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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
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ADRIENE COSTA DE OLIVEIRA COIMBRA
Belo Horizonte
2007
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ADRIENE COSTA DE OLIVEIRA COIMBRA
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Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Literaturas de Língua
Portuguesa.
Orientador: Audemaro Taranto Goulart
Belo Horizonte
2007
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ADRIENE COSTA DE OLIVEIRA COIMBRA
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa.
______________________________________________
Letícia Malard – UFMG
______________________________________________
Márcia Marques Morais – PUC-Minas
______________________________________________
Audemaro Taranto Goulart – PUC-Minas
Orientador
Belo Horizonte, 20 de abril de 2007.
______________________________________________
Hugo Mari
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras
PUC-Minas
AGRADECIMENTOS
A Deus que me deu a vida e mostrou-me a luz para trilhar o caminho certo.
Ao Ary que, em todos os momentos da minha vida, é compreensão, apoio e estímulo
para a concretização de meus sonhos e meus ideais.
Aos meus filhos, Marcus Vinícius e Guilherme, que mesmo nas horas mais difíceis,
sempre têm uma palavra de encorajamento e confiança em meu potencial.
Ao meu pai, que hoje mesmo ausente entre nós continua a ser presença em minha
vida.
À minha mãe que, com sua docilidade, me encoraja sempre.
À minha irmã, Silvane, que me acolheu com o seu afeto nos meus momentos de
fraqueza.
Ao meu cunhado Geraldo e às minhas afilhadas Maria e Anna o respeito, a amizade
que serviram de alicerce para essa conquista.
Ao meu amigo Hermes, que, com o seu conhecimento e disponibilidade, manteve
um diálogo literário comigo durante a elaboração deste trabalho.
Ao meu orientador Audemaro Taranto Goulart, que, com a sua orientação segura e
constante, serviu-me de apoio e incentivo para seguir em frente.
Às professoras Márcia Marques Morais e Letícia Malard, por aceitarem, de forma tão
gentil, compor a banca examinadora.
Dedicatória
DedicatóriaDedicatória
Dedicatória
Dedico este trabalho à minha família, em especial ao
meu marido Ary, pelo incentivo e cumplicidade nas
horas mais difíceis e aos meus filhos que são o sentido da
minha própria vida.
Epígrafe
Ser significa comunicar-se pelo diálogo.
Bakhtin
RESUMO
O objetivo de nosso estudo aponta para a reflexão sobre as figuras femininas dos
romances da maturidade de Machado de Assis Capitu, Virgília, Sofia, Flora e
Fidélia sua aproximação com as figuras gregas Antígona e Electra sob a
perspectiva de seus comportamentos diferenciados para época e espaço em que
estiveram inseridas. Pautamos ainda esse estudo no atestado histórico sobre o
contexto que viveram essas personagens bem como as condições sociais, políticas
e econômicas desses mesmos contextos. A pesquisa também se fundamenta nas
relações dessas personagens, especialmente as machadianas, nos narradores que
as compuseram bem como nos mecanismos de despistamento e ocultamento
utilizados por eles para retratar essa postura considerada contemporânea para a
sociedade aristocrática carioca da segunda metade do século XIX. Tais relações
também ajudam a compreender como Machado de Assis construiu essas
personagens tão enigmáticas, tão desafiadoras e tão transgressoras aos padrões
tidos como modelo àquela época, e que, mesmo sob o deslizamento da escrita de
seu criador, fizeram-se sujeitos de seus próprios discursos.
Palavras-chave: figuras femininas enigmáticas; sociedade aristocrática; Machado de
Assis, discursos.
ABSTRACT
The aim of our study indicates to a consideration about the feminine figures of
Machado de Assis´ maturity novels Capitu, Virgília, Sofia, Flora and Fidélia their
similarity with greek women Antígona and Electra under a vision of their different
behaviours at the time and the local where they were introduced. We have already
ruled this study in its historic attestation about the context where these characters
lived as well as the social, politic and economic conditions of these same contexts.
This investigation also founds in relations of these characters, especially the
machadian´s, in narrators who composed them as well as in the mecanisms of
failment and dissimulation used by them to reproduce this attitude considered as
modern in that cariocan distinguished society of the second half of XIX century.
These relations also help to understand how Machado de Assis elaborate those
characters too secretly covered, too audacious and too beyond to the standarts
considered as models of that time, and even if under the gliding of the written of their
creator, these feminine figures became subjects of their own speechs.
Key-words: enigmatic feminine figures; distinguished society; Machado de Assis;
speechs.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................9
1. A MODERNIDADE DE MACHADO DE ASSIS (JUSTIFICANDO A ALTERIDADE
DOS PERFIS FEMININOS).......................................................................................14
2. O SER FEMININO: UM TEMA DESDE SEMPRE..................................................22
2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS.............................................................................22
2.2. O OLHAR MACHADIANO POUSA SOBRE A QUESTÃO DO GÊNERO......30
3. MULHERES MACHADIANAS: NA ESTÓRIA E NA HISTÓRIA.............................62
CONCLUSÃO...........................................................................................................101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................104
9
INTRODUÇÃO
No mundo contemporâneo, observamos, fascinados, as transformações por
que passam as sociedades. As transformações parecem tão rápidas, quase brutais,
e tão contrárias às nossas tradições, até mesmo as mais recentes, que até ousamos
apontar para o advento de uma revolução de costumes.
Uma nova ordem de mundo organiza-se, da qual somos, ao mesmo tempo,
espectadores e atores inquietos. Antigos valores são substituídos por novos com os
quais, ainda, muitos de nós não nos acostumamos. As relações humanas não têm
mais os mesmos fundamentos de antes e até constatamos modificações na imagem
que fazemos de nós mesmos e dos outros. Critérios se dissolvem, outros
multiplicam-se e novos paradigmas são instalados.
As perturbações que conhecemos são talvez de uma natureza diferente de
uma simples evolução. A mudança de modelo não questiona apenas nossos
comportamentos e nossos valores, ela mexe com o que de mais íntimo em nosso
ser: a nossa identidade.
Nessa nova ordem uma modificação que, apesar de lenta e, às vezes,
menos imperceptível a seus atores, é a mudança do papel histórico-social da mulher
na sociedade contemporânea. Hoje, não mais espaço para um mundo
dicotômico, cindido em esferas bipolares, em que se experimenta a existência de
espaços distintos para o masculino e o feminino.
Não faz muito tempo, as certezas não faltavam. A mulher dava a vida e o
homem a protegia. Ela cuidava das crianças e do lar. Ele partia para a conquista do
mundo e guerreava quando necessário. Essa divisão das funções tinha o mérito de
10
desenvolver, em cada um, características diferentes, que contribuíam, com muita
força, para formar o sentimento de identidade.
Não na vida cotidiana, bem como no mundo da ficção, a figura feminina
sempre foi objeto de admiração, endeusamento, fascinação, desejo e sedução. Ela
continuamente se apresentou como uma figura enigmática, a sugerir o desvelamento
de seus segredos. Ao mesmo tempo, escondia-se sob um véu, como a dissimular
algo que ora desejava, ora não desejava ocultar.
É nesse jogo de máscaras que a literatura vai adentrando, na tentativa de
proporcionar ao leitor a possibilidade de buscar a solução dos enigmas. Entretanto,
ela acaba irremediavelmente perdida, pois a obra literária retrata o humano. Assim
sendo, não constitui respostas definitivas, porque a imperfeição, a inconstância, a
incompletude é a marca do humano.
Durante séculos, a mulher viveu a condição de dona de casa recatada,
submissa ao jugo masculino, resignada e sem poder de ação ou de escolha. Sua
única possibilidade era repetir o papel que suas ancestrais lhe haviam deixado.
No entanto, nas tragédias da Antigüidade Clássica conseguimos observar
que algumas personagens, tais como, Antígona e Electra, protagonistas das
tragédias de Sófocles, exercem um papel diferenciado daquelas de seu tempo. São
capazes de sair do lugar que lhes foi dado e partem para enfrentamentos que
desafiam os princípios da sociedade vigente na época.
Assim também, Machado de Assis, em sua produção literária da fase da
maturidade, soube, magistralmente, conceber suas personagens femininas
singularmente fora dos modelos da sociedade aristocrática do final do século XIX.
Ele cria as figuras femininas – Capitu, Virgília, Sofia, Flora e Fidélia – e as coloca na
11
condição de transgressoras com sua inserção no universo masculino, de forma
inquestionável, e as apresenta cientes de seu papel individual, cultural e social.
Esse nosso estudo tem como objetivo situar essas figuras femininas nos
contextos em que estiveram inseridas bem como estabelecer uma possível relação
de identidade entre elas e, principalmente, destacar o papel desafiador e inovador
que desempenharam naquela sociedade onde somente o homem era senhor de
suas próprias ações.
Pretende-se também buscar novos significados para os discursos dessas
personagens femininas, os artifícios utilizados pelos narradores machadianos na
possibilidade de silenciar tais personagens, e, ainda, buscar um efeito de sentido
mais aclarado nos significantes postos por esses narradores. É bom lembrar que, os
narradores adotam a estratégia do deslizamento, do despistamento com a intenção
de enredar o leitor em sua teia narrativa.
Que tipo de narrativa é essa em que Machado, pela voz de seus narradores,
conta histórias de tramas aparentemente simples e até banais, que o leitor, ao lê-las,
tem a sensação de estar diante de um enredo que não lhe traz qualquer motivo para
inquietação? Ao inserir-se na tessitura textual da narrativa machadiana, o leitor vê-
se, irremediavelmente, atirado a um terreno movediço em que, de repente, sente-se
enredado e sem saída? Que tipo de narrativa é essa em que o leitor, por mais que
tente, não consegue desvelar os enigmas postos por seus narradores nas
entrelinhas do texto?
A escritura machadiana possibilita a seus leitores efeitos múltiplos de sentido
e para tanto requer uma constante revisitação, pois devido ao deslocamento dos
efeitos de sentido, somente uma leitura não seria suficiente para a absorção daquilo
que Machado realmente quer dizer e não diz, apenas sugere.
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Visitando as tragédias gregas Antígona e Electra, de Sófocles,
encontramos as personagens que dão nome às tragédias. Elas estão marcadas pela
postura avançada que tiveram diante de uma sociedade conservadora na
Antigüidade Clássica. Mesmo quando são impossibilitadas de falar ou de agir, vão
ao espaço público lugar onde o masculino dominava clamar por justiça. Apesar
de estarem cientes do que representava essa violação, fazem-se donas de seus
discursos e senhoras de seus atos e de suas vontades.
Virgília, Sofia, Capitu, Flora e Fidélia personagens dos romances Memórias
Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e
Memorial de Aires, de Machado de Assis - se vêem enredadas num mundo onde o
homem exercia a ordem e o poder. Elas estão inseridas na sociedade do Rio de
Janeiro onde o que se via era a ostentação, o luxo, a preocupação com festas, com
a elegância, enfim, com tudo aquilo que uma sociedade elitista destaca como
importante, ou seja, as aparências.
Machado de Assis as coloca nesse contexto não para atender às expectativas
daquela sociedade, mas, para que, pela voz de seus narradores, elas possam, de
forma fluida, figurar nesse universo social, marcado pelo poder masculino. Ele as
constrói com um perfil diferenciado e as insere nessa sociedade, dotando-as de
beleza, de simpatia, de apelo erótico, num jogo duplo de sedução. Machado as
concebe dotadas de personalidade forte e caráter próprio, dominadoras, possuidoras
de um olhar que arrasta e inebria. Personagens que, mesmo sob um véu encobridor,
conseguem atravessar por entre o dito e o não-dito e se apresentarem como seres
da palavra, inclusive ocupando os espaços de poder reservado ao homem.
Embora os narradores machadianos, em sua argúcia e perspicácia, tentem
silenciá-las através de seus discursos escorregadios e cheios de subterfúgios, essa
13
tarefa acaba irremediavelmente perdida, pois essas mulheres conseguem sair do
lugar que lhes foi dado e irrompem de forma grandiosa nesse cenário de domínio
masculino.
Os deslocamentos dessas personagens do plano da subjacência do texto
para a superfície do campo enunciativo é um caminho a percorrer na tentativa de
buscar os deciframentos da escrita machadiana e, acima de tudo, considerá-la uma
das mais refinadas e respeitadas no universo literário.
Diante dessas duas realidades historicamente distantes no tempo e no
espaço, acredita-se que há a possibilidade de aproximação dessas personagens de
Sófocles e Machado, pelo papel transgressor dos padrões sociais exercido por elas.
Para tanto, usou-se como metodologia a releitura dessas obras literárias,
localizadas cada uma em seu tempo histórico-social, analisando o perfil de cada
uma das personagens a partir das narrativas com suas características próprias e
entrecruzando esses perfis.
A fundamentação teórica tem como base os estudos literários de Antonio
Candido, Roberto Schwarz, Antoine Compagnon, Mary Del Priore, Wilton Cardoso,
Mikhail Baktin, Roland Barthes, entre outros, sem perder de foco as obras literárias
arroladas para tal.
14
1. A MODERNIDADE DE MACHADO DE ASSIS (JUSTIFICANDO A ALTERIDADE
DOS PERFIS FEMININOS).
Um dos papéis desempenhados pela História é o de retratar “fiel e
verdadeiramente” a realidade social e suas transformações ao longo do tempo. A
literatura também pode ter esse papel. No entanto, as mudanças registradas pelos
historiadores diferem na forma como os romancistas registram essas ocorrências,
pois, à literatura cabe retratar as possibilidades múltiplas a partir da visão
plurissignificativa do mundo à nossa volta, como também a possibilidade de retratar
esse mundo a partir de um mais além.
Bakhtin (2000, p. 208) aponta para essa função da literatura quando diz que “o
artista utiliza a palavra para trabalhar o mundo, e para tanto a palavra deve ser
superada de forma imanente, para tornar-se expressão do mundo dos outros e
expressão da relação de um autor com esse mundo”.
Pode-se ousar dizer que a literatura tem conseguido fazer esses registros com
maior agudeza e acuidade, pois até mesmo em momentos de repressão e violência,
vivenciados pela censura, nossos escritores conseguiram “driblar” a chamada história
oficial, e, através de suas obras ficcionais, retratar o proibido, o irregular, o ilícito. A
literatura, segundo Compagnon, (1999, p.37) “produz a dissensão, o novo, a ruptura”.
E, talvez, somente a literatura tenha sido capaz de se prestar a essa função,
pois ela traz consigo a condição necessária a esse propósito: uma carga de liberdade
que a torna independente, capaz de mostrar o real sem o compromisso com a
unilateralidade ou com as forças de poder constituídas.
Antonio Candido confirma esse estatuto da literatura. Ele diz que
15
[...] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação,
entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento
intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que
considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da
ficção, da poesia e da ão dramática. A literatura confirma e nega, propõe
e denuncia, apóia e combate, fortalecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura
sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que
nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante.
(CANDIDO, 2004, p.138)
Candido atesta que a literatura apresenta-se como imagem e transfiguração
da realidade que nos cerca, e na sua ambivalência, presta-se ao leitor como objeto
de conflitos, perturbações ou a mesmo de risco, pois em se tratando da
possibilidade de múltiplas interpretações, ela tem um dos papéis de dizer e de
retratar o humano.
Novamente, Bakhtin (2000, p. 240) reitera que na literatura “os problemas (do
homem) sejam expostos em toda a sua envergadura, pois que se trata da realidade
e das possibilidades do homem, da liberdade e da necessidade, da iniciativa
criadora,” e certamente ela “desemboca na esfera espaçosa da existência histórica.”
O culo XIX, mais especificamente o seu segundo quartel, no Brasil, foi um
momento muito significativo para a nossa literatura, pois esse período representou a
propagação e a “popularização” do romance brasileiro cuja proposta era bem
delineada: a de divertir e instruir os leitores. E graças a essa intenção, nossos
escritores conseguiram, de certa maneira, estabelecer, consolidar e projetar a
literatura brasileira além dos limites de nossos espaços fronteiriços.
A sociedade burguesa brasileira do século XIX constituiu, por assim dizer, um
campo fértil e um suporte bastante interessante para que nossos poetas e
romancistas procedessem à análise de seu contexto e o desenhassem a seus
leitores. Ao retratar os usos e costumes dessa sociedade, suas tradições, sua
16
formação e sua cultura, nossos escritores produziram verdadeiros clássicos que, a
hoje, continuam extremamente atuais.
No início do século XIX, os românticos ainda traçavam enredos, ações e
personagens revestidos de uma aura iluminada, através da qual os leitores entravam
no mundo do devaneio, dos sonhos. Como a literatura da época tinha o papel de
entretenimento, os românticos assim o fizeram na tentativa de agradá-los, pois os
seus possíveis leitores aspiravam a um modelo de vida pessoal tal qual o vivenciado
pela sociedade da época e, sobretudo, o modelo que fosse espelhado nos moldes
europeus. Dessa forma, os romances românticos atendiam muito bem aos
interesses dessa sociedade dominante no período.
Tal como ocorre nas melhores literaturas de todo o mundo, a ficção brasileira
criou personagens que, de tão bem construídas, tornaram-se marcantes e, por isso,
são capazes de serem vistas como símbolos, representações da sociedade tanto do
passado como do presente. Essas personagens trazem consigo princípios e valores,
que lhes foram introjetados pelo autor através das nuances da construção textual,
conforme a época e local em que se situam. Algumas dessas personagens foram
desenhadas por seus criadores com um perfil que, de certa forma, se coadunava
com os padrões daquele momento, mas, apesar de todo o rigor da época,
conseguiram ultrapassar os limites histórico-sociais que lhes foram impostos.
A propósito, Bakhtin nos remete à construção de personagens quando diz que
Enquanto ponto de vista, enquanto concepção de mundo e de si mesma, a
personagem requer métodos absolutamente específicos de revelação e
caracterização artística. Isto porque o que deve ser revelado e caracterizado
não é o ser determinado da personagem, não é a sua imagem rígida mas o
resultado definitivo de sua consciência e autoconsciência, em suma, a
última palavra da personagem sobre si mesma e sobre seu mundo.
(BAKHTIN, 1997, p. 46-7).
17
Se se continua ainda com Bakhtin (1997, p. 49), vê-se que ele acrescenta que
“além da realidade da própria personagem, o mundo exterior que a rodeia e os
costumes se inserem no processo de autoconsciência, transferem-se do campo de
visão do autor para o campo de visão da personagem”.
Assim, ao fazer um estudo sobre as personagens, especialmente as
machadianas, e tentar entender a posição que assumiram naquele contexto, somos
levados a uma reflexão que nos estimula à leitura e à releitura das obras de seus
criadores. Pensando dessa maneira, podemos afirmar que a criação de nossos
escritores e de suas personagens é certamente um marco na cultura e na literatura
nacionais e um capítulo a ser destacado na literatura universal.
Como se pode perceber, Machado de Assis se encaixa perfeitamente nesse
tipo de escritor moderno, pois ao criar suas personagens, principalmente as
femininas, deu-lhes um caráter de fingimento, de ocultamento, de algo que parece
ser e o ser. o estaria na intenção consciente do romancista, ao utilizar esses
subterfúgios, “enganar” ou amesmo “brincar” com o leitor? Ou a sua real intenção
era a de retratar “fielmente” a realidade social de sua época?
Roberto Schwarz (2000, p.9) afirma que Machado dizia que o escritor pode
ser “homem do seu tempo e do seu país ainda quando trate de assuntos remotos no
tempo e no espaço”. E o crítico ainda acrescenta que
Ao transpor para o estilo as relações sociais que observava, ou seja, ao
interiorizar o país e o tempo, Machado compunha uma expressão da
sociedade real, sociedade horrendamente dividida, em situação muito
particular, em parte inconfessável, nos antípodas da pátria romântica.
(SCHWARZ, 2000, p. 11)
18
Isso significa dizer que Machado de Assis, imbuído do espírito de seu tempo e
de seu país, ousou em sua forma literária, pois adotou uma postura capaz de captar
e dramatizar a estrutura do país, transformada em escrita. E por seu movimento
dialético, a prosa machadiana constitui um espetáculo histórico-social complexo,
alternando crítica mordaz, ironia sutil e estratagemas de despistamento artístico que
os narradores se encarregam de realizar.
Possuidor de sensibilidade ímpar, Machado foi capaz de registrar o ímpeto e
a contemporaneidade das mudanças que estavam acontecendo e que foram
vistas ou registradas por muitos no século seguinte, mas que ele as percebia e as
anotava em seus textos.
John Gledson, na introdução de seu livro Impostura e Realismo, afirma que
a grandeza de Machado é freqüentemente vista como capacidade de
antever muitos dos procedimentos literários do século XX, nos quais as
perspectivas múltiplas, os narradores não-confiáveis e um profundo
ceticismo quanto ao nosso acesso à verdade se tornaram, se não norma, ao
menos bastante comuns.
(GLEDSON, 1991, p.8.)
Na visão de Gledson, o escritor fluminense recusou totalmente enquadrar-se
com preceitos e com as normas vigentes de sua época, adotando uma posição
moderna que, de certa forma, antevia as mudanças que iriam ocorrer ao longo do
século seguinte.
Além de rejeitar o rótulo de realista, Machado, meio à contramão da
sociedade burguesa do século XIX e fazendo um percurso inverso as essas regras
sociais, traça, em seus romances, principalmente nos últimos Dom Casmurro,
19
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Esaú e Jacó e Memorial
de Aires - um perfil das personagens femininas singular para a época.
José Veríssimo, grande amigo do escritor, em sua obra História da
Literatura Brasileira, retrata a grandeza de Machado:
A data de seu nascimento e do seu aparecimento na literatura o fazem da
última geração romântica. Mas a sua índole literária avessa a escolas, a sua
singular personalidade, que lhe não consentiu jamais matricular-se em
alguma, quase desde os seus princípios fizeram dele um escritor à parte,
que tendo atravessado vários momentos e correntes literárias, a nenhuma
realmente aderiu se não mui parcialmente, guardando sempre a sua
isenção. [...]
