Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CLÁUDIA EMÍLIA AGUIAR MORAES
ESPORTE PROLETÁRIO:
UMA LEITURA
DA IMPRENSA OPERÁRIA BRASILEIRA
(1928-1935)
FLORIANÓPOLIS
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CLÁUDIA EMÍLIA AGUIAR MORAES
ESPORTE PROLETÁRIO:
UMA LEITURA
DA IMPRENSA OPERÁRIA BRASILEIRA
(1928-1935)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre
em Educação, na área de concentração e Educação,
História e Política.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo dos Reis
Co-orientador: Prof. Dr. Alexandre Fernandez Vaz
FLORIANÓPOLIS
2007
ads:
CLÁUDIA EMÍLIA AGUIAR MORAES
ESPORTE PROLETÁRIO:
UMA LEITURA
DA IMPRENSA OPERÁRIA BRASILEIRA
(1928-1935)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação
da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação, na área de concentração Educação, História e Política.
Aprovada em 13 de abril de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo dos Reis
Universidade Federal de Santa Catarina
Orientador
_______________________________
Prof. Dr. Alexandre Fernandez Vaz
Universidade Federal de Santa Catarina
Co-orientador
_______________________________
Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte
Universidade Federal de Santa Catarina
_______________________________
Prof. Dr. Victor Andrade de Melo
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA
Aos meus queridos e às minhas queridas que
estiveram presentes, mesmo na distância, e que
possibilitaram, acreditaram, apostaram, confiaram e
dividiram comigo as dores e as delícias desse
processo que não termina aqui.
AGRADECIMENTOS
Toda minha gratidão vai para aquelas pessoas que colaboraram, de forma direta e indireta,
para a realização deste trabalho. Mas quero, especialmente, externar meus sentimentos mais
ternos, construídos antes, durante e depois dessa experiência, aos meus queridíssimos e
queridíssimas que viveram comigo dores e amores, sorrisos e tristezas, tranqüilidade e
angústia, ausências e presenças... a todos vocês, muitíssimo obrigada!
- À minha família, os primeiros a acreditarem e desejarem que isso fosse possível. Permitiram
minha saída segura e confiaram no meu pouso em terras muito distantes...
- Aos queridos que foram uma nova família e permitiram a construção de uma segunda casa:
Ivan, Lígia, Pedrinho, Malu, Mozart, Muleka, Jaison, Aninha, Maycon, Lucas e Dico. Com
vocês aprendi que ficar é bom, mas continuar a caminhar é melhor ainda: se uma coisa
nessa vida que não se deve economizar, são os passos! E a saudade nessas horas deixa de ser
pesada para ser uma forma diferente de continuar gostando e curtindo coisas que não podem
mais estar do mesmo jeito que antes.
- Ao Fê, que dedicou muita atenção e, principalmente, amor e carinho a mim. Tudo foi muito
melhor porque você esteve por perto.
- À turma do LESEF (Laboratório de Estudos em Educação Física). Chiquinho, Rosely,
Chicon, Fee, Valter, Sandrinha: professores que possibilitaram, ao seu modo e ao seu tempo,
a certeza desse estudo e a riqueza do trabalho compartilhado. Meri, Carol, Fran, Gysão, Aline,
Ana Flávia, Karen, Mauro, Ueb, Vini, Léo, Bernardo, Bruno: amigos (as) e colegas de
trabalho que me acolheram com histórias e idéias nas idas e vindas entre as ilhas distantes.
- Ao meu amigo Tico, por ser sempre uma referência leve e boa para (quase) tudo na vida.
- Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea, em especial, a
Dani, Gisele, Carmen e Bia.
- Aos professores orientadores, Carlos Eduardo dos Reis e Alexandre Fernandez Vaz, cada
qual ao seu modo e no seu tempo, foram importantes para a realização desse trabalho. Em
especial ao Alexandre que abriu as portas para essa oportunidade.
- À banca de qualificação, em especial, ao professor Adriano Luiz Duarte que permitiu um
diálogo necessário ao desenvolvimento do estudo.
- Aos colegas e colegas do Mestrado em Educação/UFSC da turma 2005/1.
- Ao Jorge Artur dos Santos que muito me ajudou na procura das fontes.
- Aos funcionários do AEL e do CEDEM que facilitaram a captura dos meus materiais.
- À CAPES, pela bolsa de estudos.
EPÍGRAFE
Caminhos do Coração
Gonzaguinha
Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
E aprendi ...
RESUMO
Esta pesquisa trata do fenômeno esportivo na perspectiva dos trabalhadores urbanos
brasileiros das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, no período de 1928-1935, quando
foram observadas iniciativas do movimento operário, principalmente de orientação comunista,
em fomentar a prática esportiva de conteúdo classista entre trabalhadores. Relata que, desde o
final do culo XIX, o esporte se legitimou socialmente como um elemento educativo, que,
relacionado à formação moral, física e intelectual do indivíduo, criava o sentimento de amor
pela pátria, dominava as paixões dos jovens, disciplinava o trabalhador e, de maneira sadia,
ocupava as horas livres. Relata também que, entre os trabalhadores, desde o início do século
XX, existiram clubes de fábricas, associações esportivas espalhadas pelos bairros operários
das grandes cidades brasileiras, mas a relação estabelecida entre esporte e movimento
operário gerou muitas polêmicas, que questionavam, principalmente, a vinculação das práticas
esportivas com os valores burgueses. Menciona que, durante as décadas de 1920 e 1930, o
esporte se popularizou e ganhou visibilidade de fenômeno social de grande aceitação popular,
principalmente entre os trabalhadores, assumindo a condição de manifestação pública. Diante
desse quadro, setores organizados do movimento operário, como foi o caso dos comunistas
também muito influenciados por reordenações políticas internas do comunismo internacional
–, levaram em consideração o alcance do esporte entre os trabalhadores e o revestiram de um
discurso classista, construindo, assim, outra relação que não excluísse tal prática do cotidiano
operário, visando, sobretudo, a agrupação da classe sob a política comunista. Utilizando a
imprensa proletária, documentos da Juventude Comunista e um periódico da Educação Física
como fontes de investigação, este trabalho traz ao debate a apropriação que o movimento
operário fez da organização esportiva, bem como as referências e determinações atribuídas ao
esporte no âmbito do projeto de formação da classe operária brasileira.
Palavras-chaves: história do esporte; esporte operário; educação física.
ABSTRACT
This research addresses the sporting phenomenon from the urban workers’ perspective in the
Brazilian cities of São Paulo and Rio de Janeiro between 1928 and 1935, when one can
observe some labour movement initiatives, particularly those from the communist orientation,
in order to encourage the sport practice with class purposes among workers. This study
indicates that since the end of nineteenth century sport was legitimised in a social way as an
educational element. Related to a moral, physical and intellectual formation, it created a
patriotic fervour, ruled the youth’s passions, disciplined the workers and filled their leisure
time in a healthy way. This investigation also indicates that since the beginning of twentieth
century there were factories clubs, sport associations spread around working quarters of
Brazilian great cities. However, the relationship between sport and labour movement
originated many controversies especially over the link between sport and bourgeois values.
This study mentions that sport was popularized and was seen as a social phenomenon of
popular acceptance during the 1920s and 1930s. Under this circumstance, organised layers of
labour movement such as the communist one which was influenced by political and inner
shifts in international communism took into account the reach of sport among workers and
involved it in social class content. Thus one built another relation which did not exclude its
practice from the workers’ daily routine in order to join the working class under the
communist politics. By using as information sources the workers’ printing press, Youth
Communist documents and Physical Education periodicals, this research analyses the
appropriation of sport by labour movement as well as the references and determinations to it
within the wide project of making of Brazilian working class.
Keywords: sport history; working sport; physical education
LISTA DE SIGLAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
AEL – Arquivo Edgard Leuenroth
ANL – Aliança Nacional Libertadora
CC – Comitê Central
CECULT – Centro de Pesquisa em História Cultural
CEDEM –
Centro de Documentação e Memória da UNESP
CEFD – Centro de Educação Física e Desportos
CGTB – Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil
CIESP – Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo
CNT – Conselho Nacional do Trabalho
CR – Comitê Regional
FEPRJ – Federação dos Esportes Proletários do Rio de Janeiro
FJCB ou FJC – Federação da Juventude Comunista do Brasil
FNEP – Federação Nacional de Esportes Proletários
FSRRJ – Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro
IC – Internacional Comunista
IDORT – Instituto de Organização Racional do Trabalho
IJC – Internacional da Juventude Comunista
IVS – Internacional Vermelha Esportiva
JC – Juventude Comunista
LESEF – Laboratório de Estudos em Educação Física
PCB – Partido Comunista Brasileiro
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UNESP – Universidade Estadual de São Paulo “Júlio Mesquita Filho”
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UTG – União dos Trabalhadores Gráficos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I
1 O DESENVOLVIMENTO DO ESPORTE NO BRASIL E A SUA POLITIZAÇÃO
PELOS COMUNISTAS
1.1 A RELAÇÃO DO ESPORTE COM A MODERNIDADE DO PAÍS: UM JOGO (NEM
SEMPRE) HARMONIOSO ENTRE AS ELITES E OS TRABALHADORES .................... 28
1.2 ESPORTE E POLÍTICA: ENTRAM EM CENA OS COMUNISTAS ............................ 48
CAPITULO II
2 INTELECTUAIS, EMPRESÁRIOS E OPERÁRIOS: RELAÇÃO E INTERVENÇÃO
NO TERRENO ESPORTIVO
2.1 MODERNO E EFICIENTE: O DISCURSO DE INTELECTUAIS, EMPRESÁRIOS E
ESTADO SOBRE A PRÁTICA ESPORTIVA
.................................................................................................................................................. 62
2.2 JORNAIS OPERÁRIOS: EM BUSCA DA CULTURA ESPORTIVA PROLETÁRIA
.................................................................................................................................................. 82
2.2.1 A Percepção Operária Sobre o Esporte Burguês .......................................................... 85
2.2.2 Proletarização e Profissionalização do Esporte ........................................................... 93
CAPÍTULO III
3 FEDERAÇÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA DO BRASIL: UFANISMO E
REALIDADE NA ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA OPERÁRIA
3.1 DO INÍCIO ÀS POSSIBILIDADES: OS PROJETOS DE PROLETARIZAÇÃO DO
ESPORTE ............................................................................................................................. 100
3.2 DIFICULDADES: OS OBSTÁCULOS E O ESFORÇO DE SUPERÁ-LOS
................................................................................................................................................ 115
3.3 DESFECHO: O ERRO DA DISSOLUÇÃO DA FEDERAÇÃO DA JUVENTUDE
COMUNISTA ....................................................................................................................... 127
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 133
5 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 135
5.1 FONTES ......................................................................................................................... 142
10
INTRODUÇÃO
Os vínculos entre esporte e sociedade têm sido considerados como um importante tema de
estudo para ampliar nossa compreensão histórica, cultural e social sobre diferentes épocas. O
estudo do esporte como fenômeno social não é algo novo, mas é preciso tomar nota, sem a
necessidade de explicitar aqui as análises pioneiras sobre o tema, de que no meio acadêmico
internacional, o esporte se configurou como um importante objeto de estudo, devido à grande
dimensão que assumiu nas estruturas social e cultural da civilização
1
, de tal modo que suas
peculiaridades e sua relação com a sociedade atraíram a atenção de intelectuais, como o
historiador Eric Hobsbawn
2
, para quem o esporte foi uma das práticas sociais mais
importantes da Europa na transição entre os séculos XIX-XX; de outros estudiosos, como o
sociólogo Norbert Elias
3
, e também de teóricos como Jean-Marie Brohm, Herbert Marcuse e
Bero Rigauer
4
também investigaram o esporte e sua relação com a sociedade.
Hoje, no Brasil, o desenvolvimento de pesquisas com o foco nas práticas esportivas ou nos
temas que, em alguma medida, se referem ao esporte, às atividades físicas e às práticas
corporais e às suas relações com a sociedade também tem conquistado áreas de estudos no
campo das Ciências Sociais. É cada vez mais comum a produção acadêmica sobre o esporte
na Antropologia, na História, na Sociologia, na Educação e, decerto, na Educação Física. Os
estudos que têm o futebol como objeto ou referência temática comparativa compõem uma
área predominante nas pesquisas sobre o campo esportivo, tendo grande importância no
processo de investigação das representações coletivas que suportam os mecanismos sociais e
1
MELO, Victor Andrade de. História da educação física e do esporte no Brasil: panorama e perspectivas. São
Paulo: Ibrasa, 1999. Neste livro, entre as ginas 29 a 54, o autor reflete sobre o percurso da História dos
Esportes no Brasil, utilizando como recurso uma análise comparada com a de outros países, como, por exemplo,
a História Social Inglesa em que o esporte já ocupa significativo espaço nos meios acadêmicos, destacando,
assim, algumas referências desses estudos ingleses sobre a História do Esporte.
2
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914 1991). São Paulo: Companhia das Letras,
1994. É também do mesmo autor: Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
3
É bastante conhecido o livro de Elias, A busca da excitação, onde encontramos o texto intitulado A gênese do
esporte onde o autor levanta questões acerca da origem do esporte moderno.
4
Estes três últimos autores citados fazem parte de um movimento teórico nas Ciências Sociais, conhecido como
Teoria Crítica do Esporte, que tomou o esporte como tema de pesquisa, utilizando-se da crítica da cultura e da
economia política, colocando, assim, em questão, o esporte e suas possibilidades pedagógicas e sociais. Para
maiores informações, remeto o leitor aos textos de VAZ, Alexandre Fernandes. Teoria crítica do esporte:
origens, polêmicas, atualidade. Revista Esporte e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 1, nov. 2005/fev. 2006.
Disponível em: <http://www.lazer.eefd.ufrj.br/espsoc/pdf/es102.pdf.>. Acesso em: 25 jan de 2007, também de
BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3 ed. Ijuí: Unijuí, 2005.
11
simbólicos da formação da nossa sociedade.
5
O que se torna evidente são as múltiplas vias de
análises, que não ignoram a presença do fenômeno esportivo na sociedade brasileira quando
debatemos questões polêmicas, como a construção da modernidade em nosso País, processos
identitários, relações raciais, processos disciplinares e educativos sobre o corpo entre outras.
6
Embora essas temáticas sejam objeto de interesse de diferentes áreas de conhecimento, como
as elencadas acima, no que diz respeito à História do Esporte ainda se ensaiam os primeiros
passos no sentido de tornar mais estruturado o interesse de realizar estudos históricos ligados
a essa temática, se comparados ao do cenário internacional.
7
Entretanto, não se deve
desconsiderar que o campo da Educação Física, a partir de 1990, desenvolveu um interesse
muito mais pronunciado e institucionalizado pela História da Educação Física e do Esporte.
Em outras áreas das Ciências Humanas, novos objetos de estudo estavam em voga desde
pelo menos duas décadas antes, entre eles as práticas de lazer e a inserção do esporte na classe
operária. Assim, a historiografia brasileira tem produzido estudos, nos quais o esporte, a
Educação Física, os exercícios corporais, as práticas esportivas de uma maneira geral são
considerados práticas sociais que extrapolam o campo da Educação Física.
É preciso fazer uma consideração à localização/relação deste estudo dentro da produção
acadêmica sobre as práticas culturais da classe trabalhadora, incluindo-se as organizações
esportivas operárias. Em se tratando da relação entre esporte e classe operária, encontramos
uma concentração de estudos nos aspectos da cultura da classe trabalhadora, sua história,
formas de vida e de luta, situando-se as práticas esportivas como um elemento importante
de análise da pluralidade das formas de sua organização para além do sindicato e do partido
político. Estudos dessa natureza passaram a fazer parte da produção acadêmica em Ciências
Humanas a partir dos anos 1970/80, quando foram articuladas novas temáticas às
investigações sobre os diversos aspectos da experiência de classe, gerando um grande número
de pesquisas acadêmicas que cederam espaço às condições de existência e trabalho, cotidiano
e cultura operária, mulheres operárias, origens da legislação trabalhista, entre outras.
8
5
TOLEDO, Luiz Henrique. Futebol e teoria social: aspectos da produção acadêmica brasileira (1982-2002).
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, v. 52, p. 133-165, 2001.
6
Ibid, p. 35-36. Nessas páginas, Toledo trata das temáticas consolidadas na conjuntura acadêmica.
7
Melo, 1999, p. 48.
8
Sobre a produção acadêmica historiográfica a respeito da classe operária no Brasil, consultar BATALHA,
Cláudio Henrique de Moraes. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências. In: FREITAS,
Marcos Cezar de. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p. 145-158.
12
Nessa reconfiguração da historiografia brasileira, ganharam evidência temas como o lazer
operário e as associações de trabalhadores em torno de práticas culturais, como o esporte, por
exemplo. Mas a maneira como o esporte se desenvolveu em nosso País produziu uma relação
de proximidade e afastamento com a classe operária, em que a popularização dos esportes e
sua apropriação pelos trabalhadores pareciam ser uma tendência a se confirmar, porém quase
sempre sob a vigilância da ordem burguesa. No processo de transição que levou nosso País a
um regime político republicano, houve grandes reformas socioculturais e desenvolvimento
dos centros urbanos, o que, paralelamente, propiciou o nascimento de novas práticas sociais,
entre as quais a difusão de inúmeras atividades esportivas. Das modalidades esportivas
praticadas, o futebol chamou especial atenção pelo seu amplo sentido de popularidade. Mas,
desde décadas anteriores, o esporte estava presente em nosso País entre as elites
econômicas, para atender os anseios daqueles que desejavam moldar-se pela cultura européia
e garantir uma perspectiva saudável de educação do físico.
Em uma perspectiva internacional, em julho de 1921, na cidade de Moscou, na ocasião do III
Congresso Internacional Comunista, foi criada a Internacional Vermelha Esportiva (IVS) com
o objetivo de fazer do esporte um meio de luta proletária.
9
Essa não foi a única organização
esportiva criada pelo movimento operário com a finalidade de contraponto cultural ao
capitalismo. Basta lembrar que países europeus, como a Inglaterra, a França e a Bélgica têm
uma longa história sobre a relação entre o movimento dos trabalhadores e o esporte
10
, mas
deve-se destacar que foi nas décadas de 1920 e 1930 que o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) incorporou esse movimento às suas estratégias de mobilização do operariado,
justamente em um período significativo da história dos trabalhadores do Brasil.
Na disseminação do esporte em nosso País, a partir do final do século XIX, os discursos
médico, pedagógico, militar e as influências culturais européias estiveram muito presentes e,
durante as décadas de 1920 e 1930, sua expressão foi tão evidente que o esporte se tornou um
fenômeno social de significativa importância: quanto mais a organização da vida moderna
incorporava os preceitos definidos por esses discursos, mais visibilidade ganhava, assumindo
a condição de manifestação pública. A educação do físico era um tema sempre presente nas
discussões relacionadas à formação educacional dos indivíduos. Legitimado socialmente
9
STRAUSS, Leon. Le sport travailliste français pedant l’entre deux guerre. In: ARNAUD, Pierre (Org.). Les
origenes du sport ouvrier em Europe. Paris: L’Harmattan, 1994. p. 193-218
10
ARNAUD, Pierre (Org). Les orígenes du sport ouvrier en Europe. Paris: L’Harmattan, 1994.
13
como um elemento educativo, o esporte formava a moral, o físico e o intelecto; criava o
sentimento de amor pela pátria; dominava as paixões dos jovens; disciplinava o trabalhador e
de maneira sadia ocupava as horas livres.
Estão inseridos nesse âmbito os projetos de eugenização da população brasileira e as
campanhas nacionalistas que proliferaram a partir das primeiras cadas do século XX. Sob
os auspícios da política, da ciência, do trabalho e da educação, articulou-se um projeto de
controle corporal da população urbana brasileira.
11
Tais medidas fizeram parte de um ideário
burguês de modernidade e civilidade projetado para o Brasil. Essas formulações provocaram
muitos conflitos, e uma parte significativa desses embates estava relacionada aos hábitos da
população brasileira, alvo dos objetivos de reforma.
A intervenção burguesa sobre a classe trabalhadora foi fortemente influenciada por esse ideal
que pretendeu direcionar sua formação cultural, vislumbrando no corpo as ações médico-
higienistas. Mas nem sempre foi esse o sentido das práticas esportivas nos meios operários. Já
no início do século XIX, existiam clubes de fábricas e associações esportivas espalhados
pelos bairros operários das grandes cidades brasileiras. Os novos objetos da historiografia da
classe trabalhadora brasileira destacaram o papel dessas associações na articulação de
identidades entre os trabalhadores. As tentativas de perceber a experiência da classe por meio
de suas manifestações culturais, além dos núcleos sindicais e políticos, tiveram vez nos
estudos pioneiros de Antônio Arnoni Prado, em Libertários no Brasil
12
, e Francisco Foot
Hardman, em Nem Pátria Nem Patrão.
13
Hardman ressalta a importância de se tratar a cultura
dos trabalhadores como inerente ao processo de formação do seu movimento. Entre as
manifestações culturais descritas e analisadas pelo autor, as atividades de propaganda e outras
ligadas aos círculos sindicais e anarquistas estão entre as abordagens centrais. Hardman
ressalta também as tensões e os conflitos entre as práticas militantes relacionadas aos círculos
dirigentes e as ligadas à classe de maneira mais ampla. Em Libertários no Brasil, obra que
reúne artigos de vários autores, o destaque é a produção cultural ligada aos núcleos
anarquistas no Brasil. Romances sociais, folhetins e atuação de militantes e intelectuais e suas
relações com os trabalhadores estão entre as questões centrais da obra. Mas deve-se destacar
que pesquisas desse tipo privilegiaram como foco de análise o anarquismo, tendência de
11
SOARES, Carmen. Educação física: raízes européias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994.
12
PRADO, Antônio Armoni (Org.). Libertários no Brasil: memória, lutas, cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986.
13
HARDMAN, Francisco Foot, Nem pátria nem patrão: vida operária e cultura anarquista no Brasil. 3 ed. São
Paulo: Brasiliense, 2002.
14
grande divulgação no meio operário, e os esforços dos seus militantes na construção de uma
cultura operária, sendo natural que esta fosse vista e analisada como um conjunto de hábitos e
práticas em comum, símbolos, tradições, instituições inventadas ou incorporadas por
trabalhadores em contextos históricos. E tal tendência não assimilou a prática esportiva como
um elemento de sua cultura.
Nesse ponto, outros segmentos do movimento operário, como foi o caso dos comunistas,
levaram em consideração o alcance do esporte entre os trabalhadores e o revestiram de um
discurso classista, construindo outra relação que não excluísse tal prática do cotidiano
operário. Os estudos que deram atenção a esse aspecto privilegiaram a perspectiva da história
do futebol e de associações de classe em que a experiência foi partilhada, tais como
sociedades recreativas, clubes dançantes e associações esportivas.
14
O reconhecimento das
peculiaridades organizacionais dos trabalhadores valoriza o papel dessas outras formas de
associação no cotidiano operários e produz uma miríade de sentidos sobre essas
sociabilidades, sendo impossível explicá-los e compreendê-los por meio de um modelo único
de análise. Assim, embora houvesse a iniciativa do patronato em patrocinar algumas
associações esportivas para afastar os operários dos sindicatos e para distraí-los das péssimas
condições de trabalho por eles enfrentadas, também houve o exercício dessas atividades com
significados próprios para os seus praticantes, diferente do proposto pelos discursos patronais
e pela direção do movimento operário.
Apesar de esse campo de estudos ter ganho um movimento próprio a partir dessas
considerações da historiografia, envolvendo cada vez mais estudiosos de diferentes áreas,
ainda existem lacunas que precisam ser problematizadas no que se refere ao entendimento da
apropriação do esporte pelo movimento operário, em especial no Brasil. É preciso estar atento
à heterogeneidade das experiências operárias e aos aspectos não explorados tradicionalmente
14
ANTUNES, Fátima Martin Rodrigues Ferreira. Futebol de brica em São Paulo. 1992. 219f. Dissertação
(Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1992.
PEREIRA, Leonardo Afonso Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-
1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
MARCASSA, Luciana. A invenção do lazer: educação, cultura e tempo livre na cidade de São Paulo (1888
1935). 2002. 204 f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2002.
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: organização, lutas e lazer em um
bairro paulistano (1915-1924). 2002. 190f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Unicamp, Campinas, 2002.
15
pela historiografia da classe trabalhadora e do esporte. Não obstante saber que as práticas
esportivas cumpriam um papel de elemento aglutinador entre os trabalhadores, ou de usufruto
do tempo livre, ou mesmo de sustento financeiro, como foi o caso da profissionalização do
esporte na década de 1930, perguntamos: é preciso esmiuçar os argumentos que legitimaram a
prática esportiva, classificada como de natureza burguesa, nos meios operários? É relevante
uma análise da micro-história das relações presentes nas organizações operárias sobre a
prática do esporte sob os códigos proletários, sem perder a delimitação mais ampla de análise?
Pensamos positivamente sobre essas questões, porém não temos a pretensão de resolver todos
os problemas que envolvem a compreensão do esporte operário. Nossos esforços partem de
um lugar específico, portanto, abarcam facetas específicas desse mesmo fenômeno, e buscam
apreender o esporte operário estabelecendo com este uma interlocução com a história da
classe trabalhadora, com a história do esporte e com as intervenções burguesas que buscaram
ordenar o cotidiano operário.
Este estudo que ora propomos sobre o esporte operário é, em grande medida, um
desdobramento de uma pesquisa que desenvolvemos como bolsista de iniciação científica no
Laboratório de Estudos em Educação Física no Centro de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal do Espírito Santos (LESEF/CEFD/UFES). Temos como ponto de
partida o estudo de conclusão de curso
15
que, dentro do seu limite, pretendeu o cotejamento
entre duas fontes de orientações distintas, a saber, um periódico da área da Educação Física e
jornais proletários da década de 1930, identificando as idéias que circularam nesse contexto
acerca das relações entre educação, trabalho, lazer e educação física.
Motivada a continuar nosso trabalho de formação inicial, detivemos esta dissertação numa
especificidade do estudo de outrora, qual seja, a de avançar nas questões que tratam da relação
entre a classe operária e as práticas esportivas. Elencando o período compreendido entre 1928
e 1935, esta pesquisa pretendeu ser uma análise do fenômeno esportivo na perspectiva de
trabalhadores urbanos brasileiros, utilizando como fonte privilegiada a imprensa proletária.
Buscamos interrogar as referências, determinações e significados da organização do esporte
na dinâmica do movimento dos trabalhadores entre o final dos anos de 1920 e o primeiro
15
MORAES, Cláudia. Educação física, lazer e o mundo do trabalho na revista Educação Physica (1932-1945) e
um contraponto possível com os jornais proletários. 2004. 130 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em
Educação Física) – Centro de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória,
2004.
16
qüinqüênio da década posterior, bem como suas características, suas definições e os limites
de sua aceitação e negação vinculados às idéias que representaram o esforço de reflexão do
movimento operário sobre aquele contexto crítico da sociedade brasileira.
Ainda como projeto de mestrado, este trabalho pretendia investigar a relação entre educação,
esporte e trabalho no meio operário, em uma perspectiva diacrônica que enfatizasse as
expressões de resistência contra os processos formativos atrelados à ética do trabalho e aos
ditames da mercantilização da cultura e da vida. Com o transcurso da pós-graduação, o
desenvolvimento do nosso trabalho apontou os limites e possibilidades para o estudo e, assim,
colocamo-nos objetivos mais modestos, mais bem recortados, combinação essa que nos levou
a delinear a presente pesquisa em torno da presença do esporte no meio proletário como
objeto de estudo. O que ecoa da formulação inicial deste trabalho é a perspectiva que reúne
amplas transformações sociais para compreender a presença do fenômeno esportivo no meio
operário, com uma função educativa e política, ou seja, as chaves de análise da relação entre
esporte e trabalhadores não mudaram, mas sofreram uma reordenação, uma hierarquização
diferente da anterior.
A primeira seleção que realizamos dos jornais proletários, ainda na iniciação científica,
abarcou a década de 1930, por uma determinação de um estudo comparado a um periódico da
área da educação física. Naquele momento, estabelecemos os seguintes critérios: jornais
proletários que foram publicados nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, órgãos de
representação da classe operária que mantiveram alguma regularidade nas publicações.
Todavia, com os novos desenvolvimentos do estudo na pós-graduação e com a reelaboração
dos objetivos ao longo da investigação, algumas mudanças tornaram-se necessárias.
Reorientamos, então, nosso conjunto de fontes e a periodização, sem perder o trabalho
acumulado de outrora.
Para nossa nova coleta de fontes, recorremos novamente ao acervo de periódicos sindicais do
século XX do arquivo Edgard Leuenroth (AEL), localizado especificamente no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O acervo
agrange um levantamento parcial de periódicos sindicais nacionais e estrangeiros sobre
associações de classe e/ou sindicais do século XX, levantamento que serviu de orientação
para a seleção das fontes. Em resumo, nossos instrumentos de coleta foram a ferramenta de
17
busca do site do AEL
16
, o catálogo do levantamento parcial de periódicos sindicais do século
XX
17
e o catálogo de resumos de teses e dissertações do referido acervo.
18
Além dos jornais, utilizamos também documentos da Federação da Juventude Comunista do
Brasil (FJCB), localizados no AEL e no Centro de Memória e Documentação da UNESP
(CEDEM), boletins, cartas, circulares, resoluções, teses e informes da FJCB.
19
Os
documentos da Federação ganharam relevância em nosso estudo não somente pela constante
preocupação com a juventude relatada nos jornais e pela presença da Juventude Comunista
(JC) na organização dos jovens proletários, mas também pela possibilidade que oferecem de
compreensão dos usos e argumentos utilizados pelos comunistas em relação ao esporte, uma
vez que a Federação elegeu o esporte como um elemento de aproximação e de suma
importância na viabilização de sua política.
O recorte histórico que realizamos tem fundamentos relacionados a datas e momentos
históricos “oficiais” e também a uma própria demanda das fontes. Um prévio conhecimento
das nossas fontes, aliado à bibliografia consultada auxiliou no recorte histórico da pesquisa,
indicando que a menção freqüente ao esporte nos jornais operários teve início em 1928, com a
campanha de proletarização do esporte pelos grupos comunistas, principalmente em São
Paulo e no Rio de Janeiro. O período limite da pesquisa, 1935, foi uma demanda das próprias
fontes, período que se associa a um contexto geral de medidas autoritárias no Brasil, e da
dinâmica interna do movimento operário brasileiro. Após esse período, as ocorrências sobre
esporte nos jornais operários selecionados diminuíram significativamente. A trajetória da
FJCB também contribuiu para delimitar esse período histórico, pois apesar de a Federação ter
sido fundada em 1927, foi mesmo no ano seguinte que suas atividades ganharam relevância
para o movimento operário, atividades que terminaram em 1936.
16
O acervo do AEL foi nossa principal referência como centro de documentação. outros livros e produções
acadêmicas que também nos auxiliaram. Eles serão citados ao longo do texto. Todo o conteúdo do acervo do
AEL pode ser consultado pelo acesso a www.unicamp.br/sahu .
17
Remetemos o leitor ao levantamento parcial dos jornais sindicais em publicação impressa Cadernos AEL, v.
7, n. 12/13, 2000) ou ao acesso on-line a: http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_publicacoes/cad-
12/levantamento-ael.pdf .
18
O catálogo de resumo de teses é composto por trabalhos acadêmicos que utilizaram os documentos do AEL e
pode ser encontrado em publicação impressa ou on-line no site do AEL: http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-
ael_publicacoes/catalogo1.pdf
19
No AEL, os documentos, em sua maioria, encontram-se reunidos na Coleção Internacional Comunista, rolo de
microfilme n. 8. No CEDEM, a localização dos documentos pode ser feita por palavras-chave no site de busca
www.cedem.unesp.br .
18
O recorte que realizamos, o final da década de 1920 até o primeiro qüinqüênio dos anos de
1930, congrega um contexto de mudanças na sociedade brasileira. Nesse contexto, os jornais
operários foram um importante veículo comunicador do operariado organizado, atuando, por
um lado, como porta-voz de partidos e associações, debatendo e avaliando a atuação
proletária e as conquistas da luta política, privilegiando o ponto de vista estratégico da
organização operária; por outro, como divulgador da opinião de militantes operários que
colaboraram com os jornais escrevendo textos sobre a situação do bairro ou manifestando sua
opinião sobre o local de trabalho ou as peculiaridades do cotidiano operário.
Essa característica dos jornais operários das décadas de 1920 e 1930, de mesclar textos densos
e doutrinários com a informação do cotidiano,
20
foi importante para dar voz à expressão
esportiva que já se desenvolvia no meio operário brasileiro, pois, em primeiro lugar, a
ordenação interna dos jornais ganhou espaços específicos para diferentes tipos de assuntos,
inclusive para os esportes; em segundo, a manifestação de leitores colaboradores dos jornais
trouxe para esse agente comunicador a visão do cotidiano registrado por trabalhadores
adeptos ou não das práticas esportivas. Embora Maria Célia Paoli
21
entenda que a
reconstrução histórica do cotidiano operário do contexto em questão encontra obstáculos na
falta do depoimento direto do sujeito da experiência vivida e sentida como de classe,
consideramos nos jornais um espaço que foi um canal direto com os operários, para que
expressassem situações por eles vivenciados diariamente. A coluna Dos nossos
correspondentes do jornal A Classe Operária publicou seu objetivo:
Ella será acolhedora da voz das fabricas, das officinas, dos campos. Os
companheiros e companheiras que desejarem escrever suas queixas, o regimen de
trabalho em que vivem, a exploração dos salários, o desconforto, a falta de hygiene,
a miséria [?] todos os aspectos enfim de sua vida amargurada devem dirigir-se a
elle. Tudo isso deve ser feito com a maior exactidão, citando fatos verdadeiros,
algarismo e comprovantes.
22
A utilização do jornal como principal fonte de documentação histórica pode ser muito
eficiente que esse material foi amplamente disseminado para/pelos militantes do
movimento operário. Foi também o mais importante meio de comunicação, atuando como
fonte de informação, doutrinação, orientação e ordem da classe operária, segundo Ferreira:
20
ARAÚJO, Silvia; CARDOSO, Alcina. Jornalismo e militância operária. Curitiba: Ed. UFPR, 1992.
21
PAOLI, Maria Célia. Os trabalhadores urbanos nas falas dos outros: tempo espaço e classe na história operária
brasileira. In. LOPES, J. L (org). Cultura e identidade operária: aspectos da cultura da classe trabalhadora. São
Paulo; Marco Zero. 1987
22
DOS NOSSOS correspondentes. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n. 1, p. 1, 1 maio 1928.
19
Em todos os acontecimentos relevantes que empolgaram os trabalhadores brasileiros
o jornal mostrou-se o principal veículo de comunicação. Através de suas ginas a
liderança operária orientava as massas trabalhadoras. As palavras dos líderes eram
imprescindíveis ao encaminhamento das questões operárias. Nos momentos de crise,
as sedes dos sindicatos transformavam-se em postos avançados da luta operária, das
quais o jornal transmitia a palavra de ordem, a orientação a ser seguida pelas
bases.
23
Maria Célia Giglio
24
tem opinião semelhante quando diz que o jornal operário teve relação
sistemática com os acontecimentos que demarcaram o modo de vida de certas comunidades
de leitores. Para a autora, a imprensa operária constituiu-se em um produto cultural criando
estratégias de circulação capazes de formar uma comunidade de leitores-ouvintes que se
alimentaram das idéias e debates surgidos em círculos de leitura, provavelmente alterando as
formas de relacionamento que provocaram a distribuição de pensamentos novos. Continua a
autora:
Mais que uma comunidade de leitores, os impressos operários, por suas
características doutrinárias, possibilitaram a formação de uma rede de distribuidores
daqueles discursos, tornaram-se detentores de um poder combatido explicitamente
por uma malha de instituições (a polícia, a escola, a igreja)[...].
25
O jornalismo militante, além do seu valor como documento vivo de um determinado grupo
social ou de uma época, diz Maria Nazareth Ferreira
26
, também tem importância nos estudos
da sociedade como valioso instrumento de orientação coletiva, sendo incontestável o valor da
participação efetiva individual e do coletivo no processo histórico. Mas tomar como fonte os
jornais operários exige análise do conteúdo do texto associada ao campo político-ideológico
de sua atuação, ou seja, requer levar em conta a natureza do texto no contato com a realidade
investigada.
27
Acompanhamos a produção de idéias sobre o esporte operário nos seguintes jornais: A Classe
Operária, O Internacional, Nossa Voz, O Trabalhador Gráfico, O Jovem Proletário, A Nação
todos de tendência comunista ou simpatizantes. Também utilizamos um mero da Revista
Cultura, editada por Fernando Mangabeira, membro da Juventude Comunista, e o jornal A
23
FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis: Vozes. 1978. p. 15
24
GIGLIO, Célia Maria Benedicto. Impressos operários, leitores e práticas de resistência. Contemporaneidade e
Educação, Rio de Janeiro, n. 7, 1º sem., 2000.
25
Ibid, p. 52.
26
FERREIRA, op cit., p. 15. Nota 23.
27
ZICMAN, Reneé Barata. História da/através da imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto
História, São Paulo, n. 4, p. 89-102, 1985.
20
Plebe, de tendência anarquista.
28
Este último figurou como uma crítica ao esporte operário
vindo do próprio movimento, que os anarquistas repeliram a prática esportiva na formação
do militante operário.
A Classe Operária, órgão central do PCB, surgiu em 1925, na cidade do Rio de Janeiro, mas
logo em seu primeiro número a tipografia clandestina foi desativada. Ressurgiu em 1928
como um jornal de grande popularidade, Segundo Carneiro e Kossoy, era muito comum como
prática de leitura e doutrinação ler trechos selecionados de A Classe Operária em reuniões
políticas e de lazer
29
, estratégia que atendeu ao grande número de trabalhadores analfabetos,
além de seduzir jovens ainda despreparados para a ação política. Foi pelas páginas desse
jornal, um canal direto de propaganda do ideário comunista, que pudemos acompanhar a
defesa da formação da frente única proletária, segundo as determinações da Internacional
Comunista.
Juntamente com a FJCB, A Classe Operária apresentou uma coluna dedicada ao jovem
trabalhador intitulada Juventude Proletária – órgão da educação revolucionária, que se
manteve de 1928 a 1930, com o objetivo de “[...] estabelecer contato mais intimo com os
jovens trabalhadores [...] para oriental-os na luta pelos seus interesses e direitos”.
30
Foi
também interesse dessa coluna publicar artigos sobre o esporte proletário.
O Internacional e Nossa Voz foram dois jornais que também se dedicaram a publicar artigos
sobre a relação entre esporte e operariado, com alguma ênfase para a juventude trabalhadora.
Em 1929, O Internacional, canal direto do PCB na cidade de São Paulo, organizou uma
Secção da Juventude a pedido dos próprios jovens colaboradores do jornal e anunciou a
criação do Grêmio Artístico Esportivo Internacional. O Nossa Voz, jornal do Rio de Janeiro,
publicou alguns artigos sobre a caracterização do futebol e da cultura operária e foi
mensageiro da Carta Aberta da Juventude Comunista do Brasil.
O Trabalhador Gráphico foi um importante jornal com uma longa história no movimento
operário de São Paulo.
31
Além de apresentar artigos sobre o esporte e a juventude operária,
28
Todas as citações retiradas dos jornais foram mantidas em sua grafia original.
29
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; KOSSOY, Boris. A Imprensa confiscada pelo DEOPS. São Paulo: Ateliê,
2003.
30
JUVENTUDE proletária. A Classe Operária. Rio de Janeiro, p. 4, 17 abr. 1930.
31
FERREIRA, 1978.
21
criou, em 1927, a diretoria da União dos Trabalhadores Graphicos Futebol Club, uma
iniciativa pioneira dentro de um sindicato. Em 1928, fundou o Departamento Esportivo da
Corporação Graphica de São Paulo, que, durante a primeira metade dos anos de 1930,
publicou artigos sobre a movimentação dos quadros esportivos proletários dos trabalhadores
gráficos e teve a responsabilidade de publicar a Página Esportiva do jornal até o início do ano
de 1936.
Um dos jornais libertários mais importantes, genuinamente anarquista, foi A Plebe. Surgiu em
1917, em meios a manifestações grevistas, e seu papel foi o de defender princípios anarquistas
como doutrina social que preconizava uma sociedade livre, bem como a organização sindical
contra a opressão do Estado.
32
Por conta das inúmeras perseguições e dificuldades financeiras,
o jornal foi interrompido em 1924, ressurgiu em 1927 e foi novamente interrompido em 1932
e 1935. Nos anos de 1920, a doutrina anarquista recusou o esporte como manifestação cultural
dos trabalhadores. Na década de 1930, A Plebe, com um discurso inflamado contra o Estado,
a Igreja e a burguesia, editou vários artigos de cunho antifascista.
Esses jornais foram colhidos por nós em maio de 2005, ainda no início da pesquisa. Naquele
momento, definimos que o recorte cronológico deveria abarcar as décadas de 1920 e 1930 e,
então, conjugamos dois critérios e selecionamos aqueles jornais de grande expressão no meio
operário que mantiveram regularidade em suas publicações, se considerarmos, é claro, a
periodicidade fugaz de jornais proletários no Brasil no final dos anos de 1920 e,
principalmente, na década de 1930.
Como já apontamos que nossa pesquisa ganhou outra configuração, diferente daquela pensada
inicialmente, o processo de desenvolvimento do estudo indicou novos documentos que
poderiam ser úteis ao trabalho. A leitura dos jornais e da bibliografia consultada apontou
outros jornais operários que não estiveram na seleção anterior, mas que continham
importantes referências ao esporte. É o caso do jornal A Nação, que não foi um periódico
editado por operários, entretanto, sua coluna Desportos esteve sob controle comunista de
janeiro a agosto de 1927, enquanto o jornal A Classe Operária permanecia na ilegalidade,
tornando-se, então, um veículo importante de comunicação da grande imprensa aliado ao
PCB. A partir de 1928, com a ilegalidade do Partido e da política de classe contra classe da
32
CARNEIRO; KOSSOY, 2003.
22
Internacional Comunista (IC), esse compromisso foi encerrado, representando o rompimento
do PCB com a pequena burguesia.
33
É o caso também de O jovem Proletário, criado em 1927
como órgão porta-voz da Juventude Comunista no Brasil, e dos documentos dessa Federação
(boletins, circulares e informes), que a educação dos jovens operários deteve a atenção do
PCB, que mostrou, nos jornais, interesse na relação entre a juventude e os esportes.
Os documentos da FJCB estão presentes neste estudo por representarem a possibilidade de
mostrar a organização de atividades esportivas de trabalhadores por dentro da ação militante
organizada. Assim, refazendo o percurso da Federação, foi possível captar as estratégias,
referências, determinações para o uso do esporte pelos comunistas. Nessa documentação,
procuramos evidenciar as correspondências enviadas e recebidas periodicamente pelas
instâncias comunistas que demonstravam as relações que a FJCB mantinha com as demais
associações de trabalhadores. Havia uma política de comunicar o andamento dos trabalhos
administrativos (incluindo o trabalho esportivo) nas secções do Partido, nos comitês, nas
células de bairros e em clubes esportivos. A análise desse tipo de documento serviu para
também confrontá-lo com os jornais, a fim de verificar se as atividades e meios divulgados
eram realmente as práticas desenvolvidas pelas associações e células esportivas, assim como
de acompanhar os processos internos que levaram, muitas vezes, os militantes a mudarem de
tática quanto às práticas esportivas.
Além dos documentos partidários e jornais, há outras fontes possíveis, como artigos da grande
imprensa e de periódicos especializados em esporte, crônicas, literatura de ficção, textos
técnicos de Educação Física e, principalmente, documentos referentes aos clubes operários,
como atas de reuniões, correspondências entres associações e clubes operários, estatutos,
entre outros. Estes últimos são de grande importância para o estudo da organização das
atividades esportivas de trabalhadores por fora da ação tanto patronal quanto militante,
oferecendo uma outra perspectiva sobre o tema. Mas, para nosso estudo, dedicamos atenção
aos documentos produzidos pelo movimento comunista para enfatizar a seqüência do discurso
em razão das dificuldades colocadas, primeiramente pela fugacidade das publicações e, em
seguida, pela impossibilidade de leitura, nesse momento, de todos os impressos disponíveis.
