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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ESTADO NOVO E RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS (1937-1945)
CARMEM G. BURGERT SCHIAVON
Porto Alegre, dezembro de 2007.
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2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ESTADO NOVO E RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS (1937-1945)
Tese apresentada ao Curso de Pós
-
Graduação em H
istória da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em
História.
Orientador: PROF. DR. BRAZ
AUGUSTO AQUINO BRANCATO
CARMEM G. BURGERT SCHIAVON
Porto Alegre, dezembro de 2007.
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3
Portugal transportou-se inteiriço para o Brasil e aí se
engolfou no mundo novo, adaptando-se à sua
ecologia e à sua natureza esplêndida e
avassaladora. A alma portuguesa, os costumes,
tradições, hábitos, sensibilidades humanas e
estéticas transfundiram-se no novo meio plasmando
o homem novo luso-tropical.
Manuel de Sá Machado
4
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Braz Augusto Aquino Brancato, pela competente e
dedicada orientação, pela amizade e pelo constante apoio na elaboração desta
tese.
Ao Prof. Dr. René Gertz, pelas importantes considerações
apontadas por ocasião da qualificação da presente tese, as quais
enriqueceram o texto, notadamente, o primeiro capítulo.
Ao Prof. Dr. Francisco das Neves Alves, pela leitura do texto e
sugestões apresentadas mas, fundamentalmente, pelo constante incentivo.
Ao Prof. Dr. Luís Reis Torgal, pelas indicações e orientações
durante a fase da pesquisa, em Portugal.
Ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS pelo
excelente curso oferecido, ao corpo docente por sua constante preocupação
com a formação acadêmica dos alunos, e ao pessoal administrativo, com
menção especial à Carla Carvalho e ao Davi Diniz.
A CAPES, pela bolsa, imprescindível para a realização desta
tese.
Aos funcionários do Arquivo do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, principalmente à Isabel Coelho, pelo seu auxílio à realização da
pesquisa documental, em Portugal.
5
À Rosiane Graça Rigas Martins, aqui representando o pessoal
administrativo do Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, pelo auxílio
à pesquisa neste local.
Aos colegas da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a
Professora Franciane Maria Ramos Dias, pela pronta disposição em ajudar,
principalmente no que dizia respeito às trocas de horário de aulas, e ao
Professor Sergio Ricardo Pereira Cardoso, pelas discussões acerca da
temática trabalhada.
À minha família, em especial, à minha mãe, dona Ema, pelo
constante incentivo.
À Professora Flávia Mancine, pela revisão do texto.
E, finalmente, todavia, não menos importante, ao William, pelo
inestimável apoio.
6
RESUMO
A cada de trinta do século XX, com Getúlio Vargas à frente do
executivo nacional, inaugura uma nova fase nas relações luso-brasileiras, pois
a partir deste momento verifica-se um processo de reaproximação entre os dois
países. Com a implantação do Estado Novo no Brasil, em razão das afinidades
ideológicas e histórico-culturais, bem como do expressivo número de
portugueses residentes no Brasil, acentua-se este processo de aproximação.
Desse modo, com base na retórica da afetividade, Portugal irá assumir a
liderança nesse processo de ligação com o Brasil, visando a formação da
comunidade luso-brasileira e o incremento nas entre os dois países. Como
fruto desse recrudescimento nas relações entre lusos e brasileiros, constata-se
a assinatura de um Tratado Cultural, de uma Convenção Ortográfica, da
criação da Revista Atlântico, de um Protocolo Adicional ao Tratado de
Comércio e Navegação de 1933, assim como uma série de outras iniciativas
que objetivam aproximar Brasil e Portugal e ressaltar a identidade comum entre
essas duas nações.
7
ABSTRACT
The 1930s decade, with Getúlio Vargas heading de national executive,
sets up a new phase in the Brazilian-Portuguese relations, and from this
moment on one can verify a process of reapproaching between the two
countries. With the implementation of Estado Novo (New State) in Brazil, due
to the ideological and historic-cultural kinship as well as the great number of
Portuguese people living in Brazil, this process of approaching increases. Thus,
based on the rethoric of affectionateness, Portugal will assume the leadership in
this linking process to Brazil, aiming at the formation of a Brazilian-Portuguese
community and the increase of the relations. As a result of the increment in the
relations between Brazilian and Portuguese people, one can witness the
signature of a Cultural Treaty, of an Orthographical Convention, and the
creation of Atlantico Magazine, of an Additional Protocol to the Treaty of
Commerce and Navigation (1933) besides a series of initiatives that have the
objective of approaching Brazil and Portugal and emphasizing the common
identity between these two nations.
8
LISTA DE TABELAS
3.1 Intercâmbio comercial luso-brasileiro (1938-1945)............................... 159
3.2 Comércio luso-brasileiro (1936-1940)................................................... 164
3.3 Comércio português (1936-1940)......................................................... 165
3.4 Importações portuguesas de tabaco em folha...................................... 170
4.1 Emigração portuguesa para o Brasil (1937-1945)................................ 193
5.1 Defesa dos interesses brasileiros na Alemanha................................... 249
5.2 Defesa dos interesses brasileiros no Japão......................................... 264
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................ 11
CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA................................ 23
1.1 Breve contextualização do quadro português.................................. 25
1.1.1 O término da Primeira República portuguesa e as raízes do 28
de Maio......................................................................................... 26
1.1.2 A ditadura militar portuguesa e a implantação do Estado Novo
em Portugal.............................................................................. 34
1.1.3 A neutralidade portuguesa e a Segunda Guerra
Mundial............................................................................................... 45
1.1.4 O governo de Marcelo Caetano e o 25 de
Abril.................................................................................................... 49
1.2 Breve contextualização do quadro brasileiro................................... 52
1.2.1 O cenário brasileiro antes do decreto do Estado Novo no
Brasil.................................................................................................. 53
1.2.2 O olhar português acerca da nova Constituição do país e a
primeira fase do Estado Novo brasileiro (1937-1942)........................ 68
1.2.3 A segunda fase do Estado Novo brasileiro (1942 a 1945)........ 76
CAPÍTULO 2 BRASIL E PORTUGAL: RELAÇÕES CULTURAIS
DURANTE O ESTADO NOVO BRASILEIRO............................................. 80
2.1 Aspectos culturais do Estado Novo brasileiro.................................. 83
2.2 Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941.......................................... 87
2.3 O Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941 frutifica: criação da
Revista Atlântico.....................................................................................
101
2.4 Outros desdobramentos do Acordo Cultural Luso-Brasileiro de
1941........................................................................................................ 105
2.5 Assinatura do Acordo Postal de 1942 e Telegráfico de 1943 ......... 111
2.6 As Convenções Ortográficas de 1943 e 1945.................................. 115
CAPÍTULO 3 EXPANSÃO DO INTERCÂMBIO COMERCIAL LUSO-
BRASILEIRO.............................................................................................. 128
3.1 A política externa econômica luso-brasileira durante a vigência do
10
Estado Novo no Brasil............................................................................ 129
3.2 O Tratado de Comércio e Navegação de 1933................................ 137
3.3 A vinda da missão comercial portuguesa ao Brasil em 1938........... 142
3.4 Protocolo Adicional ao Tratado de Comércio e Navegação de
1933........................................................................................................ 155
3.5 Formação e atuação da Comissão Mista Luso-Brasileira................ 161
CAPÍTULO 4 A IMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL
DURANTE O ESTADO NOVO BRASILEIRO............................................. 176
4.1 A política de imigração desenvolvida por Getúlio Vargas................ 179
4.2 Os portugueses diante da nova legislação estabelecida pelo
Estado Novo brasileiro........................................................................... 192
4.3 Uma das faces do nacionalismo de Getúlio Vargas: a
naturalização dos estrangeiros............................................................... 199
4.4 A vigilância salazarista exercida sobre a colônia portuguesa no
Brasil....................................................................................................... 205
4.5 A ação dos “insubmissos” da colônia portuguesa durante o Estado
Novo brasileiro........................................................................... 216
4.6 A colônia portuguesa no Brasil em face à Segunda Guerra
Mundial................................................................................................... 223
CAPÍTULO 5 PORTUGAL E A DEFESA DOS INTERESSES
BRASILEIROS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.................. 232
5.1 O dúbio jogo de interesses desenvolvido por Getúlio Vargas e a
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial............................... 233
5.2 A representação portuguesa acerca dos interesses brasileiros na
Alemanha, na Itália e no Japão.............................................................. 241
5.2.1 Defesa portuguesa dos interesses brasileiros na
Alemanha........................................................................................... 243
5.2.2 Defesa portuguesa dos interesses brasileiros na
Itália.................................................................................................... 253
5.2.3 Portugal na salvaguarda dos interesses brasileiros na França
ocupada............................................................................................. 257
5.3 O pedido de facilidades de passagem a Portugal............................ 264
5.4 A formação e a visita de um contingente da Força Expedicionária
Brasileira a Portugal............................................................................... 267
5.5 As repercussões do rmino da Segunda Guerra Mundial para o
Brasil e para as relações luso-brasileiras............................................... 281
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 284
FONTES E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.............................................. 292
11
INTRODUÇÃO
A intenção original desta tese consistia na análise do exílio do chefe do
integralismo brasileiro, Plínio Salgado, durante o período em que ele esteve
exilado em terras portuguesas (1939 a 1946), e as relações luso-brasileiras daí
decorrentes. Entretanto, após um período de pesquisas em Portugal, verificou-
se que as fontes para o desenvolvimento de tal projeto eram incipientes. Diante
desta constatação e da expressiva correspondência diplomática e consular
luso-brasileira existente no Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros
(MNE), em Lisboa, e no Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), no Rio de
Janeiro, houve um redimensionamento do projeto de pesquisa original,
optando-se pela análise das relações luso-brasileiras com enfoque no
aspecto cultural, econômico, imigratório e militar durante o Estado Novo no
Brasil (1937-1945)
1
.
Não obstante, para se entender as relações luso-brasileiras no período
mencionado, torna-se necessário um retorno ao início da década de trinta, mais
precisamente à Revolução de 1930, tendo em vista que ela alterou os rumos
da República Velha no Brasil ao estabelecer uma ruptura na estrutura
1
Sobre a questão ideológica do Estado Novo em Portugal e no Brasil ver, entre outros:
PALOMANES, Francisco & PINTO, Antonio Costa (Orgs.). O corporativismo em português
Estado, política e sociedade no salazarismo e no varguismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. Ressalta-se que a obra de Palomanes não foi citada no corpo da presente
tese pelo fato de ter sido publicada no momento em que esta se encontrava na fase final de
elaboração.
12
republicana vigente até então, ocasionando uma rie de mudanças
traduzidas, principalmente, por uma centralização administrativa do país e a
conseqüente perda de poder por parte das elites regionais, notadamente, São
Paulo e Minas Gerais.
No plano interno, a década de trinta do século XX apresenta uma série
de transformações para o Brasil, pois o país passa de uma posição agro-
exportadora para uma condição de base urbana industrial. É claro, não existe,
neste momento, a consolidação capitalista no Brasil, entretanto, “os
pressupostos, as bases, os fundamentos necessários para o desenvolvimento
dessa nova ordem econômico-social foram lançados durante o primeiro
governo Vargas”
2
.
no que respeita ao plano externo, o momento é marcado,
principalmente, pelas transformações decorrentes da crise internacional de
1929. Sobre a condução das relações exteriores, em princípios da década de
trinta do século XX, a historiografia das relações internacionais pode ser
dividida em dois grupos. O primeiro defende a idéia de que não houve grandes
alterações nos rumos desta no período
3
, tendo em vista a inexistência de
“mudança de monta, pois, a nossa política externa no período compreendido
entre 30 e 37, que a atividade dos ministros do Exterior era puramente
acadêmica, se tivermos como padrão as modificações radicais que surgiram
posteriormente”
4
, uma vez que Vargas direcionava sua atenção para a
sustentação do seu governo (provisório) estabelecido a partir de novembro de
1930 e buscava a resolução dos problemas internos, os quais emergiam a todo
o momento. O segundo grupo, por sua vez, afirma que ocorreram mudanças
significativas na condução das relações exteriores brasileiras na época;
consubstanciam seu pensamento no fim da hegemonia agro-exportadora, bem
2
DINIZ, Eli. Engenharia institucional e políticas públicas: dos conselhos técnicos às câmaras
setoriais. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 1999, p. 24.
3
PINSKI, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. In: MOTA, Carlos Guilherme
(Org.). Brasil em perspectiva. 19. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990; SEITENFUS,
Ricardo Antônio Silva. Para uma nova política externa. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1994.
4
PINSKI, Jaime. Op. cit., p. 342.
13
como na posterior ênfase das relações internacionais por meio da assinatura
de diversos tratados na área comercial
5
.
Entretanto, com o advento do Estado Novo no Brasil, em 1937 – e
mesmo um pouco antes as relações exteriores do Brasil terão contorno mais
nítido e serão orientadas no sentido da obtenção dos insumos necessários ao
desenvolvimento industrial do país almejado por Getúlio Vargas; em outras
palavras, o projeto varguista de desenvolvimento almejava “sistematicamente
atrair capitais e tecnologia para fomentar o desenvolvimento, além de tentar
abrir novos mercados para as exportações brasileiras”
6
. Nesta direção,
ocorrerá uma nova orientação das relações exteriores do país, ou seja, “é
nessa fase que se passa de uma postura mais ou menos passiva em relação
ao sistema internacional dominante para uma tentativa de inserção positiva e,
portanto afirmativa, nos quadros da ordem mundial em construção”
7
.
Seguindo esta linha, estudos sobre as relações exteriores do Brasil em
tela no período
8
apontam para essa busca getulista dos recursos necessários
para pôr em prática o processo de industrialização do país, notadamente, da
oscilação de posição ora em relação à Alemanha, ora em direção aos Estados
Unidos, até a posterior definição por este último, no momento em que foi
atendida a reivindicação referente ao empréstimo para a construção da
5
Os principais expoentes desse grupo são: CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo.
História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992; BANDEIRA, Moniz. O Brasil e o
continente. In: CERVO, Amado Luiz. O desafio internacional: a política exterior do Brasil de
1930 aos nossos dias. Brasília: Ed. da UnB, 1994.
6
CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. São Paulo: Ed. da
UNESP; FAPESP, 2000, pp. 15-16.
7
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e política externa do Brasil: dos
descobrimentos à globalização. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1998, p. 44.
8
Com relação à política externa durante a Segunda Guerra Mundial e o Estado Novo no Brasil,
numa caracterização geral, pode-se dividir a bibliografia em três linhas. De acordo com a
primeira, a política externa brasileira de 1935 a 1942 representou o que Moura denominou de
“autonomia na dependência” – MOURA, Gérson. Autonomia na dependência: a política externa
brasileira (1935-1942). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. A segunda traduz a idéia de que
“o Brasil não teve uma política externa independente e autônoma durante o período de 1932-
1942” (SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos
blocos: 1930-1942. O processo de envolvimento brasileiro na II Guerra Mundial. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1985, p. 341). E, por fim, Francisco Corsi afirma que “foi com o
Estado Novo que a política externa passou a pautar-se por um projeto de desenvolvimento”.
Todavia, segundo Corsi, o “projeto de desenvolvimento de Vargas não pode ser concebido
como um plano acabado, com metas, mecanismos de financiamento e órgãos de controle e
coordenação de programas formalmente definidos, poiso existia à época algo nesses
moldes”. CORSI, Francisco Luiz. Op. cit., p. 16.
14
siderúrgica de Volta Redonda. Ressalta-se que “esse panorama, contudo, era
recíproco, à medida que os principais países cortejavam o governo de Getúlio
Vargas”
9
. Internamente, o presidente getulista adota um discurso que vinculava
autonomia econômica como fator de desenvolvimento nacional, de modo a
articular a construção de um Estado centralizado, justificando-o como a peça
fundamental para o desenvolvimento brasileiro. Assim, o governo brasileiro
assumirá a posição de um anti-liberalismo representativo, ou seja, a figura do
cidadão concederá lugar à classe trabalhadora tutelada pelo Estado
10
.
Do outro lado do Atlântico, diferentemente do caso brasileiro, na etapa
inicial do Estado Novo português, as relações exteriores portuguesas ainda
estavam orientadas no sentido de manter o país em um estágio de agrarismo e
a palavra “industrialização” estava condicionada tão somente à obtenção de
gêneros de primeira necessidade. Posteriormente, essas relações exteriores
terão por base três pilares: a defesa do império colonial português, a libertação
da influência espanhola e a busca de alicerces com base na aproximação
leia-se apoio – junto à Inglaterra e ao Brasil, associada à amizade peninsular
11
.
Com referência nesta leitura, fica clara a importância do incremento nas
relações luso-brasileiras para Portugal, o que justifica todo o empenho do
governo português em assumir uma posição de liderança no que respeita ao
fortalecimento da aproximação entre os dois países, afinal, para o governo
luso, tal prática constituía-se numa solução vital para a sua sobrevivência. A
partir destas proposições, que se levar em conta, também, que o governo
português chamava para si a condição de líder da civilização lusíada
composta pela união de Portugal, suas colônias na Ásia e na África e o Brasil
e isto era importante para os planos de manutenção do império colonial do
regime salazarista.
9
MAGRO, Breno Simões. Op. cit., p. 15.
10
Sobre o assunto, ver: GOMES, Ângela de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo. In:
PANDOLFI, Dulce. Op. cit., pp. 53-72.
11
Esta prática não constitui uma novidade na história portuguesa, eis que o país “salvo no
contexto específico da inauguração histórica do que se convencionou chamar ainda assim
mais para a Ásia de ‘era de Vasco da Gama’, sempre esteve numa posição excêntrica em
relação aos grandes movimentos internacionais relevantes e sua participação na trama das
relações internacionais foi, por assim dizer, modestíssima em todas as épocas”. ALMEIDA,
Paulo Roberto de. Op. cit., p. 27.
15
Desse modo, com base nas ligações histórico-culturais e na afinidade
ideológica do regime estadonovista dos dois países, o governo português
investirá no fortalecimento das relações luso-brasileiras. De acordo com o
pensamento português, essa aproximação com o Brasil era de suma
importância, notadamente para que o país tivesse condições de abandonar a
condição de país periférico e ocupasse uma posição de maior destaque junto
ao cenário mundial. Todavia, para isto, necessitava da construção de um
Estado forte, com uma economia estável e, devido à falta de industrialização
portuguesa, a manutenção do seu império colonial era um ponto
inquestionável. Acontece que, com o deflagrar da Segunda Guerra Mundial, a
onda anticolonialista irá adquirir forma. E, dentro deste contexto, a
intensificação nas relações luso-brasileiras representa um alicerce no sentido
da defesa de manutenção das colônias portuguesas.
Além disso, o fato do Brasil ter sido colônia de Portugal constituía uma
espécie de prova irrefutável da eficiência portuguesa no que respeita à
administração dos seus impérios coloniais, pois “Portugal seria um fabricante
de Brasis: um grande país, filho de Portugal e onde todas as raças, em
permanente processo de miscigenação, coexistem harmonicamente”
12
. Em
outras palavras, existia a necessidade de se mostrar que Portugal era eficiente
na sua administração colonial
13
.
Por outro lado, em escalas diferentes, essa intensificação nas relações
luso-brasileiras também interessava ao Brasil, pois em face das graves crises
econômicas e políticas que circundavam o cenário internacional que teve
como conseqüência direta um retraimento comercial a perspectiva de um
aprofundamento das relações envolvendo os dois países poderia incentivar o
12
GONÇALVES, Williams da Silva. O realismo da fraternidade: Brasil-Portugal. Lisboa:
Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 89. De acordo com o autor, “essa idéia da tolerância
racial e a propensão para a miscigenação constituem, enfim, a idéia-chave do colonialismo não
contra a pressão das grandes potências, mas também e, sobretudo, contra a pressão do
movimento anticolonialista”.
13
Nesta direção vale assinalar a obra Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, a qual
aponta a colonização portuguesa como um empreendimento de êxito, inclusive, na forma como
havia oportunizado a miscigenação no Brasil. Posteriormente, com a publicação da obra O
mundo que o português criou, em 1940, Freyre sedimenta este posicionamento e vai além ao
defender a superioridade portuguesa no que respeita à colonização em todos os lugares onde
se processou. Em outras palavras, o posicionamento de Freyre avaliza a política colonial
portuguesa. Sobre o assunto, ver: GONÇALVES, Williams da Silva. Op. cit., pp. 90-98.
16
quadro das exportações brasileiras para o velho continente. Além disso, que
se registrar a questão do nacionalismo brasileiro e a relação deste com o
elemento português, assim como o fato de que na iminência de um conflito
mundial, a amizade luso-brasileira representava um elo entre o Brasil e a
Europa.
Tendo por base estas afirmações, as relações luso-brasileiras não serão
desenvolvidas como um fato isolado, a porque “‘as relações internacionais’
não têm fronteiras reais; não podem ser separadas materialmente dos outros
fenômenos sociais”
14
. No entanto, serão apreendidas a partir da análise da
retórica da afetividade, visto que esta “constitui um traço permanente das
relações luso-brasileiras”
15
. Esta premissa tomada emprestada do historiador
Williams da Silva Gonçalves – e outras formulações teóricas de Raymond
Aron
16
constituirão as bases principais que irão nortear o estudo das relações
luso-brasileiras durante a vigência do Estado Novo no Brasil.
A partir dos anos 30 do século XX, Portugal e Brasil, com peculiaridades
próprias, apresentaram a construção de regimes que se alicerçavam em um
forte dirigismo estatal, na introdução de políticas sociais e no descaso à
representação democrática. Todavia, essas afinidades ideológicas, associadas
à tradição histórico-cultural aproximam os dois países. É claro, esta
aproximação não ocorre por mero acaso, ela é impulsionada e acontece com a
concordância dos dirigentes estatais. No presente estudo, observar-se-á que a
aproximação luso-brasileira é, diretamente, estimulada pelo governo português.
Do lado brasileiro, Vargas não apresenta imposições a esta intensificação nas
relações entre Portugal e Brasil, até mesmo porque ela será aproveitada no
14
ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as nações. Trad. de Sérgio Bath. 2. ed. Brasília: Ed.
da UnB, 1986, p. 51.Nesta direção, o autor ainda esclarece que “a ciência das relações
internacionais da mesma forma que a história diplomática, não pode ignorar os vínculos entre o
que ocorre no cenário diplomático e os acontecimentos de cada país”. Idem, p. 53.
15
GONÇALVES, Williams da Silva. Op. cit., p. 15. Trabalhando com a retórica da afetividade, o
autor afirma que “foi no governo de Juscelino Kubitschek que essa retórica atingiu uma
expressão nunca antes observada, transformando-se mesmo num programa de política externa
de ambos os países”; todavia, como o próprio autor explica, posteriormente, em seu livro, “a
política externa do segundo governo Vargas, iniciado em janeiro de 1951, foi uma tentativa de
reedição da política que desenvolvera no final de seu primeiro período governativo” (p. 16 e p.
64), ou seja, muitos dos pressupostos básicos da união luso-brasileira têm suas raízes no
período do Estado Novo – como poderá ser confirmado na própria leitura deste trabalho.
16
ARON, Raymond. Op. cit.
17
projeto de construção do ideário nacionalista fato este que ficará evidente
quando se avaliar a política imigratória adotada no período e as concessões
feitas aos portugueses.
Assim, a aquiescência brasileira quanto às investidas portuguesas
ocorre em virtude de que a presença portuguesa no Brasil favorecia o
desenvolvimento de uma política de valorização do elemento nacional
17
. Neste
caso, em virtude do processo de colonização portuguesa, de todo um passado
em comum, das afinidades lingüísticas e histórico-culturais, os portugueses
poderiam ser equiparados aos brasileiros
18
sem prejuízo da questão nacional
19
.
Em termos metodológicos, o desenvolvimento deste trabalho ocorre,
notadamente, pela análise de conteúdo
20
da correspondência diplomática e
consular do período em questão (1937-1945) e pela busca de uma
sistematização dos dados, haja vista a inexistência de trabalhos que se
restrinjam, especificamente, ao estudo do assunto proposto
21
. Ao se buscar a
organização das informações, evitou-se uma análise global das relações
17
De acordo com o próprio presidente Getúlio Vargas, a questão do nacionalismo esteve
sempre presente em suas intenções, tanto que “desde que reassumi o Governo, ordenei que
se reexaminasse o problema, dentro da orientação nacionalista de que nunca me afastei”.
VARGAS, Getúlio. O governo trabalhista do Brasil. V. III, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora, 1969, p. 156.
18
Segundo Afonso Arinos de Mello Franco, a imigração favorece as ligações entre os governos
na medida em que estabelece uma ponte cultural entre eles. FRANCO, Afonso Arinos de Mello.
Evolução da crise brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965, p. 205.
19
Com relação a este ponto, Amado Cervo informa que “o nacionalismo brasileiro não haveria
de comportar qualquer atitude de isolamento, prevenção ou hostilidade, mas, pelo contrário,
uma disposição congênita para varrer obstáculos externos e aprofundar a inserção no sistema
internacional. Um nacionalismo à base da não-confrontação política e da cooperação
econômica”. CERVO, Amado Luiz. O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930
aos nossos dias. Op. cit., p. 20.
20
Desse modo, esta tem por base a orientação de Laurence Bardin, segundo a qual “as
diferentes fases da análise de conteúdo, tal como o inquérito sociológico ou a experimentação,
organizam-se em torno de três pólos cronológicos: 1) a pré-análise; 2) a exploração do
material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação”. BARDIN, Laurence.
Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70, 1995, p. 95.
21
Sobre o período histórico denominado de a “Era Vargas”, a historiografia se detém,
basicamente, na análise das relações internacionais do Brasil com a Alemanha e os Estados
Unidos, o que implica num vazio historiográfico sobre as relações internacionais brasileiras
estabelecidas com outros países. A respeito deste ponto, Paulo Almeida esclarece que isto não
é prerrogativa exclusiva deste momento histórico, eis que “não dispomos, atualmente, de um
estudo sistemático sobre as relações internacionais do Brasil, a despeito mesmo da existência
de alguns trabalhos gerais de ‘história diplomática’ e de uma quantidade apreciável de estudos
de ‘política internacionale de ‘relações exterioresdo Brasil, cobrindo períodos determinados”.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Op. cit., p. 35.
18
internacionais luso-brasileiras e propôs-se um aprofundamento em pontos
específicos cultural, econômico, imigratório e militar , os quais foram
considerados os mais importantes para o entendimento da aproximação entre
Portugal e Brasil durante o Estado Novo brasileiro.
Como foi destacado anteriormente, a proposta central desta tese
constitui-se no estudo das relações luso-brasileiras a partir da análise de
conteúdo da correspondência diplomática e consular trocada entre Brasil e
Portugal durante o Estado Novo brasileiro. Entretanto, como em diversos
momentos, esta faz referência a textos artigos, notícias divulgados na
imprensa brasileira ou portuguesa – e a análise destes tornava-se fundamental
para o entendimento do processo surgiu a necessidade de se associar, em
termos metodológicos, também, a análise de discurso
22
.
Com relação à documentação diplomática e consular do período em
análise, cabe mencionar que a correspondência localizada no Arquivo do
Ministério dos Negócios Estrangeiros (M. N. E.), em Lisboa, está separada por
pastas e é temática. a documentação pesquisada no Arquivo Histórico do
Itamaraty (A. H. I.), no Rio de Janeiro, encontra-se catalogada e dividida entre
ofícios e telegramas, separada por anos.
Além disso, em linhas gerais, a correspondência emitida pelos
representantes portugueses no Brasil embaixador ou cônsules caracteriza-
se pela riqueza de detalhes e deixa transparecer uma posição de constante
vigilância e acompanhamento dos principais acontecimentos brasileiros,
notadamente àqueles relacionados à esfera política. Tal procedimento pode ser
entendido à luz do expressivo número de portugueses residentes no Brasil,
tendo em vista que até meados do século XX, a grande maioria de emigrantes
portugueses destinava-se ao solo brasileiro e, é claro, também pela
importância do país para os planos de Antônio de Oliveira Salazar.
Do lado brasileiro, a correspondência enviada pelo Embaixador
brasileiro em Lisboa mostra certa linearidade em muitos casos, mero relato
22
Neste caso, o discurso será tomado como uma prática “resultante de um conjunto de
determinações reguladas em um momento dado por um feixe complexo de relações com
outras práticas, discursivas e o-discursivas”. ROBIN, Régine et alii. Discurso e ideologia:
19
dos fatos ocorridos em Portugal. No entanto, evidencia a existência de uma
admiração para com a obra de reconstrução nacional efetivada pelo Presidente
do Conselho, Antônio de Oliveira Salazar; inclusive, para se ter uma idéia,
referências elogiosas à contenção dos distúrbios políticos e à calmaria
existente no país, pois de acordo com o pensamento do Embaixador brasileiro
esta seria a responsável pela “reconstrução nacional que os homens blicos
do Estado Novo, [...] sob orientação do Dr. Oliveira Salazar, vêm realizando há
doze anos em todos os sectores da vida portuguesa com uma tenacidade e
perseverança incomparáveis”
23
.
Isto posto, para viabilizar a realização desta tese, faz-se necessária a
elaboração de alguns pressupostos, em nível de hipóteses. São elas:
a) que durante o Estado Novo no Brasil, em virtude de afinidades
ideológicas e histórico-culturais, houve uma real intensificação nas relações
luso-brasileiras
24
e que esta estava sendo articulada desde o momento em
que Getúlio Vargas assume a presidência do país; no entanto, acirrou-se à
medida que o Brasil vivencia a institucionalização do Estado Novo, em 10 de
novembro de 1937;
b) que o governo português chamou para si a responsabilidade da
liderança neste processo de aproximação luso-brasileira;
c) que o governo brasileiro, a seu modo, também tirou proveito desta
aproximação, notadamente pela representação portuguesa dos interesses
brasileiros junto aos países do Eixo ou ocupados por estes.
Desse modo, a presente tese está organizada em cinco capítulos
principais. No primeiro, ensaia-se uma análise estrutural que traz à tona
aspectos históricos da implantação do Estado Novo em Portugal (1933-1974) e
bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (Org.). Gestos de leitura da história no
discurso. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1994, p. 82.
23
Ofício 3, do Embaixador brasileiro em Lisboa ao Ministério das Relações Exteriores no
Brasil, em 31 de março de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
24
De acordo com Edgar Telles Ribeiro, é de fundamental importância o papel do Estado diante
dos processos de aproximação internacional para a agilidade nos fluxos de troca entre os
países. RIBEIRO, Edgar Telles. Diplomacia cultural: seu papel na política externa brasileira.
Brasília: FUNAG/IBRI, 1989, p. 15. (Coleção Relações Internacionais)
20
no Brasil (1937-1945). No primeiro caso
25
, será observado que a experiência
estadonovista portuguesa tem suas raízes na grave crise econômica e política
que aflige o país nos anos vinte, desfechando um golpe fatal à Primeira
República portuguesa (1910-1926), a qual além de manter a estrutura do seu
império colonial, ou seja, a idéia do Portugal “novo” identidade do
nacionalismo português remete ao passado, aos tempos em que os lusos
estavam à frente e lideravam os grandes descobrimentos. Este fato acaba
abrindo espaço para a instauração de uma ditadura militar e uma série de
golpes e contragolpes e, finalmente, à implantação do Estado Novo em
Portugal, em 1933, e dos seus principais momentos, com ênfase no período da
Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, o Estado Novo é instaurado em novembro de 1937; contudo,
poderá ser constatado que o regime estadonovista brasileiro representa a
consolidação de um processo iniciado em um período anterior, em 1930, no
momento em que Getúlio Vargas assume a presidência do país. No caso da
apresentação do decreto do Estado Novo no Brasil, esta terá por base a
exploração de dois relatórios do Embaixador português no Rio de Janeiro,
Martinho Nobre de Mello, privilegiando-se sempre que possível a
percepção portuguesa acerca da institucionalização do Estado Novo no país.
O segundo capítulo analisa a aproximação luso-brasileira sob o aspecto
das relações culturais a partir da assinatura do acordo cultural, em 4 de
setembro de 1941, no Rio de Janeiro. Em linhas gerais, este acordo
determinava a criação de seções especiais junto ao Secretariado de
Propaganda Nacional (SPN), em Portugal, e ao Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), no Brasil, visando uma maior difusão da cultura dos dois
países. Mas, na prática, sua abrangência foi muito maior, tendo em vista que
estas seções atuaram, também, visando à coibição de manifestações
contrárias ao Estado Novo, tanto em Portugal, como no Brasil.
Da assinatura do Acordo Cultural luso-brasileiro decorre a criação da
Revista Atlântico, em 1942. Idealizada por Antônio Ferro – diretor do SPN em
25
Com relação a este, que se mencionar a dificuldade de localização de bibliografia, pois
como o Estado Novo português se prolongou até abril de 1974, muitos arquivos ainda estão
21
um momento em que o nacionalismo estava em curso, a Atlântico propicia a
difusão recíproca da cultura nacional luso-brasileira, por meio da publicação de
artigos que destacam ou reafirmam os laços históricos entre Portugal e Brasil.
A convenção ortográfica de 29 de dezembro de 1943 e o acordo postal e
telegráfico de 30 de abril de 1942 constituem outro ponto de análise da
aproximação cultural luso-brasileira durante o Estado Novo, abordada no
segundo capítulo.
O terceiro capítulo, por sua vez, trata das transformações nas
economias do Brasil e de Portugal em decorrência da Segunda Guerra Mundial
e as alternativas encontradas para o desenvolvimento da economia luso-
brasileira, assim como as possibilidades de incremento das relações
comerciais entre os dois países a partir da revisão de alguns pontos do tratado
de comércio e navegação, assinado no Rio de Janeiro, em 26 de agosto de
1933, as quais resultaram na assinatura do protocolo adicional a este, firmado
em 21 de julho de 1941, em Lisboa.
Também constitui ponto de avaliação neste capítulo o trabalho
desenvolvido pela missão econômica portuguesa no Brasil, em 1938, e sua
influência na elaboração do protocolo adicional ao tratado comercial, em 1941.
E, por fim, verifica-se o estudo da formação e atuação da comissão mista luso-
brasileira, assim como as suas principais conclusões quanto às medidas
necessárias para o incremento das relações comerciais envolvendo Brasil e
Portugal.
A temática da imigração constitui o foco de análise do quarto capítulo.
Neste, será observada a política inicial do governo de Getúlio Vargas com
relação ao assunto imigração, a qual pode ser traduzida pela restrição
numérica à entrada de imigrantes no Brasil, inclusive com relação aos
portugueses; medida esta adotada e justificada em nome da defesa dos
interesses nacionais, numa menção clara ao elevado número de
desempregados brasileiros e aos “perigos” que determinadas nacionalidades
ocasionavam ao país, notadamente a alemã e a italiana. Posteriormente, por
um lado, serão ressaltados os fatores que levaram o governo brasileiro a abolir,
fechados ou recentemente liberados, o que dificulta a produção de obras que não sejam meras
descrições laudatórias do regime salazarista.
22
paulatinamente, estas restrições quanto à entrada de imigrantes lusos no Brasil
e, por outro, se evidenciada a política de naturalização dos estrangeiros
entre eles os portugueses e suas implicações para a política nacionalista
portuguesa.
O quarto capítulo vislumbra, ainda, aspectos da vigilância salazarista
acerca dos portugueses residentes no Brasil e dos mecanismos de controle
exercidos sobre as atitudes tidas como contestatórias do regime português no
país. As práticas de adesão dos portugueses emigrados, por um lado, e a ação
dos ditos “insubmissos” lusos, por outro, também constitui ponto de reflexão
neste capítulo. E, por fim, delineia-se a ação da colônia portuguesa no Brasil
face ao desenrolar da Segunda Guerra Mundial.
O quinto capítulo privilegia a análise das relações luso-brasileiras sob o
aspecto militar, por ocasião da participação do Brasil na Segunda Guerra
Mundial. Desse modo, o ponto central deste capítulo consiste na análise da
representação portuguesa junto à salvaguarda dos interesses brasileiros ou
de súditos brasileiros na Alemanha, na Itália e no Japão e em outros locais
ocupados pelas forças do Eixo, como é o caso da França.
A estratégia utilizada pelo governo português para tirar de foco a
atenção portuguesa no momento em que os governos autoritários estavam em
xeque, com o final da Segunda Guerra Mundial, por meio da visita de um
contingente da força expedicionária a Lisboa e as contradições deste
episódio na ocasião do seu regresso ao Brasil, constitui o ponto final de
análise da aproximação luso-brasileira no período em estudo, assim como as
repercussões deste fato para o Estado Novo português.
Por fim, ressalta-se que cada um dos capítulos desta tese representa
uma unidade, ao mesmo tempo em que se complementam, ocasionando a
montagem de um quadro geral das relações luso-brasileiras durante o Estado
Novo brasileiro (1937-1945). Entretanto, o presente trabalho o pretende
esgotar o tema, muito pelo contrário, visa despertar a atenção para novos
estudos acerca deste assunto ainda tão pouco explorado pela historiografia
luso-brasileira.
23
CAPÍTULO 1
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Não se trata, no caso, de corresponder apenas
a uma política de recíproca amizade,
visando interesses também recíprocos e comuns mas
a uma realidade fundamental na nossa vida:
a língua, a raça, o feitio espiritual,
são elementos imanentes que aproximam os dois povos
26
.
O século XX, em termos políticos, assiste ao despertar de líderes e
regimes totalitários em vários países da Europa, como: Mussolini, na Itália;
Hitler, na Alemanha e Franco, na Espanha, só para citar alguns.
Portugal e Brasil, muito embora o fato de eles não terem a
institucionalização de um regime nazista ou fascista, propriamente dito,
apresentam cada um, com peculiaridades próprias, o seu Estado Novo. No
26
Jornal Voz de Portugal, Lisboa, em 11 de agosto de 1940, p. 2.
24
caso português, o Estado Novo tem início com a promulgação da Constituição,
em 19 de março de 1933 e termina com a Revolução dos Cravos, em 25 de
abril de 1974. Para alguns historiadores portugueses há consenso de que
houve influência da experiência italiana e alemã no que se refere à implantação
do Estado Novo português
27
.
Por sua vez, o Estado Novo brasileiro abrange um período menor,
começando em 10 de novembro de 1937, por meio da outorga da Constituição
“polaca” e estendendo-se até 29 de outubro de 1945, momento em que Getúlio
Vargas renuncia à presidência da República. Muito embora a negativa de
Vargas quanto à semelhança do Estado Novo brasileiro aos regimes nazi-
fascistas, não como negar que “compartilhava de muitas idéias postas em
prática nesses regimes: legislação social, propaganda política, representação
corporativista, e até mesmo o anti-semitismo se fez presente em certas
esferas, sobretudo na política de imigração”
28
.
Dessa forma, este primeiro capítulo visa traçar um panorama geral que
traz à tona aspectos históricos da implantação e funcionamento do Estado
Novo em Portugal e no Brasil. No caso brasileiro, explora-se a correspondência
diplomática portuguesa visando a construção do quadro relativo à percepção
lusa com relação ao decreto estadonovista no país.
Ressalta-se que, no caso da análise da experiência portuguesa, o que
se verificou é que grande parte da bibliografia existente acerca do Estado Novo
português não o analisa em sua profundidade; o mais habitual é o apontamento
de como ele foi implantado, suas principais modificações em relação aos
períodos anteriores e, por fim, o relato das causas para o desfecho da
experiência estadonovista portuguesa, no ano de 1974. Nesse sentido,
acredita-se que o historiador português Luís Reis Torgal, ao abordar o
problema das fontes para o estudo do Estado Novo português, e apontar as
“dificuldades em analisar este e outros temas sem que se conheça
27
Sobre o tema, entre outros, ver: PINTO, A. C. O salazarismo e o fascismo europeu.
Problemas de interpretação nas Ciências Sociais. Lisboa: Estampa, 1992; SCHIRÓ, L. B. A
experiência fascista em Itália e Portugal. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 1997;
TORGAL, Luís Reis. Estado Novo em Portugal: ensaio de reflexão sobre o seu significado. In:
Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, n. 1, v. XXIII, jun. 1997, pp. 3-32.
25
profundamente os arquivos do Estado Novo, nomeadamente, para o caso
presente, o Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e os espólios
pessoais de Salazar”
29
, tenha encontrado a justificativa para o relativo vazio na
historiografia portuguesa acerca do Estado Novo.
No caso brasileiro, a natureza da implantação do Estado Novo no país
tem sido amplamente discutida pela historiografia brasileira; por isso, deixou-se
de lado a revisão das suas diversas interpretações e passou-se à análise da
visão portuguesa sobre o assunto.
A seguir, em relação à contextualização histórica do Estado Novo
português e brasileiro, optou-se pela abordagem inicial do caso luso, em
virtude da sua maior delimitação temporal.
1.1 Breve contextualização do quadro português
O fim do regime democrático e a implantação do Estado Novo
português, a exemplo do que aconteceu no Brasil, foi fruto de um longo
processo. No caso de Portugal, teve início com a grave crise econômica e
política que assolou o país nos anos vinte e desfechou um golpe fatal à
Primeira República (1910-1926). O término desta, com o movimento 28 de
Maio, abriu espaço para a instauração de uma ditadura militar e uma série de
golpes e contra-golpes e, finalmente, à implantação do Estado Novo em
Portugal, em 1933.
28
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs). O tempo do nacional-
estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (Coleção O Brasil Republicano, Livro 2).
29
TORGAL, Luís Reis. O Estado Novo. Fascismo, salazarismo e Europa. In: TENGARRINHA,
José (Org.). História de Portugal. Bauru, São Paulo: EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal:
Instituto Camões, 2000, p. 313. (Coleção História)
26
1.1.1 O término da Primeira República portuguesa e as raízes do 28 de
Maio
A duração relativamente efêmera da Primeira República (1910-1926)
30
deve-se, fundamentalmente, à falta de unicidade em termos de interesses
políticos dos seus principais membros articuladores, pois o objetivo em comum
era a derrubada da Monarquia, mas no que se refere aos passos seguintes, em
termos ideológicos, pouco havia de diferente em relação ao período
monárquico. A “República era uma aspiração, não um projeto programado”
31
,
tendo em vista que o debate acerca das questões estruturais não fazia parte da
pauta de discussões dos republicanos
32
.
Em linhas gerais, o que unia os ditos republicanos, em sua maioria
membros pertencentes à burguesia ou prestes a sê-lo, eram as idéias de
patriotismo e anticlericalismo. A idéia de República começa a adquirir corpo por
ocasião das atividades do terceiro centenário da morte do poeta Camões, no
ano de 1880, por iniciativa direta do professor de Literatura Portuguesa, o
positivista Joaquim Teófilo Fernandes Braga. Não por coincidência, ele será o
primeiro presidente republicano, em Portugal. A segunda idéia, a do
anticlericalismo, coloca em oposição, nitidamente, os elementos defensores do
clericalismo e do ideal monárquico, constituídos pelos proprietários, oficiais, a
alta burguesia citadina e, como não poderia deixar de ser, o clero; e os
republicanos anticlericais que, por sua vez, são representados por uma elite de
30
Diferentemente dos momentos posteriores, o período da Primeira República portuguesa
(1910-1926) apresenta uma extensa bibliografia. Para aprofundamento sobre o assunto, entre
outros, ver: SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal A Primeira República (1910-
1926). v. XI. Lisboa: Verbo, 1989; MARQUES, A. H. de Oliveira. A primeira república
portuguesa alguns aspectos estruturais. 2. ed. Lisboa: 1975; MEDINA, João. A revolução
republicana: esperanças, mitos e desilusões. In: MEDINA, João (Dir.). História contemporânea
de Portugal. v. I. Lisboa: Multilar, 1990, pp. 153-198; FERRÃO, Carlos. História da república,
ed. comemorativa do cinqüentenário. Lisboa: 1960; PERES, Damião. História de Portugal.
Porto: Suplemento, 1954. Destaca-se que estas duas últimas obras, pelo fato de terem sua
publicação autorizada durante o salazarismo, devem ser tomadas com muito cuidado.
31
SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Lisboa: Publicações Europa-
América, 1995, p. 340.
32
O ideal republicano não era algo novo, em 31 de janeiro de 1891 já havia estourado, no
Porto, uma tentativa, sem êxito, para a implantação da República, em Portugal.
27
intelectuais (notadamente jornalistas e estudantes), sargentos, uma pequena
parcela da classe média urbana e o operariado em geral. Assim, o término da
Monarquia Portuguesa é fruto, essencialmente, do aumento das divergências
entre esses dois grupos e é resultado direto da falta de ordem política após o
assassinato do rei D. Carlos I e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe (em de
fevereiro de 1908), por uma ação de grupos extremistas republicanos (Alfredo
Costa e Manuel Buiça), pois “o rei, o seu prestígio no exército e a sua
popularidade em grande parte da população eram o único esteio da
monarquia”
33
.
Após o assassinato do rei, a situação política em Portugal era alarmante.
Desse modo, a revolução de 3 e 4 de outubro de 1910 não encontrou
dificuldades para solapar a Monarquia Portuguesa de uma vez por todas, tanto
que em 5 de outubro, ocorre a Proclamação da República em Portugal. Esta é
levada a efeito pelas tropas do exército e da marinha, bem como pela
organização revolucionária do Partido Republicano. O grande êxito da
revolução deve ser atribuído aos elementos civis que dela participaram, pois o
almirante Reis, chefe da revolução, ao julgar o movimento como fracassado, se
mata e diante desta situação são os grupos civis que, juntamente com a
adesão dos navios de guerra, levam a revolução adiante, tornando-a
vencedora. Como o jovem rei D. Manuel II não conta com nenhum apoio de
sustentação que seja capaz de mantê-lo no trono, embarca para o exílio na
Inglaterra, “onde aliás viveria assistido pela galante colaboração dos homens
do novo regime
34
. O exílio do rei D. Manuel II representa o atestado de óbito
da Monarquia portuguesa
35
.
33
SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Op. cit., p. 344.
34
MEDINA, João. A democracia frágil: a Primeira República portuguesa (1910-1926). In:
TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. São Paulo: EDUSP; São Paulo: UNESP;
Portugal: Instituto Camões, 2000, pp. 301-302. (Coleção História).
35
Sobre o processo que conduziu ao fim a Monarquia Portuguesa, entre outros, ver: FERRÃO,
Carlos. Relatórios sobre a Revolução de 5 de Outubro. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa,
1978; LEITÃO, Joaquim. Anais políticos da República Portuguesa. v. I. Porto: Livraria
Magalhães Moniz, 1916, pp. 13-62; MEDINA, João. O Cinco de Outubro contado pelos seus
protagonistas militares. In: MEDINA, João (Dir.). História contemporânea de Portugal. Op. cit.,
pp. 39-52; SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal A Primeira República (1910-
1926). v. XI. Lisboa: Verbo, 1989, pp. 26-40.
28
O decreto de Proclamação da República, em 5 de outubro de 1910, não
encontra resistência em Portugal e, a partir deste momento, Joaquim Teófilo
Fernandes Braga assume como chefe do governo provisório português. De
acordo com o historiador Joaquim Veríssimo Serrão, o fato de Braga ter sido
um membro histórico do Partido Republicano constitui uma das causas que
justifica a sua escolha “mas para ela também contribuiu a pressão do doutor
Afonso Costa, de que se impunha escolher uma pessoa respeitada no campo
do pensamento, a fim de avalizar no plano da inteligência o primeiro Ministério
saído da revolução”
36
. O presidente Braga governa o país até a elaboração de
uma nova Constituição e ele é o responsável pela implantação de várias
reformas no país, tais como a separação entre Igreja e Estado, o divórcio e a
lei de família.
Seguindo o calendário estipulado pelo governo provisório, em 20 de
maio ocorre a eleição dos deputados que fariam parte da Assembléia
Constituinte
37
. O “critério” adotado para a escolha dos constituintes tinha por
base a abrangência de um maior número possível de profissões e, é claro, a
observância ao republicanismo do constituinte e/ou o papel desempenhado
pela pessoa no episódio do “5 de Outubro”. Este tipo de escolha causou
inúmeras preocupações e ressentimentos, como deixa claro o desabafo de
Teixeira Gomes: “estou com bastante receio das eleições: com toda aquela
votação de trabalhadores de enxada, é certo que os monárquicos obterão uma
votação numerosa e isso produzirá mau efeito”
38
.
Após a escolha dos 160 congressistas, o dia 20 de junho é definido para
o início dos trabalhos
39
. A principal tarefa desta Assembléia Constituinte,
presidida por Anselmo Braamcamp Freire, consistia, obviamente, na
elaboração da nova Carta Constitucional e na escolha do novo Presidente da
36
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal A Primeira República (1910-1926). Op.
cit., p. 42.
37
Toda a legislação referente à Constituição de 1911 pode ser levantada em: As Constituintes
de 1911 e os seus Deputados. Lisboa: Petrony, 1911. Esta obra foi compilada e dirigida por um
antigo oficial da Secretaria do Parlamento (no livro, não há indicação do seu nome).
38
Trecho da carta a João Chagas. Londres, 5 de maio de 1911. Publicada por GOMES,
Teixeira M. Correspondência. v. I. Lisboa: Amigos do Livro Editores, 1960, p. 28.
39
Sobre o tema ver: RAVARA, Antônio. A Assembléia Nacional Constituinte. In: MEDINA, João
(Dir.). História contemporânea de Portugal. Op. cit., pp. 149-152.
29
República. E assim foi feito. No dia 24 de agosto de 1912, o Dr. Manuel José
de Arriaga Brum da Silveira foi eleito à Presidência da República portuguesa
40
.
Os primeiros anos do regime republicano português, no âmbito político,
foram marcados por constantes desavenças e divisões internas entre os
membros do Partido Republicano. Como já foi destacado anteriormente, o
único objetivo em comum deles era o término da Monarquia e, no que se refere
aos rumos futuros do país, não havia mais união, muito menos planejamento,
até porque:
As cizânias permanentes, a incapacidade de unir em
torno de um núcleo central e fundamental de reformas os
esforços dos novos dirigentes e das novas forças
partidárias, a constante instabilidade governamental, o
agravar dos velhos problemas de sempre, no campo
econômico e financeiro, as querelas da sociedade civil e,
agora, novos conflitos que se aguçariam de modo
exasperante nomeadamente com a Igreja Católica
fragilizaram a República, tornaram-na anêmica, incapaz,
paralisada por indecisões, revoltas, bernardas
castrenses, sobressalto
41
.
Desse modo, a diversidade de interesses e a situação política
portuguesa formam “novos” partidos. A corrente dita mais radical origina o
Partido Democrático, de Afonso Costa e a segunda divide-se em dois grupos,
formando o Partido Evolucionista, de Antônio José de Almeida, e o Partido
Unionista, de Brito Camacho. As diferenças entre esses partidos acentuaram-
se com o deflagrar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e o posterior
embate político em torno da entrada de Portugal no conflito
42
. O Partido
Democrático era favorável à participação portuguesa na guerra. Para a maioria
de seus dirigentes esta era a única saída de defesa das possessões
portuguesas ultramarinas, pois, em 1913, Alemanha e Inglaterra haviam
firmado um pacto secreto estabelecendo a divisão entre si das colônias
40
Sobre o tema ver: ARRIAGA, Manuel de. Na primeira presidência da República: um rápido
relatório. Lisboa: Typ. A Editora, 1916.
41
MEDINA, João (Dir.). História contemporânea de Portugal. Op. cit., p. 306.
42
Sobre o tema, entre outros, ver: MEDINA, João. Portugal na Grande Guerra guerristas e
antiguerristas, estudos e documentos. Lisboa: Bertrand, 1986; GARÇÃO, F. Mayer. Portugal
30
portuguesas. O deflagrar do conflito adia esses planos, mas o medo de que a
vitória de qualquer uma dessas partes levasse à perda das colônias continua
reinante. Entretanto, para o Partido Democrático os problemas não paravam
por aí, havia ainda uma cisão interna no que diz respeito à escolha do lado a
apoiar. O grupo ligado à direita, em razão do seu posicionamento de
manutenção da ordem e da autoridade, julgava que a opção mais correta seria
a Alemanha; os esquerdistas, por sua vez, eram adeptos dos aliados por
dizerem que sua causa era a da liberdade
43
. Nesse embate acaba vencendo a
ala esquerda do Partido Democrático, pois Portugal, em 1916, após o episódio
de apresamento dos barcos alemães que estavam refugiados no rio Tejo, a
pedido da Inglaterra, entra na guerra ao lado dos ingleses e franceses. Sobre o
desastre da participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, o historiador
João Medina informa que:
A entrada na guerra, em 1916 mas desde 1914 que
combatíamos em Angola contra as tropas alemãs –, um
dos erros mais obstinadamente levados adiante pela
República, com o álibi da defesa das colônias – cuja
partilha a Alemanha e a Inglaterra tinham projetado em
1898 e depois em 1913 –, acarretou dramas
suplementares para as Forças Armadas, mandadas
morrer sem glória na Flandres ou nas “epopéias malditas”
dos sertões africanos, primeiro em Angola e depois em
Moçambique
44
.
As baixas a que Medina se refere encontram-se dentro do contingente
das duas divisões compostas por 55 mil homens enviados à França, em
princípios de 1917, e das outras forças militares que foram enviadas a Angola e
Moçambique, em razão da invasão (por tropas) de suas fronteiras com as
colônias alemãs, o que gera um saldo negativo de 5 mil mortos para o país. Em
contrapartida, o envio destas tropas assegura a Portugal o reconhecimento das
colônias africanas e uma proporção nas indenizações de guerra que o Estado
alemão assume como pagamento às forças aliadas.
em guerra. 2. Série, 8, Lisboa: 1918, s/e, pp. 17-37; SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História
de PortugalA Primeira República (1910-1926). v. XI. Lisboa: Verbo, 1989, pp. 147-186.
43
SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Op. cit., p. 346.
31
Um outro saldo negativo, interno, da entrada de Portugal na guerra fica
por conta da explosão de uma revolução levada a efeito por setores da direita
portuguesa, liderados por Sidônio Bernardino da Silva Pais, em fins de 1917. O
golpe desencadeado por ele estabelece uma ditadura em Portugal e a
modificação na forma de eleição do chefe de Estado, por sufrágio universal,
pois Sidônio Pais “tinha a certeza de contar com o apoio popular no caso de
eleições por sufrágio universal para ascender à Presidência da República”
45
.
Em 11 de maio, Pais assumiu a Presidência da República. A experiência
presidencialista, no entanto, foi extremamente efêmera, pois Sidônio foi
assassinado em Lisboa, em fins de 1918
46
. Após este episódio, grupos ligados
aos ideais monárquicos e à Sidônio tentam conquistar o poder português e
chegam a proclamar na cidade do Porto a Monarquia do Norte
47
.
Mas toda esta agitação política em torno da obtenção do poder gera um
revés e vitória do republicanismo com a eleição de Antônio José de Almeida à
Presidência da República, em 1919. Os anos seguintes representam uma
grande agitação no cenário político português, tanto que ocorrem inúmeras (e
efêmeras) indicações para o cargo de Presidente do Ministério
48
. No campo
econômico e financeiro a situação portuguesa também não é nada favorável; a
moeda estava desvalorizada e a inflação em ritmo incontrolável. Esta situação
de caos político e social leva à cisão do Partido Democrático em vários
44
MEDINA, João. A democracia frágil: a primeira república portuguesa (1910-1926). Op. cit., p.
307.
45
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal A Primeira República (1910-1926). Op.
cit., p. 207.
46
Sobre o tema ver: MARTINS, Rocha. Memórias de Sidônio Pais. Lisboa: Inquérito, 1922.
47
“Perante a desagregação das instituições republicanas, entenderam muitos setores que
estavam criadas as condições para restaurar o Trono. Os oficiais da Junta Militar do Norte
defendiam com ardor o projeto (...). Certo é que no domingo, 19 de janeiro, ao início da tarde,
depois de uma parada militar em Monte Pedral, era proclamada a Monarquia no Norte, com o
desfraldar da bandeira azul e branca e a leitura de uma proclamação aos soldados das
guarnições nortenhas, pelo major Eurico Satúrio Pires. Nela se declarava que, sendo o Exército
a mais alta expressão da Pátria, esta devia ser defendida no culto dos seus valores
tradicionais, não se permitindo a onda de anarquia que ameaçava a integridade nacional. Tudo
devia ser feito no sentido do rápido regresso do rei D. Manuel II, cujo nome foi saudado
festivamente pelas tropas e pela população do Porto”. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História
de Portugal A Primeira República (1910-1926). Op. cit., p. 224. Sobre o referido tema ver
ainda: MARTINS, Rocha. A monarquia do norte. Lisboa: Oficinas Gráficas do ABC, 1922.
48
para se ter uma idéia, durante o ano de 1920, troca-se sete vezes o Presidente do
Ministério.
32
segmentos rivais e a idéia de que somente a ditadura poderia salvar o país
encontrará terreno fértil para a sua propagação.
Antônio Maria da Silva, do Partido Democrático, estava à frente do
Ministério quase dois anos e isto constituía um grave entrave àqueles que
esperavam a sua vez de ocuparem o seu lugar. Assim, membros do próprio
Partido Democrático optaram pela deflagração de um golpe militar. O
movimento, que contava com o apoio das tropas do norte, estoura em 28 de
maio de 1926, no momento em que o General Manuel Gomes da Costa, chefe
do movimento, proclama, na cidade de Braga, a revolução
49
. O plano de
derrubada do presidente do ministério previa que o movimento eclodiria,
simultaneamente, em Lisboa. O comando desta outra operação estava a cargo
do oficial da marinha, o Comandante João Mendes Cabeçadas, nome ligado à
União Liberal Republicana
50
. Na capital portuguesa, o movimento fracassa em
razão da ausência das esperadas adesões, mas devido à situação alarmante
do Norte, o presidente Bernardino Machado nomeia Cabeçadas como
presidente do ministério e renuncia no dia seguinte (em 30 de maio)
51
.
O movimento que depôs o ministério do Partido Democrático (o Partido
Republicano Português), em 1926, congregava membros das mais diferentes
tendências políticas, pois de um lado estava Gomes da Costa, elemento ícone
na defesa do movimento de caráter militar; para ele “se o exército inicia,
organiza e realiza este movimento, é por se reconhecer como única entidade
49
Sobre o tema, entre outros, ver: MADUREIRA, Arnaldo. O “28 de Maio”. Elementos para a
sua compreensão. Lisboa: Editorial Presença, 1982; COSTA, Eduardo Freitas da. História do
28 de Maio. Lisboa: Bertrand, 1979.
50
Com relação à União Liberal Republicana, torna-se importante destacar que “o grupo
Cabeçadas-Cunha Leal exprime, na realidade, a velha aspiração da direita republicana (...) de
impor uma duradoura mudança de turno à quase exclusiva governação dos “democráticos” (...).
A União Liberal Republicana, criada por Cunha Leal, em 1926, para concretizar essa operação
e guindar o seu líder, homem inteligente e ambicioso, à chefia do Governo, com o apoio geral
das forças conservadoras. Os seus apoios não o despiciendos. Militarmente, controla boa
parte da guarnição de Lisboa, seu principal ponto de apoio, com ligações na de Coimbra e em
Braga. Politicamente, a União Liberal Republicana (que conta, além de Cabeçadas, com
elementos que virão a destacar-se na ditadura militar e no Estado Novo: Jorge Botelho Moniz,
Teófilo Duarte, Albino dos Reis, Duarte Pacheco, Bissaia Barreto) tem contatos privilegiados
com o governo de António Maria da Silva e o presidente da República”. ROSAS, Fernando.
Saber durar (1926-1949). In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal o Estado Novo
(1926-1974). Lisboa: Círculo de Leitores, 1994, p. 144.
51
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal A Primeira República (1910-1926). Op.
cit., p. 330-333.
33
com poder e força para cumprir o que a opinião pública exige”
52
e, de outro, o
Comandante Cabeçadas, que advogava por uma revolução que o ferisse a
ordem constitucional existente. Estas posições contrárias serviram de base
para o historiador Oliveira Marques afirmar que este “compromisso entre a
opinião pública republicana e os grupos militares de tendência direitista, não
tinha condições de perdurar. Tentava conciliar o que, pelos próprios princípios
ideológicos, se mostrava inconciliável”
53
.
E, não podendo ser de outra forma, após o atendimento ao ensejo dos
golpistas no sentido da interrupção do predomínio do governo realizado pelo
Partido Democrático, a fusão destas antagônicas tendências partidárias perdia
a sua razão de ser. A partir deste momento, com a deposição dos democratas
do governo português, debatiam-se concepções completamente distintas
acerca do rumo do país após o “reinado” do Partido Democrático. Assim, logo
depois do episódio do “28 de Maio”, abriu-se um período em torno de 7 ou 8
anos de busca pelo controle do Estado português. Interessante destacar é o
fato de que esta luta ocorre dentro da própria ditadura militar e externamente a
ela e que isto constitui a mola propulsora de afirmação do próprio salazarismo.
No dizer do historiador Fernando Rosas:
É no contexto deste combate – desta guerra civil, mais ou
menos larvar, mas que não excluiu importantes
confrontos militares nas principais cidades, milhares de
presos, de deportados e muitas centenas de mortos e
feridos que se deve procurar entender o sinuoso mas
firme percurso de afirmação do salazarismo na ditadura,
até seu efetivo controle do Estado
54
.
Após a derrocada do Partido Democrático do poder, as forças da direita
se aproveitam do caos político instaurado e instigam os chefes militares a
decretarem o fim do governo dos partidos. Dessa forma, a 17 de junho de
1926, com a invasão de Lisboa pelas tropas militares e a indicação do General
52
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 30 de maio de 1926, p. 2.
53
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. 3. ed. Lisboa: Palas Editores, 1986, p. 363.
54
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 142.
34
Manuel Gomes da Costa para o cargo de Primeiro Ministro tem início,
propriamente dita, a ditadura militar em Portugal (1926-1933).
1.1.2 A ditadura militar portuguesa e a implantação do Estado Novo em
Portugal
O governo do General Gomes da Costa, militar ligado ao Partido
Radical, devido a sua frágil capacidade política, não logrou ter uma larga
existência. No dia 6 de julho de 1926 ocorre uma sessão muito atribulada do
Conselho de Ministros, no momento em que Costa impõe ao ministro da
Justiça, Manuel Rodrigues, a situação vexatória de alteração de um decreto
conforme os desígnios da Igreja Católica
55
. Este ato do chefe dos ministros
origina tenaz oposição de Oscar de Fragoso Carmona e de Antônio Claro, os
quais, sob nítida pressão dos integralistas, são substituídos por Martinho Nobre
de Mello (para a Pasta de Estrangeiros) e pelo Coronel João de Almeida (para
a Pasta das Colônias). Diante deste novo quadro, com exceção de Filomeno da
Câmara, todos os demais ministros prestam solidariedade à Carmona e à
Antônio Claro. Além disso, os principais chefes do exército, numa atitude
contrária às demissões, exigem que o presidente Gomes da Costa deixe a
chefia do ministério. Este impasse levará o General a perceber que,
praticamente, não tem apoio, tendo em vista que a 9 de julho de 1926 estoura
um novo golpe de estado militar em Portugal, desta vez chefiado pelo General
Sinel de Cordes, elemento ligado à Monarquia Portuguesa. Com este golpe,
Gomes da Costa é enviado à prisão no Palácio de Belém. Mais tarde,
55
Com relação a este ponto, que se destacar o fato de que o General Gomes da Costa
havia firmado um compromisso, anteriormente, com a Igreja Católica no sentido de submeter à
aprovação desta todos os decretos relacionados à matéria religiosa. A situação se complica no
momento em que “o reverendo Peres, com o desplante permitido pela conjuntura, exige a
Gomes da Costa a alteração de um decreto sobre matéria religiosa do ministro da Justiça,
Manuel Rodrigues. Assim, o diploma (que reconhecia personalidade jurídica às associações
religiosas, sem a estender, ainda, à própria Igreja, e mantinha as comissões jurisdicionais dos
bens das igrejas) era tido por inaceitável para o episcopado”. Idem, p. 150.
35
conduzido ao Forte de Caxias e, posteriormente, encaminhado ao exílio nos
Açores, onde morrerá em 1929
56
.
O golpe do dia 9 de julho também coloca o General Oscar Carmona no
antigo posto ocupado pelo General Gomes da Costa, ou seja, na Presidência
do Ministério
57
, a partir daí, a dobradinha Carmona (na chefia do Estado) e
Cordes (na Pasta de Finanças) governará o país até o ano de 1928
58
.
Inicialmente, devido principalmente ao caos político e econômico da Primeira
República, a ditadura encontrava apoio da grande maioria da população, mas a
partir do momento em “que os elementos direitistas começaram a prevalecer, e
as tendências monárquica e fascista a afirmar-se, um número cada vez maior
de pessoas mesmo no seio das Forças Armadas passou a interrogar sobre
os perigos do recém-criado regime”
59
. Pairava no ar um sentimento de que o
General Cordes, associado à figura de Carmona, “tinham traído a revolução”.
Diante desse quadro, a oposição das forças vencidas organiza uma
tentativa de revide ao poder, em fevereiro de 1927. O movimento
revolucionário, que contava com o apoio de unidades do exército, da marinha e
milhares de civis, estourou no dia 3 de fevereiro, na cidade do Porto e se
estendeu até a capital. O fato do movimento não ter eclodido simultaneamente
possibilitou ao governo a sua debelação, muito embora as dificuldades
impostas pelos revolucionários
60
.
A partir deste momento, os militares recrudescem ainda mais o sistema,
o que gera um aumento de insatisfação e o alvorecer de novas revoltas
embora de proporções menores
61
. A existência desses novos focos de
56
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p.150.
57
O General Carmona ocupará a Presidência da República até o ano de sua morte, em 1951.
58
Sobre o tema, entre outros, ver: CAMPINOS, Jorge. A ditadura militar: 1926-1933. Lisboa:
Publicações D. Quixote, 1975; CARRILHO, Maria. Forças armadas e mudança política em
Portugal no século XX: para uma explicação sociológica do papel dos militares. Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. (Coleção Estudos Gerais: Série Universitária)
59
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 364.
60
PERES, Damião. História da Portugal. Barcelos: Portucalense Editora, 1954.
61
Nesse sentido, o historiador Oliveira Marques esclarece que “em 20 de Julho de 1928, outro
movimento revolucionário, de menor amplitude, limitado a Lisboa, Setúbal e pouco mais.
Falhou igualmente. Em 1931, registraram-se duas revoltas, a primeira de Abril a Maio, na
Madeira, Açores e Guiné, sob o comando de oficiais que se encontravam deportados e que
36
resistência faz com que o governo de Sinel de Cordes aumente
significativamente os mecanismos de repressão do governo ditatorial. Assim, o
acirramento da censura, das prisões e perseguições políticas a milhares de
pessoas levaram à debelação de grande parte da oposição ao governo no
âmbito interno. Externamente, a oposição organiza-se, tendo como centro de
gravitação a cidade de Paris, local onde, a partir de fevereiro de 1927, os
revolucionários organizam a Liga de Defesa da República para combater a
ditadura portuguesa, mas diante dos malogros resultados obtidos, praticamente
deixa de existir em 1931
62
.
A caótica situação financeira de Portugal em fins de 1927 leva o governo
a solicitar um empréstimo estrangeiro junto à Sociedade das Nações. Após o
pedido português, a Sociedade encaminha uma comissão a Lisboa visando
averiguar a real situação financeira do país. A partir de um minucioso estudo, a
comissão da Sociedade das Nações estipula algumas condições que implicam
num real controle das finanças portuguesas em face da realização do
empréstimo
63
. Diante das fortes pressões da opinião pública, o governo
ditatorial de Sinel de Cordes não aceita as condições impostas e abre mão do
empréstimo por considerar as imposições “ofensivas à soberania nacional”.
Com esta recusa e a situação financeira extremamente alarmante em Portugal,
Cordes chega ao limite do seu governo
64
.
Nas eleições presidenciais de abril de 1928, o General Carmona (único
candidato) foi eleito Presidente da República e diante da caótica situação
financeira e da falta de recursos externos, neste mesmo mês, o Coronel
Vicente de Freitas forma um novo ministério, incluindo o professor de
conseguiram resistir durante quase um mês; a segunda, em 26 de Agosto, também em Lisboa,
com alguma virulência. A Ditadura triunfou sempre. Igualmente ocorreram algumas tentativas
de golpe-de-estado no seio do próprio regime, mas sem conseqüências de maior, a não ser
empurramento cada vez mais para a Direita”. MARQUES, A. H. de Oliveira. História de
Portugal desde os tempos mais antigos até a presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., pp.
367-368.
62
Sobre o tema ver: MARQUES, A. H. de Oliveira. A Liga de Paris e a ditadura militar: 1927-
1928 – a questão do empréstimo externo. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976.
63
Em resumo, as condições eram duas: “primeira Criação de um agente de ligação junto ao
Governo português com funções de controle; segunda A faculdade de o comitê financeiro
enviar a Portugal, no caso de o Governo não cumprir o Protocolo, uma comissão finalmente de
três membros para administrar as receitas consignadas ao serviço do empréstimo”. In: Nota
Oficiosa, 8 de março de 1928.
37
Economia Antônio de Oliveira Salazar, da Universidade de Coimbra, na pasta
de Finanças do governo
65
. Fernando Rosas esclarece que a entrada de
Salazar para o governo “marca, na realidade, o início do curto, mas decisivo,
período do conúbio fascista-salazarista para varrer os republicanos
conservadores da liderança do governo da situação (...) pois o chefe da
oposição aos governos liberais conservadores está no Governo”
66
. Assim, a
indicação de Salazar à pasta das Finanças deve ser entendida como uma
manobra política para derrotar o republicanismo-militar, uma espécie de
execução, propriamente dita, da “revolução nacional”. Mas o rumo trilhado pela
história a partir daquele momento mostrará uma outra realidade, um caminho
pelo qual a direita radical e elementos ligados ao tenentismo não contavam.
À frente do ministério das Finanças, Salazar equilibra o orçamento e
estabiliza o escudo português ao colocar em prática uma administração
financeira à base de muita disciplina. Nada mais justo; afinal, ele preconizava
que era necessário “que se fizesse a política da verdade, dizendo-se
claramente ao povo a situação do País, para o habituar a idéia dos sacrifícios
que haviam um dia de ser feitos, e tanto mais pesados quanto mais tardios”
67
.
O historiador Oliveira Marques deixa claro que estas transformações,
premonitórias da futura organização política de Portugal, são possíveis
porque:
64
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., pp.155-156.
65
Sobre Salazar, Oliveira Marques informa que ele “de trinta e nove anos, professor de
Economia na Universidade de Coimbra (Faculdade de Direito), tinha um passado político de
certa relevância. Fora ele quem ajudara a organizar os Católicos como grupo político, sendo
proposto candidato católico a deputado em 1921 (por Guimarães) e 1925 (Arganil) e eleito da
primeira vez. Em 1919, havia sido acusado de conspirar, com outros colegas, contra as
instituições republicanas. Longe de desconhecido, Salazar era considerado um representante
ideal dos interesses da extrema-direita católica, simpatizante da Monarquia. Além disso, os
seus livros e seu prestígio como docente, faziam-no louvar e respeitar por todos. Cabeçadas
chamara-o para seu ministro das Finanças no efêmero primeiro gabinete saído do “28 de
Maio”. Em 1928, Salazar só aceitou novamente a pasta de Finanças, com a condição de
supervisionar os orçamentos de todos os ministérios e de ter direito de veto em todos os
aumentos de despesa respectivos”. MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde
os tempos mais antigos até a presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 371.
66
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 164.
67
Parte de um discurso de Salazar proferido em junho de 1928. Citado por MARQUES, A. H.
de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a presidência do Sr.
General Eanes. Op. cit., p. 371.
38
Atrás de Salazar, claro está, achavam-se poderosas
forças: o capital e a banca, que desejavam pulso livre
para se expandirem sem restrições, protegidos contra
gravames de classe, movimentos grevistas e a contínua
agitação social; a Igreja, proclamando vitória sobre o
ateísmo republicano demo-liberal e maçônico e
explorando as chamadas aparições de Fátima que não
tardaria a associar com a figura do futuro Presidente do
Conselho; a maioria do Exército, constantemente louvado
pelo próprio Salazar, respeitado, conhecedor de nova
disciplina e detentor de redobrados privilégios; os
intelectuais das direitas, com grande percentagem de
professores de Coimbra; e a maior parte dos
Monárquicos firmemente convencidos de que Salazar
lhes acabaria por devolver o seu rei (o próprio D. Manuel
II escreveu palavras de louvor ao estadista)
68
.
Com uma gama tão diversificada de apoio, Salazar seu prestígio
político aumentar cada dia que passa, tanto que em cinco de julho de 1932 ele
assume o lugar de Domingos de Oliveira, sendo nomeado Presidente do
Conselho de Ministros
69
. A partir deste momento Salazar começa a substituir
os generais do governo por professores da Universidade de Coimbra. Em
1930, cria a União Nacional, “uma idéia antiga que remonta à criação da Milícia
Nacional, em fevereiro de 1927, e da União Nacional Republicana, iniciativa de
Vicente de Freitas”
70
. Era uma espécie de congregação política, da qual
Salazar torna-se chefe e entre os anos de 1932 e 1933 aperfeiçoa o seu
modelo de Estado autoritário e corporativo, rejeitando qualquer tipo de acordo
ou possibilidade de entendimento com a oposição
71
. Também inicia a alteração
da situação revolucionária através da elaboração de uma nova Constituição.
68
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 372.
69
Salazar presidirá o Ministério até 1968, ano em que por motivo de enfermidade se afastará
do cenário político.
70
PAULO, Heloisa. Estado novo e propaganda em Portugal e no Brasil: o SPN/SNI e o DIP.
Coimbra: Livraria Minerva, 1994, p. 31.
71
“A União Nacional funcionou como um ‘partido orgânico’, isto é, ela não foi de fato apenas
associação cívica destinada a intervir num terreno pré-jurídico ou moral, mas foi também uma
associação política visando atuar no terreno das instituições políticas”. CRUZ, Manoel Braga
da. O partido e o estado no salazarismo. Lisboa: Editorial Presença, 1988, p. 169. Ver ainda:
Bases orgânicas da União Nacional citadas em Anais da Revolução Nacional. 1930-1936. v. III.
Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1933, p. 38.
39
A elaboração do novo texto constitucional contou com a colaboração de
homens da confiança particular de Salazar, como o jurista Fezas Vital, Quirino
de Jesus e até mesmo o jovem Marcelo Caetano, recentemente saído das
fileiras do integralismo lusitano (embora com discreta participação nas
discussões acerca da nova Constituição)
72
. No dia 28 de maio de 1932 a
proposta da nova Carta Constitucional é divulgada na imprensa, visando-se a
realização de um debate “livre e aberto”, muito embora as recomendações de
Albino dos Reis, ministro do Interior, de que não seriam tolerados “ataques
pessoais, discussão de outras questões a pretexto de debater a Constituição e
críticas que ultrapassem o plano político”
73
.
No ano de 1933, o projeto constitucional preparado pelo governo é posto
à aprovação mediante a realização de um plebiscito nacional no dia 19 de
março do mesmo ano. O resultado final deste assegura a entrada em vigor da
nova Constituição, que apenas 5.505 votos optam pelo não, 580.379 pelo
sim e 427.686 abstenções
74
. O historiador José Hermano Saraiva afirma que a
aprovação da nova Constituição havia sido garantida no momento que “o
governo tinha decretado que as abstenções se considerassem aprovações
tácitas, embora se discriminassem os votos tácitos”
75
. A partir da entrada em
vigor desta nova Constituição, em 1933, começa o Estado Novo português, que
se estenderá até abril de 1974, com o deflagrar da Revolução dos Cravos.
A criação do Estado Novo por Salazar e as modificações advindas da
Constituição de 1933 não devem ser entendidas como um produto novo, tendo
em vista que três anos antes, em 1930, o próprio Salazar lançava as
diretrizes fundamentais da organização corporativa que tencionava
implementar, ao argumentar que pretendia “construir um Estado social e
corporativo em estreita correspondência com a constituição natural da
sociedade. As corporações são organismos componentes da nação, e devem
72
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 184.
73
RIBEIRO, Maria da Conceição Nunes de Oliveira. O debate em torno do projeto de
constituição do Estado Novo na imprensa de Lisboa e Porto (1932-1933). Lisboa: Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova, julho de 1990, p. 1. (texto datilografado)
74
Apuração divulgada pelo Jornal Diário de Notícias, em Lisboa, em 23 de março de 1933, p.
1. Ressalta-se que não há consenso entre os números indicados.
75
SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Op. cit., p. 351.
40
ter, como tais, intervenção direta na constituição dos corpos supremos do
Estado”
76
.
Dessa forma, a nova Carta Constitucional caracteriza-se como uma
arma contra o parlamentarismo, pois o governo de Salazar torna o Conselho de
Ministros um órgão “muito distinto dos executivos parlamentares do tempo da I
República, o que era natural, mas um órgão onde deixa de existir a
solidariedade governamental horizontal (...) para dar lugar à responsabilidade
vertical dos ministros perante o presidente do Conselho”
77
.
A Constituição de 1933 (que entrou em vigor no dia 11 de abril)
determinava que “a soberania reside em a Nação e tem por órgãos o Chefe do
Estado, a Assembléia Nacional, o Governo e os Tribunais”
78
. De acordo com a
Constituição, as eleições passam a ocorrer de quatro em quatro anos (artigo
85) e muito embora a existência do sufrágio direto para a Câmara de
Deputados, existia um rígido e prévio controle de aprovação por parte de
Salazar sobre os candidatos que iriam concorrer às eleições.
O chefe de Estado, à frente do executivo, estava acima dos demais e
era eleito por sufrágio direto para um mandato de 7 anos (artigo 72). O controle
absoluto da Nação dava-se através do artigo 111 da Constituição,
determinando que “ao chefe do Estado competia a designação do governo e
este era de exclusiva confiança do presidente da República e a sua
conservação no poder não dependia de qualquer votação da Assembléia
Nacional”
79
. O presidente controlava em suas mãos, ainda, a Assembléia,
tendo em vista que ele poderia dissolvê-la a qualquer momento.
Como forma de controle total, os partidos políticos não tiveram
autorização para o seu funcionamento; para participarem das atividades
políticas do país indica-se a União Nacional, “verdadeira frente política
estruturante da convergência das várias forças da direita numa plataforma
76
FERREIRA, Joaquim. História de Portugal. 2. ed. Porto: Editorial Domingos Barreira, p. 953.
77
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 244.
78
MIRANDA, Jorge. As constituições portuguesas: de 1822 ao texto atual da Constituição. 2.
ed. Lisboa: Livraria Petrony, 1984, p. 242.
79
Idem, p. 258.
41
comum de apoio ao Estado Novo”
80
. Assim, a União Nacional, na medida em
que era o único mecanismo político passível de atuação, neutraliza qualquer
tipo de reação contrária ao Estado Novo e à sua política de funcionamento.
No final de 1934 foram realizadas as eleições legislativas. O resultado
destas foi a introdução de um grupo de 90 deputados, propostos pela
organização da União Nacional. No ano de 1935, o General Carmona foi
reeleito como Presidente da República e, em 1936, “duas organizações
tipicamente fascistas, a Legião Portuguesa ou corpo de voluntários para a
defesa do regime, e a Mocidade Portuguesa, organismo pára-militar obrigatório
entre os adolescentes fizeram sua aparição, no meio de grande entusiasmo”
81
.
A censura prévia à imprensa
82
, implantada já na época da ditadura
militar, não foi retirada no período do Estado Novo, e este fator associado à
não autorização da vida partidária acaba por dificultar mas não impedir a
manifestação ou tentativa de abertura política, tanto que alguns jornais não
cederam ao regime salazarista. Isto leva Oliveira Marques a esclarecer que
“apesar de todas as violências, ou talvez por causa delas, o regime nunca
conseguiu disciplinar totalmente a imprensa periódica e converter os jornais em
órgãos seus”
83
.
Toda esta centralização política, como não poderia deixar de ser, acaba
gerando certa oposição, esta se faz mais presente a partir de determinados
elementos “nacionalistas”: Vicente de Freitas (antigo chefe de governo que
havia nomeado Salazar para a pasta das Finanças), o qual além de afirmar que
80
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 245.
81
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 373.
82
“A censura à imprensa funda-se na disposição do art. 22º da Constituição, que incumbe ao
Estado a defesa da opinião pública de todos os fatores que a desorientem contra a verdade, a
justiça, a boa administração e o bem comum. Acrescenta-se o art. do Decreto-Lei 22469,
de 11 de Abril de 1933, que a censura tem por fim impedir também que sejam atacados os
princípios fundamentais da organização da sociedade”. Instruções sobre a censura à imprensa.
Sobre o tema ver ainda: CARVALHO, Alberto Arons de. A censura e as leis de imprensa.
Lisboa: Seara Nova, 1973. (Coleção Que País?)
83
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 428. Nesta mesma página o autor ainda aponta
que “em 1933, 101 (40,2%) dos jornais portugueses se podiam considerar situacionistas,
frente a 81 (32,3%) oposicionistas e a 69 (27,5%) neutros. Em 1934 os números eram,
respectivamente, 148 (59,9%), 56 (22,7%) e 43 (17,4%). Em 1945, no auge da repressão,
42
União Nacional era um partido totalitário, critica ferozmente a Constituição de
1933. Como represália, Freitas é demitido do cargo de Presidente do Município
de Lisboa. A classe operária também reage contra a nova organização do
trabalho, realizando uma greve geral, em princípios de 1934, que mobiliza
milhares de trabalhadores. De acordo com Afonso Manta, a ação
desencadeada em 18 de janeiro de 1934 representou “um movimento de
resistência aos decretos de fasciazação dos sindicatos livres (e a dos outros
decretos) até então existentes em Portugal”
84
.
