorias de comunicação. Acho que alguns programas
integrados acabam forçando isso. Isso é desejável e acho que
também dificilmente vai encontrar alguém que defenda um
trabalho isolado. Mas a gente tem uma cultura institucional, não
só da Fiocruz, que a gente fica muito apagando incêndio. Então na
ordem de prioridade, você apaga os incêndios da vez, depois os
que estão queimando mais adiante e obviamente, o trabalho mais
articulado que envolve tempo, gente, uma rotina, dinâmica, acaba
não conseguindo consolidar.(Janine Cardoso)
No início de 2004 finalmente foi estabelecido um plano de trabalho que
englobou discussões - e muitos embates - entre representantes de todas as
unidades e instâncias administrativas e gerenciais da Fundação. Foi realizado um
mapeamento dos sítios das unidades das áreas de Comunicação e Informação e
realizadas reuniões com representantes das unidades para apresentação e
validação do modelo proposto. Em seguida se deu a etapa de produção de
conteúdo. Estabeleceu-se que o conteúdo seria elaborado com a colaboração dos
representantes das unidades, sob a responsabilidade de redação e edição do grupo
de trabalho de gerentes funcionais (responsáveis por cada área do Portal).
Foi definido um Comitê Executivo do Projeto, formado pela Câmara Técnica
de Informação, Comunicação e Informática e coordenado pela Vice-Presidência de
Desenvolvimento de Informação e Comunicação da Fiocruz junto com o CICT. O
modelo de desenvolvimento se baseia na formação e funcionamento de redes de
“conteudistas”, responsáveis pela produção do conteúdo informativo, de
desenvolvedores, encarregados da manutenção do site, designers e redes de
processos do núcleo de atendimento, que deveria atender às requisições dos
usuários do portal e acompanhá-las - na verdade, uma ouvidoria, que, apesar da
importância e complexidade da instituição, com seus mais diferentes públicos, até
o momento não existia na Fiocruz.
Segundo o cronograma inicial do projeto foi primeiramente feito um
diagnóstico do site atual da Fiocruz. A partir daí criou-se um plano de
desenvolvimento, identificação de serviços e funcionalidades do site, levantamento
de infra-estrutura tecnológica, identificação de premissas e restrições, descrição de
objetivos e justificativas e do software de gestão.
Em seguida, foi realizada a licitação da consultoria, que, em conjunto com o
comitê da Fiocruz, propôs um projeto lógico e físico do novo portal. O lançamento
estava previsto para outubro de 2004 e até ao final desta pesquisa, no entanto, não
fora ainda ao ar. Informações desencontradas alegam problemas com a empresa
desenvolvedora da ferramenta. O Cict contratou um profissional de Jornalismo
para coordenar o Portal Fiocruz.
A despeito de todas as dificuldades, incluindo as inerentes aos processos
burocráticos do desenvolvimento de projetos no setor público, o Portal é o macro-
projeto do momento na Fiocruz. O discurso de defesa do alto investimento da nova
“ferramenta”, é permeado de idéias semelhantes às descritas por Mattelart (2000),
que identifica processos “utópicos” de comunicação universal desde a primeira
metade do século XIX, quando na Europa vão se consolidando os “alicerces da
ideologia redentora da comunicação em sua mobilidade internacional” (Idem,
p.37). E o grande propulsor dessa possibilidade de comunicação era a tecnologia,
naquela época, o vapor e a eletricidade, que permitiriam levar a cabo a “utopia da
associação universal, sob o ponto de vista da indústria” proposta por Claude-
Henri Saint-Simon, em 1820. Havia uma crença na rede de informação, uma nova
maneira de gerenciamento dos indivíduos, base da ciência positivista, como fuga
de um “Estado tutelar”, no “encurtamento de distâncias” entre os grupos sociais. A
rede torna-se então, nesse processo de reestruturação, a figura simbólica da nova
organização social. (Ibidem, p. 38)
O discurso dos entrevistados expressa uma continuidade dessa fé sincera na
tecnologia como agenciadora dessa interlocução entre ciência e sociedade, tanto no
sentido de que o conhecimento científico poderá se estender aos “outros”, quanto
no de que o “outro” tem potencialidades para contribuir para sua própria
produção de um conhecimento. Idealmente, esse meio teria de ser capaz de ser
gerido por todos, sem qualquer censura de inserção de conhecimento, e, sobretudo,
sem hierarquia – uma lógica coerente com a política de gestão democrática
participativa que a Fiocruz defende. Dessa perspectiva, a comunicação é tratada
como um campo de democratização do saber científico, da informação e do acesso
à saúde.
A gestão democrática do conhecimento é o foco dos debates sobre a
formatação do Portal, apresentado como um lócus totalmente democrático no qual
qualquer edição prévia de conteúdo fosse desnecessária. Mais uma vez a
instituição traz pra si a clara função de mediadora, nesse meio de “excesso de
informação” - como define o texto do seu Programa de Informação e Comunicação
- para “escolher, selecionar e redirecionar essas informações conforme as
necessidades coletivas”, sendo que o processo é colocado como um caminho
“natural”, coerente com o papel missionário da Fundação, papel agora percebido
como claramente democrático, uma vez que é planificado e acessível por meio do
portal eletrônico.
Minha visão sobre o Portal é a mais otimista possível. Creio
que ele é (falo em sua dimensão ideológica e ideal, e não me
atendo ao momento-presente), como idéia, e será,
concretamente, o local de concentração de informações sobre
a Fiocruz, referência de todas as atividades, possibilidade de
maior diálogo com a sociedade e instauração e
potencialização de uma imagem da Fiocruz para toda a
América Latina, integrando uma rede muito pequena e
restrita de instrumentos semelhantes e fundamentais.
Falo assim pensando nas novas tecnologias, por um lado, e
na tendência de inclusão digital, por outro. Em relação às
novas tecnologias, já temos instrumentos, hoje, que nos
permitem tornar esse Portal Fiocruz uma imensa biblioteca
de registros, um mundo integrado de informações sobre
ciência e saúde pública jamais imaginado: dissertações e
teses de mestrado, em resumo e na íntegra, livros e artigos
publicados ou inéditos, resultados de pesquisas,
diagnósticos, etc; informações sobre centros de referências,
doenças, serviços, pesquisadores, profissionais (currículos
FioLattes), etc; links para outros portais, organizações
governamentais e não governamentais, bibliotecas (BVS), etc;
espaço para troca de experiências, inovações, diálogos
(fóruns, chats, conferências on-line, listas), etc;
estabelecimento de comunidade virtual, reunindo várias
ferramentas.
No entanto, creio que a construção desse Portal Fiocruz
empacou em alguns erros básicos, a maioria deles ligados ao
planejamento inicial e às disputas políticas internas. Como
exemplo: o portal da Ensp, que não excede tanto o da
Fiocruz em termos de complexidade e diversidade, foi
realizado rapidamente, sem tantas tensões e com resultado
(gráfico, conteúdo, navegabilidade, usabilidade) muito bom.
A seu favor, o portal da Fiocruz tem o fato de que as
características dessa mídia permitem o constante ir-e-vir,
adequações cíclicas, correções de rota, etc, sem que o
trabalho seja perdido. Por isso, acredito na retomada e nas
possibilidades do Portal como projeção da imagem da
Fiocruz para a sociedade e também para si mesma”.(Carlos
Xavier)
Nem nas discussões sobre o Portal Fiocruz das quais a pesquisadora pôde
participar, nem nos documentos aos quais teve acesso fica claro de que modo a
proposta de Gestão do Conhecimento irá coexistir com o papel do Conselho
Editorial. Os defensores do portal como espaço democrático de conhecimento
defendem que deve haver meios de publicar, sem mediação, tanto as informações
que as unidades e usuários entenderem pertinentes e importantes. Quais seriam
então os critérios de “filtragem” dessa informação sem prejuízo do uso
democrático e participativo do portal como mais que um site institucional, um
lócus de compartilhamento de conhecimento e de discussão política?
Segundo esse ponto de vista a instituição de um código de conduta para
edição de informações seria tarefa simples. Porém, a Fiocruz não conseguiu, até o
momento, “controlar” o “input” de informações nem mesmo em sua lista interna
de e-mails (a Fiocruz-L), como iria fazê-lo, então, em um site que pretende
englobar todas as suas unidades, seus diferentes pares e públicos, links com portais
do governo e outras instituições? Essa discussão ainda não parece ter chegado a
um consenso mínimo.
