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Brasília, maio de 2005
Estar no Papel - Final 21.06.05 18:13 Page 1
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© UNESCO 2005 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste
livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da
UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a
apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer
opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país,
território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de
suas fronteiras ou limites.
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edições UNESCO
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Alvana Bof
Célio da Cunha
Candido Gomes
Katherine Grigsby
Marilza Regattieri
Revisão: Eduardo Perácio (DPE Studio)
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Diagramação: Rodrigo Pascoalino
Capa: Edson Fogaça
© UNESCO, 2005
Esteves, Luiz Carlos Gil
Estar no papel: cartas dos jovens do ensino médio / Luiz Carlos Gil Esteves
et alii. – Brasília : UNESCO, INEP/MEC, 2005.
139 p.
ISBN: 85-7652-039-7
1. Educação Secundária—Juventude—Brasil 2. Sociologia da Educação—
Participação Juvenil—Brasil I. UNESCO II. Brasil. Ministério da Educação
III. Título
CDD 373
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 - Brasília - DF - Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 322-4261
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Luiz Carlos Gil Esteves
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UNIRIO / Convênio UNESCO
Maria Fernanda Rezende Nunes
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UNIRIO / Convênio UNESCO
Miguel Farah Neto
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UNIRIO / Convênio UNESCO
Miriam Abramovay
Universidade Católica de Brasília – UCB (Coord.)
PESQUISADORES DA UNESCO
Mara Serli do Couto Fernandes
Luiz Cláudio Renouleau de Carvalho
Vanessa Nascimento Viana
EQUIPE RESPONSÁVEL PELA ELABORAÇÃO
DO DOCUMENTO FINAL
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Luiz Carlos Gil Esteves é doutorando em Educação pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, e mestre em Educação pela Universidade Federal
Fluminense – UFF, com formação nas áreas de Ciências Sociais e Comunicação
Social. É servidor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO,
exercendo, entre outras, a função de pesquisador-consultor da UNESCO em
Convênio de Cooperação Técnica, e professor de Sociologia e Políticas Públicas
da Universidade Estácio de Sá – UNESA. Atuou também no Ministério da
Educação – MEC, colaborando na formulação, implementação, coordenação e
avaliação de políticas públicas educacionais.
Maria Fernanda Rezende Nunes é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em educação
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduada em educação
pelo IESAE – Fundação Getulio Vargas. Trabalhou no Ministério da Educação
e na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Atualmente,
integra os quadros da Escola de Educação da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro – UNIRIO, atuando, também, como pesquisadora da
UNESCO e professora do Departamento de Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Coordena o Fórum
Permanente de Educação Infantil do Estado do Rio de Janeiro.
Miguel Farah Neto é mestre em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (2002). Graduou-se como geógrafo (1973) e
como licenciado em Geografia (1974), pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Desde 1980, desenvolve trabalhos nas áreas de Educação de
Jovens e Adultos e de políticas públicas para a educação, na Universidade
Federal Fluminense e no Ministério da Educação, dentre outras instituições.
Integra, hoje, os quadros da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro – UNIRIO, atuando, também, como pesquisador da UNESCO,
nos campos de educação, juventude e violência.
NOTAS SOBRE OS AUTORES
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Miriam Abramovay é professora da Universidade Católica de Brasília,
vice-coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas no Brasil e
consultora de vários organismos internacionais em pesquisas e avaliações nos
temas: juventude, violência e gênero. Formou-se em Sociologia e Ciências da
Educação pela Universidade de Paris, França (Paris VIII – Vincennes), possui
mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
é doutoranda na Universidade René Descartes - Sorbonne - Paris V, França.
Coordenou e publicou várias pesquisas e avaliações de programas sociais. É
autora e co-autora de livros sobre juventude, violência e cidadania, bem
como de vários artigos publicados em revistas científicas e especializadas no
tema violência nas escolas.
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Coração de Estudante
Milton Nascimento / Wagner Tiso
Quero falar de uma coisa,
Adivinha onde ela anda?
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto
Coração de estudante
E há que se cuidar da vida
E há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes: plantas e sentimento
Folhas, coração, juventude e fé
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Este livro é dedicado aos jovens do ensino médio
que, atendendo ao nosso chamado, abriram seu coração e
escreveram estas cartas, na esperança de
construir a escola de seus sonhos.
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Índice de cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
CAPÍTULO 1 – Origem e tratamento das cartas . . . . . . .43
CAPÍTULO 2 Os sentidos da escola . . . . . . . . . . . 47
2.1. O papel social da escola . . . . . . . . . . . . . . . . .
48
2.2. Ensino Médio: o que esperam os estudantes . . . . . . . . . . 66
CAPÍTULO 3 Desvendando o ambiente escolar . . . . . . . 83
3.1. Infra-estrutura e equipamentos: a base física do ambiente escolar . . 84
3.2. Conteúdos e aprendizagens: as expectativas dos jovens estudantes . . 98
3.3. Participação dos jovens na escola: o que dizem as cartas . . . . . 111
CAPÍTULO 4 Considerações finais . . . . . . . . . . . .127
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131
SUMÁRIO
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15
Carta I – A importância da escola................................50
Carta II – Um bom colégio para se estudar.........................51
Carta III – Pra que serve a escola na verdade?..........................52
Carta IV – Geração de incompetentes................................53
Carta V – Formação moral e psicológica..............................54
Carta VI – Formar novos intelectuais.................................54
Carta VII – Sabe quando tudo parece estar fora do lugar?..................56
Carta VIII – Tudo é muito sinistro...................................57
Carta IX – A escola é bastante flexível, não há disciplina alguma.............57
Carta X – Sem saber quase nada......................................58
Carta XI – Espero que o dono do Brasil se sensibilize com essa situação.......59
Carta XII – Continua estudando?...................................
60
Carta XIII – Coisas de que me orgulho e coisas que me envergonham........61
Carta XIV – Como um papagaio, aprendi a decorar, colar e enganar a mim mesmo.....62
Carta XV – Meu colégio não prepara os alunos para o vestibular, mas sim
para o mercado de trabalho......................................
64
Carta XVI – Nos sábados e domingos as escolas deveriam ter uma recreação....65
Carta XVII – Voltei a estudar.......................................69
Carta XVIII – A maioria das pessoas pensa que ninguém estuda à noite.......70
Carta XIX – Dizem que o ensino médio é o ensino para a vida..............71
Carta XX – Não sei nem trabalhar com o gabarito.......................72
Carta XXI – O ensino médio ficou reduzido a um só objetivo: passar no vestibular.....74
Carta XXII – Entrar no mercado de trabalho mais cedo..................75
Carta XXIII – Ensino médio, o ensino pela metade......................76
Carta XXIV – Quero ir para uma escola do meu sonho...................78
Carta XXV – Só me resta entrar na fila de emprego dos despreparados
para o mercado de trabalho.....................................
79
Carta XXVI – Máquina de aprovação................................80
Carta XXVII – Só estudo não é o importante..........................
85
Carta XXVIII – A escola não é tão boa assim...........................85
Carta XXIX – Eu gostaria muito que tudo isso fosse diferente..............86
Carta XXX – Os materiais já estão velhos e destruídos...................87
ÍNDICE DE CARTAS
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Carta XXXI – Sou feliz aqui, recebendo o apoio que necessito.............
88
Carta XXXII – A falta de segurança deixa os alunos apavorados............89
Carta XXXIII – O investimento na escola é precário.....................90
Carta XXXIV – Onde estão nossos direitos?............................91
Carta XXXV – Até pra fazer prova temos que dar o dinheiro...............92
Carta XXXVI – Por que todos falam que o colégio é nossa segunda casa?......93
Carta XXXVII – Queria poder estudar em classes limpas.................93
Carta XXXVIII – A água é quente e o bebedouro é uma imundície..........94
Carta XXXIX – Somente o turno da manhã tem água gelada...............96
Carta XL – Acho que o noturno foi esquecido.........................96
Carta XLI – Tudo me chamou a atenção para estudar nesta escola...........97
Carta XLII – Esclarecimento sobre nossas escolas brasileiras..............100
Carta XLIII – A falta de interesse do aluno vem da falta de incentivo da escola. . . 101
Carta XLIV – Ano que vem é numa universidade que estarei estudando......102
Carta XLV – Foi na base da repetição...............................103
Carta XLVI – A escola decaiu.....................................104
Carta XLVII – Sem nenhum entusiasmo............................104
Carta XLVIII – Ensino ridículo....................................106
Carta XLIX – Todos os dias a mesma coisa............................107
Carta L – Parece que explicam para o espelho ou para bonecos............
108
Carta LI – Este colégio forma MÁQUINAS.........................109
Carta LII – A direção deveria permitir a criação de um grêmio estudantil....113
Carta LIII – O grêmio é o único meio que os alunos têm de reivindicar
seus direitos................................................
113
Carta LIV – Não vejo eles mostrarem serviço..........................114
Carta LV – Corremos atrás de várias coisas...........................116
Carta LVI – A diretoria tem que prestar mais atenção nas necessidades dos alunos....116
Carta LVII – Não preciso de tanta supervisão.........................117
Carta LVIII – Uma escola onde se "crie" pessoas civilizadas...............118
Carta LIX – Meu desejo é que o colégio fosse mais aberto para a opinião
dos estudantes..............................................
120
Carta LX – O professor e o diretor devem consultar os alunos.............121
Carta LXI – Se tudo fosse bem liberal como todos sonham, seria uma bela bagunça. . . 123
Carta LXII – Existe, dentro da filosofia da escola, a liberdade e a
democracia, onde todos participam..............................
124
Carta LXIII – Todos participam...................................124
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17
Ao Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – Inep/MEC, Eliezer Moreira Pacheco, por apostar na
atividade de pesquisa como fonte privilegiada para a formulação de políticas
públicas.
Ao Diretor de Avaliação de Educação Básica do Inep/MEC, Carlos
Henrique Ferreira Araújo, pelo apoio incondicional ao trabalho
realizado.
À Marilza Regattieri e à Jane Castro, da UNESCO, pelo inestimável apoio
e leitura cuidadosa deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
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19
Ao receber o convite para apresentar mais este trabalho desenvolvido pela
UNESCO no Brasil, a associação com o filme Central do Brasil aconteceu de
forma imediata, uma vez que ambos partem de um mesmo mote para contar
suas histórias, ou seja, a escrita de cartas, ação esta que se revela, no cinema,
capaz de alterar a "realidade da ficção", intervindo, de forma decisiva, no
destino dos personagens.
Entretanto, uma diferença fundamental caracteriza as duas obras.
Enquanto no filme as cartas são ditadas a um intermediário, visto que seus
autores são pessoas privadas da leitura e da escrita, aquelas que servem de
base para este livro foram produzidas, de punho próprio, por centenas de
jovens estudantes do ensino médio, dos mais diferentes pontos do Brasil.
Livres de quaisquer interferências mais diretas, são, portanto, o reflexo fiel
da vontade desses "atores", que não hesitaram em contar tanto sobre a escola
com a qual convivem no seu dia-a-dia como sobre aquela que freqüentam
apenas em seus pensamentos: a escola que gostariam de ter, a escola de seus
sonhos, capaz de transcender do mero espaço de transmissão mecânica de
coisas (muitas vezes, sem sentido algum para eles) para o de instância de
apoio à simples e difícil missão de existirem como sujeitos.
Que elemento poderoso são as cartas! Pelo trabalho que comprometem,
sua natureza nunca pode ser acusada de leviana, produto que é do esforço
da reflexão que se transforma em escrita. Logo, não existem – ou não deveriam
existir – cartas em vão: elas são feitas para ser lidas, clamam por interlocução,
por escuta atenta e, se possível, solidária. Cartas são apostas que, uma vez
consideradas, mostram-se capazes de estabelecer pactos, os mais diversos,
entre o autor e o leitor, entre aquele que se expressa e aquele que, ao se
interar dessa expressão, e mesmo contra sua vontade, acaba por se tornar
uma espécie de co-autor do que leu.
Chamados a se pronunciar, esses jovens acreditaram no poder transformador
de sua escrita, apostando no estabelecimento de um diálogo mais amplo
PREFÁCIO
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20
com o mundo que se descortinou à sua volta, nos ventos que, naquele
momento, sentiram soprar a seu favor. Esses jovens pensam. Esses jovens
escrevem. Esses jovens falam... E uma vez conhecedores de seus anseios,
quem de nós, dentro de seu raio de ação e influência, será capaz de continuar
ignorando os seus desejos, tão legítimos?
Se for verdade que a vida imita a arte, só resta esperar que os desdobramentos
deste trabalho conduzam ao mesmo desfecho feliz escrito para o filme
Central do Brasil, e que estes, por meio da voz plural de nossos jovens, sejam
capazes de, efetivamente, alterar situações e, sobretudo, consciências...
Fernanda Montenegro
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21
É incomum, no Brasil, que um estudante tenha a oportunidade de opinar
sobre sua escola. Mais raro ainda é que essa opinião – quando alguém,
eventualmente, se interessa por ela – resulte em uma efetiva ação governamental
ou, pelo menos, seja levada a sério.
Este é um problema que, obviamente, não se restringe à escola. Ele
abrange quase toda a esfera de atuação do Estado no Brasil, historicamente
pouco permeável a mecanismos de participação. No entanto, sua
permanência, sobretudo entre os estudantes, pode se tornar um sério
obstáculo à democracia no país.
Esta publicação é uma ousada e inédita tentativa de dar voz a alunos do
ensino médio de escolas públicas e privadas. Nela, foram reunidas cartas nas
quais os estudantes fazem a crítica espontânea de suas instituições de ensino,
sem os limites de uma interpelação formal. E aí está a riqueza deste estudo:
a franqueza, a aguda objetividade de quem melhor conhece as demandas do
país na área da educação.
Há anos, a UNESCO dedica-se a estudos e pesquisas sobre o dia-a-dia da
juventude brasileira, por entender que é na vida cotidiana que se encontram
as pistas capazes de dar sustentação a ações e políticas públicas. A escola tem,
aí, uma importância fundamental, porque é nela que crianças e adolescentes
aprendem a fazer suas primeiras escolhas.
O estudo desenvolvido pela UNESCO, que acompanha as cartas
publicadas neste volume, tem a marca da sensibilidade acumulada pela
instituição em anos de trabalho com os jovens de nosso país. Ele será um
instrumento precioso para avaliar o ensino brasileiro e servirá de base a
ações e projetos para levar mais qualidade às escolas. Hoje, esta é uma
prioridade do governo federal e do Ministério da Educação.
Os jovens autores das cartas reunidas neste livro deram uma contribuição
que, certamente, não se limitará a um desabafo diante dos imensos
APRESENTAÇÃO
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22
problemas de suas escolas. Sua opinião será decisiva, a fim de construirmos,
juntos, propostas consistentes para o futuro da educação no Brasil.
Jorge Werthein
Representante da UNESCO no Brasil
Tarso Genro
Ministro de Estado da Educação
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23
Youth and school. A set of powers that should never be thought in separate,
under the risk of jeopardizing both the present and the future of the country.
However, what does the youth think, expect and, above all, want from the
high school offered to them? This work targets answering these core issues,
based on the analysis of 1,777 letters, written by students from public and
private high schools in 13 Brazilian capital cities. Oriented to teachers, it
intends to become a means to encourage dialogue among the different players
that pass by schools. For that, it employs an approach that is mainly
characterized by bringing the multiple voices of youth to the place that they
should have always occupied in school universe and in the scenario of public
policies: the foreground.
ABSTRACT
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25
Educação e Juventudes são temas prioritários para a UNESCO, que, no
Brasil, desenvolve inúmeras estratégias, no sentido de colocá-los no centro dos
debates acerca das políticas públicas elaboradas no país. Assim, em parceria com
o MEC, foi promovida uma extensa pesquisa sobre o cenário do Ensino Médio,
na qual foram captadas as percepções de vários atores presentes na escola: alunos,
professores, diretores e outros membros da comunidade escolar, considerando as
diferentes relações sociais que caracterizam o cotidiano das escolas, bem como as
expectativas, os desejos, as avaliações e as propostas desses atores. O resultado
direto dessa investigação é o livro "Ensino Médio: Múltiplas Vozes"
1
.
Por ocasião dessa pesquisa, solicitou-se que estudantes de escolas públicas
e privadas das 13 capitais brasileiras onde a mesma foi realizada escrevessem
cartas, com o propósito de examinar as singularidades do cotidiano escolar.
Em tais cartas, os alunos foram instigados a manifestar suas opiniões de
forma espontânea. O desafio proposto foi o seguinte: Imagine que você tem
um(a) amigo(a) que mora em outra cidade. Escreva a ele(a) contando como é
a escola onde você estuda e como você gostaria que fosse. Assim, 1.777 alunos
e alunas de escolas públicas e privadas do país manifestaram, em uma perspectiva
abrangente, seus posicionamentos a respeito do universo escolar.
Este trabalho tem como objetivo contribuir para uma melhor compreensão
dos saberes que os jovens possuem sobre a escola e as perspectivas de
mudança dentro e fora desta instituição, a partir do seu olhar.
Para Bourdieu (apud CASTRO, 2001, p. 33) os objetos não são objetivos:
eles dependem das características sociais e pessoais dos informantes. Em outras
palavras, por meio das cartas, os jovens puderam se manifestar, em uma
tentativa de diálogo social estabelecido a partir do próprio cotidiano escolar.
No silêncio do papel, as vozes desses jovens foram estampadas.
Com mais esta publicação, dirigida principalmente aos professores, a
UNESCO continua incentivando a abertura à interlocução entre os atores
INTRODUÇÃO
1 ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. (Coord.). Ensino médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, MEC, 2003.
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26
escolares como possibilidade de contribuir para a melhoria da qualidade da
educação. O diálogo no espaço escolar promove a integração e o entendimento
entre os atores. Seu exercício é uma prática essencial na perspectiva da
compreensão de determinada realidade. Dialogar é compartilhar as linguagens.
E, sobretudo, não há razão para me envergonhar por ser desconhecedor de algo.
Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus
desafios, são saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 1996, p. 153).
Assim, por meio do estabelecimento de relações dialógicas, é possível
romper com o silêncio e ativar a participação. O diálogo horizontal contribui
na construção das aprendizagens de alunos, professores e gestores.
Certamente, é a partir da reflexão sistemática sobre o cotidiano vivido
pelos alunos que se poderá lançar um novo olhar e, conseqüentemente, produzir
uma nova espécie de conhecimento, que também contemple aquilo que foi
dado como resposta quando perguntados sobre a escola que gostariam de
ter. Espera-se, aqui, dar visibilidade às cartas, contribuindo para que a escrita
dos jovens sobre uma escola do presente e do futuro possa expressar que o
sonho nem sempre termina antes de se tornar realidade.
AS CARTAS E O REGISTRO ESCRITO
A história da civilização pode ser contada, observada e analisada por meio
das inúmeras marcas que homens e mulheres deixaram, ao longo do tempo,
de sua passagem pelo mundo. Obras de engenharia, arquitetura, objetos
manufaturados e outros achados. De alguma forma, todos contam uma
parte dessa passagem. No entanto, os testemunhos mais importantes e
significativos dos muitos percursos, períodos e aspectos dessa caminhada
encontram-se nos "escritos". Inicialmente, nos registros pictográficos
presentes em inúmeras cavernas; depois, nas inscrições em pedra e argila; e,
finalmente, nos pergaminhos e papiros descobertos nos muitos sítios
arqueológicos espalhados pelo planeta.
Um hiato milenar separa a pictografia das cavernas do advento da escrita. Tal
fato marcou ou estabeleceu um divisor na evolução da história humana. De
acordo com Rodrigues (2003, p. 41) a escrita é reconhecida como um marco que
separa a pré-história da história e inscreve-se no âmbito dos diversos percursos das
culturas humanas, assumindo uma importância decisiva na construção de cada
sociedade. A escrita possibilitou que a história da civilização humana e das suas
diversidades socioculturais fosse revelada em muitos dos seus detalhes. Foi por
Estar no Papel - Final 21.06.05 18:13 Page 26
27
meio de documentos, como, por exemplo, o Código de Hamurabi, que se
pôde visualizar mais detalhadamente como se davam às relações comerciais,
matrimoniais ou trabalhistas em uma sociedade que existiu há mais de 3.000 anos.
O registro escrito se faz presente em uma parcela significativa dessa história.
Por intermédio da escrita, perpetuam-se idéias, projetos, fatos e intenções, que
permanecem ao longo do tempo como testemunhas de um momento passado.
Dentre as várias formas de registro escrito, uma das mais importantes é
a carta. As cartas, ou as epístolas, sempre constituíram um farto material
para os pesquisadores. Um dos documentos mais valiosos para a história do
país é justamente uma carta, a de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei de
Portugal, D. Manuel, quando da chegada dos portugueses ao país. Mais
recentemente, a carta-testamento de Getúlio Vargas representa documento
fundamental sobre o Brasil do século XX.
Nem sempre as cartas são ou se transformam em documentos históricos.
Entretanto, não deixam de ter importância. As chamadas Cartas
Pedagógicas, do pensador e educador Paulo Freire, são exemplo disso,
principalmente porque foram os últimos escritos do autor. São cartas abertas,
sem um destinatário especificado, que trazem reflexões sobre fatos ou
momentos percebidos por ele e que têm como tema central a ética e a
mudança. Apesar de não haver a figura de um destinatário, elas não perdem
a essência do que são efetivamente, ou seja, cartas.
Mas, o que é uma carta? Por que escrever uma carta? O que diz uma
carta? Quem escreve uma carta? Essas são algumas questões iniciais com
que se pretende, aqui, iniciar a conversa com os "jovens escritores".
Em estudo intitulado "Cartas e Escrita", Camargo (2000), por meio de
informações fornecidas pelos correios, analisa as características de uma
carta: além do fato de constituir uma troca entre sujeitos distantes no
tempo e no espaço, o aspecto que a define e que lhe confere a singularidade
de quem escreve e para quem é o nome. Carta é...
...todo papel, mesmo sem envoltório, com comunicação ou nota atual e
pessoal. Considerar-se-á, também, carta, todo objeto de correspondência com
endereço, cujo conteúdo só possa ser desvendado por violação. Como subitens
há a carta-bilhete, carta-resposta comercial, carta-pneumática, cartão
postal, cartão postal comercial etc. (p. 55)
Camargo também destaca a importância da carta social, modalidade
surgida em 1992, instituída pelo Ministério das Comunicações, com o
Estar no Papel - Final 21.06.05 18:13 Page 27
28
intuito de permitir às pessoas físicas postar suas correspondências com um
custo sensivelmente reduzido
2
. Tal serviço assegura a qualquer cidadão o
direito de enviar uma comunicação, por escrito, à distância.
Vale lembrar de Central do Brasil, o premiado filme de Walter Salles, de
1998, onde uma professora aposentada é "escrevedora de cartas" para
analfabetos que transitam pela maior estação ferroviária da cidade do Rio
de Janeiro. Nas cartas que escreve, a partir do que ouve e interpreta,
desvela-se um retrato dos encontros e desencontros de "um Brasil desconhecido
e fascinante, um verdadeiro panorama da população migrante, que tenta
manter os laços com os parentes" (CENTRAL DO BRASIL, 2005)
3
.
O conceito do que é uma carta é relativamente amplo e contém uma
série de significados. No entanto, apesar dessa diversidade, uma carta é uma
mensagem escrita dirigida a alguém e guarda sempre uma intenção: a de
informar ou comunicar alguma coisa para o(s) outro(s). Há, portanto e
necessariamente, um emissor e um ou mais receptores.
Ao se utilizar cartas (epístolas) como forma de registro de vida e fonte de
informação para a realização da presente pesquisa, procurou-se privilegiar e
explorar ao máximo o olhar subjetivo do estudante e, concomitantemente, levá-lo
à reflexão. Segundo Sant’Anna (apud RODRIGUES, 2003, p. 55), as idéias e
sensações só existem quando convertidas em linguagem. E o ato de ir escrevendo é um
ato de construção. Por intermédio dele é que o escritor vai descobrindo o que pensa.
Portanto, o ato de escrever envolve, necessariamente, uma reflexão.
Nesse sentido, escrever uma carta implica um duplo ato reflexivo, pelo
simples fato de que quem escreve uma carta não a escreve para si mesmo.
Escreve-se para comunicar algo – pessoal ou mesmo íntimo – que será
partilhado com outrem. Assim, quem escreve uma carta é também,
simultaneamente, leitor. Tal fato permite que as cartas, via de regra, sejam
providas de uma certa objetividade e ordenação lógica de argumentos e/ou
exposição de motivos. Elas são, portanto, passíveis de análise.
Ao escreverem sobre suas escolas, os estudantes deixaram registrado seu
olhar sobre as mesmas. Tornaram possível, à pesquisa, perceber as diferenças
existentes entre as realidades em que vivem não apenas nas descrições das
mesmas, mas, também, no desenvolvimento formal dos relatos, ou seja, nas
sintaxes de suas cartas. De acordo com Cunha, (apud RODRIGUES, 2003,
p. 75), a pessoa que relata fatos por ela vivenciados explora sentimentos e
2 A tarifa corrente de uma carta social é de R$ 0,01.
3
CENTRAL DO BRASIL. Disponível em: <http://www.centraldobrasil.com.br/fr_sin_p.htm>. Acesso em: 03/02/05.
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29
percepções, reconstrói a sua experiência reflexivamente, dando-lhe voz,
atribuindo-lhe novas significações e por isso esse exercício pode exercer um efeito
transformador em si mesmo e na realidade.
A solicitação para que os estudantes escrevessem uma carta para um
amigo possibilitou não só recuperar e valorizar um hábito corrente entre as
pessoas letradas, mas ir além do esperado, pois muitos alunos, imbuídos
que estavam com a atividade, escreveram cartas para familiares, para amigos
distantes, para os diretores de escola, para gestores e para autoridades do
governo federal. São cartas informativas, cartas-denúncia, cartas de
reivindicação, cartas do tipo biográfico... Enfim, apresentam uma variedade
de propósitos e de estratégias de enfrentamento sobre o conteúdo explicitado
na escrita – a escola em que vivem e a que almejam.
Assim, pode-se considerar que essas cartas reúnem a pluralidade das
idéias dos jovens do Ensino Médio: exibem as experiências de convívio e
mostram traços da subjetividade, as suas realidades objetivas, as aproximações
e os distanciamentos em diferentes contextos. Essas cartas não constituem
tão-somente escritos, mas um estar no papel. Nessas escrituras, os alunos
descrevem a sua identidade, apresentam como percebem a sua escola e
expõem uma visão de sociedade. Nas cartas, aparecem os pequenos dramas
individuais e os grandes problemas coletivos vivenciados na escola e fora
dela. Nelas, os jovens revelam as inquietações, as dúvidas, as descrenças, os
questionamentos e as esperanças.
O REGISTRO ESCRITO E A ESCOLA
A partir do século XIX, ganham projeção os estudos sobre a linguagem
oral e escrita e a sua importância para a ciência. É interessante observar que
tais estudos seguiram basicamente dois caminhos: um apontando a
linguagem como um paradigma lógico-matemático na construção de
sistemas formais; outro, considerando-a como um sistema simbólico de
comunicação, que valoriza o significado da experiência humana social e
cultural, constituído a partir da interação entre os homens. Segundo Freitas
(1994), é este último caminho que nos permite uma compreensão do papel
da linguagem nas ciências humanas. Entende-se que a linguagem oral e
escrita é produzida no processo de interação social, marcada por usos em
que o sujeito a transforma e é transformado por ela. Neste sentido, a
linguagem é constituidora e constituída do/pelo homem, marcada, no
tempo e no espaço, pela mediação dos signos.
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A idéia de que a escola tem como papel a formação global do homem,
não se traduz apenas como um princípio teórico de uma doutrina filosófica.
A própria legislação brasileira (LDB – nº 9.394/96) o consagra como uma
finalidade, ao afirmar que
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Assim sendo, a escola, em tese, é o lugar privilegiado para o desenvolvimento
do princípio da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
o pensamento, a arte e o saber" (LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – nº 9.394/96, art 3º, inciso I). Lugar de interações verbais reais,
onde há diálogo professor-aluno, aluno-aluno, diálogo dos conteúdos, diálogo
da escola com a vida: articulação "escola – meio social – cultura – vida". Este
princípio, quando trabalhado na escola, eleva, por um lado, a importância de
se considerar o aluno com suas experiências cotidianas, no sentido de levá-lo
a um engajamento e a um compromisso com o meio, para transformá-lo; por
outro, traz o desafio de tornar a escola uma arena de diálogo, onde o pluralismo
de idéias e a valorização do conhecimento extra-escolar se caracterizem, de
fato, como um princípio da educação nacional, garantindo sentido para as
relações entre a escola, o conhecimento e a vida.
Freire (1980) alerta para o fato de que, quando a escola não trabalha com
este princípio, o diálogo entre o corpo docente e o discente descaracteriza-se
e se torna uma sucessão de monólogos – a linguagem dicionarizada, a linguagem
que engessa o sentido, a linguagem que contém uma única verdade, ou seja, uma
linguagem que afasta os alunos do processo de construção do conhecimento,
pois não admite réplicas. A pronúncia do mundo e das relações entre os
homens é condição sine qua non para o próprio processo de humanização e
de construção de identidades.
O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir novas pronúncias... Os homens se fazem homens na
palavra, no diálogo, na ação-reflexão. (pp. 92-93)
Considerando que a ciência é um bem da coletividade, produzido socialmente
e imerso na cultura e na história, a escola tem o dever de dar acesso e criar
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condições de produção de conhecimento para e pelos seus alunos. Ao não
dedicar ao diálogo a importância que lhe é devida, a escola torna mais difícil
o cumprimento desse dever. Como lembra Stam (1992, p. 17), a linguagem
é o diálogo, é o lugar onde o eu se constrói em colaboração.