Ninguém na literatura brasileira foi mais, ou sequer tanto como ele, estranho
a toda a espécie de cabotinagem, de vaidade, de exibicionismo. De raiz
odiava toda a publicidade, toda a vulgarização que não fosse puramente a
dos seus livros publicados. (VERÍSSIMO, 1977, p. 411)
Como o crítico aponta, Machado de Assis foi um escritor diferenciado. Através
da observação arguta e perspicaz dessa sociedade na qual estava inserido e, com
ironia sutil e crítica feroz, algumas de suas características marcantes, representou,
com maestria, essa mesma sociedade, especialmente a carioca, realçando seus
elementos constitutivos, inclusive suas mazelas. Usando de um refinamento ímpar, o
escritor fluminense ousou retratar comportamentos que, para a época, o
considerados verdadeiros avanços.
Alguns de seus contemporâneos, como Sílvio Romero, não souberam
reconhecer o caráter avançado e moderno da escrita machadiana ou pelo menos
não entenderam as suas artimanhas. Romero (1992, p.122) escreve sobre o estilo
de Machado de Assis:
20
é a fotografia exata do seu espírito, de sua índole psicológica indecisa.
Correto e maneiroso, o é vivaz, nem rútilo, nem grandioso, nem
eloqüente. É plácido e igual, uniforme e compassado. Sente-se que o autor
não dispõe profusamente, espontaneamente do vocabulário e da frase. Vê-
se que ele apalpa e tropeça, que sofre de uma perturbação qualquer nos
órgãos da palavra. Sente-se o esforço, a luta. (ROMERO, 1992, p.122)
O texto de Romero é feroz. O estilo machadiano é tratado como desprovido
de qualquer inovação e o crítico ainda confunde a obra e a vida do escritor, o que
certamente é uma falácia. Com esse comentário sobre Machado, ele demonstra
desconhecer não a obra do escritor como também os fundamentos da teoria da
literatura, já amplamente divulgados naquela época.
E deve-se à crítica do século XX, através de nomes importantes de nossa
literatura, exercer a tarefa de desvelamento das complexas enunciações
machadianas. Haroldo de Campos, por exemplo, foi por demais preciso em dar uma
dimensão diferenciada e contrária às falácias de Romero. Segundo Campos,
em Machado, o tartamudeio estilístico era uma forma voluntária de
metalinguagem. Uma maneira dialógica (bakhtiniana) implícita de desdizer o
dito no mesmo passo em que este se dizia. O “perpétuo tartamudear” da
arte pobre machadiana é uma forma de dizer o outro e de dizer outra coisa
abrindo lacunas entre as reiterações do mesmo, do igual, por onde se
insinua o distanciamento irônico da diferença. (CAMPOS, 1992, p. 223-224)
Campos aponta para um Machado de Assis não inovador mas também
precursor de outros escritores, os quais tiveram, nas obras machadianas, um
caminho aberto para a modernidade e com isso foi possível desenhar um novo
painel para a literatura brasileira.
21
Wilton Cardoso, em entrevista à Revista Scripta (2000, p. 269), comenta o
estilo machadiano. Ele aponta que
Caracterizar a obra de Machado de Assis do ponto de vista filosófico, ou
mesmo do ponto de vista meramente de crítica literária como sendo, vamos
dizer assim, uma contribuição em que predomina a ironia me parece
inteiramente falso. Machado de Assis não é irônico, Machado de Assis é
humorista. O que é bastante diferente. Já se disse que o irônico é o
indivíduo que pensa num ideal, o irônico é um idealista, ele analisa a
realidade tentado pelo que ela devia ser e não pelo que é, e nisto ele faz a
ironia. Quando nós chamamos, por exemplo, um indivíduo pouco inteligente
de gênio, estamos fazendo ironia. O humorismo é ao contrário, ele é
realista, não é idealista, ele vê a realidade, pinta a realidade tal como ela é e
finge estar de acordo ou defender esta realidade. E é este o caso de
Machado. (CARDOSO, 1997, p. 269)
Ao adotar essas estratégias narrativas, Machado de Assis enreda o leitor de
tal maneira que seus narradores parecem “brincar”, parecem esconder-se por trás
de máscaras num jogo de ocultamento e desvelamento na busca de uma
possibilidade inútil de apreensão dos falseamentos do escritor.
O registro machadiano de sutilezas e disfarces contribuiu, de forma
inconteste, para que nós, seus leitores, conhecêssemos e reconhecêssemos a
grandeza de sua obra como também o desenho de suas personagens femininas. Ao
apresentá-las, Machado de Assis utiliza-se de uma estratégia narrativa que expõe a
figura feminina a partir de um outro ângulo, o da esfera do público, espaço este
freqüentado somente por homens naquela época.
O romancista constrói personagens femininas singulares, diferenciando-as
daquele modelo visto, preferido e adotado pela sociedade burguesa dominante do
século XIX. Aliás, modelo que se formara desde a sociedade clássica da antiga
Grécia.
22
2. O SER FEMININO: UM TEMA DESDE SEMPRE.
2.1.
ASPECTOS HISTÓRICOS.
Refletir sobre o gênero é depositar o olhar sobre o mundo, considerando com
propriedade o caráter biológico, o cultural, o histórico, o social, o ideológico, o
religioso. Nesse sentido, o gênero apresenta-nos uma função analítica que traz à luz
conflitos entre homens e mulheres e define formas de representar a realidade social
e de intervir nela.
Tendo em vista essa função analítica a que o gênero se propõe, a
humanidade tem presenciado, ao longo da História, transformações que têm levado
a sociedade humana a um estado de inquietação, e, por que não dizer, de
perplexidade. O que temos vivenciado, no plano das mutações sociais, não se
restringe apenas a uma evolução ou até mesmo a uma revolução dos costumes.
Essas mudanças de paradigmas na sociedade humana não somente questionam
nossos comportamentos como também nossos valores. Elas nos inquietam no que
tange ao mais íntimo de nosso ser: a nossa identidade, a nossa natureza de homem
e de mulher. E essas várias mutações têm servido para que o ser humano reflita
sobre si mesmo e sobre o outro e se afirme como um ser de relações. Para tanto
necessita de um outro para interagir e adaptar-se à vida em sociedade.
Desde a era primeva, a racionalidade, a linguagem, o pensamento têm sido
fatores determinantes na construção do ser humano. Cada fase humana traz uma
23
relação masculino/feminino com características próprias e cada uma delas traduz as
contradições pertencentes a seu contexto.
Em épocas ancestrais, em meio hostil, a espécie humana teve que lutar pela
sobrevivência mediante a predominância de homens, dotados de mais força e
agressividade. Em outras eras, em meio mais domesticado e menos ameaçador de
sobrevivência, podiam florescer dimensões mais amenas, atmosfera propícia à
predominância da mulher.
Efetivamente, pode-se perceber que a própria História se encarregou de
“moldar” esse ser para viver em sociedade, interagir com seus parceiros e levá-lo a
reconhecer que ele é um ser de incompletude; e, para isso, necessita de
complementaridade. Durante todo esse tempo, na tentativa em adaptar-se às
transformações, tão complexas e intricadas, o ser humano tem sido levado
constantemente a questionar o sentido de sua existência, o seu estar no mundo, seu
papel histórico e social.
Nos primórdios, diferentemente do que crê o pensamento patriarcal, a
verdadeira adaptação da humanidade não foi feita pela violência e, sim, pela
solidariedade. Em outras épocas, as relações eram igualitárias, homens e mulheres
viviam integrados harmoniosamente e cada um desempenhava uma função
relacionada com seu papel. O homem partia para a conquista do mundo e a mulher,
que era considerada mais próxima dos deuses, porque dela dependia a reprodução
das espécies, tinha suas atividades relacionadas ao lar e à família.
Nas sociedades de caça iniciam-se as relações de força e o masculino, que
passa a ser o nero predominante, vem a se tornar hegemônico. A partir desse
período, coube ao homem o domínio do espaço público e, à mulher, o do privado. A
relação homem/mulher passa a ser estruturada com base no domínio desses
24
espaços. Devido à complexidade desse espaço público, o homem passa a ter
primazia sobre a mulher. Vem daí o princípio do poder masculino que vai governar o
mundo durante séculos.
A humanidade vivenciou diferentes formas de relacionamento de gênero. No
matriarcado, centrado na mulher; no patriarcado, com foco no homem, e, hoje, com
o alvorecer de um novo paradigma civilizacional, conseguimos vislumbrar um muito
além da distinção dicotômica dos papéis sexuais.
Assim, no decorrer da História, mesmo a realidade nos tendo mostrado a
divisão homem/mulher nos vários tipos de sociedade, com a submissão da mulher
ao domínio do homem, a figura feminina não pôde ser totalmente apagada, pois o
ser-mulher é algo essencial que está aí. Ela pode ser eclipsada, subordinada e
tornada publicamente invisível, mas nunca destruída, apagada.
Falar do homem é também falar da mulher e vice-versa, pois, ambos formam
a humanidade. É ver a unidade na diferença e a diferença na unidade. Ambos
fundam dois modos diferentes de viver, porém, relacionados, são seres humanos.
Uma das funções a que a Filosofia se propõe é pensar o que somos e o que
sabemos. Vale dizer ainda que é também papel da Filosofia colocar em questão
quem é esse ser singular, diferenciado que é o ser humano. E a reflexão filosófica
está atenta a esse questionamento, o que continua sendo motivo de muitas de
nossas angústias.
Sabemos cada vez mais sobre o homem e a mulher, sua evolução e sua
construção histórica e social, pois o que é dito sobre ambos diz respeito à
humanidade. Contudo, tal saber não esgota nossos questionamentos. Afinal, a
questão essencial fica sem resposta. Que é o ser humano? O que é ser mulher? O
25
que é ser homem? Qual é, na verdade, a natureza humana? Para onde iremos? O
que fazemos nesse mundo? Qual é o sentido de viver?
Dentro dessa complexidade que é o ser humano, entendemos que o
masculino e o feminino sejam princípios. E como princípios, significam um jogo de
relações que continuamente constrói o humano como homem e mulher, constituindo
forças construtoras e organizadoras da vida.
Por mais que estejamos mergulhados na realidade, nunca somos e nem
entendemos na totalidade o real que conhecemos. Integramo-nos a ela por meio de
representações, de modelos, de símbolos e projeções que vão nos servindo de
referência para a construção de nossa realidade sócio-histórica.
No âmbito do humano, esses princípios o mais bem compreendidos se os
contemplarmos a partir da estruturação do ser, pois este nasce inteiro, mas não está
pronto, porque se encontra sempre em fase da gênese. Como ser inacabado, está
sempre em busca de algo, na tentativa de saciar o seu desejo de plenitude. Tarefa
inútil, pois tanto o homem como a mulher, seres humanos e desejantes, são
marcados pela falta. E na busca incessante de preenchimento dessa falha, ambos
acabam irremediavelmente perdidos, pois diante da impossibilidade e do
inapreensível, resta-lhes apenas a lacuna, o vazio.
Estrella Bohadana expressa, em seu artigo “Unidade Primordial: Perda ou
Fantasia?”, inserido na obra Feminino Masculino No imaginário de diferentes
épocas, o caráter lacunar do ser humano.
[...] Pois apenas do interior dessa condição pode o homem lamentar-se por
não viver a plenitude: Plenitude que, se vivida, conduziria à Morte, que
nela o homem ingressaria no tão ansiado Absoluto. Assim, ansiar é de per si
a condição propriamente humana, na qual, inexistindo a possibilidade de
26
saber o princípio e o fim, resta tão-somente a possibilidade única de viver
um percurso errante. (BOHADANA, 1998, p. 22)
A autora reforça a condição de incompletude do ser humano e aponta para a
sua errância no sentido da busca interminável. Como o ser humano incomoda-se
com a falta e está impossibilitado de suplantá-la, diante do vazio, não outra
alternativa senão buscar, incessante e irremediavelmente, outras formas do existir.
Resta-lhe, então, continuar o percurso, tentando libertar-se da intenção de capturar
o existente, mas percorrendo, na grandeza e no vigor, as alamedas do existir.
Neste sentido, a questão do gênero masculino ou feminino ultrapassa a
distinção de homem e de mulher, enquanto papéis políticos, sociais, culturais,
religiosos, ideológicos que desempenham em uma sociedade em determinado
tempo e lugar.
Na sociedade grega, a condição feminina seria ainda mais precária do que a
que se encontra no cenário cultural que foi focalizado por Machado de Assis. Basta
olhar um documento insuspeito para comprovar-se a afirmação. Abra-se a Poética
de Aristóteles, na parte em que o filósofo fala de “Caracteres, Verossimilhança e
Necessidade”, mais precisamente, no capítulo XV, e vai-se ler, com todas as
letras:
No respeitante a caracteres, quatro pontos importa visar. Primeiro e mais
importante é que devem eles ser bons. E se, como dissemos, há caráter
quando as palavras e as ões derem a conhecer alguma propensão, se esta
for boa, é bom o caráter. Tal bondade é possível em toda a categoria de
pessoas; com efeito, uma bondade de mulher e uma bondade de escravo,
se bem que o [caráter de mulher] seja inferior, e o [de escravo], genericamente
insignificante. (ARISTÓTELES, 1992, p. 79)
27
Na visão do filósofo, a inferioridade da mulher e de sua posição social ficam
atestadas, justificando, assim, o pensamento masculino como instrumento de poder.
Isto nos leva a pensar que há, por natureza, comandantes e comandados: o homem
livre comanda o escravo, o homem comanda a mulher; esta desprovida de razão, de
vontade, caracterizando-se como elemento subordinado à autoridade masculina.
Para Aristóteles, apesar de pertencer ao gênero humano e possuir a capacidade de
deliberar, a mulher é distinta em relação ao homem, pois a ela falta a capacidade de
decidir.
Temos aí demonstrado o modelo de mulher da época clássica. Ela aparece,
no cenário social, como um bem precioso a ser guardado e preservado e que
transmite prestígio e valor enquanto guarddos filhos e do ambiente doméstico.
Como mãe, ela se identifica a um ser intimamente ligado à sua casa, à sua terra, a
seu lar. Como mulher, não é senão um ser que se submete às ordens do homem, às
leis do Estado, incapaz de gerir a própria vida.
Se a mulher, inserida nessa sociedade, tem o mesmo status que os escravos,
portanto, sem o poder de expressão, a tragédia grega evidenciará perfis que fogem
um pouco à regra, ainda que tal audácia seja severamente punida.
Sófocles, em duas de suas tragédias, Antígona e Electra, traça o perfil de
uma mulher diferenciada, avançada para os padrões da época. Suas personagens
femininas apresentam um comportamento inovador, singular e contemporâneo.
Retrata uma mulher desafiadora, que põe em questão regras sociais, que é capaz
de contestar as leis do Estado e as da família. Revela-nos, portanto, nesse traço
feminino, um caráter de ação e atitude tipicamente masculinos na sociedade do
período Clássico.
28
Percebe-se, então, nas tragédias citadas acima, o papel feminino diferenciado
de Antígona e Electra: mulheres que transgrediram a determinação social que era
imposta à mulher na época, conseguindo sair do espaço privado e fazendo a sua
inserção no espaço público.
Antígona, protagonista da tragédia homônima de Sófocles, apresenta-se
como uma mulher altiva, digna, instigante, corajosa, ciente da responsabilidade
familiar que tem sobre seus ombros. Ao desafiar seu tio Creonte, contrariamente aos
padrões femininos da época, Antígona demonstra um espírito de coragem incomum
para os moldes de mulher típica da Antiguidade Clássica. A sua figura talvez seja
uma das mais complexas da tragédia grega. Isto porque seu estatuto de heroína
solitária nos faz crer que seria quase impossível para uma mulher agir de tal forma.
Filha de Édipo e Jocasta, foi ao mesmo tempo modelo de piedade filial e de
dedicação fraterna. Depois de servir de guia a seu pai cego e de ter assistido seus
últimos momentos, voltou a Tebas e testemunhou a luta entre Eteócles e Polinices.
Depois da morte dos dois príncipes, seus irmãos, Antígona não obedece a Creonte,
seu tio e então rei de Tebas, que proíbe que se dê sepultura ao corpo de Polinices,
que morrera combatendo contra a cidade.
Considerando essa lei absurda, Antígona resolve infringi-la para cumprir um
dever sagrado: o de enterrar Polinices. Esforça-se inutilmente para que sua irmã
Ismene a ajude nessa tarefa. Sem êxito, vê-se sozinha nessa empreitada. À noite,
fugindo à vigilância dos guardas de Creonte, deu a seu irmão Polinices o rito
funerário adequado. Descoberta a sua transgressão, foi então presa e conduzida à
presença do rei, que, impiedosamente, a condenou à morte.
Essa tragédia representa o infortúnio de Antígona, mas, ao mesmo tempo, a
sua grandeza; simboliza, por mostrar para sempre, o poder da recusa e da
29
legitimidade da revolta diante de qualquer poder, tirânico ou político, que queira, por
direito, reinar ao mesmo tempo sobre a cidade e sobre o mais-além, sobre o mundo
dos vivos e o mundo dos mortos.
Com a figura de Antígona, Sófocles atesta a dignidade da guardiã do
ambiente doméstico frente ao poder totalitário da cidade. Antígona encarna a
afirmação de uma autonomia feminina não identificada até então. A sua audácia
representa o ato de honradez, de fidelidade, de justiça, enfim, de um mais-além: a
própria imagem da essência do ser humano.
Tal qual Antígona, Electra, também personagem de Sófocles, na tragédia do
mesmo nome, apresenta traços marcantes e diferenciais para o modelo de
desempenho feminino na sociedade grega da Antigüidade Clássica.
Essa tragédia de Sófocles tem antecedentes na história da Guerra de Tróia.
Agamêmnon, rei de Argos, é o mais poderoso dos chefes da Grécia lendária. Após a
vitória dos gregos na luta que os manteve afastados de seus lares por dez anos,
regressa a Micenas, onde Clitemnestra, sua esposa, apaixonara-se por Egisto, primo
do infeliz chefe grego. Clitemnestra, no mesmo dia do retorno do marido, mata-o,
ajudada por seu amante, sob o pretexto de que o esposo sacrificara, antes de partir
para Tróia, uma de suas filhas: Ifigênia
1
.
Ao assassinar Agamêmnon, Clitemnestra perturbou violentamente a ordem
natural das coisas, e, portanto, não merecia permanecer impune. Por um processo
também perfeitamente natural, o crime deveria provocar uma reação equivalente. E
por mais violenta que a cena possa parecer, fica evidente que, para restabelecer o
equilíbrio, outro ato de violência deveria ocorrer. Clitemnestra cometera uma falta,
contrariando os deuses, e, assim, inapelavelmente, deveria ser punida.
1
Há duas versões da peça Ifigênia em Áulio, de Eurípides. Uma delas narra o assassinato de Ifigênia
por Agamêmnon. A outra narra o desaparecimento milagroso da princesa, sendo substituída por
uma oferenda à deusa Ártemis, salvando assim Ifigênia da morte.
30
Por tal crime, Electra se dispõe de forma corajosa e comovente a gritar pela
morte de Clitemnestra, sua e, assassina de Agamêmnon. E por mais que
Clitemnestra pedisse, Electra exorta o irmão que golpeie com força a e, que em
vão pede por misericórdia.
Ao insistir na punição de Clitemnestra e clamar por justiça, Electra demonstra
uma firmeza irredutível, mesmo que, com esse ato, a heroína possa ser vista como
uma mulher dura e implacável.
Tudo isso faz com que a figura da personagem Electra, nessa tragédia, se
transforme e se enalteça, pois seu caráter vai além de revelar apenas a justiceira,
mas aquela que, por um amor fraternal, é capaz de zelar pela organização social, a
determinação dos deuses e a prática da justiça.
Assim, tanto Antígona como Electra, personagens femininas que figuram nas
tragédias da Antigüidade Clássica, são mulheres de comportamentos tão
diferenciados para a época que valeria afirmar que, apesar de viverem em um tempo
tão distante de nós, podem ser caracterizadas como mulheres de atitudes
compatíveis com as também singulares mulheres machadianas.
2.2.
O OLHAR MACHADIANO POUSA SOBRE A QUESTÃO DO
GÊNERO
As personagens femininas machadianas foram projetadas por seu criador não
como objeto de posse do masculino, mas como sujeito atuante e identificado com o
seu papel de mulher e como peça fundamental de uma sociedade em construção.
31
Personagens que são capazes de sair de um mundo de reclusão e submissão para
figurar num espaço social do masculino. Percebe-se que ao adotar tal estratégia,
Machado inova, faz diferente do que se esperava de um homem do século XIX.
Dirce Côrtes Riedel comprova como a narrativa machadiana e seus
personagens inauguram um novo tipo de literatura ao apontar que
a dissonância predominante entre o que os personagens lêem e o que
vivem no real” da narrativa ou imaginam no seu real imaginário produz, na
obra de Machado, entre outras significações:
a) a crítica a uma cultura acanhada e bitolada, na qual a literatura lida é
uma subliteratura, quase sempre de conceito decorativo;
b) a crítica à maneira por que a leitura é usada, em geral como passatempo
sem conseqüências ou como exibicionismo de uma cultura de fachada;
c) a carnavalização do próprio texto de Machado, baseado em dissonâncias
e inversões, e no qual quase tudo é ambivalente, porque visto por uma
lógica às avessas. (RIEDEL, 1974, p.114.)
Riedel atesta que Machado não contempla em suas obras a narrativa direta,
objetiva e linear, como a dos românticos. Ao contrário, com as sutilezas que lhe são
características, seus romances não podem ser lidos de forma ingênua, pois na
subjacência do texto está a essência da palavra, o seu “verdadeiro” sentido.