Em princípios de 1935, os “camisas azuis”, grupo da direita fascista os
nacionais-sindicalistas que haviam apoiado Salazar no início de seu governo,
mas que estavam descontentes com o rumo que o governo salazarista tomava,
lideraram um golpe contra o Estado Novo português, em Lisboa.
85
Pela ação
de seus órgãos de vigilância e informação, a revolta militar foi descoberta antes
de ser deflagrada. Argumentando sobre a forma como a revolta militar havia
sido esvaziada, Salazar informa que:
Por falta de acordo, primeiro acerca da distribuição das
pastas, depois acerca da chefia do governo que cada um
dos grupos desejava para si, desavieram-se os principais
dirigentes, mas os elementos de uma e outra banda
continuaram trabalhando de modo que pudessem no
momento decisivo usufruir sozinhos os proventos da
vitória
86
.
No domingo de 4 de julho de 1937 aconteceu uma nova tentativa aberta
de acabar com o regime do Estado Novo de modo não pacífico: foi o
fracassado atentado à bomba desferido a Salazar, na Avenida Barbosa du
Bocage, número 86, por ocasião de sua chegada à residência do seu amigo, o
professor de Música no Liceu Gil Vicente, Dr. Josué Trocado. Salazar
costumava freqüentar o local antes do horário da missa dominical e, neste
havia 253 jornais declaradamente pró-Estado Novo (48,2%). A maioria (263 = 50,1%)
refugiava-se no neutralismo e só nove (1,7%) ousavam desafiar o Regime”.
84
MANTA, L. H. Afonso. Estado Novo em Portugal. Lisboa: Fragmentos, 1989, p. 129.
85
Elementos da direita e alguns monarquistas também engrossavam as fileiras desta
conspiração.
86
Nota Oficiosa do Governo divulgada no jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 11 de setembro
de 1935, p. 2.
43
momento, estava acompanhado de Antero Leal Marques “quando na caixa do
coletor junto à moradia rebentou uma bomba de média potência. A deflagração
ouviu-se à distância, os prédios vizinhos sofreram estragos de monta, mas o
Presidente do Conselho não foi atingido”
87
. Após o atentado, Salazar recebe
grande apoio popular e de políticos ligados ou não ao governo salazarista; de
acordo com o jornalista Rocha Martins, um grande sentimento de
reprovação ao uso da violência contra o ditador
88
.
Em termos de política externa, o regime salazarista obtém apoio da
Inglaterra, a quem não interessava o caos político e financeiro português, em
razão da manutenção dos seus vantajosos acordos comerciais
89
. Tanto que a
partir de 1935, “nenhuma outra nação teve com Portugal um relacionamento
diplomático mais estreito do que a Inglaterra”
90
e muito embora a existência das
pressões de um grupo que defendia a aproximação portuguesa junto aos
alemães, Salazar manteve o seu posicionamento de aliança luso-inglesa
91
.
Sobre este vaivém de posições, o historiador Luís Reis Torgal esclarece que:
No seu início o Estado Novo foi se apresentando como
um regime de reintegração de Portugal na realidade
européia, depois da vergonhosa situação da dívida
pública e da “balbúrdia sanguinolenta” em que caiu a I
República. No entanto, à medida que as convulsões
européias se iam tomando posições contra as
87
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal Da Legislatura à visita presidencial
aos Açores (1935-1941). v. XIV. Lisboa: Verbo, 2000, p. 122. Sobre o tema ver, ainda, a
descrição do atentado na revista Arquivo Nacional, ano 6, 287, Lisboa, de 7 de julho de
1937, p. 467. Idem, ano 6, nº 295, Lisboa, de de Setembro de 1937, pp. 140-141, que
noticiava a prisão, em 17 de julho anterior, dos principais envolvidos no atentado ao Doutor
Salazar. Por fim indica-se ainda SANTANA, Emídio. História de um atentado o atentado a
Salazar. Lisboa: Fórum, 1976.
88
Arquivo Nacional, ano 6, nº 287, Lisboa, de 7 de julho de 1937, p. 467.
89
Sobre o tema ver: ROSAS, Fernando. O Salazarismo e a aliança luso-britânica. Lisboa:
Fragmentos, 1988.
90
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal Da Legislatura à visita presidencial
aos Açores (1935-1941). Op. cit., p. 396.
91
Argumentações de Salazar para manter a aliança luso-inglesa: “aos que me perguntam se
acredito na Inglaterra em aliança inglesa respondo francamente e sinceramente que sim: em
primeiro lugar porque acredito na palavra dos homens e dos povos, quando não tenho fatos
que me levem a considerá-la mentirosa; em segundo lugar porque, mesmo sem falar nos
estreitos laços de amizade, a comunidade de interesses portugueses e britânicos é de tal modo
evidente que de cá e de lá se há de impor por muito tempo aos homens de governo”.
SALAZAR, Oliveira. Discursos e notas políticas (1935-1937). v. II. Coimbra: Coimbra Editores,
1945, p. 81.
44
“ditaduras”, Portugal ia-se sentindo mais isolado,
sobretudo porque não queria, por um lado, abandonar a
tradicional Aliança Inglesa e, por outro, receava uma
ligação demasiado comprometedora com os Estados
“fascistas”, para quem naturalmente iam as simpatias
políticas do salazarismo. E a situação tornava-se mais
complexa porque começavam a ecoar os primeiros
rumores anticolonialistas na Europa
92
.
A Itália fascista, por suas afinidades ideológicas, e a Alemanha nazista
também aprovavam o Estado Novo português. No caso da Espanha, o ditador
Francisco Franco obtém completo apoio português por ocasião do início da
Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
93
, tanto que inúmeros republicanos
espanhóis ao buscarem apoio em território português, são presos e, em
seguida, devolvidos aos terríveis destinos que os aguardavam na Espanha
94
. E
no que se refere ao alistamento de alguns voluntários portugueses, Salazar
afirmava que “desses certamente o maior número será de comunistas saídos
do território nacional muito antes da Guerra Civil na Espanha, e que ligados a
outros emigrantes políticos portugueses, ali se empregaram em manejos contra
Portugal, do que o Governo várias vezes se queixou”
95
. Essas novas
modificações na estrutura internacional permitiram que, paulatinamente,
Portugal obtivesse a sua libertação do exclusivismo inglês, através das
negociações comerciais com outros países e o estreitamento das relações com
suas colônias além-mar.
À medida que o Estado Novo ia estabelecendo raízes, Salazar
acumulava novas funções dentro do governo. Além de atribuir-se a qualidade
de “grande guia da nação”, e da chefia do governo e o ministério das Finanças
92
TORGAL, Luís Reis. O Estado Novo. Fascismo, salazarismo e Europa. In: TENGARRINHA,
José (Org.). Op. cit., p. 324.
93
Sobre o tema, entre outros, ver: DELGADO, Iva. Portugal e a Guerra Civil de Espanha.
Lisboa: Europa-América, 1980. (Coleção Estudos e Documentos, 162); OLIVEIRA, César de.
Salazar e Guerra Civil de Espanha. Lisboa: Edições “O Jornal”, 1987.
94
Sobre este ponto Oliveira Marques esclarece que: “em outubro de 1936, Salazar quebrou as
relações diplomáticas com o governo republicano espanhol, reconhecendo oficialmente Franco
a partir de Maio de 1938. Devido aos seus fornecimentos de armas à Espanha nacionalista,
Portugal até rompeu relações diplomáticas com a Tchecoslováquia (1937), que no-las vendia e
pretendia declaração formal de que tal não voltaria a acontecer”. MARQUES, A. H. de Oliveira.
Op. cit., p. 379.
95
SALAZAR, Oliveira. Discursos e notas políticas (1935-1937). Op. cit., p. 244.
45
(que permaneceu com ele até o início do conflito mundial), em 1936, o ditador
concentrou em suas mãos a pasta da Guerra (até 1944) e dos Negócios
Estrangeiros (até o ano de 1947). Todos estes novos mecanismos serviram
para o desenvolvimento de uma centralização ainda mais acentuada do regime
salazarista
96
.
1.1.3 A neutralidade portuguesa e a Segunda Guerra Mundial
O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, possibilitou a Salazar um
período de relativa paz interna, tendo em vista que “a maior parte dos seus
inimigos concordou em pôr termo a quaisquer atos subversivos até findarem as
hostilidades”
97
. Deflagrado o conflito, Portugal posiciona-se como um país
neutro e a partir deste momento inicia uma ampla campanha para que a vizinha
Espanha não tomasse posição na guerra ao lado das potências do Eixo
Alemanha e Itália
98
. Oliveira Marques expõe com propriedade os motivos pelos
quais a entrada da Espanha na guerra constituía um sério risco à integridade
portuguesa ao afirmar que:
O Governo Alemão pretendia, contudo, que a Espanha
entrasse no conflito como beligerante, declarando guerra
à Grã-Bretanha e desempenhando o esforço principal de
um ataque a Gibraltar. Em Novembro de 1940 foi
elaborada pelos Alemães, a chamada “Operação Félix”
que previa a ocupação de Gibraltar, o encerramento do
estreito e a ocupação da costa portuguesa e das ilhas
atlânticas a fim de impedir um eventual desembarque
inglês. A data aconselhada para o começo da execução
deste plano seria o 10 de Janeiro de 1941. Todo ele se
assentava, porém, na aquiescência espanhola à
passagem das tropas alemãs pelo território da
Península
99
.
96
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal Da Legislatura à visita presidencial
aos Açores (1935-1941). Op. cit., p. 101.
97
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 380.
98
Sobre o tema ver, entre outros, ver: ROSAS, Fernando. Portugal entre a paz e a guerra
(1939-1945). Lisboa: Estampa, 1990.
99
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 381.
46
Portugal pagou um preço por ter adotado a política de neutralidade e ter
interferido junto à Espanha para que ela não se aliasse à Alemanha: a sua
colônia de Timor sofre com duas invasões. A primeira aconteceu em fins de
1941, quando tropas australianas tomaram pacificamente a ilha e a segunda
ocorreu pela ocupação de três anos das forças japonesas, a partir de 1942, sob
a alegação de que combateriam e expulsariam os australianos. Esta invasão
ficou longe dos fins pacíficos e ocasionou grande número de mortos e
expressiva destruição local. Invasão japonesa semelhante também aconteceu
em Macau e esta perdurou durante a maior parte da guerra.
Muito embora a germanofilia de alguns membros apoiadores do
governo, em 1943, no momento em que os rumos da guerra indicam uma
provável vitória dos aliados, Portugal passa de uma “neutralidade geométrica à
neutralidade colaborante”
100
, ao conceder bases marítimas e aéreas nas ilhas
dos Açores à Inglaterra (em 1943) e aos Estados Unidos (em 1944). Essa
aliança de Portugal com os aliados foi estabelecida visando à contrapartida de
que “o benefício concedido aos Estados Unidos, além de resultar de exigências
de ordem estratégica, poderia constituir a base de uma nova aliança, que a
posição relativa da Inglaterra talvez justificasse”
101
. Essa aliança frutificará, em
4 de abril de 1949. Na ocasião, os Estados Unidos e alguns países europeus
(entre eles Portugal) fundam a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
Norte) – órgão de combate à difusão das idéias “comunistas” – e mais tarde, no
momento em que os Estados Unidos ocasionarão uma menor pressão sobre os
lusos no que se refere ao processo de descolonização no continente
africano
102
. Na realidade, o que fica claro é que como Portugal constituía um
país dito “periférico” dentro do contexto europeu, lhe foi permitido continuar
com as colônias além-mar em razão da sua economia estar diretamente ligada
às grandes potências da OTAN, ou seja, o que os europeus não queriam era
abrir mão da exploração de materiais estratégicos, via Portugal, para o
desenvolvimento de suas economias.
100
Expressão defendida por ROSAS, Fernando. História de Portugal o Estado Novo (1926-
1974). Op. cit., p. 269. Esta tese foi analisada e justificada ainda por: TEIXEIRA, L. Portugal e a
guerra: neutralidade colaborante. Lisboa: Tipografia Empresa nacional de Publicidade, 1944.
101
MARTÍNEZ, Pedro Soares. História diplomática de Portugal. Lisboa: Verbo, 1994, p. 554.
47
Por outro lado, assim como ocorreu com o Brasil, a guerra trouxe alguns
benefícios traduzidos, principalmente, pelo incremento de sua industrialização,
também para Portugal ela gerou um saldo “positivo”, tendo em vista que
durante boa parte do conflito os portugueses exportaram matéria-prima para
ambos os lados beligerantes. Este aumento nas exportações ocasiona um salto
junto à balança comercial portuguesa no período 1940-1943, principalmente,
pelas exportações do volfrâmio
103
, como bem destaca o historiador Fernando
Rosas:
A conjuntura de guerra ficará ligada, em Portugal, não
ao mais importante surto industrializante por ele
conhecido a (lançamento, nos anos posteriores ao
termo do conflito, das grandes obras hidrelétricas e de
várias indústrias de base) como a uma viragem da
colonização portuguesa assente na exportação de capital
metropolitano e no seu investimento produtivo nas
colônias africanas
104
.
O saldo tido como “negativo” reside na crise instaurada em Portugal por
ocasião do término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, momento em que
“rompem-se os equilíbrios econômico-sociais e políticos laboriosamente
construídos nos anos 30 e o regime vive a sua primeira crise séria”
105
. Assim, a
vitória das forças aliadas no conflito mundial traz consigo a esperança de um
retorno ao estatuto democrático, tanto que a partir deste momento o Estado
Novo passa a vivenciar um forte movimento de contestação ao regime. Toda
esta oposição coincide com a campanha de candidatura do General Norton de
Matos à Presidência da República portuguesa, em 1949
106
. Objetivando driblar
o sistema, a oposição portuguesa solicita o adiamento das eleições e requer a
102
TORGAL, Luís Reis. O Estado Novo. Fascismo, salazarismo e Europa. In: TENGARRINHA,
José (Org.). Op. cit., p. 326.
103
As exportações de volfrâmio tiveram um grande crescimento em razão deste constituir a
principal fonte de extração do tungstênio, elemento de suma importância para o reforço do aço
e fabricação de blindagens e motores. Sobre o tema ver: TELO, Antônio José. Portugal na
Segunda Guerra Mundial. Lisboa: Edições Perspectivas e Realidades, 1988.
104
ROSAS, Fernando. Portugal entre a paz e a guerra (1939-1945). Lisboa: Estampa, 1990, p.
239.
105
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1974). Op. cit., p. 267.
48
elaboração de novos cadernos eleitorais através do encaminhamento de listas
contendo assinaturas de centenas de milhares de pessoas que solicitavam
modificações na forma de realização de eleições. Salazar não aceita este
pedido e revida por meio da perseguição aguerrida a vários indivíduos
subscritores destas listas. Norton de Matos desenvolve uma grande campanha,
denunciando todos os “esquemas” e contradições do governo salazarista, mas
diante da falta de convicção de que haveria espaço para as pessoas votarem e
da negativa na reforma dos cadernos eleitorais, o General Matos, “frustrado do
confronto ilusório e desigual com Salazar e com o Marechal Oscar Fragoso
Carmona”
107
, retira a sua candidatura faltando apenas alguns dias para a
realização do pleito eleitoral. Pelo “novo” quadro, Carmona é, mais uma vez,
reeleito.
Com a morte do General Carmona, em abril de 1951, retorna à pauta de
discussões a questão da Monarquia, porém Salazar, com a difusão de sua
hábil política, consegue debelar as pretensas intenções monárquicas de Mário
de Figueiredo, Lumbrales e Cancela de Abreu. Para as eleições que se
seguiram, a esquerda portuguesa apresenta o nome do professor Rui Luís
Gomes, mas o Supremo Tribunal de Justiça nega a sua candidatura,
associando-o ao comunismo
108
.
As eleições presidenciais de 1958 trazem à tona a novidade das
manifestações populares em prol do candidato da oposição, o general
Humberto da Silva Delgado, ex-partidário do Estado Novo e admirador da
figura de Salazar. Após a realização do pleito presidencial, objetivando o fim de
novas crises políticas, Salazar impõe uma modificação constitucional: a partir
deste momento o presidente da República passa a ser eleito de forma indireta
por um restrito e disciplinado colégio eleitoral.
106
Sobre o tema ver: MATOS, Norton de. Os dois primeiros meses da minha candidatura à
Presidência da República. Lisboa: Edição do Autor, 1948.
107
PAULO, Heloisa; SILVA, Armando B. Malheiro da. Norton de Matos, o Brasil e as raízes do
paraíso A construção da colônia ideal e o ideal colonialista. In: O beijo através do Atlântico: o
lugar do Brasil no Panlusitanismo. RAMOS, Maria Bernadete; SERPA, Élio; PAULO, Heloisa
(Orgs.). Chapecó: Argos; Editora Universitária, 2001, p. 296.
108
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 392.
49
Em 25 de setembro de 1968, o presidente Salazar sofre uma hemorragia
cerebral e é afastado do governo. Dois anos mais tarde, o mentor do Estado
Novo português vem a falecer em decorrência da mesma doença que o
afastara da Presidência do Conselho.
1.1.4 O governo de Marcelo Caetano e o 25 de Abril
Com o afastamento de Salazar da Presidência do Conselho, em 1968, o
presidente provisório, Américo Thomas, escolhe como Primeiro Ministro o
jurista e político Marcelo José das Neves Alves Caetano (ele assume em 28 do
citado mês)
109
. Caetano com o lema “evolução na continuidade”, representativo
“de uma evolução reformista do regime, adaptando-o às novas realidades do
pós-guerra, sem convulsões, dentro da ordem estabelecida e com dez ou
quinze anos de avanço relativamente à situação de finais de 60”
110
, objetivava
unir as duas camadas burguesas da época: a liberalizante, que advogava pela
modernização, e a conservadora, que sendo adepta da continuidade, não
admitia reformas no governo
111
. A busca de aproximação de Portugal junto à
Comunidade Econômica Européia (C. E. E.) traz esperanças para o grupo
liberal, mas, em 1972, o deputado Francisco Carneiro – eleito em 1968 com
o apoio da Ação Nacional
112
frustra essas expectativas ao argumentar que a
“continuidade” superava a “renovação”.
Além disso, a questão ultramarina, cada vez mais, adquiria corpo. Para
Portugal, uma das graves conseqüências da Segunda Guerra Mundial foi a
declaração formal do direito de autodeterminação dos povos incluído na Carta
109
Caetano foi uma das figuras mais proeminentes do Estado Novo português e o responsável
pela sistematização do regime corporativo com inspiração no modelo italiano.
110
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 453.
111
Sobre o tema ver: CAETANO, Marcelo. Depoimento. Rio de Janeiro; São Paulo:
Distribuidora Record, 1974.
112
A Ação Nacional Popular constitui a nova designação do antigo partido do governo União
Nacional (a mudança ocorreu neste mesmo ano de 1969).
50
das Nações Unidas, o que ocasiona um agravamento na crise de manutenção
das possessões ultramarinas portuguesas. Além de reconhecer a emancipação
política das antigas colônias, a comunidade européia sugeria a substituição do
domínio metropolitano pela adoção de um sistema que incluía cooperação
econômica e técnica às antigas colônias como garantia de realização dos seus
interesses.
Este novo posicionamento europeu em relação à independência das
colônias origina, em Portugal, o entendimento de que tudo não passava de
uma manobra política que, de fato, objetivava uma redistribuição em proveito
europeu, das colônias africanas e asiáticas no que se refere à obtenção de
matérias-primas e aumento da área de influência européia.
Esta percepção portuguesa leva o país à recusa de alinhamento ao
movimento de descolonização com base no direito constitucional português
e à sustentação da tese de que Portugal era um estado pluricontinental e
plurirracial, o que não caracterizava os seus territórios fora da Europa como
colônias, mas sim partes integrantes do território nacional e, portanto,
inalienáveis (províncias ultramarinas). Mesmo assim, a opinião internacional
considera que os territórios alegados como províncias ultramarinas eram, na
verdade, colônias portuguesas o que gera, inicialmente, algumas advertências
e, posteriormente, condenações por parte da assembléia geral da ONU
113
.
Dessa forma, a partir da década de sessenta, Portugal enfrentará uma
série de conflitos decorrentes dos movimentos de libertação de suas
possessões além-mar. O primeiro dar-se-á pela inicial pressão da União
Indiana contra a presença portuguesa em território indiano, nas cidades de
Goa, Damão e Diu e a posterior invasão do seu exército nas referidas cidades,
em 1961. Para a solução desta crise, Portugal contava com a ajuda
internacional para conter a invasão, mas ela não chegou.
O ano de 1961 marca, também, a deflagração de um movimento de
libertação em Angola. O mesmo acontece na Guiné e em Moçambique. A
ocorrência destes movimentos leva Portugal a manter um contingente militar na
África, o que gera um esvaziamento dos cofres públicos portugueses. A
113
SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Op. cit., pp. 358-359.
51
insatisfação com a política adotada é tanta que Joaquim Ferreira, um escritor
adepto do salazarismo, chega a reconhecer que “as guerrilhas dizimavam os
soldados metropolitanos, mas teimava-se nas expedições militares sem êxito.
Os governantes salazaristas propunham-se persistir nelas, sob o pretexto de
manter a civilização ali implantada pelos portugueses”
114
.
Além da grande perda dos recursos nacionais, o governo português
ainda teve que enfrentar um grande número de protestos da oposição e da
comunidade em geral, contra a manutenção das guerras nas possessões
ultramarinas e inúmeros conflitos internos. Durante o ano de 1973 e os
primeiros meses do seguinte, explode em Portugal uma forte oposição do
movimento operário, que se traduz pelas greves dos operários industriais, dos
pescadores, dos trabalhadores rurais e dos transportes, entre outros.
Nos principais cleos urbanos também se articula o movimento
democrático. O movimento juvenil, que aglutinava trabalhadores e estudantes,
começou a organizar inúmeras manifestações de rua solicitando o fim do
Estado Novo e o retorno imediato à democracia. Este movimento também foi
acrescido pela participação dos intelectuais e da classe média em geral.
Dessa forma, cresciam as manifestações de oposição ao regime em
praticamente todos os campos. A questão da contrariedade à manutenção do
conflito no ultramar e as lutas no seio das forças armadas monopolizam o
centro de descontentamento contra a manutenção do regime autoritário
português e, conseqüentemente, a resistência nas forças armadas aumenta à
medida que sobe o número de desertores e refratários do exército. Muitos
jovens em idade de prestar o serviço militar simplesmente chegavam a fugir do
país para não o fazê-lo. Nesse ambiente de grande resistência origina-se o
“movimento dos capitães” ou Movimento das Forças Armadas (MFA). A
formação deste e o seu programa que “inseria um conjunto de medidas
susceptíveis de obter o aplauso de todas as camadas sociais, com a possível
exceção da grande burguesia”
115
representa o golpe fatal ao Estado Novo,
tendo em vista que até o presente momento, as forças armadas haviam sido o
114
FERREIRA, Joaquim. História de Portugal. Op. cit., p. 981.
115
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal desde os tempos mais antigos até a
presidência do Sr. General Eanes. Op. cit., p. 595.
52
grande baluarte de sustento do governo e, no momento em que estas trocam
de lado, retiram o sustentáculo de manutenção do regime estadonovista
português.
Assim, o Estado Novo português chega ao seu fim em 25 de abril de
1974 como um resultado direto da ação das forças armadas principalmente
de veteranos que lutaram em guerras na África que contando com o apoio
popular notavelmente os estudantes universitários coloca em prática uma
revolução que restaura o regime democrático português e declara a
independência política das possessões ultramarinas portuguesas. O
acontecimento de 25 de abril entrará para a história como a Revolução dos
Cravos, nome advindo da festa em que o povo enfeitou com flores as armas
dos militares.
1.2 Breve contextualização do quadro brasileiro
A partir da década de setenta do século anterior, a historiografia
brasileira vem se dedicando à análise do Estado Novo no país. Entretanto,
entendendo-se ser necessária uma contextualização histórica do período,
optou-se por sua apresentação – sempre que possível – a partir do olhar
português acerca do assunto. Deste modo, procurar-se-á privilegiar o olhar
português obtido com base na análise, principalmente, mas não exclusiva, de
dois relatórios formulados pelo Embaixador português no Brasil, Martinho
Nobre de Mello
116
. O primeiro foi emitido em 23 de outubro de 1937, visando
constituir ao Presidente do Conselho, Antônio de Oliveira Salazar, um meio
para ele “tirar algumas conclusões que auxiliarão o seu alto espírito e fazer
116
Martinho Nobre de Mello nasceu em dezembro de 1891, na ilha portuguesa de Santo Antão.
Era formado em Direito pela Universidade de Lisboa, inclusive, no mesmo local tornou-se
professor a partir de 1915. Foi ministro da Justiça de Sidônio Bernardino da Silva Pais, em
1918 e, após o movimento do “28 de Maio”, chegou a ser ministro dos Negócios Estrangeiros
por três dias (de 6 a 9 de maio de 1926); posteriormente, em 13 de abril de 1932, foi designado
Embaixador português no Rio de Janeiro, onde exerceu atividades até setembro de 1945.
Contudo, permaneceu no Brasil até a década de cinqüenta, retornando a Portugal no momento
posterior e assumindo o jornal Diário Popular. Faleceu em Portugal, no ano de 1985.
53
uma idéia mais ou menos completa do atual panorama político e social do
Brasil”
117
.
O segundo relatório, por sua vez, foi enviado a Salazar, também pelo
Embaixador português no Brasil; entretanto, refere-se ao momento posterior ao
decreto do Estado Novo no Brasil, em 14 de novembro de 1937, realizando
uma espécie de análise sobre o momento, contendo “algumas referências úteis
sobre as atitudes assumidas desde a primeira hora pelo Presidente-ditador”
118
,
as quais refletem a nova situação política brasileira.
1.2.1 O cenário brasileiro antes do decreto do Estado Novo no Brasil
É tarefa difícil, para não dizer impossível, entender a implantação do
Estado Novo no Brasil sem antes se proceder a uma análise do momento
posterior à Revolução de 1930
119
, que ela “pôs fim à estrutura republicana
criada na década de 1890”
120
, ocasionando uma série de mudanças traduzidas,
principalmente, por uma centralização administrativa do país e a conseqüente
perda de poder por parte das elites regionais, notadamente, São Paulo e Minas
Gerais
121
.
117
Este primeiro relatório trata “da fixação de alguns fatos mais significativos, ocorridos desde a
abertura da campanha de sucessão até esta parte; da interpretação de algumas atitudes ou
declarações menos obscuras dos chefes ou partidos políticos; e do esboço de certas figuras
mais em foco no cenário brasileiro”. Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao
Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 1.
M. N. E., 3º piso, Armário 11, Maço 348.
118
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 1. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348.
119
Sobre o tema, entre outros, ver: FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. In: MOTA, Carlos
Guilherme. Brasil em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969, pp. 227-
255. (Coleção Corpo e Alma do Brasil); SOBRINHO, Barbosa Lima. A verdade sobre a
revolução de outubro. São Paulo: Unitas, 1933; SILVA, Hélio. 1930A revolução traída. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
120
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de
Janeiro: Saga, 1969, p. 26. Atualmente, a referida obra encontra-se atualizada e abrange
períodos mais longínquos.
121
Sobre o momento posterior à Revolução de 1930, o historiador Boris Fausto esclarece que
“o Estado que nasce em 1930 e se configura ao longo da década deixa de representar
diretamente os interesses de qualquer setor da sociedade. A burguesia do café está deslocada
do poder, em conseqüência da crise econômica; as classes médias não têm condições para
assumir seu controle; os ‘tenentes’ fracassam como movimento político autônomo; os grupos
desvinculados do setor cafeeiro, especialmente o industrial, não se encontram em condições
54
Por outro lado, cabe destacar que esta centralização política exercida
por Vargas origina uma série de problemas advindos tanto das forças que o
apoiaram, afinal, “o compromisso de correntes antagônicas fatalmente tendia a
desagregar-se depois da vitória”
122
, quanto dos que estavam na oposição ou,
ainda, daqueles que passaram a ser oposicionistas ao seu governo. Entretanto,
é em São Paulo que sua forma de governo autoritária e centralizadora
acaba gerando os mais profícuos focos de resistência. A elite paulista não
aceitava a perda de poder e, instigada por um maior espaço de participação
política, representa um grande foco de resistência à figura de Getúlio Vargas,
advindo daí as raízes da revolução de 1932, revolução que:
Representa a revolta de todos os setores da burguesia
paulista, não tanto por razões estritamente econômicas
(bem ou mal o governo vira-se obrigado a considerar o
problema do café, estabelecendo um novo esquema de
defesa), mas sobretudo por razões de natureza política.
A decepção dos democráticos levou à luta tanto a
“aristocracia do café”, como todo o grupo industrial mais
importante do país que, sem discrepâncias, realizou um
considerável esforço para armar o Estado rebelde
123
.
Aliás, esta posição também é evidenciada no relatório emitido pelo
Embaixador português no Brasil, Martinho Nobre de Mello, no momento em
que ele se reporta a períodos anteriores para relatar ao Presidente do
Conselho, Antônio de Oliveira Salazar, como foi o processo de implantação do
Estado Novo no Brasil. Contudo, diferenças de posicionamento no que
respeita às suas seqüelas, pois a Revolução de 1930 é apontada por ele como
um movimento inacabado, que havia consagrado ao país uma herança pela
qual se habilitavam três concorrentes a recebê-la: o próprio presidente Getúlio
Vargas, o Exército, e o integralismo
124
. De acordo com o seu pensamento:
de ajustar o poder à medida de seus interesses, seja porque tais interesses coincidem
freqüentemente com os daquele setor, seja porque o café, apesar da crise, continua a ser um
dos centros básicos da economia”. FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. Op. cit., pp. 253-254.
122
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Buriti, 1965, p. 84.
123
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. Op. cit., p. 249.
124
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 3. M. N. E., piso, Armário
11, Maço 348.
55
Não há como negar que a revolução de 1930, que elegeu
por chefe o Dr. Getúlio Vargas, não resolveu o problema
político brasileiro. A um momento dado pareceu mesmo
que ela provocaria a desagregação total do país. São
Paulo contrarevolucionou-se. Perdida a cartada, o grande
Estado do sul parecia dever permanecer amuado e
isolado, na Federação, com o mínimo de relações
possíveis com os homens e a engrenagem do governo
central, não se declinando mais a colaborar
constitucionalmente com o resto do país. A nuvem
passou, porém. Algumas personalidades, de real
prestígio em São Paulo, a cuja frente estava Armando de
Sales Oliveira, conseguiram o milagre de congraçar os
“paulistas” com os brasileiros. Mas isso não resolveu o
problema
125
.
Na avaliação do Embaixador português, muitas das dificuldades
enfrentadas pelo presidente Vargas, no momento anterior ao decreto do Estado
Novo brasileiro, dizem respeito à própria organização política federativa do
Brasil, pois esta, segundo ele, origina, com muita freqüência, problemas quase
insolúveis, tendo em vista que cada Estado da federação defende seus
interesses e pode ter seus próprios partidos
126
. Como exemplo desta
afirmação, o Embaixador português cita o Estado de São Paulo, durante a
revolução de 1932, momento em que, inicialmente, conseguiu unificar-se, mas
que após a sua derrota para o governo federal, reencontrou o seu caminho na
vida constitucional o que significa dizer que voltou para o cenário da luta
regional dos partidos ocasionando a salvação do governo central na medida
em que as atenções paulistas voltaram-se, novamente, para as disputas
internas no Estado.
125
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 3. M. N. E., piso, Armário
11, Maço 348.
126
De acordo com o Embaixador português Martinho Nobre de Mello, “se excetuarmos o
integralismo, temos de acentuar que todos os partidos políticos que neste país são
regionais: nenhum é ‘brasileiro’! Cada qual tem uma organização, uma orientação e uma chefia
suprema dentro do seu Estado, nenhum tem a mínima ligação orgânica, disciplinar, ou
ideológica, com qualquer outro de outro Estado. Coligam-se por vezes, para formar a maioria
parlamentar; coligam-se para lançar e patrocinar uma candidatura presidencial, mas é tudo.
Cada um persiste autônomo, no seu Estado”. Idem, p. 3.
56
De acordo com a análise do Embaixador português Martinho Nobre de
Mello, a existência desta peculiaridade na política brasileira leva ao
entendimento de outro fenômeno, de caráter geral, que abrange todos os
tempos; nela está afigurada a compreensão de que o presidente da República
deve exercer o seu governo de modo a evitar que um único partido domine o
cenário político local. Em outras palavras, o governante deve buscar apoio no
partido considerado mais forte; entretanto, na medida do possível, terá que
oportunizar à sua oposição condições para que ela possa enfrentá-lo, de forma
a evitar a sua hegemonia política no cenário local
127
.
Todavia, outras questões dominavam o cenário político brasileiro deste
momento, notadamente àquelas relacionadas à formação de dois movimentos
político-sociais antagônicos, amplamente difundidos no Brasil da época: a Ação
Integralista Brasileira (grupo de extrema direita) e a Aliança Nacional
Libertadora (grupo de extrema esquerda). O primeiro inspirava-se no fascismo
e tinha em Plínio Salgado
128
o chefe nacional a figura de maior expressão
dos “camisas-verdes”. O segundo, por sua vez, representa a organização de
um movimento de frente popular, com ampla dependência do Partido
Comunista
129
. Luís Carlos Prestes
130
era sua figura de maior destaque.
127
Esta referência diz respeito ao apoio do presidente Getúlio Vargas à candidatura de Flores
da Cunha ao governo do Rio Grande do Sul e ao simultâneo cortejo varguista à candidatura da
Frente Única, de oposição florianista.
128
Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí (São Paulo) em 22 de janeiro de 1895.
Iniciou suas atividades ligadas à política em 1918, quando participou da fundação do Partido
Municipalista. Nessa época realizava conferências em nome da autonomia provincial. No ano
de 1920, começou a trabalhar no jornal Correio Paulistano, órgão oficial do Partido
Republicano Paulista (PRP). Neste momento Salgado fez amizade com Menotti del Picchia
(redator-chefe do jornal) e, em companhia deste e de Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho,
passou a fazer parte do movimento Verde-Amarelo, uma vertente nacionalista do modernismo.
Em 1926, Plínio Salgado publicou o seu primeiro romance intitulado “O Estrangeiro”, obra que
discutia a questão da identidade nacional brasileira e que o tornou conceituado no meio
modernista. Em 1927 elegeu-se deputado estadual pela sigla partidária do PRP. Em 1930,
apoiou a candidatura situacionista de Júlio Prestes à Presidência da República em oposição a
Getúlio Vargas. Neste mesmo ano, antes de concluir seu mandato de deputado, viajou para o
Oriente Médio e à Europa como preceptor do filho do amigo Souza Aranha. Na ocasião,
impressionou-se com o fascismo e com Mussolini. Alguns autores acreditam que esta
fascinação o estimulou a pensar na elaboração de uma doutrina semelhante para o Brasil.
Sobre o tema ver: LOUREIRO, Maria Amélia Salgado. Plínio Salgado, meu pai. São Paulo:
GRD, 2001.
129
Ressalta-se que, inicialmente, a ANL caracterizava-se por uma frente ampla, composta de
segmentos partidário-ideológicos diferenciados e que, somente num segundo momento, ficou
sob o predomínio do Partido Comunista.
57
Com relação ao integralismo, ressalta-se que suas origens remontam ao
ano de 1932, momento em que Plínio Salgado fundou a Sociedade de Estudos
Políticos (SEP), organização composta por intelectuais simpáticos ao fascismo.
Ressalta-se que a sua coroação definitiva de sua carreira política sobreveio
alguns meses depois, quando o chefe integralista divulgou o Manifesto de
Outubro, que continha as diretrizes básicas da Ação Integralista Brasileira
(AIB)
131
. Sobre o integralismo brasileiro, Stanley Hilton afirma que:
A Ação Integralista Brasileira nasceu no período de
fluidez política e social que seguiu a Revolução de 1930.
Fundada em outubro de 1932, por Plínio Salgado, o
partido floresceria num clima de nacionalismo cultural e
ansiedade da classe média face ao comunismo. Vestindo
camisas verdes, usando o sigma como mbolo e o braço
esticado como saudação, os integralistas apregoavam
soluções nacionalistas para os problemas brasileiros
132
.
Em fevereiro de 1934, ocorreu o Congresso de Vitória, onde foram
traçadas as diretrizes integralistas e elaborados os estatutos da AIB; também
foi elaborado um plano de ação e os Departamentos de Doutrina, de
Propaganda, de Milícia, de Cultura Artística, de Finanças e de Organização
130
O principal líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luís Carlos Prestes, nasceu em
Porto Alegre (Rio Grande do Sul) em 3 de janeiro de 1898. Cursou a Escola Militar da Praia
Vermelha do Rio de Janeiro, em 1919 e, após a sua transferência para o Rio Grande do Sul, foi
o principal articulador e líder da revolta tenentista contra o governo do presidente Arthur
Bernardes, em 1924. Esta revolta visava, entre outros objetivos, a renúncia do presidente
Bernardes. Após inúmeros combates, os revolucionários gaúchos associaram-se, no Paraná,
aos rebeldes paulistas liderados por Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, originando a Coluna
Prestes. Esta objetivava percorrer o país e difundir o ideal tenentista. A marcha tenentista
chega a seu término em 1927, momento em que os revoltosos exilaram-se na Bolívia. Em
terras bolivianas Prestes conheceu Astrogildo Pereira, um dos futuros fundadores do PCB.
Após a sua conversão ao marxismo, Prestes viajou para Moscou, em 1931 e retornou ao
Brasil, clandestinamente, em 1935, casado com a comunista judia alemã Olga Benário. A partir
deste momento, será o comandante da fracassada Intentona Comunista, em 1935, e o principal
articulador do Partido Comunista no Brasil. Sobre o tema ver: AMADO, Jorge. O cavaleiro da
esperança. 25. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981.
131
“O integralismo se definiu como uma doutrina nacionalista cujo conteúdo era mais cultural
do que econômico. Sem dúvida, combatia o capitalismo financeiro e pretendia estabelecer o
controle do Estado sobre a economia. Mas sua ênfase maior se encontrava na tomada de
consciência do valor espiritual da nação, assentado em princípios unificadores: ‘Deus, pátria e
família’ era o lema do movimento”. FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização
brasileira. 2. ed. São Paulo: Difel, 1986. t. 3. O Brasil republicano. v. 3: Sociedade e política
(1930-1964), p. 353.
58
Política. Plínio Salgado confirmou sua autoridade ao conseguir a aprovação
dos artigos que definiam as atribuições do “chefe nacional da AIB”, ou seja, seu
poder sobre a instituição era inquestionável.
A ão dos integralistas, em grande parte, resultou na formação da sua
contrapartida, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), em março de 1935. Esta
se constituía num grupo de esquerda com forte influência do Partido Comunista
brasileiro, tanto que sua formação constituía “uma frente única dos partidos de
esquerda, sindicatos, certa ala tenentista e elementos apartidários fusão de
parte da classe média e operariado”
133
. Suas diretrizes de ação, notificadas em
fevereiro de 1935 por meio do seu manifesto-programa, “representavam uma
promessa de ameaças aos interesses de umas e de outras facções dos grupos
dominantes”
134
.
No dia 5 de julho, Luís Carlos Prestes pronuncia um forte discurso de
ataque ao que ele considerou um “desvio aos ideais de 1922”; no mesmo
discurso, sua conclusão incide de forma violenta ao governo de Vargas quando
o líder comunista afirma “abaixo o governo odioso de Vargas! Abaixo o
fascismo! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à
Aliança Nacional Libertadora!”
135
. A resposta do presidente a este discurso
acontece a 13 de julho, momento em que a polícia invade o quartel-general da
ANL e realiza o confisco de documentos que mais tarde serão utilizados como
prova inconteste de que a Aliança obtinha financiamento do exterior e era
controlada pelos comunistas. O resultado final desta ação determina o
132
HILTON, Stanley E. A ação integralista brasileira: o fascismo no Brasil, 1932-1938. In: O
Brasil e a crise internacional: 1930-1945. Rio de Janeiro: Cultura Brasileira, 1977, p. 24.
(Coleção Retratos do Brasil)
133
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo. Op. cit., p. 116.
134
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Op.
cit., p. 261. Sobre os programas da ANL, a autora ainda informa que “embora heterogêneos,
apontavam para a mesma ‘perigosa’ direção, porque incluíam, sobre o denominador comum do
nacionalismo, a liquidação dos latifúndios, extinção de tributo dos aforantes, cancelamento das
dívidas imperialistas contestação indireta da estrutura rural existente; reivindicavam também
a nacionalização das empresas estrangeiras, salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas
palavras de ordem que poderiam mobilizar um proletariado urbano em crescimento e fazê-lo
adquirir experiência política, ameaçando assim os grupos industriais necessitados de capital e
de paz”.
135
Citação apresentada por CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo. Op. cit.,
p. 143.
59
fechamento da ANL por um período de seis meses e, a partir daí, inúmeras
prisões dos líderes esquerdistas.
Em decorrência destas ações, a ala revolucionária do Partido Comunista
brasileiro prepara, em 23 de novembro, o denominado levante comunista de
1935
136
. Neste, alguns militares revolucionários das guarnições nordestinas das
capitais de Natal, Recife e Rio de Janeiro promovem uma quartelada,
assassinando oficiais superiores; no entanto, como houve uma falha no que diz
respeito à tentativa de ocasionar um movimento simultâneo em parte do
nordeste e Rio, o levante não ocorreu de modo simultâneo, pois os
comandantes cariocas tinham sido avisados e o que estava previsto como
um grande movimento acaba tornando-se uma atividade sufocada com certa
facilidade pelo governo central
137
. O levante deixa um saldo de 22 mortos (4
em Natal, 1 no Recife e 17 no Rio de Janeiro)
138
e, praticamente, determina o
fim das liberdades constitucionais existentes no período anterior ao decreto do
Estado Novo, tendo em vista que, a partir deste momento, o país passa a maior
parte do tempo em estado de sítio ou de guerra
139
. Sobre o levante comunista,
o Embaixador português apresenta uma descrição comprometida com os
interesses do governo brasileiro, como poderá ser observado a seguir:
Nele perderam a vida distintos oficiais do Exército,
assassinados de surpresa nos quartéis; outros morderam
o pó, em face de um adversário rancoroso e destemido.
Nele tomaram parte outros tantos militares, ganhos de há
136
Sobre o tema ver: PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégia da ilusão: a revolução mundial e o
Brasil, 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
137
Antônio Pedro Tota justifica que “os jornais ajudaram a propagar uma imagem bastante
aterrorizante do Levante da ANL: fotos de oficiais mortos, prédios dos quartéis bombardeados.
A população mostrava-se assustada diante dessa imagem do levante, em especial as classes
médias e os dirigentes. Para o Governo, isto foi de grande valia, na medida em que a Carta
Constitucional ia sendo superada por mecanismos de exceção”. TOTA, Antônio Pedro. Op. cit.,
p. 18.
138
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000,
p. 16.
139
“Por sucessivas concessões do Legislativo, a pedidos e pressões do Executivo, o Brasil
viveu em estado de emergência logo equiparado a estado de guerra, de novembro de 1935 a
junho de 1937. O consentimento a tais medidas implicava na convicção mais ou menos
generalizada excetuados nos meses finais alguns líderes como Otávio Mangabeira de que
o fortalecimento do Executivo era a condição de estabilidade e de ordem, portanto de
sobrevivência dos grupos dominantes”. SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. Op.
cit., p. 262.
60
muito, à causa vermelha. Nele estavam implicados
professores, funcionários, gente de alto coturno, mesmo
senadores e deputados. Não como negar que se
tratava de um movimento subversivo de alto teor, de
proporções impressionantes. A repressão foi pida,
violenta, digna da ação adversa
140
.
A parte grifada na descrição apresentada pelo Embaixador português
leva a crer que existe uma aprovação portuguesa no que respeita à forma
como o governo do presidente Getúlio Vargas debelou o levante. Logo,
também, há consenso de que o levante comunista de 35 propicia ao presidente
Vargas provas irrefutáveis do “perigo comunista” e abre caminho para uma
forte onda de repressão à esquerda brasileira, pois “a revolução de 35, com a
onda de terror, que justificava pela necessidade de se defender da ‘subversão
social’, facilitava-lhe os meios”
141
.
Com relação à contenção do levante de 35, o relatório do Embaixador
luso ainda ressalta a ação do Tribunal de Segurança Nacional
142
, o qual, no
seu entendimento, num primeiro momento foi “rigoroso e repressivo”. Contudo,
aos poucos, teve a sua atuação enfraquecida em virtude do aumento dos
recursos ao Supremo Tribunal Militar, os quais levaram à absolvição de muitos
senadores e deputados envolvidos no levante; sendo que estes, aos poucos,
retomaram suas antigas atividades
143
.
140
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 8. M. N. E., piso, Armário
11, Maço 348. O grifo não consta no original.
141
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República – de 1930 a 1960. 6. ed. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1991, p. 88.
142
O Tribunal de Segurança Nacional foi criado em setembro de 1936, era um órgão instituído
para julgar os crimes efetuados contra a Nação; notavelmente, a ação dos envolvidos no
levante comunista de 1935. A existência deste tribunal permite o controle de grande parte da
oposição ocasionada ao presidente Vargas e a interdição de todos aqueles que reivindicavam
medidas menos centralizadoras por parte do governo. Sobre a sua atuação ver a obra de
CAMPOS, Reynaldo Pompeu de. Repressão judicial no Estado Novo: esquerda e direita no
banco dos réus. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982.
143
O Embaixador português também ressalta a utilização do hábeas corpus como um
instrumento de proteção e absolvição dos insubmissos”. Inclusive, o representante português
no Brasil utiliza o exemplo da situação do Estado de Goiás, explicando que “tal foi o escândalo,
que o general Newton Cavalcanti, então comandante da região, mandou prender, de novo, à
sua ordem, todos os que o juiz acabava de beneficiar com hábeas corpus, tendo esse mesmo
juiz, para não ser preso, que fugir para o Rio”. Relatório, confidencial, 102, do Embaixador
português ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro
de 1937, p. 9. M. N. E., 3º piso, Armário 11, Maço 348.
61
Assim, após a tentativa do levante de 35 a “Intentona”
144
Comunista
o governo brasileiro persegue e desarticula o Partido Comunista,
principalmente quando Luís Carlos Prestes é preso, em março de 1936, e o
presidente, cedendo aos elementos “germanófilos” do seu governo – cujo maior
expoente tinha base em Filinto Müller repatria a sua companheira, a
revolucionária Olga Benário, à Alemanha nazista de Adolf Hitler. Inclusive, para
desmantelar qualquer tipo de contra-ofensiva comunista, Vargas ainda manda
prender milhares de políticos suspeitos, independente de serem militares ou
civis, ou seja, entre o período “de 25 de novembro de 1935 a 15 de março de
1936, fizeram-se 3.250 investigações, 441 buscas domiciliares, 901 prisões de
civis e 2.146 de militares, entre oficiais e soldados
145
.
Uma das determinações da Constituição de 1934 era a realização de
eleições para presidente da República, em janeiro de 1938. Dessa forma, a
partir de 1936, a questão da sucessão presidencial passa a ser pauta nas
discussões do cenário político nacional e, como um processo lógico, integra o
relatório do Embaixador português no Brasil. De acordo com ele, o quadro
geral das eleições previstas para 1938 anunciava uma possível permanência
de Getúlio Vargas na presidência do país e estes “rumores” haviam levado o
político Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, a declarar que a sucessão
presidencial era essencial ao Brasil e ele “se oporia terminantemente à
continuação inconstitucional do Dr. Getúlio Vargas na presidência”
146
. Tudo isto
leva o Embaixador português a definir o quadro brasileiro da seguinte forma:
...se está vivendo um período de grave agitação política
que se caracteriza por conflitos sangrentos entre as
facções partidárias, por constantes alterações nos altos
comandos, transferências de militares, deslocações de
144
O movimento acaba recebendo este nome em razão do seu intento não ter obtido êxito.
Sobre este aspecto, Maria Celina D’Araújo ainda esclarece que “para se ter uma idéia da
importância que esse evento teve para as Forças Armadas, a partir de 1937, o Levante (que
elas chamaram de Intentona, significando intento louco, plano insensato) foi transformado em
data oficial de celebração militar, quando se condenava a traição aos colegas e se celebravam
as vítimas da covardia. Apenas na década de 1990 a data deixaria de merecer cerimônias
oficiais”. D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. Op. cit., p. 17.
145
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo. Op. cit., p. 124.
146
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 6. M. N. E., piso, Armário
11, Maço 348.
62
regimentos inteiros, do Norte ao Sul do país, boatos
insistentes de revolução social ou estadual,
concentrações de tropas em torno dos Estados
meridionais (São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul) e ainda, mais recentemente, pela desvalorização
súbita da moeda e uma inegável intranqüilidade geral
147
.
Claro está para o embaixador Martinho Nobre de Mello, que toda esta
intensa agitação política está associada à sucessão presidencial. Esta, como
foi destacado anteriormente, desenvolvia-se em meio às questões de
“perseguição ao avanço comunista”. Assim, em meados de 1937, aparecem os
dois primeiros candidatos: o paulista Armando de Sales Oliveira e o paraibano
José Américo de Almeida. O primeiro era o representante da União
Democrática Brasileira, recente aliança formada em torno do nome do bem
sucedido governador de São Paulo, que se considerava o representante do
constitucionalismo liberal. O segundo, por sua vez, era o político José Américo
de Almeida, antigo líder tenentista e romancista; foi um proeminente
componente da Aliança Liberal de 1930 e era o representante da adoção de
medidas nacionalistas autoritárias. Via de regra, era o representante oficial do
governo, mas sem o apoio formal de Vargas.
No que respeita a este ponto, um dos aspectos ressaltados no relatório
do Embaixador é, justamente, a falta de clareza de Getúlio Vargas quanto ao
apoio à candidatura de José Américo; aliás, Vargas utilizou o quanto pôde a
tática de desdobramento das suas reais intenções de permanência no governo.
Por vezes, deixava escapar a impressão de que José Américo era o candidato
oficial à sua sucessão presidencial e, em outras, permitia a especulação sobre
a existência de algum movimento de “última hora”. Como Vargas não tomava
nenhuma posição clara, os integralistas lançaram a candidatura de Plínio
Salgado à presidência do país, em junho de 1937. Numa espécie de síntese
das candidaturas, o Embaixador português, Martinho Nobre de Mello, elabora
um pequeno resumo com os principais dados dos candidatos. Sobre a
candidatura de Armando de Sales Oliveira, Mello informa os seguintes dados:
147
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 2. M. N. E., piso, Armário
11, Maço 348.
63
1) Armando de Sales Oliveira: antigo Interventor e
Governador do Estado de São Paulo.
a) Eixo da candidatura: Estados de São Paulo e Rio
Grande do Sul.
b) Senadores que a apóiam: seis, com o bem conhecido
historiador, professor e acadêmico Alcântara Machado.
c) Deputados: setenta e seis, a mais fina flor da Câmara,
não faltando os nomes de Artur Bernardes, Antônio
Carlos, Otaviano Mangabeira, Raul Fernandes,
Waldemar Ferreira, Pedro Calmon.
d) Principais partidos dos principais Estados que a
patrocinam: Bahia concentração autonomista da Bahia
(Mangabeira); São Paulo Partido Constitucionalista,
chefiado por Armando de Sales; União Democrática
Trabalhista; Dissidência do Partido Republicano Paulista;
Rio Grande do Sul Partido Republicano Liberal (Flores
da Cunha); Partido Republicano Castilhista; União
Democrática Nacional; Ação Nacional Libertadora; Minas
Gerais Partido Republicano Mineiro (Artur Bernardes) e
Partido Progressista Democrático (Antônio Carlos);
Distrito Federal Partido Libertador Carioca (Pedro
Ernesto), Partido Liberal Carioca e outros.
e) Jornais mais importantes, das principais cidades que a
perfilham: O Jornal (Rio Grande do Norte); Diário da
Tarde e A Tarde (Bahia); O Estado e A Tribuna (Estado
do Rio); Estado de Minas (Belo Horizonte); O Estado de
São Paulo, Diário de São Paulo e Correio de São Paulo
(São Paulo); Diário da Manhã (Estado do Paraná); Albor
(Santa Catarina); A Federação, Gazeta de Comércio e
Diário de Notícias (Rio Grande do Sul); O Globo, A
Nação, Diário de Notícias, Correio da Noite, O Jornal
(Distrito Federal).
f) Ideologia: antes de mais: os partidos que apóiam esta
candidatura constituíram-se em uma organização política
que se chama: União Democrática Brasileira, a qual se
registrou no Tribunal Superior de Justiça Eleitoral como
“partido político de âmbito nacional” e como “aliança de
partidos para os fins da eleição de 3 de janeiro de 1938”.
Ao que se vê uma coisa brigando com a outra: um partido
nacional e aliança de partidos são termos que, perante a
lógica e realidade, se excluem. A verdade é que todos os
partidários de Armando de Sales são federalistas.
Na campanha eleitoral é justo acentuar-se que o Dr.
Armando de Sales tem proferido discursos inteligentes,
hábeis, mesmo elevados. Sobretudo salientou-se por um
manifesto bom senso, uma ponderação digna dum chefe
64
de estado, e mais: por uma aspiração inegável de bem
administrar
148
.
Já, com relação à candidatura de José Américo de Almeida, o
Embaixador português ressalta que:
2) José Américo de Almeida: revolucionário de 1930, dos
mais extremistas, e antigo ministro da Aviação no
primeiro Gabinete de Getúlio Vargas.
a) Eixo da candidatura: Estado de Minas Gerais
(coordenador da candidatura: o governo desse Estado,
Benedito Valadares).
b) Senadores que a apóiam: todo o Senado em peso,
salvo os seis senadores que se pronunciaram por
Armando de Sales.
c) Deputados: cento e oitenta e quatro (número muito
sujeito a correções, especialmente porque os “getulianos”
não lhe dão todo o apoio e de igual modo os “classistas”.
d) Principais partidos: os partidos que apóiam os
governadores dos Estados uma parte da oposição, com
estas exceções: em São Paulo o P.R.P., da oposição e
no Rio Grande do Sul a Frente Única, da oposição ao
governador Flores da Cunha.
e) Jornais mais importantes: Correio da Manhã
, Diário
Carioca, Jornal do Brasil (não partidário), Jornal do
Comércio (não partidário); A Gazeta, O Correio
Paulistano, A Folha da Manhã (os quatro primeiros do
Rio de Janeiro, os outros de São Paulo); Diário da
Manhã, de Pernambuco e Correio do Povo, do Rio
Grande do Sul.
f) Ideologia: em princípio semelhante a do Dr. Armando
de Sales, mas caracterizada por um acento demagógico,
populista, extremista de esquerda, que é inegável.
Dos discursos eleitorais do Dr. José Américo de Almeida
exala-se o odor característico da pólvora
revolucionária
149
.
E, finalmente, no que respeita à candidatura do chefe integralista, Plínio
Salgado, o Embaixador português, Martinho Nobre de Mello, tece as seguintes
ponderações:
148
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 19. M. N. E., 3º piso,
Armário 11, Maço. Os grifos constam no original.
65
Trata-se efetivamente de mais um candidato
competentemente registrado como tal, conforme
prescreve a lei: é o candidato do Integralismo brasileiro.
Não dispõe este partido de elementos oficiais, mas tem
uma forte organização. Pelos documentos juntos pode
Vossa Excelência aquilatar de sua ideologia e métodos
de ação. É acoimado de fascista pelos constitucionalistas
de todas as cores, pelos demagogos e comunistas. A
imprensa, na sua generalidade, combate-o em nome da
democracia, imprensa liberal-democrática para a qual,
aliás, não diferença alguma entre fascismo e
comunismo! Mas é inegável que o Integralismo abriga
nas suas fileiras uma boa parte da classe letrada do país,
quase toda a mocidade combativa, que não é comunista,
e muitos oficiais do Exército
150
.
Assim, como se pode constatar, a análise das candidaturas ao suposto
pleito eleitoral de janeiro de 1938, apresentada pelo Embaixador português,
torna-se interessante não somente porque demonstra um profundo
conhecimento acerca da realidade brasileira a qual não se restringe a um
determinado foco político, como a região sudeste, por exemplo mas também,
porque o Embaixador alude a uma possível permanência de Getúlio Vargas à
frente da presidência brasileira, tendo em vista que nenhuma das candidaturas
apresentadas tinha força de sustentação capaz de vencer as eleições, tanto
que “de duas uma: ou o Exército e o Presidente da República conseguem
inventar e impor uma candidatura única, de seu pleno agrado, levando as
demais a se retirarem (...) ou, não haverá eleições”
151
.
Por outro lado, há que se destacar que a campanha para a “sucessão”
de Getúlio Vargas, em razão do estado de guerra decretado no Brasil
152
com
a justificativa de combate ao comunismo desenvolve-se num quadro de
149
Idem, pp. 20-21. Os grifos constam no original.
150
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 22. M. N. E., 3º piso,
Armário 11, Maço 348. Os grifos constam no original.
151
Idem, p. 23.
152
Inicialmente, o estado de guerra é decretado por um período de três meses, mas,
posteriormente, “foi prorrogado ininterruptamente, desde o levante comunista até junho de
1937, quando líderes das bancadas e o ministro da Justiça, Macedo Soares, decidiram por
sustá-lo. No entanto, em outubro do mesmo ano, sob pretexto da iminência de um novo golpe
comunista, em virtude de um plano recentemente descoberto, o Executivo solicitou mais uma
66
repressão, censura e restrições de participação política. Inclusive, os mesmos
instrumentos criados para a repressão ao comunismo também foram aplicados
aos antigos aliados de Getúlio Vargas, àqueles contrários a sua política de
permanência no governo, de forma a enfraquecê-los ou neutralizá-los. Esta era
a posição defendida por Góis Monteiro; ele almejava construir um exército
forte, unificado e isento de influências políticas e assim foi feito. Sobre a ação
de Góis Monteiro e a luta contra o comunismo, Martinho Nobre de Mello
assinala que:
Sob os auspícios do Exército está efetivamente
assumindo aspectos sérios. Ou os militares que estão à
frente das forças armadas são realmente muito
inteligentes (é certo que Góis Monteiro é muito ilustrado e
versado em questões políticas e sociais) ou têm, por trás,
um magnífico espírito de santo de orelha. Basta ler as
últimas decisões da comissão executiva do estado de
guerra. Elas põem o problema do estado de guerra num
plano superiormente nacional e bem sobranceiro... às
questiúnculas regionais
153
.
As repercussões do decreto de estado de guerra no Brasil eram tantas
que a agitação política toma conta do país em fins de outubro, tanto que o
Embaixador português chega a prenunciar a implantação do Estado Novo no
Brasil:
A manter-se este teor de doutrina e de ação, que o
exército requer e quase exige, está-se ou não em face de
uma profunda transformação política do país
? Está-se ou
não em face de uma nova ideologia política que
implicará, mais cedo por ventura do que se julga, não
uma ditadura militar mas um verdadeiro Estado Novo? É
o que suponho...
154
.
vez a declaração do estado de guerra”. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida
Neves (Orgs.). O tempo do nacional-estatismo. Op. cit., p.141.
153
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 16. M. N. E., 3º piso,
Armário 11, Maço 348.
154
Idem, p. 17. Os grifos constam no original.
67
De acordo com o relatório emitido pelo Embaixador português, os
rumores relativos ao decreto de um Estado Novo no Brasil eram tão fortes que
ele mesmo, em diversas ocasiões, havia sido procurado por jornalistas
brasileiros com o fito da obtenção de informações referentes às instituições
portuguesas. Segundo ele, inclusive, alguns membros do governo brasileiro o
questionavam no sentido de saber como havia se processado o plebiscito
realizado pelo presidente general Oscar Carmona sobre a legalidade do Estado
Novo português; as indagações ainda diziam respeito a pontos “como e em
virtude de que textos legais, um general tem permanecido indefinidamente na
chefia da Nação?”
155
. Para endossar este assunto, o Embaixador português
ainda registra no seu relatório alguns trechos do artigo publicado no jornal A
Gazeta de Notícias órgão que em muito refletia as idéias do presidente
Getúlio Vargas – evidenciando que de acordo com a estrutura jurídica do
Brasil, tornava-se fundamental “adaptar essa estrutura às exigências espirituais
e políticas da sociedade, de modo que, quando se tiver ultrapassado a zona
dos perigos atuais, seja devolvido ao povo um governo na sólida base da
autoridade, da disciplina”
156
.
Não obstante, torna-se oportuno, neste momento do texto, apontar que o
golpe de Estado do presidente Getúlio Vargas, deflagrado em 10 de novembro
de 1937
157
, que instituiu o Estado Novo e uma nova Constituição para o Brasil,
começou a ser preparado com muita antecedência e a justificativa de combate
ao comunismo constituiu o principal ponto de argumento para sua implantação.
O pretexto imediato utilizado para a implantação do Estado Novo foi a
“descoberta” da existência do “Plano Cohen”
158
, segundo o qual os comunistas
tencionavam tomar o poder, mediante a adoção de meios violentos. Embora
falso, o referido Plano representou o estopim da crise que originou a
implantação do Estado Novo no Brasil. Mas o fato é que a política de
continuidade de Vargas na presidência da República vinha sendo preparada
155
Relatório, confidencial, nº 102 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de outubro de 1937, p. 18. M. N. E., 3º piso,
Armário 11, Maço 348.
156
Idem.
157
Dia este em que o Senado Federal amanheceu cercado pela cavalaria da Polícia Militar e
que Getúlio Vargas anunciou pelo rádio à nação o início de uma nova era e Constituição.
68
algum tempo e ela foi assegurada no momento em que o presidente
debelou os principais focos de resistência e aglutinou o apoio de importantes
lideranças políticas e militares – como o general Góis Monteiro para a
mudança nos rumos democráticos do país. De acordo com Maria Celina
D’Araújo, a implantação do Estado Novo não foi uma medida impensada,
afinal, “o golpe não representou uma ruptura, uma mudança abrupta, mas sim
a consolidação de um processo de fechamento e repressão que vinha sendo
lentamente construído, com o apoio de intelectuais, políticos civis e
militares”
159
.
Como foi destacado acima, o “Plano Cohen” constituiu apenas a gota
d’água final do processo de construção de um Estado forte. O golpe de Estado,
deflagrado em novembro de 1937, foi algo construído, muito bem planejado.
Alguns autores consideram que a própria Constituição de 1934, ao eliminar a
figura do Vice-Presidente, por si constitui um prenúncio para o
endurecimento do regime e a continuidade de Vargas na chefia do executivo do
país. Entretanto, o senso comum entre os historiadores é que o levante
comunista de 1935 foi um marco decisivo para a explicação e a obtenção de
apoio popular no que tange à implantação do Estado Novo brasileiro.
1.2.2 O olhar português acerca da nova Constituição do país e a primeira
fase do Estado Novo brasileiro (1937-1942)
No dia 10 de novembro de 1937, apesar da aparente tranqüilidade, o
Congresso amanhece cercado por tropas do exército e, à noite, no programa
Hora do Brasil, o presidente Getúlio Vargas faz seu pronunciamento de
“apresentação” do Estado Novo à Nação. De modo resumido, ele argumentava
que sua ação era necessária “para reajustar o organismo político às
necessidades econômicas do país, não se oferecia outra alternativa senão a
que foi tomada, instaurando-se um regime forte, de paz, de justiça e de
158
Sobre o tema ver: SILVA, Hélio. O Plano Cohen. Porto Alegre: L&PM, 1980.
159
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. Op. cit., p. 15.
69
trabalho”
160
. Sobre a Constituição de 1934, afirmava que “ela evidenciara falhas
lamentáveis”, por isso, outorgava uma nova Carta à Nação; ela fora
previamente assinada por todo o seu ministério, com exceção do ministro da
Agricultura, Odilon Braga. Mas este é um pequeno detalhe que Vargas trata de
anular na medida em que um grupo de aproximadamente 80 parlamentares
solidariza-se com ele no que diz respeito à implantação do golpe e o
fechamento do Congresso. Outra demonstração de apoio é obtida junto aos
integralistas que, no momento de decreto do golpe, desfilam pelas principais
ruas do país numa atitude clara de entusiasmo e aplauso à decretação do
Estado Novo
161
.
Com relação às primeiras impressões do Embaixador português no
Brasil, Martinho Nobre de Mello, sobre o decreto do Estado Novo no Brasil,
verifica-se certa surpresa com a rapidez dos acontecimentos no país, afinal,
“operou-se, mais cedo mesmo do que se pressagiava, um curiosíssimo golpe
de Estado”
162
. No entendimento do Embaixador português, o ato do presidente
Getúlio Vargas poderia ser entendido levando-se em conta a situação
complexa anterior ao golpe, pois “o regime democrático morrera com a
decretação do estado de guerra dadas as excepcionalíssimas condições em
que ela se efetuara, ou seja, pela intervenção brutal das forças armadas; a
sucessão do regime estava pois aberta”
163
.
Contudo, que se mencionar que a outorga da nova Constituição, a
“polaca” como ficou conhecida, não representou um ato abrupto, porque “desde
fins de 1936 o texto da Constituição de 1937 está pronto. O golpe vem sendo
preparado por todos esses meses e o esboço da Constituição é mostrado aos
possíveis aderentes da trama contra a democracia”
164
. O grande ideólogo da
nova Constituição é o jurista Francisco Campos e este assume a pasta da
160
“Proclamação ao povo brasileiro em 10 de novembro de 1937”. In: VARGAS, Getúlio. A
nova política do Brasil. v. II. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1938, p. 32.
161
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que
trouxe de novo? Op. cit., p. 116.
162
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 1. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348.
163
Idem, p. 2.
164
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). Op. cit., p. 156.
70
Justiça do Estado Novo e permanece fiel a Vargas até o ano de 1943,
momento em que se torna um adversário do regime varguista e é escanteado
do governo. A Carta de 1937 também apresenta uma “pequena”, mas
importante, participação de Getúlio Vargas:
...limitei-me a fixar o objetivo que precisava atingir
fundamentalmente através da estrutura do novo regime.
Quero instituir um governo de autoridade e liberto das
peias da chamada democracia liberal, que inspirou a
Constituição de 1934. Dei apenas algumas indicações
quanto à distribuição dos poderes e suas atribuições
específicas
165
.
A Carta constitucional de 10 de novembro de 1937 tinha raízes na
Constituição da Polônia, entretanto, também teve influência portuguesa, tendo
em vista o fato de que ela “não se contentou com os movimentos direitistas da
Alemanha e da Itália, vindo buscar no corporativismo português, até a
denominação de ‘Estado Novo’, para definir o regime”
166
. O historiador Edgard
Carone, entende a Carta Constitucional de 1937 como a contrapartida à
infiltração comunista, sendo “toda ela, com pequeníssimas exceções, baseada
em Constituições estrangeiras, de países onde imperam preferentemente
regimes de força: Polônia, Alemanha, Itália, Portugal, Lituânia e Áustria”
167
, ou
seja, ele também destaca a influência portuguesa.
De acordo com o parecer do Embaixador português, a Constituição
brasileira é vista como um documento que apresenta vários dos princípios
propalados pelos integralistas, notadamente, aqueles relacionados à fase da
política municipalista tanto que, para se reconhecer tal aspecto, “basta verificar
a participação que terão as camadas municipais na formação do colégio
eleitoral do Presidente da República, da Câmara dos Deputados e,
165
VERGARA, Luiz. Fui secretário de Getúlio Vargas: memórias dos anos de 1926-1954. Porto
Alegre: Globo, 1960, p. 140.
166
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 340.
167
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). Op. cit., p. 156. Sobre as influências na
Constituição de 1937 ver: LINS, Augusto Estelita. A nova Constituição dos Estados Unidos do
Brasil: decretada em 10 de novembro de 1937 pelo Presidente Getúlio Vargas: sinopses,
anotações e repertório. Rio de Janeiro: José Konfino, 1938.
71
indiretamente, do Conselho Federal”
168
. Entretanto, para o Embaixador, o que
mais chama a atenção na nova Carta Constitucional é, justamente, a
concentração de poderes nas mãos do presidente Vargas, tendo em vista que
“o verdadeiro espírito da nova Constituição é o seu presidencialismo-
pessoalista. Trata-se de um estatuto constitucional que concentra todo o poder
nas mãos de um só homem”
169
.
Estas percepções do Embaixador português encaminhadas para
Portugal por meio de um relatório em muito orientarão as notícias divulgadas
na imprensa portuguesa, notadamente no jornal Diário de Notícias, “veículo
importante na sustentação do governo de Salazar”
170
. Trabalhando com a
análise das primeiras impressões acerca da implantação do Estado Novo no
Brasil, a partir das matérias divulgadas no Diário de Notícias, a historiadora
Sandra Brancato considera que “nas ginas do DN fica evidente a proposta
de induzir os leitores a entender o golpe como um fato substancial para o Brasil
por estabelecer mudanças políticas que, no entender do jornal, muito
beneficiaram o país”
171
. Além desse aspecto, como o quadro brasileiro em
diversos momentos foi assinalado em associação ao Portugal de Salazar,
pode-se dizer que isto “levava o leitor a dar maior significado aos fatos/notícias,
incorporando-os a sua própria realidade. É igualmente uma maneira de
hierarquizá-los no conjunto das demais matérias publicadas”
172
.
Analisando o clima reinante no país, o Embaixador português afirma que
pairava no ar uma grande reserva e ressalta a adesão e o apoio do PRP
(Partido Republicano Paulista) à nova Carta Constitucional. Este
posicionamento origina muita estranheza por parte do Embaixador português,
168
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 4. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348.
169
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 4. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348.
170
BRANCATO, Sandra M. L. Getúlio Vargas e a implantação do Estado Novo no Brasil, em 10
de novembro de 1937: as primeiras impressões do Diário de Notícias de Lisboa. In: NEVES,
Lúcia Bastos; MOREL, Marco e FERREIRA, Tânia Bessone da C. (Orgs.). História e Imprensa
– representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A Edit. e FAPERJ, 2006, p.
269.
171
Idem.
72
porque o PRP representava para o Brasil o mesmo que o Partido Republicano
Português (de Afonso Costa) significava para Portugal
173
. Para explicar o que
este apoio apresentava de fantástico o Embaixador português realiza a
seguinte comparação: “suponha-se pois que, após o grito revolucionário de
Gomes da Costa ou a promulgação da nossa Constituição autoritária e
corporativa, o partido de Afonso Costa lhe desse a sua adesão”
174
.
No que respeita à reação interna no país mediante o novo regime
instaurado, a impressão portuguesa é de que estas serão praticamente
impossíveis de se efetuarem, tendo em vista que qualquer manifestação
contrária será tida como comunista ou separatista e, em ambos os casos, o
medo da pena de morte poderá intervir. Além deste aspecto, ainda há destaque
para a instituição do estado de emergência no país, o que garantia ao
presidente Vargas amplos poderes (artigo 112 da Constituição), ou seja,
qualquer manifestação de oposição ao Estado Novo era concebida como uma
atitude suicida.
Do lado externo, aqui representado pelos Estados Unidos, o Embaixador
português ressalta que o decreto do Estado Novo no Brasil foi motivo de forte
consternação, ou melhor, eles “foram absolutamente surpreendidos com a
criação do que eles chamam ‘mais um estado totalitário’”
175
, a surpresa tinha
suas raízes no fato de que apenas alguns dias antes da instauração do
novo regime no Brasil, Oswaldo Aranha, Embaixador do Brasil nos Estados
Unidos, havia proferido um discurso em Washington em que aderia, de modo
172
Ibidem.
173
Ver primeira parte deste capítulo, páginas 24-32.
174
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 6. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348. O Embaixador português ainda explica a adesão do PRP à nova
Constituição como uma prova de que o citado partido, na verdade, representava primeiramente
“uma conglomeração de interesses pessoais, sem nenhuma ideologia, sem princípios, e
mesmo sem nenhum brio político. Segundamente, que ‘ódio velho não cansa’. Em verdade,
como o golpe Vargas acaba de enterrar Armando de Salles, os paulistas seus adversários o-
se por satisfeitos. E, por último, que os políticos são sempre os políticos: de fato, na
perspectiva duma possível ascensão ao poder do partido integralista, os perrepistas preferiram
a continuação, por qualquer processo, de Getúlio Vargas. Com este, esperam ainda vir a
dominar em São Paulo... É o que importa”.
175
Relatório, confidencial, nº 111 do Embaixador português ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1937, p. 7. M. N. E., piso,
Armário 11, Maço 348.
73
ostensivo, “à política anti-fascista de Roosevelt, indo até o ponto de condenar
não por conta mas em nome da democracia brasileira, todos os regimes
extremistas e autoritários nos quais englobava e irmanava os nacionalistas e o
comunismo”
176
.
Por fim, cabe ressaltar que a institucionalização Estado Novo no Brasil é
entendida pelo Embaixador português como uma oportunidade de aproximação
luso-brasileira, porque, no seu entendimento, os maiores empecilhos estavam
desfeitos e Portugal “não pode mais queixar-se dos obstáculos, das peias, das
dificuldades que o regime demo-liberal-separatista lhe alentava a cada instante.
Temos de abrir-lhe um largo crédito”
177
.
Entretanto, o que o Embaixador português não consegue antever é que,
num primeiro momento, a atenção brasileira voltar-se-á para questões internas,
relacionadas fundamentalmente à fixação do Estado Novo, pois a experiência
estadonovista brasileira apresenta dois momentos bem distintos. O primeiro
abrange o período de sua instauração, em novembro de 1937, momento em
que o país vivencia o fim de suas instituições democráticas e a implantação de
reformas mais significativas, tendo em vista que os “primeiros anos do novo
regime correspondem à progressiva, mas definitiva consolidação do poder de
Estado”
178
e, o segundo, a partir de 1942, engloba o período em que o
recrudescimento da Segunda Guerra Mundial, seguido da entrada do Brasil no
conflito, ao lado dos aliados, e a posterior derrocada do regime estadonovista
brasileiro.
Como o integralismo havia apoiado a instauração do Estado Novo no
Brasil, imaginavam que a doutrina integralista seria parte integrante do novo
regime, não obstante, não foi isso que se verificou, pois o decreto-lei número
37, de 2 de dezembro do mesmo ano, “considerando que os partidos políticos
até então existentes não possuíam conteúdo programático nacional ou
esposavam ideologias contrárias ao novo regime”, tornava extintas todas as
agremiações partidárias no Brasil e esta determinação incluía a Ação
176
Idem.
177
Ibidem.
178
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Op.
cit., p. 267.
74
Integralista Brasileira. Para não deixar dúvidas, o mesmo documento ainda
destacava:
...são igualmente atingidas pela medida as milícias
cívicas e organizações auxiliares dos partidos políticos,
sejam quais forem seus fins e denominações, sendo
vedado o uso de uniformes, estandartes, distintivos e
outros símbolos dos partidos políticos e organizações
auxiliares
179
.
Uma carta escrita por Plínio Salgado, em janeiro de 1938, onde ele
realiza uma espécie de sinopse dos movimentos da AIB desde o período de
sua fundação (em 1932) até os derradeiros momentos em que a instituição é
alijada do governo, em 1937, evidencia os encontros secretos ocorridos entre o
líder nacional do integralismo e o chefe de polícia, Filinto ller, mas mais
reveladora é a declaração de surpresa do chefe integralista ao constatar que o
integralismo não faria parte dos quadros do governo de Vargas, como se
constata a seguir:
A maior de todas as surpresas que tive em 10 de
novembro foi o discurso de V. Excia. Nessa noite fiquei
completamente convencido de que estávamos alijados
desde o primeiro dia. Não houve uma palavra de carinho
para o Integralismo ou para os integralistas. Entretanto,
era um movimento e eram homens que tudo fizeram pela
Nação e que sempre foram leais para com V. Excia. Nos
momentos os mais difíceis. Por todo o país, ouvindo o
rádio, um milhão e meio de brasileiros baixavam a
cabeça amargamente
180
.
Diante deste novo quadro de ilegalidade do integralismo e de
consternação com relação à atitude tomada pelo governo getulista, inúmeros
adeptos passaram a conspirar contra o Estado Novo. Por isto, desde o início do
ano de 1938, muitos policiais vasculhavam os núcleos e residências
particulares de integralistas. Em algumas vezes encontravam armas e
179
Trecho do decreto-lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937, p. 2.
180
Trecho da carta do Sr. Plínio Salgado ao Sr. Presidente da República, em 28 de janeiro de
1938. Arquivo do Centro de Documentação da Ação Integralista Brasileira e do Partido de
Representação Popular (CD-AIB/PRP), de Porto Alegre.
75
munições, além de muita documentação, o que gerava a suspeita de
preparação de um golpe contra o governo de Getúlio Vargas e foi o que logo
aconteceu.
No dia 11 de maio de 1938, as autoridades de segurança de Getúlio
Vargas debelaram uma tentativa de golpe realizada por parte dos elementos
seguidores de Plínio Salgado, momento em que um grupo de integralistas,
desiludidos com a política adotada pelo presidente Getúlio Vargas, julgando
contar com o apoio do exército e da opinião pública, promoveram um assalto
ao Palácio Presidencial, no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, eis o
putsch integralista”. O movimento fracassa, pois Vargas pôde contar com a
intervenção do ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra. A partir
deste momento, intensifica-se a perseguição aos líderes integralistas,
culminando com a prisão e o posterior exílio do chefe nacional Plínio Salgado
– em Portugal, no ano de 1939
181
.
O levante integralista de maio de 1938 acelera a ampliação da estrutura
político-constitucional do Estado Novo, originando a imposição de alguns
decretos-leis. Entre eles, destaca-se o de 8 de abril de 1939, sobre a
administração dos Estados e Municípios. De acordo com este, “Interventor ou
Governador e o Departamento Administrativo tornam-se órgãos da
administração do Estado. O Interventor é nomeado e pode nomear os
Prefeitos, demitir ou aposentar os funcionários do Estado”
182
. Dessa forma, o
Departamento Administrativo torna-se um órgão de aprovação dos atos dos
interventores e do orçamento estadual, também apto à fiscalização e execução
orçamentária, ou seja, “delineava-se um federalismo mais associado com a
economia e os negócios financeiros dos Estados, o que fortalecia a imagem do
mercado nacional”
183
. Esta política de intervenção estatal na economia
agradava os empresários brasileiros na medida em que favorecia o seu
181
Plínio Salgado só retornaria ao Brasil em 1946, já no período democrático.
182
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. Op. cit., pp.
380-381.
183
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). Op. cit., p.161.
76
crescimento por meio da importação de bens de produção e da desvalorização
da importação de bens de consumo
184
.
Nessa mesma linha, o Estado Novo preconizava a industrialização e,
para tanto, o governo getulista “procurou estimular o desenvolvimento das
indústrias através de um sistema de substituição das importações que
implicava o incentivo à utilização da capacidade ociosa das indústrias
existentes no país”
185
. Esta posição adotada por Vargas ocasiona a
aproximação de uma parcela de industriais junto ao governo, tanto que o
boicote ocasionado à legislação trabalhista, criada a partir do Ministério do
Trabalho, em fins de 1930, vai paulatinamente desaparecendo.
Em contrapartida, o lema “desenvolvimento dentro da ordem” gera a
necessidade da regulamentação dos conflitos existentes entre patrões e
empregados; por isso, Vargas adota uma legislação trabalhista capaz de conter
essas disparidades e, ao mesmo tempo, controlar as atividades dos sindicatos
independentes
186
. Dentro dessa perspectiva, em 1942, o salário mínimo é
adotado e uma série de leis relativas ao trabalhador, como o direito a férias, a
limitação da jornada de trabalho, a carteira de trabalho, a justiça do trabalho,
entre outras medidas, são sistematizadas pela Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT)
187
. Ferreira e Delgado deixam claro que isto significa “de um
lado, o atendimento das reivindicações operárias que foram objeto de intensa
luta da categoria por várias décadas e, de outro, o controle, através do Estado,
das atividades independentes da classe trabalhadora
188
. Todavia, com o
passar do tempo, outras questões de caráter externo pontuarão a agenda
do governo brasileiro.
184
TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. Op. cit., p. 26.
185
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo do nacional-
estatismo. Op. cit., p. 119.
186
De acordo com Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Delgado, “essa política tinha inspiração
na ‘Carta del Lavoro’, posta em prática na Itália de Mussolini. Estabelecia o regime de sindicato
único controlado pelo Ministério do Trabalho e regulamentava o imposto sindical a ser pago por
todos os trabalhadores”. Idem, p. 120.
187
GOMES, Angela Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
188
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo do nacional-
estatismo. Op. cit., p. 120.
77
1.2.3 A segunda fase do Estado Novo brasileiro (1942 a 1945)
Se a primeira fase do Estado Novo brasileiro caracteriza-se como o
momento de afirmação do regime e legitimação da ordem, a segunda fase, por
sua vez, de um modo geral, ficará marcada pelo plano internacional. E é
justamente na adoção dessa política de envolvimento e participação na
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que as contradições internas e
externas, conjugadas, influenciarão nos rumos dos acontecimentos e na
democratização do país, em 1945. A entrada do Brasil no conflito, no ano de
1942, em razão do torpedeamento de navios brasileiros por submarinos
alemães, a sua participação na guerra através da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) e a posterior vitória dos aliados na Europa levaram ao
questionamento da contradição existente entre a luta do Brasil a favor da
liberal-democracia na Europa e a manutenção de uma ditadura no país. Assim,
a análise desta conjuntura externa explica, em parte, as mudanças ocorridas
durante o Estado Novo brasileiro.