É nessa corrente que muitos autores como Freire (1994), Delors (2001) e
Morin (2000), entre outros, apontam a importância da relação professor-aluno
se constituir nas bases de uma linguagem que os faça sentir pertencentes,
que os convide a pensar e a aprender a aprender, ou seja:
Somente uma escola centrada democraticamente no seu educando e na sua
comunidade local, vivendo as suas circunstâncias, integrada com seus problemas,
levará os seus estudantes a uma nova postura diante dos problemas de seu
contexto: a da intimidade com eles, a da pesquisa, em vez da mera, perigosa
e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas
condições mesmas de vida. (MORIN, 2000, p. 37)
A linguagem, quando não pertencente à cultura, transforma-se na
linguagem do outro, carregada de uma verdade, de um conhecimento e,
portanto, de um tom de regra, de autoritarismo, que monologiza a idéia e
a criação, a própria aprendizagem. Caminhando numa outra direção, a do
enraizamento cultural, a escola
(...) passaria a ser uma instituição local, feita e realizada sob medida para
a cultura da região, diversificada assim nos seus meios e recursos, embora
una nos objetivos e aspirações comuns. O seu enraizamento nas condições
locais e regionais, sem esquecer os seus aspectos nacionais, é que possibilitará
o trabalho de identificar seu educando com seu tempo e espaço. E isto porque
a sua programação será a sua própria vida comunitária local, tanto quanto
possível trazida para dentro da escola, como pesquisada e conhecida fora
dela. (FREIRE, 1982, p. 39)
O rompimento do elo liberdade-autoridade favorece a transmissão passiva
de conhecimentos, gera a palavra que castra a espontaneidade e a expressividade
do aluno, destruindo a sua capacidade imaginativa, aquela que permite o
fazer constante das relações entre o conhecido e o desconhecido, o criar e o
recriar conhecimentos. Ultrapassando a denúncia da palavra que cala, que
emudece o aluno, há também a palavra que tem gosto de liberdade, que tem
autoria – as cartas escritas pelos jovens são exemplo deste cenário.
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Partindo destes pressupostos, a pesquisa "Estar no papel: cartas de jovens
do Ensino Médio" assume um importante papel, ao denunciar o texto e
reinterpretar o contexto.
OS JOVENS E A ESCOLA
As cartas dos alunos narrando suas expectativas em relação à escola
traduzem, de forma perceptível, o sentimento ambíguo que desenvolvem
com essa instituição de inegável importância em suas vidas: por um lado, o
apego e a tentativa de valorizar um espaço que, principalmente para aqueles
das camadas menos favorecidas, representa a possibilidade de ampliação da
inserção no mundo e um passaporte para o futuro, constituindo lugar de
conhecimento, cultura, sociabilidade, lazer; por outro, a insatisfação com o
que, de fato, lhes é oferecido, desde a qualidade das aulas às condições dos
espaços e equipamentos escolares, das possibilidades de participação ao
compromisso com o futuro. A palavra dos estudantes leva a pensar o quão
distante está a sociedade atual – o mundo dos "adultos" e, sobretudo, a
escola – da realidade dos jovens. Quem são eles? O que lhes oferece a escola?
Em cada tempo, em cada sociedade, os jovens têm ocupado lugares
distintos, estando os significados de "juventudes" construídos de maneira
diversa, a começar pela própria definição do período da vida identificado
com esta categoria. Castro e Abramovay (2003, p. 21) assinalam que o conceito
de juventude (...) varia de acordo com a ciência que o utiliza e a corrente de
pensamento em pauta. Ainda que as fases da vida de cada pessoa são experiências
únicas, subjetivas e intransferíveis, o que torna o entendimento do que é
jovem algo circunstancial, segundo as autoras, os contextos social, econômico
e histórico podem influenciar diretamente a elaboração desse conceito.
Por esta razão é que se pode afirmar que não há somente uma juventude, mas
juventudes que se constituem em um conjunto social diversificado com
diferentes parcelas de oportunidades, dificuldades, facilidades e poder na nossa
sociedade. A juventude, por definição, é uma construção social relacionada com
formas de ver o outro inclusive por estereótipos, momentos históricos, referências
diversificadas e situações de classe, gênero, raça, grupo, entre outras. Existem
muitos e diversos grupos juvenis, com características particulares e específicas,
que sofrem influências multiculturais e que, de certa forma, são globalizadas.
Portanto, não há uma cultura juvenil unitária, um bloco monolítico,
homogêneo, senão culturas juvenis, com pontos convergentes e divergentes,
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com pensamentos e ações comuns, mas que são, muitas vezes, completamente
contraditórias entre si. A juventude não é uma unidade social, um grupo
constituído somente com opiniões comuns, comportando, assim, diferentes
sentidos. Como bem afirma Bourdieu, seria um abuso de linguagem colocar
em um mesmo contexto universos que são tão diferentes.
Se pensarmos a proporção da atual população jovem em nível mundial,
suas especificidades e importância qualitativa e quantitativa enquanto grupo
social específico, que hoje chega a cerca de 1,7 bilhão de jovens, e que,
enfaticamente, nos países em desenvolvimento, reúnem 85% dessa população
mundial, torna-se fundamental reconhecer a necessidade de um projeto de
vida específico inclusivo para os jovens (DELORS, 2001). Vale lembrar que,
durante muito tempo, o Brasil foi identificado como "o país do futuro", e
que grande parte da confiança presente nessa idéia repousava no fato de a
população brasileira ser predominantemente jovem. Hoje, mesmo considerando
o processo de "envelhecimento" da população, registrado a partir da década
de 1970, os jovens ainda constituem parcela significativa: correspondem a
cerca de 20% dos brasileiros, totalizando um contingente superior a 34 milhões
de pessoas na faixa de 15 a 24 anos de idade
4
.
A maioria desses jovens vive, atualmente, nas áreas urbanas e, cada vez mais,
incorpora-se de forma intensa ao mercado de trabalho e de consumo. Essa
incorporação, notadamente no setor terciário da economia, tem significado
especial quando se considera a relação que se estabelece entre a necessidade de
trabalhar e de ter acesso a melhores oportunidades e as expectativas relacionadas
à educação, especificamente àquela de competência do ensino médio.
As diferentes juventudes não são estados de espírito e sim uma realidade
palpável, que tem sexo, idade, raça, fases, configurando uma época cuja
duração não é para sempre. Tal realidade depende, fundamentalmente, de
suas condições materiais e sociais, de seus contextos, de suas linguagens e de
suas formas de expressão. Quando se é jovem é quando já não se é criança,
mas ainda não se é adulto. No entanto, por mais que se alongue a condição
juvenil, permanecendo mais tempo no sistema educacional e adiando, desta
forma, o ingresso ao mercado de trabalho e a constituição de novas famílias,
é inevitável que os jovens se transformem em adultos
5
.
Pode-se afirmar que a juventude é um "rito de passagem" entre a criança
e o adulto, implicando uma "irresponsabilidade provisória". Existem, no
4 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
5 UNESCO. Políticas de/para/com juventudes. Brasília: UNESCO, 2004.
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entanto, algumas características que são comuns, como a procura pelo novo,
a busca de respostas para as diferentes situações, o jogar com o sonho e a
esperança etc. Porém, o mais importante é que a sociedade, até hoje, tem tido
muita dificuldade em conceber o jovem com identidade própria, considerando-o
adulto para algumas exigências e infantilizando-o em outras ocasiões.
Como pondera Lenoir
6
(1996), atualmente, para as mais diversas correntes
de pensamento, determinadas pelo contexto em que se inserem, a idade não
é apenas uma questão cronológica, tem um significado social. No cenário
contemporâneo, a incorporação da juventude como agente de destaque está
relacionada aos processos extremamente velozes de urbanização e modernização,
ocorridos, principalmente, a partir da segunda metade do século XX. Esses
processos vêm resultando na construção de novos referenciais nos campos da
ética, da moral, dos costumes, do comportamento e da religiosidade, entre
outros, e sua compreensão requer disponibilidade para repensar uma realidade
marcada pela exclusão social, que urge ser transformada.
Ser jovem hoje não é o mesmo que ser jovem 20 anos atrás. As diferentes
juventudes constroem seus espaços, seu modo de vida, a partir de novas formas de
agir e pensar. Assim, questões como sexo, meio ambiente, direitos e democracia são
colocados dentro de uma ética global, onde a subjetividade ganha papel de
destacada importância, assim como as relações de gênero, a relação com o corpo
e as relações entre os indivíduos, de uma maneira geral. O que passou a ser mais
importante para nossas juventudes é a ação imediata, os contextos informais.
A visão que a sociedade tem a propósito do ser jovem também comporta uma
série de características, algumas das quais de caráter bastante contraditório e/ou
depreciativo. Nesse contexto, os jovens são vistos:
1. De uma maneira dualista. Se, por um lado, são concebidos como o futuro das
nações, também são vistos como irresponsáveis no presente. Segundo Carrano
(2000), os jovens costumam hostilizar os ensinamentos ou princípios que lhes
acenam com um futuro melhor. A ênfase se faz presente muito mais na
brevidade e na emergência do tempo. Os dias são breves. O futuro distante
é visto como imprevisível. Para os jovens, o futuro é agora. Ora, Mead
6 Segundo Lenoir, há classificações freqüentemente associadas a escalas de idade, de acordo com diversos critérios.
Assim, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, por exemplo, vê a adolescência como o período dos 15
aos 18 anos, e a juventude, como o dos 19 aos 24. A Organização Internacional da Juventude e a Organização
das Nações Unidas a caracterizam como uma fase de transição, dos 15 aos 24 anos. Já o Estatuto da Criança e
do Adolescente a situa entre os 12 e os 18 anos, podendo chegar, eventualmente, aos 21. Para a Organização Mundial
de Saúde – OMS, e para a Organização Pan-americana de Saúde – OPAS, a juventude dá-se, biologicamente, em
duas fases: a pré-adolescência, de 10 a 14 anos, e a adolescência, de 15 a 19 anos de idade.
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(1973) já afirmava que a juventude não é simplesmente a esperança do
futuro, senão o ponto de emergência de uma cultura para outra, ou seja, o
que pode ser transformado. Os jovens são os primeiros habitantes de um
novo país, são os que tornam visíveis as mudanças em nossa sociedade e são
a chave da solução de nossos problemas.
2. De uma forma adultocrata, na medida em que existe uma relação assimétrica
e tensa entre adultos e jovens. Os jovens sempre foram vistos como capazes
de contestar, transgredir e reverter a ordem. Os adultos, por sua vez, no
tratamento com as juventudes geralmente partem de posturas conservadoras,
rígidas, sendo desprovidos de referências para orientar os jovens.
3. De maneira maniqueísta, ou seja, ao mesmo tempo em que são considerados
responsáveis pelo futuro, são percebidos como irresponsáveis no presente;
assim, ainda que sejam unanimemente vistos como a esperança de um
mundo melhor, também representam o medo e a falta de confiança que
a sociedade deposita nesta parcela da população, sendo concebidos como
aqueles que não produzem.
4. De forma culpabilizante. Criminaliza-se a figura do jovem, associando-o
à ameaça social, à criminalidade, à "delinqüência". Já se sabe que, nos
últimos anos, segundo Waiselfisz (2004), a taxa de homicídios entre os
jovens aumentou de 30,0 em cada 100.000 jovens, nos anos 80, para
52,1, em 2000. Já na população em geral, essa taxa caiu, passando de
21,2 por 100.000 para 20,8, em 2000. Isso evidencia que os avanços da
violência homicida tiveram eixo principalmente na vitimização juvenil.
Existe, portanto, uma visão repressiva sobre as juventudes, uma espécie
de populismo punitivo, sendo que um dos exemplos mais claros dessa
concepção é a atual discussão sobre a redução da idade penal.
Os jovens encontram-se em uma etapa de construção de sua identidade,
buscando sua autonomia. São gregários, procuram galeras, turmas, gangues e
mesmo a incorporação no tráfico de drogas. Vivem momentos de encantamento e
desencanto com a nossa sociedade, vivenciando hostilidades, falta de compreensão,
ambientes ríspidos. Necessitam de segurança, estímulo, sentimentos de confiança
na sociedade, conhecimento, pertencimento e, principalmente, fazer-se escutar.
Escola e família são as duas principais instituições responsáveis pela
preparação dos jovens para o mundo adulto. Pais e educadores representam as
gerações já integradas aos valores sociais. A escola passa a ter, então, lugar destacado,
já que as famílias, nas cidades, não podem mais se responsabilizar por essa
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preparação. As exigências são sensivelmente mais complexas e a escola investe-se
da missão de atendê-las. Essa missão, por vezes, é assumida de forma tão rigorosa
que a escola parece ter como única razão de ser a preparação para o futuro.
Sua intencionalidade formadora está ligada aos futuros cidadãos,
trabalhadores e dirigentes. O presente, assim, perde seu valor, tão atrelado se
encontra ao futuro, de acordo com essa lógica pautada na identificação da
juventude como uma "fase de transição". Nessa fase, segundo Abramo
(1994, p. 3), segrega-se o indivíduo do mundo adulto, adiando-se a sua
maturidade social que, portanto, se desconecta da maturidade sexual e
fisiológica. Como bem destaca Sposito (2001, p. 4),
(...) a idéia da transição tem sido também objeto de críticas que incidem, ao
menos, sob dois aspectos tidos como relevantes: o primeiro diz respeito a uma
caracterização da transição como indeterminação; jovens não são mais crianças
e também não são adultos (...). O segundo aspecto incide sobre uma necessária
subordinação dessa fase à vida adulta, referência normativa caracterizada pela
estabilidade em contraste com a juventude, período da instabilidade e das crises.
Abramo (1994) assinala, ainda, que, nesse período de "passagem" que a
sociedade lhes impõe, os jovens "(...) tendem, então, a formar grupos espontâneos
de pares, (...) que se tornam importante locus de geração de símbolos de
identificação e de laços de solidariedade" (p. 4). Tais formas de organização
parecem ser ignoradas no espaço escolar. Apesar de voltar-se para o futuro,
a escola, na realidade, traz consigo uma forte carga de passado. Sua proposta
transformou-se, para os jovens, em uma aborrecida "sala de espera" para esse
futuro incerto (PAIS, 1990), para o qual o diploma por ela fornecido nem
sempre constitui o melhor passaporte.
Segundo estudo realizado pela UNESCO (2004, p. 26), cinco elementos são
cruciais para a definição da condição juvenil em termos ideais-objetivos, quais sejam:
-a obtenção da condição adulta, como uma meta;
-a emancipação e a autonomia, como trajetória;
-a construção de uma identidade própria, como questão central;
- as relações entre gerações, como um marco básico para atingir tais propósitos;
- as relações entre jovens para modelar identidades, ou seja, a interação
entre pares, como processo de socialização.
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A prevalência de um modelo de educação caracterizado pelo não-
reconhecimento da juventude como categoria de características específicas e
complexas, associada à sensível pauperização da escola – notadamente a
pública –, faz com que a transição entre o referido momento de espera e o
mundo dos adultos seja, freqüentemente, angustiante e que os muitos sonhos
que povoam o universo juvenil contrastem fortemente com a realidade da
vida adulta e com as perspectivas vislumbradas no futuro.
Isto porque, quando o assunto é educação e juventude, muitas são as
carências consideráveis que ainda se registram em termos de eqüidade e
qualidade. Ou seja, é essa combinação explosiva que, se por um lado, permite
aos jovens tomar consciência das oportunidades e possibilidades existentes
na sociedade, por outro, muitas vezes, não se lhes dá condições para
aproveitá-las. O resultado passa a ser uma grande frustração, que desanima
os jovens e os empurra ao abandono e à deserção escolar, especialmente
aqueles provenientes dos estratos mais pobres e excluídos.
Estabelece-se uma espécie de defasagem entre a educação e as expectativas
de realização pessoal e profissional, defasagem essa diretamente relacionada
com a inserção no mercado de trabalho, já que uma das principais dificuldades
enfrentadas pelos jovens é a falta de capacitação apropriada às demandas do
mercado de trabalho e a pouca experiência em relação aos adultos.
Existe, no Brasil, uma cultura dominante de autoritarismo socialmente
implantado. Este é conseqüência de relações sociais rígidas e hierarquizadas, cujo
modelo foi levado para todas as instituições, inclusive a escola. É justamente
onde os mecanismos institucionais deveriam funcionar que se encontram as
incivilidades, provenientes da inabilidade e da impossibilidade de se colocar
no lugar do outro. Por isso, a análise de cada instituição é importante, pois
a escola de qualidade não pode ser acometida por problemas como a falta de
segurança, o medo, o terror, a eclosão de conflitos graves e as incivilidades
de várias ordens, uma vez que tais fatores deterioram o clima, as relações
sociais, impedindo que a instituição cumpra a sua função.
Há, entre alunos e professores, um sentimento de insegurança e abandono
do espaço social e, muitas vezes, a escola se torna omissa e pouco presente. A
escola tem que estar preparada para assumir as respectivas condições em que
vivem seus alunos, criando estratégias de acesso, pertencimento, permanência
e qualidade, pautadas no respeito ao outro e na inclusão de todos no processo
de ensino-aprendizagem.
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No entanto, estar matriculado em uma escola não implica obrigatoriamente
estabelecer uma relação positiva com o conhecimento, pois a relação com o
saber é sempre uma relação de sentido (CHARLOT, 2000). Trata-se de
procurar o que faz sentido para os indivíduos, ou seja, a relação do aluno
com sua escola, com aquilo que se aprende e que varia dependendo de vários
fatores, como seus interesses, seus projetos de futuro, sua condição econômica
ou mesmo seu capital social e cultural. A escola não é um lugar socialmente
neutro (BOURDIEU e PASSERON, 1970). Em razão disso, os jovens se
encontram a uma certa distância em relação à chamada cultura escolar e,
portanto, têm desempenho diferenciado nos estudos.
Para além de uma sintonia com o universo juvenil e com suas múltiplas
formas de expressão, os jovens alunos, em suas cartas, manifestam o sonho
com uma educação que lhes propicie participação cidadã no processo de
construção do país. Demonstram desejo de uma escola que respeite seus
direitos e apresentam sugestões sobre como resgatá-la.
É impossível, hoje, separar a vida dentro e fora da escola, na medida em que
os jovens trazem para seu cotidiano escolar sua maneira de ser, sua linguagem e
cultura de uma forma aberta, flexível, natural e instável, causando conflitos
entre a cultura juvenil e a cultura escolar. Essa tensão entre a lógica dos
professores/escola e a lógica dos alunos reside em que os primeiros buscam no
jovem o bom estudante, enquanto os alunos procuram não se restringir ao
papel de estudante que lhes foi atribuído pelo sistema educacional.
Como, então, falar de uma educação de qualidade, em meio a tantas
contradições e conflitos? Parte-se do princípio de que uma educação desse
tipo deveria fazer parte do que Braslavsky chama de um direito humano
inalienável, ao qual todos deveriam ter acesso. Assim, se, por um lado,
democratizar a escola obriga repensar a instituição, por outro, uma maior inclusão
implica, também, uma maior demanda por uma educação de qualidade.
Em trabalho apresentado na Espanha, em novembro de 2004, na XIX
Semana Monográfica da Educação de Qualidade Para Todos, a autora também
enumera os dez fatores que, no seu entender, seriam necessários para o
estabelecimento de uma educação de qualidade. Dentre eles, destacam-se:
- O pertencimento pessoal e social
Segundo Braslavsky (2004), uma educação de qualidade é aquela em que
todos aprendem o que necessitam aprender no momento oportuno de
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suas vidas e em uma situação de felicidade e de bem-estar. Isto é, além da
educação ter que ser pertinente, eficaz e eficiente, tais qualidades devem
estar vinculadas à subjetividade dos que aprendem, cuidando-se para que
aquilo que se aprende seja também pertinente tanto do ponto de vista
objetivo como subjetivo, a fim de que se possa construir um sentido
profundo e valioso de bem-estar.
- A auto-estima dos atores
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, faz alusão aos
países "campeões" da qualidade na educação (Finlândia, Canadá, Japão etc.).
Um dos pontos comuns entre eles é que valorizam a educação e estimam os
seus professores. Além do mais, os professores também se valorizam e não
se culpam pelos erros que a escola comete; ao contrário, tiram proveito
da situação, corrigindo-os. Os professores também não culpam os alunos
dos erros cometidos e dos fracassos, o que gera um clima de confiança,
felicidade e bem-estar, bastante diferente daquele descrito nas escolas
brasileiras. Acreditar na educação tem dado aos professores a possibilidade
e a energia para valorizar os alunos, independente de sua origem social e
de sua diversidade.
- A força ética e profissional dos professores
A formação dos professores continua sendo planejada em função da trans-
missão de conteúdos, os quais, por sua vez, vêm-se desatualizando de
forma cada vez mais rápida. Assim sendo, o mote-chave do trabalho dess-
es profissionais deveria ser o profissionalismo e a força ética, o que, além
de propiciar-lhes uma valorização social e a elevação de sua auto-estima,
possibilitaria a incorporação de valores relativos à paz e à justiça.
- Os diretores
Dentre as principais características daqueles diretores que vêm conseguindo
um bom nível de gestão, três têm papel de destaque: a primeira, de ordem
subjetiva, implica o valor que se dá à função formativa das escolas; a
segunda refere-se à capacidade que a direção tem de construir um sentido
para a escola e para os grupos e as pessoas que dela fazem parte; e, finalmente,
a terceira, que diz respeito à aposta no trabalho em equipe, por meio do
estabelecimento de alianças entre a escola, a comunidade, as famílias, as
empresas e os meios de comunicação.
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- O trabalho em equipe
Braslavsky (2004) destaca que para uma educação de qualidade é
indispensável que o trabalho seja realizado de maneira conjunta, dentro
e fora da escola. Reuniões periódicas com os diretores, o estabelecimento
de diálogo com os professores, a promoção de discussões sobre o currículo
etc., traduzem-se em elementos-chave para se trabalhar em equipe, nos
mais diversos níveis.
- Aliança com as famílias
O aprender com o outro é uma obrigação da escola, mas, nesse processo,
muitos são os desencontros, os diferentes códigos. É preciso reconhecer que
trabalhando com os atores de dentro da escola torna-se mais fácil trabalhar
com aqueles que se encontram fora do sistema escolar. Isso se torna possível
por meio da construção de novas alianças e da aproximação com as
famílias, ao invés de seu afastamento.
É na discussão do que acontece no cotidiano escolar, na participação dos
diferentes atores no processo pedagógico e nos destinos da escola que se torna
viável a criação de novos mecanismos democráticos de diálogo e de aceitação
do sistema educacional. Para que se possa estabelecer uma sintonia com o
universo juvenil e suas múltiplas formas de expressão, é imprescindível,
portanto, estar atento e aberto para o fato dos jovens manifestarem
continuamente o sonho com uma educação capaz de lhes propiciar participação
cidadã, sonho este que só poderá realizar-se por meio de uma escola que
respeite sua diversidade.
Conforme já sinalizado, neste livro são apresentadas e discutidas as
percepções presentes nas cartas consideradas como as mais representativas do
universo de que fazem parte. Como estratégia de apresentação do material
analisado, além deste item introdutório, em que os eixos conceituais mais
relevantes são explicitados, o presente trabalho organiza-se de acordo com os
tópicos listados a seguir, os quais, por sua vez, comportam uma série de aspectos
que, em face de sua relevância, assumem a função de recomendações para o
campo da educação direcionado para as juventudes:
- Origem e tratamento das cartas: onde são apresentados os aportes
metodológicos adotados no trabalho.
- Os sentidos da escola, composto pelos subitens "O papel social da escola",
onde as referências às funções da escola presentes na "fala" dos estudantes
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constituem o centro das reflexões, e "Ensino médio: o que esperam os
estudantes", em que se aborda a especificidade desse segmento da educação
básica no que se refere, entre outros assuntos, à preparação para a
continuidade nos estudos, para o trabalho e para a cidadania.
- Desvendando o ambiente escolar, do qual fazem parte: "Infra-estrutura e
equipamento: a base física do ambiente escolar", em que se desenvolvem
considerações sobre as referências presentes nas cartas a propósito das
condições e do uso dos espaços e recursos físicos da escola; "Conteúdos e
aprendizagens; as expectativas dos jovens estudantes", onde são analisadas
as percepções dos alunos sobre o que lhes é "ensinado" e sobre o que
"aprendem", à luz de seus anseios; e "Participação dos jovens na escola: o
que dizem as cartas", segmento em que são discutidas as referências feitas
pelos jovens às oportunidades de participação que a escola lhes oferece e
a relação destas com o contexto social mais amplo.
- Considerações finais, em que se busca sistematizar as principais reflexões
produzidas a partir da leitura das cartas dos jovens.
- Obras citadas e consultadas, onde são destacadas as fontes que
contribuíram para o aprofundamento das questões levantadas.
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A cada iniciativa de aprofundar, por meio de estudos e pesquisas, o
conhecimento sobre diferentes aspectos da realidade, a UNESCO produz
um volume de informações de tal monta, que seu lastro fornece base sólida
para a realização de uma série de outras ações tanto de ressignificação quanto
de aprofundamento dos dados revelados.
Como já assinalado, as cartas que serviram de base para este trabalho foram
escritas quando da realização de uma extensa pesquisa sobre o Ensino Médio, em
13 capitais do país, envolvendo uma série de outros procedimentos metodológicos,
cujos resultados encontram-se consolidados na publicação intitulada
"Ensino Médio: Múltiplas Vozes" (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003).
Naquela oportunidade, foi solicitado que uma amostra dos estudantes selecionados
escrevessem uma carta com base na seguinte proposição: Imagine que você tem
um(a) amigo(a) que mora em outra cidade, escreva a ele(ela) contando como é a
escola onde você estuda e como você gostaria que fosse. Diante dessa perspectiva, 1.777
alunos e alunas, de escolas públicas e privadas do país, tiveram a oportunidade de
montar, a partir do registro escrito de suas idéias, um quadro em que manifestam
suas diferentes visões a respeito de vários aspectos que compõem o universo escolar.
As cartas dos estudantes são tratadas neste estudo como documentos. De
acordo com Phillips (1974, p. 187, apud LÜDKE, M. e ANDRÉ, 1986), estão
incluídos nessa categoria "quaisquer materiais escritos que possam ser usados
como fonte de informação sobre o comportamento humano". Deste modo,
abrangem "desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos,
diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas
de rádio e televisão até livros, estatísticas e arquivos escolares" (p. 38).
A primeira etapa consistiu em uma leitura atenta da totalidade das 1.777
narrativas, a fim de que se pudesse fazer uma classificação das mesmas com
base nos principais elementos evocados pelos jovens. É importante ressaltar
que fazer com que as coisas aparentemente triviais colocadas nessas cartas se
convertessem em temas de análise foi tarefa complexa, frente à dificuldade
1. ORIGEM E TRATAMENTO DAS CARTAS
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de se descobrir, de imediato, suas características formais. Reconhecer sua
prevalência e sua importância na vida cotidiana significou, em realidade,
transcender o discurso do senso comum que aponta o trivial como não relevante
cientificamente (SCHWARTZ e JACOBS, 1984).
Partindo da premissa de que o ser humano se constitui sujeito do
conhecimento, este estudo teve como um dos seus principais focos de
abordagem a reconstrução de realidades específicas do cotidiano escolar.
Segundo Schwartz e Jacobs (1984, p. 18), por reconstrução da realidade se
entende a atividade desordenada e tortuosa de aprender a ver de dentro o
mundo de um indivíduo ou de um grupo. Por meio de uma perspectiva
qualitativa, torna-se possível tal reconstrução, já que esta se justifica pela
existência de algo vital, mas que não é dado a conhecer imediatamente, a
menos que se tenha acesso ao universo interior deste mundo tal como é
visto, percebido, sentido e expressado por aqueles que dele fazem parte.
Seguindo esta trilha, procurou-se mapear as representações cotidianas,
atitudes e comportamentos relacionados à sociabilidade dos alunos dentro do
universo escolar, a fim de tornar possível compreender tanto os aspectos
culturais que fundamentam suas práticas quanto a visão de mundo de que são
detentores, a partir das transformações aceleradas ocorridas na sociedade.
Buscou-se, sobretudo, reconstruir percepções do âmbito escolar, com base no
estudo das coisas triviais e das minúcias da vida cotidiana, uma vez que a
compreensão de situações aparentemente corriqueiras pode ser útil em vários
aspectos, como, por exemplo, revelar comportamentos adotados no dia-a-dia,
tantas vezes confundidos com comportamentos genuínos e naturais.
Diante disso, a proposta metodológica que guiou o procedimento de leitura
das narrativas pautou-se na análise de conteúdo, técnica comumente
adotada no exame de documentos por possibilitar inferências válidas e
replicáveis dos dados para o seu contexto (KRIPPENDORFF, 1980, apud LUDKE
e ANDRÉ, 1986: 41). Tal conceituação vai ao encontro do postulado por
Bardin (1985), quando o autor define esse tipo de análise como um conjunto
de técnicas que, por meio de procedimentos objetivos e sistemáticos de
descrição dos conteúdos de uma determinada mensagem, procura capturar
conhecimentos, informações, referências, relativas às condições em que essa
mensagem foi produzida. Ou, nas palavras de Gomes (1994: 75), oferece
pistas sólidas daquilo que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das
aparências do que está sendo comunicado.
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A exemplo das outras técnicas utilizadas na coleta de dados efetivada
durante o processo de pesquisa, as cartas aqui referidas também desvelam
modos de compreender a realidade. No entanto, ainda que produzidos
concomitantemente, seus indicadores dificilmente podem ser equiparados
àqueles oriundos de outros métodos, visto que as pistas que oferecem são de
uma natureza bem diferente das demais, estando fortemente calcadas na
subjetividade dos autores. Por essa linha, ainda que desenhem aspectos da
realidade muitas vezes considerados "menos objetivos" – e aí repousa uma
das mais freqüentes críticas dirigidas à técnica da análise de documentos
pelos defensores de uma perspectiva supostamente "objetivista" (LUDKE e
ANDRÉ, 1986: 40) –, nem por isso deixam de ser capazes de revelar dados
que, caso sejam devidamente analisados, confrontados, podem oferecer subsídios
sólidos para o conhecimento da visão multifacetada dos sujeitos da pesquisa.
Lidas e classificadas todas as cartas, diante do amplo leque de problematizações
e da riqueza de detalhamentos detectados, o passo seguinte foi eleger aqueles que
seriam os temas mais relevantes apresentados pelos jovens, tendo por base a sua
contribuição tanto para uma melhor compreensão da realidade do Ensino
Médio como para a formulação de políticas públicas voltadas para a juventude
e a educação.
O resultado dessa etapa possibilitou a identificação dos seguintes eixos de
análise: papel social da escola; função do ensino médio; percepção sobre os
conteúdos e a aprendizagem; participação dos jovens no ambiente escolar; e,
finalmente, infra-estrutura das escolas. Como já observado na introdução,
por sua importância estratégica na consecução dos objetivos deste trabalho,
tais eixos foram tratados separadamente, constituindo capítulos específicos.