A adesão e cumprimento dos padrões pelos sites das unidades e o plano de
adequação dos sites eram fatores considerados críticos do projeto. Preocupação
que se confirmou depois, uma vez que o Comitê teve de ceder às unidades que não
abriram mão do controle independente e proposta visual de seus sites. Antes
mesmo disso, grande parte das unidades já havia se recusado a utilizar em suas
páginas eletrônicas a faixa verde e amarela, recomendação do Governo Federal
para todos os sites públicos. Os sites das unidades também não seguem a portaria
da presidência da Fiocruz que versa sobre a Identidade Visual da Fiocruz (assim
como o material impresso de divulgação das unidades também não o seguem,
como cartões de apresentação, relatórios e folders).
Seja visto como um desafio, utopia, um grande problema ou como projeto
de longo prazo que dependeria de uma mudança de cultura institucional, o Portal
gera embates políticos que podem levar à uma política de centralização para que
seja levado a cabo. Ao menos na visão da CCS:
Pesquisadora:
O Portal teria que integrar toda a Fiocruz.Qual o
papel da CCS neste portal?
Christina Tavares:
Aí você está me provocando...porque eu acho
que nosso papel..o papel do Portal - é o contrário - deveria ter em
sua primeira página a página da CCS, que é a única coisa
atualizada que tem na Fiocruz e que tem possibilidade de
continuar, porque o nosso usuário de site é jornalista, a gente
atualiza toda hora. Você acha que as unidades vão manter a
velocidade que a gente tem? Não vão. Eu acho que a primeira
página do portal deveria ser essa, mas o Portal não está com a
CCS. Ele é abrigado na Vice do Gadelha (Vice-Presidência de
Desenvolvimento Institucional, Informação e Comunicação), que
está responsável pela constituição dele. A gente não está... a gente
tem apenas assento do portal, na construção dele. Eles estão numa
fase em que deu tudo errado do ponto de vista da ferramenta e
eles estão reformulando tudo. E graças a deus a Ilma (Diretora do
CICT), quando abrigou o portal, resolveu contratar um jornalista
de porte para editar os textos, o Alexandre Medeiros, e que tenho
notícia que mais ou menos rasgou tudo o que existia (risos). Pra
poder seduzir....um engenheiro elétrico a entrar no portal pra
saber o que essa instituição que é dele, o que ela faz. Eu vi os
textos que vieram pro Ricardo fazer revisão. O primeiro que eu
abri era, Fundação Oswaldo Cruz, complexo
organizacional.....qualquer pessoa abre aquilo ali e não quer saber
de jeito nenhum saber mais o que é, né? Então, ele está trazendo
essa linguagem jornalística e ele tem essa visão de que o papel da
CCS tem que ser esse de estar instrumentalizando a 1
a
página, do
jeito que a gente já faz. Eu não sei se isso vai ser definido, eu
gostaria que fosse. Era um bom cartão mesmo.
P:
Você acha que o Portal vai refletir uma unidade da Fiocruz?
C:
Não. Algumas unidades são totalmente fechadas, têm a cabeça
de que “eu só falo com os meu pares”.Tem unidade que...sabe,
não tem jeito de fazer nenhuma reflexão. (...) Você tem a Casa de
Oswaldo Cruz, que é uma das mais novas, e IOC, que é das mais
antigas... eles têm um comportamento muito parecido, eles
refletem “A Ciência”. Essa pose de estratégia de comunicação
ainda não passa de clientelismo ou personalismo. Sabe, quando
eles querem muita Comunicação, o nosso trabalho é muito pra
divulgar fulano, siclano e beltrano, porque eles vão dar
visibilidade à unidade, eles acham que a unidade é mais
importante que a instituição. Fica cada um querendo botar mais
azeitona na sua empada, e eu já acho que a Fiocruz é forte quando
é unida. Ninguém quer saber se é Bio-manguinhos que está
mandando... quando você fala que é a Fundação Oswaldo Cruz
todo mundo sabe. A Unidade ainda é muito corporativa. Outras
não, algumas são absolutamente abertas.
4.4 Em busca de um Projeto conjunto de Comunicação
Tentar organizar entre nós uma articulação maior dos
recursos...por que não fizemos antes? Porque não deu, né?
Ninguém é contra fazer, todo mundo acha que deveria ter sido
feito há muito tempo, mas não foi possível. Nem por serem óbvias,
as coisas são imediatas. (…) particularmente na área mais clássica
da comunicação, tem muito a questão do tempo e do evento, do
fazer, da rotina do executivo que tem uma lógica, uma dinâmica
que é muito exigente, deixa pouco espaço. Agora, acho que essa
instituição, por tudo que advoga, defende, tem que avançar nisso
também, racionalizar, cortar caminho, mas isso tem um tempo.
(Janine Cardoso)
O fortalecimento da Comunicação em Saúde como campo de pesquisa vem
promovendo um ganho para os projetos conjuntos da área entre as unidades. O
Cict, que normalmente fornecia serviços de comunicação, como material
informativo impresso e vídeo, a outras unidades agora aposta em uma postura de
parceria de produção conjunta de médio e longo prazos; isso acabaria com a oferta
de serviço “de balcão”, como se referiu certa vez um chefe do departamento de
multimídia daquela unidade.
O próprio Portal Fiocruz está engendrando um movimento de integração,
ainda que à força - na visão de algumas unidades, que prefeririam continuar
trocando informações diretamente com seus pares externos, por meio de suas
próprias ferramentas de comunicação. Os objetivos das unidades são colocados
frente à frente e se busca resgatar as metas comuns a um projeto institucional da
Fiocruz, como produtora e difusora de conhecimento, com a importante função na
promoção de avanços na área da saúde.
A agilidade da Comunicação e o excesso de demandas pontuais foram os
principais argumentos dos entrevistados para a falta de projetos conjuntos na área
de Comunicação. Outro argumento é ser a Comunicação uma “descoberta” recente
da Fundação.
É claro, no entanto, que as dificuldades de concretização desses projetos - o
que não é exclusividade da área de Comunicação - estão nas relações políticas que
os perpassam.
Na perspectiva da Coordenação, ligada ao órgão máximo deliberativo - a
presidência - os projetos com as Unidades “funcionam” melhor sob a organização
do órgão.
Pesquisadora:
Como é elaborar um material conjunto com as
unidades?
Christina Tavares
: A gente acabou de viver isso com o Lula. O
Lula vinha inaugurar uma planta piloto de vacinas, tomar posse
da fábrica de medicamentos e inaugurar a nova sede do
politécnico. Eram três equipes trabalhando. Geralmente quando é
alguma coisa que envolve duas, três unidades, em geral é um
evento de mais porte e aí, por incrível que pareça, fica mais fácil
trabalhar, porque a gente centraliza. Como a gente tem todo
mundo trabalhando no mesmo ritmo, tudo muito azeitado, aí a
gente fica forte. E esses meninos [jornalistas, assessores das
unidades] não estão acostumados mais a fazer release pra fora;
quando fazem um texto, o que o diretor acha mais importante vira
o lead. Então é fácil, a gente pede a informação técnica da
jornalista da Unidade e ele já fez todas as perguntas que a gente
precisa e a gente constrói o release aqui na comunicação e a
estratégia de divulgação também. Como as unidades não têm a
experiência pesada de divulgação externa, eles ficam tranqüilos e
a gente trabalha em paz.
P:
E material institucional da Fiocruz?
C:
Ah tá..não... por exemplo a gente tá terminando agora um
folder Fiocruz, que vai ser bilíngüe, de bolso, pro visitante,
pequeno. Estamos há dois anos e meio para fazer este folder. Você
manda um texto pra unidade pra fazer revisão e o diretor te
responde que “isso” não pode faltar, e aumenta mais uma lauda e
você manda reduzir. Mas há seis meses, quando eu bati martelo, o
seu texto tem que ter 12 linhas, não mais que isso, acho que eles
relaxaram e entregaram. Folder é bem mais complicado, é mais
fácil divulgação externa.
P :
O problema é operacional ou da visão de cada unidade?