A participação do Brasil na guerra ao lado dos aliados, além de
convulsionar a população brasileira por mudanças no rumo da administração
brasileira, impulsiona importantes setores de sustentação do governo,
principalmente os militares, a buscarem o retorno ao regime constitucional.
Diante dessas circunstâncias, o presidente, em dois momentos, 1943 e 1944,
promete a realização de eleições logo após o término da guerra, afirmando que
“quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as
garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da
nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo
brasileiro”
189
. Apesar dessa promessa de restabelecimento do caminho
democrático, nada era feito, por isso, a oposição continuava a rearticular-se.
189
Discurso proferido em novembro de 1943. In: VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v.
V. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1945, p. 77.
189
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo do nacional-
estatismo. Op. cit., p. 122.
78
Um dos mais proeminentes frutos dessa rearticulação surge em 24 de
outubro de 1943, o Manifesto dos Mineiros
190
. Em linhas gerais, o documento
representa o primeiro momento significativo de oposição ao Estado Novo,
tendo em vista que os liberais, de tendência conservadora, argumentavam que
“se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a
liberdade e a democracia sejam restituídas a todos os povos, certamente não
pedimos demais reclamando para nós mesmos os direitos e as garantias que
as caracterizam”
191
.
Getúlio Vargas, embora percebendo muitas dificuldades na continuidade
do Estado Novo e mesmo recebendo sugestões para a promoção de uma
gradual abertura democrática “não se apercebera, ou não quisera se convencer
até aquele momento, de que o sistema autocrático imposto pelo golpe de 1937
não tinha mais as mínimas condições de sobrevivência”
192
e, apesar dos
inúmeros indícios de que a conjuntura autoritária estava ruindo em vários
países, Vargas protela o quanto pode a sua permanência no governo.
A situação agrava-se ainda mais quando os próprios pilares de
sustentação do governo começam a mostrar sinais de fissuras. No dia primeiro
de fevereiro, o General Góis Monteiro expõe na capa do jornal Diário Carioca o
pedido de eleições e solicita a anistia geral para os presos políticos do Estado
Novo
193
.
Em decorrência disso, Vargas inaugura uma nova manobra política
traduzida por uma campanha de forte mobilização popular. Visando obter apoio
da classe trabalhadora e de setores políticos, ele inicia o movimento
denominado “queremismo” (slogan proveniente do termo “queremos Getúlio”),
que em linhas gerais advogava pela convocação de uma assembléia
190
O documento era assinado por Virgílio de Melo Franco, Afonso Arinos de Mello Franco,
Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Bilac
Pinto, futuros líderes da União Democrática Nacional (UDN).
191
Citado por: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado
Novo: o que trouxe de novo? Op. cit., p. 138.
192
MENDES JR, Antônio de. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. In:
GOMES, Ângela de Castro Gomes... [et all]. O Brasil republicano: sociedade e política (1930-
1964). 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 232.
193
MENDES JR, Antônio de. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. Op.
cit., p. 233.
79
constituinte, mas, é claro, com a garantia de manutenção de Vargas à frente do
executivo federal enquanto a nova Constituição não fosse promulgada e não
acontecessem as referidas eleições.
Em 10 de outubro de 1945, objetivando alongar sua permanência no
governo, Vargas decreta a coincidência das eleições municipais e estaduais
com as federais, o que através da desincompatibilização, redundaria na
substituição dos políticos do PSD por aqueles que Getúlio Vargas nomearia.
Ainda numa espécie de última tentativa para sua perpetuação no poder, Getúlio
Vargas nomeia seu irmão Benjamin Vargas, em 25 de outubro, para a chefia da
polícia do Distrito Federal. Esta sua última manobra continuísta ocasiona a
intervenção militar. Diante das alternativas de revogar o decreto de 10 de
outubro e a nomeação de seu irmão, ou a sua deposição, Getúlio Vargas
afasta-se da presidência do país em 29 de outubro de 1945. Dessa forma,
enfrentando inúmeras contradições, internas e externas, o Estado Novo
brasileiro vem a ruir por completo. No dizer do historiador Antônio Mendes
Júnior:
Parece não haver dúvidas de que a Segunda Grande
Guerra (1939-1945) e a luta contra o nazi-fascismo a
nível mundial constituíram-se num elemento-chave para
o entendimento do processo de declínio sofrido pela
ditadura getulista, bem como o fortalecimento das
oposições internas e a mudança de atitude das Forças
Armadas, deixando de apoiar Vargas
194
.
A partir deste momento, Getúlio Vargas segue para o seu auto-exílio em
São Borja, sua terra natal e o ministro José Linhares Presidente do Supremo
Tribunal Federal fica à frente do governo do Brasil
195
até que o candidato do
194
MENDES JR, Antônio de. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. Op.
cit., p. 227.
195
Em primeiro de novembro de 1945, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, envia um
telegrama, informando os últimos acontecimentos referentes ao denominado “golpe de Estado”,
noticiando que “às 21 horas e meia, [os] generais Cordeiro Farias e Firmo Freire e [o] Ministro
da Justiça Agamenon Magalhães dirigiram-se ao Palácio Guanabara e comunicaram a Getúlio
Vargas [a] decisão das classes armadas e em nome destas apelar espírito de renúncia e
patriotismo para evitar derramamento de sangue, pois não desejavam ter de recorrer à luta.
Getúlio Vargas aceitou declarando pronto entregar chefia da Nação ao Presidente do Supremo
Tribunal Federal”. Telegrama 281, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, em de
novembro de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
80
PSD, o General Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente com grande margem de
votos, assuma a presidência do país
196
.
CAPÍTULO 2
BRASIL E PORTUGAL: RELAÇÕES CULTURAIS DURANTE O
ESTADO NOVO BRASILEIRO
196
D’ARAÚJO, Maria Celina. Op. cit., p. 61.
81
Inda havemos de ir e vir
Do Brasil a Portugal
Como quem entrou na igreja
Ou de volta ao roseiral
197
.
Em se tratando de relações internacionais, no que respeita ao período
do Estado Novo brasileiro (1937-1945), numa caracterização geral, a
historiografia brasileira privilegia a análise da política inicial conciliatória de
interesses do governo brasileiro em relação à Alemanha nazista de Adolf Hitler
e aos Estados Unidos de Franklin Roosevelt aa ocorrência da definição pelo
segundo grupo. O estudo das relações estabelecidas pelo Brasil com outros
países, sejam elas econômicas, políticas, sociais ou culturais praticamente, não
é privilegiado pela historiografia das relações internacionais. Dentro desse
contexto chama-se a atenção para o caso do estreitamento das relações luso-
brasileiras durante o Estado Novo no Brasil.
Entretanto, como este capítulo focaliza a aproximação luso-brasileira no
aspecto cultural, antes da seqüência do texto, convém, num primeiro momento,
um breve comentário acerca das relações culturais luso-brasileiras. Estas têm
sido marcadas por um jogo de construção de identidades e de alteridades que
se modificam ao longo do tempo, tendo em vista que o Brasil foi descoberto por
Portugal, em abril de 1500
198
e que durante o período colonial as relações entre
estes dois países foram circundadas pelas determinações do pacto colonial, ou
seja, a colônia deveria constituir-se à fisionomia de sua metrópole. Neste
momento, merece destaque o papel desempenhado pela Universidade de
Coimbra, que longa data contribuía para a formação da intelectualidade
brasileira, tanto que:
197
OLIVEIRA, Antônio Correia de. Pátria Nossa Pátria Vossa. Portugal: A Federação das
Associações Portuguesas, 1937, p. 9.
198
Foge à análise deste trabalho toda a discussão estabelecida em torno da polêmica do
descobrimento do Brasil.
82
A história de nossa cultura científica se pode dizer, pois,
que teve suas origens na obra realizada pelo Marquês de
Pombal na Universidade de Coimbra que, pelos novos
estatutos, se transformou num centro de estudos
científicos, colhendo nesse arranco para a cultura
moderna, uma pleiade de jovens brasileiros e treinando-
os nos novos métodos de estudo e de investigação
199
.
Em setembro de 1822 ocorre a emancipação política do Brasil e, a partir
deste momento, as relações luso-brasileiras ficarão, praticamente, sucumbidas,
cabendo à Inglaterra o predomínio antes exercido por Portugal. É claro, não se
pode negligenciar neste momento o fato de que “durante o período imperial as
relações comerciais mais importantes do Brasil eram as efetuadas com os
países europeus, muito comerciais... e por dívidas”
200
.
O início da República no Brasil trouxe à tona algumas insatisfações para
com o novo regime; entre elas, destaca-se a Revolta da Armada (1893-1894),
movimento de rebelião deflagrado por unidades da marinha brasileira contra o
governo do presidente Floriano Peixoto, que contava com o apoio de alguns
elementos contrários à situação política vivenciada no país. Após o fracasso da
revolta, alguns navios portugueses concederam asilo ao almirante Saldanha da
Gama um dos seus líderes e a outros participantes, episódio que levou a
desentendimentos diplomáticos luso-brasileiros, originando o rompimento
brasileiro de relações com Portugal. Desta forma, “entre 13 de maio de 1894 e
16 de março de 1895, as relações diplomáticas entre Brasil e Portugal
estiveram cortadas”
201
, portanto, voltariam a ser restabelecidas no início do
governo do Presidente Prudente de Morais, por intermédio da mediação
inglesa
202
.
199
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4.
ed. Brasília: Ed. da UnB, 1963, p. 546.
200
PINSKY, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. In: MOTA, Carlos
Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 19 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, 339.
201
MAGALHÃES, José Calvet de. As relações Brasil-Portugal de 1895 a 1953. In: CERVO,
Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Depois das caravelas.
As relações entre Portugal e Brasil: 1808-2000. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2000, p. 223.
202
Com relação à ruptura nas relações diplomáticas entre Brasil e Portugal, Magalhães aponta
que “o rompimento não fora, aliás, motivado por sério conflito de interesses algum entre os dois
governos, nem por tentativa alguma, do Governo português, de interferir nos assuntos internos
83
Posteriormente, em termos de relações internacionais, durante os
primeiros anos da República até o limiar da Revolução de 1930, com Rio
Branco à frente do Itamaraty, segue-se a linha de distanciamento brasileiro dos
países europeus e a idéia de que o Brasil deveria estar alinhado aos Estados
Unidos “sempre que possível”. Entretanto, não é o que se verifica no momento
posterior, afinal, “a partir de 1930, com o advento, à presidência brasileira, de
Getúlio Vargas, iniciou-se uma época de grande aproximação entre Brasil e
Portugal, mais propícia à negociação de acordos”
203
. Esta aproximação irá
expandir-se ainda mais por ocasião da implantação do Estado Novo no Brasil,
em 1937, principalmente porque “a política exterior foi orientada no sentido de
fazer com que as exportações para a Europa aumentassem
extraordinariamente, passando a desempenhar um papel de muito
perdido”
204
. Esta aproximação que, inicialmente, compreende o aspecto
comercial, irá avançar para o cultural por meio da assinatura de acordos
envolvendo esta área, levando a uma reaproximação do Brasil à sua antiga
metrópole.
2.1 Aspectos culturais do Estado Novo brasileiro
O dia 10 de novembro de 1937 marca o início do Estado Novo no Brasil.
Neste dia, o país assiste à outorga de uma nova Constituição. Por meio desta o
presidente Getúlio Vargas altera a ordem vigente ao estabelecer uma nova
relação entre Estado e sociedade, tendo em vista que ele concentra “no nível
federal a tomada de decisões antes partilhada com os estados (...)
centralizando no Executivo as atribuições anteriormente divididas com o
Legislativo”
205
. E, dentro dessa nova ordem, o aspecto cultural constituiu
do Brasil. Resultou, apenas, de gesto infeliz de solidariedade da marinha portuguesa para com
a marinha brasileira revoltada contra o seu Governo”. Idem, p. 255.
203
Ibidem, p. 271.
204
MAGALHÃES, José Calvet de. As relações Brasil-Portugal de 1895 a 1953. In: CERVO,
Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Depois das caravelas.
As relações entre Portugal e Brasil: 1808-2000. Brasília: Ed. da UnB, 2000, p. 344.
205
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Tradição política: o pensamento de Almir de Andrade. In: OLIVEIRA,
Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 10.
84
elemento-chave para a adaptação do país à realidade
político-social
instaurada.
Dentro das especificidades do Estado Novo brasileiro chama a atenção
o expressivo número de intelectuais que, sem fazer parte da base ideológica do
governo getulista, desenvolveu atividades como funcionários ou a mesmo
assistentes da política varguista implantada à época, como, por exemplo, Mário
Raul de Moraes Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,
Heitor Villa-Lobos, entre outros nomes. Entretanto, essa participação deve ser
analisada dentro do contexto de que o Estado Novo pôs em prática inúmeros
projetos culturais ligados à ala esquerda e/ou progressistas brasileiros e de que
estas execuções tinham por base a construção de um projeto cultural
autônomo, de identidade nacional para o país, sonho acalentado por “poetas,
pintores, romancistas, arquitetos e educadores desde a Semana de Arte
Moderna de 1922”
206
. Como tentativa de explicação, não se pode deixar de
destacar, também, a ação da figura controvertida de Gustavo Capanema,
ministro da Educação e Saúde Pública (1934-1945), tendo em vista que sua
gestão “erigiu uma espécie de território livre infenso às salvaguardas
ideológicas do regime, valendo enquanto paradigma de um círculo de
intelectuais subsidiados para a produção de uma cultura social”
207
.
A historiadora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Lúcia Lippi
Oliveira, analisando um trecho do discurso de ingresso de Vargas na Academia
Brasileira de Letras, no ano de 1943, também corrobora a idéia de participação
da intelectualidade brasileira como elementos de fortalecimento da unidade
nacional com grande contribuição para a difusão das campanhas ditas
“educacionais” do Estado Novo.
Para ela, o discurso do Presidente na
Academia Brasileira de Letras
208
, “expressa o reconhecimento dos intelectuais
206
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000,
p. 34.
207
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979,
p. 161.
208
para se ter uma idéia da importância atribuída por Getúlio Vargas aos intelectuais vale a
pena ler um trecho do seu discurso pronunciado no momento em que ele toma posse na
Academia Brasileira de Letras: “o Brasil realizou a sua emancipação política, constrói agora a
sua emancipação econômica e inicia, finalmente, a sua emancipação cultural. As
responsabilidades dessa magna tarefa recaem necessariamente sobre os intelectuais e os
85
enquanto agentes de um processo de transformação nacional, ao mesmo
tempo em que os constitui em atores políticos de primeira grandeza, ao
convocá-los para a tarefa de emancipação cultural”
209
.
Desse modo, a cultura e os intelectuais foram utilizados pelo governo
getulista como um meio de legitimação e propaganda do Estado Novo no
Brasil
210
, tendo em vista que “o intelectual responde à chamada do regime, que
o incumbe de uma missão: a de ser o representante da consciência
nacional”
211
e, para isso, as atividades culturais desenvolvidas no país devem
estar voltadas à construção de uma identidade nacional, cabendo aos
intelectuais o papel de:
porta-vozes dos anseios populares porque seriam
capazes de captar o “subconsciente coletivo” da
nacionalidade. Nesse subconsciente estariam contidas as
verdadeiras reservas da brasilidade que o Estado Novo
viria recuperar, assegurando a continuidade da
consciência nacional. O que nas massas ainda é uma
idéia indecisa ou aspiração mal definida deixa de sê-lo
por intermédio dos intelectuais que se transformam em
seus intérpretes. Apontados como expressões mais
lúcidas da sociedade, os intelectuais são vistos como os
prenunciadores das grandes mudanças históricas e
arautos da renovação nacional
212
.
Neste sentido, entre os objetivos da campanha de nacionalização do
ensino
213
componente básico da política de nacionalização do governo
homens de pensamento”. Literatura e Política. In: Diário de Lisboa, Lisboa, em 19 de junho de
1944, p. 3.
209
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Tradição política: o pensamento de Almir de Andrade. Op. cit., p. 34.
210
Sobre o assunto, entre outros, ver: LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2. ed.
Campinas: Papirus, 1986, principalmente, pp. 53-74. Na referida obra, o autor analisa a relação
entre a produção histórica de Cassiano Ricardo e o apoio intelectual para a legitimação do
Estado Novo no Brasil.
211
VELLOSO, Monica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In
FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do
nacional-estatismo do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 153.
212
VELLOSO, Monica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. Op. cit.,
pp. 156-157.
213
Sobre o projeto educacional do Estado Novo brasileiro, Monica Pimenta Velloso
pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosafaz a ressalva de que dentro deste “há que
se distingüir dois veis de atuação e estratégia: o do Ministério da Educação (dirigido por
86
Vargas realizada entre os anos de 1938 e 1939 figurava o de neutralizar a
influência externa, principalmente aquela existente nas colônias de imigrantes
do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde a presença de estrangeiros
descendentes de alemães, italianos e japoneses era mais acentuada
214
. A
adoção dessa medida de segurança visava proibir “o ensino em línguas
estrangeiras posteriormente, numa extensão desse princípio, apenas
brasileiros poderiam ser proprietários de escolas e o português se tornava
língua oficial de todas as cerimônias públicas, ainda que não oficiais”
215
. Tanto
que, em 1939, o Ministro Capanema reforça o processo de nacionalização
compulsório das chamadas escolas estrangeiras
216
aquelas ligadas às
colônias de imigrantes tornando “intolerável, naquele contexto, a idéia de
dupla filiação étnica, pois um indivíduo só podia ser cidadão brasileiro se
demonstrasse seus vínculos culturais com a nacionalidade brasileira”
217
.
A contradição empreendida por Getúlio Vargas durante o Estado Novo,
tendo em vista que, de forma paradoxal, ele por um lado exerce um governo
Gustavo Capanema) e o do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) (encabeçado por
Lourival Fontes). Entre essas entidades ocorreria uma espécie de divisão do trabalho, visando
a atingir distintas clientelas: o Ministério Capanema volta-se para a formação de uma cultura
erudita, preocupando-se com a educação formal; enquanto o DIP buscava, através do controle
das comunicações, orientar as manifestações da cultura popular. Essa diversidade de
orientação na política cultural transparece na própria composição dos intelectuais nos referidos
organismos. O Ministério Capanema reunia um grupo ligado à vanguarda do movimento
modernista: Carlos Drummond de Andrade (chefe do gabinete), Lúcio Costa, Oscar Niemeyer,
Cândido Portinari, Mário de Andrade. Bem diferente era a composição em torno de Lourival
Fontes, que incluía nomes como o de Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Cândido Motta
Filho. Intelectuais esses conhecidos pelo pensamento centralista e autoritário, que viria a
imprimir um rígido controle dos meios de comunicação. É esse grupo que vai dar as linhas
mestras da política cultural direcionada às camadas populares”. Ibidem, pp. 149-150.
214
Em 18 de abril de 1938, Getúlio Vargas assina um decreto proibindo a existência de
qualquer atividade política relacionada aos estrangeiros, fato que origina intensos protestos por
parte de Karl Ritter, embaixador alemão no Brasil, reclamando contras as medidas
antigermânicas e a proibição de funcionamento do Partido Nazista (NSDAP). GARCIA, Eugênio
Vargas. Cronologia das relações internacionais do Brasil. o Paulo: Alfa-Ômega, 2000, p.
112.
215
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. O Estado Novo. Op. cit., p. 35.
216
Com relação ao processo de nacionalização compulsório, Ângela de Castro Gomes deixa
claro que não era algo novo, pois “já havia, portanto, um processo de nacionalização em curso
quando, em 1938, foi criada uma Comissão Nacional do Ensino Primário, que teve como uma
de suas principais atribuições a nacionalização do ensino nos núcleos estrangeiros. A diferença
entre a nacionalização que vinha ocorrendo e aquela que passou a ocorrer em 1938, estava
menos no que se fazia do que no como se fazia”. GOMES, Ângela Maria de Castro. A escola
republicana: entre luzes e sombras. In: GOMES, Ângela Maria de Castro; PANDOLFI, Dulce
Chaves; ALBERTI, Verena (Orgs.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/Fundação Getúlio Vargas, 2002, p. 423.
217
Idem, p.424.
87
centralizador e autoritário e, por outro, passa a realizar ações que coíbem a
atividade de grupos seguidores de uma orientação semelhante como é o
caso das colônias de imigrantes no sul do país leva o governo dos Estados
Unidos a executar uma hábil política de reaproximação
218
. Getúlio Vargas, por
sua vez, ciente da importância que o apoio do Brasil representa, principalmente
no que diz respeito ao oferecimento de espaços para a implementação de
bases militares no nordeste brasileiro, executa um hábil jogo de interesses (ver
início do capítulo 5), ora dando demonstrações de apoio ao governo alemão,
ora voltando-se aos Estados Unidos. Entretanto, em decorrência de interesses
econômicos e políticos, o governo brasileiro executa uma guinada de
posicionamento e acaba optando pelo apoio – ligaçãoaos americanos. Como
resultado direto deste novo posicionamento, o eixo comercial deixa de ser a
Europa e os Estados Unidos assumem uma posição de preponderância. De
acordo com Cláudia Mara Sganzela,
o período que se encerrou em outubro de 1938 constituiu
um momento de mudanças da posição brasileira em
relação aos Estados Unidos, à Alemanha e à Itália. Com
a influência americana em ascensão, as relações
diplomáticas do Brasil com a Alemanha e a Itália
passaram do primeiro ao segundo plano, declinando
rapidamente, a seguir, na medida em que a guerra
afastou o Brasil da Europa
219
.
Todavia, o afastamento da política getulista em relação ao continente
europeu não é total, pois no que se refere à Portugal, na prática, o que se
verifica é exatamente o contrário, tendo em vista que a partir da implantação do
Estado Novo nos dois países o desenvolvimento de todo um processo de
218
Não se pretende cometer um ato de absoluta ingenuidade a ponto de se imaginar que a
aproximação dos Estados Unidos para com o Brasil ocorre somente em decorrência desta
“abertura” executada por Getúlio Vargas. Na verdade, os interesses são mais profundos e
compreendem a necessidade que os americanos têm de conter o avanço alemão na América,
pois “a imprensa alemã teria divulgado as teorias e as simpatias de Plínio Salgado pelo
nazismo e com a preparação do golpe de meio de 1938 esperava-se tirar o mais importante
país da América do Sul da órbita americana. Mesmo que a colaboração alemã na intentona
integralista não tenha sido o ampla quanto a imprensa internacional propalou na época, não
dúvida de que houve encontros entre as mais altas autoridades nazistas e integralistas,
‘para a entrega de armas e a elaboração de planos golpistas’”. GERTZ, René E. O fascismo no
sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 122. (Documenta SC, 1)
219
SGANZERLA, Claudia Mara. A lei do silêncio: repressão e nacionalização no Estado Novo
em Guaporé (1937-1945). Passo Fundo: Ed. da UPF, 2001, p. 76.
88
reaproximação entre Brasil e Portugal, com grande destaque para a esfera
cultural, culminando, inclusive, com a assinatura de um acordo abrangendo
esta área, em 1941.
2.2 Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941
A aproximação cultural entre Brasil e Portugal não era uma idéia nova.
Muito pelo contrário, desde o princípio do século XX, algumas personalidades
portuguesas e brasileiras buscavam o estreitamento das relações entre os dois
países e, para isso, ocorriam negociações visando a associação luso-brasileira.
A mola propulsora deste processo foi a falta de conhecimento do livro brasileiro
em Portugal, fato que levou o ensaísta e diplomata Jaime Batalha Reis, no
início do século XX, a chamar para si a responsabilidade de ocasionar o
descobrimento da literatura brasileira em terras portuguesas, argumentando
que “entre as muitas coisas importantes e urgentes a fazer em Portugal avulta,
quanto a mim como uma das mais importantes e urgentes -, o mostrar aos
Portugueses a existência, por a grande maioria deles apenas suspeitada, dum
‘Novo Mundo’”
220
.
Assim, como se pode constatar, Portugal tomou a dianteira do
movimento. Neste sentido, uma das primeiras medidas de reaproximação
constituiu uma iniciativa portuguesa por meio da Sociedade de Geografia de
Lisboa. A referida sociedade tinha à frente de sua direção a figura do português
Zophimo Consiglieri Pedroso, um dos principais defensores do estreitamento
das relações entre Brasil e Portugal
221
. Nessa mesma linha, em 25 de abril de
220
REIS, Jaime Batalha. O descobrimento do Brasil intelectual pelos portugueses do século
XX. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988, p. 47. A citação destacada fazia parte de um
ensaio encaminhado à segunda série da revista portuguesa Serões. Todavia, não chegou a ser
publicado em razão do seu diretor, Alberto de Oliveira, ter se desligado das suas atividades e o
ensaio ter permanecido perdido durante muito e vindo a ser, finalmente, publicado em 1988,
pelas Publicações Dom Quixote.
221
Em 10 de novembro de 1909, Consiglieri Pedroso e, posteriormente, Escragnolle Dória, em
23 do mencionado mês, realizaram conferências junto à Sociedade de Geografia,
apresentando algumas sugestões sobre o estudo e aproximação das relações entre
portugueses e brasileiros. De forma sintética, suas idéias eram de que 1. Os problemas luso-
brasileiros deveriam ser estudados e tratados por uma comissão mista; 2. Realização periódica
de congressos em Lisboa e no Rio de Janeiro, destinados à ventilação destes problemas; 3.
Conclusão dum tratado de arbitragem internacional; 4. Tratado de comércio; 5. Criação duma
89
1910, o brasileiro Eugênio Egas proferiu uma palestra na Sociedade de
Geografia, abordando o tema “Portugal-Brasil: a iniciativa de Consiglieri
Pedroso vista de para cá”. Contudo, em virtude do falecimento de Pedroso,
os planos de aproximação luso-brasileira arrefeceram e precisaram de uma
nova conjuntura para a sua efetivação.
O escritor e diplomata Alberto de Oliveira era um dos maiores
entusiastas da aproximação luso-brasileira, tanto que a 11 de novembro de
1915, por ocasião de uma sessão da Academia das Ciências de Lisboa,
Oliveira recomendou aos poderes blicos a criação da cadeira de História,
Geografia e Literatura brasileiras em uma das Faculdades de Letras de
Portugal
222
. Mais tarde, em dezembro do mesmo ano, Oliveira também
comunicou que estava tomando providências junto às autoridades
responsáveis para estabelecer uma cadeira de estudos brasileiros, na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A partir deste momento, o
projeto contou com o apoio de inúmeras instituições e pessoas com interesse
no assunto, como o Presidente da República portuguesa, Bernardino Machado
e o Chefe do Governo, Afonso Costa, tanto que o Ministro da Instrução Pública,
Pedro Martins, e o Secretário-Geral do Ministério apresentaram ao Parlamento
português um projeto de lei visando tal intento, sendo que o mesmo foi
aprovado por unanimidade
223
.
Este cenário mais favorável ao estreitamento das relações luso-
brasileiras muito embora ainda sob forte inspiração lusa leva Alberto de
Oliveira ainda a pleitear junto à Academia Brasileira de Letras para que a
referida cadeira fosse “regida por um brasileiro de alta categoria intelectual,
carreira de navegação luso-brasileira; 6. Estabelecimento de entrepostos centrais para o
intercâmbio comercial; 7. Construção, em Lisboa e no Rio, de palácios destinados à exposição
contínua e venda de produtos das duas nações; 8. Harmonização e unificação, tanto quanto
possível, da legislação civil e comercial, comum a portugueses e brasileiros; 9. Aproximação
intelectual, científica, literária e artística, conferindo aos professores dos dois países os
mesmos direitos e equivalências dos seus títulos; 10. Visitas de individualidades intelectuais,
industriais e comerciais; 11. Criação duma revista luso-brasileira; 12. Intensificação das
relações entre jornalistas, editores, acadêmicos, desportistas, etc., portugueses e brasileiros;
13. Fundação de bolsas de estudo mútuas”. In: Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Janeiro de 1910, pp. 7-9.
222
MAGALHÃES, José Calvet de. As relações Brasil-Portugal de 1895 a 1953. In: CERVO,
Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Depois das caravelas.
As relações entre Portugal e Brasil: 1808-2000. Op. cit., p. 358.
90
alguém que trouxesse ainda nos lábios o perfume da terra brasileira”
224
. Miguel
Calmon foi a primeira figura brasileira a ser convidada para reger a disciplina;
entretanto, em virtude da participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial,
não teve condições de se deslocar até Portugal. Após o término do conflito
mundial, a Academia Brasileira de Letras designou Coelho Neto para o
exercício da docência da disciplina Estudos Brasileiros, contudo, este não
aceitou o convite. O historiador Oliveira Lima foi o segundo convidado e, em 9
de junho de 1923, inaugurou a regência da disciplina
225
. Posteriormente, o Dr.
Manuel de Souza Pinto, que nasceu no Brasil, mas tinha sido educado em
Portugal, assumiu a cadeira e a regeu até o ano de sua morte, em 1934
226
.
Sobre a importância da regência da referida disciplina, José Calvet de
Magalhães esclarece que:
O ensino da literatura brasileira nas Faculdades de
Letras de Portugal promoveu, naturalmente, o seu
conhecimento, não apenas nos meios universitários
portugueses, mas de uma forma geral em todo o país. A
par com o ensino acadêmico, a divulgação da vida
literária brasileira em Portugal foi igualmente promovida
por alguns homens de letras portuguesas dedicados à
promoção das relações políticas e culturais luso-
brasileiras
227
.
Posteriormente, a visita oficial do Presidente da República portuguesa,
Antônio José de Almeida, em 1922 por ocasião das comemorações do
primeiro centenário da Independência Brasileira
228
, dinamizou ainda mais as
223
Idem. Ressalta-se que o referido projeto resultou na Lei número 586, de 12 de junho de
1916.
224
ALBUQUERQUE, Mário de. In: Revista Atlântico, Nº 4, 1943, p. 148.
225
ALBUQUERQUE, Mário de. In: Revista Atlântico, Nº 4, 1943, p. 148.
226
Após a morte de Souza Pinto, Mário de Albuquerque regeu a cadeira a1957, momento
em que a disciplina passou a ser designada como Literatura Brasileira e ficou sob a
responsabilidade de Vitorino Nemésio até 1971. Sobre este assunto, entre outras obras, ver:
SARAIVA, Arnaldo. Meio século de estudos brasileiros na Universidade Portuguesa. Porto:
Faculdade de Letras, 1974.
227
MAGALHÃES, José Calvet de. As relações Brasil-Portugal de 1895 a 1953. In: CERVO,
Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Op. cit., p. 359.
228
Além do Presidente português e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Maria Barbosa
de Magalhães, a comitiva presidencial era formada, entre outros nomes, por Antônio Luís
Gomes, reitor da Universidade de Coimbra; Jaime Cortesão, diretor da Biblioteca Nacional de
91
negociações relativas à aproximação entre os dois países, no momento em que
assegurou a assinatura de um Acordo Literário envolvendo Brasil e Portugal,
no Rio de Janeiro, em 26 de setembro do mesmo ano
229
e um Acordo Postal
dois anos depois, em outubro de 1924
230
. Este acordo postal constituiu-se em
peça fundamental no processo de estreitamento das relações culturais entre
Brasil e Portugal, pois dinamizou o câmbio da produção literária luso-brasileira
no momento em que diminuiu os custos de exportação, na medida em que
determinava: “os livros brochados ou encadernados e os jornais e revistas
expedidos pelos respectivos editores, de cada um dos países contratantes,
com destino ao outro, gozarão da redução de 50 por cento sobre as taxas
internacionais em vigor”
231
.
Passado algum tempo, em maio de 1936, com o ressurgimento da
Academia Portuguesa de História
232
, os contatos luso-brasileiros aumentaram
por meio de uma real aproximação entre o Instituto Histórico e Geográfico
Lisboa; Francisco Antônio Correia, diretor do Instituto Superior de Comércio; e João de Barros,
secretário-geral do Ministério da Instrução Pública. Com relação ao atrapalhado episódio da
vinda desta comitiva presidencial, José Calvet de Magalhães informa que “a delegação
portuguesa embarcou em Lisboa, no dia 28 de agosto, no paquete Porto, pertencente aos
Transportes Marítimos do Estado, que, em virtude de vários contratempos, em lugar de chegar
ao Rio de Janeiro antes do dia 7 de setembro, chegou apenas a 17 desse mês. Além de várias
avarias, verificou-se depois da partida que o carvão fornecido ao navio era de inferior
qualidade, não permitindo que ele atingisse a velocidade necessária e prevista para chegar à
capital brasileira a tempo da inauguração solene das comemorações”. Idem, pp. 270-271.
229
A 26 de setembro de 1922 assinou-se no Rio de Janeiro uma Convenção Especial sobre
propriedade literária e artística, na base de absoluta reciprocidade. Negociaram-na o Dr. José
Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, ministro dos Negócios Estrangeiros, por parte de
Portugal; e o Dr. José Manuel Azevedo Marques, ministro de Estado das Relações Exteriores,
por parte do Brasil”. REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Lisboa:
Panorama, 1965, p. 114.
230
Assinado em Lisboa, o acordo foi negociado por Antônio Maria da Silva e Adalberto da
Costa Veiga representantes portugueses e por José Henrique Aderne, da representação
brasileira. Idem.
231
Tratados e Actos Internacionais: Brasil-Portugal. Lisboa: Embaixada do Brasil, 1962, pp.
158-159.
232
Sobre a recriação da Academia Portuguesa de História, a historiadora Lucia Maria Paschoal
Guimarães informa que ocorreu “em 19 de maio de 1936, pelo decreto-lei nº 26611. Sua
origem remonta à antiga Academia Real de História Portuguesa, estabelecida em Lisboa, por
decreto de D. João V, de 8 de dezembro de 1720, com a divisa Restituet omnia. Localizada no
palácio dos duques de Bragança, era formada por 50 acadêmicos de número, incumbidos de
escrever a história eclesiástica, militar e civil do Reino. A partir de 1736 entrou em decadência,
extinguindo-se cerca de meio século mais tarde”. GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Festa
portuguesa no IV Congresso de História Nacional: a comemoração dos quatrocentos anos da
fundação da cidade de Salvador (IHGB, 1949). In: Colóquio do PPRLB: Relações Luso-
Brasileiras: deslocamentos e permanências, 2004. Rio de Janeiro. Anais do Colóquio do
92
Brasileiro e Academia Portuguesa de História, tendo em vista que dentro do
quadro efetivo desta instituição que era de 50 titulares o Brasil dispunha de
10 lugares para acadêmicos de nacionalidade brasileira
233
.
Nesta mesma direção, também, merece destaque o fato de que em abril
de 1937, criou-se dentro da Sociedade de Geografia Portuguesa um Centro de
Estudos Brasileiros, sob a presidência do Conde de Penha Garcia e a vice-
presidência do Coronel Mimoso Guerra. O Centro de Estudos objetivava
“promover a realização de congressos luso-brasileiros e fornecer informações a
agências de turismo e viagens sobre a organização de excursões ao Brasil”
234
e era composto por sete comissões. A saber: 1. Estudos culturais brasileiros;
2. Intercâmbio intelectual e artístico luso-brasileiro; 3. Intercâmbio econômico
luso-brasileiro; 4. Relações comerciais marítimas e aéreas, postais e
telegráficas; 5. Recepção; 6. Turismo; 7. Imprensa e propaganda
235
.
Portanto, não restam dúvidas de que em outubro de 1937, às vésperas
do decreto do Estado Novo brasileiro, as relações entre Brasil e Portugal, pelo
menos no plano cultural, começaram a adquirir forma e, é claro, que com a
outorga da Constituição de 1937, as afinidades ideológicas entre os dois países
tendem a viabilizar, ainda mais, o aprofundamento das relações luso-
brasileiras. Neste sentido, a historiadora Lucia Maria Guimarães evidencia que
a aproximação entre o Instituto Histórico e a Academia Portuguesa de História,
às vésperas da implantação do Estado Novo no Brasil, foi beneficiada pelos
contextos político-ideológicos semelhantes, tendo em vista que o governo
brasileiro e português “respectivamente, desenvolviam políticas públicas
direcionadas para a valorização da nacionalidade, apoiadas em determinadas
concepções de história, que procuravam através do passado legitimar o
Programa de Pesquisa em Relações Luso-Brasileiras. Rio de Janeiro: Real Gabinete
Português de Leitura, 2004, p. 127.
233
Estes 10 assentos foram ocupados por sócios do Instituto Histórico. A saber: Conde de
Afonso Celso, Max Fleiüss, Afonso d’Escragnole Taunay, Arthur Guimarães de Araújo Jorge,
Francisco José de Oliveira Vianna, Gustavo Barroso, Júlio Afrânio Peixoto, Manuel Cícero
Peregrino da Silva, Pedro Calmon e Rodolfo Garcia. Boletim da Academia Portuguesa de
História. Lisboa: APH, 1º e 2º anos, 1937-1938.
234
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 116.
235
Idem.
93
presente”
236
. Não é de se estranhar, portanto, a associação destes dois
importantes ícones da cultura luso-brasileira no sentido de produção de uma
historiografia nacionalista
237
.
Seguindo a direção da aproximação luso-brasileira destaca-se, ainda, a
conferência intitulada “Intercâmbio cultural entre Portugal e o Brasil”, proferida
por Martinho Nobre de Mello, Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, no
salão da Biblioteca do Itamaraty, em primeiro de outubro de 1937. Esta
palestra, além de inaugurar o ciclo de conferências estabelecido pelo Serviço
Intelectual do Ministério das Relações Exteriores, foi a mola propulsora do
estreitamento das relações luso-brasileiras
238
. Resumidamente, a conferência
de Nobre, ao ensejar a união Brasil/Portugal, propunha:
1) Câmbio de professores; 2) Câmbio de alunos; 3)
Excursões de estudantes; 4) Cursos de férias; 5)
Revistas a patrocinar; 6) Prêmios escolares; 7) Bolsas de
estudo; 8) Serviços de informações culturais
239
; 9)
Correspondência interescolar; 10) Empreendimentos
vários em prol da língua, nomeadamente: a) Resolução
definitiva da questão ortográfica; b) Publicação duma
236
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Festa portuguesa no IV Congresso de História
Nacional. Op. cit., p. 128.
237
Sobre as ligações destes dois importantes Institutos com os seus respectivos governos,
Lucia Guimarães informa que, no caso brasileiro, o Instituto desenvolvia uma historiografia de
cunho nacionalista, voltada para a formação dos sentimentos cívicos, baseada no culto às
tradições e às figuras notáveis da pátria”. No que respeita ao caso português, a historiadora
esclarece que “a Academia constituía um dos espaços de cariz nacionalista, estabelecidos pelo
governo de Salazar nos anos de 1930, com vistas a uma releitura do passado, de acordo com
os valores do regime”. Idem, GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Festa portuguesa no IV
Congresso de História Nacional. Op. cit., p. 129.
238
A realização desta conferência confirma a hipótese de que a aproximação luso-brasileira
ocorreu muito mais por influência portuguesa e que muito embora ela tenha sido articulada por
membros das elites intelectuais de Portugal e do Brasil, constituiu fruto direto da intervenção
dos Estados português e brasileiro. Tanto é verdade que José Osório de Oliveira, no artigo
intitulado “Obreiros da aproximação” destaca que “o desejo de aproximação existia muito,
mas a falta de um instrumento oficial que lhes garantisse a eficácia e a continuidade fazia com
que numerosos esforços para a conseguir se perdessem”. OLIVEIRA, José Osório de. Obreiros
da aproximação. In: Revista Atlântico, Nº 2, 1942.
239
Explicando o funcionamento deste serviço, Nobre esclarece que “anexo às cadeiras de
estudos portugueses nas universidades do Brasil e de estudos brasileiros de Portugal,
funcionaria um serviço de informações culturais, dirigido pelos respectivos professores, mas
permitindo um auxiliar especial, de reconhecida idoneidade, designado pelos respectivos
governos, sob proposta daqueles professores. A projetada cadeira de Estudos Portugueses da
Universidade do Brasil e a cadeira de Estudos Brasileiros de Lisboa teriam, em virtude da sua
maior projeção, um serviço mais amplo de informações, anexo à sua função docente, e
publicariam anualmente um boletim com o resumo de toda a atividade intelectual portuguesa e
brasileira no ano transato”. Idem.
94
Gramática Luso-Brasileira da Língua Portuguesa; c)
Teatro e cinema ao serviço da língua; d) Novo acordo
postal; e) Câmaras de compensação de editores
240
.
Com o avançar deste texto observar-se-á o quanto o conteúdo desta
conferência influenciou na adoção de medidas para o estreitamento das
relações culturais envolvendo Brasil e Portugal. Por ora cita-se o fato de que
diante do interesse de Salazar na solidificação desta “comunidade luso-
brasileira”, o presidente português, Oscar Carmona, encaminha um convite ao
presidente Getúlio Vargas, convidando-o a participar das comemorações do
duplo centenário português
241
. Entretanto, argumentando o desenrolar da
Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências para o Brasil, Vargas declina
do convite mas, envia a Portugal uma legação brasileira para representar o
país nas comemorações centenárias da fundação e restauração de Portugal.
Esta comissão era chefiada por José Pinto, da qual fazia parte, ainda, o
ministro Caio de Melo Franco; ministro Edmundo da Luz Pinto; coronel Tristão
de Alencar Araripe; major Afonso de Carvalho; Olegário Mariano; capitão
Fleury, entre outros. Neste sentido, o Brasil participa dos eventos na condição
de nação irmã, inclusive, a associação brasileira às grandes festividades
portuguesas foi utilizada como “uma espécie de prova póstuma das nossas
virtudes civilizadoras”
242
, no dizer do historiador Fernando Catroga.
Em retribuição à presença da comissão brasileira, referida no parágrafo
anterior, o governo luso envia ao Brasil uma Embaixada especial, que era
chefiada por Júlio Dantas
243
e composta, ainda, pelos seguintes membros: Dr.
240
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 117.
241
As comemorações do duplo centenário português relacionavam-se à fundação de Portugal,
em 1140, e à restauração da sua nacionalidade, em 1640, ou seja, comemorava-se a
passagem dos 800 anos da fundação do Reino e o trecentésimo aniversário da Restauração
Portuguesa. As festividades ocorreram no período de 2 de junho a 2 de dezembro de 1940 e o
Brasil participou ativamente, principalmente no Congresso do Mundo Português e na
Exposição Histórica do Mundo Português, sendo que, nesta última, foi o único país estrangeiro
a ter representação e ocupou um pavilhão inteiro.
242
CATROGA, Fernando. Ritualizações da história. In: TORGAL, Luís Reis; CATROGA,
Fernando. História da história em Portugal: da historiografia à memória histórica. Lisboa:
Temas e Debates, 1998, p. 7.
243
Júlio Dantas nasceu em Lagos, em 1876. Foi uma das mais destacadas figuras intelectuais
de seu tempo, além de ter sido ministro português, foi poeta, dramaturgo, contista e historiador;
sócio da Academia Brasileira de Letras e da Real Academia de Ciências Morais, de Madri;
inspetor das bibliotecas e arquivos; publicou, entre outras, as seguintes obras de teatro: “O que
95
Augusto de Castro; Dr. Reinaldo dos Santos; Dr. Marcelo Caetano; Dr. João do
Amaral, entre outros
244
. Como um resultado quase que direto destas tratativas,
observa a realização do Congresso Luso-Brasileiro de História, em 1940,
momento em que “pela íntima cooperação dos investigadores e dos
historiógrafos portugueses e brasileiros, o esclarecimento e a unidade de
interpretação dos fatos que importam aos três primeiros séculos da história
gloriosa do Brasil, patrimônio comum”
245
foram discutidos. A esta altura do
texto, torna-se importante inferir que a difusão de eventos que permitam a
reafirmação do discurso de afetividade, de reafirmação de um passado em
comum entre os dois países é muito importante na medida em que permite ao
governo português provar a sua eficiência em termos de administração
colonial, pois não se pode ignorar que, ao final da década de 1940, a
manutenção das colônias portuguesas torna-se cada vez mais difícil, tendo em
vista o avanço do processo de descolonização advindo, sobretudo, das
mudanças estabelecidas pelo desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Aliás, a
aproximação luso-brasileira, também, é importante na medida em que pode
propiciar a Portugal uma aliança no sentido de proteção ao império colonial
português. Portanto, dentro deste contexto, fica justificada a fundação da
Associação dos Amigos de Portugal, em 15 de maio de 1940, no Rio de
Janeiro, cujos objetivos eram: “a) fazer a exaltação do que fomos, para
dignificar o que somos; b) contribuir para a defesa do grupo étnico luso-
brasileiro; c) intensificar o enriquecimento da língua portuguesa; d) cooperar na
valorização do pensamento luso-brasileiro”
246
.
A imprensa brasileira, em sua maioria, noticiou a vinda da “embaixada
cultural”, chefiada por lio Dantas, de forma muito positiva até porque era
controlada pela censura da ditadura varguista, da qual, não se pode esquecer,
morreu de amor”, “A Severa”, “Rosas de todo o ano” e “Carlota Joaquina”. Também publicou
livros de versos como “Nada” e “Sonetos”; os volumes de estudo ou de orientação histórica
como “Pátria Portuguesa”, Outros tempos”, “Figuras de ontem e de hoje”; além de traduções e
adaptações, teses médicas e inúmeros discursos acadêmicos. Revista Atlântico, 2, 1942, p.
371.
244
Jornal Diário de Governo, Lisboa, em 4 de julho de 1941, p. 2.
245
DANTAS, Júlio. Discurso. In: Anais das bibliotecas e arquivos. Lisboa: v. XV, 1940, p. 17.
246
Estatutos da Associação, artigo. Anexo ao Ofício 228, do Consulado de São Paulo ao
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 23 de maio de 1941. M. N. E., piso, Armário 48,
Maço 233.
96
pertenciam os principais articuladores da aproximação luso-brasileira
247
.
Entretanto, o maior produto deste encontro foi a assinatura do Acordo Cultural
Luso-Brasileiro
248
, no Rio de Janeiro, a 4 de setembro de 1941
249
.
Em linhas gerais, o Acordo Luso-Brasileiro visava uma colaboração
cultural mais efetiva entre os dois países com vistas à difusão de suas culturas
e, para a efetivação desses objetivos ficaram encarregados, respectivamente,
os “organismos oficiais a quem incumbe nos dois países a orientação dos
serviços de propaganda”
250
, ou seja, em Portugal, ao Secretariado de
Propaganda Nacional (SPN), dirigido por Antônio Ferro
251
e, no Brasil, ao
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), sob a orientação de Lourival
Fontes, como determinava o primeiro artigo do Acordo Cultural ao estabelecer
que seria “criada na sede do SPN uma seção especial brasileira, da qual fará
parte a título permanente um delegado do DIP, assim como uma seção
especial portuguesa, da qual fará parte um delegado do SPN”
252
.
247
Neste sentido cabe destacar um trecho do artigo intitulado Brasil e Portugal, publicado no
jornal Globo, onde se lê: “Júlio Dantas é justificadamente um dos escritores portugueses mais
conhecidos e apreciados no Brasil. por si, sua presença constituirá um acontecimento
notável em nossa vida cultural. No entanto, ele volta agora ao Brasil chefiando uma embaixada
em que se reúnem alguns outros dos mais altos expoentes da cultura lusitana neste momento”.
Jornal O Globo, São Paulo, em 7 de agosto de 1941.
248
O jornal português A Voz, órgão de propaganda do governo de Portugal, logo após a
assinatura do Tratado Cultural Luso-Brasileiro de 1941, publica um artigo intitulado Brasil-
Portugal onde apresenta o fato como um fruto resultante da iniciativa portuguesa e de outras
ações, pois “o primeiro passo para este entendimento mútuo deu-o o diretor do S.P.N. com a
sua viagem ao Brasil. Este entendimento é fruto de muitos outros passos anteriores. Quando a
embaixada brasileira presidida pelo general Francisco Jose Pinto veio a Portugal representar a
grande Nação sul-americana nas festas da raça comum, sentiu-se que havia entre as duas
margens do Atlântico Sul um espírito novo, uma séria e firme vontade de entendimento. A visita
da Embaixada Especial portuguesa ao Brasil deu ensejo a manifestações magníficas dum
entendimento que esperava apenas realizações imediatas para se traduzir em fatos de real e
tangível vantagem”. Jornal A Voz, Lisboa, em 11 de setembro de 1941, p. 4.
249
O acordo foi firmado mediante a presença do Presidente Getúlio Vargas, Dr. Lourival
Fontes, Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda do Brasil e Antônio Ferro, Diretor
da Emissora Nacional e do Secretariado de Propaganda Nacional de Portugal.
250
Trecho do Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941. Revista Atlântico, Nº 2, 1942.
251
Antônio Ferro (1895-1956) constitui uma figura de destaque no cenário cultural português do
século XX. Foi editor da revista Orpheu e jornalista nos periódicos O Jornal, O Século e Diário
de Notícias; além dessas atividades, dirigiu a revista Ilustração e fundou a revista Panorama e
Atlântico. Grande admirador do fascismo italiano assim como de outros regimes ditatoriais da
época – e aliado pessoal de Salazar, foi o responsável pela criação do Secretariado da
Propaganda Nacional (SPN), órgão responsável pela propaganda do regime salazarista.
252
Trecho do Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941. Revista Atlântico, Nº 2, 1942.
97
Como justificativa oficial para a implantação destas seções foi utilizado o
argumento de que elas deveriam “assegurar e promover”, de todas as formas
possíveis, a difusão da cultura dos dois países, principalmente, ao propiciarem
“o intercâmbio e publicação de artigos inéditos de escritores e jornalistas
brasileiros e portugueses na imprensa dos dois países”
253
. Entretanto, na
prática, o que se pode verificar é que estas seções atuaram muito mais no
sentido de limitar manifestações contrárias ao Estado Novo português e
brasileiro, além de difundirem o ideal estadonovista luso-brasileiro. No caso
português, mais especificamente, claramente a adoção de uma política de
“vigilância” e até mesmo de censura, traços típicos dos governos autoritários,
em relação às notícias veiculadas no Brasil. Este pensamento fica claro na
medida em que Portugal coíbe a divulgação de qualquer notícia que macule a
sua política atlântica, como se constata a seguir: “como nós exercemos uma
espécie de censura amistosa na imprensa local, por quanto a censura oficial
praticamente não existe, tendo ficado sujeita ao critério da Associação Paulista
de Imprensa, – conseguimos a não publicação daquele artigo”
254
.
O artigo referido acima fazia referência à política atlântica seguida por
Portugal e seria publicado no jornal A Gazeta, do Rio de Janeiro, caso não
houvesse a interferência do seu diretor, o Sr. sper Líbero. O mesmo ofício
ainda demonstra que este tipo de ão é uma prática comum, tendo em vista
que “em dois meses, é este o terceiro artigo cuja publicação dificultamos,
sendo os dois anteriores: um contra a ação do Sr. Antônio Ferro no Brasil e, o
outro, contra os regimes políticos lusitano e espanhol, acusando-se
asperamente o General Franco”
255
. O reclamante ainda tece críticas à política
brasileira adotada em relação aos países neutros e ao fato do Brasil estar
voltado quase que exclusivamente para a difusão do seu nacionalismo:
É inegável que uma campanha contra os países
neutros e principalmente, coloniais, e revela-se a
253
Letra “a” do 2º artigo do Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941. Idem.
254
Ofício 823, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 13
de novembro de 1941. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233A. O grifo consta no original.
255
Ofício 823, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 13
de novembro de 1941, p. 2. M. N. E., piso, Armário 48, Maço 233A. O grifo consta no
original.
98
existência dum grupo de intelectuais residentes no Rio de
Janeiro, mantendo ramificações em o Paulo, onde
contam com a displicência da DEIP que se interessa
pela propaganda de política nacional
256
.
A assinatura do tratado cultural de 1941 foi recebida com grande
entusiasmo pelo círculo político e literário de Portugal
257
. Os jornais lisboetas
divulgaram amplamente a notícia, principalmente por ser concebida como “o
coroamento magnífico da obra diplomática que ambos os governos vêm
realizando
nestes últimos anos
258
. É interessante observar a parte final da
citação, pois ela não deixa vidas no que se refere ao fato da aproximação
luso-brasileira ter adquirido forma justamente no momento em que Brasil e
Portugal são gerenciados pela política do Estado Novo.
No Brasil, a documentação analisada também revela os acontecimentos
decorridos no período e os bastidores da política varguista adotada à época. É
fato que nem todos receberam de “bom grado” a adoção do acordo cultural
luso-brasileiro, muito pelo contrário, este acontecimento gerou a movimentação
daqueles contrários à idéia e dos opositores ao regime do Estado Novo
259
. Um
exemplo desse posicionamento é a circulação, talvez uma nova edição, do livro
“A Mulata”, do escritor português Carlos Malheiros Dias. Tanto é que a polícia
brasileira entra em ação e apreende o romance. Aliás, a notícia acaba
desencadeando forte reação da comunidade portuguesa e a publicação do
artigo de Costa Porto intitulado “aproximação luso-brasileira” no jornal Folha da
Manhã, de Recife, onde ele escreve que “encaro com tristeza a idéia de
reeditar Malheiros Dias, cujos insultos atirados a nossa raça, às nossas
famílias (...) devem ser analisados como uma nota destoante na obra de
fraternização a que nos entregamos”
260
.
256
Idem, p. 2.
257
Ofício da Embaixada Brasileira em Lisboa, em 15 de setembro de 1941. A. H. I. Pasta de
Ofícios, ano de 1941.
258
Idem. O grifo não consta no original.
259
Ofício 118, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em
18 de dezembro de 1941. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
260
Jornal Folha da Manhã, Recife, em 18 de dezembro de 1941, p 3.
99
A aproximação cultural luso-brasileira possibilitou, ainda, a Portugal uma
oportunidade para neutralizar a oposição ao seu governo no Brasil, ao mesmo
tempo em que tornou possível a ocupação de espaços importantes, como o
meio literário, para a difusão de sua cultura
261
. Um exemplo desta postura
constitui a realização da Exposição e Quinzena do Livro Português, atividade
realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1941, por iniciativa da Casa do
Livro de Lisboa. Para a exposição, que aconteceu na Biblioteca Nacional, no
Rio de Janeiro, foram solicitados “livros ou publicações que possam, uma vez
distribuídos por intelectuais, facilitar no Brasil o conhecimento e a difusão da
cultura portuguesa”
262
. Por isso, seguindo a orientação contida no primeiro
artigo do Acordo Cultural, foi inaugurada por Antônio Ferro, na Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 1941, a primeira exposição
do livro português
263
. Posteriormente, em 14 de abril de 1942, Antônio Ferro,
com a assistência do Embaixador do Brasil no Rio de Janeiro, Dr. Artur
Guimarães de Araújo Jorge, inaugurou a Seção Brasileira do SPN. Anos mais
tarde, em dezembro de 1948, Ferro recordaria os feitos da secção de
intercâmbio luso-brasileiro do SPN ao relatar os seus maiores
empreendimentos para a aproximação luso-brasileira:
...sessões públicas, conferências, concertos, revista
Atlântico de colaboração com o D.I.P. e hoje com a
Agência Nacional, coleção Atlântico, coleção
Documentos que interessam ao Brasil e Portugal (...),
outras publicações, Prêmio Pero Vaz de Caminha,
criação de uma pequena biblioteca brasileira, recepção a
todos os brasileiros representativos chegados a Portugal
261
Neste sentido, cabe destacar o trabalho desenvolvido pelos Consulados portugueses no
Brasil, principalmente o de São Paulo e Rio de Janeiro. Como exemplo desta atuação cita-se
um trecho do telegrama número 122 da Embaixada do Rio de Janeiro, onde o Embaixador
fazendo referência às notícias veiculadas na imprensa local referentes à neutralidade
portuguesa no conflito da Segunda Guerra, destaca que “julgo assim definitivamente encerrado
o período incompreensão nossa política internacional que fui pacientemente desfazendo já com
pertinaz atuação todos os meios 1) com discurso no Estádio Vasco da Gama para classe
popular; 2) discurso no Ministério das Relações Exteriores por ocasião acordo telegráfico
destinado círculos oficiais; 3) alocução na Academia para elite intelectual”. Telegrama 111,
da Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1943. M. N. E., piso,
Armário 48, Maço 233.
262
Ofício nº 127, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 6 de
fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233.
263
Como complemento a esta medida, posteriormente surgiria o estabelecimento Livros de
Portugal, na rua Ouvidor, no Rio de Janeiro.
100
desde esse momento, a altas figuras da colônia
portuguesa, colaboração com todas as iniciativas oficiais
ou privadas para intensificação das nossas relações
culturais, programas de rádio, envio de filmes para o
Brasil, milhares de recortes da imprensa brasileira,
distribuídos às entidades interessadas, milhares e
milhares de informações sobre o Brasil dadas
verbalmente ou por correspondência, etc., etc. Por seu
lado, a Seção Portuguesa do D.I.P., sob a orientação
inteligente, sensata, diplomática, do Visconde de
Carnaxide, fez o que pode e fez muito em estreita
colaboração com a Federação das Associações
Portuguesas num período agitado da vida brasileira onde
a discrição se confundia, muitas vezes, com a melhor e
mais eficaz atividade
264
.
Atividade semelhante a anterior também voltada ao estreitamento das
relações culturais entre Brasil e Portugal foi a Primeira Quinzena do Livro
Português em Recife
265
. Esta constituiu uma iniciativa do livreiro José Saraiva
de Freitas, apoiada pelo cônsul português na capital, o Sr. Manoel Anselmo. A
comissão de organização do evento era composta pelo vice-cônsul Jaime
Santos, padre Zacarias Tavares, Ernesto Leça, capitão Camilo Coelho e
Antônio de Abreu Castelo Branco. De Recife, alegando a busca de um espaço
maior para o livro português, o livreiro José de Freitas estendeu a exposição
até outras capitais nordestinas, como Paraíba e Natal, por entender que:
o livro português não encontrou ainda no Brasil o lugar
que merece. Tem falta de interesse do livreiro sobre ele.
Em matéria de literatura portuguesa teima-se em ficar no
Eça, e no Camilo, no Iberalano. A nova geração
permanece esquecida. O Norte do Brasil não pode ficar
264
FERRO, Antônio. Estados Unidos da Saudade. Lisboa: Literatura Estrangeira, 1949, pp. 9-
10.
265
O estudo da documentação trocada entre os dois países permite inferir quais são os
maiores entraves à divulgação do livro no Brasil, tendo em vista que “as maiores dificuldades
são direitos autorais urgindo conseguir que Luís Crespo autorize imediata edição obras seu pai
com largo estudo crítico de Afrânio acompanhado carta fotos inéditas. Também urgente motivo
próximo centenário obter autorização edições brasileiras obras Antero Quental com estudo
crítico Manuel Bandeira sendo preciso procurar Couto Martins atual proprietário direitos. Assim
poderiam publicar-se duas obras grande alcance além outras no prelo como Pegrinação
Mendes Pinto Cancioneiro Português, Elogio José Bonifácio por Latino Coelho”. Telegrama
63, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 27 de fevereiro
de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
101
indiferente a esse movimento que logra extraordinário
êxito no Rio de Janeiro
266
.
Num primeiro momento pode parecer que as exposições do livro
português no Brasil constituem uma simples atividade de intercâmbio entre os
dois países. Contudo, os fatos não são bem assim. Uma análise mais
aprofundada da correspondência trocada entre o Consulado de Portugal, em
São Paulo, e o diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, Antônio Ferro,
permite inferir que a difusão do livro português no Brasil, além de constituir um
espaço para a sua comercialização e, portanto, uma oportunidade de
ampliação do mercado consumidor deste produto (veja-se o item 2.5, onde é
feita a análise do Acordo Postal assinado entre os dois países), visava,
também, “contrabalançar a influência da cultura norte-americana”
267
, a qual se
encontrava cada vez mais presente e atuante no país.
Com relação a este ponto merece destaque o fato de que, diante das
vicissitudes do Estado Novo português, as exposições do livro português
tinham, ainda, a dupla responsabilidade de contribuir para a difusão da cultura
portuguesa e, de forma “dissimulada”, atuar como uma atividade doutrinadora
da colônia portuguesa aqui residente, ou seja, as atividades culturais aqui
desenvolvidas constituíram a forma encontrada por Portugal para executar uma
espécie de legitimação do seu governo e difusão da sua doutrina ideológica,
cujo alvo principal era constituído pela colônia portuguesa residente no Brasil.
2.3 O Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941 frutifica: criação da Revista
Atlântico
A criação da revista Atlântico, em 1942, constituiu uma das ramificações
do acordo cultural firmado entre Brasil e Portugal, no ano anterior, e consistiu
num dos passos mais proeminentes para o estreitamento das relações luso-
266
Jornal Diário da Manhã, Recife, em 8 de novembro de 1942, p. 4.
267
Ofício nº 175, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 5 de
março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233A.
102
brasileiras durante o Estado Novo brasileiro
268
. Inclusive, a assinatura do
Acordo Cultural de 1941 estimulou a circulação de inúmeras obras (aprovadas
pela censura oficial dos dois países) que se relacionavam à história, cultura,
literatura, etc. dos dois países. E, neste sentido, a Atlântico exerceu um papel
de grande destaque.
A revista Atlântico possuía um caráter literário, artístico, histórico e
cultural. Era publicada em dois números anuais
269
, em Portugal, e foi uma
idealização de Antônio Ferro; como ele próprio afirmou, tinha como objetivo
“revelar Portugal novo aos brasileiros. Revelar o novo Brasil aos
portugueses”
270
. Contudo, há que se ter em mente que, com a política do
nacionalismo em curso nos dois países, o principal objetivo da Atlântico, era a
difusão recíproca da cultura nacional luso-brasileira e que, em diversas
ocasiões, isto ocorre por meio da publicação de textos que destacam um
passado em comum, ou, concretamente, pela reafirmação deste, conforme
deixa transparecer um trecho do texto de Lourival Fontes (diretor do DIP),
publicado no primeiro número da revista, em 1942:
Não é exato que se renovaram os laços de compreensão
e solidariedade entre o nosso país e Portugal. Esses
laços não foram nunca interrompidos. Nem mesmo nos
momentos mais graves da nossa formação, os
compromissos com a raça tronco, formadora da nossa,
sofreram quaisquer abalos. Durante a fase colonial os
nascidos no Brasil, (como se dizia, à data) senhores
duma consciência americana, encontraram nos
elementos portugueses os companheiros de luta, sempre
que a pirataria ameaçou a unidade das terras
conquistadas. Acolhendo a corte metropolitana, em horas
amargas, o Brasil evoluiu, de tal modo, que a ruptura dos
laços políticos foi inevitável. Ninguém melhor
compreendeu as circunstâncias históricas do que os
astutos estadistas portugueses, que tinham permanecido
268
A revista Atlântico teve a circulação do seu primeiro número em 1942 e deixou de ser
publicada em princípios da década de 50 do século XX.
269
Até a edição número quatro, no final de cada obra, havia as indicações bio-bibliográficas
referentes aos novos colaboradores da revista, entretanto, a partir do número 5, este
procedimento foi alterado, pois os editores da revista Atlântico tiveram “que desistir do
propósito de informar os leitores do Brasil sobre os colaboradores portugueses por o
podermos fornecer, aos leitores de Portugal, dados idênticos sobre os colaboradores
brasileiros”. Notas da Revista Atlântico, Nº 5, 1944, p. 205.
270
Algumas palavras de Antônio Ferro. Apresentação da Revista Atlântico, Nº 1, 1942.
103
aqui, promovendo a criação duma nacionalidade, pelo
trabalho e pela pertinácia das iniciativas. Estas foram de
tal natureza que, rotos os laços políticos, não se
romperam os laços morais, logo depois robustecidos nos
contágios de intensa imigração
271
.
Neste sentido, aponta-se, também, um discurso proferido pelo
Embaixador do Brasil, João Neves da Fontoura, na sede do Secretariado de
Propaganda Nacional, em 1941 (o destacado ato representava um gesto de
retribuição à visita da comitiva portuguesa ao Brasil ocorrida anteriormente),
momento em que Neves, fazendo referência ao acordo cultural de 1941,
destaca que desta “memorável convenção resultaram novos e magníficos
frutos para a obra de aproximação afetiva e intelectual entre os nossos
países”
272
. Na seqüência do discurso proferido pelo Embaixador brasileiro, ele
ainda aponta a criação da revista Atlântico como a “mais bela revista aagora
editada em língua portuguesa, e que, sob a invocação do oceano que nos
separa, mas que também nos une, congrega uma plêiade dos mais autênticos
valores literários do Brasil e de Portugal”
273
. O professor Mário de
Albuquerque
274
, em um artigo intitulado “O papel das universidades na política
atlântica”, ao defender uma “unidade de sentimento e de cultura” entre o Brasil
e Portugal, também, reafirma que a união luso-brasileira é fundamental para o
crescimento dos dois países e que o auxílio deve ser mútuo, afinal, “poucas
famílias haverá em Portugal que não tenham um parente brasileiro (...); poucas
famílias haverá no Brasil salvo talvez em algumas ‘ilhotas’ de população
germânica com mais de três gerações de enraizamento no solo brasileiro,
que não tenham sangue português”
275
.
Como foi destacado no início deste capítulo, a criação da revista
Atlântico consistiu no atendimento de um dos pontos especificados no acordo
271
FONTES, Lourival. Unidade espiritual. Revista Atlântico, Nº 1, 1942, p. 1.
272
FONTOURA, João Neves da. A realidade do Acordo Cultural. In: Prólogo da Revista
Atlântico, Nº 2, 1942.
273
Idem.
274
Mário de Albuquerque era professor da cadeira de Estudos Brasileiros da Faculdade de
Letras de Lisboa.
275
ALBUQUERQUE, Mário de. O papel das universidades na política atlântica. Revista
Atlântico, Nº 2, 1942, p. 147.
104
cultural de 1941 mas, em verdade, constituiu a idealização de um meio de
aproximação luso-brasileira. Entretanto, esta revista s em prática uma outra
determinação do acordo: o prêmio Pero Vaz de Caminha, o qual seria
“atribuído, em anos alternados, para distinguir a melhor obra literária, científica
ou de caráter histórico, de interesse comum às duas nações, de autor
português ou brasileiro, publicada em Portugal ou no Brasil e em língua
portuguesa”
276
. As obras admitidas à concorrência do prêmio deveriam ter a
sua primeira edição publicadas no período de 2 anos, a contar da data de 1º de
novembro de 1941 a31 de outubro de 1943
277
. Para o primeiro prêmio, ficou
determinado que o mesmo seria conferido em Lisboa, passado noventa dias
após o término da admissão das obras para análise; estas seriam avaliadas
“por um júri constituído por três escritores portugueses e três brasileiros, de
reconhecido mérito e pelo diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, o
qual votará em caso de empate”
278
. Neste sentido, em 1945, ocorreu a
premiação, da obra “A literatura portuguesa e a expansão ultramarina”, do
professor Hernani Cidade, a qual foi a vencedora do primeiro prêmio Pero Vaz
de Caminha
279
. É de destacar que a obra premiada acentua, justamente, os
feitos heróicos dos descobrimentos portugueses, o que destaca e idealiza a
grandeza da pátria de Camões.
Por fim, merece destaque o fato da revista Atlântico ter sido uma
idealização de Antônio Ferro, pois isto torna-se importante na medida em que
permite duas afirmações: a primeira relaciona-se, obviamente, ao empenho
português na execução da tarefa de aproximação luso-brasileira; a segunda,
por sua vez, diz respeito à intervenção direta dos Estados português e
brasileiro na execução da aproximação luso-brasileira, afinal, desde o início do
século XX, alguns setores da sociedade almejavam tal intento sem, contudo,
obterem êxito. Neste sentido, é ilustrativo a afirmação do escritor português
276
Revista Atlântico, Nº 3, 1943, p. 214.
277
Para concorrer ao prêmio Pero Vaz de Caminha, “o autor solicitará a admissão ao concurso,
juntando um documento comprobativo da publicação do trabalho, dentro do prazo e nas
condições da base III e remetendo dez exemplares ao Secretariado da Propaganda Nacional
(Lisboa) ou ao Departamento de Imprensa e Propaganda (Rio de Janeiro) até a data
estabelecida”. Idem.
278
Ibidem.
279
Revista Atlântico, Nº 6, 1945, p. 198.
105
José Osório de Oliveira, no momento em que ele informa que “o desejo de
aproximação existia muito, mas a falta de um instrumento oficial que lhes
garantisse a eficácia e a continuidade fazia com que numerosos esforços para
a conseguir se perdessem”
280
.
Dessa forma, o que se constata é que Portugal aposta no apelo
sentimental, nas relações afetivo-culturais para, inicialmente, estreitar laços de
união com o Brasil por meio da difusão da idéia de “unidade espiritual
sentimental” e, posteriormente, chamar para si a condição de líder da
civilização lusíada, da civilização atlântica
281
. Aliás, o próprio Embaixador
brasileiro, João Neves da Fontoura, reconhece a liderança portuguesa no
momento em que tece considerações a respeito do trabalho realizado pelo
SPN afirmando que o secretariado português ocupará um capítulo novo na
história portuguesa “não pelas iniciativas felizes que tomou, irradiando
valores nacionais e aproximando o povo português de outros povos, como
também pelo papel que exerceu, mais particularmente, de obreiro desvelado na
compreensão luso-brasileira”
282
.
Em síntese, fica claro que o governo português aposta na formação
desta comunidade luso-brasileira como uma forma de fortalecimento frente aos
novos desafios advindos dos anos finais da década de trinta e princípios da
seguinte e, para levar adiante este objetivo, executa um plano de política
cultural, alicerçado principalmente, na unificação da ortografia, na difusão da
cultura portuguesa (e isto implica na “neutralização” e/ou ocupação de espaços
de outras culturas) e no resgate do legado cultural da colonização lusa, como
poderá ser observado na seqüência do texto.
2.4 Outros desdobramentos do Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941
A vinda da Embaixada especial portuguesa, chefiada pelo escritor Júlio
Dantas – em que pese como a sua maior contribuição a influência desta na
280
OLIVEIRA, José Osório de. Obreiros da aproximação. Revista Atlântico, Nº 2, 1942, p. 187.
281
A comunidade lusófona é o que mais tarde Gilberto Freyre irá designar como o “mundo luso-
afro-asiático brasileiro”, tendo em vista a união de Portugal, suas colônias e o Brasil.
106
assinatura do acordo cultural luso-brasileiro de 1941 – suscitou na imprensa
brasileira um amplo debate acerca da aproximação cultural entre Brasil e
Portugal. Neste sentido, merece destaque um artigo do jornal O Estado de São
Paulo, publicado em agosto de 1941, no qual ocorre a reprodução de uma
entrevista com o diplomata português Dr. José Augusto de Magalhães
283
,
momento em que o entrevistado cita exemplos de problemas decorrentes da
falta de definição quanto a uma política de nacionalização luso-brasileira e
enumera os meios convenientes para a resolução destes, como: a) um tratado
de comércio; b) um bem estudado tratado da emigração e de dupla
nacionalidade; c) um tratado cultural e d) uma aliança defensiva envolvendo os
dois países
284
. As sugestões apontadas por Magalhães tornam-se
interessantes à medida que fornecem uma espécie de visão do futuro, pois, de
certa forma, elas “orientarão” as relações luso-brasileiras daí para frente.
Outra constatação importante de se abordar neste momento é o fato de
que, na prática, se verifica é que neste processo de estreitamento de relações
luso-brasileiras, quem toma a dianteira do movimento é Portugal –
principalmente, pela atuação da sua representação diplomática – visando dois
objetivos essenciais: ocupar espaços antes destinados a potências européias
como a Alemanha e a Itália e utilizar esta reaproximação como uma
oportunidade de doutrinação da colônia de portugueses residentes no Brasil,
afinal, como bem destaca Eulália Maria Lobo, até o final da Segunda Guerra
Mundial, o perfil do imigrante português se traduz pelo homem jovem que vinha
sozinho para ganhar dinheiro no país e, posteriormente, retornava a
Portugal
285
.
Assim, de acordo com o preceito de que muitos portugueses retornam a
Portugal e que, portanto, precisam estar “alinhados” ao regime salazarista,
282
FONTOURA, João Neves da. A realidade do Acordo Cultural. Op. cit.
283
José Augusto de Magalhães foi Cônsul de Portugal, em São Paulo, de 1922 a 1932.
284
Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, em 12 de agosto de 1941, p. 5.
285
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001.
A autora ainda destaca que é somente a partir de 1945 que esse perfil muda e a tendência
passa a ser a imigração familiar, onde, geralmente, a figura masculina se desloca antes e, mais
tarde, mediante carta de chamada, manda vir a família ou a mulher com a qual tenciona
constituir família.
107
destaca-se a realização de atividades que visam atingir tais objetivos, como é o
caso dos artigos publicados na imprensa brasileira à época textos que são
encaminhados, principalmente, pelo jornal A Voz de Portugal, órgão divulgador
da ideologia do governo português e das inúmeras conferências realizadas
no Brasil, onde a defesa e a difusão da cultura portuguesa passam a ser a
tônica dominante. A título de ilustração deste último aspecto, aponta-se a
realização do Ciclo Cultural Luso-Brasileiro, no Recife, em 1942, atividade que
visava a “valorização e expansão de tudo quanto é valor português”, tendo em
vista que “a cada dia mais se ateia nos diversos setores de concorrência, entre
os quais se encontra como V. Exa. muito bem diz, o da cultura lusitana,
atingida pelos fatores que indica”
286
. É interessante observar que, no
entendimento português, a realização desta atividade representou “uma
aproximação conscienciosa entre as forças intelectuais do Estado e as
Instituições portuguesas”
287
, afirmação esta que revela certa “cumplicidade” da
intelectualidade brasileira para com os objetivos portugueses
288
. Aliás, de
acordo com o Cônsul Manuel Anselmo, o sucesso do ciclo cultural luso-
brasileiro foi tão expressivo que “no Rio de Janeiro, o Gabinete Português de
Leitura seguiu a mesma idéia, criando um ciclo de conferências versando
temas e fatos portugueses”
289
.
Entretanto, as atitudes contrárias a este posicionamento português
também são evidenciadas na correspondência oficial diplomática enviada do
Brasil para Portugal, inclusive, em alguns momentos, solicita-se uma ação mais
286
Ofício 169, do Consulado de Recife ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 30 de
julho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
287
Ofício 175, do Consulado de Recife ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 18 de
setembro 1942. M. N. E., piso, Armário 48, Maço 233 A. Neste mesmo ofício, o nsul
português Manuel Anselmo ainda corrobora o pensamento de que a aproximação luso-
brasileira, entre outros objetivos, visava a difusão de sua cultura e doutrina, no momento em
que afirma que “por estes e pelos recortes anteriores que tenho tido a honra de fazer chegar à
Secretaria de Estado, poderá observar V. Exa. a importância da propaganda que é
espontânea, entusiástica e não custa qualquer dinheiro ao Estado”. Ofício 175, do
Consulado de Recife ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 18 de setembro 1942. M. N.
E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
288
A primeira conferência, de Aderbal Jurema, versava sobre “O sentido da colonização
portuguesa no Brasil”; a segunda, por sua vez, abordava “O humanismo financeiro de Salazar”,
sendo proferida pelo Sr. Manoel Lucambo. Informações levantadas no jornal A Gazeta, Recife,
em 31 de agosto de 1942, p. 5.
289
Ofício 175, do Consulado de Recife ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 18 de
setembro 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
108
enérgica do SPN. Neste sentido, a publicação do artigo intitulado “A arquitetura
brasileira na América do Norte”
290
, no jornal O Estado de São Paulo, em maio
de 1943, é identificada como uma espécie de perigo à cultura portuguesa,
tendo em vista que o referido artigo destaca a influência norte-americana na
arquitetura brasileira e esta, de acordo com o autor, “repele os estilos coloniais
(barroco luso-espanhol)”
291
. E, assim ocorre, cada vez que a imprensa
brasileira consegue burlar a censura do DIP e noticia algum artigo “maculando”,
ou desprestigiando a cultura portuguesa, principalmente nos momentos finais
do Estado Novo brasileiro, quando a censura já não age de forma tão enérgica.
Por outro lado, aponta-se que o aspecto cultural durante o Estado Novo
brasileiro constituiu foco de interesse do governo getulista, na medida em que
se constituiu uma forma para a doutrinação das camadas populares. Por isso,
na mesma proporção em que o Brasil se afasta das potências componentes do
Eixo, executa, também, a adoção de toda uma prática de perseguição e
contenção da difusão de suas idéias no solo brasileiro. Este foi o caso da ação
direcionada às colônias de imigrantes (ou descendentes) de alemães, italianos
e/ou japoneses, tanto que até mesmo os professores universitários de
descendência alemã e/ou italiana, que exerciam suas atividades docentes na
Universidade de São Paulo, sofreram com a rescisão de seus contratos. Não
obstante, chama atenção a ação do Consulado português paulista, tendo em
vista um ofício do Cônsul Júlio Augusto Borges dos Santos, no qual sugere a
substituição dos professores italianos demitidos pelo governo brasileiro por
portugueses e a importância que este espaço representaria para Portugal, no
momento em que utiliza o seguinte argumento:
Seria de grande conveniência e de alta significação se
os mencionados professores fossem substituídos no
ensino superior por professores portugueses,
contratados, criando-se, assim, uma elite intelectual
lusíada e que exerceria uma benéfica influência nas
relações luso-brasileiras
292
.
290
Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, em 1º de maio de 1943, p.4.
291
Ofício 302, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 11
de maio de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
292
Ofício nº 251, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 6 de
abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
109
Mais uma vez, fica clara a idéia de que Portugal visava ocupar os
espaços deixados pelos antigos parceiros do Brasil: Alemanha e Itália, pois
inúmeras ações apontam no sentido de que após a definição de Getúlio Vargas
pela aliança pró-americana, a Europa teve seu espaço de atuação reduzido,
mas exceção à regra constituiu as relações envolvendo Brasil e Portugal,
principalmente no campo cultural.
Desta forma, o estreitamento das relações luso-brasileiras e a assinatura
do Acordo Cultural de 1941 também possibilitaram outras atividades de
aproximação entre Brasil e Portugal. Citam-se, como exemplos ilustrativos
desta afirmação, dois fatos: o primeiro relaciona-se ao convite efetuado ao
professor Antônio Monteiro para reger a cadeira de Análise Superior na
Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, em outubro de 1943 e, o
segundo, diz respeito à prerrogativa dos estudantes brasileiros exercerem a
advocacia em Portugal pelo regime de reciprocidade, oportunidade esta
oferecida aos alunos formados pelas Faculdades de Direito portuguesas ou
brasileiras
293
, como se pode verificar a seguir:
Trata-se de uma iniciativa que tem prestado à Colônia
altos serviços através de uma aproximação
conscienciosa entre as forças intelectuais do estado e as
Instituições portuguesas. No Rio de Janeiro, o Gabinete
Português de Leitura seguiu a mesma idéia, criando um
ciclo de conferências versando temas e fatos
portugueses
294
.
Em janeiro de 1943, Assis Chateaubriand, diretor dos Diários
Associados do Brasil, por ocasião de um almoço em São Paulo, realizado em
homenagem ao escritor português e Cônsul de Portugal no Recife, Manuel
293
No ofício 589, de novembro de 1945, o Chefe do Gabinete do Ministério dos Negócios
Estrangeiros de Portugal esclarece que: “em resposta ao ofício de V. Exa., número 142, de 1º
do corrente, informo de que, nos termos do parágrafo único do artigo 543 do Estatuto Judiciário
(Dec. número 33.547, de 23 de fevereiro de 1944), os nacionais brasileiros diplomados pelas
faculdades de Direito Portuguesas, ou Brasileiras, podem advogar em Portugal em regime de
reciprocidade”. Ofício 953, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 9 de novembro de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
294
Ofício 175, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 18
de setembro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
110
Anselmo na realidade, possivelmente influenciado pelos resultados do ciclo
cultural luso-brasileiro comunicou que, pelo Instituto de Medicina do Rio de
Janeiro, seriam oferecidas quatro bolsas de estudo a médicos portugueses, no
valor de mil cruzeiros mensais cada
295
. Na ocasião, Chateaubriand expressou
que os médicos “seriam convidados a vir ao Brasil, a fim de conhecerem o
problema e o tratamento das moléstias tropicais, acrescentando que, depois,
esses especialistas poderão aplicar seus conhecimentos nas colônias
portuguesas”
296
. Em seguida, prática semelhante foi adotada pela Federação
das Associações Portuguesas. De acordo com Herculano Rebordão,
coordenador do movimento em prol da arrecadação de fundos para o
patrocínio das bolsas de estudo, elas “serão dadas a estudantes em fim de
curso, tendo em vista premiar os que mais se tiverem distinguido na sua vida
escolar. Serão, assim, um prêmio ao trabalho e à dedicação intelectuais”
297
.
Destaca-se que este intercâmbio de alunos fazia parte dos planos de
aproximação luso-brasileira e havia sido estabelecido (pensado) por ocasião da
conferência realizada no Palácio Itamaraty, por Martinho Nobre de Mello, no
ano de 1938.
Seguindo esta mesma orientação de reaproximação entre os dois
países, no período final do Estado Novo brasileiro, houve, também, a
reorganização do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura. A reunião ocorreu no
Itamaraty, sob a presidência do ministro José Roberto de Macedo Soares e
contou com a presença de vários entusiastas da aproximação cultural luso-
brasileira, como Martinho Nobre de Mello, Embaixador de Portugal no Brasil;
João Neves da Fontoura, Embaixador do Brasil em Lisboa; professor Leitão da
Cunha, Reitor da Universidade do Brasil; Pedro Calmon, Diretor da Faculdade
de Direito e Presidente da Academia de Letras; acadêmico Cláudio de Souza;
295
Para se ter uma idéia da quantia paga pelas bolsas, indica-se que o valor nominal do salário
mínimo mensal era de R$ 220.00, ou seja, cada bolsa representava mais de 4 salários mínimos
nacionais por mês. Fonte: DIEESE.