33
Sobre essa hipótese de aliança de PCB com o jornal A Nação, consultar página 143 do estudo de SANTOS,
Jorge Artur dos. Os intelectuais e as críticas às práticas esportivas no Brasil (1889-1947). 2000. 277f.
Dissertação (Mestrado História Social) Faculdade de Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2002.
23
Além desses, um terceiro motivo: não foi possível localizar documentos referentes aos
clubes citados em nossas fontes primárias.
A leitura dos jornais proletários selecionados mostrou-nos quais foram os temas do Brasil e
do mundo que disputaram espaço naquelas poucas ginas sempre lotadas de artigos e quais
foram os eventos que decidiram o conteúdo de um artigo de longa gestação ou redigido às
pressas para a próxima e incerta edição de mais um folheto. Para nossa tarefa de dissertar
sobre o esporte proletário e sua relação com a classe trabalhadora no Brasil, levamos em
consideração a rede de fatos que os jornais construíram, a seleção de temas recortados do
cotidiano que diziam sobre um determinado entendimento do modo de vida operário, das lutas
da classe e de suas aspirações. A intenção era formular questões a partir dessas referências,
exigindo das fontes a explicitação de um conjunto de elementos que estivesse em relação
tanto com o nosso tema de estudo como com a organização social mais ampla. Nossa
preocupação foi construir uma articulação entre a especificidade dos documentos
representantes da classe trabalhadora e a dinâmica social mais ampla, contendo facetas da
economia, da política e da cultura, buscando visualizar a influência desses acontecimentos na
vida e no cotidiano da classe trabalhadora, nas suas formas de organização, nas maneiras
pelas quais enfrentaram seus problemas e tentaram influir sobre os acontecimentos dos quais
faziam parte.
Nesse sentido, foi importante retroceder e compreender como o esporte se desenvolveu em
nosso País e como se tornou um elemento importante na educação. Foi necessário buscar
também qual o tipo de relação que os trabalhadores tiveram com o esporte ao longo de um
contexto que não permitiu o desenvolvimento das práticas esportivas como também as
associou a um ideal de formação originado na moral burguesa.
O capitulo I deste trabalho, intitulado O desenvolvimento do esporte no Brasil e a sua
politização pelos comunistas, pretendeu apresentar a conjuntura histórica na qual o esporte,
para um grupo organizado do movimento dos trabalhadores, adquiriu significados e valores
associados à dinâmica da política operária no período compreendido entre o final dos anos
de1920 e o início da década posterior. Para a sua construção, utilizamos a contextualização da
presença de um ideário modernizante ao longo das primeiras décadas do século XX, ideário
que foi fundamental para o crescimento sociocultural do País, incluindo-se o
desenvolvimento dos esportes, bem como para a reorientação de perspectivas políticas tanto
24
do movimento operário quanto da elite econômica e do Estado. Na seqüência, buscamos
enfrentar a discussão da dinâmica política do período, as transformações do mundo do
trabalho associadas à racionalização e o contexto educacional, para visualizar as diferentes
formas de intervenção sobre o cotidiano operário e a reação dos trabalhadores organizados. A
nossa pretensão foi discutir os motivos que levaram à aproximação dos militantes com o
esporte, e possibilitar, pensando na seqüência do trabalho, a construção de um enredo que
discutisse o contraponto sociocultural expresso na dinâmica das relações sociais entre
trabalhadores, Estado e empresariado, no final dos anos de 1920 e início da década posterior,
momento que deu notoriedade ao esporte como campo de luta. A partir da configuração desse
quadro social, fomos levados a discutir os pontos de divergência e contato, no plano do
esporte, entre os ideais formadores da classe operária e da intervenção burguesa.
O Capítulo II intitula-se Intelectuais, empresários e operários: relação e intervenção no
terreno esportivo. Nele confrontamos as diferentes perspectivas sobre o esporte, uma vez que
o PCB lançou, no final dos anos de 1920, a idéia de um esporte proletário como tática de
mobilização do operariado e como contraponto ao esporte burguês. Procuramos compreender
como se deu a intervenção de intelectuais e empresários no campo esportivo e o que isso
significou para a configuração de um contraponto para o esporte proletário e para seu
direcionamento. Para tanto, utilizamos, além dos jornais operários, uma revista específica da
área da Educação Física com a pretensão de realizar um diálogo, ainda que secundário, entre
essas duas fontes. A utilização da revista serviu à finalidade de mostrar, referente à história
das práticas esportivas, como o pensamento pedagógico, associado às transformações do
mundo do trabalho, intervieram sobre a classe operária. Esta, por sua vez, esteve representada
aqui pelos jornais com o propósito de evidenciar a absorção e releitura que o operariado
militante fez do esporte e das práticas de intervenção.
Cabe aqui explicar o uso e a relevância da revista. A revista Educação Physica tornou-se uma
fonte importante para este capítulo porque foi o primeiro periódico comercial sobre Educação
Física lançado no Brasil, produzido no Rio de Janeiro, por iniciativa de dois professores dessa
área. A revista circulou entre 1932 e 1945, notoriamente imersa em um contexto de mudanças
significativas sobre o pensamento educacional brasileiro, registrando e expressando em suas
páginas questões na época candentes, como o robustecimento da raça, a força produtiva e sua
relação com a economia nacional, a educação para o trabalho. Nesse sentido, a visibilidade de
um corpo educado, saudável e laborioso era mais que uma necessidade, era uma intervenção
25
política de controle de cerceamento orientada pela lógica do trabalho e da produção. Essa era
a razão pela qual as práticas corporais e esportivas eram amplamente incentivadas, como
possibilidade de divertimento ou disciplinação.
34
No primeiro editorial da revista Educação Physica, seus organizadores demonstraram
compreender que a função desse periódico era contribuir para o desenvolvimento esportivo no
Brasil, “[...] cuidando, mui especialmente, do seu apuro technico e refinamento
educacional”
35
, com o objetivo de ser
[...] uma força nova nos domínios da educação physica [e] reunir todos os elementos
mais representativos e de maior autoridade e competencia, no justo desejo de tornar
um bloco único e indissoluvel todas as pequenas e grandes parcellas de verdadeiros
valores que se acham esparsas.
36
O “justo desejo” correspondia a necessidade que os organizadores da revista percebiam no
apelo que “[...] os grandes educadores têm proclamado com eloquencia, com profunda
verdade, a complexidade e o alcance da verdadeira e moderna educação”.
37
A revista
Educação Physica, atenta a essa demanda, desejou contribuir com o objetivo de “[...] crear o
homem integral, o homem forte physica, moral e intellectualmente [...] homens novos,
homens mais fortes, homens melhores vão surgir”.
38
Assim, no Capítulo II desta investimos na análise da percepção proletária sobre o esporte
burguês, explorando em nossos jornais aqueles elementos que diferenciavam a prática
esportiva proletária da burguesa, assim qualificados. Nosso objetivo é identificar os termos
que marcam a diferença entre as classes no plano dos esportes, tentando compreender como
os trabalhadores empreenderam a discussão do esporte na sua história.
Por fim, no Capítulo III pretendemos investigar a temática da proletarização do esporte nos
limites da FJCB. Operando com os documentos da Federação, e com a história do PCB, nos
detivemos na reconstrução da trajetória da Federação privilegiando o confronto entre a
perspectiva dos ideais e objetivos traçados (como registram as fontes) e aquilo que a JC
conquistou com o projeto de proletarização do esporte. É também objetivo deste capítulo uma
34
GOELLNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na revista educação physica.
Unijuí: Ijuí, 2003. p. 17.
35
EDITORIAL. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 1, p. 3, mar. 1932.
36
Ibid., p. 3
37
EDITORIAL. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 4, p. 11, mar. 1934.
38
Ibid., p. 4.
26
análise mais aproximada da caracterização do esporte proletário, abordando suas formas de
organização, enfatizando suas prioridades de ação, intervenção e sua função político-social no
movimento operário. Pretendemos enfatizar também alguns dos conflitos decorrentes desse
esforço de proletarização, marcados tanto pela inflexibilidade desse projeto quanto pelos seus
paradoxos, atrelados, muitas vezes, às possibilidades de articulação entre consciência de
classe e esporte.
27
Capítulo I
1 O DESENVOLVIMENTO DO ESPORTE NO BRASIL E A SUA
POLITIZAÇÃO PELOS COMUNISTAS
Este capítulo tem o objetivo de localizar o objeto deste estudo no tempo e no espaço, ou seja,
de contextualizar o desenvolvimento do esporte no Brasil, detidamente nas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo, aproximando-o de um contexto de mudanças nas estruturas social,
política, econômica e cultural do nosso País.
A idéia que justificou e sustentou este capítulo é a de que o esporte, para um grupo
organizado do movimento dos trabalhadores, adquiriu significados e valores associados à
dinâmica da política operária no período compreendido entre o final dos anos de 1920 até
meados da década posterior. Escolhemos percorrer um caminho diacrônico da história do
esporte em nosso País, atrelando à ele fatores externos a sua dinâmica que auxiliam na
compreensão do seu engendramento como agente de educação e disciplina.
Partimos das transformações que inauguraram o início do século XX e chegamos aos anos
1920, avançando até 1935, construíndo uma narração que pretendeu evidenciar como a
instituição esportiva se tornou uma das referências modernas no campo das práticas corporais
como resposta às reformulações da realidade brasileira, em direção à configuração de um país
moderno de constituição capitalista. Para tanto, dividimos este capítulo em dois momentos: o
primeiro trata da visibilidade que o esporte adquiriu, no início do século XX, no embasamento
de idéias ligadas à construção da modernidade em nosso País, aos processos identitários, aos
processos disciplinares e educativos sobre o corpo que tanto influenciaram o desenvolvimento
das práticas esportivas e foram o conteúdo de intervenções sobre a classe trabalhadora; o
segundo momento detém-se em compreender, no bojo das transformações sociais dos anos de
1920 e 1930, os fatores que levaram o PCB a se engajar em uma campanha de proletarização
do esporte, bem como o processo de constituição e fortalecimento de uma doutrina política
que buscou diferenciar-se da dos anarquistas e possibilitar a mobilização dos trabalhadores
pelo Partido, na busca pelo agrupamento e pela educação política dos seus militantes e dos
operários.
28
Esse caminho levou-nos a investigar se a preocupação dos comunistas com o esporte foi com
essa prática em si ou com a sua utilidade para o movimento dos trabalhadores. Essa atitude os
colocou numa situação em que foi preciso investir no esporte com associações esportivas,
ligas e federações operárias, por exemplo, com um conteúdo classista, e enfrentar, assim, a
intervenção burguesa sobre as práticas esportivas presente nos campeonatos profissionais, nas
escolas e nas ações assistenciais destinadas ao lazer.
1.1 A relação do esporte com a modernidade do País: um jogo (nem sempre)
harmonioso entre as elites e os trabalhadores.
Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou
desaparecemos. A afirmativa é segura.
39
Novos horizontes se abrem ao povo brasileiro, como
estabelecimento da forma republicana de governo no país [...].
O proletariado que até hoje foi apenas uma força anônima
servindo de base a todas as ambições, por inconfessáveis que
fossem, passou destarte a ser uma força preponderante na
sociedade, um elemento de prosperidade, de riqueza e
progresso.
40
As idéias que, certamente, muitos de nós construímos para descrever os anos iniciais do
século XX estão associadas à modernização político-cultural do nosso País. O termo impulso
modernizante, sob desdobramentos e implicações de um longo e conflituoso processo
histórico, talvez expresse um determinado tipo de interpretação produzido pela ambiência
desse contexto, que elegeu a ciência e a razão como um dos seus principais símbolos. São
também marcos desse momento a difusão das idéias européias e a expansão da nova e
mecanizada organização econômica que, entre o final do século XIX e as três primeiras
décadas do século XX, contribuíram para mudanças significativas no que se refere aos
39
CUNHA, Euclides. Os sertões. In: SANTIAGO, Silviano (Org.). Intérpretes do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2002. p. 242.
40
O operário e a república citado por BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. Formação da classe operária e
projetos de identidade coletiva. In: DELGADO, Lucília de Almeida Neves; Ferreira, Jorge (Org.). O Brasil
republicano: o tempo do liberalismo excludente: da proclamação da república à revolução de 1930. São Paulo:
Civilização Brasileira, 2003. p. 173.
29
padrões de vida, aos hábitos, aos valores, aos saberes e às formas de organização da cultura
nos centros urbanos brasileiros.
Em nosso País esse estado irrequieto do mundo produziu, sob as astúcias da ordem e as
ilusões do progresso
41
, a desestabilização das sociedades e culturas tradicionais, gerando um
processo de crescente tensão e ajustamento às novas exigências sociais. Nos contornos do
ideário modernizante do País, que não deve ser entendido no seu completo sucesso nem como
homogêneo e linear, quase nada pertencente ao mundo sociocultural escapou do jugo
ordenador: a família, a educação, o trabalho (principalmente o tempo fora dele) e os costumes
em geral. Sob as condições objetivas da consolidação da burguesia como classe social no
século XIX, a reformulação desses aspetos sustentou a idéia de um novo homem e de novas
bases para a reprodução social.
Pensar sobre a incipiente vida republicana brasileira remete-nos àquele arrebatador
planejamento de esquecer tudo o que se associava ao passado colonial e ao atraso cultural e
que, em amplos termos, significaria o projeto moderno de emancipação do País, de
regeneração do povo e das tradições por meio do trabalho, da educação, da disciplina, da
moralização do caráter e da civilidade. Tal estado de coisas inspirou muitos intelectuais a
registrar, de variadas formas, o espírito do tempo, as perturbações e novidades que o
embalaram. Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, obra que relata o confronto de Canudos
(1893-1897) como um refluxo em nossa história,
42
é lido como um dos autores que
experimentaram e expressaram na vida e na obra os paradoxos da modernidade brasileira e os
impasses da República. Euclides da Cunha registrou sua sentença: “Estamos condenados à
civilização. Ou progredimos ou desaparecemos. A afirmativa é segura”.
43
A idéia do escritor
pareceu registrar o brado de um militante republicano desapontado com o novo regime e suas
promessas. As palavras do escritor estavam associadas aos ideais positivistas e referiam-se à
formação racial do homem brasileiro e aos malefícios da mestiçagem, já vislumbrando um
futuro fatalista para o País, cuja história se moveria pelo choque entre etnias e culturas
destinadas ao desaparecimento.
41
SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica ritmos e tios do Rio. In: ______. História da vida privada
no Brasil: república – da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das letras, 1998.
42
CUNHA, 2002, p. 331.
43
Ibid., p. 242.
30
Nas palavras desse autor, a República irrompeu como herança inesperada, deixando
transparecer seu improviso:
Ascendemos, de chofre, arrebatados na caudal dos ideais modernos, deixando na
penumbra secular em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente.
Iludidos por uma civilização de empréstimos; respigando, em faina cega de copistas,
tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações, tornamos,
revolucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências da nossa
própria nacionalidade, mais fundo o contraste entre o nosso modo de viver e o
daqueles rudes patrícios mais estrangeiros nesta terra do que os imigrantes da
Europa. Porque não no-los separa um mar, separam-no-los três séculos...
44
O escritor parece denunciar os contrastes da inesperada República, que anunciava a
regeneração do povo e do País sem conseguir, entretanto, resolver os paradoxos emergentes
das mudanças pretendidas. É nesse caminho que Margarida de Souza Neves
45
analisa o
desenvolvimento do nosso País. Para a autora, que se baseou nas palavras de Euclides da
Cunha, o paradoxo reside nas profundas diferenças entre a cidade e o campo no contexto
republicano, as diferenças entre o Distrito Federal, na época Rio de Janeiro, e as fazendas, as
vilas do interior e os sertões do país. Percebe-se, então, um contraste geográfico entre a
capital e as cidades interioranas: por um lado, a vida urbana associou-se à vertigem e à
aceleração do tempo como sensações próprias do ritmo da cidade, derivadas das grandes
reformas higienistas, educacionais e urbanas, do desenvolvimento da engenharia, da
medicina, das conquistas da técnica e de toda cultura produzida por ela; por outro, a vida do
interior do País abastou-se do centro e ligou-se ao marasmo e à servidão senhorial. Nesse
paradoxo, a autora destaca a presença da ideologia do progresso, que impedia a percepção da
diferença entre a condição dos países periféricos e a daqueles mais aptos, destinados a
anunciar por todo o mundo a boa nova da redenção do atraso cultural e econômico.
46
Mas essa
missão civilizadora mostrava também, e aos poucos, os seus efeitos menos edificantes, tais
como o etnocentrismo, o desrespeito aos valores de diversas culturas, a injusta distribuição
das riquezas, a violência e a exploração pelo trabalho.
Os espaços urbanos foram os cenários dessa nova ordem em expansão: lugar da aceleração, da
efervescência cultural, da racionalidade que esquadrinha, do controle e da excitação, dos
conflitos e da civilidade, da riqueza e da pobreza, da industrialização, da distinção. Algumas
44
CUNHA, 2002, p.90.
45
NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da república: o Brasil na virada do século XIX para o século XX.
In: DELGADO, Lucia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (org). O Brasil republicano: o tempo do
liberalismo excludente da proclamação da república à revolução de 1930. São Paulo: Civilização Brasileira,
2003. p. 13-44.
46
Ibid.
31
cidades do nosso País viveram esses processos de forma muito particular; o Rio de Janeiro e
São Paulo são exemplos muito bem conhecidos dessa experiência. Essas cidades, sem ignorar
a expressão de outras localidades brasileiras, construíram um eixo político-econômico e
cultural muito importante nas primeiras cadas do século XX, podendo ser interpretadas
como duas cidades que viveram aquele fluxo intenso de mudanças da ordem social associada,
de forma indissolúvel, ao progresso e à civilização.
O desenvolvimento da urbanidade foi fruto tanto do progresso em curso, resultando em um
crescimento rápido e desordenado, quanto do seu contrário: os contrastes sociais cada vez
mais agudos geraram conflitos e ameaças, lembrando os percalços da ordenação. O paradoxo
entre o ideal de progresso e o seu contrário seria a premissa fundamental para o entendimento
da história do nosso País nas primeiras décadas da República.
47
Se as transformações na economia e na vida política influenciam a reorganização dos espaços
urbanos, como escreve Gilberto Velho
48
, podemos pensar sobre o crescimento da urbanidade
brasileira e as mudanças que elas certamente provocaram nas formas de sociabilidade e
interação social. É certo que somente a partir de meados do século passado a população
urbana superou a população rural; todavia, não podemos desconsiderar que a dinâmica urbana
envolve o progresso socioeconômico, o impacto das migrações, a influência do trabalho livre
e os progressos das medidas médicas e sanitárias.
49
Como pondera o autor, as cidades por
meio das suas atividades comerciais e industriais, constituíram-se nos pontos de articulação
dessas sucessivas inovações econômicas e tecnológicas que passaram a conectar esferas
diversificadas da vida social. Ao invés de homogeneizar, esse processo provocou uma
aproximação e gerou interações dos mais diferentes tipos, que se deram não através de
mecanismos econômicos e comerciais, mas também graças ao contato, geralmente difícil,
entre universos simbólico-culturais dramaticamente distintos.
50
Com a diferenciação clara entre o estilo de vida de cidade e o da vida no campo, o processode
contato quase sempre tenso entre universos tão distintos nos espaços urbanos criou áreas de
aproximação e afastamento. Quando não, apontou a coexistência de diferentes visões de
47
NEVES, 2003.
48
VELHO, Gilberto. Estilo de vida urbano e modernidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p.227-
234, 1995. Semestral. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/175.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2006.
49
Ibid., p. 3.
50
Ibid., p. 3.
32
mundo. A evolução das relações capitalistas baseadas no trabalho livre, na constituição do
Estado, no processo de industrialização, de urbanização e de modernização do País
transformou os centros urbanos em locais produtores de novas formas de sociabilidade e
interação social. Gilberto Velho
51
chama a atenção para os modos específicos de recortar e
reconstruir a realidade que estão indissoluvelmente associados à reorganização do espaço
urbano, que é conseqüência e causa, simultaneamente, de novas visões de mundo, com
concepções particulares de tempo, espaço e indivíduo. E é fundamental perceber como os
indivíduos lidaram com esse reordenamento.
Nesse sentido, vale observar os estudos de Ricardo Lucena
52
e Victor Andrade de Melo
53
sobre a introdução dos esportes no Brasil e sua relação com a organização social entre os
séculos XIX e XX, estudos em que os autores apontam a criação de um novo perfil cultural
articulado intimamente às demandas objetivas de modernização do País. Segundo Vitor
Melo,
54
havia um contexto favorável à implementação do esporte pela mudança da estrutura
econômica e das relações de trabalho, e a ampliação desse processo e as suas conseqüências
no âmbito sociocultural da cidade influenciaram também o desenvolvimento do esporte,
delineando a criação de percepções e respostas adequadas às situações impostas a cada uma
das classes sociais.
Ricardo Lucena, trabalhando com as idéias de Norbert Elias,
55
afirma que, no contexto do
desenvolvimento das cidades e da progressiva mudança nas relações sociais, a emergência das
práticas esportivas figuraram como elemento de (re)adaptação dos indivíduos ao espaço
urbano modificado. Segundo o autor, na rede de interdependências cada vez mais ampla e
complexa, tecida por essa nova disposição social, estava a tensão da luta entre as diferentes
classes sociais pela identidade entre si e pela distinção em relação aos outros. Isso significou a
demarcação de uma nova postura da elite econômica que adotou o esporte como elemento de
expressão da busca pela diferenciação social. Nessa direção, a distinção cultural, a
escolaridade e o agrupamento de pessoas com o mesmo status econômico foram alguns
critérios de diferenciação. Além disso, como o esporte era uma prática social herdada das
51
VELHO, 1995, p. 2
52
LUCENA, Ricardo. O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro. Campinas: Autores
Associados, 2001.
53
MELO, Victor Andrade de. Cidade Sportiva: do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume
Duramá/faperj, 2001.
54
Ibid., p. 14-15.
55
LUCENA, 2001. Especialmente capítulos 2 e 3.
33
influências européias, tornava-se, então, mais uma peça do arsenal simbólico que marcou as
diferenças socioculturais entre as classes. Então, fatores, como identidade social e educação,
segundo Lucena, caracterizaram a visão dos primeiros praticantes do esporte no Brasil, são
singulares afirmações, tais como as que enxergam ser possível praticar algum esporte
pessoas com o mesmo nível educacional.
56
Victor Melo, por sua vez, além de reconhecer o auxílio dos imigrantes e dos estudantes no
papel de disseminação das atividades esportivas no Brasil, identifica um contexto favorável
para o estabelecimento dessas práticas no País, contexto que, a despeito da influência
européia, acabou por adquirir um caráter peculiar derivado do ambiente cultural brasileiro.
Uma dessas particularidades são os significados atribuídos ao remo e ao turfe como
expressões dos valores de uma determinada época, no que se aproxima das observações de
Lucena. Porém Victor Melo capta, nas atitudes e preferências esportivas da elite, as mudanças
orientadas pelo contexto geral de modernização e, ao mostrar uma reordenação nos usos e
significados das práticas esportivas, deixa ver as possibilidades de apropriação que fizeram as
diferentes classes sociais.
No tocante à relação entre esporte e modernização, o turfe tem pioneiro papel na história das
práticas esportivas em nosso País. Segundo Victor Melo, o turfe representou uma grande
proximidade e uma identificação com o mundo europeu, além de constituir um clima de
espetáculo dentro do qual os membros da elite nacional, oriundos principalmente da zona
rural, poderiam exercitar sentimento de distinção.
57
As corridas, cada vez mais freqüentes,
eram uma das principais diversões da cidade, e a sua caracterização aristocrática foi a
principal causa do seu desenvolvimento, pois o interesse que transitava, além de uma atitude
desinteressada e gratuita isto é, a busca de diversão e distração sem a intenção de fazer do
esporte uma atividade profissional –, era o de manter contatos e fechar negócios por ocasião
dos encontros.
58
O desenvolvimento de novas estruturas socioculturais nas cidades brasileiras, como ocorreu
no Rio de Janeiro, trouxe a ascensão de outros esportes, construindo uma relação entre o apelo
à modernização e as preocupações com a saneabilidade da cidade. Essas mudanças de caráter
56
LUCENA, 2001, p. 44.
57
MELO, 2001, p. 30-34.
58
Ibid., p. 60.
34
sociocultural estavam articuladas com o crescimento urbano não acompanhado da ampliação
dos serviços públicos mais elementares, como a limpeza das ruas e as prevenções sanitárias.
Quando os administradores públicos se deram conta do possível colapso urbano, que boa
parte da população que vinha em busca de trabalho nas indústrias era submetida a condições
muito precárias de sobrevivência, houve uma grande mobilização e investimentos em setores
ligados a limpeza e higiene.
Nesse mesmo contexto, os preceitos médicos sobre a saúde e o cotidiano familiar, incluindo aí
as atenções com as áreas periféricas da cidade, apresentaram uma nova e moderna concepção
de corpo, saudável e higienizado, com base na qual a instituição médica modificou os hábitos
corporais da família, afirmando-se como a única instância capaz de receitar aos indivíduos os
devidos cuidados com a saúde do corpo.
59
Colocando em questão diversos aspectos da vida
familiar, como as condições de salubridade das habitações e a freqüência das epidemias, a
intervenção do pensamento médico-higienista possibilitou o aparecimento de novas
preocupações com a estética corporal e a construção de um padrão de corpo para o
brasileiro.
60
De maneira paralela, nova mentalidade incidia sobre o contingente de
trabalhadores urbanos sob o diagnóstico de que "[...] os hábitos de moradia dos pobres eram
nocivos à sociedade, e isto porque as habitações coletivas seriam focos de irradiação de
epidemias, além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os
tipos".
61
Aliás, afirma Sidney Chalhoub, todo debate sobre a saúde pública nesse contexto
envolveu a intenção de instituir modos de funcionamento e regras de instalação para as
habitações coletivas, modificando sua arquitetura, divisão, ventilação, bem como sobre os
espaços de circulação e convívio das pessoas.
62
Sob essas orientações, conta Melo, a relação
estabelecida entre a população e os hábitos higiênicos e os cuidados com a saúde, seguindo no
rastro do pensamente médico e das influências européias, mudara ao ponto de tornar aceitável
e popular os banhos de mar,
63
e, aos poucos seu uso estendeu-se dos interesses nas
propriedades terapêuticas às atividades de lazer e promoção da sociabilidade. Essa mudança
59
SOARES, 1994. p.85-96.
60
MELO, 2001, p. 48.
61
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 29.
62
Ibid., 1999, p 29.
63
Victor Melo lembra que no início do século XIX o Rio de Janeiro não era um cidade limpa e suas condições
de salubridade e saneabilidade eram muito precárias. O banho também não era um hábito tal como o
conhecemos hoje, e a relação dos indivíduos com o mar era de distanciamento, porque ele era usado para a
deposição de excrementos. Mas, com a mobilização de médicos, sanitaristas e engenheiros para tornar a cidade
mais habitável e modificar os hábitos higiênicos da população, essa relação mudou: os banhos de mar
começaram a ser sugeridos como prática terapêutica. MELO, opt. Cit., 2001, p. 39-41.
35
na relação com mar e com os esportes situados nos espaços urbanos muito favoreceu a
divulgação das atividades náuticas, como foi o caso do remo, tão singular para explicar a
difusão das práticas esportivas no Brasil e sua relação com a organização social.
64
O conjunto de idéias relacionadas com a urbanização da cidade estava diretamente ligado ao
avanço das relações de produção capitalista no País e à Belle Époque carioca, que promoveu
um clima de modernização da cidade, colocando o Rio de Janeiro na ponta da produção de
modas e comportamentos naquele momento de euforia cultural, mas, acima de tudo, ditando
sistema de valores, modo de vida, sensibilidade, estado de espírito e disposições pulsionais,
que articularam a modernidade como uma experiência existencial e íntima, conforme
escreveu Sevcenko.
65
A preocupação com a inserção do Brasil no quadro internacional do capital revelou as
características que não tinha para se tornar moderno, Nesse caso, para seguir a trilha da
modernização era necessário acabar com o atraso cultural e ultrapassar a mentalidade que
desejava ao País a manutenção e o fortalecimento de sua vocação rural.
O significado dessas mudanças no plano das práticas esportivas foi o destaque do remo, em
detrimento do turfe, como o esporte percebido pela elite capaz de representar o dinamismo da
metrópole, a civilidade, o moderno, aquilo que era novo e eficiente. O turfe, no último quartel
do século XIX, serviu aos interesses aristocráticos de reconhecimento de membros das elites,
dignos de exclusividade dos mais proeminentes círculos sociais. O remo, a partir da virada
daquele século, ganhou visibilidade em um contexto de mudanças de comportamentos e
valores, carregando consigo, se comparado ao turfe, características mais próximas às
valorizadas por uma camada/cultura urbana/capitalista em formação. Nas palavras de Victor
Melo:
Se o turfe já significava um avanço na estrutura social carioca, o remo incorpora
perfeitamente a modernidade dos primeiros anos do século XX. O moderno tinha
relação com o indivíduo audaz, conquistador, vencedor. O remo é o esporte do
exercício physico, termo chave sempre usado pelos que defendiam e propagavam as
benesses dessa prática. O remo é o esporte da saúde; do desafio, contra o outro e
contra o mar, que educa o músculo e a moral; o esporte da velocidade; do progresso,
do limpo e do belo, da vida e da ordem [...]. O esporte de uma juventude altiva, forte
64
MELO, 2001, p. 38-43.
65
SEVCENKO, 1998. p. 522.
36
e com “liberdade de espírito” suficiente para conduzir a nação ao progresso
necessário.
66
O remo e o turfe foram usados aqui porque representaram casos paradigmáticos da relação
entre o esporte e a organização social brasileira. Ao lado dessa história, correm outros casos,
como, por exemplo, o do futebol, um tema bastante conhecido e estudado por melhor
evidenciar as tensões entre as classes na apropriação dos bens culturais. A dinâmica de
aceitação do esporte foi ganhando cada vez mais apoio de diversos grupos sociais. Não que
isso significasse que não houve obstáculos para seu desenvolvimento,
67
mas a divulgação de
seus benefícios foi tão bem recebida por ocasião do ideário vigente que quase não havia
dúvida sobre seus efeitos positivos no estímulo do sentimento patriótico e na divulgação da
necessidade da educação do corpo – física, moral e intelectual.
No desenrolar das primeiras décadas do século XX, o esporte foi, então, caracterizado por
suas virtudes e pelas imagens que carregava relacionadas com um estilo de vida urbano e com
a modernidade. Se a nação brasileira ainda era algo a se formar, o esporte teria então papel
relevante nesse processo. Os valores agregados a ele, quando praticado nos limites da
concepção da elite urbana da capital do País, ajustaram-se plenamente como uma das marcas
do projeto de modernização, resultando na substituição e destruição de práticas e espaços
sociais julgados inadequados, segundo o padrão que interessava à elite dirigente.
68
O que se pode acompanhar nos centros urbanos brasileiros em crescimento, na passagem para
o século XX, é a mobilização de parcela dos governantes e da intelectualidade no sentido de
repensar os espaços urbanos diante do novo fluxo de relações sociais baseado em um conjunto
de idéias a respeito da disciplina, do trabalho, da moral, da civilidade, da higiene, da
modernidade e da educação, dentro do qual o esporte certamente teve importante participação.
Esperava-se que a república brasileira fosse transformada em uma nação desenvolvida,
inserida no mundo capitalista, preparada para a modernização anunciada. Entretanto, não foi
isso o que aconteceu. O que se observou foi um quadro de acentuada miséria e o caos urbano.
Foi nesse contexto que o discurso médico-higienista se situou como uma instância competente
para ordenar e higienizar a população dos centros urbanos brasileiros. Para Carmen Lúcia
66
MELO, 2001, p. 77.
67
Para conhecer as críticas feitas ao desenvolvimento das práticas esportivas no País consultar Santos (2000).
68
MELO, 2001.
37
Soares
69
, o conhecimento produzido no mundo europeu foi apropriado pelos médicos
higienistas no Brasil, apoiados pelo poder do Estado, para a construção de uma nova ordem
política, econômica e social, na qual a medicina ocupou lugar destacado na formação de um
novo homem para o País, sem o qual a sociedade idealizada não se tornaria realidade.
Se pensarmos com o Ricardo Lucena e Victor Melo, veremos que o esporte tinha legitimação
social como agente de educação das elites. Mas, segundo Jorge Artur dos Santos
70
, desde o
século XIX encontramos alguns intelectuais defendendo o esporte como um elemento
regenerador da raça. Esse discurso apologético manteve a crença nas virtudes de que o esporte
não era apenas a forma mais adequada de educação do corpo, mas a forma por excelência de
educação integral. Para o autor, o que se sobressai é a ênfase no nacionalismo, pensado em
função da influência do grande fluxo de imigrantes, negros e mestiços na formação da nação
brasileira. Para aqueles intelectuais, as vantagens do desenvolvimento físico, especialmente
por meio do esporte, seria fator de fortalecimento do patriotismo, da inteligência, do caráter e
da moral.
A campanha em prol dos esportes estimulou, na década de 1910, a criação de clubes e ligas
nacionalistas, que se expandiram devido ao impacto da guerra, dando visibilidade para as
questões de defesa nacional, como a difusão das idéias de combate à estrangeirização do País,
a erradicação do analfabetismo e a obrigatoriedade do serviço militar. Regenerar a
população brasileira, núcleo da nacionalidade, tornando-a saudável, disciplinada e produtiva,
eis o que se esperava da educação, erigida nesse imaginário em causa cívica de redenção
nacional”.
71
Educar, curar, civilizar, modernizar, disciplinar e tornar-se útil: máximas que o
ideal republicano, na esteira das exigências do progresso, buscou para o crescimento do País e
projetou para a formação do homem brasileiro.
Nesse sentido, a educação física escolar, tendo a ginástica como principal conteúdo,
privilegiou uma perspectiva de base anatomofisiológica e, conjugada com o pensamento
pedagógico, ganhou valor como componente curricular de acentuado caráter higiênico,
eugênico e moral. Isso foi parte da resposta que o país, de forma lenta e progressiva, deu às
demandas da sua abertura ao capital em um processo de intervenção sobre a classe
69
SOARES, 1994.
70
SANTOS, 2002.
71
CARVALHO, Maria Marta Chagas de. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 10.
38
trabalhadora, associando educação, saúde e trabalho como estratégias de transformação da
sociedade brasileira. Tratou-se de uma intervenção respaldada na ciência positivista que
movimentou a política e a educação para estruturar um pensamento sobre a formação da
população brasileira. A escola impôs-se como um recurso de incorporação generalizada das
populações à ordem política, social e econômica.
A análise de Luciana Marcassa
72
sobre a demarcação social do espaço e do tempo na cidade
de São Paulo e, com isso, sobre o processo de institucionalização do lazer corrobora as
palavras de Chalhoub. A autora destaca que a educação física, os esportes, juntamente com o
processo de educação moral e intelectual do indivíduo burguês, colaboraram, higienizando as
mentalidades, refinando gostos e costumes, cultivando cientificamente as formas de instrução,
criando a figura do indivíduo civilizado e disciplinado, o gentleman.
73
Subjacente ao rótulo do
novo, do moderno, do higiênico e do civilizado, estava o pensamento pedagógico que,
mediante o discurso científico, justificava a necessidade da instrução formal como estratégia
de moralização e controle das relações sociais, o que, então, ganhava visibilidade, na medida
em que tornava pública uma preocupação aparente com o povo e para o povo.
74
Foi essa
ambigüidade das investidas médicas e pedagógicas, que iam desde a normatização do
cotidiano dos indivíduos até a redistribuição do espaço social, que criou um modo de
intervenção sobre os trabalhadores, a parcela mais carente e problemática da sociedade,
segundo os preceitos vigentes, tentando higienizá-la, esquadrinhá-la e discipliná-la. Em São
Paulo, por exemplo, a partir das primeiras décadas do século XX, observou-se um processo de
reordenamento urbano associado aos novos significados atribuídos ao corpo e às relações
sociais. Mas foi a partir dos anos de 1920 que esse conjunto de reformas urbanas provocou,
como diz a autora, uma sensação de estranhamento diante do crescimento virtuoso da urbe, de
medo e fantasia diante das novas formas de trabalho, circulação, convivência e diversão, bem
como de desespero em face das contradições sociais e dos contrastes urbanos que envolveram
toda a população, colocando a cidade de São Paulo sob os códigos da nova ideologia,
representada como ícone dos novos estatutos simbólicos e culturais.
75
Soma-se a isso o
discurso médico associado à propaganda da escola como instâncias capazes de disciplinar e
orientar as atividades de diversão. Assim sendo, não poderiam deixar de incluir as modernas e
educativas práticas da recreação, representando
72
MARCASSA, 2002.
73
Ibid., p. 63.
74
Ibid., p. 63.
75
Ibid., p. 65.
39
[...] não uma preocupação com os usos "ilícitos" do tempo livre, mas também a
intervenção sobre o ócio e a alteração dos hábitos e tipos de divertimentos
tradicionais. A ociosidade, entendida como produtora da violência, da
criminalidade, da capoeiragem, da vagabundagem, dos cios, das doenças e das
epidemias, seria a principal atividade do cotidiano familiar a ser questionada,
enquadrada e combatida. A orientação pedagógica contida nas atividades de
recreação desenvolvidas na escola visava disciplinar o corpo no sentido de que, no
tempo livre, não se flexibilizasse com a preguiça nem com o desconforto físico.
76
Nesse contexto, a educação e as práticas corporais, na forma de atividades físicas, esportes ou
recreação, cumpriram uma finalidade pedagógica de orientar o cotidiano dos trabalhadores e
suas famílias. Essa é uma posição muito próxima à de Carmen Soares, quando a autora se
expressa sobre a relação entre o pensamento médico higienista e a educação física, destacando
o papel desta na ordenação do meio urbano:
Impõe-se uma disciplina corporal que seria, evidentemente, mais adequada ao
trabalho fabril, que pudesse tornar os corpos mais dóceis e submissos sob a ótica do
poder e, ao mesmo tempo (e por isso mesmo), mais ágeis, fortes e robustos sob a
ótica da produção enquanto expressão do poder e da ordem. Essa disciplina corporal
foi elemento constitutivo da educação higiênica do trabalhador, a qual deveria se dar
na escola, caso ele viesse a freqüentá-la. E freqüentar a escola tornava-se necessário
para o tipo de desenvolvimento que se encaminha a jovem sociedade republicana.
77
O movimento para disciplinar, educar e curar passou a ser a tarefa redentora da vida
republicana. Ficou evidente que a educação física escolar daria impulso àquela figura do
homem trabalhador, produtivo, disciplinado e moralizado. A moral do trabalho foi um
elemento presente nesse novo brasileiro, para quem a saúde física e mental estaria a par das
idéias de regeneração da população. E foi nesses termos de valorização da vida nacional pelo
trabalho e pela educação que o esporte foi chamado a contribuir.
Para Jorge Nagle
78
, foi nesse período que se fortaleceram as discussões para um amplo
desenvolvimento do sistema escolar, agregado ao esforço de incorporar ao Estado Liberal
uma orientação de caráter intervencionista. Para o autor, tratou-se de um movimento de
republicanização da república pela difusão do processo educacional de matiz nacionalista,
voltado, principalmente, para a escola primária e popular. Mas a percepção romântica dos
problemas da sociedade brasileira e de suas soluções resultou em uma superestimação do
76
MARCASSA, 2002, p. 64.
77
SOARES, 1994, p. 121.
78
NAGLE, Jorge. Educação na primeira república. In: FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização
brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2, p. 259-291.
40
processo educacional e, assim, como elemento regenerador do homem, ele seria,
conseqüentemente, o regenerador de toda a sociedade. Os resultados mais objetivos desse
movimento foram a ampliação da rede de ensino e da clientela escolar, a implantação da
administração escolar, bem como o uso de instrumentos de planejamento, como os
recenseamentos, o surgimento dos educadores profissionais. Para Maria Marta Chagas de
Carvalho
79
, o intento de expandir a escola e nacionalizar o povo, fundamentalmente as
populações operárias rebeldes à ordem republicana instaurada, evidenciou os limites e a
inadequação do modelo escolar republicano.
Foi levantado, então, um caloroso debate que apelou para o sentimento patriótico e a
formação do homem tipicamente brasileiro, dentro do quadro de reformulações que se
almejava para o País imputando no excessivo valor atribuído aos exercícios corporais e aos
hábitos saudáveis à função de cumprir o papel que lhes dizia respeito na formação cultural da
sociedade brasileira. Foi assim que a Educação sica formalizada em sistemas e métodos, e
também os esportes se tornaram o meio responsável de demarcação social entre o corpo
higiênico e o corpo relapso do indivíduo colonial, ditando os preceitos acerca do trabalho, dos
hábitos cotidianos e dos demais padrões étnicos não condizentes com o modelo de homem
branco e europeu. Segundo o conhecido estudo de Jurandir Freire Costa, o corpo saudável e
higiênico fez da premissa racial o núcleo da consciência de classe, creditando à consciência da
“superioridade” biológico-social do corpo um momento indispensável à sua formação.
80
Se a importância do esporte cresceu juntamente com o desenvolvimento das cidades e de um
estilo de vida urbano, seria razoável pensar que as práticas esportivas foram ganhando o gosto
popular por razões tanto dos discursos e práticas de intervenção quanto da apropriação do
esporte por outros valores que não só o de mera diversão ou higiene e saúde. Como foi, então,
que esse outro tipo de apropriação/participação aconteceu? Qual foi a atitude daqueles que se
viram excluídos das práticas esportivas? Como se deram as práticas culturais daquela parcela
da população que foi alvo de intervenções normativas da medicina e da educação?
A segmentação social no esporte aconteceu, mas não impediu a participação da classe
trabalhadora, que achou outros espaços, incentivo e apoio para a prática esportiva. É preciso
79
CARVALHO, Maria Marta Chagas de (2003).A república, a escola e os perigos do alfabeto. In.:_____(Org.).
A escola e a república e outros ensaios. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
80
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. p. 13
41
atentar para a diferenciação dos interesses envolvidos na apreciação do esporte. A
proliferação de pequenos centros esportivos nos subúrbios das cidades manteve relações
ambíguas com aquele discurso da força transformadora do esporte e suas finalidades
socioeducativas e regeneradoras. A participação dos trabalhadores parece não se ter dado
somente por interesses higiênicos e moralistas, mas também por divertimento, por interesse
em ganhar alguma soma de dinheiro, pela perspectiva de ascensão social ou, em alguns casos,
por resistência à substituição de uma tradição cultural popular por outra cultura de valores que
não eram os deles.
81
Para o início do século XX, o argumento de Vitor Melo era de que as camadas populares não
assistiam aos eventos esportivos como também participavam deles. Entretanto, essa
participação foi restrita, pois, naquele momento, não era permitido aos praticantes de esporte
dessa origem a ascensão aos cargos dirigentes nem a associação aos clubes, o que mais tarde
dificultou ainda mais a inclusão de atletas das camadas populares em provas esportivas.
82
Mas
vimos que esse quadro foi modificado, de modo muito específico, em função de uma
concepção de que as atividades esportivas eram benéficas para o processo de formação
cultural do homem brasileiro.
O que ecoou dessa concepção para as décadas seguintes foi o esquema de controle do
cotidiano operário, mais bem evidenciado nas práticas culturais proletárias e na administração
do tempo livre. Segundo o trabalho de Maria Auxiliadora Guzzo de Decca, a disciplina do
lazer no meio operário, em função de uma mentalidade urbana voltada para a industrialização
e para o trabalho, foi uma das metas dos poderes públicos que, envolvidos com as pretensões
eugênicas, tiveram seu lugar nos intuitos de preparação e preservação do operário em um
ambiente sadio.
83
Baseando-nos no estudo de Luciana Marcassa, mais uma vez podemos afirmar que o cinema,
a dança e o futebol eram os divertimentos mais populares da cidade de São Paulo, sendo
muito comum também nos bairros operários, os bailes, as associações recreativas e o teatro
amador.
84
Uma vez que os divertimentos das camadas populares eram desenvolvidos de
81
MELO, 2001.
82
Ibid.
83
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920-
1934). São Paulo: Paz e terra, 1987. p. 91.
84
MARCASSA (2002, p. 82).
42
acordo com suas condições de vida, essas práticas eram frequentemente associadas aos vícios
herdados da tradição colonial, o que provocava uma certa repulsa por parte dos ideólogos da
modernização e do progresso.