C:
Da visão, claro! Se torna um problema operacional, porque
dificulta, mas é um problema da visão de cada diretor da própria
Fiocruz. Eu soube agora da construção do Portal que está sendo
feito, você vai cair dura quando eu te contar: os diretores
mandaram os textos que eles queriam que tivessem no portal de
sua unidade. A ENSP tem não sei quantos departamentos e um
deles é a Unidade Germano Sinval Faria, que é o um posto de
saúde. Sabe qual o tamanho do texto? 62 laudas! (risos). Você vê,
não tem jeito! Eles ‘viajam’...
Todos os entrevistados concordam que o relacionamento e a aproximação
com a CCS são fundamentais para uma maior integração das estratégias da
Fundação, desde que guardadas as especificidades e necessidades imediatas de
cada unidade.
Em seu recém-publicado Programa Integrado de Informação e Comunicação, a
Fiocruz reúne - depois de extensas discussões e debates nas Câmaras Técnicas de
Informação, Comunicação e Informática, instâncias técnicas de debates - as suas
propostas, diretrizes e metas principais para a área de Comunicação. O documento
contempla propostas que integram a Comunicação Interna da Fundação a atuações
bem mais amplas, no âmbito da saúde púbica no País e América Latina.
Dentre as propostas, estão, como principais metas, de forma resumida:
ampliar a capacidade de formulação de políticas e desenvolvimento de estratégias
de comunicação no campo da saúde pública, da ciência e desenvolvimento
tecnológico, visando identificar e atender às demandas do SUS; estimular a
reflexão sobre as múltiplas relações entre comunicação, informação e educação,
por meio de eventos e publicações; fortalecer a participação da Fiocruz no Canal
Universitário do Rio de Janeiro; fortalecer o trabalho colaborativo intra e
interinstitucional, participando das redes; fortalecer e criar setores de comunicação
social nas unidades de forma descentralizada, mas integrada dentro do complexo e
da política de divulgação da Fiocruz; ampliar os canais de comunicação entre a
coordenadoria de comunicação social e os setores de comunicação das unidades;
favorecer a articulação dos programas de comunicação com as redes que visam
pesquisar, difundir conhecimento, identificar necessidades educativas,
informacionais e comunicacionais, implantar o Portal Fiocruz, estimular o diálogo
entre a comunidade científica e a sociedade, divulgar os editais dos programas de
pesquisa financiados pela Fiocruz nos veículos de amplo alcance; implementar
mecanismos integradores nas áreas de comunicação impressa, digital e
audiovisual; manter as reuniões periódicas da câmara e subcâmaras técnicas como
fóruns de formulação de propostas; instituir grupos de trabalho; estabelecer
estratégias interunidades, que ampliem a visibilidade dos produtos de informação
e comunicação da Fiocruz; investir na permanente capacitação e atualização
profissional.
Observando-se essas metas, um ponto particularmente chama a atenção: o
fato de que a Fundação trata sua comunicação interna no mesmo nível de sua
atuação nacional, com seu compromisso público e missão de contribuir para o
desenvolvimento tecnológico e social, popularização da ciência e promoção da
saúde.
Esse deveria ser o princípio de qualquer organização social - cuidar de criar
relações internamente fortes e externamente úteis. Pondera-se que, no entanto, que
é nítido para quem observa a dinâmica da instituição, que propostas grandiosas
são colocadas ao lado de uma simples estratégia interna de intercomunicação entre
os setores de comunicação das unidades, que se remeteriam à coordenadoria, que,
como visto nos depoimentos não são eficientemente sistematizados nem mesmo
em processos simples. Por que isso acontece? A primeira questão é se a
complexidade da organização, com tantas unidades de funções e posicionamentos
políticos distintos dificultaria a sistematização de uma política interna de
comunicação. Outra questão seria, uma vez colocada como meta, no mesmo nível
de outras interligadas a vastas e complexas redes de comunicação e saúde, se as
propostas internas não se “perderiam” diante de tamanho desafio de, por exemplo,
levantar as “necessidades educativas, informacionais e comunicacionais” da
sociedade. Pensar a comunicação interna articulada às grandes questões da saúde
pública é inerente à forma Fiocruz de pensar os seus campos de trabalho. Resta
saber como as estratégias internas sobrevivem nesse oceano de grandes demandas
sociais.
No entanto, a despeito de todas as suas diferenças e frágeis estratégias de
comunicação interna, que esbarram com a autonomia dos grupos e com as grandes
discussões sociais, a Fundação permanece com uma identidade forte e coesa diante
de público e mídia - imagem que este estudo deve discutir com maior cuidado no
próximo capítulo, por meio da análise da representação social da Fundação na
imprensa.
A organização volta-se agora para a Comunicação como processo salvador -
esse “agora” começa em meados da década de 80, quando os campos da
informação e comunicação em saúde começam a ser incluídos na agenda da
Fundação. E é claramente uma idéia de comunicação que se confunde com a de
informação. Informação que dificilmente conseguirá fugir do discurso único
racionalista científico, buscando atingir “as camadas pobres da população”. Ao
mesmo tempo, essa Comunicação a “salvaria” de si mesma, de sua “imagem
pulverizada”, graças a uma virtualidade de gestão do conhecimento, materializada
em um grande projeto de base Internet. As partes poderiam começar a falar entre
si, a se conhecer. Como se a informação sobre o “outro” fosse um real
conhecimento, capaz de diluir conflitos.
Então, tem-se aqui duas propostas “conciliatórias”: a da aposta na
tecnologia como forma de aproximação entre os diferentes integrantes internos e
externos da Fundação e do “conhecimento”, ou reconhecimento, do “outro”. O que
pode-se discutir é se essas práticas de comunicação fazem com que o “outro” seja
reconhecido ou se somente se torne “familiar”, como questiona Gilberto Velho em
Individualismo e Cultura (1981). “O fato de dois indivíduos pertencerem a mesma
sociedade não significa que estejam mais próximos do que se fossem de sociedades
diferentes, porém aproximados por preferências, gostos,
idiossincrasias”(VELHO,1981,p.125). A intensidade da comunicação propiciada
pelas redes de informação, como por exemplo, no caso do Portal Fiocruz, corre o
risco de fazer com que a experiência, atividade e objetivos de uma unidade
tornem-se familiar à outra, o que não implicaria necessariamente no conhecimento
daquela.
Na sociedade complexa contemporânea (...) existe o dissenso em
vários níveis, a possibilidade de conflito é permanente e a
realidade está sempre sendo negociada entre atores que
apresentam interesses divergentes. Embora existam mecanismos de
acomodação ou de apaziguamento, sua eficácia é muito variável e,
até certo ponto, imprevisível. (VELHO, 1981, p. 127)
A análise das entrevistas mostra que as unidades não conhecem as
estratégias de comunicação, das outras, nem mesmo conhecem bem as atividades
finalísticas, “insulando-se” (para usar um termo da área de administração, no que
se refere ao processo burocrático de gestão) em suas próprias rotinas e processos
de comunicação. A hierarquia oficial da Fundação permite aos profissionais da
Fiocruz “localizar” as instâncias deliberativas e compreender sua lógica relacional.
Porém, quando se trata de reconhecer seus “iguais” no organograma oficial, eles
mostram desconhecimento e, até, uma certa tranqüilidade com relação a essa
postura ensimesmada.
Retoma-se aqui as contribuições de Gilberto Velho para analisar essa
relação. A proposta de Comunicação Interna da CCS, seus comunicados on-line, a
lista de e-mails, a Fiocruz-L, e alguns impressos integram uma rotina de
transmissão de informação que, como apontam as entrevistas, não tem contribuído
em muito para aproximar as unidades e seus diferentes públicos. “(...) posso ter o
mapa na mão, mas não compreendo necessariamente os princípios e mecanismos
que o organizam” (1981, p. 128). Mesmo a CCS, que tem um plano mínimo de
comunicação interna, não consegue que este atinja os resultados esperados de
integração/informação.
Está na base dessa discussão, então, a que serviria o projeto conjunto de
comunicação que a Fiocruz busca. O Programa Integrado de Informação e
Comunicação descreve que este projeto deve estar para além do funcionalismo
emissão/recepção, de forma que possa não somente aproximar as unidades de um
ideal conjunto, como integrá-la à população - público alvo de um macro-projeto
institucional de agente público.