296
Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre, em 29 de janeiro de 1943, p. 3.
297
Ofício 11, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 31
de janeiro de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
111
Cônsul Osório Dutra e Renato de Almeida, chefe do Serviço de Informações do
Ministério das Relações Exteriores
298
.
Como se pode observar, a aproximação cultural luso-brasileira
manifesta-se em diferentes áreas. Uma demonstração desta grande variedade
de abrangência das relações entre os dois países é um ofício do Cônsul
português de São Paulo, Júlio Augusto Borges Dantas, enviado em outubro de
1944 a Salazar, comentando sobre o desconhecimento existente no Brasil
acerca da cultura musical e artística portuguesa, ocasião na qual ele chega,
inclusive, a sugerir, como forma de solução parcial para este problema, a
criação de uma discoteca de sica fina portuguesa junto ao consulado
paulista, sendo que ele “não só atenderia prazerosamente aos pedidos do
Departamento de Cultura do Estado de São Paulo, como também interessar-
se-ia pela sua divulgação”
299
.
Todavia, há que se destacar o fato de que a partir do momento em que a
situação política no Brasil começa a mostrar sinais de mudança pois, após a
entrada do país na guerra ao lado dos aliados, defendendo a democracia,
tornava-se muito difícil manter um regime autoritário no país em decorrência
das fissuras apontadas na ditadura estadonovista, a aproximação cultural entre
os dois países começa a seguir outros rumos.
A título de conclusão desta parte, evidencia-se que os novos tempos no
Brasil de reabertura democrática paulatinamente, vão assegurando uma
maior liberdade de ação da imprensa brasileira, principalmente nos jornais
considerados de extrema-esquerda. Estes publicam artigos condenando o
fascismo e a colaboração Franco-Salazarista
300
. Não obstante, ainda divulgam
atividades que visam o restabelecimento da democracia em Portugal, como é o
caso do Comitê Anti-Fascista, criado no Rio de Janeiro, que em 5 de novembro
298
A notícia de realização do evento foi divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo, São
Paulo, em 7 de abril de 1945, p. 6.
299
Ofício nº 633, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 9 de
outubro de 1944. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233.
300
Como exemplo, ver o jornal Diretrizes, que publicou uma entrevista com Tomaz Colaço; na
ocasião, o autor afirma que a “oposição em Portugal abrange hoje todos os setores políticos
desde monárquicos até os socialistas mais avançados, inclusive, o partido comunista, com o
objetivo de derrubar o governo presidido por Salazar”. Jornal Diretrizes, Rio de Janeiro, em 19
de outubro de 1945, p. 3.
112
de 1945, realizou uma passeata contra a manutenção do salazarismo.
Contudo, Portugal ainda ficará um bom tempo sob a ditadura de Salazar,
inclusive, mesmo após a sua morte, pois o Estado Novo português expirará
em 25 de abril de 1974, com o deflagrar da Revolução dos Cravos.
2.5 Assinatura do Acordo Postal de 1942 e do Acordo Telegráfico de 1943
Uma análise descomprometida do Acordo Postal de 30 de abril de 1942,
assinado em Lisboa perante a presença do ministro dos Negócios
Estrangeiros, Antônio de Oliveira Salazar e do Embaixador brasileiro em
Portugal, Artur Guimarães de Araújo Jorge, pode representar, exclusivamente,
a adoção de mais uma medida de aproximação luso-brasileira.
Contudo, chama-se a atenção para o fato de que as tarifas postais
utilizadas em ambos os países dificultavam, ou melhor, encareciam muito, a
circulação do livro, principalmente no que diz respeito aos interesses
brasileiros. Portanto, num momento em que Brasil e Portugal estão articulando
medidas de aproximação, nada mais compreensível do que a busca de
soluções para este problema também.
Aliás, esta é uma questão antiga, como atesta um ofício do Embaixador
brasileiro em Portugal, Araújo Jorge, emitido em 1938, momento em que ele
chama a atenção para o “problema do comércio de livros entre o Brasil e
Portugal que mais uma vez tem sido estudado pelos interessados sem que se
tenha ainda encontrado uma solução definitiva capaz de conciliar os pontos de
vista das casas editoriais de ambos os países”
301
. Neste mesmo ofício, o
Embaixador ainda chama a atenção para o artigo intitulado “quais as razões da
decadência do livro em Portugal”, matéria que havia sido publicada no jornal
“República”, de Lisboa, onde consta a entrevista com o editor da Costa
primeira de uma rie de outras entrevistas realizadas com chefes de editoras
portuguesas acerca do assunto. De acordo com Artur Guimarães de Araújo
Jorge, no depoimento do editor, ele executa uma minuciosa análise dos
301
Ofício 650, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 30 de abril de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
113
diferentes fatores para a carestia do livro português, destacando, inclusive, o
fato do Brasil ter sido o principal mercado comprador do livro português
302
, e
de isto não ocorrer mais em virtude da mesma razão do livro brasileiro
encontrar-se em expansão no território português, ou seja, a desvalorização do
escudo português em relação à moeda brasileira. Neste momento, torna-se
interessante enumerar as medidas apontadas pelo editor para contornar os
problemas decorrentes da decadência do livro português:
1) realizar por todos os meios a educação e a instrução
das crianças na idade escolar e de todos os indivíduos
que as não receberam no momento conveniente; 2)
criação de um organismo de livraria no Brasil com o
auxílio efetivo do Estado; e 3) resolução prática e
imediata do problema dos portes do correio para o
Continente, Ilhas, Colônias e Brasil
e do preço do
papel e da impressão
303
.
Dessa forma, tendo-se em mente as medidas adotadas posteriormente
por Brasil e Portugal, no sentido de aproximação e difusão de suas culturas,
não causa estranhamento o fato de que as proposições apontadas pelo editor
da Costa, mais precisamente a segunda e a terceira, terem sido
contempladas no Acordo Cultural de 1941 e Postal de 1942, afinal, o livro
português possuía um grande mercado consumidor no Brasil
304
.
Do ponto de vista brasileiro, a questão da comercialização do livro
brasileiro em Portugal causava alguns questionamentos, pois existia a certeza
de que as dificuldades impostas para a exportação do livro brasileiro até
Portugal eram bem maiores, se comparadas àquelas apresentadas para a
entrada do livro português no Brasil, situação que acabava desencorajando o
302
Sobre este ponto o Embaixador brasileiro ainda deixa claro que “aquele editor não acredita
na possibilidade de reconquista desse mercado em vista do natural desenvolvimento das letras
brasileiras, dos recursos e facilidades de que dispõem os editores do Brasil e da situação do
escudo em relação ao nosso mil réis”. Idem.
303
Ofício 650, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro das Relações Exteriores do
Brasil, em 30 de abril de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938. Os grifos não constam
no original.
304
Referindo-se à expressiva presença do livro português no Brasil, o jornal A Gazeta divulga
que “estatísticas oficiais de Lisboa registram que em 1939 importamos 1 milhão, 787 mil
cruzeiros de livros lusitanos: em 1940, 1 milhão, 165 mil; em 1941, nada menos de 2 milhões,
114
exportador brasileiro, tendo em vista que “para o embarque de dois ou três
pequenos caixotes de livros, a Fiscalização bancária exige as mesmas coisas,
a mesma complicada papelada que exige para a exportação de uma grande
partida de tecidos, de cacau ou de café”
305
. A descrição desta situação explica
o retraimento dos editores brasileiros em relação à exportação do livro
brasileiro para Portugal, até mesmo em decorrência do fato da “tarifa de livros
para Portugal ser proibitiva: seis cruzeiros por dois quilos de livros. Para a
Espanha esses mesmos dois quilos custariam dois cruzeiros”
306
.
Neste sentido, cabe destacar a iniciativa de Antônio de Souza Pinto, o
qual visando a divulgação do livro brasileiro em solo português, em 1944, funda
a empresa Livros do Brasil, tendo em vista que o empreendimento objetivava a
importação e distribuição de livros que haviam sido editados no Brasil
307
.
Olhando por este ângulo e tendo-se em mente a aproximação cultural
luso-brasileira e o interesse na difusão do livro português e brasileiro, “pois
justo seria que algo lhes fosse facilitado numa obra, que é mais de
aproximação cultural, pelo menos atualmente, do que de negócio e lucro”
308
,
não causa surpresa a assinatura do acordo postal luso-brasileiro, em 1942
309
.
Causa menos estranheza, ainda, o fato de que um ano após a assinatura do
Acordo Postal entre Brasil e Portugal com a diferença de o local de
assinatura, agora, ser o Rio de Janeiro ter sido complementado por outro,
desta vez abrangendo a área telegráfica. Este foi assinado pelo Embaixador de
Portugal no Brasil, Dr. Martinho Nobre de Mello e por Oswaldo Aranha, ministro
495 mil”. O livro brasileiro e o livro português. In: Jornal A Gazeta, São Paulo, em 30 de junho
de 1943, p. 4.
305
Idem.
306
Jornal A Gazeta, São Paulo, em 30 de junho de 1943, p. 4.
307
MAGALHÃES, José Calvet de. As relações culturais recíprocas no século XX. In: CERVO,
Amado; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das caravelas. As relações entre Portugal e
Brasil: 1808-2000. Op. cit., p. 361.
308
Jornal A Gazeta, São Paulo, em 30 de junho de 1943, p. 5.
309
Com referência à publicação do artigo, o Consulado de São Paulo emite um ofício onde se
pode identificar a ação portuguesa no sentido de neutralizar a visão negativa acerca do
assunto, tendo em vista as afirmações feitas pelo Cônsul paulista no sentido de que “por
intermédio de pessoa amiga, elucidei a redação daquele jornal sobre a injustiça com que nos
acometiam, e expuz a verdadeira situação solicitando-lhe o obséquio duma retificação”. Ofício
nº 433, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, emde julho de
1943. M. N. E., 2º Piso, Armário 48, Maço 233 A.
115
das Relações Exteriores do Brasil
310
. Em linhas gerais, o Acordo Telegráfico de
1943 objetivava o estreitamento das relações luso-brasileiras e, para isto,
determinava:
entre os dois povos, e como lógico complemento do
Acordo Postal, firmado em Lisboa em 30 de Abril de
1942, resolvem, em conformidade com o artigo 13 da
Convenção Internacional de Telecomunicações, firmada
em Madrid em Setembro de 1932, celebrar o presente
Acordo para o estabelecimento de um serviço
telegráfico
311
.
Por isso, o artigo primeiro estabelecia “uma taxa telegráfica especial a
cobrar do público em moeda de cada país, equivalente a um franco-ouro por
palavra dos telegramas normais ordinários”
312
e determinava que os
telegramas emitidos do Brasil ficariam inicialmente concentrados em Lisboa
para depois serem distribuídos pela via designada Portucale e que processo
semelhante aconteceria aos telegramas portugueses, tendo em vista que eles
ficariam concentrados no Rio de Janeiro para, posteriormente, serem irradiados
através da via escolhida pela administração brasileira
313
. Passado um pouco
mais de um ano após o término do Estado Novo no Brasil, em 10 de dezembro
de 1946, Portugal e Brasil assinaram um novo acordo abrangendo esta área;
em Lisboa, contudo, desta vez, almejavam assegurar as comunicações
regulares entre lusos e brasileiros
314
.
2.6 As Convenções Ortográficas de 1943 e 1945
O decreto do Estado Novo no Brasil, em novembro de 1937, propiciou
uma grande concentração de poderes ao presidente Getúlio Vargas. Tanto que
310
Acordo Postal Luso-Brasileiro, assinado no Rio de Janeiro, em 30 de abril de 1943. Tratados
e actos internacionais: Brasil-Portugal. Op. cit., pp. 179-180.
311
Acordo Postal Luso-Brasileiro, assinado em Lisboa, em 30 de abril de 1942. Ver anexos
deste trabalho.
312
Idem.
313
Ibidem, determinações do 3º artigo do Acordo Postal Luso-Brasileiro.
314
Tratados e actos internacionais: Brasil-Portugal. Op. cit., pp. 203-210.
116
em fevereiro de 1938, numa nítida demonstração de força, Vargas, pelo
Decreto-Lei 292, repôs em vigor o Acordo Ortográfico de 1931, que havia sido
estabelecido entre Brasil e Portugal
315
. Entretanto, a falta de sincronia, no que
diz respeito ao desenvolvimento do acordo em Portugal e no Brasil, gerou a
necessidade de sua regulação e a negociação de uma nova convenção do
sistema ortográfico utilizado nos dois países. Fato que veio a ser confirmado
pela adoção do Acordo Ortográfico de 1943
316
.
Visto por este ângulo, o Acordo Ortográfico de 1943, assinado
simultaneamente em Lisboa e no Rio de Janeiro, constituiu um prolongamento
do Acordo anteriormente firmado entre a Academia das Ciências de Lisboa e a
Academia Brasileira de Letras, em 30 de abril de 1931
317
. Na assinatura deste
Acordo o Brasil foi representado em Portugal pelo embaixador Dr. José
Bonifácio de Andrada e Silva e, no território brasileiro, Portugal foi representado
pelo Dr. Júlio Dantas
318
. Por determinação do Acordo, a Academia Brasileira
de Letras passaria a usar a ortografia oficialmente utilizada em Portugal, mas
com as modificações por ela propostas e aceitas pela Academia das Ciências
de Lisboa
319
. Contudo, ressalta-se que a questão da união ortográfica há muito
tempo vinha ocupando as páginas dos jornais brasileiros e portugueses;
inclusive, havia sido discutida por ocasião do Acordo Cultural assinado entre
Brasil e Portugal, em setembro de 1941, e que sua adoção constituiu o produto
resultante das negociações entre o ministro Gustavo Capanema e o governo
315
MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações diplomáticas entre Brasil e
Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 86.
316
Não se pode deixar de mencionar, neste momento, que a ngua constituiu um fator de
grande argumento àqueles que defendiam a aproximação luso-brasileira, afinal, o idioma
representa um traço de união inquestionável entre os dois países. E, por isso mesmo, as
inúmeras tentativas de padronização da língua portuguesa utilizada no Brasil e em Portugal.
317
“O governo português, pela Portaria 7177, de 27 de maio de 1931, oficializou o acordo entre
as duas academias. O Brasil aprovou também oficialmente esse acordo pelos Decretos 20108,
de 15 de junho de 1931, e 23028, de 2 de agosto de 1933”. MAGALHÃES, José Calvet de.
Breve história das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. Op. cit., p. 86.
318
É interessante observar que tanto em Portugal, como no Brasil, surgiram inúmeras
manifestações contrárias à unificação ortográfica entre os dois países. No Brasil, ressalta-se o
fato da nova Constituição, promulgada a 16 de julho de 1934, sequer ter respeitado o acordo e
apresentar a ortografia referente à primeira Constituição republicana, tanto que,
paradoxalmente, o seu artigo 26, trazia à tona, novamente, o problema da falta de unificação
ortográfica entre Brasil e Portugal.
319
Tratados e Actos Internacionais: Brasil-Portugal. Lisboa: Embaixada do Brasil, 1962, pp.
184-185.
117
de Portugal. Aliás, o próprio Embaixador português do Rio de Janeiro já havia
telegrafado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 16 de junho de 1942,
em caráter “confidencialíssimo” e “urgente”, transmitindo o anseio do ministro
da Educação, Gustavo Capanema, como se pode verificar a seguir:
Não havendo em Portugal vocabulário nossa língua
oficialmente adotado conviria fazê-lo imediatamente para
que Governo brasileiro dentro espírito declaração
Ministro da Educação Nacional feita algum tempo
como V. Exa. sabe possa também adotá-lo pois seria
ilógico este Governo fazê-lo sem aquela solução prévia.
Ministro lembra que se Governo Português assim o
prefere poderão ambos os governos fazer referida
adoção simultaneamente. Ministro acrescenta que tendo
constituído vocabulário Gonçalves contribuição Academia
de Ciências de Lisboa na comemoração centenários
nenhum outro pareceu conveniente quaisquer que sejam
seus verdadeiros méritos. Depois das medidas indicadas
os dois Governos assinariam convenção diplomática
segundo a qual nenhuma modificação seria feita no
vocabulário oficializado para ambos os países sem mútuo
acordo prévio o que constituiria resolução definitiva
uniformidade ortográfica nossa língua comum contra
a qual opinião nativista está desenvolvendo forte
campanha. Ministro pede toda a conveniência urgência
pois sabe que Academia Brasileira Letras está
apressando vertiginosamente conclusão seu vocabulário
próprio o que uma vez feito tiraria toda a autoridade
Governo brasileiro para adotar vocabulário Academia
portuguesa
320
.
Mesmo com as advertências feitas acima, as providências não foram
tomadas de imediato, tanto que em 23 de junho de 1942, a Embaixada
portuguesa do Rio de Janeiro envia um novo telegrama expressando a
cobrança por parte do ministro Capanema com referência à falta de um
posicionamento português no que diz respeito à ausência de um vocabulário da
língua portuguesa. Inclusive, o ministro comunica que se, por acaso, Portugal
não se encontre em condições de fazê-lo, que isto seja comunicado ao Brasil o
mais breve possível, “pois nesse caso terá de retomar liberdade de ação
320
Telegrama 144, da Embaixada do Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 16 de junho de 1942. M. N. E., piso, Armário 48, Maço 233 A. Os grifos
não constam no original.
118
ordenando imediata organização pelo seu Ministério dum vocabulário brasileiro
da língua portuguesa visto não poder protelar mais tempo execução dessa
parte importante sua recente reforma”
321
. No mesmo telegrama, o Cônsul ainda
reproduz o alerta feito por Capanema, de que no Brasil se verifica um momento
em que estão a “editar-se e projetar-se vários vocabulários de diversas
iniciativas que se disputam oficialização criando-lhe sérias dificuldades”
322
, o
que, por sua vez, implica em uma tomada de posicionamento urgente por parte
de Portugal.
Certamente, esta “cobrança” por parte do ministro Gustavo Capanema
agilizou uma articulação por parte de Portugal no sentido de atendimento ao
seu pedido, tanto que em 29 de dezembro de 1943, na cidade de Lisboa, foi
assinada uma Convenção Ortográfica entre os dois países. Composta por
quatro artigos, em linhas gerais, a Convenção determinava a “colaboração em
tudo quanto diga respeito à conservação, defesa e expansão da língua
portuguesa, comum aos dois países”
323
. Entretanto, destaca-se que a partir da
análise da correspondência encaminhada ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros de Portugal, se torna cil inferir que o sentimento nativista,
corrente largamente difundida no Brasil durante o Estado Novo, ameaçava os
interesses de Portugal na medida em que visava “substituir”, ou mesmo
contrabalançar, a cultura portuguesa aqui desenvolvida. Tal fato causava
grandes temores aos portugueses, como a análise do trecho abaixo permite
inquirir:
Uma das facetas por que se está processando, no Brasil,
o combate à cultura e à tradição portuguesa, é o que
pode ser chamado de “indigenismo”, isto é, a valorização
do elemento índio, indígena, na vida cultural, literária e
321
Telegrama 153, da Embaixada do Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 23 de junho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
322
Idem.
323
Tratados e Actos Internacionais. Brasil-Portugal, pp.181-183. Na seqüência, o segundo
artigo da Convenção Ortográfica determinava que “obrigam-se a estabelecer, como regime
ortográfico da língua portuguesa, o que resulta do sistema fixado pela Academia Brasileira de
Letras e Academia das Ciências de Lisboa”; o terceiro estipulava que “nenhuma providência
legislativa ou regulamentar, sobre matéria ortográfica, deverá ser de futuro posta em vigor, por
qualquer dos dois Governos, sem prévio acordo com o outro, depois de ouvidas as duas
Academias” e, por fim, o quarto artigo nomeava as Academias Brasileira e Portuguesa como
“órgãos consultivos dos seus respectivos Governos”.
119
política federal. O adjunto recorte que tenho a honra de
remeter a V. Exa. ilustra a afirmação anterior. Trata-se de
mais um artigo do sr. Mario Melo (...) no qual o seu autor,
atualmente em Goiânia, capital do Estado de Goiás,
como representante oficial deste Estado de Pernambuco,
presta o seu aplauso, de jornalista e político que “há
seguramente 30 anos” se vem batendo pela “adoção de
nomes indígenas para as localidades”, à decisão da
Assembléia de Geografia de 1942, ainda decorrendo,
que votou não a proibição de nomes de pessoas vivas
para designações geográficas mas, quanto a estas, a
“preferência aos nomes indígenas”. em vários artigos
de jornal e revista, e até em livros, tenho observado que
se está atualmente processando no Brasil, bem
articulado e intencional, um premeditado combate à
tradição portuguesa nestas terras. Depois da
Independência, em 1822, o Brasil conheceu uma era de
“lusofobia” que se refletiu na literatura, por exemplo, nas
estrofes de Castro Alves e nos romances de Jo de
Alencar, a qual tomou um duplo aspecto político-
sentimental: a valorização do negro (que mais tarde
originaria o movimento libertário anti-escravagista que
tanto mal econômico produziu no Brasil) e a exaltação do
índio tupi, guarani ou cariri, através das visagens
românticas das Iracemas, dos Guaranis, etc., etc... Nos
poemas “Navio negreiro” e das “Vozes da África”, o poeta
Castro Alves, (novamente em voga, agora), combateu
Portugal com verdadeiro ódio revolucionário.
324
A corrente indianista, com ênfase no período da Semana de Arte
Moderna de 1922, muito tempo vinha arregimentando adeptos no Brasil, o
que gerava uma grande preocupação aos portugueses, receosos que estavam
com uma possível perda de espaços. Neste sentido, o Cônsul de Pernambuco,
Manuel Anselmo, fazendo referência ao artigo “A propósito da unificação da
ortografia”, de Gilberto Freyre, publicado no jornal Diário de Pernambuco, em
11 de outubro de 1942, evidencia temor semelhante ao comentar que:
um novo artigo do sr. Gilberto Freyre, acerca de quem,
por telegrama e ofício, tenho informado oportunamente
essa Secretaria de Estado. Desta vez, embora elogiando
a unificação de ortografia aprovada pelo Ministro
Capanema, o sr. Gilberto Freyre pretende ridicularizar
(numa alusão nem sequer velada ao sr. Antônio Ferro),
324
Ofício 147, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em
23 de julho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
120
os portugueses “ingênuos e até cômicos” que, “cheios de
Vossa excelência e falando muito em Império e em
Portugal daquém e dalém mar”, pretendem, segundo ele,
“por meios docemente culturais”, recolonizar o Brasil.
Terá V. Exa., assim, o ensejo de reconhecer quão inimigo
é este escritor, aliás inteligente e culto, que s o seu
valor ao serviço dos ideais comunizantes e pan-
americanos
325
.
O conteúdo do ofício emitido pelo Cônsul Anselmo demonstra uma
grande indignação para com o escritor Gilberto Freyre, tendo em vista o fato
dele “minimizar” a influência portuguesa na colonização do Brasil. Por outro
lado, é importante destacar que o Cônsul português realiza uma interpretação
equivocada do artigo de Freyre; afinal, minimizar não significa o mesmo que
negar. Na prática, o que ocorre neste momento é que em virtude de uma
aproximação do escritor pernambucano aos Estados Unidos, ele passa a ser
mal visto pelo Cônsul português
326
. Por fim, neste momento, tudo o que
Portugal (e sua representação diplomática no Brasil) almeja é uma
aproximação maior com o Brasil e a ligação de um escritor do porte de Gilberto
Freyre – que transita na órbita do ministro Gustavo Capanema – com os
americanos pode, no entendimento português, representar um problema para a
aproximação luso-brasileira.
Com relação ao mencionado artigo de Freyre A propósito da
unificação da ortografia há que se mencionar que houve um equívoco de
interpretação por parte do Cônsul Manuel Anselmo
327
, finalmente, no artigo, o
escritor pernambucano concebe a unificação ortográfica como uma ação muito
325
Ofício 151, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em
13 de agosto de 1942. Grifos do Cônsul. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
326
Em 1942, o escritor Gilberto Freyre teve seu nome incluído no corpo docente da
Universidade de Iale, nos Estados Unidos, fato que foi amplamente divulgado pela imprensa
brasileira como um acontecimento de “excepcional distinção da intelectualidade brasileira”.
Telegrama 159, da Embaixada do Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 26 de junho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
327
O equívoco na interpretação ocorre por conta da afirmão que não deixa de apresentar
uma certa ironia, é fato de Gilberto Freyre de que “há, não digo que não, portugueses
ingênuos e até cômicos, cheios de Vossa Excelência’ e falando muito em ‘Império’ e em
‘Portugal d’aquém e d’alem’, que supõem possível tal recolonização por meios docemente
‘culturais’ que se alongariam em econômicos e políticos”. No entanto, na seqüência do texto,
Gilberto Freyre deixa claro que este posicionamento constitui uma exceção à regra. FREYRE,
Gilberto. A propósito da unificação da ortografia. Jornal Diário de Pernambuco, Recife, em 11
de agosto de 1942, p. 3.
121
favorável ao estabelecimento de relações do Brasil com Portugal e suas
colônias africanas, asiáticas e atlânticas. Freyre até tece críticas a alguns
portugueses que tencionam um tipo de volta ao passado colonial e este
pensamento é direcionado, basicamente, ao diretor do SPN, Antônio Ferro
mas deixa claro que esta não é a regra geral e chega a ridicularizar este tipo de
pensamento quando afirma que “só muita ingenuidade animaria alguém a se
opor à unificação da ortografia portuguesa, alegando que sob ela se esconde
uma forma sutil de recolonização do Brasil por Portugal”
328
. No artigo, mais
adiante, Freyre coloca um ponto final na discussão e nos temores levantados
pelo Cônsul português ao afirmar que “a unificação da ortografia não é
manobra de tão estreita lusitanidade (...), tal unidade está no interesse do
Brasil, como de Portugal, que se afirme, que se positive, que se manifeste em
produtos sociais e de cultura”
329
.
Neste mesmo sentido, um outro fato importante de se trazer à tona
neste momento do texto é uma conferência de Gilberto Freyre, intitulada “Uma
cultura ameaçada: a luso-brasileira”, ocorrida em 1940, tendo em vista que o
conteúdo desta palestra constitui uma grande contribuição do autor à difusão
da cultura portuguesa no Brasil. Esta ocorreu por ocasião das festividades
relacionadas ao Centenário da Fundação de Portugal e o da sua Restauração,
em Pernambuco, sendo organizada pelo Gabinete Português de Leitura do
Recife e presidida pelo próprio Cônsul Manuel Anselmo
330
. Para o deixar
dúvidas sobre o seu posicionamento com relação à cultura e aproximação do
Brasil a Portugal, Freyre inicia a conferência tratando os centenários
portugueses como centenários também brasileiros
331
. Logo em seguida, ele
destaca a sua contribuição à causa da cultura portuguesa, advertindo que
328
Jornal Diário de Pernambuco, Recife, em 11 de agosto de 1942, p. 3.
329
Idem.
330
A referida celebração aconteceu na tarde de 2 de junho de 1940, por ocasião de uma
sessão solene realizada pelo governo português e portugueses moradores em Pernambuco,
sendo presidida por Manuel Anselmo, então Cônsul de Portugal no Recife.
331
Sobre este ponto, Gilberto Freyre justifica: Porque se um deles é para nós, do Brasil,
acontecimento pré-natal, nem por isso deixa de ser nosso, como nossa é a língua portuguesa,
como nosso é o Convento de Cristo, nosso, Santo Antônio de Lisboa (...): tudo passado
comum, valor comum, fonte comum de vida, de cultura, de sentimento, tanto para brasileiros
como para portugueses; tanto para portugueses da Europa como da Índia, da África, das Ilhas,
de Macau. Do outro acontecimento – a Restauração o Brasil participou com o seu sangue de
122
venho contribuindo modesta mas conscientemente desde
os meus primeiros estudos de adolescente para a
reabilitação da figura por tanto tempo caluniada do
colonizador português no Brasil; para a reabilitação da
obra por tanto tempo negada ou diminuída da
colonização portuguesa na América; para a reabilitação
da cultura luso-brasileira, ameaçada hoje, imensamente
mais do que se pensa, por agentes culturais de
imperialismos etnocêntricos, interessados em nos
desprestigiar como raça que qualificam de “mestiça”,
“inepta”, “corrupta” e como cultura que desdenham
como rasteiramente inferior à sua
332
.
Os “imperialismos” e os perigos que estes representam para o Brasil e
Portugal a que se refere Gilberto Freyre na citação, são aqueles provenientes
da Alemanha e Itália, como fica claro na sua conferência, no momento em que
ele afirma “a excursão que fiz há pouco aos Estados do Sul do Brasil
proporcionou-me a oportunidade de ver nitidamente confirmados os perigos
para a integridade luso-brasileira de cultura de que não podemos nos
desinteressar”
333
. Ora, deve-se ter em mente que os Estados da região sul,
justamente por terem um grande número de colônias de imigrantes alemães e
italianos, representavam o maior núcleo de difusão dos países autoritários da
Europa no Brasil e não os núcleos de colonização portuguesa; portanto, os
temores do Cônsul não têm razão de ser.
Conseqüentemente, pelo exposto, fica clara a idéia de que o escritor
Gilberto Freyre o figura nenhum problema para a difusão da cultura
portuguesa. Tanto é verdade, que os seus trabalhos acerca da colonização, da
mestiçagem e da reciprocidade cultural nos trópicos são contribuições diretas
para o estreitamento das relações luso-brasileiras
334
. O problema residia,
colônia adolescente”. FREYRE, Gilberto. Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira. 3. ed.
Recife: Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, 1980, p. 23.
332
Idem, p. 25.
333
Ibidem, p. 47.
334
Sobre o assunto, entre outros, ver: RAMPINELLI, Waldir José. As duas faces da moeda – as
contribuições de JK e Gilberto Freyre ao colonialismo português. Florianópolis: EDUSFC, 2004.
Neste mesmo sentido cabe destacar que, em agosto de 1951, a convite de Sarmento
Rodrigues ministro do Ultramar Gilberto Freyre viaja a Portugal, bem como às províncias
ultramarinas e, como resultado direto desta viagem de estudo, Freyre publica duas obras:
“Aventura e rotina” e Um brasileiro em terras portuguesas”. Nestes livros, o autor usa pela
primeira vez o conceito de luso-tropicalista, legitimando desta forma a política colonial realizada
por Portugal, o que denota o seu comprometimento para com a política salazarista.
123
justamente, na ligação de Freyre com os Estados Unidos, uma vez que
Portugal procurava de todas as formas preencher os espaços deixados pela
Alemanha e a Itália e, por isso mesmo, não via com bons olhos a aproximação
norte-americana. Inclusive, procurava contrabalançar a iniciante penetração
cultural dos Estados Unidos, elaborando “estudos críticos sobre alguns dos
melhores escritores portugueses que o mesmo Adido pretende ver aditados no
Brasil, a fim de contrabalançar a influência da cultura norte-americana, cada
vez mais sensível naquele país”
335
. Nesta direção, merecem destaque as
atividades portuguesas realizadas no Brasil visando a difusão dos escritores
portugueses, como é o caso de Camões: “foi justamente partindo [da] idéia [de]
ser ele produto [da] nossa raça histórica e cultural, o apresentei como supremo
traço de união entre Portugal e o Brasil e guia espiritual [das] duas pátrias”
336
.
Como se pode constatar nos parágrafos anteriores, a aproximação luso-
brasileira vicejou alguns conflitos do ponto de vista português. Entretanto,
que se destacar que estes problemas não o exclusividade lusa, pois o
cenário brasileiro também vivencia situação semelhante. Os primeiros meses
do ano de 1943 trazem à tona uma divisão no cenário cultural brasileiro de São
Paulo, no momento em que ocorre uma formação antagônica entre intelectuais
brasileiros e portugueses. Um exemplo deste fato é o conflito envolvendo o
crítico literário português Fidelino de Figueiredo e o professor Urbano Canuto
Soares ambos da Universidade de São Paulo em virtude da eleição do
primeiro para o cargo de sócio correspondente da Academia Brasileira de
Letras
337
.
Outra discussão muito freqüente às ginas dos periódicos brasileiros
da época diz respeito à influência da língua tupi-guarani na cultura brasileira.
Aliás, há toda uma corrente de autores que, desde a Semana de Arte Moderna
de 1922, defendem o indígena e sua contribuição cultural para o país como
fator exclusivo de identidade nacional. A existência deste movimento nativista,
como era de se esperar, causa uma grande movimentação por parte dos
335
Ofício 11, do Consulado de o Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 5 de
março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
336
Telegrama nº 23 da Embaixada do Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 29 de julho de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
124
funcionários portugueses aqui residentes. Exemplo claro desta afirmação é um
ofício do Cônsul português de Pernambuco, em 1942, momento em que ele
afirma: “uma das facetas por que se está processando, no Brasil, o combate à
cultura e à tradição portuguesa, é o que pode ser chamado de ‘indigenismo’,
isto é, a valorização do elemento índio, indígena, na vida cultural do Brasil”
338
.
Fazendo uma alusão ao momento posterior à emancipação política, em 1822, o
qual, no seu entendimento, representa uma era de lusofobia, inclusive com
reflexos na literatura de José de Alencar e Castro Alves apesar de longa a
citação – é interessante avaliar a comparação que o Cônsul efetua com relação
aos momentos históricos, bem como as “ameaças” existentes à época:
Parece-me oportuno sublinhar que, neste momento,
ainda que sob um aspecto sentimental e romântico, se
esboça o reinício da mesma atmosfera,
aparentemente nacionalista porquanto a sua finalidade é
libertária, inspirada pela Maçonaria, pelo Komitern e
pelos agentes do imperialismo yankee. Um livro do sr.
Afonso Arinos de Melo Franco (...) intitula-se “O indígena
brasileiro e a revolução francesa”, no qual pretende o
autor sincronizar os postulados revolucionários do negro
“indígena” deste país, evidenciados desde o começo da
própria época colonial, com o movimento libertário da
Enciclopédia no combate ao mundo e á cultura feudal.
Tudo, com o fito de valorizar o indígena, fixando neste
uma personalidade que, em seu entender, é a única que
deve caracterizar especificamente o Brasil. O escritor
Sérgio Buarque de Holanda, no seu livro “Raízes do
Brasil”, embora com certa simpatia pelos portugueses,
fala do índio e do negro como de valores representativos
brasileiros. A contribuição portuguesa foi, no entender
desses sociólogos, exclusivamente étnica, quase se
limitando a uma colaboração sexual com as indígenas.
Eis, em linhas gerais, a geografia da ameaça, intencional,
organizada e cautelosa, atualmente pairando sobre a
cultura portuguesa nestas terras
339
.
337
Jornal Diário Popular, São Paulo, em 13 de maio de 1943, p. 5.
338
Ofício 78, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 15
de julho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
339
Ofício 78, do Consulado de Pernambuco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 15
de julho de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A. Os grifos constam no original.
125
A citação expressa acima traduz toda a indignação do Cônsul português
para com os autores que defendem a importância de outras influências étnicas
na cultura brasileira e não somente a portuguesa, como deseja Manuel
Anselmo. Tanto é verdade que, um ano depois, em 1943, o Cônsul volta à cena
das discussões. Mas, desta vez, mostra grande indignação para com a
imprensa brasileira, e o motivo para tamanha irritação é a publicação de um
artigo de Mário Melo, intitulado “Língua tupi-guarani”. No referido artigo Melo
tece algumas ponderações sobre o memorando enviado pelo general Rondon a
Getúlio Vargas e ao ministro Gustavo Capanema comentando de que seria
conveniente a criação de uma cadeira da língua tupi-guarani, na Universidade
do Brasil. Aliás, no artigo, Melo não aplaude a sugestão como, também,
indica que “o ensino da Língua Tupi deveria ser ministrado nos ginásios e nos
colégios”
340
. Na verdade, o que mais causa indignação ao Cônsul português e
o leva a escrever e solicitar providências ao diretor do S.P.N. é a primazia que
Melo estabelece à língua tupi-guarani declarando: “foi a língua de nossos
avós”
341
.
Contudo, a confusão reinante no país não se limitou às discussões
provenientes da falta de espaço para a difusão da língua e cultura portuguesas.
É preciso deixar este cenário de discussões acerca da contribuição da língua
portuguesa para a cultura brasileira e ressaltar que, em 1940, a Academia das
Ciências de Lisboa havia publicado o Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa e, em 1943 (mesmo ano de publicação da Convenção Ortográfica
a ser utilizada em Portugal e no Brasil), a Academia Brasileira de Letras
publicou o seu Vocabulário e, como não havia concordância entre ambos, o
assunto voltou à cena das discussões. Diante desta nova situação, os
governos português e brasileiro decidiram “que o melhor caminho a seguir seria
a vinda a Portugal duma delegação da academia de Letras, a fim de,
conjuntamente com outra da Academia das Ciências de Lisboa, elaborarem
nova e definitiva convenção ortográfica”
342
. E assim ocorreu. De julho a outubro
de 1945 a delegação brasileira, constituída pelo historiador Pedro Calmon, Rui
340
MELO, Mário. Língua tupi-guarani. In: Jornal Pequeno, Recife, em 6 de abril de 1943, p. 3.
341
Idem.
342
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 121.
126
Ribeiro Couto, Olegário Mariano e José de Nunes, trabalhou aliada à
delegação portuguesa, que era composta por Gustavo Cordeiro Ramos, José
Maria de Queiróz Veloso, Luiz da Cunha Gonçalves e Francisco da Luz Rebelo
Gonçalves; como resultado direto do trabalho destas duas delegações, ocorreu
a assinatura da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, em Lisboa, a 8 de
dezembro de 1945
343
.
Por fim, a título de conclusão desta parte, destaca-se que o término do
Estado Novo no Brasil arrefeceria a aproximação cultural luso-brasileira no que
se refere ao aspecto ortográfico e os acordos dela decorrentes, tendo em vista
que após a saída do presidente Vargas e a posterior eleição do marechal
Eurico Gaspar Dutra à Presidência do país, o governo brasileiro comunica a
Martinho Nobre de Mello, Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro que, em
virtude de terem “os dois acordos, de 1943 e 1945, sido aprovados no Brasil
por decreto simples e não por decreto-lei, como era exigido, o governo
brasileiro estava obrigado a submetê-los à aprovação do Congresso”
344
. Muito
embora a intervenção de Vargas por ocasião de sua volta à presidência do
Brasil, em 1951, o Congresso brasileiro o efetivou a aprovação da
Convenção Ortográfica de 1945. Todavia, as divergências na aplicação do
sistema ortográfico nos dois países não arrefeceram as iniciativas de
aproximação cultural luso-brasileira, prova disto constitui o acordo de
cooperação intelectual, em 1948, e o Tratado de Amizade e Consulta, em
1953, os quais representam uma espécie de produto final deste período de
intensa aproximação cultural luso-brasileira
345
.
Pelo exposto até agora, percebe-se o quanto as relações culturais luso-
brasileiras evoluíram por ocasião do Estado Novo brasileiro (1937-1945), tendo
em vista os interesses culturais de ambos os países e o fato de que “as
afinidades ideológicas têm um papel na aproximação diplomática de Portugal e
Brasil (...). É o paralelismo do ‘Estado Novo’ de Salazar e do ‘Estado Novo’ de
343
Tratados e actos internacionais: Brasil-Portugal. Op. cit., pp. 184-201.
344
MAGALHÃES, José Calvet de. MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações
diplomáticas entre Brasil e Portugal. Op. cit., p. 87.
345
CERVO, Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Depois
das caravelas. As relações entre Portugal e Brasil (1808-2000). Op. cit., pp. 271-275.
127
Vargas que explica, por exemplo, o Acordo de 1941”
346
. Todavia, o
estreitamento das relações luso-brasileiras processar-se-á, também, no campo
econômico, principalmente por ocasião da assinatura do Protocolo Adicional ao
Tratado de Comércio e Navegação de 1933 entre Brasil e Portugal, em 1941,
cuja análise será abordada no próximo capítulo.
346
LAFER, Celso. Prefácio. In: MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações
diplomáticas entre Brasil e Portugal. Op. cit., p. 16.
128
CAPÍTULO 3
EXPANSÃO DO INTERCÂMBIO COMERCIAL LUSO-
BRASILEIRO
Estão, pois, abertos novos horizontes
às relações econômicas luso-brasileiras.
Nas negociações do novo Tratado e nestes trabalhos
que as preparam há a segurança da
intensificação das relações comerciais luso-brasileiras
347
.
A Revolução de 1930 acarretou inúmeras transformações no país.
Dentro deste quadro destaca-se o aspecto econômico e as relações
desenvolvidas por Getúlio Vargas, nesta área, a partir da década de trinta do
século XX. Afinal, com Vargas à frente do executivo nacional, o país afastou a
tradicional relutância brasileira no que respeita à assinatura de tratados
comerciais com a sua antiga metrópole. Dentro deste quadro destaca-se o
Tratado de Comércio e Navegação, assinado no Rio de Janeiro, a 26 de agosto
de 1933, e o Protocolo Adicional a este, assinado em Lisboa, em 21 de julho de
1941.
Como poderá ser constatado neste capítulo, o decreto do Estado Novo
no Brasil, em 10 de novembro de 1937, e as afinidades ideológicas luso-
brasileiras daí resultantes abriram espaço para uma intensificação nas relações
129
econômicas entre Brasil e Portugal. Também poderá ser observado que
Portugal assumiu a frente nestas negociações de reaproximação, afinal, a
iniciativa do envio da missão econômica portuguesa ao Brasil que
desenvolveu amplo trabalho em defesa do aumento nas relações econômicas
luso-brasileiras – partiu e teve impulso direto do governo português.
3.1 A política externa econômica luso-brasileira durante a vigência do
Estado Novo no Brasil
Em meados da cada de trinta do século XX, o cenário internacional
ainda vivenciava um retraimento do corcio em virtude da crise deflagrada
pelo crack da Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929. Associado
a este fator, aponta-se o fato dos governos do Brasil e de Portugal com
peculiaridades e nuances próprias – assumirem uma fisionomia de caráter
nacionalista e autoritária, originando, em ambos os países o Estado Novo.
Entretanto, em termos de condução política há variações entre as duas nações,
pois enquanto Getúlio Vargas investia em um incipiente processo de
industrialização com base em uma formação social e sindical tutelada pelo
Estado por meio da adoção de uma legislação trabalhista ; por outro lado,
“Salazar imaginava a indústria tão somente para abastecer as necessidades
internas e mantinha o país no estágio do agrarismo para fazer de Portugal
horta e pomar da Europa
348
.
No caso do primeiro, a política externa desenvolvida pelo presidente
Getúlio Vargas objetivava conter o quadro econômico e financeiro internacional
gerado pela crise de 1929. A ocorrência desta crise, apesar de ser negativa
para as exportações de café
349
, acaba gerando um saldo positivo para o Brasil,
traduzido por incrementos na industrialização do país, tendo em vista que a
347
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 17 de novembro de 1941, p. 2.
348
RAMPINELLI, Waldir José. As relações do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961)
com Portugal as razões da contradição de JK. In: VIII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências
Sociais A questão social no novo milênio. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2004, p. 8.
Grifo do autor.
349
“O preço médio do café no exterior cai de 4.71 libras em 1929 para 2.69 em 1930; a
produção, em 1929, atinge 28.941.000 sacas e a exportação 14.281.000, sem se falar nos
estoques acumulados”. FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. In: MOTA, Carlos Guilherme.
Brasil em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969, p. 242. (Coleção
Corpo e Alma do Brasil)
130
redução nas exportações ocasiona a falta de recursos em moeda estrangeira
para a importação de produtos industrializados e que, diante dessa nova
realidade, resta ao Brasil a alternativa da produção interna em substituição às
importações
350
. Destaca-se que em todo este processo uma forte tendência
centralizadora da economia e com o advento do Estado Novo no Brasil esta se
acentuou ainda mais
351
.
Neste sentido, a industrialização do Brasil era apontada como a solução
para o rompimento com o agrarismo e a monocultura, pois para Getúlio Vargas
era necessário pôr fim à situação gerada pelo provincianismo da Constituição
de 1891, a qual estabelecia ao Brasil a mera condição de simples fornecedor
de matéria-prima e consumidor de produtos manufaturados
352
. Entretanto, para
o fomento do mercado interno, tornava-se cada vez mais necessário o
incremento das exportações brasileiras; afinal, para Vargas, estas eram tidas
como “fator primordial da riqueza nacional”
353
. Portanto, neste momento,
observa-se uma mudança de posicionamento em relação ao sistema
internacional, afinal, o desenvolvimento de uma prática de inserção positiva
350
Com relação ao crescimento industrial, o historiador Edgard Carone esclarece que “o
fenômeno do crescimento industrial, na verdade, é mundial e o Brasil é um dos países que
mais expandiram percentualmente a sua produção, entre 1930 e 1938: com o índice 100 em
1929, o Japão lidera o aumento, passando de 94,8 para 473,0, isto é, 378,2%; a Rússia vai de
130,9 para 470, com 339,1%; o Brasil, de 77,2 chega a 192,6, com 115,4%; a Holanda, de
102,1 passa a 104,1, com 2,0%; a Alemanha, de 85,9 chega a 126,2, com 40,3%. Se
focalizarmos o caso particular de cada atividade brasileira, vemos que, entre 1930 e 1939, os
produtos transformados crescem de 70 para 229%; a produção extrativa mineral, de 93 passa
a 317%; a produção industrial básica vai de 146 para 1.192%”. CARONE, Edgard. O Estado
Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Difel, 1976, pp. 57-58.
351
Com relação a este ponto Pedro Cezar Fonseca informa que “a Constituição de 1937, em
seus artigos 15 e 16, enumera nada menos que trinta e oito itens de competência exclusiva da
União, enquanto o artigo 20 dá a ela competência privativa para decretar impostos sobre
importações de mercadorias, de consumo, de renda e de transferência de fundos para o
exterior (...). Os artigos 74 e 75 enumeram mais vinte prerrogativas exclusivas do Presidente da
República, destacando-se a possibilidade de decretar estado de emergência, intervir nos
estados e dissolver a Câmara de Deputados. Dentro desta perspectiva, intervencionismo,
regime ditatorial e esvaziamento do poder político dos estados apresentam-se como aspectos
indissociáveis de um mesmo processo cujo resultado associou-se ao fortalecimento da
economia nacional ou, em outras palavras, à modernização e ao aprofundamento das relações
capitalistas no país”. FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o capitalismo em construção
(1906-1954). São Paulo: Brasiliense, 1989, pp. 254-255.
352
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. II. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio,
1938, pp. 53-54.
353
Idem, p. 213.
131
dentro da nova ordem mundial em construção
354
, ou seja, “pela articulação das
políticas externa e interna, buscavam-se insumos e oportunidades de fora para
promover um desenvolvimento auto-sustentado, promovido de dentro”
355
.
Do lado português, todavia, a política externa não constituiu foco de
interesse principal do Estado Novo em Portugal; muito pelo contrário, na
prática, o que se verifica é que as questões externas são tomadas como uma
preocupação secundária; este posicionamento irá perdurar até o início da
guerra civil espanhola, em 1936
356
. Até este momento, o governo de Salazar
direciona a sua atenção à resolução dos problemas internos e à consolidação
do Estado Novo português, evidenciando um traço típico da diplomacia
portuguesa, que pode ser traduzido pela marginalização dos conflitos
europeus
357
.
Contudo, com o passar do tempo, a política externa portuguesa
salazarista irá adquirir uma outra fisionomia e assentar-se-á, basicamente, em
três pontos: na defesa do império colonial, na independência do poderio
espanhol e, como não poderia deixar de ser, na sobrevivência do Estado Novo
português com base no apoio luso-britânico, na amizade peninsular e na
aliança luso-brasileira
358
. Assim, as relações luso-brasileiras constituíam “ao
lado da aliança britânica e da estreita amizade peninsular, uma constante
subentendida da política externa portuguesa”
359
.
Desta forma, o desejo da constituição de uma comunidade luso-
brasileira orientou a política externa portuguesa em relação ao Brasil
360
. Para
acalentar este projeto de relações amistosas contribuía “o fato de o Brasil ser
354
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e política externa do Brasil: dos
descobrimentos à globalização. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1998, p. 44.
355
CERVO, Amado Luiz. O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 aos
nossos dias. Brasília: Ed. da UnB, 1994, p. 21.
356
A guerra civil espanhola teve início em 18 de julho de 1936 e se estendeu até de abril de
1939.
357
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). In: MATTOSO, José (Dir.). História de
Portugal – o Estado Novo (1926-1974). Portugal: Editorial Estampa, 1998, p. 295.
358
Antônio de Oliveira. Discursos e notas políticas (1935-1937). v. II. Coimbra: Coimbra
Editores, 1945, p. 146.
359
NOGUEIRA, Franco. As crises e os homens. Lisboa: Ática, 1971, p. 499.
360
ROSAS, Fernando. Saber durar (1926-1949). Op. cit., p. 76.
132
uma ex-colônia portuguesa e de parte das suas classes dominantes descender
de portugueses”
361
. Manuel Machado também reafirma este pensamento e,
inclusive, vai além ao destacar que:
Os fundamentos de uma Comunidade Luso-Brasileira
assentam também e, muito especialmente, em interesses
mútuos de ordem material, tanto econômicos como
geopolíticos e estratégicos, para além das bases
essenciais da formação histórica, da unidade lingüística e
das vivas e reais afinidades sócio-culturais
362
.
Aliás, em janeiro de 1943, Cristóvam Dantas
363
corrobora este
pensamento ao escrever no jornal Diário da Noite um interessante artigo
intitulado “A lei do destino”. Nele, o autor comenta a nomeação do gaúcho João
Neves da Fontoura como Embaixador brasileiro, em Portugal. Algumas das
considerações apontadas por Dantas tornam-se muito interessantes na medida
em que o autor faz uma análise da formação de vastos aglomerados políticos e
econômicos como a confederação dos povos anglo-saxônicos e avalia a
possibilidade de crescimento de países como a França, China, Índia, entre
outros. Entretanto, o que interessa diretamente a este trabalho é a sua análise
a respeito da aproximação luso-brasileira, tendo em vista o fato de o autor
apresentá-la como algo próprio, afinal, “a geografia e a história se combinaram
a fim de que um fitasse eternamente o outro. Portugal, vértice ocidental do
Continente europeu, prolonga-se, por assim dizer, no Brasil, ponta oriental
extrema da América
364
. Mais instigante ainda é a avaliação feita pelo autor no
que diz respeito às vantagens que essa aproximação poderia resultar ao Brasil:
Portugal pode oferecer ao Brasil uma base de primeira
ordem (...). As suas colônias, na orla atlântica, constituem
fundamentos valiosos para a política de transbordamento
361
SOUZA, Paula Margarida Fontes de. Dívida externa brasileira e os portadores de títulos em
Portugal (1930-1940). Dissertação apresentada à Faculdade de Letras do Porto, em 1999.
362
MACHADO, Manuel de Sá. Para uma comunidade luso-brasileira. Lisboa: Sociedade de
Geografia de Lisboa, 1973, p. 44.
363
Cristóvam Dantas é diretor da Publicidade e Propaganda e Serviços Estatísticos da
Secretaria de Agricultura do governo de São Paulo.
364
DANTAS, Cristóvam. A lei do destino. Jornal Diário da Noite, Lisboa, em 25 de janeiro de
1943, p. 3.
133
extra-americano, que teremos de levar a efeito. Guiné é o
ponto do continente africano mais próximo da América do
Sul. Angola é fronteiriça a Pernambuco e Baía. Cabo
Verde é indispensável à travessia aérea do Atlântico Sul,
apoiando-se em Fernando de Noronha. Moçambique
facilita as comunicações com a Rodésia e a União Sul-
Africana. Os Açores são imprescindíveis à navegação
aérea e marítima entre a Europa e a América do Norte.
Macau está às portas da China, quantitativamente o
maior mercado de consumo da terra, onde algum dia
ingressaremos
365
.
Além disso, o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, também
originou algumas transformações na economia do Brasil e de Portugal. Ao
primeiro propiciou um incentivo à sua política de industrialização, na medida
em que restringiu a oferta de mercados exportadores e proporcionou a sua
paulatina substituição por produtos nacionais, tendo em vista que “as
importações oriundas dos países beligerantes registraram um declínio
considerável”
366
. Ao segundo, causou inúmeras transformações no momento
em que o comércio, a indústria e a agricultura passaram a sofrer com as duras
sanções advindas das restrições ocasionadas pelo bloqueio britânico muito
embora a posição geográfica estratégica de Portugal, que lhe possibilitava
estar na encruzilhada das grandes rotas marítimas do mundo. Assim, esta nova
situação levou à procura de novas alternativas de desenvolvimento para a
economia portuguesa; no caso, uma saída encontrada foi a iniciativa de
incremento das relações comerciais luso-brasileiras.
A neutralidade portuguesa no conflito da Segunda Guerra Mundial
possibilitou uma concentração de esforços no sentido do aumento da sua
produção – com a conseqüente diminuição no número das importações –,
associado a isto que se destacar, também, a produção do seu império
365
DANTAS, Cristóvam. A lei do destino. Op. cit., p. 3.
366
Ofício de 31 de dezembro de 1939. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1939. O mesmo
documento ainda apresenta cifras interessantes do ponto de vista da queda das importações
brasileiras durante o ano de 1939, como a informação de que da Inglaterra foram importados
em outubro 12.798 contos de mercadorias, contra 44.233 em outubro de 1938; da Alemanha
12.450 contos, em vez de 19.370 contos em outubro de 1938; os Estados Unidos passaram a
ocupar o primeiro lugar nas importações com 15.172 contos, contra 17.643 em outubro de
1938”.
134
colonial; tudo isto gerou, é claro, um aumento junto à sua balança comercial
367
.
Este fenômeno persistirá com o avançar da guerra, tanto que, em 1942, um
relatório da Embaixada brasileira em Lisboa, sobre o aspecto econômico de
Portugal, informa que “as importações continuam a diminuir em detrimento de
certos setores da vida econômica e industrial do país, enquanto que a
exportação, embora em menor volume, aumenta em valor em vista do elevado
preço de alguns dos produtos exportados”
368
.
No caso brasileiro, o artigo do jornal Correio Português, publicado em 13
de outubro de 1939, ao chamar a atenção para as oportunidades de
crescimento que a Segunda Guerra poderia gerar ao estado de São Paulo
que figurava como o maior pólo de desenvolvimento do país oferece um
panorama geral sobre as possibilidades de expansão que o avançar da guerra
ocasionaria ao estado paulista. Segundo o texto do artigo:
Pensam os meios lusos de São Paulo que a guerra pode
proporcionar-nos oportunidade que em tempo normal não
foram possíveis. É agora boa altura dos representantes
do governo português no Brasil entrarem em
entendimentos com a “Comissão de Defesa da Economia
Nacional”, que preside o Ministro Sr. João Alberto de
Barros, para que Lisboa seja o centro de abastecimento
de produtos brasileiros para toda a Europa, pelo menos
enquanto durar a guerra atual
369
.
Não se desconsidera estas alterações na fisionomia do país que, com
Vargas à frente do executivo nacional, saiu de uma condição agrária e deu um
salto em direção à industrialização. Não obstante, no que respeita ao comércio
367
Este fato pode ser comprovado pela análise das informações contidas no relatório emitido
pela Embaixada do Brasil em Lisboa, documento enviado em 31 de janeiro de 1939, onde se
afirmava que “as importações oriundas dos países beligerantes registraram um declínio
considerável: da Inglaterra foram importados em outubro 12.798 contos de mercadorias, contra
44.233 em outubro de 1938; da Alemanha 12.450 contos, em vez de 19.370 contos em outubro
de 1938; os Estados Unidos passaram a ocupar o primeiro lugar nas importações com 15.172
contos, contra 17.643 em outubro de 1938”. Relatório 12, enviado ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil, em 31 de dezembro de 1939. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de
1939.
368
Relatório 6, enviado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em 30 de junho de
1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1942.
369
Uma excelente oportunidade para o intercâmbio comercial entre Portugal e Brasil. Jornal
Correio Português, Lisboa, em 13 de outubro de 1939, p. 1.
135
externo, o Brasil ainda preservava antigos vícios, como a falta de diversificação
nos mercados de consumo, com domínio quase que absoluto de determinados
países. Como exemplo desta afirmação cita-se o fato de que em 1940, dos 67
países com os quais o Brasil mantinha relações comerciais pelo menos na
teoria apenas 8 perfaziam um total de 92,36% das exportações brasileiras no
momento citado
370
. Desta leitura, depreende-se o limitado número de países
onde o Brasil poderia colocar seus produtos (e Portugal, praticamente, não
figurava entre eles), ou seja, apesar do eco de conquistas de novos mercados
difundido pelo governo brasileiro, na prática isto não se concretizava. Logo, a
intensificação nas relações comerciais luso-brasileiras poderia amenizar esta
situação.
Em contrapartida, o aprofundamento das relações luso-brasileiras
ocasionaria, simultaneamente, a afirmação do Brasil e de Portugal no cenário
internacional e o fortalecimento nacional de ambos os governos, de forma a
articular política externa e projeto nacional
371
. É claro que não se pode cometer
o equívoco de se imaginar que o aumento do comércio luso-brasileiro,
simplesmente, resolveria os problemas decorrentes das necessidades
portuguesas e brasileiras, até porque ambos os países necessitavam de
produtos os quais, nem Portugal, nem o Brasil, teriam condições de produzir,
pois o Brasil precisava “em primeiro lugar de máquinas, equipamentos e
matérias-primas que lhe não podemos fornecer. Por nossa parte, nós
carecemos, igualmente, de maquinaria, equipamentos e matérias-primas que o
Brasil não está em condições de fornecer-nos”
372
.
Além destes aspectos, como deixa claro o artigo “Uma excelente
oportunidade para o intercâmbio comercial entre Portugal e o Brasil”, publicado
no jornal Correio Português, o bloqueio marítimo decorrente da Segunda
Guerra Mundial é apontado como um possível ponto de argumento a ser
370
Os países referidos são: Estados Unidos com 36,18%; a Alemanha com 17,05%; a
Inglaterra com 9,07%; a França com 6,36%; o Japão com 4,99%; a Holanda com 3,32%; a
União Belgo-Luxemburguesa com 3,16% e a Itália com 2,22%. Relatório do Dr. Waldemar da
Fonseca Araújo Secretário da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, em 2 de abril de
1940. M. N. E. 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
371
CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. São Paulo: Ed. da
UNESP; FAPESP, 2000, pp. 15-16.
372
As relações comerciais entre Portugal e Brasil. Separata do Boletim Financeiro do Banco
Português do Atlântico. Portugal: Gráficas de “O Comércio do Porto”, out. de 1948, p. 3.
136
utilizado por Portugal, para o desenvolvimento da política de reaproximação
luso-brasileira, pois, de acordo com o artigo, “um entendimento de emergência
para o período da guerra abriria ao comércio brasileiro todos os mercados
europeus com múltiplas vantagens de pagamento imediato em divisas ouro e
sem incertezas de procura ou concorrência”
373
. Inclusive, o texto final do artigo
confirma este posicionamento ao lembrar que os portugueses teriam como
compensação “melhores pautas para as exportações portuguesas para o Brasil
e retomaríamos aquele mercado que nos vem fugindo dia a dia”
374
. As
justificativas apresentadas no texto ainda englobavam outros argumentos
econômicos, tais como:
A nossa neutralidade e a do Brasil garante livre curso aos
nossos navios no Atlântico Sul, que assim dispensam
formação de comboios onerosos e encurtam a rota com
tais precauções para 3 ou 4 dias, que é quantos dias está
Lisboa dos portos franceses, ingleses, belgas e
holandeses, que ambicionam o abastecimento de
produtos coloniais
375
.
O governo português, ciente destas necessidades e visando aprofundar
as relações comerciais luso-brasileiras, desempenhará uma importante função
nesta tarefa de intensificação comercial entre os dois países. Nesta direção,
concorda-se com Edgar Telles Ribeiro, quando ele afirma que é de
fundamental importância o papel do Estado nesses processos de aproximação
internacional, de modo a facilitar os fluxos de troca entre os países
envolvidos
376
. Desse modo, constata-se que Portugal adota todas as
medidas disponíveis ao seu alcance com a finalidade de incrementar as
relações econômicas luso-brasileiras e, para isto, um dos principais passos
adotados foi a “revisão” do tratado comercial de 1933, por meio do protocolo
adicional de 1941.
373
Notícia veiculada no jornal Correio Português, Lisboa, em 13 de outubro de 1939, p. 2.
374
Idem.
375
Ibidem.
137
3.2 O Tratado de Comércio e Navegação de 1933
Os reflexos da onda protecionista – ocasionada pela crise econômica de
1929 associados à política nacionalista de Getúlio Vargas ocasionaram
algumas alterações nas relações comerciais luso-brasileiras, tanto que, desde
o final da década de vinte, o comércio entre os dois países mostrava-se em
franco declínio
377
. Visando alterar este quadro, o governo português inicia uma
série de ações que objetivavam a reaproximação entre portugueses e
brasileiros. Em virtude disto, as primeiras ações são direcionadas no sentido de
“conter a tradicional relutância brasileira em firmar acordos comerciais” com
Portugal
378
.
A assinatura de um tratado comercial luso-brasileiro, em escalas
diferentes, interessava tanto ao Brasil como a Portugal. Ao primeiro, porque o
aumento nas exportações poderia assegurar a estabilidade interna, na medida
em que resolveria o caso das exportações brasileiras, pois “a situação da
lavoura era precária em vista da baixa dos preços dos produtos agrícolas e da
dificuldade crescente de sua colocação nos mercados
379
. Há, ainda, que se ter
em mente que a assinatura de um tratado comercial com Portugal era
importante porque os produtos brasileiros não tinham condições de competir
com aqueles produzidos em áreas coloniais
380
.
Entretanto, a Portugal interessava sobremaneira esse intercâmbio
comercial. Em primeiro lugar, porque precisava reduzir a dependência
portuguesa em relação à Inglaterra e, em segundo, porque “entre os principais
artigos de exportação do Brasil figuram alguns que constituem produção
376
RIBEIRO, Edgar Telles. Diplomacia cultural: seu papel na política externa brasileira. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 1989, p. 15. (Coleção Relações Internacionais)
377
De acordo com Eulália Maria Lobo, esse declínio poder ser entendido como uma
conseqüência da Primeira Guerra Mundial. LOBO, Eulália Maria Lahmayer. Portugueses en
Brasil en siglo XX. Madrid: Mapfre, 1994, p. 143.
378
CERVO, Amado; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro (Org.).
Depois das caravelas. As relações entre Portugal e Brasil (1808-2000). Brasília: Ed. da UnB,
2000, p. 272.
379
Ofício nº 2, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 23 de fevereiro de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
380
LOBO, Eulália Maria Lahmayer. Portugueses en Brasil en siglo XX . Op. cit., pp. 190-193.
138
essencial do nosso solo e dos nossos domínios ultramarinos”
381
, o que indicava
a necessidade da intervenção portuguesa no assunto.
Estas argumentações justificam o empenho em proporções
diferenciadas dos dois países na assinatura de um tratado comercial luso-
brasileiro. Contudo, muito embora o fato deste realizar-se na década de trinta,
as primeiras tentativas datam de um período muito anterior. no início do
século XX, em 1901, o Brasil tentava negociar com Portugal a isenção de
direitos sobre os seus produtos mais importantes na pauta de exportação, ou
seja, o café, o açúcar e o cacau, propondo, em troca, não aplicar os 20% sobre
o vinho e as conservas portuguesas exportadas para o Brasil
382
. Todavia,
Portugal não atendeu às sugestões feitas pelo governo brasileiro e este, apesar
da negativa portuguesa, não usufruiu o acréscimo de 20%, muito pelo
contrário, concedeu-lhe a tarifa mínima, sem levar em conta outro tipo de
compensação
383
.
Após um ano, em 1902, foi a vez de Portugal apresentar ao Brasil o
esboço de um tratado comercial luso-brasileiro. A proposta delineava-se pela
regra de nação mais favorecida e propunha a redução dos direitos sobre
alguns produtos brasileiros exportados mediante igual concessão aos vinhos e
outras mercadorias portuguesas exportadas para o Brasil. O referido acordo
comercial não chegou a ser assinado, pois suas determinações de redução
eram quase que insignificantes o que, por sua vez, favoreceria a um ou
outro importador de Portugal ou do Brasil e não resultaria no objetivo principal,
o qual consistia no aumento do comércio luso-brasileiro
384
. Contudo, merece
destaque o fato de que estes primeiros anos do século XX, em decorrência
destas tentativas de negociações comerciais luso-brasileiras, originaram a idéia
de desenvolvimento do porto de Lisboa “transformando-o com os seus
381
As relações comerciais entre Portugal e Brasil. Separata do Boletim Financeiro do Banco
Português do Atlântico. Portugal: Gráficas de “O Comércio do Porto”, out. de 1948, p. 3.
382
O Congresso Nacional havia autorizado o governo brasileiro a aumentar em 20% os direitos
sobre as mercadorias importadas de países que não favorecessem os produtos brasileiros.
383
FONSECA, Landulpho Borges da. Relações comerciais luso-brasileiras. In: Jornal Correio
da Manhã, Lisboa, em 23 de outubro de 1938, p. 3.
384
Idem.
139
armazéns gerais em grande entreposto dos produtos brasileiros na Europa”
385
e, muito embora esta tentativa de criação de um porto franco não tenha tido
completo êxito, ela tornou possível que:
Em 1905 se inaugurasse o serviço diário do Sud-Express
de Lisboa a Paris, em combinação com as carreiras de
navegação que ligavam a Europa à América do Sul
através do porto de Lisboa, do que resultou
inquestionavelmente uma maior aproximação entre
Portugal e o Brasil, aproximação esta que as relações
comerciais favoreciam
386
.
A partir deste momento, as tentativas de incremento nas relações
comerciais luso-brasileiras ficariam um pouco adormecidas por um
determinado período. Muito embora seja digno de destaque que Portugal
mantenha nos primeiros vinte anos do culo XX uma importante posição junto
ao mercado brasileiro
387
. Sobre os produtos portugueses exportados para o
Brasil neste período, Armando Gonçalves Pereira informa que “é
principalmente nos produtos destinados à alimentação que ocupamos um lugar
importante entre os demais concorrentes, ficando à cabeça, como é natural, os
vinhos, e seguindo-se os azeites, as frutas e as conservas
388
.
Passado este momento e, principalmente após a proclamação da
República, em Portugal, ocorre uma intensificação nas tentativas de
reaproximação luso-brasileira. Neste sentido, merece destaque a iniciativa de
retomada da assinatura de um acordo comercial luso-brasileiro que ocorre por
385
PEREIRA, Armando Gonçalves. Relações econômicas luso-brasileiras. Coimbra: Coimbra
Editora, 1942, p. 23.
386
Idem.
387
Sobre o regimento legal das relações luso-brasileiras durante o período de 1892 a 1933,
Antônio da Silva Rego informa que elas tinham por bases os seguintes aspectos: “
Declaração entre Portugal e Brasil para proteção das marcas de fábricas e de comércio,
assinado no Rio de Janeiro em 29 de outubro de 1879, assinada pelo visconde Borges de
Castro e por A. Moreira de Barros. Convenção de arbitragem, assinada em Petrópolis, a
25 de março de 1909, confirmada e ratificada por carta de 7 de fevereiro de 1911, e ratificada
pelo Brasil em 9 de março de 1911, assinada por Rio Branco e pelo conde de Selir. – Acordo
de 3 de setembro de 1889, para proteção da propriedade literária, assinada por D. G. Nogueira
Soares e por José Francisco Diana. Carta de confirmação e ratificação duma convenção
especial sobre propriedade literária e artística entre Portugal e o Brasil, assinada no Rio de
Janeiro, em 26 de setembro de 1922”. REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras
(1822-1953). Lisboa: Panorama, 1965, p. 102-103.
140
ocasião da visita oficial do presidente português Antônio Jode Almeida ao
Brasil, em setembro de 1922, em virtude das comemorações do primeiro
centenário da emancipação política do Brasil
389
. Nesta ocasião, o economista
português Francisco Antônio Correia integrante da comitiva presidencial
conversou com pessoas da área econômica do Brasil na tentativa de lograr a
assinatura de um acordo comercial luso-brasileiro que pretendia a “isenção de
direitos para alguns dos seus principais artigos de maior consumo entre nós e a
redução de 25% a 60% a favor de todos os outros”
390
. Contudo, o governo
português não obteve êxito em suas intenções
391
, pois “o mandato presidencial
de Epitácio Pessoa terminava em 15 de novembro daquele ano, e a
administração brasileira de então não estava interessada em encetar
negociações ou celebrar acordos”
392
.
Após um ano, houve uma nova tentativa de assinatura de um acordo na
área econômica. Desta vez, o governo português apresenta ao Parlamento, em
7 de dezembro de 1923, um projeto de lei pelo qual autorizava Francisco
Correia a negociar com o governo brasileiro um acordo comercial
393
. Este
propunha a redução tarifária de alguns produtos brasileiros importados pelos
388
PEREIRA, Armando Gonçalves. Relações econômicas luso-brasileiras. Op. cit., p. 23.
389
“A missão portuguesa, de que faziam parte os escritores Jaime Cortesão e João de Barros e
o economista Francisco Antônio Correia, embarcou no paquete português Porto, que, em
virtude de vários contratempos, chegou ao Rio de Janeiro apenas em 17 de setembro, dez dias
após a cerimônia de inauguração das comemorações. Esse involuntário atraso constituiu uma
circunstância favorável à extraordinária recepção dada pelos brasileiros ao presidente
português, que foi assim recebido isoladamente, sem ficar misturado com a trintena de
delegações oficiais estrangeiras presentes no Rio de Janeiro”. MAGALHÃES, José Calvet de.
As relações Brasil-Portugal de 1895 a 1953. In: CERVO, Amado; MAGALHÃES, José Calvet
de; ALVES, Dário Moreira de Castro. Depois das caravelas. As relações entre Portugal e Brasil
(1808-2000). Brasília: Edit. da UnB, 2000, p. 83.
390
FONSECA, Landulpho Borges da. Relações comerciais luso-brasileiras. Op. cit., p. 3.
391
De acordo com o historiador da diplomacia portuguesa José Calvet de Magalhães, “o único
acordo assinado, preparado por Jaime Cortesão e João de Barros, foi uma convenção sobre
propriedade literária e artística, firmada em 26 de setembro, que só viria a ser ratificada em 4
de abril de 1924, durante a presidência de Teixeira Gomes”. CERVO, Amado; MAGALHÃES,
José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro (Org.). Depois das caravelas. As relações
entre Portugal e Brasil (1808-2000). Op. cit., p. 83.
392
Idem.
393
Esse forte empenho português em intensificar as relações comerciais luso-brasileiras deve-
se, em grande parte, ao fato de que “por esse tempo, a balança comercial luso-brasileira
oscilava a favor do Brasil, pois em 1923, ano seguinte ao projetado acordo, as estatísticas
brasileiras indicavam que as exportações para Portugal haviam ascendido a 72.960 contos de
réis brasileiros e a importação de artigos lusitanos, no mesmo ano, a 46.943 contos”.
PEREIRA, Armando Gonçalves. Relações econômicas luso-brasileiras. Op. cit., p. 25.
141
portugueses. Mas, novamente, em decorrência da adoção de medidas
protecionistas brasileiras, o referido acordo não acontece
394
. A partir deste
momento seria necessário mais uma década para que, finalmente, cedesse ao
apelo português e firmasse um acordo econômico luso-brasileiro. É claro que
muitos fatores contribuíram para isto.
Em 1933, com Getúlio Vargas na presidência brasileira, Portugal inicia
uma nova tentativa referente à negociação de um acordo comercial com o
Brasil. Desta vez, o embaixador português Martinho Nobre de Mello e o
ministro das Relações Exteriores do Brasil, Afrânio de Melo Franco, obtiveram
êxito nas suas negociações, pois em 26 de agosto de 1933, no Rio de Janeiro,
foi assinado um tratado de comércio luso-brasileiro
395
.
O referido acordo tinha por base os princípios de liberdade de comércio
e navegação, da reciprocidade e da cláusula de nação mais favorecida
396
. De
acordo com o ministro Afrânio de Melo Franco, pelo acordo “ficam
estabelecidas as regras que permitem tornar mais intensas e mais rodeadas de
garantias recíprocas as boas e prósperas relações mercantis entre Portugal e
Brasil”
397
. O tratado comercial luso-brasileiro de 1933, ainda, determinava a
proteção das marcas e designações as quais interessavam ao Brasil, como no
caso da produção cafeeira café do Brasil, tipo Santos, tipo Sul de Minas, tipo
Rio etc. e a Portugal como o vinho do Porto, de Madeira, de Setúbal etc. –,
também previa o estabelecimento de uma zona franca com regalias para os
produtos do Brasil e de Portugal
398
.
Assim, em virtude da adoção da cláusula de nação mais favorecida,
Portugal conseguiu obter algumas vantagens com relação ao Brasil nada que
aumentasse substancialmente as exportações portuguesas –, pois Portugal
394
MAGALHÃES, José Calvet de. Relance histórico das relações diplomáticas luso-brasileiras.
Lisboa: Quetzal Editores, 1997, p. 58.
395
Sobre esse tratado, Magalhães informa que ele “foi ratificado por Portugal em 6 de
novembro, e pelo Brasil em 26 de dezembro desse ano. Os instrumentos de ratificação foram
trocados no Rio de Janeiro em 25 de fevereiro de 1934”. MAGALHÃES, José Calvet de. Breve
história das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 84.
396
Artigo terceiro do Tratado de Comércio e Navegação de 1933.
397
Jornal O Comércio do Porto, Porto, em 13 de setembro de 1933, p. 1.
398
Artigos quinto, sexto e oitavo, respectivamente, do Tratado de Comércio e Navegação de
1933.
142
dispunha da “entrada livre, nas alfândegas brasileiras, das frutas portuguesas;
ao passo que as nossas frutas estão sujeitas ao pagamento, em Portugal, de
direitos aduaneiros praticamente proibitivos”
399
. Este saldo positivo à Portugal
ocorria em virtude de que no Brasil era livre a entrada das frutas provenientes
principalmente da Argentina e dos Estados Unidos (países que concediam ao
Brasil igual direito). Os exportadores portugueses usufruíam o mesmo
tratamento em razão da cláusula de nação mais favorecida. Na verdade, como
Portugal não concedia a nenhum país a isenção de direitos sobre a entrada de
frutas em seu território, não poderia fazê-lo em relação ao Brasil, fato que
contrariava o preceito de igualdade e reciprocidade estipulado pelo tratado
comercial de 1933. Tanto é verdade, que o aspecto referente às exportações
de frutas brasileiras para Portugal irá pontuar muitas discussões entre
brasileiros e portugueses por ocasião da vinda da missão econômica
portuguesa ao Brasil, em 1938.
3.3 A vinda da missão comercial portuguesa ao Brasil em 1938
Muito embora os esforços de Portugal e do Brasil notadamente do
primeiro o tratado comercial de 1933 não originou o efeito esperado, pois o
tão almejado aumento nas trocas comerciais luso-brasileiras não se
concretizou. As explicações plausíveis para a frustração nas exportações
brasileiras e portuguesas podem ser encontradas, por um lado, justamente no
período em que o acordo foi firmado, ou seja, um momento de grande crise
mundial, em que se alastrou uma onda protecionista e, também, pela falta de
iniciativa dos empresários portugueses
400
, tendo em vista que “os exportadores
portugueses, quer por não estarem preparados para a luta com outros
concorrentes europeus, quer por não disporem de meios suficientes, não
acompanhavam as exigências que o mercado brasileiro oferecia”
401
.
399
FONSECA, Landulpho Borges da. Relações comerciais luso-brasileiras. Op. cit., p. 3.
400
MAGALHÃES, José Calvet de. Relance histórico das relações diplomáticas luso-brasileiras.
Op. cit., p. 60.
401
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 105.
143
Por outro lado, no que tange à esfera brasileira, há que se registrar a
existência de uma grande preocupação com os problemas econômicos
brasileiros e seus possíveis reflexos junto às exportações portuguesas para o
Brasil, tanto que em janeiro de 1937, o periódico português Diário de Notícias,
publicava o artigo “Perspectivas de além-atlântico”, onde demonstrava certa
preocupação com a economia brasileira fato advindo da negativa no que se
refere ao esperado aumento das exportações brasileiras em virtude da baixa
no preço do café
402
. Neste sentido, nota-se que existe o entendimento de que
isto pode afetar a economia portuguesa, d a necessidade de adoção de
medidas que coibissem ou neutralizassem os reflexos da crise brasileira às
exportações portuguesas, como se pode constatar no trecho a seguir:
A questão deve, a nosso ver, merecer as atenções
oficiais do governo português e o imediato estudo dos
nossos organismos econômicos, para que não soframos
a ressaca de uma situação que por várias faces poderia
recordar as que padeceram as relações econômicas
luso-brasileiras, de cujo normal desenvolvimento
depende uma grande parte da nossa riqueza e do nosso
crédito
403
.
Assim, uma das primeiras medidas visando estimular o reaquecimento
das relações econômicas entre Brasil e Portugal aconteceu em 7 de abril, na
Associação Comercial de Lisboa, momento em que houve a conferência
“Relações econômicas luso-brasileiras”, proferida pelo Dr. José Caeiro da
Matta, Reitor da Universidade de Lisboa e antigo ministro dos Negócios
Estrangeiros de Portugal; na ocasião, foi proposto o envolvimento direto do
governo português, objetivando solucionar o problema do decréscimo das
exportações portuguesas para o Brasil
404
.
402
Comentando sobre os baixos índices nas exportações brasileiras, o mesmo jornal ainda
refere que “as últimas estatísticas comerciais não são animadoras. O excesso das exportações
para o período de janeiro a outubro de 1937 foi apenas de 3.918 mil libras, contra 6.847 mil
libras durante o mesmo período de 1936”. Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 13 de janeiro
de 1937, p. 5.
403
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 13 de janeiro de 1937, p. 5.
404
Ofício nº 16, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 10 de abril de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
144
Deste modo, em meados de 1938, é formada em Portugal uma “missão
comercial portuguesa”
405
, a qual tinha como objetivo fundamental analisar o
“comércio com o Brasil e, sobretudo, as possibilidades existentes para o seu
desenvolvimento, a fim de habilitar o governo a realizar oportunamente
negociações e reunir elementos que sirvam de orientação à produção e
exportação nacionais”
406
. A referida missão era composta pelo antigo ministro
do Comércio, Indústria e Agricultura e deputado nacional, o engenheiro
Sebastião Garcia Ramires (presidente); por André Navarro, agrônomo,
professor e diretor do Instituto Superior de Agronomia; por Luiz Cincinato da
Costa, agrônomo e professor do citado Instituto, também Chefe da Repartição
Técnica das Indústrias e Comércio Agrícolas; pelo engenheiro Cancela de
Abreu, deputado nacional e antigo combatente da Primeira Guerra Mundial e
por João Saint-Marie de Morais, Cônsul de terceira classe em serviço no
Ministério dos Negócios Estrangeiros (secretário da missão)
407
.
Antes de se deslocar ao Brasil, a missão comercial portuguesa instalou-
se e iniciou os seus trabalhos em uma das salas do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, que era presidido pelo Presidente do Conselho, Antônio de
Oliveira Salazar, o que reafirma o interesse direto do governo português em
intensificar as relações comerciais luso-brasileiras neste momento.
Em pronunciamento à nação portuguesa, Costa Leite, ministro do
Comércio e Indústria português elaborou um decreto explicando as razões que
justificavam a iniciativa portuguesa. Deixando de lado os aspectos puramente
econômicos da questão, o ministro português apela para o lado sentimental, ao
defender o incremento das relações econômicas luso-brasileiras, tendo em
vista que para ele, “os laços fortes de um passado comum, a identidade da
língua, as afinidades de raça e a vastíssima colônia portuguesa do Brasil, não
405
Esta não era a primeira vez que Portugal adotava este procedimento. Em 1892, foi enviada
ao Brasil uma missão especial, a qual tinha por finalidade o estudo de um tratado de comércio
luso-brasileiro; a vinda desta missão proporcionou ao professor de Economia, Matoso dos
Santos “a negociar um acordo com reais vantagens para Portugal, como, por exemplo, a
redução exclusiva para os produtos portugueses de 30% de direitos de importação no Brasil.
Mas o tratado, apesar de negociado, não chega a ser ratificado e, portanto, fica sem validade”.
PEREIRA, Armando Gonçalves. Relações econômicas luso-brasileiras. Op. cit., p. 22.
406
O decreto foi divulgado no jornal Correio da Manhã, Lisboa, em 21 de julho de 1938, p. 5.
407
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 106.
145
só parecem tornar fácil aquele objetivo como impô-lo naturalmente”
408
. Na
visão do governo português, o aumento das relações econômicas envolvendo o
Brasil e Portugal era tão importante que chegou a constituir matéria para o
lançamento de um decreto
409
, no qual o ministro do Comércio e Indústria
externou à população portuguesa os motivos de criação da missão comercial
especial que seria enviada ao Brasil, conforme descrição a seguir:
Artigo 1 Será enviada pelo Ministério do Comércio e
Indústria uma missão comercial portuguesa ao Brasil,
que terá por fim o estudo das condições de
desenvolvimento do nosso comércio com aquele país.