Culto, com uma linguagem elegante e bem elaborada, tornou-se patente que,
para ser leitor da obra de Machado, não bastava ser um mero leitor. Em
contrapartida, deveria ser, conforme Eco atesta em Seis passeios no bosque da
ficção (1999), um leitor modelo, ou seja, aquele que é capaz de manter com o texto
um processo de interação, para que o texto provoque nesse leitor um efeito de
sentido, uma ressonância capaz de levá-lo a possíveis indagações, cujas respostas
situam-se num entre-lugar da narrativa.
32
Compagnon reitera as palavras de Eco quando faz referência a Iser, nas
obras O Leitor Implícito (1972) e em O Ato de Leitura (1976). Segundo Iser,
a obra literária tem dois pólos, [...] o artístico e o estético: o pólo artístico é o
texto do autor e o pólo estético é a realização efetuada pelo leitor.
Considerando esta polaridade, é claro que a própria obra não pode ser
idêntica ao texto nem à sua concretização, mas deve situar-se em algum
lugar entre os dois. Ela deve inevitavelmente ser de caráter virtual, pois ela
não pode reduzir-se nem à realidade do texto nem à subjetividade do leitor,
e é dessa virtualidade que ela deriva seu dinamismo. Como o leitor passa
por diversos pontos de vista oferecidos pelo texto e relaciona suas
diferentes visões e esquemas, ele põe a obra em movimento, e se põe ele
próprio igualmente em movimento. (ISER, 1985 p. 21)
Isso nos leva a uma compreensão, pois, para que o leitor machadiano
realmente possa participar do jogo que é a leitura, cujas bases estão no pacto texto-
leitor, ele deveria operar em uma rede de sentidos que se constrói de buracos, de
lacunas, de silêncios, de indeterminações; o que lhe a possibilidade, mesmo de
forma virtual e subjetiva, de propiciar a ele (leitor) a ilusão de um jogo de efeitos de
sentidos, e por que não dizer, de uma operação dialógica em que leitor e texto se
fundem e se individualizam.
Os narradores dos romances machadianos vivem envolvidos em tramas,
memórias, reminiscências, falsas artimanhas, artifícios que têm à mão para envolver
os leitores em inumeráveis embustes, que os conduzem a reflexões e enigmas
muitas vezes indecifráveis. Machado tece suas narrativas de modo que seus
leitores, mesmo os “distraídos”, vão aderindo ao pacto de leitura, na tentativa de
buscar os deciframentos para as situações que lhes são postas. Isso faz parte da
estratégia machadiana em colocar o seu leitor a par dos questionamentos do ser
humano e dos reveses da vida. “O objeto principal de Machado de Assis é o
33
comportamento humano. Esse horizonte é atingido mediante a percepção de
palavras, pensamentos, obras e silêncios de personagens que representam homens
e mulheres que viveram no Rio de Janeiro durante o Segundo Império”, conforme
Alfredo Bosi (1999, p.11) evidencia.
A propósito, Letícia Malard, no ensaio “Dom Casmurro começou na imprensa
com José Dias”, publicado em Literatura e dissidência política (2006, p.157),
ilustra muito bem a estratégia de despistamentos da narrativa machadiana. A partir
do confronto entre o texto “Um agregado”, publicado primeiramente no periódico
República em 1896, no Rio de Janeiro, e que coincidentemente apresenta o
subtítulo entre parênteses “Capítulo de um livro inédito”, e alguns capítulos do
romance Dom Casmurro, a autora aponta “modificações, cortes e acréscimos” que
Machado quis, deliberadamente, fazer com a intenção de “apagar” pistas, cortar
evidências a fim de tornar as questões apresentadas no romance mais ambíguas e
indecidíveis.
Malard destaca similitudes entre os textos, apontando para uma
“reengenharia artística” entre Um agregado e Dom Casmurro. Como exemplo, a
autora enfoca a apresentação da casa de Bentinho.
Excetuando-se a apresentação da casa do Bentinho criança, algumas
alterações factuais são de menor interesse. Em “Um agregado”, o enredo
começa em dezembro de 1855, e a casa fica na Rua do Resende. No
romance, o começo é em novembro de 1857, e a moradia se localiza na
Rua de Mata-cavalos. A apresentação da casa foi deslocada para o capítulo
II, intitulado “Do livro”, e se configura bem mais detalhada. No capítulo do
jornal, “é um grande prédio de sete janelas, vasto saguão, extensa chácara
ao fundo. Era mui bem pintada e algumas salas a fresco, - alguns tetos
lavrados”. (Assis, 1969, p. 251). Essa última frase me soa mal no escritor
maduro. A única coincidência entre a descrição do jornal e a do romance é
os “tetos lavrados”. Isso comprova que o capítulo II ainda não existia àquela
altura, pois o autor não iria apresentar duas vezes a mesma casa.
(MALARD, 2006, p.158-59)
34
Nesse mesmo ensaio, a autora ressalta que Machado cuidadosamente
trabalhou a linguagem no sentido de “falsear” os possíveis caminhos para
deciframentos de enigmas propositalmente colocados por ele nos textos citados.
Malard ainda cita diferenças entre o romance e o conto publicado no jornal: o
sobrenome de Pádua é Fialho; no romance, a aproximação das famílias concretiza-
se por uma enchente, no jornal, ela é feita por um favor que D. Glória prestou à mãe
de Capitu.
Vale dizer ainda que a ensaísta destaca que os romances machadianos,
excetuando Ressurreição, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, foram publicados
com várias modificações e Quincas Borba sofreu alterações profundas em duas
versões integrais. Ressalta também que, nesse aspecto, Dom Casmurro é singular.
Isso quer dizer que Machado, ao escrever suas obras, intencionalmente adota
a estratégia da reescritura como uma das formas de “dissimular”, dando trabalho a
seus seus leitores, principalmente àqueles que ingenuamente crêem estarem
decifrando o indizível, o enigmático de seus textos.
Percebemos, nos romances machadianos, por diversas vezes, as referências
e as citações que o romancista faz a grandes obras e grandes escritores e muitas
das citações são literais. Comprova-se, então, que Machado o escrevia para um
leitor qualquer. Seus leitores necessitavam de outras leituras para que pudessem
compreender o sentido que pretendia, pois muitos deles estavam encobertos sob o
“manto diáfano da fantasia” (CANDIDO, 2000, p. 86), o que tornava imperativo um
sistema de chaves para abrir os esconderijos da sólida verdade, e deste modo, ele
se justificava.
O refinamento de Machado exigia que seus leitores fossem aqueles que
bebessem de fontes universais e de leituras ltiplas. Seus romances, complexos e
35
sofisticados, conduzem-nos à “busca, lenta e medida do esforço criador em favor de
uma profundidade que não é criada pelo talento inato, mas pelo exercício consciente
e duplo, da imaginação e dos meios de expressão de que dispõe todo e qualquer
romancista”. (SANTIAGO, 2000, p. 28)
Na vasta produção literária machadiana, identificamos marcas realmente
inovadoras e avançadas para aquele período de sua escritura. Por exemplo, ao
utilizar-se de digressões, de tempo psicológico, da estrutura narrativa e discursiva
diferenciada, da conversa com o leitor, Machado um salto qualitativo em relação
aos seus contemporâneos, como já foi ressaltado.
Voltando para a proposta central desse trabalho, amarrado à questão do perfil
da mulher machadiana, deve-se considerar que ele, Machado, está sempre a se
referir às tragédias shakespearianas em suas obras. Não teria o romancista também
buscado em Sófocles e em Shakespeare o modelo de mulher forte e transgressora,
tais como Antígona e Electra, Desdêmona e Cordélia, para construir suas
personagens femininas? Não teria ele adotado essa postura como forma de colocar
em questão as instituições daquele século? Não seria uma maneira de não só
“escancarar” aquela sociedade dominante mas também por considerar que era
tempo de a mulher transgredir a norma vigente?
Ao construir essas personagens, Machado de Assis estabelece um novo
paradigma para a mulher dentro da sociedade de seu tempo, e, da mesma forma
que nos chama a atenção no sentido de atentarmos para as mudanças e as
novidades que só viriam a se concretizar em décadas posteriores. Isso significa dizer
que o escritor fluminense conseguiu expressar, através da literatura, não só as
marcas do feminino daquela sociedade, agindo no espaço cio-histórico do
36
masculino, mas também conseguiu vislumbrar um mais além, ou seja, a essência do
ser humano.
É notório que o leitor machadiano tenha sua atenção voltada para o que se
poderia identificar como uma questão de alteridade, vendo as mulheres que
transitam nos romances de Machado como seres diferentes, no sentido de
ostentarem uma condição que as identifica como seres que incomodam por suas
posturas, atitudes e reivindicações que vão de encontro aos princípios culturais
historicamente marcados.
Essa posição do romancista é uma clara manifestação de desconforto diante
do que se assistia na sociedade de sua época, em que a mulher, praticamente,
desaparecia como sujeito social, envolvida por preconceitos e restrições que lhe
negavam direitos e lhe subtraíam a condição de decidir o seu próprio destino. A
mulher não desfrutava o privilégio do saber e da palavra, pois estes eram próprios
do masculino.
É nesse quadro que Machado de Assis ficcionaliza figuras femininas que
pudessem pôr em xeque a situação dominante. É uma atitude, sem dúvida,
avançada, motivo por que se costuma dizer que as mulheres machadianas se
colocam como sujeitos revolucionários, antecipando, em pelo menos um século, as
condições de reconhecimento e as conquistas que as mulheres vieram a obter no
século XX.
É evidente que se faz presente a genialidade do autor, mas é forçoso
também reconhecer que as leis e mecanismos que relativizam o tempo encontram
na obra literária um terreno propício para o seu exercício. Tanto é assim que tais
perspectivas podem ser encontradas na origem mesma da expressão artístico-
37
literária da cultura ocidental. É o que se pode verificar no mundo grego, em épocas
que distam nada menos que 2500 anos dos nossos dias.
Desde as civilizações mais antigas até as primeiras conquistas da chamada
Revolução Industrial, a história da humanidade que conhecemos tem sido a história
de personagens masculinos, sejam eles guerreiros, sacerdotes, heróis ou artistas: os
faraós do Egito, os profetas da fé islâmica, os evangelistas que disseminaram o culto
cristão, os imperadores da China, os samurais do Japão, sem exclusão, foram todas
personagens masculinos.
Não encontramos nessa história menção à figura feminina que pudesse ser
considerada, na ótica do historiador, a expressão de valores com dimensão
universal.
Quando a mulher surge nas criações artísticas é invariavelmente como musa
inspiradora, objeto de desejo, campo de sonhos, o ponto fraco nas muralhas do
inimigo. Os nomes podem variar, mas a imagem é sempre esta, de objeto, jamais de
sujeito da ação.
No entanto, personagens como Antígona e Electra, criadas por Sófocles, são
quase exceções. Estas personagens femininas, contestadoras e inconformadas com
as leis masculinas que definiam o comportamento do conjunto da sociedade, foram
punidas e tiveram trágico fim, como se impunha na tragédia grega aos
transgressores da moral convencional. Assim, por serem transgressoras,
desempenharam, naquela sociedade, um papel diferenciado para a época.
Sabemos que o discurso literário, como os demais discursos, está sujeito a
condições sociais, históricas, culturais e de grupos que com ele interagem. A
questão do gênero não é certamente um fato episódico, pois o gênero apresenta
aspectos específicos em face aos momentos históricos vivenciados por ele.
38
Historicamente, o século XIX foi um período extremamente diferente dos
anteriores em todo o Ocidente. Ao contrário do que ocorrera no passado, o mundo
ocidental vivencia, nesse século, mutações e mudanças de conceitos e paradigmas
que servirão de suporte para uma visão inovadora da humanidade sobre o mundo
contemporâneo.
Também para a sociedade brasileira, esse século representou
transformações, tais como: a consolidação do capitalismo, a urbanização das
cidades, o que levou a novas alternativas de convívio social. A ascensão da
burguesia e o surgimento de uma nova mentalidade acerca das relações sociais,
que envolvem o homem e a mulher, representaram alterações na concepção e na
ocupação dos espaços público e privado.
Nesse contexto de mudanças, Machado de Assis, ao escrever a sua obra,
traduz, de forma inovadora, as relações sociais e humanas dessa sociedade em
transformação. Utiliza-se desse mesmo contexto como matéria-prima para suas
histórias, retratando criticamente os problemas, as preocupações, os costumes e as
tradições, os ideais da vida burguesa carioca na época do Segundo Reinado.
Nenhum escritor foi tão atento às mudanças que ocorreram nessa época
quanto Machado, pois, no seu exercício literário, foi capaz de expressar, de forma
significativa e contundente, os fenômenos e as manifestações sociais de seu tempo.
Bentinho, em Dom Casmurro, é o exemplo de como o escritor fluminense
realça as personagens que se identificam com o modelo social das famílias
endinheiradas do século XIX. D. Glória, para citar um outro exemplo, depois da
morte do marido, reverte as propriedades rurais que possuía em casas de aluguel,
apólices, escravos. Convida seu irmão, Cosme, advogado, e a prima, Justina, ambos
viúvos, para virem morar com eles na casa de Mata-cavalos. Todos os membros da
39
família Santiago viviam na ociosidade, usufruindo do prestígio e das comodidades
que, como toda família abastada, possuíam.
Afrânio Coutinho atesta, em Machado de Assis na Literatura Brasileira, a
visão que o romancista carioca tinha acerca dessa sociedade. O crítico aponta
o retrato que Machado fornece da sociedade de seu tempo: as condições
da família patriarcal, impondo as conveniências sociais aos direitos do amor
nos casamentos forçados, “complicação do natural com o social”; os
reflexos psicológicos e sociais das condições criadas pela escravidão; as
repercussões da guerra externa; os costumes políticos da época, os
problemas financeiros, o espírito crítico ligado à renovação cultural
provocada pelo Positivismo e Naturalismo na década de 1870, em
consonância com o movimento de afirmação da consciência literária
nacional. (COUTINHO, 1966, p. 41-42)
Conforme Coutinho destaca, a sociedade, na visão do escritor fluminense,
reflete a vida burguesa das famílias mais abastadas do Rio de Janeiro bem como os
aspectos psicológicos e culturais de seus integrantes.
Vale dizer ainda que Machado, além de retratar essa sociedade carioca,
tipicamente marcada por exterioridades, também usou a sua genialidade para
penetrar no interior do ser humano e analisar a sua essência. O romancista, ao
compor diversas personagens de seus romances, traça seus perfis de modo que o
leitor venha a conhecê-las pelos seus valores ou contra-valores, sua subjetividade,
sua interioridade e sua essência.
Para citar apenas um exemplo, a personagem Capitu é conhecida pelo
público a partir de atitudes, ações e comportamentos que, de certa maneira, refletem
a sua personalidade enigmática e desafiadora. E assim Machado o faz,
demonstrando a sua capacidade de disfarce arguto e astuto que lhe é próprio.
40
A vida cotidiana dessa época era mantida à base de conversas alheias,
visitas de cordialidade, bisbilhotices, traços típicos da sociedade elitista. Em uma
dessas ociosas conversas, José Dias, na condição de “protetor” de Bentinho,
interroga D. Glória sobre a promessa do seminário, com a intenção de adverti-la
sobre o relacionamento de Bentinho com a vizinha pobre, a filha do Pádua.
Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me
atrás da porta. A casa era a da Rua Mata-cavalos, o mês de novembro, o
ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha
vida para agradar as pessoas que não amam histórias velhas; o ano era
de 1857.
- D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no
seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.
- Que dificuldade?
- Uma grande dificuldade.
Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de
concentração, veio ver se havia alguém no corredor; não deu por mim,
voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a
gente do Pádua.
- A gente do Pádua?
- algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. o me
parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do
Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a
senhora terá muito que lutar para separá-los. [...]
[...] Mano Cosme, você que acha?
Tio Cosme respondeu com um “Ora!” que, traduzido em vulgar, queria dizer:
“São imaginações do José Dias; os pequenos divertem-se, eu divirto-me;
onde está o gamão?” (ASSIS, M. 2004, p. 811)
Isso posto, de se dizer que o escritor fluminense evidencia o modo de vida
da elite carioca e, pela argumentação do agregado, torna-se patente a crítica de
Machado a essa sociedade. José Dias quer deixar claro que Bentinho o poderia
namorar Capitu, a filha do Tartaruga, devido à diferença de classes sociais entre
ambos.
Depara-se em Memórias Póstumas de Brás Cubas, para citar um outro
exemplo, com a personagem Brás Cubas, um jovem que vive às custas do pai e
41
mantém com jóias os caprichos de Marcela. Ao apresentá-lo, Machado não quer
senão criticar o modelo conservador que a burguesia fazia questão de ostentar,
principalmente o de tornar visíveis os bens materiais que possuía, aparentando,
assim, o prestígio e o poder que aquela sociedade exigia de seus integrantes.
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de is; nada
menos. Meu pai, logo teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se
deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.
- Desta vez disse ele vais para a Europa; vais cursar uma
Universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não
para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: - Gatuno,
sim senhor; não é outra coisa um filho que me faz isto...
Sacou da algibeira os meus títulos de dívida, já resgatados por ele, e
sacudiu-mos na cara. Vês, peralta? É assim que um moço deve zelar o
nome dos seus? Pensas que eu e meus avós ganhamos o dinheiro em
casas de jogo ou a vadiar pelas ruas? Pelintra! Desta vez ou tomas juízo, ou
ficas sem cousa nenhuma. (ASSIS, 2004, p.536)
Percebe-se também, através da figura de Brás, a evidente sátira de Machado
à formação acadêmica dos filhos da classe dominante brasileira do século XIX, que
buscavam as novidades teóricas e políticas na Europa para legitimar a própria
hegemonia econômica, preservando, portanto, o prestígio, o poder e o ócio que
queriam continuar usufruindo.
Nesse contexto, algumas das atividades femininas sofreram mudanças mais
radicais como, por exemplo, os espaços sociais de caráter público em que as
mulheres, a então confinadas e senhoras do espaço privado, passaram a
freqüentar: saraus, bailes, chás, óperas, teatros.
No entanto, nesse mesmo contexto de mudanças, mulheres ainda
continuaram a representar o papel de subordinação e de acatamento às convenções
42
daquela sociedade e, reiteradamente, vamos assistir a uma história de figuras
femininas caracterizada por silenciamentos e interdições.
Sem voz, a mulher era colocada em lugar de submissão, e caracterizada por
um leque de estereótipos quase sempre equivocados. O que se exigia delas era que
fossem símbolos da harmonia e do equilíbrio no âmbito doméstico, para que, além
de tudo e acima de tudo, pudessem exercer o papel de mães.
Del Priore, em seu livro História das Mulheres no Brasil, aponta a
importância desse papel de ser mãe para a mulher do século XIX.
mulheres bonecas, amantes, festeiras, operárias, sábias, de tudo; isto é
porém o acidente ou o supérfluo [...] o que todas são; ou devem ser, é uma
só [...] é o que eu sou [...] e o que deves ser também, apesar das recepções
ou do protocolo, senhora embaixatriz [...] O que nós somos, essencialmente,
tirados todos os incidentes e supérfluos, é isto...MÃES! (DEL PRIORE,
2002. p.338)
Aqui, a autora destaca a perspectiva que se tinha da mulher: a de
representante de um sólido ambiente familiar, de um lar acolhedor, de filhos
educados e de uma esposa dedicada a seu marido. Ressalta ainda que o perfil
feminino, tido como modelo naquele momento, era marcado pela intimidade das
famílias e, principalmente, pela maternidade, o que, certamente, era visto com bons
olhos, pois geraria filhos lindos e perfeitos para que pudessem bem circular no meio
em que viviam.
Mas, mesmo nessas condições tidas como “desfavoráveis”, um número
significativo de mulheres foi se firmando no contexto do espaço público. Machado de
Assis, como nenhum outro escritor daquele momento, soube retratar transgressões
43
de suas personagens femininas que, de certo modo, iam de encontro aos princípios
sociais ditados pela classe privilegiada do século XIX.
O estilo de vida da elite burguesa na sociedade brasileira da época era
marcado por influências européias. O espaço urbano, antes usado por todos em
festas, convívio social, encontros coletivos, começa a ser governado por um novo
interesse, controlado pelas elites dominantes, com atuação eminentemente
masculina. Os homens circulavam no espaço público como gestores do cotidiano e
como senhores do privado, de onde governavam e dominavam, retomando
concepções e comportamentos de séculos anteriores.
Novamente temos, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, algo de
exemplar. Machado de Assis traduz, através da personagem Brás, os atos ignóbeis
a que ele se submete para demonstrar que, para a sociedade, o status quo está
acima de tudo.
Brás Cubas faz-se deputado para facilitar as negociatas de Cotrim, marido de
sua irmã Sabina. Diferentemente de Brás, que já nasceu rico, o cunhado luta,
mesmo que inescrupulosamente, para enriquecer. Faz tráfico de escravos, caridade
pública e a noticia nos jornais para acobertar a violência praticada contra os
escravos “fujões”, maltratados por ele ao sangramento. Brás aproveita-se de sua
prerrogativa de parlamentar para, sem riscos, adotar o tráfico de influências e
favorecer o parente.
Na perspectiva irônica do narrador defunto, a prática política é feita por
homens que legitimam a posição de poder, com regras arranjadas por conchavos,
corrupção, exploração da mão-de-obra escrava. Assim, apesar das mudanças
históricas e políticas ocorridas, a classe dominante e a classe dirigente as
44
consideram irrelevantes e nada mudam, pois lhes é conveniente manter as coisas
como estão.
Do ponto de vista político, no âmbito dessa sociedade elitizada e elitizante, as
mulheres eram vistas sob o olhar da “desordem”. Elas eram consideradas símbolos
de desequilíbrio, mais sensíveis do que racionais, instintivas e “selvagens”; portanto,
incapazes de administrar qualquer coisa de caráter público. Foram criadas para
serem mães, donas de casa, para a família, para as coisas domésticas e não para
assumir funções de instâncias políticas ou públicas. Elas tinham que representar o
papel da elegância, do luxo, da beleza e do prestígio de seus maridos.