O projeto do Portal Fiocruz, por exemplo, como ferramenta de gestão do
conhecimento, aberto aos mais diferentes saberes, segue uma lógica da
Comunicação para além do didatismo das campanhas de saúde - o que pode ser
visto como um avanço - , via diferentes mídias, como televisão e jornais, meios
caros e com grande dificuldade de atingir o público alvo. A Comunicação a que a
Fundação se volta - e vem tentando sistematizar - confunde-se com a proposta de
rede de informação de Manuel Castells, transcendendo um esquema funcionalista
emissor/receptor.
(...) não há mais lugar para uma visão da Comunicação e
Informação reduzida às suas tecnologias, à sua
instrumentalidade. Comunicação aqui envolve grandes
fluxos de informação e discursos que concorrem para a
construção e transformação de sentidos sociais a partir dos
processos de divulgação científica e do uso de meios e
tecnologias (...) para informar sobre saúde, ciência e
tecnologia, mas não se reduz a nenhum deles. (...) busca o
diálogo, (...) articulando com outros processos sociais, como
o da educação, da popularização da ciência e o da promoção
da saúde, compartilhados e mediados pelos meios de
comunicação, mas não determinados por eles” (FIOCRUZ,
2002)
5 IDENTIDADE FIOCRUZ: ORGULHO COMO MARCA
Utilizando o conceito clássico de Comunicação Institucional na conformação
da identidade institucional, diz-se que ela deve usar de todos os meios possíveis
para criar e construir uma identidade corporativa da organização perante a opinião
pública e sociedade em geral (KUNSCH, 1997)
“A Identidade corporativa diz respeito à personalidade, aos valores, e às
crenças atribuídos a uma organização, pelos seus públicos internos e externos,
após um trabalho desenvolvido ao longo do tempo” (Idem, 1997, p.118).
Este estudo parte da hipótese de que as estratégias de comunicação interna e
externa da Fiocruz - ainda que não sistematizadas como tal – são a base,
propulsora e ratificadora de uma identidade institucional, o famoso “orgulho de
ser Fiocruz”.
Sei lá se é praga de mãe...ou se é atmosfera da Brasil, mas tem uma
coisa aqui dentro...tipo... orgulho de ser Fiocruz que é muito
grande. É só você ver aqui, todo mundo novo e apaixonado pela
Fiocruz. Pelo que está fazendo, do jeito que está fazendo, pela
instituição. Tem uma imagem de orgulho de si mesmo e de cada
uma das pessoas (Christina Tavares)
Sinceramente, quando eu entrei aqui achei meio estranha a relação
dos trabalhadores com a Fiocruz. Parecia que não existia outro
lugar onde as pessoas pudessem trabalhar, que todo mundo que
entra aqui não sai nunca mais. Aos poucos, fui entendendo essa
relação. Pelo menos, acho que sim. A partir desse discurso de
qualidade de vida, a instituição se mostra muito acolhedora aos
profissionais.(Vivi Fernandes)
A especificidade da Fundação - uma instituição de constituição histórico-
política bem particular, formada por unidades ainda hoje muito independentes,
que abriga movimentos políticos fortes e organizados, na maioria das vezes em
embate com o Governo, seu provedor - poderia levar a um estudo que se isolasse
no tempo e espaço. Porém sua diversidade de atuação e seus inúmeros “braços” de
pesquisa, produção e ensino, que a ligam a instituições das mais variadas no Brasil
e exterior já seriam impeditivos para essa análise restrita.
E é exatamente nesse mundo de complexidade e ramificações que forma um
todo que essa imagem se sustenta. No passado, as áreas de pesquisa e produção, a
despeito de seus conflitos político-administrativos internos, uniam-se contra a
desintegração da Fundação, um eterno risco a cada governo, em especial durante o
regime militar. Nesse processo, institui-se o que Manuel Castells chama de
“Identidade de Resistência” (CASTELLS, 2003), uma das três distinções que o
autor faz das identidades de grupo constituídas, que como sempre ocorrem em
contextos marcados pelas relações de poder. As outras duas “formas” identitárias
seriam a “identidade legitimadora”, introduzida pelas instituições dominantes, no
intuito de expandir e racionalizar sua dominação, e a “identidade de projeto”,
construída a partir de atores sociais que buscam redefinir sua posição na
sociedade, buscando também a transformação da estrutura social.
Certamente o modelo de “identidade de projeto” é o que mais se alinha à
proposta da gestão participativa da Fiocruz e dos propósitos de difusão de
conhecimento e promoção de saúde da Fundação. A proposta de Castells é uma
classificação teórica e, como todas, restritiva em sua abordagem. No entanto, pode
ser uma importante “pista” da manutenção de uma forte consolidação interna da
imagem da Fiocruz e de sua força política: o fato de estar voltada mais para fora do
que para dentro. Como comprovam suas estratégias de comunicação, a
comunicação interna é preterida em prol de um projeto maior, internacional,
multidisciplinar, amibicioso; uma “missão” de transformação social, que remonta
ao tempo de Oswaldo Cruz.
O termo Cultura Organizacional, geralmente empregado no universo dos
“negócios”, como explica a antropóloga Lívia Barbosa em Cultura e Empresas
(2002), é útil para propor um recorte para refletir sobre as relações sociais na
Fiocruz. Mais ainda por ser esta uma instituição com modelo particular de gestão,
teoricamente voltada para a horizontalização e compartilhamento do poder (por
meio do compartilhamento do conhecimento). Sob pena de, como alerta a autora,
entrar em choque com o conceito de cultura das Ciências Sociais em toda sua
complexidade, esta pesquisa entende que o conceito de Cultura Organizacional
pode contribuir para o entendimento dos modos de comunicação da Fiocruz. Uma
cultura “produzida” a partir de relações de trabalho distintas entre produção,
pesquisa e ensino - o tripé básico desta instituição - e flexível e mutável, por conta
de todas as conexões com parceiros externos. Uma cultura com valores próprios,
que levam ao famoso “orgulho de ser Fiocruz”, a um caráter missionário -
resquício do trabalho de seu fundador Oswaldo Cruz - e a uma responsabilidade
transformadora própria do conceito de saúde (levar boas práticas aos “menos
informados”). Em maior ou menor grau, esses são valores comuns à chamada
comunidade Fiocruz. Enquanto isso, os embates internos são enormes: a
autonomia das unidades permite que estas consolidem novas parcerias externas (à
Fundação) a cada dia, capacitando-se a exercer atividades afins a de unidades que
são verdadeiros patrimônios históricos nestas áreas. Novas unidades
implementam cursos de mestrado e extensão que, claro, “brigam” para ganhar o
status de excelência já conquistado há anos pela Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP), do alto de seus 50 anos de tradição.
Enfim, é o que a gente vive aqui: antiguidade é posto. É um
argumento forte de identidade. Ainda mais em uma instituição
centenária. Isso tem um peso muito forte nas unidades mais
recentes....mas você vê esse desejo de afirmação de identidade em
unidades novas, por exemplo, Casa de Oswaldo Cruz, não estou
nem fazendo juízo de valor, estou pontuando. Tem fortes
investimentos em seus projetos, na sua marca, identidade de se
lançar. (Janine Cardoso)
Como explica a antropóloga Lívia Barbosa, a identidade social de uma
organização é parte de sua cultura, e não a cultura em si mesma. Seguindo a linha
do pensamento antropológico, a cultura de uma organização seria composta de
sistemas de classificação que organizam a realidade, valores que não são
necessariamente homogêneos, universalizantes. Ao contrário, a cultura é uma
entidade flexível. Buscar entender essa cultura é analisar as diferentes perspectivas
internas e as relações de poder que vão se diluindo e reconfigurando em cada
fórum de debate coletivo e em cada postura gerencial intra-unidade ou mesmo nas
relações sociais.
As organizações têm de se debater com os mesmos questionamentos das
ciências sociais, a óbvia necessidade de incluir o conflito em seus projetos de
comunidade. Superar a idéia de uma cultura homogênea, consensual, única, que
vai se estender a todos assim que os “de fora” perceberem sua funcionalidade e
proteção - o “paraíso perdido ou paraíso esperado” da comunidade, como critica
Bauman. Uma esperança herdada do discurso único de que a felicidade está no
“amor fraterno”, sem distinção, imersa em uma cultura que o processo de
Comunicação de Massa vai materializando como universal.