85
Então, o ócio e as atividades de descanso e divertimento que
não fossem compatíveis com a racionalidade produtiva em ascensão deveriam ser banidos do
cotidiano da cidade, se não bastasse, associados à debilidade corporal, Hábitos como o ócio
vão aparecer no palco social como características de uma sociedade ultrapassada em que a
preguiça e a contemplação significavam perda de tempo.
86
Segundo a autora, o sujeito ocioso
era identificado como vadio e, como tal, criminoso, pois aquele que não tivesse uma atividade
econômica regular e que, por isso, ficasse a vagar pelas noites paulistanas, estava sujeito à
aquisição de vícios destruidores da moral, da virtude e da civilidade. Eis o momento da
associação entre ócio e criminalidade.
87
A incidência dessas propostas sobre os trabalhadores
urbanos teve, no discurso educacional voltado à escolarização e à disciplinarização da
população brasileira, a evidência da preocupação com o desenvolvimento moral, com a
diminuição da delinqüência, com a higiene, com o aperfeiçoamento da raça, sendo também
nítido o incentivo à aquisição de hábitos corporais, à prática de atividades lúdicas
compensatórias do desgaste provocado pelo trabalho e destrutivas dos vícios devastadores da
sociedade.
88
Nesse contexto, as teses higienistas possibilitaram a estruturação de serviços de educação e
propaganda sanitária principalmente direcionada aos meios pobres. Esses serviçoes
desdobraram-se, no final dos anos de 1920, na criação de espaços destinados à recreação e à
prática de esportes para os filhos dos operários, os chamados “programas de parques infantis”,
com os quais foi desenvolvida a idéia de um lazer dirigido, de caráter disciplinador e
formativo.
89
O desenvolvimento dos centros urbanos para locais produtores de novas formas de
sociabilidade e interação social influenciou o modo de organização operária. Desde a segunda
metade do século XIX, os trabalhadores urbanos livres e mais qualificados organizavam-se
em sociedades e agrupações com a finalidade de exercer a solidariedade, zelar pelos interesses
85
Ibid., p. 84.
86
Ibid., p. 84.
87
Ibid., p. 84.
88
Ibid., p. 65.
89
DECCA ,1987; MARCASSA, 2002.
43
comuns e prover divertimentos.
90
O contínuo crescimento das atividades comercias e
industriais e o aumento do número de trabalhadores circulando nos centros urbanos
diversificaram as formas de organização operária, revelando um universo peculiar de
manifestações culturais e associativas. Esse tipo de experiência tão diversificada,
materializada em associações dançantes, carnavalescas, musicais, educativas e esportivas,
produziu espaços de sociabilidade nos quais as atividades exercidas nem sempre tinham um
caráter militante, o que é importante destacar, causando, às vezes, desconfiança e hostilidade
de outros setores organizados, por não enfatizarem um conteúdo de classe.
91
A experiência associativa dos trabalhadores fazia parte das atividades relacionadas à
organização operária em torno de objetivos em comuns que, da reivindicação pela melhoria
das condições de vida à prática do lazer, eram bastante diversos. Não obstante as dificuldades
cotidianas típicas da falta de recursos, esses espaços levavam adiante atividades mais
diretamente ligadas ao trabalho ou ao uso do tempo livre.
92
Foi essa experiência associativa
um dos meios que possibilitaram aos trabalhadores o desfrute do esporte organizado em ligas,
associações, federações amadoras ou profissionais. É o que mostra o trabalho de Uassyr
Siqueira sobre o bairro do Bom Retiro em São Paulo, durante os anos de 1915 a 1924.
93
Para
o autor, o caráter diversificado das associações fundadas pelos trabalhadores paulistanos era
bastante visível nesse bairro, porém, com 54 sociedades diferentes grande parte dedicava-se a
as práticas esportivas que não se limitavam à participação em jogos ou torneios, mas também
em bailes e saraus. Mas a prática do esporte, principalmente o futebol, era a principal
atividade dessas agremiações.
94
Segundo Uassyr Siqueira, em 1916, quando a Associação de Sports Atléticos do Rio de
Janeiro e a Associação Paulista de Esportes Amadores proibiram a participação de operários
nos quadros dos clubes a elas filiados, outros canais foram imediatamente criados para a
prática de jogos, como foi o caso da, Ligas Esportivas do bairro Bom Retiro e vizinhanças. O
sucesso e o desempenho dos jogadores nesses campeonatos promovidos por essas
organizações suburbanas foram tão significativos que na década de 1920, alguns deles
conseguiram o apoio da Associação Paulista como
reconhecimento por sua competência e
90
BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. O movimento operário na primeira república. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000. p. 14-20.
91
Ibid., p. 63.
92
SIQUEIRA, 2002.
93
Ibid.
94
Ibid., p. 44.
44
respeitabilidade diante da opinião pública e das autoridades que controlavam o funcionamento dos
clubes e associações da cidade.
95
Sobre a apropriação do esporte pela classe trabalhadora outros estudos que merecem ser
mencionados para a elucidação desta pesquisa. É o caso do trabalho de Fátima Antunes,
96
que
analisou o futebol praticado nas fábricas de São Paulo entre o final do século XIX até meados
do século seguinte. A pesquisa de Fátima Antunes percorreu um grande período histórico
abarcando momentos importantes da história do esporte em nosso País, e defendia uma forma
de participação muito complexa relacionada ao jogo de interesses sobre a prática esportiva.
Para a autora, que estudou detidamente o futebol de fábrica na cidade de São Paulo, a
democratização desse esporte implicou o surgimento de interesses diversos, os quais,
conscientes ou não, determinaram transformações nessa prática. Os clubes de fábrica foram
criados por iniciativa dos operários, com o objetivo de proporcionar atividades esportivas
como passatempo. Assim, formaram uma tradição de futebol amador praticado nesses clubes,
que, apoiados material e financeiramente pelas empresas, tornaram possível a continuidade da
iniciativa. Aos poucos, outros interesses foram adicionados a essa atividade, como a
descoberta do potencial do futebol para a fábrica pelos empresários.
Ele [o clube] permitia a manutenção de certo grau de controle e de disciplina sobre o
tempo livre dos trabalhadores. Mas, acima de tudo, o clube passou a funcionar como
vitrine da empresa. Além da publicidade de seus produtos, a empresa veiculava uma
imagem positiva através do futebol, de uma instituição preocupada com o
fortalecimento físico e o divertimento de seus trabalhadores.
97
O investimento financeiro nos clubes de fábrica, expressão do interesse dos dirigentes, quase
sempre foi direcionado à conquista de bons resultados nos campeonatos, visando,
conseqüentemente, à melhoria da imagem da empresa vencedora. Com a crescente
participação dos trabalhadores, tal conjunto de interesses auxiliou na caracterização do
esporte na fábrica como atividade profissional. Para os operários, o passatempo acessível e
barato do clube de fábrica possibilitava aventar a hipótese de se transformarem em jogadores
profissionais, abandonando sua condição operária.
95
SIQUEIRA, 2002, p. 104.
96
ANTUNES, Fátima Martin Rodrigues Ferreira. Futebol de brica em São Paulo. 1992. 219f. Dissertação
(Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1992.
97
Ibid., p. 5.
45
Seu desempenho como jogadores podia favorecer a mobilidade no interior da
própria fábrica, promovendo-os a funções mais leves ou melhor remuneradas [...]
abriu-se um campo de mobilidade social, ainda que restrito, aos trabalhadores que
jogavam futebol e que poderiam desenvolvê-lo como atividade profissional paralela
ao emprego na fábrica.
98
Com o crescimento dessa atividade, o auxílio da fábrica foi fundamental para dar conta de
todos os custos que a prática do futebol, nos moldes desejados, exigia. E assim, se estabeleceu
uma relação entre a organização dos times e a gerência administrativa das fábricas: a direção
da fábrica colaborava subsidiando as atividades do clube, mas exigia um retorno dos
investimentos, o que se efetivou na forma de gerenciamento das atividades esportivas. Os
diretores foram recrutados dos próprios quadros burocráticos da empresa, e aos operários, de
quem partira a iniciativa de organização do futebol, restou a prática do esporte e uma posição
secundária na direção. Para a autora, esboçava-se uma primeira forma de controle sobre o
clube.
Leonardo Pereira,
99
estudando a disseminação do futebol no Rio de Janeiro, aproxima-se das
conclusões de Antunes quando afirma que o desenvolvimento do esporte na cidade ganhou
diferentes sentidos associados aos interesses das classes sociais. Analisando os estatutos dos
clubes que proliferaram nos bairros periféricos da cidade do Rio de Janeiro, o autor encontrou
diferenças óbvias nos critérios de aceitação de associados e nos preços das mensalidades, mas
a diferença sutil estaria nas finalidades dos clubes declaradas nos estatutos. Segundo o autor,
era freqüente nos estatutos a afirmação de intenções, como assegurar a boa camaradagem
entre os vizinhos do bairro, promover o desenvolvimento físico e estimular o espírito de
solidariedade. Tais finalidades estavam associadas aos princípios morais e higiênicos
defendidos por intelectuais como preceitos ideais de disciplina, ordem e educação. Entretanto,
a disparidade entre esses princípios e a prática da maior parte dos membros desses clubes
localizados na periferia emergiam no interesse dos jogadores em obter vantagens e ascensão
social e na busca para consolidar uma prática de diversão que não estivesse atrelada aos
ditames da moral higiênica.
Os anos que seguiram a I Guerra Mundial trouxeram grandes mudanças para o contexto
brasileiro, inclusive para o que envolvia a organização dos esportes, a educação e a classe
trabalhadora. Esses três temas guardaram uma forte relação entre si, reforçando, muitas vezes,
98
ANTUNES, 1992, p. 5.
99
PEREIRA, Leonardo. Afonso Miranda Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-
1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
46
idéias gestadas anteriormente, como foi o caso das práticas sociais destinadas ao controle
do cotidiano operário. Outras vezes essa poderosa relação renovou estruturas consolidadas
sob novos moldes. É paradigmático aqui o exemplo de o esporte ganhar status de profissão e
de espetáculo e da ascensão da classe operária com a atuação dos comunistas. Quanto ao
primeiro caso, a renovação do movimento em torno da causa educacional, que reuniu
intelectuais de diferentes categorias profissionais, ganhou, na década de 1920, forte acento na
organização do trabalho nacional como um problema colocado para a escola. De acordo com
Maria Marta Chagas de Carvalho
100
, nesse momento foi possível perceber uma sutil mutação
no discurso pedagógico no Brasil, quando as novas práticas visualizadas pela Pedagogia da
Escola Nova
101
entraram em cena redefinindo princípios, objetivos, livrando-se dos limites
postos pelo cientificismo e apresentando-se otimistas em relação ao poder da educação.
Segundo a autora, tratava-se de uma
[...] aposta em uma sociedade nova, moderna, que as lições da guerra, mediatamente
aprendidas, faziam entrever como dependente de uma nova educação, redefinida em
seus princípios e largamente baseada na ciência [...]. Era aposta no poder
disciplinarizador do progresso que essa ‘nova compreensãoentrevia embutido no
processo de racionalização das relações sociais sob o modelo de fábrica. A regra que
organizava as novas práticas pedagógicas não deriva mais, senão mediatizadamente,
da ciência. Ele é metáfora dos ritmos impostos aos corpos e às mentes pela vida
moderna, império da indústria e da técnica.
102
Para Carmen Soares,
103
o campo de intervenção do saber médico sanitarista redefiniu-se em
formas mais sutis e educativas, voltando-se aos cuidados com a infância e com as condições
de trabalho da indústria. Foram componentes dessa mudança a orientação de medidas
higiênicas para o bom funcionamento das fábricas, das escolas e dos locais públicos e a
responsabilização de empresários pelo descaso com a degeneração da classe operária. A
educação do povo assentou-se no jogo de espelhos entre saúde, moral e educação: [...]
hábitos saudáveis moralizam, uma vida virtuosa é saudável; moralidade e saúde são condição
e decorrência de hábitos de trabalho, uma vida laboriosa é uma vida essencialmente moral e
saudável”.
104
Nessa redefinição de prioridades, a Associação Brasileira de Educação (ABE),
fundada em 1924, teve um importante papel. Uma das iniciativas marcantes da sua presença
no contexto da reforma moral e intelectual foram as Semanas de Educação, uma medida
100
CARVALHO, Marta Maria Chagas de, Quando a história da educação é uma história da disciplina e da
higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História social da infância no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1997.
101
Id., 1989. Especialmente entre as páginas 54-80.
102
Id., 1997, p. 280.
103
SOARES, 1994.
104
CARVALHO, op. cit., p. 284. Nota 100.
47
inovadora da Associação baseada em práticas comemorativas diversas que celebraram
condutas ideais na escola, no lar e no trabalho. Para a ABE, s saúde
[...] não era somente um dos temas preferidos das preleções cívicas das festividades,
como também objeto da celebração em inúmeras competições esportivas oferecidas
em espetáculos como modelos exemplares de comportamento. O esporte e a vida
saudável simbolizam a energia, o vigor, a força, a operosidade, signos de progresso
inscritos no corpo que conhece o movimento adequado e útil para cada ato.
105
Em relação ao segundo caso, no período pós-guerra a cultura esportiva e a celebração da
potencialidade físico-maquinal do corpo receberam destaque e prestígio social por conta dos
valores e códigos que expressavam. Essa percepção, para os centros urbanos do País em
desenvolvimento, como São Paulo, significou estar a par das últimas descobertas tecnológicas
e reunir em si efeitos integradores em uma época de conflituosa renovação político-cultural.
106
A racionalização do trabalho e da vida moderna produziu novas sensibilidades e, nesse
processo, “[...] a pedagogia deixava-se impregnar pelos novos ritmos da sociedade da técnica
e do maquinismo. Ritmos que faziam entrever modalidades inéditas de intervenção
disciplinar”.
107
A crescente popularização dos esportes, notadamente do futebol, estimulada por um ambiente
de esportivização, disciplina e patriotismo, colocava a cultura física na ordem do dia,
propiciando grandes emoções aos praticantes e espectadores do esporte e um entusiasmo geral
pelas competições. Mas deve-se destacar que esse interesse pelos esportes, que Sevcenko
108
descreve como a febre esportiva que assolou o século XX desde os seus primórdios e,
efusivamente, os anos de 1920 e 1930 concebendo a generalização da ética do ativismo,
estava associado ao contexto de mudanças conhecido como a crise dos anos de 1920, que
apontou novos rumos à sociedade brasileira e colocou em questão padrões culturais e políticos
vigentes até então.
105
CARVALHO, 1984, p. 78.
106
SEVCENKO, 2003.
107
CARVALHO, 1997, p. 285.
108
SEVCENKO, 1998.
48
1.2 Esporte e política: entram em cena os comunistas
O início dos anos de 1920 em nosso País foi um fecundo período para a reformulação das
idéias modernas advindas com a República. A educação e o trabalho foram, mais uma vez,
chamados para participar desse processo de reestruturação econômica, social e cultural em
curso. A narração desse período pode ser elaborada a partir de eventos paradigmáticos para
aquele momento da história do nosso País, por exemplo, a criação do PCB, as agitações
tenentistas e a crise política, o centenário da Independência, a Semana da Arte Moderna, o
Manifesto da Escola Nova, a fundação da ABE, entre outros. Tudo isso é expressão das
preocupações e intervenções construídas nesse contexto.
Os efeitos, ainda recentes, da I Guerra Mundial e da Revolução Soviética também
influenciaram o contexto brasileiro, favorecendo e estimulando sua transformação em
diversos aspectos, como, por exemplo, no cenário político, que, no início dos anos de 1920,
viveu uma crescente insatisfação por parte de militares e setores civis, apontaram rupturas
cada vez mais evidentes na hegemonia política exercida pela oligarquia.
109
A insatisfação
latente da classe média e de camadas populares, além da divisão das Forças Armadas, formou
uma onda inconformista que, uma vez saturados aqueles setores sociais da opressão político-
social pela classe dirigente, iniciou um novo processo de relações de classe.
110
No aspecto
econômico, o País viveu, por um lado, momentos de transição e instabilidade; por outro, um
processo de expansão marcado pela complexificação e pela ampliação dos setores urbanos
com o crescimento das camadas médias, da classe trabalhadora e a diversificação de
interesses no interior das próprias elites econômicas.
111
No trabalho, os industriais,
engenheiros, educadores e sanitaristas afeitos ao discurso da racionalização e da
administração científica defenderam a organização racional e o máximo rendimento como
forma de criar um Brasil mais produtivo, eficiente e moderno.
112
Se na transição para o século XX a palavra de ordem foi civilizar, nos anos de 1920,
sobretudo na década de 1930, a questão fundamental foi realizar uma espécie de ajuste de
109
FAUSTO, Boris. Crise dos anos vinte e a revolução de trinta. In. ______. História geral da civilização
brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2, p. 401-426.
110
CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São Paulo: Atica, 1989.
111
FERREIRA, Marieta Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a revolução de 1930. In.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil republicano: o tempo do liberalismo
excludente da proclamação da república à revolução de 1930. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003. p. 389-
415.
112
WEINSTEIN, Barbara. (Re)formação da classe operária no Brasil (1920-1964). São Paulo: Cortez, 2000.
49
contas entre o conjunto das idéias modernas e a realidade institucional do País.
113
Nesse plano
geral, essas transformações seriam os estímulos e os subsídios de estratégias de um novo
ordenamento político-cultural que transformou, no que diz respeito ao nosso objeto de estudo,
a visibilidade do esporte em nossa sociedade e a maneira como a classe operária, mais
especificamente o PCB, lidou com a organização da classe. Decerto não houve um fator
determinante que conduziu a relação que os comunistas estabeleceram com o esporte, mas a
combinação de fatores relacionados com a dinâmica interna do País e também com o contexto
internacional da classe trabalhadora.
A narração histórica até aqui construída demonstrou uma relação quase sempre conflituosa
entre classe operária e esporte, do ponto de vista dos preceitos normativos tanto de militantes
quanto de intervenções do poder público. Mas a conjuntura que se abriu na segunda e terceira
décadas do século XX permitiu visualizar mutações nessa relação, exigindo explorar os
significados e repercussões da expansão do esporte nesses anos e da dinâmica de organização
da classe operária nesse período.
Necessariamente, a combinação da trajetória da organização esportiva em nosso País com as
transformações da política operária no contexto estudado levou-nos a elencar alguns fatores
fundamentais para a compreensão dos motivos que levaram ao envolvimento dos comunistas
com o esporte nesse contexto. Desenvolvemos aqui o grande salto que a organização
esportiva teve na indústria do entretenimento, a cisão no movimento operário, a ascensão dos
comunistas e sua absorção do debate internacional sobre o esporte proletário.
Na década de 1920 a prática do esporte ganhou grande notoriedade em função dos valores que
carregava, relacionados com o contexto que se abriu após a Grande Guerra. Neste contexto, a
retomada das Olimpíadas no continente europeu contagiou o mundo todo com o hasteamento,
pela primeira vez, da bandeira branca com os cinco anéis, ou seja, a representação dos
continentes, e com a revoada de pombos simbolizando a paz e atualizando ideal olímpico de
amizade e solidariedade entre os povos. No Brasil, ainda se comemorava a conquista do
terceiro Campeonato Sul-Americano de Futebol, um título inédito que veio junto com o
estado de euforia e felicidade pelo fim de um período de tormento, coroando também uma
vívida manifestação popular de orgulho patriótico. A vitória dos brasileiros não significou
113
HERSCHMANN, Micael; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. A invenção do Brasil moderno: medicina,
educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
50
apenas a conquista de um campeonato de um jogo popular: foi a demarcação de um novo
referencial da identidade nacional.
Se o esporte pode ser uma chave de leitura do contexto em questão, o futebol é a modalidade
que oferece as melhores possibilidades para pensar sobre esse entusiasmo esportivo. Devido
ao seu potencial integrador, à sua facilidade de improvisação e ao grande poder de
mobilização que causou, o futebol rapidamente se popularizou,
114
e os clubes esportivos, já
em profusão nesse período, que tinham essa modalidade como principal atrativo, ganharam
cada vez mais destaque e incentivo para a realização de jogos e campeonatos.
A disseminação da prática do futebol veio acompanhada de muitos conflitos, dividindo
opiniões a respeito dos benefícios desse esporte. Segundo Franzini, o entusiasmado interesse
pela bola construiu um campo comum de práticas e experiências que levou à forçosa
aproximação das classes sociais historicamente separadas.
115
Segundo o autor, se, para alguns,
a presença dessa prática por toda a cidade e as querelas e brigas originadas pelos resultados
dos jogos eram motivo de desintegração nacional e degenaração cultural, para outros, o
futebol era um ambicioso projeto de regeneração da sociedade brasileira calcado na
valorização do sentimento patriótico e da cultura física.
116
A opinião de Negreiros é a de que, quando essas elites detinham o futebol como um espaço
exclusivo, reservavam a esse esporte elogios e tarefas que permitiriam a redenção da Nação,
em função da construção de uma elite dirigente capaz e de um povo forte.
117
Mas quando esse
esporte deixou de ser o lugar de encontro de uma elite, por fatores aqui colocados, novos
setores sociais fizeram-se presentes, e o futebol foi perdendo seu caráter branco, elitista, e seu
prestígio social, tornando-se, então, a expressão da irracionalidade, do atraso, da desordem, da
violência, da ausência de caráter educativo.
118
Porém, sua popularização atingiu tal alcance
que não havia como fazê-lo desaparecer. Segundo o autor, era preciso discipliná-lo, era
preciso uma ordenação que viesse de cima, a partir da intervenção do poder público. Assim, a
desordem foi substituída pela ordem das elites e coube ao futebol, apesar das múltiplas
114
FRANZINI, Fábio. Corações na ponta da chuteira: capítulos iniciais da história do futebol brasileiro (1919-
1938). Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 18.
115
Ibid., p. 33.
116
Ibid., p. 34.
117
NEGREIROS, Plínio José Labriola. Futebol nos anos 1930 e 1940: construindo a identidade nacional.
História: questões e debates. Curitiba, n. 39, p. 121-151, 2003, p. 124.
118
Ibid., p. 124.
51
restrições que lhe foram feitas, contribuir para que a construção da nação brasileira se
concretizasse, e tornar-se uma das atividades mais adequadas às novas exigências que a
constituição de uma metrópole apontava.
119
Na emergência dos conflitos, principalmente a partir dos anos de 1920, com as multidões
legitimando o sucesso do futebol, o debate sobre a profissionalização do esporte possibilitou
ver as relações que foram estabelecendo-se entre o frêmito por esse esporte e os interesses
financeiros sobre ele, ou seja, tornar o sucesso do futebol um espetáculo lucrativo tinha
também a finalidade de manter a autonomia financeira dos departamentos esportivos dos
clubes e, assim, estes teriam possibilidades de oferecer gratificações aos jogadores como
forma de estímulo à vitória.
120
Mas, neste momento, o que interessa para nosso estudo é a
questão marcante em relação aos conflitos decorrentes da prática do futebol entre os
trabalhadores.
Sendo o jogo de futebol um esporte muito popular entre os trabalhadores, como
evidenciado nos trabalhos de Uassyr Siqueira, Fátima Antunes e Leonardo Pereira, é através
dessa relação que se podem perceber as primeiras manifestações da profissionalização do
esporte no País. No caso dos clubes de fábricas, muitos trabalhadores vislumbraram a
possibilidade de ampliar seus horizontes profissionais. Segundo Antunes, no início, o
incentivo financeiro era modesto e diversificado, mas, posteriormente, com o aumento da
concorrência entre os clubes envolvidos nos campeonatos, foi necessário tornar as equipes
mais competitivas, o que implicou a seleção de um bom futebolista na seleção de um ao bom
operário, e a remuneração ganhou um caráter especial, sendo vista, muitas vezes, como um
segundo salário.
121
Com o propósito de complementar os ganhos provenientes do trabalho nas
fábricas muitos trabalhadores viam-se estimulados a se lançar em disputar por uma posição no
time.
122
Para os jogadores, segundo Fábio Franzini, o futebol permitiu a sobrevivência imediata e,
muitas vezes, a ascensão econômica para muitos daqueles que não encontravam essa
oportunidade pelo trabalho. Por outro lado, tornou o esporte um meio de trabalho para
119
NEGREIROS, 2003, p. 24.
120
ANTUNES, 1992, p. 22.
121
Ibid., p. 53.
122
Ibid., p. 53.
52
assegurar a força dos clubes e o vigor dos espetáculos.
123
Esse não foi um processo sem
conflitos e, ao que interessava à classe operária, essa relação despertou a crítica feita ao jogo
pelas lideranças sindicais com o argumento de que, incentivado pelos patrões em algumas
empresas, o esporte seria visto como forma de afastar as classes trabalhadoras dos
sindicatos.
124
Houve muitas razões para argumentos dessa ordem terem grande força na crítica ao esporte
feita pelo movimento operário no início dos anos de 1920. A origem de alguns motivos teve
relação com o peculiar contexto político de reordenação das forças operárias, que exigiram
coesão do movimento e combate permanente à política burguesa. A cisão que ocorreu na
classe operária brasileira, marcando a diferença entre comunistas e anarquistas, apresenta-se
como um outro fator que, ao lado do avanço da espetacularização e da profissionalização dos
esportes, mais tarde influenciaria a aproximação dos comunistas com o esporte.
A crise que inaugurou os anos de 1920 teve correspondência direta na esfera da política e
também grande influência nas reordenações no mundo do trabalho, na legislação social e na
organização operária. As disputas em torno da sucessão presidencial de 1922 expressaram, em
alguma medida, o descontentamento com o modelo político vigente até então. Uma expressão
dessa discordância foi a candidatura de Nilo Peçanha pela Reação Republicana. As agitações
operárias do período de 1917-19 colocaram em evidência o debate acerca da questão social e
não podiam mais ser ignoradas. O discurso de Peçanha afirmava:
O mundo não pode ser mais o domínio egoístico dos ricos, e [...] teremos paz de
verdade, e uma paz de justiça, quando nas nossas propriedades [...] e nas nossas
consciências, sobretudo, forem tão legítimos os direitos do trabalho como os do
capital. Não é mais possível a nenhum governo brasileiro deixar de respeitar, dentro
da ordem, a liberdade, a liberdade operária, o pensamento operário.
125
Como um movimento de expressão política do período, a reação republicana não foi uma
ruptura com o modelo oligárquico em vigor, mas uma tentativa de construção de um eixo
alternativo de poder que incluía a crítica ao imperialismo dos Estados de maior evidência e a
regeneração dos costumes políticos.
126
Havia também um grande interesse em mobilizar as
massas urbanas pelo destaque dado à questão social, um debate que carregava em si um
123
FRANZINI, 2003, p. 64.
124
SIQUEIRA, 2002, p. 110.
125
PEÇANHA, apud FERREIRA; PINTO, 2003, p. 395.
126
Ibid., p. 395.
53
histórico de agitações operárias em torno da relação entre capital e trabalho.
Até 1920, a
maior parte das medidas sociais que beneficiavam a classe trabalhadora, conquistadas por
meio das lutas por melhorias na condição de vida e trabalho, restringia-se a determinados
grupos de ofício, aqueles providos de estruturas mais organizadas. Entretanto, o momento
seguinte a esse período foi de desenvolvimento das relações entre as classes e de um aumento
no aparato legislativo devido a muitos fatores, entre eles, a organização e pressão operária e a
criação de organismos sociais destinados a equilibrar o antagonismo entre classes.
127
O ascenso da classe operária nos centros urbanos do País viabilizou uma alteração não nas
relações entre os grupos sociais, mas também entre os grupos da própria classe trabalhadora.
A configuração de novas relações e novas perspectivas políticas foi o que possibilitou a
formação do PCB, em 1922, e a projeção de sua influência para toda uma geração de
trabalhadores, estudantes e intelectuais em determinado período da história do Brasil. No
contexto dos anos de 1920-1930, algumas tendências do movimento operário reorganizaram-
se em função das novas demandas políticas, modificando suas estratégias sindicais e formas
de mobilização, o que gerou grandes tensões no interior do movimento.
Foi nesse momento que o PCB, seguindo o rastro da Revolução Russa e da cisão movimento
operário, despontou como uma nova corrente ideológica no Brasil, como um “[...]
acontecimento sui generis no movimento operário. Pela primeira vez tentou-se superar, com
novo arcabouço de organização e nova formulação ideológica, os limites do passado”.
128
Tal
superação respondeu, como relata Carone,
129
a um processo de modernização positiva do
movimento operário decorrente da aceitação de uma nova conjuntura mundial. Em poucos
anos, o PCB experimentou significativas modificações em sua linha política geral, que foram
fundamentais para compor, entre os anos de 1928-1935, sua relação com o movimento
esportivo e os usos dele feitos: a ruptura com os anarquistas, a política de Frente Única, o
processo de bolchevização/proletarização do Partido e a política de classe contra classe. A
fundação do PCB renovou a organização e a formulação ideológica da luta operária no País,
preconizando o caráter da centralização e da disciplina partidária que exigia o abandono das
idéias de espontaneísmo e a adesão livre e sem obrigações com o Partido.
130
127
BATALHA, 2003.
128
CARONE, 1989. p. 93.
129
BATALHA, 2003.
130
Ibid.
54
A origem do PCB foi uma peculiaridade do PCB no Brasil, surgindo de uma cisão do
movimento anarquista. Os anarquistas, até pouco depois da Revolução Russa, eram a maioria
entre os operários, mas os comunistas revolucionários foram responsáveis pelo
estabelecimento definitivo dos antagonismos entre comunistas e anarquistas em nosso País. A
partir dela as polêmicas teóricas e a nova situação econômica e social exigiam das lideranças
operárias revolucionárias uma nova postura a que a tendência anarquista não soube se
adaptar.
131
Nesse sentido, paradigmático é o relato de Basbaum, em princípios de 1927, de
passagem pela Bahia, sobre o encontro com um militante anarquista chamado João Pacífico
de Souza, que desejava ingressar no PCB:
[...] era um homem cansado de lutas, e um tanto desiludido. [...] Seu estado de
espírito, todavia, não abalou o meu. Eram duas gerações que se encontravam, era o
símbolo do anarquismo que morria, enquanto outras gerações e outras ideologias
iam surgindo. Mas era uma boa criatura, um batalhador leal, um guerreiro
necessitando de repouso. Não pude fazer nada por ele nem ele por mim [...] ele
apenas admirado de minha juventude.
132
Além das transformações no trato político, a partir dos anos de 1920 o campo de ação cultural
da classe trabalhadora também passou por um processo de modificação, e o caráter das
celebrações e solenidades operárias foi a expressão disso.
133
Segundo Cláudio Henrique
Batalha, as celebrações, antes realizadas em locais fechados, adquiriram aspecto popular e
mais lúdico, sendo realizados ao ar livre, em locais como parques, e incluíram na
programação, além das conferências e a presença de oradores, atrações capazes de atrair mais
público.
134
Ainda segundo esse autor, essa mudança na cultura operária militante teve reflexos
na relação com o esporte. Assim, ao invés de encarar o futebol com desconfiança, algumas
associações, particularmente aquelas que nos anos de 1920 estavam sob influência dos
comunistas, passaram a estimular a criação de times de trabalhadores, aproximando a cultura
operária militante da cultura dos trabalhadores não militantes.
135
Segundo Del Roio, o PCB ganhou relevância nesse contexto porque foi a única organização
política vinculada ao movimento operário que, a despeito da sua fragilidade numérica,
organizativa e teórica, se esforçou para elaborar um projeto de inserção da classe operária
131
PACHECO, Eliezer. O Partido Comunista Brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-omega, 1984, p. 69).
132
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos (memórias). 2º edição. São Paulo: Alfa Omega, 1976, p. 45.
133
BATALHA, 2002, p. 65-66.
134
Ibid., p. 66.
135
Ibid., p. 66.
55
como sujeito político que visasse à transformação revolucionária.
136
Nos primeiros anos de
sua existência, teve que enfrentar as muitas tensões originadas pelo processo de ruptura e
diferenciação de outras tendências operárias, principalmente a anarquista. As negativas
anarquistas não admitiram, entre outros pontos, as organizações sindical e partidária
comunista, justamente dois dos pilares da política de arregimentação do proletariado
implementados pelo PCB.
Durante quase toda a década de 1920, o PCB perseguiu uma identidade própria, buscando
consolidar a ruptura que provocou no interior do movimento operário brasileiro e diferenciar-
se dos quadros anarquistas, investindo numa política sindical agressiva, disputando o controle
de sindicatos dominados por outras correntes.
137
A atuação do partido na sociedade brasileira,
até meados da década, estava voltada predominantemente para setores operários, buscando
conquistar os sindicatos anarquistas e reformistas ou criar novos sindicatos.
138
Colhendo os
resultados da sua postura unitária, o PCB, em 1926-27, conseguiu absorver a tensão com os
anarquistas, que, por sua vez, cedeu lugar à expansão comunista no meio operário.
A partir de então, a transição para a década de 1930 foi marcada pelo jogo ambíguo e instável
do domínio sobre a organização social, que, recompondo as relações de trabalho e da luta
política em favor da homogeneização, buscou apagar a complexidade da vida material e
cultural e suas indetermináveis formas de sociabilidade. Em meio a esse turbilhão, o PCB,
consolidando a diferenciação teórica e prática de sua matriz anarco-sindicalista, teve de lidar
com eventos de grande magnitude e apurar suas estratégias de ão/intervenção na sociedade
a cada nova guinada da história.
O PCB lançou-se na política sindical de Frente Única, que encontrou na ampla movimentação
das massas o lema da ação comunista. Em 1928, quando prenúncios da crise econômica se
acumularam com as tensões políticas da década, a classe operária pôde avançar nas brechas da
dominação oligárquica, uma vez que o PCB se encontrava inserido e estabelecido no meio
operário. Esse foi o momento em que o Partido, com sua base partidária consolidada e com
definido papel ideológico, iniciou uma luta para conquistas de novos espaços políticos e
136
DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB (1928-1935).
Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
137
CARONE, 1989.
138
RODRIGUES, Leôncio Martins. O PCB: os dirigentes e a organização. In. FAUSTO, Boris (Org.). História
geral da civilização brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2, p. 361-433.
56
sociais e se mostrou presente em posições de liderança política na sociedade brasileira,
mesmo lidando com facções sociais diversificadas.
139
Desde 1925, o PCB mantinha a proposta de frente única proletária de luta conjunta de todos
os operários (sem Partido ou pertencentes a outros) para a defesa dos interesses elementares e
vitais da classe operária contra a burguesia e para a união das massas operárias pela agitação e
pela organização.
140
Para a efetivação da frente única proletária o Partido defendeu a criação
de uma Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e desenvolveu uma ampla
campanha de sindicalização. A Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro (FSRRJ),
esteio para se chegar à fundação do CTGB, em nota à A Classe Operária, no dia de maio
de 1928, comemorou um ano de atuação com as seguintes palavras:
[...] a classe operária possuirá um organismo centralizado que resolverá em
definitivo o problema da conjuncção de forças. Para tanto torna-se preciso que todos
os dirigentes dos syndicatos adherentes façam, sempre que lhes permitem as
circunstancias, a propaganda da FSRRJ para espantar do pensamento dos seus
associados a estreiteza imperativista, causa principal da debilidade das reclamações
proletárias .
141
No exemplar seguinte de A Classe Operária, onde foram publicadas as avaliações das
mobilizações de de maio, a FSRRJ publicou um apelo para a sua consolidação e para o
fomento de novas federações:
[A federação sindical do Rio de Janeiro] Appella para as camadas mais pobres dos
operarios, dos empregados, dos lavradores pobres, dos pequenos funcionarios, das
mulheres e dos jovens trabalhadores no sentido do reforçamento das associações
actuaes e da criação de novas organizações syndicaes das corporações
desorganizadas.
Apóia a frente unica proletária, a unidade syndical e a obra que o jornal a CLASSE
OPERARIA vae realizar no sentido da organização e da educação do
proletariado.
142
Iniciativas dessa ordem foram importantes no que diz respeito à uma maior tolerância para
com a diversidade do movimento operário e ao bloqueio do processo de cooptação da classe
operária pelo Estado.
143
Foi nesse momento de consolidação que o PCB se organizou também
139
CARONE, 1989; RODRIGUES, 1978.
140
CARONE, 1989.
141
O PROBLEMA da centralização das forças operárias resolvido. A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 3,
maio 1928.
142
MILHÕES de operários, de empregados, de lavradores pobres e de mulheres e jovens trabalhadores –
Organizae-vos nas associações de classe. A Classe Operária. Rio de Janeiro, n. 2, p. 1, 5 maio 1928.
143
DEL ROIO, 1990.
57
no campo esportivo. A Classe Operária, retomando publicações, em de maio de 1928
lançou a coluna Juventude Proletária, como forma de convidar os jovens trabalhadores a
participar do movimento operário, e publicou um artigo intitulado “Sport proletario todo
operario footballer deve ingressar nos clubs proletarios”, pelo qual o jornal reconhecia a
presença do esporte no meio operário e a exploração capitalista por meio dele e estimulou os
trabalhadores a pensar sobre um contraponto cultural na proletarização do esporte.
Evidentemente esses não foram os primeiros artigos relacionados ao movimento esportivo da
classe trabalhadora publicados pelos meios de comunicação operários. Na história do Partido,
podemos observar que na sua organização o PCB contava com a JC no ramo especial de
atividades. Conta Leôncio Basbaum
144
que em 1924, o Partido empreendeu algumas
discussões sobre juventude e esporte; em 1925, na ocasião do II congresso do PCB, constava
na pauta de discussão um novo debate sobre a organização da JC. Em 1927, foi criadaa União
dos Trabalhadores Gráficos (UTG) com um clube de futebol. Mas foi somente a partir de
1928 que observamos uma movimentação mais sistemática em torno do tema da
proletarização do esporte e sua relação com a JC.
Interessa marcar que a campanha do esporte proletário aconteceu no final dos anos de 1920,
quando o PCB enfrentou dissidências partidárias e acatou as novas determinações da linha
política do VI Congresso da Internacional Comunista, cujo resultado foi a radicalização da
política partidária, o esforço de proletarização do Partido mediante a promoção de militantes
de origem operária e a rejeição dos intelectuais de origem burguesa.
145
Em 17 de abril de
1930, o jornal A Classe Operária divulgou uma Resolução do Secretariado Político da
Internacional Comunista sobre a questão brasileira, pela qual a tarefa imediata do PCB seria:
O partido deve depurar resolutamente os quadros dirigentes de todos os elementos
liquidacionistas, oportunistas de direita que se arrastam a reboque da massa e
escolher a composição dos órgãos dirigentes de modo a assegurar a realização
consequente e firme da politica proletária revolucionaria .
146
Inferimos que esse movimento esportivo comunista se tenha fortalecido no Brasil a partir
de 1928, por conta dos próprios arranjos da IC em relação ao PCB e ao cenário esportivo
144
BASBAUM, 1978.
145
RODRIGUES, 1978.
146
SECRETARIADO..., A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 3, 17 abr. 1930. Coincidência ou não, a seção em
que esse artigo foi publicado mudou de nome, neste mero do jornal, de Movimento Sindical para Vida do
Partido.
58
mundial. Na ocasião do VI Congresso da IC, em 1927, houve dois eventos marcantes, que
devemos discutir, que influenciaram o PCB e seu empreendimento na área esportiva: o
esforço de bolchevização das seções da IC e a visibilidade da América Latina.
A política de bolchevização da IC e, conseqüentemente, dos partidos comunistas, teve início
em 1924, com o V Congresso da IC, e visou uniformizar as normas organizativas dos partidos
comunistas segundo o modelo bolchevique, privilegiando as células por local de trabalho em
detrimento das territoriais, mas permitindo sempre a existência de frações no interior do
Partido.
147
Segundo Pinheiro
148
, foi somente a partir do VI Congresso, em 1928, que essa
política se consolidou. Justamente no mesmo período em que a América Latina ganhava
notoriedade pela IC por ocasião do agravamento da luta imperialista.
O quadro que se apresentou, a partir de 1928, no meio proletário mundial, foi de um
movimento de inflexão para a esquerda dirigido pela IC. Essa fase, que durou até 1934-35,
teve repercussões mundiais para os quadros comunistas. Essa inflexão consistiu na
radicalização da política comunista e na ascensão do Estado Soviético sobre a IC. A
implicação imediata desse processo foi que a IC se tornou uma agência de repasse das
análises das relações internacionais pela perspectiva do Estado Soviético para o movimento
operário internacional,
149
e a política de bolchevização, elevada à escala internacional,
transformou-se numa política de subordinação dos militantes aos códigos do Partido, que, por
sua vez, elaborou toda uma maneira de comportamentos e obrigações, toda uma rie de
regras estabelecidas.
150
No VI Congresso, a visibilidade da América Latina deveu-se a análises sobre o agravamento
da luta imperialista. Segundo as representações, ainda que falsas, os delegados latino-
americanos, mas, principalmente, os comunistas brasileiros debruçaram-se sobre a existência
de uma situação pré-revolucionária no Brasil em função da inserção capitalista no País e do
agravamento das contradições de classe.
151
Os delegados da América Latina teceram
articulações diretas entre o imperialismo e a política interna de cada país, tomando isso como
instrumento de inserção ideológica. Era necessário contrapor-se ao imperialismo. E tal foi o
147
DEL ROIO, 1990, p. 102.
148
PINHEIRO, Paulo Sergio. Estratégias da Ilusão: a revolução Mundial e o Brasil (1922-1935). São Paulo:
Companhia das Letras, 1991.
149
Ibid., p. 178.
150
CARONE, 1989, p. 152.
151
PINHEIRO, 1991, p. 167.
59
caso do esporte quando Sala, que na ocasião do VI Congresso era o delegado do Uruguai,
indicou a necessidade de levar ao esporte a luta contra o imperialismo. “Nós devemos lutar
contra as associações esportivas burguesas, tendo um caráter definido de classe”.
152
Para
Pinheiro, a articulação agora estreita entre a IC e a América Latina não implicava o avanço na
estratégia revolucionária. O que estava em jogo era a defesa da União Soviética e, assim, os
partidos comunistas da América Latina ganharam notoriedade na época porque foram
considerados como instrumentos de sobrevivência da Revolução Russa e da República dos
Sovietes.
153
Quando o delegado uruguaio Sala proferiu essas palavras de apoio ao esporte proletário (em
1927 no VI Congresso da IC), o movimento esportivo operário europeu estava vivendo
uma fase delicada em função das relações estabelecidas entre a IVS e a política esportiva da
União Soviética, também nos moldes de subordinação ao Estado Soviético. Em 1928, após o
VI Congresso, o PCB lançou-se na campanha de proletarização do esporte,
154
alçando a JC
nesse processo que pretendeu, segundo as orientações da IC e da Internacional da Juventude
Comunista (IJC), um contraponto à ordem esportiva burguesa vigente.
No Brasil, o movimento comunista em torno da questão esportiva encontrou expressão,
basicamente, em duas ações: na formação de clubes “tipicamente” proletários e na construção
de críticas dirigidas aos valores de competição e exploração financeira do esporte burguês. É
importante destacar que o PCB, mais uma vez, em pouco mais de cinco anos de existência e
apesar da crise interna que começava a se desenvolver, absorveu um intenso debate sobre o
esporte proletário na Europa e se alinhou à política esportiva internacional.
O movimento esportivo proletário no Brasil respondia a uma diretriz da IC. A direção desse
movimento estava subordinada às determinações da IVS surgida em 1921 com o objetivo de
criar e aglutinar as organizações de ginástica e esportes proletários revolucionários de todos
os países e transformá-los em centros de apoio para o proletariado em sua luta de classe.
155
A
IVS expedia diretivas para as seções nacionais, especialmente para a JC, visando impedir os
152
SALA, apud PINHEIRO, 1991, p.168.
153
Ibid., p. 179.
154
DECCA, 1987; SANTOS, 2000.
155
GOUNOT, André. Sport or political organization? structures and characteristics of the Red Sport
International (1921-1937). 2001. p. 23-39., vol. 1, n. 1. p. 23
Disponível em: http://www.aafla.org/SportsLibrary/JSH/JSH2001/JSH2801/JSH2801d.pdf. Acesso em: 15 out
2006.
As referências a André Gounot (1994; 2001) foram feitas todas em português e por livre tradução.