Uma vez definidos os temas e feita a análise de seus conteúdos, passou-se à
etapa seguinte, quando foi realizada uma nova seleção das cartas com base na
sua expressividade. Nessa fase, não foram privilegiados certos critérios, como
o da representatividade regional das narrativas, por se entender que cada uma,
ainda que singular, encontra-se impregnada de elementos universais. Assim,
escritos provenientes dos Estados do Acre, da Paraíba ou do Rio de Janeiro,
como exemplos, ainda que específicos, abarcam, no geral, as principais
preocupações do conjunto dos alunos do ensino médio brasileiro. Tal procedimento
ancora-se no pensamento de Walter Benjamin (1993), quando o filósofo
propõe, como metodologia, a tensão entre o particular e a totalidade, a fim
de que se possa alcançar uma compreensão crítica do universo que se
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pretende conhecer
7
. Deste modo, privilegiaram-se as narrativas que, por
serem consideradas como as mais representativas dos temas ou categorias
eleitos, estariam potencialmente aptas a ilustrar, de forma mais significativa,
as análises efetuadas ao longo do trabalho.
Vale destacar que apesar da opção por agrupar as cartas selecionadas dentro
dos eixos antes referenciados, nem sempre as mesmas obedecerão a essa lógica
ao pé da letra, uma vez que um grande número de temas pode ser – e quase
sempre é – desenvolvido em uma única carta. Assim, a preocupação central será
a de ordená-las com vistas a respeitar ou a principal intenção manifesta em seu
conteúdo ou a evocação de uma determinada idéia.
Por último, deve-se fazer um alerta ao leitor no sentido de que as cartas
foram digitadas na íntegra, ipsis litteris, tendo sido mantidos, portanto, os erros
gramaticais e de ortografia originalmente cometidos. Tal opção foi feita por se
considerar que o não respeito à sua integridade concorreria para a minimização
daquele que pode se constituir um dos indicadores mais relevantes da situação
do ensino médio no país contido no material de análise, o que certamente
implicaria a perda de grande parte da riqueza e expressividade que caracterizam
essas cartas.
7 Ainda segundo Benjamin (idem), esse resgate se apresenta como ponto crucial para a construção de um conceito
humanizado de ciência, uma vez que se dá voz ao que, até então, foi tomado como sem importância.
Transformam-se as "aparas" em objeto de investigação, reconhecendo como história o que vem sendo tratado
como lixo da história.
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2. OS SENTIDOS DA ESCOLA
Dentre os vários eixos a que a leitura das cartas dos alunos do ensino
médio remeteu, aqueles relativos ao papel social da escola e às funções do
ensino médio foram se impondo, carta após carta, como de tratamento obrigatório
neste trabalho. Tal situação deveu-se à grande recorrência com que esses
temas foram referidos pelos jovens em seus escritos, especialmente quando
soltam as amarras que os prendem a uma realidade educacional imersa, via
de regra, em uma série de dificuldades e problemas, e tomam para si a liberdade
de expressar – ou o melhor, de deixar transparecer – não somente a instituição
que tão bem conhecem, freqüentam e criticam no seu dia-a-dia, mas, sobretudo,
a escola por eles idealizada, capaz de responder, de forma integral, às suas
múltiplas necessidades. A mesma escola de qualidade que esses jovens, na
condição de cidadãos brasileiros, se consideram merecedores.
A juventude é comumente associada a uma etapa da vida humana em que os
sujeitos, ao mesmo tempo em que expressam os seus anseios de mudança, fazem
as mais profundas e duras críticas ao meio ambiente em que se encontram
inseridos. No entanto, a potencialidade desse momento singular é, na maior
parte das vezes, abafada ou relegada a um plano secundário pela própria
sociedade, que, por ser predominantemente adultocrata, acaba por condenar
os jovens à invisibilidade.
É justamente o movimento inverso o que se busca ao ouvir e analisar as
idéias expressas por esses jovens em suas cartas, qual seja, restituir-lhes a
voz, enfatizando as suas demandas, entendendo que estas são originárias de
contextos específicos, estando, por conseqüência, impregnadas de um
determinado capital cultural
8
. Tratando-os, enfim, como atores principais e,
sobretudo, autores que vivem, conhecem e, por conta disso, criticam o ensino
médio que lhes é oferecido.
8 Bourdieu e Passeron (1964) entendem o conceito de capital cultural como o conjunto de competências culturais
e lingüísticas que os indivíduos herdam dentro dos limites da classe social a que pertencem seus familiares e que
se constituem em elementos facilitadores no desempenho escolar.
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Deve-se destacar, entretanto, que as críticas dirigidas por esses jovens ao
espaço escolar não devem ser compreendidas, na sua grande maioria, como
esvaziadas de sentido. Como já é de amplo conhecimento na área da
sociologia da educação, os jovens prezam ou gostariam de prezar a escola que
freqüentam. Logo, suas críticas são mais bem interpretadas se consideradas
como apostas na sua melhoria. Até porque, se a educação representa a
perspectiva de uma mobilidade social para a maioria da população, a escola
se constituiria no lugar apropriado e legítimo para essas melhorias.
Nessas bases, no presente item, são tratados temas que abarcam desde o
papel que vem sendo exercido ou que deveria ser desempenhado pela escola,
até as expectativas que esses jovens alimentam em relação ao segmento em que
se encontram inseridos, o ensino médio. Em ambos os eixos, os estudantes
versam livremente por aqueles aspectos que lhes são mais afetos no seu
cotidiano, tais como o desempenho da função docente, o papel da direção
escolar, a formação para o trabalho e para a cidadania, a continuidade dos
estudos e a ampliação de seu universo ético-cultural. Vale destacar que
todos esses temas encontram-se permeados pelas condições concretas em
que a escola de ensino médio se produz e se reproduz em suas vidas, eixo a
ser tratado no capítulo seguinte.
2.1. O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA
Refletir sobre o papel social da escola a partir da ótica das juventudes é, sem
dúvida, uma tarefa complexa, visto que abarca, dentre outras características,
desde noções socialmente construídas e ratificadas ao longo do tempo, até
outras que encontram um melhor significado no campo dos desejos individuais,
implicando diretamente, portanto, a observação ou o atendimento de
anseios específicos. Apreender tal pluralidade de sentidos representou a
missão mais importante e, ao mesmo tempo, a mais difícil deste trabalho,
principalmente ao se considerar que um de seus principais objetivos é tentar
contribuir, de algum modo, para minimizar a dívida que a sociedade
brasileira tem para com os seus jovens.
Assim, diante da oportunidade privilegiada de lidar com os anseios de
uma juventude alijada historicamente dos espaços de expressão e influência
social, sobretudo no que concerne à elaboração de políticas públicas
(UNESCO, 2004), além daquelas funções tradicionalmente consideradas
inerentes à instituição escolar, voltam-se os olhos não tão-somente para o
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que a escola é ou aparenta ser, mas também para as demais funções que esta,
na visão desses jovens, deveria desempenhar ou buscar exercer na sociedade.
Para tanto, e do mesmo modo informal e sincero como tais cartas foram
escritas, sem qualquer intervenção direta, lança-se mão prioritariamente das
palavras dos estudantes, a partir deles mesmos.
Mas, quando se pensa no papel social da escola, do quê exatamente se
está falando? Em face da necessidade de esclarecer a questão, paralelo à
apresentação do desenho feito pelos alunos do ensino médio da instituição
escolar, tentar-se-á construir o modo como o termo foi aqui apreendido.
A noção de papel é concebida como um conjunto de idéias associadas a
um determinado status social. Mais especificamente, trata-se das funções
desempenhadas pelo indivíduo em relação à posição ocupada por ele na
sociedade (PILETTI, 1985; JOHNSON, 1997), um determinado padrão de
comportamento esperado e exigido socialmente por conta de uma certa condição.
Como, no caso em tela, trata-se não da ação de indivíduos isolados ou
coletivos, mas do papel desempenhado por uma instituição social
específica – ou seja, a escola, que, em última instância, só persiste na
condição de instituição social em função de sua capacidade histórica de
oferecer respostas a determinadas necessidades da sociedade –, toma-se a
liberdade de ampliar o significado atribuído inicialmente à noção de
"papel", deslocando-o da esfera individual para a institucional, lugar onde
a escola se encontra inserida.
Ao se tratar mais precisamente de quais seriam as funções a serem
desempenhadas pela escola na sociedade brasileira no campo mais formal, a
principal delas pode ser apreendida já no artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB/96, quando este assinala: "A educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana,
no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa [grifo nosso], nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais".
Percebe-se assim que, da mesma forma como deve ocorrer na família, no
trabalho, na vida social, o ato de educar é também concebido como uma
das atribuições centrais da escola. Entretanto, por se tratar de uma
modalidade educacional oferecida por uma determinada instituição social,
alguns princípios e finalidades específicos devem ser observados, tais como
a recomendação da educação escolar se vincular ao mundo do trabalho e à
prática social.
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Diante do exposto, pode-se dizer que a concepção básica que orienta a idéia
do papel social a ser exercido pela escola parte do princípio de que a preparação
para o trabalho e para o exercício da cidadania constituiria os seus objetivos
centrais, isto é, a principal função atribuída – no caso, por lei – ao papel que
esta deve desempenhar na sociedade brasileira. Ou, com base nas idéias de
Rousseau, promover aquela que pode ser considerada uma meta em nada
modesta, qual seja, a formação global do homem (apud CARVALHO, 1996).
O conteúdo da primeira carta sintetiza a importância prática e, ao mesmo
tempo, abrangente que a escola assume na vida dos jovens. Escrita, em sua
maior parte, nos tempos presente e futuro do indicativo por um estudante de
uma escola particular, sinaliza toda uma gama de possibilidades otimistas,
que poderão ser acessíveis ou desfrutadas em uma etapa de vida posterior,
desde que observado o investimento sistemático, seja individual ou coletivo
– aí obviamente incluída a instância governamental –, no cotidiano escolar.
Carta I – A importância da escola
A escola na nossa vida é uma das maneiras mais fáceis de obtermos
informações, conhecimentos e é uma das maneiras mais fáceis de uma
pessoa crescer profissionalmente, com muita honestidade.
Ela oferece tudo para que o aluno possa estar construindo um Brasil
melhor, ela nos proporciona conhecimentos, informações, excelentes professores,
orientadores e funcionários, sala de informática e outros lances, uniformes
e nos encaminha para estágios para que o aluno analise como será o
mercado de trabalho. Os alunos terão toda chance de estudarem em uma
escola com todos esses critérios.
Por isso se as escolas terem mais investimentos, nós teremos alunos que
mudarão e construirão o bairro, a cidade, o estado e um país de pessoas
honestas e com excelentes empregos, pois tiveram um excelente currículo na
sua escola.
(Aluno, escola particular, MT)
Vale destacar que a ênfase centrada na possibilidade de o cidadão obter um
trabalho que lhe possibilite levar a vida "com muita honestidade", a partir de
sua inserção no mundo escolar, alerta para o fato de o trabalho representar,
no ideário juvenil, uma condição imprescindível – e possivelmente sine qua
non – para que mudanças socialmente desejadas possam ser operadas em
um contexto mais amplo.
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Na trilha da carta anterior, a seguinte, proveniente de um aluno de escola
pública, aprofunda um pouco mais a reflexão em torno da escola representar,
para os jovens, uma importante via de inserção no mundo, em especial no
mundo do trabalho, por meio do oferecimento de cursos profissionalizantes que
venham ao encontro de seus interesses. Ainda que denuncie um investimento
precário no equipamento físico disponibilizado, não poupando observações
quanto ao ensino e à administração escolar, também sinaliza seu gosto pela
escola, onde a crítica assume, então, cunho participativo.
Carta II – Um bom colégio para se estudar
O colégio estadual é um bom colégio para se estudar, pois nele não
há nenhum tipo de desorganização por parte dos diretores e professores.
O colégio deveria ser mais bem equipado com computadores ligados à
internet para possibilitar aos alunos uma maior facilidade na hora de
pesquisar alguns trabalhos pedidos pelos professores.
Os professores nos ensinam da melhor maneira possível de acordo com
as suas possibilidades. A nossa diretora é muito participativa e atuante,
pois ela luta muito para poder deixar o colégio e os alunos mais
confortáveis e ajustados ao clima do colégio. Ela está tentando inserir ao
programa do colégio o curso de enfermagem, se isso correr será muito bom
para quem quiser cursar enfermagem e não tem condições para isso.
Não nos falta nenhum professor, mas eu acho só que poderia ser melhor
aproveitado o tempo de aula com atividades mais práticas e menos
teóricas, como novos laboratórios para podermos utilizar e entender melhor
e na prática o que aprendemos na teoria, poderíamos ter aulas de
informática pra preencher o nosso currículo, pois muitos de nós estudantes
não podemos pagar um curso de informática ou mesmo pela falta de
tempo, pois muitos de nós trabalhamos.
A diretora poderia fazer alguma coisa para evitar que alguns alunos
matassem aula ou sendo mais rígida ou criando mais atrativos para
atrair esses alunos, pois a nossa carga horária é muito grande e às vezes
não dá para controlar o cansaço.
(Aluno, escola pública, RJ)
Conforme já percebido em outros estudos da UNESCO lançando mão
de diferentes metodologias (grupos focais, entrevistas, questionários etc.),
em muitas narrativas a figura do diretor comparece desempenhando papel
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de importância central, seja como elemento facilitador, seja como complicador
do processo educativo. É a ele, portanto, que é geralmente dirigida a maioria
das reivindicações e/ou sugestões de toda a comunidade escolar.
Do mesmo modo como ocorre em diversas outras cartas, também nesta a
informática se apresenta como ferramenta cujo domínio é extremamente
valorizado e desejado pelo jovem, uma vez que percebida como potencialmente
capaz de abrir as portas para o sucesso e a adequação social. A freqüência da
alusão ao tema deixa clara a crescente valorização que esse campo do
conhecimento vem conquistando na sociedade, uma vez que é considerada
como ferramenta básica tanto para o processo de ensino-aprendizagem
quanto para o exercício da cidadania. E isso até mesmo (e sobretudo) em
situações em que tal ferramenta não é disponibilizada pelas escolas...
Outra característica dessas cartas reside no fato de os jovens conferirem
uma certa hierarquia aos papéis a serem desempenhados pela instituição
escolar. A narrativa seguinte é exemplo disso. Por essa via, recomenda que
antes de preparar o aluno para a sociedade, a instituição deveria cuidar de
sua inserção no mercado de trabalho, ratificando a noção, tantas vezes
referida pelos jovens, do trabalho se constituir ferramenta imprescindível
para o exercício da cidadania.
Carta III – Pra que serve a escola na verdade?
A escola na verdade serve para preparar o aluno para a sociedade.
Mais para isso é preciso preparar o aluno para o mercado de trabalho.
E não é isso que está acontecendo.
O aluno termina o ensino médio sem ter um curso de informática!
Precisamos ter não só o certificado de conclusão do ensino médio mais também
de cursos profissionalizantes para ficarmos mais preparados para a sociedade.
Talvez você esteja pensando que com 10 ou 11 escolas com cursos
profissionalizantes resolveria o problema, mais não basta só isso. É preciso
mais escolas qualificadas.
(Aluno, escola pública, AP)
Alem disso, e como já pontuado, a carta ressalta a importância que a
informática assume no ideário dessa juventude, área do conhecimento cujo
acesso e domínio são considerados imprescindíveis na grande maioria das
cartas disponibilizadas, uma vez que entendida como ferramenta básica.
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Uma escola que desempenhe a função de espaço de crítica às formas
dominantes de organização social, onde o "ser" assuma mais importância do
que o "ter", sendo, portanto, capaz de apontar caminhos para possíveis
transformações, é também uma das grandes expectativas dos jovens estudantes
do ensino médio. Como bem exemplifica a carta a seguir, o desempenho
adequado desse papel, no entanto, só poderá se efetivar quando a escola se
voltar mais para formar o "verdadeiro cidadão" – no sentido mais crítico
dessa formação – do que transmitir conteúdos e criar "facilidades" visando,
em última instância, a manter o status quo.
Carta IV – Geração de incompetentes
É um tanto difícil falar sobre escola, principalmente para mim que
venho de um segmento social que a base é a hierarquia e a disciplina.
Para podermos falar temos que levar em consideração no qual está
inserida esta escola. Se nós queremos uma escola que forme verdadeiros
cidadãos acho que estamos no caminho errado.
A escola hoje, posso assim dizer, não está muito preocupada com a
pessoa e sim em passar a maior quantidade de informações possível para
que o aluno se situe em um plano no qual ele não está preparado e é
até uma contradição o que direi mas de uma forma até paternalista
diante de muitas facilidades que encontramos para concluir o ensino
médio.
Eu particularmente acho que está se formando uma geração de
incompetentes que estão interessados somente no ter
e não no ser. Eu acho,
não, tenho certeza que quando toda a estrutura mudar talvez consigamos
alcançar os nossos objetivos, ou seja, a escola como um todo tomar consciência
(principalmente as autoridades) que ela é uma instituição.
(Aluno, escola pública, RS)
A expectativa de uma instituição capaz de formar não somente a
consciência crítica, mas, sobretudo a base moral e psicológica do estudante
foi também um elemento bastante presente nas mensagens dos jovens. Tal
função não excluiria, entretanto, a possibilidade de o jovem vir a alcançar
"um futuro promissor", apoiado, entre outras coisas, na aquisição de um
"nível de aprendizagem alto", capaz de lhe possibilitar competir no
mercado de trabalho.
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Carta V – Formação moral e psicológica
Querido Marcos,
Estudo em um colégio particular e curso o ensino médio, 2º ano do
2º grau, o colégio em que me encontro hoje, é de um ensino muito diferente
dos que eu já estudei anteriormente, começando dos professores, que tem
um método de ensino muito qualificado, até os livros que eles adotam que
é de um nível muito bom.
O colégio tem por base não só a aprovação dos alunos no vestibular, mas
também a formação moral e psicológica de todos os alunos, mostrando a
eles como é a realidade onde vivemos.
O índice de aprovação do colégio também não fica por baixo, ele aprova
as diversas faculdades pelo Brasil e somos representados até fora do Brasil.
Independente do curso profissionalizante que o aluno escolher para
exercer, o colégio dá a base total ajudando o aluno a competir com qualquer
outro aluno de qualquer lugar. Sendo assim, o colégio em que eu
estudo é um dos melhores do Brasil, as pessoas que nele entram, saem
com um nível de aprendizagem muito alto, e com formação moral muito
bem concretizada e evidenciada, e com certeza com um futuro promissor
que só este colégio poderia oferecer.
Atenciosamente,
(Aluno, escola particular, GO)
A carta seguinte deixa patente, mais uma vez, o poder conferido pelas
juventudes à escola, no sentido de esta contribuir, de forma ativa, para a alteração
dos indicadores socioeconômicos do país, como, no caso, a redução do nível de
desemprego, sem dúvida um dos mais graves problemas nacionais. Vale notar
que o reconhecimento da escola como espaço para a formação de novos
intelectuais também aparece como uma de suas principais funções, reforçando
a noção dominante que associa a capacidade de apreender, interpretar e perceber
inerente ao ser humano ao tempo despendido nos bancos escolares.
Carta VI – Formar novos intelectuais
Caro amigo,
Escrevo-lhe esta carta para lhe passar algumas notícias da minha
escola, (...), e do ensino em geral em Minas Gerais. O nosso ensino ainda
é precário, algumas escolas municipais estão de greve por exigir aumento
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de salário, o que acho certo pois lecionar é um dom de Deus. Mas não
sou a favor da greve pois quem sai prejudicado são os alunos.
Eles deveriam melhorar o ensino do 2º grau, fazer modelo
(preparatório) de vestibular, para quando formarmos, já termos a
preparação para novos caminhos.
E o governo deveria se voltar mais ao 2º grau, pois quem está se
formando agora será o exemplo de amanhã.
Se melhorar o nosso ensino e os nossos benefícios, com certeza terá um
número menor de desempregados se o governo investir mais na escola
com certeza o ensino irá formar novos intelectuais.
(Aluno, escola pública, MG)
Em paralelo, e da mesma forma como centenas de outras cartas de
jovens do ensino médio, deixa transparecer um sentimento de crítica em
relação aos rumos tomados pela política educacional nos últimos anos,
quando a ênfase prioritária se focou, quase que exclusivamente, no ensino
fundamental, o que certamente contribuiu para gerar um forte sentimento
de abandono nos estudantes dos demais segmentos da educação.
Como já sinalizado em outros estudos da UNESCO (ABRAMOVAY et
al., 2001; 2003), uma escola com regras bem definidas – cuja organização
interna se mostre capaz de estabelecer e até mesmo impor parâmetros de
conduta individual e coletiva bem demarcados, capazes de orientar o aluno
tanto dentro quanto fora do espaço escolar – aparece, na visão dos jovens,
como um dos principais papéis a serem desempenhados pela instituição. As
duas cartas que se seguem oferecem exemplos diferenciados dessa expectativa,
uma vez que são representantes de situações também distintas.
A primeira delas traduz, entre outros pontos, a importância da
observação coletiva de regras como mecanismo capaz de instituir limites no
conjunto das relações estabelecidas entre os atores que atuam no espaço
escolar, a fim de se evitar o clima de "bagunça" generalizada, característico
de situações em que a ausência de normas é percebida como estado
permanente. Neste sentido, ainda que a escola seja considerada pelo jovem
como um lugar propício à sociabilidade, ao entendimento e à comunicação,
fica também claro que a instituição deve firmar-se, antes de tudo, como
espaço para além da "festa", onde existam regras bem definidas e observadas
por seus membros.
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Carta VII – Sabe quando tudo parece estar fora do lugar?
Oi fofa, tudo bem? Espero que sim. Comigo está tudo bem, só estou
um pouco chateada pois minha escola está um fracasso. Sabe quando
tudo parece estar fora do lugar?
Aqui está assim, estamos sempre em clima de bagunça, todo mundo
faz o que quer. E o pior é que não estamos tendo apoio nem da direção
e nem dos professores para nada. Ninguém vem conversar com a gente,
saber o que queremos ou o que achamos.
Por isso esta uma zona total. Até eu estou levando a vida da escola
com clima de festa, vou para a classe só para conversar, pois ninguém
fica cobrando nada, então estou nem aí.
Mas, gostaria que tudo fosse diferente que todos, direção, professores
e alunos fossemos amigos. Tudo seria melhor, respeitaríamos uns aos
outros e aprenderíamos a ter limites, o que já perdemos faz tempo.
Estou no terceiro ano por isso não me entusiasmo para tentar mudar
algo, logo sairei daqui. Mas você que está no 1º ano procure fazer
realizações em sua escola, no futuro muitos amigos agradecerão.
Muitos beijos.
(Aluno, escola pública, SP)
Outro aspecto dessa carta é o fato de expressar um profundo desânimo e
descrença na possibilidade de mudanças, justificado pelo estudante
justamente por ele se encontrar na última série do ensino médio. Tal sentimento,
provavelmente construído ao longo de sua trajetória escolar, é que o faz delegar
para outrem – no caso, um estudante do primeiro ano –, a responsabilidade
por efetivar transformações em prol dos demais, demonstrando que a escola
que não cumpre com o papel que lhe é designado socialmente gera uma
enorme sensação de derrota e perda por parte do educando.
Corroborando a anterior, a narrativa a seguir amplia um pouco mais a
noção de "falta de ordem" no ambiente escolar, exemplificando um dos
grandes problemas enfrentados pelas escolas, sejam elas públicas ou privadas,
que se localizam em áreas onde a presença do crime organizado impõe-se como
fator dominante. Na situação relatada, o sentimento de ausência de normas causado
por agentes internos – professores e alunos – conjuga-se àquele decorrente da
ação de sujeitos externos – no caso, bandidos –, gerando uma situação paradoxal,
representada pela inversão no comando e controle das atividades escolares.
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Carta VIII – Tudo é muito sinistro
Fala nego!
Estudo em uma escola onde tudo é muito sinistro.
Aí aqui a gente mata aula a vera!
Os professores faltam mais do que vem trabalhar.
Os bandidos vem pra cá e eles é que mandam.
Quando o bicho tá pegando, já é! Não tem aula.
Gostaria que esta escola fosse melhor, que tivesse ordem e que nós
tivesse mais coisas boas.
Até mais.
(Aluno, escola pública, RJ)
A próxima carta, de um estudante de uma escola particular, faz refletir a
propósito do sentido que pode estar sendo atribuído pelos jovens a
determinados procedimentos educacionais considerados mais "flexíveis",
quando exercidos de forma inadequada ou sem a devida preparação. Apesar
de se referir à sua escola como um espaço onde o aluno é incentivado a
"pensar e não a decorar", a carta não se furta de criticar a forma como essa
premissa é posta em prática em seu interior, uma vez que o despreparo,
tanto do corpo docente quanto do discente, no seu exercício acaba por criar uma
situação que foge ao controle de todos os atores. Tal descompasso, verificado
entre uma determinada intenção e sua efetiva realização, atenta para a
importância que representa, na ótica dos alunos, o estabelecimento de
regras e limites claramente definidos, sejam eles de caráter pedagógico ou
disciplinar, mesmo em ambientes que se pretendam mais informais.
Carta IX – A escola é bastante flexível, não há disciplina alguma
Querida Ana,
Escrevo-lhe para contar as novidades da escola que estudo. Sei que
os colégios de segundo grau (ENSINO MÉDIO) estão querendo somente
fazer com que os alunos passem no tão cruel vestibular, mas não sei se
é isso mesmo que deve acontecer para que o nosso futuro seja melhor...
Existem colégios, aqui mesmo nessa cidade, onde os alunos são
massacrados e vivem escravos dos estudos. Nesse lugar que estudo as
coisas são diferentes, até mais do que poderiam ser...
O aluno é incentivado a pensar e não a decorar, mas, como a escola
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é bastante flexível, não há disciplina alguma: os alunos fazem o que
querem é a coordenação não os pune...enfim, é uma zona, não dá para
estudar porque os professores ficam desanimados.
Acho que um colégio ideal para os dias de hoje seria aquele que além
de preparar para o vestibular, prepara para a vida. Isso na teoria é a
proposta desta escola, mas na prática, fica muito a desejar.
Atenciosamente,
(Aluno, escola privada, GO)
Um outro aspecto importante revelado pela leitura dessas cartas diz
respeito ao fato de os jovens estudantes do ensino médio não admitirem,
por parte da escola, a adoção de posturas, no seu entender, demasiado
condescendentes para com eles. Dentre tais atitudes, a adoção, explícita ou
velada, de procedimentos ou ações, em nível individual ou coletivo, envolvendo
a promoção escolar de forma automática tem papel de absoluto destaque,
uma vez que, na visão desses alunos, implicaria apenas na passagem para
uma série subseqüente sem o devido mérito
9
.
Carta X – Sem saber quase nada...
Caro Amigo,
Estou estudando em uma escola aqui do Rio de Janeiro, onde estou
sentindo que a qualidade do Ensino não anda muito bom.
Sabe, o que mais me preocupa é que tem muitos jovens na minha sala
e posso observar que quase todos passam de ano praticamente sem saber
quase nada. Olha, como você sabe, eu voltei a estudar agora depois de
27 anos parada, voltei na 5ª série e hoje estou na 2ª série do 2º grau,
deu pra ver bastante o quanto o ensino no nosso país está fraco.
Hoje consegui desabafar com você, porque isto me preocupa muito,
não sei se aí é assim também, muitas vezes os alunos não conseguem as
notas desejadas e os professores completam, você acha isso certo? Com
isso nossos jovens não vão se interessar tanto para os estudos porque
vão contar sempre com a ajuda do professor não é mesmo? Sinceramente
9 Vale destacar a existência de um procedimento similar, adotado no ensino fundamental por algumas redes de ensino,
conhecido por "promoção automática". Tal prática, também chamada de "progressão continuada", baseia-se no
sistema dos ciclos. O primeiro ciclo estende-se da 1ª à 4ª série e o segundo da 5ª à 8ª. O aluno passa automaticamente
de uma série para outra, podendo ser reprovado apenas no fim de cada ciclo. Quando o professor percebe que o
aluno tem dificuldades, compete à escola providenciar um programa de recuperação paralela e um adicional de
aulas. Em relação ao ensino médio, tal prática, em tese, não se aplicaria.
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gostaria que isso fosse mudado, fazendo com que o aluno se preocupasse
um pouco mais com os estudos e que os professores soubessem que os
alunos vão ser cobrados lá fora.
Um abraço da sua amiga.
(Aluno, escola pública, RJ)
Tal como nessa carta, são vários os exemplos com duras críticas ao
procedimento antes descrito, o que, por sua vez, contraria diversas outras
narrativas alegando que o maior interesse dos alunos seria simplesmente o
de "passar de ano". Pelo teor das críticas realizadas, essa "condescendência"
da escola parece romper com um dos mais importantes objetivos atribuídos
a ela, uma vez que é interpretada, na maioria das vezes, como demonstração
de absoluto descaso da instituição tanto para com o presente quanto para
com o futuro de seus alunos.
Um outro aspecto importante revelado nas mensagens dos jovens diz
respeito à escola dever se constituir, na sua opinião, em um espaço protegido
na e pela sociedade, capaz de preservá-los da violência que ronda o seu
exterior. Ou seja, na visão de seus alunos, a instituição deveria se mostrar
capaz de livrá-los de situações ou circunstâncias consideradas negativas,
porque são potencialmente perigosas para a sua formação como cidadãos.
A narrativa seguinte vai na contramão desse anseio de proteção e preservação
por parte dos jovens, ao denunciar a persistência de uma dura realidade já
amplamente apontada em diversos estudos promovidos pela UNESCO,
atestando a presença ostensiva do tráfico de drogas e a prática de diversos
tipos de violência no interior do espaço escolar (ABRAMOVAY e RUA,
2002; CASTRO e ABRAMOVAY, 2002; UNESCO, 2003).
Carta XI – Espero que o dono do Brasil se sensibilize com essa situação
A escola hoje, pública, a situação da escola pública em particular está
péssimo, não é nem tanto pelo ensino e sim, pelo dinheiro que o professor
recebe. Deveria ser melhor, pra melhor eles nós ensinar.
Para mim a escola dos meus sonhos deveria ser ótima para todos,
deveria ter fardamento gratuito, material escolar gratuito, até merenda
no 2º grau. Porque tem muita gente que não tem sequer condições de
comprar a farda do colégio que estuda. Sim, acho também que ter
policiamento nas escolas porque existe muita violência e tráfico de droga
nos colégios hoje, principalmente drogas.
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Espero que um dia essa situação precária mude e o homem que
comanda o Brasil se sensibilize com o que a escola pública vem sofrendo.
(...) Espero que o dono do Brasil se sensibilize com essa situação.
Esse é o ensino que gostaria de ter para os meus filhos.
