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P10: – E os amigos que continuam são amigos que tem. Porque, na verdade, o W. era
uma criança que tinha bastante problema de saúde, então ele comovia as pessoas; ora
ele estava bem ótimo, rindo pra todo mundo e jogando beijo, depois ele começava...
tinha uma crise, ele começava vomitar na frente de todo mundo, entendeu? Então, aí o
pessoal via o lado bom e o lado péssimo. Então, aquilo lá parece que comovia as
pessoas.
M10: – E pela história: uma criança que fez vinte e cinco cirurgias, quatro derrames
cerebral, duas meningites e sem nada de função renal, sem nenhum rim, sobreviver
quatro anos e seis meses! Então, só por aí já conta tudo, né? Um ser humano, como o
médico falou, não agüenta. É muita coisa. Vinte e cinco anestesia geral e ele, ali, firme:
ia e voltava. Então isso... a própria equipe médica já achava que...
O próprio médico veio, examinou e falou: “ele está com suspeita de meningite. Nós
vamos internar ele urgente”. Eu falei: ele não pode ficar internado aqui porque o
convênio não cobre. Ele falou: “não, agora ele não pode mais sair daqui”. Aí, internou;
e o médico já veio e falou: “olha mãe! Ele teve meningite; então entrou pela abertura...
o bichinho entrou lá dentro e contaminou, ele vai precisar internar urgente”. Já entrou
e foi pra UTI. Aí entrou em coma profunda, pegou todas as doenças que você possa
imaginar, dentro do hospital. Aí, paralisou tudo, deu aquela infecção generalizada.
Eu já estava há trinta e três dias com ele lá, dormindo no carro – que a gente tinha um
carro velho que não tinha nem condição; era uma Paraty muito mais velha do que essa
– sem tomar banho. Pra escovar os dentes, eu escovava na torneirinha do jardim do
hospital, porque a diária lá era cento e trinta reais, uma refeição, dezoito reais, eu não
tinha dinheiro para pagar e não tinha como sair dali, porque não tinha ninguém no
hospital, não tinha equipe que sabia mexer com a diálise.
Então ele falou pra mim: “a gente cuida da cabecinha dele e você cuida da diálise.
Você é a mestra dele aqui, vai vir um mestre, vem de um outro hospital que eles
chamaram e você se vira com a máquina”. Então, quer dizer, eu não podia sair de jeito
nenhum. Aí fiquei lá. Quando foi com trinta e três dias, eles chamaram ele; a infecção
generalizou, paralisou tudo. Aí era só o aparelho que tava o coração...
P10: – Qual era o nome que ele falou? Assepssemia, sepssemia...
M10: – É, infecção generalizada. Nisso ele ficou num quarto fechado, eles falaram:
“Olha mãe, não tem mais o que fazer, se você quiser providenciar o enterro dele lá, pra
sair daqui vai ficar muito difícil”. E esses médicos era assim. Não dá nem pra falar em
religião, mas no lugar que eu fiquei, dentro da UTI, toda hora eu via ele chegar e
colocar as mãos na equipe e fazer uma oração, as enfermeiras toda hora colocando a
mão dizendo que estava transmitindo energia pra ele. E esse Dr. O.T. falou assim:
“Mãe, seu filho tinha uma missão aqui com a gente, ele vai passar um bom tempo aqui,
até ele cumprir essa missão, mas ele vai ficar bom, acredite nisso que eu estou te
falando, ele vai ficar bom”.
Então trinta e três dias, eu já não agüentava mais, eles pediram pra preparar e
mandou chamar esse. Aí chegou lá, explicou pra gente: “se vocês quiserem a gente
desliga o aparelho, não tem mais mesmo o que fazer e nem dá, nem tem condição dele
continuar mais no hospital porque ele já está passando a bactéria para os outros
pacientes, generalizou”. Ele já estava todo inchado, a pele soltou inteirinha, estava em
sangue vivo, não tinha mais o que fazer realmente. Eu não tinha coragem de desligar o
aparelh. Aí, ele falou: “Olha, ele não vai até amanhã, a gente vai entrar com outra
droga porque a gente desconhece, todas as drogas a gente tentou e não tem mais o
que fazer, então a gente vai entrar com uma hoje, que derruba”. Só que ele falou: “Pra
você que não entende, derruba um elefante. Então, agora é tudo ou nada”. Isso foi tres
horas da manhã. Eu fiquei lá; chegou o Dr. e falou assim pra mim: “M., vai descansar
no carro um pouco, leva meu bip, qualquer coisa eu te chamo se a máquina apitar”.
Porque a máquina, de hora em hora, ela apitava; aí, dava um problema, e eu tinha que
resolver. Ele falou: “se a máquina apitar eu te bipo, então descansa um pouquinho”.
Aí eu fui para o carro, deitei no carro e apaguei. Eu acordei nove horas da manhã, um
sol no meu rosto. Aí, eu falei: pronto, morreu! Porque ninguém me falou nada, a
máquina não apitou até agora, e era de hora em hora...