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Os acontecimentos em curso, na cidade de São Gabriel, trazem à tona, uma vez mais, situações
que estão a pedir um ajuste de contas do Rio Grande do Sul consigo mesmo.
É a reflexão que vamos fazer, em cima dos fatos do presente, relacionando tudo com fatos do
passado, dentro de uma leitura calcada no bom senso e na fé.
I. FATOS DO PRESENTE
São Gabriel, ano de 2003
Um decreto do operário-presidente Lula desapropria uma área de terra de 13.200 hectares de um
único proprietário, uma verdadeira sesmaria, quase uma capitania hereditária, para fins de
Reforma Agrária. Nada menos que 143 municípios do Estado são menores em extensão. O
decreto visa assentar as famílias dos 45 peões de estância que moram no latifúndio e mais 513
famílias de SEM-TERRAS.
Trata-se da maior desapropriação de que se tem notícia em toda a história do Rio Grande do Sul.
Os gaúchos, ficamos impactados com o fato, porque achávamos que tamanha extensão de terra,
em mãos de um único proprietário, só fosse característica de regiões como Mato Grosso ou
Amazônia, jamais em nosso Estado.
O acontecimento causou uma reboldosa na “terra dos marechais”. Foi realizada uma concentração
de moradores na cidade, tendo à frente as forças dominantes: autoridades locais e grandes
fazendeiros. Sob o mote “Alerta Rio Grande – Esta Terra tem Dono” (apropriação indébita como
veremos, da figura lendária do índio Sepé) foi tomada posição contrária à desapropriação, foi
também declarada indesejável para o município, a presença das centenas de famílias de Sem-
Terras e desencadeado um movimento de fazendeiros para a reversão do ato reformador da
situação fundiária. Distribuíram na cidade, a todos os meios de comunicação e à população em
geral, um panfleto de conteúdo jamais imaginado, de caráter fascista, convocando todas as
camadas sociais, particularmente os grandes, a cometerem um genocídio em relação aos
membros do MST.
O proprietário das terras em questão, entrou na Justiça a fim de assegurar a propriedade. Uma
juíza-mulher, a primeira do Supremo Tribunal Federa e por sinal gaúcha, em Brasília, concedeu
liminar de suspensão da desapropriação. Se retomada a vistoria e comprovada a produtividade,
ficará demonstrada a inviabilidade, do ponto de vista legal, de desapropriação para fins de Reforma
Agrária.
Agricultores Sem-Terra, acampados há vários anos nas cercanias de Pantano Grande, no coração
do Estado – umas 800 pessoas - decidem realizar uma marcha sobre São Gabriel, até as fazendas
desapropriadas, a fim de pressionar o poder Judiciário, contra a liminar concedida ao latifundiário.
A pé, carregando à frente a bandeira de São Sepé, pela BR-290, pretendem chegar nas cercanias
das tão sonhadas terras, depois de palmilharem 250 quilômetros.
As forças dominantes em São Gabriel montam uma estratégia para impedir que os Sem-Terra
entrem na cidade. O Prefeito chega mesmo a abrir um fosso profundo na estrada de chão batido,
de nome Reiúna, que dá acesso às terras desapropriadas. Um ex-secretário de governo do
município, em sua caminhonete rural, quase perde a vida, ao tombar dentro do fosso, à noite, e diz
que vai processar o Prefeito.
Os grandes fazendeiros de São Gabriel e municípios vizinhos também se arregimentam e
organizam a Marcha dos “Produtores Rurais”. Essa marcha vem em direção contrária à dos Sem-
Terras. Pretendem os fazendeiros fazer uma grande concentração na cidade de Vila Nova do Sul,
distante 80 quilômetros de São Gabriel.(..)
II. FATOS DO PASSADO
Coxilha do Caiboaté (hoje município de São Gabriel), ano de 1756
Os “bombeiros” (sentinelas indígenas avançados) alertam os irmãos guaranis dos Sete Povos das
Missões, que os exércitos aliados de Espanha e Portugal, as duas maiores potências econômicas
e militares da época, já se encontram na fortaleza de Rio Pardo, a chamada Tranqueira do Rio
Grande, a fim de dar combate aos índios, no cumprimento do Tratado de Madrid, assinado pelos
reis das duas potências européias, no ano de 1750. Por este Tratado, os índios dos florescentes
Sete Povos das Missões, deveriam se bandear para o outro lado do rio Uruguai, exigência feita
pelo rei de Espanha, em troca da Colônia do Sacramento, que era uma fortaleza de Portugal,
situada no estuário do Rio da Prata, no lado contrário a Buenos Aires. A função principal da
fortificação, era pilhar os navios que desciam das minas do Potosi, carregados de ouro, rumo à
Espanha. Os Sete Povos das Missões seriam portugueses e a Colônia do Sacramento, espanhola.