(Aluno, escola pública, PI)
Apesar de imerso num cotidiano atravessado por uma série de obstáculos,
onde os baixos salários dos professores e a falta generalizada de apoio, entre
outros fatores, dificultam – quando não impedem – um desempenho escolar
minimamente aceitável, é interessante notar que o jovem estudante não se
furta de sonhar com um futuro melhor tanto para si quanto para os seus filhos.
Em decorrência disso, por intermédio de sua carta, e a exemplo de centenas de
outros jovens, cobra providências efetivas das autoridades no sentido da reversão
do quadro desfavorável, atestando o alto grau de confiança e esperança depositado
pela juventude no convite à participação a ela dirigido, quando por ocasião da
coleta das informações que servem de base para o presente estudo.
Dentre o rol de situações consideradas adversas e que são enfrentadas no
ambiente escolar, inclui-se a constituição de turmas com jovens considerados
"à margem" na sociedade, demonstrando o quanto esses alunos se encontram
despreparados, ou melhor, não preparados pela própria escola para o convívio
plural.
Carta XII – Continua estudando?
E aí, beleza? Como está tudo aí em Floripa? Continua estudando?
Pois é, minhas aulas estão acabando e eu estou sofrendo demais. Só
de pensar que não vou mais ver os meus colegas e professores me dá um
aperto no coração.
Minha escola deixa a desejar, mas mesmo assim gosto dela. Falta
para nós aulas diversificadas, diferentes, legais. Gostaríamos que tivesse
uma piscina, ginásio de esportes, dança, etc.
Sei que não é culpa da escola por ela ser tão suja, mal organizada e ainda
por cima colocaram uma turma de menores infratores no turno da tarde.
E era isso! Não sei se você vai gostar de conhecer minha escola, mas
os meus colegas são geniais.
Te espero para fazer festa e mais festa.
(Aluno, escola pública, RS)
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Vale notar, todavia, que mesmo diante da série de fatores considerados
adversos ou inadequados no ambiente escolar, o jovem defende a escola,
dirimindo-a da culpa pelas mazelas por ele referidas, numa clara demonstração
do apreço e consideração que tem em relação a ela.
A carta seguinte é exemplo de uma extensa série de outras enumerando quais
as funções que, na opinião dos jovens alunos do ensino médio, deveriam ser
cumpridas pela escola. Nela, a instituição parece inclusive incumbida de
propiciar o rito de passagem entre o ser menino e o tornar-se homem, o que,
por sua vez, deixa transparecer uma concepção de mundo bastante presente
na sociedade e que associa a aquisição de conhecimentos à maturidade.
Carta XIII – Coisas de que me orgulho e coisas que me envergonham
Prezado amigo Thiago
Escrevo esta carta para lhe contar como vão as coisas por aqui na minha
cidade. Na vida eu vou levando do jeito que eu posso, de saúde também
vou bem. Porém queria lhe dizer um pouco mais da escola que estudo.
Estou nesta escola há quase sete anos e presenciei coisas de que me orgulho
e coisas que me envergonham. Por exemplo, é excelente a convivência entre as
pessoas, seja qual for o seu papel aqui, seja professor, aluno, servente, etc.
Uma boa parte dos professores se dedicam bastante para ajudar os
alunos, seja nos estudos, seja na formação ou mesmo na vida pessoal. Isso
ainda está bem longe do ideal, mas ninguém reclama. Era preciso que a
escola se envolvesse mais na vida dos alunos afim de que, conheçam e
possam trabalhar para superar as dificuldades dos mesmos.
Os alunos aqui são um tanto quanto, desorientados quanto ao seu
verdadeiro papel na escola. Não sabem dos seus direitos e deveres e são
acomodados à situação. Isso porque está havendo uma facilidade enorme
para a aprovação, mesmo sem o conhecimento. O índice de reprovação
decresce assim como o nível intelectual dos alunos.
Eu gostaria que não só a minha escola, mas que todas elas investissem
no potencial de seus alunos e os preparassem adequadamente para as
diversas dificuldades da vida, para o futuro emprego e para que os
meninos se tornassem homens de verdade, com participação na vida e no
futuro do país, para que pudéssemos ter a chance de tentar livrar o
nosso país desse caos tão evidente.
Um grande abraço.
(Aluno, escola pública, BA)
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Como também pode ser constatado nessa carta, um maior envolvimento
da escola com seus alunos é algo bastante referido por esse aluno de escola
pública, que almeja uma maior visibilidade, não apenas de si mesmo, mas
de todos os demais jovens no interior da instituição escolar. Por conta disso,
um tratamento mais individualizado, capaz de fazer com que a escola entre,
de fato, "na vida" dos estudantes, foi, várias vezes, referido como uma possível
estratégia de superação das dificuldades enfrentadas pelos alunos, dentre as quais
a desorientação quanto ao papel a ser por eles exercido no ambiente escolar
aparece de maneira recorrente.
A próxima narrativa exemplifica o profundo sentimento de revolta e
impotência que o estudante experimenta quando sente frustradas as expectativas
que alimenta em relação à escola, notadamente quando percebe que a instituição
desconsidera ou se mostra desatenta às suas particularidades, aos seus anseios
individuais.
Carta XIV – Como um papagaio, aprendi a decorar, colar e enganar
a mim mesmo
Caro amigo,
A escola na qual estudo é muito boa, apresenta toda a estrutura e
recursos necessários, assim como excelentes professores. De fato posso
dizer que sou um privilegiado em relação à maioria. Aqui estudamos
Português, Literatura, Língua Inglesa, Língua Espanhola, Química,
Física, Matemática, História, Biologia, Geografia. Bem, como eu disse,
estudo todas essas matérias...Mas, em nenhum momento foi dito que eu
gosto desse sistema!
Eu concluo o Ensino Médio no final deste ano e, no começo do próximo
prestarei vestibular (ah, vou aproveitar esse espaço para dizer que tal é
o método mais injusto, hipócrita e demagogo ao qual um jovem pode ser
submetido... Talvez eu não possa cursar uma faculdade de Direito porque
não aprendi Trigonometria, Óptica ou Cálculos Estequiométricos, apesar de
eu nunca ter que usar isso, devo "provar" que aprendi. Do contrário não
entro na faculdade, onde nada disso é importante. Injusto, não?).
Como pretendo seguir uma carreira ligada à área de Humanas,
gostaria de aprender no colégio Filosofia, Ciência Política,
Sociologia...Enfim, coisas ligadas ao meu interesse, as quais eu realmente
poderia aproveitar (tudo isso tive que aprender por fora - isso é errado
uma vez que aprendi mais coisas fora do colégio do que no próprio - que
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deveria ser útil para o meu aprendizado). Não me envergonho de dizer
apenas que como um papagaio aprendi a decorar, colar e enganar a mim
mesmo e aos professores.
Realmente, espero que nossos filhos possam aprender coisas úteis, que
realmente gostem e lhes seja proveitoso. Sinceramente, é o que mais desejo.
Primeiramente gostaria de agradecer a oportunidade! Espero que minha carta
ajude a mudar algo, pois a pior coisa que existe para um jovem é querer
mudar e sentir-se impotente... Já cansei de falar, falar, falar e só receber
como resposta: "não adianta, você não vai mudar nada. A vida é assim".
Novamente, espero ajudar com essa carta. Por favor, leia-a com atenção.
Desde já agradeço.
(Aluno, escola particular, diurno, RS)
Mesmo reconhecendo o privilégio de sua situação no contexto dos demais
alunos do ensino médio, já que está inserido em uma escola adaptada às
exigências de um ensino de cunho propedêutico, o jovem não economiza
críticas a esse sistema, considerado massificante e opressor. Nessa ótica, tal
como diversos outros estudantes, avalia o processo de seleção ao ensino
superior por meio do vestibular como meio equivocado, por privilegiar o
enciclopedismo em detrimento de conhecimentos específicos e mais
relacionados às suas escolhas profissionais.
A exemplo das demais instituições sociais, o conjunto de atribuições
conferido à escola reveste-se de uma vasta gama de intencionalidades,
expressas em múltiplas correntes de pensamento, cujas premissas vão
depender diretamente da ideologia de que lançam mão para justificar sua
ação e seus conseqüentes desdobramentos. Dentre as correntes mais comumente
referidas, duas assumem papel de destaque: aquelas comprometidas em
conservar ou manter o modo pelo qual a sociedade se organiza em determinado
momento histórico e aquelas engajadas em proceder à modificação, no todo
ou em parte, dessa mesma organização social.
No que diz respeito ao ensino médio em especial, é comum se considerar a
natureza deste segmento como estando profundamente marcada pela dualidade,
ou seja, pela existência de padrões distintos para jovens de diferentes origens
sociais (FREITAG, 1980; BOMFIM, 2003). Em outras palavras, coexistiriam,
no mesmo sistema de ensino, escolas médias direcionadas mais especificamente
para a preparação das chamadas elites, ou melhor, da classe dominante da
sociedade, e outras voltadas para a educação da grande maioria da população.
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Conforme atesta o depoimento seguinte, essa dualidade também é
percebida de forma bem explícita pelos alunos, que reconhecem, pela
ênfase nas disciplinas oferecidas, a existência de alguns estabelecimentos
mais direcionados ao prosseguimento dos estudos e outros mais voltados
para a entrada imediata no mundo do trabalho. A sua inserção em alguma
dessas escolas dependerá, portanto, das próprias expectativas que alimentam
em relação a esse segmento, perspectivas estas que, por seu turno, estarão
fortemente condicionadas à sua origem social e econômica.
Carta XV – Meu colégio não prepara os alunos para o vestibular,
mas sim para o mercado de trabalho
Caro amigo,
Venho por meio dessa, contar um pouco sobre a minha vida e dizer como
andam as coisas por aqui. O ano está quase acabando e a escola também.
Esse ano eu termino o ensino médio, e vou me formar como técnico em
informática. Esse ano também tem o vestibular, mas pra falar bem a verdade,
eu não estou muito preparada, pois o meu colégio não prepara os alunos
para o vestibular, mas sim para o mercado de trabalho.
Enquanto os outros colégios particulares correm atrás de matérias
para o vestibular, preparam os alunos, e o seu maior objetivo realmente
é o vestibular. Já na minha escola, as matérias normais são muito "fracas"
para abrirem espaço para as matérias técnicas, preparando os alunos
para o mercado de trabalho.
Desde o início, eu sabia que a minha escola não preparava para o
vestibular, mas essa foi a minha escolha, prefiro estar preparado para
o mercado de trabalho.
(Aluno, escola particular, PR)
Por fim, quando se trata do papel social da escola, cabe sempre lembrar dois
importantes aspectos. O primeiro diz respeito à premissa de que, embora
prioritária, a atribuição de preparar os indivíduos para o trabalho e para a
chamada prática social não representa o amplo conjunto de idéias atribuído
à instituição escolar. Como já visto, a expectativa em torno da escola é
muito mais ampla, cujo desenho retrata uma instituição verdadeiramente
polivalente, capaz, em tese, de ocupar uma série de diferentes espaços no
contexto social, seja no suprimento, seja no oferecimento de oportunidades
para que esses jovens alcancem seus objetivos. Lidar com essa ampla
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margem de desejos apresenta-se, portanto, como um dos maiores, se não o
maior, desafio da escola na contemporaneidade.
O segundo ponto – que, na verdade, decorre do anterior – repousa no
pressuposto de que, justamente por se tratar de "papel social", nem sempre o
conjunto das funções socialmente atribuídas à escola se processa exatamente
do modo como foi ou é idealizado, ou seja, sem alterações ou mudanças de
rumo. Isto porque o próprio exercício do papel social envolve, em grande medida,
uma boa dose de "criatividade no comportamento social" (JOHNSON, 1997,
p. 169). Em outras palavras, e conforme bem pontua Piletti (1985), antes de
estanque, o papel a ser exercido pela escola na sociedade possui uma íntima
relação com a base dinâmica que caracteriza o chamado status social, o que
possibilita à instituição abrir espaços para improvisações e adaptações criativas
frente às inúmeras demandas que lhe são socialmente dirigidas.
É nessa direção que a carta seguinte se coloca. Dessa maneira, ao realizar
um inventário tanto dos aspectos positivos quanto de algumas das mazelas
vivenciadas por sua escola, o aluno não se limita à simples constatação. Ao
contrário, e a exemplo de muitas outras cartas, com base na dura realidade
em que se encontra inserido, ao reconhecer a escola como espaço legítimo
de proteção e convivência social, propõe uma dinamização de seu papel,
sugerindo que a instituição, do mesmo modo como já vem ocorrendo em
uma série de outros lugares (ABRAMOVAY, 2001; 2003), abra suas portas
à comunidade aos sábados e domingos, oferecendo atividades variadas,
configurando a escola como espaço democrático.
Carta XVI – Nos sábados e domingos as escolas deveriam ter uma recreação
Olá, tudo bem?
Estou escrevendo para lhe contar tudo sobre a minha escola. Tem uma
diretora que é muito eficiente, se preocupa com a infra-estrutura do colégio
e com o bem estar educacional de cada aluno, presta contas com a gente
de como é gastada a verba que o governo manda pra as escolas públicas,
colocando no mural da escola xerox de todos os recibos, dela eu não tenho
o que reclamar. Os professores daqui são bons, de vez em quando eles
faltam e nós somos obrigados a ficar sem aula.
Eu acho que não depende só da professora ensinar e sim o interesse
do aluno a aprender, pois se o aluno não tiver força de vontade nem o
melhor professor do mundo consiguirá lhe ensinar. A escola onde eu
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estudo é boa, bem organizada, eu acho que quem faz a moral da escola
dizer se ela é boa ou não é o próprio aluno.
O que eu acho que falta nela são laboratórios de pesquisa, aulas de
computação pra pessoas que não tem condições de pagar um curso, pois
é muito caro. E nos sábados e domingos as escolas deveriam ter uma
recreação, onde todo mundo pudesse vir brincar, jogar bola, se divertir,
dentro da própria escola, pois do jeito que o mundo anda não dá para
as crianças estarem brincando no meio da rua correndo o risco de ser
atropelado de uma bala perdida e outras coisas, pois a escola oferece a
segurança que toda criança precisa.
(Aluno, escola pública, PI)
2.2. ENSINO MÉDIO: O QUE ESPERAM OS ESTUDANTES
A continuidade nos estudos, a formação ética e a preparação para o trabalho
e para a cidadania, objetivos maiores do ensino médio, foram algumas das
questões mais recorrentes nas cartas disponibilizadas. Diante da importância
conferida pelos estudantes a esses temas, cuja repercussão afeta diretamente
o seu cotidiano intra e extramuros escolares, no presente item, tais objetivos
serão abordados, a partir da ótica dos jovens. Antes da apresentação das cartas
que compõem este item, cabe, no entanto, traçar um brevíssimo painel a
propósito do ensino médio no Brasil.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394,
de 20/12/96), em seu artigo 21, posiciona o Ensino Médio no contexto da
Educação Básica. Deste modo, é entendido desde então como etapa final e
inalienável de um processo educativo que tem início com a educação infantil
e o ensino fundamental, reconhecimento este que, segundo Cury (2000, p. 576),
representa uma conquista, especialmente por conferir ao segmento caráter
formativo. Domingues, Toschi e Oliveira (2000) explicitam um pouco mais
o significado dessa vitória ao assinalarem:
O Ensino Médio foi configurado na LDB (Lei nº 9.394/96) como a última
etapa da educação básica. Esse fato novo se deu num momento em que a
sociedade contemporânea vive profundas alterações de ordem tecnológica e
econômico-financeira. O desenvolvimento científico e tecnológico das últimas
décadas não só transformou a vida social, como causou profundas alterações
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no processo produtivo que se intelectualizou, tecnologizou, e passa a exigir
um novo profissional, diferente do requerido pelos modelos taylorista e
fordista de divisão social do trabalho. A sociedade contemporânea aponta
para a exigência de uma educação diferenciada, uma vez que a tecnologia
está impregnada nas diferentes esferas da vida social. (P. 66)
Ainda segundo esses autores, o entendimento do Ensino Médio tanto
como segmento de cunho formativo quanto como parte integrante da educação
básica estaria em sintonia com o contexto educacional da atualidade. Tal sintonia
estaria traduzida naquelas que se constituem, na LDB/96, as principais
finalidades dessa etapa, quais sejam:
- consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
-preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade
a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
- aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
- compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada
disciplina.
Vale destacar que a "preparação básica para o trabalho" não se confunde
com as habilitações profissionais, obrigatórias na Lei nº 5.692/71 e facultativas
na 7.044/82, o que constitui uma mudança estrutural decisiva na
organização dos cursos. A LDB/96 acena essa separação quando enuncia
que o educando poderá ser preparado para o exercício de profissões
técnicas, desde que se atenda à formação geral.
O ensino médio é o nível educacional que vem apresentando, nos
últimos anos, as mais expressivas taxas de crescimento de todo o sistema. É
interessante observar que, em 1991, o total de matriculados era de
3.772.698 alunos. Em 2004, dados do censo escolar daquele ano
demonstram que esse número se elevou para 9.169.357, representando um
incremento que ultrapassa a casa de 140% no período. Note-se que cerca
de 88% desses alunos estão concentrados na rede pública.
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Matrícula inicial no ensino médio, segundo dependência administrativa.
Fonte: Inep: Sinopse Estatística da Educação Básica 1991-1995; Sinopse Estatística 2000; Censo Escolar 2004.
No que se refere ao oferecimento desse tipo de ensino pelos sistemas, e em
consonância com o que preconiza a LDB/96, são as secretarias estaduais de
educação as principais responsáveis por ele, perfazendo 85% do total geral de
matrículas. Da mesma forma que no ensino fundamental, a distorção
idade/série verificada no ensino médio é um grande desafio a ser enfrentado:
em 2002, cerca de 50% dos matriculados nesse segmento tinham, em média,
dois anos a mais do que a idade esperada para a série que estavam cursando.
Números mais recentes, divulgados na Síntese de Indicadores Sociais
2004/IBGE, dão um panorama ainda mais abrangente sobre a defasagem escolar
que atinge a juventude brasileira. Do total de jovens entre 18 e 24 anos que
estavam na escola em 2003, apenas 31,7% encontravam-se no ensino superior,
ou seja, no segmento apropriado para aquela faixa etária; 41,8% cursavam o
ensino médio e 20,4% ainda estavam retidos no ensino fundamental.
Por meio desse nível de ensino, ainda inacessível à grande maioria dos
brasileiros, legitimou-se uma série de diferenças instituídas socialmente.
Em 1955, ou seja, há exatos 50 anos, a cada 100 alunos que ingressavam
no curso secundário, apenas 14 chegavam a concluí-lo. Os demais 86 iam
ficando pelo caminho, frustrados, vencidos e descontentes (MEC, 1956).
Apesar de ainda crítica, a situação apresentou, no desenrolar dos anos,
acentuadas melhorias em termos quantitativos. Segundo dados da publicação
Geografia da Educação Brasileira 2001, produzida pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), 74% dos alunos que entram
no ensino médio conseguem concluí-lo. Essa taxa é acentuadamente maior do
que a do ensino fundamental, em cujo segmento 59% dos que nele ingressam
conseguem terminar os oito anos de escolaridade devidos.
Os estudantes que concluem, sem interrupção, essas duas etapas
educacionais gastam, em média, 10,2 anos para passar pelas oito séries do
ensino fundamental e 3,7 anos para completar as três séries do ensino
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médio. No total, leva-se 13,9 anos para cursar os dois segmentos, quando
o ideal seria o de que se pudesse terminá-los em 11 anos.
Os egressos do ensino fundamental e o retorno dos que haviam deixado
a escola criam um quadro no qual se alia, de um lado, uma grande explosão
da demanda e, de outro, uma acentuada diferenciação da clientela, uma vez
que esta última volta aos estudos com objetivos bem definidos, gerando
expectativas de natureza bastante difusa. A carta seguinte exemplifica de
forma modelar essas situações. Matriculado na rede estadual de ensino gaúcha,
o estudante, certamente numa faixa de idade acima da ideal, anuncia o seu
retorno aos estudos em busca de uma melhor qualificação, em face das
novas demandas impostas pelo mercado de trabalho, objetivando ingressar
no nível superior.
Carta XVII – Voltei a estudar
À Secretaria de educação e cultura,
Voltei a estudar, por achar que as condições de trabalho, estavam exigindo um
pouco mais do que eu realmente tinha, e que deveria aprender um pouco mais.
Gostaria que meu amigo (a) oculto, intercedesse junto aos órgãos
competentes para que se o ensino médio, fosse mais forte, no sentido de
que eu e os demais alunos, pudéssemos ingressar em uma faculdade sem
toda aquela preocupação com vestibular. E também que o auxílio financeiro
fosse estendido, a todos os que obtivessem boa nota, no ensino médio.
Sou também a favor dos cursos técnicos, pois abrem portas para os
estudantes terem condições de trabalhar e manter-se estudando e fazendo
novas carreiras e ao fazer estes trabalhos auxiliam muito outros estudantes
que, venham apresentando algumas dificuldades.
Trabalhos escolares com fim em pesquisa, trabalhos diretamente com
comunidades, principalmente com atuação direta no assunto. Fortalecer
bem no ensino médio, para outros benefícios futuros.
(Aluno, escola pública, RS)
Vale destacar a consciência desse aluno a respeito das dificuldades que
enfrentará, na condição de estudante da rede pública, para o alcance de seus
objetivos, consciência esta expressa pelo pedido que dirige à Secretaria
Estadual no sentido de esta possibilitar-lhe um ensino médio "mais forte",
ou seja, capaz de garantir o seu ingresso na universidade "sem toda aquela
preocupação com o vestibular".
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De acordo com números de 2002 (MEC/Inep), o turno de maior afluência de
alunos do ensino médio é o noturno. Assim, observa-se que, naquele ano, mais
da metade da clientela desse segmento (55%) freqüentava cursos nesse período.
Entretanto, a despeito da maioria das matrículas estar concentrada no chamado
terceiro turno, o atendimento à população que freqüenta a escola nesse horário
é, muitas vezes, relegado a um plano completamente secundário (ANDRADE,
2004), conforme relata a carta de um estudante do Rio de Janeiro. Assim, se
durante o período diurno já são enfrentados problemas das mais distintas
matizes, no período noturno, tais dificuldades ganham proporções ainda
maiores, fazendo com que os estudantes se sintam abandonados a ponto de
reclamarem, com ironia, da sociedade ignorar a existência desse turno.
Carta XVIII – A maioria das pessoas pensa que ninguém estuda à noite
Querido amigo,
Estou cursando o 3º ano do ensino médio à noite por precisar trabalhar
durante o dia. Quando se fala em curso noturno a maioria das pessoas
pensa que ninguém estuda à noite, mas essa afirmativa não é de todo
correta, muitos como eu precisam ter a responsabilidade de vir ao colégio
para estudar.
Meu colégio é bom, em vista de muitas estórias que escutamos por aí,
faltam algumas coisas, mas o básico acho que temos. O que mais me preocupa
com relação aos erros do colégio ou da secretaria de educação, é a falta
de professores, onde já se viu um terceiro ano, período de vestibular e
você ter que se preocupar com a falta do professor de Química ou Física
como é o nosso caso? É um absurdo não é? Mas acho que tudo melhora
se o governo principalmente o governo, se preocupa com a educação.
Amigo, espero resposta sua, contando que você tem uma melhor que a
minha e que você possa concluir seu Segundo Grau em paz.
Boa Sorte!
(Aluno, escola pública, RJ)
A escola, já dizia Anísio Teixeira em 1933, é, para a sociedade, a grande
"culpada de tudo". Naquele período, a revolução de 30 representava uma ruptura
política e também econômica, social e cultural com o Estado oligárquico vigente
nas décadas anteriores, sendo que o momento era de grande efervescência.
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A transformação porque passou a juventude atual, nos seus métodos de vida, nas suas
coragens de ação é interpretada como uma singular crise de caráter. A nova geração
está perdendo a forte marca antiga da disciplina, solidez e segurança que fazia a
honra da geração estável, conformada e cumpridora de deveres que foi... a geração
anterior. E não falta quem culpe a escola... As escolas passam, com efeito, por
transformações alarmantes. A velha autoridade dos mestres já não é a mesma, sequer
existe ainda. A própria autoridade dos livros começa a ser posta em dúvida... Assim fala,
expressa ou tacitamente, o reacionário, que vive dentro de cada um de nós, repetindo
a eterna linguagem dos reacionários de todos os tempos. (TEIXEIRA, p. 8, 1933)
Também nos anos 50, as mazelas crônicas da educação continuaram a
ser atribuídas à instituição escolar. Em documento elaborado pelo
Ministério da Educação e Cultura daquele período, tal compreensão fica
claramente expressa quando se afirma que a culpa dos problemas que
caracterizam o quadro educacional então vigente "não é do estudante, mas
da escola que não está adaptada às novas situações".
Ministrando educação verbalista, os cursos secundários não preparavam os
alunos para cousa nenhuma da vida. Nem sequer pode o aluno aspirar a um
emprego de segunda ordem em um escritório, de vez que não ensinaram a
escrever à máquina. (MEC, 1955)
Quase 50 anos depois, jovens alunos do ensino médio analisam a relação da
escola com o seu futuro, de forma semelhante, conforme atesta a carta a seguir.
Escrita por um estudante incrédulo diante da certeza do sucesso promovido
pela escola para os estudantes do ensino médio, manifesta sua desilusão
diante dos resultados alcançados por um grande contingente da população
que está concluindo esta etapa da educação.
Carta XIX – Dizem que o ensino médio é o ensino para a vida
Meu caro amigo,
Estou lhe escrevendo para lhe contar algo sobre minha escola, a famosa
e bem falada escola estadual (...). Você imagina que nesta estudam
aproximadamente cerca de 4000 alunos, não é pra qualquer uma.
Levando em conta esses atributos que eu me orgulho de poder freqüentar
tal colégio, se bem que com algumas "reformas" esse sim seria um verdadeiro
colégio modelo, se bem que não é necessário tantas coisas, era só haver
uma sala com computadores, não só para pesquisa, mas sim para a
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aprendizagem, pois uma das armas mais usadas no mercado de trabalho
atualmente é o computador.
Dizem também que o ensino médio é o ensino para a vida, mas eu não
sei se é bem assim, antes tinha cursos profissionalizantes e agora nada,
poderia voltar isso também, poderia haver palestras com especialistas em
diversas áreas do mercado de trabalho, para não acontecer como muitas
coisas do aluno chegar no 3º ano e não ter nada projetado na sua vida
estudantil em relação à faculdade e também deveria haver alguns projetos
para pelo menos termos algo relacionado ao esporte e também uma biblioteca
com um ótimo material de estudo e lazer.
Se isso fosse realmente levado em conta e devidamente analisado e
concluído não haveria tanto analfabetismo no Brasil, assim o aluno se
viria induzido a ir para a escola, pois saberia que lá ele não ficaria
sem ter o que fazer, pois pelo menos algumas dessas tarefas ele se
interessaria a fazer o que gosta e começaria a gostar de fazer o que não
lhe agrada.
(Aluno, escola pública, PR)
Nesta carta, embora se vislumbre a importância atribuída à educação
para a transformação do país, se evidencia também que, apesar das chances
de chegar ao ensino médio tenham se ampliado de forma considerável, nas
últimas décadas, as condições de permanência, com resultados positivos, é
ainda pequena para uma grande parcela dos estudantes.
Tarefas maçantes, escassez de cursos profissionalizantes, falta de materiais
didático-pedagógicos e de atividades de esporte e lazer acabam tornando o
ensino estéril e sem sentido para muitos alunos. Corroborando a experiência
narrada na carta anterior, a próxima também mostra as inúmeras
dificuldades por que passam muitos daqueles que freqüentam o ensino
público no país.
Carta XX – Não sei nem trabalhar com o gabarito
Oi Regi, tudo bom?
Espero que sim. Estou lhe escrevendo estas poucas linhas para lhe
manter a par do que se passa aqui no meu colégio. O rendimento dos
alunos não está bom, talvez falte interesse de nós alunos, e criatividade
por parte dos professores.
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Você acredita que meu professor de física é difícil de aparecer no colégio,
e quando vai não explica nada, só enrola.
Há! Eu estava pensando em fazer o curso de informática, mas a mãe
está desempregada e não vai poder pagar, bem que a escola que eu estudo
deveria oferecer um desses cursos profissionalizantes más...
Em 2003 vou prestar vestibular, mas não sei nem trabalhar com o
gabarito, meus professores falarão que iam dar simulado para nós, mas
acho que esqueceram. Regi no próximo mês volto a escrever.
Um beijo
(Aluno, escola pública, AC)
A carta em questão revela o quadro caótico de algumas escolas, que, além
de possuírem um corpo docente ausente e pouco preocupado com o
aprendizado dos alunos, não possuem um projeto pedagógico comprometido
com o atendimento das demandas de sua clientela. Assim, segundo as cartas
analisadas, preparar os alunos para a continuidade dos estudos ou para cursos
profissionalizantes são objetivos ainda longe de ser cumpridos por muitas
escolas deste país, cujo resultado é a negação aos alunos da oportunidade de
uma formação mais sólida.
De modo geral, as cartas também mostram que os estudantes de ensino
médio, longe de se constituírem uma categoria homogênea, vivenciam
experiências escolares bastante distintas, em decorrência de muitos fatores,
tais como: origem social, local onde residem, escola em que estudam etc. A
diversidade das demandas dos que procuram finalizar a educação básica
acaba por restringir as escolhas dos jovens ao ensino que é possível e não ao
desejado. Como afirma Mitrulis (2002), são jovens que estão em busca ou
que já alcançaram autonomia na vida pessoal e profissional, portadores de
visões de mundo, trajetórias de vida, experiências profissionais, convicções
políticas e religiosas e compromissos familiares diversos. Assim, o tempo
que esses alunos permanecem na escola tem ou deveria ter um significado
mais expressivo para seu presente e para seu futuro.
Estudar em uma escola particular não significa, necessariamente, ter
uma experiência mais eficiente ou prazerosa. Tal como outras, a carta a
seguir, proveniente de um aluno da rede particular, revela que estudar nesse
tipo de estabelecimento pode ser bastante penoso e frustrante.
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Carta XXI – O ensino médio ficou reduzido a um só objetivo: passar
no vestibular
Caro amigo,
Eu venho por meio desta colocar-lhe a par da minha situação estudantil.
Minha escola é a melhor de minha cidade apesar de não contar com
muitos recursos como computadores e laboratórios, seu ensino tem qualidade
inigualável na região, por este ponto eu deveria estar satisfeito, mas eu
não concordo, não com minha escola, mas com o método de ensino no
Brasil por achar que o ensino médio ficou reduzido a um só objetivo: passar
no vestibular.