60
trabalhadores de permanecer em contato com influências e organizações burguesas. Segundo
Gounout, a criação da IVS foi o reflexo da divisão do movimento operário internacional entre
comunistas e socialistas reformistas após a 1ª Guerra Mundial e, conseqüentemente, um
contraponto a Internacional Esportiva de Lucerna (de orientação socialista reformista), criada
em 1920.
156
Para o autor, apesar de o estabelecimento das duas Internacionais ter elevado o
debate sobre o movimento esportivo operário, a criação da IVE foi um duro golpe para seu
desenvolvimento.
157
Assim, a partir de 1928, os comunistas lançaram-se numa campanha de proletarização do
esporte, aliada ao novo ordenamento partidário da Internacional Comunista, com o objetivo
de agregar os trabalhadores e ampliar seu espaço de luta, tendo na organização esportiva um
meio para doutrinação da classe, para libertação do proletariado e para desenvolvimento da
consciência de classe. Nesse processo, grupos comunistas e simpatizantes dessa tendência
utilizaram o esporte como elemento aglutinador da classe operária, concebendo-o como um
campo de luta de classe pela emancipação e autonomia proletária. Não foi sem motivo a
existência de uma página esportiva no exíguo espaço de quatro folhas dos jornais operários e
a manutenção de departamentos esportivos dentro dos sindicatos
158
, “[...] realizando assim o
objectivo de uma velha e inadiavel aspiração: a proletarisação do esporte”.
159
Na impossibilidade de interromper a relação que inúmeros trabalhadores estabeleceram com o
esporte e mesmo de negar o potencial aglutinador das práticas esportivas, os comunistas não
se preocuparam com a prática em si, mas com aquilo que ela poderia trazer, ou seja, a
aglomeração de trabalhadores praticantes do esporte, reunidos em clubes e participando de
campeonatos operários com o propósito de disseminar a militância comunista e combater a
política burguesa. Nesse campo, a década de 1930 iria apresentar embates muito mais tensos
em torno da questão esportiva para os trabalhadores, e as lideranças do Partido tiveram que
refinar sua crítica e buscar um contraponto para as intervenções burguesas.
156
GOUNOUT, André. Sport réformiste ou sport révolutionnaire? Les débuts des Internationales sportives
ouvrières. In: ARNAUD, Pierre. Les origines du sport ouvrier em Europe. Paris: L´harmattan, 1994. p. 219-246
Id., 2001.
157
Id., 1994, p.221.
158
Como foi o caso dos jornais O Trabalhador Graphico e O Internacional.
159
O DEPARTAMENTO esportivo da UTG. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n. 96, p. 5, 25 maio 1928.
61
Capítulo II
2 INTELECTUAIS, EMPRESÁRIOS E OPERÁRIOS: RELAÇÃO E
INTERVENÇÃO NO TERRENO ESPORTIVO
Neste capítulo, confrontamos as diferentes perspectivas sobre o esporte que surgiram no final
dos anos de 1920 e início de 1930, quando o PCB lançou, no final dos anos 1920, a idéia de
um esporte proletário como tática de mobilização do operariado e como contraponto ao
esporte burguês. Discutimos os pontos de divergência e contato, no plano do esporte, entre os
ideais formadores da classe operária e da intervenção burguesa, investindo em um diálogo
entre fontes proletárias e fontes que representassem as “idéias burguesas”: buscamos,
primeiramente, através de um periódico específico da Educação Física, as perspectivas sobre
a educação do corpo que viabilizaram intervenções no meio operário utilizando as práticas
esportivas. Em outro momento, investigamos a percepção proletária sobre o esporte burguês,
explorando nos jornais aqueles argumentos que diferenciam a prática do esporte proletário da
prática burguesa, assim qualificados. O objetivo é identificar as críticas que marcaram a
diferença entre as classes no plano da prática esportiva tentando compreender como os
trabalhadores empreenderam a discussão do esporte na sua história.
Analisar tais questões requer estabelecer nexos históricos com o panorama político e cultural
do período, uma vez que esteve atrelado a questões conjunturais e estruturais. Assim,
interrogamos as fontes através de um recorte que privilegiou os temas da racionalização e da
exploração pelo trabalho, da emergência do debate sobre a legislação social e da educação
moral e física por meio das práticas esportivas temas correntes tanto nos jornais operários
quanto na revista da área da Educação Física, que tinham entre seus meios de aplicação o
esporte e o discurso da saúde.
62
2.1 Moderno, eficiente e produtivo: o discurso de intelectuais, empresários sobre
a prática esportiva
A Educação Physica está hoje em dia, sem dúvida nenhuma,
integrada no quadro da educação geral. O equilíbrio
physiologico e pysichologico, imprescindível ao ser humano,
é conseguido com o desenvolvimento parallelo e racional do
cérebro e do corpo. É a confirmação do velho adágio de
Juvenal ‘Mens sana in corpore sano’.
160
Com o crescimento do antagonismo de classe entre a sociedade
capitalista e o proletariado, cresce egualmente a luta em todos
os dominios pela influencia das massas laboriosas. Ella se
manifesta particularmente no dominio da gymnastica e dos
sports, de que a burguezia se utilisa como meio de exercer sua
influencia ideologica sobre consideraveis massas de
trabalhadores, especialmente a juventude obreira, afim de
militarizar e exporal-as de maneira intensíssima.
161
A partir de 1928, os conflitos envolvendo industriais, legislação trabalhista, Estado e
proletariado configuraram um momento importante para a luta operária no Brasil, o que, em
muitos aspectos, aumentou os pontos de contato e de conflitos entre esses distintos grupos
sociais. Certamente essa situação, que possibilitou o diálogo entre intelectuais, industriais, o
Governo e a classe operária, de forma sistemática e legítima, por meio da legislação social,
encontrou grande expressão não só na regulamentação das leis referentes ao mundo do
trabalho, mas também em muitos aspectos de um universo fora e/ou em torno dele, como a
educação, a preocupação com a saúde e o bem-estar social.
E se compreendemos que, em nosso País, nos centros mais populosos e desenvolvidos,
durante a transição entre as décadas de 1920 e 1930, vivemos um processo de grande tensão
política, no qual os interesses de classe se apresentaram nas disputas por espaço e poder,
dominando, resistindo ou coexistindo, temos, então, Estado, classe trabalhadora e burguesia
em processo de elaboração de consciência e perspectivas, agindo e planejando uma realidade
que melhor adequasse as suas respectivas necessidades e aspirações. As formas de ação e
compreensão sobre a realidade foram constituídas a partir de processos e experiências
históricas singulares dessa época e transformaram os fundamentos de um determinado tipo de
homem e de organização sociocultural. E assim, em nome dos interesses de classe, muita
160
DEFINIÇÕES de educação physica. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 3, s/p, set. 1933.
161
RODRIGUES, Benigno Fernandes. Considerações em torno do esporte proletário. Cultura, Rio de Janeiro, n.
8, p. 8-10, nov. 1928.
63
atenção foi dada ao debate sobre os modelos educativos, às experiências culturais, ao
movimento político. Enfim, a questão fundamental era realizar um ajuste de contas entre
forças envolvendo, por um lado, o impacto da crise política e econômica do País que
possibilitava a emergência da classe operária no horizonte do Estado e da burguesia e, por
outro, a busca incessante pelo desenvolvimento econômico da sociedade brasileira por meio
dodiscurso da “ordem e do progresso”.
Dessa forma, para alcançar esses objetivos, Estado, intelectuais, empresários, médicos,
educadores foram convidados a elaborar normas de comportamento embasadas nas novas
referências em voga, especialmente voltadas para a expansão do sistema educacional e para a
aquisição de hábitos saudáveis para a população, mormente para a classe trabalhadora. O
mundo do trabalho e a visibilidade do corpo educado e produtivo foram grandes chaves de
leitura que permitiram projetar as transformações necessárias que colocariam o Brasil na rota
do desenvolvimento econômico. Essa situação projetou a polêmica e conflituosa relação entre
legislação social e a racionalização do processo de trabalho, dando visibilidade também ao
necessário investimento sobre a saúde e a educação como um campo de ação, disputa e
contestação no qual participou a classe trabalhadora organizada.
Quando analisamos os periódicos em questão percebemos que parte dessa celeuma encontrou
expressão, no caso da revista, na discussão sobre eficiência e mecanização no trabalho, sua
relação com a educação física, a prática de esportes, a educação para o lazer, entre outros
temas; com os jornais pudemos acompanhar todo um esforço da classe operária em
desmitificar a legislação social, em denunciar a carestia de vida e, sobretudo, em construir
uma visão social de mundo a partir da política proletária e fortalecer a idéia de uma cultura de
classe que se apropria dos bens culturais e os produz com interesses de classe.
Foi ao longo da década de 1920 que o debate sobre a questão do trabalho no Brasil foi sendo
firmado. Após as greves de 1917-19, os empresários foram forçados a reconhecer essa
questão, fazendo concessões diante da pressão operária. Esses fatos tiveram importantes
desdobramentos, que a aceitação, pelo menos formal, da legislação social indicou, por um
lado, que ela foi um instrumento de controle da classe operária e não uma armadilha sobre os
64
industriais; E por outro, ela delimitou um novo papel do Estado na questão da regulamentação
das condições de trabalho.
162
Foram inúmeros os embates causados pela radicalização dos conflitos entre os interesses de
classes sobre a questão trabalhista. A emergência do processo de elaboração de leis sociais foi
um marco na história do trabalho no Brasil e, segundo Gomes, debate que não poderia mais
ser detido ou postergado após os avanços conquistados nas disputas sobre a votação de leis
contra Acidentes do Trabalho, Férias e Código de Menores.
163
Entretanto, a participação do
patronato nesse processo de elaboração caracterizou-se pelos enormes atrasos em sua
regulamentação, pelas constantes reformas e pelo efetivo e explícito não-cumprimento de uma
série de dispositivos nelas elencados.
Um episódio a ser destacado foi a greve dos gráficos em 1928-29. O não-cumprimento da lei
de Férias provocou uma forte agitação no meio operário. Foi constituída uma delegação de
sindicalistas paulistas para dialogar com o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), que, por
sua vez, cedendo à pressão do movimento operário, acatou as reivindicações da categoria.
Mas essa situação tornou-se ainda mais conflituosa quando o CNT, meses depois, cancelou
todos os recursos enviados pelo comi central, provocando a greve. Esse foi o episódio,
segundo Munakata,
164
em que o Estado passou a aceitar os sindicatos como parte ativa na
fiscalização da lei, implicando a relação do patronato com o operariado, que, da sua parte,
deveria reconhecer os sindicatos como interlocutores legítimos.
A greve sofreu repressão e arrefeceu. A Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo
(CIESP), criada em 1928 por uma cisão com a Associação Comercial de São Paulo, também
contribuiu para a derrota da greve dos gráficos. Essa Associação, representando os interesses
dos industriais, articulou um movimento ofensivo contra o operariado e, segundo Gomes,
165
desempenhou o papel de instituição intermediária, agindo em nome dos interesses do
comércio e da indústria, diante das pressões não do movimento operário, como
principalmente do Estado. Esta fração da classe burguesa teve condições de interferir,
162
GOMES, Ângela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil (1917-1937).
Campus: Rio de Janeiro, 1979. p. 154.
163
Ibid.
164
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981.
165
GOMES, op. cit., p. 117. nota 162
65
naturalmente dentro de certos limites, no curso do processo decisório de algumas questões
essenciais – entre elas a questão social – com grande eficácia e sucesso.
166
O que acompanhamos nos jornais foi uma intensa movimentação de denúncias do não-
cumprimento da legislação social e um forte apelo à participação dos trabalhadores para a
exigência de sua efetivação, principalmente das leis referentes às férias e à regulamentação da
jornada de trabalho. Um colaborador do jornal O Trabalhador Graphico escreveu um artigo
intitulado “Os industriaes e a apllicação da lei de férias”, já vislumbrando o fim dessa
discussão, e adiantou: “Pode a lei de férias ser revogada. O congresso tudo fará para agradar
os industriaes. Mas não será sem o protesto da classe proletária do Brasil”.
167
Dois anos
depois, o jornal A Classe Operária publicava o artigo “A legislação social fascista” que, com
ironia, dizia:
[...] a ‘legislação social’ é uma pura burla. As classes dominantes, por intermédio
de seus lacaios do parlamento, da imprensa, do partido trabalhista e dos syndicatos
amarellos, se lembram della quando sentem crescer os rumos da revolta das
massas exploradas e opprimidas. Lançam estão a estas, para aplacar o seu
desespero, as migalhas da lei de accidentes, da lei de aposentadorias, da lei de
férias, do feriado de de maio ao mesmo tempo que reforça, no trabalho a
exploração dos operários e redobra de maneira inaudita a oppressão policial fascista
contra os proletários revolucionários que lutam contra essa exploração. Mas para
que servem todas essas leis? Praticamente para nada. A de férias, por exemplo, é
accintosamente, cynicamente, desrespeitada pelos patrões e quando os operários
reclamam o seu cumprimento são presos, espancados, torturados pela polícia
patronal.
168
O final dos anos de 1920 ficou marcado por grandes reordenações nas relações que
envolveram Estado, processo de legislação social, empresários e classe operária. A crise
econômica causou, imediatamente, o enfraquecimento da orientação agroexportadora do País,
problema que os industriais vinham apontando e reconheciam que, para a superação dessa
crise, seria preciso, além do investimento nas atividades agrárias, mais atenção com a
indústria e o comércio nacionais.
169
Mas a questão candente na sociedade brasileira foi o
estabelecimento de uma crescente conjuntura de oposição às oligarquias, que possibilitou o
fortalecimento das intenções revolucionárias, projetando um movimento de contestação. Esse
momento de ruptura com o vigente pacto político aumentou significativamente as
166
GOMES, 1979, p. 117.
167
OS INDUSTRIAES e a apllicação da lei de férias. O Trabalhador Graphico, Rio de Janeiro, n. 97, p. 8, 1 jul.
1928.
168
A LEGISLAÇÃO social fascista. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n. 93, p. 2, 19 jul.1930.
169
GOMES, op. cit, p. 200. Nota 162.
66
possibilidades de atuação de diversos setores sociais sobre problemas econômicos ainda sem
solução e sem uma única resposta formal e comprovada.
170
A partir de 1930, a disposição desse debate, na ótica dos interesses da burguesia, alterava-se
favoravelmente, e o Estado dedicou especial atenção ao problema da legislação social. Esta
deixou de ser encarada como um entrave ao desenvolvimento dos interesses da burguesia
comercial e industrial e passou a ser discutida e exigida como um direito social e um dever
político. Política e ideologicamente, ela deixava o estatuto de arma de ataque para se
constituir em arma de defesa e promoção dos interesses da burguesia.
171
O universo no qual foi gerada a elaboração de leis sociais para a regulamentação das
condições de trabalho havia-se modificado significativamente e, nessa transição, novos
desdobramentos foram surgindo na relação entre Estado, classe operária e burguesia. O
patronato não abandonou sua posição de crítica e resistência às leis de regulamentação do
trabalho. Afinal, o proletariado organizado estava muito bem localizado no debate sobre a
legislação social e a industrialização e conseguia avançar nas brechas políticas institucionais,
por isso “Não era apenas a luta contra as leis sociais o objetivo político final da proposta da
burguesia industrial; ela visava também à liquidação sistemática de toda a organização da
classe operária – tanto dos seus sindicatos como de seu partido parlamentar [o Bloco Operário
e Camponês]”.
172
O que podemos acompanhar desse processo é que, a partir da crise econômica de 1929, o
debate sobre a questão social e sobre os assuntos relacionados às atividades industriais foi
colocado em novos termos. Importante é afirmar que a aproximação do Estado e do
empresariado das leis sociais atendeu a necessidade de criar um clima favorável ao
crescimento econômico com segurança, com a chamada “paz social”. A reavaliação das
experiências anteriores na Primeira República e da fragilidade político-econômica da situação
abriram um rico momento de possibilidades de ação para os grupos políticos com especial
ênfase no trato da política social. O que deve ser destacado é que a convergência entre o
consenso em favor da regulamentação das relações de trabalho pelo Estado e o crescente
entusiasmo dos intelectuais e industriais pela organização racional e pelo ocultamento das
170
GOMES, 1979, p. 202.
171
Ibid., p. 204.
172
DECCA, Edgard. 1930: o silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1997. p. 196.
67
diferenças entre as classes resultaram na afirmação de que a legislação trabalhista poderia
assegurar a paz social e o desenvolvimento econômico.
173
O problema do trabalho ganhou duplo sentido e objetivo: sem dúvida a formulação das leis
sociais foi um avanço no histórico dos conflitos trabalhistas e tratou de defender medidas
protetoras aos operários, mas sobretudo de proteger uma concepção de sociedade fundada na
“coexistência” das classes.
174
Essa nova abordagem do problema possibilitou a constituição
de um projeto corporativista que pensou uma sociedade harmônica, na qual a luta de classe
seria substituída pela cooperação de todos os indivíduos na busca do bem-estar de toda a
Nação.
175
Um grande incentivo ao corporativismo veio da Igreja Católica influenciando
profundamente parte dos intelectuais brasileiros. Assim, Estado e Igreja ofereceram uma
solução alternativa para a questão social no Brasil, desempenhando papéis centrais e
complementares na tarefa de conciliar capital e trabalho, tarefa impossível para o jornal A
Classe Operária:
[...] emquanto os trabalhadores do Brazil morrem de fome nos campos e nas
cidades, elles procuram distrahil-os com um mez de ‘estudo’ de reformas legaes
[...]. [...] elles nada dizem sobre o desemprego, a carestia de vida, a diminuição dos
salários, o augmento das horas de trabalho, os golpes fascistas que nos ameaçam
[...]. Nada dizem sobre regimen de opressão feudal em que vivemos, e chegam a
garantir cynicamente que ‘estão respeitando os direitos constituicionaes’ para os
trabalhadores e que a ‘legislação do Brazil’ é uma das mais adiantadas do mundo!
[...] Acenam aos trabalhadores com o Código de Trabalho, prometido por Julio
Prestes, o mesmo que esmagou ferozmente os grevistas graphicos de São Paulo,
porque reclamavam o cumprimento da lei de férias e do Código de Menores!
Mystificadores cynicos e sem vergonha! [...] Trabalhadores organizados nos
syndicatos reformistas, catholicos, anarchistas; que vos illudis com as promessas dos
trahidores reformistas e ‘trabalhistas’, agentes da burguezia; formai conosco a frente
única de todos os trabalhadores, organizai a vossa opposiçao nesses syndicatos!
176
Mas a nova política social deveria romper com todos esses aspectos do passado e pautar-se
pelo moderno conceito de trabalho e pelo atual papel interventor do Estado na harmonização
dos interesses de patrões e operários. Além disso, junto com a espiritualização das relações de
classe promovida pela Igreja, havia também o processo de racionalização do trabalho que-se
figurava como umas das principais investidas modernizadoras dessa política social. Não é de
173
GOMES, 1979; WEINSTEIN, 2000.
174
GOMES, 1979, p. 206.
175
ARÊAS, Luciana Barbosa. Consentimento e resistência: um estudo sobre as relações entre trabalhadores e
Estado no Rio de Janeiro. 2000. 343f. Doutorado (Doutorado em História) Instituto de filosofia e Ciências
Humanas, Unicamp, Campinas, 2000.p. 46.
176
COMO os “trabalhistas” escarnecem da miséria dos trabalhadores. A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 2,
28 de julho de 1930.
68
se desprezar a ajuda que o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), criado
em 1931, dispensava ao Ministério do Trabalho na sua política de controle das relações
trabalhistas. Fundado e mantido por técnicos e por uma parcela do empresariado paulista, o
principal objetivo desse Instituto foi promover a implantação de métodos de organização
racional em fábricas, empresas, associações profissionais e órgãos estatais.
177
Contudo, a
influência das propostas racionalizadoras não se restringiu ao setor industrial paulista, pois
essa nova estratégia de organização social, legitimando o Estado como agente saneador e
regulamentador, possibilitou o imperativo de sua intervenção no mercado de trabalho
(disciplinando o operariado) e no mercado financeiro, alcançando ainda outras instâncias da
vida material e cultural, nunca perdendo o foco na racionalização do trabalho.
178
Os industriais, desde o início dos anos de 1920, juntamente com engenheiros, sanitaristas,
médicos, educadores e intelectuais, foram co-partícipes na configuração do paradigma de um
Brasil moderno calcado na idéia de uma consciência/identidade nacional e na revitalização da
força nativa. Mas esse empreendimento ganhou impulso expressivo a partir de 1930, como
mostramos acima, quando, juntamente com a legislação social, a administração científica do
trabalho e a racionalização surgiram como uma forma de tornar o trabalho mais eficiente e
produtivo, criando, assim, um melhor padrão de vida para todos. Opinião muito diferente da
manifestado peça CGTB que destacou o processo de racionalização como a causa da miséria
dos trabalhadores: “No Brasil, paiz dominado pelos ricos nacionaes, vendidos aos ricaços
estrangeiros (imperialistas), só pode fazer racionalização capitalista, que é a racionalização da
miséria do proletariado!”.
179
Acrescente-se ainda que o contexto das décadas de 1920 e 1930 criou condições ideológicas e
sociais favoráveis não ao ascenso de idéias e valores autoritários,
180
mas também à
absorção de alguns preceitos da racionalização e dos princípios do taylorismo e do
fordismo,
181
que, em sua determinação de transformar o ambiente de trabalho associando
mudanças na vida cotidiana, estendeu aos trabalhadores serviços e benefícios para o
aperfeiçoamento de seu caráter moral. Esses serviços podem ser denominados de políticas de
bem-estar social e entre suas formas de efetivação mais comuns estavam a oferta de moradia
177
ANTONACCI, Maria Antonieta Martinez. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade paulista. São Paulo:
Marco Zero, 1993.
178
Ibid, p. 100.
179
CONFEDERAÇÃO Geral do Trabalho. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n. 86, p. 2, 22 fev. 1930.
180
RODRIGUES, 1986, p. 516.
181
ANTONACCI, op. cit. p. 78-92 passim. Nota 177.
69
nas proximidades da empresa aos trabalhadores mais disciplinados e produtivos, serviços
médicos, cooperativas de alimentação, escolas, clubes esportivos e meios de recreação e
Educação Física, visando não só à saúde do trabalhador mas também à identificação do
operário com a empresa.
182
É o que se denominou de racionalização, um amplo conjunto de
estratégias para a reorganização do trabalho e da vida cotidiana, que deveria apagar os
métodos empíricos baseados na prática e na tradição em favor de princípios científicos,
autoridade competente, neutra e impessoal de técnicos e métodos desenvolvidos por
especialistas, visando à maior eficiência e produtividade de empresas e empregados.
183
O contexto reformista dos anos de 1920 foi o ensejo das intervenções de alguns grupos de
industriais brasileiros que procuraram, de forma agressiva, disputar a liderança pela
reorganização das relações industriais e pela construção de uma nova sociedade urbano-
industrial. Inicialmente, o empresariado resistiu à transferência de seu papel social e
intelectual a um Estado corporativo, mas não poderia negar que, no Brasil, um país
essencialmente agrícola, a efetividade dos princípios que colocaram a fábrica como
instrumento irradiador da reorganização social e da transformação econômica teria pouco
impacto sem o apoio do Estado.
184
O processo de racionalização no Brasil encontrou diversas dificuldades, como a alta
rotatividade dos trabalhadores nas fábricas, a predominância do setor cafeeiro, pouca
credibilidade da indústria em relação à sua contribuição para o desenvolvimento econômico
do País (acusada de fomentar a luta de classes e aumentar o custo de vida) e a prática
paternalista adotada em algumas empresas.
185
Deve-se ainda ressaltar o caráter irregular desse
processo em um país marcado pela desigualdade da força de trabalho e pela fraqueza de sua
economia. Nesse sentido, deve-se considerar que para observar a efetividade de ações
inovadoras eficientes na esfera do trabalho, convinha voltar para uma definição menos
rigorosa da racionalização, mesmo porque, como sugere Weinstein,
186
a indústria brasileira
não tinha condições de suportar métodos racionais e científicos em larga escala. Só assim,
haveria condições favoráveis à implementação de novos métodos e de novas formas de
administração do trabalho.
182
ANTONACCI, 1993; WEINSTEIN, 2000.
183
WEINSTEIN, 2000.
184
GOMES, 1979.
185
ANTONACCI, op. cit. p. 93-108, passim, nota 177. Para maiores informações sobre a relação entre
industriais e o processo de racionalização.
186
WEINSTEIN, 2000.
70
Diante desse quadro, ao pretenderem reformular as relações de trabalho, os industriais tiveram
que reestruturar a si mesmos para minar os problemas que atingiam as bases das condições de
seu desenvolvimento.
187
Reunidos em torno dos seus interesses pela administração científica,
projetaram o eixo fundamental das idéias de reformulação da sociedade em torno das
melhorias sociais e do bem-estar da população, sobretudo da classe operária, advindas com o
desenvolvimento da indústria.
Sob esse ponto de vista, o bem-estar dos trabalhadores estaria subordinado ao aumento da
produtividade da empresa, banindo-se da legislação trabalhista elementos relacionados aos
direitos e identidades dos trabalhadores, principalmente aqueles ligados à vida social, que
sofriam múltiplas e variadas intervenções com a reordenação de tempos, gestos e
movimentos, desencadeando necessidades em termos de controle e disciplinarização social e
colocando, de maneira intensa, o debate em torno de educação, habitação, saúde, higiene,
assistência, lazer, entre outros.
188
Para Weinstein e Antonacci,
189
o significado desse arranjo foi a retirada do debate sobre as
condições de trabalho da esfera política para recolocá-lo em um contexto científico e
despolitizado, transformando a questão social em um problema técnico. Assim, os industriais,
permeáveis ao discurso reformista afirmaram a necessidade da reforma social, mas sobre as
bases científicas relacionadas ao desenvolvimento da indústria e do bem-estar da Nação.
Após 1930, em pleno processo de reestruturação econômica e rearranjo dos interesses
coletivos da burguesia, os trabalhadores tiveram que lidar com inúmeros conflitos envolvendo
a intervenção do Estado e do empresariado. A expansão da legislação trabalhista, bem como
das políticas públicas específicas para a classe trabalhadora, do ponto de vista do
empresariado, atenuariam os problemas relacionados ao trabalho e à produção, mas deveria
também encontrar correspondência nas questões relacionadas ao cotidiano operário, à sua
família, à sua educação e saúde. Idéias higienistas ligadas à racionalidade técnica ditaram à
classe trabalhadora normas do comportamento saudável, estimularam a criação de valores
sobre moralidade, disciplina e gosto pelo trabalho. Como relatavam os jornais, a presença da
187
GOMES, 1979; WEINSTEIN, 2000.
188
ANTONACCI, 1993.
189
WEINSTEIN, 2000; ANTONACCI, 1993.
71
burguesia era marcante nos bairros operários na década de 1930. O jornal A Plebe, em artigo
de primeiragina intitulado “A intromissão suspeita dos intelectuais da burguesia nos
assuntos proletários”, alertava o proletariado para repelir qualquer manifestação de “fingido
carinho” de organismos burgueses:
[...] todas as forças ‘fascistasdo país estão de acôrdo nesta tarefa: ‘domestificar o
operarido’. Com este fim estão sendo organizadas campanhas mascaradas com os
mais nobres objetivos: querem acabar com a tuberculose, com a sífilis, com a caspa
e com o analfabetismo do proletariado... Essa gente que nos chama de ‘canalhas das
ruas’ e que dividiu São Paulo em duas partes, a da ‘porteira pra cá’ e da ‘porteira pra
lá’, tomou-se inexperadamente de um grande ‘amor’ pelos trabalhadores. Esse
‘amor’, no entanto não impede que, ao lado das campanhas beneficentes sejam
tomadas medidas draconianas contra o pensamento proletário. Proletário não deve
pensar, não deve agir. Sua função limita-se... a ser feliz e nada mais. É isto o que
eles querem.
190
Entretanto, a resposta que o movimento dos trabalhadores apresentou ao conjunto de
mudanças ocorridas na esfera do trabalho e da vida cotidiana não foi unilateral, pois “[...] a
natureza irregular do desenvolvimento industrial fazia com que os trabalhadores tivessem
sempre que pesar as vantagens e desvantagens de várias inovações”.
191
Como foi o caso do
jornal O Trabalhador Graphico que, em 7 de fevereiro de 1933, data comemorativa do ofício
no Brasil, se referiu a um proletariado concentrado, educado e disciplinado, fruto da grande
indústria moderna, afirmando: “[...] não existe contradição entre seus interesses materiais e o
progresso cnico e que a reconstrução da civilização em bases mais justas será obtida pelo
domínio da natureza e da máquina”.
192
Existia a exploração camuflada da força de trabalho pelos métodos científicos da
racionalização e pelo discurso do bem-estar social, mas não se pode refutar o auxílio na
execução das tarefas de alguns setores industriais originados pela modernização do
maquinário e uma pequena melhora das condições de vida através da assistência social.
193
Uma situação como essa corrobora a idéia dos industriais de que a organização racional
beneficiaria todas as classes, mas nesse caso o que deve ser levado em consideração são os
diferentes interesses em jogo na defesa da racionalização como paradigma social ou como
medida para a qualificação da força do trabalho.
190
ZAMBY, Ganga. A intromissão suspeita dos intelectuais da burguesia nos assuntos proletários. A Plebe, São
Paulo, n. 53, p. 1, 13 jan. 1934.
191
WEINSTEIN, 2000, p. 58.
192
E AGORA para frente. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n. 8, p. 17 fev.1933. Para mais exemplos de
como os gráficos interpretaram a racionalização do trabalho, ver Weinstein, 2000, especialmente entre as páginas
57-69.
193
WEINSTEIN, op. cit. Nota 112.
72
O período procedente aos acontecimentos de outubro de 1930 evidenciou os conflitos
políticos e culturais entre as classes sociais na tentativa de implementação de recursos que
garantissem a educação e a conscientização dos seus pares, o que expressou as diferentes
concepções de formação sociocultural. Se por um lado temos a racionalidade como meio de
equacionamento dos problemas sociais, incidindo radicalmente sobre o cotidiano operário,
por outro, temos a luta operária orientada pela afirmação de sua cultura e de sua experiência
própria de classe voltada para melhorias nas condições de trabalho e para a formação da
consciência política dos trabalhadores. Configurava-se uma via de mão dupla, onde o
prudente seria afirmar a existência de uma indeterminação no grau de intervenção que um
lado incidia sobre o outro, ou seja, apostar na ambigüidade dos interesses sem deixar de
evidenciar o que marcava a diferença. Embora a formação do operariado brasileiro pudesse
ocorrer por meio da sua experiência de classe, das suas atividades e manifestações culturais,
da identidade fomentada pela imprensa operária e pela militância, um novo e moderno
discurso sobre formação sociocultural instalou-se como solução para as diversas tensões
sociais, camuflando as inúmeras contradições e colocando no centro dessa reforma as
instituições educacionais e o trabalho como os únicos meios competentes para educar a
população brasileira.
Essa conjuntura de modernização da organização do trabalho, de fortalecimento do Estado e
de conciliação entre as classes produziu uma necessidade de colaboração nacional em prol do
desenvolvimento do País, motivo pelo qual houve tantas tentativas intervencionistas nas mais
distintas instâncias da sociedade em busca de um novo trabalhador.
Após a contextualização necessária da conjuntura na qual os argumentos em favor dos
esportes buscaram fundamentação, é preciso enfatizar as distintas intervenções no terreno
esportivo e na resposta do proletariado, ou seja, realçar a compreensão do papel do esporte
ante os elementos emergentes nessa nova ordem social a legislação social, o processo de
racionalização e a relação entre educação e saúde e suas articulações possíveis. A partir do
reconhecimento dos principais temas que estavam no horizonte político-ideológico do período
em questão, ficou destacado que a educação do corpo, em sentido amplo, e, em uma
perspectiva mais focada, as práticas esportivas tiveram grande valorização nos anos de 1930 e
nas décadas seguintes pelas relações que permitiram estabelecer e pelas distintas idéias que
possibilitaram disseminar: o papel conferido aos esportes no âmbito de um projeto político do
73
exército, as propriedades conferidas à educação física de regenerar o povo brasileiro através
do aperfeiçoamento da raça, o apelo aos seus benefícios sobre o desgaste no trabalho e na
ocupação do tempo livre, o conteúdo fascistizante das práticas esportivas sob o estado
autoritário.
A revista Educação Physica auxiliou no nosso propósito de evidenciar aquilo que fora o
espírito de uma época, captado pelas suas ginas: expressão da produção de um tempo de
significativas mudanças econômicas, sociais, culturais na e da sociedade brasileira, ela
expressa e registra diferentes perspectivas de educar o corpo de mulheres e homens, cuja
energia física é observada como pontecializadora de um gesto eficiente capaz de produzir
mais e com maior rapidez .
194
Embora editada no Rio de Janeiro entre os anos de 1932 e 1945, a revista não teve seus
limites circunscritos apenas a essa região. Ela possuía correspondentes e representantes em
vários estados do Brasil e em alguns países da América Latina e da Europa, pessoas
encarregadas de captar matérias, notícias sobre esporte nos vários estados ou em outros países
e enviá-las para a redação.
195
Durante o período em que circulou, a revista informou aos
leitores, desde o primeiro número, os seus objetivos. Com a regularidade com que foram
veiculados e o destaque que a eles foi dado, os objetivos da revista foram apresentados na
forma de seis princípios, atualizando o projeto cultural do periódico
196
nas seguintes tarefas:
Vulgarizando os princípios scientíficos que servem de base à educação physica;
Favorecendo o surto dos esportes, como factor de aperfeiçoamento da raça;
Incentivando a formação de technicos especialistas;
Propagando os fins moraes e sociais das actividades physicas;
Despertando a attenção pública para esses aspectos do problema educativo;
Coadjuvando o governo e instituições particulares na execução de seus programmas
de educação physica;
Promovendo a união entre indivíduos e entidades que propugnam pelo progresso da
educação physica.
197
No editorial do quarto número, limite do nosso recorte temporal, reforçaram-se as intenções
dos editores. Para eles, a revista tinha surgido para a realização de um ideal, ela [...] foi
gizada e lançada por um grupo de sonhadores que desejavam ver implantada no espírito de
194
GOELLNER, 2003, p. 127.
195
SCHNEIDER. Omar. A revista de educação physica (1932 1945): estratégias editoriais e prescrições
educacionais, 2003. 344 f. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política e Sociedade) Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
196
Ibid.
197
Editorial, Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 2, p. 3, 1932.
74
nossa gente uma compreensão mais ampla, mais viva e mais real da verdadeira finalidade da
educação”.
198
Conforme os editores, a necessidade de lançar um periódico voltado para a Educação Física
nesse período ocorria por perceberem que a verdadeira educação deveria levar em conta as
três dimensões: a intelectual, a moral e a física. Segundo eles, “[...] os grandes educadores têm
proclamado com eloqüência, com profunda verdade, a complexidade e o alcance da
verdadeira e moderna educação”.
199
Trabalhando com essas três dimensões, a educação
moderna alcançaria o seu objetivo, que seria “[...] crear o homem integral, o homem forte
physica, moral e intellectualmente”.
200
Com esse cenário em mente, torna-se possível articular historicamente o passado da
valorização dos esportes no interior das páginas dos periódicos em questão cônscios de que
isso não significa conhecê-lo como foi, mas, sim, apropriar-se de alguma de suas
reminiscências com os interesses que definiram a tarefa de preparação para o mundo do
trabalho. Acompanhada, de um projeto educacional mais amplo, as práticas esportivas
integraram-se a um movimento em proveito da legitimação de uma racionalidade escolar na
produção de indivíduos aptos à sociedade do trabalho.
201
Afinal,
[...] movimentar o corpo indolente, mais que uma vontade individual, é também uma
intervenção política de controle e de cerceamento, pois sobre ele depositaram-se
saberes e poderes disciplinares orientados pela gica do trabalho e da produção.
Razão pela qual as práticas corporais e esportivas são amplamente incentivadas pois,
como possibilidade de divertimento e disciplinação, tomam-se representativas de
uma sociedade que para se coroar prescinde tanto da liberação como da canalização
produtiva de um gesto educado.
202
Era o aprender a trabalhar associado ao modo de viver no espaço urbano-fabril. Com o corpo
e com a máquina era preciso ter agilidade e atenção, obediência e regularidade com as novas
tarefas, cadência, retorno ao sempre igual em meio ao transitório cotidiano moderno.
203
198
Editorial,1934, n. 4, p. 11.
199
Ibid.
200
Ibid.
201
ANTONACCI, 1993, p. 74.
202
GOELLNER, 2003, p. 137.
203
ANTONACCI, op. cit., p. 75. Nota 177.
75
O engajamento físico–corporal necessário ao mundo do trabalho conferiu um papel histórico à
educação física escolar e aos esportes, uma vez que a eles coube proporcionar ao cidadão
brasileiro uma boa preparação física e moral.
204
A Educação Física, seguindo uma tendência
do campo educacional mais amplo, por sua vez, não ficou alheia às reordenações das
atividades produtivas. As novas necessidades advindas desse processo de mudanças pelo qual
passava a sociedade brasileira exigiam do sistema educacional uma postura diferente ante os
novos imperativos sociais. Nesse bojo, a Educação Física precisava reordenar seus propósitos
em função do ritmo geral dessa cultura, correspondendo quase que invariavelmente às idéias
sociais, econômicas e científicas vigentes nesse momento histórico,
[...] a verdadeira finalidade moderna da Educação Physica [...] não é mais crear
simplesmente homens fortes, mas homens aptos à vida social, capazes de se
engrenar útil, intelligente, fecundamente na collectividade. [...] a edade moderna
precisa de homens efficientes e optimistas. [...] Fará com que cada um dos seus
hábitos physicos contribua para o augmento da sua efficacia e não para a sua
diminuição. [...] A edade nova requer homens de iniciativa, viços, criteriosos [...]. A
nova Educação Physica pede homens equilibrados e senhores de si mesmos [...]. A
nova Educação Physica deve fazer os músculos, em vez de grandes, fortes. Não deve
consumir a energia nervosa, como o fizeram muitos dos nossos esportes athleticos.
Ao contrario, tratará de economizá-la e armazená-la porque a edade moderna precisa
muito desse valioso elemento. Procurará a maneira de evitar todo esforço violento e
fatigante, de exigir pouco a attenção e permitir o repouso, ensinando tanto o
descanso como o trabalho [...].
205
Essa preocupação com a cultura física ou, em outros termos, com o corpo do trabalhador, a
fim de torná-lo útil e produtivo para a Nação, pôde ser sentida em diversas áreas no período,
não referente à Educação Física. Iniciativas de estender essa prática à classe operária
partira de órgãos oficiais e pontualmente das fábricas.
206
[...] [Tais iniciativas] podem ser entendidas numa preocupação mais ampla de
garantir a saúde, rendimento e eficiência do trabalhador [...] contribuindo para a
204
Todavia, encontramos argumentações que relativizavam a importância da aptidão física para o processo
produtivo na fábrica; tais afirmações, como doravante veremos, baseavam-se na idéia de que a mecanização da
vida (devido à industrialização) permitia ao homem prescindir, em larga medida, da sua força física para a
realização do seu trabalho. Isso se, por um lado, relativizava a importância das práticas esportivas como
promotora da aptidão física, por outro, lhe conferia enorme importância por entender que o sedentarismo,
resultado da vida mecanizada, poderia ser combatido pela prática de exercício físico metodicamente realizado,
daí a importância de uma educação física racional, metódica e científica. O debate sobre a mecanização da vida e
do trabalho estendeu-se para além do recorte aqui realizado, ganhando grande notoriedade a partir dos anos
1940.
205
FISHER, Irvining. A nova educação physica. Revista Educação Physica, Rio de Janeiro, n 4, p. 12, mar.
1934. Durante o período em que a revista esteve em circulação, essa foi uma matéria veiculada seis vezes,
demonstrando que, em certa medida, os editores concordavam com as idéias ali explicitadas. As revistas que a
publicaram foram: n. 4 (1934), n. 9 (1937), n. 13 (1937), n. 25 (1938), n. 32 (1939), n. 73 (1943).
206
BERCITO, Sonia de Deus Rodrigues. 'Ser forte para fazer a nação forte': a Educação Física no Brasil (1932-
1945). Dissertação (mestrado em História Social). FLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. p. 141.
76
formação do novo cidadão trabalhador brasileiro, vale dizer, colaborando na sua
adequação enquanto força de trabalho e exercendo um papel de controle social.
207
A saúde física representava o único capital do trabalhador, aproximando, dessa forma, a
Educação Física e as práticas esportivas do mundo do trabalho, atuando, assim, na formação
do novo trabalhador, “[...] não na garantia da sua manutenção e reprodução como força de
trabalho útil, mas também relacionada à reordenação da mão-de-obra para seu bom
desempenho na sociedade urbano-industrial que se formava”.
208
A vinculação entre a Educação Física e o mundo do trabalho esteve presente em inúmeros
artigos da revista.
209
Estes relacionavam o melhor rendimento no trabalho à prática de
exercícios físicos. Atrelado a esse discurso estava o da formação moral do novo trabalhador
brasileiro, em prol, é claro, de um país desenvolvido. No artigo de George Démeny,
Definições de Educação Physica, lia-se: “A Educação Physica é, essencialmente, o conjunto
dos meios destinados a ensinar ao homem executar um trabalho mecânico qualquer, com a
maior economia possível nas despezas da força muscular”.
210
Essa campanha contra o
desperdiço de energia física foi disseminada pelos centros urbanos do País, cujo processo de
industrialização havia tido um candente crescimento. Fomentando a produção de uma série de
estudos sobre o tempo e o movimento dos trabalhadores, essa ciência da racionalização “[...]
visava eliminar os movimentos improdutivos do operário, extrair dados exatos sobre a
duração dos serviços e descobrir possíveis economias de tempo através de eventuais
mudanças no método de trabalho [...]”.
211
Assim sendo, dizia-se “[...] o trabalho é planejado e
ininterrupto, de movimentos mecanizados e o trabalhador deve manter a atenção
permanentemente fixa no que faz, no que circunda, refletir ininterruptamente sobre o que está
executando, para rever e inovar [...].
212
Para os editores da revista, todo o esforço na formação de homens novos, mais fortes e
melhores, ou seja, adequados às exigências do desenvolvimento, expressava uma força de
grande possibilidade criadora para um país que vivia um momento de incerteza e
transição.
213
Afirmando que a revista “[...] não visava apenas suggerir, propagar, fazer
207
BERCITO, 1991, p. 147-148.
208
Ibid., p. 171.
209
Principalmente a partir de 1936.
210
DEFINIÇÕES ..., 1933, s/p.
211
LENHARO, Alcyr. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. p. 95.
212
Ibid., p. 92.
213
EDITORIAL, 1934, n. 4, p. 11.
77
compreender [...] [mas também] desejava persuadir, estimular, levar a realizar”,
214
os editores
percebiam que esse momento era oportuno para ações que tivessem o ideal de educar não só
os leitores do impresso, mas também o Estado, para que fosse possível formar aquele modelo
de homem. Por isso a revista congregou, na sua produção, os “apóstolos” da Educação Física:
“[...] directores de collegios, directores de associações esportivas, educadores, jornalistas,
cultores do esporte, organizações e indivíduos [...] expressões mais significativas da nossa
intellectualidade e dos nossos meios esportivos”.
215
Figuras tão expressivas da intelectualidade e dos meios esportivos construíram aquilo que
seria o fio condutor do trabalho de formação de novos homens: saúde, moral e trabalho. Para
o pensamento vigente os hábitos saudáveis moralizam; uma vida virtuosa é saudável;
moralidade e saúde são condição e decorrência de hábitos de trabalho; uma vida laboriosa é
uma vida essencialmente moral e saudável.
216
E as atividades físicas canalizaram todos esses
valores, transformando-se, assim, num elemento indispensável à educação integral, como
atesta a revista:
A educação intellectual concebe, prepara e dirige as outras. A educação moral ajuda
o ser humano a dirigir seus esforços para um fim elevado, útil e nobre. A Educação
Physica – por um tratamento racional e progressivo dá à machina humana a
potencia necessária para completar a perfeita execução de todas as suas
necessidades. A Educação Physica está hoje em dia, sem dúvida nenhuma, integrada
no quadro da educação geral. O equilíbrio physicologico e pysichologico,
imprescindível ao ser humano, é conseguido com o desenvolvimento parallelo e
racional do cérebro e do corpo. É a confirmação do velho adágio de Juvenal ‘Mens
sana in corpore sano’.