Ao entendimento das organizações públicas e de suas relações com a
sociedade e mercado, Margarida Kunsch propõe o modelo interpretativo, que
compreende cada organização como uma cultura distinta, como um fenômeno
ligado à subjetividade em maior grau que à objetividade. Para a autora, a realidade
organizacional é socialmente construída por meio da comunicação e baseia-se em
símbolos e significados compartilhados e envolvidos em várias formas
comportamentais. A noção crítica dessa comunicação dependeria de uma visão
dialética, entendendo a organização como uma “arena de conflitos”.
O desenvolvimento da sociedade moderna não está marcado pela
separação entre o Estado e a Sociedade e, com isto, entre as esferas
públicas e privadas. O que é fundamental é que esta separação
não é definitiva, à medida que é no âmbito privado-mercantil que
a coisa pública encontra originalmente sua verdadeira expressão (
KUNSCH apud GRAU, 1998, p. 25)
Como apontam os números cedidos pela CCS, a grande imprensa tem na
Fiocruz uma fonte confiável de informação. Essa mesma imagem parece ser
compartilhada pelas instituições parceiras da Fiocruz, que, em muitos casos, se
valem da força da “marca” da instituição para ganhos políticos e financeiros de
seus projetos.
Muito boa [a imagem da Fiocruz na mídia]...impressionante. A
gente recebe demanda da mídia, de coisas de doenças ou de saúde
que não nos dizem respeito.Se algum jornalista quer fazer matéria
de transplante de medula óssea, a primeira coisa que ele faz é
perguntar pra nós quem é a pessoa a qual procurar, quem
entrevistar... com certeza a gente hoje é referência pra toda a
grande imprensa, quando é Fiocruz as pessoas sabem que é uma
coisa séria e da assessoria que sai ... viu matéria no site. Qualquer
jornal sabe que pode reproduzir que não vai haver problema, a
gente tem uma imagem muito boa, muito boa mesmo. É claro que
tem probleminha com repórter recém-chegado na redação que
chega aqui botando dúvida.... mas é bobagem. (Christina Tavares)
Carlos Xavier falou sobre sua perspectiva quanto a um plano de
Comunicação Externa, no qual ele inclui o Radis, projeto que tem uma revista
como produto que atinge o mais variado público da área da saúde, desde
atendentes hospitalares, técnicos até pesquisadores da área.
Pesquisadora:
Há um claro plano de comunicação externa?
Carlos Xavier:
De um modo geral, não. De um modo específico,
parece que sim. Um plano que dê conta ‘da Fiocruz para o mundo’
e que envolva todos os atores e setores, integrando e
potencializando talentos, recursos e meios, não existe. Entretanto,
é possível, a partir da prática e tomando as experiências dos vários
setores (notadamente Radis, Canal Saúde, VideoSaúde e CCS),
compor um belo panorama da atuação da Fiocruz no campo da
comunicação em saúde, aliando a isso ainda as contribuições
notáveis à construção teórica do próprio campo, como os trabalhos
de Áurea Rocha Pitta, Janine Cardoso e Inesita Araújo. Tal análise
poderia levar um observador incauto a enxergar alguma ‘intenção
global’ nessa atuação. Mas é um olhar de fora para dentro. A
atuação combinada do Radis (jornalismo impresso), Canal Saúde e
Video Saude (TV, vídeo), CCS (Assessoria de Imprensa) e talvez
agora do Portal da Ensp, faz com que a coisa ‘pareça’ ser
proveniente de um planejamento. Mas esse planejamento não
existe.
Especificamente, no entanto, creio que podemos citar a CCS como
um exemplo de planejamento de comunicação externa. Como todo
setor com a função de exercer uma assessoria de imprensa
‘clássica’, ele fica na maioria das vezes ao sabor dos
acontecimentos, das demandas urgentes de divulgação e defesa da
instituição etc. Mas deve-se reconhecer que há um planejamento,
uma orientação no trato com a imprensa, especificamente. Na CCS
há um quadro de bons profissionais (jornalistas, designers,
fotógrafos) e há planejamento. Se este é um planejamento eficaz, se
é um bom planejamento e se responde adequadamente às
demandas da Fiocruz, não me cabe responder (nem tenho
competência para isso). Mas há planejamento baseado em
diagnóstico e avaliações, e as publicações, o site e os instrumentos
de contato com a imprensa (releases, notas etc) são frutos desses
diagnósticos e avaliações, bem como das necessidades
institucionais.
Essa identidade também é reforçada na medida em que a Fiocruz se
expande por meio de suas conexões e atuação política. Por exemplo, é da Fiocruz,
como autarquia do Ministério da Saúde e sua mais importante instituição de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a maioria dos representantes no Grupo
de Trabalho sobre Comunicação de um dos mais importantes eventos de saúde
pública do País, o VII Congresso da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde
Coletiva), que antecede os debates da Conferência Nacional de Saúde - cujas
resoluções devem ser, pelo princípio do SUS, definem a atuação prioritária do
Ministério da Saúde. O documento de referência gerado pelo grupo, “É hora de
implantar a Rede Pública Nacional de Comunicação em Saúde” (2004), equipara o
direito à saúde ao direito à comunicação e, como proposta de consolidação desse
ideal político de saúde, propõe a instituição de uma Rede Pública Nacional de
Comunicação em Saúde, que integrasse, via Internet e outros meios de
comunicação, os conselhos de saúde, poder Executivo, comissões intergestores,
Legislativo, Ministério Público e todos os segmentos envolvidos com o controle
social.
A Comunicação é tratada como um campo de democratização do saber
científico, da informação e acesso à saúde. O documento de referência gerado por
este grupo equipara o direito à saúde ao direito à comunicação. Trata-se agora o
conceito de Saúde como um “direito-síntese”: índice de acesso da população a
emprego, moradia, transporte, salário, lazer, segurança, educação e comunicação.
O grupo, formado por médicos, sociólogos e outros profissionais da área de saúde
ou ciências sociais, alguns com especialização em Comunicação em Saúde, entende
que a rede já existe, porém suas estratégias de comunicação devem ser mapeadas,
identificados os atores e promovidas novas conexões. A Rede torna-se marco e
expressão de uma nova ética comunicacional, uma nova forma de relação entre
governos e sociedade.
A operacionalidade dessa rede implica obviamente na democratização da
tecnologia, principalmente de Internet, e pelo comprometimento da mídia com a
transformação proposta pela Rede; ou seja, efetivar-se a tão aclamada inclusão
digital.
Essa mesma mídia nacional, cujos interesses atravancam - nesses termos expostos -
a democratização da saúde, serve como reificação da ciência e tecnologia em saúde
e de suas instituições-marco, principalmente a Fundação Oswaldo Cruz,
consagrada como a intelligenza dessa área, desde o início do século XX.
Mídia e sociedade recriam uma instituição poderosa - uma vez que a maior
parte da imprensa tem sua referência em saúde nas informações e personagens da
Fundação - porém não permitem a consolidação de seus valores. A autoridade do
discurso da Fundação, sem discussão aqui da metodologia científica, dá-se na
comunicação como “intensidade informativa”, utilizando uma proposta conceitual
de Gianni Vattimo.
Em suma, mesmo sem um planejamento claro de comunicação interna ou
externa, a Fiocruz mantém a “intensidade informativa”, envolvendo todos os seus
stakeholders e seu público interno (internamente ela é ainda mais intensa em sua
falta de sistematização).
Engendrando complexas relações comunicacionais interna e externamente,
de forma maciça, constante, como uma “bola de neve”, a identidade Fiocruz vai se
conformando, consolidando, mostrando seu “comportamento institucional”, a
qualidade de seus serviços, produtos e, mais importante, de seus discurso político
e científico. Mesmo que o público em geral não entenda muito bem o que faz a
Fiocruz, existe uma “aura” positiva que a envolve, graças também, claro, a um
trabalho sério de desenvolvimento tecnológico e científico, da qualidade de seus
profissionais e de uma cada vez maior valorização da Comunicação como campo
pertinente de pesquisa e ensino na área da Saúde.