O vestibular, na minha opinião, é uma maneira arcaica de avaliação do
aluno e até por não avaliar e sim selecionar alunos e como não há investimentos
suficientes na educação a um grande déficit no número de vagas o que faz
uma seleção mais dura exigindo um grande conteúdo supérfluo.
Eu sonho com uma escola na qual você não seja pressionado a passar
no vestibular, que você não precise aprender matérias supérfluas como
orações subordinadas substantivas objetivas diretas reduzida de infinitivo,
algo quando eu passar no vestibular eu não vou usar para nada, e uma
escola que tenha ensinos voltados já para um eventual curso de
Engenharia.
Como se pode ver não sonho com algo impossível, sonho apenas com
um ensino mais civilizado.
(Aluno, escola particular, GO)
A carta anterior denota o enorme desafio por que passam, hoje, as escolas
de ensino médio, públicas ou particulares, que têm como meta a superação
da velha ruptura que posiciona o ensino propedêutico, de um lado, e a
formação profissional, de outro. Ou seja, o ensino propedêutico entendido
como sinônimo de preparo dos alunos à concorrência dos vestibulares e a
formação profissional visando à obtenção de emprego para os jovens alunos.
A crítica desse aluno recai na organização curricular, na seleção dos conteúdos
etc., isto é, no próprio projeto político-pedagógico do ensino médio que,
segundo a narrativa, em vez de privilegiar o processo de formação, se
restringe à obtenção de um produto final, nesse caso o passar no vestibular.
Essa perspectiva vai ao encontro do postulado por Buarque (2005), quando
este recomenda que a educação não seja compreendida como um simples
meio para a obtenção de coisas, mas como um valor em si.
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O ensino médio é a continuação natural, consolidação e aprofundamento
dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental e, ao mesmo tempo,
a etapa de preparação para a aprendizagem futura, seja no ensino superior,
no mundo do trabalho ou na educação profissional. Neste contexto, as
expectativas manifestas nas cartas são tão diversas quanto as dificuldades
encontradas.
A carta que segue ilustra bem a visão dos estudantes sobre as principais
finalidades do ensino médio, em que o vestibular e o mercado de trabalho
constituiriam os seus alvos principais:
Carta XXII – Entrar no mercado de trabalho mais cedo
A escola que eu estudo não é lá essas coisas, mas o ensino é muito
bom em alguns professores, já tem outros professores não é a mesma coisa,
por quê? Por exemplo, na matéria de português o professor explica muito
ligeiro e quando a gente pede para ele explicar de novo, ele fica com
enguinorança.
Eu queria para a minha escola, mas não só pra mim, para todos, uma
reforma na quadra de lazer, alguns eventos como festas para os alunos se
divertirem, mas a vontade e também, mas responsabilidade dos professores
como, por exemplo, não enguinorando alunos, não faltando as aulas, não
grevando, porque isso só prejudica nós os alunos.
Eu gostaria também que tivesse um laboratório de informática para
que todos pudessem ter um desenvolvimento melhor no seu aprendizado,
e também gostaria que tivesse cursos para que os alunos possam entrar
no mercado de trabalho mais cedo, podendo assim ajudar aos seus pais em
casa com o seu 1º emprego. Também gostaria que a ordem da coordenação
e diretoria do colégio fossem cumprida devido suas normas.
Como assim? Fazendo uma reforma geral no colégio inteiro, colocando
ar condicionado em suas salas, tendo mais ingiene nos banheiros e na
cantina da escola.
"Eu não sou o dono do mundo, mas sou o filho do dono".
(Aluno, escola pública, PI)
Alvo de reforma promovida pelo Ministério da Educação a partir de 1998,
o "novo ensino médio", como é chamado pelo MEC, retoma, por intermédio
da separação entre formação geral e ensino profissional, a dualidade que
marca a tradição da nossa escola secundária ao longo da história. Deste modo,
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e conforme aponta Bomfim (2003), o contexto de expansão acentuada do
ensino médio – agora entendido como última etapa da educação básica,
que torna este nível de ensino um prolongamento "natural" do ensino
fundamental – traz, portanto, como uma de suas mais urgentes prioridades,
a necessidade de se pensar em uma proposta educativa para o segmento,
formulada em bases mais democráticas, que se mostre capaz de atender à
heterogeneidade dos setores que a procuram, sem reforçar as desigualdades
sociais já existentes na sociedade brasileira.
Uma outra expectativa dos jovens do ensino médio bastante presente nas
cartas é a de receberem um tratamento diferenciado, de forma que suas
características individuais possam ser observadas e atendidas. Reivindicam,
assim, uma escola capaz de incluir e valorizar o diferente, tornando-se um
espaço de igualdade de oportunidades. Entretanto, a denúncia feita a seguir
por um jovem aluno demonstra os efeitos concretos de uma política que, na
realidade, não traz oportunidades para todos, haja vista a precariedade e a
falta de condições materiais por que passa grande parte das escolas brasileiras.
Escrita em tom de extremo sarcasmo e revolta, a carta constitui um exemplo
lapidar da capacidade crítica das juventudes. Como pode ser notado, o
espectro de tal criticismo é bastante amplo, abrangendo aspectos que vão
desde as péssimas condições físicas da escola, passando pela falta de compromisso
e despreparo dos professores, até a conclusão de que, na verdade, a conjunção
de tantas limitações vivenciadas pelos estudantes do ensino médio seria a
parte menos visível de um projeto político cujo objetivo seria o de formar
pessoas "médias", ou seja, também pela metade, num trocadilho com a
designação desse segmento educacional.
Interessante é também ressaltar que andar à toa pelas ruas, durante o
período de aulas, em vez de desenvolver atividades de cunho escolar, e ao
contrário do que se poderia supor, de forma alguma representa uma
condição prazerosa para os jovens. Diante de tal situação, estes, na verdade,
parecem experimentar um sentimento de profundo abandono, cuja origem
seria decorrente da negação de seus direitos.
Carta XXIII – Ensino médio, o ensino pela metade
Olá como vai você? Eu estou bem. Mudei de colégio e esse novo é bem,
"legal". Sim isso mesmo você precisa ver como as paredes são cinzas, e os
banheiros todos quebrados e mau cuidados, os vidros são quebrados, as
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carteiras também, as paredes estão pixadas e pelo tipo não são pintadas
há anos, mas isso é só detalhe. Mas você precisa conhecer os professores,
são tão bons coitados! Eles quase não sabem se expressar em sala de aula.
Mas tem sempre uma vantagem; todos os dias falta pelo menos um professor,
tem dia que venho até "isso aqui" para assistir apenas uma aula, porque
todos resolveram pegar licença juntos. Mas você acha que eu volto para
casa? Não, eu fico é pras ruas, não tenho nada mesmo o que fazer.
Mas você acha que eu gosto disso? Eu odeio!. Acho isso uma vergonha,
querem mais "massa de manobra" é isso? Na verdade querem um povo
incapacitado. E o que nos ensinam? E como nos ensinam? E certas coisas
pra quê nos ensinam? Para que não possamos incomodar ninguém que acha
que é melhor do que os outros que se encontram nessa nação miserável e
desgraçada que infelizmente tornou-se o Brasil. Depois reclamam que os
jovens não querem aprender, mas isso é lógico, quem é que quer aprender
com professores despreparados? Mas isso já vem do nome do ensino
(Ensino Médio) é tudo pela metade, nossa média é 50 (metade de 100).
O que nos ensinam aqui é a metade do que ensinam em colégios pagos,
assim eles querem, homens e mulheres pela metade também, um povo
dividido; apenas a ignorância querem que seja integral.
Sou a favor de uma 3ª guerra que detone com tudo, não tenho nada
além da minha revolta, não sou nem cidadão. Quero que esse ensino pela
metade se exploda. Isso não é só.
Escreva-me também, mas se o seu colégio é público... não precisa nem
dizer como ele deve ser. Eu já imagino.
(Aluno, escola pública, PR)
A falta de laboratórios de ciências e de acesso à Internet para quase
metade dos alunos e de bibliotecas, quadras e laboratórios de informática,
para cerca de um terço deles, desenha um quadro de acentuada desvantagem
para boa parte dos alunos que estudam no ensino médio brasileiro
(ABRAMOVAY e CASTRO, 2003). Entretanto, a despeito de todos os
problemas experimentados pelo e no ensino público, os jovens e suas
famílias continuam a construir estratégias capazes de garantir e prolongar
sua permanência na escola. Tal situação é interpretada por Abramovay et al.
(2001) e Minayo et al. (1999), dentre diversos outros autores, como
conseqüência de a escola ainda representar, para a grande maioria da
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população, uma possibilidade concreta de mobilidade social. Nessa
perspectiva particular, a instituição, em si, não se constitui alvo de
questionamentos ou reprovação, ao contrário do que ocorre com o tipo de
ensino por ela oferecido, considerado deficiente, tal como bem ilustra a carta
apresentada a seguir.
Carta XXIV – Quero ir para uma escola do meu sonho
Oi amigo tudo bem com você, comigo está indo a vida como deve ir.
Amigo estou indo bem no meu estudo porque quero vencer na vida e
tenho interesse de aprender. Mais não sei se posso ir pra frente porque
a escola que estudo não tem capacidade de nem levar onde quero ir
"vestibular". Os estudos são fracos, o ensino está atrasado. O ambiente
não é adequado para aprender, a sala é quente, os professores faltam
muito e as greves acabam prejudicando mais ainda.
Quero sair dessa escola, quero ir para uma escola do meu sonho que
tenha professor capaz de ensinar sem vergonha e ter orgulho de passar
o que aprendeu para os alunos. Numa escola organizada com ambiente
adequado para estudar e aprender e me leva no futuro melhor que um
dia eu possa pisar numa faculdade e fazer o vestibular sem dificuldade.
Para não deixar as pessoas de outro lugar ou país que vem ocupar lugar
nosso. Meu amigo isso acontece porque eles estudam numa escola
adequada para aprender e seus governantes gastam nas suas escolas, e
a nossa escola que faz parte do governo é fraco e ele não quer gastar em
estudo para que não consigamos nossos direitos de cidadãos.
(Aluno, escola pública, PA)
Nos dias de hoje, ainda perdura o caráter seletivo do ensino médio.
Nesse sentido, as "aptidões" ou os privilégios que a origem social dos alunos
lhes confere são a porta de entrada para um ensino que possibilite melhores
oportunidades. Segundo Kuenzer (2001), o caráter seletivo do ensino médio
não se faz presente apenas pelo acesso a esse nível de ensino, mas também
pela natureza da formação por ele oferecida – acadêmica ou profissionalizante
– (...) típicas de uma sociedade dividida em classes sociais, às quais se atribui
ou o exercício das funções intelectuais e dirigentes, ou o exercício das funções
instrumentais. (p.26)
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A distância entre o que é evocado pela lei, a expectativa dos alunos e o que
lhes é efetivamente oferecido pelos sistemas educacionais acaba por se constituir
num impeditivo intransponível para muitos dos que vislumbram nessa etapa
de ensino a chance derradeira de obter conhecimentos capazes de auxiliá-los
na preparação para um futuro mais promissor. A freqüência a cursos noturnos
certamente contribui ainda mais para o agravamento dessa situação, conforme
atesta a carta desiludida que foi escrita por uma estudante mineira.
Carta XXV – Só me resta entrar na fila de emprego dos despreparados
para o mercado de trabalho
Querida Helena,
Hoje é o dia da minha formatura. Foram três anos de estudo nesta
escola. Como estudei no período noturno sinto que fiquei prejudicada, pois
há um descaso com o terceiro turno.
Parte dos professores não tem dedicação com a aula, não explicam a
matéria, não elaboram trabalhos dinâmicos, enfim, só vem à escola para
bater cartão, quando vem. A escola não promove eventos educativos como
feiras e excursões.
Estou muito decepcionada com o ensino público e não me sinto apta a
enfrentar o vestibular, pois os concorrentes que estudaram em boas escolas
estão mais preparados.
O meu sonho era ter estudado em uma escola que tivesse bons professores
e com interesse de dar aulas, uma escola que motivasse os alunos com
eventos extraclasse, que elaborasse provas semelhantes ao vestibular. Mas
infelizmente uma escola assim é para quem tem condições de pagar a
mensalidade, e assim o ensino vai ficando cada vez mais elitizado, pois o
jovem que cursou uma boa escola tem mais chances de entrar na faculdade.
Só me resta agora pegar meu diploma de 2º grau e entrar na fila de
emprego dos despreparados para o mercado de trabalho.
Beijos da sua prima!
(Aluno, escola pública, MG)
A educação profissional de nível médio aparece na maioria dos depoimentos
como sonho e, ao mesmo tempo, como a garantia negada de uma inserção
profissional. Há um sentimento de responsabilização pessoal pela dificuldade de
conseguir emprego em um mercado que se apresenta bastante competitivo, assim
como experiências vividas que revelam dificuldades, quando se fala em emprego.
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Embora as diretrizes curriculares para essa etapa do ensino dêem especial
atenção a uma educação que promova a compreensão do processo histórico
de transformação social e cultural, algumas cartas denunciam a distância
existente entre tal finalidade e o efetivamente vivenciado no cotidiano dos
jovens. A mensagem seguinte sinaliza como o fechamento do foco escolar
em apenas um objetivo – no caso, o sucesso nas provas de vestibular – contribui,
ao contrário do esperado, para o desestímulo e a revolta da aluna, que,
ressentida pela ausência de uma formação mais voltada para o exercício da
cidadania, sente-se, por conta disso, destituída de sua própria humanidade.
Carta XXVI – Máquina de aprovação
Gostaria de te contar o quanto estou estudando para o vestibular:
desde colocação pronominal à química orgânica. Este ano aprendi tanta
coisa, mas tudo visando o vestibular, objetivo do meu colégio, acho até que
nós alunos estamos sendo tratados apenas como máquina de aprovação
deste grande desafio. O meu crescimento é perceptível enquanto aluna
visto que domino assuntos até então desconhecidos, mas me surge um
desapontamento quando penso que o ensino médio não forma cidadãos,
apenas vestibulandos, de certa forma alienados e despreocupados com o
futuro do Brasil.
Acho um disparate os alunos aprenderem o que é "metil" ou "logaritmo"
sem antes compreenderem a situação política brasileira, noções de sociologia,
economia ou ética: assuntos que estimulam o desenvolvimento da cidadania
formando seres críticos e pensantes, com capacidade além de apenas
memorizar ou assimilar opiniões já formadas.
Espero que meus filhos tenham oportunidade de aprender esses temas
no ensino médio além de aprender como enfrentar um desafio (vestibular).
Mas, sinceramente, sei o quão utópico é meu desejo, pois não é interessante
paras as escolas (tanto públicas como privadas) formarem pessoas críticas:
isso não dá ibope e mostra as grandes falhas do sistema. Enquanto fica
idealizando a escola de meus filhos, luto por um Brasil mais digno.
Espero que você faça o mesmo. Cordialmente.
(Aluno, escola particular, MG)
Vale destacar que, em nível mais geral, a situação relatada pelo estudante
também contradiz o preconizado nas diretrizes curriculares emanadas para
todos os segmentos da educação brasileira, onde a importância da narrativa
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81
e do diálogo como instrumentos de acesso ao conhecimento e de exercício
de cidadania assumem papel de destaque
10
.
Conforme pôde ser comprovado ao longo do presente capítulo, as cartas
dos jovens estudantes do ensino médio falam por si. Ainda que, em algumas
vezes, se apresentem de forma pulverizada ou mesmo fragmentada, possuem
todas um ponto básico comum, ou seja, representam análises circunstanciadas
da situação em que se encontra o ensino médio no país.
Por essa razão é que se afirma que as narrativas aqui contidas, escritas em
diferentes tons – de denúncia, de reivindicação, de enaltecimento, de esperança,
de sonho –, se ouvidas, muito podem contribuir para possíveis avanços na
área da educação, já que traduzem a expressão legítima dos alunos, sujeitos
que vivem o dia-a-dia da escola e, por isso, são capazes de avaliar as políticas
e serviços a eles destinados, propondo soluções e participando da decisão
sobre aquilo que afeta diretamente tanto o seu presente quanto o seu futuro.
10 Da mesma forma, o Parecer nº 15 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, aprovado
em 1º de junho de 1998 (Parecer CEB nº 15/98) alerta que a proposta desejada para uma educação geral no
nível médio não propõe um ensino enciclopedista e academicista, mas um ensino que aprofunde a capacidade
de aprender dos indivíduos, destacando o papel do conhecimento para a constituição de atitudes e de valores.
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Neste capítulo, a leitura das cartas dos estudantes conduz a três instâncias
que, conjugadas, dão forma ao que se compreende, em sentido amplo, como
"ambiente escolar": a estrutura física e os equipamentos, componentes concretos
do espaço que os estudantes identificam como "escola"; o currículo, os conteúdos
e os métodos implicados no processo ensino-aprendizagem, reconhecido pelos
estudantes como principal razão de sua passagem pela escola; finalmente, a
participação do estudante, por meio da qual ele assume responsabilidades no
coletivo e se percebe sujeito no processo educativo.
Pensar a educação segundo uma perspectiva inclusiva e democrática significa
viabilizar, no dia-a-dia, um ambiente de formação humana, de produção
coletiva e de vivência cultural em todas as dimensões, dotando a escola dos
meios adequados para a satisfação das necessidades de seus alunos.
Neste sentido, o clima que se estabelece na escola pode ser um fator
determinante para a qualidade de vida e de produção docente e discente.
Como afirma Piletti, "(...) a interação positiva entre professores e alunos, a
criação de um clima de liberdade na sala de aula é, também, de suma
importância para que possa ocorrer aprendizagem" (1985, p. 92). Segundo o
autor, o tipo de relação estabelecida entre professores e alunos irá contribuir
para tornar os atores motivados para ensinar e aprender ou levá-los a se
desinteressar pelas aulas. A pressão e a imposição de atividades sem sentido
levam o aluno à revolta e à frustração.
Neste sentido, cabe ao professor e à escola estarem atentos, abertos às
percepções dos alunos, colaborando na criação de um clima favorável de
aprendizagem. Conforme afirma Libâneo,
a finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e,
para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida.
Todo o ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptações progressiva
ao meio de experiências que devem satisfazer ao mesmo tempo, os interesses
do aluno e as exigências sociais. A escola deve suprir as experiências que
3.
DESVENDANDO O AMBIENTE ESCOLAR
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84
11 No livro "Escolas inovadoras: experiências bem-sucedidas em escolas públicas" (ABRAMOVAY et al., 2003),
recorrendo-se a vários autores, a definição de "clima escolar", ainda pouco consolidada, está associada a fatores de
individuais e de grupo, entre outros.
permitam ao aluno educar-se num processo ativo de construção e reconstrução
do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e
estruturas do ambiente. (1985, p. 25)
As cartas dos estudantes, ao se apresentarem como veículo de comunicação
de anseios sociais, apontam aspectos essencialmente relevantes sobre o
sentido e uso do ambiente escolar, seus vários níveis, e avaliam de maneira
explícita como estes deveriam ser estabelecidos. Traduzem, de forma
emblemática, um forte desejo de transformação da escola que freqüentam e
para atender a esse desejo, a escola necessita passar por um novo olhar, do
fazer, dos métodos, das relações humanas, dos espaços e dos princípios sobre
os quais se estrutura o ambiente escolar no cotidiano.
3.1. INFRA-ESTRUTURA E EQUIPAMENTOS: A BASE FÍSICA DO
AMBIENTE ESCOLAR
Certamente, a escola é o ambiente que responde de forma mais expressiva
às necessidades educativas de crianças, jovens e adultos. Por isso, representa um
dos espaços de maior visibilidade social, comportando realidades complexas,
cujos elementos constitutivos nem sempre são facilmente identificáveis.
Alguns, entretanto, são mais perceptíveis que outros, como é o caso daqueles
relacionados à estrutura física e aos equipamentos, ainda que o peso de sua
influência sobre o processo ensino-aprendizagem e sobre a participação dos
estudantes seja de difícil aferição. Mesmo assim, é praticamente impossível
dissociar qualidade na educação de infra-estrutura (ABRAMOVAY e
CASTRO, 2003). Algumas das condições materiais presentes no cotidiano
da escola podem ser responsáveis por provocar sensações de satisfação ou
insatisfação em relação ao ambiente escolar.
Fatores relacionados à infra-estrutura sempre foram considerados elementos
decisivos para a obtenção de êxitos, assim como para a promoção do bem-estar
dos povos, sendo difícil separar a relação existente entre estes e qualidade de
vida. Assim, questões dessa natureza continuam a ter um peso decisivo na
busca por condições mais dignas de existência.
Neste sentido, se opta aqui por uma análise abrangente quando se trata de
elementos referentes ao universo escolar físico (salas de aula, equipamentos,
laboratórios etc.) e ao afetivo (clima escolar
11
, acolhimento etc.).
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85
Os estudantes estabelecem com seu ambiente escolar uma relação
auto-referenciada e afetiva, na qual transpira um certo ar de "propriedade"
quando o assunto é qualidade e adequação das condições de trabalho. Para os
jovens do ensino médio, uma escola de qualidade é aquela que oferece
condições democráticas de permanência, onde o aluno não quer só entrar,
quer também permanecer. Assim, torna-se imprescindível que se estabeleça
uma ressignificação do seu espaço, onde, por meio de estratégias inovadoras,
se propicie uma nova dinâmica de uso (ABRAMOVAY et al., 2003). Os
jovens, em seus depoimentos, demonstram clareza com relação a essa questão:
Carta XXVII – Só estudo não é o importante
Esta escola não oferece nem um incentivo ao aluno. Só estudo não é o
importante. Tem que haver um pouco de interesse da escola, como merenda,
computador, uma biblioteca com mais espaço e livros, área de lazer como
quadra de esporte, torneio de interclasse por que pode haver algum aluno que
tem alguma vocação para ser um jogador, mas não tem como ele divulgar.
(Estudante, escola pública, GO)
O autor, seguramente, tem uma compreensão ampla do que o espaço
escolar deve oferecer, de forma a garantir, inclusive, o desenvolvimento de
"alguma vocação" porventura existente.
Na carta a seguir, o estudante de escola pública vem apontar as lacunas que
sua escola apresenta tanto no campo dos recursos físicos e equipamentos
quanto do ensino-aprendizagem e da participação:
Carta XXVIII– A escola não é tão boa assim
Prezado Amigo,
Lhe escrevo esta carta para contar como é a minha escola e o que deve
ser feito para melhorar.
Inicialmente a escola não é tão boa assim, possui uma estrutura incrível,
mas não é aproveitada, os laboratórios estão desinstalados, a higiene da escola
não é das melhores, os professores são bons, mas passam o assunto muito
superficialmente, pois acho que não temos base para cursar um vestibular.
Como nada é perfeito e tudo possui falhas, a coordenação, em relação
ao seu papel, é feita de maneira gratificante, apesar que as vezes são
arrogantes com alguns alunos. Alguns professores não possuem autoridade
nas salas de aula.
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Acho que deveria existir um grupo de apoio para com os alunos, e nele
deveria conter um membro de cada sala e coordenação para serem
expostas as opiniões, reivindicações ou melhorias em relação à escola.
Assim termino esta carta meu prezado amigo.
(Aluno, escola pública, BA)
Ao referir-se ao não aproveitamento da "estrutura incrível" de que é dotada
sua escola, ao fato de que seus professores, apesar de bons, "passam o assunto
muito superficialmente" e à arrogância com que a coordenação se relaciona com
alguns estudantes, o autor, implicitamente, expressa seu descontentamento com
o "ambiente escolar", sem, contudo, deixar de apontar possibilidades de
mudança, pautadas, principalmente, em um exercício de participação
democrática dos alunos nas diferentes instâncias, por meio de "um grupo de
apoio", que "deveria conter um membro de cada sala".
Por certo, para os jovens, escolas com estruturas sólidas, bem construídas,
assim como instalações novas e planejadas especificamente para serem
estabelecimentos de ensino exercem impacto para uma imagem positiva da
instituição no imaginário e no cotidiano desses jovens. A propósito, tendo
em vista a ampliação dos índices de escolaridade, é oportuno destacar que,
ainda que represente um avanço considerável, a simples matrícula não garante,
necessariamente, o direito efetivo à educação, muito menos à qualidade, já que
muitos alunos se encontram em instituições descuidadas, com dependências
sujas, equipamentos destruídos, administração aparentemente pouco atenta
não só a esses problemas, mas também a uma proposta educativa voltada às
necessidades dos jovens, como relata a carta a seguir:
Carta XXIX – Eu gostaria muito que tudo isso fosse diferente
Estou escrevendo esta carta a você para lhe contar um pouco sobre a
escola que estudo. É uma escola estadual de segundo grau, ela é bem
grande e um pouco descuidada, as salas são sujas, as carteiras e os vidros
são quebrados e pixados, o pessoal que trabalha na escola não é organizado,
os alunos não têm controle de nada, fazem o que bem entendem na escola, o
ensino é ruim, o estado do banheiro é deplorável e o diretor parece não
ligar muito, não faz nada para melhorar a situação.
Como você pode perceber, é uma escola pública comum, igual a todas
que eu conheço.
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Eu gostaria muito que tudo isso fosse diferente, com uma boa escola
conservada, ótimos professores, um pessoal qualificado para atender aos
alunos, cursos alternativos que preparem o aluno, para quando deixar a
escola, e outras coisas.
Bom no momento isso não está sendo possível, daqui a um ano eu me
formo e deixo a escola. Quem sabe daqui a alguns anos os meus filhos
não terão uma boa escola, o que eu não tive?
(Aluno, escola pública, SP)
Desperta a atenção o fato de o autor generalizar a situação das escolas
públicas, ao afirmar que a sua "é uma escola pública comum, igual a todas
que eu conheço". Essa generalização aponta uma tendência de perda do
valor social desses estabelecimentos. Vale destacar, entretanto, que as cartas
de muitos alunos de escolas particulares também sinalizam problemas
semelhantes aos levantados:
Carta XXX – Os materiais já estão velhos e destruídos
Querida tia,
Quantas saudades, eu vou visitá-la em dezembro. No mais vai tudo
bem, mas a minha mãe falou que você queria saber sobre o colégio.
Ele até que é legal para uma instituição pública, mas particular fica
difícil, os materiais já estão velhos e destruídos, eu gosto daqui porque o
pessoal é legal e eu tenho muitos amigos aqui, mas na realidade valeria
muito mais a pena estudar em uma escola que o ensino e o preço são
iguais e oferece uma infra-estrutura bem melhor.
Por isso ano que vem eu vou sair daqui. Bem, isto é, se tiver ano que
vem, já que na minha opinião o mundo vai acabar até o fim desse ano.
Bom tia, como você pode ver estamos todos melhores, a minha psicanálise
está dando resultado, um beijo a todos.
(Aluno, escola particular, RS)
Nessa carta, o autor, aparentemente dispondo de condições diferenciadas
de acesso a bens e serviços – como é o caso da psicanálise – em relação à
maioria, compara sua escola, particular, a um estabelecimento público,
onde parece considerar aceitável a situação que denuncia: os materiais já
"velhos e destruídos". Para ele, porém, a solução se mostra mais "fácil":
mudar para uma escola de infra-estrutura melhor!
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Os escritos dos jovens estudantes corroboram o fato de ser a escola o espaço
onde ocorre grande parte das relações sociais. Freqüentemente, apontam a
cooperação no espaço escolar como possível alternativa às limitações estruturais
de suas escolas:
Carta XXXI – Sou feliz aqui, recebendo o apoio que necessito
Amigão,
Resolvei te contar nessa carta sobre a minha escola. Pode parecer meio
chato de se ouvir, mas a verdade é que é na escola que eu passo a maior
parte do meu tempo, e se não é nela é com os amigos que lá conheci.
É uma escola particular com poucos alunos. Muitos estudantes reclamam
da sua infra-estrutura, acham que podia ser melhor. Eu até acho que
poderia mesmo, mas tenho notado que, cada vez mais, ela melhora nesse
aspecto. É só dar um tempo. Mesmo assim, sem um espaço físico tão
sofisticado, o método de ensino é muito bom, os professores e até os
funcionários se preocupam com nosso aprendizado e também com nosso
bem estar. Existem muitos professores e alunos que são amigos, e isso
ajuda muito, tanto no bom andamento dos estudos quanto na vida pessoal
de muitos que aqui estão.
As pessoas têm a quem recorrer e possuem uma motivação. Somos como
uma grande família. Depois de fechada a nota do bimestre, quem ficou
abaixo tem uma nova chance. Os professores ajudam com as dúvidas.
É bom porque muita gente recupera as notas e não perde o ano, mas às
vezes a matéria se acumula muito e é difícil recuperar. De qualquer
maneira é melhor que nada.
Bom, as linhas estão acabando e só pra concluir queria dizer que sei
que minha escola não é perfeita e ainda tem muito a melhorar, mas sou
feliz aqui, recebendo o apoio que necessito de pessoas que me viram
crescer e que com certeza, darão uma boa base para meu futuro.
(Aluno, escola particular, RS)
Na carta, o autor coloca em primeiro plano a qualidade das relações entre
alunos, professores e funcionários, em contraponto a uma infra-estrutura
que ele reconhece que "podia ser melhor", como opinam muitos de seus
colegas. Ao afirmar "Somos uma grande família", mostra a importância que dá
às relações construídas naquele espaço, associando-as àquelas que se estabelecem
no contexto familiar.
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Existe, potencialmente, uma relação afetiva intensa do jovem com a escola,
que se torna de fato possível se o ambiente escolar, a começar pelo físico, permitir
e propiciar condições necessárias para seu pleno desenvolvimento. Por conta
dessa relação, o jovem tende a ser bastante crítico e exigente. Entretanto, na
condição de sujeito dotado de esperança permanente, ainda que denuncie
o que lhe parece errado, é também propositivo, apontando o que avalia como
bom e o que precisa ser melhorado, pois deseja transformar, qualitativamente,
o ambiente escolar.
Para que exista um ambiente cooperativo, faz-se necessário considerar
que cada estrutura dentro da escola se constitui como um ambiente em si
mesmo, articulado ao espaço geral e coletivo. Os componentes desse ambiente
devem ser estruturados de forma integrada, por meio dos recursos ali
disponíveis (ALMEIDA, 1997). Vale destacar, ainda, que o investimento em
uma interação mais concreta entre todos os membros da comunidade escolar
– alunos, professores, diretores e funcionários – constitui caminho potencial
para reduzir as situações de violência.