Na via contrária a toda essa representação está Capitu. A personagem de
Dom Casmurro não se enquadra nesse papel, característico de toda mulher de sua
época. Por várias vezes, na obra, podemos notar uma Capitu avançada mulher
diferenciada e singular.
Ao assumir a administração da casa, após a morte da mãe e a aposentadoria
do pai, ou até mesmo quando coloca em questão o relacionamento entre ela e o
marido nas discussões após o casamento, por exemplo, Capitu, de fato, adota
posições consideradas, para a época, muito mais adequadas ao âmbito masculino.
- Pois então! Temos falado sobre isso, e ela fez-me o favor de pedir a minha
opinião. Pergunte-lhe o que é que eu lhe disse em termos claros e positivos;
pergunte-lhe. Disse-lhe que não podia desejar melhor nora para si, boa,
discreta, prendada, amiga da gente... e uma dona de casa, que não lhe digo
nada. Depois da morte da mãe, tomou conta de tudo. Pádua, agora que se
aposentou, não faz mais que receber o ordenado e entregá-lo à filha. A filha
é que distribui o dinheiro, paga as contas, faz o rol das despesas, cuida de
tudo, mantimento, roupa, luz; você a viu o ano passado. E quanto à
formosura você sabe melhor que ninguém... (ASSIS, 2004, p. 907)
45
Nota-se nessa conversa entre Bentinho e José Dias, a condição
descentradora de Capitu. Antes, a pequena era uma desmiolada”, na definição do
agregado, agora, moça já feita, é considerada uma boa nora para D. Glória.
Em um outro episódio, Capitu se mostra ímpar na condição de uma mulher
além de seu tempo. Quando Bentinho confessa a ela as suspeitas sobre a
paternidade de Ezequiel, fica indignada com tal dúvida. Estupefata, Capitu toma a
iniciativa de pedir-lhe a separação, pois se restava ao marido a desconfiança, o
que sobrara de seu casamento?
- Só se pode explicar tal injúria pela convicção sincera; entretanto, você que
era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou a menor sombra de
desconfiança. Que é que lhe deu tal idéia? Diga, - continuou vendo que eu
não respondia nada, - diga tudo; depois do que ouvi, posso ouvir o resto,
não pode ser muito. Que é que lhe deu agora tal convicção? Ande;
Bentinho, fale! fale! Despeça-me daqui, mas diga tudo primeiro.
- Há coisas que se não dizem.
- Que se não dizem só metade; mas já que disse metade, diga tudo.
Tinha-se sentado numa cadeira ao pé da mesa. Podia estar um tanto
confusa, o porte não era de acusada. Pedi-lhe ainda uma vez que não
teimasse.
- Não, Bentinho, ou conte o resto, para que eu me defenda, se você acha
que tenho defesa, ou peço-lhe desde a nossa separação: não posso
mais! (ASSIS, 2004, p. 937)
Capitu não hesita em demonstrar sua estupefação diante da acusação do
marido que sequer lhe permite defesa. Não fora a personagem transgressora que se
conhece, podia se esperar dela uma atitude diferente, ou seja, uma atitude de
submissão e silêncio.
A historiografia das mulheres do século XIX relaciona-se inteiramente à
condição de submissão, de subordinação à esfera de domínio paterno ou à de seus
maridos. Nesse quadro de tradição patriarcal, as camadas femininas raramente
escapavam de serem vistas em um papel secundário, inferior.
46
Rachel Soihet, em seu artigo intitulado Pisando no “sexo frágil”, publicado na
Revista Nossa História (2004), faz referência à Revista Ilustrada, datada de 1886,
cujo editorial fazia a seguinte advertência:
Não será da nossa parte que as legítimas aspirações do sexo gentil, da
mais simpática e apreciável metade do gênero, encontrarão qualquer
embaraço, por mais insignificante que seja, à sua justa expansão.
Confiamos muito no bom senso e na inteligência servida pela educação
para recear que as mães, as irmãs e as esposas, abandonando a
serenidade dos lares, se atirem à política e aos meetings, obrigando-nos a
velar pela cozinha e pelos recém-nascidos. Não! A mulher manter-se-á na
órbita que lhe convém e, se alguma exceção houver, estamos certos que
esse papel ficará reservado às sogras. (SOIHET, 2004, p.14)
Nesse sentido, percebe-se que o recurso da ironia e da caricatura foi utilizado
pela autora, na Revista Nossa História, como um poderoso instrumento de reforço
da idéia de inferioridade da mulher, na sociedade carioca do século XIX.
Era essencial que a “boa senhora”, as mulheres chamadas de “boa família”,
soubessem conservar um ar modesto e uma atitude séria, e que a todos
impusessem respeito. E mais, que a mulher sensata, principalmente se fosse
casada, evitasse sair à rua com um homem que não fosse o seu pai, o seu irmão ou
o seu marido. Ou seja, a mulher casada deveria distinguir-se socialmente,
respeitando os ditames da moral e dos bons costumes, evitando assim incorrer em
injúria grave, definida como o procedimento que consiste em ofensa à honra, à
respeitabilidade ou à dignidade do marido. Caso contrário, iria expor-se à
maledicência, comprometendo não a sua honra como a de seu marido e também
a de seus familiares. Isso significa dizer que o julgamento do comportamento do
marido pela sociedade dependia em grande parte do comportamento de sua esposa.
47
Baseando-se na crença de uma natureza feminina, em que a mulher era
dotada biologicamente para desempenhar as funções da esfera da vida privada, o
discurso era bastante conhecido: o lugar da mulher é o lar, e sua função consiste em
casar, gerar filhos para a pátria e plasmar o caráter dos cidadãos do futuro. Dentro
dessa ótica, não existiria realização possível para as mulheres fora do lar, nem para
os homens dentro de casa, já que a eles pertenciam a rua e o mundo dos negócios.
A imagem de mãe-esposa-dona de casa como a principal e mais importante
função da mulher correspondia àquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por
médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa. Mais do que
isso, tal representação acabou por encobrir o ser mulher, o que a levou a ser
considerada um símbolo de esposa exemplar, de dedicação aos filhos e ao lar, e,
principalmente, de amor materno. Portanto, à mulher incumbia a tarefa de fazer do
lar um templo em que se cultuasse a harmonia, o respeito, a ordem, a obediência, a
felicidade perfeita.
Diferentemente do que se esperava da mulher dessa sociedade em que se
exigia dela uma representação de amor e dedicação ao marido e aos filhos, Sofia,
personagem de Quincas Borba, constrói uma imagem de mulher desembaraçada,
desenvolta, mercantilista e surpreendente. Ela foi capaz de transitar num campo de
domínio masculino, fazendo uso de seus atributos, para que pudesse ascender
socialmente. Utiliza-se de Rubião para satisfazer seus caprichos e faz dele
trampolim para alcançar o que desejava.
Palha, o marido e homem de conveniências, mesmo tendo conhecimento do
comportamento impróprio da esposa, silencia-se com o intuito de realizar seu grande
sonho: fazer parte da sociedade elitista da época e Rubião era o instrumento
imprescindível para concretizar o que tanto almejava.
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- Olá! estão apreciando a lua? Realmente está deliciosa; está uma noite
para namorados... Sim, deliciosa... muito que não vejo uma noite
assim... Olhem para baixo, os bicos de gás... Deliciosa! para
namorados... Os namorados gostam sempre da lua. No meu tempo, em
Icaraí...
Era Siqueira, o terrível major. Rubião não sabia que dissesse; Sofia,
passados os primeiros instantes readquiriu a posse de si mesma; respondeu
que, em verdade, a noite era linda; depois contou que Rubião teimava em
dizer que as noites do Rio não podiam comparar-se às de Barbacena, e, a
propósito disso, referia uma anedota de um padre Mendes... Não era
Mendes?
- Mendes, sim, o padre Mendes, murmurou Rubião.
O major mal podia conter o assombro. Tinha visto as duas mãos presas, a
cabeça de Rubião meia inclinada, o movimento rápido de ambos, quando
ele entrou no jardim; e sai-lhe de tudo isto um padre Mendes... Olhou para
Sofia; viu-a risonha, tranqüila, impenetrável. Nenhum medo, nenhum
acanhamento; falava com tal simplicidade, que o major pensou ter visto mal.
Mas Rubião estragou tudo. Vexado, calado, não fez mais que tirar o relógio
para ver as horas, levá-lo ao ouvido, como se lhe parecesse que não
andava, depois limpá-lo com o lenço, devagar, sem olhar para um nem para
outro... (ASSIS, 2004, p.673)
Percebe-se claramente que Machado de Assis, ao desenhar o perfil da
personagem Sofia, tem a intenção de evidenciar que a mulher, na sua visão arguta,
não mais estaria reclusa ao ambiente doméstico ou submissa às ordens do marido.
E que, de acordo com a mentalidade avançada que o romancista tinha acerca das
mudanças ocorridas naquele século, não caberia à mulher simplesmente o papel de
dona-de-casa, esposa e mãe. Machado evidencia que a mulher queria mais, um
muito além.
O Código Civil daquele século sacramentava a inferioridade da mulher casada
em relação ao marido. Ao homem, chefe da união conjugal, cabia a representação
legal da família, a administração dos bens do casal como também os particulares de
sua esposa. Ou seja, essa ordem jurídica incorporava e legalizava o modelo que
concebia a mulher como dependente e subordinada ao homem e este como senhor
da ação. Vale dizer ainda que cabia ao marido a administração e o usufruto de todos
os bens, inclusive dos que tivessem sido trazidos pela esposa no contrato de
casamento.
49
Usos e costumes da época revelam que o âmbito do poder do marido ia mais
longe do que o previsto pela lei. A ele cabia deliberar sobre as questões mais
importantes que envolviam o núcleo familiar: a apropriação e a distribuição dos
recursos materiais e simbólicos no interior da família, o uso da violência considerada
“legítima”, o controle sobre aspectos fundamentais da vida dos familiares, como as
decisões de escolha do tipo e local da formação educacional e profissional dos
filhos.
Delineava-se, cada vez mais e com maior nitidez, a oposição entre as esferas
pública e privada. Ao homem cabia a identidade pública, à mulher, a doméstica.
Essa era a base necessária para a harmonização das relações conjugais e
familiares.
As cidades, que se urbanizavam naquele momento, trocavam a aparência
monótona e insípida de antes por uma atmosfera cosmopolita e metropolitana.
Embora ainda guardassem muito da tradição, recebiam uma população nova e
heterogênea, composta por representantes das elites que se mudavam do campo
para o meio urbano. O desenvolvimento das cidades e da vida burguesa influiu na
disposição do espaço no interior dos lares, tornando-os mais aconchegantes. Este
espaço serviu para a demarcação mais acentuada dos limites do convívio e das
distâncias sociais entre a elite e o povo, permitindo um processo de “privatização” da
família, marcado pela valorização da intimidade.
A organização familiar era representada pelo casamento e quando realizado
entre famílias ricas e burguesas era tido como símbolo de ascensão social ou como
forma de manutenção do status.
Com a personagem Capitu foi diferente, pois ela vinha de uma família pobre e
não havia meios de manter o status social que não possuía. O pai, Pádua, era
50
empregado de uma repartição pública e possuía o suficiente para o sustento da
família. José Dias, ao se referir ao pai de Capitu no romance, caracteriza-o como
Tartaruga. Esse apelido faz alusão a um ptil aquático que vem à terra para a
desova, assim sendo, pode-se perceber, por inferência, pela voz do agregado, as
“verdadeiras” intenções do pai de Capitu em casar a filha com Bento Santiago;
que este era um rapaz de posses e poderia, com o casamento, assegurar-lhe um
futuro promissor.
As mulheres tinham, a partir dessa visão burguesa, a função de contribuir
para a construção do projeto familiar, através de sua postura nos salões, como
anfitriã; e, no cotidiano, como boas esposas e abnegadas mães. A idéia de que ser
mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa passa a ser reforçada,
servindo como máscara social. E esse ideal podia ser atingido no ambiente
familiar.
No cenário das figuras femininas em Machado de Assis, há de se considerar
um caso específico: a personagem Fidélia, em Memorial de Aires. Foi feliz no
primeiro casamento e tudo indica também será no segundo. O seu
comportamento é ideal para uma jovem viúva que conserva o meio-luto depois da
morte do marido. Apesar de explicitamente aparentar-se como uma mulher delicada,
dócil, gentil, bonita, educada e bem situada, vivendo uma vida de harmonia,
habilidosa ao piano e na arte de pintar, Fidélia, entre o velar e o desvelar, faz-se
determinada e capaz de decidir por si mesma.
Para citar um exemplo, Fidélia, ao encontrar Tristão, seu futuro marido, reage
inicialmente às suas investidas. No entanto, percebe que ele, tal qual o primeiro
marido, poderia fazê-la feliz.
51
Tínhamos razão na noite de 24. Os namorados estão declarados. A mão da
viúva foi pedida naquele mesmo dia, justamente por ser o 26 aniversário do
casamento dos padrinhos de Tristão; foi pedida em Botafogo, na casa do
tio, e em presença deste, concedida pela dona, com assentimento do
desembargador, que aliás nada tinha que opor a dois corações que se
amam. (ASSIS, 2004, p.1.179)
Entretanto, é importante reconhecer que, na aparência, temos uma jovem
viúva que se enquadra no figurino da mulher que vê no casamento uma necessidade
para sua condição social. Mas, por outro lado, é necessário ler as entrelinhas do
discurso machadiano, através do qual se pode perceber a figura diabolicamente
sedutora de Fidélia. Tudo se caracteriza na forma como o Conselheiro Aires,
oscilando entre a sisudez e a respeitabilidade do velho (podia-se até mesmo dizer, a
figura do pai) e a entrega aos desejos do homem, acaba produzindo uma narração
cheia de ambigüidades e sugestões que fazem a leitura voltar-se sobre si mesma,
num jogo de significações que deslizam incessantemente, oferecendo interessantes
resultados. Essa ambigüidade é que pode levar o leitor atento a perceber, em
Fidélia, mais do que a recatada viúva que vai recompor sua vida de esposa. Na
verdade, o texto machadiano aponta a mulher em quem se projeta uma
sensualidade que desarticula o equilíbrio do velho diplomata, pois é ele próprio
quem se denuncia na narração que faz.
Ao vê-la agora, não a achei menos saborosa que no cemitério, e tempos
em casa de mana Rita, nem menos vistosa também. Parece feita ao torno,
sem que este vocábulo dê nenhuma idéia de rigidez; ao contrário, é flexível.
Quero aludir somente à correção das linhas, - falo das linhas vistas; as
restantes adivinham-se e juram-se. Tem a pele macia e clara, com uns tons
rubros nas faces, que lhe não lhe ficam mal à viuvez. Foi o que vi logo à
chegada, e mais os olhos e os cabelos pretos; o resto veio vindo pela noite
adiante, até que ela se foi embora. Não era preciso mais para completar
uma figura interessante no gesto e na conversação. Eu, depois de alguns
instantes de exame, eis o que pensei da pessoa. Não pensei logo em prosa,
52
mas em verso, e um verso justamente de Shelley, que relera dias antes, em
casa, como lá ficou dito atrás, e tirado de uma das suas estâncias de 1821:
I can give not what men call love.
Assim disse comigo em inglês, mas logo depois repeti em prosa nossa a
confissão do poeta, com o fecho da minha composição: “Eu não posso dar o
que os homens chamam amor... e é pena!” (ASSIS, 2004, p.1.103-4)
Esse episódio é cheio de significações. Para citar alguns exemplos, destaca-
se o momento em que Aires aponta para a dimensão erótica de Fidélia. “Quero
aludir somente à correção das linhas, - falo das linhas vistas; as restantes
adivinham-se e juram-se” (2004).
Aqui está a condição fundamental do erotismo, tal como se pode ver nas
considerações de dois dos principais autores que trataram do assunto: Roland
Barthes (O prazer do texto) e Georges Bataille (O Erotismo). Ambos insistem na
caracterização do erotismo como sendo o jogo do velar/desvelar, ou seja, erótico é
tudo aquilo que, de alguma forma, se mostra mas que, por outro lado, não se
entrega inteiramente à contemplação.
Outro aspecto a ressaltar são as insinuações e as ambigüidades que dão
forma à narrativa. No mesmo episódio, Aires recita um verso do poeta inglês Shelley:
“I can give not what men call love”. Nota-se que ele é absolutamente ambíguo, pois
primeiramente afirma que disse comigo em inglês, ou seja, a língua estranha é um
disfarce para enfrentar a si próprio, para dizer a si mesmo algo constrangedor. Logo
em seguida, diz que repetiu em prosa nossa, ou seja, na língua íntima/nossa; mas
outro disfarce: não é ele, Aires, quem está dizendo na nossa língua a vexatória
verdade, mas se trata da confissão do poeta. Dubiedade em cima de dubiedade,
tem-se, a seguir, o que seria uma espécie de confissão. Ainda assim, não se trata de
uma confissão (essa é do poeta), mas uma composição, a “minha composição”: “Eu
não posso dar o que os homens chamam amor”. Ainda assim, a confissão de Aires
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se sobrepõe à composição de Aires. Ele não podia dar o amor. Veja-se que não é o
caso de ele não “ter” o amor para dar, mas sim, é a impossibilidade de ele não
“poder” dar o amor, de não ter condições nem forças de dar aquilo que os homens
(men) chamam amor. É muito sugestiva a presença do significante homens (men)
neste cenário. Aires, na verdade, não tinha como ser aquilo que os homens são: ser
homem. Daí que o trecho termine, melancolicamente, com aquele mais do que
explícito “e é uma pena”.
No campo das ambigüidades, vale enfatizar também a personagem Sofia e
sua insidiosa relação com Rubião. No capítulo em que são surpreendidos pelo Major
Siqueira, temos um texto cheio significações múltiplas
- Olá! Estão apreciando a lua? Realmente, está deliciosa; está uma noite
para namorados... Sim, deliciosa... muito que não vejo uma noite
assim... Olhem para baixo, os bicos de gás... Deliciosa! para
namorados... Os namorados gostam sempre da Lua. No meu tempo, em
Icaraí...
Era Siqueira, o terrível major. Rubião não sabia que dissesse; Sofia,
passados os primeiros instantes, readquiriu a posse de si mesma;
respondeu que, em verdade, a noite era linda; depois contou que Rubião
teimava em dizer que as noites do Rio não podiam comparar-se às de
Barbacena, e, a propósito disso, referia-se a uma anedota de um Padre
Mendes... Não era Mendes?
- Mendes, sim, o Padre Mendes, murmurou Rubião. (ASSIS, 2004, p.673)
Estampam-se no texto várias idéias: a de que os dois estavam no alto,
enlevados, como dois namorados que alcançaram a lua. Aliás, o major diz que a
noite era “deliciosa” e de que “Há muito que não vejo uma noite assim...”. Estaria ele
dizendo das delícias de Sofia? Das delícias de ver uma noite em que flagrava a bela
mulher do Palha em delito amoroso, numa traição escancarada? Assim, “olhar para
baixo” pode muito bem significar a advertência para que o casal prestasse atenção à
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opinião alheia, que prestasse atenção na claridade (os bicos de gás) que os punha a
descoberto.
É ainda notável perceber uma homologia entre as personagens machadianas.
Basta ver como Sofia se recompôs imediatamente, afetando, logo em seguida, a
mais cândida naturalidade, enquanto Rubião fica vexado, calado, pondo tudo a
perder. Pode-se ver que Sofia está para Capitu, do mesmo modo que Rubião está
para Bentinho. Mais uma vez, tem-se a predominância da mulher sobre o homem,
bem de acordo com os princípios projetados pelas duas narrativas.
O estilo de vida da elite dominante era marcado, no Brasil, por influências do
imaginário da aristocracia portuguesa, em que se distinguiam a casa-grande e a
senzala. As alcovas, espaço de intimidade e de individualidade, serviam,
principalmente, às mulheres como lugar de segredos, de explosão de sentimentos:
lágrimas de dor ou de ciúmes, saudades, declarações amorosas contidas, leitura de
romances pouco recomendáveis.
A interiorização do espaço doméstico, principalmente de casas ricas, abriu-se
para uma espécie de apreciação pública por parte de um restrito círculo de parentes
e amigos. As salas de visita e os salões espaços intermediários entre o lar e a rua
– eram considerados “máscaras sociais”, onde se impunham regras para bem-
receber e bem-representar diante das visitas. Esses espaços eram abertos de
tempos em tempos para a realização de festas, jantares, saraus, cujo objetivo
primordial era apresentar as lindas moças aos distintos rapazes, para que eles
pudessem escolhê-las e desposá-las.
Uma das formas adotadas para aparentar o requinte e o luxo da família era o
vestuário. O tipo de tecido ou o estilo dos trajes indicavam o mundo em que viviam
as mulheres. Penteados, veludos, sedas e leques faziam parte do guarda-roupa das
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mulheres ricas. Os vestidos rodados e embabadados ficavam a cargo das modistas
da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, o centro do burburinho e das futilidades.
Mais uma vez a personagem Sofia, em Quincas Borba, é o exemplo. O
narrador faz questão em evidenciar como Palha se sentia orgulhoso da mulher e
como este sentia prazer em ostentá-la no meio social.
O pior é que ele despendia todo o ganho e mais. Era dado à boa chira;
reuniões freqüentes, vestidos caros e jóias para a mulher, adornos de casa,
mormente se eram de invenção ou adoção recente, - levavam-lhe os lucros
presentes e futuros. Salvo em comidas, era escasso consigo mesmo. Ia
muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes, em que se divertia um
pouco, - mas ia menos por si que para aparecer com os olhos da mulher, os
olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular; decotava a mulher sempre
que podia, e até onde não podia, para mostrar aos outros as suas venturas
particulares. Era assim um rei Candaules, mais restrito por um lado, e, por
outro, mais público. (ASSIS, 2004, p.669)
É muito instigante perceber o prazer de Palha em exibir os dotes físicos da
mulher. Podem-se ver aí as perversões do “voyeurismo” e do “exibicionismo”. De um
lado, Sofia se deixa contemplar, derivando prazer em ser “comida com os olhos”
masculinos. De outro, a perversão ainda maior de Palha que reúne os dois
mecanismos: do mesmo modo que lhe é altamente prazeroso exibir a mulher, o fato
de contemplá-la na sua exuberante sensualidade como que o leva à fruição. Tais
sugestões da narrativa se descolam da intertextualização que se estabelece com o
rei Candaules. Figura que transita nas narrativas míticas e históricas, Candaules foi
rei da Lídia do ano 735 ao ano 718 a. C. Seu gozo perverso é retratado tanto por
Platão, na República, quanto por Heródoto, na História. Neste último, Candaules é
o rei que incidiu também no desejo patológico do exibicionismo e do voyeurismo.