Artigo 2 A missão será constituída por quatro membros
de escolha livre do Ministro do Comércio e Indústria, que
de entre eles designará o presidente, e por um secretário
de legação, designado pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros, que será o secretário da missão.
Artigo 3 A missão terá a duração máxima de noventa
dias e apresentará, trinta dias após o seu regresso, um
relatório circunstanciado dos estudos e trabalhos
realizados.
* Durante o período de trabalhos no país, a missão
funcionará em direta dependência do ministério do
Comércio e Indústria, que poderá destacar da Direção
Geral do comércio o pessoal necessário para assegurar o
seu expediente
410
.
Apesar das explicações portuguesas no que diz respeito à constituição
da missão comercial portuguesa e a sua ampla divulgação, sua formação à
base de engenheiros e agrônomos ligados à administração pública do Estado
português ocasionou crítica junto à imprensa portuguesa, tanto que o jornal O
Século publicou o artigo “Comércio luso-brasileiro” no qual, por um lado,
aplaudia a iniciativa do governo português, mas, por outro, tecia críticas ao fato
“de não terem sido incorporados numa missão que requer profundos
conhecimentos dos mercados português e brasileiro (...), indivíduos
408
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 106.
409
Este decreto tinha por base o artigo 109 da Constituição portuguesa.
410
O decreto ainda determinava que os componentes da referida missão teriam ajuda de
custos, despesas e transporte (artigo quarto) e contariam, ainda, com uma verba para cobrir as
despesas provenientes de representação. Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 15 de julho de
1938, p. 3.
146
perfeitamente integrados nas atividades comerciais e produtoras”
411
de
Portugal.
Ao comentar sobre a formação da missão comercial portuguesa, o
Jornal do Comércio e das Colônias direciona a sua atenção à questão da
decadência do livro português no Brasil, tendo em vista que anteriormente o
país havia sido o principal mercado consumidor do produto. O referido jornal
destaca que “enquanto os editores brasileiros conseguiram trazer com seguras
vantagens o livro do seu país aos grandes centros portugueses, os nossos não
conseguiram, senão em proporções quase nulas”
412
. Com relação a este ponto,
torna-se interessante divulgar o posicionamento do Embaixador brasileiro em
Portugal, Artur Guimarães Araújo Jorge, pois, no seu entendimento, a missão
comercial portuguesa em nada poderia solucionar a questão, tendo em vista
que, para ele, os motivos da “decadência do livro português no Brasil são
portuguesas, como tantas vezes se tem escrito e só aqui podem ser removidas:
basta mencionar o alto preço da impressão, o pesado imposto do selo, o
elevado custo do papel e as taxas postais quase proibitivas”
413
.
No Brasil, por sua vez, a vinda da missão comercial portuguesa não
gerou um debate tão acalorado quanto o ocorrido em Portugal. Aqui, os
comentários direcionaram-se à linha de que as exportações portuguesas para o
Brasil diminuíram muito mais em decorrência de fatores portugueses do que
brasileiros. Um artigo de Oto Prazeres, publicado no Jornal do Brasil, chega a
afirmar que a queda nas exportações portuguesas para o Brasil ocorria em
virtude do estabelecimento de uma propaganda ineficiente, pois esta faz “com
que os portugueses comprem cada vez menos os produtos do Brasil,
substituindo-os pelos similares vindos das colônias africanas”
414
. É claro, nesta
citação está velada uma crítica à política econômica portuguesa, a qual é tida
411
Comércio luso-brasileiro. In: Jornal O Século, Lisboa, em 23 de julho de 1938, p. 5. O
mesmo jornal ainda ressalta que o fato “de nenhum comerciante fazer parte da missão
portuguesa que vai ao Brasil procurar estreitar os laços econômicos a ligar estreitamente os
dois povos do mesmo sangue e da mesma raça vem mais uma vez demonstrar que em
Portugal o conceito inglês que manda colocar em cada lugar o indivíduo mais próprio para o
ocupar ainda não se pratica inteiramente, como seria para desejar”.
412
Jornal do Comércio e das Colônias, Lisboa, em 24 de julho de 1938, p. 2.
413
Ofício 226, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 23 de julho de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
147
como a responsável pela adoção de uma prática de concorrência desleal aos
exportadores brasileiros, na medida em que favorece a importação de produtos
adquiridos no império colonial português.
Desta forma, a partir de um decreto governamental, a missão comercial
portuguesa deslocou-se para o Brasil
415
, em setembro de 1938, com o objetivo
de estudar as relações econômicas luso-brasileiras e formas de incentivar o
seu incremento. Ao despedir-se da missão, o ministro do Comércio e
Agricultura destacou detalhadamente os seus objetivos:
Não ides negociar tratados, nem colocar produtos. Não
sois nem agentes diplomáticos, nem agentes comerciais.
Ides observar, estudar e reunir elementos, com a
colaboração de entidades oficiais e particulares, com os
quais tereis longo contato, estabelecendo assim a base
fundamental de futuros acordos e de um maior
desenvolvimento de relações econômicas com o
Brasil
416
.
A missão comercial portuguesa, a bordo do “Arlanza”, chegou no Rio de
Janeiro, no dia 8 de agosto de 1938; foi recebida por autoridades diplomáticas
portuguesas residentes no Brasil e membros do governo brasileiro. Logo após
a sua chegada e visando pôr em prática os seus objetivos, os componentes da
missão visitaram os mais importantes Estados e capitais do Brasil.
O objetivo da missão portuguesa era, essencialmente, estudar e
encontrar formas de incremento do comércio luso-brasileiro; contudo, um outro
ponto chama a atenção: além do aspecto econômico, a missão também tinha
um caráter cultural, de difusão do ideal estadonovista português, pois ela além
de ter “prestado um relevante serviço para um maior estreitamento de relações
culturais luso-brasileiras e, pelo seu fino trato, limando arestas com uma
discreta sobriedade, conseguiu chamar a si personalidades que não eram
414
PRAZERES, Oto. In: Portugal e Nós... Jornal do Brasil, Lisboa, em 28 de julho de 1938.
415
A missão econômica portuguesa teria um período de 60 dias para permanecer no Brasil
estudando a realidade e as possibilidades de incremento do comércio luso-brasileiro e outros
30 dias para a elaboração do seu relatório oficial ao ministro do Comércio e Indústria, ao qual
estava diretamente subordinada. Jornal A Noite, Lisboa, em 15 de julho de 1938, p. 5.
416
O papel da Missão. In: Jornal A Voz de Portugal, Lisboa, em 31 de julho de 1938, p. 2.
148
simpatizantes do nosso Estado Novo”
417
. Neste ponto destaca-se, novamente,
a questão do cuidado do Estado Novo português com a difusão de seus ideais
e a execução de uma espécie de “catequese política”, como forma de
apaziguar os seus principais opositores.
Do lado brasileiro, a recepção à missão comercial portuguesa no Brasil
foi muito positiva, até porque grande parte dos exportadores brasileiros a via
como uma possibilidade viável ao aumento no número de suas exportações
para Portugal, tendo em vista que muitos dos aspectos que tornavam
ineficazes o incremento nas exportações luso-brasileiras poderiam ser
discutidos e, até, quem sabe, abolidos. Neste sentido, a vinda da missão
comercial portuguesa é vista pelos exportadores brasileiros como a “ocasião
dos nossos representantes promoverem a eliminação das duas anomalias que
colocam o Brasil em posição de inferioridade nas suas relações mercantis com
Portugal”
418
.
Ora, as duas “anomalias” referidas na manifestação anterior dizem
respeito justamente à cláusula de nação mais favorecida o que resultava num
problema para as exportações de frutas brasileiras a Portugal e, também, a
proibição portuguesa de importar farinha de mandioca do Brasil em grande
quantidade
419
.
Estas discussões em muito permearam o encontro da missão comercial
portuguesa e os representantes do Conselho Federal de Comércio Exterior no
Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Os produtores brasileiros alegavam que o
ponto da proibição de exportação da farinha de mandioca para Portugal
deixava de ter razão no momento em que o objetivo português, de aumento na
sua produção de farinha, havia sido alcançado, tanto que o próprio decreto
havia sido revogado em Portugal.
417
Ofício 297, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 5 de setembro de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
418
FONSECA, Landulpho Borges da. Relações comerciais luso-brasileiras. Op. cit., p. 3.
419
Esta proibição ocorria em virtude do decreto lei 25.598, de 10 de julho de 1935, o qual
determinou a desnaturação da farinha de mandioca do Brasil ao indicar que a sua exportação
não poderia acontecer sem que houvesse a adição de 2 gramas de azul de metileno por cada
100 kilogramas do produto exportado a Portugal. Este dispositivo português visava o aumento
da produção de trigo por parte dos portugueses. Entretanto, os brasileiros reclamavam desta
disposição legal portuguesa pelo fato dela não encontrar atitude similar no Brasil.
149
A outra questão, que gerou amplo debate, está relacionada aos
problemas decorrentes das exportações de frutas para Portugal, pois os
representantes brasileiros exigiam a reciprocidade na isenção de direitos sobre
as frutas frescas, tendo em vista que os portugueses levavam vantagem em
conseqüência da cláusula de nação mais favorecida. Esta discussão acerca da
proibição das exportações de frutas brasileiras para Portugal havia encetado
calorosos debates, levando-se em consideração o fato de que “se o Brasil
conseguisse isenção de direitos, Portugal se tornaria um mercado apreciável
para as nossas frutas, que então passariam a ser cobradas a preços ao
alcance de grande número de consumidores”
420
. Além disso, os exportadores
brasileiros citavam especificamente o exemplo da laranja fruta brasileira mais
conhecida em Portugal –, de produção portuguesa muito limitada, a qual
poderia aumentar significativamente o número das exportações brasileiras para
Portugal sem prejuízo da sua própria produção, pois “durante boa parte do ano
– junho a outubro – não existem laranjas portuguesas, o que excluiria contra as
nossas a possível alegação de concorrência”
421
.
Deste modo, a comissão comercial portuguesa participou de reuniões,
festas e eventos ligados à área em inúmeras associações comerciais e, para
facilitar o desenvolvimento do seu trabalho, a missão encaminhou um
memorando às mais variadas e importantes entidades do gênero, solicitando a
opinião destas com relação às formas de incentivo ao recrudescimento das
relações econômicas entre os dois países. Visando pôr em prática o seu
trabalho, a missão comercial portuguesa solicitava a opinião de comerciantes,
exportadores e pessoas da área comercial, questionando-as e solicitando a
opinião delas com relação aos pontos seguintes:
I da concorrência de outros países sobre os produtos
portugueses (azeites, conservas, óleos de caroço, vinhos
etc);
II da deficiência da técnica na elaboração dos mesmos
produtos;
III da falta de adaptação da indústria portuguesa
(embalagem etc);
420
FONSECA, Landulpho Borges da. Relações comerciais luso-brasileiras. Op. cit., p. 3.
421
Idem.
150
IV das divergências dos regimes aduaneiros que
dificultam o maior intercâmbio econômico entre os dois
países;
V das causas, em geral, que têm contribuído para o
declínio do comércio brasileiro com Portugal
422
.
Estas questões deixam transparecer que os comissários portugueses
tinham uma noção de quais eram os principais problemas enfrentados pelas
exportações portuguesas com destino ao Brasil. E, por isto mesmo,
direcionaram sua atenção àqueles centros onde os produtos portugueses
tinham maiores oportunidades de crescimento e/ou expansão, como é o caso
do Estado de São Paulo.
Deste modo, o Paulo constituiu objeto de atenção especial da missão
comercial portuguesa, não somente pelo seu expressivo desenvolvimento
econômico e industrial, como também, pela constatação da necessidade de
recuperação da posição portuguesa em relação ao comércio luso-paulista,
porque em São Paulo, “Portugal ocupava um dos últimos lugares no comércio
de importação”
423
. E para agravar ainda mais a situação, os dados estatísticos
levantados pela missão econômica também davam conta de que “no comércio
de exportação deste Estado, Portugal também ocupava um dos últimos
lugares”
424
. Esta constatação foi, ainda, reafirmada no artigo de João Sarmento
Pimentel, publicado no jornal Correio Português, em 27 de agosto de 1939; no
texto, Pimentel, além de tecer críticas à Câmara de Comércio Portuguesa,
afirma que “nestes últimos 6 anos, verifica-se que vimos perdendo terreno quer
no vulto, quer no valor ouro dos nossos produtos fornecidos”
425
.
Em constante contato e colaboração junto à missão comercial
portuguesa, o Cônsul português em São Paulo, Júlio Augusto Borges dos
Santos, argumentou que “o intercâmbio luso-paulista recente-se de diversas
422
Ofício 294, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 2 de setembro de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
423
Idem.
424
Ibidem. Assim, “na estatística de importação, referente ao biênio de 1936-1937, figuramos
em décimo quarto lugar e décimo terceiro lugar e na estatística de exportação em décimo
terceiro e décimo sexto lugar, respectivamente”.
425
PIMENTEL, João Sarmento. O mercado brasileiro para a exportação portuguesa. Jornal
Correio Português, Lisboa, em 27 de agosto de 1939, p. 5.
151
medidas urgentes e de caráter rigorosamente prático”
426
. Para ele, “Portugal
tem tudo contra si. Suas possibilidades são muito reduzidas, se comparadas
com as de quem tudo tem a seu favor. E o Brasil, mormente São Paulo, tem
produtos que, de si, são sérios talvez os maiores concorrentes da sua
produção”
427
. Ainda dentro deste clima de “busca de soluções” para o
incremento nas relações comerciais luso-brasileiras, o Cônsul português
encaminha um relatório a Portugal como uma espécie de “resultado” das
palestras que ele manteve com alguns importadores de produtos portugueses.
Antes da análise dos itens apontados pelo Cônsul Júlio dos Santos,
torna-se interessante observar que no seu relatório emitido a Portugal,
primeiramente, ele chama a atenção para o fato de que, em São Paulo, “os
importadores se mostram descrentes de quaisquer resultados práticos
originários de estudos feitos por missões econômicas. É o passado que assim
os leva a pensar”
428
. Neste sentido, o Cônsul informa, ainda, que quase a
totalidade dos importadores brasileiros se esquivava de fornecer dados e
informações referentes ao assunto porque, no seu entendimento, “receiam
represálias dos nossos exportadores, caso se tornem conhecidas as medidas
propostas, se estas redundam em crítica às suas exportações”
429
. Para
solucionar este impasse, o Cônsul português propõe a realização de uma
sindicância rigorosa para apurar os fatos, como o reproduzido por um
importador brasileiro no momento em que ele afirma que “os grêmios de Lisboa
têm tomado parte preponderante nesse declínio, ditam preços e condições
de pagamento, e nada mais”
430
. Na seqüência do relatório, o nsul conclui:
“bem expressivo e dispensa comentários esse técnico importador”. Entretanto,
muito mais expressivas são as suas considerações apresentadas na seqüência
do relatório, no momento em que ele informa que o aumento das exportações
426
Ofício 294, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 2 de setembro de 1938. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1938.
427
Idem.
428
A síntese relacionada aos 5 pontos necessários para o aumento das exportações
portuguesas para o Brasil descritos pelo Cônsul português em São Paulo foi elaborada a
partir do relatório intitulado “Intercâmbio comercial entre Portugal e o Estado de São Paulo”, em
20 de agosto de 1938, p. 1. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
429
Idem.
430
Ibidem. Os grifos constam no original.
152
portuguesas para o Brasil poderia melhorar mediante o atendimento a 5
pontos. São eles:
1) Maior aproximação e entendimentos diretos entre o
comércio paulista e o português;
2) Medidas práticas e eficientes que resolvam de vez
as deficiências de técnica;
3) Uma política sábia por meio de acordos e reduções
aduaneiras em relação a todos, mas principalmente aos
produtos que aqui não existem e aos que lá não temos;
4) – Falta de uma linha regular de navegação;
5) – Propaganda
431
.
Assim, no entendimento do Cônsul português, a primeira providência a
ser tomada por Portugal consistia, justamente, na nomeação de uma pessoa
para acompanhar a chegada dos produtos portugueses em São Paulo. Esta
deveria receber, também, as observações e/ou críticas dos importadores
brasileiros, transmitindo-as imediatamente à pessoa ou ao organismo
responsável capaz de localizar uma solução para o problema apontado.
O segundo ponto de análise do Cônsul português refere-se à falta de
uma modernização nas embalagens e, também, a uma melhor seleção dos
produtos exportados para o Brasil. Sobre este ponto o Cônsul, inclusive, alerta
que no momento em que as marcas de exportação não forem as melhores, que
isto seja discriminado na embalagem ele toma como exemplo o caso do
azeite de exportação: extra, fino e comum. Nesse item há, também, a indicação
para uma redução no número de marcas a serem exportadas para o Brasil,
pois o Cônsul acredita que “quanto mais reduzido for o número de marcas dos
produtos, tanto mais fácil será a sua fiscalização nos mercados
importadores”
432
, o que revela, mais uma vez, a importância do mercado
brasileiro para as exportações portuguesas.
431
Relatório intitulado “Intercâmbio comercial entre Portugal e o Estado de São Paulo”, em 20
de agosto de 1938, p. 2. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
432
Idem, p. 3. Com relação a este segundo ponto de análise ainda merece destaque a
afirmação do nsul português quando ele elogia as embalagens brasileiras comentando que
“mister se faz também neste ponto, que os nossos exportadores procurem conhecer a
embalagem e elementos técnicos e modernos que aqui embora país novo se emprega
para a boa apresentação dos produtos ao consumidor, tirando daí as conclusões devidas”.
153
Com relação ao terceiro ponto, o Cônsul é categórico. Para ele, após a
resolução do problema da deficiência técnica, a questão do intercâmbio luso-
brasileiro é muito mais um problema político do que propriamente comercial ou
econômico, tendo em vista que “enquanto os dois governos não estabelecerem
entre si medidas de benefícios recíprocos, procurando favorecer-se
reciprocamente com medidas e vantagens práticas, principalmente com relação
ao regime aduaneiro, pouco ou nada se conseguirá”
433
. Ele ainda ressalta que
as principais perdas são portuguesas, logo, o governo deveria adotar as
medidas cabíveis e o mais breve possível, de modo a não mais ocasionar
perdas ao mercado exportador português.
no que diz respeito ao quarto ponto, referente à falta de uma linha de
navegação, o Cônsul português não tem dúvidas, ele salienta que este
problema poderia ser facilmente solucionado caso houvesse um barateamento
dos fretes encaminhados ao Brasil
434
.
E, por último, ficou o ponto da propaganda, a qual, na visão do Cônsul
português, é nula. Inclusive, para mudar este quadro, o representante
português acredita que a adoção de duas simples medidas resolveria o caso.
São elas: “divulgação dos produtos portugueses nos centros de consumo de
São Paulo e conhecimento dos mercados paulistas pelos nossos
exportadores”
435
. Com relação a este ponto o Cônsul ainda destaca que
qualquer uma destas medidas poderia ser facilmente posta em prática por meio
do “esforço das exportações portuguesas representadas pelos seus agentes ou
por intermédio da Câmara Portuguesa de Comércio, a quem está afeta a
propaganda dos nossos produtos”
436
. A questão da propaganda também
constituiu ponto de análise no artigo “O mercado brasileiro para a exportação
brasileira”, de João Sarmento Pimentel; na sua análise, “as coisas aqui vão
mesmo feias e tendem para pior, como prova a eloqüência dos números, se
433
Relatório intitulado “Intercâmbio comercial entre Portugal e o Estado de São Paulo”, em 20
de agosto de 1938, p. 4. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
434
Idem.
435
Ibidem, pp. 4-5.
436
Relatório intitulado “Intercâmbio comercial entre Portugal e o Estado de São Paulo”, em 20
de agosto de 1938, p. 5. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
154
não tomarem providências pelo menos em qualidade, embalagens e
propaganda”
437
.
Por fim, torna-se necessário mencionar que todo esse empenho
português, em incrementar o intercâmbio comercial luso-brasileiro, o qual
chegou a abranger, inclusive, o Cônsul português de São Paulo como foi
destacado anteriormente também está relacionado à tentativa portuguesa de
ocupar o importante espaço decorrente da ausência do seu grande
concorrente, a Espanha. De acordo com o pensamento português, a guerra
civil espanhola (1936-1939) deixou o mercado brasileiro livre do seu principal
rival, tendo em vista que “a concorrência de outros países que apresentem
produtos similares aos de Portugal pouco ou nada afeta o desenvolvimento de
negócios portugueses no Brasil”
438
. Portanto, olhando por este viés, nada mais
compreensível do que o empenho português em expandir e ocupar cada vez
mais o mercado brasileiro. Entretanto, outras motivações também ocupam a
ação de reaproximação portuguesa, como é o caso do aspecto cultural.
Deste modo, após alguns meses no Brasil e de visitar o Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul os mais importantes centros
econômicos brasileiros da época no entendimento da comissão portuguesa
439
, a missão comercial portuguesa retornou a Portugal em fins de outubro de
1938. Na sua despedida, o presidente da comissão, Sebastião Ramirez,
destacou que “os resultados da missão (...) não se circunscreveram ao âmbito
das relações comerciais entre os países. Foram mais além, porque firmaram
diretrizes novas e mais promissoras (...)”
440
. Talvez a fala do presidente da
comissão fosse uma espécie de prelúdio à assinatura do Protocolo Adicional ao
Tratado de Comércio e Navegação de 1933.
437
PIMENTEL, João Sarmento. O mercado brasileiro para a exportação portuguesa. In: Jornal
Correio Português, Lisboa, em 27 de agosto de 1939, p. 4.
438
Ofício nº 297, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 5 de
setembro de 1938. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
439
Estes foram os locais onde a comissão econômica portuguesa se deteve e trabalhou de
forma mais efetiva; não obstante, não foram os únicos, outros componentes da missão também
estiveram, rapidamente, em alguns pontos do nordeste, como foi o caso do Recife e da Bahia.
Locais onde a comissão “teve a oportunidade de entrar em contato com elementos da colônia
portuguesa, mostrando-se satisfeita com a acolhida que lhe foi dispensada”. Jornal Diário de
Notícias, Lisboa, em 28 de outubro de 1938, p. 2.
440
O Jornal, Lisboa, em 26 de outubro de 1938, p. 4.
155
3.4 Protocolo Adicional ao Tratado de Comércio e Navegação de 1933
O clima oportunizado pela vinda da missão comercial portuguesa ao
Brasil de amplas discussões acerca da reaproximação luso-brasileira levou
o governo português a sugerir ao Brasil o envio de uma delegação oficial a
Lisboa com poderes suficientes à negociações nesta área
441
. O governo
português ainda oferece outra demonstração de empenho neste sentido na
medida em que Oliveira Salazar sugere, na existência de “dificuldade ou
demora em aceitação a nosso convite, [o] governo português estaria disposto a
enviar [um] negociador ou [uma] delegação especial. Neste mesmo sentido
falarei aqui ao encarregado de negócios do Brasil”
442
.
O empenho português em intensificar as relações comerciais luso-
brasileiras também fica evidente quando Oliveira Salazar informa que o
governo português “deseja vivamente prosseguir na política de aproximação e
desenvolvimento das relações comerciais entre os dois países irmãos e
parece-lhe ter chegado momento de se iniciarem oficialmente negociações
naquele sentido”
443
. Como se constata, chegava o momento da assinatura de
um documento oficial que fosse capaz de colocar em prática tais anseios:
estava traçada a assinatura do protocolo adicional ao tratado de comércio e
navegação de 1933.
Atendendo a todo este esforço português, o governo brasileiro concorda
com a assinatura do protocolo adicional ao tratado de comércio e navegação
de 1933. Esta ocorre a 21 de julho de 1941, no Palácio de São Bento, em
Lisboa, diante da presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Antônio
de Oliveira Salazar e do Embaixador português no Brasil, Dr. Arthur Guimarães
Araújo Jorge e é tida como uma conseqüência direta do trabalho efetuado pela
missão comercial portuguesa enviada ao Brasil, em 1938. Portanto, é um outro
fruto da iniciativa de reaproximação portuguesa em relação ao Brasil. Por meio
441
Inclusive, o governo português utiliza como argumentação o fato de que “toda a
vantagem em não deixar perder uma ocasião que se afigura favorável e as boas disposições
de que parecem animadas algumas das pessoas que presentemente teriam de interferir no
assunto”. Telegrama da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 23 de novembro de 1938. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 233 A.
442
Idem.
443
Ibidem.
156
deste protocolo, Portugal procurava conter a onda protecionista internacional,
evitando a adoção de restrições relacionadas à importação e exportação dos
produtos de Portugal e do Brasil indicados nas listas anexas ao protocolo
444
.
No que se refere à elaboração do texto do protocolo adicional de 1941
há, novamente, que se destacar o grande interesse e as modificações
efetuadas pelo governo português, uma vez que quase todo o texto do projeto
enviado pelo governo brasileiro foi alterado. Vejam-se as principais mudanças
na seqüência do texto.
O primeiro artigo do protocolo reproduzia idéia original do projeto
brasileiro, entretanto, determina a discriminação em listas anexas ao
protocolo dos produtos que eram isentos de aumentos aduaneiros durante a
vigência do protocolo, tendo em vista que os mesmos variavam de ano para
ano.
O segundo artigo, por sua vez, corresponde ao do projeto brasileiro,
contudo, apresenta uma pequena substituição de texto
445
, a qual foi pensada
com vistas a substituir o terceiro e quarto parágrafos do projeto proposto pelo
Brasil, ficando o texto da seguinte forma:
As comissões estudarão muito especialmente a
possibilidade de serem adotadas medidas tendentes a
favorecer a importação e colocação nos respectivos
mercados dos seguintes produtos: quanto aos brasileiros,
algodão e seus tecidos, madeiras, produtos
farmacêuticos, couros, peles, tabaco, café, frutas frescas
e farinha de mandioca, e, quanto aos portugueses,
vinhos, azeite, conservas, frutas, cortiça, mármores e
bordados de Madeira. Procederão, outrossim, ao estudo
das facilidades recíprocas a conceder aos navios
mercantes dos dois países na base do tratamento
nacional em cada um deles
446
.
444
Tratados e Actos Internacionais: Brasil-Portugal. Lisboa: Embaixada do Brasil, 1962, p. 165.
Sobre as listas de produtos, ver anexos deste trabalho.
445
As modificações referidas são: “... uma comissão técnica, as quais examinarão...” pela frase
“uma comissão técnica de três membros, incumbida de examinar...”; como se pode constatar, a
mudança indicada pelo governo português melhorou a redação do artigo, mas não alterou o
sentido do artigo brasileiro, além de precisar o número dos componentes de cada comissão
técnica.
446
O projeto foi encaminhado ao Brasil como anexo ao Ofício nº 1, da Embaixada brasileira em
Lisboa ao Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em de janeiro de 1941. A.
H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
157
O artigo terceiro do protocolo indica às duas comissões o estudo de dois
importantes pontos de interesse luso-brasileiro: o desenvolvimento de
facilidades à emigração e o estabelecimento de zonas francas no Rio de
Janeiro e em Lisboa para os produtos de ambos os países
447
.
O quinto artigo não indicou modificações ao texto encaminhado pelo
governo brasileiro. A sua principal determinação constituía-se pelo
estabelecimento do dia 15 de novembro como a data para a reunião das duas
comissões, em Lisboa, e início da preparação do relatório que deveria ser
entregue ao governo português e brasileiro, impreterivelmente, até o dia 31 de
janeiro de 1942
448
.
O protocolo comercial de 1941 ainda determinava a nomeação de uma
comissão por parte dos dois governos no prazo de trinta dias –, a qual ficava
encarregada de estudar as formas de incremento para o intercâmbio dos
produtos mais importantes da pauta de exportação luso-brasileira. O
documento definia, também, que após este estudo as duas comissões se
reuniriam em Lisboa e elaborariam um relatório que deveria ficar pronto até
30 de junho de 1942 – apresentando-o, posteriormente, ao governo de Portugal
e do Brasil
449
.
O último artigo do protocolo também não apresentava alterações ao
projeto original. Sua principal atribuição estipulava que “o presente protocolo
entra em vigor imediatamente e caducará em 30 de junho de 1942, sem
possibilidade de prorrogação”
450
.
Como anexo ao protocolo de 1941 figuravam as listas dos produtos de
origem brasileira e portuguesa mencionados no seu artigo primeiro, os quais
não sofreriam aumentos de direitos de importação ou taxas adicionais. Assim,
do lado brasileiro figuravam as peles em bruto ou preparadas, secas; aduelas
em bruto; algodão em caroço, em rama, ou simplesmente cardado, não tinto;
447
Estas disposições já faziam parte do Tratado de Comércio e Navegação de 1933.
448
O artigo quinto ainda determinava que “a cada uma das comissões poderão ser agregados,
sem limitação de número, os delegados técnicos que forem considerados necessários para os
assuntos a examinar”.
449
Artigo V do Protocolo Adicional ao Tratado de Comércio e Navegação de 1933.
450
Idem.
158
madeira em bruto; piaçaba; tripas secas e suas imitações; tecidos de algodão,
crus, brancos ou tintos, pesando até 6 kg, em 100m
2
; tecidos de algodão
mesclados com seda; café com casca ou descascado; tabaco em charutos e
cigarrilhas com capa de tabaco; tabaco em cigarros e tabaco picado.
Do lado português, a lista era composta pelos seguintes itens: peixe em
conserva de qualquer modo preparado; bordados de madeira; ameixas,
cerejas, damascos, maçãs, melões, morangos, pêssegos, pêras, uvas e
semelhantes, frescas ou verdes; amêndoas, avelãs, castanhas, côcos e nozes;
frutas secas ou passadas, não especificadas; frutas em conserva, azeitonas;
bebidas alcoólicas; gomas, gomas-resinas e bálsamos naturais; óleos fixos
líquidos de oliveira ou azeite doce, cru ou bruto, purificado ou refinado; vinhos;
cortiça em bruto ou simplesmente desbastada, em farelo,, serragem e
raspas; cortiça em obras; palitos para dentes, fósforos, unhas e semelhantes,
de qualquer madeira; livros para leitura; alabastro, mármore, pórfiro e pedras
semelhantes, naturais ou artificiais, em bruto e em obras; leveduras e
fermentos industriais; cloretos ou cloruretos; ferramentas grossas.
Como se pode verificar pela listagem dos produtos brasileiros e
portugueses, a quantidade dos segundos era notadamente superior. A
percepção a este detalhe justifica o grande interesse português em aprofundar
as relações comerciais luso-brasileiras e o envio da missão comercial
portuguesa ao Brasil, em 1938. Esta leitura também pode ser verificada a partir
de um trecho do ofício do Embaixador brasileiro em Portugal, Artur Guimarães
Araújo Jorge, no momento em que ele ressalta o interesse e a “urgência” do
governo português em assinar o protocolo de 1941, afirmando que “não preciso
dizer a Vossa Excelência quanto o governo português estimaria poder assinar
este protocolo o mais breve possível, afim de que as comissões técnicas nele
previstas possam ser logo nomeadas e dar início aos seus trabalhos”
451
.
Esta iminência do lado português em assinar o protocolo adicional ao
tratado comercial de 1933 tinha suas razões de ser, que Portugal, cada vez
mais, estava diminuindo o número de suas exportações para o Brasil e
perdendo espaço junto ao mercado brasileiro. A tabela da página seguinte
159
indica o intercâmbio comercial de Portugal com o Brasil no período
compreendido entre os anos de 1938 a 1945
452
:
TABELA 3.1 – Intercâmbio comercial luso-brasileiro (1938-1945)
Anos Importação Exportação Saldos em
Escudos
1938 47.209 104.341 + 57.132
1939 43.217 63.964 + 20.747
1940 96.745 70.852 - 25.893
1941 88.064 82.462 - 5.602
1942 42.576 79.053 + 36.477
1943 25.490 100.251 + 74.761
1944 87.566 141.199 + 53.633
1945 103.274 184.350 +81.076
Fonte: I. N. E.
Da leitura dos dados apontados na tabela acima destacam-se os anos
de 1940 e 1941 como aqueles nos quais as exportações portuguesas para o
Brasil atingiram os seus menores índices gerando, inclusive, um déficit junto à
balança comercial portuguesa. Comentando sobre os motivos para o fraco
desempenho das exportações portuguesas para o Brasil no mencionado
período, Antônio da Silva Rego explica que:
Portugal não podia oferecer ao Brasil reciprocidade
plena. Bem cedo se verificou esta realidade. As
exportações para o país irmão declinaram gravemente. A
Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de
Janeiro, presidida por Vitorino Moreira, iniciou bem
conduzida campanha no sentido de se preparar novo
tratado comercial, mais em harmonia com as verdadeiras
possibilidades de cada país. Os exportadores
portugueses, quer por não estarem preparados para a
luta com outros concorrentes europeus, quer por não
451
Anexo ao Ofício nº 1, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das
Relações Exteriores do Brasil, em 1º de janeiro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
452
Nos anexos deste trabalho estão apresentadas duas tabelas referentes à listagem dos
produtos da importação e da exportação portuguesa para o Brasil neste período (1938-1945).
160
disporem de meios suficientes, não acompanhavam as
exigências que o mercado brasileiro oferecia
453
.
Por outro lado, pode-se conceber a diminuição no número das
exportações portuguesas para o Brasil como um reflexo da política econômica
brasileira adotada no período. O governo brasileiro desenvolvia um novo
redirecionamento da economia, porque “à medida que propalava a prioridade
do mercado interno, ia-se tornando evidente que a expansão deste dependia
do êxito do setor exportador, pois o programa de fomento à industrialização
interna necessitava de divisas”
454
. Portanto, o governo brasileiro tinha por base
a colocação de restrições à importação para a defesa do equilíbrio econômico;
política esta que afetava, diretamente, os interesses comerciais de Portugal.
Em uma primeira análise, pode representar que os resultados do
protocolo adicional ao tratado comercial de 1933 foram insatisfatórios; todavia,
que se avaliar que o referido protocolo possibilitou a correção de algumas
incoerências no comércio luso-brasileiro, como é o caso das exportações de
couros e peles do Brasil. Este tipo de exportação brasileira vinha tendo perdas
em decorrência das medidas adotadas pelo Ministério da Economia de
Portugal com o objetivo de favorecer e desenvolver os produtos de origem
das colônias portuguesas
455
por meio do despacho de 27 de novembro de
1941, que estabelecia “taxas à importação das peles e couros em cabelo, entre
os quais se encontram os de origem brasileira, pagando 2$00 escudos por
quilo”
456
. A reclamação brasileira tinha por base o fato de que por meio dessa
taxa de compensação, as exportações brasileiras de couro e de peles pagavam
2$00 escudos por quilo, enquanto que o produto uruguaio pagava apenas 1$00
453
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 105.
454
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o capitalismo em construção (1906-1954). São
Paulo: Brasiliense, 1989, p. 268. Neste sentido, Fonseca ainda destaca que “nos discursos de
Vargas aparecem, lado a lado, a apologia do mercado interno e os anseios do governo em
incrementar as exportações”, tendo em vista que “não restava outra alternativa senão diminuir
e selecionar as importações e aumentar as exportações”.
455
O governo de Portugal havia adotado estas medidas de proteção com relação ao couro e
peles produzidos nas áreas coloniais, porque em virtude da guerra esses produtos atingiram
preços muito altos, o que comprometia a concorrência com as cotações dos mesmos produtos
brasileiros. Ofício nº 213, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das
Relações Exteriores do Brasil, em 4 de dezembro de 1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de
1942.
161
escudo, ou seja, o mesmo valor pago pelas colônias portuguesas. Entretanto, o
Uruguai não tinha um tratado de comércio com Portugal. Neste sentido, o
governo brasileiro apelou a Portugal, tendo por base o texto do segundo artigo
do protocolo adicional ao tratado comercial de 1933.
Por outro lado, que se ter em mente a conjuntura internacional da
época, período que, em decorrência da guerra, se caracteriza por um
retraimento geral da economia. Além disso, como bem atesta um trecho do
ofício emitido pelo Embaixador Artur Guimarães Araújo Jorge, em 22 de julho
de 1941, a assinatura do protocolo permitiria, futuramente, a correção do
problema da desvantagem às exportações brasileiras por meio da adoção de
um novo tratado, como se pode verificar a seguir:
O presente ato representa muito pouco em relação com o
que resta a fazer para promover e fomentar o
desenvolvimento das relações econômico-comerciais
entre o Brasil e Portugal; mas, indubitavelmente, ele
constitui o primeiro passo seguro para a celebração, em
data próxima, de um novo tratado de comércio em
substituição ao de 1933, que nos é tão desvantajoso
457
.
Não obstante estas considerações, ressalta-se o fato do protocolo
adicional de 1941 ter assumido “o compromisso da nomeação das duas
comissões e o da determinação dos seus trabalhos dentro de prazos pré-
fixados”
458
, tendo em vista todo o empenho e trabalho desenvolvido por estas
duas comissões em prol da intensificação comercial luso-brasileira.
3.5 Formação e atuação da Comissão Mista Luso-Brasileira
O segundo artigo do protocolo adicional ao tratado de 1933, assinado
em julho de 1941, determinava a formação de duas comissões técnicas uma
brasileira e outra portuguesa, compostas por 3 membros cada. Estas duas
456
Idem.
457
Relatório nº 126, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 22 de julho de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
458
Idem.
162
comissões tinham a função de trabalhar em conjunto, visando o
desenvolvimento das “bases em que virão a assentar as disposições jurídico-
econômicas do tratado comercial”
459
a ser assinado, posteriormente, entre
Brasil e Portugal. Deste modo, com o objetivo da composição desta, reuniram-
se em 15 de novembro de 1941, no salão da biblioteca do Palácio da
Assembléia Nacional, em Lisboa, os comissários portugueses Dr. Luiz
Cincinato da Costa, deputado e professor do Instituto de Agronomia; Castro
Caldas, Vice-Presidente do Conselho Tecnológico Corporativo e Albino Cabral
Pessoa, Secretário Geral do Banco de Portugal. Nesta reunião, o Brasil estava
representado pelo Sr. Joaquim Pinto Dias, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa e
Roberto Mendes Gonçalves, Primeiro Secretário da Embaixada Brasileira
sediada em Lisboa
460
. Após alguns dias, Getúlio Vargas modificou a
composição da comissão brasileira, nomeando o Embaixador Afrânio Araújo
Jorge para ocupar o lugar de Roberto Mendes Gonçalves
461
.
Em virtude do pouco tempo que esta comissão tinha para realizar o seu
trabalho pois conforme determinação do quinto artigo do protocolo adicional
de 1941, a referida comissão deveria encaminhar um relatório até 31 de janeiro
de 1942 o início dos trabalhos foi imediato. Entre as atribuições desta
comissão mista, figurava, em primeiro lugar, a necessidade de encontrar
medidas que favorecessem a importação e colocação no mercado português e
brasileiro dos seguintes produtos: vinhos, azeite, conservas, frutas, cortiça,
mármores e bordados de madeira do lado português e, do lado brasileiro, a
lista era constituída por algodão e seus tecidos, madeiras, produtos
farmacêuticos, couros, peles, tabaco, café, frutas frescas e farinha de
mandioca
462
. Além destas atribuições, as comissões também tinham a
459
Relatório nº 126, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 22 de julho de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
460
Do lado brasileiro não estava presente o comissário Paulo Frederico de Magalhães, alto
funcionário do Banco do Brasil. Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro
de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de
Ofícios, ano de 1941.
461
Esta mudança na composição da comissão brasileira foi determinada por Getúlio Vargas e
encaminhada a Portugal por meio do telegrama nº 161, de Maurício Nabuco, Ministro de
Estado, interino, das Relações Exteriores. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
462
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
163
responsabilidade de realizar um estudo para o desenvolvimento de facilidades
ao Brasil e a Portugal quanto aos seus navios mercantes, ao estabelecimento
de uma zona franca em Lisboa e outra no Rio de Janeiro, para os produtos
originários do Brasil e de Portugal
463
, bem como o incremento à política de
emigração luso-brasileira
464
.
Conforme o relatório do Embaixador brasileiro em Portugal, Artur
Guimarães Araújo Jorge, uma das primeiras ações da comissão mista luso-
brasileira foi o exame das estatísticas econômicas relacionadas a Brasil e
Portugal. De acordo com os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de
Estatística Português, na ocasião, a comissão pode averiguar que nos últimos
5 anos (1936 a 1940) o comércio luso-brasileiro abrangeu as cifras apontadas
na tabela da página seguinte
465
:
463
Este item estava em conformidade com o artigo oitavo do Tratado de Comércio e
Navegação de 26 de agosto de 1933.
464
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
465
Esta tabela foi elaborada tendo por base os dados apresentados no Ofício nº 205, da
Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em
24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
164
TABELA 3.2 – Comércio luso-brasileiro (1936-1940)
Ano Importações Exportações Import. + Export. Saldo
1936 40 milhões e
649 mil
escudos
45 milhões e
579 mil
escudos
86 milhões e 228 mil
escudos
Saldo – ao
Brasil 5 milhões
de escudos
1937 69 mil e 118
mil escudos
50 milhões e
824 mil
escudos
119 milhões e 942
mil escudos
Saldo + ao
Brasil em 19
milhões de
escudos
1938 47 milhões e
209 mil
escudos
64 milhões e
341 mil
escudos
111 milhões e 550
mil escudos
Saldo – ao
Brasil em 17
milhões de
escudos
1939 43 milhões e
217 mil
escudos
63 milhões e
964 mil
escudos
107 milhões e 181
mil escudos
Saldo – ao
Brasil em mais
de 20 milhões
de escudos
1940 96 milhões e
745 mil
escudos
70 milhões e
852 mil
escudos
167 milhões e 597
mil escudos
Saldo + ao
Brasil em cerca
de 26 milhões
de escudos
Observando-se os dados apresentados na tabela acima pode-se
verificar que, em termos de relações comerciais luso-brasileiras, o ano de 1936
apresentou um saldo negativo ao Brasil de aproximadamente 5 milhões de
escudos. No ano seguinte, em 1937, além de ocorrer um aumento de 34
milhões de escudos no volume comercial luso-brasileiro, o Brasil teve um saldo
favorável de cerca de 19 milhões de escudos. Entretanto, o ano de 1938,
novamente, revelou um saldo positivo a Portugal de aproximadamente 17
165
milhões. Este saldo positivo a Portugal manteve-se no ano seguinte, em 1939,
e ficou acima dos 20 milhões de escudos. Contudo, o ano de 1940 trouxe
novidades positivas ao Brasil, pois o volume das transações comerciais luso-
brasileiras teve um aumento de aproximadamente 60 milhões de escudos e o
saldo positivo ao Brasil atingiu a cifra de 26 milhões de escudos, ou seja, o
maior número dentre os 5 anos analisados
466
. Neste mesmo período (1936 a
1940), o comércio português abrangeu as seguintes cifras
467
:
TABELA 3.3 – Comércio português (1936-1940)
Ano Importações Exportações Import. + Export.
1936 2,04% 4,44% 2,86%
1937 0,31% 4,23% 0,42%
1938 0,21% 0,63% 0,35%
1939 2,08% 4,79% 3,14%
1940 3,96% 4,38% 4,13%
Analisando a tabela acima, a comissão mista chegou a algumas
constatações visíveis e em nenhum aspecto animadoras: a primeira dizia
respeito ao pequeno número nas transações comerciais luso-brasileiras; a
segunda, por sua vez, relacionava-se ao fato de que o comércio entre Brasil e
Portugal manteve-se, em linhas gerais, num nível estacionário, com pequenas
variações e que, no total, privilegiaram as exportações portuguesas.
Assim, a análise das cifras econômicas luso-brasileiras elaborada pelos
comissários brasileiros, principalmente no ano de 1940, momento em que a
balança comercial foi mais favorável ao Brasil, sugeriu que o referido ano fosse
tomado como exemplo para o incremento das exportações brasileiras com
466
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
467
Esta tabela foi elaborada tendo por base os dados apresentados no Ofício nº 205, da
Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em
24 de novembro de 1941, p. 4. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
166
destino a Portugal
468
, pois de acordo com o Embaixador brasileiro Artur
Guimarães Araújo Jorge tornava-se necessário “tirar as lições necessárias
dessas circunstâncias e fazer com que a experiência feita com os produtos
brasileiros desse o resultado que se esperava”
469
. Araújo Jorge ainda
considerava que o mesmo procedimento poderia ser aplicado aos produtos
portugueses exportados para o Brasil.
Com base nestas considerações e tendo o ano de 1940 como parâmetro
de análise, a comissão brasileira começou a avaliar a posição dos produtos de
origem brasileira arrolados no protocolo adicional de 1941
470
. Neste sentido, o
algodão figurava como o primeiro produto da lista a ser analisado. O volume
das exportações de algodão para Portugal, em 1940, correspondeu a 25.960
toneladas, o que significava a cifra de 173.289,275 escudos
471
. Com este
montante de exportação, o Brasil representou o principal fornecedor do produto
a Portugal tendo, inclusive, superado até mesmo o Império Colonial Português.
A avaliação destes dados permitiu à comissão brasileira concluir que o algodão
brasileiro ocupava uma satisfatória posição junto ao mercado português, o que
implicava num cuidado quanto a este importante mercado consumidor e a
manutenção na qualidade do algodão exportado para Portugal.
Entretanto, quando o assunto eram os tecidos de algodão, a avaliação
feita pela comissão brasileira apresentou algumas alterações. Em Portugal, os
468
Neste momento do texto não se pode cometer a apreciação precipitada de se pensar que os
comissários brasileiros ignoraram o aumento das exportações brasileiras como uma
decorrência do início da Segunda Guerra Mundial pois, como eles mesmos afirmaram se as
cifras desse ano não podem servir de base para a solução duradoura dos problemas em
equação, por se referirem a um período em que o mundo está a sofrer as mais graves
perturbações, nem por isso deixam de ser interessantes as observações que elas nos possam
sugerir”. Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 5. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
469
Idem.
470
A lista dos produtos arrolados no Protocolo Adicional de 1941 era composta pelos seguintes
itens: algodão e seus tecidos; madeiras; produtos farmacêuticos; couros e peles; tabaco; café;
frutas frescas e farinha de mandioca.
471
O algodão brasileiro exportado para Portugal era dividido em duas categorias: a) algodão
em caroço, em rama, ou simplesmente cardado, não tinto; b) algodão em desperdícios, tintos
ou não, e borbotos. Do primeiro grupo foi exportado para Portugal cerca de 8.836,380 quilos do
produto brasileiro, o equivalente a 58.975,266 escudos e, quanto ao segundo grupo, foi
exportado um total de 1.322,747 quilos, o que correspondia a 4.859,900 escudos. Ofício
205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações Exteriores do
Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 6. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
167
tecidos de algodão eram divididos em cinco categorias, conforme descrição a
seguir:
a) Tecidos de algodão, não especificados, crus;
b) Tecidos de algodão, não especificados, brancos;
c) Tecidos de algodão, não especificados, tintos, pesando mais de 14
quilogramas em 100 metros quadrados;
d) Tecidos de algodão, não especificados, tintos, pesando mais de 6 até 14
quilogramas em 100 metros quadrados;
e) Tecidos de algodão, não especificados, tintos, pesando até 6 quilogramas
em 100 metros quadrados.
Em 1940, o total das importações portuguesas nessas cinco categorias
compreendeu a cifra de 130.701 quilos, o que corresponde ao valor
aproximado de 9.134.949 escudos. Não obstante, a comissão apurou que
neste montante o Brasil contribuiu com apenas 5.152 quilos, o que perfazia um
valor de aproximadamente 252.540 quilos e como a Inglaterra constituía o
fornecedor absoluto destes produtos mais de 50% importações portuguesas
no quesito tecidos de algodão era praticamente impossível melhorar a
posição das exportações brasileiras.
Com relação à madeira, próximo produto da pauta de exportações
brasileiras arrolado no protocolo adicional de 1941, o quadro voltava a
melhorar, tendo em vista que, em 1940, o Brasil foi o maior fornecedor do
produto na sua forma bruta os dados avaliados dividiram a madeira em duas
categorias: a madeira bruta e a serrada. No referido ano, as exportações
brasileiras de madeira bruta compreenderam o montante de 5.695.682 quilos, o
que perfazia o valor aproximado de 1.531.00 escudos e, quanto à madeira
serrada, o Brasil contribuiu com 1.885 metros cúbicos, o que correspondia a
1.077.880 escudos. De posse destas estatísticas, a comissão avaliou que o
Brasil tinha condições de incrementar as exportações de madeira para
Portugal, tanto aquelas em estado bruto, como as serradas.
No que diz respeito aos produtos farmacêuticos que os portugueses
importavam com o nome de medicamentos a comissão apurou que Portugal
168
importou 227 toneladas, em 1940, o que correspondia ao valor de 24.521.002
escudos. Não obstante, o papel desempenhado pelo Brasil nestas exportações
foi muito pequeno, para não dizer mínimo, afinal, não chegou a atingir 4
toneladas, o que registrava a pequena cifra de 275.397 escudos. Objetivando
demonstrar com mais clareza o quadro das exportações brasileiras de
medicamentos para Portugal, a comissão ainda identificou que os
medicamentos importados por Portugal eram divididos em cinco categorias
(medicamentos; medicamentos não especificados; soros e vacinas;
sanocrisina, alocrisina e outros aurisais para o tratamento da tuberculose,
insulina e, por fim, os medicamentos opoterápicos) e que as exportações de
medicamentos brasileiros para Portugal se faziam presentes somente nas três
primeiras categorias dos remédios indicados.
A comissão brasileira também assinalou que as exportações de
medicamentos produzidos no Brasil, muito embora os progressos realizados,
tinham muito a crescer, uma vez que ainda não tinham atingido nem sequer 2%
do valor das importações. Como uma alternativa de incremento no número das
exportações de medicamentos para Portugal, a comissão assinala que “é
preciso realçar a necessidade iniludível de uma vasta publicidade a fim de
tornar os nossos produtos conhecidos e acreditados em Portugal”
472
. A
comissão destaca, ainda, as dificuldades que os representantes dos
laboratórios brasileiros têm enfrentado em Portugal diante da tentativa de
agenciarem as suas mercadorias e o número exagerado de exigências
relacionadas à matéria de análise dos seus produtos como sérios entraves ao
desenvolvimento das importações portuguesas de medicamentos brasileiros;
mercado, aliás, em que o Brasil enfrenta forte concorrência de outros países.
No que respeita a couros e peles a situação das exportações brasileiras
também não era das melhores. Neste aspecto, a comissão apurou que o total
das importações portuguesas, em 1940, foi de 3.483 toneladas, perfazendo o
valor de 39.293.406 escudos, sendo que ao Brasil, nestas cifras, coube apenas
472
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 12. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
169
a quantia de 8.041.075 escudos, o que correspondia a pouco mais de 20% do
valor total das importações.
Para facilitar o estudo da categoria couros e peles, a comissão brasileira
dividiu o assunto em peles curtidas e peles em bruto. Deste modo, apurou que
na primeira categoria a de peles curtidas o valor total das importações
portuguesas correspondeu a 55.985 quilos, no valor aproximado de 8.889.546
escudos, e neste valor o Brasil contribuiu com apenas 2.003 quilos, ou seja,
não chegou nem a 2% das importações portuguesas. Contudo, a situação
melhora no que diz respeito às peles em bruto, pois “a contribuição do Brasil foi
de 924.661 quilos no valor de 7.876.545, quase tudo em peles secas,
limitando-se a importação das nossas peles verdes em 1000 quilos ou 4.100
escudos”
473
. Em outras palavras, a contribuição brasileira foi superior a 30% no
valor das importações portuguesas
474
.
Desta forma, a comissão brasileira conclui que no comércio de couros e
peles brasileiras com destino a Portugal havia muito a ser feito, principalmente
com as peles em estado bruto que tinham forte concorrência com a produção
do Império Colonial português e, havia também, a necessidade urgente de
melhorar a situação das peles curtidas, na qual a participação brasileira era
mínima. Inclusive, objetivando melhorar a situação do quadro brasileiro, a
comissão pondera que “para facilitar a introdução dos nossos couros e peles
talvez fosse possível conseguir uma redução das taxas alfandegárias, que são
um tanto elevadas”
475
.
O tabaco constitui o ponto de análise seguinte da comissão. Com
relação a este item, a comissão destaca que o referido produto está dividido
em quatro categorias: a) tabaco em folha; b) tabaco em charutos e cigarrilhos
com capa de tabaco; c) tabaco em cigarros; d) tabaco picado. Dentre as quatro
categorias citadas, o tabaco em folha é a que representa o maior volume das
exportações brasileiras para Portugal, chegando a apresentar uma grande
473
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 13. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
474
A comissão brasileira ainda apurou que o Império Colonial Português contribuiu com
10.098.059 escudos, sendo assim o principal concorrente às exportações brasileiras de peles
brutas. Idem.
475
Ibidem.
170
diferença com relação às demais. Entretanto, as exportações de tabaco em
folha ainda eram inexpressivas, se comparadas com outros países como
demonstra a tabela a seguir
476
:
TABELA 3.4 – Importações portuguesas de tabaco em folha
País Total em quilos Total em escudos
Brasil 22.629 145.750
Estados Unidos 2.109.445 26.236.295
Império Colonial Português 408.124 2.453.133
Índias Holandesas 178.574 1.871.020
Holanda 80.490 982.771
Cuba 28.571 448.070
Grécia 24.178 285.869
Total das importações port. 2.909.369 33.202.759
Analisando a tabela acima, pode-se concluir que as exportações
brasileiras de tabaco em folha, em 1940, representaram menos de 1,2% do
comércio total do produto
477
. Nas demais categorias do produto, as
importações portuguesas também foram baixas
478
, fato que levou a comissão a
efetuar as seguintes conclusões:
476
Esta tabela foi elaborada tendo por base os dados apresentados no Ofício nº 205, da
Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em
24 de novembro de 1941. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
477
Com relação a este assunto é interessante notar-se que o valor do kg do tabaco brasileiro
correspondia a aproximadamente 6,44, enquanto o de Cuba o mais caro entre eles é de
mais ou menos 15,68; dos Estados Unidos 12,43; da Holanda 12,20 e, que somente o
originário do Império Colonial português era mais barato que o similar brasileiro, pois custava
6,01. Talvez isto não comprove a afirmação de que por ser “forte” era pouco aproveitado,
mas parece indicar que o produto o tem uma boa qualidade posto que é vendido por baixa
cotação. Também é se de destacar que é o país com menor volume de exportação do produto
para Portugal.
478
No que diz respeito ao tabaco em charutos e cigarrilhos, Portugal importou 7.717 quilos.
Destes, o Brasil colaborou com 2.742 quilos. Na categoria de tabaco em cigarros, Portugal
importou a quantidade de 39.283 quilos, sendo que as exportações brasileiras deste produto
para Portugal foram de apenas 628 quilos. E, por fim, na última categoria, a de tabaco picado,
a importação portuguesa compreendeu o montante de 2.668 quilos e o Brasil contribuiu nesta
171
Quanto ao tabaco em folha, como se viu, são
insignificantes as remessas brasileiras, mas pode-se
ainda, em parte, justificar esse pequeno volume, por ser
o nosso tabaco considerado demasiado forte, sendo mais
utilizado em misturas com os de outras procedências. No
que diz respeito, porém, aos charutos e cigarros, a
justificação é menos fácil. A indústria brasileira de
tabacos atingiu grau elevado de aperfeiçoamento e os
seus produtos têm a melhor aceitação nos mercados os
mais exigentes. Temos, portanto, que procurar as causas
do fraco nível de exportação. A primeira é, sem dúvida, a
falta de uma publicidade adequada (...). Poderá influir
também a qualidade do papel empregado na fabricação
dos cigarros, além de outras razões
479
.
O café constituiu o próximo ponto de pauta na análise da comissão
brasileira. Com relação a este produto os comissários apuraram que, em 1940,
Portugal havia importado 7.822 toneladas, sendo que neste montante o Brasil
contribuiu com a quantia de apenas 1.466.107 quilos do produto, ou seja, neste
quesito, a contribuição brasileira ficou em 20%, sendo que o maior concorrente
do Brasil foi o império colonial português, que exportou para sua metrópole o
equivalente a 6.352.950 quilos do produto – os demais concorrentes brasileiros
exportaram café em frações quase insignificantes
480
. Preocupados com este
aspecto, os comissários brasileiros chamam a atenção para uma resolução da
Junta de Exportação do Café Colonial, tomada em novembro de 1940, a qual
estabelecia aos importadores de café o limite da importação de um saco de
café estrangeiro por três sacos do café colonial, o que constituía sério
obstáculo às exportações do café brasileiro.
Com relação às frutas frescas, ponto de análise seguinte, a situação
brasileira não demonstra nenhuma melhoria, muito pelo contrário, tendo em
com a reduzida parcela de 53 quilos. Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao
Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, pp. 15-16.
A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
479
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 17. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
480
A título de informação indica-se que “entre os países americanos, além do Brasil, somente a
Costa Rica exportou a quantidade mínima de 344 quilos no valor de 5.000 escudos. Os outros
países mencionados na estatística são: a Inglaterra com 348 quilos e 4.450 escudos; a
Holanda, com 187 quilos e 1.290 escudos e a África Oriental Britânica, com 173 quilos e 2.200
escudos”. Ibidem, pp. 18-19.
172
vista que “as frutas frescas brasileiras não figuram no comércio de importação
de Portugal em 1940”
481
. No citado ano, Portugal importou um total de 217.652
quilos de frutas frescas, o que resultou num total de 287.110 escudos. Para
este montante contribuiu com quase que a totalidade das exportações o
império colonial português. De acordo com o estudo da comissão brasileira, as
possibilidades de colocação das frutas brasileiras em Portugal o muito
reduzidas, tendo em vista que o “país é ele mesmo produtor das mais variadas
qualidades de frutas (...) e quanto às frutas de origem tropical, são elas
produzidas nas colônias e mesmo nas ilhas adjacentes”
482
. A única ressalva
feita pelos comissários diz respeito à laranja brasileira, pois a colheita desta
fruta é feita em períodos diferentes em um e outro país e, neste caso
específico, o Brasil poderia abastecer Portugal no momento da entressafra
portuguesa. Inclusive, a comissão destaca que no Brasil as frutas portuguesas
eram beneficiadas pela isenção de direitos alfandegários, benefício este que o
governo brasileiro poderia tentar obter para as frutas brasileiras com destino a
Portugal.
Em 1940, as importações portuguesas de farinha de mandioca
chegaram a atingir a quantidade de 253.895 quilos, o que correspondia ao
valor de 185.600 escudos. Nestas importações, o Brasil contribuiu com a
pequena parcela de 93.000 quilos, o que resultava no valor aproximado de
86.200 escudos. O valor apurado pela comissão é muito baixo, ainda mais
porque, no passado, atingiu a patamares muito mais elevados. Segundo a
análise da comissão brasileira, a brusca queda nas importações da farinha de
mandioca brasileira acontecia em razão do aumento de sua produção nas
colônias portuguesas e, em virtude da adição obrigatória de azul de metileno à
farinha brasileira, os comissários não acreditam no incremento das exportações
brasileiras deste produto
483
.
Na parte de conclusão do relatório, a comissão brasileira instituída pelo
protocolo adicional ao tratado de comércio de 1941 destaca que se limitou a
481
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 19. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
482
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 20. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
173
analisar os oito produtos citados; contudo considera que “há outros produtos
que merecem estudo especial, como as carnes congeladas, os óleos e
gorduras animais, as sementes e frutos oleaginosos, as tripas secas, o açúcar,
o mate, além dos vários produtos das nossas indústrias”
484
. Por fim, os
comissários brasileiros, após a análise da situação dos oito produtos arrolados
no referido protocolo, chegam às seguintes conclusões:
Dos oito artigos tratados, somente quanto ao algodão e
às madeiras, desfruta o Brasil da situação satisfatória no
intercâmbio comercial com Portugal. Os tecidos de
algodão entram por enquanto em pequeníssima escala,
sendo vasto o campo para o seu desenvolvimento. No
que diz respeito às peles em estado bruto,
principalmente, secas, o produto brasileiro encontra
aceitação em Portugal, representando 30% da
importação. muito que fazer, porém, quanto às peles
curtidas
485
.
Com relação ao café, ao tabaco e aos produtos farmacêuticos, a
avaliação da comissão é ainda mais pessimista, afinal, o café, produto que é
tido como o carro chefe da economia brasileira, é importado por Portugal numa
proporção inferior a 20%; com relação ao tabaco, a comissão destaca que “as
nossas adiantadas indústrias de tabaco, seja na forma de charutos, cigarrilhos
ou cigarros, não conseguem senão em escala mínima, introduzir aqui os seus
produtos”
486
. no que diz respeito aos últimos itens avaliados as frutas
secas e a farinha de mandioca as possibilidades de incremento nas
exportações brasileiras para Portugal apresentavam-se de forma muito
limitada, pois não tinham condições de concorrer com a produção portuguesa
efetuada no seu Império Colonial.
Diante desta situação amplamente desfavorável ao Brasil, todo o
relatório da comissão tem por base o “princípio de que os favores concedidos
por um país ao outro não seriam extensivos aos governos com os quais existe
483
Idem.
484
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 21. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
485
Idem, p. 20.
174
tratado comercial a cláusula de nação mais favorecida
487
. Seguindo esta linha
de pensamento, a comissão apresenta, ainda, como sugestão a adoção do
princípio do equilíbrio nas trocas comerciais luso-brasileiras, justificando sua
proposta com o seguinte argumento:
A aplicação desse princípio concretiza-se na sugestão
feita ao governo português de conceder uma redução de
30% aos produtos manufaturados brasileiros em geral e,
principalmente, àqueles que como os tecidos finos de
algodão, de seda natural e artificial e de lã, e aos das
indústrias de chapéus, calçados, artefatos de borracha,
gêneros alimentícios e produtos farmacêuticos, podem,
por sua qualidade, concorrer com os produtos similares
estrangeiros, nos mercados do Império Português
488
.
O relatório da comissão aponta, inclusive, a necessidade de revisão da
lista de produtos brasileiros e portugueses fixados pelo protocolo adicional de
1941 e a possibilidade de existência de uma comissão mista luso-brasileira, de
caráter permanente, com desdobramento na formação de duas comissões, as
quais realizariam o seu trabalho em cada um dos dois países, reunindo-se
anualmente e alternadamente em Lisboa e no Rio de Janeiro
489
.
Deste modo, observa-se que com Getúlio Vargas à frente do executivo
nacional, inicia-se um período de intensa aproximação luso-brasileira. E esta
continuará a ser objeto de realização, tanto que a 9 de novembro de 1949 e a
14 de setembro de 1954, foram assinados tratados comerciais envolvendo os
dois países. Portanto, a implantação do Estado Novo em Portugal e o velho
sonho salazarista de constituir a comunidade luso-brasileira, encontrarão um
ambiente mais favorável posteriormente, no governo de Juscelino
Kubitschek
490
. Afora estes acordos, merecem destaque, ainda, o tratado
486
Ofício 205, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 24 de novembro de 1941, p. 20. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
487
Ofício nº 43, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 10 de março 1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
488
Ofício nº 43, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 10 de março 1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1941.
489
Idem.
490
Sobre o assunto, ver: GONÇALVES, Williams da Silva. O realismo da fraternidade: Brasil-
Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003.
175
comercial de 1966 e a fundação da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, resultados diretos da aproximação luso-brasileira originada na
década de trinta do século XX, durante o governo de Getúlio Vargas.
Todavia, não ficaria concluída a análise das relações comerciais luso-
brasileiras durante o Estado Novo no Brasil se a mesma ficasse circunscrita
somente ao aspecto econômico, até porque, como bem destacou o jornal
Correio da Manhã, a missão comercial portuguesa não veio “à nossa pátria,
exclusivamente ao serviço das relações comerciais, porque o espírito dessa
diligência que está se encerrando, não ficaria adstrito em acordos de ordem
econômica finalidade de segundo plano”
491
. Neste momento, volta à tona a
idéia de formação da comunidade luso-brasileira, sempre justificada pelo
discurso da afetividade
492
.
A afinidade ideológica e os interesses do Brasil e Portugal durante o
Estado Novo brasileiro permitiram uma reaproximação luso-brasileira
envolvendo, principalmente, os aspectos culturais e econômicos. Não obstante,
o processo de emigração portuguesa para o Brasil, neste momento, também
apresentará uma fisionomia muito particular durante o período de vigência do
Estado Novo brasileiro, assunto este que constituirá o ponto de referência
central do capítulo seguinte desta tese.
491
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 25 de setembro de 1938, p. 1.
492
O mesmo jornal ainda assinala que o envio da missão comercial ao Brasil tinha por base o
“desejo de continuidade em que estamos todos empenhados, de compreensão afetiva e das
relações de dois países que se separaram politicamente, mas, por isso mesmo, acentuam,
176
CAPÍTULO 4
A IMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL DURANTE O
ESTADO NOVO BRASILEIRO
493
Entre nós, brasileiros,
os portugueses não são estrangeiros,
são da mesma família
494
.
A intensificação das relações entre Brasil e Portugal, durante o Estado
Novo brasileiro, como se pode constatar nos capítulos anteriores, é um fato.
Entretanto, destaca-se que, no período colonial, o aspecto da imigração
cada vez mais, o seu respeito e a sua estima, como dois irmãos aos quais o destino indicou
caminhos diferentes”. Idem.
493
O estudo da imigração portuguesa para o Brasil, durante o Estado Novo brasileiro (1937-
1945), é um tema bastante complexo, fato que por si delimitaria assunto para uma tese,
portanto, este capítulo visa tão somente a análise do aprofundamento das relações luso-
brasileiras a partir da imigração de portugueses para o país. Para leitura sobre o tema indica-se
muito embora não sejam obras que se detenham, exclusivamente, à análise do Estado Novo
–, entre outros: LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração portuguesa no Brasil. 4. ed. São
Paulo: Hucitec, 2001; PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal: a colônia portuguesa do Brasil
e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto, 2000.
494
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 9 de abril de 1939, p. 3.
177
ligava profundamente os dois países. Diversos estudos mostram que desde
esse momento, a imigração portuguesa para o Brasil foi contínua
495
e, após a
constituição republicana de 1891, o fluxo migratório aumentou
consideravelmente porque o Estado ofereceu naturalidade brasileira a todos os
estrangeiros que aqui viviam. Esse dado contribui para explicar o grande
número de portugueses que entraram no país nessa época e se concentraram,
desde as primeiras décadas do século XX, notadamente, nas cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro. A título de informação, destaca-se a pesquisa realizada
por Hiran Roedel, na qual ele mostra que, especificamente no Rio de Janeiro,
entre 1890 e 1929, se estabeleceram 362.156 portugueses
496
. Por sua vez,
após a Proclamação da República portuguesa, em outubro de 1910, aumentou
o número de imigrantes portugueses que se deslocavam para o Brasil; isto
ocorreu em virtude da culminância da crise financeira que vinha se agravando
e que, inclusive, havia favorecido a “solução republicana” em Portugal.
Após esse momento, em virtude dos reflexos da crise econômica de
1929, ocorre um retraimento no número de imigrantes que deixam Portugal.
Tanto que, durante a década de trinta do século XX, os pontos mais altos da
imigração portuguesa para o Brasil foram os anos de 1938 e 1939. Segundo
Joel Serrão, nestes anos, a imigração atingiu a cifra de 13 mil e 17 mil,
respectivamente
497
. Um fragmento do discurso do Presidente da Câmara
Portuguesa de Comércio de São Paulo, proferido em 1942, também ressalta a
presença portuguesa no Brasil no momento em que evidencia a:
Constante transferência para o Brasil de famílias inteiras
de portugueses com todos os seus haveres; em nossa
intromissão em todo o palpitar da vida brasileira (...); nos
nossos atos e atitudes de assistência social; em nosso
trabalho, nossas atividades pela produção variada de
valores os mais diferentes; em nossos sentimentos,
495
Entre eles está o trabalho de FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do
tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. Nesta
obra, o autor confere à imigração portuguesa um caráter “permanente e contínuo”.
496
ROEDEL, Hiran. Comunidade portuguesa na cidade do Rio de Janeiro: mobilidade e
formação de territórios. In: Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro; o
Paulo: Record, 2002, pp. 21-62.
497
SERRÃO, Joel. A emigração portuguesa: sondagem histórica. 4. ed. Lisboa: Livros
Horizonte, 1982, p. 34.
178
patenteados na forma como tratamos os brasileiros que
visitam Portugal; no marcado esforço que fazemos por
estreitar cada vez mais os laços de uma amizade sã
498
.
Por outro lado, Getúlio Vargas, após a institucionalização do Estado
Novo no Brasil período em que o governo brasileiro aumenta as restrições à
entrada de estrangeiros no país demonstra certa simpatia para com a
imigração portuguesa, diluindo, aos poucos, as limitações à vinda e presença
de portugueses no Brasil. No entendimento da historiadora Eulália Maria Lobo,
a política “antiemigratória” de Vargas “foi gradualmente sendo abolida em
relação à Portugal, possivelmente por necessidade de reforçar a etnia luso-
brasileira em face de estrangeiros de outras nacionalidades, ou por afinidade
entre os dois Estados Novos”
499
. Desse modo, constata-se que a retórica da
afetividade alicerçada nos laços históricos contribuiu sobremaneira para a
adoção e defesa desta postura, pois:
Todas as imigrações que recebemos são úteis ao Brasil,
porque constituem braços que vêm colaborar no nosso
progresso. Mas a imigração portuguesa, além de útil, nos
é necessária, porque continua sendo, aqui, um elemento
integrador das tradições da raça na expansão da raça da
nossa vida social
500
.
Do lado português, durante o seu Estado Novo, verifica-se um rígido
controle sobre a saída de emigrantes do seu território. Um ofício, reservado, da
Embaixada do Brasil, no Rio de Janeiro, referente à missão desenvolvida pelo
Sr. Luiz Romero representante da Companhia Itaquerê, em Lisboa, que tinha
a tarefa de buscar imigrantes portugueses para o Estado de São Paulo – atesta
esta afirmação no momento em que ele evidencia referências como o “especial
regime político de Portugal, nenhuma decisão é tomada pelos Ministérios sem
a audiência prévia do Presidente do Conselho, Sr. Antônio de Oliveira Salazar,
498
Anexo ao Ofício 235, do Cônsul geral de o Paulo ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 7 de dezembro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
499
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração portuguesa no Brasil. Op. cit., p. 175.
500
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. II. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio,
1938, p. 293.
179
o qual estuda com vagar e examina pessoalmente cada uma das questões”
501
.
A análise da citação é interessante na medida em que destaca todo o controle
de Salazar, no período do Estado Novo português e, como conseqüência, com
o processo imigratório este procedimento não é diferente.
4.1 A política de imigração desenvolvida por Getúlio Vargas
Com o advento de Getúlio Vargas à presidência do Brasil, em 1930, por
meio do Ministério do Trabalho, houve o início da regulamentação, ou melhor, a
contenção da entrada de imigrantes no país, tendo em vista que “em fins de
dezembro de 1930 são publicadas as primeiras medidas restritivas no que diz
respeito a imigrantes internacionais. As restrições vão crescendo aa fixação
de quotas na Constituição de 1934 e depois também na de 1937”
502
. A
execução desta nova política de imigração visava pôr em prática dois objetivos:
limitar a entrada de imigrantes no território nacional e favorecer a
nacionalização do trabalho no país
503
. Entretanto, o governo brasileiro, por
meio dos seus discursos e publicações, deixa claro que sua posição não é
contrária à continuidade da imigração, desde que ela seja moderada, afinal, era
necessário conter o que “as desordenadas correntes imigratórias vinham
acentuando e mesmo estabelecendo em nosso meio nacional, frisando
contrastes, elaborando quistos raciais e lingüísticos”
504
.
501
Ofício, reservado, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Sr. Mário Pimentel Brandão,
Ministro de Estado, interino, das Relações Exteriores do Brasil, em 2 de janeiro de 1937. A. H.
I. Pasta de Ofícios, ano de 1937.
502
LEVY, Maria Stella Ferreira. O papel da migração internacional na evolução da população
brasileira (1872 a 1972). In: Revista de Saúde Pública. São Paulo: Editora da USP, v. 8,
suplemento 1974, p. 55.
503
Com relação à adoção das medidas restritivas à imigração, Artur Hehl Neiva, membro do
Conselho de Imigração e Colonização, destaca a influência norte-americana informando que “a
idéia do contingenciamento se baseou nas leis imigratórias norte-americanas dos anos de 1917
e 1924, adotadas quando aquele país sofria uma pletora de imigração como solução mais fácil
de ser executada para coibir a entrada desordenada de alienígenas, procedendo a uma
seleção das correntes de estrangeiros que ali se desejavam fixar”. NEIVA, Artur Hehl. A
imigração e a colonização no governo Vargas. In: Revista Cultura Política. Ano II, Nº 21,
novembro de 1942, p. 227.
504
CASTELO BRANCO, R. P. Imigração e nacionalismo. In: Revista Cultura Política, Ano II,
15, maio de 1942, p. 30.
180
Nesta direção, Lindolfo Collor, ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio, em 12 de dezembro de 1930, expede o decreto-lei 19.482, o qual
além de limitar a entrada de estrangeiros viajantes de terceira classe no Brasil,
instituía a obrigação de que dois terços dos trabalhadores das firmas, das
companhias comerciantes, das associações etc. deveriam ser trabalhadores
nacionais. A adoção desta lei – que ficou conhecida como a “Lei dos 2/3” – pelo
governo brasileiro, foi justificada pela “situação de desemprego em que se
encontra grande número de operários em centros urbanos”
505
.
Além deste decreto, em 7 de janeiro de 1932, o governo brasileiro lança
uma outra medida legislativa, o decreto-lei nº 20.917, pelo qual proibia
terminantemente a entrada de estrangeiros ditos não qualificados no país. Este
novo decreto teve intensa repercussão em Portugal, haja vista que
“pouquíssimos seriam os emigrantes portugueses em condições de poderem
ser legalmente admitidos. A maior parte partia, com efeito, sem qualificação
alguma”
506
.
Em 19 de outubro de 1932, por meio do decreto-lei 21.981, o governo
brasileiro limita a possibilidade do exercício da profissão de leiloeiro no país,
por estrangeiros, no momento em que determina que eles precisam “provar a
qualidade de cidadão brasileiro no gozo dos direitos civis e políticos e estar
domiciliado no lugar em que pretende exercer a profissão mais de 5
anos”
507
.
Posteriormente, a Constituição de 1934 estabeleceu as chamadas cotas
de entrada no país
508
ao determinar que “a corrente imigratória de cada país
não poderá exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total
505
Preâmbulo do decreto-lei 19.482, de 12 de dezembro de 1930. In: Coleção de leis do
Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930, p. 381.
506
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Lisboa: Panorama, 1965, p.
89.
507
CARNEIRO, J. Fernando. Imigração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade
do Brasil, 1950, p. 34. Esta lei foi modificada pelo decreto-lei 22.427, de de fevereiro de
1933.
508
Com relação a este ponto, o diplomata José Calvet de Magalhães ressalta que mais tarde o
governo brasileiro admitiu a adoção de cotas suplementares compreendendo até o limite de
30.000 pessoas. MAGALHÃES, José Calvet de. A imigração portuguesa no Brasil no século
XX. In: CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro
181
dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinco anos”
509
.
Além deste aspecto, o governo assume a tutela do processo imigratório, ao
ficar responsável pelo controle e/ou a sua proibição no país.
Neste mesmo ano de 1934, pelo decreto-lei 24.258, expedido em 16
de maio, e o seu posterior regulamento, o governo brasileiro estabelece as
normas relacionadas à entrada e fixação dos estrangeiros no Brasil, dividindo-
os em três categorias: imigrantes agricultores, imigrantes não agricultores e
não imigrantes
510
. Com relação à primeira categoria, estavam incluídos: a)
aqueles contratados por qualquer sociedade, empresa, associação ou
proprietário de terras incultas (art. 2º, inciso II); b) os agricultores
domiciliados no Brasil (art. 2º, inciso III).
A divisão dos imigrantes nas duas categorias indicadas torna-se
importante na medida em que se avalia que todos os pedidos de entrada
511
dos
estrangeiros no Brasil eram despachados e autorizados pelo Chefe de Polícia
no Distrito Federal ou pelas autoridades policiais nas capitais dos Estados,
salvo o caso dos imigrantes agricultores, os quais constituíam competência
exclusiva do Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria
512
.
Em decorrência da difícil situação criada no Brasil a partir das restrições
à imigração e do elevado número de portugueses que aguardavam pela
liberação para a vinda ao Brasil, o Embaixador português Martinho Nobre de
Mello considera “que não se trata dum ou outro caso isolado mas de uma
situação que abrange milhares de portugueses e que, assim, transcende os
estreitos limites dum regulamento para assumir os aspectos dum verdadeiro
problema de ordem pública”
513
; por isso, o Embaixador português encaminha
(Orgs.). Depois das caravelas: as relações entre Portugal e Brasil: 1808-2000. Brasília: Ed. da
UnB, 2000, p. 344.
509
Artigo nº 121 da Constituição Brasileira de 1934.
510
O decreto ainda proibia a imigração de deficientes físicos, os menores de 18 anos e maiores
de 60 anos, assim como todos aqueles que apresentassem conduta manifestamente nociva à
ordem pública ou à segurança nacional”. Alínea XII do Artigo 2º do decreto-lei nº 24.258, de 16
de maio de 1934.
511
O decreto-lei 24.258 denomina de “cartas de chamada” a todos os pedidos de entrada no
país feito pelos estrangeiros.
512
Artigo 9º do decreto-lei nº 24.258, de 16 de maio de 1934.
513
Trecho do Relatório do Embaixador Martinho Nobre de Mello, ao Dr. Mário de Pimentel
Brandão, Ministro das Relações Exteriores. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
182
um relatório ao Ministro das Relações Exteriores, Dr. Mário de Pimentel
Brandão, apontando a necessidade de se buscar junto ao Presidente da
República a aprovação de medidas como:
a) ordem imediata de libertação de todos os portugueses
presos, com exceção dos comprovadamente nocivos à
ordem pública;
b) autorização, pelo menos provisória, de residir no país
a todos os portugueses que provem exercer uma
profissão lícita e lucrativa;
c) confirmação das instruções do Ministro Agamenon de
Magalhães autorizando o embarque a todos os
portugueses munidos de cartas de chamada com as
respectivas autorizações das autoridades policiais
competentes, embora sujeitos no desembarque e
ingresso no país, às exigências e formalidades legais no
caso aplicáveis, e embora limitada a entrada à cota legal
de imigração portuguesa
514
.
De acordo com o Embaixador português, a adoção das medidas citadas
anteriormente, “dariam tempo para o estudo ulterior duma legislação mais
perfeita sobre a imigração e entrada de estrangeiros no Brasil”
515
.
O decreto do Estado Novo no Brasil, por meio da outorga da
Constituição de 1937
516
retomou a idéia da entrada de imigrantes no país ao
limite de dois por cento “sobre o número total dos respectivos nacionais fixados
no Brasil durante os últimos cinqüenta anos”
517
, anteriormente estabelecido
pela Constituição de 1934.
O governo brasileiro desferiu um outro golpe à imigração para o Brasil
no momento em que instituiu “pelas autoridades brasileiras apertadas
514
Trecho do Relatório do Embaixador Martinho Nobre de Mello, ao Dr. Mário de Pimentel
Brandão, Ministro das Relações Exteriores. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
515
Idem.
516
Entre as principais determinações da Constituição de 1937, quanto ao nacionalismo,
destacam-se: o estabelecimento das cotas de entrada de imigrantes no Brasil (art. 143); a
determinação de que só poderiam funcionar no Brasil os bancos de depósito e as empresas de
seguros quando fossem brasileiros os seus acionistas (art. 145); o decreto de que somente os
brasileiros natos poderiam ser proprietários, armadores e comandantes de navios (art. 149);
quanto às profissões liberais estipulava-se que os brasileiros natos ou naturalizados que
tivessem prestado serviço militar no país poderiam exercê-las (art. 150); a aquisição de terras,
por ocupação de 10 anos comprovada, ocorreria somente pelos brasileiros natos (art. 148).
517
Artigo nº 151 da Constituição Brasileira de 1937.
183
restrições aos movimentos cambiais que praticamente impossibilitaram as
remessas de fundos dos emigrantes para os seus países de origem”
518
. Esta
ação do governo brasileiro desestimulou a prática de emigração dos
portugueses para o Brasil na época
519
, entretanto, não pôs fim ao processo.
Isto se deve ao fato de que “a nova legislação brasileira ao organizar a
imigração deu especiais regalias aos portugueses, mas, tão somente aos que
se destinam à grande lavoura e aos pequenos agricultores e aos operários”
520
.
Este tratamento “especial” a Portugal foi justificado pelo Conselho Superior de
Imigração com base em dois pontos:
Por um lado Portugal tem dificuldades para resolver o
problema do excesso de população e, por outro, a
imigração portuguesa convinha perfeitamente ao
ambiente brasileiro e à progressiva nacionalização do
país, visto que ela servia para preservar a sua
constituição étnica e seus interesses econômicos
521
.
No ano seguinte, em 1938, as limitações aos imigrantes são ainda
maiores, tanto que em janeiro do citado ano, por meio do decreto-lei 2.265,
foi instituída uma comissão com o objetivo de “estudar as leis necessárias a
regular a entrada, fixação, naturalização e expulsão de estrangeiros”
522
. A
comissão era composta por João Carlos Muniz, do Ministério das Relações
Exteriores; por Dulfe Pinheiro Machado, Diretor do Departamento Nacional do
Povoamento, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; por José de
Oliveira Marques, Diretor do Serviço e Irrigação, Reflorestamento e
Colonização, do Ministério da Agricultura; por Ernani Reis, Secretário do
518
CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, José Calvet de; ALVES, Dário Moreira de Castro
(Orgs.). Depois das caravelas: as relações entre Portugal e Brasil: 1808-2000. Op. cit., p. 344.