O tema violência nas escolas comporta múltiplos olhares, percepções e
modelos de análise. No que diz respeito à ocorrência de atos violentos no
interior das unidades escolares, a literatura nacional e internacional destacam
como os principais fatores:
o nível de escolaridade dos estudantes (FLANNERY, 1997; FUCH et al., 1996),
o sistema de normas e regras, a disciplina dos projetos político-pedagógicos (HAY-
DEN, 2001; BLAYA, 2001; RAMOGINO et al., 1997), a quebra de pactos
de convivência interna, o desrespeito de professores com alunos e vice-versa, a má
qualidade do ensino, a carência de recursos (SPOSITO, 1998; FELDMAN,
1998; BLAYA, 2001). (ABRAMOVAY et al., 2003)
A carta a seguir atesta a preocupação do autor em relação à ocorrência
de tais situações:
Carta XXXII – A falta de segurança deixa os alunos apavorados
Oi prezado amigo, estou escrevendo esta carta para dizer-lhe sobre o
colégio em que estudo.
O colégio, que já foi a escola modelo, onde todos os professores e alunos
gostariam de estudar, de aprender como viver bem em um país completamente
capitalista, hoje já não é mais o mesmo. A falta de segurança deixa os
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alunos apavorados, não podem nem mesmo andar com os seus pertences
dentro do colégio sem que corram o risco de serem assaltados.
Temos professores bons, mas sem nenhuma dignidade de uma boa
condição de serviço, pois os quadros pichados, janelas quebradas,
carteiras soltas etc... acabam desmotivando os alunos que realmente querem
adquirir conhecimentos. Porém, contados esses e outros problemas, eu creio
que, se nossos políticos olharem com mais atenção para a educação, eles
poderiam em um futuro muito próximo formar cidadãos brilhantes, para
uma nação e para o mundo.
(Aluno, escola pública, PA)
Como em outras cartas, a denúncia do estado de desleixo em que a escola
se encontra aparece acompanhada de um contraponto – a convicção de que
a educação pode ser caminho para a construção da cidadania e de que sua
efetividade é, de fato, uma questão política.
A precariedade de investimentos é também tema da próxima carta, na qual
o autor sinaliza o que ocorre em sua escola – no caso, um estabelecimento
particular –, ressaltando, dentre várias carências, a que se relaciona à informática,
uma das mais recorrentes nas mensagens dos jovens:
Carta XXXIII – O investimento na escola é precário
Querida amiga, a escola onde estudo oferece aos seus alunos professores
capacitados e especializados em sua disciplina, além de uma aula
diversificada.
Sabe-se que todo cidadão necessita de conhecimentos, a mesma oferece
diversas maneiras deste adquiri-lo, da melhor forma é claro. No entanto, o
que se percebe é uma carência no que se diz respeito a laboratórios, psicólogo,
biblioteca e outras atividades extra-classe. Acredita-se que muitos alunos não
tem acesso à informática na escola, já que a mesma não oferece os recursos
necessários, se sentindo então lezados, até porque vivemos em um mundo
globalizado, onde a informática é uma base de enorme conhecimento.
Porém, percebe-se que o investimento na escola é precário, já que não
oferecem aos seus alunos, professores disponíveis para tirar as dúvidas
do aluno, além de palestras sobre temas atuais. Contudo, todos torcemos
para que no futuro todos tenham orgulho de sua escola tendo a mesma
base da formação, da educação e conhecimento.
(Aluno, escola particular, AC)
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Ao abordar o fato de que os alunos se sentem lesados em face do
descompasso de sua escola em relação às imposições "do mundo globalizado",
o autor toca no ponto sensível da (não) democratização do conhecimento
e dos meios de acesso a ele. Na verdade, a instituição parece, por vezes, dar
pouca importância à inclusão de seus alunos em um processo que se mostra
inexorável e que implica a possibilidade de plena participação dos indivíduos
na sociedade atual. São vários os depoimentos que evidenciam essa realidade:
Carta XXXIV – Onde estão nossos direitos?
Na minha opinião as aulas estão bem aperfeiçoadas. Gostaria que mudasse
só um professor de física que temos, ele explica super mal a matéria e já é
difícil, e exige muito de nós, mas não sabemos de nada. No primeiro semestre
ninguém tinha nota pra passar, e para ele não ficar o mês das férias fazendo
recuperação ele chegou e falou que estávamos todos passados e aí! Passamos,
mas nos próximos anos vamos nos prejudicar porque não sabemos de nada.
Em relação a melhorias, queríamos que melhorasse o bebedouro e que
tivéssemos aulas de computação uma vez por semana, que não temos;
temos computador, mas são usados só por professores e diretores e nós,
onde estão nossos direitos, já que falam que o computador é pra isso?
Eles querem o computador só para eles. Tem aluno que não sabe nem
como se usa um computador ou serve para que.
Assina: alguém que não está totalmente satisfeito.
(Aluno, escola pública, PI)
A insatisfação do autor com o que a escola lhe oferece é ampla, destacando,
sobretudo, o aparente descompromisso dos professores com o processo
ensino-aprendizagem, que culmina na negação do acesso dos alunos aos
computadores e ao conhecimento a eles relacionado. Embora os números
oficiais indiquem uma quantidade razoável de laboratórios de informática
nas escolas – sem, entretanto, especificar sua qualidade –, as cartas dos
alunos apontam que o acesso a esses meios é, muitas vezes, limitado. Como
destacam Abramovay e Castro (2003), em diversas oportunidades, a escola
até possui esses equipamentos, não os disponibilizando, entretanto, para os
alunos. A carta anterior torna-se ainda mais contundente quando se refere
ao fato do equipamento, originalmente destinado ao ensino, ser apropriado
por "professores e diretores" – "Onde estão nossos direitos, já que falam
que o computador é pra isso?", reclama o autor.
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Tal situação é igualmente abordada em outra carta, na qual o autor, também
aluno de estabelecimento público, descreve um ambiente escolar de evidente
abandono, onde o computador "fica dentro de uma sala e ninguém pode usar":
Carta XXXV – Até pra fazer prova temos que dar o dinheiro
A escola (...) na minha opinião é um pouco desorganizada. Tenho dois
anos nesta escola e pelo o que eu vejo a escola não tem muitas regras.
O exemplo do que estou falando é que os alunos entram na sala a hora
que quer e alguns vem para a escola passar a tarde toda no pátio e nem
um funcionário da escola procura saber do aluno, se a sala está em aula
e por quê que ele está no pátio e não na sala.
E outra coisa: os funcionários, os professores não tem fardamento, quer
dizer que os alunos tem que vir fardado, e os professores e funcionários
não, e também as zeladoras não limpam as carteiras direito. E o colégio não
tem materiais para nós alunos trabalhar, temos que comprar com nosso
dinheiro, tem vezes que até pra fazer prova temos que dar o dinheiro.
E também na escola há computador e fica dentro de uma sala e
ninguém pode usar, o motivo eu não sei, mas gostaria de saber.
Essa é minha opinião sobre o colégio (...).
(Aluno escola pública, BA)
A percepção do autor sobre sua escola, como se pode observar, é bastante
marcada pela falta de respostas aos fatos correntes no cotidiano: a utilização
do espaço físico, o uso do uniforme, a necessidade de pagar "pra fazer
prova"... O fato de que o computador "fica dentro de uma sala e ninguém
pode usar" o leva a demandar explicação e demonstra o quanto a escola,
aparentemente, não oferece condições de transparência na comunicação
com os alunos sobre direitos e deveres.
Essa falta de transparência, de diálogo, agrava ainda mais a relação dos
jovens com o ambiente escolar, pois, quando não se sentem partícipes do
mesmo, as rupturas se tornam inevitáveis.
Uma vez que, no que se refere à distribuição de papéis e responsabilidades,
a estrutura da escola é percebida pelos jovens como algo verticalizado, em
um contexto em que a direção e os professores detêm um poder muito
maior que o deles, são reforçados entendimentos ambíguos sobre as relações
com a instituição. Na carta, os sentimentos de abandono e descaso com
relação aos direitos do aluno são evidentes:
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Carta XXXVI – Por que todos falam que o colégio é nossa segunda casa?
No meu colégio as salas são mal cuidadas, alguns professores podem ser
bons, mas alguns são ignorantes. A estrutura é falha, partindo do próprio
ensino até o colégio. Não haverá 4º ano noturno. Para quem faz técnico como
fica? Ou faz de manhã ou a tarde ou nem faça. E quem trabalha? Perde 3 anos.
Falta informação, falta incentivo. Provas de recuperação em cima das
provas bimestrais.
Falta de consideração. Os alunos as vezes atrapalham, mas porque o
que tem que ser do mais importante em uma escola falta: o incentivo, a
estrutura, a consideração... essas coisas.
O problema é de administração. Falta recurso.
Não quero o colégio perfeito, mas quero somente um que respeite cada ser
em seu caso, pois, por que todos falam que o colégio é nossa segunda casa?
(Aluno, escola particular, SP)
A escola de ensino médio, apesar de estar voltada para a continuidade
dos estudos e para o trabalho, ainda guarda, para muitos dos atores que a
constituem, a herança da "escola das primeiras letras", onde a atenção e o
cuidado têm papel importante e permitem sua associação com o lar... Não
é por acaso que, na carta acima referida, o autor ironiza o não-cumprimento
desse papel por sua escola.
De acordo com o conteúdo de parte expressiva das cartas analisadas, é
inegável a atual situação de degradação e precariedade vivida no espaço escolar.
Para confrontar essa realidade, é preciso recuperar o verdadeiro sentido da
escola como instância de construção de conhecimento, de repercussão, crítica
e, sobretudo, de diálogo social. Segundo estudo realizado pela UNESCO
(ABRAMOVAY et al., 2003), o uso cotidiano do ambiente físico escolar
tornou-se alvo de preocupação, considerada sua relevância para a qualidade
da educação. O depoimento contido na carta que se segue traduz o desejo
do autor em relação aos direitos mais básicos, como, simplesmente, poder
beber água potável ou estudar em mínimas condições de higiene:
Carta XXXVII – Queria poder estudar em classes limpas
Minha escola.
Eu queria que na minha escola tivesse instrutores de informática para
nos auxiliar nos computadores; queria também que a área de esportes
fosse maior.
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Se a escola tivesse guardas, seria melhor, pois as vezes somos assaltados,
ameaçados etc...
Queria poder estudar em classes limpas, que o ambiente de aprendizado
fosse melhor e mais amplo.
Se a carga horária fosse trocada seria melhor, pois de segunda a
quinta-feira soltamos 6:30 horas e na sexta-feira soltamos as 5 horas.
Se essas mudanças fossem feitas já seria bem melhor e talvez a evasão
até diminuísse.
E se for possível que a escola ganhasse bebedores para as pessoas não
tomarem água da caixa, pois ela tem um gosto ruim.
(Aluno, escola pública, RS)
Tal como outras, esta carta causa impacto, por abordar uma variedade de
fragilidades, que se estendem desde a falta de água em condições de consumo
até a evasão dos alunos, passando pela má distribuição dos horários das
aulas e pela vulnerabilidade à violência.
Segundo se depreende dos escritos dos estudantes, o aproveitamento das
oportunidades oferecidas pela escola está intrinsecamente relacionado às
condições de estrutura e manutenção de salas de aula, banheiros, bebedouros,
quadras de esportes, laboratórios, bibliotecas e computadores, dentre outros
espaços físicos e equipamentos. Fica patente a necessidade urgente de se garantir
um ambiente mais adequado e preparado para a prática pedagógica – inclusive no
que concerne à preservação da saúde –, principalmente quando as políticas
públicas trazem, em suas propostas, a intenção manifesta de combater o
estado de exclusão e de desigualdade social que caracteriza o universo
educacional, mormente no que tange às escolas públicas, onde o quadro é, de
forma geral, mais alarmante, como ilustra a carta a seguir, na qual a falta de
cuidados mínimos com o acesso a água e as más condições de uso do banheiro na
escola são alvo da preocupação do autor, entre outros motivos:
Carta XXXVIII– A água é quente e o bebedouro é uma imundície
Estou escrevendo para lhe contar um pouco sobre minha escola. Minha
escola precisa urgentemente de ajuda, pois não temos ventiladores nas
salas de aula, temos que conviver dia após dia com o calor imenso aqui
em nossa cidade, e você sabe como é quente aqui em Macapá!
Não temos merenda no 3º turno e nem uma água descente para beber.
Na sala dos professores, a água é uma maravilha, mas vai olhar o
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bebedouro dos alunos pra ver só como é que é! A água é quente e o
bebedouro é uma imundície. Nos banheiros então! Tem dia que ele está tão
fedorento que não se pode nem passar na porta!
Essa escola tem uma irresponsabilidade com as notas. Estamos no
3º bimestre e nem se quer sabemos as notas do segundo, de algumas
matérias é claro! Mas tem muito professor e secretário que, pelo amor de
Deus, é divagar quase parando. Não temos se quer uma biblioteca descente,
nem um computador, e se quisermos fazer prova datilografada, temos que
pagar por ela, porque a escola não tem condições de fornecer o papel, tem
"300" anos que nossa escola não é pintada e reformada, nem se quer uma
quadra esportiva, se os alunos quiserem fazer educação física, é obrigado a
fazer no sol quente e fora outras coisas mais. A única coisa boa que diverte
a "galera" é a rádio Anchieta, que trabalha com os alunos temas educativos.
(Aluno, escola pública, AP)
O relato, sem dúvida, mostra um ambiente escolar pouco estimulante em
praticamente todos os sentidos – a única referência positiva é a "rádio
Anchieta", do agrado do autor, pelo fato de estar voltada à educação. No mais,
a escola parece chamar a atenção pela inadequação ao que seria o mínimo
necessário ao cumprimento de suas funções, destacando-se o descaso com as
condições de higiene – a "imundície" do bebedouro, o banheiro "fedorento"...
Isso, numa cidade que, como ressalta o autor, tem "calor imenso", agravado
pela falta de ventiladores nas salas de aula. Vale observar, porém, a ressalva
feita quanto ao tratamento mais digno dado aos professores, em cuja sala "a
água é uma maravilha"...
Esse quadro leva a pensar sobre a condição de exclusão a que estão
submetidos tantos estudantes, como recorte do que ocorre com parte significativa
da população, notadamente nas regiões mais empobrecidas e desassistidas do
país, no que tange ao acesso a "água de beber".
As condições de violência institucional acima retratadas aparecem, também,
na carta seguinte, onde, além das recorrentes queixas registradas pelo autor
sobre questões já abordadas até aqui, outro elemento se coloca no rol das
desigualdades relacionadas ao ambiente escolar: a diferença de tratamento
da escola com relação aos alunos dos distintos turnos. No caso em pauta, a
disponibilidade de água gelada está restrita apenas aos que freqüentam o
turno da manhã.
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Carta XXXIX – Somente o turno da manhã tem água gelada
Estou escrevendo esta carta para dizer que aqui na escola os alunos tem
muitos problemas, como falta de professores. Professores faltam nos seus
horários de aulas, salas de aulas completamente pichadas, cadeiras, quadros.
Quase não temos matérias para estudar porque os professores faltam muito,
ou seja, nós alunos vamos para Escola porque queremos passar de ano. E
quando terminamos o ensino fundamental e médio não sabemos quase nada,
e se quisermos fazer o famoso vestibular temos que pagar cursinho.
Temos problema também que é o bebedouro, porque somente o turno da
manhã tem água gelada, já nos turnos da tarde e noite a água não é gelada
e se quisermos água gelada temos que comprar. Aqui o colégio todo é totalmente
pichado, com as janelas das salas a maioria quebrada, ou seja, precisamos
de uma reforma geral na escola e do interesse dos professores para ensinar
seus alunos. Precisamos de ventilação em nossas salas de aulas.
(Aluno, escola pública, PA)
Conforme a carta deixa perceber, para os alunos que não estudam pela
manhã, a situação frente ao uso e à adequação do ambiente escolar é ainda
mais desigual do que se mostra de modo geral, principalmente por vivenciar
realidades mais urgentes, relacionadas, via de regra, ao trabalho.
A consciência das negligências a que está submetido o turno em que
estudam – e, por conseguinte, eles próprios – está presente nas cartas de
vários estudantes, como a que se segue:
Carta XL – Acho que o noturno foi esquecido
Querido amigo, essa escola está tendo alguns problemas, precisamos de
algumas reformas em nosso quadro de ensino. E os coordenadores da escola,
temos muitas pessoas sem mesmo ter terminado o segundo grau e colocam
como uma coordenadora pedagógica que nem formada em pedagogia é.
Uma pessoa sem a mínima educação que trata os alunos como se fossem
seus filhos.
Tem outros problemas com traficante na porta oferecendo drogas para
os alunos, acho que tem que ter um policiamento ostensivo. Outro
problema é a falta de um muro e um local para as aulas de educação
física que é feita atrás da sala. Acho que o noturno foi esquecido pelo
secretário de educação.
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A escola tem que mudar o seu quadro de coordenadores, colocando pessoas
mais capacitadas para esses cargos. Deveria murar a escola e fazer uma
área de lazer para passar o recreio e fazer física.
(Aluno, escola pública, GO)
Como se pode observar, o autor aponta problemas que vão desde a pouca
qualificação profissional da coordenadora pedagógica até a inexistência de
muro na escola, passando pela presença do tráfico de drogas e pela falta de
áreas específicas para a prática de educação física e para o convívio social. Ao
afirmar que "o noturno foi esquecido", de certa forma, também remete ao
"esquecimento" a que é submetido.
Segundo Andrade (2004), a escola noturna também pode funcionar, em
particular para os estudantes mais novos, como uma forma de penalidade,
punição. Prossegue a autora, afirmando que é recorrente encontrar na
história de vida escolar dos jovens a seguinte trajetória: "foi transferido do
diurno para o ‘supletivo’ no noturno devido a problemas relacionados com
a disciplina; mais tarde é transferido para o ‘supletivo’ noturno de escolas
com menor valor social" (pp. 122-123).
Refletindo sobre essa questão, é importante reconhecer o processo de
autodesvalorização e de baixa-estima a que estão sujeitos aqueles aos quais a
sociedade disponibiliza tratamento desigual. O aluno que estuda em um
lugar "feio e sujo" acaba por se reconhecer assim, também. A relação de
afinidade com o ambiente desencadeia sentimentos de discriminação. Tal fato
significa que o investimento a ser feito na melhoria do ambiente escolar não
passaria somente por reformas ou mudanças radicais, mas por limpeza e
conservação. Na carta seguinte, é notória a satisfação do autor com sua escola:
Carta XLI – Tudo me chamou a atenção para estudar nesta escola
Oi tudo bem com você? Comigo ótimo. Sabia que eu voltei a estudar?
Olha no começo deste ano parei para pensar, analisei que todos
precisam estudar. Procurei uma escola mais próxima da minha casa e
estou estudando. Só que aconteceu um imprevisto, mudei para mais longe
da escola. Pensei em trocar, mas acho muito legal a escola em que comecei
a estudar, tem uma equipe de professores altamente qualificados, todos com
curso superior na área que nos dá a maior chance de crescermos juntos,
buscando mais conhecimento para um ótimo vestibular.
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Em relação ao ambiente, ou seja, ao prédio da escola, também é legal,
várias salas já passou por uma reforma esse ano. Chegou carteiras novas,
colocaram ventilador em todas as sala, então isso tudo me chamou a
atenção para estudar nesta escola.
Só não é muito legal porque não tem lanches grátis. Apesar de ser
ensino médio, nós passamos cinco horas na escola. Quando não tem
dinheiro sofremos um pouco com a falta de lanche. Gostaria também que
estivesse computadores disponíveis para os alunos fazerem algumas
pesquisas necessárias para os trabalhos passados pelos professores.
Um abraço de sua irmã que te gosta muito.
(Aluno, escola pública, GO)
Ainda que o acesso a computadores seja difícil e não haja alimentação
gratuita na escola, o ambiente escolar a que se refere o autor lhe é bastante
estimulante, seja pela qualidade do ensino, seja pelas condições do equipamento,
motivo de sua opção por ali estudar. O trabalho dos professores parece
constituir fator decisivo nesse processo.
Uma escola que responde à expectativa que o jovem tem em relação à
aprendizagem, à preparação para a vida autônoma, sem dúvida, já avança
consideravelmente na ressignificação do espaço escolar e na construção de
um ambiente onde o aluno se veja como sujeito.
3.2. CONTEÚDOS E APRENDIZAGENS: AS EXPECTATIVAS DOS
JOVENS ESTUDANTES
A questão da qualidade do ensino tem sido alvo de diferentes esferas sociais,
principalmente aquelas vinculadas à política pública e à academia. As reflexões
e as tentativas de compreender os problemas que afetam o desempenho dos
alunos é recorrente em uma série de pesquisas educacionais, nas quais vêm
sendo estudados temas relacionados ao baixo aproveitamento dos conteúdos, à
reprovação, à repetência, à evasão, ao abandono e ao absenteísmo, entre outros.
Estes são alguns dos elementos que configuram os processos de fracasso ou
insucesso escolar.
O reconhecimento da necessidade do ensino contribuir para uma formação
mais geral dos indivíduos, com as atenções voltadas ao desenvolvimento das
competências sociais, afetivas e cognitivas, por meio da valorização da
participação e da inclusão social, que permita aos indivíduos atuar de forma
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mais efetiva e qualificada na modernização e democratização da sociedade,
foi o mote principal das mudanças trazidas pela reforma educacional para o
ensino médio (MITRULIS, 2002). Para dar conseqüência a tais objetivos, o
ensino médio assumiu a responsabilidade de trazer para a construção do plano
político-pedagógico da escola metas mais sintonizadas com esta realidade.
Currículos e métodos calcados na repetição e na acumulação de conteúdos,
cujos objetivos não são apreendidos pelos alunos, que neles não se vêem
reconhecidos, são rejeitados pelo "novo ensino médio" e por grande parte
dos estudantes. A mudança de referencial vem trazer desafios para a escola.
Tal situação, associada à consolidação da informática como a linguagem
deste século, cria no aluno a expectativa de uma escola que se constitua em
espaço de aquisição e obtenção dessas ferramentas, necessárias para o seu
crescimento pessoal e profissional.
Para a maioria dos estudantes brasileiros, a escola é a principal instituição
produtora de conhecimento a que eles têm acesso. Assim, sua perspectiva em
relação a ela, hoje, está pautada em currículos que se vinculem aos saberes,
domínios e competências sintonizados com as transformações vigentes nas
relações sociais e no mundo do trabalho. Muitos alunos trazem nas cartas os
conflitos diante do que vêm experimentando no espaço escolar e nas práticas
de sala de aula, pois, além das precárias condições gerais dos estabelecimentos
de ensino, os currículos e os métodos das escolas públicas e privadas do país
demonstram o quão distantes estão do que delas se espera. Nos relatos desses
jovens, apresenta-se um quadro bastante rico e, também, diversificado da
condição do ensino médio.
Na maioria das cartas, principalmente aquelas de autoria de alunos de escolas
públicas, a percepção sobre a qualidade dos estabelecimentos de ensino está
associada à de um trabalho educativo bastante precário. A análise dos estudantes
sobre tal situação não está focada apenas em um fator, mas em um conjunto
de elementos que variam desde as condições de infra-estrutura da escola ao
tipo de estudantes que ela abriga.
Inicialmente, pode-se constatar que os jovens assumem como de sua
responsabilidade parte dos problemas relativos à própria formação. Alunos
"carentes", alunos que trabalham em tempo integral e também alunos casados
constituem um "novo" perfil da clientela do ensino médio. A carta a seguir
deixa transparecer, por um lado, um ensino aligeirado, "empobrecido" e
mesmo desleixado em relação aos seus usuários, que, lutando contra as
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adversidades, persistem no projeto de escolarização; por outro, a desconsideração
pela jornada do aluno trabalhador ou pai de família, não dando suporte para
a realização das tarefas escolares:
Carta XLII – Esclarecimento sobre nossas escolas brasileiras
Em primeiro lugar espero que esta carta chegue em suas mãos levando
um pouco de esclarecimento sobre nossas escolas brasileiras.
Maria, a escola em que estudo é pública e recebe poucos recursos do
governo devido a sua pouca organização e também por ser uma escola nova.
A maioria dos estudantes são carentes ou trabalham em tempo integral e
muitos também são casados e tem filhos.
O nosso curso médio é um curso muito empobrecido devido a falta de
professores, material didático, onde aqui na realidade isso não existe.
Temos também uma grande carência de cursos básicos de informática em
que na verdade nós estamos em pleno século XXI e nossa escola não tem
um computador se quer.
Faltam carteiras nas salas de aula, higiene e limpeza nos banheiros
e na escola em si, faltam serviçais, disciplinadores, policiamento e varias
outras coisas que uma escola preciza.
Maria, espero que sua escola seja mais organizada que a minha, e que
melhore cada vez mais. Um grande abraço do seu amigo do peito.
(Aluno, escola pública, AL)
O "esclarecimento" do autor, na verdade, constitui-se em denuncia da falta de
recursos físicos e humanos para o atendimento de uma população que, em certa
medida, ainda aposta na educação, dedicando parte do seu tempo, até então
voltado para o trabalho e para a família, ao estudo. Entretanto, a precariedade do
serviço prestado pela escola pode gerar sentimentos de desqualificação nos alunos.
Segundo Soares (2002), a existência social se dá pelo olhar do outro. O olhar dos
dirigentes sobre os alunos, por exemplo, pode provocar mudanças de
comportamentos e atitudes, gerando ou não um reconhecimento social.
Qualquer processo de ensino-aprendizagem tem como requisito básico
para o sucesso o envolvimento de professores e alunos. O absenteísmo dos
professores e a falta de reposição das aulas indicam o quanto muitas escolas
públicas não desenvolvem estratégias de valorização dos alunos e de si
próprias, gerando um círculo vicioso: "não se aprende porque não se ensina"
e "não se ensina porque não se aprende", conforme sugere a carta a seguir:
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Carta XLIII - A falta de interesse do aluno vem da falta de incentivo da escola
Querida Ana Paula,
Oi! Tudo bem? Eu estou ótima, nesta carta eu gostaria de falar sobre
estudo, de nossa vida já falamos tudo, nada de novidade. Em especial
vou falar da escola onde estudo.
Na minha escola tem alguns programas criativos, onde alguns professores
participam e ganham realmente a confiança dos alunos. Esses dias fizemos
um trabalho de português, era dinâmica. Conseguimos junto com a professora
chamar a atenção de todos os alunos. A escola é boa, só que falta um pouco
mais de interesse em relação aos professores. Teve uma semana, em que todos
os dias faltou um ou dois professores. Estas aulas não são repostas, a falta
de interesse do aluno vem da falta de incentivo da escola.
Deveria haver mais aulas, plantão tira dúvida, mais dinâmicas, como a
semana passada que foi um sucesso. Estou no 3º ano e não sei se estou
preparada não só para o vestibular, mas também para o mercado de trabalho.
A escola deveria contribuir para isso.
Bem, agora aguardo tua resposta me dizendo como é sua escola, e como
você gostaria que ela fosse. Beijos!
(Aluno, escola pública, GO)
Apesar de o autor fazer algumas alusões favoráveis ao trabalho da escola,
é na falta de interesse e no não-comparecimento dos professores que suas
preocupações estão centradas. Mesmo assim, dá exemplo de como esse
panorama pode ser revertido, a partir de uma situação de ensino-aprendizagem
de boa repercussão: "Conseguimos, junto com a professora, chamar a
atenção de todos os alunos".
As cartas evidenciam diferenças significativas entre as escolas públicas e as
particulares, em termos de expectativas dos alunos quanto ao sucesso no vestibular.
Isto mostra o peso da opinião generalizada de que o ensino público ainda apresenta
uma série de deficiências que não permitiriam aos seus alunos concorrer com
aqueles oriundos das escolas particulares, em condições de igualdade. A essa
opinião soma-se, como já se abordou anteriormente, a provavelmente reduzida
auto-estima dos alunos dos estabelecimentos públicos, resultante da incorporação,
ao longo dos anos, de julgamentos e preconceitos emitidos, às vezes de forma
não-intencional, por seus professores ou, até mesmo, por agentes externos. No
relato a seguir, referente a uma escola particular, observa-se uma situação de
exceção, em comparação ao que apresenta a maior parte das cartas:
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Carta XLIV – Ano que vem é numa universidade que estarei estudando
Querida,
Faz um bom tempo que as minhas aulas começaram e foi fácil me
adaptar a programação do colégio. É divertido estudar aqui.
A minha escola promove várias atividades que estimulam o aprendizado
da vida e isso é muito importante, pois sei que o que eu estou levando
comigo vai ser usado durante todos os desafios da minha vida e como o
mundo está hoje, vários eles serão.
Amanhã farei uma mostra cultural onde os assuntos estão deixando a
minha criatividade a flor da pele. O trabalho no qual vou falar sobre os
árabes vai chamar a atenção, mas não foi só isso que eu fiz esse ano.
O colégio nos proporcionou passeios para nos aprofundar na história
de minha cidade, já fomos ao teatro, fizemos sarau e outras atividades
que aumentam o intelecto. Dentro da sala de aula as coisas não são
deferentes. É claro que sempre tem um bate papo entre os alunos e as
vezes os professores tem que chamar a atenção mais nada faz com que os
alunos percam o interesse em aprender.
A única coisa que eu gostaria que a minha escola oferecesse seria um
laboratório de química e outro laboratório de computação, pois a prática
leva a perfeição e tudo que vou fazer daqui em diante é na prática.
Esse é o meu último ano na escola, ano que vem é numa universidade
que estarei estudando, mas na minha memória estarão bem guardados o
incentivo e o trabalho dos meus professores, o companheirismo dos meus
colegas e o apoio da minha escola. A eles eu sempre ficarei grata, pois a
escola foi uma grande parte da minha vida e as minhas qualidades foram
feitas por eles que me ensinaram a resolvê-los. Agradeço a minha escola
e a esta lição de vida. Vejo-te nas férias.
(Aluno, escola particular, AC)
Na carta em questão, o autor demonstra uma vitalidade bastante acentuada,
resultante dos diversos estímulos que recebe, principalmente no que tange
à sua criatividade. Métodos de ensino mais sintonizados com a realidade
dos alunos e com uma concepção de educação voltada para a formação do
cidadão são percebidos, pelos jovens, como necessários para que o movimento
de aprender se dê com êxito.