Assim, depois de muito instar com seu guarda-costa Gyges, para que este pudesse
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contemplar a beleza desnuda da rainha, consegue demover o guarda-costas de
seus escrúpulos, aninhando-o atrás de uma porta da alcova real, com a
recomendação de que se retirasse quando a rainha estivesse de costas. Ocorre que,
ao se esgueirar para sair do quarto, Gyges é notado pela rainha, embora não se
desse conta disso. A vingança da rainha consiste em levar Gyges a outra função a
contragosto: matar o rei, ação a que é obrigado sob pena de ser ele morto.
Como se pode ver, Palha recobre o rei Candaules irregularmente, segundo a
narrativa; era mais restrito, pelo fato de que expunha a esposa a uma contemplação
de partes do corpo, e não a pura nudez, e, de outro, mais público por expor a mulher
à vista de todos os homens da sociedade e não de um único. De todo modo, o
episódio cola-se sobre as personagens machadianas, mostrando as falhas de seus
caracteres.
Com a descrição da personagem Sofia, Machado realça ironicamente o
universo das futilidades e das conveniências que conduziam os integrantes da alta
sociedade carioca do culo XIX e serve-se dela também para, de certo modo,
patentear a história das elites brasileiras.
Segundo Michelle Perrot, era um “velho mandamento continuamente
reativado: uma mulher deve em primeiro lugar vestir-se como mulher [...] em razão
de sua função de representação”.(1998, p. 41.)
Assim, as festas promovidas pela sociedade burguesa eram uma boa
oportunidade de ostentar a aparência, os cuidados com a beleza e a educação que
receberam. Isso porque os freqüentadores desses espaços, principalmente os
homens em disponibilidade para o casamento, deveriam prestar atenção à beleza, à
faceirice, à elegância, ao encanto das mulheres, ou seja, ao conjunto de “adereços”
que as moças casamenteiras usavam, para que pudessem então escolher aquela
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que desposaria, e seria a mãe de seus filhos e representaria a sua condição social.
O teatro e a ópera eram programas cotadíssimos, assim como os bailes da Corte e
os saraus literários nas casas dos bem-nascidos.
As famílias mais abastadas possuíam bens, propriedades rurais, títulos,
enfim, seus descendentes não precisariam “lutar” para ganhar a vida, pois herdavam
de seus antepassados o que lhes provia para viver na abastança e no ócio. Era voz
comum, na época, que as mulheres não precisavam trabalhar ou ganhar dinheiro.
Cabia aos maridos sustentá-las e a seus filhos, pois era responsabilidade destes
garantir o bem-estar e o conforto de sua família.
Em um artigo, intitulado “Recônditos do Mundo Feminino”, publicado em
História da Vida Privada no Brasil, as autoras Marina Maluf e Maria Lúcia Mott
atestam o papel da mulher em relação às atribuições masculinas.
O trabalho era o que de fato conferia poder ao marido, assim como lhe
outorgava pleno direito no âmbito familiar, ao mesmo tempo que o tornava
responsável, ainda que de modo formal, pela manutenção, assistência e
proteção dos seus. Ao ser assim considerado, o marido desempenha função
de valor positivo e dominante na sociedade conjugal. Essa crença foi de tal
modo interiorizada pela família e pela sociedade que o descumprimento
dessa atribuição por parte do marido era tomado pela mulher como falha, da
mesma forma que fazer comentários sobre os insucessos do marido fora
dos muros estritamente conjugais poderia ser razão suficiente para
explosões de violência, uma vez que quebrar o silêncio sobre o assunto
colocava sob forte ameaça a representação masculina dentro e fora de
casa. (MALUF, & MOTT, 1998, p.381)
Mais uma vez, o julgamento do comportamento do marido pela sociedade
burguesa far-se-á a partir da consideração sobre a definição do comportamento
feminino de respeitabilidade, dignidade e honradez. Esse discurso serviu de
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confirmação da identidade masculina e concebeu a mulher como um ser circunscrito
ao espaço interior da família e do lar.
Em Dom Casmurro, quando Capitu entrega a Bentinho as libras que
economizou, o marido fica furioso, certamente atribuindo a esse ato um caráter de
afronta ou até de desrespeito por parte da esposa.
Realmente, era de Marte, mas é claro que apanhara o som da palavra,
não o sentido. Fiquei sério, e o ímpeto que me deu foi deixar a sala; Capitu,
ao percebê-lo, fez-se a mais mimosa das criaturas, pegou-me a mão,
confessou-me que estivera contando, isto é, somando uns dinheiros para
descobrir certa parcela que não achava. Tratava-se de uma conversão de
papel em ouro. A princípio supus que era um recurso para desenfadar-me,
mas daí a pouco estava eu mesmo calculando também, então com papel
e lápis, sobre o joelho, e dava a diferença que ela buscava - Mas que libras
são essas? perguntei-lhe no fim.
Capitu fitou-me rindo, e replicou que a culpa de romper o segredo era
minha. Ergueu-se, foi ao quarto e voltou com dez libras esterlinas, na mão;
eram as sobras do dinheiro que eu lhe dava mensalmente para as
despesas.
- Tudo isto?
- Não é muito, dez libras só; é o que a avarenta de sua mulher pôde
arranjar, em alguns meses, concluiu fazendo tinir ouro na mão.
- Quem foi o corretor?
- O seu amigo Escobar.
- Como é que ele não me disse nada?
- Foi hoje mesmo.
- Ele esteve cá?
- Pouco antes de você chegar; eu não disse para que você não
desconfiasse. Tive vontade de gastar o dobro do ouro em algum presente
comemorativo, mas Capitu deteve-me. Ao contrário, consultou-me sobre o
que havíamos de fazer daquelas libras.
- São suas, respondi.
- São nossas, emendou.
- Pois você guarde-as. (ASSIS. 2004, p. 911-12)
Tem-se o episódio da revelação que Capitu faz de que possuía dez libras
esterlinas. É importante, nesse texto, ver o jogo de significantes, uma vez que a idéia
do que existe mas está escondido e o valor do escondido (libras esterlinas), que é
muito maior do que o explícito, produz um recobrimento de cenas e de pessoas que
apontam na direção de Bentinho (o explícito) e Escobar (o escondido). É importante
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ainda ver a presença física de Escobar que, segundo Capitu, fora a sua casa para
proceder à conversão do papel em ouro. Explorando-se a articulação dos
significantes a que se fez referência, tem-se a troca que Capitu fizera (de Bentinho
por Escobar), acrescentado que “eu não disse para que você não desconfiasse”.
Tais considerações não querem, em absoluto, afirmar a comprovação do adultério,
vendo no episódio uma evidência da traição de Capitu. As palavras que bailam no
texto constituem aquele instrumento utilizado por Machado para fazer com que as
ambigüidades possam sugerir algo sem afirmações categóricas. Aliás, essa idéia
está no corpo mesmo do texto, logo no início, quando Bentinho, que estivera falando
de Marte, afirma: “Realmente era de Marte, mas é claro que apanhara o som da
palavra, não o sentido”. Temos aí, o caso clássico de incompreensão motivada pela
não articulação entre significante e significado. Capitu apenas apanhara o
significante, o elemento material do signo, que ela captou através do som. Mas
faltou, para que se procedesse a compreensão (o sentido), que ela ajustasse àquele
significante o seu significado (que, no texto, é chamado de sentido). Esse princípio é
que preside não apenas o capítulo examinado mas toda a narrativa. Na verdade, as
ambigüidades, os sentidos escamoteados, os enganos representam a própria
dubiedade que acompanha todo o livro e que se traduz na impossibilidade de se
poder dizer se teria ou não havido o adultério.
Mas, naquele ambiente de frivolidades e ostentação social em cujo cenário o
poder era o do masculino, muita coisa estava por mudar; a leitura passa a fazer
parte do universo feminino, ainda que as histórias retratassem heroínas românticas,
o casamento e idealização das relações amorosas. O ócio entre as mulheres da elite
é que as incentivou à absorção das dessas novelas românticas.
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Apesar de algumas mudanças nesse cenário social, muitas mulheres
nasceram, cresceram, casaram-se e nunca aprenderam a ler. Não estudaram as
primeiras letras nas escolas particulares, que eram dirigidas por padres, e também
não foram enviadas ao exterior como ocorria com os rapazes de sua categoria
social. Enquanto os homens liam Cícero, em latim, ou recebiam noções de grego e
do pensamento de Platão e Aristóteles, as mulheres aprendiam a arte de bordar, o
crochê, a costura e a música.
Os cafés, círculos e clubes, as salas de leitura, onde se liam principalmente
os jornais, eram espaços reservados exclusivamente aos homens. Somente às
mulheres abastadas cabia a leitura de romances cujas histórias retratavam heroínas
virtuosas, possuidoras de valores burgueses e capazes de representar a idealização
das relações amorosas e das possibilidades de casamento. Excluindo esses
romances, o prazer de outras leituras continuava sendo um ato somente para os
homens.
O ser mulher no século XIX, no Brasil, foi traçado por um vigoroso e preciso
discurso ideológico, que reunia tanto conservadores quanto diferentes segmentos de
reformistas e que acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos, ao mesmo
tempo que cristalizava tipos de comportamento, convertendo-os em gidos papéis
sociais. O conceito de que a mulher, à época, era em tudo “o contrário do homem”,
sintetizou a construção e a difusão das representações do comportamento feminino
ideal, que reduziram ao máximo suas atividades e aspirações, servindo isso,
inclusive, para encaixá-la no papel de “rainha do lar”, sustentada pelo tripé mãe-
esposa-dona de casa.
Diferentemente da história da sociedade, concebida pela pena dos
historiadores, há de se considerar o papel desempenhado pela literatura e,
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obviamente, pelos escritores, no registro da história dessa sociedade no que diz
respeito às transformações, às formações e às relações sociais.
Nesse sentido, deparamos na literatura com uma gama de informações que
nos ajudam a compreender o papel de alguns sujeitos sociais que, a princípio, não
estão registrados na historiografia oficial.
Encontramos em diversos escritores, em todos os tempos, mas,
especificamente, em nosso caso, centrado no final do século XIX, a presença de
informações deveras significativas. É o exemplo de Machado de Assis e seus perfis
de mulheres.
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3. MULHERES MACHADIANAS: NA ESTÓRIA E NA HISTÓRIA.
A modernidade de Machado de Assis não fica evidente apenas na tessitura
do texto, mas também na maneira como constrói suas personagens. Há de se
destacar aqui as personagens femininas Virgília, Flora, Fidélia, Sofia e,
principalmente, a personagem Capitu, considerada uma das mais bem construídas
da literatura. Isto porque o romancista fluminense não poupou a pena ao criar essa
tão poderosa figura, capaz de assumir a condição de ser “palavra”, enquanto mulher,
em uma sociedade aristocrática do século XIX, no Rio de Janeiro. A autonomia e a
perspicácia com que Machado desenha Capitu têm seduzido leitores e os levado ao
encantamento, o que tem suscitado o interesse de inúmeros estudiosos.
Apesar de a crítica muito se ter dedicado a estudos sobre essa personagem,
e não foram poucos os trabalhos escritos sobre ela, sua misteriosa figura ainda tem
instigado outras tantas análises e outros tantos trabalhos; e, mesmo assim, o enigma
de Capitu continua a despertar a curiosidade de muitos.
Conhecer Capitu implica também conhecer Bento Santiago, o narrador do
romance, e sua trágica história. É com ele, por ele e nele que a figura de Capitu
torna-se visível aos olhos dos leitores. Nesse romance, o narrador arguto é capaz de
montar estratégias a todo instante, para que o leitor seja envolvido e absorvido pela
narração.
Ao apresentar Capitu, Bentinho não utiliza recursos do senso comum. Ao
contrário, ele o faz, apontando para uma figura feminina envolta por algo nebuloso,
encoberta em mistérios, velada por um “manto diáfano” de sedução. Como já foi dito,
é através de Bentinho, o narrador casmurro e mergulhado em sua casmurrice, e
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por ele, que o leitor conhece a voz e a imagem de Capitu. É por seu intermédio que
também conhecemos os acontecimentos que a envolvem, seus comportamentos e
posturas, seus trejeitos e suas transformações.
Hélio de Seixas Guimarães, em seu livro Os leitores de Machado de Assis,
atesta o caráter ardiloso do narrador e o caminho arriscado a percorrer pelo leitor
desse romance.
Em Dom Casmurro, a figura do leitor passa a incluir também o risco da
interpretação inerente ao processo de leitura, e o lugar que lhe é prescrito
torna-se mais ambíguo do que em qualquer dos romances anteriores. Desta
vez o leitor é explicitamente convocado a participar do processo literário na
condição de intérprete, completando lacunas, tirando conclusões e fazendo
julgamentos do que lhe é relatado. (...) em Dom Casmurro a nostalgia
melancólica apela à empatia do leitor. Ao mesmo tempo em que o narrador
Bento Santiago procura convencer-nos da sua versão do ocorrido, ele vai
deixando pelo caminho falsas pistas que possibilitam explicações
divergentes das suas, constituindo-se em iscas para enredar o leitor no
campo ficcional. (GUIMARÃES, 2004, p. 215)
Note-se que Silviano Santiago, em Uma literatura nos trópicos, também
aponta para o tipo de narrador casmurro e para o mesmo caráter que é exigido para
o leitor machadiano de Dom Casmurro.
Por meio de seu discurso ordenado e lógico, procura resolver sua angústia
existencial. Depois de persuadir a si, quer persuadir os outros de sua
verdade. Percebe-se, porém, que o ex-seminarista advogado incorre em
duas falácias ao estabelecer sua verdade. Do ponto de vista estritamente
jurídico, peca por basear a persuasão no verossímil, e do ponto de vista
moral-religioso, por sustentar suas justificativas pelo provável. (SANTIAGO,
2000, p. 40)
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Nesse sentido, fica evidente que o narrador Bento Santiago, ao narrar a sua
história e a de Capitu, pretendia, através de sua retórica, envolver o leitor na trama
e, assim, enredá-lo nas teias do texto para levá-lo a tomar partido a seu favor.
Assim, “o narrador procura atrair o leitor, cooptá-lo e circunscrevê-lo dentro dos
limites ficcionais. Daí a centralização do motivo do discurso estar não no
discernimento do orador casmurro, mas no de quem escuta, em última análise,
responsável por completar e dar sentido à narração”. (SANTIAGO, 2000, p.44)
A trama do romance Dom Casmurro parece simples, corriqueira e banal ao
juízo de um leitor ingênuo. No entanto, podemos certificar, pela voz do narrador, a
maestria com que o escritor tece o texto. Ao tecê-lo dessa forma, torna-se patente a
capacidade do narrador em envolver os leitores em enigmas quase indecifráveis.
Aliás, indecifráveis porque, à medida que se busca o discernimento das questões, o
leitor acaba cada vez mais envolvido na teia tecida pelo texto e seus discursos.
Roberto Schwarz comprova, em Duas Meninas, o estatuto de enigma do
romance machadiano e das ciladas armadas pelo narrador, ao apontar que
Dom Casmurro (1899) é um bom ponto de partida para apreciar a distância,
na verdade o adiantamento, que separava Machado de Assis de seus
compatriotas. O livro tem algo de armadilha, com lição crítica incisiva isso
se a cilada for percebida como tal. Desde o início há incongruências, passos
obscuros, ênfases desconcertantes, que vão formando um enigma.
(SCHWARZ, 1997, p. 9)
O narrador Bento Santiago, indubitavelmente (e não seria de propósito?),
coloca para o leitor, desde o início da narrativa, questões de difícil solução, pois seu
intento é, através de seu discurso persuasivo, dissimular, enganar o leitor,
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principalmente, o leitor “distraído”. E não muito o que fazer para escapar de sua
estratégia unilateral de narrativa.
De armadilha em armadilha, o narrador vai apontando ora para a infância dos
enamorados adolescentes, ora para a ida de Bentinho ao seminário, ora para a
provável traição de Capitu e sua ida à Europa, para a morte de Escobar; enfim, para
a solidão que impera na casa do Engenho Novo, sem que o leitor se conta de
que a história é contada a partir da perspectiva do advogado casmurro, Bento
Santiago. Mais uma estratégia machadiana.
No desenvolvimento da narrativa, depois de muitas desavenças entre os
enamorados, Capitu se convence de que Bentinho não desobedecerá às ordens da
mãe e acredita que a sua ida para o seminário São José é irrevogável, o que
realmente acontece, apesar das várias investidas de José Dias, nesse tempo, aliado
do casal.
Durante a estada no seminário, Bentinho faz várias visitas à família e a cada
permanência sua junto à amiga de infância percebe que algo mais intenso aflora, o
que leva ambos a jurar amor eterno. Nesse tempo, Bentinho conhece Escobar e
uma interação entre eles gera uma forte amizade.
A cada visita de Bentinho a casa, Capitu torna-se, aos olhos do moço, mais
encantadora, capaz de um fascínio sem medida, dona de um olhar que arrasta e
inebria. Em conseqüência das provocações feitas por José Dias, Bentinho sente
ciúmes de Capitu e, assim, toma consciência de que não há nenhum interesse em
seguir a vocação que a mãe lhe atribuíra.
D. Glória adoece e Capitu aproxima-se dela com o intuito de cuidar da doente.
A sua habilidade e o seu jeito atraente encantam a mãe de Bentinho. A partir daí
estreitam-se os laços entre elas e a vizinha passa a ser considerada, principalmente
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por D. Glória, uma pessoa da família. Bentinho pede licença especial ao seminário e
volta para casa onde passa uma longa temporada. E Capitu, sempre a cuidar de D.
Glória, está todo o tempo mais perto de Bentinho; o que o leva à decisão de
desfazer-se da promessa.
Mimado pela mãe, “acobertado” pelo agregado e tratado de forma
diferenciada por Tio Cosme e Prima Justina, Bentinho não fora criado para a lida. D.
Glória o criara para o seminário e suas condições financeiras permitiram-lhe que ele
assim vivesse, pois o pai lhe deixara uma fortuna significativa.
O narrador tenta, através de seu discurso persuasivo, revelar a atitude
audaciosa e altiva de Capitu, que assume o ser mulher, mesmo sabendo o que
significava essa postura naquela sociedade. O leitor, então, atraído pelas artimanhas
do narrador, talvez o tenha a possibilidade e a argúcia de fazer uma leitura sobre
a atitude dessa singular figura, que mesmo sendo uma menina que morava “na casa
ao pé”, consegue circular, com desenvoltura, naquela sociedade retratada no
romance, a começar pela casa de Dona Glória, dominada pelas figuras aristocráticas
de Tio Cosme, Prima Justina, Padre Cabral.
O encontro do leitor com o texto e sua narrativa dá-se, à primeira vista, com o
narrador que explica o seu projeto e o sentido do título do livro. O seu objetivo é
explica - reconstituir o passado, mesmo que irreparável, através do discurso
ficcional. No entanto, sente-se frustrado, pois não consegue realizar o que pretendia:
“atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência”. A partir desse
preâmbulo, inicia-se a narrativa propriamente dita. E já está aí o jogo do dizer e não-
dizer da escritura machadiana, pois a narrativa começara desde o encontro no
bonde, com o desencontro entre o narrador e o poeta.
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A partir daí, Bentinho, narrador, junto aos medalhões da sala do Engenho
Novo, conta-nos a sua história de paixão e ciúme que vivenciara e agora lhe
restam as lembranças. Na tentativa de capturar o que ficou perdido e na
impossibilidade de preenchimento do vazio em que ele se viu mergulhado, coloca-
se, solitário e melancólico, a escrever suas reminiscências. A árdua tarefa torna-se
impossível, pois diante da perda irrevogável, da ausência dos amigos antigos e
também dos recentes e frente à solidão que o atormenta, Bentinho diz que falta a si
mesmo, “e esta lacuna é tudo”.
Marta de Senna, em um artigo publicado na Revista Scripta (2000), ao referir-
se a essa passagem dos medalhões na sala do Engenho Novo, retrata o intuito de
Machado em usar a estratégia do embuste, como ela mesma a denomina, no
sentido de “despistar” o real significado da narrativa machadiana.
Depois de explicar, falaciosamente, o título, prossegue na mesma clave, ao
explicar o livro, suposta tentativa de restaurar na velhice a adolescência. Na
verdade, desde aí, inocula na mente ainda desprevenida do leitor as gotas
de suspeita, uma vez que três das figuras históricas com que ornamenta o
teto de sua sala no Engenho Novo (reproduzindo a da meninice em Mata-
cavalos) morreram vítimas de traição. Junto a César, Augusto e Nero,
porém, o narrador introduz a figura menos conhecida do rei Massinissa da
Numídia. Aliado dos romanos, Massinissa é casado com Sofonisba,
cartaginesa irmã de Aníbal, educada para odiar Roma. Compelido pelo
vitorioso Cipião a entregar a mulher para ser submetida à vergonha pública
em Roma, Massinissa dela se compadece e, para poupá-la do que seria um
ultraje bem pior que a morte, manda-lhe uma taça de veneno, que ela toma
de bom grado. (SCRIPTA, 167-8)
O que a autora destaca leva-nos a crer mais uma vez que os narradores
machadianos, como que “inocentemente”, conduzem os leitores a percorrer um
caminho escorregadio, levando-os a acreditar, nesse caso no romance Dom
Casmurro, que Capitu, por sua traição, merece a morte. Assim, Senna atribui os
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falseamentos do narrador casmurro à sofisticação da escrita machadiana que
enganosamente “menciona as quatro personagens, cuja razão de estarem ali diz
não alcançar.” (2000, p.168)
Além disso, a ensaísta esclarece que os três primeiros imperadores, “César,
Augusto e Nero foram, de fato, atraiçoados.” No entanto, Sofonisba, esposa de
Massinissa, era uma pessoa digna, exemplar e irrepreensível. Pergunta-se, então,
por que recebera uma taça de veneno e a toma de bom grado? Por que Machado
introduz a figura desse imperador na narrativa juntamente com outros de fato
malévolos? E por que razão teria Bentinho narrador desejado a morte de Capitu se
não há pistas de sua traição?