217
Para Carvalho, tratava-se da construção de novas práticas de intervenção na formação do
homem brasileiro visualizadas para a redefinição de princípios e objetivos do discurso
pedagógico no Brasil, construção que estava empenhada na
[...] aposta em uma sociedade nova, moderna, que as lições da guerra, mediatamente
aprendidas, faziam entrever como dependente de uma nova educação, redefinida em
seus princípios e largamente baseada na ciência. [...] Era aposta no poder
disciplinador do progresso que essa nova ‘compreensão’ entrevia embutido no
processo de racionalização das relações sociais sob o modelo da fábrica. [...] É a
metáfora dos ritmos impostos aos corpos e às mentes pela vida moderna, império da
indústria e da técnica.
218
214
EDITORIAL, 1934, n. 4, p. 11.
215
Ibid.
216
CARVALHO, 1997, p. 306.
217
DEFINIÇÕES ..., 1933, n. 3, s/p.
218
CARVALHO, op. cit., p. 302. Nota 100.
78
Segundo Omar Schneider, o projeto cultural da revista Educação Physica alcançou esse
pensamento, uma vez que se percebia no periódico a vinculação entre o processo de
modernização e de desenvolvimento e as transformações no campo da Educação Física
voltadas para a valorização do esporte, em uma evidência da adaptação às novas necessidades
oriundas do processo produtivo.
219
Travando uma polêmica entre os métodos ginásticos e os
esportes, a revista publicou um artigo do professor Elmer Berry,
220
diagnosticando que o
principal fator de os sistemas ginásticos estarem sendo deixados de lado era a grande
dificuldade que muitos sentiam em realizar as ries de exercícios que eram propostas. Por
isso muitos povos que cultivavam os métodos ginásticos os estavam abandonando e adotando
o esporte como meio de cultivar o corpo, ao mesmo tempo em que percebiam as
possibilidades que os esportes ofereciam na mobilização da juventude. Já muitos estavam
compreendendo que os esportes “[...] possuem grande valores sociaes ethicos e emocionaes,
que os transformam, mercê de sabia e adequada direcção, em verdadeiros laboratorios de
formação de caracter”.
221
Assim, portador de valores intrínsecos, “[...] qualquer ‘systema’
moderno de educação physica, deve dedicar grande espaço aos campos de esportes”.
222
Para
Berry a verdade da assertiva despontou depois da Grande Guerra “[...] que offereceu
opportunidade para melhor analyse critica e comparação do valor dos differentes typos
nacionaes de educação physica”.
223
Houve um processo de esportivização da educação física que foi paradigmático para expressar
a forma como ela correspondeu às necessidades advindas do celeríssimo movimento de
modernização e industrialização da sociedade brasileira. Alicerçando-se nas metáforas da
disciplina e da eficiência propostas por Carvalho,
224
Schneider aponta que esse deslocamento
de sentidos sobre as práticas corporais ocorrido na redefinição dos objetivos do campo
educacional, que passava de uma concepção ortopédica para uma concepção que se projetava
em termos de eficiência, possuía pontos de contato com o movimento que buscou redefinir os
219
SCHNEIDER, 2003.
220
Diretor da Escola Internacional de Educação Física de Genebra – Suíça.
221
BERRY, Elmer. Sistemas de educação physica: suas características e valores. Revista Educação Physica,. Rio
de Janeiro, n. 2, p. 18, 1932.
222
Ibid.
223
Ibid.
224
CARVALHO, 1997.
79
discursos da Educação Física, que se materializou como disciplina escolar entre as décadas de
1930 e 1940.
225
De acordo com Linhales, podemos dizer que o processo de construção da hegemonia do
esporte, em relação às demais atividades físicas, que se iniciou no período em questão,
também guardava relação com a idéia de modernidade e progresso.
226
O esporte era a
atividade corporal de movimento em pleno crescimento nos países desenvolvidos, cabendo ao
Brasil adotá-lo também como parte de suas metas de modernização, sustentadas pela
racionalidade e pela eficiência.
227
Para Linhales, a construção de um Brasil moderno e industrializado demandava ações e
projetos capazes de educar a Nação, ou, mais especificamente, a classe trabalhadora, no
sentido do desenvolvimento produtivo, baseado na racionalidade e na eficiência. Nesse
prisma, o esporte recebeu e deu sua contribuição.
228
Numa sociedade que se projetava para ser
competitiva, em que o paradigma educacional se orientava segundo o molde da fábrica, em
que o ritmo da cidade insistia que o homem fosse cada vez mais competitivo e especializado,
não havia dúvidas de que o esporte passava a ser o conteúdo privilegiado do método oficial.
229
O esporte, símbolo da eficiência, da parcimônia de energia, da sutileza dos gestos, portador de
códigos que se aproximavam aos do mundo do trabalho industrializado
230
poderia contribuir
para o homem alcançar a almejada eficiência na sociedade que se projetava. A nova Educação
Física, disse o Dr. Irving Fisher,
[...] deve ser antes de tudo objectiva do que subjectiva [...]. Os esportes actuaes são
objectivos [...]. Neste o que importa são os resultados. Antigamente dava-se valor
aos equipamentos e aos materiaes a empregar. Agora, aos indivíduos que com elles
serão beneficiados. A edade moderna precisa de homens eficientes e optimistas. A
nova educação physica dará, por isso, grande importância a hygiene. Ensinara o
homem a viver da melhor maneira possível. Fará com que cada um dos seus habitos
physicos contribua para o augmento da sua efficacia e não para a sua diminuição.
231
225
SCHNEIDER, 2003, p. 117.
226
LINHALES, Meyli. A trajetória política do esporte no Brasil: interesses envolvidos, setores excluídos. 1996.
Dissertação (Mestrado em Ciência Política) Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. p. 103.
227
Ibid., p. 103.
228
Ibid., p. 102.
229
SCHNEIDER, op. cit., p. 131. Nota 195
230
Tais como especialização dos papéis, competição, rendimento, recorde, racionalização do treinamento,
cientifização, quantificação etc.
231
FISHER, 1934, p. 13-14.
80
O esporte, no âmbito da Educação Física, correspondia cabalmente à mutação que se operara
no campo pedagógico com o advento do propalado otimismo pedagógico, resultando num
processo em que a pedagogia se deixava impregnar pelos novos ritmos da sociedade, da
técnica e do maquinismo, cabendo, agora, ao professor “guiar” a “liberdade” do aluno de
modo a garantir que o “máximo de frutos” fosse “obtido com o mínimo de tempo e esforço
perdidos”.
232
A partir da Educação Física e dos esportes incluídos no sistema educacional,
novas sensibilidades foram projetadas e, mesmo que não se concretizassem nas ações do dia-
a-dia, pelo menos foram um parâmetro da nova racionalidade que se projetou para a sociedade
e um objetivo a ser perseguido.
De forma geral, as teses que circularam nos textos pertencentes ao âmbito da Educação Física
no período aqui abordado enfatizam os três pontos, a saber: a moralização do corpo pelo
exercício físico; o aprimoramento eugênico incorporado à raça; e a ação do Estado sobre o
preparo físico e suas repercussões no mundo do trabalho.
233
Durante o período em que a
revista circulou, inúmeras foram as iniciativas legais que diziam respeito à Educação Física e
aos esportes.
234
Na reforma realizada pelo Ministro dos Negócios da Educação e da Saúde
Pública,
235
o jurista Francisco Campos atestou que “[...] os exercícios de Educação Física
eram obrigatórios nos estabelecimentos de ensino secundário, durante o ano letivo, para todas
as classes”.
236
O artigo 41 do anteprojeto de lei de 1929
237
determinou que, enquanto não
fosse criado o método nacional de Educação sica, ficaria adotado em todo o território
brasileiro o denominado Método Francês, sob o título de Regulamento Geral de Educação
Física.
238
Gustavo Capanema, que assumiu a pasta do referido Ministério no lugar de
Francisco Campos, foi responsável pela criação da Divisão de Educação Física, da Escola
Nacional de Educação sica e Desportos, pela Juventude Brasileira, pelo Conselho Nacional
de Desportos, entre outros.
239
232
CARVALHO, 1997, p. 307.
233
LENHARO, 1987, p. 78.
234
Para um estudo da legislação da educação física escolar brasileira e esportiva, ver Lucena (1994), Cantarino
Filho (1982) e Linhales (1996; 1997).
235
Através dos decretos 19.890, de 18 de abril de 1931 e 21.241, de 04 de abril de 1932.
236
CANTARINO FILHO, Mário. A educação física no Estado Novo: História e doutrina brasileira. 217f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Brasília: UnB, 1982. p. 123.
237
LUCENA, 1994, p. 35.
238
Ibid.
239
Para maiores informações, ver Lucena (1994, p. 35-48). De acordo com um levantamento realizado por Inezil
Penna Marinho, disse Linhales (1996, p. 113), entre 1937 e 1945 “[...] o poder público emitiu nada menos do que
116 legislações relativas à Educação Física, recreação, esportes e ações correlatas. São decretos, portarias, atos
ou instruções, em sua maioria publicados pelo Governo Federal e pelos Governos Estaduais. [...] [Além disso] a
81
A partir da análise desse arcabouço legal e das propostas para a classe trabalhadora, é possível
dizer que as pretensões do Estado, das indústrias e da Igreja coincidiam com as demandas do
mundo do trabalho e da produção. E a formação do trabalhador dentro do sistema de valores
que projetou o esporte sob os códigos dessa demanda poderia contribuir para a adaptação da
classe operária ao sistema econômico, social, político e cultural desejado.
Percebe-se a evidência da configuração de um projeto de educação do corpo com relação ao
trabalhador por meio das práticas esportivas, mostrando uma intenção de controle social
embutida na proposta de moralização e preparação física em que a regeneração social
caminhou lado a lado com a adequação para o trabalho.
240
A partir disso, Goellner aponta que
não é difícil compreender por que o esporte teve plena e oficial aceitação no governo Vargas,
pois foi nesse contexto que o nacionalismo adquiriu notoriedade e foi amplamente divulgado,
pregando a integração da força nacional.
241
Ainda de acordo com a autora, o Governo buscou
a unidade nacional aprovando uma estratégia que comportava a necessidade de um homem
brasileiro, de uma raça brasileira homogênea, produtiva e obediente.
242
E a Educação Física,
chamada para contribuir nessa tarefa,
[...]deverá formar um homem typico que tenha as seguintes características: detalhe
mais delgado que cheio, gracioso de musculatura, flexível, de olhos claros, pelle sã,
ágil, desperto, erecto, cil, enthusiasta, alegre, viril, imaginoso, senhor de si
mesmo, sincero, honesto, puro de actos e de pensamentos, dotado com o senso da
honra e da justiça, participando no companheirismo de seus semelhantes, e levando
o amor de Deus e dos homens no seu coração.
243
Caberia à educação física escolar e aos esportes, segundo os intelectuais da revista, cumprir
adequadamente o papel que lhe cabia na consecução de uma nação estável e, por meio das
atividades esportivas, garantir o excelente funcionamento da maravilhosa máquina humana,
dotando de saúde os cidadãos para que pudessem cumprir suas obrigações perante a Nação
que ia insurgir vitoriosa.
obrigatoriedade do ensino de Educação Física em todos os níveis de ensino, a implementação do processo de
formação de professores para esse conteúdo, bem como a constituição de setores administrativos para a
Educação Física, tanto no âmbito do Ministério da Educação e Saúde quanto no âmbito das secretarias estaduais
correspondentes, são ações características da era Vargas, principalmente no Estado Novo”.
240
BERCITO, 1991, p. 143.
241
GOELLNER, 1992, p. 134.
242
Ibid., p. 135.
243
FISHER, 1934, p. 13-14.
82
Com a intenção de criar e modelar novos hábitos para o povo brasileiro através do
adestramento físico como capacitação da força produtiva, a revista projetou que a educação
física fosse capaz de tornar os corpos fortes, sadios, eugenizados, disciplinados e
higienizados. A todo esse conjunto de objetivos estava implícito um rigoroso controle
disciplinar manifesto nos desdobramentos de cada método ginástico, nas práticas esportivas
bem como na concepção de ser humano estritamente vinculado a seu plano biológico. As
pretensões de formação de um homem forte por meio da exercitação corporal asseguravam o
fortalecimento da raça e o melhoramento da saúde, cujos fins últimos residiam na defesa da
pátria e na consolidação de uma nova ordem social, oriunda do modo de produção capitalista
que então continuava a se afirmar. E os esportes foram um excelente chamado para a tarefa de
coesão nacional, segundo um colaborador da revista Educação Physica afirma:
[...] dois grandes factores concorrem para fortalecer a unidade espiritual do povo
brasileiro: a musica carnavalesca do Rio de Janeiro e o foot-ball [...]. O interesse que
desperta, em todo o Brasil esportivo, as competições cariocas de foot-ball, são a
prova de que mais realidade do que parece nas minhas afirmativas. Estou, pois,
intimamente convencido de que a unidade nacional, fadada a desapparecer por
circunstâncias mesologicas e, sobretudo, pelo desmensurado affluxo de populações
de índole completamente diversa da nossa, como succede no sul do paiz, ainda, na
musica popular e nos sports associativos (e não nos individuaes, como o boxe,
esgrima) a força de cohesão necessária para nos conservar um mínimo irreductível
de affinidade emocional.
244
O apelo ao esporte veio responder a um conjunto de intervenções e necessidades colocadas
por uma sociedade cada vez mais industrializada e competitiva, exigindo a formação do
homem brasileiro apto ao trabalho. Mas, quanto à classe operária, qual a percepção construída
por ela sobre o esporte burguês? Quais argumentos e estratégias diferenciaram a prática do
esporte proletário daquela burguesa? Na história da classe operária, como os trabalhadores
empreenderam a discussão do esporte e sua relação com a sociedade?
2.2
JORNAIS OPERÁRIOS: EM BUSCA DA CULTURA ESPORTIVA PROLETÁRIA
Enquanto houve um esforço por parte de industriais, Estado, intelectuais e Igreja em construir
uma nova mentalidade sobre a ordem social por meio de diversas medidas relacionadas com o
244
REZENDE, Octavio Murgel. Os esportes como elemento de cohesão nacional. Revista Educação Physica,
Rio de Janeiro, n. 2, p. 51, dez. 1932.
83
trabalho, a educação e o esporte, setores do operariado organizado responderam de maneiras
diferentes às investidas disciplinares. A concepção de um corpo eficiente e produtivo e sua
relação com as práticas físicas destinadas à restauração das energias do trabalhador chegou ao
meio operário por diversas vias: escola, formação para o trabalho, clubes esportivos, relação
com a fábrica, leis sociais, sindicalização, entre outros. Mas os interesses que levaram a classe
operária a aceitar ou repelir tais propostas nem sempre foram homogêneos e fáceis de captar.
A relação que os trabalhadores estabeleceram com o Estado e com o processo de reordenação
das forças produtivas carrega uma diversidade de sentidos construídos ao longo da história e,
em alguns casos, ter em perspectiva sentidos ambivalentes pode ser uma chave de leitura para
compreender essa relação. O caso dos trabalhadores gráficos na recepção das inovações
técnicas no setor, citado anteriormente, foi um exemplo.
Para a relação que nos interessa, o esporte e a classe operária, podemos afirmar semelhante
sentença. Existem críticas diretas à idéia de regeneração da classe trabalhadora, à formação
vigiada de hábitos e condutas, à disciplina e às práticas esportivas tidas como burguesas. Mas
nem sempre se consegue captar as múltiplas e possíveis apropriações que os trabalhadores
fazem, em seus diferentes níveis de organização, dos processos dirigidos à sua conformação e
adaptação a códigos outros que não os seus. No caso do esporte, então, um fenômeno que
serviu tanto a burgueses quanto a proletários, os sentidos das práticas podem ter ainda muitas
finalidades, se não pela ideologia que carregam, então, pelo próprio contexto social de
frenéticas mudanças.
A sociedade brasileira transformava-se e a organização dos trabalhadores foi ganhando
contornos outros que permitiram sua articulação no cenário político. Na década de 1920,
enquanto na Europa o proletariado vivia seu momento revolucionário juntamente com a
instabilidade da pequena burguesia, no Brasil foi o período de amadurecimento e
consolidação das bases estruturais dos sindicatos e dos partidos, mesmo sofrendo com a
política autoritária do Estado. A ideologia marxista também cresceu entre o operariado
brasileiro, apresentando-se como a única concepção de mundo e de luta capaz de responder às
novas necessidades dos trabalhadores, assim se pensava.
245
Como demonstrado no capítulo
anterior, o PCB renovou algumas de suas táticas, principalmente àquelas relacionadas ao trato
com o esporte, para agregar o maior número possível de trabalhadores no Partido. Seguindo
245
CARONE, 1989.
84
orientações da IC os jornais operários ligados a essa tendência publicaram qual foi, então, a
elaboração que os comunistas construíram para lidar com o fenômeno esportivo bastante
disseminado no meio operário.
Em linhas gerais, o conteúdo analisado desses jornais proletários apresentou-se atrelado
politicamente à idéia de emancipação da classe operária e de crítica ao capitalismo.
Orientações proletárias alternativas à ordem hegemônica do capitalismo industrial apareceram
no apelo à educação da classe trabalhadora, na divulgação de centros de cultura que se
constituíram em um espaço importante para a difusão dos ideais proletários de educação e
emancipação e na defesa do esporte como meio de união e resistência. Os jornais cumpriram a
função de informar e discutir assuntos referentes à luta política e à organização da classe.
Desse modo, encontramos reivindicações pela ampliação dos direitos sociais, políticos e
culturais, discussões sobre as concepções e ideais do anarquismo e do comunismo, relatos e
reflexões sobre o cotidiano operário, debate sobre criação e manutenção de organizações
operárias em diferentes esferas de ação, notadamente a política e a cultural, além do esforço
pela instrução e conscientização do operariado.
Como vimos, as intervenções burguesas e as investidas do Estado sobre a classe operária
alcançaram não o local de trabalho como também o cotidiano dos trabalhadores e das suas
famílias. No que se refere às intervenções sobre higiene, saúde, educação, trabalho e lazer
(todos em ações conjuntas com o esporte), as críticas e elaborações dessas medidas estavam
presentes nas colunas dedicadas ao jovem trabalhador, nos artigos sobre o debate da relação
entre esporte e operários e nas problematizações sobre formação e educação da classe
operária. Destacamos desse contexto de ocorrência da temática esportiva três eixos: a) a
percepção operária do esporte burguês; b) a proletarização do esporte e a tensão com a
profissionalização; c) a relação entre o esporte e a juventude proletária. É através desses eixos
que outros temas se desdobram e trazem para o debate, por exemplo, as questões relacionadas
à exploração burguesa, à racionalização e à exploração financeira do esporte.
246
A presença do esporte no meio operário não foi obra dos comunistas, mas, como pudemos
acompanhar pelos jornais, o PCB e seus militantes tiveram participação importante na
organização e difusão da idéia de um esporte de classe, de uma prática esportiva que, na sua
246
Trabalharemos, a partir deste momento do texto, com esses eixos elencados, porém o último, referente à
relação entre esporte e juventude, mereceu um capítulo a parte (capítulo III).
85
origem, estabeleceu um contraponto cultural no meio operário. Como pontuou Santos, os
comunistas deram um passo que os anarquistas se recusaram a dar: aceitaram o esporte como
um fato consumado na vida operária e, além disso, incentivaram a sua prática como método
de arregimentação, abandonando qualquer atitude antiesportiva.
247
Entre o final dos anos de
1920 e início de 1930, alguns grupos pertencentes a essa tendência utilizaram o esporte como
elemento aglutinador da classe operária, concebendo-o como um campo a mais na luta de
classe pela emancipação. A existência de uma página esportiva no exíguo espaço de quatro
folhas dos jornais operários e a manutenção de um departamento esportivo dentro dos
sindicatos
248
talvez sirva como evidência da satisfação de “[...] uma velha e inadiavel
aspiração: a proletarisação do esporte”.
249
Codificar o esporte sob os princípios proletários
exigiu a demarcação dessa atividade a partir de outras referências/finalidades diferentes
daquele esporte intitulado burguês.
2.2.1 A percepção operária sobre o esporte burguês
A tarefa de proletarização do esporte permitiu/exigiu do movimento operário a construção de
uma percepção do que eles chamaram de esporte burguês e a elaboração de críticas contra
esse movimento. O fenômeno esportivo era visto pelo movimento proletário, ao mesmo
tempo, como um forte mecanismo/dispositivo de exploração e alienação e como um meio
possível de propagar os ideais proletários, fomentando a união dos trabalhadores, ou seja,
“[...] o esporte [foi] um meio de luta contra o capital”.
250
A discussão empreendida pelos
jornais operários sobre o esporte burguês estava atrelada à percepção de uma cultura
proletária que o classificava, sobretudo, como instrumento de dominação ideológica que
reproduzia a exploração capitalista, e o transformava em mercadoria. Para os comunistas
[...] o esporte é victima do mercantilismo e da exploração das associações
burguezas, cujo objetivo não é nem pode ser outro a não ser o proveito material e a
exploração, ao mesmo tempo que a illusão dos que o praticam e dos espectadores.
[...] O esportista da sociedade burgueza é (e a isto não se pode fugir) o escravo do
mercantilismo e da exploração como o são igualmente o artista e o scientista.
251
247
SANTOS, 2001, p. 140.
248
Como é o caso dos jornais O Trabalhador Graphico e O Internacional.
249
O DEPARTAMENTO esportivo da UTG. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 95, p. 5, 1 maio 1928.
250
ASSOCIAÇÃO Graphica de Esportes. O Ttrabalhador Graphico, São Paulo, n. 97, p. 7, 1 jul 1928.
251
A. FRES. Pelo sporte proletario contra o sporte burguez. O Internacional, São Paulo, n 143, p. 2, 1 out. 1928.
86
Investir, então, nessa concepção de esporte implicava em aceitar que, na perspectiva
comunista, ele é um fenômeno ambíguo, cuja caracterização e sentidos dependeriam do
contexto em que ele ocorria. E se ele acontecesse fora dos meios operários ele serviria,
necessariamente, para explorar, oprimir, mitificar, enfraquecer. Sob os códigos proletários, o
esporte não era mais considerado como uma atividade burguesa em si, mas como um
elemento neutro na sociedade:
252
utilizado pela burguesia, tornava-se um instrumento, uma
arma, servindo aos interesses de criação de novas formas de lucro e de dominação de classe;
porém, utilizado pelos operários, serviria para fomentar a solidariedade de classe e ajudá-los
no combate pela sua libertação e emancipação:
253
“O desporto bem organizado e melhor
orientado, será uma arma terrível em nossas mãos”.
254
Afirmavam os comunistas que por todo o mundo havia uma formidável porcentagem de
trabalhadores adeptos dos esportes, mas havia quem argumentasse:
[...] como actualmente se verifica ser o esporte uma fonte de renda para a burguezia,
ressalta nítida a inconsciência dos trabalhadores que se prestam à pratica esportiva
dentro dos domínios burguezes [...]. É incomprehensivel como possa um trabalhador
combater systematicamente a classe burgueza com o fito de obter a sua emancipação
politica-economica e, ao mesmo tempo no terreno do esporte, serve de instrumento
lucrativo a essa mesma burguezia!
255
De acordo com a visão de classe, nas mãos da burguesia a prática esportiva se desvirtuava e
impossibilitava o trabalhador de usufruí-la como tal, como ela deveria ser, porque a
perspectiva burguesa se impunha caracterizando-a como um mercado de possibilidades físicas
e estéticas.
256
Para os comunistas a relação era exata: à medida que o esporte burguês se
intensificava, ganhando terreno como prática hegemônica, a exploração também se
acentuava.
257
Essa exploração contava com uma vasta rede de influências. Os métodos mais bárbaros de
exploração e opressão eram usados pelos ricaços e pelo seu Estado,
258
eles “[...] têm por si as
tradições milenares, têm a riqueza, têm as instituições governamentais, têm a grande imprensa
252
DECCA, 1987, p. 119-127.
253
Essa distinção já foi observada por Santos, 2000, p. 170.
254
COMENTANDO... . A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 5 jan 1927.
255
NEO. O esporte entre os trabalhadores. O Internacional, São Paulo, s/p, 31 out 1928.
256
Ibid.
257
A. FRES., 1928.
258
CARTA Aberta. Nossa Voz, São Paulo, n 33, p. 5,1 jan. 1935.
87
na sua totalidade, têm as forças armadas, têm a religião que embrutece e a escola que mistifica
e desarma [...]”.
259
Além disso,
O radio, a imprensa, o cinema, a escola, etc., também são armas que os nossos
sangue-sugas utilisam para melhor nos explorar e opprimir, dizendo que nos querem
educar physica e intellectualmente com seus clubs recreativos, esportivos e
culturaes, não tendo outro objectivo senão entorpecer os nossos sentimentos de
classe e auferir, a nossa custa.
260
As críticas que o movimento operário tecia às finalidades educacionais e sociais que as
instituições esportivas e também a escola e a Igreja tentavam empregar estavam inseridas no
entendimento de que essas instituições (ou a possibilidade educativa desses locais) favoreciam
as condições de conformação das subjetividades; para o proletariado, a educação do povo era
a condição sine qua non da revolução social:
A ideologia de toda classe revolucionaria tem a funcção de articular os seus
componentes no objetivo commum, ensinando-os e mostrando-lhes o caminho das
conquistas, reforça a acção, sommando os elementos e organizando-os, e, mais do
que tudo educa-os para a acção revolucionaria nos seus dois tempos: O de
destruição da sociedade caduca e nociva, e o tempo de dirigir a construcção de
uma nova sociedade, em novas bases [...].
As nossas necessidades espalhadas na superfície da terra, convergem para um objeto
único, e comprehender isto é comprehender a ideologia correspondente. Por sua vez
a ideologia organiza os necessitados para a acção, ensina-os e a acção os educa. O
effeito que te m uma ideologia como organizador de uma classe para as suas
finalidades históricas, deve ser comprehendido como doutrina e educação, assim é
que a ideologia educa e ensina uma classe para atingir suas finalidades: organisa,
articula os componentes dessa classe para a derrubada da dominante, fallida e
estorvante.
261
Nesse sentido, os centros de cultura proletária desempenhavam um papel importante na
promoção do proletariado: eram verdadeiros centros difusores da cultura e da educação
concebidos como espaços de lazer, de descanso, de encontro, de instrução “[...] com o intuito
de divulgar entre o povo e os trabalhadores os conhecimentos científicos das modernas
concepções sociais, científicas e filosóficas [...]”.
262
Esses locais, juntamente com os sindicatos e outras formas de associação, em muito
contribuíram para o fortalecimento do sentimento de união da classe operária que, uma vez
coesa em um determinado projeto, buscava melhorias de condição de vida, de trabalho, de
259
OS TRABALHADORES e suas agrupações. A Plebe, São Paulo, n. 8, p.1, 14 jan 1933.
260
CARTA Aberta, 1935, n. 33, p. 5.
261
CULTURA burguesa e cultura proletária. Nossa Voz, São Paulo, n 24, p. 4,15 ago. 1934.
262
CENTRO de cultura social. A Plebe, São Paulo, n. 8, p.1, 14 jan. 1933.
88
educação, de lazer. E, nesse projeto, que tomava como contraponto as instituições burguesas,
anarquistas e comunistas tinham idéias semelhantes:
A associação deve ser o lugar de reunião de todos aqueles que lhe dediquem as suas
atividades, lhe consagrem todos os ócios, lhe reconheçam toda a bondade e
finalidade e onde se refugiem das atrações banais que os cercam e lhes acenam para
lhes arrebatar o dinheiro e a saúde.
Deve ser um centro de estudos sociais onde os bons amigos se encontrem, onde haja
livros e jornais que possam ser lidos e consultados deleitando e instruindo o espírito
simultaneamente.
Os burguezes têm os seus centros, as suas associações, as suas federações onde
conspiram contra o sossego e os interesses físicos, economicos e morais dos
trabalhadores; têm os seus clubes onde se encontram para seus divertimentos ou
para as suas jogatinas!
Pois os trabalhadores precisarão ter também os seus recintos associativos, modestos,
é verdade, como de gente pobre que são, mas onde não falte o jornal, o livro, a
brochura, onde discutam os seus interesses coletivos, onde possam até tomar seu
café, onde organizem as suas palestras educativas ou de orientação para não serem
tomados de surpreza e terem de fazer à pressa, de tudo improvisar sem o necessário
preparo, quando o tempo urge e os acontecimentos se precipitam.
263
Apesar da existência de uma organização operária em torno de clubes, centros e escolas, a
influência das instituições esportivas burguesas foi sempre ressaltada nos jornais. A
coexistência de diferentes sentidos nas práticas esportivas colocava uma vigilância constante
das idéias e avaliações produzidas sobre o esporte e sobre o fenômeno mais expressivo da
cultura esportiva, o futebol, “[...] que tomou grande impulso em todas as camadas sociais”,
264
congregou o sentido mais agudo dessa tensão produzida pelas disputas sobre a possibilidade
de potencializar o esporte como meio de luta ou de exploração. Um artigo sobre futebol no
jornal Nossa Voz, afirmando o sucesso dessa prática esportiva, perguntava:
Por acaso companheiros, se puseram algum dia a examinar o que vem a ser de
facto o futebol e outros esportes? o proletariado consciente sabe o que representa
e o que é [...]. O Futebol (que é o mais importante dos esportes e o que mais tem
aficcionados), principalmente, é uma indústria rendosa.
265
Para os comunistas, a gica da exploração era uma só: “No regímen em que vivemos tudo
está mercantilizado, nada há de são em esporte; a podridão de um é a conseqüência da
gangrena do outro”.
266
263
OS TRABALHADORES..., 1933, n. 8, p.1.
264
FIRPO. Futebol, Nossa Voz, São Paulo, n 22, p. 2, 15 jul 1934.
265
Ibid. p. 2.
266
Ibid., p. 2.
89
Os colaboradores dos jornais pensavam conhecer os mecanismos de exploração e dominação
ideológica e identificavam nas ações burguesas de fomento educacional e esportivo um dos
maiores problemas enfrentados pelas associações esportivas proletárias. O desafio era
perceber como os trabalhadores organizados resistiam à tentativa de
massificação/popularização do esporte bem como entender o que o movimento tinha da
realidade do mercado do esporte. O movimento operário, conhecedor das questões sociais que
envolviam e possibilitavam a difusão do esporte burguês, afirmava:
O futebol, sendo o esporte dominante na actualidade não é, no entanto, praticado
com reaes vantagens para a classe trabalhadora. O operario luta pela vida,
trabalhando todos os dias, nas fabricas, esgotando as suas forças para poder
alimentar-se pouco. Nem sequer tem tempo para descansar das fadigas diárias.
Quem explora? Naturalmente a classe capitalista, pois bem; essa mesma classe
tambem domina os esportes em geral para obter o maximo lucro monetário.
267
Além da exploração latente, “[...] si não nos dias de carnaval, é aos domingos nos campos de
football burguez”
268
,
os esportes também serviam ao trabalho de minar a construção da
consciência de classe do operariado, “Com eles os abutres diluem o instincto revolucionário
dos trabalhadores, hoje seus escravos”.
269
Diversos argumentos corroboravam: “[...] o esporte
entre nós não é, nem mais nem menos, do que um monopólio da burguezia para melhor
explorar os trabalhadores e um agente de embrutecimento e de mystificação no seio das mais
vastas massas do proletariado”.
270
Assim, temos a configuração de um esporte burguês que,
na sua finalidade, pretendia desviar a atenção da luta de classe,
271
embrutecer o operariado,
272
entorpecer os sentimentos de classe,
273
extrair lucros,
274
dividir o proletariado.
275
Os jornais reclamavam que uma das conseqüências mais graves da exploração pelo esporte
era o envolvimento inconsciente do trabalhador: “Um dos males que mais affectam o
267
AOS OPERÁRIOS esportistas. O Trabalhador Ghapico, São Paulo, n 98, p. 4, 1 agos 1928.
268
VOCÊ me conhece?. O Internacional, São Paulo, n 155, p. 3, 1 maio 1929.
269
Ibid., p. 3.
270
A. FRES., 1928, p. 2.
271
A Classe Operária de 1-5-1928 e 19-5-1928; Nossa Voz de 15-8-1934.
272
O Internacional de 1-10-1928; A Plebe de 7-1-1933 e 3-6-1933.
273
Nossa voz de 15-8-1934.
274
A Classe Operária de 1-5-1928: O Internacional de 1-10-1928; Nossa Voz de 15-8-1934; O Trabalhador
Graphyico de 1-8-1928 e 10-1-1929.
275
O Trabalhador Graphyco n. 97, 1/7/1928 e n. 98, 1-8-1928.
90
proletariado é a falta de ‘consciencia de classe’”.
276
Isso gerou, muitas vezes, a divisão de
classe e a desorganização sindical. A burguesia sabe perfeitamente disso, e é por isso que
quer incutir na alma do proletariado sentimentos corruptores de pequeno individualismo,
intrigando-o, separando-o em nacionalidades e regionalismos e até em massa de grupos
esportistas.
277
O problema da divisão da classe operária implicava o arrefecimento do
movimento operário na luta pela sua emancipação, e a propagação dos valores burgueses
aplicados ao esporte era vista como um fator ideológico que afastava os trabalhadores dos
sindicatos. O assunto mereceu até um apelo publicado no jornal O Trabalhador Graphyco:
Camaradas! É com grande pesar que lanço mão da penna para dirigir-vos este
apello, porquanto estou vendo a inconsciência que reina entre os esportistas
graphicos, que se emprestam para jogar em clubs e clubécos que andam por ahi a
fora, e muitos dos quaes não passam de instrumentos da burguezia para afastar os
operários dos seus syndicatos de classe, único elemento com quem nós operários
podemos contar para a conquista de nossos direitos.
Por isso, camaradas, engrossai no nosso departamento esportivo único centro
esportivo em que se pratica o esporte pelo esporte e não o esporte pelo dinheiro.
Portanto, esportistas graphicos, vinde fortalecer as nossas turmas de futebol, pois é
vergonhoso dizer-se que no meio de seis mil graphicos não se possam tirar dois
quadros de futebol, para enfrentar os mais aguerridos quadros de S. Paulo, quando
quase todos os campeões paulistas de futebol pertencem a nossa corporação.
278
Para os comunistas, tratava-se mesmo de uma luta sobre todos os domínios pela influência
ideológica das massas laboriosas, uma luta que se intensificava juntamente com o crescimento
do antagonismo de classe entre a sociedade capitalista e o proletariado:
279
Ella se manifesta particularmente no dominio da gymnastica e dos sports, de que a
burguezia se utilisa como meio de exercer sua influencia ideologica sobre
consideraveis massas de trabalhadores, especialmente a juventude obreira, afim de
militarizar e exporal-as de maneira intensíssima.
280
Podemos compreender que explorar de maneira “intensíssima” diz respeito às ações de
intervenção no ambiente de trabalho como uma via de mão dupla que tem a finalidade de
intensificar a exploração. Quando tais ações extrapolavam esse ambiente e alcançavam o
cotidiano operário, nesse caso, através do esporte, essas ações retornavam com muito mais
276
CONSCIÊNCIA de classe. O trabalhador gráfico, São Paulo, n 95, p. 7, 1 maio 1928.
277
Ibid., 1928, p. 7.
278
UM APPELO aos esportistas graphicos. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 98, p. 4,1 ago 1928.
279
RODRIGUES, 1928, p. 8-10.
280
Ibid.
91
força adequando toda a vida do operário em torno da produção e do rendimento. Por isso as
organizações burguesas de esportes não poderiam ser consideradas como agentes neutros:
[...] ellas constituem um instrumento nas mãos dos capitalistas na luta contra a
classe proletaria; ellas são hostis à classe productora e por isso devemos combatel-as
de modo organisado e systematico, não somente no meio das organisações
proletarias de educação, mas tambem, no meio de todas as organisações operarias de
classe. Explica-se a irradiação da acção burgueza no sport pela intensificação do
trabalho de sapa da burguezia no terreno da educação physica, que lhe é
summamente util para o augmento da pujança de seu exercito e, assim, explorar
ampla e desabridamente o proletariado.
O sport burguez tem por si, em consideravel extensão, o concurso que lhe é dado
pelos diversos reformistas que, em sabotando a luta contra o movimento burguez do
sport e gymnastica, collaboram indiscutivelmente nesse movimento, reforçando as
posições da burguezia.
281
Os jornais referiam-se aqui à racionalização do trabalho e seu papel conjunto com o incentivo
ao esporte nas organizações burguesas. As denúncias dos jornais traziam que as medidas de
reação tomadas pela burguesia contra a luta do proletariado eram “[...] ainda mais aggravadas
com as chamadas ‘leis de proteção aos menores’, ‘assistenciais’, ‘institutos disciplinares’”,
282
evidentemente demonstrando que as reformas sociais em curso e institutos, como o IDORT,
voltados a atender as exigências dos trabalhadores e adaptá-las às novas demandas de
produção, nem sempre beneficiavam os trabalhadores, pelo contrário, subjugavam e
oprimiam. Sobre a inserção dos esportes nas fábricas, as críticas eram mais explícitas e não de
avaliar sua função atrelada ao trabalho:
Os sports de fabrica e de usina, e as pausas no trabalho, fazem parte da racionalização
capitalista e têm por finalidade intensificar a exploração dos trabalhadores. Os
capitalistas procuram abertamente a palavra de ordem: “fazei mais sport para que
possaes trabalhar melhor. [...]
A luta contra os sports de fabrica e usinas, e contra as folgas e pausas, deve, ser ligada
á luta em geral contra a racionalização imperialista e contra a exploração accentuada
da classe operaria. Porém, esta luta fracassará si a palavra de ordem não fôr: A
unidade do movimento proletario de educação physica e o combate á acção dos
“leaders” reformistas que cindiram o movimento sportivo operário.
283
A questão que surgia novamente na “luta contra os esportes de fábrica” era a atenção dada ao
contexto onde as práticas de exercícios aconteciam. O que deixavam interpretar alguns artigos
em jornais era que os esportes e a educação física podiam ser considerados como uma
atividade boa, salutar, não havendo, por parte dos comunistas, qualquer crítica ao esporte
tomado em si mesmo: “Não somos contra o esporte quando elle é exercício para o
281
RODRIGUES, 1928.
282
CARTA Aberta, 1935.
283
RODRIGUES, op. cit., p. 8-19. Nota 161.
92
desenvolvimento físico que delle precisa por sua condição de serviço [...]”.
284
E, como
afirmavam os jornais, a prática do esporte era uma necessidade para a classe trabalhadora:
[...] sob qualquer ponto de vista o esporte é um beneficio para o corpo humano, e
principalmente ao trabalhador que no serviço diário disperdiça uma bôa dose de
energia, tanto cerebral, como physica; a pratica do esporte é imprescindivel para
retemperear a energia gasta com o trabalho quotidiano.
285
Tal era a importância dada aos esportes para o desenvolvimento físico dos trabalhadores que,
ao se questionarem se devia o trabalhador praticar esportes, “[...] a resposta [era] francamente
afirmativa”,
286
e ao lembrar ainda que isso deveria ser feito com a finalidade de tirar das
práticas esportivas todos os benefícios para o movimento operário, os comunistas pareciam
“admitir” seus benefícios, conferindo até mesmo respaldo científico ao raciocínio da relação
esporte e saúde:
Para contrabalançar a acção nociva das officinas anti-higyênicas, sem ar, sem luz
sobre o organismo dos trabalhadores, nada melhor que a prática do esporte ao ar
livre. O trabalho nas fábricas, hoje em dia, exige do operário certos e determinados
movimentos. Isso occasiona um desenvolvimento exclusivo de certos músculos, de
certos órgãos. O esporte corrigirá isso, trazendo um desenvolvimento mais
hamônico.
287
A preparação física do operário não findava na manutenção da sua boa saúde ou na sua
preservação contra os males do trabalho, mas era preciso manter-se em bom estado físico
também para o trabalho e para além disso, pois a construção do socialismo dependia da
disposição dos seus operários.
[...] porque um operário fraco e doente, não pode nunca desenvolver um trabalho tão
completo e produtivo, como outro, que além de sua inteligência e conhecimento de
sua responsabilidade na formação de seu paiz, possua uma cultura física que o ajude
a levar com alegria energia suficiente a rudeza do seu trabalho ou a pesada
monotonia de uma oficina.
288
Decerto esse era um ponto paradoxal entre a classe operária e as investidas do Estado no
processo de racionalização do trabalho, pois, ao mesmo tempo em que os aproximava em
torno do argumento do engajamento físico ao mundo do trabalho também os afasta porque as
intenções subjacentes a esse objetivo não eram semelhantes. Mas há que se considerar que, no
284
FOOT-BALL operário. O Solidário, Santos, p. 2, 20 jan. 1926.
285
NEO, 1928 s/p.
286
DEVE o trabalhador praticar esportes?. O Proletário, São Paulo, p. 2, 9 jun 1932.
287
Ibid.
288
A INSÍGNA esportiva soviética. O Jovem Proletário, Rio de Janeiro, p. 3, nov. 1934.
93
Brasil, naquele estágio de desenvolvimento das relações produtivas, os comunistas não
tinham como objetivo usar o esporte para aumentar a produtividade do trabalho, como na
URSS, mas, sim, utilizá-lo como contestação da ordem vigente.
289
Outro ponto que gerava compreensões ambíguas era a questão da militarização. Ao mesmo
tempo em que vemos o movimento operário convocar seus homens a contribuírem na defesa
do seu País, por considerarem que ele necessita “de homens fortes, corajosos e bons
lutadores”, incentivando a “[...] recrutar jovens operários esportistas para compor os grupos
de defesa e as brigadas de choque”,
290
acompanhamos a severa crítica à manifestação da “[...]
tendência de, por meio dos sports, militarizar-se a população e, sobretudo a juventude[...]”.
291
Rodrigues acrescenta:
A instituição da educação physica nas escolas destina-se a completar a influencia
ideologia da burguezia e constitue um dos meios de preparação militar.
Constatamos tambem a actividade sempre crescente das organisações clericaes no
dominio dos sports e da gymnastica, e ainda na attenção desvelada que lhe presta o
fascismo. A burguezia tenta reforçar, por novos processos e por meio do sport, as
fileiras contra revolucionarias de seus paizes.
292
A percepção operária da militarização por meio do esporte não foi o único ponto de debate
sobre o desenvolvimento esportivo nos domínios burgueses. Para o movimento operário, a
profissionalização do esporte também foi um aspecto desse desenvolvimento que deveria ser
combatido através de um conteúdo de classe aplicado a essa prática.
2.2.2 Proletarização e Profissionalização do Esporte
Ultimamente, os clubs fizeram do football uma fonte de exploração do publico.
Retribuem os favores que o grande público lhes concedia, principalmente o
elementos proletário, que sempre foi o de maior brilho nas assistências ao football
extorquindo-lhe o dinheiro por caríssimas entradas. A preocupação da renda passou
a dominar todas as outras, O football passou a ser um espetáculo.
293
289
SANTOS, 2000, p. 166.
290
Deve o trabalhador praticar esportes?, O proletário, 9 de junho de 1932, p. 2.
291
RODRIGUES, 1928.
292
Ibid.
293
COMENTANDO... . A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 5 jan 1927.
94
Não menos polêmica foi a discussão sobre o embate entre a profissionalização do esporte e os
princípios amadores do esporte de classe. O jornal O Trabalhador Graphyco, em relação ao
esporte, comentava: “[...] deve ser praticado dentro das normas verdadeiramente esportistas,
como uma necessidade hygiênica e não como uma profissão”.
294
Tal comentário deixa
transparecer que a profissionalização não era um objetivo do esporte proletário, mas, sim, um
“[...] mal que tanto tem concorrido para desviar os trabalhadores do seu verdadeiro caminho
[...]”
295
e que deveria ser combatido pela classe operária. A campanha de proletarização do
esporte foi mesmo um contraponto explícito à profissionalização do futebol, que, naquele
período, era uma prática esportiva de grande disseminação nas diferentes classes sociais e que
exercia influências nem sempre aceitas pelo movimento operário organizado. Por isso os
comunistas, agentes da proletarização do esporte, tiveram que elaborar argumentos que
atacassem os diversos fatores que sustentaram o reconhecimento do futebol como profissão
regulamentada. Assim, a partir da constatação de que em muitas organizações burguesas se
praticava o profissionalismo, que resultava em vantagens materiais para centros esportivos, o
que favorecia o capitalismo,
296
os desdobramentos de tal situação eram os mais cruéis.