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A criatividade, associada ao prazer de viver o mundo da escola, e a
importância dos recursos tecnológicos para essa vivência são outras características
marcantes nas cartas. Para os estudantes, a tecnologia oportuniza a criação de
uma série de novas estratégias para a interação entre os grupos, pois, por
seu caráter inovador, tende a afastar o ensino tradicional da passividade
que lhe é peculiar. O desenvolvimento das atividades inovadoras nesse
ambiente busca incentivar o questionamento, a reflexão sobre as próprias
ações e, especialmente, a cooperação entre os principais agentes no processo
ensino-aprendizagem (ABRAMOVAY et al., 2003). E os alunos insistem
em firmar sua exigência por um ensino compatível com essa perspectiva:
Carta XLV– Foi na base da repetição
É complicado, chegar ao 3º ano do ensino médio e descobrir que quase
tudo que aprendi foi na base da repetição, como se eu fosse um animal
irracional que não soubesse pensar. E horrível, estou terminando o ensino
médio e não descobri a essência de muitas informações que me passaram.
Descobri agora de onde vieram algumas fórmulas matemáticas. Se eu
soubesse disso, teria entendido elas na origem e, nossa, quantos cálculos
inúteis que fiz para tantas matérias inúteis. História e Biologia, só entendi
quando procurei informações fora de livros escolares, já que esses ocultam
muitas informações importantes e transmitem muitas outras informações
desnecessárias.
Tive ótimos profissionais na Geografia, mas o ensino deles nunca foi
baseado em livros escolares. Não existe transparência no que ensinam nas
escolas, é transmitido informações distorcidas para que os alunos não
saibam a verdade, e essas informações são transmitidas na base da
repetição, fazendo com que o Brasil crie alunos que não sabem pensar,
desinformados e despreparados.
(Aluno, escola particular, PR)
O autor, ao contestar o tipo de "trabalho educativo" a que foi submetido, pouco
comprometido com o desenvolvimento da reflexão – "estou terminando o ensino
médio e não descobri a essência de muitas informações que me passaram" –, questiona
o próprio papel da escola na formação de sujeitos informados e críticos.
Os baixos salários dos professores e a alternância da direção escolar são
outros fatores que, na opinião dos jovens, acabam por comprometer o
ensino. A mudança freqüente de direção, no sentido contrário à tendência
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de se escolher o diretor por meio do pleito democrático, reforça um
processo de desqualificação do ensino, como aponta a carta a seguir:
Carta XLVI – A escola decaiu
Prezado amigo, estou lhe escrevendo para contar um pouco do ensino da
minha escola. A minha escola antes era considerada uma das escolas com o ensino
mais forte do bairro. Hoje já acho que ela decaiu um pouco. O ensino dela não
continua o mesmo, pois o diretor e subdiretores da escola são trocados com muita
freqüência e eu acho que isso faz com que o ensino da escola mude muito.
Os professores não são muito bons, pois eles sempre estão voltando na
questão para explicar várias vezes e isso faz com que não completamos o
ano com todo o aprendizado.
Os inspetores não consegue fazer tudo, pois são poucos.
Os alunos não sentem vontade de aprender, pois os professores freqüentemente
não sabem fazer com que os alunos se interessem pela questão.
Para mim eles tinham que ter uma forma de aprendizado mais formal,
para que com ela os alunos se interessassem pela lição.
Assim íamos ter interesse pelo aprendizado e nos responsabilizarmos
mais pelo nosso estudo.
(Aluno, escola pública, SP)
Uma postura do corpo docente voltada à superação da visão meramente
instrumental da educação é outra demanda expressa nesta carta. Trazer as
experiências vividas por cada um, relacioná-las ao conteúdo das disciplinas e
reinterpretá-las para que o aluno possa vir a descobrir, reanimar e fortalecer
seu potencial criativo e sua autonomia, desenvolvendo, assim, a capacidade
de discernir, é caminho para que todos se sintam parte integrante do
processo de conhecer e de produzir conhecimento. Na carta a seguir, uma
mudança em relação à desmotivação dos professores e à dificuldade ainda
mais gritante de acesso a alternativas educativas é sugerida pelo autor:
Carta XLVII – Sem nenhum entusiasmo
Futura escola.
Hoje em dia nossos colégios por serem estaduais estão sendo cada vez
mais desprevilegiados, no ponto em que estudamos no período noturno.
Os professores entram em sala de aula cansados e desanimados no ponto
em que não aprendemos nada.
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Também fica chato você ir ao colégio sem nenhum entusiasmo. Você já
sabe que vai ao colégio senta na cadeira e vê o professor dando aula sem
nenhuma motivação e acaba não aprendendo nada.
Queria que o colégio viesse a ser um colégio animado, com varias
atrações, tipo ir a um museu etc. Um colégio legal é aquele que você vai
aprende, se diverte e é amigo de todos.
Concordamos que o colégio poderia ser melhor se os salários dos
professores aumentassem, pois só aí vão ter motivações para dar aula e
os alunos podem vim aprender alguma coisa.
(Aluno, escola pública, GO)
A escola "ideal" aparece nas palavras do autor, quando afirma que "um colégio
legal é aquele que você vai, aprende, se diverte e é amigo de todos", associando o
aspecto educacional ao lazer e à sociabilidade. Além disso, embora aponte a
desmotivação dos docentes, reconhece as condições difíceis de trabalho por eles
enfrentadas, ao afirmar que "o colégio poderia ser melhor se os salários dos
professores aumentassem". Vale destacar, aqui, a situação de maior desatenção em
que se encontram, também, os profissionais que atuam no "noturno".
De fato, como ressalta Andrade (2004), nos debates sobre os problemas de
aprendizagem no período noturno, os jovens problematizam e enfatizam,
sobretudo os procedimentos educativos sob responsabilidade dos professores.
Mas muitos dos comentários sobre o seu próprio desinteresse acabam por
responsabilizar os alunos pela dificuldade de aprendizagem. Para muitos deles,
portanto, a aprendizagem dependeria, em última instância, apenas do interesse
do aluno, e isso teria mais a ver com as características e a vontade de cada um.
Uma escola aonde o processo ensino-aprendizagem viesse a se dar de
forma satisfatória dependeria de uma gestão cujos alicerces se consolidassem
a partir da realidade dos alunos. A gestão identificada como parte inalienável
da escola é responsável por envolver o corpo docente e os funcionários da
instituição no projeto pedagógico adotado.
Uma educação de qualidade pressupõe formar indivíduos cada vez mais
capazes de modificar seu comportamento em função das próprias exigências
sociais. A carta que se segue mostra que a escola não vem propiciando o acesso
a competências e habilidades, frustrando muitos alunos. O desenvolvimento
intelectual, condição sine qua non do processo de aprendizagem, converte-se
em um exercício físico para muitos que vivem a escola:
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Carta XLVIII – Ensino ridículo
Caro amigo, eu estou escrevendo para lhe contar com um pouco de
detalhes sobre a minha escola.
Sobre a escola, estou satisfeito, só que me deixa insatisfeito é o ensino.
Professores "tem", mas são o suficiente para o ensino médio, é nele que eu
mais tenho dificuldade. Porque?
Eu não aprendi nada no fundamental, não por desinteresse dos
professores, mas sim por não ter nenhum meio de transporte para servir
o aluno sem condições. O meu único meio de chegar ao colégio era a pé
andando até 3km debaixo de um sol escaldante. Mas passei de ano, mas
eu confesso que não foi meu esforço mental, mas sim físico.
Nessa carta você observa o quanto o governo me "ajuda". Se não fosse esses
novos métodos de ensino: basta freqüentar (freqüenta mas não aprende nada).
Os meus professores nunca foram a favor sobre esse novo ensino, sempre
reclamaram bastante que não ajuda em nada.
E os seus são a favor desse ensino ridículo? Me escreva contando a
opinião dos seus professores e o seu também. Abraço de seu amigo. Tente
fazer por você mesmo. O governo não ta nem aí pra você.
(Aluno, escola pública, PA)
Ao se referir ao fato de que "basta freqüentar" a escola para ser aprovado
para o patamar seguinte, o autor toca na discutida questão da "promoção
automática". A respeito do tema, é importante salientar que as diferentes formas
de promoção pressupõem a adoção de um projeto curricular organizado para
propiciar o acompanhamento do aluno, os diferentes ritmos da turma e o
conhecimento adquirido a partir de uma determinada inserção cultural.
Os embates teóricos que norteiam todo o processo educacional, quando
convertidos em ações, geram, por vezes, práticas equivocadas, resultantes da
má interpretação dos textos acadêmicos, da superficialidade com que temas
desta natureza são tratados no processo de formação de professores, da
resistência de alguns docentes para refletir acerca dos conteúdos trabalhados
em sala de aula e das precárias condições dos cursos de formação, entre uma
série de outros fatores amplamente apontados na literatura educacional. A
imposição de métodos de trabalho sobre os quais o professor não tem domínio
resulta na burocratização do ensino, em aulas monótonas, sem sentido,
desestimulando os alunos e, conseqüentemente, os próprios docentes. A
carta a seguir é emblemática de tal situação:
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Carta XLIX – Todos os dias a mesma coisa
O colégio hoje, agora e sempre.
Hoje eu vou falar um pouco do colégio onde estudo, curso o 3º ano do
Ensino Médio, último ano, estou tentando preparar-me para o vestibular, mas
está muito complicado, eu sei que o interesse deve partir do aluno, porém o
colégio não nos apóia. Muitos professores dão as suas aulas simplesmente
para cumprir seus horários, pois não há estímulo dos mesmos para nada.
O ensino está muito monótono, é todos os dias a mesma coisa: chegamos
na sala de aula, respondemos a chamada, lemos o livro, isso quando
temos, o professor explica muito por cima, passa exercícios, bate o sinal,
entramos em outra aula, a mesma coisa, duas semanas depois, mais ou
menos, são marcadas as provas, fazemos sem entender nada do assunto,
tiramos uma nota horrenda, chega ao final do semestre nos passam um
"trabalhinho" pra recuperar, e no final do ano letivo o aluno é aprovado.
E aí como nós saímos nessa? Da mesma maneira que entramos, cheios
de dúvidas, questionamentos...
Gostaria que a nossa escola, ou seja, nosso ensino fosse mais estimulado
tanto pelos professores quanto para os alunos, pois informatização está
muito avançada e não aproveitamos nada dela, o mundo hoje tem muito
a ser questionado e isto não é interesse para o Ensino Médio.
(Aluno, escola pública, PR)
O ritmo monótono do cotidiano escolar, tão bem expresso nesta carta, revela
uma escola sempre igual, sem surpresas, como se professores e alunos fossem
autômatos, alheios ao processo de produção do conhecimento e aos conteúdos
relacionados à vida. Essa vivência traz para o autor a certeza de que "não
aproveitamos nada dela (a escola)". Como afirma, "o mundo de hoje tem muito
a ser questionado e isto não é interesse do ensino médio" e este questionamento
encerra uma escola acrítica, em descompasso com um mundo que exige, cada vez
mais, senso crítico e informação para a tomada de decisão.
Neste processo, a falta de condições mínimas de ensino – que seria a chave
para a formação do cidadão – e de permanência, com qualidade, na escola geram
a seletividade e a exclusão dos alunos. A expansão do ensino não pode ser traduzida
apenas pela vertente do acesso, como denuncia a carta em questão. A sintonia do
processo educativo com as exigências da sociedade atual é almejada por todos. Da
mesma forma, o diálogo entre professores e alunos, conforme a carta a seguir.
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Carta L – Parece que explicam para o espelho ou para bonecos
Querida amiga,
Aqui na minha escola, estou rodeada de professores capacitados,
profissionais de verdade, no entanto há entre nós uma enorme barreira
que nos impede de entrar em um acordo amigável. Parece que explicam
para o espelho ou para bonecos. Não pode haver diálogo entre o profissional
da educação e seus educandos. Se há uma pergunta, a pergunta do aluno
é idiota. Se a dúvida persiste, não é esclarecida porque a matéria "é fácil
demais".
Eu sonhei com uma escola de ensino médio bem diferente da que eu
vivo hoje. Projetava em minha mente uma escola compreensiva para com
a realidade de seus jovens que trabalham o dia todo, estudam à noite e
ao chegar ao fim de semana ao invés de relaxar e se livrar do stress, se
privam muito mais ainda de um momento para si, se matando em cima
de pesquisas e trabalhos com exercícios quilométricos dados durante a
semana, mas se os professores dentro do seu trabalho tem um dia para
estar com a família, os amigos, porque nós, que trabalhamos, estudamos
para nos sustentar e não ser um peso para a sociedade não podemos?
Amiga, espero que um dia as autoridades competentes se voltem a
nosso favor, e que os professores se mostrem bons profissionais como são.
Espero escrever-te um dia, contando que tudo mudou.
(Aluna, escola pública, MG)
Para que a aprendizagem seja duradoura e se torne uma experiência a ser
contada para outras gerações, o jovem deve estar implicado neste processo "com
perguntas e dúvidas", como alguém que traz uma história, uma visão de
mundo, que produz e é produzido pela cultura. Sentir-se como "boneco" é estar
alijado da condição de pensar junto, de agir coletivamente e de contribuir. Educar
no século XXI também não pode continuar a ter o significado reducionista de
preparar alguém apenas para uma tarefa determinada e restrita. A educação passa
a reger-se por parâmetros que lhe impõem a função de desenvolver um caráter
formativo contínuo, ampliando o processo de aprendizagem.
Outra questão manifesta nesta carta, e presente em várias outras, diz
respeito ao fato de que o autor atribui a responsabilidade de resolução dos
problemas e de criação de soluções para a escola às "autoridades competentes",
que não fazem parte do quadro docente e discente da escola. Atribuir ao
outro, àquele a que não se tem acesso, a responsabilidade de mudança da
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escola é, segundo Bobbio (2000), a manifestação do "poder invisível". Esta
invisibilidade do poder subtrai dos cidadãos as informações de interesse
público, escondendo os responsáveis para que não sejam questionados. O
contraponto do poder invisível é a transparência da administração escolar,
materializada no princípio da publicidade de seus atos, na (...) maior
possibilidade oferecida ao cidadão de colocar os próprios olhos nos negócios que
lhe dizem respeito e de deixar o mínimo espaço para o poder invisível. (p.102)
Vários alunos provenientes de escolas particulares, também incomodados
com a limitação do ensino que vem sendo ministrado nessas escolas,
chamam a atenção para a ausência de uma metodologia de trabalho que
traga o sujeito para o centro do processo educativo, ampliando os
conhecimentos e humanizando as relações escolares.
Carta LI – Este colégio forma MÁQUINAS
A oportunidade de escrever essa redação é, para mim, única porque
tenho fortes insatisfações para com minha escola.
A minha escola deveria perder esse título de "escola" uma vez que
sinto-me numa empresa, que tem como único objetivo fazer com que seus
empregados passem no vestibular. Tudo o que se aprende aqui é para
passar no vestibular, e mais nada.
Senti-me muito ofendido numa ocasião em que recebi uma nota baixa
numa redação. A redação era diferente, criativa. A professora assim disse:
"Para o vestibular da federal você tem de escrever... sua redação está
muito livre. Pensava eu que escrever fosse "livre", era uma capacidade
incrível. Continuo achando. Ela não.
Numa palestra, uma professora disse: "Vocês são NINGUÉM se não souberem
no mínimo três idiomas e não tiverem conhecimentos aprofundados em
todas as áreas". Isto é uma ofensa! Senti-me machucado. E os que não
conhecem três línguas e não têm conhecimentos aprofundados, são
ninguém?!!!!! As palestras dadas aqui são desse gênero... sempre mate-
rialistas, desumanas.
Este colégio consegue, de forma brilhante, tirar todo o prazer que o
estudo pode proporcionar. Este colégio forma “MÁQUINAS”,
“MÁQUINAS” que só copiam e repetem, “MÁQUINAS DE XEROX”.
Nessa redação não teve mais espaço para dizer mais, seria dos absurdos
da filosofia desta empresa; das infinitas propagandas na televisão, no
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rádio, nos jornais e revistas que tentam mostrar que o ensino do colégio
é bom, e não é.
Enfim, queria dizer que conseguiram fazer com que eu deixasse de
gostar de estudar.
(Aluno, escola particular, MG)
Quanto mais o educador acredita que ensinar significa preencher o
suposto "vazio de quem não sabe" com o pretenso "saber de quem sabe"
de forma tão mecânica quanto a de uma copiadora, tanto mais tudo é feito
de longe e chega pronto, sem sentido, destituído de significado: parece que o
conhecimento não é produzido socialmente, não é um bem da coletividade e
que o sujeito que aprende está do lado de fora da cultura e da história. As
escolas preparatórias para o vestibular, segundo o aluno, "formam
máquinas que só copiam e repetem", contrariando as idéias do educador
Paulo Freire, que postula a importância do coletivo, da colaboração de
outros para o jovem poder definir-se e ser autor de si mesmo.
Em diversas pesquisas (ABRAMOVAY et al., 2003; UNESCO, 2004),
vem sendo reconhecido um certo descompasso entre a velocidade e a
multiplicidade das transformações tecnológicas e sociais e o ritmo atual
das mudanças na escola, que, segundo Lévy (1990), ainda se baseia no
falar-ditar do professor, na escrita manuscrita e numa utilização moderada
da impressão e apropriação social das novas tecnologias. Além de problemas
de investimentos e recursos, as escolas refletem o conservadorismo do
sistema de ensino frente aos avanços tecnológicos, elitizando o uso dos
computadores, reproduzindo, muitas vezes, o descaso institucional e a
resistência de gestores e professores à incorporação dessa ferramenta.
Mais uma vez, a gestão assume um papel primordial, no sentido de
organizar a escola da melhor maneira possível, preservando o uso de seus
espaços e garantindo um controle sobre o ensino e a qualidade das relações
entre alunos e professores. É possível perceber que, de certo modo, quando
os jovens se vêem privados do essencial, quando não são chamados a opinar,
se ressentem com a escola. Para eles, a importância atribuída a esse espaço
é enorme e participar de sua permanente construção é fator fundamental
para que possa existir uma educação de fato, onde o prazer na busca do
conhecimento esteja presente entre professores e alunos.
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3.3. PARTICIPAÇÃO DOS JOVENS NA ESCOLA: O QUE DIZEM AS
CARTAS
Dentre as três instâncias que dão corpo ao ambiente escolar, assume
importância fundamental a participação dos alunos e da comunidade. O
que dizem as cartas a esse respeito? Que percepções têm os jovens sobre as
possibilidades de interlocução que lhes são oferecidas por uma instituição
que, tradicionalmente, tem seu cotidiano marcado por regras hierárquicas
pouco flexíveis?
O termo participação advém do latim participatio onis, cujo significado está
relacionado à partilha, ao ato de ter ou ser uma parte em um todo ou, ainda,
ter parte na ação. O conceito segundo Kaase (apud OESTERREICH, 2001),
além de abarcar aspectos como o exercício do direito ao voto ou a cooperação
com partidos políticos, implica também, entre outras coisas, um comportamento
social orientado para objetivos coletivos e na vinculação a grupos (p. 111).
Assim, conclui-se que a participação só existe como tal quando inserida
no contexto do coletivo. Além disso, dois aspectos parecem se destacar nos
diversos entendimentos desse conceito: o sentido de pertencer e o agir.
Pertencer e agir não se traduzem nas idéias de posse ou de ser de, mas na
idéia de ser com, principalmente quando se relaciona ao jovem.
É o pertencimento a um ou a vários grupos, com suas idiossincrasias e
multifaces, que, de certa forma, permite ao jovem a construção de uma identidade
sociocultural e psicológica. É durante a juventude que o grupo assume uma
dimensão quase que parental para os que nele e com ele convivem. Nesse
sentido, Carrano (2000) considera que a escola se afirma como o espaço e o
tempo dos encontros entre os muitos sujeitos culturais que a fazem existir e se insere
no mundo do jovem como um espaço que, implícita e involuntariamente, cria
a possibilidade de troca, de inter-relação e de interinfluências entre os diversos
grupos que a compõem (p. 4).
A leitura atenta dos escritos dos estudantes do ensino médio sobre suas
expectativas em relação à escola permite perceber – ainda que de forma
freqüentemente indireta – sua demanda por participação nesse espaço de
importância primeira para o presente. E para o futuro. Como se sentem ao se
perguntarem sobre o peso de sua própria decisão nos caminhos que trilham?
Várias são as cartas que fazem referência aos grêmios estudantis, forma
tradicional de organização dos estudantes, caracterizada por promover atividades
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de cunho político e cultural – debates, mesas-redondas, seminários, peças
teatrais, música. Para Oesterreich (op. cit.), a participação dos alunos nessas
agremiações seria um dos meios mais importantes para o aprendizado do agir
democrático, constituindo-se, de certa maneira, uma forma de iniciação política
do estudante.
No Brasil, os grêmios foram praticamente banidos nas décadas de 1960
e 1970, durante a ditadura militar, ao serem identificados, por alguns, como
focos de crítica e/ou oposição ao regime. Seu ressurgimento, nas últimas
décadas, veio acompanhado por um caráter menos politizado e de pouca
expressão no sentido da representação e da participação crítica dos alunos
junto às escolas.
Ainda assim, a Lei Federal nº 7.398, de 04/11/85, que dispõe sobre a
organização de entidades representativas dos estudantes secundaristas, assegura:
a organização de estudantes como entidades autônomas representativas dos
interesses dos estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais,
cívicas esportivas e sociais, [definindo que] (...) a organização, o funcionamento
e as atividades dos grêmios serão estabelecidos nos seus estatutos, aprovados em
assembléia geral do corpo discente de cada estabelecimento de ensino convocada
para este fim, [sendo que] (...) a aprovação dos estatutos, e a escolha dos dirigentes
e dos representantes do grêmio estudantil serão realizadas pelo voto direto e
secreto de cada estudante. (BRASIL, 2005)
Várias das cartas dos estudantes do ensino médio tornam possível perceber
que mesmo essa legislação é colocada em segundo plano ou ignorada nas
práticas correntes nas escolas. A constituição de grêmios atuantes, comprometidos
com a participação dos alunos na tomada de decisões no universo escolar, por
certo, depende de condições que, na maioria dos estabelecimentos, inexistem.
A própria direção, juntamente com os professores, como destaca Sallas
(1999), poderia influir na capacidade de mobilização dos alunos.
Entretanto, vale lembrar que, quando isso ocorre, as agremiações surgidas
são freqüentemente tuteladas, tornando-se apêndices da direção e tendo
pouca expressão em termos de efetiva participação.
Na carta que se segue – que, dentre outros aspectos, destaca a necessidade
de haver mais interação entre os jovens, a escola e os pais –, a referência às
dificuldades existentes para a criação de um grêmio mostra que a resistência
a essa organização ainda se faz presente:
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Carta LII – A direção deveria permitir a criação de um grêmio estudantil
A escola onde eu estudo possui uma boa estrutura física e um ótimo
quadro de professores. As aulas poderiam ser mais práticas de forma que
aplicássemos o que aprendemos em sala de aula, em laboratório de química
e biologia. As aulas de filosofia poderiam ser mais dinâmicas e menos
teórica. Pois é, estudamos a história da filosofia.
Os serviços audiovisuais são muito bons. As atividades extra-curriculares
são boas, mas a escola poderia participar de torneios intercolegiais, que
estimulariam quem pratica os esportes. Poderia ser oferecido, também, a
possibilidade de prática de esportes como natação, xadrez, tênis e tênis
de mesa pela escola.
Os professores possuem um ótimo conhecimento e são muito simpáticos.
A direção deveria permitir a criação de um grêmio estudantil, o que
já foi reivindicado, mas inviabilizado por ameaças de punições como
suspensão e expulsão dos alunos que estavam ligados ao movimento.
A interação jovem-escola-pais deveria ser mais ampla e ativa.
Os níveis das provas são altos, comparados aos melhores vestibulares
do país. A criação de um anfiteatro não seria uma má idéia, pois
permitiria uma melhor qualidade às apresentações dos grupos culturais
da escola. Resumindo, a escola é muito boa, mas com algumas modificações,
ficaria melhor ainda.
(Aluno, escola particular, GO)
Ao referir-se ao fato de ter havido "ameaças de punições como suspensão
e expulsão dos alunos que estavam ligados ao movimento", quando da
tentativa de organização de um grêmio, o autor dá elementos para se pensar
que o clima de repressão reinante nas décadas de 1960 e 1970, acima referido,
ainda é vigente em algumas escolas.
Em outras cartas, como a apresentada a seguir, a reivindicação por uma
efetiva ação do grêmio existente na escola, no sentido de atuar no resguardo
dos direitos dos alunos, aparece claramente:
Carta LIII– O grêmio é o único meio que os alunos têm de reivindicar seus direitos
Apesar de estudar há pouco neste colégio posso perceber que existe
varias falhas na direção do colégio. No início das aulas o colégio estava
horrível, estava todo pichado e só no final do semestre foi resolvido esse
problema através de um mutirão feito pelos alunos.
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Um outro aspecto que eu devo ressaltar é o do grêmio estudantil deste
colégio. Já foram feitas as eleições, o presidente foi escolhido, mas não
assumiu ainda. O grêmio é o único meio que os alunos têm de reivindicar
seus direitos e poder fazer alguma coisa por esse colégio.
Os alunos precisam ainda de um meio para pesquisas escolares que
pode ser através dos livros ou da Internet, mas como sempre o colégio
não possui uma biblioteca completa e muito menos Internet, pois os
computadores que a escola possuía foram roubados.
Vou simplificar, este colégio (...) necessita de um grêmio estudantil
para defender os direitos dos estudantes, de uma biblioteca completa para
que os alunos não precisem sair do colégio para pesquisar e de
computadores para se ter aulas básicas de computação e Internet, pois,
quase todos os colégios possuem e por que não o [,]?
(Aluno, escola pública, PI)
Conforme sugere o autor, um grêmio estudantil teria importância na luta por
direitos ligados à disponibilidade de recursos - acesso a livros, à Internet - necessários
ao bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Entretanto, nem sempre a existência de um grêmio estudantil implica a
participação dos alunos nos assuntos do seu espaço escolar. Algumas das cartas
referem-se à agremiação como uma entidade que pouco ou nada faz, ou
então, com pouco envolvimento na vida escolar, como se observa a seguir:
Carta LIV – Não vejo eles mostrarem serviço
Querida amiga Marta,
Escrevo-lhe esta carta para contar-lhe um pouco sobre a escola em que
estudo aqui em Belém do Pará.
Ela se localiza no centro da cidade, não fica longe de minha casa. É uma
escola de ensino fundamental e médio. Ouvi dizer que daqui a algum tempo ela
será de ensino médio, da mesma forma que outras escolas daqui. É uma escola
grande, mas infelizmente, as paredes estão pichadas, as carteiras também, os
quadros estão cheios de riscos que mal dá para enxergar o que o professor
escreve. Eu sei que tudo isso são os próprios alunos que fazem com a escola, mas
bem que poderia haver uma reforma, e depois campanhas de conscientização.
Os bebedouros não tem água fria. Quando eu estou com muita sede e
tenho que beber dessa água, eu fico com o estomago "embrulhado". Na
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cantina vende água, só que nem sempre eu posso comprar. O banheiro?
Nem se fala! Fede, não tem papel higiênico, alguns não tem porta. Nem
parece banheiro. A nossa quadra está um pouco feia, mas dá para ser
usada. Em relação aos professores, eles são bons, alguns deixam a desejar,
mas outros pelo contrário são ótimos e fazem a aula ficar até com um
gostinho especial. Só acho que as aulas poderiam ser mais dinâmicas,
para não cair na monotonia, e até nos motivar mais.
Há no colégio um grêmio estudantil, composto pelos representantes de
turma, não vejo eles mostrarem serviço, mas tudo bem! Na minha opinião
esse grêmio deveria agir com um ele entre os alunos e a direção da escola.
Aí, as coisas devem ser diferentes, pelo menos eu espero que sejam. Eu
gostaria que tudo fosse diferente: que os professores se importassem realmente
com nosso aprendizado, que houvesse todas as aulas durante a semana;
que o ambiente escolar fosse agradável; que nós tivéssemos aulas de educação
cívica, até mesmo aulas que pudessem despertar vocações; palestras sobre
diversos assuntos, principalmente da atualidade. Eu gostaria que as
coisas fossem melhores, e eu sei que para isso todos têm que fazer sua
parte, sem esperar pelo governo.
Beijos e abraços.
(Aluno, escola pública, PA)
Na carta apresentada, o autor faz um relato minucioso dos problemas
com que se defronta sua escola, possibilitando que se perceba a inexistência
de condições mínimas de atendimento às necessidades básicas dos alunos –
"os bebedouros não tem água fria"; "o banheiro (...) fede, não tem papel
higiênico, alguns não tem porta". A esse quadro, associa o pouco peso do
grêmio existente como fator de reivindicação e pressão por um ambiente
escolar mais digno de seus usuários.
Apesar desse quadro, há também cartas que mostram a visibilidade e as
conquistas advindas de uma atuação conseqüente no grêmio escolar, como é o
caso da que se apresenta a seguir, que narra a intensa atividade que desenvolve
a agremiação dos alunos em sua escola e sua participação em processo de
cunho decisório, como o de eleição da direção:
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Carta LV – Corremos atrás de várias coisas
Oi! Amigo, tudo bem? Estou aqui para levar ao seu conhecimento toda
a realidade de nós estudantes.
Meu colégio é bom, mais precisa de algumas reformas, como banheiros,
parte elétrica, parte de manutenção de materiais etc. Nosso colégio tem
um grêmio, eu faço parte dele; corremos atrás de várias coisas para
melhorá-lo, nossos professores são bons, mais tem alguns, "não são todos",
que não estão nem aí pra hora do Brasil, mais está dando pra estudar.
Na semana passada atrapalhou muito esta greve de professores,
graças a Deus já voltou ao normal. Teve também a eleição da nova direção
da escola, tivemos debates, várias propostas legais das duas chapas,
Florecer e De Bem com a Vida; Florecer é a nova direção do colégio e
tivemos vários benefícios através dela.
Pois é pouco o que escrevo aqui, é como se fosse uma caixinha de surpresa,
sempre acontece alguma coisa diferente aqui.
(Aluno, escola pública, RJ)
A carta a seguir, cujo foco reside na crítica ao sistema de avaliação adotado
em sua escola, aponta o descompasso entre a perspectiva dos alunos e a da
direção e do corpo docente, que parecem desconhecer quem, de fato, ele e
seus jovens colegas são:
Carta LVI – A diretoria tem que prestar mais atenção nas necessidades
dos alunos
A minha escola é como todas as outras, mas nela acontece algumas
modificações. Na segunda e sexta-feira nós soltamos mais tarde, pois temos
seis períodos, mas ainda bem que no resto da semana temos somente cinco.