No capítulo 13, Capitu é introduzida no circuito narrativo; é chamada ao
discurso do narrador para ser apresentada, não as outras personagens da trama,
mas aos leitores. E ela é trazida ao campo narrativo pelas suas características
femininas. Essa marca da feminilidade de Capitu atravessa todo o romance e,
diferentemente de outros perfis femininos desenhados por outros escritores, o
narrador Bentinho nos a conhecer, pela voz de José Dias, “os olhos de cigana,
oblíqua e dissimulada” da protagonista e seus “olhos de ressaca”.
Aliás, a propósito do olhar de Capitu, Juracy I. A. Saraiva, em seu artigo
publicado na Revista Scripta (2000), afirma que
O leitor de Dom Casmurro, assim como seu protagonista Bentinho, rende-
se à voragem dos artifícios do olhar. Ele é tragado por uma força estranha
que o absorve, que o seduz com seus sortilégios, fazendo-o circular por
casas e ruas, conceber espaços e paisagens, recuperar cores e matizes,
delinear rostos e fisionomias, traduzir emoções e sentimentos. Mas, também
o leitor é invocado a fugir do encantamento da aventura e deter-se no
entorno dela, onde se denunciam os recursos retóricos, postos em
execução para instituir a magia do olhar. (SARAIVA, 2000, p.111-12 )
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O que se nota nessa visão de Saraiva é que Bentinho, através de sua retórica
narrativa e pela perspectiva do olhar de Capitu, várias vezes por ele retomado no
romance, consegue conduzir o leitor a mobilizar-se e a vivenciar essa experiência de
sedução e envolvimento.
Ainda sobre a questão do olhar, em especial do olhar de Capitu, Alfredo Bosi
(1999, p. 32) também aborda essa perspectiva, ao mostrar os efeitos que o olhar
dela provoca em Bentinho e, por conseguinte, nos leitores.
Bento não vê na bem-amada olhos enviesados para os lados ou para baixo;
olhos de ressaca, intuição perturbadora, metáfora sugestiva que
transfere para as vagas do mar, do mar que voltará tragando Escobar, o
fluxo e o refluxo do olhar, figura da vontade de viver e de poder, uma
energia latente naquela mulher (...)
O próprio narrador Bentinho é quem reconhece, mesmo na sua desfaçatez, a
grandeza de Capitu, porque “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular,
mais mulher do que eu era homem” (ASSIS, 2004, 841).
Uma vez personagem da narrativa e envolvida na trama que vai sendo urdida
pelo narrador, Capitu faz-se presença em cada capítulo da obra e em cada episódio
narrado, mesmo quando, nominalmente, está ausente. Com a narrativa, tece-se a
trama, constrói-se o enredo. Na voz do convicto advogado Bento Santiago, Capitu é
acusada do possível adultério sem que ele lhe a chance de defesa. No entanto,
por mais que Bentinho tente “esconder” Capitu ou assujeitá-la a seu discurso, a
cada tentativa, ela se torna presença e se faz cada vez mais singular, marcada por
uma atitude audaciosa e determinada, capaz de assumir-se como pessoa e como
sujeito de sua história.
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É notório o quanto é densa a personagem Capitu! O narrador dá a ela
desejos, ação pela vontade, impulsos, fundamentos de um caráter forte e altivo.
Entretanto, o narrador, usando de seus artifícios discursivos, não permite que a
personagem feminina se mostre à luz do texto. O comportamento da protagonista do
romance pode ser vislumbrado através dos freqüentes “deslizes” do narrador,
artimanhas textuais de Machado que vida e presença a essa personagem na
mente do leitor.
Se compararmos a postura de Capitu com a demais moças de sua época,
iremos notar que, desde a sua idade mais tenra, apresentava atitudes que a
tornavam uma moça diferenciada, “moderna”. Sempre muito voluntariosa,
empenhava-se em conseguir aquilo que desejava. Cheia de iniciativa e
determinação, não titubeava em assumir uma atitude que, para aquele momento, era
por demais avançada.
A propósito do capítulo XV, Outra voz repentina, quando da chegada de
Pádua, pai de Capitu, ao quintal, em cujo muro havia a inscrição de Bento e
Capitolina, é Capitu que imediatamente procura legitimar o que poderia parecer
ilícito. Bentinho, amigo de infância de Capitu, ao contrário, envergonhado e cheio de
timidez, procura, a todo custo, disfarçar o constrangimento causado pela inscrição.
E séria, fitou em mim os olhos, convidando-me ao jogo. O susto é
naturalmente sério; eu ainda estava sob a ação do que trouxe a entrada de
Pádua, e não fui capaz de rir, por mais que devesse fazê-lo, para legitimar a
resposta de Capitu. Esta, cansada de esperar, desviou o rosto, dizendo que
eu não ria daquela vez por estar ao do pai. E nem assim ri. coisas
que se aprendem tarde; é mister nascer com elas para fazê-las cedo. E
melhor é naturalmente cedo que artificialmente tarde. Capitu, após duas
voltas, foi ter com a mãe, que continuava à porta da casa, deixando-nos a
mim e ao pai encantados dela; olhando para ela e para mim, dizia-me, cheio
de ternura:
- Quem dirá que esta pequena tem quatorze anos? Parece dezessete.[...]
(ASSIS, 2004, p. 824)
71
É visível a maneira com que Capitu, inteligentemente, se desfaz dessa
situação de constrangimento e, com habilidade, é capaz de desvencilhar-se de tal
embaraço.
Aqui, pela voz do narrador Bentinho, torna-se patente o estabelecimento da
diferença entre Capitu e Bento Santiago. Percebe-se que o narrador quer ressaltar
as diferenças sociais entre as famílias Pádua e Santiago. E, mesmo de forma
subliminar, sugere que, se algum interesse no casamento entre os jovens, esse
interesse é de Capitu, pois é ela que deseja pertencer ao mundo aristocrático da
família Santiago. Aos olhos do narrador, é Capitu que almeja figurar como
personalidade importante naquela sociedade. É Capitu que tem desejos. É ela que
quer inscrever-se como sujeito nesse espaço social, sem perder a sua condição de
mulher e suas características de feminilidade.
O narrador, no entanto, adota um tom preconceituoso em toda a sua
narrativa, tanto para agradar o leitor ingênuo, que só lia como entretenimento,
quanto para digladiar e dialogar com os leitores críticos, acentuando as diferenças
sociais entre Bento e Capitu, com destaque para esta, mesmo não pertencendo ela
à aristocracia dominante. Isto pode-se perceber no capítulo 3, em que José Dias
alerta D. Glória de que era tempo de mandar Bentinho para o seminário, pois,
caso contrário, haveria grandes dificuldades. Essa dificuldade estaria representada
pela “gente do Pádua, que morava na casa ao pé” (ASSIS, 2004, p.811).
Esse discurso é retomado no capítulo 13, durante uma conversa entre
Bentinho e Capitu.
A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse da porta dos fundos.
Quis passar ao quintal, mas as pernas, pouco tão andarilhas, pareciam
agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta, e entrei.
72
Capitu estava ao do muro fronteiro, voltada para ele, riscando com um
prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se ao
muro, como se quisesse esconder alguma coisa. Caminhei para ela;
naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio a mim, e perguntou-
me inquieta:
- Que é que você tem?
- Eu? Nada.
- Nada, não; você tem alguma coisa.
Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração,
um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora. Não podia
tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada
em um vestido de chita, meio desbotado. (...) As mãos, a despeito de alguns
ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem
águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem
mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera
alguns pontos. (ASSIS, 2004, p. 822-23)
E por mais que Bentinho tente subestimar a figura de Capitu, o leitor atento
não se deixa levar por seu discurso persuasivo e, aos olhos desse mesmo leitor, ela
se mostra grandiosa, altiva, capaz de “driblar” a postura discriminatória do narrador.
O narrador, ao mesmo tempo que marca a personagem Capitu com o perfil de
um sujeito inscrito em uma classe inferior à de Bentinho, vai construindo a
personagem com o requinte da autoridade, do discernimento, da ousadia, da força
de caráter, dando-lhe autonomia para que ela abra seu próprio caminho e espaço no
lugar social até então próprio e ocupado só pelos homens.
“Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que era
homem”, afirmara Bentinho. É por isso que, ao saber que D. Glória fizera uma
promessa para que o filho Bentinho fosse para o seminário, Capitu tratou logo de
colocar-se em ação. Bentinho fazendo-se padre, representava o rompimento do
namoro entre eles e, conseqüentemente, o fim para o possível casamento de
ambos. Ela procura agir e José Dias, o agregado, foi o caminho perfeito encontrado
por Capitu, para que não se realizasse o cumprimento da dita promessa. Considera,
sobretudo, que o agregado poderia ser seu aliado, seu cúmplice nessa empreitada,
e o transforma, efetivamente, nessa figura e com esse papel dentro do enredo.
73
Assim é que José Dias, convencido por Bentinho, que fora convencido por Capitu,
aceita a “difícil” tarefa de propor a D. Glória a substituição do futuro seminarista por
um outro jovem mais pobre que necessitasse da proteção da Igreja.
Ela é irreverente, persuasiva, irredutível, como se pode perceber no enfoque
que o narrador atribui ao diálogo entre Capitu e Bentinho:
Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já idéias atrevidas, muito menos
que outras que lhe vieram depois; mas eram atrevidas em si, na prática
faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de
salto, mas aos saltinhos. [...] Tal era a feição particular do caráter da minha
amiga; pelo que, não admira que, combatendo os meus projetos de
resistência franca, fosse antes pelos meios mais brandos, pela ação do
empenho, da palavra, da persuasão lenta e diuturna, e examinasse antes as
pessoas com quem podíamos contar. Rejeitou tio Cosme; era um “boa-
vida”; se não aprovava a minha ordenação, o era capaz de dar um passo
para suspendê-la. Prima Justina era melhor que ele, e melhor que os dois
seria o padre Cabral, pela autoridade, mas o padre não havia de trabalhar
contra a igreja; só se eu lhe confessasse que não tinha vocação...
- Posso confessar?
- Pois, sim, mas seria aparecer francamente, e o melhor é outra coisa. José
Dias...
- Que tem José Dias?
- Pode ser um bom empenho.
- Mas se foi ele mesmo que falou...
- Não importa, continuou Capitu; dirá agora outra coisa. Ele gosta muito de
você. Não lhe fale acanhado. Tudo é que você não tenha medo, mostre que
de vir a ser dono da casa, mostre que quer e que pode. Dê-lhe bem a
entender que não é favor. Faça-lhe também elogios; ele gosta muito de ser
elogiado. D. Glória presta-lhe atenção; mas o principal não é isso; é que ele,
tendo de servir a você, falará com muito mais calor que outra pessoa.
- Não acho, não, Capitu.
- Então vá para o seminário.
- Isso não.
- Mas que se perde em experimentar? Experimentemos; faça o que lhe digo.
[...] (ASSIS, 2004, 829-30)
O tom da fala de Capitu é incisivo, determinado, insistente, demonstrando
possuir muito mais poder de persuasão do que Bentinho pudesse imaginar ou
possuir. E sua palavra e armadilha é convincente e vitoriosa, tanto que José Dias
consegue o tal consentimento. Através de sua linguagem superlativa, ele convence
74
Dona Glória, Padre Cabral e o próprio Bentinho. Assim sendo, estavam livres para a
realização dos planos de Capitu: casar-se com Bento Santiago, o futuro advogado e
rico proprietário de terras e bens. Porém, o agregado não perde a oportunidade em
definir a filha de Pádua, vendo nos olhos de Capitu “um fluido misterioso e enérgico,
uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias
de ressaca” (ASSIS. 2004, p. 843).
Aqui é pertinente perguntar diante desse conceito de José Dias sobre Capitu:
o que poderia simbolizar essa descrição tão enfática de Capitu vista pelas palavras
de José Dias? Uma mulher que não consente em obedecer aos preceitos e às
ordens de poder dos homens? Uma criatura que, tal qual Antígona e Electra, não se
submete ao jugo do masculino? Um ser que não suporta a idéia de não ter
identidade própria e sua própria voz? Uma mulher que conseguiu atrair e arrastar um
homem, Bentinho, e tragá-lo, absorvê-lo, o que não era uma conduta comum para as
mulheres de sua época?
Percebe-se que Bento Santiago, não podendo ter o controle sobre Capitu, vê-
se um ser impotente e irremediável diante da presença singular dessa mulher que
mesmo não tendo a oportunidade de falar abertamente no fluxo da narrativa, como
que tem voz, através do narrador.
No capítulo 33, O Penteado, por exemplo, Capitu demonstra o seu ímpeto
feminino, ao tomar a iniciativa do primeiro beijo ao realizar o ato de sedução.
Bentinho, ao penteá-la, tem uma sensação de enlevo, de deleite. Alisa os cabelos de
sua amada, faz-lhe as tranças, amarra-lhe as pontas... E num momento de sedução,
Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos
e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela,
rosto a rosto, mas trocados, os olhos de um na linha da boca do outro. Pedi-
75
lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço.
Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.
- Levanta, Capitu!
Não quis, o levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro,
até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... (ASSIS, 2004, 844.)
Bentinho, atordoado e perplexo ante a desenvoltura com que Capitu dá-lhe o
primeiro beijo, permanece imóvel, junto à parede, sem ao menos pronunciar uma
palavra sequer. Tal atitude, por assim dizer, audaciosa para uma mulher daquela
sociedade, fez com que o namorado ficasse impassível, quase sem entender o que
a levara a tão desmedida iniciativa.
Mesmo o aparecimento de D. Fortunata à sala onde se encontravam não fez
com que a filha enrubescesse ou se transfigurasse; Capitu agiu naturalmente como
se nada de ilícito acontecera.
Ouvimos passos no corredor; era D. Fortunata. Capitu compôs depressa,
tão depressa que, quando a mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e
ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso
espontâneo e claro, que ela explicou por estas palavras alegres:
- Mamãe, olhe como este senhor cabeleireiro me penteou; pediu-me para
acabar o penteado, e fez isto. Veja que tranças! (ASSIS, 2004, p. 845)
A chegada repentina da mãe de Capitu quebra o encantamento do primeiro
beijo. No entanto, esse fato inusitado não causa nenhum embaraço em Capitu que,
pelo contrário, ergue-se altiva, vai ao encontro de D. Fortunata, conversa com ela.
Mais uma vez fica evidente a autonomia com que Capitu age diante de tais
situações. E configura-se a presença dela em um espaço social que não lhe era
próprio. É ela que toma a iniciativa, que age, que cerca, que caça o amado, seduz,
enquanto o mais próprio seria ele tomar a iniciativa.
76
Bento, por fim, casa-se com a amiga de infância e é ela que toma as
primeiras providências sobre a administração dos bens do casal. É Capitu que inicia
as confidências com o amigo Escobar, a quem recorre para pedir conselhos sobre
onde e como aplicar as economias da casa. Em se tratando de uma sociedade
como aquela em que estavam inseridos, não era de se esperar que a personagem
tivesse tal atitude. Administrar os bens era uma tarefa reservada aos homens. Vale
dizer que Bentinho se surpreende com atitude de Capitu quando esta lhe apresenta
as libras que economizara.
- Mas que libras são essas? perguntei-lhe no fim.
Capitu fitou-me rindo, e replicou que a culpa de romper o segredo era
minha. Ergueu-se, foi ao quarto e voltou com dez libras esterlinas, na mão;
eram as sobras do dinheiro que eu lhe dava mensalmente para as
despesas.
- Tudo isto?
- Não é muito, dez libras só; é o que a avarenta de sua mulher pôde
arranjar, em alguns meses, concluiu fazendo tinir o ouro na mão. (ASSIS,
2004, p. 912).
Bentinho não é capaz de entender como Capitu age dessa maneira, decidida
e pronta a desafiá-lo. E a esse propósito, “como era possível que Capitu se
governasse tão facilmente e eu não?”, já afirmara Bentinho no capítulo O Retrato.
Por mais que o narrador tente silenciá-la, o que está patente ao longo de toda
a narrativa, Capitu ergue-se, a partir dos discursos silenciados e dos dizeres não
ditos, imponente, cada vez mais altiva, mais singular, mais determinada sobre aquilo
que pensa e naquilo em que acredita. A cada tentativa de manter o seu silêncio pela
voz do narrador, Capitu surge e ergue-se diante dos olhos dos leitores, mais
feminina, mais “ser de palavra”.
77
Veio o filho Ezequiel, vieram os desencontros, as brigas... Veio a separação,
proposta por Capitu. Veio a ida de Capitu e Ezequiel para a Europa e,
conseqüentemente, a morte dela. Episódios marcadamente relatados pelo narrador,
que, com suas artimanhas, envolve, em seus discursos, os leitores “desavisados” e
os leva a tomar como verdade os fatos narrados, embora se saiba que toda a teia de
discursos de que é feita a narrativa de Dom Casmurro é tecida pelo narrador-
personagem-sujeito, Bentinho, social, ideológico e historicamente comprometido
com o enredo textual.
No entanto, Capitu, mesmo distante ou morta, continua a “assombrar” e a
inquietar Bentinho com sua presença. Presença que o incomoda e o atormenta.
Presença com a qual ele não consegue lidar e não consegue suportar. Presença
daquela que conseguiu falar por si, soube mais do que ele dirigir a própria vida, ser
mais mulher do que ele fora homem. Mesmo à distância, a presença de Capitu
continua viva; cada vez mais viva, e, por incrível que pareça, pela voz do narrador
Bentinho.
Assim sendo, o que o narrador Bento Santiago tenta realizar durante toda a
narrativa, e por várias vezes se percebe que era esse o seu desejo, torna-se uma
obra-prima do ponto de vista do discurso narrado, pois o narrador não realiza o
melhor de seu dizer pelo enunciado, mas pelo que tenta encobrir ao enunciar a
narrativa que ele constrói. Não podendo concretizar a sua vontade, e seus quereres
e vontades são múltiplos, Bentinho acaba, irremediavelmente, desiludido, solitário e
frustrado. Ele não consegue ver o seu intento, proposto no início do romance,
realizar-se. Da mesma forma que perde, pela morte, todos os seus amigos e
familiares nomeados no texto, exceto Sancha e a filha, que o abandonam.
78
É fantástico ver naquela sala da casa do Engenho Novo, junto aos
medalhões, Capitu, mesmo depois de morta, viva, inquietando Bentinho que, frente
à impossibilidade de lidar com a “sombra” de Capitu, utiliza-se da narrativa e de seus
discursos para que, talvez, na escritura sobre as lembranças da infância e da
adolescência, pudesse encontrar um artifício para apaziguar-lhe a alma. E mesmo
assim, pode-se perguntar: esse não teria sido um outro erro do narrador Bentinho?
Capitu é Capitu, uma criatura singular, de olhos de cigana, oblíqua e dissimulada.
Ela ainda permanece viva e, certamente, por muito tempo, continuará incomodando
e transformando a trajetória de quem a conhece ou vier a conhecê-la
Feitas essas considerações sobre a grandeza de Capitu, construída a partir
da narrativa de Bentinho e retomando os objetivos propostos para esse trabalho, é
hora de ir às outras mulheres machadianas, começando por Virgília.
Ela está no romance Memórias Póstumas de Brás Cubas que é também um
marco significativo para a nossa literatura. Não pela inovação de sua estrutura
narrativa à época de sua publicação, como também pela construção da protagonista
dessa obra machadiana.
Ao estruturar esse romance do fim para o início, começando a narrativa com o
capítulo Óbito do Autor e usando como narrador da trama um defunto, que, em clima
de brincadeira, dialoga com o leitor durante todo o romance, Machado de Assis
adota uma postura moderna, até então não utilizada por nenhum outro romancista
brasileiro. Também a figura da mulher recebe um toque refinado pela pena de
Machado, ao projetar Virgília com um perfil diferenciado para a época.
E esse narrador defunto também adota, como Bento Santiago, a estratégia
narrativa para “distrair” o leitor, utilizando todos os disfarces possíveis para contar as
suas memórias, a sua vida de feitos e fracassos, inclusive a sua história de amor.
79
Roberto Schwarz aponta para o tipo de narrador “escorregadio” em Memórias
Póstumas de Brás Cubas.
Qual das fisionomias de Brás é a verdadeira? Está claro que nenhuma em
particular. Tanto mais que a situação narrativa é troça notória ela também (o
defunto autor), o que baralha as coordenadas da realidade ficcional.
Noutras palavras, faltando credibilidade ao narrador, as feições que
constantemente ele veste e desveste têm verdade incerta, e tornam-se
elemento de provocação, esta sim indiscutível. Idem para a indefinição, ou
para a troça, que destabilizam o estatuto literário: deixam planar, com a
dúvida sobre o gênero, o risco de uma estocada não-regulamentar. O
terreno é movediço, e cabe ao leitor orientar-se como pode, desamparado
de referências consentidas, e tendo como únicos indícios as palavras do
narrador, ditas em sua cara, com indisfarçável intenção de confundir. Uma
espécie de vale-tudo onde, na falta de enquadramento convencionado, a
voz narrativa se torna relevante em toda a linha, forçando o leitor ao estado
de sobreaviso total, ou de máxima atenção, própria à grande literatura.