Vemos que nesses últimos tempos a burguezia exerce dada influencia sobre a
juventude desempregada, dando-lhe trabalho sob a forma de exercícios sportivos
obrigatórios (profissionalismo). Não somente as organisações sportivas de fabricas e
usinas, mas na generalidade todas as organizações burguezas sportivas fornecem os
chamados “furões” de greves.
297
Além de dois importantes elementos do movimento operário, a juventude e o movimento
sindical, estarem sendo subjugados à organização esportiva burguesa, os comunistas tiveram
ainda que lidar com a forte presença do Estado:
[...] organisações burguesas recebem consideraveis subvenções directas ou indirectas
da parte do Estado, das municipalidades e do patronato; a imprensa burgueza auxilia-
as com intensa propaganda a favor dos seus nucleos; organisam grandes provas
nacionaes e internacionaes (póde citar-se a titulo de exemplo a Olympiada de
Amsterdam que recebeu subsídios enormes da parte dos governos burguezes, dos
bancos e emprezas capitalistas).
298
Todo esse investimento na profissionalização do esporte trazia ainda outros prejuízos à
organização esportiva operária, como, por exemplo, a evasão de jogadores dos clubes de
294
DEMART. Esporte proletário: a grande illusão. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 8, p. 4, 7 fev. 1933.
295
VAMOS companheiros. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 8, p. 4, 7 fev. 1933.
296
RODRIGUES, 1928, p. 9.
297
Ibid., p. 9.
298
Ibid, p.10.
95
várzea para os clubes burgueses: “[...] eles ingressam nos pequenos clubes e quando estão um
pouco preparados abandonam seus primeiros companheiros e vão para grandes clubes,
arrastam-se para o esporte burocratizado”.
299
Qualificando essa burocratização de indústria rendosa, os jornais não demoraram a analisar
sua estrutura, denunciando que sua constituição comportava as “Associações Máximas”,
grandes clubes que davam as diretrizes e rumos do esporte, dirigidos por grandes capitalistas.
“E esses Ditadores da Associação Máxima e clubes incentivam por todas as formas e meios
(jornais, rádios, etc) o culto e enthusiamos por esses pretensos esportes”.
300
Em última
instância, a profissionalização era a “mercantilização da consciência”
301
e “fanatizava os
inconscientes”.
302
Esse foi um ponto para empreender a campanha de proletarização do
esporte porque o operário que praticava esporte de classe era consciente. “Os trabalhadores
conscientes não se illudem com as promessas do patronato, pois que conhecem de sobejo o
som dessas sereias [...]”.
303
A prática de esportes vinculada à consciência de classe significava
mais que um instrumento de luta, sendo, portanto, utilizada “[...] como meio de educação para
com isso solidificarmos cada vez mais a solidariedade proletária e no interesse único de nossa
classe”.
304
Outra razão para proletarizar o esporte é que ele era uma tentativa de aproximar os jovens das
atividades sindicais. Dyster confirma:
A organização dos jovens nos syndicatos é uma questão por demais delicada que
constitue um problema magno no proletariado [...]. O primeiro passo para uma
solida organização juvenil é facilitar o ingresso dos jovens nos syndicatos. [...] Para
este fim, os syndicatos deveram fundar escolas para os filhos de operários, sócios ou
não, e ao mesmo tempo clubs sportivos, o que traria grande vantagem de
desenvolver no pequeno obreiro o espírito associativo e a capacidade
organizadora.
305
Isso constituía um interesse de renovação e perpetuação dos quadros de militância operária.
Três outros objetivos formavam, assim, o ideal do esporte de classe:
299
DEMART, 1933, p. 4.
300
Ibid.
301
NEO, 1928 s/p.
302
FIRPO, 1934, p. 2.
303
NOSSA ORGANIZAÇÃO é uma só, é a UTG. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 11, p. 3, 4 nov.1933.
304
FIRPO, op. cit., p. 2. Nota 264.
305
DYSTER. A organização dos jovens. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n. 4, p. 3, 19 maio1928.
96
Primeiro: porque esse constitue um dos meios de arrancarmos das garras da
burguezia uma parcella importante de trabalhadores.
Segundo: porque conseguiremos que muitos companheiros assíduos freqüentadores
dos frontões [...] desistam daquelles antros de vícios, comparecendo mais
assiduamente nas sedes dos respectivos syndicatos.
Terceiro: aquelles que são jogadores de clubes burguezes converter-se-ão em
fervorosos esteios dos organismos operários, emancipando-se pelo menos
esportivamente da exploração da burguezia.
306
No entendimento do proletariado de que o esporte era um elemento neutro na sociedade,
porém, dominado pelo capitalismo, afirmava-se que “[...] assim, utilizando contra a
burguezia as armas que ella mesma cria para ludibriar os trabalhadores é que se poderá dar
um cunho de combate ao sport, convertendo-o num factor de lucta contra a classe
dominante”
307
e “Cada trabalhador sportivo deve comprehender que esta luta não constitue
mais do que uma parte da luta geral contra a sociedade capitalista”.
308
Assim, diferentes jornais proletários publicaram o que seriam os meios de luta contra o
esporte burguês. Para o jornal A Classe Operária era preciso criar departamentos esportivos
nas organizações operárias e agrupar os clubes operários já existentes aos sindicatos.
309
Com
o jornal Nossa Voz, temos que a organização de clubes proletários deveria constituir-se sem
interesses financeiros, animados pelo espírito solidário e atrelados aos princípios da luta de
classe.
310
Entretanto, almejar a criação da Federação Operária de Esportes e buscar a
consolidação da direção proletária dos clubes de várzea também era metas necessárias,
segundo o Trabalhador Graphico·. A revista Cultura lembrava ainda que, além da
organização de clubes e do boicote sistemático às festividades esportivas burguesas, era
preciso melhorar o trabalho nas diversas secções da IVS para aumentar a propaganda e aplicar
os resultados científicos obtidos na União Soviética no domínio da educação física dos
trabalhadores.
311
Esse conjunto de meios para se conseguir proletarizar o esporte leva-nos a outro aspecto, que
é o da sua utilidade. Do que foi exposto podemos, então, afirmar que o esporte era um
importante meio de aglutinar operários sob a influência comunista, porque
306
PENHA. O proletariado e o esporte. O Internacional, São Paulo, n. 153, p. 3, 1 mar. 1929.
307
COMPANHEIROS jovens e adultos, lutemos pela completa organização do esporte proletário. O
Internacional, São Paulo, n 155, p. 3, 1 maio 1929.
308
RODRIGUES, 1928, p. 8-10.
309
SPORT proletário: todo operario footballer deve ingressar nos clubs proletários. A Classe operária, Rio de
Janeiro, n 1, p. 4, 1 maio 1928.
310
FIRPO, 1934, p. 2.
311
RODRIGUES, op. cit., p. 10. Nota 161.
97
[...] uma vantagem de grande importância que vem reforçar a necessária pratica do
esporte entre os proletários: é a de trazer constantes reuniões entre trabalhadores de
officinas diversas, obtendo dahi, além do conseqüente revigoramento physico, um
maior entendimento entre todos os trabalhadores, uma mais forte solidariedade,
ponto inicial da união tão necessária aos trabalhadores.
312
Mas para alcançar esse objetivo a sua utilização teria que se diferenciar do esporte burguês e
aglutinar outras características que não as vigentes. Daí temos que o esporte proletário seria
amador (como já mostraram os argumentos contra sua profissionalização) e solidário, fazendo
com que praticassem “[...] o desporto operários e operárias em maior número possível, sem o
desejo de se tornarem ‘azes’, mas de serem apenas uma utilidade para a grande e sagrada
campanha de nivelação social”.
313
Por isso, o jornal comentava: “[...] é preciso que se divida
os esportistas proletários dos esportistas burguezes para que o esporte possa ter a sua
finalidade no seio dos trabalhadores”:
314
disseminar o trinômio “ordem, disciplina e
confraternização”.
315
Para emancipar e libertar o proletariado, o esporte era agente aglutinador
que possibilitaria não apenas a diversão, mas também o fortalecimento físico e desenvolveria
a consciência de classe.
Assim, as referências à violência e à inutilidade apareceram somente no esporte burguês
profissional que se baseava numa “competição absurda pelo ‘record’”.
316
Para se livrar do
“argentarismo, causa principal dessa degradação do belo e violento esporte”
317
e não correr o
risco de ter a “mentalidade desviada”,
318
foi preciso investir na educação da juventude e na
formação de uma militância juvenil.
A necessidade de proletarizar o esporte não estava somente no fato de ser uma prática
disseminada na sociedade e nos meios operários, que, portanto, não poderia ser ignorada.
Juntamente com os interesses políticos de fortalecimento do Partido e fortalecimento da
militância, encontramos uma forte justificativa no argumento da necessidade incontestável do
esporte, principalmente para a juventude, na perpetuação dos quadros do Partido e na
propagação dos valores comunistas de unidade, solidariedade e consciência de classe. A
312
NEO, 1928, s/p.
313
REGIME desportivo falido. A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 5 jan. 1927.
314
NEO, op. cit., s/p. Nota 264.
315
UM LAMENTAVEL incidente e um salutar exemplo. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 11, p. 3, 4 nov.
1933.
316
COMENTANDO..., A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 12 mar. 1927.
317
Ibid.
318
COMENTANDO..., A Nação, Rio de Janeiro, p. 14, 14 mar. 1927.
98
juventude operária recebeu grande atenção dos comunistas porque, segundo os jornais, ela era
mais vulnerável aos encantos e desvios do esporte,
319
pois a “necessidade deste é um fato
incontestável para a juventude e a burguesia se aproveita [va] desse fato para canalizar todos
os jovens das fábricas para seus clubes”.
320
Essa obra “entorpecedora do patronato”
321
tinha
por fim, além dos lucros sobre os espetáculos esportivos, envenenar a consciência e isolar os
jovens da luta de classe,
322
minando na base esse poderoso agente de luta contra o capital,
323
essa formidável possibilidade educacional contra a mistificação,
324
esse símbolo da unidade
proletária.
325
Mas os comunistas, atentos às possibilidades que os esportes ofereciam, projetaram para a
juventude não só a incidência dessas ações, mas também a realização dessas vantagens para o
movimento operário, colocando-a como legítimo condutor desse ideal de proletarizar o
esporte. Assim, “[preparando] as bases e edificando sobre os hombros solidos da juventude
proletaria, o grandioso edificio da Republica Proletaria do Brasil”,
326
esta juventude tornava-
se a parte do proletariado a requerer mais cuidado e carinho da parte dos dirigentes sindicais
jovens e adultos”.
327
Organizar a juventude proletária exigiria a fundação de clubes e escolas
nos sindicatos, “[...] o que traria a grande vantagem de desenvolver no pequeno obreiro o
espírito associativo e a capacidade organizadora preparando futuros militantes inteligentes e
sábios”.
328
Toda essa preocupação com o setor juvenil do movimento operário levou os
comunistas a criarem a FJCB, pela qual projetos de proletarização do esporte e de formação
da militância por meio de organizações esportivas tiveram empreendimentos mais destacados.
319
COMPANHEIROS..., 1929, p. 3.
320
VIVA o esporte proletario!. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 97, p. 7, 1 jul 1928.
321
DISCURSO do representante da juventude na praça Mauá. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n 2, p. 2, 5
maio 1928.
322
AGOS. Juventude proletária. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 102, p. 3, 5 de dezembro de 1928.
323
ASSOCIAÇÃO Graphica de Esportes. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n. 97, p. 7, 1 jul 1928.
324
Ibid.
325
NEO, 1928, s/p.
326
DYSTER, 1928, p. 3.
327
Ibid., p. 3.
328
Ibid., p. 3.
99
Capítulo III
3 FEDERAÇÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA DO BRASIL:
UFANISMO E REALIDADE NA ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA
OPERÁRIA
Operando, neste capítulo, com os documentos da FJCB e com a história do PCB, detivemo-
nos na reconstrução da trajetória dessa instituição, privilegiando o confronto entre a
perspectiva dos ideais e objetivos traçados (como registram as fontes) e as conquistas da JC
no projeto de proletarização do esporte.
A FJC foi a organização que canalizou muitos dos empreendimentos para o terreno esportivo
comunista. Foi por meio dela que se buscou demonstrar, a partir dos dados sobre clubes
esportivos, o número de aderentes, os projetos realizados e seu nível de organização. Ao
mesmo tempo pretendemos enfatizar suas prioridades de ação e intervenção e sua função
político-social no movimento operário, evidenciando, assim, conflitos, erros e falhas
decorrentes desse esforço de organização e proletarização do esporte caracterizado tanto pela
inflexibilidade desse projeto quanto pelos seus paradoxos atrelados, muitas vezes, às
(im)possibilidades de articulação entre consciência de classe, educação política e esporte.
O capítulo, por razões de organização e compreensão, está divido em três momentos que
correspondem às fases da trajetória da Federação. As divisões são mero recurso metodológico
e não têm a finalidade de fixar datas e períodos específicos. Elas representam o início dos
trabalhos do PCB sobre a juventude e o esporte, ainda no final dos anos de 1920; na
seqüência, entrando nos anos de 1930 aproveitamos um período em que a FJCB realizou
avaliações e autocríticas à linha de trabalho realizada até então e, por fim, um momento em
que a Federação, sob repressão e grandes dificuldades, revisou mais uma vez sua política de
trabalho no terreno esportivo em direção a um desfecho, no final do qüinqüênio da década de
1930.
100
3.1 DO INÍCIO ÀS POSSIBILIDADES: OS PROJETOS DE
PROLETARIZAÇÃO DO ESPORTE
Nosso esporte proletário tem um caráter de massas, de classe,
anti-militarista, anti-imperialista. Devemos realizar uma luta
enérgica para a sua legalidade, isto é, pelo funcionamento livre.
Porém, enquanto nossa influencia não permite forçar a
burguesia a respeitar seu livre e publico funcionamento, nosso
dever é organizar o movimento esportivo ‘legalmente’
assegurando as ligações com as amplas massas esportistas.
329
É em geral muito desenvolvido o sport no Brasil, não havendo,
entretanto, ainda uma linha de demarcação entre sport burguez
e sport proletario. Existe, em quasi todo o Brasil, uma grande
quantidade de pequenos clubs constituídos numa quasi
totalidade de proletarios, principalmente jovens.
330
A reunião de jovens militantes, até 21 anos, no PCB recebeu o nome de JC e teve um
importante papel na renovação de quadros da militância e na perpetuação da doutrina do
Partido. No Brasil, a primeira experiência comunista com a organização de jovens em torno
das causas comunistas aconteceu em 1927 com a fundação, em de agosto, da FJCB. Nos
primeiros anos da sua existência, figuras singulares na história do PCB, entre eles Leôncio
Basbaum, desempenharam importantes papéis para sua organização, sustentação e direção de
uma linha de trabalho.
O curso da FJCB na história do movimento operário brasileiro está registrado em documentos
de circulação interna, como relatórios, circulares, resoluções de congressos, cartas entre
membros da Federação, além de um jornal intitulado O Jovem Proletário, que foi, durante
algum tempo, seu porta-voz e seu órgão de classe.
331
De maneira geral, durante toda a
existência da FJC (1927-1935) ficou registrado um intenso movimento entre períodos de
entusiasmo e de dificuldades extremas para a realização de seus planos, metas e objetivos de
organizar e auxiliar a massa juvenil em torno dos seus direitos e reivindicações. A busca pela
criação não somente de uma base jovem e educada sob os princípios políticos do PCB, mas
também o esforço de mobilizar operários em torno da causa comunista o hesitou em usar o
329
RESOLUÇÃO DO PLENO do Comitê Central da Federação da Juventude Comunista sobre a situação do
país e sobre a situação e tarefas da Juventude Comunista do Brasil, sem data. p. 3.
330
SOBRE A QUESTÃO esportiva. Teses do 3º Congresso do PCB, 12 fev. 1929.
331
O Jovem Proletário circulou durante toda a existência da Federação (com interrupções), entretanto só
encontramos exemplares desse jornal referentes aos anos de 1928 e 1934. Trata-se de três meros especiais
dedicados a Lênin, no ano de 1928, e um número no ano de 1934, todos localizados no CEDEM.
101
esporte, fenômeno de grande inserção no meio proletário,
332
na disputa pelo poder político e
no auxílio ao confronto de classes. O que foi, então, a FJC e seu projeto de reunir e formar
jovens trabalhadores através do esporte de classe? Não se deve pensar que tudo foi ufanismo,
conforme admitiu o secretário da FJC: “[...] temos o prazer de poder dizer-lhes que temos
trabalhado na medida das nossas forças e que temos conseguido alguma coisa”.
333
A criação da JC no Brasil seguia uma demanda externa ditada pela IC que sujeitava todas as
organizações comunistas juvenis filiadas ao Partido ao Comitê Executivo da IC, segundo o
art. 35 do seu Estatuto.
334
Em 1925, o PCB, após seu reconhecimento pela IC no ano anterior,
realizou seu Congresso, decidindo criar a JC no Brasil. Até esse momento, a JC era uma
questão marginal nas questões do PCB, mas a partir desse congresso, passou a merecer grande
destaque.
335
Mesmo quando da sua fundação, formalizada em 1927, relata Leôncio
Basbaum
336
, a FJC ficou por algum tempo existindo no papel. Basbaum conta ainda que,
quando da sua nomeação como encarregado do Setor Juvenil do Partido, no mesmo ano, a
Federação ainda estava ociosa. O primeiro Comitê Regional (CR) da JC nasceu em
Pernambuco, na ocasião de uma viagem que Basbaum fez para Recife aconselhado por
Astrogildo Pereira, pois “[...] já era tempo de que o partido organizasse uma Juventude
Comunista, como havia em outros países”.
337
Chegando a sua terra natal com essa tarefa em
mente, Basbaum, procurando membros do Partido, encontrou-os quase todos em bairros
periféricos de Recife.
338
Segundo esse jovem estudante de medicina encarregado de organizar
a JC, esse “retrato do Brasil” impossibilitava-o de compreender como essas pessoas poderiam
viver naquele estado de miséria e previa dificuldades para desenvolver o trabalho. Mas ele foi
adiante:
[...] durante dois meses, passei a freqüentar três vezes por semana aquele Bairro [de
Afogados, no Recife], procurando interessar os meninos e rapazes nas tarefas que
me haviam sido designadas. Não era fácil enfiar problemas políticos na cabeça
deles, mas alguma coisa consegui. Compreendi que era preciso primeiro uni-los em
torno de alguma coisa: o mais prático era organizar times de futebol. Uma vez
332
Principalmente o futebol. Pereira (2000) capítulos 2 e 3 e Franzini (2003), capítulos 2 e 3.
333
CARTA ao Secretariado da Organização do KIM, Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1928.
334
ABREU, Ricardo. 75 anos de fundação da Juventude Comunista do Brasil. Princípios, São Paulo, n. 67.
2003. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/museu/principios/anteriores.asp?edicao=67&cod_not=212>.
Acesso em: 17 out. 2006.
335
CARONE, 1989, p.125.
336
BASBAUM, 1976.
337
Ibid., p. 42.
338
Ibid., p. 43.
102
reunidos, alguma preleção sobre a Rússia e a diferença entre a vida deles e a vida na
Rússia, dentro do Socialismo. Aos poucos a inteligência deles parecia despertar.
339
Somente mais tarde é que a FJC se organizaria nos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo,
onde ganhou expressão, e em outros estados da Região Nordeste, Sudeste e Sul do País. Foi
nesse espírito que alguns jovens comunistas ligados ao Partido e orientados por ele criaram
uma direção provisória, em abril de 1927, composta por Leôncio Basbaum, Manuel Karacik
(também estudante de medicina e amigo de Leôncio) e Francisco Mangabeira (proveniente de
uma família baiana influente na política e editor da revista Cultura). Em poucos meses essa
direção recebeu mais de cem inscrições de jovens operários com idades entre 15 a 19 anos.
340
Em agosto do mesmo ano formalizou-se a existência da JC na sede da UTG.
341
Sua primeira
direção nacional, que duraria até 1929, por ocasião do I Congresso da JC, era formada por
quatro operários e três estudantes (Leôncio, seu irmão mais novo, Artur, e Manuel
Karacik).
342
A partir da sua formalização, a FJC avançou rapidamente na organização dos jovens operários
em torno de suas reivindicações e conquistou o apreço internacional quando foi aceita pela
IJC, o KIM, que ofereceu uma bolsa de estudos de três anos a um jovem operário brasileiro na
Escola Leninista em Moscou. A FJC, com o objetivo de ser uma organização juvenil de
caráter nacional, deveria seguir a linha política do Partido, cuja
[...] ação se limitava a recrutar jovens nas fábricas e nas empresas ou no comércio, e
mesmo nas escolas superiores, naquela faixa de idade, mantê-los unidos em torno de
atrações de toda ordem como esportes, teatro, festinhas, piqueniques, fazer
propaganda de nossas idéias marxistas e prepará-los para serem bons comunistas.
343
A ação da FJC endossou as atividades do Partido nas questões educativas e na formação da
militância juvenil. Segundo Basbaum,
344
as tarefas da JC consistiam em fazer propaganda do
Partido, da Rússia e do socialismo em geral, vender A Classe Operária, distribuir panfletos,
manifestos nas portas de fábricas e ofertar cursos teóricos. Para Guiraldelli Jr,
345
as atividades
culturais e esportivas da FJC foram uma base educativa importante para o meio operário,
339
BASBAUM, 1978, p. 43.
340
BASBAUM, 1978; DULLES, 1977.
341
Segundo a Correspondência Juvenil Latino-Americana, de Janeiro de 1929 (apud CARONE, 1979, p. 544), o
esporte proletário teve início com a UTG, em 1927, na organização do seu departamento esportivo que, nessa
primeira tentativa, fracassou.
342
DULLES, John. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
343
BASBAUM, op. cit., p. 47. Nota 132.
344
Ibid., p. 39-40.
345
GHIRALDELLI Jr., Paulo. Educação e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1987. p. 157.
103
oferecendo desde subsídios para formação militante e combativa até, segundo Basbaum,
346
a
educação mais elementar, como foi o caso de alguns membros da Juventude que conseguiram
alfabetizar-se no desenrolar das atividades da organização da Federação.
A criação da FJC no ano de 1927, após tentativas fracassadas, aconteceu em um momento
oportuno. O surgimento de uma organização juvenil e de uma política esportiva comunista
esteve vinculado ao período de ascensão que o PCB viveu na luta operária de ampla agitação
de massas, conseguindo, segundo Carone,
347
engendrar tarefas complexas e novas formas de
ação. Foi o caso da política de Frente Única
348
e da proletarização do esporte, que serviu para
o PCB ocupar espaços mais amplos e lidar com segmentos sociais e políticos diversificados.
A tática de Frente Única desempenhou
[...] um papel de summa importancia no desempenho das lutas de massa. [...] A FJC
do Brasil deve comprehender que sem a aplicação da táctica da frente única ella não
poderá transformar-se na organizadora e directora dos combates de classe da
juventude explorada e opprimida. Existem formas permanentes de frente única e a
federação deve desenvolvel-as em seu trabalho diário. As principais são: as secções
juvenis dos syndicatos, os clubs esportivos operarios, o socorro vermelho, etc.
349
Paradigmático foi a fundação do Centro de Jovens Proletários do Brasil, em 15 de novembro
de 1928, na cidade do Rio de Janeiro,
[...] agrupando todos os jovens trabalhadores do Rio de Janeiro e arredores, sem
distincção de sexo, côr, nacionalidade, profissão, credo político ou religioso, tendo
por fim promover entre os seus associados uma educação cultural, artística,
desportiva e política.
350
As atividades culturais consistiam na criação de bibliotecas, promoção de conferências,
palestras, cursos e alfabetização. Sobre os fins artísticos, o Centro dedicou-se à formação de
um corpo teatral, ao ensino da música e à organização de festivais. Suas tarefas políticas não
se diferenciavam das atividades de militância em voga. Na questão esportiva, os trabalhos
consistiam na organização de quadros dos mais variados esportes, de festivais esportivos, de
346
GHIRALDELLI Jr., Paulo. Educação e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1987. p. 157
347
CARONE, 1989.
348
Para maiores informações sobre a tática de Frente Ùnica consultar Carone (1989), especialmente entre as
páginas 175-177.
349
TESE do Bureau Sul-Americano da Internacional da Juventude Comunista, sem data, p. 33.
350
ESTATUTOS do Centro de Jovens Proletários do Brasil. Rio de Janeiro, 1929. p. 3. Grifo original.
104
excursões “[...] com o fim de incentivar o gosto pelos esportes e para maior progresso
desportivo contribuir para a fundação da Federação Desportiva Operária do Brasil”.
351
A FJCB definiu-se então, nas palavras do Bureau Sul-Americano da Internacional da
Juventude Comunista (BSA da IJC), como
[...] uma organização politica de massas e de combate, subordinada à linha política
do PC que luta sob a direcção deste pela applicação de sua linha dentro do sector em
que actua – dentro das amplas massas juvenis exploradas e opprimidas das cidades e
dos campos.
352
Um militante da Juventude Comunista, assim a definia: “[...] uma organização auxiliar do PC.
Tem por fim educar, organizar, conduzir as lutas das massas juvenis na linha de classe do
Partido. Tem de prepará-las para a direção de amanhã”.
353
Na condição de organização
subordinada ao Partido, ela viveu e sofreu com as idas e vindas da política brasileira e da IC.
Assim foi que, a partir de 1928, em plena ilegalidade, sofrendo com a repressão legislativa,
mas com alguma experiência na mobilização entre os operários, a FJCB conseguiu montar
organizações regionais em algumas cidades dos estados do Rio e Janeiro, de São Paulo, do
Espírito Santo e do Rio Grande do Sul. Leôncio Basbaum, o então Secretario-Geral do FJCB,
escreveu uma carta à IJC fazendo uma breve avaliação do que foram os trabalhos da
Federação até aquele momento e deu detalhes da preparação para o Congresso da JC que
aconteceria no ano seguinte e elegeria uma direção para a Federação um pouco diferente da
formação provisória. Em tom de entusiasmo, afirmou-se que a organização do congresso
estava em pleno desenvolvimento: “[....] vamos penetrando nas fábricas e augmentando o
numero de nossos adherentes, 90% dos quaes são operarios. As nossas cellulas teem
trabalhado regularmente”.
354
Adotando a mesma organização do Partido, a Federação tinha células, comitês regionais e
comissões internas, encarregadas de canalizar e organizar diferentes assuntos e discussões.
Foram, basicamente, as seguintes comissões: de organização, de agitação e propaganda,
antimilitarismo, antiimperialismo e esporte. Nas Teses do Congresso do PCB, realizado no
final de dezembro de 1928, encontramos a questão esportiva pela primeira vez sistematizada
351
ESTATUTOS..., 1929. p. 3. Grifo original.
352
TESE ..., sem data, p. 3.
353
ÁLVARO. Federação de massa, federação de classe. Boletim Interno da Juventude Comunista, n. 2, p. 3, dez
1930.
354
CARTA...,1928.
105
nos debates de um evento de grande importância para o movimento comunista brasileiro. As
Teses concordavam que o esporte no Brasil se encontrava muito desenvolvido e que havia
uma grande quantidade de pequenos clubes. Tratava-se dos chamados clubes de rua ou de
esquina, a respeito dos quais as Teses diziam: “[...] não têm ideologia proletária e se
desinteressam por completo das questões econômicas e políticas, que lhe dizem respeito”.
355
Havia ainda uma outra dimensão desse envolvimento dos operários com o esporte: eram os
grandes clubes das ligas burguesas que atraíam “[...] uma grande quantidade de operários
jovens e adultos, creando neles uma mentalidade sportiva sem distincção de classes”.
356
Esses
dois universos, de realidade tão diferentes, integravam um quadro único de diretivas do PCB e
da FJC para o esporte.
A intensificação dos trabalhos da JC em tarefas preponderantes, como na luta antimilitarista,
antiimperialista e em organizações esportivas, decorreu das palavras de ordem “luta, educação
e distração”.
357
As tarefas da JC deveriam pautar-se, entre outras pontos, na necessidade de
ampliar as organizações de massas, principalmente esportivas e culturais, como, por exemplo,
o Centro de Jovens Proletários. Era patente a importância do esporte para a JC:
Considerando que o sport ainda é o maior attrativo para a organização,
principalmente dos jovens proletários, devemos intensificar a luta pelo sport
proletario, afim de crear nelles uma ideologia essencialmente proletaria, de luta de
classes e subtrahil-os à influencia patronal.
358
Mas a direção desse movimento pareia ter sido uma via de mão dupla: se foi a JC que
ofereceu subsídios ao desenvolvimento dos esportes ou se foi este que possibilitou engajar
politicamente a juventude proletária, a resposta dependeria do contexto em questão. Gounot
359
sugere que em 1921 em Moscou, na ocasião dos debates sobre a criação de uma internacional
esportiva revolucionária, a fascinação crescente que o esporte exerceu sobre a juventude
operária depois da Guerra Mundial na Europa ajudou a convencer alguns delegados da IJC
da necessidade de levar em conta esse campo de ação educativa. Já em meados dos anos de
1920, ainda na Rússia, Gounot
360
mostrava que o processo de bolchevização da IVS criou sua
submissão aos interesses políticos da IC, da União Soviética e do esporte soviético,
355
SOBRE A QUESTÃO esportiva. Teses do 3º Congresso do PCB, 12 de fevereiro de 1929.
356
Ibid.
357
SOBRE A JUVENTUDE Comunista. Teses do 3º Congresso do PCB, 12 de fevereiro de 1929
358
SOBRE A QUESTÃO ..., op. cit. 1929. Nota 355.
359
GOUNOT, 1994, p. 236.
360
Id., 2001, p. 27 e 35.
106
transformando-a em uma ferramenta do PC Soviético e da sua política externa. No Brasil, a
organização da juventude proletária em torno da Federação estimulou a organização do
desporto proletário. É o que se pode deduzir da Correspondência Juvenil Latino-Americana
sobre a Organização Juvenil Comunista que dizia: “[...] os clubes têm sido organizados ao
calor da Juventude Comunista”.
361
Em contrapartida, o esporte foi o elemento que permitiu à
Federação aglutinar a juventude nas suas causas políticas, como sugeriu a citação de Leôncio
Basbaum sobre a criação de um CR da JC em Recife. Isso significa que, em nosso País, a
relação entre disputas políticas, comunismo e esporte não teve somente um momento
preponderante, mas, sim, idas e vindas nessa dupla via, pois, antes mesmo de adentrarmos os
anos de 1930, veremos que a organização esportiva proletária viveu esse dois momentos, além
de transitar de uma ampla mobilização de massas que agrupava jovens sem distinção de credo
político
362
para uma linha mais inflexível da proletarização do esporte.
O Congresso do PCB foi um marco na história da política do Partido porque, segundo
Vinhas,
363
foi a resposta mais articulada que os comunistas produziram naquele período sobre
o caminho da revolução do Brasil e a tática a ser adotada. Ocorrida pouco antes do Congresso
da JC, essa reunião do Partido aprovou uma resolução estipulando a aceitação pela JC das
suas resoluções. E, se no Congresso do PCB o esporte foi ponto de pauta, ele seria também
tema corrente na JC. Foi nesse momento que a Federação assimilou as seguintes tarefas:
necessidade de bolchevização do Partido, fortalecimento da JC e adaptação às resoluções da
5ª IJC (ocorrida em 1928), que incluía a criação de seções juvenis nos partidos.
364
O Congresso da FJCB,
365
realizado em janeiro de 1929, teria também fundamental
importância nos objetivos agregadores/amalgamadores da Federação, primeiro porque
marcaria a atividade política da JC como entidade dentro do PCB, e segundo porque provaria
o relevante papel da juventude no movimento operário comunista, promovendo-a como
agente político: “Desse modo o operariado em geral começa a compreender a importância da
juventude”.
366
361
L.G. A organização juvenil comunista. Correspondência Juvenil Latino Americana, enero 1929 apud
CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1979. p 544.
362
ESTATUTOS ..., 1929.
363
VINHAS, Moises. O partidão: a luta por um partido de massas (1922-1974). São Paulo: Hucitec, 1982.
364
RELATÓRIOS dos trabalhos apresentados ao 1º Congresso da Federação da Juventude Comunista do Brasil,
26 mar. 1929.
365
Estavam presentes oito zonas (Rio Grande do Sul, São Pauo, Santos, Ribeirão Preto, Sertãozinho, Vitória,
Pernambuco, Rio de Janeiro e Niterói), dezessete delegados (sendo três do partido e um do secretariado).
366
CARTA ao Secretariado da org KIM, 7 de dezembro de 1928.
107
Fato é que a JC cresceu muito depois desses dois eventos, assim como o Partido, segundo
Basbaum,
367
e os representantes da JC estavam muito animados e envolvidos em grandes
atividades. Apesar dos problemas e dificuldades que o Partido começava a enfrentar,
decorrentes do questionamento da política de Frente Única, a JC estava mais forte numérica e
politicamente. Já vivendo esse entusiasmo, o secretariado da JCB, em carta ao IJC, relatava os
planos:
Fundamos um comitê pró-Federação Nacional do Sport Proletario com
representantes de vários Estados [...]. Há muitas possibilidades de dentro de um mez
organizarmos a Federação aqui no Rio de Janeiro. Vamos pedir instruções ao
Sportintern [Internacional Esportiva Vermelha] e ao Secretariado Sul Americano.
368
Nesse clima de entusiasmo, a Federação concentrou suas forças em dois grandes projetos: o
investimento no Centro de Jovens Proletários (já mencionado), “organização cultural,
artística, desportiva e política legal”,
369
e o Comitê Pró-Federação Nacional dos Esportes
Proletários. Esses projetos, se concretizados, seriam, sem dúvida, expressões do
estabelecimento de uma organização esportiva proletária no Brasil.
O relatório dos trabalhos do 1º Congresso da JC apresentou a lista de temas, na ordem do dia,
que continha, entre outros tópicos, a eleição para a comissão desportiva e a discussão sobre o
esporte e a organização de massas: o esporte presente tanto como assunto de primeira
importância quanto como tarefa auxiliar na mobilização das massas. Pelo relatório do
Congresso seria notável que a JC se encontrasse em crescimento, em organização,
funcionando. Basbaum, que acabava de chegar do congresso da IJC, confirmou, tanto em seu
livro de memórias quanto em seu relatório, a adesão da FJCB à IJC.
370
Mas a realidade
brasileira apresentava obstáculos ao desenvolvimento da JC. As vinte e cinco células da FCJB
eram, de acordo com o relatório, organizações muito novas. O relatório admitia a existência
de uma consciência revolucionária destituída, no entanto, das mais elementares noções
teóricas.
371
367
BASBAUM, 1976.
368
CARTA ..., 1928.
369
ESTATUTOS..., 1929.
370
BASBAUM op. cit, p. 60. Nota 132; RELATÓRIOS..., 1929.
371
RELATÓRIOS..., 1929. p. 1.
108
Se a cada avanço da Federação havia um novo obstáculo, foi necessário desenvolver tarefas
pragmáticas para organizar a juventude: seguindo o rastro do PCB e copiando seu modelo de
organização, foi preciso, no entanto, “[...] adaptar os trabalhos das células da JC à
mentalidade juvenil”.
372
“[...] luta, educação e distração devem ser as palavras em torno das
quaes devemos orientar a nossa actividade”.
373
Essa era a repetição das diretivas do 3º
Congresso do PCB para a Federação. Aliás, a estratégia utilizada por Basbaum em Recife,
quando encarregado de lá fundar a JC, talvez não tenha sido ao acaso.
O relatório do Congresso registrava: “Como se pela ordem do dia, três assumptos foram
tratados em detalhe, pela sua extrema importância para o movimento da juventude: sports e
organização de massa; syndicatos e lucta economica; trabalho anti e perigos de guerra”.
374
No
que nos interessa de imediato, a questão esportiva pareceu caminhar em bom
desenvolvimento quando a palavra de ordem era a inauguração da Federação Nacional de
Esportes Proletários (FNEP). A estratégia foi “[...] continuar a creação de secções sportivas
nos syndicatos, que tem dado bons resultados e nosso controle nos pequenos clubs de ruas ou
esquinas”.
375
Quanto ao esporte, o Congresso redigiu um relatório especial, o relatório do encarregado
esportivo do JCB. Nele podemos acompanhar uma análise detalhada do que foi o
desenvolvimento do esporte burguês, a perda de terreno pelos comunistas e também o
caminho que os jovens, membros da Federação, escolheram para viabilizar os planos de
proletarizar o esporte. O encarregado esportivo, Russildo Guimarães, adotando as resoluções
da IJC ,escreveu:
Para combater as grandes organizações capitalistas [...] Para combater as
organizações pequeno-burguesas [...] é que a Juventude Communista resolveu o
seguinte: fundar em todos os syndicatos secções sportivas as quaes se acham em
bom funcionamento. As secções são as que seguem: U. dos O. em Bebidas, F. Club
UTG, Sport Club, Mobiliaria Sport Club, Regional Sport Club, Sapateiro Sport
Club, Cosmopolita Sport Club.
376
372
RELATÓRIOS..., 1929, p. 2.
373
Ibid., p. 2.
374
Ibid., p. 2.
375
Ibid., p. 2.
376
RELATÓRIO do Encarregado Sportivo da Juventude Communista do Brasil. Relatório dos Trabalhos do 1°
Congresso da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 26 mar. 1929.
109
Como o relatório deixa ver, havia mesmo a inserção comunista em clubes esportivos
operários, o que cumpria a tarefa de mobilizar trabalhadores para a prática do esporte
proletário. O balanço das conquistas da Federação confirmou que a reunião de operários em
torno de atividades esportivas de classe era um fato, pois o relator atestou:
Os festivaes sportivos proletarios, organisados pela vanguarda do proletariado
podem-se contar pelas victorias que estes representam para os trabalhadores
conscientes do Brasil. O primeiro que se realisou no dia 16 de setembro de 1928 foi
um magnífico festival, puramente operario; a elle compareceram vários pequenos
clubs e todos os departamentos sportivos dos syndicatos. Ao contrário do que se
passa entre os burgueses, estes acontecimentos realizou-se sob a melhor das ordens
revestindo-se de um tal brilho-esplendor que marcou para o proletariado do Brasil
uma das maiores victorias.
377
Os relatórios prosseguem detalhando a agregação de clubes e de sócios. Diante de tal
crescimento, ficou decidido, então, que os objetivos da Federação após a reunião do 1º
Congresso seriam, entre outros:
[...] desenvolver ao máximo possível todos os departamentos sportivos syndicais,
manter estreitas as relações com os camaradas dos estados afim de encentival-os a
cumprirem as resoluções approvadas, fundar quanto antes a federação dos sports
proletarios do Brasil, conquistar 150 pequenos clubs proletarios que estão sob a
influencia pequeno burguesa.
378
Promover excursões proletárias e tudo que concerne
ao sport. Incentivar os festivais de confraternizações que estiverem sob a nossa
influencia. Enfim, uma serie de tarefas accessivel aos trabalhadores e outras
resoluções que poderão concorrer para o maior desenvolvimento do sport
proletário do Brasil.
379
O relatório do encarregado esportivo era valioso porque, além de apontar os caminhos
percorridos para alcançar os objetivos pretendidos pela Federação trazia também uma
avaliação de sentidos sobre as atividades operárias e as conquistas da Federação.
Cinco meses após o relatório do Congresso da FJCB Leôncio Basbaum e Garcia (novo
encarregado do setor de esportes), em carta ao Secretariado Sul-Americano da IJC,
comunicaram o andamento do trabalho esportivo da Federação. Essa nova avaliação realizou
um balanço da situação nacional do esporte dirigido pelos comunistas. O Secretariado relatou:
A organização esportiva aqui acha-se em situação até um certo ponto regular.
Constituímos uma Comissão Nacional de Esportes [...] que desenvolve
377
RELATÓRIO do Encarregado Sportivo da Juventude Communista do Brasil. Relatório dos Trabalhos do 1°
Congresso da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 26 mar. 1929.
378
Esses devem ser clubes de fábrica ou de bairro que recebem apoio de fábricas/patrões.
379
RELATÓRIO ..., 1929.
110
satisfatoriamente todo o trabalho político, theorico e praticamente, sempre de acordo
com as nossas directivas, localizados no Rio de Janeiro.
380
A carta seguiu dando notícias de Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo além de uma
descrição detalhada do funcionamento de cada uma das Federações fundadas, relatando
dificuldades, número de associados, tipos de atividades e esportes oferecidos. A Carta dizia:
O esporte proletário no interior promete bastante, estão criados comitês locais em
diversas regiões devendo ser desenvolvidos na medida do possível; no Rio Grande
do Sul fundou-se a Federação dos Desportos Proletários do R.G. do Sul. com sede
em Pelotas (capital) na conferência realizada em 11 de março do corrente ano,
contando com 11 clubes aderentes, disputando o campeonato e sendo dirigida pelo
respectivo encarregado esportivo regional da JC auxiliado por alguns companheiros
militantes, porém, aagora, sem ideologia, não sendo difícil fazel-os ingressar em
nossas fileiras pois são bem dedicados.
Em S. Paulo. fundou-se a Federação Operária Esportiva de Santos (principal porto
do país) em 12 de dezembro deste anno, possui um bom número de adherentes,
faltando orientações práticas aos camaradas que constituem o comitê provisório, que
receiam perder a direção da Federação. que por esse motivo ainda não deu início ao
campeonato.
No Rio fundou-se a Federação dos Esportes Proletários do Rio de Janeiro, na
Conferência Regional dos Pequenos Clubes, realizada em 27 de março e 4 de abril
data da fundação sua direção é comunista, a maior parte dos dirigentes são
membros da Comissão Nacional de Esportes, camaradas bem experimentados e
regularmente conhecedores da organização esportiva proletária, mas por falta
absoluta de capital necessário que possa desenvolver a F.E.P. do R. de Janeiro, ainda
não começou o campeonato estando paralisada, assim como em Santos, o que muito
nos atraza.
A reação desencadeada no Rio difficultou, ainda mais, a marcha da federação, que
graças a iniciativa dos nossos camaradas que a dirigem, já tinham conseguido a
confecção do material necessário para o início do campeonato; A okrana
381
desenfreada invadiu a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, onde se achava
localizada a Federação E. P. [esporte proletário] do R. de Janeiro, levando todo o
material (restando apenas o livro de actas da fundação e algumas folhas de papel de
cartas que se achavam em poder do secretario geral da FEP para correspondência.
Atualmente lutamos aqui para registrarmos os estatutos da F.E.P. do Rio a fim de
melhor nos ajeitarmos (devido à reação) porém a burocracia burgueza exige grande
dispêndio monetário e os nossos clubes são verdadeiramente pobres e muito
sacrifício estamos fazendo para tal conseguir.
A F.E.P.[Federação de Esportes Proletários] do Rio tem vinte clubes aderentes
genuinamente operários, sendo (praticamente) regularmente desenvolvidos
possuindo dentre eles, além do futebol, basquetebol, pingue-pongue, athletismo
ligeiro, arte cênica e seção feminina, embora que vivendo com dificuldades.
382
380
CARTA do Secretariado do Comitê Central da Federação da Juventude Comunista do Brasil ao Secretariado
Sul-Americano da Internacional da Juventude Comunista, 5 agos. 1929.
381
Polícia política.
382
É importante notar alguma variedade das práticas esportivas ofertadas pelas organizações operárias, o que
indica que o futebol não foi o único foco das iniciativas comunistas pelo esporte.
111
As frações comunistas existem aqui no Rio nos clubes sindicais, e nos clubes locais,
contamos um bom número de simpatizantes. Em Santos somente existe o comitê
provisório, sendo bastante necessário enviarmos para um instructor, pelas razões
de dificuldades financeiras, (como citamos) ainda não pudemos enviar um da
Comissão Nacional de Esportes para esse fim. No Rio Grande do Sul, existe
somente um jovem que é o Secretário Geral contando também um número de
simpatizantes que o auxiliam.
O movimento esportivo sindical, aqui no Rio, é bom contamos oito clubes que
aguardam a palavra de ordem da Federação. Muitos são os clubes de oficinas,
fábricas. uzinas etc.. Uma grande parte está com dirigentes pequenos burguezes e
com o patronato, esperamos o desenvolver da Federação para arrastal-os. porque
uma boa parte dos jogadores são sócios dos sindicatos.