6 Conclusão
As instituições contemporâneas, que sofrem grandes fusões e separações,
estão ainda aprendendo a lidar e sistematizar suas estratégias de comunicação. Se
na pós-modernidade essa tarefa tem sido muito difícil às corporações, que dirá aos
organismos públicos e, como no caso da Fiocruz, àqueles que apostam em modelos
menos rígidos de gestão.
O planejamento de comunicação das instituições deve orientar-se por um
projeto institucional pré-definido, que tem se tornado cada vez mais irreal nos
múltiplos planos da sociedade complexa de Gilberto Velho. A esse desafio, ele
propõe que os mais “eficazes” seriam os que apresentassem um mínimo de
“plasticidade simbólica”, diz ele, referindo-se aos projetos sociais em
Individualismo e Cultura. “Uma certa capacidade de se apoiar em domínios
diferentes, um razoável potencial de metamorfose” (VELHO, 1999).
O que este estudo trouxe à tona foi essa capacidade de se metamorfosear da
Fiocruz, de se expandir, se reagrupar em redes de relacionamentos tanto com a
sociedade quanto com seus pares, ao mesmo tempo em que mantém seus pilares
de tradição. Porém, utilizando um termo corrente da área, a “pactuação” desse
projeto coletivo tem sido difícil, dificultando que as estratégias sejam levadas à
pratica.
A comunicação interna na Fundação dá visibilidade às disputas intestinas e
esbarra em uma dificuldade de lidar com o novo campo da Comunicação, ainda a
ser descoberto e explorado para além de suas estratégias funcionalistas de
divulgação de imagem e do saber científico (que se presentifica na mídia ainda
muito por meio das campanhas de saúde, que, em geral, atingem muito pouco dos
resultados esperados, dada a dificuldade de interlocução com os diferentes atores
sociais).
A Coordenadora de Comunicação da Fundação traz muito para si a
responsabilidade pela falta de um investimento maior nas políticas de
comunicação interna. No entanto, em todas as unidades percebe-se uma
dificuldade dos gestores de lidar com o tema; estes há pouco tempo (final dos anos
90), começaram a buscar profissionais da área de Comunicação para concretizar
seus ideais de divulgação e ainda confundem a gerência com a técnica no
desenvolvimento dos projetos. No setor público, os dirigentes ainda trazem um
certo ranço de um poder autocentrado, influência de anos de pensamento
autoritário, sedimentado na doutrina do desenvolvimento com segurança, de
forma a preservar a estabilidade política e social (VIEIRA, M & CARVALHO, C,
2003). Esse centralismo de alguns gestores das unidades e uma certa inabilidade
administrativa – mascarada, muitas vezes, pela Gestão Democrática, que pode
acomodar a “não-responsabilização” – dificulta que as resoluções dos fóruns de
debate possam ser difundidas e aplicadas em suas unidades, atravancando o
desenvolvimento dos processos propostos.
As propostas para uma política de comunicação da Fiocruz trazem em si
todas essas características e mais o desafio de se articularem em um modelo
administrativo de princípio democrático e eqüitativo (para usar um termo vigente
na área da saúde no Brasil). Nos vários fóruns, deliberativos ou de debates, os
entrevistados reforçam o grande desafio da “pactuação” (outro conceito que os
profissionais da saúde utilizam amplamente e preferem ao termo “negociação”,
que seria mais relacionado a mercantilização). Mesmo com os embates, esses
fóruns servem para determinar certos “nortes coletivos” para as estratégias de
comunicação das unidades, como aponta a assessora da Escola Politécnica em uma
pergunta sobre o ganho da Comunicação por conta da Gestão Participativa:
Sem dúvida, ganhamos mais com isso (com a Gestão Democrática
Participativa). Agora, por exemplo, acabei de sair de uma reunião
sobre o planejamento orçamentário de 2005 para a Comunicação.
Nele, eu posso prever recursos para realizar o que pretendo, como
vídeo institucional, revista, comemoração dos 20 anos da escola,
lançamento de sites, compra de equipamentos, contratação de
serviços...
Quanto à falta de um projeto claro e integrado de comunicação, grande
parte dos entrevistados relaciona ao pouco investimento institucional na área de
Comunicação – mesmo que as visões do que englobe esse campo sejam distintas.
Como opina Christina Tavares:
A minha proposta é uma só: que essa Presidência levasse ao
Conselho Deliberativo da Fiocruz (CD) e este ao Conselho
Deliberativo de suas unidades e que reproduzam isso nas câmaras
técnicas a prioridade da Comunicação de cada unidade. Aí, a
subcâmara de comunicação meio que falaria a mesma língua.
Porque o que acontece hoje é uma disparidade, você ta lá na frente
e a subcâmara ta lá atrás. Eu já consegui regularizar o traço L (a
lista interna de e-mails da Fiocruz) e eles ainda estão discutindo
uma recomendação pra ele. Acho que tem que entender. O
Christóvão Buarque há 20 anos falou uma coisa pra mim que eu
fiquei impressionada. Toda instituição ou empresa pública ou
privada tem que ver que as coisas mais importantes e estratégicas
são sua assessoria jurídica e assessoria de comunicação. A jurídica
pra entender as entrelinhas da lei e a de comunicação ou derrota
ou levanta uma instituição e acho que a Fiocruz só entende a
importância da comunicação acho até que... sentimentalmente....(
risos).
Quando eu falo que o Ricardão vai aparecer no Globo Repórter
todo mundo adora o Ricardão...ele é gente boa, ele é um grande
pesquisador..mas o que é isso? É uma estratégia de comunicação
maravilhosa... tirar do Jornal O Globo para colocar no Globo
Repórter! Toda hora a gente recebe elogio de alguma matéria do
site ou da Revista de Manguinhos, mas é muito intestino. Nunca
foi essa discussão pro CD da Fiocruz ou pro CD das Unidades.
Outra proposta da Coordenadora seria seguir o exemplo das corporações,
que tiveram de agir para fazer frente à rapidez e profusão da comunicação
sindical, aproximar a gestão de seu público interno, utilizando a mesma linguagem
e seus interesses internos como base de uma política interna de comunicação.
Como aponta Gilberto Velho (1981), a eficácia de todo projeto coletivo depende da
capacidade de decodificação e compartilhamento de suas propostas. Nesse sentido,
o autor apresenta a relevância do caráter mais ou menos universal da linguagem
utilizada:
Sua eficácia dependerá do instrumental simbólico que puderem
manipular, dos paradigmas a que estiverem associados, da
capacidade de contaminação e difusão da linguagem que for
utilizada, mais ou menos restrita, mais ou menos universalizante
(1981, p.21)
Levar informação ao público de níveis escolares diferenciados, dentro da
Fiocruz, é uma tarefa da CCS, difícil nessa instituição que valoriza o pensamento
científico e costuma falar para seus pares da área acadêmica e científica. Como fala
a coordenadora, o “texto sério” que os pesquisadores reivindicam nos informes
institucionais são, geralmente, em linguagem acadêmica. No entanto, ainda que
não consiga levar o princípio à prática, a grande maioria dos entrevistados,
profissionais da área, entende a importância da Comunicação como
compartilhamento de conhecimento e, principalmente em um sistema de gestão
participativa, como compartilhamento político. Munidos de informação, não como
dado, mas como consciência crítica (como é a proposta de um modelo democrático
de comunicação), os integrantes da Fiocruz podem tomar assento nos fóruns a que
têm direito. Esse potencial de atuação foi o que a coordenadora denominou de
“comunicação cidadã”.
Mas que cidadania é essa que o modelo da Fiocruz permite? A “comunidade
Fiocruz” (como grande parte dos integrantes define o corpo da instituição) baseia-
se no princípio da igualdade e homogeneidade de direito, próximo ao modelo
norte-americano de cidadania, seguindo a visão teórica de Roberto DaMatta (1987).
O universo pretensamente igualitário da Fundação coexiste com o modelo de
comunidade nacional, segundo DaMatta, “heterogênea, complementar e
hierarquizada” (Idem, p. 84).
As pesquisas para este estudo reforçaram o potencial de questionamento da
análise da Fiocruz como estudo de caso. Isso porque os embates políticos internos
à Fundação são, em sua busca por uma identidade, os mesmos do Estado
brasileiro. Diante da impossibilidade do projeto da democracia plena, recorre-se à
centralização – nesse caso, da Fundação, as unidades recorrem ao fortalecimento
de seus núcleos identitários e a suas tradições. Por outro lado, toda forma de
ordenamento traz sempre a sombra e o temor da volta de um autoritarismo
totalitário.