(SCHWARZ, 2000, p.23)
O que se percebe no trecho de Schwarz é que Machado, pela voz de Brás,
tenta, como num jogo de scaras, “brincar” com o leitor, e este, ao aprofundar-se
no texto, sente-se enganado ao ver que o narrador quis apenas lhe fazer “troça”. É
de fato nesse dizer e desdizer que o narrador Brás vai envolvendo o leitor de modo a
inseri-lo no tecido narrativo, sem que este se conta que as artimanhas, postas
como verdades, são apenas “brincadeiras” entre narrador e leitor.
Machado, ao apresentar-nos Virgília, tal como no caso de Capitu, não poupa
recursos para construir sua figura. Ele a projeta para desempenhar um papel
audacioso naquela sociedade aristocrática. Vale ressaltar que a personagem
Virgília, apesar de ter sido construída de forma atípica e de modo diferenciado por
seu criador, não tem o mesmo brilho e a desenvoltura de Capitu, mas com a sua
habilidade própria consegue transitar no espaço público, ocupado pelo masculino, e
ser capaz de “violar as regras do jogo” social daquele século.
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Ficamos conhecendo tal personagem pela voz de Brás Cubas, o narrador
defunto. Ao narrar as suas memórias, o leitor toma conhecimento de suas peripécias
e trapaças e o significado que tiveram Marcela e, principalmente, Virgília em sua
vida.
A propósito do capítulo 27, intitulado Virgília, Brás nos o retrato da
personagem:
Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois? ... A
mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus
últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais
íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou
dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com
certeza, a mais voluntariosa. Não digo que lhe coubesse a primazia da
beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o
autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas
também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha,
não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço,
precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para fins secretos
da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante,
pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos, (...) (ASSIS, 2004, p. 549)
Como se vê, Virgília é astuciosa, ousada e elegante. Tem interesse em
ascender socialmente e, para tanto, não mede sacrifícios para alcançar seus
objetivos. Participa das festas da vida burguesa carioca e faz questão do bom e do
melhor, em que se incluem as audácias da elegância moderna tanto quanto as
vantagens da situação tradicional.
Na narrativa, essa protagonista do romance, ainda jovem, conhece Brás cujo
pai tinha interesse em casá-lo com a moça com o propósito de fazê-lo deputado,
através da influência do futuro sogro. Entretanto, isso não acontece e Virgília casa-
se com Lobo Neves, pessoa influente naquele meio social. Apesar de frustradas as
81
perspectivas de Brás Cubas, ele, como narrador, apresenta Virgília com todas as
características de grandeza de uma mulher diferenciada.
Wilton Cardoso, em seu livro Tempo e Memória em Machado de Assis, faz
um comentário acerca da personagem Virgília, mostrando que ela consegue
equilibrar-se entre o jogo social e a realização sentimental.
Virgília é apenas uma criaturinha bela, de uma beleza a princípio angélica,
logo apetitosa, que passivamente aceita um primeiro noivo, casa-se com o
segundo, e se faz adúltera, entregando-se ao primeiro amado, sem
qualquer drama íntimo, provavelmente sem paixão, como simples joguete
de estimulantes vulgares. (CARDOSO, 1958, p. 139-140)
Como se vê, Virgília, além de “uma criaturinha bela”, é “apetitosa”,
demonstrando o caráter atraente e sedutor da personagem, que usa desse artifício
para “capturar” Brás, o seu amante, e cada vez mais envolvê-lo como faz uma
serpente, da mesma forma que ela se utiliza desses dotes para transitar livremente
no espaço público.
Casada com Lobo Neves, Virgília vive uma vida familiar aparentemente
“sólida”, aos olhos do social e do político, mas mantém um idílio amoroso com Brás,
que lhe proporciona aquilo que lhe faltava no casamento: o ardor da paixão. Assim,
ao se tornar amante de Brás, ela lhe faz uma proposta audaciosa de alugar uma
casa para ambos onde, distante dos olhares curiosos, pudesse salvaguardar a sua
reputação. Fina e elegante, mulher e casada, adota a arte da dissimulação para
disfarçar o seu comportamento adulterino. Essa estratégia utilizada para a sua dupla
realização pode ser tomada como característica de mulher avançada e autônoma
em sua época.
82
No capítulo 50, Brás reencontra Virgília na rua do Ouvidor e sente-se
completamente atraído por ela.
No dia seguinte, estando na rua do Ouvidor, à porta da tipografia do
Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; a
reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte
lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o
marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; fiquei atônito.
Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas
ou três palavras. Mas noutro baile, dado daí a um mês, em casa de uma
senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então
os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos
e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; não nego que, ao
conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico, tive uma
singular sensação, uma sensação de homem roubado. [...]
Cerca de três semanas depois recebi um convite dele (Lobo Neves) para
uma reunião íntima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: - O
senhor hoje há de valsar comigo. – Em verdade, eu tinha fama e era valsista
emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra
vez. Um livro perdeu Francesca; foi a valsa que nos perdeu. Creio que
nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou-a ficar, como
esquecida, e eu a abraçá-la, e todos com os olhos em nós, e nos outros que
também se abraçavam e giravam... Um delírio. (ASSIS, 2004, p. 565-66)
Nota-se a estupefação de Brás ao ver a sua antiga namorada, agora esposa
de Lobo Neves, mais radiante, mais “deliciosa” do que nunca. Virgília não esconde
a sua atração por Brás, mesmo sabendo o que esse comportamento poderia lhe
trazer como conseqüência. E a partir daí inicia-se a relação adulterina.
Desse modo, Virgília, como mulher fina e membro daquela sociedade
aristocrática, esposa de Lobo Neves, um homem tão importante, desafia as
convenções da época, demonstrando uma certa independência em seu modo de
agir. É Virgília que toma a iniciativa em seduzir Brás e levá-lo ao adultério.
Lobo Neves, pela voz do narrador Brás, no capítulo Confidência, reconhece
essa característica de Virgília ao dizer que “Lobo Neves, a princípio, metia-me
grandes sustos. Pura ilusão! Como adorasse a mulher, não se vexava de mo dizer
83
muitas vezes; achava que Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de
qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, austera, um modelo.” (ASSIS, 2004,
p. 571).
E mesmo à vista do marido que, disfarçadamente, parece não reconhecer o
idílio de ambos, Virgília e Brás, tão logo se tornam amantes, mantêm encontros
regulares, olhares furtivos, declarações de amor “às escondidas”... Mais uma vez,
está confirmado o caráter de autoridade de Virgília para tomar decisões próprias,
mesmo sendo elas impróprias para aquele contexto.
Para tentar dissimular a relação amorosa de ambos, D. Plácida, uma antiga
conhecida de Virgília, foi contratada para realizar serviços diversos, inclusive o de
alcoviteira, sendo mantida sob os auspícios financeiros de Brás. Na casa modesta
da Gamboa, a velha senhora recebe os amantes, “monta o palco para o teatro dos
atores” e consegue, até certo ponto, manter a salvo as aparências.
Quando do recebimento de uma carta anônima, Lobo Neves conversa com
Brás e este nota algo diferente no marido que talvez, àquela hora, soubesse do
adultério dos dois. Neves empalidece, fica trêmulo, frio e taciturno. Virgília, ao -la,
numa desfaçatez sem medida, diz que aquilo era uma infâmia.
Dias depois, num encontro na Gamboa, Brás retoma o assunto da carta. E é
Virgília, ao contrário do que se pode esperar de uma mulher, que tenta acalmá-lo.
Ouvi tudo isto um pouco turbado, não pelo acréscimo de dissimulação que
era preciso empregar de ora em diante, até afastar-me inteiramente da casa
do Lobo Neves, mas pela tranqüilidade moral de Virgília, pela falta de
comoção, de susto, de saudades, e até de remorsos. Virgília notou a minha
preocupação, levantou-me a cabeça, porque eu olhava então para o soalho,
e disse com certa amargura:
- Você não merece os sacrifícios que lhe faço. (ASSIS, 2004, p. 602-3)
84
Virgilia demonstra com a sua atitude de tranqüilidade muito mais equilíbrio do
que Brás que, atormentado, busca na amada o conforto para o seu desespero.
Diante desses indícios do perfil de Virgília, pode-se bem lembrar de Capitu e
Bentinho e do quanto ambas usam esse artifício da dissimulação frente aos desafios
e em ambos os casos a predominância dessas personagens femininas sobre
seus parceiros.
E assim, no decorrer da narrativa, Brás apresenta-se perturbado ou temeroso
das conseqüências que poderiam advir daquele relacionamento com Virgília. No
entanto, até mesmo durante a enfermidade e morte do amante, é Virgília que
aparece para visitá-lo e levar-lhe palavras de conforto. E ela, soberba e imponente, e
não se preocupando com os olheiros, chora “verdadeiras lágrimaspela morte de
seu amado. Dessa forma, ousa e desafia as regras impostas para aquelas mulheres
do século XIX.
A terceira figura feminina a ser abordada está no romance Quincas Borba.
Pela voz de seu narrador, Machado projeta aos leitores a imagem da personagem
Sofia, dando a ver ao leitor a trajetória de elegância, determinação e ousadia dessa
personagem que, tal como Virgília, viola as convenções sociais.
A técnica de despistamento utilizada pelos narradores machadianos é aqui
também reforçada. Ao traçar a história, o narrador, para construir a personagem
Sofia, recorre às mesmas artimanhas conhecidas em outras obras, como Dom
Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Hélio de Seixas Guimarães, em Os leitores de Machado de Assis, atesta as
artimanhas do narrador, também presentes em Quincas Borba.
85
[...] a aspereza do narrador é apenas mais sutil, insidiosa e metódica que a
de Brás Cubas, e sua eficiência consiste em estabelecer um terreno comum
e bem fundado de confiabilidade com seu interlocutor para repentinamente
tirar-lhe o chão, levantando dúvidas sobre a boa-fé do narrador, que
desmente o que parecia certo, levando o leitor a se defrontar com o caráter
forjado da narração e a encarar de frente sua própria credulidade e
ingenuidade, para dizer o mínimo. (GUIMARÃES, 2004, p. 197)
Guimarães somente vem confirmar o que já foi analisado sobre as estratégias
narrativas e os artifícios tramados pelos narradores machadianos.
Tomando a personagem Sofia, vê-se que ela se compõe a partir de uma
tríplice visão. Primeiramente, pela perspectiva do narrador que ressalta seus
atrativos de sedução e seu charme, o que a aproxima do adultério; em seguida, a
Sofia que se comporta avessa à pobreza e consegue ascender socialmente,
orgulhosa de seus dotes físicos, com os quais consegue aparecer naquele mundo
dos ricos, utilizando-se do marido Palha para alcançar o seu intento; e a Sofia
construída pela imaginação de Rubião, a mulher cobiçada que pode satisfazer todos
os seus desejos.
Graças à sua habilidade, o narrador que, ao descrever o perfil feminino de
Sofia, a envolve efetivamente em um jogo duplo de sedução, fazendo-a mostrar-se
e esconder-se, a oferecer-se e a negar-se, a avançar e a recuar, entre idas e vindas
em que se projeta numa ambigüidade constante. Ambigüidade que se explicita
também em todos os seus comportamentos. Nesse jogo duplo, que a caracteriza,
reside a sua identidade como mulher forte, decidida, dominadora, que ocupa um
lugar não próprio para a mulher de seu tempo.
Indo à narrativa, encontramos Sofia, esposa de Cristiano Palha que, pelos
disfarces adotados pelo narrador e aos olhos de um leitor desavisado, parece
manter um relacionamento “quase íntimo” com Rubião, o rico herdeiro de Quincas
86
Borba. Relação esta que acontece sob os olhos e o consentimento disfarçado do
marido. Cheia de artificialismos, característica marcante daquela sociedade do final
do século XIX, aproveita-se de seu parceiro e amigo para circular no mundo de
ostentação e riqueza daquela vida carioca, seu maior desejo, ambição e objetivo.
Tida como calculista e interesseira, Sofia utiliza todos os instrumentos à sua
disposição, afiados pelo marido, para conseguir essa sua subida e a sua
participação no estamento. “Com tais golpes e com tais armas alcança-se a
ociosidade elegante, a riqueza sem escrúpulos, a irradiação do poder”, conforme
atesta Faoro. (FAORO, 2004, p. 17)
Conforme a narração, desde o encontro no trem, na estação de Vassouras,
que Sofia, acompanhada do marido, encontra Rubião, já se sentem atraídos um pelo
outro. Através de olhares e poucas palavras, ali se estabelece o que se poderia
considerar como um relacionamento nada comum entre uma mulher casada e um
homem solteiro, encantado pela elegância e charme de Sofia.
A partir desse encontro, começam as visitas assíduas de Rubião à casa de
Sofia, a troca de olhares profundos, o toque de mãos cada vez mais ardente... A
propósito do capítulo XXXV, o narrador desenha o perfil de Sofia.
As senhoras casadas eram bonitas; a mesma solteira não devia ter sido
feia, aos vinte de cinco anos; mas Sofia primava entre todas elas.
Não seria tudo o que o nosso amigo sentia, mas era muito. Era daquela
casta de mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não acaba
logo, e vai polindo ao passar dos longos dias. Essas esculturas lentas são
miraculosas; Sofia rastejava os vinte e oito anos; estava mais bela que aos
vinte e sete; era de supor que aos trinta desse o escultor os últimos
retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho, por dois ou três anos.
Os olhos, por exemplo, não são os mesmos da estrada de ferro, quando o
nosso Rubião falava com o Palha, e já sublinham nada; compõem logo as
coisas, por si mesmos, em letra vistosa e gorda, e não é uma linha nem
duas, são capítulos inteiros. A boca parece mais fresca. Ombros, mãos,
braços, são melhores, e ela ainda os faz ótimos por meio de atitudes e
gestos escolhidos. (ASSIS, 2004, p. 668)
87
E nesse mesmo capítulo, o narrador aponta para o poder que Sofia exercia
sobre os homens e o prazer do marido em exibi-la em público.
Era dado à boa chira; reuniões freqüentes, vestidos caros e jóias para a
mulher, adornos de casa, mormente se eram de invenção ou adoção
recente, - levavam-lhe os lucros presentes e futuros. Salvo em comidas, era
escasso consigo mesmo. Ia muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes,
em que se divertia um pouco, - mas ia menos por si que para aparecer com
os olhos da mulher, os olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular;
decotava a mulher sempre que podia, e aonde não podia, para mostrar
aos outros as suas venturas particulares. [...] A princípio, cedeu sem
vontade aos desejos do marido; mas tais foram as admirações colhidas, e a
tal ponto o uso acomoda a gente às circunstâncias, que ela (Sofia) acabou
gostando de ser vista, muito vista, para recreio e estímulo dos outros.
(ASSIS, 2004, p.669)
Pela descrição da personagem, ressalta-se a juventude, o corpo escultural de
Sofia e o ardor da paixão instilado no amante, pois tudo nela favorece ao jogo da
sedução. Destacam-se também seus dotes físicos que Palha, o marido, fazia
questão de exibir. Mas, o mais importante é que Sofia usa intencionalmente de seus
atributos físicos, não para o simples jogo de sedução barata. Pelo contrário, ela faz
com que esse seu poder erótico lhe renda o “status” social pretendido pelos seus
objetivos em concorrer com o masculino.
Bosi (1999) aponta para uma leve semelhança entre Sofia e Capitu quando
diz que nos momentos mais difíceis, tanto uma como a outra tornam-se
“reconcentradas, reflexivas, atiladas, capazes de disfarces rápidos, certeiras na
invenção de expedientes”. O mesmo podemos defender para Virgília como foi
colocado anteriormente.
88
O relacionamento potencialmente suspeito não constrange nem um pouco
Sofia, pois em todos os momentos em que eles se acham em situações
embaraçosas, ela dissimula e se desvencilha de tais situações com naturalidade.
A propósito, no episódio do jardim, bem no nível do episódio do muro em que
Bentinho e Capitu se acham envolvidos, o Major encontra Rubião e Sofia a s, ela
não se perturba e lívida arranja um jeito de sair ilesa de tal situação.
O major mal podia conter o assombro. Tinha visto as duas mãos presas, a
cabeça de Rubião meio inclinada, o movimento rápido de ambos, quando
ele entrou no jardim; e sai-lhe tudo isto um padre Mendes... Olhou para
Sofia; viu-a risonha, tranqüila, impenetrável. Nenhum medo, nenhum
acanhamento; falava com tal simplicidade, que o major pensou ter visto mal.
(ASSIS, 2004, p. 673)
Inúmeras são as passagens do romance que retratam essa desenvoltura de
Sofia em agir com frieza e superioridade diante de situações delicadas. Para citar
um outro exemplo, pode-se lembrar de uma das freqüentes visitas de Rubião à casa
dos Palha.
Curta foi a visita de Rubião. Às nove horas levantou-se ele discretamente,
esperando qualquer palavra de Sofia, um pedido para que ficasse ainda
algum tempo, que esperasse o marido que já vinha, um espanto que fosse:
Já! mas nem isso. Sofia estendeu-lhe a mão, em que ele mal pôde tocar.
Contudo, a moça, durante a visita, mostrou-se tão natural, tão sem
azedume... Não teve seguramente os olhos longos e loquazes, como
dantes; parecia até que não houvera nada, nem bem nem mal, nem
morangos, nem lua. Rubião tremia, não achava palavras; ela achava todas
as que queria, e, se era preciso olhar para ele, fazia-o diretamente,
tranqüilamente. (ASSIS, 2004, p. 698)
89
Essa atitude de Sofia demonstra o duplo da personagem que ora se
apresenta sedutora e ardorosa por Rubião e outras vezes manifesta um
estranhamento com que até ele mesmo se surpreende. Surpreendente é pouco para
caracterizá-la, visto que ela é senhora e dona da palavra, conforme está atestado
em “Rubião tremia, não achava palavras; ela achava todas as que queria, [...]”
Por mais que tente ser agradável a Rubião, ela, às vezes, não consegue
disfarçar o tédio que ele lhe causa, pois o real interesse de Sofia era que Rubião lhe
servisse apenas de trampolim para tornar-se uma mulher rica.
A amizade entre o casal e Rubião floresce e este entrega a Cristiano Palha a
responsabilidade de administrar-lhe os bens, deixados por Quincas Borba. Palha
soube fazê-lo muito bem, pois, aos poucos, vai investindo a herança que Quincas
deixara para Rubião em seu nome, tornando-se um homem “valoroso” e “cheio de
posses”, bem ao gosto de Sofia.
É o caso, então, de perguntar se a loucura de Rubião, seus delírios, o seu fim
trágico não teriam sido aguçados por Sofia? Talvez sim, pois há de se acreditar que,
mesmo sendo mulher e inserida naquela sociedade tão arraigada de princípios
considerados morais, Sofia não os cumpriu. E ao transgredi-los, circulou no espaço
social público onde só os homens faziam carreira.
As outras duas personagens, conforme relação apresentada na introdução
desse trabalho, são Flora e Fidélia, dos romances Esaú e Jacó e Memorial de
Aires.
A primeira afirmação que se pode fazer sobre elas é que não têm o brilho e a
perspicácia de Capitu, nem mesmo os atrevimentos e insinuações de Virgília e
Sofia. Mas, trazem para a nossa reflexão e para o que se intenta examinar neste
90
texto, ingredientes deveras significativos, centrados ora na sua dubiedade ora na
sua tomada de decisão precisa, que servem para o exame que se intenciona.
Flora é marcada pela dualidade, e essa forma dual não é visível apenas na
construção da personagem feminina, é também compartilhada na construção dos
gêmeos Pedro e Paulo, na ambivalência do amor de Flora, na dualidade moral e
mental de Batista, que tinha “o temperamento oposto às suas idéias” (ASSIS, 2004,
p. 1017), o que se torna evidente até mesmo no ato de narrar. Isso nos autoriza
afirmar que o romance Esaú e Jacó é construído sob o signo da dualidade e do
deslizamento.
Guimarães reitera essa função ambivalente do narrador em Esaú e Jacó. É
bom que atentemos para a construção da narrativa em que o narrador, além de
apelar para a compreensão e a cumplicidade do próprio leitor, ele mesmo reflete
sobre o encaminhamento do narrado.
O narrador de Esaú e Jacó, assim como os outros narradores a partir de
Brás Cubas, vazão a vozes interiores que antecipam possíveis reações
ao relato e simulam transitar entre o lado de e o lado de das páginas
do livro, fingindo colocar-se na posição do leitor, ou da leitora. A
especificidade neste caso talvez esteja no fato de o interlocutor aparecer
como parte de uma consciência dividida que, ao mesmo tempo em que
narra, vai relativizando e interpretando o contado. A princípio projetado
como duplo do narrador, o interlocutor ficcional é uma entidade interposta
entre o narrador e o leitor empírico, apontando para a consciência dividida e
para o caráter fragmentário não apenas do narrador, mas também do leitor
a que ele faz apelo. (GUIMARÃES, 2004, p. 253)
O que se percebe no texto de Guimarães é que a duplicidade não fica patente
apenas na teia discursiva enredada pelos narradores machadianos, mas também no
jogo de espelhos que eles montam para seus leitores. Flora e Fidélia, quando
apresentadas singelas, meigas, dóceis, não seriam estratégia do narrador e do
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próprio Machado para dissimular a força de caráter que essas personagens
incorporaram em outros segmentos da narrativa? Não se trata de um ato de
captação da simpatia do leitor para que ele continue lendo e se constituindo como o
interlocutor do narrador para que este consiga fazer as colocações pretendidas?
Outra ambivalência que se destaca na obra em análise é a indecisão de Flora
entre o amor dos gêmeos Pedro e Paulo, e esta não consegue decidir com qual dos
dois quer realizar seu sonho de amor. Ela é apresentada nesse contexto como uma
mulher meiga, abnegada, que não aparenta ter arroubos de vivacidade ou ousadia.