519
Sobre este assunto, entre outros, ver: BASTOS, João Eduardo Monteverde Pereira. O
fenômeno migratório como fator corretivo do balanço de pagamento. Rio de Janeiro: Tese
apresentada ao Departamento de Ciências da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, 1976.
520
Anexo ao Ofício 206, do Consulado de São Paulo ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 22 de abril de 1940. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
521
Idem.
522
NEIVA, Artur Hehl. A imigração e a colonização no governo Vargas. Op. cit., p. 228.
184
Ministro da Justiça e Artur Hehl Neiva, Diretor Geral do Expediente e
Contabilidade da Polícia Civil
523
.
A partir do trabalho realizado por esta comissão, foram entregues ao
presidente Getúlio Vargas, em abril de 1938, os anteprojetos que se tornaram,
posteriormente, conhecidos como as “leis nacionalizadoras”, as quais visavam
a regulamentação das atividades dos estrangeiros no Brasil
524
. De acordo com
Priscila Perazzo:
As leis nacionalizadoras complementavam o projeto
nacionalista de Getúlio Vargas na medida em que
estavam incumbidas de restringir as atividades
estrangeiras nocivas à constituição da brasilidade.
Apesar da intenção do governo brasileiro de tornar o
estrangeiro um “nacional”, esses decretos agiam no
sentido de reprimir a própria existência de tais grupos no
Brasil, pois, no caso da comunidade alemã urbana,
identificada pela polícia como nazista, as práticas
repressivas do governo promoveram uma exclusão social
e não uma inserção desses grupos na vida dos
brasileiros
525
.
Deste modo, a primeira delas, o decreto-lei 383, foi assinado em 18
de abril de 1938. Por meio deste, o presidente Getúlio Vargas vedava aos
estrangeiros o desenvolvimento de qualquer atividade política no país
526
,
inclusive, proibia toda a manifestação de adesões de compatriotas a idéias ou
a programas políticos do seu país de origem, bem como a manutenção de
523
Idem.
524
São elas: a lei da nacionalidade, por meio do decreto-lei 389, de 25 de abril; a lei da
extradição, por meio do decreto-lei 394, de 28 de abril; a lei referente à entrada de
estrangeiros no país, instituída pelo decreto-lei 406, de 4 maio; a lei da expulsão, por meio
decreto-lei nº 497, de 8 de junho abril e a regulamentação da entrada de estrangeiros no Brasil,
por adoção do decreto-lei 389, de 20 de agosto, todas institucionalizadas no ano de 1938.
Idem.
525
PERAZZO, Priscila Ferreira. O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo. São
Paulo: Arquivo do Estado, 1999.
526
Destaca-se que este decreto ocasionou a prisão de milhares de estrangeiros no Brasil, cuja
situação foi considerada ilegal. A título de informação registra-se que, somente no Rio de
Janeiro, foram presos mais de mil portugueses por ocasião da deflagração do Estado Novo no
Brasil. Relatório político e diplomático / política e economia brasileira. Relatório político e
diplomático / política e economia brasileira do Cônsul geral de São Paulo, emitido ao
Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Anexo ao Ofício nº 62, do
185
jornais, revistas e outras publicações que tivessem objetivo semelhante
527
. Este
decreto também objetivava a nacionalização em massa das associações
constituídas por estrangeiros, inaugurando “um novo regime legal para as
associações culturais, beneficentes, ou de assistência, fundadas e mantidas
por entidades estrangeiras no Brasil”
528
.
Como o decreto-lei 383 atingia as associações para fins culturais,
beneficentes, de assistência, clubes ou qualquer outro estabelecimento com
finalidade similar constituídas por estrangeiros
529
. Não obstante, este decreto
apresentava uma brecha, tendo em vista que proibia a permanência das
associações constituídas por estrangeiros e cidadãos brasileiros. Contudo,
poderiam continuar existindo aquelas compostas exclusivamente por
estrangeiros. Desta forma, as associações portuguesas mais importantes,
como o Gabinete Português de Leitura, o Liceu Literário Português ou os
centros regionais, como a Casa do Minho e o Centro Transmontano, por serem
constituídas exclusivamente por portugueses, foram consideradas legais e,
portanto, poderiam continuar desenvolvendo as suas atividades. Ressalta-se
que estas associações, anteriormente, haviam recebido instruções de se
registrarem como estrangeiras pelo Embaixador português
530
.
Embaixador Martinho Nobre de Mello ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em de janeiro de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
527
Os estrangeiros, também, não poderiam publicar artigos, proferir conferências, palestras,
discursos etc.
528
Ofício nº 169, confidencial, do Embaixador Martinho Nobre de Mello ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 15 de novembro de 1938, p. 1. M. N. E., piso, Armário 9, Maço
117.
529
O art. 2º vedava aos estrangeiros: “organizar, criar ou manter sociedade, fundações,
companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos de caráter político, ainda que tenham por
fim exclusivo a propaganda ou difusão, entre os seus compatriotas, de idéias, programas ou
normas de ação de partidos políticos do país de origem. A mesma proibição estende-se ao
funcionamento de sucursais e filiais, ou de delegados, prepostos, representantes e agentes de
sociedades, fundações, companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos dessa natureza que
tenham no estrangeiro a sua sede principal ou a sua direção”. Citado em BRANDÃO, Alonso
Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1949,
p. 225.
530
Relatório político e diplomático / política e economia brasileira do nsul geral de São
Paulo, emitido ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Anexo ao
Ofício 62, do Embaixador Martinho Nobre de Mello ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em de janeiro de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
186
Todavia, este quadro não poderia ser aplicado às Beneficências
Portuguesas, tendo em vista a presença de cios brasileiros nelas
531
. Para
solucionar o impasse criado, algumas Beneficências Portuguesas a de
Santos e de Porto Alegre apontaram uma solução um tanto quanto simplista
ao proporem a eliminação de sócios brasileiros dos seus quadros. Entretanto,
esta medida não foi aceita pelo ministro da Justiça, pois ele defendia a idéia de
que se havia sócios brasileiros, deveriam considerar-se nacionais. Um trecho
do relatório, confidencial, do Embaixador Martinho Nobre de Mello evidencia o
posicionamento português com relação à questão do registro das sociedades
portuguesas, bem como o posicionamento a ser adotado:
O que se deve, agora, em meu entender, é, acatada
embora a nacionalização, procurar defender, manter,
prolongar, nas instituições “nacionalizadas”, diretorias
portuguesas, pelo menos na sua maioria, influência
portuguesa, espírito português. Estamos em face de uma
situação excepcional em que o Brasil se encontra
dividido em duas correntes: a xenófoba e a sensata e
conciliadora. Esta última deverá vir a triunfar. Não
convém, suponho, dificultar-lhe a ação
532
.
Neste momento do texto, torna-se oportuna uma reflexão sobre as
associações portuguesas, porque elas foram as únicas entidades do gênero às
quais o governo brasileiro permitiu a denominação de portuguesas. Além deste
aspecto, todas as demais associações de outras etnias viram-se obrigadas
a nomearem direções brasileiras, enquanto que nas lusas, mesmo após a
nacionalização, as diretorias, de quase todas as associações, continuavam a
ser constituídas exclusivamente por cidadãos portugueses, como foi o exemplo
da Beneficência do Rio de Janeiro, justamente o caso que originou o maior
debate acerca deste assunto.
Num segundo momento, cabe justificar que os portugueses recebem um
tratamento diferenciado porque, na percepção getulista, os lusos em razão da
531
Neste aspecto que se ressaltar que a presença brasileira, nestas associações, não
contava com elegibilidade para os seus cargos administrativos, não tendo, inclusive, direito de
voto.
187
afinidade étnica luso-brasileira poderiam reforçar o nacionalismo brasileiro, na
medida em que se ressalta a sua influência portuguesa “na formação do povo
brasileiro, o sentido luso-brasileiro da formação histórica da nacionalidade, o
poder de adaptação do luso, a identificação entre brasileiros e portugueses e
sua contribuição civilizadora e cultural”
533
. De acordo com a análise de Lucia
Lippi Oliveira, “a proximidade de língua, de religião, de tipo físico e até de
nomes facilita a integração dos portugueses no Brasil, ainda que laços culturais
com Portugal se mantenham”
534
.
Após esta reflexão torna-se importante apontar que depois do decreto-lei
383, foram estabelecidos outros decretos visando, cada vez mais, limitar
para não dizer extinguir a atividade política de estrangeiros no Brasil. Para se
ter uma idéia da restrição do Estado Novo no Brasil, com relação ao aspecto da
imigração, destaca-se a instituição do decreto-lei nº 392, de 27 de abril de
1938. Por meio dele, dificultava-se, sobremaneira, a entrada de estrangeiros no
país, pois se revigorava o sistema de cotas restritivas e atribuía-se ao governo
central faculdades ilimitadas com relação a este assunto. Além deste aspecto,
o decreto ainda “regulava a expulsão dos estrangeiros, que poderia ocorrer
desde que o motivo comprometesse a segurança nacional”
535
.
A instituição do decreto-lei 406, de 4 de maio de 1938
536
, também
atingiu diretamente os estrangeiros, afinal, além de limitar ou proibir a entrada
de pessoas de determinadas raças ou origens, estipulava um novo registro,
obrigatório, de todos os estrangeiros a partir de uma nova difícil e demorada
– emissão de documentos
537
. A seguir, alguns trechos do decreto:
532
Ofício nº 169, confidencial, do Embaixador Martinho Nobre de Mello ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 15 de novembro de 1938, p. 8. M. N. E., piso, Armário 9, Maço
117.
533
LOBO, Maria Eulália Lahmayer. Portugueses en Brasil en siglo XX. Madrid: Mapfre, 1994, p.
190-193.
534
OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos imigrantes. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2002, p. 33.
535
Artigo 4º do decreto-lei nº 392, de 27 de abril de 1938. Citado em BRANDÃO, Alonso Caldas
(compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p. 39.
536
Este decreto-lei continha as alterações introduzidas pelos decretos-leis números 639, de 20
de agosto de 1938; 809, de 26 de outubro do citado ano; e 1.532, de 23 de agosto de 1939.
537
Pelo decreto-lei 341, de 17 de maio de 1938, dificultava-se a liberação do registro de
comércio aos estrangeiros por meio da exigência de documentos como passaportes, carteira
de identidade e documentos comprobatórios da “autorização para trabalhar no Brasil”, os quais,
188
Art. 1. – Não será permitida a entrada de estrangeiros, de
um ou outro sexo:
I aleijados ou mutilados, inválidos, cegos, surdos-
mudos;
II – indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres;
Art. 2. – O Governo Federal reserva-se o direito de limitar
ou suspender, por motivos econômicos ou sociais, a
entrada de indivíduos de determinadas raças ou origens,
ouvindo o Conselho de Imigração e Colonização
538
.
Toda esta nova legislação adotada pelo governo brasileiro, na medida
em que atinge, também, os portugueses como um processo lógico
ocasiona um movimento de forte contestação, principalmente por parte da
representação diplomática e consular portuguesa no Brasil. As críticas
portuguesas fazem-se na direção de que “o Brasil na sua nova legislação, por
vezes precipitada, caracteriza-se pela inconstância e ligeireza nas leis que, ou
são postas em vigor com demasiado rigorismo ou falham nos seus
objetivos”
539
. Certamente, estas críticas irão cessar a partir do momento em
que o governo brasileiro propiciar um tratamento diferenciado aos portugueses.
Em 20 de agosto de 1938, o governo brasileiro institui o decreto-lei
3.010
540
, que “dispõe sobre a entrada e a permanência de estrangeiros no
território nacional, sua distribuição e assimilação e o fomento do trabalho
agrícola”
541
e apresenta uma tabela com os números relativos aos imigrantes
provindos dos países com maior representatividade no Brasil. Estes índices
além de demorados, nem sempre eram possíveis de se conseguir. Pelo decreto-lei nº 3.016, de
24 de agosto de 1938, instituía-se a pena capital de interdição com relação a todas as
sociedades constituídas por estrangeiros, até mesmo aquelas culturais, beneficentes ou
desportivas se, dentro de prazos limitados, não regularizassem a sua situação. Os decretos
números 910, de 30 de novembro de 1938 e o de número 1.262, de 10 de maio de 1939,
proibiam o exercício da profissão de jornalistas aos estrangeiros com menos de 10 anos nesta
profissão e sem naturalização. Há, ainda, a regulação quanto às heranças de estrangeiros, de
modo a evitar a fuga de riquezas do país.
538
Citado em BRANDÃO, Alonso Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., pp.
10-11.
539
Ofício 54, do Cônsul de São Paulo, ao Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, em 11
de outubro de 1938. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
540
Este decreto-lei regulamentava o de 406, de 4 de maio de 1938, que tratava da entrada
de estrangeiros no território nacional.
541
Artigo do decreto-lei nº 3.010, de 20 de agosto de 1938. Citado em BRANDÃO, Alonso
Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p. 49.
189
haviam sido elaborados pelo governo tendo por base o percentual de 2 por
cento sobre o número de imigrantes entrados no país no período compreendido
entre de janeiro de 1884 a 31 de dezembro de 1933. Na tabela apresentada
pelo governo brasileiro, os dois grupos de imigrantes mais representativos
eram constituídos por italianos, em primeiro lugar, e portugueses, em segundo.
Como a Itália apresentava o maior número, com um total de 1.401.335, sua
permissão abrangia uma cota (anual) de entrada de imigrantes no total de
28.026,70. Os números de portugueses que entraram no país totalizavam
1.147.737, o que representava o estabelecimento de uma cota de 22.954,74.
Deste valor estipulado aos portugueses, 18.363,79 deveriam se destinar à
lavoura e 4.590,94 a outras atividades
542
.
Por outro lado, há que se mencionar que a instituição do decreto-lei
3.010, gera muitas interrogações, pois faltavam esclarecimentos à população
quanto ao real significado do que era estar irregular no Brasil. Este fato leva o
jornal Diário Popular a publicar o artigo “A permanência de estrangeiros no
Brasil”, questionando a ausência de orientações nesta direção, tendo em vista
que a população deveria ser esclarecida sobre “o que se entende por
estrangeiro irregularmente instalado no Brasil, de modo a que os demais, com
situação regular, possam tranqüilamente aguardar o prazo a que se refere o
comunicado da Delegacia”
543
. Esta preocupação também é evidenciada na
correspondência do Cônsul geral português em São Paulo, ainda mais porque
este serviço de registro, normalmente, era expedido pelas chamadas agências,
as quais, na sua maioria, eram de propriedade ou dirigidas por portugueses, os
quais “efetuam casos de extorsão e até, graves irregularidades, como falsa
documentação, para servirem aos interessados”
544
. O nsul português ainda
relaciona estes fatos ao que ocorria, anteriormente, com a emissão das
célebres “cartas de chamada”, as quais eram emitidas sem o conhecimento
prévio dos Consulados
545
.
542
Artigo do decreto-lei nº 3.010, de 20 de agosto de 1938. Citado em BRANDÃO, Alonso
Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p. 95.
543
Jornal Diário Popular, Rio de Janeiro, em 22 de setembro de 1938, p. 4.
544
Ofício nº 634, do Cônsul geral de São Paulo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 23
de setembro de 1938. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
545
Idem.
190
O decreto-lei 3.010 originou intensas reclamações por parte dos
portugueses e do governo de Portugal tanto que, em 22 de abril de 1939, por
meio da Resolução 34, os portugueses recebem um diferencial e por que
não dizer, um outro importante incentivo, tendo em vista que a imigração
portuguesa ficava isenta do regime de cotas:
Considerando que o fundamento dessa orientação não
podia atingir o elemento português, que tem sido o fator
primordial e a força cooperante mais idônea na formação
do povo brasileiro;
Considerando que a atual política imigratória brasileira,
que visa concorrer para a solução do problema do
aumento da nossa densidade demográfica, deverá ter em
vista o sentido da formação histórica da nacionalidade,
que é luso-brasileira;
Considerando que a supressão de qualquer limitação
numérica, em se tratando da entrada de portugueses no
território nacional, poderá contribuir para o
fortalecimento da nossa formação étnica;
O Conselho de Imigração e Colonização
Resolve considerar os portugueses, para os efeitos do
decreto 3.010 de 20 de agosto de 1938, isentos de
qualquer restrição numérica, quanto à sua entrada no
território nacional
546
.
Em março de 1939, o Conselho de Imigração e Colonização aprovou o
plano apresentado por Henrique Dória diretor do Departamento de Terras,
Colonização e Imigração do Estado de São Paulo de propiciar a vinda de 10
mil famílias de agricultores portugueses para o Brasil
547
. Entretanto, que se
mencionar uma cláusula neste contrato: independente do local onde esses
agricultores fixassem residência, eles não o poderiam abandonar antes que
fossem completados 4 anos de sua permanência
548
. Contudo, menos de um
ano após o decreto 3.010, de 20 de agosto de 1938, o governo português
obteve uma exceção, pois, em 9 de fevereiro do ano seguinte, foi garantida aos
portugueses a liberação desta obrigatoriedade de permanência no local.
546
Trecho do decreto-lei nº de 22 de abril de 1939.
547
REGO, Antônio da Silva. Relações luso-brasileiras (1822-1953). Op. cit., p. 93.
548
Esta cláusula tem por base o inciso 2º, artigo 61º, do decreto-lei 3.010, de 20 de agosto
de 1938, o qual determinava que “a licença só será concedida para a introdução de agricultores
191
Não obstante, à medida que o tempo passava, estas restrições à
entrada de imigrantes no Brasil foram, pouco a pouco, sendo atenuadas,
notadamente, no que respeita ao caso da entrada de imigrantes portugueses
no país. Um exemplo desta afirmação é a inclusão na Consolidação das Leis
do Trabalho – CLT –, em 1º de maio de 1943, de artigos que reservavam vagas
para brasileiros nas empresas do Brasil capítulo “Da nacionalização do
trabalho
549
, propiciando um status especial aos imigrantes de origem
portuguesa ao determinar que eles estavam equiparados aos brasileiros “para
fins deste Capítulo, ressalvado o exercício de profissões reservadas aos
brasileiros natos e aos brasileiros em geral, os estrangeiros que, residindo no
País mais de dez anos, tenham cônjuge ou filho brasileiro, e os
portugueses”
550
. Este quadro vigorará até o término da Segunda Guerra
Mundial, momento em que será adotada uma nova postura com relação à
entrada de imigrantes no país, pois a partir deste momento:
Art. todo o estrangeiro poderá entrar no Brasil desde
que satisfaça as condições estabelecidas por esta lei.
Art. Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à
necessidade de preservar e desenvolver, na condição
étnica da população, as características mais
convenientes da sua ascendência européia, assim como
a defesa do trabalhador nacional
551
.
Não obstante, que se ter em mente que as restrições e limitações às
atividades desenvolvidas pelos imigrantes no Brasil não eram os únicos
entraves no caminho dos estrangeiros no solo brasileiro. No Brasil, os
estrangeiros ainda enfrentavam problemas decorrentes de fatos como:
que venham exceder os misteres de sua profissão pelo prazo mínimo de quatro anos”. Citado
em BRANDÃO, Alonso Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p. 58.
549
Com relação ao capítulo “da nacionalização do trabalho”, o artigo 352 da CLT preconizava
que “as empresas, individuais ou coletivas, que explorem serviços públicos dados em
concessão, ou que exerçam atividades industriais ou comerciais, são obrigadas a manter, no
quadro do seu pessoal, quando composto de três ou mais empregados, uma proporção de
brasileiros não inferior à estabelecida no presente Capítulo”. Trecho da CLT referente às cotas
para brasileiros. Disponível em:
http:///www.geocities.com/fusaoracial/cotas_para_brasileiros.htm. Acesso em 25 de setembro
de 2007.
550
Artigo 353 da CLT. Idem.
551
Citado em BRANDÃO, Alonso Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p.
59.
192
Ninguém pode moer cana sem licença do Instituto do
Açúcar e do Álcool. Ninguém pode plantar cacau sem
licença do Instituto do Cacau. Ninguém pode plantar
mate sem licença do Instituto do Mate. Ninguém pode
plantar café sem o beneplácito do grupo que domina o
café. Ninguém pode derrubar árvores ou fazer serrarias
sem licença do Instituto do Pinho, licença aliás que nunca
se obtém
552
.
O término deste processo de restrição e limitação das atividades
desenvolvidas pelos imigrantes no Brasil dar-se-á com a emissão do decreto-lei
7.967, em 18 de setembro de 1945, quando o presidente Getúlio Vargas
julgou “que tinha chegado o momento para impulsionar de novo a imigração,
‘fator de progresso para o país’”
553
.
4.2 Os portugueses diante da nova legislação estabelecida pelo Estado
Novo brasileiro
É difícil precisar o número de imigrantes portugueses que se
estabeleceram no Brasil por ocasião do Estado Novo (1937-1945). Esta
dificuldade aumenta, sobremaneira, no que respeita à identificação do número
de imigrantes que entraram no país de modo ilegal. Sabe-se, entretanto, que o
deslocamento legal constituiu um processo relativamente regular – é claro,
contou com picos e quedas como se pode verificar pela tabela apresentada
na seqüência do texto. Não obstante, um dado é fácil de determinar: a
presença de portugueses no Brasil é expressiva. Trabalhando com os censos
populacionais, a historiadora Maria Stella Levy aponta que em todos os censos
realizados em princípios do século XX, “a população portuguesa é a melhor
552
CARNEIRO, J. Fernando. Imigração e colonização no Brasil. Op. cit., p. 37. Nesta direção, o
autor ainda aponta que “o próprio nacional ou empresa nacional que hoje quiser se meter em
negócios de pesca, por exemplo, não conseguirá romper os mil entraves de uma camorra que
mantém esse negócio do pescado num baixo nível de extração e num altíssimo nível de preço”.
553
Idem, p. 33. Comentando a ação do presidente Getúlio Vargas, Carneiro ainda destaca que
“esse longo decreto de 100 artigos era contudo bem o produto da mentalidade estadonovista,
apesar das boas intenções”.
193
representada (cerca de 27%), a não ser no censo de 1920, quando a italiana a
ultrapassa apresentando a proporção de 35,66%”
554
.
Tabela 4.1 – Emigração portuguesa para o Brasil (1937-1945)
Ano
Número de emigrantes
Portugueses (legais)
1937 14.667
1938 13.609
1939 17.807
1940 13.226
1941 6.260
1942 2.214
1943 893
1944 2.424
1945 5.938
Total 77.038
Fonte: Boletim da Junta da Emigração e Anuário Demográfico
Pela tabela indicada acima, constata-se que os anos compreendidos
entre 1941 e 1944, apresentaram os menores índices de deslocamento de
imigrantes portugueses para o Brasil. Uma das explicações para esta queda
encontra-se, justamente, na barreira natural imposta pelo transcurso da
Segunda Guerra Mundial, a qual originou uma rie de limitações,
principalmente relacionadas à escassez de transportes que cruzassem o
Atlântico.
554
LEVY, Maria Stella Ferreira. O papel da migração internacional na evolução da população
brasileira (1872 a 1972). Op. cit., p. 57. A autora, analisando o período de 1872 a 1972, ainda
refere que “no total de cem anos, portanto, entraram no Brasil pelo menos 5.350.889
imigrantes, uma vez que os dados aqui apresentados se referem a imigrantes de primeiro
estabelecimento apenas, dos quais 31,06% de origem portuguesa, 30,32% de italianos,
194
O governo português também tinha a sua parcela de contribuição nesta
diminuição no número de imigrantes portugueses que se deslocaram para o
Brasil durante o Estado Novo brasileiro, visto que a saída deles estava sujeita à
obtenção de um sistema de licenciamento, o qual nem sempre era fácil de
conseguir. Joel Serrão, estudando os deslocamentos dos portugueses para o
Brasil, avalia que o período de 1930 a 1945 apresenta um decréscimo
significativo e que isto constitui uma conseqüência direta da crise mundial de
1929, a qual “levou o Brasil, tradicional escoadouro da nossa gente, a fechar os
seus portos à emigração européia, o que, conjugado com medidas legais
restritivas em Portugal e com a paralisação dos transportes oceânicos durante
a guerra de 1939-1945”
555
.
Por outro lado, atesta-se que os números de imigrantes portugueses que
se deslocaram para o Brasil, no período compreendido entre 1937 e 1940,
minimizam as afirmações de que as restrições impostas pelo governo brasileiro
à imigração afetaram, diretamente, o contingente de portugueses que vieram
para o Brasil
556
. Até porque, como se constatará na seqüência do texto, por
interferência direta do governo português, estas restrições foram,
paulatinamente, “suavizadas”, em se tratando de imigrantes de origem
portuguesa. Neste sentido, um trecho do relatório do Cônsul geral português,
em o Paulo, é esclarecedor quanto à sua ação no Brasil, no sentido de
obtenção de um tratamento diferenciado especial junto ao governo
brasileiro:
Prometeu-me que as leis iriam sendo, na sua aplicação,
suavizadas quanto a nós. Que nos seria dada uma
grande e pública satisfação logo que o ensejo se
apresentasse. Que não deixaria de ser confessada, antes
de mais nada, a filiação portuguesa do Brasil, a
solidariedade da raça, a unidade dos dois povos. Que se
faria inteira justiça à nossa obra colonizadora e à nossa
13,38% de espanhóis, 4,63% de japoneses, 4,18% de alemães, e ainda 16,42% de outras
origens não especificadas”. Idem, p. 55.
555
SERRÃO, Joel. A emigração portuguesa: sondagem histórica. Op. cit., p. 39.
556
É claro que não se deve cometer a ingenuidade de se imaginar que as restrições à
imigração, impostas pelo governo de Getúlio Vargas, não atingiram, também, os portugueses;
entretanto, o que se quer destacar é que estas, em virtude de uma combinação de fatores
portugueses e brasileiros, não foram tão limitativas à entrada de lusos no Brasil, durante o
período do Estado Novo brasileiro (1937-1945).
195
preciosa contribuição para o desenvolvimento do Brasil
independente
557
.
Getúlio Vargas dedica uma atenção especial aos portugueses,
notadamente após a institucionalização do Estado Novo no Brasil, momento
em que o presidente demonstra certa afinidade pelo regime português. Oliveira
Viana – um dos mais destacados suportes da ideologia estadonovista no país
também reforça este pensamento ao defender que os portugueses e os
espanhóis mostravam-se muito bem integrados no Brasil, tanto quanto os
brasileiros natos
558
. Este pensamento também é reforçado nas publicações da
revista Cultura Política
559
, nesta o elemento português é apresentado como
uma exceção à regra da política imigratória e isto se deve ao desenvolvimento
de dois fatores: “primeiro a sua nacionalização facílima, em vista dos laços de
toda a ordem que nos ligam, tanto no terreno racial, quanto no lingüístico e no
histórico-cultural. E, segundo, a sua vitalidade racial espantosa”
560
. O fato dos
portugueses naturalizados serem os únicos a obterem autorização para o
ensino do português, representa um exemplo desta exceção na relação luso-
brasileira
561
.
Do lado português, os jornais ligados à colônia portuguesa no Brasil vêm
e justificam a adoção dessas “iniciativas destinadas a facilitar a entrada de
portugueses no país e a conceder àqueles que aqui residem uma proteção
legal não dispensada aos demais estrangeiros”
562
, como uma prática natural e
557
Relatório político e diplomático / política e economia brasileira do nsul geral de São
Paulo, emitido ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Anexo ao
Ofício 62, do Embaixador Martinho Nobre de Mello ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em de janeiro de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
558
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. O Brasil dos imigrantes. Op. cit., pp. 20-21.
559
De acordo com a historiadora nica Pimenta Velloso, Cultura Política era a revista oficial
do governo getulista, com vínculos diretos ao Departamento de Imprensa e Propaganda;
começou a circular em março de 1941 e se estendeu até outubro de 1945. Sobre o assunto,
entre outros, ver: VELLOSO, Mônica Pimenta. Cultura e poder político: uma configuração do
campo intelectual. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, pp. 71-83.
560
CASTELO BRANCO, R. P. Imigração e nacionalismo. Op. cit., p. 30.
561
Sobre este aspecto, a historiadora Eulália Maria Lobo ressalta que esta atitude de Vargas foi
tomada com vistas a “eliminar o ensino por estrangeiros em núcleos coloniais do Sul, o que ele
considerava uma ameaça à preservação da nacionalidade”. LOBO, Eulália Lahmeyer Maria.
Portugueses en Brasil en siglo XX. Op. cit., p. 176.
562
Jornal A Notícia, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1942, p. 2.
196
uma conseqüência direta do entrosamento luso na vida cotidiana brasileira,
tendo em vista que a colônia portuguesa do Brasil realiza “os seus movimentos
no sentido da maior identificação possível com o espírito das instituições
nacionais. Não se limita a obedecer com absoluto rigor as leis vigentes, integra-
se na vida do país como fator de ordem, equilíbrio e progresso”
563
.
Em contrapartida a esse “favorecimento”, muitos membros da colônia e
instituições portuguesas também demonstram apoio ao governo brasileiro.
Estas demonstrações aumentam à medida que o presidente brasileiro
intensifica facilidades aos imigrantes de origem portuguesa, tanto que, em 17
de junho de 1939, Vargas é homenageado no Real Gabinete Português de
Leitura, sendo presenteado com um retrato seu. Na ocasião, os discursos
proferidos por Ricardo Severo e pelo presidente brasileiro, reafirmam os laços
que unem os portugueses e o Brasil. No caso de Getúlio Vargas, o seu
discurso destaca as facilidades oportunizadas aos portugueses, afirmando que
“fizemos a primeira alteração na lei respectiva, fundados em relações de
Estado, por certo bem caras aos nossos corações; liberamos do limite legal a
vinda de portugueses”
564
.
Contudo, esta ação não constituía um fato recente, pois na cerimônia de
instalação do Conselho de Imigração e Colonização
565
, o próprio presidente
Getúlio Vargas prenunciava o tratamento diferenciado a ser destinado aos
portugueses no momento em que afirmava: “não nos devemos esquecer de
que o Brasil é de formação luso-brasileira”
566
. Este fragmento do discurso
varguista abriu brecha para que o ministro das Relações Exteriores do Brasil
encaminhasse um ofício à Embaixada portuguesa, no Rio de Janeiro,
destacando nos termos da resolução do Conselho de Imigração e Colonização
563
Idem.
564
VARGAS, Getúlio. Discurso proferido em 17 de junho de 1939 no Real Gabinete Português
de Leitura. In: Vida e obra da Federação das Associações Portuguesas do Brasil. Rio de
Janeiro: Gráfica Olímpica, 1943, p. 20.
565
O Conselho de Imigração e Colonização constituía uma designação do decreto-lei 406,
de 4 de maio de 1938 art. 81 o qual determinava: “fica criado o Conselho de Imigração e
Colonização, constituído de sete (7) membros nomeados pelo Presidente da república, que
dentre eles designará o presidente e os seus substitutos nas faltas e impedimentos”. Citado em
BRANDÃO, Alonso Caldas (compilador). Legislação de estrangeiros. Op. cit., p. 21.
197
a urgência de um estudo sobre o desenvolvimento da imigração portuguesa
para o Brasil. No documento referido, defende a idéia de que a imigração lusa
“em todos os aspectos, convém perfeitamente ao ambiente brasileiro e à
progressiva nacionalização do país visto que ela serve para preservar a sua
constituição étnica e seus interesses econômicos”
567
. Nesta direção, o jornal
Correio da Manhã, que em muito refletia as posições do governo getulista, ao
comentar sobre as resoluções do Conselho de Imigração, destaca que “entre
nós, brasileiros, os portugueses não são estrangeiros; são da mesma família.
Nós assim os consideramos. A imigração portuguesa é a que melhor nos
convém”
568
.
Uma outra medida, que foi motivo de intensa reclamação por parte de
Portugal, consistia no fato das Sociedades não poderem apresentar nomes
estrangeiros, este foi o caso da Sociedade Luso-Brasileira, da cidade de
Marília, em São Paulo, fato que desagrada a representação diplomática
portuguesa no Brasil, pois “pela lei em vigor e com a reforma obrigatória dos
seus estatutos passou a denominar-se Sociedade Marilândia, sendo para
lamentar o custo de força maior que nos inibe de manter o antigo nome
daquela Sociedade”
569
.
Muito embora todo o empenho do governo brasileiro em busca da
nacionalização do país, o que implicava diretamente num processo de
naturalização de muitos estrangeiros, o percentual de portugueses que buscam
a naturalização é relativamente baixo se comparado com outras etnias. Para se
ter uma idéia, em 1940, a taxa de portugueses naturalizados brasileiros no país
representava o percentual de 7% (no Rio de Janeiro este número caía para
6%), enquanto que, no mesmo período, o número de alemães naturalizados no
Brasil subia para 10% no país (no Rio de Janeiro era de 8%) e entre os
italianos este percentual subia para 12% no Brasil e mantinha o índice de 8%
566
Trecho do discurso proferido por Getúlio Vargas. Anexo ao Ofício 75 da Embaixada
portuguesa no Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 3 de abril de 1939.
M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
567
Ofício 75, da Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em 3 de abril de 1939. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
568
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 9 de abril de 1939, p. 2.
198
no Rio de Janeiro
570
. Mesmo sendo considerado baixo, este índice causava
preocupações por parte do governo português, tanto que a instrução
encaminhada aos seus Consulados referia-se a evitar, sempre que possível, a
naturalização dos portugueses, pois isto poderia representar um “desligamento”
dos portugueses de sua pátria-mãe. Assim, todas estas questões levam o
diplomata português José Augusto de Magalhães, em agosto de 1941, em uma
entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, a defender a elaboração
de um tratado luso-brasileiro de emigração e de dupla nacionalidade. Na
oportunidade, ele utilizou argumentos tais como:
Do valor do português para o Brasil, para a sua economia
e para a sua assistência pública poder-se-á julgar pelo
destino de inúmeras fortunas dos que para aqui
emigraram em criança, acumuladas através de uma
longa vida de intenso e honesto labor, fecundado pela
terra hospitaleira que os acolheu. As fortunas do livreiro
Francisco Alves, de Zeferino de Oliveira, do Visconde de
Morais e, ultimamente, de Joaquim Gonçalves Moreira,
só para falar dos mortos, aqui encorajando as letras;
animando indústrias: assegurando a perpetuidade de
acreditadas firmas comerciais, fortalecendo os recursos
de casas e hospitais ou enriquecendo o patrimônio das
municipalidades, com as iniciativas que tiveram e têm
seus continuadores. De todos os imigrantes o português
enfileira-se entre os que maior contribuição tem fornecido
à economia, do norte ao sul do Brasil
571
.
A entrevista apresenta, de modo velado, a defesa de interesses
econômicos/culturais portugueses, daí a justificativa para o empenho português
em tentar neutralizar a influência de outras etnias no Brasil. Claro está, ainda,
que nesse processo o argumento de ligações afetivas histórico/culturais entre
os dois países será amplamente utilizado, visando assentar o processo
imigratório entre os dois países.
569
Ofício 557, do Cônsul geral em São Paulo ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 17 de agosto de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
570
FLORENTINO, Manolo; MACHADO, Cacilda. Ensaio sobre a imigração portuguesa e os
padrões de miscigenação no Brasil (séculos XIX e XX). Disponível em:
http://www.ppghis.ifcs.br/media/manolo_imigracao_lusa.pdf. Acesso em 7 de setembro de
2007.
571
Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, em 12 de agosto de 1941, p. 2.
199
4.3 Uma das faces do nacionalismo
572
de Getúlio Vargas: a naturalização
dos estrangeiros
A Carta outorgada em novembro de 1937, por Getúlio Vargas, com seu
caráter autoritário e centralizador, abre espaço para a concretização do plano
getulista de formação de uma identidade nacional
573
, passando a se preocupar
“com atitudes dos cidadãos, sua cultura, sua ética de trabalho, suas posições
frente aos outros povos, sua composição étnica. É aí que têm origem as
principais correntes nacionalistas que vão desenvolver-se no país”
574
.
A partir deste quadro, a política nacionalista empreendida por Vargas
voltará sua atenção para a divulgação de ações do governo getulista, bem
como para a repressão às notícias e manifestações contrárias ao novo
regime
575
. Constata-se, ainda, neste momento, uma grande preocupação do
governo brasileiro com relação ao elevado número de estrangeiros,
notadamente no sul e sudeste do país, onde a presença do imigrante era mais
acentuada; por isso, a política nacionalista empreendida por Vargas também se
572
O termo nacionalismo aqui utilizado é trabalhado a partir da perspectiva indicada por
Bobbio, e compreende “a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o
Estado nacional que se sobrepõe às ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva”.
BOBBIO, Norberto, MATTENCI, Nicola e PASQUINO, Geanfranco. Dicionário de política. 7. ed.
Brasília: Ed. da UnB, v. 2, 1995, p. 798.
573
Sobre o assunto, entre outros, ver: GIBERNAU, Montserrat. Nacionalismos. O Estado
nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
574
GERTZ, René. Cidadania e nacionalidade: história e conceitos de uma época. In: MÜLLER,
Telmo (Org.). Nacionalização e imigração ale. São Leopoldo: Ed. da UNISINOS, 1994, p.
17.
575
Nesta direção destaca-se a criação e as ações do Departamento Nacional de Propaganda
(DNP), em 1938, o qual foi alterado para Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1939.
200
voltará para os imigrantes, visto que o país recebia grande número de
estrangeiros, anualmente, tanto que este posicionamento do governo brasileiro
levou o Cônsul geral português, Júlio Augusto Borges dos Santos, a afirmar:
“criou-se uma forte corrente nacionalista que começa a concretizar os seus
planos e nos quais há o afastamento das colônias estrangeiras dos seus
agentes consulares, cuja influência não convém permitir, mas, reduzi-la ao
máximo”
576
.
Assim, a campanha nacionalista varguista, no que respeita à presença
do imigrante apresentará “duas frentes de atuação: a integração do elemento
imigrado e a ‘nacionalização’ dos seus descendentes, e a restrição da
presença estrangeira em termos de comando das estruturas econômicas do
país”
577
. Nesta direção, uma das primeiras medidas adotadas constitui-se,
justamente, na proibição dos estrangeiros explorarem os meios de
comunicação, afinal, isto constituía uma questão de segurança e de
preservação da soberania nacional
578
.
Com relação a este ponto, o governo brasileiro ainda estipula um
período para a naturalização de todos os jornalistas estrangeiros no país, sob
pena de cancelamento do seu registro profissional. Este fato leva o governo
português a se empenhar no sentido de obter exceções para a categoria
citada. Inclusive, para este fim, a Embaixada portuguesa, sediada no Rio de
Janeiro, consegue que a Associação Brasileira de Imprensa e o Sindicato dos
Jornalistas Profissionais enviassem ofícios ao ministro do Trabalho e à direção
do Departamento de Imprensa e Propaganda. Além destes apoios, o
Embaixador português obtém uma conferência com o ministro Lindolfo Collor;
576
Ofício nº 675, do Cônsul Português de São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 29 de setembro de 1941. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
577
PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia portuguesa do Brasil e o Salazarismo.
Coimbra: Quarteto, 2000, p. 130.
578
Artigo 122 da Constituição Federal de 1937. O texto da Carta Constitucional determinava
que “não podem ser proprietários de empresas jornalísticas as sociedades por ações ao
portador e os estrangeiros, vedado tanto a estes como às pessoas jurídicas participar de tais
empresas como acionistas. A direção dos jornais, bem como a sua orientação intelectual,
política e administrativa, só poderá ser exercida por brasileiros natos”. Idem.
201
na oportunidade, ele defende a adoção de providências em favor dos
jornalistas portugueses
579
.
Uma outra categoria de trabalhadores portugueses atingida pela política
nacionalista do governo brasileiro é a profissão de motoristas. Esta, pela nova
legislação brasileira, passava a ser exclusividade de exercício brasileiro. De
acordo com a lei estabelecida, todos os chauffeurs de praça, de residências
particulares ou de casas comerciais, que fossem estrangeiros, estavam
obrigados à naturalização. Estas novas determinações do governo brasileiro
originam reclamações por parte de Portugal, porque “todas estas
regulamentações têm nos prejudicado imenso, posto que, as classes
trabalhadoras, portuguesas, têm sido atingidas pela necessidade da
naturalização para conservarem os seus empregos”
580
.
Não obstante, os jornalistas e os motoristas não eram as únicas
categorias profissionais a serem atingidas pela política nacionalista de Getúlio
Vargas. Nesta direção, a historiadora Eulália Maria Lobo aponta que os
estrangeiros estavam proibidos “de ser funcionários públicos e leiloeiros, de
explorar a pesca e indústrias correlatas, a navegação de cabotagem, de
exercer os ofícios de tradutor público, intérprete comercial, classificador de
produtos agrícolas, pecuários ...”
581
.
Estas proibições como é fácil deduzir originam intensa
movimentação de alguns elementos portugueses, notadamente daqueles tidos
como líderes da colônia portuguesa no Brasil. Tanto que no dia 2 de julho de
1940, o jornal O Estado de o Paulo publica o artigo intitulado “Carta aberta
ao Chefe da Nação”, do jornalista português Silva Viana. No texto, Viana apela
ao presidente Getúlio Vargas para a obtenção da cidadania brasileira a todos
os portugueses residentes no país mais de 10 anos; como argumentação,
ele ressalta que muitos portugueses “por mais que o desejem, bem dificilmente
o poderão obter em conseqüência de suas dificuldades pecuniárias e outras de
579
Telegrama nº 118, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro ao Presidente do Conselho
e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 26 de maio de 1942. M. N. E., piso, Armário 50,
Maço 68.
580
Ofício 285, do Cônsul de São Paulo ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 8 de maio de 1939. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
581
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração portuguesa no Brasil. Op. cit., p. 176.
202
natureza burocrática”
582
. A partir desse momento, o referido jornal paulista
inicia uma campanha em prol da iniciativa defendida pelo jornalista português e
abre espaço para a nacionalização de diversas instituições.
Em decorrência do início desse movimento, a diretoria da Câmara
Portuguesa de São Paulo encaminha um ofício ao Embaixador português no
Brasil, Martinho Nobre de Mello, informando que a instituição havia sido
convidada a fazer parte daquele movimento. No entanto, não havia aceitado o
convite utilizando, entre outros, os seguintes argumentos:
que não sendo esta Câmara uma associação do
mesmo caráter que as outras, mas sim uma repartição
oficiosa do Estado Português, não deveria tomar
qualquer atitude em assuntos de tanta importância para a
situação dos portugueses no Brasil, sem o assentimento
das estâncias oficiais;
que se tratava, no caso, de um valor que Portugal
doaria ao Brasil, porquanto, se é verdade que a
concessão da cidadania beneficiaria individualmente os
portugueses aqui residentes, a verdade é também que
iria concorrer para totalizar a desnacionalização que,
lamentavelmente, se vem verificando cada vez com mais
freqüência;
que esse valor deve ser um trunfo que acaso um dia
devêssemos usar oferecendo a reciprocidade, mas
nunca dele nos desfazermos sem compensação
adequada
583
.
As justificativas utilizadas pela Câmara Portuguesa de Comércio de São
Paulo, para o declínio ao convite, apontam algumas das preocupações do
governo português com relação à política de naturalização de portugueses no
Brasil. A principal delas está representada pelo receio da perda dos laços com
os imigrantes portugueses no Brasil, tendo em vista que o país, por um lado,
582
VIANA, Silva. Carta aberta ao Chefe da Nação. In: O Estado de São Paulo, São Paulo, em 2
de junho de 1940, p. 3.
583
Ofício da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, ao Embaixador de Portugal no
Rio de Janeiro, em 27 de julho de 1940. M. N. E., piso, Armário 9, Maço 117. Os demais
argumentos, não relacionados na citação, eram: “2º que as vantagens ou desvantagens de tal
medida o tinham sido convenientemente discutidas; 5º que as referidas associações
encarecem o problema ao invés, focando especialmente os benefícios de ordem pessoal que
essa medida traria para os portugueses, mas esquecendo o interesse da Nação; que, em
qualquer caso, tomaríamos uma atitude depois de obter o beneplácito do Estado
Português”.
203
necessitava manter os nculos com a antiga colônia e, por outro, precisava
das remessas econômicas enviadas pelos portugueses, aqui residentes, para
colaborar na viabilização do seu projeto econômico.
Um ofício, reservado, do Cônsul geral em São Paulo, Júlio Augusto
Borges dos Santos, encaminhado ao Embaixador português no Brasil, Martinho
Nobre de Mello, noticia ainda fato semelhante no momento em que ele
comunica ao governo português a realização de uma manifestação do
emigrado político João Sarmento Pimentel
584
, o qual estaria agremiando
diversas associações nacionalizadas, justificando que estas naturalizações se
faziam necessárias devido à ligação de Portugal ao lado das potências do Eixo.
De acordo com o Cônsul português:
Na colônia o ato praticado pelo Sr. Sarmento Pimentel,
correspondente do jornal carioca “Correio Português” tem
sido muito censurado e comentários desagradáveis estão
correndo contra aquelas associações que possuem 60%
a 80% de sócios brasileiros natos ou, já, naturalizados, e
os principais membros da nossa colônia repudiam
energicamente a iniciativa derrotista do Sr. Sarmento
Pimentel que tem percorrido algumas casas de comércio
portuguesas e centros de reunião informando que o
nosso governo estava, decididamente, ao lado do eixo
político Roma-Berlim e faria causa comum com a
Espanha contra a Inglaterra, sendo, mais tarde, Portugal
anexado pela Espanha e, por isso, todos os portugueses
tinham o dever de se naturalizarem brasileiros para
ficarem pertencendo a um país que respeita a
liberdade
585
.
Portanto, vistas por este ângulo, as naturalizações espontâneas de
membros da colônia portuguesa são tidas pelo regime salazarista como uma
espécie de atentado à integridade da Nação portuguesa, afinal, os portugueses
residentes no Brasil “abandonarão as suas inscrições nos Consulados
584
De acordo com o Cônsul geral português, Sarmento Pimentel era “o presidente da atual
Comissão Administrativa da ‘Casa de Portugal’ e de situação estatuária irregular, era o
secretário das associações signatárias, todas nacionalizadas ou em regime de favor policial”.
Idem.
585
Ofício, reservado, do Cônsul de São Paulo ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 20 de julho de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
204
respectivos daí um desfalecimento de amor pátrio”
586
. Isto leva a crer que,
como não poderia deixar de ser, as naturalizações portuguesas constituem um
impacto ao nacionalismo português, por isso, a representação diplomática e
consular é orientada a agir no sentido de:
Acompanhar, por meio dos agentes diplomáticos e
consulares, a atividade das associações, instituições ou
organismos científicos, de colaboração política, de
propaganda ou de ensino portugueses estabelecidos no
estrangeiro, promover a sua organização ou federação,
onde for possível e procurar obter a sua unidade de
ação
587
.
Além disso, o português que optava pela naturalização brasileira, como
se pode presumir, não poderia continuar usufruindo do seu status de português
em Portugal. Esta prática foi denunciada na imprensa brasileira, pelo jornal
Democracia, em setembro de 1945, o qual publica o artigo “Português
naturalizado não é português em Portugal”, evidenciando que a nova lei
eleitoral portuguesa definia que se tornavam inelegíveis para a Assembléia
Nacional Portuguesa todos os cidadãos naturalizados e aqueles que não
apresentassem comprovação de residência contínua no território português
durante os últimos 5 anos. O jornal mencionado afirma que, com a inclusão
destas proposições, “aí está claro que português naturalizado não é cidadão
português em Portugal”
588
.
Estas questões em muito nortearão as discussões acerca da posição
dos portugueses no Brasil. Em 1941, Portugal envia uma missão especial ao
Brasil
589
; esta assiste à conferência proferida pelo professor Barreto Campelo,
intitulada “A dupla nacionalidade dos portugueses no Brasil”, no Gabinete
Português de Leitura. O conteúdo da citada conferência em muito influenciará
na elaboração do Estatuto Especial dos Portugueses no país, pelo governo
brasileiro, em novembro de 1943.
586
Ofício 285, do Cônsul geral em São Paulo ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 8 de maio de 1939. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
587
PAULO, Heloisa. Imigração portuguesa no Brasil. Op. cit., p. 98.
588
Jornal Democracia, Rio de Janeiro, em 26 de setembro de 1945, p. 4.
205
Para coroar o processo de aproximação luso-brasileira evidenciado
no aspecto cultural e econômico desta tese em 1944, o governo brasileiro
encaminha para Portugal um estudo prévio relativo à normalização do Estatuto
dos Portugueses, um documento comum a portugueses e brasileiros, que
deveria ser seguido pelos dois países. O projeto determinava a livre entrada
tanto no Brasil como em Portugal, por meio de uma simplificação das
exigências formais e documentais, bem como a igualdade de direitos aos
portugueses naturalizados no Brasil.
Contudo, visando ampliar os termos propostos pelo projeto brasileiro,
Salazar solicita ao Embaixador português no Brasil um parecer sobre o
trabalho realizado pelo especialista em Direito Internacional, o professor
Machado Vilela. Na verdade, o governo português tinha em mente o aumento
“das facilidades no que respeita ao reconhecimento de diplomas universitários
e na entrada de profissionais qualificados em ambos os países, o que não
chega a ser pensado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil”
590
.
Tanto que, diante dos impasses criados no Brasil no que se refere à assinatura
do Estatuto, o embaixador brasileiro em Portugal, João Neves da Fontoura,
chega a “adiar o seu regresso a Lisboa em virtude do imprevisto surgido com
relação ao Estatuto dos Portugueses e Brasileiros”
591
, tendo em vista que ele
“não deseja retornar ao seu posto em Portugal sem uma decisão a respeito”
592
.
Diferentemente do aspecto cultural e econômico, áreas em que se
verifica uma intensa aproximação luso-brasileira durante o Estado Novo
brasileiro, formalizada pela assinatura de diversos acordos nas áreas
citadas
593
, com relação ao aspecto da imigração, não houve a assinatura de
um acordo mais abrangente entre os dois países, notadamente, pelo
afastamento de Getúlio Vargas da presidência do país, em outubro de 1945.
589
Sobre o assunto, ver o 2º capítulo desta tese, pp. 93-94.
590
PAULO, Heloisa. Imigração portuguesa no Brasil. Op. cit., p. 142.
591
Jornal O Dia, Curitiba, em 15 de junho de 1945, p. 4.
592
Idem.
593
Sobre o tema, ver 2º e 3º capítulos desta tese.
206
4.4 A vigilância salazarista exercida sobre a colônia portuguesa no Brasil
A esta altura do texto, a aproximação luso-brasileira é um fato.
Contudo, uma análise mais crítica deste estreitamento de relações entre Brasil
e Portugal permite inferir que, no que se refere à posição portuguesa, o Brasil é
visto como uma espécie de “extensão” do território português tendo-se em
mente o elevado número de portugueses aqui residentes e a necessidade de
controle à colônia de portugueses residentes no território brasileiro. Aliás, este
procedimento de vigília sobre a colônia portuguesa é exercido antes mesmo da
saída dos emigrantes de Portugal, tendo em vista que “são inúmeros os
decretos que demonstram a preocupação do regime em inspecionar aquele
que embarca, realizando uma triagem cada vez mais qualitativa do
emigrante”
594
. Além desse aspecto, ressalta-se o fato de que a colônia de
imigrantes também precisa ser “doutrinada”, disciplinada, principalmente
porque “concorrência” externa, como bem atesta o Cônsul português de
Pernambuco, Manuel Anselmo, no relatório sobre a sua visita oficial a Maceió:
A Colônia Portuguesa de Maceió é pequena mas é ótima.
Fui encontrá-la, porém, dividida. A grande maioria era
salazarista e disciplinada ás instruções superiores.
Pessoas havia, porém, que, em comunicação com os
maus elementos da América do Norte (Camoezas, por
exemplo) e do Rio, formavam dos métodos governativos
do nosso país uma idéia falsa e injusta. Tratei-os, a todos
esses elementos, com um carinho redobrado e pude
verificar, através deles, quanta falta m feito, neste país,
Cônsules com formação mental e política conforme com
a hora nova de Portugal
595
.
A análise do relatório do representante consular também se torna
instigante à medida que o Cônsul Manuel Anselmo deixa escapar alguns
aspectos da vigilância portuguesa exercida sobre os lusitanos do além-mar, ao
relatar o tipo de ação direcionada a estes, no momento em que, fazendo
referência à ação deflagrada para com os portugueses que, no seu entender,
“caluniavam” o governo português no Brasil, afirma: “obriguei os capitães desse
594
PAULO, Heloisa. Imigração portuguesa no Brasil. Op. cit., p. 69.
595
Relatório do Consulado de Pernambuco, de 27 de fevereiro de 1943, p. 3. M. N. E., piso,
Armário 48, Maço 233 A.
207
partido a, num almoço íntimo de portugueses, declararem-se arrependidos
das afirmações anteriores, a que haviam conduzido por informações erradas, e
a proclamar-se, com comoção, salazaristas”
596
.
Deste modo, o governo português se utiliza de uma política de controle
levada a efeito por meio notadamente dos representantes diplomáticos e
consulares aqui residentes, visto que os “Consulados deveriam acompanhar
com mais método e proximidade os nossos emigrantes estabelecendo os
ficheiros em que atrás falo, premiando os que se mantivessem firmemente
portugueses, desaconselhando-lhes a naturalização, de acordo com a Polícia
Internacional”
597
. E é, justamente, esta postura por parte do governo português,
que se observa com relação aos portugueses emigrados, residentes no Brasil.
O ofício do Embaixador Martinho Nobre de Mello, enviado ao Presidente
do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Oliveira Salazar,
em setembro de 1940, também reafirma tais interesses. Na correspondência
indicada, Mello faz referência à necessidade de “conter as atividades sempre
perigosas de certos elementos como o ex-capitão Sarmento Pimentel e seus
sequazes sempre em oposição pessoal a Sua Excelência”
598
.
Um expressivo número de ofícios e telegramas emitidos pela
representação diplomática e consular portuguesa no Brasil evidenciam o
“cuidado” de Portugal para com a sua colônia no Brasil. Neste sentido, torna-se
ilustrativo o ofício emitido, em setembro de 1942, pelo Cônsul geral português,
em São Paulo, ao Embaixador português Martinho Nobre de Mello. Neste, ele
demonstra certa preocupação com a situação da intensa propaganda política
dos aliados e seus partidários no Brasil, o que pode ser traduzido pelo temor
relativo à perda de espaço no cenário brasileiro e, notadamente, na origem de
problemas quanto à aceitação do regime político de Portugal. De acordo com o
Cônsul, “há meses que se vem recebendo por via postal, inúmeros impressos
de propaganda política, estrangeira, remetida pelo Rio de Janeiro e ‘Comitês’
596
Idem.
597
Relatório de Augusto Pires de Lima, ao Presidente do Conselho, em 28 de maio de 1942. In:
Correspondência entre Mário de Figueiredo e Oliveira Salazar. Lisboa: Presidência do
Conselho, 1986, p. 91.
598
Ofício do Embaixador Martinho Nobre de Mello, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 10 de setembro de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117.
208
de São Paulo”
599
; para ele, este expressivo número de impressos representa
motivo de preocupação porque “toda esta ativa propaganda constitui um
poderoso instrumento de indiscutível valor para procurar excitar a colônia, que,
também, recebe aqueles manifestos e, servem aos agitadores (...) que
poderiam estabelecer um Comitê português livre”
600
.
Do lado português, um telegrama de Salazar, encaminhado para o
Embaixador português no Rio de Janeiro, informa que o presidente do
Conselho se mantinha atualizado e por dentro das questões internas ocorridas
no Brasil, inclusive, emitindo parecer sobre o material enviado, como comprova
um telegrama seu de 1945, de acordo com a afirmação de que “apreciei
devidamente [a] entrevista [de] V. Exa. [no] Brasil-Portugal, [no] aludido ofício
agora lido”
601
.
Deste modo, como se pode verificar, por um lado, existe o
desenvolvimento de uma política de controle sobre atitudes tidas como
“contestatórias” do regime salazarista e, por outro, o estabelecimento de ações
que visavam à exaltação do governo português ou da figura de Salazar. Este é
o caso das solenidades realizadas no momento da inauguração dos quadros
de Antônio de Oliveira Salazar no Brasil. Comentando sobre a solenidade de
inauguração do retrato de Salazar, no estabelecimento comercial do português
Raul Fernandes Forte, em 19 de setembro de 1942, o Cônsul de Pernambuco
deixa transparecer importantes aspectos da política salazarista desenvolvida
no Brasil, objetivando “doutrinar” a colônia, tendo em vista que “esta
inauguração constituiu o início de uma política em movimento. Dentro de
meses, todos os estabelecimentos comerciais portugueses em Pernambuco
terão o retrato de V. Exa. como símbolo da sua fidelidade à Mãe-Pátria”
602
.
599
Ofício do Cônsul geral em São Paulo, ao Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, em 19
de setembro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
600
Idem. O grifo consta no original.
601
Telegrama nº 104, do Presidente do Conselho, à Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro,
em 15 de julho de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
602
Ofício nº 179, do Cônsul de Pernambuco, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 22 de setembro de 1942. M. N. E., piso, Armário 50, Maço 68. O
Cônsul português ainda evidencia o seu trabalho relatando: “não oculto que tenho patrocinado
com todo o calor essa iniciativa que tem merecido a maior simpatia às autoridades locais (...).
Inaugurando, com todo o respeito e admiração, o retrato do seu Chefe, os portugueses daqui
209
Seguindo esta orientação, a vigilância da colônia portuguesa também
acontecia por meio do controle de artigos publicados na imprensa brasileira. Na
sua maioria, estes textos ressaltavam o regime salazarista ou fatos que o
colocassem em evidência, como é o caso da publicação das declarações feitas
pelo Embaixador da Inglaterra, em Lisboa, por ocasião da realização de um
banquete oferecido em honra a Salazar, momento em que a Embaixada
portuguesa, no Rio de Janeiro, “de posse do texto completo do discurso,
promoveu a sua publicação nos jornais Voz de Portugale Brasil-Portugal’, os
mais lidos pelos portugueses”
603
. Neste mesmo ofício, o Embaixador português
ainda deixa transluzir que esta é uma prática rotineira, ao informar que utilizou
“os serviços noticiosos de várias emissoras para pôr em foco aquele discurso,
à semelhança do que se tem feito com os discursos de Vossa Excelência
e outros assuntos de interesse nacional
604
.
A correspondência emitida pela representação diplomática portuguesa
sediada no Brasil inclui, em seus relatórios e ofícios, a emissão de artigos
publicados por membros da colônia lusa no país ou, ainda, aqueles que contém
notícias que são tidas como relevantes para o regime salazarista. Tal fato
ocorre, por exemplo, com a publicação do artigo “O Escudo”
605
, de Cristóvam
Dantas, no jornal Diário da Noite. Este artigo foi encaminhado para Portugal
porque sua publicação “causou uma enorme e agradável impressão nos meios
intelectual e político paulistano e o seu autor tem recebido fartos aplausos e
cumprimentos pela maneira como se refere a Portugal”
606
.
afirmam inequivocamente que não pretendem furtar-se aos seus deveres para com a Mãe-
Pátria”. Idem.
603
Ofício 80, do Embaixador português no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 9 de julho de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço
121.
604
Idem. O grifo não consta no original.
605
Neste artigo, Cristóvam Dantas tece inúmeros elogios à política de neutralidade adotada por
Portugal com relação ao conflito da Segunda Guerra Mundial, inclusive, segundo o autor, esta
foi uma medida acertada porque “não participando até agora do conflito, a sua atuação
mostrou-se, todavia, de tal forma inteligente e proveitosa que aliviou sobremaneira a tarefa de
guerra dos povos aliados, em um setor fundamental do Mediterrâneo e do Atlântico”. Jornal
Diário da Noite, São Paulo, em 2 de julho de 1943, p. 2.
606
Ofício 435, do Cônsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 2 de julho de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
210
A opinião contrária a este posicionamento também pode ser constatada.
As notícias de críticas ao governo português de igual forma são evidenciadas
na correspondência encaminhada pelo corpo diplomático e consular português
no Brasil. Este é o exemplo do artigo “A vez de Portugal”
607
, publicado pela
revista semanal Ilustração, o qual, além de considerar Salazar como um
“fascista de segunda ordem”, questiona os rumos da situação portuguesa após
o término da Segunda Guerra Mundial, que com a “derrota do nazismo na
Europa, Portugal deverá ter plena liberdade para continuar mantendo o seu
regime declaradamente totalitário, infelicitando seu povo que mais de uma
década vive mergulhado na miséria e na servidão mais abjeta”
608
. Em alguns
casos, o remetente (o Embaixador ou algum Cônsul português no Brasil)
menciona suas atitudes com vistas a neutralizar tal elemento ou situação. Um
exemplo desta atitude flagrante de intervenção salazarista foi informado pelo
Cônsul geral português em o Paulo, no momento em que ele noticia que o
Dr. J. Batista de Souza, diretor da seção de imprensa do Departamento
Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), havia comunicado-o “ter em seu
poder quatro artigos procedentes do Rio de Janeiro e destinados à publicidade
no vespertino local ‘A Gazeta’ e cuja publicação foi sustada em nossa
atenção”
609
. Sobre a prática do referido jornal, o ofício emitido pelo nsul
esclarece, ainda, que “os nossos amigos de ‘A Gazetaesforçam-se, em face
da guerra mundial, em afastar recriminações ou acusações a Portugal, dando
preferência a tudo quanto respeita a um maior entendimento entre os dois
países irmãos”
610
.
Além desse aspecto, o desenvolvimento de ações que desfaçam ou
neguem a presença portuguesa no Brasil são imediatamente comunicadas a
607
Ofício 503, do Cônsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 23 de junho de 1944. M. N. E., piso, Armário 50, Maço 68. Neste
ofício, o Cônsul geral português, chama a atenção para o fato de que “a edição deste artigo se
esgotou nesta Capital”. Idem.
608
A vez de Portugal. In: Revista Ilustração, nº 30, março de 1944, p. 1.
609
Ofício 184, do Cônsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 11 de março de 1942. M. N. E., piso, Armário 47, Maço 119. De
acordo com o Cônsul geral, os artigos intitulavam-se “A política internacional luso-espanhola”;
“Um aviso de toda a oportunidade”; “Em Portugal começa a sentir-se a guerra”, e outro “Sobre
a tendência nazista do governo português e a questão do Timor”.
610
Idem.
211
Portugal. Esse é o caso, por exemplo, da notícia veiculada no jornal O Estado
de São Paulo, sobre a desaprovação do Instituto Histórico e Geográfico
referente à execução de um monumento ao Pe. Anchieta como o fundador da
cidade de São Paulo, ignorando o feito do Pe. Manuel da Nóbrega pois, este,
no entendimento do Cônsul geral português, é o “verdadeiro fundador, de
nacionalidade portuguesa e a quem cabe aquela homenagem
611
.
Nesta direção, os ofícios confidenciais deste período, em sua maioria,
identificam o alerta feito pelo corpo diplomático e consular no Brasil, no sentido
da execução de possíveis manifestações contrárias ao regime. Inclusive, a
documentação enviada para Portugal ressalta a prática da coibição destas.
Não obstante, o contrário também ocorre. Verificam-se gratificações às
manifestações favoráveis ao regime; pessoas ilustres e/ou influentes junto à
colônia portuguesa no Brasil recebem comendas ou são colocadas em
evidência. Além disso, as ações de portugueses, que vangloriam o governo
português, também encontram respaldo junto à correspondência enviada pela
representação diplomática e consular portuguesa no Brasil. Exemplo desta
afirmação é o ofício de 27 de fevereiro de 1943, no qual o Cônsul Manuel
Anselmo relata a realização da conferência do Dr. Francisco Patti Diretor do
Departamento Municipal de Cultura de Recife intitulada “Influência da
Literatura na Medicina”, momento em que o conferencista, por ter se referido
“em termos sumamente elogiosos, a vários escritores portugueses, inclusive ao
dr. Fidelino de Figueiredo”
612
, recebe elogios e respaldo dos portugueses
moradores no Estado de Pernambuco.
Assim, a busca pela adesão dos emigrantes portugueses aos
pressupostos do regime salazarista constitui uma linha de ação do corpo
diplomático sediado no Brasil. Para isto, os meios de comunicação
notadamente a imprensa são vistos como mecanismos muito importantes no
sentido de doutrina e vigília sobre a colônia portuguesa no território
611
Ofício 95, do nsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 23 de abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
612
Relatório do Consulado de Pernambuco, de 27 de fevereiro de 1943, p. 3. M. N. E., piso,
Armário 48, Maço 233A.
212
brasileiro
613
. Deste modo, os jornais ligados ao regime salazarista procuram
neutralizar qualquer tipo de influência negativa aos preceitos do governo
português e, para isto, contavam com o apoio de importantes meios de
comunicação no Brasil.
Dentro desse contexto, aponta-se que a imprensa representa um
importante instrumento de reprodução da ideologia do regime salazarista junto
à colônia de imigrantes portugueses no Brasil, “quer através da propaganda
direta dos regimes de Lisboa, quer através da reprodução dos valores comuns
da sociedade portuguesa, destinada aos filhos de imigrantes”
614
. Durante o
Estado Novo brasileiro, o jornal que mais se destaca no exercício deste papel é
a Voz de Portugal
615
; com o passar do tempo, este periódico tornar-se-á “a
expressão totalitária da Pátria distante”
616
.
O jornal Brasil-Portugal
617
, fundado no Rio de Janeiro, em abril de 1944,
era dirigido por Viriato Dornelles Vargas, irmão do presidente Getúlio Vargas.
Muito embora a defesa do regime salazarista e o respaldo evidenciado à
colônia portuguesa no Brasil, o jornal citado não constitui um órgão de
efetivação da aproximação luso-brasileira. Contudo, o citado periódico
publicava, com muita freqüência, o resumo dos discursos proferidos por
Salazar, em Portugal. Aliás, este foi um dos mecanismos encontrados pelo
regime português para “refutar de vez a insidiosa campanha de críticas à nossa
política externa movida por emigrantes políticos, com erros e falsidades
históricas engenhosamente arquitetados e alimentada por boa parte dos jornais
deste país”
618
. Com relação a este jornal, há que se fazer menção à sua
613
A historiadora Heloisa Paulo ressalta que, além da imprensa, o rádio, o teatro e a televisão
também constituíram elementos porta-vozes da ideologia salazarista para a colônia
portuguesa. Sobre o assunto, ver: PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia
portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Op. cit., pp. 204-215.
614
PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia portuguesa do Brasil e o Salazarismo.
Op. cit., p. 189.
615
O jornal Voz de Portugal, fundado em abril de 1936, surgiu a partir de uma cisão entre o Dr.
Mário Moreira Fabião e Henrique Ferreira Lopes, diretores do periódico Diário Português, e o
seu fundador, Crisóstomo Cruz.
616
Jornal Voz de Portugal, Rio de Janeiro, em 11 de abril de 1936, p. 2.
617
O jornal Brasil-Portugal existiu durante o período de abril de 1944 até o ano de 1948.
618
Ofício do Embaixador de Portugal, Martinho Nobre de Mello, ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 29 de maio de 1940. M. N. E., piso, Armário 50,
Maço 68.
213
importante atuação no que respeita à crítica aos portugueses exilados políticos
no Brasil por ocasião da sua reunião na sede da União Universitária, cuja pauta
seria a definição do pensamento português em prol do anti-fascismo, porque, a
partir deste momento, o jornal Brasil-Portugal “abriu [uma] violenta campanha
contra esses portugueses que fazem política fora [da] sua terra, mormente
quando ela toma aspecto vingativo chegando [a] reclamar medidas enérgicas
para fazer terminar o Estado Novo”
619
.
Assim, o apoio desses periódicos ao Estado Novo português, seja por
meio de publicações que ressaltem e exaltem o regime salazarista ou pela
coibição de notícias que “maculem” a imagem portuguesa, tem sua razão de
ser, afinal, estes jornais têm relação quase que direta com o governo brasileiro
e esta oposição ao governo português poderia refletir-se no Estado Novo
brasileiro.
Desse modo, constata-se que o controle exercido por Salazar
apresentava uma dimensão mais profunda e ultrapassava a linha dos
discursos. O expressivo número de recortes de jornais, artigos publicados por
membros ligados à colônia, encaminhados para Portugal via sua representação
diplomática e consular no Brasil comprovam tal afirmativa.
Todavia, além da imprensa, para o exercício deste trabalho de vigilância,
os representantes diplomáticos e consulares portugueses buscam, também,
apoio em outras frentes. Nas festividades de batismo do avião Lusitânia cujo
padrinho era o Almirante Gago Coutinho em abril de 1943, o escritor Assis
Chateaubriand proferiu um discurso condenando a designação de estrangeiros
aos portugueses, concitando “a nossa juventude a que nunca tolere que se
chame de estrangeiro a um português. Nossa individualidade é lusitana e a
preservação dessa individualidade é essencial”
620
. Este discurso levou o
Cônsul de Portugal em Recife, Manuel Anselmo, a defender o “aliciamento” de
Chateaubriand à causa portuguesa, argumentando que “este homem, que tem
18 diários em todo o Brasil e dispõe de uma influência poderosíssima, precisa
619
Trecho do Telegrama 102, do Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, em 24 de abril
de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 121.
620
Ofício, confidencial, do Cônsul de Pernambuco, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 6 de abril de 1943, p. 1. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
214
ser acarinhado na imprensa portuguesa”
621
, ou seja, de acordo com o Cônsul
português, o apoio de Chateaubriand apresenta-se como fundamental para
conter “o perigo que paira sobre a cultura portuguesa nestas terras”
622
.
Uma outra face deste processo de busca pela adesão dos emigrantes
portugueses no Brasil consiste na exaltação a Portugal ou a fatos, pessoas,
festas etc. cujos interesses portugueses podem ser evidenciados. Este parece
ser o caso do monumento erigido a Luís de Camões, no átrio da Biblioteca
Municipal de São Paulo
623
. Todavia, “mais contundente, porém, é a busca do
controle dos principais postos das associações da colônia, como nos casos do
Clube Português, da Casa de Portugal, da Câmara Portuguesa de Comércio e
do Centro Transmontano”
624
, tendo em vista que eles constituem importantes
mecanismos de vigília e doutrinação da colônia portuguesa no Brasil. Assim, a
colônia portuguesa era subvencionada por meio das suas associações e pela
representação oficial portuguesa residente no país, formando-se uma espécie
de policiamento das atividades desenvolvidas pelos membros da colônia no
território brasileiro. Com relação à adoção destas ações, o Cônsul geral
português corrobora este pensamento ao informar que:
...só se poderá conseguir por uma série de
manifestações cívicas, constantes, não na capital
como nos aglomerados do interior, trabalho insano por
nós iniciado, desde o ano de 1937 e mantendo a atuação
brilhante da “Casa de Portugal” com as suas
conferências da alta cultura luso-brasileira e a “Caravana
de cooperação intelectual luso-brasileira” nas suas
excursões ao interior do Estado, visitando os núcleos
coloniais portugueses
625
.
621
Idem.
622
Ibidem.
623
O monumento custou, aproximadamente, 40 contos de is e foi realizado por meio de uma
subscrição entre a classe de comerciantes e outras figuras da elite portuguesa de São Paulo.
Ofício do Cônsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 14 de novembro de 1941. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
624
PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia portuguesa do Brasil e o Salazarismo.
Op. cit., p. 96.
625
Anexo ao Ofício 743, do Cônsul português em São Paulo, ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de dezembro de 1939. M. N. E., piso, Armário
50, Maço 68.
215
Além da imprensa, as notícias veiculadas por emissoras de rádio no
Brasil também constituem objeto de atenção leia-se procura de controle do
governo português. Este tipo de intervenção portuguesa pode ser
exemplificado pela ação consular ocorrida após o comentário “indigno”
difundido pela Rádio Sociedade Farroupilha, de Porto Alegre, a propósito da
conferência realizada em Sevilha entre Salazar e o Franco
626
. Nesta direção
aponta-se a atitude consular portuguesa promovida no sentido de repelir o fato,
de modo que “de tão insólito ataque chamei desde logo a atenção do governo
deste Estado para a inconveniência daquele comentário, tendo-me o Secretário
do Interior assegurado que sem demora seriam tomadas as necessárias
providências”
627
. E, Miguel Tostes, Secretário do Interior do governo do Rio
Grande do Sul, em seguida, esclarece sobre a atitude executada com relação à
solicitação do Cônsul português:
Levando na devida consideração o pedido que,
verbalmente, formulastes, a propósito de comentários
feitos pela Rádio Sociedade Farroupilha, cientifico-vos de
que tomei a respeito as necessárias providências, junto à
Repartição Central de Polícia, que acaba de comunicar-
me haver aquela difusora, em virtude das medidas
postas em prática pela censura, resolvido suspender o
noticioso que habitualmente costumava irradiar
628
.
Dessa forma, como foi evidenciado neste texto, os Consulados
constituíam foco de vigilância constante da colônia portuguesa no Brasil.
Entretanto, suas atribuições abrangiam uma profundidade maior. Por um lado,
um incremento nestas atividades no sentido da publicação de material de
626
Com relação a Portugal, o comentário difundido pela Rádio Sociedade Farroupilha aludia
que “seu regime é corporativo como o de Mussolini. E o deste, como se sabe, não pode ser
criticado, nem presta contas de seus atos a ninguém, embora haja em Roma, como em Berlim,
um arremedo de Parlamento. Na Alemanha, na Itália, na Espanha e em todos os regimes
fascistas, o povo não tem o direito de saber de que maneira são geridos os negócios públicos,
de que forma é empregado o suor que o Fisco lhe pede ou lhe tira. As decisões do chefe
nacional são dogmas (...)”. Anexo 1 ao Ofício 39, do Cônsul português em Porto Alegre, ao
Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 18 de março de 1942. M. N.
E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
627
Ofício 39, do Cônsul português em Porto Alegre, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 18 de março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
216
propaganda do governo. E, por outro, desenvolve-se uma série de eventos nos
Consulados e Embaixada, que objetivam a promoção do emigrante, bem como
a sua incorporação em atividades sociais, as quais permitam ao cidadão
ausente da Pátria uma possibilidade de torná-lo membro participativo dentro do
projeto do Estado Novo português. Assim, verifica-se que as autoridades
consulares trabalham na direção do reforço da identidade portuguesa, mesmo
que distante da Pátria-mãe.
4.5 A ação dos “insubmissos”
629
da colônia portuguesa durante o Estado
Novo brasileiro
Em maio de 1938, ocorre no Brasil o fracassado assalto ao Palácio da
Guanabara pelos integralistas
630
. A partir deste momento, intensifica-se a
perseguição aos líderes integralistas, culminando com a prisão e o posterior
exílio do seu chefe nacional, Plínio Salgado, em Portugal, no ano de 1939.
Além do chefe do integralismo brasileiro, também foram para Portugal neste
período os integralistas Hermes Malta Lins e Albuquerque e sua esposa, Rosa
Albuquerque, e Lauro Barreira. Situação semelhante também ocorre no Brasil,
com a vinda de muitos exilados políticos portugueses.
Neste sentido, a cidade de São Paulo, por apresentar um grande
número de exilados políticos portugueses, constitui um dos principais focos de
oposição ao regime salazarista. Isto acontece porque a capital paulista,
juntamente com a cidade do Rio de Janeiro, representavam os dois mais
importantes núcleos de estabelecimento dos portugueses no Brasil à época. É
628
Anexo 2 ao Ofício 39, do Cônsul português em Porto Alegre, ao Presidente do Conselho
e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 18 de março de 1942. M. N. E., piso, Armário 47,
Maço 119.
629
A expressão foi utilizada pelo Embaixador português Martinho Nobre de Mello, no momento
em que escreve tenho a honra de remeter a Vossa Excelência o incluso memorial informativo
do nosso Cônsul em São Paulo, a respeito dos insubmissos da Colônia naquele Estado”. Ofício
nº 216, do Embaixador português no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 10 de setembro de 1940. M. N. E., 3º piso, Armário 9, Maço 117. (O
sublinhado consta no original).
630
Em março de 1938, as autoridades de segurança de Getúlio Vargas debelaram uma
tentativa de golpe realizada por parte dos elementos seguidores de Plínio Salgado. Dois meses
depois, um grupo de integralistas, desiludidos com a política centralizadora adotada pelo
presidente Getúlio Vargas e julgando contar com o apoio do exército e da opinião pública,
promoveram um assalto ao Palácio Presidencial, no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro,
eis o putsch integralista”. O movimento fracassa, pois Vargas pôde contar com a intervenção
do ministro da Guerra, o General Eurico Gaspar Dutra.
217
claro, além deste aspecto, ressalta-se a importância econômica e política
destas cidades.
Assim, os portugueses José Augusto Prestes e João Maria Ferreira
Sarmento Pimentel são tidos pelo governo português como os seus maiores
opositores no solo brasileiro. O primeiro se formou em Engenharia Mecânica,
em Lisboa; emigrou para o Brasil, vindo a ter sucesso como jornalista,
escrevendo tanto para jornais da colônia lusitana como outros do Rio de
Janeiro, notadamente, o Portugal Republicano. O segundo, por sua vez, era
ligado ao republicanismo português, tendo atuado com grande destaque no
movimento 28 de Maio (ver capítulo desta tese); após sua vinda para o
Brasil, ligou-se a Ricardo Severo da Fonseca e Costa
631
, com quem passa a
trabalhar, vindo a ser diretor cultural do Centro Republicano de São Paulo e,
mais tarde, seu diretor.
O controle dos portugueses exilados opositores ao regime salazarista
ocorre por meio do acompanhamento das suas atividades públicas no Brasil,
notadamente, na imprensa. Neste sentido, uma preocupação visando não
permitir que os “insubmissos” ocupem espaços de grande destaque na colônia,
como é o caso da direção dos postos associativos no país, estilo a Câmara
Portuguesa de Comércio, a Casa de Portugal, Clube Português etc. A
historiadora Heloisa Paulo destaca que “a promoção do emigrante e a sua
incorporação nas atividades sociais da Embaixada, juntamente com o controle
da oposição no exterior, denotam o investimento do regime no reforço dos
laços das colônias com Portugal”
632
.
Justamente em virtude deste posicionamento, o predomínio de membros
ligados a Sarmento Pimentel na direção da Casa de Portugal, em 1940,
constitui motivo de forte preocupação por parte do Embaixador português no
Rio de Janeiro, pois, segundo ele, “os inimigos do regime desejam tomar conta
631
O português Ricardo Severo da Fonseca e Costa veio para o Brasil em 1908, onde se liga a
atividades da construção civil, à Revista Portuguesa e ao Centro Republicano da cidade de
São Paulo sendo, inclusive, seu diretor. Faleceu em 3 de junho de 1940, em São Paulo.
632
PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia portuguesa do Brasil e o Salazarismo.
Op. cit., p. 97.
218
de todos os organismos portugueses de influência no momento em que se
aproxima a comemoração dos centenários”
633
.
Entretanto, o momento de oposição ao regime português ganhará
contornos bem mais definidos após a realização da Conferência dos
Chanceleres americanos no Brasil, em janeiro de 1942, momento em que um
grupo de portugueses descontentes com os rumos do Estado Novo
português iniciou no país um movimento de oposição ao regime salazarista.
Neste sentido, o jornalista Thomás Ribeiro Colaço
634
representava um dos
expoentes mais fortes desta oposição, por ele ter sido o elemento precursor do
movimento na colônia portuguesa.
Além de Colaço, outros dois portugueses, Jaime de Morais e Lúcio
Pinheiro dos Santos
635
, também são vistos como fortes elementos de oposição
a Portugal. Santos era colaborador do jornal Correio da Manhã, e utilizava o
periódico para fazer oposição ao regime salazarista
636
, como é o caso do artigo
633
Ofício, reservado, 54, do Embaixador português do Rio de Janeiro, ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 13 de março de 1940. M.N.E., piso,
Armário 9, Maço 117. Um anexo a este ofício ainda informa sobre o modo como Pimentel
conseguiu assumir o controle da Casa de Portugal, relatando que ocorreu dias um conflito
entre o secretário da diretoria Sr. João Sarmento Pimentel e o Consultor jurídico Dr. Virgílio
Sobral (...). Na luta travada entre aqueles membros da agremiação portuguesa tomaram parte
os empregados do escritório e o que agravou a situação por tratar-se de uma questão de
caráter de serviço interno a política e o desejo em afastar da Comissão Executiva todos os
elementos conservadores e sinceros amigos do Estado Novo, principalmente, o seu
Presidente, Sr. Soares Brandão. O referido senhor encontrava-se ausente nas termas do Prata
e ao ter conhecimento do desagradável caso, imediatamente se demitiu acompanhando-o o
vice-presidente, Dr. Silva Azevedo. O Sr. J. Sarmento Pimentel, aproveitando-se da
oportunidade, substituiu todo o pessoal da ‘Casa de Portugal’ por indivíduos pertencentes ao
Centro Republicano Português, onde exerce, também, o cargo de Secretário e, dessa maneira,
integrou a ‘Casa de Portugal’ no agrupamento republicano”.
634
Thomás Ribeiro Colaço nasceu em Lisboa, em 1899. Formado em Direito e escritor,
apresentava simpatia pela Monarquia. Veio para o Brasil em 1941, com o objetivo de uma
viagem de estudos, entretanto, permaneceu no país escrevendo para diversos jornais e
periódicos locais. Foi membro de oposição ao regime salazarista, notadamente, no momento
pós-guerra; contudo, na década de sessenta, assumiu uma posição pró-colonial. Morreu em
1965, no Rio de Janeiro.
