126
sempre foi bom pra caralho de boxe tailandês, tinha os braços compridos, a mão
dele vinha no joelho, parecia um primata. Brigava bem, boa envergadura. E o
cara, o cara era ruim de jiu-jitsu, era ruim de boxe. O Bruno deu uma aula de
boxe, vinha e batia “um, dois, três”, e saía, depois entrava “um, dois, três”, e saía,
todas as porradas estalando na cara do cara. O cara não conseguia “cinturar” ele
de jeito nenhum, não conseguia levar pro chão. O cara era tão mongol que
conseguiu pegar a perna do Bruno, o Bruno deu as costas pra ele, e ele não fez
nada, não pegou no mata-leão, e a gente gritando “porra Bruno, não dá as
costas!” Eu sei que acabou a briga, o cara não aguentava mais apanhar. Meio que
pediu pra encerrar, e nego aceitou, deixou morrer a parada. O cara tava todo
inchado, todo fudido, cheio de galo em tudo quanto era parte do rosto. (Eduardo,
30 anos, ex-lutador de jiu-jitsu)
Neste caso, as “galeras” se respeitaram, e a porrada fluiu dentro da
“normalidade”. Apenas dois jovens se enfrentaram, e a desistência de um foi
acatada pelo outro. Mas nem sempre as coisas se passam desta maneira:
Fui pra Maresias, eu, Bento e o Mateus. Já era umas seis da manhã, fomos pegar o
carro. Aí passa uma picape, na caçamba tava o fulano [conhecido lutador de vale-
tudo de São Paulo], aí quando passa pela gente ele dá umas porradas na lataria,
pedindo pra parar. Aí parou uns quinze metros na nossa frente. Aí o cara “algum
problema aí?”, e a gente “problema nenhum”. Ele “é, porque aqui não tem pra
carioca não”. “A gente sabe disso, tamo aqui curtindo a noitada de vocês,
respeitando a área de vocês e tal... São seis horas da manhã, tamo indo dormir, só
isso”. “Não, é bom mesmo não ter problema, os cariocas são cheios de marra tal
tal tal”. O fulano falou mais algumas merdas, tirou mais algumas ondas e a gente
engoliu tudo. Aí nisso sai de dentro do carro um dos alunos dele, e começa a falar
“aí fortinho, tu tá cheio de marra”, aí eu falei “mermão, cheio de marra o quê? Tá
maluco? Só quero ir pra casa dormir, tô cansado, só isso”, aí no que eu falo isso
ele “mermão o caralho, não sou teu irmão porra nenhuma” e eu “porra, qual é a
parada, tá querendo arrumar confusão à toa?”, aí ele veio vindo pra cima, tentou
me dar um chute, eu bloqueei, falei “não quero brigar”, aí ele veio me dar um
soco, eu saí do soco, e começo a bater nele: bum! Entrei com um diretão, ele
desnorteou, bum bum bum, entrei com vários socos. Já fiz jiu-jitsu anos, sei que o
cara vai tentar agarrar a minha perna. Não deu outra, ele quis me agarrar e eu
bum bum bum, soco soco soco, travei aqui, agarrei o cara, cotovelada nas costas
dele, soco na cara, e ele não conseguia me puxar e tal, sem me tirar o equilíbrio.
Aí o fulano, que tava com uma bota de gesso, chega por trás e pum!, me chuta a
cara. Dá um chutão na minha cara, caralho, eu não vejo mais nada, tudo preto, eu
não sei nem como eu consegui ficar de pé, só fechei a guarda e fiquei sentindo os
caras me dando porrada, bum bum bum, e tudo preto, preto, preto, assim, fechado,
os caras me batendo, eu não sei nem quem me bateu. Eu sei que quando eu
consegui ver um vulto eu me agarrei, meti a cara no peito do cara, pra proteger,
até que chegou uma galera e conseguiu separar a briga. Aí fiquei com os dois
olhos roxos, não tive nenhum traumatismo craniano nem nada, mas fiquei duas
semanas todo inchado. Crocodilagem. Crocodilagem. Covardia pura. Porra,
chutão na cara com bota de gesso! (Túlio, 34 anos, ex-lutador de jiu-jitsu.)
Duas observações, para encerrar. Primeiro, vale notar que a porrada também
se encaixa em todas as categorias de jogos propostas por Roger Caillois (1967;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521345/CA