Os leitores têm acesso ao perfil de Flora no capítulo XXXI, intitulado com o
seu nome. Desde a sua aparição para os leitores, ela era retratada como essa
figura dócil, apesar de inexplicável.
[...] Nem a paixão de D. Cláudia, nem o aspecto governamental de Batista
distinguia a alma ou a figura da jovem Flora. Quem a conhecesse por esses
dias, poderia compará-la a um vaso quebradiço ou à flor de uma manhã,
e teria matéria para uma doce elegia. então possuía os olhos grandes e
claros, menos sabedores, mas dotados de um mover particular, que não era
o espalhado da mãe, nem o apagado do pai, antes mavioso e pensativo, tão
cheio de graça que faria amável a cara de um avarento. Põe-lhe um nariz
aquilino, rasga-lhe a boca meio risonha, formando tudo um rosto comprido,
alisa-lhe os cabelos ruivos, e tens a moça Flora. [...] Flora, aos quinze
anos, dava-lhe para se meter comigo. Aires, que a conheceu por esse
tempo, em casa de Natividade, acreditava que moça viria a ser uma
inexplicável. (ASSIS, 2004, p.985-6)
A propósito, no capítulo LIX / Noite de 14, o narrador reitera essa
característica da personagem, numa das conversas em casa da família Santos.
O gesto de Flora não traduzia o estado da alma; este podia ser lépido,
melancólico, ou indiferente, não vinha fora. Em verdade, ela falava
pouco. Os olhos também não diziam muito. Mais uma vez, Pedro deu com
92
ela fitando Paulo, e gemeu com a preferência, mas também era o preferido
depois, e achava compensação; Paulo então é que rangia os dentes,
figuradamente. Natividade, toda entregue à sua recepção, que era a última
do ano, não acompanhou de perto as agitações morais daquele trio.
(ASSIS, 2004, p. 1023)
Conselheiro Aires, mais adiante no mesmo capítulo, reafirma as palavras do
narrador, durante a conversa com Natividade.
- Também eu penso assim. A bondade, porém, não tem nada com o resto
da pessoa. Flora é, como já lhe disse tempos, uma inexplicável. Agora é
tarde para lhe expor os fundamentos da minha impressão; depois lhe direi.
Note que gosto muito dela; acho-lhe um sabor particular naquele contraste
de uma pessoa assim, tão humana e tão fora do mundo, tão etérea e tão
ambiciosa, ao mesmo tempo, de uma ambição recôndita... perdoando
estas palavras mal embrulhadas, e até amanhã, concluiu ele, estendendo-
lhe a mão. Amanhã virei explicá-las. (ASSIS, 2004, p. 1024)
Reiteradamente, pela voz do narrador ou pela voz de outros personagens do
romance, a dualidade do comportamento de Flora aparece com evidência. E diante
da impossibilidade de decifrar o seu comportamento, o que fica claro durante toda a
narrativa, tanto narrador como personagens, num movimento de busca constante,
deslizam à procura de deciframentos desse caráter ambivalente da personagem.
Não é à toa que repetidamente ela é designada pelo vocábulo “inexplicável”, o que
leva a entender que Flora é marcada pelo caráter da obscuridade. Não se sabe ao
certo se ela é vista ou ela se deixa ver, o que leva novamente à questão da
dualidade e do jogo de espelhos.
Para Ingrid Stein, em Figuras femininas em Machado de Assis, a
personagem Flora
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é um ser frágil, lânguido, melancólico, doentio, necessitado de repouso e
com a força de vontade um tanto paralisada, incapaz para a vida e vindo
geralmente a sucumbir a ela: uma figura diáfana, etérea, em relação à qual
igualmente não se fazem alusões à sexualidade [...] (STEIN, 1984, p. 112)
A escritora, ao retratar Flora, a personagem do romance, destaque à sua
“exterioridade, à sua suavidade, beleza e alvura, de quase transparência” (STEIN,
1984, p.112). Sem entrar no rito do “inexplicável” que existe em Flora,
possivelmente esta seria a chave para a revelação da personagem.
Mas, mesmo demonstrando placidez e meiguice, Flora consegue impor suas
vontades e tomar decisões. No capítulo O quarto, D. Rita faz-lhe uma proposta de
casamento em nome de um pretendente. Flora, explicitamente, recusa essa
proposta.
Na manhã seguinte, depois de almoçadas, leu a carta à moça. No natural é
que Flora ficasse espantada. Ficou mas não tardou que risse, de um riso
franco e sonoro, como ainda não rira em Andaraí. D. Rita ficou
espantadíssima. Supunha que, não a pessoa, mas as vantagens e
circunstâncias pleiteassem a favor do candidato. Esquecia os seus cabelos
entregues à sepultura do marido. Deu conselhos à moça, pôs em relevo a
posição do pretendente, o presente e o futuro, a situação esplêndida que
lhe dava este casamento, e por fim as qualidades morais de Nóbrega. A
moça escutou calada, e acabou rindo outra vez.
- A senhora sabe se serei feliz? Perguntou.
- Creio que sim; agora, o futuro é que confirmará ou não.
- Esperemos que o futuro chegue, conquanto me pareça muito demorado.
Não nego as qualidades daquele homem, parece bom e trata-me bem, mas
eu não quero casar, D. Rita.
- Realmente, a idade... Mas, nem, ao menos, quer pensar alguns dias?
- Está pensado. (ASSIS, 2004, p.1.075-76)
O que se esperar de uma mulher daquela época, diante de uma proposta de
casamento tão sedutora? Por certo era a de aceitação imediata do contrato de
casamento, principalmente, um casamento tão próspero, ainda mais por se tratar de
94
uma viúva, cuja condição social era de fragilidade e abandono. No entanto,
percorrendo um caminho inverso, Flora, de maneira decidida, diz não e sequer
aceita a condição de pensar um pouco mais sobre o assunto [...] eu não quero
casar” [...] Está pensado.” [...] Essa postura da personagem demonstra que, apesar
de toda a sua meiguice docilidade, o narrador machadiano lhe a voz,
possibilitando que ela, nesse momento, se torne um ser de vontade e de desejo.
Fidélia, quase uma continuidade de Flora amável, gentil, singela, dócil, alva
que com diferença radical: uma vez viúva, assume nessa condição a
administração geral dos bens herdados e o faz com eficiência, o que a coloca no
nível e no espaço impróprio para ela, já que essa atuação era restrita ao homem.
Encontramo-la no último romance escrito por Machado de Assis, Memorial de
Aires, cuja apresentação assemelha-se a um diário e, pela voz do Conselheiro
Aires, tomamos conhecimento dos envolvidos na trama, seus amores, suas
esperanças e frustrações, seus desejos e seus infortúnios; enfim, sobre as
reminicêscias de Aires que se tornam públicas.
A estratégia narrativa utilizada por Machado em Memorial de Aires tem muito
a ver com a narrativa de Dom Casmurro, ambos são frutos da memória de um
sujeito no presente que registra suas experiências numa perspectiva de auto-defesa
ou afirmação.
As indecisões e as ambigüidades que foram citadas sobre a personagem
Flora podem se adequar perfeitamente às características de Fidélia. Ela também é
vista como uma mulher que tem a ousadia e o caráter desafiador que marcam outras
personagens machadianas.
Fidélia é descrita pelo narrador como uma viúva fiel, daí a etimologia de seu
nome, - fidelidade não do ponto de vista de continuar viúva e respeitada, mas
95
porque ela também era fiel a seus propósitos e objetivos. Vestia um meio luto, porém
fazia questão de ressaltar as formas do corpo. Permanecia viúva, mas assumia o
controle administrativo de seus bens. Tinha interesse em se casar novamente e
esperava o aparecimento de um noivo próspero.
No capítulo 25 de janeiro, Aires desenha o retrato de Fidélia.
Fidélia não deixou inteiramente o luto; trazia às orelhas dois corais, e o
medalhão com o retrato do marido, ao peito, era de ouro. O mais do vestido
e adorno escuro. As jóias e um raminho de miosótis à cinta vinham talvez
em homenagem à amiga. [...] Ao vê-la agora, não a achei menos saborosa
que no cemitério, e tempos em casa de mana Rita, nem menos vistosa
também. Parece feita ao torno, sem que este vocábulo dê nenhuma idéia de
rigidez; ao contrário, é flexível. Quero aludir somente à correção das linhas,
- falo das linhas vistas; as restantes adivinham-se e juram-se. Tem a pele
macia e clara, com uns tons rubros nas faces, que lhe não ficam mal à
viuvez. Foi o que vi logo à chegada, e mais os olhos e os cabelos pretos; o
resto veio vindo pela noite adiante, até que se foi embora. (ASSIS, 2004, p.
1.103)
Pelo traçado que Aires faz de Fidélia, percebe-se que, aos olhos dele, ela
apresenta-se como uma mulher do século XIX. E como Flora, ela é também
retratada pelos dotes físicos, ressaltando seus contornos, como o próprio Aires
enfatiza “saborosa”, “deliciosa”.
Uma mulher que espera, pacientemente, depois de enviuvar-se, um
casamento que lhe sirva de trampolim para manter o seu status e a vida em
sociedade. Pela voz de Aires, a personagem Fidélia, destaca-se, aos olhos dos
leitores, pela sua forma física e pelo amor que Tristão dedica a ela.
Volto espantado das Paineiras. fui hoje com Tristão. No fim do almoço,
acima da cidade e do mar, ouvi-lhe nem mais nem menos que a confissão
do amor que dedica à formosa Fidélia. O verbo não é vivo, mas pode ser
96
elegante, e em todo caso, exprime unidade do destino. As teses escolares
dedicam-se a pais, a parentes, a amigos; o amor é tese para uma só
pessoa. (ASSIS, 2004, p. 1.171)
Observa-se pela fala do Conselheiro que Tristão, ao fazer-lhe a confidência,
tinha a certeza de que Fidélia aceitaria o seu pedido de casamento, pois viúva e
muito jovem ainda, tinha a intenção de enamorar-se de um ótimo pretendente e
casar-se novamente.
O capítulo de 21 de agosto ressalta a segurança de Fidélia, quando está a
conversar com Aires, ocasião de seu retorno de Paraíba do Sul, onde permanecera
durante a enfermidade e morte do pai.
Naturalmente conversamos do defunto. Fidélia narrou tudo o que viu e
sentiu nos últimos dias do pai, e foi muito. Não falou da separação trazida
pelo casamento, era assunto velho e acabado. A culpa, se houve então
culpa, foi de ambos, ela por amar a outro, ele por querer mal ao escolhido.
Eu é que digo isto, não ela, que em sua tristeza de filha conserva a de
viúva, e se houvesse de escolher outra vez entre o pai e o marido, iria para
o marido. Também falou da fazenda e dos libertos, mas vendo que o
assunto era já demasiado pessoal, mudou de conversa, e cuidamos da
cidade e das ocorrências do dia. (ASSIS, 2004, p. 1.140)
Pela conversa de ambos, nota-se uma determinação em Fidélia, pois ao se
casar com Noronha, enfrentou a oposição do pai e, mesmo assim ela opta em ficar
com o marido. Isso significa dizer que a personagem feminina contraria as estruturas
sociais da época em que os casamentos eram arranjados pelos pais e cabia à
mulher aceitá-lo.
Depois da morte do pai, que lhe deixara fazendas e herança, Fidélia mostra-
se independente e capaz, pois é ela que vai administrar os bens herdados, trata a
97
questão dos escravos de forma diferente da de seu pai, construindo assim o seu
próprio caminho.
Vale dizer ainda que Fidélia demonstra essa liberdade de escolha, fato que
não era próprio das mulheres daquele tempo. Ao ser pedida em casamento, ela
mesma decide pela resposta.
Tínhamos razão na noite de 24. Os namorados estão declarados. A mão da
viúva foi pedida naquele mesmo dia, justamente por ser o 26º. aniversário
do casamento dos padrinhos de Tristão; foi pedida em Botafogo, na casa do
tio, e em presença deste, concedida pela dona, com assentimento do
desembargador, que aliás nada tinha que opor a dois corações que se
amam. (ASSIS, 2004, p. 1.179)
Diga-se ainda que, aos olhos de Conselheiro Aires, Fidélia continua bela,
dedicada, compreensiva, características próprias do feminino. O capítulo 22 de
setembro atesta essa visão de Aires.
...encantadora Fidélia! Não escrevo isto porque a deseje, mas porque é
assim mesmo: encantadora! Pois não é que esta criatura de Deus,
encontrando-se comigo de manhã, veio agradecer-me a companhia que fiz
aos amigos do Flamengo, na noite de 18?
- Não tive merecimento nisso; fui lá, achei-os sós, passei a noite.
- Isso mesmo. D. Carmo disse-me que, se não foi uma noite cheia, foi só por
lhe faltarmos o dr. Tristão e eu, mas que, ainda assim, o senhor teve o dom
de nos fazer esquecer.
[...] Era verdade e ra cumprimento; Fidélia sorriu agradecida e despediu-se.
Eu aqui o digo ante Deus e o Diabo, se também este senhor me a
encher o meu caderno de lembranças, - eu deixei-me ir atrás dela. Não era
curiosidade, menos ainda outra coisa, era puro gosto estético. Tinha graça
andando; era o que lá disse acima: encantadora. (ASSIS, 2004, p. 1.153-54)
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Fidélia, pelo que se pode notar, exerce um fascínio sobre Aires. Essa atração
é ambígua, pois nem mesmo ele é capaz de distinguir se o que sente por ela é amor
de pai ou de amante. E esse sentimento dúbio está presente durante toda a
narrativa e repetidas vezes o narrador Aires se refere à sedução que a jovem viúva
lhe impõe.
Utilizando-se da mesma estratégia narrativa que Machado criou para Dom
Casmurro, o narrador Aires mostra-se preso aos encantamentos de Fidélia. E o que
amarra o leitor nesse enredo é que o narrador Aires acaba por apresentar
simuladamente uma outra Fidélia: a mulher forte, decidida, determinada, autônoma.
Desse ponto de vista, poder-se-ia perguntar se essa forte atração que Aires
sente por Fidélia era vivenciada somente por ele, ou, em se tratando de um jogo de
sedução, haveria possibilidade de apenas um participar desse jogo? Não seria
Fidélia, aparentemente dócil, como Flora, mas que no fundo tinha intenções de não
perder o estamento social herdado dos pais? Fidélia, nesse duplo jogo de espelhos,
não teria tido a coragem e a ousadia de manifestar os seus desejos tal qual Virgília e
Sofia?
Ao retomar um dos aspectos ocorrente neste estudo a aproximação das
mulheres gregas – Antígona e Electra – e as mulheres machadianas – Capitu,
Virgília, Sofia, Flora e Fidélia -, pode-se concluir que todas elas, a seu modo e a seu
tempo, atuaram como mulheres detentoras de ousadia, determinação e cientes de
um papel feminino diferenciado naquela sociedade. Portanto, assumiram
efetivamente a condição de desafio e de transgressão, pois conseguiram violar os
padrões impostos a elas no contexto em que estiveram inscritas.
Ao optar por essa atitude, as mulheres gregas e as machadianas irrompem de
forma contundente em um cenário onde o poder de voz era dado somente aos
99
homens. de se destacar aqui a postura inovadora que tiveram essas mulheres
diante da lei, da violação do sagrado, do estatuto familiar tradicional e da sociedade
caracteristicamente marcada por princípios morais estereotipados.
Dessa forma, Antígona, ao sepultar o irmão, mesmo contrariando a lei,
representada por Creonte, ou Electra, ao tramar a morte da mãe, a assassina de seu
pai, vêm ao espaço social público destinado ao homem, e, com atos e palavras,
adquirem o estatuto de ser de vontade e determinação. Assim, rompendo estruturas
tidas como exclusivas do poder masculino, pelas decisões que tomaram tendo em
vista as idéias em que acreditavam, pelas atitudes desafiadoras frente ao poder
masculino, adquirem um perfil feminino singular.
Também as mulheres machadianas Capitu, Virgília, Sofia, Flora e Fidélia
tais como as gregas, tiveram uma atitude ímpar nos cenários em que viveram. Nas
narrativas contadas pelos narradores de Machado, elas desempenham funções das
mais diversas, e em todas elas, essas mulheres, mesmo que silenciadas por seus
narradores, assumem com altivez a condição de mulher e se afirmam como sujeito
de seus discursos.
Capitu, Virgília, Sofia foram mulheres que, mesmo em situações mais hostis,
souberam decidir por si próprias e, com determinação e ousadia, foram capazes de
assumir aquilo que consideravam ser-lhes de direito, demonstrando clara intenção
que não mais queriam viver sob a proteção de seus maridos.
Também Flora e Fidélia, como as demais mulheres machadianas, mesmo
vistas como dóceis e singelas, o capazes, através das artimanhas de seus
narradores, de se apresentarem aos leitores mais atentos, como mulheres dotadas
de vontade e determinação. Mulheres que foram capazes de se assumirem como
criaturas voluntariosas e desafiadoras e que, por sua singularidade,
100
desempenharam um papel de destaque naquela sociedade aristocrática do século
XIX.
Portanto, o que se pode concluir é que Antígona, Capitu, Fidélia, Electra,
Flora, Virgília, Sofia foram mulheres distintivas em seus espaços sociais onde ao
homem era dado o poder de decisão, da vontade e, especialmente, o poder da
palavra. Sendo assim, essas mulheres, cada uma com sua especificidade, mostram-
se diferenciadas, pois conseguiram quebrar as amarras de quem as dominava e,
principalmente, tornaram-se sujeitos de seus próprios discursos. E nessas
similitudes, todas elas demonstram, com atos, a capacidade de decidir, de desafiar e
de transgredir os padrões impostos, mesmo que essa atitude lhes custasse a morte.
101
CONCLUSÃO
Através das leituras e dos estudos realizados durante todo esse percurso
investigativo, constatou-se que não é sem razão que o romancista Machado de
Assis seja considerado por muitos um dos maiores escritores da literatura. Também
não é sem razão que ele, como criador de histórias aparentemente insípidas ou
banais, mas extremamente complexas, seja lido com maior agudeza e acuidade por
seus leitores cada vez mais atentos e críticos. Machado adquire o estatuto de
escritor ímpar da literatura brasileira, e, por causa disso, é tido como um homem de
caráter “moderno” e escritor inovador para a época em que viveu.
A principal questão que moveu este trabalho foi a maneira como Machado de
Assis traça o perfil de suas personagens, especialmente, as femininas. Seria por
demais simplório afirmar que as figuras femininas construídas por esse escritor,
apesar de, muitas vezes, apresentarem-se ingênuas, sensíveis, ou em situação de
abandono, ou até mesmo de aspecto frágil, são, na verdade, altivas, elegantes,
determinadas. Essa aparente fragilidade e ingenuidade subliminar projetadas nelas
em seus romances, muitas vezes trata-se de subterfúgio dos narradores
machadianos para dissimular comportamentos mais audaciosos de suas
personagens. Tanto Capitu, quanto Sofia, Virgília, Fidélia ou Flora conseguem falar
por si mesmas, mesmo que pela palavra de seus narradores.
Para que fosse possível uma abordagem e uma análise dessas personagens
femininas, primeiramente, buscou-se fundamentar a pesquisa no que representava o
fato de ser mulher no mundo grego da Antigüidade Clássica. Assim, destacaram-se
102
duas personagens das tragédias gregas - Antígona e Electra para que, depois, se
pudesse estabelecer uma possível relação entre elas e as mulheres machadianas.
Pelas condições de vida da mulher na Grécia Antiga e pela postura que
Antígona e Electra tiveram frente aos episódios em que estavam enredadas, ficou
atestado que ambas são símbolos de caráter, de grandeza, de honradez, pois não
se sujeitaram ao lugar que lhes foi reservado naquela sociedade. Saíram do
ambiente doméstico e adentraram no espaço público, onde não se permitia que a
mulher se manifestasse. Mesmo violando as leis do Estado ou as normas
tradicionais, elas foram à rua, âmbito de domínio masculino, para exigir justiça e se
posicionarem a partir de suas convicções. O que se nota, em seus comportamentos
diferenciados, é que, apesar de conhecerem as conseqüências daqueles atos, essas
personagens sofoclianas não se abatem e não desistem de seus intentos e daquilo
em que acreditam. Elas seguem em frente e desafiam as autoridades sem temer a
morte.
A fim de abordar personagens femininas, tanto de Sófocles quanto de
Machado, fez-se necessário um estudo e uma reflexão sobre “gênero” na tentativa
de entender o feminino além da distinção de sexos. Para tanto, teve-se que buscar
aporte teórico em estudiosos sobre o assunto e fundamentar nossa reflexão no
sentido de, a partir do conhecimento do que é o ser feminino ou ser masculino, ter-
se mais segurança para tratar de tema tão complexo.
Ao realizar essa reflexão, entendeu-se que era possível analisar
personagens femininas machadianas enquanto criaturas que também conseguiram
adentrar no plano social do masculino. É também propósito desse estudo
demonstrar que, em espaços sociais predominantemente masculinos, essas
103
personagens não aceitaram a posição de silêncio e de submissão que lhes foi
imposta.
Apesar de Machado de Assis ambientar seus romances no espaço social
fluminense e tendo o Rio de Janeiro como pano de fundo, as suas personagens
femininas, por suas características e especificidades, são consideradas universais e
atemporais, pois são portadoras de individualidade, capazes de encarnar suas
próprias idéias e de colocá-las em prática.
Assim como as mulheres machadianas, a escritura de Machado de Assis está
sempre a fascinar, por suas artimanhas, cheia de trapaças para enganar os leitores.
E, ao fazer as releituras de suas obras, percebe-se o quão é inútil esperar por
respostas aos questionamentos postos por ele na tessitura do texto. Pode-se notar
que, ao contrário do que se deseja, ao final das releituras, Machado atira leitores e
críticos em um mundo mais encantador, mais atraente e sedutor e, por que não dizer
divertido, que é o universo literário, principalmente o seu.
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