Realmente o que mais chama atenção no caso brasileiro é essa
capacidade de relacionar numa corrente comum não só pessoas,
partidos ou grupos, mas também tradições sociais e políticas
diferentes. A comunidade norte-americana seria homogênea,
igualitária, individualista e exclusiva; no Brasil, ela seria
heterogênea, desigual, relacional e inclusiva. Num caso o que
conta é o indivíduo e o cidadão; noutro, o que vale é a relação.
(DaMatta, 1987, p. 85)
O que o autor busca mostrar é que a política pública utiliza o discurso
“liberal-universalista”, enquanto na prática, a política se faz em outra lógica: a
lógica do particular, dos pares, dos amigos. Segundo ele, há outras formas de
filiação à sociedade brasileira, “outras formas de cidadania”, que se constroem em
espaços relacionais. (Idem, p.94-95). E essa parece ser a lógica de poder na Fiocruz,
onde os espaços relacionais são múltiplos e criam seus próprios projetos que,
muitas vezes, estão em choque com o projeto discursado pela hierarquia
centralizada da presidência e das determinações das instâncias deliberativas –
mesmo que estas tenham por base a “pactuação” das propostas entre seus
integrantes.
Nesse contexto, a Comunicação vem ganhando um papel de equalizador
desses projetos distintos na Fiocruz. Os entrevistados reconhecem que a Fiocruz
está aprendendo a trazer a comunicação da ponta de seu organograma e dos
meandros de seus braços organizacionais (de suas relações externas e meios
informais) para sistematizá-la como staff , assessoria da direção institucional. O
que parece mais difícil nesse caso é, além de delimitar as funções da Comunicação
de forma funcional, é formatar essa área em uma instituição tão complexa e com
responsabilidades de poder público.
Pesquisadora:
É uma complexidade maior por ser Fiocruz?
Janine Cardoso:
Eu diria que mais complexidade [ênfase no termo]
sim. Porque a Fiocruz tem uma forma de gestão colegiada, meio
federativa porque as unidades são quase como Estados, uma coisa
meio república, e cada unidade tem uma margem de autonomia
grande e de credenciais para exercitá-la ou não. Tem essa busca
por uma identidade que tem que conviver com uma identidade
maior Fiocruz e nem sempre convive. Isso é uma tensão. O portal
vai trazer isso. A própria questão da barra personifica isso [Barra
verde e amarela imposta pelo Governo Federal para sites de
organismos públicos]. Não só Fiocruz, como Estado Brasileiro.
Portal Fiocruz tem uma dupla barra fixa. “Tá” complicado com as
unidades, elas ficam chiando: “Tem quê, por quê???” Autonomia
conhece limites. Qual o limite da república? (risos) No limite, a
autonomia radical inviabiliza a própria república. Tem uma coisa
maior aqui que é um país, mas isso não se coloca da mesma
maneira. Então, colocar lá barra do Governo Federal e outra barra
que é Fiocruz, castelinho, e depois vir as unidades, está gerando
discussão. Eles perguntam por que não coloca um selo móvel ao
invés de uma barra? Tem uma ferramenta de busca do
portal...mas não é simples. Mas claro que isso varia de unidade
pra outra, tem umas que querem maior identidade e mais
autonomia e outras que não estão preocupadas com isso – não
desenvolvem projeto próprio – e tem unidades, onde o Cict tenta
se inscrever, que tenta administrar isso com bom senso. As
unidades são da [ênfase] Fiocruz.
Este estudo assumiu o mesmo desafio de entender a particularidade da
política (ou políticas) de comunicação da Fiocruz, em meio a toda aura que a cerca,
dada a atração que os caminhos de análise dessa complexidade exerceram e
exercem na pesquisadora e da visão dessa experiência como exemplar em relação a
uma análise das instituições públicas brasileiras. Neste estudo buscou-se
extrapolar o funcionalismo das estratégias de resultados, até mesmo pela
inexistência de um método claro de planejamento na Fundação.
No entanto, a falta de um projeto coletivo negociado faz cair por terra os
planejamentos mínimos da área de Comunicação que a instituição tenta impetrar.
A Subcâmara de Comunicação deve discutir as questões relativas
à área, mas nota-se que há períodos em que ela conta com bastante
apoio dos integrantes, e outros em que é praticamente esquecida.
Teve um papel fundamental na criação do documento chamado,
não sei se o nome é esse mesmo, é aquele “livrinho verde”, o
‘Plano Integrado de Comunicação e Informação da Fiocruz’, e em
outras ações, mas, opinião pessoal, não se pronuncia e não atua
com a intensidade e qualidade que a maioria das questões da área
requer. Um bom exemplo é o tal livrinho. Uma vez escrito, já no
dia seguinte tornou-se letra morta. Nada se fez, nada se faz, não
serviu para induzir ou planejar nenhuma ação, não é respeitado
em nenhuma instância prática. Mas é erguido por todos como
uma grande realização da Fiocruz: “Fizemos um Plano
Integrado...”, como se o fato de haver um documento escrito fosse
o suficiente para que as práticas sejam modificadas. (Carlos
Xavier)
Ainda assim, a Fiocruz é um organismo mais do que vivo, que a cada dia se
expande; e quanto mais o faz mais se fortalece como núcleo imaginário. Uma
análise de dentro para fora mostra que esse núcleo é frágil, cheio de dissensos, e
caminha muitas vezes em direção oposta: uma autocrítica que a Fundação mostra
em seu Programa Integrado de Informação e Comunicação, que aposta na
cooperação entre os diversos setores da instituição, “vencendo a fragmentação e
favorecendo a articulação”, para por em fase o compasso de capacidade de
formulação e o modelo de implementação de uma política para o setor (2002,p.12).
Na verdade, o “setor” a que se refere o documento é a Comunicação em Saúde no
Brasil, como dito nesta pesquisa, colocada lado a lado e se confundindo com o
desafio de integração da Comunicação interna da instituição.
A assessora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães – CpqAM, Paula
Lourenço, levanta ainda outro ponto importante quando perguntada sobre a
imagem institucional da Fiocruz, a dificuldade de criar uma sensação de
pertencimento dentre os vários quadros de terceirizados, que, mesmo com o
esforço da Fundação por uma menor rotatividade, como em todos os órgãos
públicos, é um desafio para as estratégias da comunicação interna: “acredito que
alguns funcionários que não são do quadro têm baixa auto-estima devido ao fato
de não serem concursados. Entretanto, acredito que, no todo, as pessoas têm
orgulho de ser daqui do Aggeu.”
De fora para dentro, o que se vê é uma instituição forte, com uma imagem
consolidada e de credibilidade na imprensa e junto ao público – que, ao que
parece, não entende bem o que faz a Fundação. Geralmente quem adentra os
portões do campus da Fiocruz se espanta com a quantidade e diversidade de
atividades lá dentro, além de seu belo projeto arquitetônico, encravado em meio a
comunidades carentes e violentas da cidade. E essa aura, que mistura um certo
mistério com um caráter missionário, é uma identidade que, a despeito de
quaisquer embates internos, a Fiocruz faz questão de preservar. Preservar-se como
um espaço de conhecimento, uma fonte geradora de informação que serve à
transformação social.
Essa imagem é mantida por meio de sua comunicação externa, que, mesmo
sem um planejamento objetivo, é profusa e carrega sempre imagem da tradição.
Utilizando um conceito de Gilberto Velho (1999), uma das “âncoras fundamentais”
dessa identidade, lançadas em momentos estratégicos é essa imagem de tradição.
Não somente pelas estratégias da CCS, mas também as unidades em suas relações
com seus parceiros não abrem mão do peso do “sobre-nome” Fiocruz. “Aqui,
antiguidade é posto”, lembra uma das entrevistadas. Imagem essa consolidada em
seus meios de comunicação externos, como a Revista de Manguinhos e o site
(atual) da Fiocruz; uma missão bem cumprida pela CCS.
Ao mesmo tempo é preciso mostrar-se moderna, conectada às mais
atualizadas redes de informação, o que a Fiocruz faz por meio de ligações com os
banco de dados mais atualizados da América Latina e do mundo na área da saúde
– o banco de dados da Ensp é referência na área e interligado aos mais importantes
do setor.