635
Jaime de Morais tornou-se exilado político de Portugal após ter participado da Revolta de
1927; foi para a Espanha e, depois, para a França, de onde se retira e vem para o Brasil depois
da invasão de Paris pelas tropas de Hitler, em 1940. O segundo, Lúcio Pinheiro dos Santos,
era professor de Filosofia na Universidade do Porto, e estava exilado no Brasil desde o ano de
1928.
636
Como exemplo cita-se o artigo intitulado “Os portugueses e a América”; no texto, ele
defende a idéia de que “o povo de Portugal espera a oportunidade de dar a sua adesão à carta
do Atlântico, instrumento do futuro, e de acompanhar, em todo o mundo português, a política
libertadora do bloco de alianças das grandes democracias”. Jornal Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, em 16 de janeiro de 1942, p. 4.
219
publicado no referido jornal, momento em que Santos tece críticas ao governo
português, argumentando falar “em nome de todos que em Portugal não
podem falar livremente (...), com a entrada da América na guerra (...),
procurando conhecer os sentimentos populares dos países aos quais foi
traiçoeiramente imposta a ditadura”
637
. Desse modo, Lúcio Pinheiro dos Santos
defende a idéia de que os lusos devem aderir à “declaração feita pelas Nações
Aliadas em Washington, adesão que o governo dos Estados Unidos, em nome
das 26 nações, está preparando para receber de todos os povos amantes da
liberdade, temporariamente obrigados ao silêncio”
638
. Mais tarde, ele interferirá,
novamente, nesta questão, advogando para que “todos os portugueses se
congreguem em torno do Comitê Luso-Americano pela Democracia, com sede
em Nova York, que tem por objetivo a reabilitação da democracia em
Portugal”
639
.
Domingos Carvalho da Silva, cidadão português residente no Rio de
Janeiro, também constitui uma figura de oposição ao regime português; ele não
tem a designação de emigrado político; contudo, em virtude da publicação de
um artigo no jornal Correio Paulistano, apresentando uma “áspera crítica ao
regime político português”
640
, passa a sofrer uma vigilância constante do
governo português. Isto tudo porque no mencionado texto, Domingos Silva,
fazendo referência à falta de democracia em Portugal, afirma que “não temos
nenhum prazer em que isso aconteça, nem satisfação em proclamá-lo. Quem o
proclama com satisfação e entusiasmo são os próprios porta-vozes do
regime”
641
.
637
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 16 de janeiro de 1942, p. 4.
638
SANTOS, Lúcio Pinheiro dos. Os portugueses e a América. In: Jornal Correio da Manhã, Rio
de Janeiro, em 16 de janeiro de 1942, p. 4..
639
Jornal Folha da Manhã, São Paulo, em 24 de fevereiro de 1945, p. 5.
640
Ofício 971, do Cônsul geral em São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 14 de novembro de 1944. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
641
SILVA, Domingos Carvalho da. O regime português e a democracia. In: Jornal Correio
Paulistano, São Paulo, em 11 de novembro de 1944, p. 3. Neste artigo, Silva ainda argumenta
sobre a necessidade “do exame rigoroso e frio do problema é, portanto, uma atitude amistosa e
simpática em relação ao povo português que não poderá ser condenado à sua revelia, com
base nos erros políticos proclamados e defendidos pelo Secretariado Nacional de Propaganda,
de Lisboa”.
220
Como a maioria dos artigos do português Lúcio Pinheiro dos Santos é
publicada em São Paulo e no Rio de Janeiro, imagina-se que a ação desses
“insubmissos restringia-se à região sudeste, entretanto, ela é bem mais
abrangente. Em novembro de 1942, o Cônsul português em Porto Alegre
noticia a publicação de um artigo no jornal Correio do Povo, “na qual a política
do governo português é atacada a propósito da conferência de Sevilha e se
incitam os portugueses do Brasil à formação duma frente de ‘portugueses
livres’”
642
.
Um outro exemplo desta oposição dos “insubmissos” portugueses
ocorre por ocasião da fundação da Sociedade dos Amigos da Democracia
Portuguesa
643
, no Rio de Janeiro, cujo objetivo principal consistia em
“prestigiar, por todos os meios, os portugueses que dentro de Portugal ou no
exílio desejam substituir o governo salazarista”
644
, a qual faz publicar nos
principais jornais do eixo Rio/São Paulo um manifesto que informa sobre a
fundação da Sociedade e realiza afirmações no sentido de que a “fraternidade
luso-brasileira se acha perigosamente ameaçada pela tendência fascista do
Governo Português e que num ambiente de legalidade e de liberdade em
Portugal poderão as relações estabelecer-se sobre seus legítimos
fundamentos”
645
.
Além da atuação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa
junto à imprensa brasileira, a instituição, em 18 de novembro de 1945, realizou
um comício na sede da União Nacional, no Rio de Janeiro, em protesto contra
as fraudes nas eleições realizadas em Portugal. O comício, que foi presidido
pelo professor Hermes Lima, contou com a colaboração dos emigrados
políticos portugueses Jaime Cortesão, Aniceto Monteiro e Lúcio Pinheiro dos
642
Ofício 24, do Cônsul português em Porto Alegre, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 26 de novembro de 1942. M. N. E., piso, Armário 47, Maço
119.
643
Esta Sociedade também congregava membros da intelectualidade brasileira; entre eles,
citam-se: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Caio Prado
Júnior, João Mangabeira de Holanda, Hermes Lima e Castro Rebelo, José Lins do Rego,
Gilberto Freyre, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Raimundo Souza Dantas, Guilherme
Figueiredo, Oscar Niemeyer, etc.
644
Colônia portuguesa no Brasil contra Salazar. In: Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro,
em 21 de novembro de 1945, p. 3.
645
Idem.
221
Santos e, entre inúmeras manifestações contrárias ao salazarismo, aprovou
uma moção de repúdio às últimas eleições portuguesas ocorridas
646
.
Ações como as mencionadas anteriormente levaram a Embaixada de
Portugal no Brasil a entrar em contato com o Ministério das Relações
Exteriores do Brasil no sentido de conter “o caso dos desmandos da imprensa
brasileira em correlação com a propaganda e ação antipatriótica de certos dos
nossos ‘emigrados’ políticos”
647
. Neste sentido, a Embaixada encaminha um
memorando ao Ministério das Relações Exteriores apresentando os principais
nomes dos emigrados políticos que faziam oposição a Portugal naquele
momento, conforme segue:
Entre esses emigrados destacam-se o antigo oficial da
Armada Jayme de Morais, conhecido agitador político e
extremista, que chefiou uma subvelação contra as atuais
instituições portuguesas e se enfileirou depois nas hostes
vermelhas da Espanha donde fugiu para o Brasil; o Dr.
Lucio dos Santos, velho adversário do Estado Novo e
que em todas as ocasiões “propícias” é sempre o
primeiro a aparecer para atacar e combater; o Dr.
Thomás Colaço, que veio para este país em missão de
estudo munido de passaporte oficial e que tinha um lugar
rendoso em Portugal, para o qual fora nomeado pelo
Governo-Salazar, mas que no Brasil trocou aquela
situação pela de emigrado e adversário político ...
648
.
No memorando indicado anteriormente, a Embaixada do governo
português afirma que causa estranheza a publicação de tais artigos, tendo em
vista que “o Brasil é um país de instituições fortes e de imprensa controlada”
649
.
Além desses aspectos, informa que não admite procedimentos semelhantes
646
Telegrama da Embaixada de Portugal do Rio de Janeiro, em 22 de novembro de 1945. M.
N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
647
Memorando, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso,
Armário 50, Maço 68.
648
Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores
do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Ofício,
reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., piso, Armário 50, Maço
68.
649
Idem.
222
junto à imprensa portuguesa, “não permitindo comentários descaroáveis aos
seus chefes e instituições políticas, e muito menos autorizando quaisquer
discussões sobre a sua política internacional”
650
e, por isso mesmo, evidencia a
necessidade de ações do governo brasileiro, visando a solução dos problemas
apontados, pois ao considerar a atual situação “como perturbadora das boas
relações existentes entre os dois governos e do fraternal entendimento entre os
respectivos povos”
651
, deixa claro que a falta de um posicionamento mais
coercitivo por parte do governo brasileiro pode acarretar em perdas nas
relações luso-brasileiras.
Diante de uma situação tão tensa, a resposta do Ministério das Relações
Exteriores do Brasil é encaminhada com rapidez. No memorando, confidencial,
o ministro se defende argumentando que a ação dos emigrados políticos de
Portugal é feita “à revelia dos órgãos oficiais, na imprensa do país, da qual se
valem aqueles exilados para veiculá-las sem que, no entanto, tivessem até hoje
encontrado acolhida nos meios nacionais”
652
. Em decorrência desta
argumentação, o ministro ainda chama a atenção para o fato de que as
relações luso-brasileiras não poderiam ficar estremecidas em virtude dessas
insinuações, de caráter político, elaboradas por tais elementos, afinal:
Essa amizade entre os dois países, que nunca foi maior
do que presentemente, não importa qual seja a
orientação política internacional de cada um, baseia-se,
sobretudo, num entendimento mútuo e no respeito pelas
deliberações tomadas, as quais, muito embora possam
tomar rumos diferentes, não deixam de ser acatadas e
compreendidas, pois que essa norma de conduta
constitui, no Brasil e em Portugal, tradição histórica que o
perpassar dos séculos e das gerações do mesmo sangue
650
Ibidem.
651
Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores
do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Ofício,
reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., piso, Armário 50, Maço
68.
652
Memorando, confidencial, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil à Embaixada de
Portugal, de 11 de fevereiro de 1942. Anexo ao ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no
Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de
fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
223
não pode desmentir, mas, antes, dá-lhes força e vigor
redobrados
653
.
A citação indicada anteriormente não deixa dúvidas sobre o
entrosamento existente entre o governo português e brasileiro. Resta destacar,
por fim, que em diversos momentos, o governo português se utilizou desta
amizade para vigiar e conter os excessos dos seus “insubmissos” políticos no
Brasil.
4.6 A colônia portuguesa no Brasil em face à Segunda Guerra Mundial
Após o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, o Brasil adota,
inicialmente, uma posição de neutralidade em relação ao conflito, tendo como
ponto alto desta resolução o fato de sediar a realização da Conferência dos
Chanceleres Americanos, no Rio de Janeiro
654
. Nesse momento, a colônia
portuguesa no país, em geral, segue as diretrizes traçadas pelo governo
português, ou seja, adota uma posição de igual neutralidade. Contudo, alguns
elementos portugueses, isoladamente, assumem posições pró-aliados ou
germanófilas.
O fato de os portugueses residentes nos Estados Unidos terem definido
inteira solidariedade à entrada do país na guerra em decorrência do ataque
japonês à base americana de Pearl Harbor –, independente do caminho que o
governo português optasse por seguir, também motivou intensa repercussão
no Brasil
655
.
Diante deste conturbado ambiente, em 28 de janeiro de 1942, no dia do
encerramento da Conferência dos Chanceleres Americanos, no Rio de Janeiro,
um “grupo de portugueses”, encaminha um manifesto – sem indicação de
653
Idem.
654
Sobre as causas que levaram à entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, tratar-se-á
no capítulo seguinte desta tese.
655
De acordo com o artigo publicado no Brasil, no que respeitava ao possível apoio da colônia
portuguesa aos Estados Unidos em guerra, existiam “duas correntes definidas uma que era
representada por aqueles que desejavam enviar telegramas de protesto ao Governo português,
por o julgarem prestes a abraçar a causa do Eixo; a outra, que era talvez a mais numerosa e
representativa dos espíritos mais calmos, pretendia apenas definir a sua atitude perante o
Governo deste país e o de Portugal, seja qual for o caminho que os governantes portugueses
resolvam trilhar”. Jornal A Notícia, Rio de Janeiro, em 16 de janeiro de 1942, p. 1. Muito
embora o número menor, venceu o primeiro grupo.
224
autoria para publicação no jornal Diário da Noite, conclamando os
compatriotas portugueses a demonstrarem apoio à luta contra as potências do
Eixo
656
. Desse modo, a publicação do manifesto ocorreu antes mesmo do
anúncio do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, de rompimento
das relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha, a Itália e o Japão.
O manifesto, como era de se imaginar, origina uma série de reações no
país – mesmo com a diretriz de neutralidade imposta por Salazar –, pois muitos
portugueses escrevem ao jornal Diário da Noite oferecendo a sua solidariedade
para com o Brasil. O apelo do referido jornal é tanto que eles chegam a
reproduzir uma suposta carta, atribuída a uma criança de apenas 11 anos:
Eu, uma criança portuguesa de 11 anos de idade, que
meses deixei o meu querido Portugal, sentindo pulsar
dentro do meu peito um grande amor pelo Brasil e pela
liberdade dos povos, pedi autorização a meus pais para,
pelo meu próprio punho, escrever estas linhas. Pois bem,
sr. Redator, quero que o DIÁRIO DA NOITE, se for
possível, transmita meu apelo no sentido de que todos os
portugueses e brasileiros, velhos, jovens ou crianças, se
unam nesta hora de incertezas, fraternalmente, para
defender, quando necessário, este idolatrado Brasil.
Subscrevo-me muito respeitosamente, desejando muitas
felicidades para o DIÁRIO DA NOITE. Esmeralda Pinto
dos Santos. Rua Dr. Bulhões, 170
657
.
656
O manifesto, na íntegra, compreendia o seguinte texto: “AOS PORTUGUESES DO BRASIL
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1942 Portugueses residentes no Brasil, somos solidários,
como D. Pedro IV, de Portugal, com os princípios que, desde a Declaração de Independência
dos países americanos, têm marcado a posição da América, na defesa da liberdade dos povos,
como neste momento, em que a unidade política do Continente, proclamada na Conferência do
Rio de Janeiro, perante o ato de agressão das potências totalitárias, traduz a concordância da
América com os fundamentos humanos e políticos do acordo Roosevelt-Churchill, consignado
na Carta do Atlântico, garantia única da liberdade de todos os povos, sem exceção. Quando,
neste momento, a unidade americana ainda mais se reveste de significação, por ter estado
ameaçada, concitamos todos os portugueses do Brasil a dirigirem a sua ex. o sr. Presidente da
República, dr. Getúlio Vargas, a manifestação dos nossos sentimentos de portugueses pondo-
nos incondicionalmente à disposição do Brasil, prontos a lutar, ao lado dos brasileiros, pelo
futuro da nossa civilização comum e pelos princípios de dignidade e de liberdade humana,
pelos quais sempre se bateram nossos maiores, donde nos vem a honra de sermos
portugueses. Todo português que estiver de acordo com esta declaração de princípios, em
todo o território do Brasil, aderindo, de coração, ao puro sentido lusíada da manifestação,
deverá dirigir, desde hoje, pelo correio, à Secretaria do Palácio do Catete, espontaneamente,
sua declaração de português, nos termos do coupon que vai publicado na segunda página”.
Jornal Diário da Noite, Rio de Janeiro, em 28 de janeiro de 1942, p. 1.
657
Idem, p. 2.
225
A partir deste momento, verifica-se uma intensa campanha no sentido
de adesão da colônia portuguesa ao lado do Brasil, contra as potências do
Eixo. Desse modo, os portugueses organizam um livro com a assinatura de
lusos, o qual seria entregue na sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro.
As cartas (ou trechos destas), divulgadas pelo jornal Diário da Noite, são
provenientes das mais diferentes classes de portugueses no Brasil e
compreendem desde membros ilustrados, até pessoas mais simples da colônia
portuguesa. Além das cartas ou da indicação do nome das adesões de
portugueses à causa brasileira
658
para se ter uma idéia, em 7 de fevereiro de
1942, o jornal carioca já contabiliza centenas de assinaturas o periódico
ainda publica entrevistas com figuras de destaque da colônia portuguesa,
apresentando, inclusive, fotos e detalhes da vida destes imigrantes
659
.
Albino de Souza Cruz, Presidente do Conselho dos Portugueses do
Brasil, a 3 de fevereiro de 1942, em uma entrevista reproduzida no jornal O
Globo, procura conter as manifestações desses portugueses, difundindo a idéia
de união da colônia portuguesa no sentido de manter “a mais rigorosa discrição
durante o desenvolvimento dos acontecimentos, porque entendemos que,
como é óbvio, nas atuais circunstâncias ao Brasil e aos brasileiros cabe
exclusivamente o direito de manifestar-se”
660
.
Entretanto, os apelos do Presidente Souza Cruz não surtem os efeitos
esperados, tanto que os líderes “oficiais” da colônia portuguesa optam pela
realização de uma reunião, no Gabinete Português de Leitura, em 9 de
fevereiro, visando a tomada de decisão quanto à posição “oficial” da colônia
portuguesa no Brasil face ao momento atual
661
. A repetição do texto nos
principais jornais do país, convidando a colônia portuguesa para a reunião,
658
De acordo com o periódico Diário da Noite, “as três primeiras adesões que recebemos
foram as seguintes: Manuel Moreira de Matos, solteiro, português, de 20 anos, comerciário,
residente à rua Sampaio Ferraz, 21; José Tavares de Melo, português, de 32 anos, casado,
comerciário, morador à rua Camerino, 89 e Antônio Pontes”. Jornal Diário da Noite, Rio de
Janeiro, em 4 de fevereiro de 1942, p. 2.
659
Este é o caso, por exemplo, da publicação da opinião do português Mário Ferreira de
Castro, o qual declara que os portugueses do Brasil deveriam seguir a posição “dos
portugueses da América do Norte, que foram os primeiros estrangeiros ali radicados a oferecer
o seu concurso e a formar ao lado dos valentes yankees a primeira linha de defesa da
liberdade da América”. Jornal Diário da Noite, Rio de Janeiro, em 23 de janeiro de 1942, p. 6.
660
Jornal O Globo, Rio de Janeiro, em 3 de fevereiro de 1942, p. 5.
226
evidencia a interferência do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e
a ligação entre os governos brasileiro e português. Nesta reunião, o Presidente
do Conselho da Federação declara que, no dia 27 de janeiro, havia
encaminhado um documento confidencial a todas as figuras de
representatividade da colônia portuguesa no Brasil, informando que a atitude
da colônia deveria acompanhar a decisão brasileira, ou seja, teriam que, “em
tal eventualidade, imediatamente exprimir em nome dos portugueses do Brasil
o nosso incondicional apoio a nossa segunda pátria e a nossa nos seus
gloriosos destinos”
662
; contudo, “convém que seja guardada toda a discrição
sobre o nosso projeto, uma vez que ele deverá ter realização no caso de
surgir o estado de guerra com o Brasil”
663
. Assim, a posição “oficial” da colônia
portuguesa permanece sendo de neutralidade. Aliás, esta obedecia a
orientação do Conselho dos Portugueses do Brasil e, por tabela, a decisão
encaminhada por Salazar.
Diante desses acontecimentos, o jornal Correio da Noite, órgão
representativo dos ideais salazaristas no Brasil, apressa-se em elogiar a
neutralidade portuguesa e justificar a mudança de atitude do governo
português, esclarecendo que “tem sido impecável a neutralidade que vem
mantendo Portugal (...), porém, que ela mantenha seus velhos laços de
amizade com países hostis ao Eixo, e, também, suas obrigações para com a
Inglaterra e o Brasil”
664
.
Do lado brasileiro, a imprensa, em sua grande maioria, publica artigos
de brasileiros agradecendo a solidariedade portuguesa para com o Brasil.
Entretanto, Costa Rego, no artigo intitulado “A atitude dos portugueses”, chama
a atenção para um aspecto interessante de análise, pois, segundo ele, os
imigrantes portugueses do Brasil haviam adotado um posicionamento diferente
da sua pátria-mãe, haja vista que “nem a própria neutralidade de sua pátria de
origem foi obstáculo a que os portugueses do Brasil se pronunciassem como o
661
Jornal Meio Dia, Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1942, p. 3.
662
O jornal O Globo, Rio de Janeiro, em 10 de fevereiro de 1942, p. 4.
663
Idem.
664
Jornal Correio da Noite, Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1942, p. 4.
227
fizeram”
665
. E isto, como foi destacado anteriormente, no momento em que
se abordou a criação da Sociedade Defensora da Democracia em Portugal,
acabará repercutindo no Brasil como uma crítica negativa à manutenção do
Estado Novo em Portugal.
Neste mesmo mês, ou seja, em fevereiro de 1942, o nsul português
em Recife, Manuel Anselmo, envia um ofício, confidencial, ao governo
português, destacando que 99% da colônia portuguesa apóia os aliados e,
segundo ele, isto ocorre “não por paixão e ideal, mas também por medo do
que lhe possa acontecer, em matéria de injúrias, prejuízos e saques, caso
Portugal entre na guerra ao lado do eixo”
666
. Inclusive, com relação a este
assunto, o Cônsul Anselmo ainda deixa claro que na hipótese de Portugal se
ligar às potências do Eixo, não poderá contar com nenhum apoio da sua
colônia, em Pernambuco. Reafirma, também, que o silêncio de Salazar, face
aos acontecimentos no Brasil, tem ocasionado a interpretação de que Portugal
é simpatizante do Eixo
667
.
Logo após o recebimento deste ofício, Salazar encaminha um telegrama
para o Consulado de Pernambuco, alertando o Cônsul Manuel Anselmo sobre
o que ele denomina de “manejos a que colônia portuguesa está sujeita em todo
o Brasil”
668
, no sentido de levar à guerra os países que ainda se mantém
neutros, como é o caso de Portugal. O presidente do Conselho ainda informa
sobre o modo como Anselmo deve tratar a questão no momento em que
evidencia: “seja intransigente com [as] especulações [de] políticos que
semeiam [a] discórdia na colônia sem categoria ou posição para fazerem juízo
exato do que convém [a] Portugal”
669
.
Com o desenrolar dos acontecimentos, o Brasil vai romper relações
diplomáticas com os países do Eixo e, posteriormente, assumir uma posição no
665
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1942, p. 7.
666
Ofício, confidencial, do Cônsul português em Pernambuco, ao Presidente do Conselho e
Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 6 de abril de 1942. M. N. E., piso, Armário 50, Maço
68.
667
Idem.
668
Telegrama do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Oliveira Salazar, para o
Consulado de Portugal, em Pernambuco, em 26 de abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50,
Maço 68.
228
conflito ao lado das potências aliadas. Esta definição brasileira desvelará a
preocupação do Embaixador português Martinho Nobre de Mello e do regime
salazarista com relação à possível “perda” de espaço no Brasil para os Estados
Unidos. O nsul português em Recife, Manuel Anselmo, é um dos elementos
da representação consular portuguesa a demonstrar a maior preocupação
nesta direção. Seguindo estes temores, Salazar orienta o seu Embaixador no
Rio de Janeiro a difundir a idéia de que os Estados Unidos representam a
grande ameaça à influência européia
670
.
Não obstante, a definição da posição oficial da colônia portuguesa
ocorrerá após a publicação da manifestação de solidariedade do Presidente
Carmona e de Salazar ao governo brasileiro, ocorrida em 24 de agosto de
1942. Nesta direção, o Conselho da Colônia portuguesa reuniu-se no Real
Gabinete Português de Leitura, com o objetivo de preparar uma mensagem de
apoio ao presidente Getúlio Vargas
671
. Esta foi entregue ao presidente Vargas
na oportunidade de uma visita de membros integrantes da Federação das
Associações Portuguesas do Brasil, no dia 5 de setembro do mencionado ano.
Na direção do apoio à tomada de decisão do Brasil, o Centro
Trasmontano de São Paulo também publica o artigo intitulado “A valiosíssima
cooperação da Colônia Portuguesa”, conclamando os portugueses a se unirem
ao país em guerra. Inclusive, diante da impossibilidade dos portugueses
assumirem posição junto ao exército nacional, em virtude das leis militares
brasileiras, o boletim enfatiza que os portugueses “podem cooperar num outro
exército, o da retaguarda, que manterá o poderio da frente, tão indispensável,
aliás, como o primeiro, demais na guerra moderna, em que o fornecimento
constante de alimentos e munições”
672
.
Entretanto, a solidariedade da colônia portuguesa também originará
reclamações por parte de brasileiros que se sentem “lesados”. Nesta direção, o
669
Idem.
670
TELO, Antônio. Portugal na Segunda Guerra. Lisboa: Perspectivas e Realidades, 1987, pp.
485-487.
671
Esta ação da Federação das Associações Portuguesas foi estampada na primeira página do
jornal português Diário de Notícias, em 6 de setembro de 1942.
672
A valiosíssima cooperação da Colônia Portuguesa. In: Circular do Centro Transmontano.
São Paulo, outubro de 1942, p. 1.
229
jornal A Gazeta, em 30 de setembro de 1942, publica o artigo, sem assinatura,
intitulado “Situação privilegiada de certos estrangeiros”, que ocasiona forte
movimentação em todas as colônias estrangeiras residentes no Brasil e,
notadamente, dos portugueses. O artigo mencionado faz referência aos
espaços abertos nas indústrias e/ou estabelecimentos comerciais no Brasil em
decorrência da convocação dos jovens brasileiros para o serviço militar e o seu
posterior preenchimento por elementos não identificados com as potências do
Eixo. O português Luiz Gouveia, ao entender que os estrangeiros mencionados
no artigo podiam ser portugueses, utiliza os microfones da Rádio
Bandeirantes, no programa Lusitano, em 7 de outubro de 1942, para
apresentar o que ele denomina de “resposta a uma calúnia”, alertando para o
fato de que a publicação do jornal A Gazeta, “com o seu modo de analisar os
fatos, quase que faz perder a vontade de se apresentarem os moços
convocados sim, porque os coloca no dilema de, ou perderem os empregos
ou não cumprirem com o seu dever”
673
.
Além destes aspectos, o português Luiz Gouveia enumera uma rie de
contribuições dos portugueses radicados no Brasil, as quais evidenciam o
apoio ao país em guerra
674
. Finalizando a sua fala, Gouveia ressalta, ainda,
que os portugueses estavam dispostos a lutarem pelo Brasil e, que muito
embora a qualidade de irmãos apregoada por parte da intelectualidade
brasileira, os portugueses ainda não recebiam este tratamento por parte do
presidente Getúlio Vargas, como se constata pela citação abaixo:
Venha aqui ao meu programa, que eu lhe mostrarei as
centenas de cartas escritas por portugueses, nas quais
verberam os atentados sofridos pelo Brasil, dizendo que
estão dispostos a lutar pela sua segunda pátria.
Mostro-lhe os artigos lidos a este microfone, por
intelectuais brasileiros, os quais nos outorgam a lídima
qualidade de irmãos, na verdadeira acepção do termo. E
673
Anexo ao Ofício nº 666, do Cônsul geral português de São Paulo, ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 24 de outubro de 1942, p. 2. M. N. E.,
piso, Armário 50, Maço 68.
674
Entre elas, destacam-se: a ação dos diretores da Casa de Portugal de São Paulo que
angariaram quase 300 contos de donativos para as famílias dos vitimados pelos navios
torpedeados pelas potências do Eixo; as contribuições espontâneas dos portugueses para a
Marinha de Guerra Nacional; o incondicional apoio moral, material e físico dos portugueses
oferecido ao presidente Getúlio Vargas. Idem, p. 3.
230
mostro-lhe também um recorte de jornal, em que um
redator comenta a nobilíssima atitude do presidente
Getúlio Vargas, sobre o pedido que lhe fez um pai
português para que um filho seu pudesse entrar no
Brasil, escrevendo, no requerimento, de seu próprio
punho: “Deferido por ser português”
675
.
Em 1943, foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA)
676
, entidade
voltada à assistência àqueles envolvidos na guerra. A colônia portuguesa
realiza inúmeros eventos visando obter auxílio para destinar às LBAs
estaduais. Este é o caso da colônia portuguesa em Pernambuco, ao realizar
“uma festa elegantíssima no Centro Português (...), a qual rendeu um lucro
líquido de Cr$ 18.296,40, e a colheita por subscrição de 645 lençóis e 645
fronhas para a campanha da Legião em prol dos reservistas e soldados
brasileiros”
677
.
À medida que o envolvimento brasileiro na guerra aumenta, com o envio
da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
678
, a colônia se mobiliza para angariar
auxílio aos “pracinhas”. Além desse aspecto, os filhos dos emigrantes
portugueses, caracterizados como brasileiros natos, são convocados pelo
governo brasileiro, assumindo posição na guerra. Este fato acaba,
indiretamente, englobando a colônia portuguesa no conflito mundial.
Em maio de 1945, a notícia veiculada no país pelos emissores
ingleses e agências telegráficas – de que o governo português havia declarado
luto oficial por dois dias, em decorrência do falecimento de Adolf Hitler, teve
ampla repercussão no Brasil. A movimentação foi tanta que o Embaixador
português telegrafou a Portugal, em caráter urgentíssimo, solicitando
675
Anexo ao Ofício 666, do Cônsul de São Paulo, ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 24 de outubro de 1942, pp. 3-4. M. N. E., piso, Armário 50, Maço
68.
676
A LBA foi fundada em 1942; Darci Vargas, esposa do presidente Getúlio Vargas, era sua
presidente.
677
Ofício do Cônsul de Portugal em Pernambuco, Recife, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 19 de março de 1943. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
678
Sobre a formação e atuação da FEB, ver 5º capítulo desta tese, pp. 269-272.
231
informações no sentido de como agir com relação ao assunto
679
. O governo
português responde à solicitação do Embaixador português, informando que a
ação praticada estava abaixo do que havia sido estabelecido para a morte de
qualquer chefe de Estado com o qual o país mantivesse relações, pois o
governo “limitou-se enviar Chefe de Protocolo à Legação da Alemanha para
condolências oficiais, tendo-se Ministro dos Negócios Estrangeiros e Secretário
Geral [do] Ministério limitado [a] mandar cartões”
680
.
Após a deposição de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, a
colônia portuguesa “oficial”, ou seja, aquela que é simpatizante do regime
salazarista aguardará o rumo dos novos acontecimentos para, em seguida,
saudar o novo presidente da República brasileira, Eurico Gaspar Dutra.
Como ficou atestado neste capítulo, o decreto do Estado Novo no Brasil
acarretou uma intensificação no sistema de restrições à entrada e permanência
de estrangeiros no país. Contudo, o governo português, paulatinamente,
conseguiu transpor estas barreiras, obtendo um tratamento diferenciado aos
portugueses, e se aproveitou da amizade luso-brasileira e do controle exercido
por Getúlio Vargas à época, para incrementar a vigilância salazarista sobre a
sua colônia. Além desses aspectos, o deflagrar da Segunda Guerra Mundial
originou, por um lado uma intensa colaboração da colônia portuguesa no Brasil
como se constatou na última parte deste capítulo e, por outro, incrementou
ainda mais as relações luso-brasileiras através da representação portuguesa
dos interesses brasileiros na Alemanha, na Itália e no Japão, como poderá ser
verificado no quinto capítulo desta tese.
679
Telegrama, urgentíssimo, do Embaixador português no Rio de Janeiro, ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 4 de maio de 1945. M. N. E., piso,
Armário 50, Maço 68.
680
Telegrama, urgente, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, à Embaixada de Portugal, em 4
de maio de 1945. M. N. E., piso, Armário 50, Maço 68. No telegrama, o ministro ainda
informa que “ordenou com respeito a quartéis e marinha que se praticasse o que está
determinado ordenança para morte qualquer Chefe de Estado, suprimindo contudo salvas que
estão determinadas ordenanças”. Idem.
232
CAPÍTULO 5
PORTUGAL E A DEFESA DOS INTERESSES BRASILEIROS
DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
A opinião pública portuguesa sente as dores
e as alegrias do Brasil como se fossem suas e
uma política atlântica bem compreendida não pode excluir
uma manifestação solidária na adversidade
como uma palavra de exaltação nas horas festivas
681
.
681
Jornal Diário de Lisboa, Lisboa, em 22 de agosto de 1942, p. 2.
233
Ao longo do texto desta tese, observou-se que, durante o Estado Novo
brasileiro, houve uma real aproximação luso-brasileira. Esta se fez,
notadamente, no aspecto cultural, econômico e na política imigratória brasileira;
contudo, o deflagrar da Segunda Guerra Mundial e o posterior rompimento das
relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha e a Itália, seguido da
declaração de guerra, favoreceu ainda mais esta reaproximação na medida em
que o governo brasileiro confia a Portugal a defesa dos seus interesses – ou de
súditos brasileiros na Alemanha, na Itália e no Japão e em outros locais
ocupados pelas forças do Eixo, como é o caso da França.
Neste sentido, fica evidente que o governo brasileiro se utilizou do
interesse português em reafirmar os laços de união luso-brasileiros, visando
garantir seus próprios interesses, ou seja, “o país se aproveitou de políticas e
investidas estrangeiras para se inserir no plano internacional”
682
. Por outro
lado, para Portugal também era interessante o desenvolvimento desta tarefa de
salvaguarda dos interesses brasileiros, pois mesmo não assumindo
diretamente uma posição no conflito mundial, colocava-se ao lado do Brasil,
sua antiga colônia e reduto de inúmeros portugueses. Além disso, como se
constatará neste capítulo, o governo português tentou articular a visita de um
contingente dos expedicionários brasileiros visando dois objetivos
fundamentais: primeiro, obter o apoio brasileiro quanto à questão colonialista
portuguesa e, segundo, aplacar determinadas animosidades para com o
Estado Novo português.
5.1 O dúbio jogo de interesses desenvolvido por Getúlio Vargas e a
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial
Quando a Segunda Guerra Mundial principia, em setembro de 1939, o
Brasil mantinha excelentes relações comerciais com a Alemanha. Esta política,
entre outros motivos, havia sido estabelecida em razão de o Estado Novo
682
LESSA, Mônica L. Relações culturais internacionais. Artigo apresentado no Curso de
Relações Culturais Internacionais. Rio de Janeiro: UERJ, 2000, p. 2.
234
brasileiro aproximar-se, em termos ideológicos, dos países totalitários
Alemanha e Itália , fato este que leva o historiador Mendes Júnior a afirmar
que “no início da guerra, era positivamente manifesta a simpatia de Getúlio
pelo ‘Eixo’ e pelos governos de Hitler e de Mussolini. Em vários discursos
dessa época, chegou ele a elogiar o sistema fascista”
683
. o obstante, muito
embora essa “predileção”, Getúlio Vargas adota, num primeiro momento, a
política de neutralidade e observa o desenrolar dos acontecimentos como mero
espectador
684
.
Seguindo esta linha, até 1940, em razão da execução da política
nacionalista de Getúlio Vargas, consubstanciada na Carta Constitucional de
1937, o Brasil não se define por nenhum dos lados beligerantes, ou seja, nem
pelos denominados países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), nem pelo bloco
classificado de aliados (Inglaterra e França, com apoio da Rússia e Estados
Unidos), apesar das divisões internas da sua equipe de governo, tendo em
vista que os dois lados do conflito haviam conquistado valiosos expoentes no
Brasil e almejavam o firmamento de compromissos com o governo brasileiro.
Entretanto, em 1939, Getúlio Vargas e o seu ministro da Fazenda,
Souza Costa, haviam trabalhado no planejamento de um plano qüinqüenal
de desenvolvimento para o Brasil. Este abrangia, entre outros aspectos, a
construção de uma usina de aço, uma usina hidroelétrica em Paulo Afonso, a
construção de uma fábrica de aviões, a drenagem do rio São Francisco, a
realização de estradas de ferro e de rodagem e a compra de navios
alemães
685
. Como precisava de recursos capazes de operacionalizar estas
transformações, Getúlio Vargas executa uma hábil diplomacia de “barganha”
entre a Alemanha de Adolf Hitler e os Estados Unidos do presidente Franklin
683
MENDES JR, Antônio de. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. In:
GOMES, Ângela de Castro Gomes... [et all]. O Brasil republicano: sociedade e política (1930-
1964). 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 227.
684
Gerson Moura denomina essa prática com o nome de eqüidistância pragmática. Entretanto,
segundo ele, essa eqüidistância não deve, porém, ser visualizada como uma trajetória
retilínea, mas como aproximações alternadas e simultâneas a um e outro censo”. MOURA,
Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 63. Aliás, o próprio nome da obra de Moura autonomia na
dependência – identifica a prática getulista desenvolvida na época.
685
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil
em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969, p. 275. (Coleção Corpo e
Alma do Brasil).
235
Roosevelt, pois “a política exterior haveria de sacar do sistema internacional
insumos de desenvolvimento, consoante metas estabelecidas para suprir
demandas internas”
686
. Sobre este tema, Stanley Hilton considera que:
...em termos simples, a política adotada pelo governo
Vargas foi a de jogar as duas potências uma contra a
outra. O Rio de Janeiro, em 1935, assinou um acordo
comercial com Washington baseado em concessões de
nação-mais-favorecida; ao mesmo tempo, entretanto,
comerciava com o Terceiro Reich numa base bilateral
que envolvia práticas discriminatórias que contrariavam
as previsões do acordo brasileiro-americano
687
.
A realização desse dúbio jogo de interesses, efetuado por Vargas, se
tornou possível devido aos interesses alemães e americanos em relação ao
Brasil. Os primeiros procuravam “ampliar a área de influência na América
Latina, região que se caracterizava pela forte presença norte-americana no
plano econômico e político [...] a presença da colônia alemã no país explica o
interesse desse país pelo Brasil”
688
. O segundo grupo, por sua vez, tinha
consciência dos perigos e vantagens que a situação geográfica do Brasil
poderia acarretar no desenrolar da guerra.
A execução desse jogo ainda permitiu ao Brasil “explorar as
possibilidades que cada potência mundial pudesse oferecer, evitando firmar
alianças rígidas com qualquer dos nascentes sistemas de poder”
689
e, no caso
das relações com a Alemanha, houve um salto significativo nas exportações
para o país alemão, tendo em vista que “nessa época o comércio brasileiro
com a Alemanha aumentou muito, chegando a ocupar o segundo lugar,
enquanto os EUA ocupavam o primeiro”
690
.
686
CERVO, Amado Luiz. O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 aos
nossos dias. Brasília: Ed. da UnB, 1994, p. 32.
687
HILTON, Stanley E. A influência militar na política econômica brasileira, 1930-1945: uma
reavaliação. In: O Brasil e a crise internacional: 1930-1945. Op. cit., p. 67.
688
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que
trouxe de novo? Op. cit., p. 134.
689
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000,
p. 45.
690
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que
trouxe de novo? Op. cit., p. 134.
236
Ciente desta situação e, por isso mesmo, com forças suficientes para
prosseguir com o seu dúbio jogo político, Getúlio Vargas, em maio de 1940,
envia uma comunicação ao Departamento de Estado americano, informando
que a firma alemã Krupp estava disposta a construir a usina siderúrgica de
Volta Redonda. A resposta americana ocorre no momento em que os Estados
Unidos encaminhavam a “oferta” de um empréstimo de 20 milhões de dólares,
pelo banco EXIMBANK (Export-Import Bank), valor suficiente para a
implantação da usina siderúrgica, sem a necessidade da participação de
nenhuma outra empresa estrangeira. De acordo com Lourdes Sola, também
fazia parte da proposta americana o “incremento de transporte marítimo do
carvão vindo do sul para a usina, o equipamento da Estrada de Ferro Central
do Brasil, para transportar o ferro extraído de Minas Gerais”
691
.
Mesmo após o encaminhamento do empréstimo que garantia a
execução da usina siderúrgica de Volta Redonda, Vargas continua adotando
um dúbio jogo político, pois em 11 de junho de 1940, a bordo do “Minas
Gerais”, pronuncia um famoso discurso “em que, praticamente negava não
pan-americanismo, pois se colocava numa posição inversa à de Roosevelt,
como ainda a sobrevivência da democracia”
692
. O referido discurso causa
repercussões tanto na Alemanha como nos Estados Unidos. Outras atitudes de
Vargas também serviram de mola propulsora para a obtenção de algumas
vantagens econômicas ao Brasil, como as “elogiosas declarações feitas por
Getúlio a Hitler não impediram o crescimento dos negócios, principalmente de
matérias-primas estratégicas entre EUA e o nosso país”
693
.
Entretanto, com o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de
1941, e a posterior entrada dos Estados Unidos na guerra, a pressão
americana sobre os países latino-americanos notavelmente o Brasil
aumenta consideravelmente; soma-se a isto a realização da Conferência de
Chanceleres das Repúblicas Americanas, no Rio de Janeiro, em janeiro de
1942, e o momento seguinte, em que a aliança Brasil-Estados Unidos será
selada, definitivamente, com a assinatura dos Acordos de Washington, em 3 de
691
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. Op. cit., p. 275.
692
PINSKI, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. Op. cit., p. 346.
693
TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 51.
237
março do referido ano, pelos quais “o Brasil concedia permissão aos
americanos para utilizar, em colaboração com tropas brasileiras, o Nordeste
como base de defesa aérea e naval, desde Fortaleza até Salvador”
694
.
Na Conferência de Chanceleres das Repúblicas Americanas, além do
enraizamento do pan-americanismo
695
, Oswaldo Aranha propõe e sai
vencedor em seu objetivo o corte diplomático e comercial do Brasil com os
países do Eixo. Argentina e Chile não aderem à proposta. Contudo, a
deliberação desta proposição é utilizada pela Alemanha como uma justificativa
para o bombardeamento de navios brasileiros, tanto que:
A 4 de fevereiro, o navio brasileiro “Cabedelo”, com a
tripulação composta de 54 homens, desaparece
misteriosamente, no decorrer de uma viagem de
Filadélfia para o Brasil. Logo se atribuiu seu
desaparecimento a uma ação dos submarinos do Eixo, o
que veio a ser comprovado, pois nos dias seguintes
quatro navios brasileiros foram torpedeados, nas costas
norte-americanas, dentro dos limites da zona de
segurança estabelecidos pelas nações pan-americanas
na Conferência do Panamá. As embarcações afundadas
foram o “Buarque” (16/2), o “Olinda” (18/2), o “Arabuta”
(7/3) e o “Cairu” (9/3), sendo que com este último
encontraram a morte 6 passageiros e 47 tripulantes
696
.
Como uma reação direta ao bombardeamento dos navios brasileiros,
inúmeras manifestações contrárias aos países do Eixo começam a frutificar em
todo o país; alemães, italianos e japoneses, residentes no Brasil, também
constituem alvo de inúmeros atos de hostilidade por parte da comunidade
brasileira
697
. A situação fica mais complexa no momento em que os jornais
694
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. Op. cit., p. 277.
695
De acordo com Gerson Moura, “o sucesso de personagens como ‘Zé carioca’, de Walt
Disney, no Brasil, e a baiana de Carmen, Miranda nos EUA, assim como a realização de
célebre filme sobre o Brasil por Orson Welles, enquadra-se nesse esforço de aproximação pan-
americana e solidariedade hemisférica”, tanto que “o sucesso desse esforço foi incontestável:
rapidamente o pan-americanismo passou a ser pedra de toque da política externa da maioria
dos Estados latino-americanos”. MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política
externa brasileira de 1935 a 1942. Op. cit., p.141.
696
PINSKY, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. Op. cit., p.347.
697
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que
trouxe de novo? Op. cit., p. 135.
238
também passam a cobrar do governo brasileiro a tomada de iniciativa no
sentido de conter os abusos cometidos pelas potências do Eixo. O
torpedeamento do navio Baependi, que navegava de Salvador para Maceió,
representa a gota final para a declaração de guerra do Brasil, tendo em vista
que este “era um navio de passageiros, com 305 pessoas a bordo, entre os
quais 141 militares destinados aos quartéis de Recife. Atingido pelos torpedos
do U-507, ele afunda rapidamente. Morrem 269 pessoas”
698
.
Dessa forma, o afundamento de navios brasileiros convulsiona a
população brasileira, principalmente os estudantes
699
, a organizar inúmeras
manifestações a favor da entrada do Brasil na guerra. Estas levam o presidente
Getúlio Vargas, que até este momento mantinha certa neutralidade acerca dos
acontecimentos, a assumir uma posição direta no conflito. Assim, atendendo o
clamor geral da população, a 22 de agosto de 1942, o governo brasileiro
declara o estado de beligerância
700
– ficando ao lado das potências aliadas – e,
após nove dias, declara guerra à Alemanha e à Itália
701
. A nota oficial a
respeito da declaração de guerra, fornecida às missões credenciadas no Rio de
Janeiro, explicava que:
698
SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 313. Grifo do autor. Nesta mesma página o autor ainda informa
que “o ataque contra o Baependi marca uma nova etapa na escalada da marinha de guerra do
Eixo contra os transportes marítimos brasileiros. Se até o momento os alvos foram
exclusivamente aos navios mercantes, a partir de 15 de agosto, o Eixo não hesita em atacar
navios de passageiros. No mesmo dia e em condições semelhantes, o Araraquara é vítima do
U-507. Morrem 129 pessoas. No dia seguinte, o U-507 afunda um terceiro navio de
passageiros, Aníbal Benévolo, fazendo 150 vítimas, entre mortos e desaparecidos. Em 17 de
agosto, o submarino alemão ataca o navio de passageiros Itagiba, provocando 39 vítimas e,
poucas horas depois, põe a pique o Arara (20 mortos)”.
699
Os estudantes, principalmente aqueles ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE),
fundada em agosto de 1937, logo após o afundamento de navios brasileiros, organizam uma
grande manifestação de apoio aos aliados por meio da marcha do 4 de julho de 1942.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que trouxe
de novo? Op. cit., p. 133.
700
Sobre a entrada do Brasil na guerra, entende-se esta como o resultado final de um longo
processo, o qual culminou com a autodefesa dos interesses brasileiros, tanto que, inicialmente,
o Brasil não declara guerra ao Japão e o faz no momento em que é agredido por forças
japonesas, em 1945.
701
O preço “acordado” pelo alinhamento do Brasil com os aliados resulta no fornecimento de
armamento para o Brasil efetuar a sua defesa perante as forças do Eixo. Sobre a política de
realinhamento do Brasil com os Estados Unidos informações podem ser obtidas em: MOURA,
Gérson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
239
À vista disso, o governo brasileiro fez saber aos governos
da Alemanha e da Itália que, a despeito de sua atitude
sempre pacífica, não podia ser negado que esses países
haviam praticado atos de guerra, criando uma situação
de beligerância que o Brasil era forçado a reconhecer, na
defesa de sua dignidade, soberania e segurança,
próprias e da América
702
.
Em Portugal, os acontecimentos que levaram à declaração de guerra
feita pelo Brasil são estampados nos principais jornais do país, notadamente,
no órgão divulgador do Estado Novo português, o jornal Diário de Notícias.
Interessante é que o periódico acompanha noticia os acontecimentos mais
importantes da política brasileira, como é o caso da Conferência dos
Chanceleres no Rio de Janeiro, em princípios de 1942; contudo, a censura age
sempre que necessário e algumas notícias são, simplesmente, “ignoradas”
como é o exemplo do posicionamento da colônia portuguesa ao lado dos
Estados Unidos perante o conflito mundial; este mesmo procedimento ocorre,
também, com relação à solidariedade da colônia lusa no momento em que o
Brasil declara guerra à Alemanha e à Itália.
Entretanto, a notícia da declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à
Itália ocupa as primeiras páginas de boa parte dos jornais portugueses. No que
respeita à divulgação da notícia, invariavelmente, os periódicos apresentaram-
na como algo justificado pelos últimos acontecimentos leia-se afundamento
dos navios mercantes brasileiros e, em alguns casos, uma relação direta
entre a nação brasileira e a portuguesa, tendo em vista que “os atentados
cometidos contra o Brasil sensibilizam a opinião portuguesa, como se tratasse
de violências contra Portugal cometidas. É como um atentado contra a nossa
própria carne e o nosso próprio sangue cometido”
703
. Em outras situações,
como é o caso do jornal Novidades, o qual publica o artigo “Compreensão”
onde o próprio título é bastante sugestivo reafirmação dos laços
histórico-culturais que unem os dois países e, portanto, a difusão de um ideal
de solidariedade lusa para com o Brasil, como se constata a seguir:
1987 e Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
702
VIANNA, Hélio. História diplomática do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1960, p. 201.
703
Jornal A Voz, Lisboa, em 23 de agosto de 1942, p. 2.
240
A imprensa portuguesa deu à notícia alto relevo e o
público tomou conhecimento dela com vivo interesse. Um
e outro se justificariam plenamente com a natural
impressão causada pelo alastramento do conflito,
antes de vastíssimas proporções, que divide e ...
confunde o mundo. Mas a sua mais exata explicação
encontra-se na existência dos laços profundos que,
através dos caminhos da história, unem Portugal e
Brasil
704
.
Por outro lado, na correspondência emitida pelo Embaixador brasileiro
em Lisboa, Dr. Artur Guimarães de Araújo Jorge, destaque para as
primeiras medidas adotadas pelo Presidente da República portuguesa, General
Oscar Carmona, após receber a notícia da declaração de guerra do Brasil. De
acordo com o Embaixador, “o Presidente Carmona, logo que foi informado do
estado de guerra do Brasil, telegrafou ao Presidente Getúlio Vargas
solidarizando-se com ele”
705
. A imprensa portuguesa publicou, com destaque, o
texto do telegrama, o que denota a interferência do Secretariado de
Propaganda Nacional (SPN) no assunto:
No momento em que recebo comunicação oficial de se
encontrar o Brasil em estado de beligerância, quero ser
intérprete, junto de V. Ex. e do Povo brasileiro, dos meus
sentimentos fraternos e dos do povo português, que
acompanha a nobre Nação brasileira, com a maior
emoção, neste momento histórico da vida.
General Carmona, Presidente da República
Portuguesa
706
.
Além desse aspecto, o Embaixador brasileiro finaliza o seu ofício
destacando o expressivo apoio que a Embaixada brasileira estava recebendo
dos portugueses. De acordo com ele, diariamente, ocorria “dos pontos mais
remotos de Portugal e de todas as classes sociais as mais carinhosas
demonstrações de solidariedade e de estima, bem como inúmeros
704
Jornal Novidades, Lisboa, em 24 de agosto de 1942, p. 1.
705
Ofício 170, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 28 de agosto de 1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1942.
706
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 24 de agosto de 1942, p. 1.
241
oferecimentos de serviços militares”
707
. Assim, de forma semelhante ao que
ocorre no Brasil, quando a população acompanha e participa do desenrolar dos
acontecimentos relativos à guerra, em Portugal, a comunidade lusa manter-se-
á atenta acerca dos rumos do conflito pelo menos no que tange às notícias
veiculadas com a permissão da censura portuguesa. Todavia, o rompimento
das relações diplomáticas e a declaração de guerra efetivada pelo Brasil à
Alemanha e à Itália posteriormente ao Japão –, impulsionarão uma ligação
luso-brasileira no que se refere ao desenrolar dos acontecimentos, afinal, a
salvaguarda dos interesses brasileiros nestes países será levada a efeito por
Portugal.
5.2 A representação portuguesa acerca dos interesses brasileiros na
Alemanha, na Itália e no Japão
A questão de um possível rompimento das relações diplomáticas do
Brasil com a Alemanha e a Itália (posteriormente com o Japão), cedo ou tarde,
traria à tona o ponto de como iria se processar a defesa dos interesses
brasileiros nestes países. Por isso, antes mesmo de o Brasil romper relações
diplomáticas com os países do Eixo, o governo brasileiro entra em contato com
a sua Embaixada, em Lisboa, instruindo-a para consultar o governo português
no sentido de que diante da iminência do rompimento das suas relações
diplomáticas com a Alemanha, a Itália e o Japão, o governo luso assumiria a
proteção dos interesses brasileiros nestes países. Como era de se esperar, o
governo português assinala que aceita tal tarefa.
Depois da definição portuguesa, o Ministério das Relações Exteriores do
Brasil telegrafa ao Embaixador brasileiro, em Portugal, Dr. Artur Guimarães de
Araújo Jorge, solicitando que o governo português entrasse em contato com
“seus representantes diplomáticos na Alemanha, Itália, Japão, Romênia e
Hungria, que vão ficar encarregados dos interesses do Brasil naqueles
países”
708
porque muito embora ainda não houvesse a confirmação oficial do
707
Ofício 170, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, em 28 de agosto de 1942. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1942.
708
Ofício do Embaixador brasileiro, em Lisboa, ao Embaixador Luiz Teixeira de Sampaio, em
28 de janeiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
242
rompimento das relações brasileiras, o Ministro brasileiro desejava que o
Presidente do Conselho ficasse sabendo das intenções do governo brasileiro o
mais rápido possível e, imediatamente, começasse a agir no sentido de tomar
providências quanto ao atendimento do pedido brasileiro. Diante desta
situação, o Ministro dos Negócios Estrangeiros lusitano telegrafa às
Embaixadas portuguesas sediadas em Berlim, Roma, Tóquio, Bucarest e
Budapeste determinando que “aceitará portanto Vossa Excelência esse
encargo quando isso lhe for solicitado por representante [do] Brasil e nessa
conformidade se dirigirá depois a esse governo”
709
.
Após a confirmação do rompimento das relações do governo brasileiro
com os países do Eixo e a garantia da salvaguarda dos interesses brasileiros
por Portugal, membros ligados ao governo português no Brasil tratam de
assinalar este acontecimento e de divulgá-lo como mais um laço de união luso-
brasileira. Este é caso do presidente do Conselho dos Portugueses do Brasil,
Sr. Albino de Souza Cruz, o qual, em entrevista concedida ao jornal O Globo,
concebe o pedido brasileiro ao governo português como um:
...sentido de afeto que liga Brasil e Portugal às
lealíssimas e íntimas relações que a admirável política
externa do Governo de Salazar e do Governo brasileiro
tornaram para nosso orgulho numa realidade viva e de
que é o mais recente testemunho a notícia de que o
Brasil confiou a Portugal, nesta emergência, a defesa e a
representação dos interesses brasileiros nos países com
que cortou as suas relações
710
.
Nesta direção, entende-se que o governo brasileiro confiou a defesa dos
seus interesses ao governo português, não somente pelas afinidades histórico-
culturais dos dois países como, também, pelo fato de que, a esta altura, as
relações luso-brasileiras estavam fortemente solidificadas, tendo-se em mente
os acordos luso-brasileiros firmados até este momento. Por outro lado,
ressalta-se que “tradicionalmente, os estados buscaram, em relação aos
709
Telegrama nº C-3, urgente, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Legação de Portugal
em Berlim, Roma, Tóquio, Bucareste e Budapeste, em 29 de janeiro de 1942. M. N. E., piso,
Armário 49, Maço 103. Neste telegrama, Salazar ainda indica que “de missão idêntica serão
encarregados representantes [de] Portugal nos outros países do Eixo”.
243
demais países, como prioridade a segurança, através de alianças militares, de
autonomia bélica e de ações voltadas à manutenção de sua soberania”
711
.
Logo, a união luso-brasileira, num segundo momento, também pode ser
compreendida dentro deste contexto.
Desse modo, muitos o os processos diplomáticos e consulares
constantes no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Portugal. Estes dizem
respeito às intervenções levadas a efeito pelas autoridades portuguesas com
relação à defesa dos interesses do Brasil e/ou de brasileiros radicados na
Alemanha, na Itália ou no Japão, como se observará na seqüência do texto.
5.2.1 Defesa portuguesa dos interesses brasileiros na Alemanha
Após a realização da Conferência dos Chanceleres, no Rio de Janeiro,
inúmeros países optaram pelo rompimento das suas relações diplomáticas com
os países do Eixo, entre eles figura o Brasil. Imediatamente a esta decisão,
como foi evidenciado anteriormente, o governo português é comunicado e,
inclusive, consultado, como se viu, acerca da possibilidade dele representar os
interesses brasileiros nos países do Eixo, pois as Embaixadas brasileiras
existentes encerrariam suas atividades. Com o aceite ao pedido, Portugal
passa a representar os interesses do Brasil junto à Alemanha, Itália e Japão
e, posteriormente, em outros países ocupados pelas forças do Eixo, como é o
exemplo da França.
Nesta direção, o Embaixador brasileiro em Berlim, Cyro de Freitas Valle,
foi encarregado pelo governo brasileiro de levar ao conhecimento do Sr.
Joachim von Ribbentrop, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reich, a
notícia do rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com a
Alemanha. A justificativa brasileira para esta ação englobava argumentos
como:
710
Jornal O Globo, Rio de Janeiro, em 3 de fevereiro de 1942, p. 2.
711
SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Para uma política externa brasileira. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994, p. 19.
244
O Brasil é com os demais Estados americanos firmador
de acordos mediante os quais se preceitua que qualquer
ataque contra uma nação do continente deva ser
considerado como ataque a todos e a cada um dos
países americanos, constituindo ameaça imediata à
liberdade e à independência das Américas. Tais acordos
foram reafirmados na Resolução aprovada unanimente a
23 do corrente pela Reunião de Consulta dos Ministros
das Relações Exteriores americanos, que no dia 15 se
congregaram no Rio de Janeiro.
No dia 7 de dezembro, produziu-se uma agressão
caracterizada do Japão contra os Estados Unidos da
América e, logo depois, declararam guerra à Alemanha e
à Itália, solidarizando-se com o agressor.
Em vista de tal atitude, coerente com os compromissos
continentais do Brasil, resolveu sua Excelência, o Sr.
Presidente da República, romper relações diplomáticas e
comerciais com a Alemanha e me encarrega de levar tal
decisão ao conhecimento de Vossa Excelência
712
.
Neste mesmo dia em 29 de janeiro de 1942 –, o Embaixador brasileiro
em Berlim também escreveu ao representante diplomático português, Sr.
Conde Tovar de Lemos, repassando às suas mãos a defesa dos interesses
brasileiros na Alemanha. Na oportunidade, o representante diplomático
brasileiro declarou que:
De acordo com instruções do meu governo e em virtude
da bondosa aquiescência do governo da República
Portuguesa, venho depor em mãos de Vossa Excelência,
a partir de hoje, a salvaguarda dos interesses brasileiros
na Alemanha. A ruptura das relações diplomáticas do
Brasil com o Reich reclamava que aqueles negócios
fossem confiados ao amigo mais seguro e foi por isso
exatamente que, para defendê-los, se recorreu a
Portugal
713
.
Assim, após esta tomada de decisão por parte do governo brasileiro e da
aquiescência portuguesa no que respeita à defesa dos interesses do Brasil, a
712
Ofício 20 do Embaixador brasileiro em Berlim, Cyro de Freitas Valle, ao Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Reich, Joachim von Ribbentrop, em 29 de janeiro de 1942. M. N. E.,
2º piso, Armário 49, Maço 103.
713
Idem
245
partir do dia 29 de janeiro, o Sr. Conde Tovar de Lemos enviado
extraordinário e ministro plenipotenciário de Portugal, em Berlim assume a
salvaguarda dos interesses brasileiros, na Alemanha. Nesta direção, o
Embaixador brasileiro, em Berlim, antes de deixar o local, visando facilitar o
trabalho do representante diplomático português, encaminha, via ofícios,
“algumas indicações que poderão, talvez, permitir a Vossa Excelência resolver
mais facilmente os problemas que lhe deparem”
714
.
A primeira “instrução” relacionada à salvaguarda dos brasileiros, faz
menção ao fato de que o representante português o deveria dar proteção
aos indivíduos com dupla nacionalidade, se estes estavam fixados ou se
encontravam em seu país de origem. Além disso, “os filhos de alemães tem
direito a assistência em caso de haverem entrado na Alemanha com
passaporte brasileiro, com visto de entrada outorgado por autoridade consular
alemã”
715
; além desse aspecto, estes deveriam constar como brasileiros no
Registro de Estrangeiros da cidade na qual se encontravam. Com relação a
este assunto, o Cônsul brasileiro pede atenção especial para com os seguintes
brasileiros: Maria de Lourdes Lages (pianista); Christina Turisco Lages (mãe da
pianista) e Otto Rudi Renner
716
.
Por fim, o Embaixador brasileiro informa que até a data de encerramento
dos trabalhos da Embaixada brasileira, se encontravam em andamento os
seguintes processos (dos quais havia maços especiais): Alfaias do Senhor
Embaixador M. de Pimentel Brandão; Alfaias do Senhor J. Ruy Barbosa;
móveis e pratas do Senhor Embaixador P. de Moraes Barros; Espólio de Dom
Pedro de Orleans-Bragança; C. Van Dionant de Cáceres e “Cafelite”
717
.
714
Ofício 20 do Embaixador brasileiro em Berlim, Cyro de Freitas Valle, ao Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Reich, Joachim von Ribbentrop, em 29 de janeiro de 1942. M. N. E.,
2º piso, Armário 49, Maço 103.
715
Anexo 1 ao Ofício 20, do Embaixador brasileiro em Berlim, ao Sr. Conde Tovar de
Lemos, enviado extraordinário de Portugal para Berlim, no dia 29 de janeiro de 1942. M. N. E.,
2º piso, Armário 49, Maço 103.
716
A documentação analisada não apresenta justificativas para esta atenção, especial, aos
nomes indicados.
717
Informações constantes no Anexo 17 ao Ofício 20, do Embaixador brasileiro em Berlim,
ao Sr. Conde Tovar de Lemos, enviado extraordinário de Portugal para Berlim, no dia 29 de
janeiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103. Com relação ao último ponto,
denominado de “Cafelite”, destaca-se que o mesmo faz referência ao registro nos Países
Baixos e na Alemanha da patente de invenção “Composição Moldável” e da marca de comércio
246
Entre estes, cabe mencionar o assunto “Alfaias do Senhor Embaixador
M. de Pimentel Brandão”. De acordo com o ex-Embaixador brasileiro, o
governo brasileiro havia removido para Berlim e entregue à guarda da firma
Glaeser Herzberg “os móveis e algumas alfaias do Senhor M. de Pimentel
Brandão, que era, ao tempo da invasão ale, Embaixador do Brasil, em
Bruxelas”
718
. A partir deste momento, o representante português deveria ficar
encarregado da proteção dos referidos bens.
Outro assunto pendente dizia respeito ao ponto denominado “Espólio de
Dom Pedro de Orleans-Bragança”; este fazia referência às propriedades
deixadas pelo Príncipe Imperial, Dom Pedro. A primeira situava-se em
Attersee, na Áustria e, a segunda, o Castelo d’Eu, na França (região ocupada
pelos alemães). Sobre este assunto, o ex-Embaixador brasileiro em Berlim
solicita um tratamento especial, tendo em vista que se tratava de imóveis
pertencentes aos descendentes de uma família que por muito tempo governara
o Brasil. Além desse aspecto, há ressalva, também, para o fato de que o
Castelo d’Eu “foi ocupado por tropas alemãs durante a campanha da França,
mas que a Embaixada pediu e conseguiu do governo alemão, que fosse
desocupado”
719
.
Em 4 de fevereiro de 1942, o governo alemão, na pessoa do seu
representante diplomático, o Secretário de Estado, Sr. Weizsäcker, acusa a
recepção ao ofício do representante português dos interesses brasileiros junto
à Alemanha, comunicando que “o governo do Reich está de acordo com a
“Cafelite”, que o Departamento Nacional do Café havia comprado do Sr. Herbert Spencer Polin.
Em ambos os países os registros foram impugnados, no entanto, existia a possibilidade de que
tanto o advogado alemão, quanto a firma responsável, reclamasse os honorários devidos pelo
governo brasileiro e, nestes casos, o representante português deveria assumir o trâmite dos
pagamentos a serem efetuados.
718
Anexo 18 ao Ofício 20, do Embaixador brasileiro em Berlim ao Sr. Conde Tovar de
Lemos, enviado extraordinário de Portugal para Berlim, no dia 29 de janeiro de 1942. M. N. E.,
2º piso, Armário 49, Maço 103.
719
Anexo 22 ao Ofício 20, do Embaixador brasileiro em Berlim ao Sr. Conde Tovar de
Lemos, enviado extraordinário de Portugal para Berlim, no dia 29 de janeiro de 1942. M. N. E.,
piso, Armário 49, Maço 103. O interesse brasileiro se justificava, ainda, pelo fato do Castelo
abrigar arquivos de interesse para a história do Brasil, os quais haviam sido doados ao governo
brasileiro pela Família Imperial Brasileira.
247
salvaguarda, por Portugal, dos interesses do Brasil no território do Reich com o
governo geral, bem como nos territórios ocupados por tropas alemãs”
720
.
Após este aceite, em abril de 1942, o representante diplomático do
governo alemão, Weizsäcker, após ter tido conhecimento de que o
representante português Conde de Tovar iria a Lisboa, conversou longamente
com ele. Na oportunidade, além de felicitar o governo português “pela política
que tem seguido nesta guerra e pela energia e habilidade com que a tem
mantido até hoje”
721
e comentar que as relações entre Portugal e Alemanha
eram excelentes, “lamentou-se do procedimento [do] governo brasileiro para
com a colônia alemã salientando [as] conseqüências que daí podem advir
principalmente nas relações entre os dois países depois da guerra”
722
.
Os procedimentos brasileiros a que se refere o representante
diplomático da Alemanha dizem respeito à reformulação constitucional
apresentada pelo presidente Getúlio Vargas, em março de 1942, a qual
facultava ao chefe de Estado brasileiro sem prévia autorização do Congresso
Nacional o decreto de estado de sítio parcial ou em todo país e a suspensão
das garantias constitucionais de pessoas ou propriedades de súditos ligados às
nações praticantes de atos contra os direitos e/ou bens do Estado ou de
cidadãos brasileiros. A reclamação do governo alemão tinha por base a
emissão do decreto por parte do governo brasileiro que responsabilizava os
“súditos alemães, japoneses e italianos pelos prejuízos causados [pelos] seus
respectivos Estados e determinando-lhes obrigação [de] comunicar [as]
repartições competentes [a] natureza e valor dos seus bens”
723
. Aliás, esta
tomada de decisão por parte do governo brasileiro senão estimulou, pelo
menos aquiesceu à realização de hostilidades da população brasileira no
momento em que foram invadidas e saqueadas “importantes casas comerciais
[dos] referidos súditos, nomeadamente, [o] banco alemão, [a] casa alemã, [a]
720
Documento 5, (traduzido) da Legação da República Portuguesa, em Berlim, no dia 4 de
fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
721
Telegrama nº 167, do Cônsul português em Berlim ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
em Portugal, em 27 de abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
722
Idem.
723
Telegrama nº 167, do Cônsul português em Berlim ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
em Portugal, em 27 de abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
248
sede Lloyd alemão e a Livraria alemã (...) sendo livros retalhados e espalhados
pelas ruas”
724
. É de se destacar, neste caso, que a intervenção policial
aconteceu somente após o fato consumado, ou seja, quando não poderia
tomar nenhuma atitude, nem punir os culpados. Além disso, como a imprensa
brasileira estava sob a intervenção direta do DIP, portanto, atendendo aos
interesses do governo getulista, “regozija-se com [as] medidas [do] governo e
restantes acontecimentos que considera legítima manifestação [de] indignação
e represália contra [as] agressões submarinas”
725
do governo alemão para com
o Brasil.
Desse modo, numa tentativa de dissuadir o governo brasileiro das
retaliações aos alemães no Brasil e evitar que tais ações continuem
acontecendo, Weizsäcker solicita ao Conde de Tovar que ele converse com o
governo português para ver se este “não poderia fazer alguma coisa no sentido
de dissuadir o governo brasileiro da atitude agressiva que está tomando a
instâncias de Washington”
726
. Contudo, o pedido alemão não é atendido e,
após a declaração brasileira de guerra aos países do Eixo, em agosto de 1942,
a situação dos ditos súditos do Eixo no Brasil, tende a ficar ainda mais
delicada.
Na página seguinte, uma tabela contendo indicações gerais dos
assuntos referentes à salvaguarda portuguesa dos interesses brasileiros na
Alemanha.
724
Telegrama 68, da Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros em Portugal, em 13 de março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
Em um outro telegrama, o Embaixador português denuncia a continuidade dessas ações
informando que infelizmente, voltaram [a] reproduzir-se ontem nesta cidade cenas
semelhantes às referidas [em] meu telegrama 68, além de que estão chegando a esta
Embaixada informações de acontecimentos idênticos em muitas localidades do país”.
Telegrama 72, da Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros em Portugal, em 14 de março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
725
Telegrama 68, da Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros em Portugal, em 13 de março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
726
Telegrama nº 167, do Cônsul português em Berlim ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
em Portugal, em 27 de abril de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
249
Tabela 5.1 – Defesa dos interesses brasileiros na Alemanha
727
Número Assunto
I Relações brasílio-germânicas: ruptura, diligências de ambos os
governos acerca da atitude assumida para com os seus súditos
II Protesto do governo brasileiro contra os ataques e afundamento de
navios mercantes brasileiros
III Repatriação e troca de brasileiros e outros sul-americanos e súditos
do “Eixo”
IV Instruções sobre a concessão de vistos nos passaportes de
estrangeiros em trânsito por Portugal com destino ao Brasil
V Tratamento dos diplomatas brasileiros pelas autoridades alemãs
VI Relação nominal dos brasileiros natos residentes na Alemanha,
França e outros países ocupados
VII Assuntos relativos a pessoal auxiliar e subalterno
VIII Assuntos relativos a rendas de casa, expediente material etc.
IX Despesas da missão diplomática brasileira em Berlim
X Pedido de proteção aos interesses brasileiros ao governo sueco em
virtude da retirada da missão diplomática portuguesa
XI Pedido de proteção aos prisioneiros de guerra brasileiros
727
Com relação aos assuntos apontados, destaca-se que nem sempre há documentação
(processos), o que inviabilizou uma descrição mais pormenorizada dos trabalhos realizados
pelo representante português junto à salvaguarda dos interesses brasileiros na Alemanha.
250
Fonte: Tabela elaborada a partir das informões constantes na pasta intitulada Interesses
brasileiros na Alemanha – I”. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
Com base na análise da tabela indicada acima e nas informações
referentes ao trabalho desenvolvido pelo Sr. Conde Tovar de Lemos
representante diplomático português em Berlim e responsável pela salvaguarda
dos interesses brasileiros na Alemanha é possível inferir que, inicialmente,
suas atividades limitaram-se à interlocução entre o governo alemão
representado pelo Sr. Weizsäcker – e o governo português que repassava as
informações ao governo brasileiro no sentido de evitar o agravamento das
relações envolvendo os governos alemão e brasileiro. Neste sentido, merece
destaque uma de suas primeiras intervenções junto aos interesses brasileiros;
esta se refere ao esclarecimento enviado ao governo brasileiro das situações
em que os navios brasileiros constituiriam alvo de bombardeios. De acordo
com a consulta do diplomata português, os navios brasileiros seriam
torpedeados, sem aviso prévio, sempre que estivessem armados ou fossem
incorporados em comboios inimigos
728
. Entretanto, em outras situações, os
navios brasileiros seriam apenas submetidos às regras internacionais, as quais
regulam o bloqueio marítimo
729
.
Outra circunstância que corrobora este pensamento de interlocução do
governo português provém do fato de que na Alemanha, em fevereiro de 1942,
circula uma notícia mencionando que a polícia brasileira havia invadido a
Embaixada alemã no Brasil e que o governo brasileiro tinha se apoderado e
arrombado alguns de seus cofres. Este fato leva o representante da Legação
portuguesa em Berlim a encaminhar um telegrama ao Presidente do Conselho
português, Salazar, informando que “esta notícia [tem] causado aqui
impressão e caso [a] confirmar-se, não deixará [de] provocar represálias. A
bem [dos] interesses brasileiros, seria conveniente podê-la desmentir”
730
.
728
Telegrama nº 93, da Legação de Portugal, em Berlim, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 1º de março de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
729
Idem.
730
Telegrama nº 64, da Legação de Portugal, em Berlim, ao Presidente do Conselho e Ministro
dos Negócios Estrangeiros, em 14 de fevereiro de 1942. M. N. E., piso, Armário 49, Maço
103.
251
Diante desta situação, o governo português telegrafa ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil solicitando informações acerca do assunto. Após
a resposta do governo brasileiro, o Ministro português encaminha um
telegrama para a sua representação diplomática, em Berlim, esclarecendo que
a “polícia brasileira não entrou jamais [na] Chancelaria ou Embaixada
alemã”
731
. Sobre este assunto, Salazar ainda noticia a apuração do ocorrido a
partir da seguinte descrição:
A polícia brasileira em nenhuma época penetrou em
qualquer local, nem Embaixada, nem na Chancelaria da
Embaixada alemã. No período anterior em que o governo
espanhol assumiu a proteção dos interesses dos
alemães, estes próprios, por sua iniciativa, fizeram
remover para uma garagem situada em bairro distante do
local da Chancelaria alemã dois cofres fortes,
renunciando assim a qualquer proteção. Um desses
cofres não foi arrombado e sim aberto com as próprias
chaves levadas por representantes espanhóis, que
assistiram ao ato de abertura
732
.
Contudo, à medida que o tempo passa e a guerra avança, o trabalho do
representante português, na execução dos trabalhos de salvaguarda dos
interesses brasileiros na Alemanha, depara-se com questões um pouco mais
complexas, como aquela resultante do fato de que a “polícia alemã começou a
aplicar multas aos súditos brasileiros que não apresentam passaportes em
ordem, nomeadamente aqueles que mandaram os seus passaportes ao
Consulado do Brasil em Zurich para revalidação”
733
. A demora no envio da
documentação ocorria em decorrência da falta de pagamento para a
revalidação dos passaportes. Diante desta situação, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros de Portugal encaminha um ofício à Embaixada do Brasil, em
Lisboa, solicitando, “com a possível brevidade, uma indicação da atitude que,
731
Ofício 38, da Embaixada do Brasil, em Lisboa, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 19 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
732
Ofício 38, da Embaixada do Brasil, em Lisboa, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 19 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 103.
733
Ofício 63, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada do Brasil em Lisboa, em
24 de abril de 1943. M. N. E., 3º piso, Armário 49, Maço 86.
252
nesta questão, deve ser observada pelo representante de Portugal em
Berlim”
734
.
Na verdade, esta questão acaba originando dúvidas relacionadas às
reais atribuições dos representantes diplomáticos portugueses, quanto ao
desenvolvimento de atividades relacionadas à salvaguarda dos interesses
brasileiros, tendo em vista que, no momento do acerto entre Brasil e Portugal,
no que respeita à defesa dos interesses do primeiro junto às potências do Eixo,
“ficou acordado [...] que os cônsules portugueses não atuariam como
representantes oficiais brasileiros, limitando-se, portanto, a praticar os atos
indispensáveis para a proteção dos cidadãos brasileiros”
735
, ou seja, nesta
ocasião, não foi repassado aos representantes diplomáticos portugueses o
Regulamento Consular brasileiro, nem as estampilhas brasileiras referentes à
cobrança de emolumentos consulares. Para solucionar este problema, o
Ministro de Portugal, em Berlim, escreve ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, em Portugal, solicitando sua intervenção e consulta junto à
Embaixada do Brasil, em Lisboa. No documento enviado, ele sugere que:
Sejam enviadas instruções ao Consulado do Brasil, em
Zurich, no sentido de, neste e casos semelhantes, ser
prestada proteção gratuita aos ditos brasileiros à
semelhança do que se está fazendo nos Consulados
portugueses encarregados da proteção dos mesmos em
países inimigos, ou ocupados pelos beligerantes
736
.
Diante deste impasse, a Embaixada do Brasil, em Lisboa, ratifica a
sugestão enviada pelo Ministro de Portugal, em Berlim. Entretanto, a partir
deste momento, este procedimento suscitará uma nova questão. Trata-se da
necessidade de se “explicar às missões em Vichy, Budapeste e Bucareste,
para que estas por sua vez o explicassem aos Consulados, a natureza e os
734
Idem.
735
Ofício 11, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 4 de fevereiro de 1943. M. N. E.,
3º piso, Armário 49, Maço 86.
736
Ofício nº 18, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada do Brasil, em Lisboa, em
12 de fevereiro de 1943. M. N. E., 3º piso, Armário 49, Maço 86.
253
termos do acordo a que se chegou em Berlim”
737
. De acordo com o
pensamento português, tal procedimento se apresentava como inadequado,
pois “não se compreende como se possa generalizar simples acordo local ao
ponto de o aplicar em países diferentes e a funcionários que nele não tiveram a
mínima interferência”
738
. Todavia, foi o que prevaleceu.
Com relação ao trabalho de repatriamento, a Embaixada do Brasil em
Lisboa solicita à Secretaria de Estado das Relações Exteriores a sua ajuda
para repatriar o Sr. Henrique Goldstein, o qual estava internado em um campo
de concentração de Tittomonig, na Alemanha, “sob o número 724, para onde
foi levado pelas autoridades militares alemãs, que o retiraram da residência de
seus pais, 7 rue d’Oignies, em Carvin, Pas de Calais, França, quando
ocuparam aquela região”
739
. Para facilitar e agilizar os trabalhos de
repatriamento do cidadão brasileiro, a Embaixada brasileira destaca que o
referido “estava devidamente matriculado no Consulado Geral do Brasil em
Paris, como se infere de uma carta de 4 de abril de 1940, subscrita pelo Senhor
Cônsul Oscar Pires do Rio, então encarregado da direção do Consulado Geral
do Brasil”
740
.
Em fevereiro de 1944, o Embaixador brasileiro em Lisboa, pela Nota
26/940, de de fevereiro do mencionado ano, solicita ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, que este entre em contato com a Legação de Portugal
em Berlim com o objetivo de saber “a relação das despesas efetuadas, no
correr do ano de 1943, com a missão diplomática e Consulados brasileiros
fechados, na Alemanha, bem como a informação do saldo em poder da mesma
Legação, em 31 de dezembro de 1943”
741
. Por meio da Nota 18, de 9 de
fevereiro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros informa à Embaixada
brasileira em Lisboa que “o saldo em poder da legação de Portugal, em Berlim,
é, aproximadamente, de 3.500 marcos, salientando que tal saldo é quase
737
Ofício nº 71, da Repartição dos Negócios Políticos à Repartição de Administração Consular,
em 20 de agosto de 1943. M. N. E., 3º piso, Armário 49, Maço 86.
738
Idem.
739
Ofício 118, da Embaixada brasileira em Lisboa à Secretaria de Estado das Relações
Exteriores, em 16 de junho de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
740
Idem.
254
insuficiente para as despesas correntes”
742
, o que ratifica o empenho português
em defender os interesses brasileiros na Alemanha.
5.2.2 Defesa portuguesa dos interesses brasileiros na Itália
Em atitude semelhante à relatada no caso da defesa portuguesa dos
interesses brasileiros na Alemanha, o Embaixador brasileiro em Roma, C. A.
Moniz Gordilho, encaminha um ofício ao Dr. José Lobo d’Ávila Lima, Ministro
de Portugal em Roma, contendo “esclarecimentos indispensáveis, de maneira
a que fique a Legação de Portugal familiarizada com os assuntos principais,
relativos ao serviço de proteção”
743
. Junto ao referido documento constava,
ainda, as chaves do apartamento onde estava instalada a sede da Embaixada
do Brasil, assim como referências a tudo aquilo que dizia respeito à missão que
havia sido encarregada ao Ministro português.
Desse modo, uma das primeiras informações contidas no referido ofício
consistia na indicação da data de transferência da guarda da sede da missão
diplomática brasileira em Roma. Com relação a este assunto, Gordilho informa
que esta havia ocorrido no dia 31 de março de 1942, momento em que foi
efetuado não somente o inventário do local, bem como dos demais consulados
brasileiros na Itália.
Com relação ao inventário patrimonial e arquivístico, como o governo
brasileiro tinha resolvido manter o apartamento do Palácio Dória local onde
se encontrava instalada a Embaixada brasileira – na praça Navona, número 14,
primeiro andar, os móveis, objetos, bem como arquivos do Estado brasileiro,
permaneceriam depositados no local. Neste ambiente ficaria armazenado,
também, todo o mobiliário e arquivos da Embaixada brasileira junto à Santa Sé,
741
Ofício 49, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 14 de fevereiro de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
742
Idem.
743
Ofício 2, ao Sr. Dr. José Lobo d’Ávila Lima, Ministro de Portugal em Roma, em 31 de
março de 1942, p. 4. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1942.
255
assim como dos Consulados de Gênova, Milão, Trieste, Livorno e do extinto
Consulado em Nápoles
744
.
Relativamente aos Livros Consulares, o Embaixador brasileiro destaca
que, de acordo com as instruções recebidas, entregará os livros provenientes
dos Consulados de Gênova, Milão, Trieste, Livorno e do Serviço Consular
desta Missão. Contudo, o Embaixador brasileiro ressalta que “não abrange a
medida do governo brasileiro todos os livros existentes em nossas repartições
consulares, mas apenas aqueles, cuja guarda pela Legação de Portugal se
impunha”
745
, ou seja, aqueles “de Matrícula dos cidadãos brasileiros, os de atos
de Registro Civil; os de Procurações, os de Termos de Nascimento,
Casamentos e Óbitos, os de Escrituras e Registro de Títulos e Documentos,
etc.”
746
. Isto demonstra que o governo brasileiro tomou algumas medidas de
precaução com relação à documentação existente em seus Consulados.