383
Como semelhante análise se realizaria em 1935, essa carta mereceu uma longa citação
porque é expressão de um momento singular na Federação. A sua peculiaridade está na
riqueza dos dados e no tom otimista (mesmo que contido) das realizações e promessas da
Federação. A despeito das contrariedades (repressão, falta de recursos financeiros e teóricos,
etc), a JC contabilizou vinte clubes no Rio de Janeiro e onze no Rio Grande do Sul, além dos
chamados “simpatizantes”, clubes sindicais e de bairro. Esse dois fatores expressam, em
alguma medida, que esse era um momento, se não positivo, ao menos de crescimento para a
Federação, no qual ela avaliou os resultados de dois anos de trabalho acumulado e, pela
primeira vez, os publicou em documento timbrado da Federação dos Esportes Proletários do
Rio de Janeiro (FEPRJ) para conhecimento das instâncias internacionais do movimento
comunista. Pelos acontecimentos que seguem após 1929/30, tal carta talvez seja mesmo,
como arrisca Santos
384
, o ponto máximo da organização dos esportes que chegaram os
comunistas no Brasil.
Ainda em outubro de 1929 aconteceu o Pleno do Comitê Central da FJCB, na seqüência do
Pleno do PCB, que, na esteira do entusiasmo das conquistas da Federação, trouxe grandes
expectativas de novas adesões. Esse Pleno, cumprindo uma importante função política, qual
seja, “[...] de organizar a Federação numa hora extraordinariamente séria para a vida do
Partido decorrente das tensões colocadas para a cena política brasileira”,
385
lançou uma
palavra de ordem:
[...] fortificação do trabalho de base e um intenso recrutamento concretisado na
palavra de ordem: mil adherentes até 1 de janeiro de 1930. Claro está que esta
palavra de ordem não manifesta apenas a nossa vontade de augmentar os effectivos
383
CARTA..., 1929.
384
SANTOS, 2000.
385
CIRCULAR sobre o 2º pleno da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 25 out. 1929.
112
da nossa organização nem apenas a necessidade de fazel-o, mas também a existência
de condições concretas que o permittem.
386
O ano de 1929 foi um período de crise e de tensões internas para o PCB, em que o debate
sobre os “desvios de direita” começou a aparecer nos documentos da JC, mas a Federação não
recuou e se propôs metas ambiciosas. Foi preciso tomar medidas de acordo com a demanda da
situação. Assim, a Comissão de Organização do Pleno atribuiu tarefas a cada região e zona,
visando fortalecer a Federação para uma futura radicalização das disputas. Sendo a tarefa
grandiosa, os trabalhos esportivos realizados até então foram avaliados com esse parâmetro e
deste modo:
[...] fizeram várias críticas ao trabalho esportivo que vinha sendo feito, trabalho de
superfície sem instruir as cellulas de como se deve realizar o trabalho desportivo de
base isto é de formação e de penetração nos pequenos clubes de esquina. As
decisões do nosso congresso devem ser cumpridas principalmente a palavra de
ordem de Confederação Nacional do Desporto Proletario para meados de 1930 isto
é, pouco antes da realização da Spartakiada Latino-Americana. Todas as regiões e
zonas devem ter como a mais importante tarefa de organização de massa da
juventude das fabricas e principalmente dos campos a organização da Federação
Regional Desportiva.
387
O que se nota nos trabalhos esportivos da FJCB no final do ano de 1929 é a ênfase no
trabalho de base, ou seja, na mobilização dos clubes de bairro, “de esquina”, já que a
Confederação Nacional do Desporto Proletário ainda não se havia constituído. As condições
de possibilidade para a concretização dos objetivos traçados pela FJCB nesse momento
fixaram-se em dois pontos/argumentos: na fórmula, que veremos muitas vezes repetida nos
documentos, de que a miséria e a situação de tensão política em que se achavam o
proletariado e, em especial, a juventude inspiravam um movimento revolucionário; e na
disposição natural da juventude para o esporte. O projeto de proletarização do esporte
englobou os dois argumentos.
A partir de 1930, podemos observar nos documentos da JC que a palavra de ordem de
“proletarizar o partido” havia alcançado a Federação da JC. Tratava-se da política de classe
contra classe (proletariado contra burguesia) colocada em 1928 pela IC em detrimento da
Frente Única, que antes foi concebida como um movimento de ampla agitação das massas,
mas se tornou sinônimo de política de aliança com a pequena burguesia. Essa linha de classe
386
CIRCULAR..., 1929. Grifo original.
387
Ibid.
113
do movimento comunista “que desde o começo foi mal entendida”, segundo Basbaum,
388
em
seu livro de memórias, contribuiu para reafirmar o uso pragmático do esporte dentro da FJC,
que privilegiava, de acordo com Santos,
389
o contexto no qual as atividades esportivas
aconteciam: faziam algumas restrições ao esporte relacionadas aos condicionantes externos:
preocupava-os o clube que os operários freqüentavam e quem o dirigia, não importando a
prática em si.
Esse movimento de proletarização do Partido, da Federação e do esporte deveria, portanto,
aproveitar o clima de radicalização das lutas operárias e, sobretudo, reforçar os argumentos
que atrelavam esporte e juventude. Esse foi um momento em que a FJC fez uma aposta alta e,
por que não arriscada, no poder de o esporte agregar jovens nas fileiras da Federação. Nesse
empreendimento, o Bureau Político da IJC lançou suas resoluções para a FJCB em 1932. O
esporte proletário apareceu nesse documento como um elemento aglutinador, como um
elemento ideal para reunir os jovens para a luta política do partido e da FJCB. Estava
definida, assim, a estratégia de uso do esporte:
Creando o movimento da juventude nas fabricas, venceremos os obstaculos da
reacção e organizaremos nossas secções juvenis nos syndicatos mais importantes.
Além disso, devendo procurar formas auxiliares de trabalho que nos permittam
manter as ligações orgânicas permanentes com as amplas massas. Dahi decorre a
necessidade de utilizar amplamente as formas de trabalho desportivos e culturaes
desenvolvidas por fabricas e localidades.
390
Foi preciso criar estratégias de permanência dos jovens nos quadros da Federação. Para a JC,
a situação de crise da economia brasileira pressionou o jogo político e o proletariado,
tornando mais aguda a sua difícil condição de vida e “Essa situação de miséria [era] a
condição subjetiva de uma nova explosão revolucionária, para onde caminhamos levados pela
grave crise por que atravessa o Brasil”.
391
Para o Bureau Sul-Americano, a radicalização das
massas era conseqüência natural do seu grau de miséria e opressão e deveria interessar à
Federação da Juventude Comunista o desenvolvimento da radicalização e o aceleramento do
seu ritmo.
392
388
BASBAUM, 1976. p. 75.
389
SANTOS, 2000.
390
TESE..., sem data. p.40.
391
RELATÓRIO Geral da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 13 jan. 1930. p. 1.
392
TESE..., sem data. p.16
114
Para a Federação, as primeiras medidas concretas visando a sua proletarização consistiram nas
decisões da VI Conferência Regional do Rio de Janeiro, ocorrida em dezembro de 1930. O
Boletim do Comitê Central da FJCB, Pery, em artigo intitulado Pela unificação da FJC,
afirmou que essa conferência foi um
[...] passo dado pela federação da juventude communista contra a ideologia pequeno
burgueza que vinha impedindo a proletarização, a independência de toda influencia
pequeno-burgueza, para transformar a nossa federação em uma federação de classe e
de massa, fazendo entrar para as nossas fileiras os jovens mais explorados [...].
393
A linha de ação que privilegiava uma “viravolta” nas ações do FJC incluía uma adaptação das
atividades da Federação à mentalidade juvenil, por isso o apelo à natural disposição da
juventude para o esporte:
A juventude em geral sente natural e grande enthusiamo pelos esportes: é próprio de
sua idade é seu direito. Devemos utilizar estas circunstancias para trazê-lo para o
nosso campo de ação, isto é, para o campo de luta contra o semi-feudalismo, contra
o imperialismo, de luta contra o capitalismo.
394
Isso não foi exatamente uma novidade, mas a Federação foi ganhando muita força no decorrer
dos anos de 1930. Após a Circular do pleno do Comitê Central da FJCB (1929), onde
estava estabelecido o objetivo de participar da Spartakiada no Uruguai, participação para o
qual o trabalho esportivo ainda era deficiente, a FJCB iniciou uma tarefa de recuperação. Esse
conjunto de tarefas, publicado no Boletim do Comitê Central da FJCB,
395
dizia ser preciso:
fortalecer os quadros dirigentes, separar o proletariado das demais classes, realizando uma
audaciosa proletarização dos seus quadros por meio de uma autocrítica sincera, e combater
fortemente todos os elementos e tendências estranhas ao proletariado dentro da Federação. E
privilegiou ainda ações, como orientar a atividade em torno das questões atrativas para os
jovens (luta econômica, educação e distração); desenvolver o do trabalho esportivo, formar
facções nos clubes operários, organizar as federações esportivas regionais e preparar a FNEP.
Pelo que se nota, a FNEP, após quase dois anos do lançamento do comitê de apoio à sua
construção, ainda não saíra do papel. As demandas políticas internas e externas ao PCB e À
FJCB pressionaram, cada vez mais, a radicalização da luta política que, por sua vez, exigiu a
concretização dos planos de mobilização do proletariado brasileiro. Em um momento
393
PERY. Pela unificação da JC. Boletim Interno da Federação da Juventude Comunista, n. 3, p. 4, fev. 1931.
394
RESOLUÇÃO..., sem data, p. 2.
395
SITUAÇÃO e tarefas da Federação. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 1, p. 5, out. 1930
115
decisivo, a FJCB adotou, então, a atitude de reavaliar as estratégias até aquele instante
empregadas e entrou em um complexo jogo de apontamento de falhas e erros, o que levará a
decisões inflexíveis.
3.2 DIFICULDADES: OS OBSTÁCULOS E O ESFORÇO DE SUPERÁ-LOS
Em todas as principais cidades existe grande quantidade de
pequenos clubes que agrupam grandes massas operarias juvenis
que a burguesia, graças a nossa passividade, controla.
396
A partir de 1930, a FJCB, segundo seus documentos, começou a dar sinais de grande
instabilidade, desorganização e graves tensões ideológicas. Como veremos, a invasão da
polícia e destruição de documentos, a política do obreirismo
397
e a repressão foram golpes que
desestruturaram o projeto de expansão e desenvolvimento da FJCB e que, conseqüentemente,
impediram o avanço da FNEP.
Em janeiro de 1930, a FJCB enviou uma carta ao Secretariado Sul-Americano da IJC,
relatando a situação da Federação e do trabalho esportivo, e informou: “De uma maneira geral
o nosso trabalho, como o do Partido, passou por uma phase de perigosa passividade. [...] Foi o
que se deu por exemplo na nossa Fed[eração], onde também soffremos da mesma
passividade”.
398
Especificamente para o terreno esportivo a situação foi a seguinte:
[...] apezar das grandes possibilidades que a situação offerece, no Rio pouco temos
feito. No RG Sul, elle se está fazendo melhorar assim com em outras Zonas como
Campos, Victória etc. Vamos tentar reabrir o Centro de Jovens, porem melhorado,
organisando pequenas succursaes nos bairros operarios em vez de uma sede no
Centro da cidade como era antes. Dessa maneiras elles offerecem grandes
possibilidades.
399
Se até o ano de 1929, a JC conheceu o crescimento mergulhada em um intenso ritmo de
trabalho, temos, então, no início do ano de 1930, passado um ano do 1º Congresso da JC, uma
396
RESOLUÇÃO..., sem data. p. 2
397
Assim chamava-se a radicalização da política determinada pelo VI Congresso da IC que, no plano da
organização interna do Partido, promoveu militantes de origem operária para cargos de direção rejeitando os
intelectuais de origem burguesa.
398
CARTA da Federação da Juventude Comunista do Brasil ao Secretariado Sul-Americano da Internacional da
Juventude Comunista, 3 jan. 1930.
399
Ibid.
116
situação ambígua na qual, por um lado, prevalecia a incapacidade, a inadequação das formas
de trabalho, mas, por outro, persistiam as afirmações de que o momento era favorável e os
relatos, otimistas, no sentido de recuperar o trabalho fracassado. Era o caso do Centro de
Jovens Proletários, que não vingou, mas ainda havia esperanças do seu crescimento. A
avaliação dos comunistas era que a FJC estava falhando, pois, apesar das possibilidades,
pouco tinha sido feito.
400
Essa situação arrastou-se durante o ano. Ainda em janeiro, Leôncio Basbaum, agora como
representante do Partido na JC, redigiu o Relatório Geral,
401
afirmando que a situação de
miséria da juventude era a condição fundamental para a explosão revolucionária e, tal como o
documento anterior, isso constituia uma das grandes possibilidades que a JC não estaria
sabendo aproveitar. Segundo esse Relatório Geral, o crescimento da JC foi de sessenta
membros em junho de 1928 para trezentos aderentes em outubro de 1929.
A situação do paiz, a radicalização das massas, os ensinamentos trazidos do V
Congresso [da IJC em 1928], o estudo das nossas condições e o traçamento de
tarefas concretas feito no nosso Congresso, transformaram por completo a nossa
organização em pouco mais de um ano.
402
Decerto transformou, haja vista a existência de células da JC funcionando no Rio de Janeiro,
em Petrópolis, Niterói, São Paulo, Santos, Ribeirão Preto, Sertãozinho, Batatais, Campos,
Porto Alegre, Vitória, Recife, Fortaleza, entre outras cidades. Mas, como o momento remetia
à avaliação do trabalho construído até então, o Relatório Geral deteve-se em dissertar sobre as
possibilidade e dificuldades da Federação, especialmente sobre a eficácia do trabalho de
massas e do trabalho esportivo, que eram ineficientes, mas sempre passíveis de melhoria. As
palavras de ordem e de retomada dos trabalhos foram seguidas por avaliações lamentosas,
relato de obstáculos e pedidos de ajuda. O que caracterizou esse momento foi a avaliação
sistemática das dificuldades e erros que a FJC cometeu (acompanhadas de metas de
recuperação do trabalho perdido) e que concorreram para a ineficiência ou o fracasso da
mobilização da massa juvenil.
Os pontos analisados no Relatório Geral de 1930 foram: I) situação geral da classe
trabalhadora e da juventude proletária, II) organização, III) composição social e IV)
400
CARTA..., 1930.
401
RELATÓRIO Geral da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 13 Jan. 1930.
402
Ibid.
117
possibilidades e dificuldades. Foi justamente neste último tópico que a questão esportiva foi
tratada, ou seja, confirmou-se a dualidade do momento vivido pela Federação.
O esporte, assim, figurou como uma possibilidade. Ele foi “[...] para nós, na illegalidade que
nos encontramos, um dos melhores meios de organização da juventude trabalhadora”.
403
O
relator afirmava: “[seria possível] fazer dentro 6 ou 7 mezes um bom trabalho [...]. Uma
actividade bem desenvolvida e conseguiremos nosso objectivo. Mas as dificuldades de ordem
technica e econômica difficultam o nosso trabalho”.
404
As dificuldades a que o documento se
referia eram a apreensão do material da FJCB pela polícia (principal motivo pelo atraso do
trabalho), a precária comunicação com o Sportintenr (IVS), o atraso na fundação da FNEP e a
falta de recursos financeiros. Apesar disso, o esporte era o único elemento de coesão nesse
momento de adversidade.
Essa instabilidade do momento quase fez a Federação sucumbir diante de tantos problemas.
Poucos meses depois do Relatório Geral, o documento intitulado Situacion de la Juventud
Proletaria del Brazil
405
tratou, detidamente, sobre a Federação Esportiva do Rio de Janeiro e
trouxe informações pouco animadoras sobre o trabalho esportivo. De acordo com o
documento, fazia mais de um ano que se haviam iniciado os trabalhos para a criação da
Federação Regional, mas até então pouco tinha sido realizado. Quanto ao esporte em si,
apesar dos esforços acumulados, muitos obstáculos surgiram, pois, para a regularização do
estatuto e dos campeonatos, era preciso enfrentar a burocracia e pagar 200.000 réis. Metade
desse dinheiro foi arrecadada pela Federação e outra metade ficou por conta do Partido,
mesmo assim ela existiu unicamente no papel, ironizou o documento.
406
Sobre as diversas federações esportivas, o documento diz que a de Santos fechara sem que se
conhecessem as razões, mas, em Vitória, Rio Grande do Sul e Campos, havia bons trabalhos.
Em São Paulo, Sertãozinho, Ribeirão Preto e Petrópolis nada estaria sendo feito no terreno
esportivo.
407
Diante dessa situação, o PCB foi acusado porque, nas células do Partido, não
havia encarregado esportivo, não havia trabalhos práticos, nem discussão das questões
403
RELATÓRIO ..., 1930, p. 3.
404
Ibid.
405
SITUACION de la Juventud Proletaria del Brazil, sem data. Apesar de não ser datado, evidências de que
seja de meados de 1930, porque faz menção ao desejo de participação na Spartakiada Latino-Americana
realizada naquele ano no Uruguai.
406
Ibid.
407
Ibid.
118
esportivas, “constituindo umas das grandes falhas do nosso trabalho esportivo”.
408
Outro dado
pertinente foi o abandono de cargo do encarregado esportivo da FCJ, que saíra
409
da
Federação e ainda não fora substituído. Mesmo assim, pensou-se em rearticular os trabalhos
esportivos, onde havia alguma coisa, para uma “boa representação” na Spartakiada no
Uruguai.
410
A partir desse ponto, os problemas tomaram conta da FCJ.
Um mês antes da Spartakiada Latino-Americana, Casemiro (membro do PCB que estava na
Rússia), em 19 de setembro de 1930, escreveu uma carta ao Brasil reclamando da falta de
informações e comunicação sobre o trabalho juvenil brasileiro. Somente com a chegada de
Russildo (enviado a Moscou para a escola leninista) e Americo Ledo (Astrogildo Pereira) ele
soube do movimento da JC. Na carta, o autor dizia: “[...] é tempo de acabarmos com esse
regionalismo que todavia domina nossas fileiras, Necessitamos de trabalhar em estreita
colaboração com o KIM [IJC]. Em nada approveita a moléstia da estreiteza nacional de que
ainda soffremos infelizmente”.
411
Tocou ainda em vários problemas que permeavam a FJC e
que estavam presentes em vários outros documentos ao longo do funcionamento da
Federação. Parece ter havido uma denúncia de que a FJC não estava seguindo uma das
características elementares da organização comunista, a internacionalização. Esse apelo à
internacionalização pode ser entendido pelo fato de o Brasil não se ter preparado para as
Olimpíadas operárias que aconteceriam no mês seguinte e que representariam uma boa
oportunidade para fortalecer as relações internacionais entre comunistas latino-americanos, o
que, para o autor da carta, seria uma maneira de afastar desvios e oportunistas da Federação.
Parece que Casemiro repetia a crítica que tinha sido feita havia um ano no 2º Pleno do Comitê
Central da FJCB, em 1929:
[...] são nos momentos mais decisivos da luta que se acentuam os graves desvios que
tendem a perturbar a marcha revolucionária; entretanto esses desvios ainda não
constituem verdadeiras correntes, mas seria perigoso se incorressemos no grave erro
de, se pelo fato de não estarem ainda concretizadas em correntes, nós os
desprezássemos.
412
Ainda em 1930, o Boletim Interno da FJCB de outubro trouxe a notícia de que a Federação da
JC do Rio de Janeiro faria a sua VI Conferência Regional na qual seriam discutidos vários
408
SITUACION de la Juventud Proletaria del Brazil, sem data.
409
O documento deixa impreciso se foi de fato abandono ou isso se deve a viagem de Russildo Guimarães para a
Rússia e a não re-ocupação do cargo.
410
SITUACION..., op. cit. Nota 405.
411
CARTA DE CASEMIRO à Federação da Juventude Comunista do Brasil, 19 set. 1930.
412
CIRCULAR..., 1929.
119
assuntos baseados nas críticas e resoluções do Secretariado Sul-Americano e da IJC.
413
A
Conferência deveria tomar resoluções concretas sobre as tarefas das células, orientar as
atividades nas fábricas, conquistar as massas juvenis com a palavra de ordem (luta, educação
e distração) e combater todas as tendências oportunistas de resistência à linha de classe da
Federação, que foi de colocar operários nos cargos de direção. Obviamente estava em pauta
também “[...] orientar todo o trabalho para as organizações intermediárias, principalmente,
organizações esportivas, formando-se fortes nucleos communistas e augmentando nossa
influencia”.
414
Tal preocupação teve uma origem exata: as organizações esportivas burguesas
que congregavam grandes massas juvenis.
415
A partir desse período, o tom dos artigos
começou a tomar um caráter de conclamação. Foi preciso a todo custo retomar o trabalho
esportivo e colocar na ordem do dia a agregação da juventude proletária espalhada pelos
clubes burgueses.
As resoluções do Comitê Central ampliado, publicadas pelo Boletim n. 1 da Federação,
deliberaram tarefas para a FJC no artigo intitulado Situação e Tarefas da Federação, onde
encontramos uma avaliação dos trabalhos da FJCB dividida em sete tópicos.
416
Interessa-nos
aqui apresentar e discutir os tópicos II, III, IV, que tratam das dificuldades enfrentadas pela
FJCB para implementação do trabalho esportivo. Ainda que a citação seja longa, vale a pena
transcrevê-la, porque ela é expressão daquele momento em que a Federação da JC, imbuída
no clima de radicalização, apostava em um conjunto de medidas para se reorganizar. O artigo
apresenta que:
II) Até o presente momento, mesmo quando o nosso effetivo e nosso aparelho
orgânico se acham em regular desenvolvimento, a nossa federação nunca cumpriu o
seu verdadeiro papel e nem realizou suas verdadeiras tarefas.
A federação refletia os erros políticos e organicos do Partido.
a) influencia da pequena burguesia, em todos os seus quadros, principalmente os
dirigentes;
b) falta de uma política justa para a conquista das largas massas exploradas;
c) composição social dos operarios melhor pagos, não attingindo as camadas mais
miseráveis da população;
II) Afora essas falhas a federação tem toda uma série de erros fundamentaes
proprios:
1) incompreensão do verdadeiro caracter da federação como organização das largas
massas juvenis exploradas, conduzindou-as, por meio de quadro dirigentes
sufficientemente fortes, sob a linha do Partido.
2) Incapacidade de trabalho entre as massas juvenis, Não temos sabido organizar
pequenas organizações intermediarias nas fábricas, nos bairros operários, etc.
413
VI CONFERÊNCIA regional. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 1, p. 1, out. 1930.
414
Ibid.
415
Ibid.
416
SITUAÇÃO...,. 1930. p.4.
120
Egualmente não temos sabido mobilizar as massas juvenis pelas suas organizações,
tomando attitudes verdadeiramente passivas frente a reação policial contra ellas,
como nos casos dos Centros de Jovens, faz Federações Esportivas
No trabalho esportivo, depois de perdermos tempo e energias em um trabalho
burocrático, não pudemos fortalecer a nossa influencia em todos os clubs e na
propria federação sportiva, realizando um verdadeiro trabalho de conquista de
massas. Todos esses factos permittiram a rápida desorganização de nossas
organizações sportivas.
No trabalho syndical, apezar das varias organizações dirigidas pelo partido, não
temos sabido organizar secções juvenis com base nas fabricas, que representa a falta
de um trabalho pelas lutas econômicas dos jovens [...].
3) subestimação do trabalho de formação de facções nas organizações de caracter
burguez contendo jovens operarios, e que são elementos do apparato burguez para a
conquista de massas operarias juvenis. [...]
IV) a influencia pequeno burguesa sobre a Federação, tem tido papel fundamental
em nossa orientação. Essa influencia se caracteriza:
a)desenvolvimento de nosso trabalho em tarefas apenas de agitação, desligado do
trabalho de organização;
b) educação restricta a um pequeno grupo de camaradas, principalmente
intellectuaes [...]
c) incapacidade de organizar e dirigir as lutas econômicas e políticas das massas
juvenis [...]
d) passividade da direção frente as attividades opportunistas e as theorias
menchevistas de vários camaradas.
417
Esse tipo de avaliação foi ainda repetido nos boletins de número 2 e 3, respectivamente
dezembro de 1930 e fevereiro de 1931. Ficou estabelecido, então, o momento mais radical das
avaliações e atitudes tomadas pelas FJCB, quando ela levou a cabo as medidas já
implementadas no Partido embasadas no obreirismo. O que é importante destacar é que esse
discurso, segundo a FJCB, fazia parte de um movimento chamado de “viravolta”
418
da
Federação da JC que consistia na proletarização do partido, na expulsão de elementos
desviantes e, conseqüentemente, na extinção do sectarismo. Esse momento levou a Federação
a afirmar a “[...] completa desorganização das federações esportivas proletárias”
419
, o que
poderia ser até verdade se entendermos que as federações a que o autor se referia eram
aquelas “genuinamente operárias”, idealizadas sob a tarefa de convocar as massas operárias
juvenis em torno do ideal inflexível do esporte proletário e da educação política.
O ano de 1930 findou com o Boletim Interno do Comitê Central da FJCB n. 2, em dezembro,
publicando diretivas para a implantação da “viravolta” do movimento da Federação da JC e
questionando: Como garantir a linha firme e única de classe do Partido em uma
417
SITUAÇÃO..., 1930. p. 5. Grifo nosso
418
RESOLUÇÃO DO COMITÊ Central Ampliado da Federação da Juventude Comunista sobre as tarefas do
Partido Comunista Situação. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 1, outubro de 1930, p.3.
419
SITUAÇÃO..., 1930. p.4.
121
organisação de mais variadas tendências revolucionárias como a Fed. Da JC?”.
420
O artigo
Pela proletarização de nossa federação diagnosticou que fatores como a “[...] falta de
quadros proletários capazes na direção, a incompreensão da necessidade do trabalho de
conquista das massas juvenis por métodos próprios, mais vastos e mais amplos e o caráter de
grupo propagandista e sectarista”
421
eram problemas da Federação “[...] frente as tarefas
enormes e urgentes que [impunham] a situação objetiva das massas”.
Para resolver essa situação o CC iniciou, como tarefa central, a luta pela linha de
classe
422
de nossa Federação, que tem sido um linha de tendencias opportunistas
menchevistas e prestistas de toda espécie, que tem impedido a unificação e a
solidificação de quadros proletarios firmes. Uma proletarização audaciosa de toda a
direcção, uma proletarização orgânica e politica, que de ser feita:
a) discussão e crítica enérgica sobre os erros e as tendencias pequeno-burguesas
da antiga direcção.
b) Proletarização audaciosa de todos os quadros dirigentes depois de uma auto
critica enérgica
c) Discussão ampla em toda a base da federação, de todas as theorias estranhas
a nossa linha de classe, excetuando de nossas fileiras os representantes dessas
tendências [...].
423
No início, a política de proletarização no Brasil tinha apenas um sentido romântico, segundo
Basbaum,
424
significando abandonar hábitos burgueses. Entretanto, continua o autor, a partir
de 1930, essa política que pregava “menos intelectuais na direção do Partido”
425
configurou-
se num temível desvio, o obreirismo. Basbaum explica:
A proletarização era, em suma, dar ao Partido Comunista, que era um partido do
proletariado, uma ideologia proletaria, o que se devia conseguir por dois meios
principais: 1) atrair para o Partido, principalmente, operários [...] 2) levar-lhes a
‘teoria revolucionária’[...].
O obreirismo era apenas um ‘desvio’, uma incompreensão da proletarização, o
desprezo pelos aliados de classe, sobretudo pelos intelectuais, o endeusamento do
operário, em vez de lutar pela hegemonia do proletariado, copiar os modos de vida e
comportamento dos operários, principalmente os mais atrasados do ponto de vista
político.
426
Nessa época, haviam sido expulsos o próprio Leôncio, Fernando Mangabeira, os irmãos
Raul e Manuel Karacik, Benigno Fernandes Rodrigues, entre outros colaboradores e
420
ÁLVARO, 1930, p. 3. Grifo Original.
421
PELA PROLETARIZAÇÃO de nossa federação. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 2, p. 1,
dezembro de 1930.
422
Esse momento pelo qual passava a FJC resultou, como veremos posteriormente, na expulsão de alguns
membros da Federação que compuseram o quadro diretório inicial e também na imposição de um outro ritmo de
trabalho chamado de “viravolta”.
423
PELA PROLETARIZAÇÃO..., 1930, p. 1.
424
BASBAUM, 1976, p. 75.
425
Ibid., p. 76.
426
Ibid., p. 94.
122
dirigentes da FJCB, chamados de “pequenos burgueses intelectuais”, em função da política
obreirista. O mal-estar foi tal que o Boletim se viu na tarefa de publicar as novas tarefas da
Federação:
Necessitamos de um serio trabalho de educação que nos permitta a formação de
quadros e de uma ideologia politica de classe, capaz de comprehender e applicar a
linha política do Partido. Tanto o combate às tendencias extranhas à nossa classista
como a dominação de uma direcção proletária forte, têm de ser o resultado uma
intensa educação interna, acompanhada de uma discussão seria contra os
companheiros que representam esses desvios, incompatíveis com a viravolta
indicada pela IJC. [...]
É necessário que ella [política de proletarização] seja intimamente ligada com o
trabalho pratico a realizar: combate ao sectarismo, recrutamento intenso nas grandes
fábricas [...]. Trabalho nas organizações auxiliares: escola de bairros, clubs
esportivos [...]formação de facções adversárias: escotismo, clubs patronaes [...].
427
Outro artigo do Boletim n.2 endossou:
O cumprimento dessas tarefas deve ser feito com a mais séria discussão em todas as
questões, permitirá que saiamos do terreno estreito do grupo sectarista
propagandista em que nos encontramos para o vasto campo de organização
revolucionária das massas juvenis exploradas, garantindo ao mesmo tempo sua
condicção na linha classista, proletaria, revolucionária do Partido Communista e da
IC.
428
O Boletim n. 3 da FJCB de 1931 seguia listando as causas da desorganização da Federação e
as dificuldades de trabalho e, mais uma vez, afirmava, e com mais veemência: “[...] é preciso
prosseguir com a máxima violência a luta contra os desvios pequenos burgueses porque isso
está freando a marcha de nossa Federação para linha de classe e organização de massas”.
429
A
reunião do Comitê Central ampliado, a Conferência Regional do Rio de Janeiro, as expulsões
e a publicação dos boletins constituíram, assim, as primeiras diretivas para a reestruturação da
JC do ponto de vista do obreirismo, ou, como queria a FJCB, “[...] ellas constituíram o
primeiro passo para a ‘viravolta’, para a nossa orientação decisiva para as massas juvenis,
para o combate de classe”.
430
O quadro da FJC era instável, e o ano de 1931 não confirmou bons resultados para as
estratégias adotadas. Nesse ano, para Basbaum,
431
a JC “[...] não crescera muito, mas tinha um
427
PELA PROLETARIZAÇÃO..., 1930. p. 2.
428
ÁLVARO, 1930. p. 3. Grifo do autor.
429
RESOLUÇÃO política da reunião de ativos do Rio de Janeiro. Boletim Interno da Juventude Comunista, n. 3,
fevereiro de 1931, p. 2.
430
RESOLUÇÃO..., 1931, p. 2
431
BASBAUM, 1976, p. 93.
123
bom quadro de militantes fiéis e combativos, a maioria, como sempre, de jovens operários,
mas uma percentagem, maior do que antes, de estudantes”. Para o PCB esse era problema:
“[...] o trabalho era difficultado, por ser na sua maioria dirigido por estudantes”.
432
A
Federação publicava as falhas e debilidades que vinha denunciando. Os documentos
falavam: “[...] não conseguimos vencer o sectarismo existente em nossas fileiras”,
433
“[...]
continua a dominar na base uma corrente de ideologia pequeno burguesa”,
434
[...] a falta de
segurança ideológica permite vacilações e ações perigosas,
435
“[...] esporte burguês conquista
e deturpa a juventude operária”,
436
“[...] profundas desviações e ilusões de todas a ordem”,
437
“[...] clubes operários fracassados por falta de auxílio”.
438
Em outras regiões do País onde os comunistas construíram bases políticas, como o Nordeste
do Brasil, a situação era ainda pior. O Secretariado político do CC da FJCB publicou as
resoluções sobre a Conferência ocorrida na região e suas queixas foram:
A ausência de fortes secções da fed.; a fraqueza ideológica das secções existentes; a
ideologia pequeno burgueza até ha bem pouco tempo reinando na própria direção do
PC e da Fed determinando a nossa passividade a ausência do campo da luta, teem
hoje mais do que nunca as suas conseqüências, que se evidenciam: 1) falta de
combatividade e direcção das lutas que se desenvolvem; 2) falta de ligação com as
camadas fundamentaes do proletariado e dos campos; 3) e finalmente, profundas
desviações e illusões de toda ordem.
439
O CR de Pernambuco, em carta ao CC da FJCB, enviou o relatório da região, escrevendo
sobre o trabalho esportivo: “Existe[m] dois times sobre o nosso controlle, todos dois quase
fracassados a falta de auxilio nosso; existe[m] dois sob o controle do PC com os quaes não
temos nenhuma ligação”.
440
E concluiu: “A falta de iniciativa é o grande mal entre nós, isto se
verifica tanto na base como até mesmo na direção”.
441
Dois meses depois, a comunicação
entre o CR de Pernambuco e o CC da FJCB piorou e o resultado foi assim manifestado:
[...] temos despresado ultimamente o trabalho sportivo. Até o Pioneiros fundado por
nós está completamente desorganizado; o de Maio fundado pelo departamento
432
SOBRE A JUVENTUDE ..., 1929.
433
RESOLUÇÃO ..., 1931, p. 2.
434
Ibid.
435
Ibid.
436
RESOLUÇÃO sobre a Conferencia Nordeste e Extremo Norte, do Secretariado Político do Comitê Central da
FJCB aos camaradas das Regiões Juvenis do Nordeste e extremo Norte do Brasil, 23 jul. 1931.
437
Ibid.
438
CARTA do Comitê Regional de Pernambuco ao CC da FJCB, 11 set. 1931.
439
RESOLUÇÃO, op. cit., p. 2. Nota 463.
440
CARTA ...,11 set. 1931.
441
Ibid.
124
juvenil dos panificadores devido a desorganização deste está também
desorganizado; em outros clubs nada temos feitos.
442
Mas não era possível abandonar o esporte, pois, apesar das adversidades, “não resta[va]
dúvida que o movimento esportivo [tinha] para a FJCB uma importância enorme”.
443
A
Federação lançou, então, um plano concreto de tarefas e, na ordem do dia estava a fundação
definitiva da Federação esportiva do Rio de Janeiro (aquela que nunca saíra do papel, segundo
o documento “Situation de la Juventude Proletaria del Brazil) e o reerguimento da Federação
do Rio Grande do Sul (aquela que, em 1929, conseguiu realizar um campeonato de futebol
com onze clubes).
444
O momento não era dos melhores, já que a Federação não estava
conseguindo nem mesmo sustentar suas realizações passadas. Não obstante isso, os
comunistas não abandonaram o esporte.
O Bureau Sul-Americano da IJC, percebendo que as tensões ideológicas dentro da FJCB em
torno dos desvios e do sectarismo eram de extremo perigo para a manutenção da organização,
divulgou suas resoluções à FJCB na tentativa de restabelecê-la. Chamados de “sectarismo
criminoso”,
445
de “canoro imortal dentro das organizações juvenis”
446
e de “velha
enfermidade”,
447
esses graves problemas, que no terreno esportivo tinham causado grandes
perturbações e que durariam até 1935, foram intensamente discutidos pelo Bureau e pelo
Pleno do CC da FJCB, ambos publicados em 1932.
448
As Teses do Bureau Sul-Americano da IJC continham, como o documento anuncia, a análise
dos principais erros, desvios e fraquezas da Federação e por isso as teses foram destinadas a
cada região e a cada membro da Federação para que se realizasses em cada comitê regional,
zona, célula e na própria massas uma ampla discussão sobre as teses, sugerindo a elaboração
de um plano concreto para cada região. Dentro desse clima de impulso à transformação foi
442
CARTA ...,11 set. 1931.
443
TESE..., sem data. p. 46.
444
PLANO CONCRETO de tarefas para a federação no período de 2 meses. Boletim Interno da Juventude
Comunista, n. 3, p. 2, fev. 1931.
445
CARTA do Comitê Regional de Pernambuco ao CC da FJCB, 9 nov. 1931.
446
CARTA do Comitê Regional de Pernambuco ao CC da FJCB, 7 nov. 1932.
447
SOUZA. A região do Rio. Boletim da FJCB, n 1, p. 7, abr. 1935.
448
Embora a tese do Bureau Político não estar datada, ela está registrada no Centro de Memória da Unesp na
data de maio de 1932. na coleção Internacional Comunista do Arquivo Edgard Leuenroth, organizada em
ordem cronológica, ele aparece no final da seqüência de documento do ano de 1931. A resolução do pleno do
CC da FJCB também não é datada, mas a menção à guerra interna de 3 meses (revolução Constitucionalista de
1932) e à realização das olimpíadas de Los Angeles (junho de 1932) localizam esse documento a partir de
setembro do ano de 1932.
125
lançada a palavra de ordem “abaixo o sectarismo”.
449
O Bureau não se limitou a destacar a
importância do movimento esportivo para a organização da FJCB e as possibilidades que ele
oferecia de formas de trabalho ilegal entre as massas (o mesmo argumento presente no
relatório geral da FJCB em 1930); ele realizou uma autocrítica, afirmando a necessidade de
conquistar a juventude dentro dos clubes burgueses que exploravam os jovens através da
militarização e da mistificação do espetáculo esportivo, e a alertou para a existência de duas
tendências opostas que produziam os desvios:
Dois desvios centraes se produzem no movimento esportivo: um que pretende
retirar-lhe todo o aspecto politico de classe, para ‘facilitar’ o nosso trabalho entre as
massas e, ao mesmo tempo, evitar a repressão policial.
Semelhante tendencia conduz á desfiguração do papel revolucionario de classe que
devem desempenhar os clubes operarios. A Federação da Juventude Commista deve
organizar os clubes operarios nãocom o intuito de praticar o esporte ou ligar-se
simplesmente com as massas, e sim como um meio para que possa estender e
organizar o trabalho revolucionario: entre as massas da juventude trabalhadora. A
outra tendencia que se carateriza no trabalho desportivo é de um conteúdo
completamente sectario, que reduz os clubes operarios a pequenos nucleos de jovens
completamente desligados das amplas massas.
Esta tendencia luta contra o caracter de massa que devem ter as organizações
esportivas operarias e para transformal-a em grupos de jovens escolhidos. [...] A
Federação, encarando o trabalho desportivo, deve lutar fortemente contra estas duas
tendências de direita e de esquerda que impedem o movimento effectivo do
movimento esportivo revolucionario. A F. J. C. tem que crear suas facçães em todas
as associações esportivas e revolucionarias, mesmo naquellas organizações
adversarias que contam com as massas de jovens operarios, nas quaes deve
organizar o trabalho de opposição, para conquista dessas massas. A F. J. C. deve
concentrar suas forças no terreno desportivo, em cada cidade, afim de desenvolver
alguns clubes como verdadeira organização de massas dos jovens trabalhadores que
sirvam de modelos para toda Federação, como também enfocar a organização da
Federação dos Esportes Proletarios do Brasil.
450
As Teses do Bureau mostravam que a JC do Brasil deveria insistir no poder do esporte para
atrair a juventude e fortalecer seus quadros. Foi por esse caminho que o Pleno da CC da
FJCB dirigiu suas análises. A sua Resolução sobre o Trabalho Esportivo,
451
em certa medida,
absorve as críticas do Bureau Sul-Americano, mas, por outro lado, já apontava o desfecho que
algumas dessas críticas tomaram. Na análise que o documento fez das falhas e debilidades do
trabalho esportivo havia duas fundamentais que se aproximavam das teses do Bureau:
Uma é o sectarismo, a outra é o colaboracionismo com adversários no terreno
esportivo proletario. Ambas devem ser combatidas energicamente, sem o que não
poderá haver esporte proletario de massas”. [O sectarismo produz] [...] uma
449
TESE..., sem data. p. 7
450
Ibid.,
p. 46 e 47. Grifo nosso.
451
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO..., sem data. p.1.
126
tendência geral imperante em nossa Federação Juvenil Comunista de que ‘não
podemos nos preocupar com esportes’, de que ‘não podemos organizar a Federação
dos Esportes Proletários porque estamos na ilegalidade’[...]”. Outra tendencia, não
menos perigosa e que deve ser combatida fortemente, é o colaboracionismo com o
inimigo. Muitos clubes creados ou conquistados sob nossa influencia teem sido
perdidos pelo relaxamento dos nossos próprios companheiros, pelo mau trabalho
realizado por nossas facções e oposições, porem em grande parte, teem sido
perdidos pela concepção falsa e contra-revolucionária de realizar o esporte pelo
esporte que tira todo o conteúdo proletário e classista do nosso esporte, deixando o
campo livre á burguezia e seus agentes para desenvolver sua influencia perniciosa
sobre o setor juvenil do proletariado e do campesinato.
452
Segundo esse documento, o esfacelamento da Federação pela repressão policial, em 1929,
impediu a realização de seus trabalhos, resultando nos dois erros apontados: o descaso com o
esporte como elemento de educação política e o esporte sem conteúdo de classe. Podemos
inferir, então, que os obstáculos que impediam a consolidação do projeto de proletarização do
esporte e o estabelecimento de uma Federação dos Esportes Proletários no Brasil, não eram,
em primeiro lugar, as dificuldades financeiras, mas, sim, a ausência de quadros preparados
para conduzir um trabalho esportivo na adversidade. Como havia sido apontado em
Situación de la Juventud Comunista del Brazil “[...] se tivéssemos uma direção no terreno
esportivo do Brasil camaradas decididos e dispostos ao sacrifício, muito que poderíamos
ter uma Federação Esportiva Proletária”.
453
A Federação continuou apostando no esporte como uma “[...] ampla porta para a conquista da
maioria da juventude trabalhadora para a luta de classe”.
454
Por esse “poderoso agente de
influência educativa”
455
a Federação apelava para a tentativa de preencher uma falha lacunar
cada vez maior, a perda de seus jovens para organizações esportivas não proletárias. Por meio
do esporte, ela pensava adquirir estreitas ligações com as camadas mais exploradas, um
campo imenso de recrutamento de jovens para o seu movimento sindical, e desenvolver uma
potente oposição esportiva contra o esporte burguês e patronal.
456
Mas o momento foi mesmo
de contrariedades. De acordo com sua própria avaliação, o esporte burguês teve cada vez mais
incremento e aumentou cada vez mais seu caráter mistificador, principalmente sobre os
jovens, e tudo isso sob o apoio do Estado que dedicou mais atenção ao esporte aproveitando a
necessidade que as massas tinham e sentiam profundamente de se divertir.
457
452
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO..., sem data. p.1.Grifo original.
453
SITUACIÓN..., sem data.
454
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO, op. cit., p.2. Nota 385.
455
Ibid. Grifo original.
456
Ibid.
457
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO..., op. cit., p.2. Nota 385.
127
3.3 DESFECHO: O ERRO DA DISSOLUÇÃO DA FEDERAÇÃO DA JUVENTUDE
COMUNISTA
Após os esforços presentes nos dois últimos documentos citados, vemos a FJCB caminhar
para um desfecho pouco animador após tanto empenho para a organização do esporte e da
Juventude Comunista. Em 1933, o Informe da FJCB para o Secretariado Sul-Americano e do
Caribe relatou que a Federação estava concentrada em três estados principais, Rio de Janeiro,
São Paulo e Pernambuco, porque eram centros industriais onde tinham mais forças
orgânicas.
458
Contavam com 300 aderentes ativos e alguns clubes esportivos sob sua direção
ou influência nas regiões citadas, embora não tivessem facções organizadas e os clubes
fossem relativamente fracos.
459
Em uma situação bem diferente da do ano de 1929, quando
havia vários clubes esportivos a serem unificados sob a futura Federação Esportiva Proletária,
agora o relator concluiu: “[...] a federação nunca teve um movimento sportivo organisado sob
a base de uma federação nacional de sports proletários”.
460
Decorrido mais de um ano, em novembro de 1934, o Informe da FJCB ainda avaliava
negativamente muitos pontos de trabalho da Federação. Por exemplo, a sua participação nas
mobilizações de massas foi considerada “bastante ineficiente”.