As atividades de comunicação das unidades extracampus, as regionais,
contribuem para fortalecer a imagem da Fiocruz fora do eixo Rio-São Paulo de
imprensa:
Em Pernambuco, a Fiocruz tem uma boa imagem diante da
mídia. Acho que no Rio também. Os jornalistas que
atendemos de outros estados, a exemplo de Brasília e São
Paulo, também têm uma boa imagem de nossa instituição.
(Paula Lourenço)
O que fica claro ao final das pesquisas é que existe uma aposta sincera na
Comunicação (interna e externa) como agregadora, agenciadora dos conflitos e
como potencializadora da difusão do conhecimento e concretização do papel da
instituição no sentido da integralidade da saúde, da democratização da informação
e do saber científico.
O projeto do Portal Fiocruz e todo o investimento de tempo, pessoal,
treinamento e dinheiro nele é revelador quanto a isso. A Fundação quer se mostrar
sim, mas parece que quer se compreender, entender a si mesma, em um mesmo
movimento e aposta na Comunicação como um caminho possível pra tal. A
Fiocruz parece estar vendo na Comunicação, tanto como área de pesquisa, quanto
como em suas funcionalidades de emissão, recepção e tradução de mensagens,
alguma luz que forme ao menos uma sombra do tão sonhado projeto institucional
da Fundação, nem que seja para voltar, como querem os saudosistas, aos antigos
ideais do Instituto, delineados por Oswaldo Cruz.
7 Referências Bibliográficas
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Ática, 1989
BARBOSA, L. Cultura e Empresas, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
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1998.
_____________ Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
_____________ Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 2003
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Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 1994. p.31-5.
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CASTELLS, M. A Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
_________________. O poder da identidade. São Paulo, Paz e Terra, 1999.
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Saúde, Brasília, 2004.
DAMATTA, R. A Casa e a Rua, Rio de Janeiro, Guanabara, 1987.
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FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1989.
_______________ Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1989.
______________ A Ordem do Discurso. São Paulo, Loyola, 2001.
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Comunicação da Fiocruz, Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2003.
______________________________, Casa de Oswaldo Cruz – COC, Catálogo de
História Oral, Memória de Manguinhos, entrevistas realizadas entre 1986 e 1989.
GUATTARI, F. & ROLNIK, S. Micropolítica: cartorafias do desejo, Petrópolis,
Vozes, 1999
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Comunicação Organizacional, São Paulo, Summus, 1997.
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privado, trabalho apresentado no Congresso na ALAIC - Asociación
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poder. Rio de Janeiro, Record, 2003.
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subjetividade. Porto Alegre, Sulina, 1996
____________ Ciência com Consciência. Rio e Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2003
PAGÈS, M. & Outros. O Poder das Organizações: a dominação das multinacionais
sobre os indivíduos. São Paulo, Atlas, 1993.
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Ed. Odysseus, São Paulo, 2002.
SFEZ, Lucien. Crítica da Comunicação. São Paulo, Loyola, 1994.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a Cultura : A comunicação e seus produtos, Vozes,
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______________ Antropológica do Espelho, Petrópolis, Vozes, 2002
SOTERO, F. Gestão Participativa em Rede: Descentralização e Participação na
Gestão Municipal, trabalho apresentado no VII Congresso Internacional do CLAD
– Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento sobre a
Reforma do Estado e da Administração Pública, Lisboa, Portugal, 2002.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações, Rio de Janeiro,
Campus, 1998.
STROZENBERG, I. Antropologia e Comunicação: que conversa é essa? In
TRAVANCA, I & FARIAS, P. Antropologia e Comunicação, São Paulo, Garamond,
Rio de Janeiro, 2003.
VELHO, G. Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia da
Sociedade Contemporânea, Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1981
_____________ Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas,
Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1999.
VAZ, Gil N. Marketing Institucional: O mercado de idéias e imagens. São Paulo,
Pioneira Thomson Learning, 2003.
VIEIRA, Marcelo M.F. & CARVALHO, Cristina A. (org) Organizações,
Instituições e Poder no Brasil. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2003.
ANEXO I
Cronologia da Fundação Oswaldo Cruz
1900 - Criação do Instituto Soroterápico Federal
1904 - Projeto e início de construção do Pavilhão da Peste (atual Casa de Oswaldo
Cruz), Cavalariça (Museu), Aquário e Pombal
1905 - Projeto e início de construção do Pavilhão Mourisco (Castelo de
Manguinhos)
1907 - O Instituto Soroterápico Federal passa a chamar-se Instituto de Patologia
Experimental de Manguinhos
1908 - Com o Decreto no 6.892, o Instituto de Patologia Experimental de
Manguinhos passa a denominar-se Instituto Oswaldo Cruz
1908 - Primeira edição das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz
1908 - Concessão da primeira patente de Manguinhos através da descoberta da
vacina contra o carbúnculo sintomático ou Peste da Manqueira, realizada por
Alcides Godoy
1910 - Instalação dos laboratórios do Instituto Oswaldo Cruz no primeiro e
segundo pavimentos do Pavilhão Mourisco - Castelo de Manguinhos
1912 - Construção do Hospital Oswaldo Cruz, atual Evandro Chagas
1918 - Conclusão das obras do Pavilhão Mourisco/Castelo de Manguinhos
1924 - Criação do Instituto Fernandes Figueira, sendo integrado à Fiocruz em 1970
1930 - Criação do Instituto de Patologia Experimental do Pará, por Evandro
Chagas
1950 - Criação do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, localizado na cidade do
Recife/PE
1954 - Criação do Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e
Alimentos - LCCDMA, vinculado então ao Ministério da Saúde. Em 1981, passa a
denominar-se Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde - INCQS,
integrado à Fiocruz
1954 - Criação da Escola Nacional de Saúde Pública
1955 - Criação do Centro de Pesquisas René Rachou, em Belo Horizonte/MG
1957 - Criação do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz, em Salvador/BA
1966 - Criação da Fundação Ensino Especializado em Saúde Pública
1969 - A Fundação Ensino Especializado em Saúde Pública passa a denominar-se
Fundação de Recursos Humanos para a Saúde
1970 - Criação do Instituto Nacional de Produção de Medicamentos, resultado da
incorporação do Serviço de Produtos Profiláticos do DNERu (Departamento
Nacional de Endemias Rurais) com o Departamento de Soros e Vacinas
1970 - Com o Decreto no 66624, o Instituto Oswaldo Cruz é transformado em
Fundação Instituto Oswaldo Cruz e, por esse mesmo decreto, a Fundação de
Recursos Humanos para a Saúde é incorporada à Fundação Instituto Oswaldo
Cruz
1974 - A Fundação Instituto Oswaldo Cruz passa a denominar-se Fundação
Oswaldo Cruz
1976 - Criação do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, Bio-Manguinhos.
1976 - Criação de Farmanguinhos e Biomanguinhos, resultado da dissolução do
Instituto Nacional de Produção de Medicamentos - do Serviço de Produtos
Profiláticos surge Farmanguinhos e do Departamento de Soros e Vacinas,
Biomanguinhos
1985 - Criação da Casa de Oswaldo Cruz
1985 - Criação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
1986 - Criação do Centro de Informação Científica e Tecnológica, Cict
1986 - Reintegração dos cientistas de Manguinhos que foram cassados em 1970
1988 - Realização do I Congresso Interno da Fiocruz "Ciência e Saúde: a Fiocruz do
Futuro"
1990 - Lançamento do selo comemorativo dos 90 anos da Fiocruz
1990 - Início do processo de recuperação da infra-estrutura de Ciência e
Tecnologia
ANEXO II
Lista de Siglas utilizadas
Bio-Manguinhos - Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos
CECAL - Centro de Criação de Animais de Laboratório
CICT - Centro de Informação Científica e Tecnológica
COC - Casa Oswaldo Cruz
CPqAM - Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães
CPqGM - Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz
CPqLMD - Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane
CPqRR - Centro de Pesquisa René Rachou
ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
EPSJV - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Far-Manguinhos - Instituto de Tecnologia em Fármacos
Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz
IFF - Instituto Fernandes Figueira
INCQS - Instituto Nacional de Controle e Qualidade em Saúde
IOC - Instituto Oswaldo Cruz
IPEC - Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
MS – Ministério da Saúde
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
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