Outra instrução encaminhada pelo Embaixador brasileiro consistia na
parte de rotina do serviço de proteção dos interesses brasileiros na Itália. De
acordo com ele, como o trabalho deveria abranger, principalmente, questões
de caráter consular, ele elaborou uma espécie de ntese com
“esclarecimentos, indicações dos textos legais a consultar e diretivas a serem
seguidas nos casos que mais freqüentemente se suscitam, a saber;
nacionalidade, passaportes, serviço militar, certidões de nascimento,
procurações”
747
. Inclusive, com relação ao aspecto dos passaportes, o
Embaixador brasileiro ressalta que o trabalho português será facilitado em
virtude da comunicação recentemente encaminhada pelo Ministério das
Relações Exteriores do Rio de Janeiro, na qual o ministro afirmava que “só por
744
No que respeita aos móveis e objetos brasileiros existentes nos quatro últimos Consulados
citados, o ofício do Embaixador Gordilho informa que eles estão concentrados na Sala
Palestrina, constituindo cinco grupos separados e identificados por letreiros visíveis:
‘Consulado em...’”. Com reação à documentação relacionada à Embaixada do Brasil na Santa
Sé, Gordilho esclarece que esta “será entregue mais tarde a Vossa Excelência pelo
Embaixador Hildebrando Accioly, visto não saber ainda este colega quando lhe será possível
recolher-se ao Vaticano”. Idem.
745
Ibidem.
746
Ofício 2, ao Sr. Dr. José Lobo d’Ávila Lima, Ministro de Portugal em Roma, em 31 de
março de 1942, p. 4. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1942.
747
Idem, p. 5.
256
solicitação do governo brasileiro poderá Vossa Excelência conceder a
estrangeiro visto de entrada no território nacional”
748
.
No que se refere à concessão de passaportes a brasileiros, o
Embaixador brasileiro esclarece que as missões portuguesas, encarregadas
das defesas dos interesses brasileiros, “podem, tão somente, ampliar o prazo
de validade dos passaportes brasileiros concedidos”
749
. Um aspecto que
chama a atenção neste ponto é que, a exemplo de Portugal, o governo
brasileiro também mantinha certo controle sobre os brasileiros residentes na
Itália, bem como sobre os italianos expulsos do Brasil, afinal, o Embaixador
Moniz Gordilho repassa “uma relação das pessoas, cujas matrículas foram
canceladas por determinação do governo brasileiro e uma lista dos indivíduos
indesejáveis e expulsos do Brasil”
750
.
Na seqüência do texto, o Embaixador brasileiro indica instruções
relativas à Legação brasileira em Atenas
751
, bem como ao contrato da casa
onde estava situada a Embaixada brasileira em Roma
752
. Por fim, trata dos
funcionários e empregados do local, os quais haviam sido dispensados
753
, e
748
Ibidem.
749
Ibid. Com relação a este assunto, o Embaixador brasileiro ainda informa que “o passaporte
comum é válido no Brasil por 2 anos, podendo ser prorrogado esse prazo por dois períodos
sucessivos (...)”.
750
Ibid, p. 6.
751
Como a Legação do Brasil em Atenas havia sido fechada pelo governo brasileiro – em razão
da ocupação do local – e o Embaixador português em Roma havia ficado respondendo,
também, pelos assuntos na Grécia, o Embaixador brasileiro deixou informações sobre os
pertences desta, bem como instruções relativas ao aluguel do imóvel onde os objetos e
documentos da Legação estavam depositados, em Roma. Ofício 2, ao Sr. Dr. José Lobo
d’Ávila Lima, Ministro de Portugal em Roma, em 31 de março de 1942, p. 6. A. H. I. Pasta de
Ofícios, ano de 1942.
752
De acordo com as informações do representante diplomático brasileiro, a Embaixada do
país estava instalada há 22 anos na Praça Navona, 14, andar, e o aluguel desta estava
pago até 30 de junho de 1942. Todo o mobiliário da Embaixada estava segurado contra fogo
pela Companhia Assicuazioni Generali Nenezia, em um montante de 2 milhões de liras. Idem,
p. 8.
753
Sobre este assunto, o Embaixador brasileiro esclarece que “os auxiliares da Chancelaria,
Vitório Massani e Giuseppe Alpi, tiveram três meses de vencimento como indenização, os
demais empregados (porteiros, contínuo, chauffeur e governante) receberam um mês. Dados
os longos anos de serviço dos empregados Baiocco Americo, porteiro da Chancelaria, e
Bolletta Caetano, porteiro da parte residencial, resolvi atender ao pedido dos mesmos no
sentido de continuarem a residir, sem ônus para o governo brasileiro, nos alojamentos externos
dependentes do apartamento principal tendo, para tanto, obtido autorização do proprietário.
Essa concessão aos empregados Baiocco Americo e Bolletta Caetano não implica em nenhum
encargo nem cria, nem pode criar, direito ou pretensão alguma para o futuro”. Ibidem, p. 10.
257
conclui o documento alertando que se surgissem outros problemas ou alguma
questão não relacionada no seu documento, o responsável pela defesa dos
interesses brasileiros na Itália poderia “sempre consultar o Rio de Janeiro, que
não deixará de instruí-lo no sentido de providências a tomar”
754
.
Diferentemente do exemplo da Alemanha, com relação à Itália, não
existe muita documentação que especifique a atuação portuguesa em defesa
dos interesses brasileiros em território italiano. Contudo, um ofício da
Embaixada brasileira em Lisboa, de princípios de janeiro de 1944, oferece
indícios quanto ao trabalho desenvolvido pelo Ministro de Portugal em Roma.
No citado documento, referência à “prestação de contas de verbas
fornecidas em 1942 e 1943, à Legação de Portugal em Roma, para prover,
naquela cidade, à proteção de pessoas e interesses brasileiros, no total de
102.851 e 48 centésimos”
755
e, também, a “cinco maços de documentos,
numerados de um a cinco, comprovantes das despesas”
756
, o que não deixa
dúvidas a respeito. Inclusive, no mesmo documento, indicação de saldo ao
Brasil, pois “como o desembolso da Legação de Portugal em Roma ascendeu a
87.927 liras e 63 centésimos, a nota em questão veio acompanhada do saldo,
em moeda corrente, de 14.721 liras e 85 centésimos”
757
.
5.2.3 Portugal na salvaguarda dos interesses brasileiros na França
ocupada
A representação portuguesa dos interesses brasileiros não se restringiu
somente à Alemanha e à Itália. Esta representação portuguesa abrangeu
outros países envolvidos com a guerra, como é o caso da França. Com relação
à defesa dos interesses brasileiros em Paris, por exemplo, o Ministério dos
Negócios Estrangeiros português solicita informações referentes à forma como
754
Ibid., p. 11.
755
Ofício 19, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 26 de janeiro de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
756
Ofício 19, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 26 de janeiro de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
757
Idem. Neste ofício, o Embaixador brasileiro em Lisboa, após agradecer os serviços
prestados pelo governo português e, em especial, ao Ministro de Portugal em Roma, relata que
258
sua representação deveria agir no território da França ocupada, ou seja, mais
precisamente, no caso da Sra. Margarida Frank, a qual “atualmente em Paris,
tem várias vezes recorrido aos auxílios financeiros concedidos pelo Consulado
Geral de Portugal nessa cidade aos súditos brasileiros”
758
o que não deixa
dúvidas acerca da existência de uma política de salvaguarda portuguesa dos
interesses brasileiros no território francês. No entendimento português, a
situação tornava-se mais complexa porque os fundos de ajuda aos brasileiros
eram reduzidos e, conforme instrução recebida do governo brasileiro, estes
deveriam ser destinados àqueles desamparados e/ou indigentes, o que não
constituía o caso da Sra. Frank. Para solucionar esse impasse, o Cônsul
português propõe ao governo brasileiro que este entre em contato com a mãe
da interessada, Sra. M. D. Frank, “residente no Hotel Argentina, nº 30, rua Cruz
Lima, Rio de Janeiro, de que pode transferir ao cuidado do Consulado de
Portugal, se assim o preferir, os fundos suficientes para a manutenção em
Paris da interessada”
759
. Esta proposição portuguesa tinha por base o fato do
estado mental da referida nacional brasileira não ser satisfatório e sua família
possuir condições de custear o seu tratamento.
No exercício da defesa dos interesses brasileiros em Paris, o governo
português ainda relata a situação da Sra. Elisa Alves Portella Lopes da Cruz,
viúva do capitão de fragata Luiz Lopes da Cruz, a qual muito tempo não
recebia as pensões anteriormente pagas pelos banqueiros Nottinger & Cia, fato
este que levou “o Consulado Geral de Portugal em Paris, a fazer vários
adiantamentos por conta das pensões em atraso, que totalizam até a data, frs.
15.500”
760
. Desta vez, a solicitação dirigia-se, diretamente, ao governo
brasileiro, tendo em vista a sugestão encaminhada pelo “Cônsul de Portugal
em Paris de que as competentes autoridades brasileiras se dignem promover o
necessário para que sejam pagas à interessada as somas em atraso e
“a Embaixada do Brasil em Lisboa tem a honra de declarar que conferiu as contas, os
documentos e a quantia em dinheiro, e que tudo foi achado em boa ordem, como de costume”.
758
Ofício nº 58, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada brasileira em Lisboa, em
14 de abril de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
759
Ofício nº 58, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada brasileira em Lisboa, em
14 de abril de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
760
Ofício nº 60, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada brasileira em Lisboa, em
14 de abril de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
259
garantida, de futuro, a remessa regular da sua pensão”
761
, pois esta ação
garantiria a distribuição dos recursos financeiros aos indigentes brasileiros que
se encontravam em Paris, para os quais este auxílio era essencial.
Contudo, talvez, a maior contribuição portuguesa, com relação à defesa
dos interesses brasileiros na França ocupada pelas forças do Eixo, diga
respeito à libertação da representação diplomática e consular brasileira e
outros membros brasileiros, internados na Alemanha. Fato este que leva o
governo brasileiro a solicitar ao governo português a seguinte ajuda:
A Embaixada do Brasil em Lisboa [...] vem solicitar do
governo português o favor de se encarregar da troca que
oportunamente se realizará em território português de
cidadãos alemães que ainda se encontram no Brasil por
membros da representação diplomática e consular do
Brasil na França internados na Alemanha e por vários
cidadãos brasileiros a serem repatriados da França, da
Alemanha e de outros países ocupados
762
.
Em resposta à solicitação brasileira, o governo português informa que as
trocas de cidadãos alemães por membros das representações diplomática e
consular do Brasil na França e, também, de outros cidadãos brasileiros a
repatriar do território francês, alemão, bem como de outros países ocupados,
“que tem a honra de informar que nada tem a opor a que essa troca se realize
em Portugal e que [...], intervirá nela pela mesma forma como tem intervindo
nas trocas aqui realizadas entre brasileiros e cidadãos dos países do Eixo”
763
.
Diante desta afirmativa portuguesa, uma das maiores contribuições do
governo português frente às questões da guerra diz respeito ao Embaixador
Luís de Souza Dantas antigo Embaixador do Brasil na França –, tendo em
vista que mesmo após o governo norte-americano, por intermédio do governo
suíço, ter assumido as negociações referentes à troca do Embaixador Dantas e
761
Idem.
762
Ofício 52, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 3 de março de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
763
Ofício nº 43, do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Embaixada brasileira em Lisboa, em
5 de março de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
260
os demais funcionários diplomáticos brasileiros
764
por 132 alemães, o governo
do Brasil solicita a interferência do governo português no sentido de acelerar a
saída dos funcionários diplomáticos brasileiros da Alemanha. Utiliza dois
argumentos:
A primeira razão é que Bad-Godesberg se encontra
numa perigosa zona de guerra, nas vizinhanças de
Colônia e de Bonn, sendo constantes os bombardeios e
os combates aéreos, tendo mesmo até caído bombas
nas imediações do hotel em que se acham confinados os
brasileiros. Correm suas vidas, assim, um risco
permanente, de vez que pode ser o hotel atingido não
por bombas extraviadas, como por qualquer aparelho que
acidentalmente sobre ele caia. A segunda razão é que
com a chegada da primavera pode determinar operações
militares de grande envergadura, que tenham por
conseqüência dificultar e até mesmo impossibilitar o
tráfico normal entre Bad-Godesberg e a fronteira da
Espanha
765
.
Na verdade, o governo brasileiro também havia recorrido à ajuda
portuguesa em razão do seu intermédio, anteriormente, junto à negociação
envolvendo a Suíça e os Estados Unidos, pela qual houve a troca, em Lisboa,
de alemães pelos nacionais de diferentes Repúblicas americanas, à exceção
do Brasil, em razão de que a liberação destes tinha como prerrogativa o
embarque, no Rio de Janeiro, dos alemães que se encontravam internados no
país. Neste sentido, a intenção do governo brasileiro era garantir que os
brasileiros a serem repatriados aguardassem em Lisboa ou em outra região
de Portugal a chegada dos alemães, os quais haviam deixado o Brasil no
paquete espanhol “Cabo de Buena Esperanza” e deveriam chegar à capital
portuguesa por volta do dia 15 de abril de 1944. Para facilitar a intercessão do
764
De acordo com o jornal Diário de Notícias, além do Embaixador Souza Dantas, a delegação
brasileira a ser repatriada do território alemão, era composta pelos “Srs. Ministro João Pinto da
Silva, Ministro-Conselheiro Trajano Medeiros do Passo e esposa; Cônsul Osório Dutra e
esposa; Vice-Cônsules Orlando Pimentel de Bittencourt Leal e esposa; Roberto de Castro
Brandão e Silva e Artur Teixeira de Mesquita e esposa; os funcionários do Consulado Srs. José
Teixeira Lima, Leon Levi e esposa, Pantaleão Machado, Vítor Orban e esposa e Luciano
Turqué, esposa e filha; os Adidos Srs. Augusto Schaw e Paulo Berredo Carneiro; Antônio Dias
Tavares Bastos e esposa e Carlos Cardoso”. Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em de abril
de 1944, p. 2.
765
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 1º de abril de 1944, p. 2.
261
governo português no que diz respeito às pretensões do governo brasileiro, o
seu Embaixador em Lisboa ainda informa ao governo luso que “desse
embarque teve ciência o governo do Reich por intermédio da Embaixada da
Espanha, no Rio de Janeiro”
766
.
O desfecho deste episódio que havia levado mais de um ano de
prisão do Embaixador Luís de Souza Dantas e dos demais funcionários
diplomáticos brasileiros ocorreu no dia 31 de março do mencionado ano, no
momento em que eles chegaram a Lisboa, por intervenção direta do governo
português, “graças a qual a liberação daqueles internados se pode fazer antes
mesmo que o grupo alemão, contra o qual será efetuada a troca, houvesse
chegado a águas portuguesas”
767
. No ofício de agradecimento do governo
brasileiro, encaminhado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português, o
Embaixador brasileiro, em Lisboa, ainda salienta que o governo alemão havia
manifestado no Rio de Janeiro, por intermédio da Embaixada espanhola, “o
desejo de que o grupo alemão, ao chegar a Lisboa, possa imediatamente
prosseguir viagem para a Alemanha, ainda que por qualquer circunstância o
grupo brasileiro se veja forçado a retardar a sua saída desta capital para o
Brasil”
768
. Diante dessa circunstância, o governo brasileiro, em conformidade
com o pedido do Reich, solicita que:
Para tais fins, o governo português fará o favor de aceitar
os mais amplos poderes, realizando a troca nas
condições desejadas pelo governo do Reich, certo como
está também o governo brasileiro de que Vossa
Excelência acautelará igualmente os interesses
brasileiros nesse assunto, a a última prática da
permuta, isto é, até a chegada dos funcionários em
questão ao seu destino
769
.
766
Ofício 109, do Embaixador brasileiro em Lisboa, Sr. João Neves da Fontoura, ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros português, em 21 de março de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano
de 1944.
767
Ofício 127, do Embaixador brasileiro em Lisboa, Sr. João Neves da Fontoura, ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros português, em de abril de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de
1944.
768
Ofício nº 127, do Embaixador brasileiro em Lisboa, Sr. João Neves da Fontoura, ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros português, em 1º de abril de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de
1944.
262
A presença da delegação brasileira em Lisboa, além de ter constituído
motivo de inúmeras visitas e atividades protocolares envolvendo a
representação diplomática brasileira e o governo português, foi ostentada na
imprensa portuguesa como o resultado da eficiente intervenção lusa no
assunto.
Posteriormente, no exercício da proteção dos interesses brasileiros na
França, com o avançar da guerra, surge um impasse relacionado ao pedido de
eventuais auxílios dos brasileiros residentes na França. Fato que leva o
Embaixador brasileiro em Lisboa a esclarecer que:
O governo brasileiro, em tempo oportuno, na previsão de
um rompimento de relações diplomáticas com a
Alemanha, deu instruções aos seus representantes
diplomáticos e consulares na França para que entrassem
em entendimento, por todos os meios possíveis, com os
brasileiros que se encontravam naquele país, a fim de
avisá-los de que deveriam dali partir
770
.
Em comunicação oficial, o Embaixador brasileiro ainda informa que
diante desta determinação do governo brasileiro, “a maior parte dos brasileiros
nessas condições atendeu prontamente aos avisos recebidos, enquanto que
outros, num pequeno número, declararam que não o fariam, o desejando
abandonar o país”
771
. Como exemplo destes últimos, o Embaixador brasileiro
cita Bondino Piergentille, Pierri Civardi, Albino Monteiro e Adolfo Grossmann,
justamente aqueles elencados num pedido de auxílio do Sr. Otávio Chermont
da Costa, endereçado ao Cônsul Geral de Portugal, em Paris. Inclusive, o Sr.
Albino Monteiro havia sido repatriado por uma ação do governo brasileiro,
em 1939, tendo regressado à França posteriormente. Utilizando estas
explicações, o governo brasileiro justifica o seu posicionamento de “decidir que
não mais atenderá a qualquer apelo dos que recalcitraram a desobediência aos
769
Idem.
770
Ofício 78, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 2 de março de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
771
Ofício 62, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 12 de março de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
263
avisos recebidos, porquanto, a sua situação é a prevista conseqüência da
resolução que tomaram
772
, logo encerrando a questão
773
.
Contudo, o exercício desta tarefa, por parte de Portugal, origina um
questionamento relativo ao discernimento de se saber quais eram os cidadãos
brasileiros na Europa em condições de repatriamento. Na existência desta
dúvida, o governo brasileiro encaminha instruções de que isto poderia ocorrer
por meio da troca de cidadãos brasileiros na Europa por cidadãos alemães
ainda residentes no Brasil, caso fossem obedecidas as seguintes regras:
Podem ser incluídos na lista, para os efeitos de
repatriamento, os brasileiros, nascidos no Brasil de pais
alemães, desde que provem, mediante documento
emanado das autoridades militares alemãs, não haverem
prestado serviço militar na Alemanha, devendo outrossim
ser avisados de que todas as despesas de viagem
ficarão a seu cargo, salvo em caso de indigência
774
.
Em abril de 1944, o governo do Brasil decide não mais socorrer
financeiramente os brasileiros que, contrariamente às instruções formais do
governo brasileiro, ainda se mantinham no território alemão ou em regiões
ocupadas pelas forças do Eixo. A partir desta decisão, a Embaixada brasileira
em Lisboa solicita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que este entrasse
em contato com os seus representantes diplomáticos e consulares na Itália,
para que estes pudessem emitir uma lista dos brasileiros, os quais a par da
nova situação desejavam ser repatriados pelo governo brasileiro
775
. Inclusive,
para facilitar este trabalho, o governo brasileiro determina ações no sentido da
realização de um “estudo da lista desses repatriados e as modalidades desta
772
Ofício 78, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 2 de março de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1944.
773
Visando colocar um ponto final na questão, o Embaixador brasileiro informa que “nestas
condições, o governo brasileiro resolveu reembolsar a quantia de 20.000 francos franceses ao
Senhor Cônsul Geral de Portugal em Paris pelas despesas que já fez em benefício dos
internados, mas não concordará com qualquer outro auxílio pecuniário que tenha ligação com
os casos expostos”. Ibidem.
774
Ofício 62, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 12 de março de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
775
Ofício 208, do Embaixador brasileiro em Lisboa, Sr. João Neves da Fontoura, ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros português, em 16 de maio de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano
de 1944.
264
nova troca e, desejaria ele ainda ter conhecimento dos que são brasileiros
natos e manifestam a intenção de fixar residência no Brasil”
776
. Pela
documentação analisada, esta constitui a última ação mais significativa do
governo português no sentido da proteção dos interesses brasileiros no
território da França ocupada.
Na página seguinte, apresenta-se uma tabela contendo indicações
gerais dos assuntos referentes à salvaguarda portuguesa dos interesses
brasileiros no Japão, tendo em vista que os interesses brasileiros neste local
também estavam sob a proteção portuguesa.
Tabela 5.2 – Defesa dos interesses brasileiros no Japão
Ano Assunto
1949 Pedido de informações do japonês Hoshiro Kanamura
1946 Vistos em passaportes brasileiros que regressam ao Brasil
1946 Pedido de informações sobre o paradeiro do japonês Jujiro Montre
1946 Paradeiro de três caixotes do cidadão brasileiro Mario Botelho de
Miranda que ficaram no Consulado do Brasil em Yokoama
1946 Morte do súdito brasileiro Joji Nakamori
1946 Questão de nacionalidade
1946 Vistos de entrada no Brasil para súditos portugueses residentes no
Japão
1949 Concessão de vistos missão comercial japonesa e brasileira
convidada a visitar o Brasil
Fonte: Tabela elaborada a partir das informações constantes na pasta intitulada Interesses
brasileiros no Japão”. M. N. E., 2º piso, Armário 49, Maço 104.
776
Ofício nº 197, do Embaixador brasileiro em Lisboa, Sr. João Neves da Fontoura, ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 17 de agosto de 1944. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano
de 1944.
265
Com relação à defesa dos interesses brasileiros pelo governo português
no Japão, destaca-se que a documentação localizada refere-se a ações
executadas em um momento posterior a 1945; portanto, foge ao período de
análise desta tese. Não obstante, numa caracterização geral, evidencia-se que
o trabalho português abrangeu questões burocráticas, como a concessão de
vistos e informações sobre brasileiros residentes no Japão; em outras palavras,
não diferiu muito daquele realizado na Alemanha e na Itália.
5.3 O pedido de facilidades de passagem a Portugal
Como se observou anteriormente, no aspecto relacionado à guerra, o
governo português desempenhou um importante papel junto à salvaguarda dos
interesses brasileiros nos países do Eixo ou em territórios por eles ocupados,
como exemplo, a França. Todavia, o desenrolar da guerra também originou um
outro tipo de ligação luso-brasileira. Esta se refere à permissão portuguesa
para o desembarque em Lisboa, de material de guerra, proveniente da
Alemanha e com destino ao Brasil. Na verdade, além da permissão para o
desembarque, o governo português também permite o armazenamento
temporário do material de guerra com destino ao Brasil.
Na parte inicial deste capítulo, abordou-se a relação pendular do
governo brasileiro, ora em direção à Alemanha, ora em direção aos Estados
Unidos, até a definição por este último. Entretanto, antes da adoção desta
posição brasileira, cabe destacar que Getúlio Vargas compra armamento da
Alemanha e numa situação contraditória, posteriormente, este material será
utilizado contra a própria Alemanha, no momento seguinte à ação de
afundamento de navios mercantes brasileiros e, notadamente, após a
declaração de guerra do Brasil, em agosto de 1942.
Em setembro de 1940, a Embaixada brasileira em Lisboa entra em
contato com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, visando obter livre
passagem para o material bélico que havia sido comprado da Alemanha,
anteriormente. Diante da aquiescência do governo português, começam as
negociações referentes ao livre trânsito do material. Nesta direção, um ofício do
Embaixador brasileiro, em Lisboa, comunica que “parte do material bélico,
266
vindo da Alemanha, transportando numa primeira composição de 36 vagões,
entrará de um momento para outro pela fronteira de Vilar Formoso, segundo
comunicação telefônica da Embaixada do Brasil em Madrid”
777
.
Em resposta ao ofício recebido, o Ministério dos Negócios Estrangeiros
informa ter emitido instruções às autoridades responsáveis no que se refere às
facilidades para a entrada dos 36 vagões com o material de guerra destinado
ao governo do Brasil. Entretanto, solicita que lhe fosse comunicado, com a
maior brevidade possível, “a data de entrada do restante do material, bem
como as informações que a esse respeito foram solicitadas”
778
. Em
atendimento a esta solicitação, o Embaixador brasileiro esclarece que o
material bélico, com procedência da Alemanha, a ser enviado ao Rio de
Janeiro, era composto por quatro comboios, dos quais:
a) o primeiro (com peso de 120 toneladas
aproximadamente) está parte em Lisboa e pequena
parte (4 vagões) a chegar à fronteira portuguesa de Vilar
Formoso;
b) o segundo (com o mesmo peso aproximadamente), de
cerca de 35 vagões, deverá chegar hoje, 16, a Irun;
c) o terceiro (com o peso de 240 toneladas
aproximadamente), de cerca de 60 vagões, deverá
chegar a Irun
779
mais ou menos a 17 do corrente;
Nenhuma notícia havendo ainda quanto ao quarto e
último
780
.
Com relação ao pedido de passagem do material bélico procedente da
Alemanha, o Embaixador brasileiro ainda demonstra certa preocupação com a
mercadoria que seguiria para o Brasil no vapor Siqueira Campos, em virtude de
um equívoco cometido pela firma expedidora do material, com o esquecimento
da indicação de “mercadoria em trânsito”, porque isto poderia causar prejuízos
777
Ofício 59, do Embaixador brasileiro, Artur Guimarães de Araújo Jorge, ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 7 de outubro de 1940. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
778
Ofício 8, do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Embaixador brasileiro, Artur
Guimarães de Araújo Jorge, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 8 de outubro de
1940. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
779
Como Irum fica na fronteira franco-espanhola (Hendaya), o caminho devia ser via Espanha
(provavelmente Salamanca – Vilar Formoso).
780
Ofício 62, do Embaixador brasileiro, Artur Guimarães de Araújo Jorge, ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 16 de outubro de 1940. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
267
no seu despacho para o Brasil, em regime de trânsito, fato este que leva o
Embaixador a solicitar “que as autoridades aduaneiras competentes fossem
informadas disso e também de que esta deficiência foi sanada em relação
aos três comboios restantes a chegar”
781
.
Passado um período, em fevereiro de 1941, Artur Guimarães de Araújo
Jorge, Embaixador do Brasil em Lisboa, cumprindo instruções recebidas do
governo brasileiro, volta a solicitar autorização e providências das autoridades
portuguesas para “a livre entrada e facilidades de trânsito no território
português para 44 (quarenta e quatro) caixas com a marca ‘H.P.T. – F.I.’,
procedentes de Gênova, e 35 (trinta e cinco) caixas procedentes de Berlim,
contendo maquinário fotográfica”
782
. Este material seria utilizado na fabricação
de armas portáteis e destinado à fábrica de Itajubá, em Minas Gerais.
De acordo com o ofício do Embaixador brasileiro, caso o governo
português permitisse, as primeiras 44 caixas entrariam em território luso pela
fronteira de Fuentes de Oñoro Vilar Formoso e as 35 demais, pela fronteira
de Valência de Alcântara. Diante desse pedido, o governo português,
novamente, concede as facilidades solicitadas pelo Embaixador brasileiro.
Outro aspecto da ligação luso-brasileira por ocasião da Segunda Guerra
Mundial consiste na permissão portuguesa para o trânsito, por Lisboa, de um
grupo de oficiais aviadores brasileiros, em outubro de 1943
783
. O governo
português havia estabelecido esta concessão desde que os oficiais brasileiros
“tanto quanto lhes permitem as condições da viagem aérea, façam uso de
trajes civis”
784
.
Desse modo, conclui-se que a amizade luso-brasileira além de ter
favorecido a defesa dos interesses brasileiros junto aos países do Eixo ou
781
Ofício 64, do Embaixador brasileiro, Artur Guimarães de Araújo Jorge, ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 18 de outubro de 1940. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
782
Ofício 8, do Embaixador brasileiro, Artur Guimarães de Araújo Jorge, ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em 22 de fevereiro de 1941. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
783
Os oficiais aviadores brasileiros sairiam do Rio de Janeiro, via Lagos, e tinham como destino
a cidade de Londres. Ofício 197, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 30 de outubro de 1943. A. H. I. Pasta de
Ofícios, ano de 1943.
784
Ofício 197, da Embaixada brasileira em Lisboa ao Presidente do Conselho e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, em 30 de outubro de 1943. A. H. I. Pasta de Ofícios, ano de 1943.
268
ocupado por eles também permitiu ao governo brasileiro um ponto de apoio
no continente europeu, no que respeita às questões relacionadas ao avançar
da guerra.
5.4 A formação e a visita de um contingente da Força Expedicionária
Brasileira a Portugal
Após a ruptura das relações diplomáticas e a declaração de guerra do
Brasil à Alemanha e à Itália em janeiro e agosto de 1942, respectivamente
o governo brasileiro alinha-se aos Estados Unidos e assume uma posição mais
efetiva no conflito, no momento em que envia soldados brasileiros
denominados de “pracinhas”
785
de guerra pela imprensa brasileira à Itália,
para lutarem ao lado das tropas aliadas. Não obstante, entre a declaração de
guerra, processada pelo governo brasileiro, e o envio dos expedicionários
brasileiros ao front italiano evidenciaram-se muitos acontecimentos.
Neste assunto, um ponto digno de menção diz respeito aos esforços dos
generais Góis Monteiro e Gaspar Dutra, no sentido de evitar o rompimento das
relações brasileiras com a Alemanha e a Itália. Estes, todavia, diante do
afundamento dos navios mercantes brasileiros e do clamor da população em
prol de uma resposta brasileira à altura, tornaram-se em vão
786
. Não obstante,
há que se destacar que a preocupação da ala militar governista tinha sua razão
de ser, afinal, o Exército brasileiro não apresentava condições para fazer parte
de uma guerra, tendo em vista que faltava pessoal, experiência, treinamento,
armamento, entre outras dificuldades.
785
Sobre a origem do termo “pracinhas”, Luciana dos Santos informa que “os que embarcariam
para a Europa foram chamados de ‘pracinhaspela imprensa e passaram a ser objeto de culto
pelo movimento patriótico e anti-fascista, que apoiava suas ões como exemplo para o povo”.
SANTOS, Luciana Ibarra dos. algo de novo no front: a participação do Brasil na segunda
Guerra Mundial. Porto Alegre: Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em
História da PUCRS, 2006, p. 53.
786
Com relação à falta de participação das Forças Armadas do Brasil nos processos decisórios
relativos à guerra, o historiador Hélio Silva, fazendo referência a uma carta do Ministro da
Guerra ao presidente Getúlio Vargas, informa que “no concernente à decisiva questão de
ruptura das relações, de que decorria a conclusão, indesbordável da guerra nenhuma
contribuição foi requerida, nem sequer aviso a respeito lhe foi endereçado, enquanto justo
fosse seu interesse em matéria de tanta monta”. SILVA, Hélio. 1942 Guerra no continente.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p. 202.
269
Como se pode deduzir, estes problemas brasileiros o escapavam à
atenção norte-americana, a qual demonstrava grande preocupação frente à
falta de defesa da costa brasileira
787
. Além disso, desde julho de 1941, o Brasil
havia assinado um acordo com os Estados Unidos, regulamentando o
trabalho de uma Comissão Mista envolvendo o Brasil e os Estados Unidos,
visando à ajuda brasileira na defesa comum do continente americano por meio
da construção de bases reas e navais as quais poderiam ser utilizadas por
outras Repúblicas americanas, leia-se Estados Unidos sendo que, em troca,
o governo americano se comprometia a ajudar o Brasil na obtenção de armas e
outros meios materiais, bem como garantia o fornecimento de técnicos
necessários para o país
788
. O que o governo dos Estados Unidos não contava
é que, com base nesse acordo, em março de 1943, o presidente brasileiro
apresentaria a possibilidade de o país colaborar com a guerra por meio da
criação de uma Força Expedicionária Brasileira (FEB)
789
. Neste sentido, esta é
pensada por Vargas como um projeto que, além de fortalecer as Forças
Armadas brasileiras, iria consagrar ao país um importante espaço junto à
América Latina e resultaria, ainda, em voz ativa ao Brasil dentro do cenário de
paz após o término do conflito; em outras palavras, a formação da FEB
constituía-se muito mais num jogo de manipulação política do governo Vargas
e uma forma de fortalecimento das forças armadas do Brasil. Inclusive, neste
ponto, concorda-se com Gerson Moura, quando afirma que a FEB constituiu-se
a partir de uma exigência do governo brasileiro junto aos Estados Unidos, a
qual Vargas trataria de tirar o máximo de proveito próprio
790
.
Desse modo, a FEB formou-se em 1943
791
; diferia do Exército
profissionalizado, pois se constituía de um contingente improvisado, formado
por um pessoal voluntariado, com idade entre 18 e 30 anos, recrutado das
787
Idem, p. 50.
788
Ibidem, p. 66.
789
Sobre o processo de formação da FEB, consultar: SANTOS, Luciana Ibarra dos. algo de
novo no front: a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Op. cit., pp. 45-57.
790
MOURA, Gerson. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil antes e após a
Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 27.
791
Com base na Resolução 16, de 11 de agosto de 1943, a FEB seria composta por três
divisões cada uma com aproximadamente 30 mil homens e, também, por uma pequena
270
camadas mais simples da população, tendo em vista que “o grosso da tropa
enviada [era] composto de civis”
792
. Além disso, “a grande maioria do
voluntariado era formada por analfabetos, trabalhadores do campo, operários,
comerciários e funcionários públicos com curso primário ou ginasial”
793
.
Apesar de toda a descrença no deslocamento da FEB
794
, no dia 30 de
junho de 1944, sob o comando do General João Batista Mascarenhas de
Moraes, o primeiro regimento de expedicionários brasileiros embarcam, rumo à
Itália, para lutar ao lado das tropas americanas. Assim, o Brasil enviou à Itália
25.334 homens. Destes, o número de 15.069 corresponde “à tropa que
realmente entrou em ação de combate, ficando o restante pelos órgãos não
divisionários e Depósito de Pessoal”
795
. Após a sua chegada à Itália, os
pracinhas brasileiros foram incorporados ao V exército norte-americano, sob o
comando do General Mark Clark e incluídos nos quadros do IV Corpo de
Exército, cujo comando estava sob a responsabilidade do General Willis
Crittenberger. Na Itália, a FEB participou de forma ativa nas operações de
guerra em prol da conquista dos Apeninos, uma cadeia montanhosa localizada
no norte da Itália
796
, no período de 6 de setembro de 1944 até 2 de maio de
1945
797
, no momento em que, terminado o conflito, iniciava-se o regresso das
tropas brasileiras
798
.
divisão aérea. Ademais, teria como orientação os padrões estabelecidos pela organização
militar dos Estados Unidos, ficando sob a direção do alto comando americano.
792
NEVES, Luís Felipe da Silva. A Força Expedicionária Brasileira: uma perspectiva histórica.
Op. cit.
793
SANTOS, Luciana Ibarra dos. Há algo de novo no front: a participação do Brasil na Segunda
Guerra Mundial. Op. cit., pp. 54-55.
794
O descrédito na partida da FEB à Itália originou uma série de anedotas como justificativas;
por exemplo, “A F.E.B. não partirá. Não partirá porque o seu comandante é DE MORAIS; o
comandante da Infantaria é da COSTA; e o comandante da Artilharia é CORDEIRO, isto é, não
é de briga”. HENRIQUES, Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1959, 31. Os grifos constam no original.
795
COSTA, Octavio. Cinqüenta anos depois da volta. 3. ed. Rio de Janeiro: Expressão e
Cultura, 1995, 47. Sobre as perdas humanas, o autor relata que perdemos 451 combatentes,
tivemos 1.577 feridos e 1.145 acidentados, além de 58 extraviados; dos quais 35 caíram
prisioneiros dos alemães”. Idem.
796
Este local constituía-se em ponto estratégico, pois viabilizava o acesso aos vales dos rios
Reno e Pó.
797
Sobre a atuação da FEB na Itália, entre outros, ver: SILVA, Hélio. 1944O Brasil na guerra.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974; CARVALHO, Estevão Leitão de. A serviço do Brasil
na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: A Noite, 1952; FALCÃO, João. O Brasil e a
Segunda Guerra Mundial: testemunho e depoimento de um soldado convocado. Brasília:
271
Diante do conturbado clima do pós-guerra, o Presidente do Conselho
português, Antônio de Oliveira Salazar, adota uma estratégia interessante para
distrair a atenção portuguesa naquele momento em que os governos
autoritários estavam em xeque, bem como “se congraçar com os
vencedores”
799
. Nesta direção, Salazar encaminha uma tarefa ao Embaixador
luso no Rio de Janeiro: este deveria negociar com o Ministro das Relações
Exteriores do Brasil a permissão para a escala de um contingente da FEB, em
Lisboa, por ocasião do seu regresso ao solo brasileiro. Entretanto, a mudança
na pasta da Guerra – motivada pela saída do General Dutra – e a sua posterior
substituição pelo General Góis Monteiro, estavam concentrando a atenção do
governo brasileiro, o que dificultou um entendimento e resposta imediata à
solicitação portuguesa.
A idéia inicial do governo português consistia na visita, à capital
portuguesa, de um dos contingentes da FEB, por ocasião de sua viagem de
regresso ao Brasil. Desse modo, os integrantes brasileiros iriam desfilar em
lugar de honra, no dia 14 de agosto, dentro das atividades de comemorações
do aniversário da Batalha de Aljubarrota
800
. Para tanto, Salazar tenta antecipar
a saída das tropas brasileiras da Itália, argumentando que na “data prevista
para [a] saída [de] Nápoles, do [vapor] Duque de Caxias, a cerca [do dia] 12 do
corrente, talvez fosse possível avançar 2 ou 3 dias [a] viagem de maneira a
estarem aqui dia 14”
801
. Inclusive, o interesse português na escala de um
contingente da FEB em Lisboa é tão forte que, diante da impossibilidade das
tropas brasileiras chegarem a Portugal até a data do dia 14 de agosto, Salazar
se apressa em justificar que “se [a] referida data [for] impraticável receberemos
[em] qualquer outro dia aquelas tropas sempre com o mesmo fraternal espírito
Editora da UnB, 1999; NEVES, Luís Felipe da Silva. A Força Expedicionária Brasileira: uma
perspectiva histórica. Rio de Janeiro: UFRJ, Dissertação de Mestrado, 1992; HENRIQUES,
Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Op. cit.
798
Em 18 de julho de 1945, chegavam ao Rio de Janeiro os primeiros 4.931 pracinhas de
guerra.
799
Jornal A Imprensa, Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1945, p. 4.
800
A Batalha de Aljubarrota ocorreu em agosto de 1385 e opôs tropas portuguesas, sob o
comando de D. João I e de D. Nuno Álvares Pereira, ao exército castelhano de D. Juan I, de
Castela. A derrota dos castelhanos pôs fim à crise de 1383-1385 e resultou na consolidação de
D. João I como rei de Portugal.
801
Telegrama nº 69, do Ministro dos Negócios Estrangeiros à Embaixada portuguesa em
Nápoles, em 4 de agosto de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
272
[de] hospitalidade”
802
, ou seja, o que importava era a presença de um grupo de
expedicionários em Portugal e os frutos que Portugal poderia colher deste
acontecimento.
Após o aceite do governo brasileiro ao convite feito pelo Embaixador
português, faltava a definição com referência ao contingente que iria tomar
parte nas comemorações portuguesas. Quanto a este ponto, “às forças a
serem embarcadas nos vapores ‘Pedro I’ e ‘Pedro II’, havia dificuldades
técnicas, que as autoridades competentes estavam a examinar”
803
. Diante
desta dificuldade, “outra possibilidade, era a de fazer escalar em Lisboa um
transporte norte-americano, conduzindo tropas do mesmo Corpo
Expedicionário”
804
. No caso, pensava-se no transporte norte-americano
“General Meigh”, que conduzia aproximadamente 5 mil expedicionários, o qual
tinha previsão de sair de Nápoles nos primeiros dias de agosto.
A par destas indefinições, Salazar empenha-se em saber não somente
qual seria a embarcação que faria escala em Lisboa como, ainda, a data da
sua chegada à capital portuguesa, como comprova o seu telegrama ao
Embaixador português no Vaticano, onde ele menciona que “muito [me]
interessava saber urgentemente quando intenção [de] fazer partir [as] forças
expedicionárias brasileiras em direção [a] Lisboa
805
.
Os preparativos para a recepção de um dos contingentes das tropas
brasileiras da FEB, em Lisboa, são intensos, o que denota a importância do
evento para o governo português. Nesta direção, os principais periódicos de
Lisboa, notadamente, o Diário de Notícias evidenciando os interesses do
governo português –, estampam em suas primeiras páginas a notícia da visita
da FEB a Portugal, tanto que, vários dias antes da parada militar, a qual estava
programada para o dia 3 de setembro, os jornais divulgam o seguinte convite:
802
Idem.
803
Ofício 185, do Presidente do Conselho ao Embaixador português, no Rio de Janeiro, em
28 de julho de 1945. M. N. E., piso, Armário 48, Maço 210. No caso “das dificuldades
técnicas” do Pedro II, estas se relacionavam ao fato do vapor conduzir muitos soldados feridos
em decorrência da guerra.
804
Ofício 185, do Presidente do Conselho ao Embaixador português, no Rio de Janeiro, em
28 de julho de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
805
Telegrama 41 do Presidente do Conselho, à Embaixada de Portugal no Vaticano, em 10
de agosto de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
273
A União Nacional, a Legião Portuguesa, a Comissão
Central das Juntas de Freguesia, a Liga 28 de Maio e os
Sindicatos Nacionais, convidam todos os seus associados
e o povo da capital a assistirem, na próxima segunda-feira,
às 10 horas, na Avenida da Liberdade, ao desfile dos
heróicos soldados da nobre Nação Brasileira e dos
contingentes das unidades do glorioso Exército
Português
806
.
Para facilitar o acompanhamento do desfile de um dos contingentes das
tropas brasileiras, o Subsecretariado de Estado das Corporações e Previdência
Social determinou o fechamento de todas as repartições públicas e dos
estabelecimentos industriais e comerciais até as 14 horas do dia 3 de setembro
data este em que desfilariam os brasileiros –, fato este que foi amplamente
divulgado pelos jornais lisboetas, notadamente, aqueles diretamente ligados ao
governo português
807
. O empenho do governo português na recepção aos
expedicionários da FEB foi tanto que o Ministro da Guerra chegou a nomear
uma comissão para elaborar um roteiro e acompanhar a visita dos
expedicionários brasileiros a Lisboa. Esta era constituída pelos Srs. Faro Viana,
chefe do Gabinete do Ministério da Guerra, Esmeraldo Carvalhais, chefe do
Protocolo do mencionado Ministério, Cel. Joviano Lopes e os capitães Mateus
Cabral, Faria Real e Tassara Machado
808
.
Sobre a participação do Brasil no desfile militar ocorrido no dia 3 de
setembro, os jornais portugueses são unânimes em relatá-lo em minúcias,
sempre evidenciando a euforia, a alegria e os aplausos do povo português
diante de tal acontecimento, ou seja, evidenciam uma visão laudatória do
regime salazarista, como bem atesta o periódico Diário de Lisboa:
806
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 1º de setembro de 1945, p. 1.
807
Sobre o fechamento dos estabelecimentos industriais e comerciais até as 14 horas do dia 3
de setembro e a forma de recuperação deste horário de trabalho, o jornal Diário de Notícias
informa que “determina-se, nos termos do art. do 19º do Decreto 24.402, que os
estabelecimentos industriais e comerciais encerrem até as 14 horas do dia 3 de setembro.
Ficam desde autorizados: a) os estabelecimentos comerciais a encerrarem às 20 horas no
dia do desfile; b) os estabelecimentos industriais a laborarem nesse dia até as 19 horas e por
mais uma hora em cada um dos três primeiros dias seguintes. O referido trabalho não é
considerado extraordinário para os efeitos legais”. Jornal Diário de Notícias, em 2 de setembro
de 1945, p. 1.
808
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 1º de setembro de 1945, p. 1.
274
...ouve-se um vendaval de aclamações, de vivas
delirantes, que aumenta e se espraia a cada passo da
marcha da banda magnífica do batalhão brasileiro, 120
figuras; e das frações desse mesmo batalhão, 1.300
homens, em passo impecável, marcial, impressionante
de garbo e de aprumo. Se o povo os cobre de palmas, de
flores os cobrem as muitas centenas de senhoras que,
assim, dos talhões de convidados, se associam à grande
alegria da multidão.
O desfile de cada um dos pelotões das várias
companhias desse batalhão ensejo a manifestações
delirantes do amor de Portugal ao Brasil
809
.
A foto, apresentada na página seguinte, ilustra o contingente da Força
Expedicionária Brasileira em desfile, na capital portuguesa.
As tropas brasileiras desfilando ante a tribuna presidencial na Avenida da Liberdade
810
.
809
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 4 de setembro de 1945, p. 2. Sobre o desfile, o jornal
ainda relata que este “durou três horas três horas de vibrante entusiasmo popular tomaram
parte 10.649 homens, assim distribuídos pela várias unidades: 955 de Infantaria 1, de Lisboa,
com banda; 722 de Infantaria 5, das Caldas; 722 de Infantaria 11, de Setúbal; 955 da Escola
Prática de Infantaria, de Mafra; 722 de Infantaria 15, de Tomar; 722 de Infantaria 16, de Évora;
722 de Caçadores 5; 700 de Metralhadoras 1; 273 do Batalhão de Engenhos; 416 de Artilharia
contra aeronaves, que só por si ocupa um quilômetro em formatura; 280 de cavalaria 2; 190 de
Cavalaria 7; 540 da Escola Prática de Cavalaria 4; 647 de Engenharia 2; 139 do Batalhão de
Telegrafistas; 647 de Sapadores de Caminhos de Ferro e 198 do Trem Automóvel”.
275
Após o desfile em lugar de honra junto aos camaradas portugueses, no
dia 3 de setembro, as forças expedicionárias brasileiras também participaram
de atividades como a condecoração da bandeira brasileira, com a medalha de
ouro e de um banquete oferecido pelo Chefe de Estado português, no Palácio
de Belém, momento em que os militares brasileiros foram condecorados.
Inclusive, há a sugestão para que estas atividades tenham prosseguimento no
Brasil, pois “tendo [o] Chefe [de] Estado condecorado Sr. General Góis
Monteiro com [a] Grã Cruz [da] Ordem Militar [de] Aviz, [a] entrega [de]
insígnias poderia talvez ser feita [em] sessão solene [no] Gabinete Português
de Leitura”
811
.
O envolvimento do governo português em tal empreendimento foi tanto
que, no dia seguinte às atividades e ao desfile das tropas brasileiras, em
Lisboa, o jornal Diário de Notícias traz estampado na sua primeira página, a
seguinte notícia:
Apelo ao povo de Lisboa
Partindo hoje, às 14h e 30 min, de regresso ao Rio de
Janeiro, o navio transporte “Duque de Caxias”, é dever
do povo português acorrer ao cais do Entreposto Central,
ao lado da estação do Sul e Sueste, a fim de prestar ao
contingente brasileiro a homenagem calorosa de
entusiasmo que merecem esses bravos e heróicos
combatentes que honraram na Europa o nome da sua
Pátria.
O povo de Lisboa, que ontem envolveu uma apoteótica
manifestação às tropas brasileiras em parada, deverá
manifestar-lhes hoje, à sua partida, a expressão sincera e
calorosa da sua fraternidade e da sua solidariedade.
Acorrendo ao cais do Entreposto Central, saudando a
bandeira auri-verde, que se cobriu de glória nos campos
de batalha da Europa, aclamando os soldados do País
irmão, a população de Lisboa, capital do Império,
cumprirá, uma vez mais, o seu dever
812
.
810
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 4 de setembro de 1945, p. 1.
811
Telegrama de Marcelo Mathias para o Dr. Souza Batista Gabinete Português de Leitura.
M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
812
Jornal Diário de Notícias, em 4 de setembro de 1945, p. 1. O grifo consta no original.
276
A apresentação desta primeira página do jornal Diário de Notícias, em 4
de setembro, permite a execução de uma relação direta entre os anseios do
governo e suas pretensões, afinal, o “apelo ao povo de Lisboa” foi colocado
logo abaixo de uma foto de Salazar e o comandante da FEB, coronel rio
Travassos, numa menção clara de união, fraternidade entre os dois países.
Aliás, o artigo “A fraternidade de dois povos nunca esteve como ontem”
também deixa transparecer este aspecto ao destacar a importância de um
contingente da FEB, em Portugal, evidenciando que “esse dia, na história na
amizade luso-brasileira, ficará marcado, para sempre, com indeléveis letras de
ouro”
813
.
Cel. Mário Travassos, comandante da FEB, com Dr. Oliveira Salazar
814
.
Passados dois dias, após inúmeras festividades as quais não se
restringiram somente ao desfile –, em 4 de setembro, o contingente das forças
expedicionárias brasileiras, constituído por 162 oficiais e 1636 soldados e
sargentos, despede-se de Portugal e continua a sua viagem de retorno ao
813
Idem.
814
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 4 de setembro de 1945, p. 1.
277
Brasil. Contudo, mediante o forte apelo do governo português, a saída dos
expedicionários reveste-se, novamente, como um momento de forte comoção
nacional, pois “quando, efetivamente, o ‘Duque de Caxias’ se afastou,
vagarosamente, do cais do Entreposto Colonial, o momento foi belo e
impressionante, como nenhum outro das suas jornadas em Portugal”
815
, como
deixa transparecer a imagem a segui:
Despedida às tropas brasileiras no cais, em Lisboa
816
.
No entanto, o que os jornais portugueses não evidenciam em razão, é
claro, da falta de liberdade de imprensa é que o delírio do povo português
mediante o desfile de um dos contingentes da FEB representava, também, a
voz contrária à manutenção do regime salazarista, pois “o povo que veio à rua
saudar os soldados do Brasil que voltavam após vencer fascistas é um povo
anti-salazarista”
817
.
815
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 5 de setembro de 1945, p. 1.
816
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 5 de setembro de 1945, p. 1.
817
Jornal Hoje, São Paulo, em 9 de novembro de 1945, p. 2.
278
A passagem das tropas brasileiras por Lisboa ocasionou a troca de
telegramas por parte dos presidentes português e brasileiro. Do lado luso, o
General Carmona escreveu:
No momento em que as vitoriosas tropas brasileiras,
regressadas dos campos de batalha da Europa, desfilam
em Lisboa entre os seus camaradas portugueses, sob
apoteóticas aclamações, apresento a V. Exa. os meus
agradecimentos por este momento de inolvidável
confraternização dos dois Exércitos, tão fraternal e
intimamente ligados pelas mesmas heróicas tradições
[...]
818
.
Do lado brasileiro, o presidente Getúlio Vargas emitiu um telegrama
endereçado ao presidente da República Portuguesa, General Carmona,
“agradecendo as carinhosas homenagens do governo e do nobre povo
português, prestadas aos soldados da força expedicionária brasileira”
819
.
Não obstante, homenagens e agradecimentos à parte, o que interessa
na análise deste ponto do trabalho é a relação direta entre a visita da FEB a
Portugal e suas conseqüências nas relações luso-brasileiras. Nesta direção,
não deixa de ser contraditório o desfile de um contingente das tropas
brasileiras que haviam lutado em prol do fim da ditadura fascista na Itália
em plena Avenida da Liberdade, em Lisboa, em meio à euforia da vitória da
democracia, justamente em um país onde imperava a falta de liberdade e
prevalecia a existência de um regime de características totalitárias.
É claro, o fato teve sua razão de ser, pois com o término da Segunda
Guerra Mundial, questões relacionadas à manutenção do regime salazarista
vieram à tona e Portugal como ainda mantinha e iria conservar por um longo
período o seu Estado Novo, tratava de executar políticas que amenizassem
este quadro, como foi o caso da presença da FEB, em Lisboa. Em um segundo
momento cabe ressaltar, também, que a providencial visita de um contingente
dos expedicionários a Lisboa foi estrategicamente utilizada pelo governo
português para reafirmar os laços de união luso-brasileiros, afinal, “a presença
dos combatentes brasileiros em Lisboa corresponde, na sua clara significação,
818
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 7 de setembro de 1945, p. 1.
819
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 7 de setembro de 1945, p. 1.
279
a um momento incomparável na história das relações luso-brasileiras”
820
, como
o governo português destacou. Nesta direção, um telegrama de Salazar para o
Embaixador português em Roma comprova as intenções deste segundo
aspecto, tendo em vista que a incorporação de um contingente das forças
expedicionárias no desfile em Lisboa “e [as] afirmações [nos] discursos
proferidos [no] almoço do Chefe de Estado podem ter muita importância para
[o] futuro [da] política ao menos afetiva entre as duas nações”
821
.
Por outro lado, a visita de um dos contingentes das forças
expedicionárias brasileiras à capital portuguesa, por ocasião do término da
guerra, também irá originar críticas quanto à manutenção do Estado Novo
português a exemplo do que ocorrerá no Brasil, afinal, a FEB havia lutado na
Itália, contra o fascismo. É claro, com todo o controle do SPN, a imprensa
portuguesa tratou de coibir tais manifestações. Todavia, apesar “de uma
imprensa amarrada, de milhares nas cadeias tenebrosas, nas ilhas, presídios
que são cemitérios, certas verdades, proclamadas no mundo, penetram em
Portugal”
822
e, talvez, o expressivo mero de pessoas prestigiando o desfile
da FEB constitua a comprovação desta afirmação.
Além disso, a luta da força expedicionária brasileira na Itália pelo fim do
fascismo europeu ocasiona, no Brasil, a difusão do discurso anti-fascista.
Assim, a volta dos expedicionários brasileiros é entendida “pelos opositores do
Estado Novo brasileiro como um marco para o fim da ditadura de Vargas, e é,
de igual forma, aproveitada pela oposição anti-salazarista”
823
, tanto que alguns
jornais publicam textos ressaltando que “o povo português prestou, em nossos
pracinhas, uma delirante manifestação de adesão ao Brasil e de repulsa ao
salazarismo. Nossos soldados chegaram ao Rio com os bolsos recheados de
820
Jornal Diário de Notícias, Lisboa, em 1º de setembro de 1945, p. 1.
821
Telegrama nº 46, do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal à Legação de Portugal
em Roma, em 3 de setembro de 1945. M. N. E., piso, Armário 48, Maço 210. Neste mesmo
telegrama, Salazar faz referência ao fato de estar “satisfeito por ter sido possível levar a cabo
estes atos, contrariados pela intriga dos inimigos que a levaram mesmo [até] o Rio, embora
sem resultado”.
822
Jornal Hoje, São Paulo, em 9 de novembro de 1945, p. 2.
823
PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal – A colônia portuguesa do Brasil e o Salazarismo.
Op. cit., p. 539.
280
manifestos contra o ditador português”
824
. Aliás, no Brasil, desde o ano de
1944, membros pertencentes e/ou ligados à colônia portuguesa no país, em
face de uma atuação bem mais flexível do DIP, aproveitaram o momento e
passaram a tecer fortes críticas à continuidade do regime salazarista em
Portugal, como é o caso do artigo “A vez de Portugal”, publicado na revista
semanal Ilustração, texto em que se exprime a esperança do abandono à
“incômoda bagagem corporativista, em hora importada pelo Estado Novo
de Salazar dos armazéns de Mussolini”
825
.
Com o passar do tempo, notadamente com a perda ou pelo menos
limitação de controle do DIP sobre a imprensa brasileira, a oposição ao
salazarismo aumenta no Brasil. Nesta nova atmosfera política origina-se, por
exemplo, a Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa, a qual, além de
criticar a manutenção de um regime autoritário em Portugal, afirma que as
relações luso-brasileiras se acham “perigosamente ameaçadas pela tendência
fascista do governo português”
826
. Esta questão torna-se ainda mais delicada
em virtude de um manifesto que a referida Sociedade publica em alguns jornais
do Rio de Janeiro, criticando a falta de solidariedade dos brasileiros aos
portugueses que lutam pela volta da democracia portuguesa
827
. Na visão do
Embaixador, mais grave ainda é o expressivo mero de intelectuais,
professores e distintas personalidades brasileiras que assinam o manifesto:
Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Caio Prado Júnior, João Mangabeira de
Holanda, Hermes Lima, Carlos Drummond de Andrade, Joracy Camargo,
Oscar Niemeyer, Raimundo Magalhães Júnior, Guilherme Figueiredo,
Raimundo Sousa Dantas, entre outros
828
.
Desse modo, com o término da guerra se aproximando, os portugueses
ligados ao anti-fascismo ocuparão cada vez mais as páginas dos periódicos
brasileiros, agindo contra a manutenção do regime salazarista em Portugal.
824
Jornal A Imprensa, Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1945, p. 4.
825
Anexo ao Ofício 503, do Consulado de Portugal em São Paulo ao Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 23 de junho de 1944. M. N. E., 2º piso, Armário 48, Maço 210.
826
Telegrama nº 207, do Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros em 28 de agosto de 1945. M.N.E., 2º piso, Armário 47, Maço 126.
827
De acordo com o manifesto da Sociedade, “a causa da democracia portuguesa é sob este
aspecto uma causa brasileira”. O aspecto referido diz respeito à fraternidade luso-brasileira.
281
Este movimento, muitas vezes, associar-se-á ao Movimento de Unidade
Nacional Anti-Fascista (MUNAF)
829
, o qual tem o início de suas atividades em
dezembro de 1943. Em contrapartida, o jornal Brasil-Portugal, de Viriato
Vargas, irmão do presidente, inúmeras vezes assumirá a defesa do regime
salazarista no Brasil ou colaborará para esta ao criticar a ação de alguns
exilados políticos portugueses, considerando-os “impatriotas” ou, até mesmo,
ao publicar artigos que refutem uma imagem negativa do governo português
como é o caso daquele em que acusam “o governo português de ter inúmeros
presos políticos sofrendo as torturas do cárcere. Ontem, a Emissora Nacional
de Lisboa deu conta pública desses detidos postos em liberdade e que nem a
setenta chegavam”
830
. Entretanto, em Portugal, o Estado Novo durará até abril
de 1974; já o seu congênere, no Brasil, estava com os seus dias contados.
5.5 As repercussões do término da Segunda Guerra Mundial para o Brasil
e para as relações luso-brasileiras
Com o passar do tempo e a aproximação do término da guerra
aumentam as reações contrárias à manutenção do Estado Novo no Brasil.
Associa-se a isto o fato de que o governo brasileiro, ao enviar tropas (FEB)
para lutar na guerra ao lado dos aliados, contra a difusão do fascismo na
Europa, ocasiona, no país, uma situação contraditória, pois externamente o
Brasil lutava pela democracia, entretanto, internamente, vivenciava a execução
do regime ditatorial de Getúlio Vargas. Esta situação agravou-se ainda mais
com o desembarque dos pracinhas de guerra e as festividades ocorridas para a
coroação deste momento histórico. Leôncio Basbaum, com muita propriedade,
explora a relação entre a volta desses pracinhas e o fim do Estado Novo
brasileiro ao afirmar que:
828
Idem.
829
Sobre o assunto, ver: RABY, Dawn Linda. A resistência antifascista em Portugal. Lisboa:
Salamandra, 1980.
830
Jornal Brasil-Portugal, Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 1945, p. 2. Com referência ao
assunto da prisão de inúmeros presos políticos, o jornal ainda justifica a prisão de muitos com
a desculpa nada convincente de que “não quis o governo libertar porque estão presos pelo
bonito feito de, tomando como pretexto uma revolução, tentarem alcançar a barra de Lisboa,
fugindo com barcos de guerra lusos para os entregar nas mãos de comunistas em guerra,
então, com a Espanha”.
282
No segundo semestre de 45, terminada a guerra,
começam a regressar em escalões sucessivos, os
soldados brasileiros. Sua chegada constituía, de cada
vez, apoteose cívica. Festejava-se não apenas a vitória
das forças das Nações Unidas e a derrota do nazi-
fascismo. Festejava-se também um enterro. Entre
foguetes, gritos e canções patrióticas, desfilava também
um cadáver: o da ditadura. O que restava ainda no
governo era apenas uma sombra que o morto não havia
largado, mas que não tardaria a segui-lo
831
.
Como fica claro, com o fim do conflito mundial, em 1945, e a vitória dos
aliados, Getúlio Vargas começa a sentir a força das oposições, pois “as
contradições do Estado Novo, um regime internamente autoritário e
externamente favorável à democracia, tornaram-se explícitas e isto
enfraqueceu o prestígio do ‘ditador’ que passou a ser alvo de oposição
sistemática”
832
. Desse modo, com o término da Segunda Guerra Mundial, a
oposição ganhará corpo e vencerá no momento em que os próprios alicerces
do regime evidenciarem todas as suas fissuras, em outras palavras, a falta de
apoio dos generais Eurico Gaspar Dutra (ministro da Guerra de Getúlio e
possível candidato à sucessão presidencial brasileira) e Góis Monteiro que,
após reunião no Ministério da Guerra, enviam tanques da Vila Militar com
destino ao Palácio da Guanabara, visando a deposição do presidente Getúlio
Vargas. E essa ocorre em 31 de outubro de 1945
833
. Assim, termina o Estado
Novo no Brasil, fato que, em decorrência dos últimos acontecimentos no país,
não originou nenhuma grande surpresa, afinal, os mais importantes alicerces
do regime há muito tempo demonstravam grandes desgastes. Entretanto,
ressalta-se que o fim da experiência estadonovista brasileira foi noticiada ao
governo português imediatamente, por telegrama, e com riquezas de detalhes,
como se constata a seguir:
831
BASBAUM, Leôncio.História sincera da República – de 1930 a 1960. 6. ed. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1991, p. 131.
832
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Estado Novo: o que
trouxe de novo? Op. cit., p. 136.
833
Após a deposição de Getúlio Vargas, ele segue num avião militar para São Borja (estância
Itu), sua terra natal; lá permanecerá por quatro anos, numa espécie de exílio voluntário, quando
283
Quando segunda-feira à tarde se tornou pública [a]
nomeação [do] Chefe de Polícia Benjamin Vargas, [o]
General Góis Monteiro enviou [uma] carta ao Presidente
Getúlio Vargas pedindo sua demissão [como] Ministro da
Guerra. Todos os generais procuraram imediatamente
Góis Monteiro e pediram-lhe [que] permanecesse à frente
[das] forças armadas como Chefe do Exército Brasileiro.
Este aquiesceu e designou, imediatamente, Chefe do
Estado maior, [o] General Cordeiro Farias. Às vinte horas
foi dada ordem para tropas saírem para ocupar posições
que previamente lhes haviam sido fixadas. Às 21 horas e
meia [os] Generais Cordeiro Farias, Firmo Freire e
Ministro da Justiça Agamenon Magalhães, dirigiram-se
ao Palácio Guanabara e comunicaram a Getúlio Vargas
[a] decisão de classes armadas e em nome destas apelar
[ao] espírito de renuncia e patriotismo para evitar [o]
derramamento de sangue, pois não desejavam ter de
recorrer à luta. Getúlio Vargas acedeu declarando [estar]
pronto [para] entregar [a] chefia da Nação ao Presidente
do Supremo Tribunal Federal. Às duas horas [da]
madrugada uma comissão de generais e almirantes
procurou em sua casa José Linhares, Presidente do
Supremo Tribunal Federal, afim de convidá-lo a assumir
[a] Presidência da República. Ele contestou que não
podia aceitar sem consultar os colegas magistrados.
Após rápidas consultas telefônicas e obtidas respostas
unânimes afirmativas declarou que aceitava, partindo
imediatamente para o Ministério da Guerra, onde o
aguardavam Ministro da Guerra e todas [as] altas
patentes do Exército, entre elas, o Brigadeiro Gomes [...].
José Linhares respondeu: “Em virtude dos graves
acontecimentos políticos que agitam no momento os
destinos do país e na qualidade de Presidente do
Supremo Tribunal Federal assumo com o apoio das
forças armadas a Presidência da República esperando
corresponder pelos meus atos a tão alta investidura [...]”.
Não me consta alteração da ordem pública em qualquer
parte do país
834
.
Com relação a este assunto, concorda-se com o artigo publicado no
jornal A Imprensa, o qual menciona que Portugal constituiu o caso onde a
retornará à presidência brasileira “nos braços do povo”, em 1950, assumindo a presidência no
ano seguinte, deixando-a somente em 1954, com o seu suicídio, em 24 de agosto.
834
Telegrama 231, do Embaixador português no Rio de Janeiro ao Presidente do Conselho
e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em de novembro de 1945. M. N. E., piso, Armário
47, Maço 119.
284
queda de Getúlio Vargas originou maior repercussão emocional. De acordo
com o periódico, este fato é atribuído, fundamentalmente, a dois fatores:
“primeiro, porque apesar dos cinco mil quilômetros de mar que nos separam, o
Brasil ainda é hoje, e será sempre, o país mais próximo de Portugal”
835
e, o
segundo, relaciona-se ao fato de que na “fase heróica da era getuliana [...] o
Portugal de Salazar era o modelo preferido do homem que se obstinou em
permanecer no Catete durante quinze anos”
836
. Em outras palavras, com o fim
do Estado Novo no Brasil, Salazar perdia seu maior e mais importante discípulo
e isto, certamente, afetaria as pretensões salazaristas no que fazia referência
às relações luso-brasileiras.
Todavia, não restando alternativa, após a deposição de Getúlio Vargas e
a indicação de um novo presidente para o Brasil, Portugal, por meio do seu
encarregado de Negócios, Dr. Carlos Pinto Ferreira, reconhece o novo governo
do Brasil na audiência que ele teve com o Embaixador brasileiro Pedro Leão
Veloso. Na ocasião, trata de destacar a satisfação do governo português com a
permanência de Veloso na Pasta das Relações Exteriores, pois isto
representava a “segurança de continuidade política e de afeto luso-
brasileiro”
837
. Entretanto, na prática, o que se verifica é que com o término do
Estado Novo no Brasil, no que respeita à intensificação das relações luso-
brasileiras, estas ficarão em um plano inferior até que, mais tarde, na década
de 50 – e aqui cabe mencionar a volta de Getúlio Vargas à presidência do país,
em 1951 a idéia de formação da comunidade luso-brasileira adquira novo
fôlego, notadamente, com o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira
838
.
835
Jornal A Imprensa, Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1945, p. 4.
836
Idem.
837
Jornal Brasil-Portugal, Rio de Janeiro, em 6 de novembro de 1945, p. 2.
838
Sobre a análise desta reaproximação indica-se a obra de GONÇALVES, Williams da Silva.
O realismo da fraternidade: Brasil-Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003.
285
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portugal e Brasil, durante o século XX, com peculiaridades próprias,
vivenciaram a instauração dos seus Estados Novos. No primeiro caso,
observa-se que o Estado corporativo português tem suas raízes na grave crise
econômica e política que se alastrou pelo país durante os anos vinte, pondo fim
à Primeira República portuguesa, em 1926, por meio do movimento de 28 de
Maio. A ditadura implantada a partir de então, após passar por uma rie de
golpes e contragolpes, ocasionados em nome da busca pelo controle do
Estado português, favorece a afirmação do regime salazarista, o qual tem por
base a organização de um Estado forte, centralizador, alicerçado na idéia da
construção de um novo e moderno Portugal, o que representava uma espécie
de volta ao passado, mas não a um passado qualquer e sim àquele em que o
país era moderno e se encontrava à frente dos grandes descobrimentos.
286
No segundo caso, a implantação do Estado Novo no Brasil, em
novembro de 1937, constituiu a consolidação de um processo que estava
sendo construído aos poucos, a partir do momento em que Getúlio Vargas
inicia uma conduta centralizadora na administração do país, neutralizando
paulatinamente os principais focos de oposição, articulando alianças e apoio
de importantes lideranças militares e políticas e desfazendo-se destas quando
elas não eram mais necessárias ou se mostravam perigosas, como é o caso do
integralismo. Entretanto, o pretexto imediato para o decreto do Estado Novo
brasileiro foi a “descoberta” do falso Plano Cohen de acordo com o qual os
comunistas tencionavam tomar o poder, por meios violentos –, pois sua
“localização” foi utilizada para a obtenção do apoio popular necessário ao
decreto do Estado Novo no Brasil.
Com base na documentação analisada principalmente na
correspondência diplomática e consular portuguesa pôde-se constatar que o
governo português acompanhava com atenção o desenrolar dos
acontecimentos no Brasil, tanto que os relatórios emitidos por Martinho Nobre
de Mello, Embaixador português no país, evidenciam em detalhes os fatos que
resultaram no decreto do Estado Novo brasileiro, tratando, inclusive, de
assinalar as principais características da nova Constituição brasileira e, ainda,
as suas similitudes com a Carta Constitucional portuguesa. Além disso, de
acordo com a leitura do Embaixador Mello, a institucionalização do Estado
Novo no Brasil representa uma oportunidade de intensificação nas relações
luso-brasileiras, tendo em vista que os maiores obstáculos leia-se
democracia liberal representativa – deixavam de existir.
Desse modo, com a institucionalização do Estado Novo no Brasil,
inaugurou-se um novo período nas relações luso-brasileiras, afinal, os traços
ideológicos comuns, associados às ligações histórico-culturais e ao expressivo
número de portugueses residentes no Brasil, aproximaram os dois países e
permitiram uma intensificação nas relações entre os dois países. Todavia, cabe
mencionar que este processo de aproximação foi capitaneado por Portugal.
Esta liderança fica clara à medida que se considera que os mais importantes
passos nesta direção, como a vinda da Embaixada especial, chefiada pelo
escritor Júlio Dantas do trabalho desta resultou o acordo cultural luso-
287
brasileiro , a criação da Revista Atlântico, o encaminhamento da missão
comercial ao Brasil, entre outros fatores, foram iniciativas diretas do governo
português.
Por outro lado, há que se mencionar que o aprofundamento das
relações luso-brasileiras interessava em escalas diferentes a ambos os
países. O governo português tinha em mente a criação e a liderança da
civilização lusíada, a qual seria integrada por Portugal, suas colônias e pelo
Brasil, o que cada vez mais se tornava importante, levando-se em
consideração os planos de continuidade do império colonial português. Ao
Brasil esta aproximação era interessante, principalmente, por dois motivos:
primeiro porque o país vivenciava um momento de afirmação do seu
nacionalismo, logo, a identificação com o elemento português, em detrimento
de outras etnias sobretudo a italiana, a alemã e a japonesa –, ia ao encontro
dos seus objetivos; segundo, em virtude do retraimento comercial que
circundava a Europa, pois o aprofundamento das relações com Portugal
poderia incentivar um aumento nas exportações do Brasil com destino ao
continente europeu. Em outras palavras, a intensificação nas ligações luso-
brasileiras permitiria aos dois países a sua afirmação no cenário internacional e
o fortalecimento dos seus nacionalismos.
A idéia da aproximação cultural luso-brasileira não constituía um projeto
novo. Desde o início do culo XX algumas personalidades de Portugal e do
Brasil almejavam este estreitamento das relações culturais entre os dois
países. Entretanto, apesar de inúmeras tentativas, nenhuma delas logrou
grandes resultados. Foi somente com a interferência do governo português que
a aproximação entre os dois países, no plano cultural, começou a adquirir
forma. Assim, a estratégia portuguesa consistiu em colocar em evidência todos
os aspectos que destacavam a identidade luso-brasileira. Nesta direção,
realizaram-se congressos, conferências, palestras, foram criadas Sociedades,
Institutos, Associações, enfim, toda uma gama de atividades que permitissem a
reafirmação de um passado em comum. Não obstante, o maior produto destas
atividades consistiu na assinatura do Acordo Cultural Luso-Brasileiro, no Rio de
Janeiro, a 4 de setembro de 1941.
288
O Acordo Cultural, além de ter possibilitado uma maior colaboração e
difusão cultural entre os dois países na medida em que tornou possível a
ocupação de espaços importantes, como o meio literário, através das
exposições sobre o livro português no Brasil, abriu espaço, também, para a
execução de uma política de doutrinação da colônia portuguesa residente no
país, ou seja, muitas das atividades realizadas no âmbito cultural visavam uma
espécie de legitimação do governo salazarista, na medida em que ressaltavam
os grandes feitos do governo e a difusão da sua doutrina ideológica.
Não obstante, uma das ramificações mais importantes do Acordo
Cultural de 1941 fundamentou-se na criação da Revista Atlântico. Idealizada
por Antônio Ferro, a revista objetivava a difusão recíproca da cultura nacional
luso-brasileira; contudo, destacou-se pela publicação de textos que colocavam
em evidência o passado em comum de Portugal e Brasil. Do lado brasileiro,
esta prática é vista de modo positivo, pois a partir do momento que o
presidente Getúlio Vargas se afasta das potências do Eixo, põe em prática uma
política de perseguição e contenção das suas idéias no solo brasileiro; logo, a
irradiação da cultura portuguesa seria utilizada para preencher estes espaços
e isto fecha com os interesses do regime salazarista.
Dentre as medidas adotadas em prol da intensificação das relações
culturais luso-brasileiras merece destaque, também, o Acordo Postal de 1942,
pois sua assinatura constitui-se em um importante instrumento para o aumento
na circulação do livro português no Brasil e o livro brasileiro em Portugal, haja
vista a redução nas tarifas postais cobradas nos dois países. Nesta direção,
que se evidenciar, ainda, a assinatura do Acordo Telegráfico, em 1943, o qual
diminuía as taxas cobradas para a emissão de telegramas entre Brasil e
Portugal.
A aproximação luso-brasileira sob o ponto de vista cultural também
abrangeu a assinatura de uma Convenção Ortográfica, em Lisboa, em 29 de
dezembro de 1943 – que foi reformulada em 1945 – como resultado das
negociações entre o governo de Portugal e do Brasil. Muito embora o fato
destas Convenções Ortográficas não terem posto um fim às divergências na
aplicação da ortografia em Portugal e no Brasil tenha-se em mente todas as
discussões da atualidade – ressalta-se sua importância, pois, atualmente, salvo
289
algumas modificações introduzidas em 1971, são elas que regem as normas
ortográficas da Língua Portuguesa no Brasil.
A esfera econômica constituiu-se em outro ponto de pauta neste
processo de aproximação luso-brasileira. Este havia iniciado em 1933, por
ocasião da assinatura do Tratado de Comércio e Navegação, no Rio de
Janeiro; entretanto, como havia sido firmado em um momento marcado por
uma forte onda protecionista decorrente da crise econômica de 1929, seus
resultados foram pouco expressivos. Tendo em mente este fato e levando em
consideração a emergência de uma nova conjuntura no Brasil, Salazar
encaminha, em 1938, uma missão comercial especial ao território brasileiro.
Esta tinha como objetivo o estudo do comércio português com o Brasil, assim
como o levantamento de alternativas para o seu incremento.
No Brasil, a missão comercial portuguesa foi muito bem recebida por
classes dirigentes e indivíduos ligados à área comercial. Isto aconteceu porque
muitos exportadores brasileiros também vislumbravam este momento como
uma oportunidade de aumento das suas exportações para Portugal. Do seu
lado, a missão comercial portuguesa visitou os mais importantes centros
econômicos do país na épocaRio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul –, participou de inúmeras reuniões e, após alguns meses,
retornou ao solo português. A partir do trabalho realizado por esta delegação, o
governo português sugeriu ao Brasil o envio de uma delegação oficial a Lisboa
com poderes suficientes para efetuar negociações abrangendo esta área.
Como conseqüência, em 21 de julho de 1941, em Lisboa, ocorre a assinatura
do Protocolo Adicional ao Tratado de Comércio e Navegação. Por meio deste,
Portugal procurava conter os reflexos da onda protecionista internacional,
evitando a adoção de restrições relacionadas à importação e à exportação de
determinados produtos provenientes de Portugal e do Brasil.
Apesar dos fracos resultados obtidos com o protocolo adicional de 1941,
há que se mencionar que isto foi decorrente do fato de ambos os países
necessitarem de produtos industrializados, ou seja, basicamente tanto Portugal
quanto o Brasil precisavam de produtos os quais nenhum dos dois produzia.
Porém, não se pode ignorar que o protocolo, além de ter propiciado um debate
acalorado no Brasil e em Portugal acerca das relações comerciais envolvendo
290
os dois países, possibilitou a correção de algumas incoerências no comércio
luso-brasileiro, como é o caso das exportações de couros e peles do Brasil.
Além disso, o protocolo determinava a criação de duas comissões técnicas,
uma brasileira e outra portuguesa, as quais deveriam trabalhar em conjunto
com vistas à elaboração das bases para a execução de um novo tratado
comercial luso-brasileiro.
Neste sentido, o trabalho desenvolvido por estas comissões foi
importante na medida em que permitiu a análise de todos os produtos
comercializados entre Brasil e Portugal, assim como a indicação de alguns
ajustes e a necessidade de revisão da lista de produtos brasileiros e
portugueses fixados pelo protocolo adicional de 1941. Todavia, com o fim do
Estado Novo no Brasil, as intenções portuguesas com relação à assinatura de
um acordo comercial terão que aguardar por uma conjuntura brasileira mais
favorável, como é o caso do final da década de quarenta e princípios da
década de cinqüenta do século XX.
Desde o princípio do governo de Getúlio Vargas, uma das
características da sua gestão foi o início da regulamentação leia-se
contenção da entrada de emigrantes no Brasil. Estas medidas, que atingiam,
inclusive, os portugueses, foram adotadas por meio da institucionalização de
inúmeros decretos restritivos relacionados à entrada, à fixação e ao
desenvolvimento de atividades dos estrangeiros no país. Os argumentos
utilizados para a adoção dessas restrições consistiam no favorecimento à
nacionalização do trabalho e à limitação da entrada daqueles estrangeiros que
representavam perigo à soberania nacional notadamente alemães e italianos
na medida em que se considerava que estes eram monitorados por seus
países de origem.
Com o advento do Estado Novo no país, em 1937, estas restrições
aumentaram consideravelmente. No entanto, diante das constantes
reclamações do governo português e da percepção de que os lusos, em razão
da afinidade histórico-cultural e lingüística, poderiam ser úteis ao
desenvolvimento do projeto nacional almejado pelo presidente Vargas, o
governo brasileiro, paulatinamente, passou a excluir a imigração portuguesa
desse contexto e a utilizá-la como um reforço à sua política nacionalista.
291
O governo português, por sua vez, utilizou-se da amizade luso-brasileira
para incrementar sua política de controle sobre a colônia portuguesa no Brasil,
tendo, inclusive, recorrido ao meio de censura da imprensa brasileira (DIP)
para divulgar ações que exaltassem o estado Novo português – e nesta direção
o desenvolvimento de um amplo trabalho de cooptação dos lusos no Brasil
e neutralizassem as manifestações de oposição ao regime salazarista no
país, notadamente, dos ditos “insubmissos” da colônia portuguesa residentes
no território brasileiro. Além disso, o governo português procurou, sempre que
possível, evitar a naturalização dos portugueses, haja vista o perigo que isto
representava para o projeto nacionalista, assim como sem êxito tentou
dissuadir o envolvimento da colônia portuguesa no conflito da Segunda Guerra.
O início da Segunda Guerra Mundial e o posterior rompimento das
relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha e a Itália, em princípios de
1942, favoreceu ainda mais a intensificação das relações luso-brasileiras no
momento em que o governo brasileiro confiou a Portugal a defesa dos seus
interesses – ou de súditos brasileiros – na Alemanha, na Itália e no Japão e em
outros locais ocupados pelas forças do Eixo, como foi o caso da França. Assim,
a execução da salvaguarda dos interesses brasileiros por Portugal coloca em
evidência o fato de que Getúlio Vargas também se aproveitou da amizade luso-
brasileira e de toda a aproximação ocorrida neste período visando
assegurar seus próprios interesses.
O aspecto da guerra ainda contribuiu para um outro tipo de ligação luso-
brasileira. Esta se refere à permissão portuguesa para o desembarque em
Lisboa, de material de guerra, proveniente da Alemanha e com destino ao
Brasil. Na verdade, além da permissão para o desembarque, o governo
português também permitiu o armazenamento temporário do material de guerra
com destino ao Brasil.
Após o final da guerra, Salazar, utilizando-se da amizade luso-brasileira,
ainda adotou uma estratégia interessante para reforçar estes laços e distrair a
atenção dos portugueses naquele momento em que os governos autoritários
estavam em xeque além, é claro, de se congratular com os vencedores do
conflito –, pois conseguiu obter do governo brasileiro a concordância quanto ao
desfile, em Lisboa, de um contingente da força expedicionária brasileira (FEB)
292
por ocasião do seu regresso ao Brasil. Entretanto, o que o governo português
não teria condições de imaginar é que a visita de um dos contingentes dos
expedicionários brasileiros à capital lusitana fosse originar tantas críticas no
Brasil quanto à manutenção do Estado Novo em Portugal.
Aliás, talvez nem mesmo o próprio presidente Getúlio Vargas tivesse
noção sobre a dimensão dos problemas no Brasil decorrentes da participação
da FEB, na Itália, contra a manutenção do fascismo na Europa. Afinal, a
participação do Brasil na guerra criou no país uma situação contraditória, pois
externamente o Brasil lutava pela democracia; entretanto, internamente,
vivenciava a execução do regime ditatorial varguista. Esta situação agravou-se
ainda mais com o desembarque dos pracinhas de guerra e as festividades
ocorridas para a coroação deste momento histórico. Tanto que, em 29 de
outubro de 1945, Vargas se afastou da presidência do país e seguiu para o seu
auto-exílio, em São Borja, sua terra natal, e o ministro José Linhares
Presidente do Supremo Tribunal Federal assumiu a presidência do país a
que o candidato do PSD, o General Eurico Gaspar Dutra, assumisse a
presidência do país.
Do outro lado do Atlântico, a notícia do fim do Estado Novo no Brasil foi
recebida como um verdadeiro resfriamento nos planos do governo português
no que respeita ao estreitamento nas relações luso-brasileiras, afinal, com a
queda de Getúlio, caía também um simpatizante das idéias políticas de Salazar
e com ele as possibilidades de incremento no relacionamento Brasil/Portugal.
293
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