461
O estado de desorganização
e o caráter sectário de alguns grupos impediram a Federação de avançar. Foi necessária a
presença do PCB, que “[...] reagiu com atrazo, mas comprehendeu a necessidade de intervir
auxiliando a FJC, desenvolvendo forte luta ideológica ligada ao trabalho de massa, contra a
luta de grupo, pela formação da direção nacional, pela formação de quadros”.
462
Foi com essa tática que o PCB interveio na organização da Federação, trazendo da base novos
elementos para a direção nacional. Isso, segundo o Informe, melhorou muito o trabalho de
levantamento da Federação. A assistência diária do PCB à Federação ajudou a somar alguns
números ao Plano Nacional de Trabalho publicado na ocasião do Pleno do CC da FJCB,
458
INFORME da FJCB apresentada pelo camarada Arnaldo no Secretariado da América do Sul e Caribe do
Comitê Executivo da ICJ, p. 10, 24 mar. 1933.
459
Ibid., p. 20.
460
Ibid.
461
INFORME sobre a Federação da Juventude Comunista e na juventude trabalhadora, p. 2, 14 out. 1934..
462
Ibid., p. 2
128
aumentando quase em dobro o número de aderentes ativos.
463
Entretanto, no Informe, a única
menção ao esporte deu-se no plano de tarefas a realizar, ou seja, o esporte proletário era ainda
projeto, algo ainda por fazer.
Com a aproximação do ano de 1935, a Federação novamente começou a transformar-se. A
experiência dos anos anteriores mostrou que, quando os comunistas criavam, dirigiam ou
influenciavam clubes burgueses ou de outras tendências operárias, esses clubes erroneamente
eram transformados numa sede da FJC.
464
Assim, a Federação foi mudando de tática,
trabalhou por intermédio de facções e oposições dentro dos clubes, recrutou jovens para a
Federação
465
e participou ainda mais ativa e diariamente nas organizações adversárias com a
tática de Frente Única.
466
A Federação, após uma rígida direção que preconizou no terreno
esportivo um conteúdo de classista, abria-se novamente para as frentes de trabalho além do
Partido.
Essas mudanças em 1935 respondiam, em parte, a um apelo internacional de formação de
Frentes Populares e também a um novo impulso renovador criado pelo surgimento da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), permitindo que o PCB vislumbrasse a tomada de poder pela via
insurrecional.
467
Conseqüentemente, tal entusiasmo estimulou os dirigentes da FJCB, a
tentarem mais um investimento na organização juvenil e no poder do esporte de organizá-la e
atraí-la. Em abril, um novo boletim da CC da FJCB, indo de encontro ao pessimismo
registrado nos últimos tempos, publicou as novas mudanças na região do Rio. Souza, então
secretário da JC dessa região, apesar de detalhar problemas sérios que a afetavam, não poupou
palavras para celebrar as novas formas de organização e a possibilidade de avançar nas
conquistas:
Estudando a psicologia da juventude em geral, notamos 3 questões que interessam
diretamente a juventude: a distração, a educação e a luta [...]. E nossa federação não
tinha nenhuma dessas características e não interessava a juventude e é essa uma das
razões principaes de flutuação e da não transformação de nossa federação na
organização de massas da juventude.
A Aplicação de novas formas de organização não é uma questão de discussão [..] é
uma cousa já aplicada e com optimos resultados onde a pomos em pratica.
463
por demonstração vamos comparar o crescimento das lulas nas diferentes regiões. No Rio de Janeiro,
em 1932, a FJCB tinha nove células, em 1934, tinha 22. Na cidade de São Paulo, o número de lulas aumentou
de seis para onze, em Pernambuco de seis para doze.
464
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO..., sem data. p. 2.
465
Ibid
466
INFORME sobre a Federação da Juventude Comunista e na juventude trabalhadora, p. 6, 14 out. 1934.
467
DEL ROIO, 1990.
129
Em que consistem os novos métodos de organização?
Em primeiro logar não exigirmos religiosamente as reuniões de assembléias de
célula semanalmente. Quando realizamos reuniões, estas serem curtas e concisas e
que sirvam para educação dos novos afiliados.
Centralizamos o centro de gravidade do trabalho celular para as organizações de
massas: clubs sportivos, associações culturaes, tiros de guerra, associações
femininas, clubs recreativos; realizamos pic-nics, festas, etc.
[...] a aplicação de novos métodos juvenis de trabalho, isto é, ligação entre a
distração, a educação e a luta dos jovens por suas reivindicações está intimamente
ligada a nossa questão central: a formação de uma federação da juventude comunista
baseada nos milhares de jovens das cidades e dos campos.
468
Distração, educação e luta já faziam parte do repertório comunista havia muito, mas agora ele
ganhou um sentido mais flexível, mais situacionista, que até então o movimento de jovens
para clubes burgueses ainda era significativo e a palavra de ordem era “Frentes Populares”,
empurrando a Federação a associar-se com clubes não operários.
Em junho de 1935, um novo relatório do CC da FJCB dizia que, pela falta de comunicação
com as regiões, não foi possível elaborar um relatório que reflitisse a situação da Federação.
Mesmo assim, o relatório deu conta dos dados sobre todas as suas atividades em diferentes
regiões do País onde a avaliação era de poucos resultados, como no caso do Rio de Janeiro.
469
Observa-se também no Rio de Janeiro, no que diz respeito ao trabalho esportivo, que a
Federação tentou retomar algumas atividades, como a União dos Pequenos Clubs (idéia que
havia funcionado no passado da Federação com algum sucesso), mas, comparada a outras
zonas em atividade, na região do Rio, a sua zona esportiva é a mais fraca.
470
Em meio a dificuldades, desorganização e novas tentativas de articulação de trabalho na área
do esporte, a Federação foi tomada por um novo impulso, quando a ANL dedicou algum
esforço para a formação de uma organização juvenil de massas, tendo como base a FJC:
Na Alliança participam dezenas de milhares de jovens, em suas manifestações e
comicios, nos directorios e nucleos da Alliança junto com os adultos, e também
existem nucleos juvenis da Alliança nas fabricas, escolas, sindicatos, bairros, etc.
dos quaes participam jovens de todas as camadas e tendências.
471
Assim foi que a FJCB tratou de organizar, ainda para ano de 1935, o Congresso da Juventude
Proletária, Estudantil e Popular, que já contava com o apoio de vários clubes esportivos,
468
SOUZA, 1935. p. 7 e 8. Grifo nosso.
469
RELATÓRIO do Comitê Central da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 5 jun. 1935.
470
Ibid., p.6.
471
RELATÓRIO..., 1935. p. 5; DEL ROIO, 1990, p. 285.
130
culturais, associações femininas, diretórios estudantis, sindicais, etc.
472
Além dessa
motivação, havia ainda o Congresso da IJC que se realizaria em outubro. O Informe da
FJCB enviado ao congresso da IJC representa, talvez, os últimos passos da Federação no
Brasil na década de 1930. Nele o relator não vacilou em avaliar os problemas e os próximos
passos da Federação na nova perspectiva que se abriu. A conjuntura do ano de 1935 permitiu
à FJC, com sua experiência e história acumulada, engendrar mais uma tentativa de aglutinar
jovens operários das mais matizadas tendências em torno das causas revolucionárias.
Baseando-se nas falhas e debilidades apontadas nas diferentes fases em que viveu e na nova
disposição organizacional da IC diante do avanço do fascismo na Europa, a Federação da JC
construiu uma análise, ao menos coerente, diante desse novo momento.
As primeiras palavras do Informe já deram um tom realista ao documento. Marques, o relator,
escreveu que a Federação da Juventude surgiu em um momento profícuo para a luta de classes
no Brasil, entretanto, “[...] ela não conseguiu ainda transformar-se em ampla organização
juvenil”
473
e as causas fundamentais desse fracasso foram o sectarismo e a incompreensão do
caráter de revolução, que impediram um amplo crescimento da JC e [...] em conseqüência
deste sectarismo e incomprehensão dos nossos próprios problemas e de uma nova situação
que criava em nosso paiz, nos isolávamos das massas juvenis, reduzindo nossa federação a
grupos de jovens comunistas isolados em várias regiões”.
474
A crueza da realidade fazia a Federação enxergar as lacunas no movimento juvenil deixadas
pelas políticas sectárias do Partido. Assim, a motivação para organizar um congresso popular,
uma ampla frente nacional, e envolver variadas tendências da juventude “[...] demonstrava na
prática que a JC não poderia continuar como grupos sectários isolados destas massas juvenis,
portanto estava praticamente plantada a necessidade de nova forma de organização, novos
methodos de trabalho [...]” e desse movimento deveria sair a nova organização nacional da
juventude.
475
Esse é o momento em que a Federação teve de responder à pressão de sua própria história. Tal
como foi ousada na adoção da política de classe contra classe, que no setor esportivo
siginificou ignorar todo o envolvimento que operários construíram com clubes não
472
RELATÓRIO do CC da FJCB, 5 jun. 1935. p. 8.
473
INFORME do camarada Marquês no VI congresso da IJC, p. 1, 29 out. 1935.
474
Ibid., p. 1.
475
Ibid., p. 7.
131
proletários, a Federação também foi ousada agora quando preparava novas estruturas diretivas
baseadas na idéia de Frente Popular.O Informe dizia:
[...] tal organização deve romper de uma vez com o nosso tradicional sectarismo. Essa
organização não deverá ser nem siquer uma organização de operários, camponezes e
estudantes, e sim, [...] uma organização juvenil popular, que reúna a todos os jovens
de todas as tendências políticas ou religiosas que desejam a liberdade, o progresso, o
bem estar e a cultura da juventude [...].
476
O desfecho dessa nova direção caminhava no mesmo sentido das palavras de Souza,
secretário do Rio. Para realizar as novas tarefas colocadas pela Federação foi preciso
[...] em primeiro lugar que a nova organização não [...] [tivesse] a mesma estructura
organica que hoje tem a nossa juventude. [...] ella deverá repousar sobre clubs
esportivos, recreativos, culturaes, organizações juvenis em escolas, fabricas,
fazendas, bairros, quartéis, navios, em clubs juvenis sportivos, culturaes, recreativos,
instructivos nos sindicatos, etc. como uma forma mais atratativa para a
permanência dos jovens nos sindicatos substituindo-se por elles as actuaes
sectaríssimas secções sindicaes juvenis existentes.
477
É patente a centralidade que o esporte adquiriu nessa nova forma da organização juvenil
comunista como elemento que não aglutinava as diferentes tendências, mas que também as
apagava. Em julho de 1935 a ANL foi considerada ilegal e fechou, encerrando, juntamente
com ela, todo o clima de expectativa de rearticulação do trabalho esportivo também. O que
ocorreu depois disso foi uma nota de esclarecimento, em 1937, no boletim de agitação e
propaganda da região de São Paulo, sobre a dissolução da FJCB:
Havendo algumas duvidas por parte de alguns camaradas sobre a dissolução da
FJCB, aproveitamos o presente Boletim para esclarece-las, apezar de não ser este o
lugar mais apropriado. As resoluções do ultimo congresso realizado pela IJC, giram
principalmente em torno da questão da organização da juventude em orgaos de
massas, do rompimento definitivo do sectarismo que tanto caracterizava a extinta
FJCB. Depois de 7 ou 8 anos do existencia esta não passava de uma organização de
jovens comunistas exclusivamente. Já pelo seu nome Federação das Juventudes
Comunistas a FJC não podia de forma a1gum a agrupar em seu seio a mocidade
brasileira não-fascista toda inteira; conforme as ultimas resoluções.
A FJC era na pratica um Partido Comunista de jovens, realizando o mesmo trabalho
que o P.C. Por estas razoes nao se podia continuar a dividir nossas forças, tendo em
conta também a burocracia que obrigava a existir uma FJC com organismos
perfeitamente semelhantes aos do nosso Partido.
A FJC, nessas condiçoes, nunca poderia chegar a ser ao que ela somente se
intitulava: uma orgnnização de massas da juventude. Eis porque, em resumo, foi
preciso dissolve-la.
476
INFORME do camarada Marquês no VI congresso da IJC, 29 out. 1935. p. 10.
477
Ibid., p. 12. Grifo nosso.
132
O desaparecimento da FJC nao quer dizer, por outro lado, o desaparecimento do
trabalho juvenil. Pelo contrario, ela foi dissolvida com o unico objetivo dos jovens
comunistas membros do partido intensificarem a organização da mocidade do país
em torno de organizações não sectarias, amplas, onde seja possive1 a participação
de não somente comunistas.
Nada, pois, temos a perder com a fusão da FJC no PCB, mas pelo contrario, se nos
apresentam grandes vantagens: possibilidades de organizar uma ampla organização
legal de jovens, reforçar as fileiras do nosso Partido acabar com a burocracia
existente na ex—juventude, que impedia o trabalho de massas juvenil.
E no momento, o mais importante e fundamental é a união de toda a mocidade
brasileira, na luta contra o integralismo o pela democracia, de todo a mocidade e não
só da mocidade comunista.
478
A dissolução da FJCB não foi ponto pacífico entre os militantes comunistas. A
incompreensão de alguns camaradas quanto ao encerramento das atividades da Federação
persistiu até 1938, e A Classe Operária publicou que “[...] os motivos que levaram a sua
dissolução não tiveram razão de ser”, foi um erro.
479
Admite-se que,
Na verdade, existia o problema da estagnação das atividades da JC e os amplos
trabalhos de massa. A decisão mais acertada seria uma revisão na organização
conspirativa que desse um golpe de morte no sectarismo estéril sem, no entanto,
liquidar a ‘Escola do Comunismo’ e que abrisse possibilidades, que desenvolvesse
os militantes jovens em trabalho de massa, capacitando como futuros militantes do
PC.
480
A organização juvenil não acabou por aí, ela foi anexada como Bureau Juvenil do Partido
Comunista, o que a deixou em uma posição auxiliar, sem autonomia. “O partido não
comprehendia a JC como uma ampla organização de massa e transformava a JC em um
apêndice do Partido”.
481
No começo, ela foi pensada como um programa
[...] que abrisse a mocidade brasileira maiores horizontes para a concretização de
suas sentidas aspirações e deveria compreender uma campanha juvenil pela cultura
popular ampla, pela proteção à recreação e esportes dos jovens. Os jovens
comunistas naquela época compreendiam esse programa e a dissolução da JC foi
o que impediu a completa realização dessas lutas.
482
Durante toda a sua existência, a FJCB acumulou experiência e conquistas no terreno
esportivo, entretanto, ela não conseguiu consolidar o projeto do esporte proletário no Brasil e
sua dissolução parece ter deixado tarefas a cumprir.
478
A DISSOLUÇÃO da FJCB. Boletim de agitação e propaganda, p. 14, n. 5, 15 de fev. 1937.
479
VIDA juvenil. A Classe Operária, janeiro de 1938, p. 8.
480
Ibid.
481
INFORME ..., 1935. p.1.
482
VIDA..., op. cit., p. 8. Nota 479.
133
4 Considerações finais
O estudo da relação entre a organização dos esportes em nosso país e a classe trabalhadora, no
período compreendido entre 1928-1935, mais do que respostas levantou questões acerca do
jogo de interesses que definiu formas diversas de envolvimento dos operários com o
celeríssimo movimento em direção aos esportes naquele momento de instabilidade e
renovação em nosso País. Nosso trabalho, dividido em três capítulos, explorou facetas
diferentes dessa relação: na primeira parte, o esporte ultrapassa sua condição burguesa e
alcança a classe trabalhadora que, do ponto de vista das lideranças desse movimento, poderia
deixar de ser um instrumento de dominação do capitalismo e torna-se meio de educação
proletária; na seqüência, aquele momento de intensa renovação político-cultural do nosso País
permitiu a elaboração de diversas respostas do operariado ao controle, através das práticas
esportivas, sobre seu cotidiano; por último, quando os embates entre burgueses e
trabalhadores sobre os sentidos do esporte tornaram-se mais polêmicos, estes últimos, através
da FJCB, investem numa estratégia inflexível para garantir a manutenção e a renovação dos
quadros militantes.
Dessa seqüência extraímos que, historicamente, a relação entre esporte e sociedade no Brasil
seguiu os rastros da trajetória burguesa do esporte europeu da era moderna, em que a prática
esportiva foi uma atividade de elite usufruída como atividade amadora. Os filhos privilegiados
da elite brasileira, principalmente carioca e paulista, trouxeram das suas viagens à Europa as
atividades esportivas que se disseminaram juntamente com a cultura de movimento
reproduzida por trabalhadores imigrantes e com a demanda das condições objetivas da
modernização do país. Para o que interessa este estudo, foi o embate entre essa demanda de
modernização e a cultura dos trabalhadores no campo esportivo que nos possibilitou
interpretar que o esporte se desenvolveu como impulso civilizador, servindo sua prática de
fomento para as idéias de reforma social a partir da educação, da afirmação da nacionalidade
e da preparação para a guerra e defesa do Estado.
Esses ideais burgueses também habitaram, de alguma maneira, o outro pólo dessa relação: o
esporte proletário, tal como citado, se aproxima do amadorismo esportivo na tentativa, ao que
parece, de preconizar uma perspectiva pacifista e internacionalista. As olimpíadas operárias,
as spartakiadas, revelaram o repúdio ao profissionalismo esportivo e união de milhares de
134
trabalhadores de diversas nacionalidades, como registrou o jornal O Internacional, dando um
testemunho iniludível do verdadeiro esporte: completamente alheio ás possibilidades
comerciais desse gênero de reuniões para dedicar-se exclusivamente ao fim a que se destina o
esporte, quer dizer, trazer maior harmonia entre países e raças, bem como uma maior
solidariedade entre o gênero humano!
483
Uma posição semelhante pode ser encontrada também entre burgueses e operários na relação
entre o esporte e ao domínio de si, bem como na idéia que aceita o efeito compensatório que
ele pode exercer. A racionalização do trabalho e da vida no contexto em questão determinou a
necessidade de elaborar um novo tipo de homem adequado ao novo trabalho e à produção.
Nos artigos da revista da área da educação física isso se expressa pela educação e disciplina
do corpo e pelos benefícios das práticas esportivas para saúde. Já nos jornais proletários as
vantagens do esporte estavam também vinculadas à preparação para o trabalho
“contrabalanceando a ação nociva das fábricas e desenvolvendo certos músculos”.
484
A
prática esportiva era um “caminho seguro para o maior conhecimento entre si, para o
levantamento moral da classe trabalhadora e para a verdadeira consciência proletária”
485
, além
de um meio de disciplinar os jovens para a militância.
O que parece estar em jogo nessa relação é a neutralidade e/ou ambigüidade do esporte e usos
possíveis que dele foi feito. Não houve por parte dos comunistas a elaboração de uma crítica
ao conteúdo interno do esporte e aos seus códigos. O esporte foi considerado como produto
histórico, como uma conquista dos homens que deveria, assim, estar a serviço da maioria, ou
seja, dos trabalhadores. Como citado no texto, caso o esporte estivesse sob o domínio burguês
necessariamente seria um instrumento de dominação. Mas sob a tutela comunista ele
transformava-se em uma prática salutar, um importante meio de aglutinar operários sob sua
influência. Assim, a utilidade dos espaços esportivos caracterizados como proletários não
serviram apenas para usufruto da prática, mas também como doutrinação política. Entretanto,
sem questionar os conteúdos e as formas de uso do esporte, aproveitando dele somente a
aceitação e inserção entre os trabalhadores. Direcionamento semelhante foi dado no caso das
inovações técnicas do trabalho. Por um lado, a modernização das máquinas e as novas
concepções de produção facilitaram a execução de muitas funções. Por outro, os trabalhadores
483
NEO, 1928, s/p.
484
DEVE..., 1932, p. 2.
485
NEO, 1928, s/p.
135
sentiram novas e intensas formas de exploração não só pelo trabalho, mas também pelo
controle da vida cotidiana. Em uma perspectiva classista que favorecesse o operariado, como
deixa sugerir os jornais, isso talvez não acontecesse.
Igualmente polêmica é a afirmação de uma disposição natural para o esporte fortemente
relacionada à juventude. Na revista Educação Physica, notadamente a partir do limite do
nosso recorte temporal, essa vinculação do esporte à uma vontade natural e espontânea do
homem aparece nos debates sobre as implicações que a modernização trouxe à vida cotidiana,
ou seja, o esporte veio suprir aquilo que foi destituído dos humanos pela máquina, o
movimento e a espontaneidade. Os artigos não deixam claro se foi esse o pensamento que
justificou essa vinculação do esporte com a juventude, mas se levarmos em consideração o
contexto estudado e a aproximação entre esporte burguês e proletário a afirmativa poderá ser
segura.
Essas imbricações entre operariado e burguesia no campo esportivo nos remete ao
questionamento da crítica que os trabalhadores organizados fizeram ao esporte. Toda essa
elaboração de um outro papel social do esporte em outra sociedade que não a capitalista
parece ter desconsiderado a história de envolvimento que a classe trabalhadora construiu com
o esporte no Brasil. A caracterização de uma postura inflexível no projeto de proletarização
do esporte apontou para um descompasso entre a possibilidade de agir e a consciência dos
limites. Um dos motivos que explicam esse desencontro é a própria implementação, em nosso
país, de idéias originadas em um contexto internacional: falamos aqui do papel da
Internacional Comunista, sem o conhecimento das peculiaridades do desenvolvimento dos
esportes em nosso país e estruturação da classe operária.
Outra implicação da proletarização do esporte realizados nesses moldes foi a indeterminação
de uma postura objetiva de ação. A partir de 1930, quando o esporte ganhou grande relevância
para a política e futebol ganhou status de profissão, pode-se perceber um certo oportunismo
político dos comunistas em relação à prática esportiva ao mudarem de posição com alguma
freqüência, ao tomarem o esporte da forma como mais bem lhes convém no momento. Esse
oportunismo pode ter gerado complicações para a determinação de uma postura coerente e
possível na questão esportiva operária uma vez que críticas à capacidade de organização e
liderança no esporte estiveram em destaque na avaliação dos trabalhos. A questão aqui parece
ser mais a capacidade de aproveitamento do entusiasmo esportivo em favor do fortalecimento
136
da classe e menos de constituição de um esporte configurado a partir de concepções
proletárias.
Como foi sugerido ao longo do texto, os trabalhadores organizados, notadamente os
comunistas, não tiverem interesse no esporte em si, mas apenas na prática como meio de
mobilização. Essa consideração não faz efêmera ou insustentável a relação entre esporte e
operariado, da perspectiva da organização militante, mas coloca em questionamento o próprio
sentido de proletatização da cultura esportiva: esse projeto parece não ter sentido em si e ao
dedicar pouca atenção ao conteúdo interno do esporte sugere a não intencionalidade de
debater a questão de o esporte ser um bem cultural ou ser uma expressão do modo de
produção capitalista no plano da cultura de movimento.
As questões que alimentam a polêmica de um esporte proletário no Brasil não terminam por
aqui. Nosso estudo, com limitações de diversas ordens, buscou investigar a concepção e a
trajetória da proletarização do esporte em nosso país e usando fontes distintas construímos um
determinado ponto de vista sobre o tema a partir da militância organizada. Outros desafios se
colocam para esse tema, como por exemplo, a necessidade de explorar com mais vigor as
aproximações e contradições do esporte proletário colocando esses elementos em diálogo com
a produção da sociologia crítica do esporte. Outro desafio seria a investigação das
organizações de atividades esportivas de trabalhadores que correram paralelamente à ação
militante, tensionando as práticas ali construídas com o discurso idealizador do esporte
proletário, tecendo, assim, histórias paralelas, distintas e que refazem o sentido e o percurso
daquele projeto.
Por fim, deve-se dizer que esse estudo termina sem encerrar as questões e impasses da relação
entre o esporte e o movimento operário. Do que foi construído aqui, vale destacar a posição
dividida dos comunistas que ora em críticas ora em aceitação dedicou tempo e muito esforço à
tarefa de estabelecer um contraponto cultural, no plano dos esportes, à ordem estabelecida e
que muitas vezes “tropeçou” nas próprias elaborações.
137
5 REFERÊNCIAS
ABREU, Ricardo. 75 anos de fundação da Juventude Comunista do Brasil. Revista
Princípios, São Paulo, n. 67. 2003. Disponível em:
<http://www.vermelho.org.br/museu/principios/anteriores.asp?edicao=67&cod_not=212>.
Acesso em: 17 out. 2006.
ANTONACCI, Maria Antonieta Martinez. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade
paulista. São Paulo: Marco Zero, 1993.
ANTUNES, Fátima Martin Rodrigues Ferreira. Futebol de fábrica em São Paulo. 1992. 219f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
______. Futebol nas fábricas. Revista USP, São Paulo, n 22, jun/agos., p. 102-109, 1994.
ARAÚJO, Silvia; CARDOSO, Alcina. Jornalismo e militância operária. Curitiba: Ed. UFPR,
1992.
ARÊAS, Luciana Barbosa. Consentimento e resistência: um estudo sobre as relações entre
trabalhadores e Estado no Rio de Janeiro. 2000. 343f. Doutorado (Doutorado em História) –
Instituto de filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2000.
ARNAUD, Pierre (Org.). Les orígenes du sport ouvrier en Europe. Paris: L’Harmattan, 1994.
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos (memórias). 2 ed. São Paulo: Alfa Omega,
1976.
BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. O movimento operário na primeira república. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
______. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências. In: FREITAS.
Marcos Cezar de. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p.
145-158.
______. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: DELGADO,
Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. (org). O Brasil republicano: o tempo do
liberalismo excludente: da proclamação da república à revolução de 1930. São Paulo:
Civilização Brasileira, 2003. p. 161-189.
BERCITO, Sonia de Deus Rodrigues. 'Ser forte para fazer a nação forte': a Educação Física
no Brasil (1932-1945). Dissertação (mestrado em História Social). Faculdade de letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3 ed. Ijuí: Unijuí, 2005.
CANTARINO FILHO, Mário. A educação física no Estado Novo: História e doutrina
brasileira. 217f. Dissertação (Mestrado em Educação) Brasília: UnB, 1982.
138
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; KOSSOY, Boris. A imprensa confiscada pelo DEOPS. São
Paulo: Ateliê, 2003.
CARONE, Edgard.
Classes sociais e movimento operário. São Paulo: Ática, 1989.
______. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1979.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989.
______. Quando a história da educação é uma história da disciplina e da higienização das
pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História social da infância no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1997.
______.A república, a escola e os perigos do alfabeto. In.:_____(Org.). A escola e a república
e outros ensaios. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
CUNHA, Euclides. Os sertões. In: SANTIAGO, Silviano (Org.). Intérpretes do Brasil. 2 ed.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 168-625.
DECCA, Edgard. 1930: o silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1997.
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São
Paulo (1920-1934). São Paulo: Paz e terra, 1987.
DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB
(1928-1935). Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.
DULLES, John. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1977.
FAUSTO, Boris. Crise dos anos vinte e a revolução de trinta. In. ______. História geral da
civilização brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2, p.
401-426.
______. Trabalho urbano e conflito social. São Paulo: Difel, 1986.
______. Revolução de 1930: história e historiografia. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
FERREIRA, Marieta Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a revolução
de 1930. In. DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil
republicano: o tempo do liberalismo excludente – da proclamação da república à revolução de
1930. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003. p. 389-415.
139
FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis: Vozes,
1978.
FRANZINI, Fábio. Corações na ponta da chuteira: capítulos iniciais da história do futebol
brasileiro (1919-1938). Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
GHIRALDELLI Jr., Paulo. Educação e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1987.
GIGLIO, Célia Maria Benedicto. Impressos operários, leitores e práticas de resistência.
Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, n 7, 1º semestre, 2000.
GOELLNER, Silvana Villodre. O método francês e a educação física no Brasil: da caserna à
escola. 1992. 214 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Programa de Pós-
Graduação em Ciência do Movimento Humano, Escola Superior de Educação Física,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992.
______. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na revista educação physica. Unijuí:
Ijuí, 2003, p. 17.
GOMES, Angela Maria Correia. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil
(1917-1937). Campus: Rio de Janeiro, 1979.
______. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vertice, 1988.
GOUNOT, André. Sport or Political organization? Structures and characteristics of the Red
Sport International (1921-1937). vol. 1, n. 1, p. 23-39, 2001. Disponível em:
http://www.aafla.org/SportsLibrary/JSH/JSH2001/JSH2801/JSH2801d.pdf. Acesso em: 15
out 2006.
______. Sport réformiste ou sport révolutionnaire? Les débuts des Internationales sportives
ouvrières. In: ARNAUD, Pierre. Les origines du sport ouvrier em Europe. Paris: L´harmattan,
1994. p. 219-246.
HARDMAN, Francisco Foot, Nem pátria nem patrão: Vida operária e cultura anarquista no
Brasil. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2002.
HERSCHMANN, Micael; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. A invenção do Brasil
moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco,1994.
HOBSBAWM, Eric. A produção em massa de tradições: Europa, 1879 a 1914. In:______.
Era dos extremos: o breve século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
______; RANGER, Terence.: A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
_______. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LENHARO, Alcyr. Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986.
140
LINHALES, Meyli. Políticas públicas para o esporte no Brasil: interesses e necessidades. In:
VAGO, T. M.; SOUSA, E. S. (Org.) Trilhas e partilhas: Educação Física na cultura escolar e
nas práticas sociais. Belo Horizonte: Editora Cultura, 1997. p. 219-229.
______. A trajetória política do esporte no Brasil: interesses envolvidos, setores excluídos.
1996. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
LUCENA, Ricardo. O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro.
Campinas: Autores Associados, 2001.
MARCASSA, Luciana. A invenção do lazer: educação, cultura e tempo livre na cidade de São
Paulo (1888 – 1935). 2002. 204 f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2002.
MELO, Victor Andrade de. Cidade sportiva: do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Relume Duramá, 2001
_______. História da educação física e do esporte no Brasil: panorama e perspectivas. São
Paulo: Ibrasa, 1999
MORAES, Cláudia. Educação física, lazer e o mundo do trabalho na revista Educação
Physica (1932-1945) e um contraponto possível com os jornais proletários. 2004. 130 f.
Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Educação Física) – Centro de Educação
Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2004.
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981.
NAGLE, Jorge. Educação na primeira república. In: FAUSTO, Boris (Org.). História geral
da civilização brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2,
p. 259-291.
NEGREIROS, Plínio José Labriola. Futebol nos anos 1930 e 1940: construindo a identidade
nacional. História: Questões e Debates. Curitiba, n. 39, p. 121-151, 2003.
NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da república: o Brasil na virada do século XIX para
o século XX. In: DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil
republicano: o tempo do liberalismo excludente – da proclamação da república à revolução de
1930. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003. p. 13-44.
PACHECO, Eliezer. O Partido comunista brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-omega,
1984.
PAOLI, Maria Célia. Os trabalhadores urbanos nas falas dos outros: tempo espaço e classe na
história operária brasileira. In. LOPES, J. L (org). Cultura e identidade operária: aspectos da
cultura da classe trabalhadora. São Paulo; Marco Zero. 1987.
PEREIRA, Leonardo Afonso Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio
de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
141
PINHEIRO, Paulo Sergio. Estratégias da Ilusão: a revolução Mundial e o Brasil (1922-
1935). São Paulo: Companhia Das Letras, 1991.
______. O proletariado industrial na primeira república. IN: FAUSTO, Boris. História geral
da civilização brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Difel, 1978. t. 3, v.2.
1978. p.135-178.
PRADO, Antônio Armoni (Org.). Libertários no Brasil: memória, lutas, cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
RODRIGUES, Leôncio Martins. O PCB: os dirigentes e a organização. In. FAUSTO, Boris
(Org.). História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano (1889-1930). São Paulo:
Difel, 1978. t. 3, v.2, p. 361-433.
SANTOS, Jorge Artur dos. Os intelectuais e as críticas às práticas esportivas no Brasil
(1889-1947). 2000. 277f. Dissertação (Mestrado História Social) – Faculdade de Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
SCHNEIDER. Omar. A revista de educação physica (1932 – 1945): estratégias editoriais e
prescrições educacionais, 2003. 344 f. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política
e Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica e ritmos do Rio. In: ______. História da
Vida privada no Brasil: república – da Belle Époque à era do Radio. São Paulo: companhia
das letras, 1998. p. 513-619.
______. Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Companhia das letras, 2003.
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: organização,
lutas e lazer em um bairro paulistano (1915-1924). 2002. 190f. Dissertação (Mestrado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2002.
SOARES, Carmen. Educação física: raízes européias e Brasil. Campinas: Autores
Associados, 1994.
STRAUSS, Leon. Le sport travailliste français pedant l’entre deux guerre. In: ARNAUD,
Pierre (Org.). Les origenes du sport ouvrier em Europe. Paris: L’Harmattan, 1994. p. 193-218
TOLEDO, Luiz Henrique. Futebol e teoria social: aspectos da produção acadêmica brasileira
(1982-2002). Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. São Paulo,
v. 52, p. 133-165, 2001.
VAZ, Alexandre Fernandes. Teoria crítica do esporte: origens, polêmicas, atualidade. Revista
Esporte e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 1, Nov2005/Fev2006. Disponível em:
<http://www.lazer.eefd.ufrj.br/espsoc/pdf/es102.pdf.>. Acesso em: 25 de janeiro de 2007.
142
VELHO, Gilberto. Estilo de vida urbano e modernidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
v. 8, n. 16, p.227-234, 1995. Semestral. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/175.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2006.
VINHAS, Moises. O partidão: a luta por um partido de massas (1922-1974). São Paulo:
Hucitec, 1982.
WEINSTEIN, Barbara. (Re)formação da classe operária no Brasil (1920-1964). São Paulo:
Cortez, 2000.
ZICMAN, Reneé Barata. História da através da imprensa: algumas considerações
metodológicas. Projeto História, São Paulo, n. 4, p. 89-102, 1985.
5.1 FONTES
Boletins, cartas, circulares, resoluções teses e informes
486
A DISSOLUÇÃO da FJCB. Boletim de agitação e propaganda, n. 5, p. 14, 15 de fev. 1937.
ÁLVARO. Federação de massa, federação de classe. Boletim Interno da Juventude
Comunista, n. 2, p. 3, dez 1930.
BOLETIM [do Comitê Central da FJCB], n. 1, abr. 1935..
BOLETIM Interno da Juventude Comunista do Brasil, n. 1, out. 1930.
CARTA ao Secretariado da Organização do KIM, Rio de Janeiro, 7 dez. 1928.
CARTA da Federação da Juventude Comunista do Brasil ao Secretariado Sul-Americano
Juvenil da Internacional Juvenil Comunista, 3 jan. 1930.
CARTA DE CASEMIRO à Federação da Juventude Comunista do Brasil, 19 set. 1930.
CARTA do Comitê Regional de Pernambuco ao CC da FJCB, 11 set. 1931.
CARTA do Comitê Regional de Pernambuco ao C.C. da FJCB. 22 nov. 1931.
CARTA do Secretariado do Comitê Central da F. da J C. do Brasil ao Secretariado Sul-
Americano da Internacional Juvenil Comunista, 5 agos. 1929.
CIRCULAR sobre o 2º pleno da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 25 out. 1929.
ESTATUTOS do Centro de Jovens Proletários do Brasil. Rio de Janeiro. 1929.
INFORME do camarada Marquês no VI congresso da IJC, 29 out. 1935.
486
A grande a maioria dos documentos referentes à FJCB está localizada no AEL – UNICAMP, Coleção
Internacional Comunista, rolo de microfilme n. 8.
143
INFORME da federação Juvenil Comunista do Brasil apresentada pelo camarada Arnaldo no
Secretariado da América do Sul e do Caribe do Comitê Executivo da IJC, 24 mar. 1933, p. 20.
INFORME da FJCB apresentada pelo camarada Arnaldo no Secretariado da América do Sul e
Caribe do Comitê Executivo da ICJ, 24 mar. 1933.
INFORME sobre a Federação da Juventude Comunista e na juventude trabalhadora, 14 out.
1934.
PELA PROLETARIZAÇÃO de nossa federação. Boletim da Federação da Juventude
Comunista, n. 2, dez. 1930.
PERY. Pela Unificação da JC. Boletim interno da Federação da Juventude Comunista, n. 3,
fev. 1931, p. 4.
PLANO CONCRETO de Tarefas para a Federação no período de 2 meses. Boletim Interno da
Juventude Comunista, n. 3, fev. 1931.
RELATÓRIO do Comitê Central da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 5 jun.
1935.
RELATÓRIO do Encarregado Sportivo da Juventude Communista do Brasil. Relatório dos
Trabalhos do 1° Congresso da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 26 mar. 1929.
RELATÓRIO Geral da Federação da Juventude Comunista do Brasil, 13 jan. 1930.
datilografado.
RELATÓRIO dos trabalhos apresentados ao 1º Congresso da Federação da Juventude
Comunista do Brasil, 26 mar. 1929.
RESOLUÇÃO DO 2º PLENO do Comitê Central da Federação da Juventude Comunista
sobre a situação do país e sobre a situação e tarefas da Juventude Comunista do Brasil, sem
data.
RESOLUÇÃO DO COMITÊ Central Ampliado da Federação da Juventude Comunista sobre
as tarefas do Partido Comunista Situação. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n.
1, out. 1930, p.3.
RESOLUÇÃO política da reunião de ativos do Rio de Janeiro. Boletim Interno da Juventude
Comunista, n. 3, fev. 1931.
RESOLUÇÃO sobre a conferência do Nordeste e Ext. -Norte, do Secretariado Político do C.
C. da FJCB aos camaradas das Regiões Juvenis do Nordeste e Extremo Norte do Brasil, 23
jul. 1931.
SITUAÇÃO e tarefas da federação. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 1, out.
1930.
SITUACIÓN de la juventude proletaria del Brazil, incompleto, sem data, sem assinatura.
144
SOBRE A JUVENTUDE Comunista. Teses do 3ºCongresso do PCB, 12 fev.1929.
SOBRE A QUESTÃO esportiva. Teses do 3º Congresso do PCB, 12 fev. 1929.
SOUZA. A região do Rio. Boletim da FJCB, n 1, abr. 1935.
TESE do Bureau Sul Americano da Internacional Juvenil Comunista à Federação da
Juventude Comunista do Brasil, sem data.
VI CONFERÊNCIA regional. Boletim da Federação da Juventude Comunista, n. 1, out.
1930, p. 1.
Jornais
A Classe Operária
A LEGISLAÇÃO social fascista. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n 93, p.2, 19 jul. 1930.
COMO os “trabalhistas” escarnecem da miséria dos trabalhadores. A Classe Operária, Rio de
Janeiro, p. 2, 28 jul. 1930.
CONFEDERAÇÃO Geral do Trabalho. A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 2, 22 fev. 1930.
n 86.
DISCURSO do representante da juventude na praça Mauá. A classe operária, Rio de Janeiro,
n 2, p. 2, 5 maio 1928.
DOS NOSSOS correspondentes. A Classe Operária, Rio de Janeiro, n 1, p. 1, 1 maio 1928.
DYSTER. A organização dos jovens. A Classe Operária, Rio de janeiro, n 4, p. 3, 19 maio
1928.
JUVENTUDE proletária. A Classe Operária. Rio de Janeiro, p. 4, 17 abr. 1930.
MILHÕES de operários, de empregados, de lavradores pobres e de mulheres e jovens
trabalhadores – Organizae-vos nas associações de classe. A Classe Operária. p. 1, n. 2. 5 maio
de 1928.
O PROBLEMA da centralização das forças operárias resolvido. A Classe Operária, Rio de
Janeiro, p. 3, 1 maio 1928.
SECRETARIADO político da internacional comunista. Resolução da internacional comunista
sobre a questão brasileira. A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 3, 17 abr. 1930.
SPORT proletário: todo operario footballer deve ingressar nos clubs proletários. A Classe
operária, Rio de Janeiro, n 1, p. 4, 1 maio 1928.
VIDA juvenil. A Classe Operária, Rio de Janeiro, jan. 1938.
145
A Nação
COMENTANDO... . A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 5 jan 1927.
COMENTANDO..., A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 12 de mar 1927.
COMENTANDO..., A Nação, Rio de Janeiro, p. 4, 14 de mar 1927.
REGIME desportivo falido. A nação, Rio de Janeiro, p. 4, 5 jan 1927.
A Plebe
CENTRO de cultura social. A Plebe, São Paulo, São Paulo, n. 8, p.1, 14 jan 1933.
OS TRABALHADORES e suas agrupações. A Plebe, São Paulo, n. 8, p.1, 14 jan 1933.
ZAMBY, Ganga. A intromissão suspeita dos intelectuais da burguesia nos assuntos
proletários. A Plebe, São Paulo, n 53, p. 1, 13 jan. 1934.
O Internacional
A. FRES. Pelo sporte proletario contra o sporte burguez. O Internacional, São Paulo, n 143,
p. 2, 1 out. 1928.
COMPANHEIROS jovens e adultos lutemos pela completa organização do esporte proletário.
O Internacional, São Paulo, n 155, p. 3, 1 maio 1929.
NEO. O esporte entre os trabalhadores. O internacional, São Paulo, s/p, 31 out 1928.
PENHA. O proletariado e o esporte. O Internacional, São Paulo, n 153, p. 3, 1 mar. 1929.
VOCÊ me conhece?. O internacional, São Paulo, n 155, p. 3.1 maio 1929,
O jovem Proletário
A INSÍGNA esportiva soviética. O jovem proletário, Rio de Janeiro, p. 3, nov. 1934.
O Proletário
DEVE o trabalhador praticar esportes?. O proletário, São Paulo, p. 2, 9 jun 1932.
O Trabalhador Graphyco
AGOS. Juventude proletária. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 102, p. 3, 5 dez. 1928.
ASSOCIAÇÃO Graphica de Esportes. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n. 97, p. 7,1 jul
1928.
AOS OPERÁRIOS esportistas. O Trabalhador Ghapico, São Paulo, n 98, p. 4, 1 agos 1928.
146
CONSCIÊNCIA de classe. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 95, p. 7, 1 maio 1928.
DEMART. Esporte proletário: a grande illusão. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 8, p.
4, 7 fev 1933.
E AGORA para frente. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 8, p. 1, 7 jan. 1933.
NOSSA ORGANIZAÇÃO é uma só, é a UTG. O Trabalhador Graphico, São Paulo, n 11, p.
34 nov.1933.
O DEPARTAMENTO esportivo da UTG. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 95, p. 51
maio 1928.
OS INDUSTRIAES e a apllicação da lei de férias. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 97,
p. 81, jul. 1928.
UM APPELO aos esportistas graphicos. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 98, p. 4, 1
ago. 1928.
UM LAMENTAVEL incidente e um salutar exemplo. O Trabalhador Graphyco, São Paulo,
n 11, p. 3. 4 nov. 1933.
VAMOS companheiros. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 8, p. 4, 7 fev. 1933.
VIVA o esporte proletario!. O Trabalhador Graphyco, São Paulo, n 97, p. 7, 1 jul 1928.
O Solidário
FOOT-BALL operário. O solidário, Santos, p. 2, 20 jan. 1926.
Nossa Voz
CARTA Aberta. Nossa Voz, São Paulo. p. 5, 1 jan 1935, n 33.
COMITÊ Regional de São Paulo da Federação da Juventude Comunista. Nossa Voz, São
Paulo, n 33, p. 5, 1 maio 1935.
CULTURA burguesa e cultura proletária. Nossa Voz, São Paulo, n 24, p. 4, 15 ago 1934.
FIRPO. Futebol, Nossa Voz,São Paulo, n 22, p. 2, 15 jul 1934.
Revistas
Revista Cultura
RODRIGUES, Benigno Fernandes. Considerações em torno do Esporte proletário. Revista
Cultura, Rio de Janeiro, n. 8, p. 8-10, nov. 1928.
Revista Educação Physica
BERRY, Elmer. Sistemas de educação physica: suas características e valores. Revista
Educação Physica. Rio de Janreiro, n. 2, p. 18, 1932.
147
DEFINIÇÕES de educação physica. Revista Educação Physica, n. 3, s/p, 1933.
EDITORIAL. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 1, p. 3, mar. 1932.
______. Educação Physica, n. 2, p. 3, 1932.
______. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 4, p. 11, mar. 1934.
FISHER, Irving. A nova educação physica. Revista Educação Physica, n 4, p. 12, mar.1934.
REZENDE, Octavio Murgel. Os esportes como elemento de cohesão nacional. Revista
Educação Physica, n. 2, p. 51, dez. 1932.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo