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ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem
esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. O sujeito da
experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um
espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua
oportunidade, sua ocasião. A palavra experiência tem o ex de exterior, de
estrangeiro
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, de exílio, de estranho
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e também o ex de existência. A
experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem
essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de uma
forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Em alemão,
experiência é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-
alemão fara também deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo.
Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência
contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.
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Preservamos a íntegra da explanação de Larrosa Bondía porque em seu conjunto
apreendemos tanto a complexidade, quanto a profundidade, e mesmo a beleza contida na
palavra experiência. No mais, ela nos remete à condição do sujeito da experiência:
[...] o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua
passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura.
Trata-se de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de
uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção,
como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental,
como uma abertura essencial.
O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da
experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos),
nem a o-posição (nossa maneira de opormos), nem a im-posição (nossa
maneira de impormos), nem a pro-posição (nossa maneira de propormos),
mas a ex-posição, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por
isso, é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou
se propõe, mas não se ex-põe. É incapaz de experiência aquele a quem nada
lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada
toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada
ocorre.
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Assim, aquilo à que a espiritualidade nos conduz é à experiência de abertura
enquanto “receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma
abertura essencial
427
” que nos coloca diante de nossa própria condição de seres humanos
“com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco
428
”. Diante disto, a que nos remete a
experiência? À nossa condição de seres inconclusos, ao inacabamento como condição
423
Em espanhol, escreve-se extranjero. (Nota do tradutor)
424
Em espanhol, extraño. (Nota do tradutor)
425
BONDÍA, Jorge Larrosa. Nota Sobre a Experiência e o Saber da Experiência, p.25
426
Idem
427
Idem
428
Idem