O que eu mais odeio é a semana dos provões, porque nós temos uma
semana inteirinha somente de provas e mais provas. Mas a semana de
provas não é nada, o pior mesmo é a média que é 7. Nós já fizemos de
tudo para que a média baixasse para 6, mais os professores acham que se
isso acontecer a escola vai deixar de ser uma das melhores de Porto Alegre.
Do meu ponto de vista nós, os alunos estamos mais preocupados em passar
de ano do que em obter algum tipo de conhecimento para o futuro. Eu acho
que a diretoria da escola tem que prestar mais atenção nas necessidades dos
alunos, garanto que se isso acontecer muita coisa vai mudar e pra melhor.
(Aluno, escola pública, RS)
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Ao considerar que a direção deveria estar atenta às "necessidades dos
alunos", no sentido de ocorrerem mudanças no quadro que julga insatisfatório,
o autor remete ao aparente desprezo existente em relação ao "potencial" dos
jovens e à possibilidade de produção de um novo "pacto" entre os atores da
comunidade escolar.
Vale destacar, como apontado na pesquisa "Políticas públicas
de/para/com juventudes" (UNESCO, 2004), que a participação dos jovens
na dinâmica social, em suas diferentes manifestações, tem como principal
característica a oscilação, alternando períodos de visibilidade pública com outros
de forte retração e invisibilidade (p. 31), situação que, certamente, contribui
para que se cristalizem as visões estigmatizadas correntes na sociedade.
A partir dessas considerações, e recorrendo a Tragtenberg (1985), é possível
afirmar que as relações entre os diferentes agentes da escola – professores,
alunos, funcionários, orientadores, diretores etc. – reproduzem, em escala
menor, as relações que existem na sociedade. Nesse processo, o poder
disciplinar, que busca controlar o tempo, o espaço, o movimento, os gestos e as
atitudes, constitui-se como instrumento mais forte. Normas e procedimentos
voltam-se para identificar os "desvios" e os "problemas" (p. 41). Aos jovens,
esse quadro não passa despercebido, como revela a carta a seguir, na qual o
autor expressa sua divisão entre o que distingue como positivo e o que não
aceita em sua escola:
Carta LVII – Não preciso de tanta supervisão
Estudo no colégio (...) desde o pré-primário e gosto muito dele. Ele
ajuda o aluno em diversas áreas extra-curriculares, como no relacionamento
entre alunos e entre alunos e professores, escolha da profissão e nos
esportes. O ensino é bom, depende muito do ano e da matéria. (...)
Contudo, vejo um grande defeito no colégio. Estou na segunda série e
sou tratada como no pré-primário. Os professores perdem tempo olhando
quem fez o dever, quem matou aula, quem esqueceu o livro, quem está
comendo na sala. Acredito que eu já tenha maturidade o bastante para
fazer o que é melhor para mim. Não preciso de tanta supervisão, preciso
de ensino para passar no vestibular e para a minha vida em geral.
Finalizando, gostaria de dizer que adoro o colégio e acho que ele
proporciona o ensino que preciso, apesar de seus defeitos. É por isso que
fiquei por tanto tempo aqui.
(Aluno, escola particular, MG)
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A atitude infantilizadora que a escola lhe dispensa, observada quando o autor
estudante afirma "sou tratada como no pré-primário", e a alusão ao fato de já
dispor de maturidade "para fazer o que é melhor para mim" são mostras de sua
insatisfação com os mecanismos de controle existentes no ambiente escolar.
A instituição constitui um campo de conflitos, em que confrontos entre
diferentes agentes se manifestam e, apesar da retórica da participação do
jovem, assim como de seus pais e dos moradores do entorno escolar, bem
como de representações populares e sindicais, essa participação, na prática, é
restrita. Nessa direção, como lembra Sposito (1999), convém destacar que o
sentido de participação está relacionado, com freqüência, à integração de
alunos e suas famílias, segundo os parâmetros estabelecidos pela escola,
especialmente na escola das camadas economicamente desfavorecidas.
Essa visão "integradora", em que se busca a conformação dos alunos a
uma ordem predeterminada, aparece introjetada em alguns estudantes. Na
carta a seguir, o autor parece dar à participação que almeja em sua escola um
caráter de colaboração para a manutenção da "ordem":
Carta LVIII – Uma escola onde se "crie" pessoas civilizadas
Na minha escola existem alguns problemas, como em todas as outras tem,
e também tem qualidades. Começando pelos problemas: a escola não
disponibiliza professores de química e física para os primeiros anos, muitas
vezes as paredes ficam muito sujas, então o colégio pinta as paredes novamente
e algum tempo depois estão sujas novamente, ou seja, não há a colaboração
dos próprios alunos pra um bom andamento da escola, não sei dizer se são
os professores que não impõe respeito suficiente nos alunos, ou soltam todo o
seu "extinto [instinto] animal" dentro da escola para aliviar seus problemas.
Podemos citar também a fraca ajuda do governo com as despesas da
escola. Há um tempo atrás havia também professores de religião, que se
aposentaram. Desculpe, mas também existe a "pena" de alguns professores
de "rodar" alunos (avaliação).
Os alunos são unidos, mas unidos somente em suas "panelinhas",
causando brigas. A escola também necessita muito de uma máquina de
xerox, que está em falta de tinta. Existe também a falta de interesse dos
professores (alguns) e principalmente dos alunos. Tudo isso se resolveria com
a colaboração do governo e um trabalho com os alunos conscientizando-lhes
sobre o trabalho que fazem por eles. E conversando também com professores
sobre como cada um pode melhorar a escola.
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Mas também existe suas qualidades, mas as qualidades não precisam
ser resolvidas. Eu gostaria de ter uma escola unida entre professores e
alunos e funcionários, uma escola não de "maloqueiros", uma escola onde
todos participem e não estraguem sua escola, colabore com os professores.
Uma escola onde se "crie" pessoas civilizadas, onde preparem corretamente
os futuros trabalhadores, para a faculdade, cursos etc.
(Aluno, escola pública, RS)
Como é possível observar, antes de levantar as questões que mais o preocupam,
o autor ressalta o fato de que sua escola, como as demais, tem qualidades e
problemas. Entretanto, a gama de problemas mostra-se bastante ampla – a
falta de professores para algumas disciplinas, o "instinto animal" dos alunos, a
pouca autoridade de alguns professores, a escassez de recursos governamentais,
a falta de equipamentos... Um dos caminhos para mudar esse quadro, a seu
ver, passaria pela existência de "uma escola unida entre professores e alunos
e funcionários, (...) não de ‘maloqueiros’, (...) onde todos participem e não
estraguem sua escola".
Ao se partir do princípio de que a escola não é autônoma e faz parte de
um determinado contexto social, recebendo múltiplas influências e sendo
alvo de diferentes controles, compreende-se a dificuldade para acontecer
uma efetiva participação dos jovens, em um espaço que deveria estar sempre
aberto ao diálogo e ao debate, capaz de admitir e suportar conflitos entre os
saberes dos jovens e os dos demais atores. Um espaço cuja estruturação ganharia
os contornos definidos em um processo de debate democrático entre as distintas
posições existentes em seus limites. Nesse sentido, vale destacar que uma das
maiores reivindicações presentes nas cartas refere-se à participação no
planejamento geral da escola: assim como fazem críticas, os alunos também
apontam o desejo de dialogar acerca das possibilidades de superação de
determinados problemas.
Em suas narrativas, os estudantes, tanto dos estabelecimentos públicos
como dos particulares, mostram que não participam da organização da escola
ou na programação de suas atividades.
O desejo de diálogo e construção coletiva aparece na carta seguinte, na
qual fica patente que a necessidade de abertura da escola aos estudantes não
é demanda apenas dos alunos de escolas públicas, mas igualmente daqueles
de estabelecimentos particulares.
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Carta LIX – Meu desejo é que o colégio fosse mais aberto para a
opinião dos estudantes
Caro amigo como vai você? Espero que tudo bem. Escrevo para lhe contar
como é a realidade do meu colégio. Infelizmente, essa instituição não é da
forma que desejaria que fosse. Em primeiro lugar, acredito que haja uma
supervalorização da imagem da escola, onde se impõe o modo de vestir,
criando uma imagem não verdadeira com o intuito de ganhar mais dinheiro.
Falando no capital, eis outro ponto a ser enfatizado. A instituição
parece mais uma grande empresa de se fazer dinheiro, parece colocar em
segundo plano a vida do estudante na escola. O aluno entra no esquema
da escola ou sai, pois um a mais, um a menos não faz diferença em um
colégio de massa como o (...). Não há espaço aberto para a adaptação do
aluno com a escola. Além disso, há muito pouco incentivo à arte e à
expressão individual de cada um.
Meu desejo é que o colégio fosse mais aberto para a opinião dos estudantes,
e que as regras fossem decididas pelos alunos, professores e direção juntos
e não apenas pela direção e que houvesse uma maior preocupação em formar
cidadãos críticos e na individualidade de cada um. No mais, eu vou bem,
pois sou membro da elite brasileira e não sofro tão diretamente com a
desigualdade social.
Um abraço, seu amigo, anônimo.
(Aluno, escola particular, MG)
Manifestando o desejo de uma escola em que "as regras fossem decididas
pelos alunos, professores e direção juntos", o autor traz à pauta a questão do
peso que a cultura do poder fortemente hierarquizado, bastante freqüente no
universo escolar, exerce como fator de inibição de um processo de participação
democrática de todos os atores que o compõem. Mais especificamente, está-se
remetendo ao papel do diretor na conformação das possibilidades de participação
desses atores, principalmente os alunos e a comunidade, e de eventuais
mudanças nas relações de poder no interior da escola.
Via de regra, a ação dos diretores faz-se presente, implícita ou explicitamente,
em todos os níveis de decisão. A percepção dos jovens alunos sobre tal situação
pode aparecer claramente, como na carta a seguir, na qual o autor demonstra
sua insatisfação com o que sua escola lhe tem proporcionado e com a forma
como a imposição da vontade da direção contraria suas expectativas:
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Carta LX – O professor e o diretor devem consultar os alunos
Saudações,
Caro amigo. Quanto tempo que não nos vemos! Já sinto saudades de
nossos papos, aqueles papos que só nós sabemos! Já estou completando
meus estudos, logo vem o vestibular. Mas, tenho uma dúvida, será que
irei passar no vestibular, que é meu maior sonho?
Esta dúvida é porque não temos um ensino necessário. São muitas
coisas que não compreendo porque acontece. Começando pela escola, pela
organização dela, que é muito ruim. Tem professores que não tem competência
para ensinar os alunos como deve. Outra coisa, o diretor, a forma como
ele pensa que devem ser feitas as coisas é totalmente diferente dos alunos.
O professor e o diretor devem consultar os alunos como administrar a
escola, para que cheguem num acordo.
Estamos atrasados, vamos entrar pelo ano estudando, não sabemos o mês. Já
é um ponto negativo em relação ao diretor, que procurou reformar a escola no meio
das aulas. Por que não fez isso durante as férias? Não estaríamos atrasados.
Assim, vou me despedindo, com muitos abraços, e dedico felicidades a
você. Espero que seu colégio não seja como o meu!
(Aluno, escola pública, AC)
A demanda por diálogo e participação na tomada de decisão em relação ao que é
do interesse de todos parece distante da realidade do colégio retratado na carta, que
também expõe as fortes restrições do autor à qualidade do ensino que ali é ministrado.
Um importante aspecto a ser abordado, no que tange à participação dos
alunos no espaço escolar, diz respeito à própria construção das condições
necessárias à ampliação das possibilidades dessa participação. Os jovens das
camadas populares não enfrentam apenas os obstáculos impostos pela condição
de transitoriedade atribuída pela sociedade à sua categoria – a juventude.
Enfrentam, ainda – e principalmente – a segregação que lhes é imposta pela
cisão social que caracteriza a sociedade brasileira, que exclui das possibilidades
de participação democrática e usufruto da cidadania uma parcela cada vez
mais significativa da população, como bem destaca Dayrell (2001):
(...) uma das facetas da nova desigualdade que se instaura no Brasil é a
negação a esses jovens pobres do direito à juventude. (...) Encontram poucos
espaços nas instituições do mundo adulto para construir referências e valores
por meio dos quais possam se construir com identidades positivas, colocar-se
na cena pública como sujeitos como cidadãos que são. (p. 352)
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Nesse processo, a escola pública, destinada aos jovens das camadas populares,
aparece tão discriminada quanto eles próprios, como já apontava Teixeira
(1969), ao distingui-la, pela origem, daquela voltada à "classe dominante".
Se os conflitos inerentes ao caráter hierarquizado que perpassa as relações
presentes no dia-a-dia escolar e a constante disputa pelas posições sociais
possíveis nesse campo são perceptíveis, de forma geral, tanto nas escolas
públicas como nas privadas, é naquelas destinadas às camadas populares,
notadamente as situadas em áreas periféricas ou socialmente estigmatizadas,
que se tornam ainda mais significativos.
A necessidade de afirmação e sobrevivência dessas escolas em contextos
em que as instituições e os valores formais da sociedade vêm sendo afetados
por situações de violência e criminalidade poderia constituir, seguramente,
fator de recrudescimento, na relação com os alunos e a comunidade, de um
caráter refratário à sua efetiva participação na gestão e nos destinos da escola.
Nessa perspectiva, talvez se possa explicar o papel desempenhado pelo dire-
tor, conforme observa Paro (2001):
Premido por inúmeros e graves problemas originários das inadequadas
condições em que o ensino escolar tem que se desenvolver e instado a prestar
conta de tudo ao Estado, diante do qual acaba se colocando como culpado
primeiro por qualquer irregularidade que aí se verifique, o diretor escolar
desenvolve a tendência de concentrar em suas mãos todas as medidas e
decisões, apresentando um comportamento autoritário que já vai se firmando
no imaginário dos que convivem na escola como característica inerente ao
cargo que exerce. (p. 101)
Uma efetiva participação dos alunos na vida da escola e da comunidade
implicaria uma necessária quebra dos códigos formais ou simbólicos que
sustentam a historicamente pouco flexível estrutura hierárquica da escola, ou
seja, na democratização das relações de poder consubstanciadas desde há
muito na instituição. Entretanto, esses códigos têm raízes profundas nos
padrões culturais da sociedade como um todo, e mesmo alunos que
desenvolvem uma visão aparentemente crítica sobre seu cotidiano na escola
apresentam colocações contraditórias, situando-se entre a reivindicação por
mais ampla participação e o apoio a uma direção possivelmente autoritária,
como demonstra a carta a seguir:
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Carta LXI – Se tudo fosse bem liberal como todos sonham, seria uma
bela bagunça
Bom, eu gosto da escola onde estudo, apezar de ser um tanto rígida,
acho certo. Assim todos nós nos empenhamos muito mais, e o interesse
pelos estudos também aumenta.
Os professores, são bastante amigos, ao invez de complicar, ajudam os
alunos. É claro que tudo depende do nosso próprio esforço; temos o
compromisso de resolver atividades, trabalhos, etc...
Sabe, até que não é ruim, mas precisava de ter um pouco mais de atenção a
nós, porque em muitas ocasiões (que do qual discordamos) não temos o direito de
falar ou criticar. Podemos dar um grande desconto, pelo fato de existir o Grêmio,
que corresponde a um grupo de alunos responsáveis em defender os nossos direitos.
Olha, se tudo fosse bem liberal como todos sonham, seria uma bela
bagunça, confusões e muito mais. Acabaria com a educação do país, pessoas
sem respeito, cultura.
Na minha opinião, concordo plenamente com a ação dos diretores.
Devemos entender, eles só querem o nosso bem! Permiti-nos compara-los
aos nossos pais, que nos educão de uma forma rígida para sermos educados,
inteligentes e conseqüentimente ter um ótimo futuro.
(Aluno, escola particular, AC)
O conteúdo dessa carta traz à discussão a questão de que, no cotidiano escolar,
é recorrente o fato de muitos alunos assumirem funções de apoio aos diretores,
professores, coordenadores e inspetores, reproduzindo, freqüentemente,
comportamentos repressores em relação a seus pares, dentro de um padrão
semelhante àquele ao qual se refere Tragtenberg (1985), ao abordar a escola
através de seu poder disciplinador (p. 40). A hierarquia instituída, portanto,
prevalece, ainda que, muitas vezes, se ofereça alguma abertura para a participação
dos jovens, em um quadro ao qual a crítica de Paro (2001) bem se aplica:
(...) se a participação depende de alguém que dá abertura ou que permite sua
manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser
considerada democrática, pois democracia não se concede, se realiza. (pp. 18-19)
A gestão da escola, numa perspectiva de participação que envolva alunos,
professores, funcionários e conselhos escolares formados por membros da comunidade
interna e externa, implica que todos assumam responsabilidades e compromissos,
principalmente diante da possibilidade concreta de uma divisão de poder.
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A participação dos pais, como fator de contraponto e mudança na relação
dos alunos com a escola, é sugerida na carta a seguir, apesar do autor, entretanto,
não mostrar uma visão negativa do estabelecimento no qual estuda:
Carta LXII – Existe, dentro da filosofia da escola, a liberdade e a
democracia, onde todos participam
Existe poucos momentos da vida onde temos oportunidade de usufruir
de uma boa educação.
Educação atualmente, é um sistema onde os beneficiados são poucos,
porque quem depende de escolas públicas, realmente está numa situação
complicada, devido ao dinheiro que não é aplicado corretamente na educação.
A minha escola, apesar de ser na periferia, é boa. O ensino é dez, faz estudos
extra classe, pesquisas, aulas de computação, aula de vídeo, laboratório de
ciências, fora a parte de esporte, que é completo, tem Vôley, Futsal e etc...
Mais para ser um bom estudante, não depende só da escola, o estudante
tem que se interessar.
Se eu tivesse que mudar alguma coisa na minha escola, mudaria o
método de interferência entre pais e colégio.
Faria com que em cada classe os pais fossem representante de turma,
só assim os alunos mudariam, pensando em si interessar mais.
(Aluno, escola particular, AL)
Vale lembrar, aqui, mais uma vez, o estudo realizado pela UNESCO
sobre "escolas inovadoras", que identificou como um dos aspectos mais
distintivos desses estabelecimentos o fato de seus diretores criarem condições
de participação de toda a comunidade escolar no planejamento e nas decisões
(ABRAMOVAY et al., 2003, p. 334).
A carta a seguir é bem representativa de uma escola na qual se dá um
processo inovador. Apesar de apresentar problemas comuns a outras escolas,
o que parece diferenciá-la da maioria é exatamente a existência de uma
postura que valoriza a participação democrática:
Carta LXIII– Todos participam
Prezado amigo,
Venho através desta carta lhe relatar como é e como funciona a minha
escola. Ela chama-se Escola Estadual de 2º Grau (...).
É uma escola muito boa, temos ótimos professores, todos com formação
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profissional e curso de pós-graduação. Existem mais de um professor por
disciplina, laboratórios, oficinas, tudo bem organizado para que todos,
dentro do possível, tenham acesso.
Existe também, dentro da filosofia da escola, a liberdade e a democracia,
onde todos participam, questionando ou sugerindo algo de novo para o bem
comum, pensando sempre no conjunto e não só no individual. Existe também
a preocupação de preparar o indivíduo para melhor encarar o mundo.
Mas meu amigo, como toda escola do Brasil, a minha também tem certas
dificuldades que aos poucos poderiam ser melhoradas, como ter equipamentos
mais atualizados, ter oficina de informática, professores bem mais remunerados
e o principal que acho, que os alunos tenham consciência do potencial da
escola e que valorizem mais o tempo que nela passam, pois a vida cada
dia que passa se torna mais difícil. E a única maneira de torná-la mais
fácil é absorver o máximo os conhecimentos a que nos são passados em
nossas escolas por nossos professores, que um dia foram alunos como nós
e souberam aproveitar as oportunidades que foram dadas.
(Aluno, escola pública, RS)
Na verdade, no cenário brasileiro, os jovens, freqüentemente, são culpabilizados
em questões ligadas à violência, às drogas e a outros problemas. Suas expressões, suas
tentativas de atuar na construção de sua própria história são pouco visíveis aos olhos
do restante da sociedade, incluindo-se aí a escola. Pouco se diz sobre quem, de fato,
são eles, sobre como vivem e como se relacionam, por exemplo, na escola. Por um
lado, o temor e o sentimento de insegurança que o imaginário adulto associa aos
jovens traduzem-se na ameaça que eles encarnam para o mundo adulto. Por outro,
quando se relaciona a questão da juventude à da cidadania, o que se focaliza,
geralmente, são os problemas, como bem assinala Abramo (1997):
(...) todo debate, seminário ou publicação relacionando esses dois temas (juventude
e cidadania) traz os temas da prostituição, das drogas, das doenças sexualmente
transmissíveis, da gravidez precoce, da violência. As questões elencadas são sempre
aquelas que constituem os jovens como problemas (para si próprios e para a
sociedade) e nunca, ou quase nunca, questões enunciadas por eles, mesmo
porque, regra geral, não há espaço comum de enunciação entre grupos juvenis e
atores políticos. Nesse sentido, o foro central do debate concentra-se na denúncia
dos direitos negados (a partir da ótica dos adultos), assim como a questão da
participação só aparece pela constatação da ausência. (p. 28)
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126
A escola representa para o jovem a via natural para a aprendizagem e o exercício
da participação democrática, por meio de experiências objetivas e subjetivas,
resultado das muitas interações que ela, em princípio, deve proporcionar. Em
vista disso, deve procurar se constituir em um espaço de aprendizado do convívio
com diferenças e igualdades, do respeito a tais diferenças, em que as decisões
sejam discutidas e tomadas no âmbito do coletivo. Só se chega a um processo
democrático na medida em que se tenha a participação dos envolvidos e,
portanto, de acordo com Gadotti e Romão (2000), faz-se necessário que haja
um processo de educação para a participação democrática e a escola parece ser
a via e o lócus natural de aprendizado desse processo.
Nesse sentido, a participação dos estudantes na vida de sua escola pode
significar, sem dúvida, um caminho mais propício à conformação do ambiente
escolar às demandas da sociedade e, particularmente, dos jovens do ensino
médio, considerado o fato de viverem um momento crucial em relação às
perspectivas de continuidade dos estudos e de trabalho. Além do mais, não se
pode deixar de considerar que esses próprios jovens sinalizam uma espécie de
saturação do modelo escolar vigente, o que representa um alerta importante
para as instâncias competentes no sentido da urgente necessidade de mudança.
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127
Para além de relatos individuais, a análise das cartas escritas pelos jovens estudantes
permite fazer uma profunda reflexão a propósito do sistema educacional brasileiro,
especialmente sobre o segmento em que se encontram inseridos, o ensino médio.
Redigidas de forma bastante crítica, mas sem deixar de lado o senso de
humor, traduzem sua compreensão sobre o fato de aquele momento da
escrita, ou melhor, de estar no papel, ter sido uma oportunidade privilegiada,
quando puderam expressar livremente suas opiniões e visões sobre um
assunto que é, para eles, bastante caro: a escola que freqüentam e na qual
depositam uma série de esperanças.
Os estudantes discorrem sobre praticamente todas as questões que
envolvem o cotidiano escolar, a maior parte deles com plena consciência de
que os vários problemas relatados não serão resolvidos durante seu percurso
discente. Entretanto, tal fato não impede que manifestem seu compromisso e
sua aposta no futuro, tanto da escola quanto dos outros jovens que os sucederão
(que podem até vir a ser seus filhos, como alguns relatam), expressando seus
anseios como herança para o caminho das futuras gerações.
Ambientes inadequados do ponto de vista da infra-estrutura, dos equipamentos,
da qualidade do ensino e da participação do jovem no espaço escolar são
alguns dos exemplos recorrentes nas narrativas, afetando, de formas variadas,
escolas públicas e particulares, de todas as regiões do país. Deste modo, as
cartas revelam uma visão bastante contundente de como os jovens se
percebem nesse contexto, suas expectativas presentes e futuras.
Entretanto, ainda que o ensino médio se apresente, na ótica dos autores das cartas,
imerso em uma série de problemas – seja em relação ao seu papel
primordial, a formação do cidadão, seja no que diz respeito às condições vigentes para o
desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem –, vislumbra-se nas críticas, antes
de um tom pessimista, o desejo de contribuir para transformar um espaço que é por
eles tão prezado. Além do mais, e conforme as palavras de um desses jovens, é claro
que as qualidades existem, mas estas "não precisam ser resolvidas...".
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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128
De modo específico, os temas referentes aos espaços escolares permitem
identificar aspectos que, em sua maioria, parecem estar entrelaçados em uma
espécie de rede. Dentre eles, três questões emergem de forma recorrente:
-A primeira remete ao fato de que a participação dos alunos na gestão da
escola é bastante limitada, resumindo-se, praticamente, à eleição – quando
há – da direção escolar. Poucas cartas fazem referência à participação
ampla dos estudantes na condução dos rumos do estabelecimento e, da
mesma forma, na elaboração de projetos comuns entre professores e
alunos. Apesar de a maioria das escolas públicas possuir canais formais
de participação (conselhos com a representação de alunos, de pais, de
professores, de funcionários etc.), estando, por conta disso, legalmente
aberta ao envolvimento da comunidade, a gestão participativa dos
estudantes ainda não é uma realidade.
-A segunda diz respeito à constatação de que, entre as escolas públicas e
particulares, existem diferenças significativas, no que tange às expectativas
dos alunos em relação ao sucesso no vestibular. Tal fato pode ser entendido
como sendo conseqüência de uma constatação: a de que o ensino público
ainda apresenta deficiências que não permitiriam aos seus alunos concorrer
com os oriundos das escolas particulares em condições de igualdade. A isso
se soma a supostamente reduzida auto-estima dos alunos das escolas públicas,
resultante da incorporação de julgamentos e preconceitos – emitidos, na
maioria das vezes, de forma não-intencional, por seus professores ou por
agentes externos – assimilados ao longo dos anos.
-A terceira, finalmente, refere-se ao fato de que, apesar de existirem diferenças
entre as escolas públicas e particulares em termos de ensino, essas
diferenças são reduzidas quando os estudantes fazem as críticas a ambas.
As críticas feitas pelos alunos das escolas públicas são voltadas, na sua
maioria, para as questões relativas à infra-estrutura, ao absenteísmo dos
professores e à pouca participação na gestão. Já as críticas relativas às
escolas particulares incidem na rigidez dos mecanismos de controle, na
escassez dos equipamentos e nos métodos de ensino que não admitem
ou reconhecem a autoria do estudante. O ponto comum entre ambas é
a vontade dos alunos de poder se expressar, de ter um pouco mais de voz
em algumas decisões tomadas. São decisões que, na ótica dos estudantes,
dizem respeito a eles e, portanto, nada mais natural que também sejam
ouvidos a respeito delas.
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129
É notório que a qualidade da educação é impulsionada por uma conjunção
de diversos fatores, os quais se encontram diretamente relacionados às esferas
econômica, política e social, entre outras. Entretanto, é no campo do fazer
educativo que as cartas vêm expor um grande mal-estar. A utilização de
metodologias que não reconhecem os jovens alunos como sujeitos que são,
determinados por uma história e por um contexto de cultura específicos,
imersos ativamente nas diversas linguagens das juventudes, mostra o quão
urgente é, para o avanço educacional, repensar a escola e o ensino.
No campo da política, e frente à "Declaração sobre a promoção entre a
juventude dos ideais de paz, respeito mútuo e compreensão entre os povos",
proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (1965), as cartas tornam
o desafio ainda maior. A tarefa de educar a geração jovem de acordo com
os ideais ali proclamados deve estar imbuída de um espírito de dignidade e
de igualdade, não fazendo distinção de raça, cor, origem étnica ou crença,
quaisquer que sejam elas, sempre na observância vigilante dos direitos
humanos fundamentais e do direito dos povos à livre determinação.
Tais princípios são contrariados quando formuladores de políticas para
a educação, secretários de educação, diretores, funcionários e demais atores
do sistema educacional, em situação de aparente descomprometimento
com os alunos, permitem o estabelecimento de um clima de pessimismo e de
derrota, cuja origem pode ser atribuída à ocorrência, isolada ou em conjunto, de
uma série de fatores adversos, entre os quais o absenteísmo dos professores, a
não conclusão dos conteúdos previstos nas disciplinas ou, ainda, a realização
de avaliações burocráticas, sem o empenho necessário com o aluno e com a
educação. Do mesmo modo, aspectos relativos à quantidade e à qualidade
dos materiais didáticos, à qualidade da didática e aos incentivos
socioeconômicos e culturais configuram-se como de suma importância
quando se tratar da qualidade da educação.
Até que ponto essa carga negativa denunciada pelos estudantes interfere
no desempenho do aluno e do professor? Muitas cartas fazem menção à
falta de disposição docente em criar um pouco mais de motivação nos
alunos, alertando para a necessidade de que sejam adotadas medidas de
investimento no espaço escolar, que reconheçam a instituição e os seus
sujeitos. Certamente, tais medidas devem emergir do fortalecimento de
políticas públicas que se contraponham ao processo de deterioração do sistema
educacional, investindo, por exemplo, na renovação das formas de gestão e,
fundamentalmente, em processos de valorização do professor.
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Paulo Freire (apud SNYDERS, 1993, p. 9) afirma que a alegria na escola
fortalece e estimula a alegria de viver. Segundo ele, se o tempo da escola tem
se configurado como um tempo de enfado, em que o educador, a educadora
e os educandos vivem os segundos, os minutos, os quartos de hora, à espera
de que a monotonia termine, a fim de partirem risonhos para a vida que os
espera lá fora, a tristeza experimentada na escola termina por deteriorar a
alegria de viver. Deste modo, viver plenamente a alegria na escola significa
mudá-la, significa lutar para incrementar, melhorar e aprofundar a
mudança. Além do mais, lutar pela alegria na escola é uma maneira de lutar
pela mudança no mundo.
Tomando de empréstimo a poesia de Bertold Brecht, em "Apague os rastros!",
na qual o autor, numa crítica mordaz à educação por ele recebida, diz que
o homem não deve deixar marcas, não deve ser autor do seu próprio caminho,
é possível ler, nas entrelinhas das cartas dos estudantes do ensino médio,
um convite completamente oposto à situação descrita pelo poeta alemão, ou
seja, que se esteja atento à importância de se preservar a capacidade crítica,
a autoria de idéias e, principalmente, a "escrita" de uma escola mais antenada
com o seu tempo. Uma escola que resgate seu papel social, como instância
capaz de fortalecer o sentido de pertencimento dos alunos, de lhes oferecer
formação condizente com uma atuação digna na sociedade, que lhes traga
ao centro do processo educativo. Que seja lugar, no cotidiano, da
construção de relações de afeto, de limites e, principalmente, de participação
dos jovens que nela depositam esperança.
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