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tranqüilo”. Já Laerte Setúbal Filho afirma, em entrevista publicada em 22 de março de 2004, que
todo burguês apoiou o golpe em 1964
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Nos anos seguintes ao golpe, assim como os posteriores ao final do regime, muitos
empresários procuraram justificativas por ter apoiado a tomada do governo, demonstrando a
desaprovação dentro da própria classe pelos resultados ineficazes para promover a modernização.
No final das contas, os militares, com menos influência e penetração de mídia, foram “eleitos”
pelas elites orgânicas os vilões do regime, e Jango, o bufão.
Acho interessante relatar um episódio que ocorreu no fim do governo de Jango Goulart, o
maior desastrado em matéria política e que induziu o movimento das classes conservadoras a
apoiar o futuro regime militar.
Em 29 de março de 1964, quando presidente do Sindicato de Máquinas, recebi uma
solicitação para que me juntasse a uma comitiva que se dirigia ao Rio, a fim de solicitar ao
Ministro da Fazenda, Ney Galvão, a revogação da ordem dada para que o Banco do Brasil
suspendesse suas operações de crédito, o que sufocava a indústria. Vim posteriormente a saber que
a comitiva era integrada por elementos que decididamente não participavam das articulações da
FIESP com os militares revolucionários. Fernando Gasparian liderou a comissão e dela participou
Dilson Funaro, Paulo Pascovich, juntando-se a um grupo gaúcho comandado por Paulo Vellinho.
No dia 30 tivemos uma reunião com o Ministro da Fazenda e lembro-me de que nela estavam
Nestor Jost (presidente do Banco do Brasil) e Renato Costa Lima (político influente). Após
debates, foi-nos anunciado que o Presidente Jango revogara a medida, mas fazia questão de ter um
encontro conosco no Palácio Guanabara. Constrangidos, para lá nos dirigimos no dia 31 de março
e nos recusamos decididamente a nos apresentar debaixo de câmeras de televisão e microfones de
rádio já preparados no salão. No começo da tarde, sem a mídia, recebeu-nos Jango,
reservadamente, com toda a calma, fumando seu cigarrinho! “Chamei-os aqui”, disse ele, “para
alertar que ao sair ouvirão rumores de golpe e posso assegurar que conto com o apoio de todos os
comandos militares do país. Os boatos que ouvirem são espalhados por governadores frustrados em
suas ambições políticas”.
Terminada a reunião, dirigi-me ao Aeroporto Santos Dumont, que achei um pouco
agitado, e tomei meu primeiro avião de Ponte Aérea. Ao chegar em casa no fim da tarde, encontrei
a família preocupadíssima por causa de telefonemas constantes que recebiam para saber de meu
paradeiro. Minha resposta: que revolução que nada. Acabamos de estar com um presidente
inteiramente tranquilo!”
No mesmo dia, as tropas de Minas já marchavam para o Rio de Janeiro, o general Kruel
aderiu à revolução e Jango foi destituído... Por muitos anos anos fiquei em dúvida se Jango nos
enganou ou estava enganado. Depoimentos posteriores mostraram que a última hipótese seria a
mais exata
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As entrevistas estão reproduzidas, em ordem de publicação na Gazeta Mercantil (José Mindlin, Laerte Setúbal
Filho, Paulo Vellinho e Einer Kok), nos anexos II, III, IV e V.
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KOK, Einer. Diálogos no Tempo. São Paulo, 2003, p. 121-122.